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Introdução
1
Mestrando no Programa de Pós Graduação em História das Ciências, das Técnicas e Epistemologia da
UFRJ.
Belo Horizonte, Campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG
08 a 11 de outubro de 2014 | ISBN: 978-85-62707-62-9
Anais Eletrônicos do 14º Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia – 14º SNHCT
Por fim, Callon segue aliando as descrições dos acontecimentos e, ao mesmo tempo,
propondo discussões dentro da Sociologia da Tradução, culminando num arranjo onde
os três biólogos marinhos arregimentam os moluscos, os pescadores e a comunidade
científica através de um instrumento que se transformou na promessa de recuperação da
população dos moluscos (que atenderia o próprio interesse destes em se reproduzirem
(CALLON, 1986)
“É provável que Riedel tenha adquirido os aparelhos como parte dos planos de uma
idealização anterior, a do Serviço de Profilaxia Mental, na colônia, em 1922. Nessa
época, Riedel esteve viajando pelos Estados Unidos e voltou entusiasmado com o
movimento de Higiene Mental, que, em 1923, redundou na criação da Liga Brasileira de
Higiene Mental.” (CENTOFANTI, 1982, p. 182).
“atualmente todo Instituto destinado ao estudo, cura e profilaxia das moléstias mentais
deve ter, como como auxiliar indispensável, um laboratório de Psicologia, a cargo de
um psicólogo profissional. Este torna-se, então, valioso colaborador do médico, para
eficiência da ação de tal Instituto.” (GUIMARÃES, apud PENNA, 1992, p. 31).
Temos, portanto, uma Colônia que estava de braços abertos para a atuação de um
psicólogo profissional, capaz de capitanear um Laboratório psicológico para auxílio nos
serviços. Temos, também, um diretor com ares higienistas, que vislumbra no
Laboratório uma forma de, no futuro, ingressar nos movimentos de Higiene Mental.
Ambas as partes apontam na mesma direção, mas ainda carece algo para que estes
movimentos realmente caminhem para o mesmo lugar. E é nesse momento que aparece
Waclaw Radecki.
Campos (1953) aponta que apenas a circunstância de estar no Brasil favoreceu Radecki
para tomar as rédeas do ainda não formado Laboratório da Colônia, que, onde havíamos
parado a história, estava com instrumentos angariados por um aspirante a higienista e
com um ambiente favorável a uma colaboração conjunta dos psiquiatras com um ainda
ausente psicólogo profissional. Porém, Centofanti nos indica mais detalhes desta
história:
“O que deve realmente ter determinado novos fins para a aparelhagem e favorecido a
indicação de Radecki foi seu notável currículo. É importante lembrar que, em Genebra
[centro de formação de Radecki], diferente de muitos centros europeus, a Psicologia
figurava entre os cursos de licenciatura em ciências naturais e não dentre os de
Filosofia. Isto o deixava adequadamente habilitado para desenvolver seu futuro trabalho
no Laboratório, dentro do espírito da Psicologia Experimental da época.”
(CENTOFANTI, 1982, p. 183).
Radecki, agora chefe de análises clínicas da Colônia, pode realizar o sonho de Riedel de
um Laboratório de Psicologia. Nos instrumentos financiados por Guinle a pedido de
Riedel servirão para o polonês levar adiante seus sonhos de estabelecer um sistema
psicológico. A Colônia ganha o luxuoso auxílio de uma Psicometria moderna
comandada por um profissional competente. E o Laboratório transformou-se na
confluência destes atores.
De modo a unir todos estes num só ponto, emerge o que Callon define como Ponto de
Passagem Obrigatória (Obligatory Passage Point): aquilo que fará com que os atores
confluam suas demandas num único ponto para que todos alcancem seus objetivos. Nas
palavras de Callon, sobre os pesquisadores dos moluscos de St. Brieuc: “They
determined a set of actors and defined their identities in such a way as to establish
themselves as an obligatory passage point in the network of relationships they were
building.” (CALLON, 1986).
Mais do que apenas o OPP que o Laboratório se tornou, temos a Tradução realizada
pelos atores. Radecki tornou-se indispensável com seu currículo, exatamente o que
buscava Riedel e a Colônia (Problematization). Todos estavam devidamente
interessados (na acepção de Callon do termo), de modo que o Laboratório os fez atingir
seus objetivos através desse interessamento. Todos foram alistados e seguiram seus
papeis da maneira esperada (dentro do que eles mesmos esperavam de seus papeis, vale
assinalar). E, por fim, Radecki tomou o lugar de Porta-Voz, como liderando o
Laboratório: Centofanti (1982, p. 184-185), nos revela que Radecki e sua esposa
passaram a residir na Colônia, bem como a serem, respectivamente, chefe de laboratório
e primeira assistente.
Em seu livro Ciência em Ação, Bruno Latour empreende uma análise da Ciência a partir
de suas práticas e das práticas dos próprios cientistas. A partir de diversas análises
diferentes, o livro se propõe como um grande compêndio de esquemas e descrições que
visam gerar regras e métodos para se seguir a Ciência em seu curso de ação, e não
apenas uma Ciência estática e acabada.
“Se Diesel for a única pessoa que acredita em seu motor perfeito, o motor ficará para
sempre numa gaveta de escritório, em Augsburg. Para propagarem-se no espaço e
tornarem-se duradouros eles todos precisam (todos nós precisamos) das ações dos
outros. Mas como serão essas ações? Muitas, na maioria das vezes imprevisíveis, que
transformarão o objeto ou a afirmação transportada. Portanto, estamos diante de uma
incerteza: ou os outros não tomam a afirmação em suas mãos ou a tomam. Se não
tomarem, a afirmação ficará presa num ponto do tempo e do espaço: eu, meus sonhos,
minhas fantasias... Mas se a tomarem nas mãos, poderão transformá-la tanto que ficará
irreconhecível. Para sair dessa incerteza, precisamos fazer duas coisas ao mesmo tempo:
(1) alistar outras pessoas para que elas participem da construção do fato; (2) controlar
o comportamento delas para tornar previsíveis as ações.” (LATOUR, 1998, p. 177-178).
Após esta exposição, Latour define cinco formas de transladar os interesses através das
pessoas: “Eu quero o que você quer”, ligação direta entre interesses (p. 178); “Eu quero;
por que você não quer?” Uma forma de mudar o interesse alheio de forma que conflua
com o seu (p. 183); “Se você desviasse um pouquinho...”, uma negociação direta que
visa aproximar os interesses num denominador comum que se torne atalho para os
interesses (p. 183); “Remanejando interesses e objetivos”, uma série de táticas menores
para manejar os interesses alheios a seu favor (p. 187); e, por fim, “Tornar-se
indispensável”, ser o único caminho para a obtenção do resultado buscado (p. 197).
(LATOUR, 1998).
Aparte o estilo peculiar dos títulos, a ideia é bastante simples, e se resume nas
negociações que se é preciso fazer para que os possíveis interessados comprem a sua
ideia. Muda-se o foco da ideia em si, como auto-suficiente para convencer, e trabalha-se
a ideia numa rede de associações, interessando (no sentido de Callon, que Latour
reconhece) os interessados
Tendo sido fundado por Radecki o Laboratório, iniciou-se uma segunda etapa de seus
esforços. Agora, como bem indicou Centofanti, tendo o polonês conseguido seu espaço,
iniciou uma busca por alianças. Já tínhamos indícios de que os planos de Radecki eram
maiores do que apenas chefiar o Laboratório idealizado por Riedel, e, novamente,
Centofanti nos fornece valiosa descrição do mestre polonês:
Para tal, Radecki iniciou seus trabalhos. A princípio, começou uma vultuosa produção
científica no laboratório, primeiro sozinho e aos poucos com colaboradores. Penna
(1992), em um laborioso texto, nos demonstra a incrível produção do Laboratório,
grande para a época, com cerca de 30 trabalhos e relatos de pesquisas, atuações clínicas,
resumos de cursos e afins. Sobre os cursos, muitos foram ministrados em diversos
lugares, e é desses que virão os novos aliados de Radecki.
Centofanti (1982. P. 186 – 187) conta dos muitos cursos ministrados por Radecki,
dentre eles no laboratório, Liga Brasileira de Higiene Mental, Escola de Enfermeiras
Alfredo Pinto e Faculdade Nacional de Medicina. O público envolvia médicos (muitos
da própria Colônia), enfermeiras e técnicos, bem como militares (este último grupo
assistindo palestras no próprio laboratório) interessados nos aspectos científicos da
seleção profissional de aviadores. Fora do Rio, também foram realizados cursos na
Faculdade de Direito de Curitiba e no Congresso de Higiene me Belo Horizonte.
Não à toa todos estes cursos foram ministrados. Listados por Centofanti e figurando nos
trabalhos listados por Penna, um grupo forte de colaboradores rodeou Radecki: Nilton
Campos, Antônio de Bulhões Pedreira, Oswaldo Guimarães e Flávio Dias (todos
médicos); Lucília Tavares (professora municipal indicada pela Secretaria de Educação);
Ubirajara da Rocha, Arauld Bretas e Alberto Moore (médicos militares do setor de
aviação do Exército da época), e por fim Euríalo Cannabrava (advogado), Edgard
Sanchez (filósofo e professor) e Jaime Grabois (ex-interno de uma clínica Psiquiátrica
na Bahia e que se transferiu para o Rio).
Colaboradores estes que compraram a ideia do Laboratório, cada qual com seus
motivos, e contribuíram fortemente para seu desenvolvimento. Diz Centofanti:
Começaria uma fase prévia de preparação para o que viria a seguir: a transformação do
Laboratório em Instituto de Psicologia. Como o intuito deste trabalho é apenas estudar
as negociações de Radecki, cabe adiantar o fim da história brevemente: o polonês
conseguiu êxito em seu plano de criar um Instituto de Psicologia. Porém, apenas sete
meses depois, este foi fechado por diversas razões, e um Radecki derrotado mudou-se
para o Uruguai no intuito de continuar seu projeto (CENTOFANTI, 1982).
Tal viagem, dada no ano de 1927, deu-se antes da chegada do último colaborador, Jaime
Grabois, que nos revelou acima atividades diminuídas. Não à toa pois, nesta fase,
Radecki focalizou as publicações do laboratório de modo a delinear seu obscuro projeto
de sistema. Nos conta Centofanti (1982, p. 188) uma preocupação com o sistema
psicológico revelada nos subtítulos dos trabalhos publicados, sempre em referência ao
Discriminacionismo afetivo, sistema psicológico desenvolvido pelo mestre polonês, e
brevemente resumido por Centofanti em outro trabalho, de 2003 (“O
discriminacionismo afetivo”, CENTOFANTI, 2003).
E foi, nesta tríplice finalidade, que nossa narrativa acaba, já adiantado o fim da história
parágrafos acima, mas terminada na vitoriosa criação do Instituto, foco de nossa
discussão a seguir.
Todos os aliados agregados por ele foram transladados a partir das translações 1, 2 e 3:
Radecki criou objetivos iguais (com os muitos médicos, “Eu quero o que você quer”),
angariou aliados por convencimento (Lucília Tavares, ao interessar a Secretaria de
Educação a ponto de enviar uma professora, “Eu quero, por que você não quer?”) e
negociou objetivos em comum (com os médicos militares, que terminaram por
desenvolver trabalhos com a temática da seleção profissional de aviadores, “Se você
desviasse um pouquinho...”).
Conclusão
próprias descrições: seguindo os atores por onde eles forem, e falando do que eles
disserem, nada mais, nada menos. Esperamos que tenha, além da função histórica clara
de retomar fatos e acontecimentos pouco estudados neste campo, servir de exemplo da
utilização da Sociologia da Tradução, de modo a demonstrar que tal método pode ter
validade tanto para estudos científicos como para estudos da história das ciências,
sempre acrescentando boa interpretações a velhos problemas.
Referências Bibliográficas