CITAÇÕES - Domínio armado: o poder territorial das facções, comandos e milícias
no Rio de Janeiro – JACQUELINE E ANA PAULA
“Pesquisas denominam ‘facções’ como grupos responsáveis pela venda de drogas no
varejo, marcados por confrontos diretos e ataques às forças policiais para o controle territorial das áreas de favelas com o bloqueio ao acesso da polícia. Há também trabalhos que se apropriam da nomenclatura ‘comandos’ para designar os mesmos grupos. Tal abordagem inicia nos primeiros anos da década de 1990, com o surgimento dos ‘comandos’ nas prisões paulistas. (...) As expressões ‘facção’ e ‘comando’ correspondem a categorias nativas manejadas por detentos, autoridades de segurança e mídias em suas performances discursivas de identificação, visibilidade e criminalização. Seus conteúdos simbólicos negociam sentidos envolvendo os dispositivos estatais de controle social. (...) A ‘facção’ sinaliza unidade tática de propósito e ação, explora a fragmentação com alianças provisórias e instáveis, reconhecendo a existência de antagonistas e a pertinência de disputa por supremacia econômica de combate pelo território. O ‘comando’ aponta unidade política de propósito e ação, explora a concentração do mando e a centralização decisória com sujeição e assimilação de rivais pela unificação de grupos, reconhecendo a pertinência de disputa por hegemonia política de mercado no território. As duas categorias implicam, em modos de governar autonomamente, atuando na construção e regulação de mercados ilícitos” (p. 2) “Na cidade considerada o ‘purgatório da beleza e do caos’, onde as autoridades oficiais estão permanentemente em crise, a ideia de estar dominado revela em que contextos a ordem se manifesta, bem como explicita que ‘manda quem pode e obedece quem tem juízo’. (...) Max Weber (...) buscou uma abordagem capaz de demonstrar que o Estado - em termos de dominação baseada na violência física legítima – produz uma política que sempre se manifesta como luta por uma parte do poder político. (...) Assim, o conceito de Estado passou a ser associado ao de uma “comunidade humana que, dentro de determinado território – este, o ‘território’, faz parte de suas características – reclama para si (com êxito) o monopólio da coação física legítima” (p. 3 e 4) “(...) no lugar de poder, Weber prefere usar o conceito de dominação, que significa ‘a probabilidade de encontrar obediência a uma ordem de determinado conteúdo, entre determinadas pessoas indicáveis’. Estar dominado significa, portanto, a explicitação de uma relação na qual uma das partes imporá sua vontade sobre a outra. (...) É o domínio territorial, ou melhor, um tipo de governo ilegal que ambiciona obter legitimidade, que impacta no oferecimento de serviços públicos e de comércio nessas mesmas áreas, uma vez que a venda ilegal desses serviços é associada a uma política de coação das pessoas e o impedimento das concessionárias em adentrarem nos territórios” (p. 4) “Salienta-se que, ao contrário do que se poderia esperar, a atuação dos grupos armados nem sempre se traduz em homicídios numa localidade, já que a lógica das práticas clandestinas pode apenas estar orientada pela produção do medo latente e difuso num dado território. (...) a estratégia principal é a apropriação particularizada ou a privatização perversa da segurança pública e, por consequência, de outros serviços urbanos a partir da intimidação e da ameaça de emprego da violência. O domínio armado é o controle do espaço público por determinados grupos (traficantes, milicianos, gangues) e serve para caracterizar os locais e as situações de risco a que estão expostos os trabalhadores e moradores dessas localidades” (p. 5) “(...) A imagem de um poder paralelo informa que os grupos voltados à criminalidade, que mantém o controle de territórios sob o regime da violência, não se comunicam – ou não se relacionam - com o poder instituído, democrático, que tem em sua missão, o sentido de combatê-los” (p. 5) “O domínio armado corresponde, portanto, à imposição de uma autoridade armada ilegal que, por meio da coação, exerce um governo autônomo e em rede, regulando o mercado ilegal e informal de oferta de serviços essenciais nos territórios como a luz, podendo atuar com agentes estatais e sob a conveniência estatal” (p. 5) “(...) a dimensão domínio armado atravessa distintos indícios de risco, isto é, aqueles sinais exteriores de violência e deterioração do espaço público (barricadas, pichações, etc.) que sinalizam como a região apresenta algum limite a mobilidade e acesso aos territórios, sendo regulada por quem detém provisoriamente domínio armado. Assim, a circulação e autorização para realizar serviços, assim como a possibilidade de impedir outros (...) funcionam como fatores objetivos para a identificação de áreas de risco por aqueles que circulam na localidade” (p. 6)