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A REENCARNAÇÃO

Nº 422 - ANO LXVII Sumário


Diretor
Nilton Stamm de Andrade
EDITORIAL
Redação
Aureci Figueiredo Martins 4
João Paulo Lacerda
Revisão
Aureci Figueiredo Martins
Jornalista Responsável
João Paulo Lacerda (DRT/RS 4044) Hermenêutica Espírita
Produção Gráfica Um diálogo aberto entre
Ciência e Religião
Redação e Administração
Av. Desembargador André da Rocha, 49
5
Fone/Fax: (51) 3224.1493 Gelson Luis Roberto
Porto Alegre -RS- CEP 90050-161-Brasil
reencarnacao@fergs.com.br
Esta revista está registrada no C.R.C. (Dec.
nº 24776, Art. 5º, item 1) sob o nº 211.185, cadas-

O que é o Espiritismo
tro nº 458/p nº 209/73 do D.C.D.P.
Fundada em julho de 1934 por Oscar
Breyer (seu primeiro diretor) sendo presidente da
FERGS Ildefonso da Silva Dias 12
Jerri Roberto S. de Almeida

FEDERAÇÃO ESPÍRITA
DO RIO GRANDE DO SUL
http://www.fergs.com.br
O Espiritismo na Cultura do Ocidente
Religião e Religiosidade
17
CONSELHO EXECUTIVO
Nilton Stamm de Andrade
Luiz Signates
Presidente
Udo Schuler
1º Vice-Presidente
Gladis Pedersen de Oliveira
2ª Vice-Presidente
Celina C. Córdova
1ª Secretária
Meri Otero da Silveira
2ª Secretária O Espiritismo e a Cultura Contemporânea
Vulpério Moreira Machado
1º Tesoureiro 22
Moacyr Arthur Bouchut Denizard de Souza
2º Tesoureiro
João Felício
Departamento Doutrinário
Vilma Darde Ruiz
Departamento de Infância e Juventude
Marilene Huff
Departamento de Assuntos da Família
Nilton Stamm de Andrade Corpo Onírico e Coração de Âmbar
Departamento de Comunicação Social
Udo Schuler 26
Livraria e Editora Espírita Francisco Spinelli Terezinha Maria Vargas Flores
Silvio Luiz de Oliveira
Assessoria Jurídica
Seldon Fritz Hofmann
Assessor Geral
Adão Fontes dos Santos
Assessor da Presidência Por que o Espiritismo é a
Cicélia Porto de Deus
Assessora do Setor de Apoio e Terceira Revelação Divina
Promoção Social Espírita
Leopoldina Almeida Frade 36
Coordenadora do Centro de Treinamento e Estudo Aureci Figueiredo Martins
Aureci Figueiredo Martins
Assessoria para a Revista A Reencarnação

A REENCARNAÇÃO - Nº 422 3
Editorial
Afinal de contas, o que é o Espiritismo?
Transcorridos 144 anos do Cristo-Jesus. igrejismos e outras ingenuida-
lançamento d’O Livro dos Espíri- Sendo avessa ao dogmatismo des.
tos, esta indagação continua e ao espírito de seita, a doutrina 4 - Coragem moral para vivenciar
suscitando questionamentos e até espírita anima um movimento o conhecimento espírita,
desencontros de opinião entre os não-proselitista que jamais se vencendo as dificuldades
adeptos da consoladora doutrina deixará engessar por interpreta- interiores (acomodação,
dos Espíritos. O próprio ções reacionárias ou indiferença, inibições etc) e
Codificador, evidenciando as fundamentalistas. No ambiente exteriores (materiais, sociais e
dificuldades da formulação de espírita há de prevalecer o conví- espirituais).
uma definição satisfatória, deixou- vio fraterno, sustentado pelo Por sua vez, as instituições
nos o registro de suas várias diálogo respeitoso e inteligente- espíritas devem ser, além de
tentativas neste sentido, bastante mente aberto ao aprendizado com casas de oração, escolas
conhecidas no meio espírita. as opiniões divergentes, aliás, instigadoras da arte do livre
Parece-nos que tais dificulda- inevitáveis, uma vez que “onde pensar, e conscientizadoras de
des derivam do fato de o Espiritis- houver o espírito do Cristo, aí que só o saber pode emancipar
mo conformar uma magnífica haverá liberdade”. espiritualmente o Homem, tendo
cosmovisão que, envolvendo e A assimilação do vasto con- presente que a cosmovisão
clarificando os mais diversos teúdo informativo e formativo do espírita é uma ampla síntese do
campos do saber e do sentir Espiritismo, indispensável à conhecimento humano, constituída
humanos, avança além-fronteiras compreensão do que ele vem a por sólida base científica que
das ciências convencionais para ser, é apanágio daqueles que alicerça um imenso edifício
extasiar seus estudiosos com mergulham, profunda e filosófico.
lampejos dos infindáveis desdo- demoradamente, nas águas Uma vez assimilado, o ideário
bramentos dimensionais da lustrais do pensamento doutriná- espírita, cuja alma é o espírito da
realidade subjacente e, ao mesmo rio. Eis que são requisitos essen- verdade, promove a maturação da
tempo, transcendente aos fenô- ciais ao correto entendimento da religiosidade natural da criatura
menos físicos. cosmovisão espírita: humana, a expressar-se na
É de Kardec a afirmação de 1 - Disponibilização: Reserva de educação dos sentimentos e em
que o Espiritismo há de dialogar espaço-tempo para o estudo efetiva e persistente ação no bem
permanentemente com a ciência, doutrinário continuado (leitu- comum.
complementando-a aqui e ali. ras, diálogos, palestras, cursos, A propósito, lembremos
Mas é igualmente dele o lembrete meditação, etc). Kardec: "A bandeira que arvora-
de que, caso venha ficar demons- 2 - Amor à Verdade: disposição mos bem alto é a do Espiritismo
trado que a doutrina espírita está para pagar o custo da Verda- cristão e humanitário, em torno da
equivocada num ponto qualquer, de; só dar crédito ao que for qual somos felizes de ver desde já
que o erro seja abandonado e se verdadeiro: questionar "verda- tantos homens se juntarem em
encampe a nova verdade des" estabelecidas; abandonar todos os pontos da Terra, porque
descortinada pela perquirição o falso, mesmo que seja compreendem que está nela (...)
científica. tradições ou crendices o signo de uma nova era para a
Kardec afirma, também, que o atávicas, lembrando ser humanidade." (1861, O Livro dos
Espiritismo, ao tempo em que "preferível rejeitar dez verda- Médiuns, cap. IX "in fine")
combate as idéias do materialismo des do que acatar uma única Com esta edição da sua
niihilista, constitui, não uma falsidade, uma única teoria revista cultural, a FERGS alcança
concorrência, mas um “poderoso errônea" (LM, item 230). uma abordagem epistemológica
auxiliar da Religião”, cujos 3 - Consciência crítica: amadure- do saber espírita, tendente a levar
fundamentos perscruta com as cimento intelectual que permi- seus leitores a refletir, serena e
lentes da racionalidade e do bom ta um pensar livre, isento de: maduramente, sobre o que vem a
senso. É uma filosofia misticismos fantasiosos, ser, afinal, o Espiritismo em si, e o
espiritualista que restaura o mitismos, superstições, que tem sido na vida de cada um
sentido original das lições do dogmatismos, sectarismos, em particular.

4 A REENCARNAÇÃO - Nº 422
Hermenêutica Espírita:
Um diálogo aberto entre Ciência e Religião
Gelson Luis Roberto*
E à ciência, a temperança; à vas que nos mostram que todos sou-se o sujeito da psicologia e o
temperança, a paciência; à pa- estamos interligados numa grande substituímos por estímulos, respos-
ciência, a piedade. teia: a teia da vida. Isto e questões tas, comportamentos. Expulsou-se
(II Pedro, 1:6) outras que nos apresentam estão o sujeito da história, eliminaram-se
servindo para questionar as ba- as decisões, personalidade, para só
Saber não é tudo. É necessá- ses que fundamentam a ciência ver determinismos sociais. Com
rio fazer. E para bem fazer, ho- clássica. isso, em nome da busca de objeti-
mem algum dispensará a calma Com “ciência clássica” estamos vidade, foi-se coisificando a vida e
e a serenidade, imprescindíveis nos referindo ao conjunto de conhe- perdendo o “encanto do mundo”.
ao êxito, nem desdenhará a coo- cimentos que tem como recurso Um mundo sem mais segredos, não
peração, que é a companheira epistemológico1 o realismo mate- mais sagrado e, aos poucos, sem
dileta do amor. rialista. Baseada nos fenômenos moral.
(Emmanuel –Vinha físicos e na idéia de Descartes que Safranski (2000) refere que a
de Luz: 238) estabelecia a imagem do mundo própria filosofia sofreu e sofre as
como uma grande máquina, e em conseqüências dessas influências.

E
stamos em meio de uma dois princípios: o determinismo e Por volta de 1900 a filosofia sofre
grande fase de transforma a objetividade forte (a idéia que um grande baque. As ciências na-
ções. Rupturas de certos os objetos são separados e inde- turais, ligadas ao positivismo2 ,
conceitos, descobertas ou redes- pendentes da mente). Esta pos- empirismo3 , e sensualismo4 , rou-
cobertas de outros, percepções no- tula um universo sem qualquer bam-lhe o ar que respira. Toda ló-
significado espiritual: mecânico, gica científica era e continua base-
1 Epistemologia é a disciplina que vazio e solitário.
* Psicólogo clínico. Analista em
toma as ciências como objeto de inves- No século XX, assistimos à in- formação pela Associação Junguiana
tigação. Por um lado busca entender vasão da cientificidade clássica nas do Brasil. Membro da Associação
como se constrói o conhecimento (prin- ciências humanas e sociais. Expul- Brasileira de Etnopsiquiatria.
cípios, hipóteses, etc), por outro, diz
respeito a filosofia das ciências ou his-
tória das ciências. Assim, episte-
mologia designa tanto uma teoria ge-
ral de conhecimento como também as
bases ou gênese de determinado conhe-
cimento.
2 O positivismo se caracteriza pela
valorização de um método empirista e
quantitavo, pela defesa da experiên-
cia sensível como fonte principal do
conhecimento e pela consideração das
ciências empírico-formais como
paradigmas de cientificidade e mode-
los para as demais ciências.
3 Empirismo refere-se à teoria do
conhecimento segundo a qual todo co-
nhecimento deriva, direta ou indireta-
mente, da experiência sensível.
4 Espécie radical de empirismo que
considera que todas as idéias e todo o
conhecimento derivam de nossa expe-
O mundo que perde o seu
riência sensorial. A mente é conside-
mistério, deixa de ser sagrado,
rada uma tábula rasa onde através das enfraquecendo o sentimento
nossas sensações, encontramos a ori- moral.
gem de todos os nossos conhecimentos "O Caminho do Enigma",
e de todas as nossas faculdades. Salvador Dali, 1981

A REENCARNAÇÃO - Nº 422 5
ada na experiência regulada, expe- surge um materialismo robusto. O pensamento fundamental de
rimentação, formação de hipóteses, Desenvolve-se uma verdadeira pai- Lange é a reconstituição daquela
procedimento indutivo. xão por reduzir, por expulsar o es- nítida distinção kantiana entre o
Pergunta como “O que é cons- pírito do campo do saber. Essa so- mundo aparente, que podemos ana-
ciência?” é ignorada pelos cientis- briedade positivista acabou por ti- lisar segundo leis, mundo ao qual
tas, objetando ser a consciência sim- rar de cena o espírito e colocar a pertencemos com parte de nossa
ples fenômeno do cérebro, ou seja, mente como uma função do cére- natureza – como coisa entre coisa
da matéria. E a venerável questão bro. Lange, através do seu livro – e um mundo que também chega
filosófica de “o que é algo” se tor- "História do materialismo", mostra até nosso interior, antigamente cha-
na obsoleta para os cientistas. que existe um ponto de congela- mado “espírito” e que em Kant se
Como explica Safranski, esta per- mento do materialismo, onde nada chama “liberdade” em relação ao
gunta leva sabidamente ao ilimita- mais se move. Leibniz já tinha de- homem interior e “coisa-em-si” em
do, mas, como não compreendes- monstrado a falência do materia- relação ao mundo exterior. Lange
sem mais infinitudes, também que- lismo quando discutia a relação de recorda a definição da natureza de
riam livrar-se do ilimitado. Os ci- consciência e corpo, nas disputas Kant: que ela não é aquela coisa
entistas modernos optaram por ele- com Hobbes. Diz Leibniz (apud em que vigem as leis que chama-
ger a questão “como algo funcio- Safranski, 2000) que, se algo de- mos leis da natureza – ao contrá-
na?” como mais promissora. Com pende de algo, isso não quer dizer rio. Na medida em que encaramos
isso, a ciência busca explicar algu- que sejam idênticos, pois se assim algo sob o ponto de vista de tais
ma coisa e não, compreendê-la. fosse, não seriam distintos. Mas, se “leis”, nós o constituímos como “na-
Buscam-se regularidades, mas não não fossem distintos, um não pode- tureza” aparente, mas, na medida
o significado. Pois compreender nos ria depender do outro. Exemplifica em que o encaremos do ponto de
torna cúmplice de nosso objeto de dizendo que a vida do ser humano vista da espontaneidade e liberda-
estudo. depende da respiração, mas nem de, trata-se de “espírito”. (2000: 59)
O projeto da modernidade co- por isso o ser humano é apenas ar. O autor nos explica que os
meça com a disposição de rejeitar dois pontos de vista são possíveis e
tudo que é excessivo e fantasioso. Sobre o trabalho de Lange, necessários. Podemos analisar a
Contra o movimento do idealismo, Safranski coloca: nós mesmos como agentes na na-
tureza ou coisa entre coisas. Pode-
mos, como fez Hobbes, encarar-nos
como máquinas. Mas a escolha de
uma perspectiva ou outra só é pos-
sível por sermos livres, livres até
para nos fazermos máquinas. As-
sim, somos uma peça do mundo
aparente, portanto parte da nature-
za segundo a lei, coisa entre coi-
sas, e ao mesmo tempo cada um
sente em si a espontaneidade da li-
berdade. “Liberdade é o mistério do
mundo que se revela em nós, o ver-
so do espelho das aparências”.
Também somos nós mesmos em
nossa liberdade como “coisa-em-
si”, dentro da qual todas as deter-
minações encontram a sua dimen-
são já que nós mesmos podemos
nos determinar, somos o coração de
todas as determinações.
Mais do que pensar que o “es-
pírito” é um elo numa cadeia cau-
sal, é, antes, o outro lado de toda a
A própria subjetividade com que organizamos nossas percepções do mundo "objetivo" nos cadeia. Através das ciências natu-
demonstra como agentes livres, espíritos criadores. rais pode-se fazer fisiologia do psí-
"Decalcomania", René Magritte, 1966 quico, mas não podemos esquecer
6 A REENCARNAÇÃO - Nº 422
nicar” o que se conhe-
ce, que dirá do ser hu-
mano com todo o seu
campo psíquico. Pode-
mos dizer que o nosso
corpo não se configura
integralmente no limites
do corpo biológico, as-
sim, nossas percepções
não estão delimitadas a
esse mesmo campo bi-
ológico. Temos que as-
segurar outras formas
de validar o conheci-
mento e buscar com isso
novos métodos e concei-
tos do que é fazer ciên-
cia. As novas pesquisas
que buscam estudar
como o cérebro conhe-
ce, as descobertas de
Karl Pribam que pro-
Os próprios vegetais tem formas de "conhecer" e de se comunicar não abordáveis pelo
põe o holograma6 como
cientificismo positivista. que dirá a rica fenomenologia psíquica humana. modelo para os processos cere-
"Superfície ondulante", M.C. Escher, 1950 brais, a idéia de totalidade implicada,
entre outras, são algumas das inú-
meras descobertas que possibilitam
com isto que não atingimos o espi- breve possível, as folhas arranca- outras formas de apreender a rea-
ritual em si, apenas seu equivalen- das. E também segregou uma subs-
5 Grandes moléculas recentemen-
te material. Podemos falar em quí- tância que protege contra parasi-
te descobertas, que segundo alguns
mica espiritual, dos neurope- tas, pois havia compreendido muito cientistas, regulam os transmissores
ptídios5 , que estabelecem a comu- bem que alguma coisa a atacou. cerebrais e representam um avanço
nicação entre os órgãos peris- Mas o mais interessante é que as na compreensão do funcionamento do
pirituais e materiais, mas não po- árvores vizinhas da mesma espé- cérebro. Espiritualmente falando, pa-
demos com esta análise dizer que cie começaram a segregar a mes- rece que esses neuropeptídios atuam
esgotamos o humano. ma substância antiparasitária que a como meio de comunicação entre es-
Uma pesquisa apresentada por árvore agredida segregava. Ou pírito e matéria.
Morin (1996) nos é particularmen- seja, de alguma maneira as outras 6 Holografia é fruto de um objeto
te interessante para a nossa refle- árvores tomaram conhecimento da que tem seu campo ondulatório de luz
registrado numa chapa sob a forma
xão. Esta pesquisa demonstra que realidade da primeira.
de um padrão de interferência, que
há comunicação entre árvores de Trazemos esta informação por exposto num feixe de luz coerente,
uma mesma espécie. Cientistas re- acharmos que ela representa uma como um laser, regenera o padrão
tiraram todas as folhas de uma idéia que rompe ou desarticula a ondulatório formando uma imagem
árvore para ver como se compor- visão positivista do conhecimento. tridimensional. Como não há focali-
tava. A árvore segregou seiva mais Se para as árvores existem outras zador, cada pedaço do holograma
intensamente, para repor, o mais formas de “conhecer” e de “comu- pode reconstruir a imagem inteira.
Ele é usado como modelo de uma
nova descrição da realidade forman-

Temos que buscar outras formas do um novo paradigma que propõe


que cada parte ou aspecto do univer-
so existe não apenas como afirmação
de validar o conhecimento e novos individual, como também essa mes-
ma parte contém dentro de si um de-
métodos de fazer ciência. pósito completo de informações, ou
seja, a totalidade.

A REENCARNAÇÃO - Nº 422 7
lidade.
Um dos filósofos que se preo-
cupou com outras formas de dar o
conhecimento, possibilitando novas
abordagens sobre o ser e o conhe-
cer, foi Martin Heidegger. Segun-
do Japiassu (1991), Heidegger pro-
cura recuperar a importância fun-
damental da questão do ser, que na
tradição do pensamento moderno
dera lugar à problemática do conhe-
cimento e da ciência.
Uma outra proposta revolucio-
nária é a trazida pelo físico Amit
Goswami (2000). Propõe ele que é
a consciência, e não a matéria, o
elo que nos liga uns aos outros e ao
mundo. Para ele não estamos se-
parados do mundo, mas, sim, so-
mos o mundo. Precisamos reconhe-
cer que estamos intimamente
conectados com a realidade. Se-
gundo seus estudos, há indícios que
a mente produz um efeito profundo
sobre objetos quânticos, isso quer
dizer que existe uma influência da
mente sobre a matéria, ou melhor,
a matéria em sua forma é criação
de nossas mentes. Em vez de pos-
tular que tudo (inclusive a consci- Ficar preso ao reducionismo da racionalidade científica positivista não levará
ência) é constituído de matéria, ele à verdadeira ciência do espírito.
"Desmaterialização próxima do nariz de Nero", Salvador Dali, 1947
postula que tudo (incluindo a maté-
ria) existe na consciência e é por
ela manipulado. remos trazer o espírito para o cam- Não podemos cair na armadilha de
Heidegger também, através da po da ciência e eleger o espiritismo querer fazer pesquisa positivista
lógica, pensa poder apanhar uma como tal, estabelecer uma nova e dentro de uma realidade avessa ao
ponta deste valor supra-individual, bem estruturada epistemologia que que o positivismo assevera. Temos
e para ele isso significa muito, pois abarque de forma consistente esta que nos alicerçar em novas fontes
quer acreditar na realidade objeti- realidade. Paradigmas 7 novos
va do espírito. O espírito não deve como o da complexidade8 propos-
ser apenas um produto de nossa to por Morin (Castro, 1997) e o 7 Termo proposto pelo filósofo da
ciência Thomas Kuhn para designar
cabeça. Mas ele também quer ad- paradigma holográfico proposto por os modelos aceitos por uma determi-
mitir que o mundo exterior tem re- Bohn e Pribam (Wilber, 1994) po- nada comunidade de cientistas para
alidade autônoma. Não pode eva- dem ser úteis nesse processo. Te- fundamentar suas pesquisas e teorias
porar-se tornando-se quimera do mos um desafio aí, mas o mais im- científicas. Assim, conforme a época,
espírito subjetivo. Heidegger quer portante é o perigo de os espíritas vai havendo um processo de transfor-
mação e formação das teorias cientí-
evitar as duas coisas: a queda no ficarem “presos” num discurso ci- ficas conforme novos paradigmas fo-
materialismo e a falsa subida aos entífico, “forçando a barra” atra- rem surgindo.
céus do idealismo subjetivo. vés de chavões tipo foi provado que 8 Termo proposto por Edgar
Do ponto de vista metodológico, tal coisa é assim ou que tal fenô- Morin a fim de abarcar uma ciência
considero importante para nós es- meno é fruto de uma realidade com consciência e permitir um encon-
tro transdisciplinar. Para ele isso per-
píritas a hermenêutica e o esforço material. Isso só reforça e agrava mite disjuntar e associar o conheci-
de Husserl (fenomenologia) em tra- o preconceito das pessoas que fa- mento, concebendo níveis de emergên-
zer essa nova abordagem do conhe- zem ciência ou se utilizam direta- cia da realidade sem reduzi-los a uni-
cimento. Pois precisamos, se que- mente do referencial positivista. dades elementares e às leis gerais.

8 A REENCARNAÇÃO - Nº 422
paradigmáticas e mudar o nosso
discurso de verdade, ou de Uma hermenêutica espírita
cientificidade. Kardec utilizou-se da
pesquisa empírica e do método seria a forma de apreensão da
positivista da época, pois eram os
métodos validados como científi-
cos. Mas a realidade de sua pes-
realidade mais comprometida com
quisa, a realidade espiritual e as
relações desta com o mundo mate-
a nossa visão de mundo
rial, superam e não podem ser abar-
cados pela ciência positivista. onde as forma de cultura, no curso do conhecimento como construção,
Definindo a hermenêutica como da história, devem ser apreendidas como entendimento, e o conheci-
“arte de compreensão” e conside- através da experiência íntima de mento como revelação. A idéia do
rando que a hermenêutica não exis- um sujeito e toda filosofia é uma apreender e do pertencer e o lu-
te enquanto um método universal, "filosofia de vida". Atualmente, ela gar-sentido das coisas. Os modos
mas somente como uma pluralidade oferece uma reflexão interpretativa de ser e o lugar da alma. E pensar
de hermenêuticas (Schuback, ou compreensiva sem cair no na distinção entre fé ou saber, ou
2000), podemos recuperar o outro literalismo concretista da matéria ou não, pensando na fé como o saber
lado da cadeia - o espírito - e das ciências positivistas. É dentro encarnado. Tudo isso constitui
viabilizar um espaço de encontro do disso que podemos buscar uma questionamentos fundamentais que
mesmo com a matéria. O esforço perspectiva dita científica. precisamos fazer-nos. Talvez tudo
de Heidegger em recuperar o ser, Assim, podemos, a partir disso, isso possa viabilizar uma ciência
o que implica retomar uma postura questionar o que é conhecer, e as com mistério e uma fé com razão,
que abarque a compreensão e que possíveis formas de conhecer. De- uma ciência que permita surpreen-
nos comprometa com a vida vivi- pois, busquemos entender de que der-se e incluir o sagrado em seu
da, é de fundamental interesse para forma podemos veicular o conhe- território e uma fé que possa se
todos nós. Como não existe uma cimento: o que pode ser comunica- assessorar da razão como forma de
única hermenêutica, penso que po- do e de que forma podemos comu- não cair num misticismo barato.
deríamos criar uma hermenêutica nicar. Entramos, então, na questão Acredito ser fundamental para
espírita, produzindo uma forma de
apreensão da realidade mais com-
prometida com a visão de mundo
do espiritismo.
Tudo isso é para pensarmos
essa possibilidade de um diálogo
entre a ciência e a religião ou entre
o conhecimento científico e a fé.
Um diálogo que possa ser possível
ou um novo conceito de ciência e,
até mesmo, de religiosidade. Pare-
ce que o mais importante de tudo
isso é a criação de uma nova aber-
tura para o conhecimento, no dizer
de Heidegger, uma abertura para o
sentido.
Para a hermenêutica de Hei-
degger, o pensar é "fazer-falar".
Refletir em alguma coisa significa
devolver-lhe a dignidade. O segun-
do aspecto do pensar é que ele é
participação, empenhada em parti-
lhar com outros a situação - aberta
para a palavra. A metodogia her-
menêutica nos oferece uma É possível o pluralismo nas formas de conhecimento do mundo.
epifania, uma "compreensão vital" "Galacidodesoxirribonucleico (Homenagem a Watson e Crick)", Salvador Dali, 1963

A REENCARNAÇÃO - Nº 422 9
Nesse término de reflexões,
chegamos num ponto em que se
impõe: o que pode ser o conheci-
mento científico sem o compro-
misso moral? Que adianta, por
exemplo, seres extraterrestres
fazerem contato e quererem tra-
zer novos conhecimentos se
estamos interessados em fazê-los
de atrações em circos, a fim de
ganharmos dinheiro. Que adianta
uma ciência estéril e uma fé
dogmática? Mas, afinal, que his-
tória é essa de misturar conheci-
mento com fé? Como podemos
definir a fé? Diz Emmanuel
Ter fé é guardar no coração a
luminosa certeza em Deus, cer-
teza que ultrapassou o âmbito da
crença religiosa, fazendo o cora-
ção repousar numa energia cons-
tante de realização divina da per-
sonalidade. Conseguir fé é alcan-
çar a possibilidade de não dizer:
“eu creio”, mas afirmar: “eu sei”,
com todos os valores da razão
tocados pela luz do sentimento.
(1993: 200)
"A Grande Família", René Magritte, 1963 Emmanuel nos informa, ainda,
que a razão sem o sentimento é
todos nós que a vida não seja o máximo do sentido, a própria fria e implacável, mesmo sendo
objetivada a ponto de perder seu essência do que é sentido. Um uma base indispensável; só o sen-
caráter sagrado. A noção de mis- sentido inesgotável apresenta, por timento cria e edifica. Encontra-
tério parece ser essencial por tra- sua vez, um sentido que não se mos em André Luiz, no seu livro
zer também o sentido. Importa esgota em determinações, em “No mundo maior” uma afirmati-
esclarecer que, segundo definições, em enunciações, po- va impressionante, que demons-
Schuback (2000), o mistério como dendo, por isso, determinar-se, tra os laços estreitos e
mistério não possui sentido deter- definir-se, enunciar-se, sempre e inseparáveis do desenvolvimento
minado, mas isso não significa de novo. O “sempre de novo” in- científico e a condição moral da
que ele não tenha a ver com a dica não só que cada determina- humanidade. Diz ele que a ciên-
estrutura de sentido. Segundo a ção é limitada mas também que, cia legítima “é a conquista gra-
autora. somente nessa limitação consti- dual das forças e operações da
Para a religiosidade cristã, o tuída por “cada um”, é possível Natureza, que se mantinham ocul-
mistério como mistério indica um fazer a experiência do mistério tas à nossa acanhada apreensão”
sentido inesgotável, sendo assim como mistério. (2000: 265) (2000: 126). E que as portas do
conhecimento se abrirão confor-
me a nossa maturidade espiritu-
É fundamental que a vida não al, na medida em que cresçam
nossos títulos meritórios. Real-
seja objetivada a ponto de perder mente, o que adianta ter inúme-
ras informações, e usá-las de
seu caráter sagrado, o mistério que maneira destrutiva. Nós, espíri-
tas, temos acentuado o valor da
traz o sentido inesgotável. fé raciocinada, da importância do
esclarecimento para alicerçar a
10 A REENCARNAÇÃO - Nº 422
fé, etc. Mas gostaríamos de in- demos fazer, como espíritas, não espiritualizar. Com isso mantemos
verter essa colocação e dizer o é tanto tentar encontrar formas um contato com o mistério vivo e
que parece ser a colocação mais de assegurar a realidade espiri- asseguramos o caminho para um
importante dentro dessa reflexão tual como uma verdade científi- mundo melhor, finalidade maior da
final: que não existe conhecimen- ca, e sim, ajudar a ciência a se doutrina.
to sem fé. Todos estamos moti-
vados pelo doce mistério da fé. Referências Bibliográficas
Não existe movimento algum que CASTRO, Gustavo de (org.). Ensaios de complexidade. Porto Ale-
não seja impelido por algum tipo gre: Sulina, 1997.
de crença, não existe busca de EMMANUEL. O Consolador. Psicografia de Chico Xavier. Rio de
conhecimento (pesquisa científi- Janeiro: FEB, 1993.
ca ou confirmação de alguma te- GOSWAMI, Amit. O universo autoconsciente. Rio de janeiro: Rosa
oria) sem algum tipo de intuição dos Tempos, 2000.
ou hipótese elaborada, e isto, de JAPIASSU, H.. MARCONDES D. Dicionário básico de filosofia.
alguma maneira, é fé. Rio de janeiro: Zahar, 1991.
Assim, mais importante do que LUIZ, André. No mundo maior. Psicografia de Chico Xavier. Rio
levar racionalidade para a fé é de Janeiro: FEB, 2000.
usar de maneira moral e justa o MORIN, Edgar. A noção de sujeito. In: SCHNITMAN, Dora (org.).
conhecimento que adquirimos. Novos paradigmas, cultura e subjetividade. Porto Alegre: Artes Médi-
Temos lido muito, discutido infi- cas, 1996.
nidades de pontos, buscado des- SAFRANSKI, Rüdiger. Heidegger – um mestre da Alemanha en-
vendar realidades profundas do tre o bem e o mal. São Paulo: Geração Editorial, 2000
mundo espiritual e material, mas SCHUBACK, Márcia Sá C. Para ler os medievais. Petrópolis: Vo-
nossas almas ainda continuam zes, 2000.
sendo sepulcros caiados por fora WILBER, Ken (org.). O paradigma holográfico e outros parado-
e podres por dentro. Neste senti- xos. São Paulo: Cultrix, 1994.
do, parece que o melhor que po-

"O Espelho Falso", René Magritte, 1935

A REENCARNAÇÃO - Nº 422 11
O que é o Espiritismo
Jerri Roberto S. de Almeida*
“As objeções nascem, quase na.. Assevera, detalhando-nos o giosa no Espiritismo. Em seu dis-
sempre, das idéias falsas, feitas conceito acima, que o Espiritismo curso pronunciado na Sociedade
‘a priori’, sobre aquilo que se não em sua dimensão científica “...tra- Parisiense de Estudos Espíritas, no
conhece bem.” ta da natureza, origem e destino dos dia 1º de novembro de 1868, Allan
Allan Kardec Espíritos, bem como de suas rela- Kardec se expressou da seguinte
ções com o mundo corporal”. Já forma:
1 - A Questão Conceitual em seu aspecto filosófico: “O Es- “(...) então o Espiritismo é
piritismo é uma doutrina (...) de efei- uma religião ? Ora, sim, sem
Para o filósofo idealista alemão tos religiosos, como qualquer filo- dúvida, senhores. No sentido fi-
Hegel (1770-1831), “O conceito é sofia espiritualista, pelo que forço- losófico, o Espiritismo é uma re-
a totalidade das determinações, reu- samente vai ter às bases fundamen- ligião e nós nos ufanamos por
nidas em sua simples unidade.” tais de todas as religiões: Deus, a isso...”
Embora o conceito seja indispen- alma e a vida futura. Mas, não é (Revista Espírita, dezembro de
sável na área do saber, conceituar uma religião constituída, visto que 1868)
é limitar. É condensar um conjunto não tem culto nem rito, nem tem- Compreendemos por sentido fi-
ou a totalidade do conhecimento, plos e que, entre seus adeptos, ne- losófico o sentido reflexivo, lógico
em suas características essenciais, nhum tomou, nem recebeu o título e racional que consubstancia a
a uma unidade, ou seja, a uma ex- de sacerdote (...)”.
pressão que possa representar uma Dentro dessa análise, talvez o
determinada realidade, em nosso mais palpitante seja a questão reli- * Professor de História e
Dirigente Espírita
caso, doutrinária.
No livro “O Que é o Espiritis-
mo”, publicado em julho de 1859,
Allan Kardec apresenta os motivos
que o levaram a publicar essa obra Kardec admitiu que o Espiritismo
sintética, onde resume informações pudesse ser considerado religião
iniciais sobre o Espiritismo. A obra num sentido filosófico
é relevante não somente para o
neófito da Doutrina, mas também
para os seus estudiosos. Em seu
preâmbulo, o insigne codificador
desenvolve a questão conceitual do
Espiritismo afirmando que
“O Espiritismo é, ao mesmo
tempo, uma ciência de observação
e uma doutrina filosófica. Como ci-
ência prática ele consiste nas rela-
ções que se estabelecem entre nós
e os espíritos; como filosofia, com-
preende todas as conseqüências
morais que dimanam dessas mes-
mas relações.”
Allan Kardec é profundamente
feliz ao definir o Espiritismo, den-
tro de uma elasticidade conceitual,
isto é, mesmo com o problema do
“conceituar é limitar”, Kardec ha-
bilmente apresentou-nos um concei-
to abrangente, sem deixar de ser
fiel a própria natureza da Doutri-
12 A REENCARNAÇÃO - Nº 422
2 - O Paradigma Cristão
O Cristianismo, em suas bases
doutrinárias originais, reúne os ele-
mentos indispensáveis para nortear
o processo de mutabilidade huma-
na, no aperfeiçoamento de suas ca-
pacidades morais, rumo à plenitu-
de. Referimo-nos, aqui, ao Cristia-
nismo desenvolvido por Jesus. Por-
tanto, o Cristianismo inicial,
consubstanciado na moral cristã e
não no cristianismo deturpado ao
sabor dos interesses do poder tem-
poral que permeou o mundo euro-
peu Ocidental após sua liberação
em 313, pelo Imperador Romano
Constantino, e, mais efetivamente,
com a realização do Concílio de
Nicéia, no ano 325, quando foram
introduzidos dogmas como: a virgin-
dade de Maria e a existência da
Santíssima Trindade, na qual Jesus
foi conduzido à condição de Deus.
Mais tarde, em 529, no Concílio
de Orange, adota-se a teologia
agostiniana e, por ocasião do
Quinto Concílio Geral da Igreja,
Pestalozzi é o pensador que cunhou o termo "moralidade" no sentido em 553, a idéia das vidas suces-
usado por Kardec (religiosidade informal, subjetiva, filosófica) sivas, que fazia parte do Cristia-
nismo inicial, é definitivamente
questão da religião espírita dentro ligião está centrado na moralidade, rejeitada e, em seu lugar, apre-
de parâmetros não dogmáticos, vi- isto é, no desenvolvimento espiritu- senta-se a teologia de Agostinho
sando trabalhar a consciência hu- al do ser humano. Certamente, ob- sobre o pecado original
mana, não para acreditar, mas para serva Herculano Pires, o fato de Com esses fatos, o Cristianis-
compreender a realidade espiritual Kardec ter aprendido com o mes- mo foi, gradativamente, perdendo
em suas interfaces. Esse sentido é tre Pestalozzi que “a moralidade é sua pureza inicial, para organizar-
relevante, pois torna o Espiritismo a essência da Religião e, portanto, se de modo semelhante à estrutura
uma religião dinâmica onde se bus- a verdadeira religião” explica ter político-religiosa do império roma-
ca o conhecimento ou a verdade, Kardec usado, nos textos doutriná- no, mergulhando logo em seguida,
pelas vias racionais, dentro de uma rios, diversas vezes o termo “mo- no mundo medievo.
natural e inalienável liberdade de ral” ao invés da palavra “religião”. É fato notório para todo estudi-
pensamento. Portanto, concluamos Segundo, ainda, o eminente Prof. oso da Doutrina Espírita que esta
que o Espiritismo é uma religião de Herculano Pires “Kardec recebeu tem profundas relações com o Cris-
essência, não formalizada e sem as dos Espíritos a confirmação dessa tianismo Inicial, porquanto possui
exterioridades que, normalmente, teoria pestalozziana. Todo “O Li- afinidades, no dizer de Deolindo
caracterizam o panorama religioso. vro dos Espíritos” a confirma, en- Amorim, “muito acentuadas no
A questão fica ainda mais inteligí- sinando uma religião pura, despro- campo moral, uma vez que a moral
vel, quando analisamos o sentido vida de exigências materiais...” espírita não é outra, senão a do
filosófico de religião como: “o con- Valendo-nos dessa singela aná- Evangelho”. Na verdade, coube ao
junto de deveres do homem para lise, fica-nos evidente a lógica Espiritismo, na atualidade, restau-
com Deus”. ternária do Espiritismo: Ciência-Fi- rar a simplicidade do Cristianismo
Convém, ainda, lembrarmos losofia-Religião, na dimensão inicial. Logo, a Doutrina Espírita
que, para Johann Heirnrich Pes- conceitual da unidade doutrinária. possui o papel histórico de apresen-
talozzi, o verdadeiro sentido de re- tar Jesus Cristo como o modelo ideal

A REENCARNAÇÃO - Nº 422 13
cação das máximas morais do
Cristo” - sintetizadas no amar a
Deus sobre todas as coisas e ao
próximo como a si mesmo - “em
concordância com o Espiritismo
e suas aplicações às diversas cir-
cunstâncias da vida”.
Ora, o Espiritismo, portanto,
não apenas reconhece o valor da
mensagem Cristã, mas pauta-se
por ela. Ensina-a, porque encon-
tra nela a mais notável proposta
educativa para a felicidade do
espírito humano.

3 - A Práxis Espírita
Seguindo o exemplo de Kardec
ao alertar-nos sobre a importância
do uso e do sentido das palavras,
desejamos, por nossa vez, esclare-
cer o significado do termo acima.
Consideramos por “a práxis espíri-
ta” a união dialética da teoria espí-
rita e sua prática.
Recentemente o Espírito Bezer-
ra de Menezes, pela psicofonia de
Divaldo Pereira Franco, fez opor-
tuna exortação aos trabalhadores
"Cristo Pancrator", século VI
espíritas: “Consideremos a urgên-
cia do tempo, a gravidade da hora
de perfeição a ser atingido, sem , Não obstante, a partir dessa e integremo-nos totalmente no ide-
no entanto, apresentá-lo dentro das questão de “O Livro dos Espíritos”, al da fé renovadora”. Certamente
ortodoxias que caracterizaram o Allan Kardec percebe a importân- tal advertência nos conclama a pro-
pensamento religioso das igrejas cia de explicar à luz do Espiritismo fundas reflexões sobre os efeitos
dogmáticas que advogam para si o os ensinos morais de Jesus, a fim comportamentais oriundos da assi-
título exclusivista de “cristãs”. de torná-los inteligíveis para todas milação do conhecimento espírita.
Em comentário à questão 625 as pessoas. Conclui-se, como é Este processo, no entanto,
de O Livro dos Espíritos, assim se obvio, que o Espiritismo aceita a consubstancia-se na fé racional,
expressa Kardec Moral de Jesus como uma propos- fruto de conhecimentos mais am-
“Para o homem, Jesus constitui ta de alta transcendência para plos sobre a vida e os mecanismo
o tipo da perfeição moral a que a instrumentalizar o progresso ético- pelos quais ela se processa.
Humanidade pode aspirar na Ter- estético-espiritual da criatura hu- Face a isso, a práxis espírita
ra. Deus no-lo oferece como o mais mana, encarnada ou desencarnada. deve ser a vivência do Espiritismo,
perfeito modelo e a doutrina que Surge, então, em abril de no Centro Espírita, sem atavismos,
ensinou é a expressão mais pura da 1864:“O Evangelho Segundo o a fim de que ele venha a contribuir,
lei do Senhor ...” Espiritismo”, contendo “a expli- em toda a sua simplicidade, para o
avanço do progresso ético-moral do
"O Livro dos Espíritos" ser humano, tanto na carne como
fora dela.

aponta Jesus como modelo de Todo estudioso sabe que o Es-


piritismo é a doutrina da simplici-
dade e, portanto, é anti-ritualística,
perfeição moral e sua doutrina, a mas há espíritas que se deixam
sugestionar pelas práticas ances-
mais pura expressão da lei de Deus. trais remanescentes de outras ex-
14 A REENCARNAÇÃO - Nº 422
periências religiosas, desejosos de hauridos nesses eventos e nos gru- dialética. Entenda-se por dialética
aplicá-las na Sociedade Espírita. pos de Estudo Sistematizado da a dinâmica racional pela qual se
Tais procedimentos, demonstram a Doutrina, a fim de preservarmos a estrutura o pensamento espírita em
necessidade sistemática de não racionalidade da prática espírita e sua base fundamental: a codificação
apenas participarmos de seminári- darmos autenticidade à propagação kardequiana. Logo, a sua aplicação
os e jornadas no Movimento Espí- do Espiritismo, nos moldes em que prática está, não em produzir ex-
rita, mas, fundamentalmente, nô-lo apresentou Allan Kardec. clusivamente fenômenos mediú-
metabolizarmos os conhecimentos O Espiritismo é uma doutrina nicos, mas em realizar estudos sis-

Thomas Hobbes

A REENCARNAÇÃO - Nº 422 15
temáticos da teoria espírita, em sua ber o seguinte esquema: examinadas sob o crivo da razão
dimensão tríplice, de ciência, filo- esclarecida.
sofia e religião, para nos habilitar- 4 - Releitura Da Vida Segundo Fritjof Capra, em seu
mos ao ideal de renovação interior O homem hodierno, exaurido livro “O Ponto de Mutação”, a hu-
pela fé racional. pelos conflitos múltiplos que habi- manidade, no momento atual,
Vejamos o que diz Kardec so- tam seu mundo íntimo, busca no- vivencia um processo de transfor-
bre os grupos de estudo: vos paradigmas que lhe possam mação cultural, ou seja, uma mu-
“Há algum tempo constituí- dar suporte para suas experiên- dança de paradigmas, não obstante,
ram-se alguns grupos, de espe- cias cotidianas na Terra. Não a predominância de uma cultura
cial caráter, e cuja multiplicação obstante, as religiões, fragilizadas materialista que está visivelmente
entusiasticamente desejamos en- em suas práticas ancestrais, per- declinante por recusar-se a mudar,
corajar. São os denominados deram-se nos formalismos, es- aferrando-se, obstinada e rigida-
grupos de ensino. Neles ocupam- quecendo que a essência de re- mente, a suas idéias obsoletas; mas
se pouco ou nada das manifes- novação do homem é um proces- o declínio continuará inevitável, ao
tações. Toda a atenção se volta so íntimo e racional. A criatura mesmo tempo em que a cultura
para a leitura e explicação de ‘O humana promove guerras na sua nascente, consubstanciada em uma
Livro dos Espíritos’, ‘O Livro dos insânia de encontrar a paz. O ho- visão espiritualista, continuará as-
Médiuns’, e de artigos da ‘Re- mem, segundo Thomas Hobbes, cendendo e assumirá, finalmente, o
vista Espírita’. (...) Aplaudimos fez-se “lobo do próprio homem” e papel de liderança. No entanto, lem-
de todo o coração essa iniciati- com isso gerou mais conflitos para bremos que mudanças evolutivas e
va que, esperamos, terá imitado- si mesmo. A criatura humana re- educacionais dessa magnitude não
res e não poderá, em se desen- belde, opta, historicamente, por de- ocorrem a curto prazo e de forma
volvendo, deixar de produzir o senvolver mais a intelectualidade, simplista.
melhores resultados.”(Allan esquecendo-se do sentimento do O Espiritismo é, sem dúvida,
Kardec - Viagem Espírita de 1862) amor, da fraternidade. a síntese dessa cultura emergen-
Já em 1862, Kardec estava es- Nesse momento grave por que te, pois engloba, em sua ampla e
perançoso quanto à importância dos transita a humanidade em escala dinâmica conceituação, todas as
grupos de estudo da Doutrina. E os planetária, o Espiritismo é a doutri- conquistas reais da tradição reli-
“resultados”, a que ele se refere, na nova que propõe uma releitura giosa, filosófica e científica,
são as conseqüências práticas dos da vida e dos valores existentes. É acrescentando novos conheci-
objetivos do Espiritismo. Voltamos um novo olhar para o real, com base mentos sobre o Homem, sua na-
novamente a essa relação dialética nas informações sobre Deus, a tureza e seu processo evolutivo,
da unidade teoria-prática. Quando imortalidade da alma, a reencarna- ensejando-nos horizontes mais
falamos em “objetivos do Espiritis- ção, a justiça divina, a pluralidade amplos de esclarecimento e con-
mo” queremos, entre outras coisas, dos mundos habitados, a lei de ação solação e, com isso, motivando-
referir-nos à sua proposta doutri- e reação..., obtidas por Allan nos à prática do BEM como pro-
nária essencial, da qual deriva o Kardec através da comunica- posta da vida, para levar-nos ao
comportamento espírita: a fé raci- bilidade com espíritos superiores, e encontro da felicidade real.
ocinada. Esta sim, é o fio condutor
do processo da práxis espírita, tan- Referências Bibliográficas
to no movimento espírita como na KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 68ª ed. FEB.
vida pessoal do adepto. A
aplicabilidade dos ensinos espíritas _________O Evangelho Segundo o Espiritismo. 100ª ed. Feb.
em nossa vida cotidiana, exige,
como é natural, esforço perseve- _________Obras Póstumas. 22ª ed. Feb.
rante na arte de educar as nossas
potencialidades internas. É notório _________Revista Espírita. Dez/1868. Edicel.
que o verdadeiro espírita é aquele
_________Viagem Espírita. 1862.
que se esforça para “domar” suas
disposições íntimas ainda distanci- _________O Que é o Espiritismo. 32ª ed. Feb.
adas do bem.
É o princípio geral da Lei do Tra- PIRES, J. Herculano. O Espírito e o Tempo. 2ª ed. 1977. Edicel.
balho, isto é: sem esforço não há
progresso. Logo, podemos conce- AMORIM, Deolindo. O Espiritismo e as Doutrinas Espiritualistas. 4ª
ed. Celd.

16 A REENCARNAÇÃO - Nº 422
O espiritismo na cultura do ocidente
Luiz Signates (signates@uol.com.br)*

O
espírita, por conta das pró- tir de parâmetros doutrinários. Ra- logia, a história, a antropologia ou a
prias tradições de estudo ramente encontramos textos que o filosofia social. Sem pretender ti-
praticadas em nosso mo- tratam na sua condição de movi- rar a legitimidade da discussão re-
vimento, aprendeu a compreender mento social, trabalhando algum tipo ligiosa espírita, parece-nos impor-
o Espiritismo exclusivamente a par- de diálogo atualizado com a socio- tante advertir que, com isso, pode-
mos estar nos arriscando a com-
prometer o caráter de racionalidade

Religião e Religiosidade e rigor que Kardec nos deixou, já


que a ausência de tratamento filo-
Luiz Signates* sófico e científico aos conteúdos e
Penso que é preciso efetuar uma distinção importante entre "reli- práticas espíritas acaba, não raro,
gião" no sentido institucional e "religião" no sentido da experiência vivi- sendo suprida por uma repetição
da. Em outras palavras, é preciso distinguir religião de religiosidade. dos métodos dogmáticos da teolo-
Não se trata, nem mesmo aplicado ao espiritismo, daquela divisão gia tradicional. Seguir Kardec, pois,
entre "doutrina" e "movimento", que é um modo ingênuo de reproduzir não deve nem pode ser afirmar
a separação positivista entre teoria e prática e, com isso, ratificar uma dogmática e acriticamente os seus
certa interpretação hegemônica do espiritismo, segregando as demais. conteúdos, e sim levar a sério o seu
Não! a distinção entre religião e religiosidade, a que me refiro, é método, encarando a razão, face a
uma distinção pragmática. "Religião", no sentido ins- face, em cada épo-
titucional, é uma prática; e "religião", no sentido da ca do pensamen-
experiência vivida, é outra prática. São, enfim, prá- to humano.
ticas diferentes, embora usualmente confundidas. Dentro dessa
A religião, no sentido institucional, é aquela que
ótica, este artigo
prioriza a igreja, a doutrina e as formas estabelecidas,
pretende efetuar
no direcionamento que é dado ao movimento. Em
uma reflexão crí-
outras palavras, é aquela que elege como critério a
instituição, em suas formas jurídica, ideológica e ri- tica a respeito da
tual, e, em nome da preservação dessas formas (a cultura ocidental,
religião, no sentido institucional, é sempre uma prá- na qual estamos
tica conservadora), movimenta preconceitos, discri- inseridos e que
minação, policiamento e exclusão. É nesse momen- hoje se globaliza, e
to que a religião produz a violência e a guerra, que
* Luiz Signates
começam simbólicas e culminam físicas. é jornalista, profes-
A religião, no sentido da experiência vivida, é sor adjunto e pes-
aquela que prioriza o viver e o existir humanos, que se quisador da Facul-
estabelece na relação, na solidariedade, na fraternidade, dade de Comunica-
na epifania. É a prática profética, mediúnica, alteritária, ção da Universida-
amorosa, em toda a sua plenitude. É o martírio, a doa- de Federal de Goiás,
"O Toureiro Alucinógeno",
ção, a emergência do novo, do divino no âmbito do Salvador Dali, 1968-1970 onde coordena a
inesperado. Enraíza-se no mundo da vida - e em suas área de Pesquisa e
instâncias: a personalidade, a cultura e a sociedade - e se manifesta sobre- Pós-Graduação. Especialista em Polí-
ticas Públicas, Mestre e Doutor em Ci-
tudo na linguagem (daí o simbolismo do "Verbo", da "Palavra", que não é
ências da Comunicação. Expositor e
nem jamais foi qualquer texto escrito e referendado como sagrado). E é escritor espírita, ocupa hoje a presi-
justamente por estar enraizado nas esperanças e buscas das pessoas que dência do Instituto de Comunicação
a epifania religiosa jamais culmina em loucura, sem entrar em ampla con- Social Espírita – Ícone, em Goiânia, e,
tradição consigo mesma. E também por isso, sempre que essa vivência a partir de 2002, assume a Diretoria
culmina em violência, é a violência institucional que se lança sobre ela, de Políticas de Comunicação da Asso-
vitimando seus agentes, tal como ocorreu com Jesus Cristo e Gandhi. ciação Brasileira de Divulgadores do
Espiritismo - Abrade.
A REENCARNAÇÃO - Nº 422 17
pousaram em três grandes povos
O monoteísmo judeu, a razão da antigüidade: os judeus, os gre-
gos e os romanos. A vinculação
grega e o imperialismo romano entre as culturas desenvolvidas por
esses três povos geraram a Idade
são nossa herança cultural Média e, posteriormente, a moder-
nidade. Cada um deu uma contri-
da presença contextualizada do es- forma muito peculiar de vivência
buição específica e preponderante.
piritismo dentro dela. É preciso que social, especialmente nos últimos
Do povo judeu, o Ocidente rece-
se diga que a interpretação históri- cinco séculos, fundada na univer-
beu a idéia do Deus único,
ca aqui apresentada não pretende salidade, na racionalidade e na do-
inexistente na Grécia e em Roma,
ser, por óbvias razões, a única ou a minação. Com a racionalidade, o
em cuja reinterpretação metafísica
melhor, dentre as versões possíveis Ocidente construiu a filosofia e a
erigiu-se a idéia da universalidade
dos sentidos atribuídos ao ociden- ciência, com a universalidade con-
do “ocidental way of life”. A
te. Trata-se, muito mais, de um olhar feriu legitimidade a tais formas de
Grécia fundou o racionalismo filo-
ou uma versão, como qualquer re- conhecimento e, com a dominação,
sófico, especialmente depois que
lato ou visão histórica da cultura hu- erigiu os impérios e as conquistas.
Platão separou a doxa e a episteme,
mana, e que, por isso mesmo, de A união entre a racionalidade e a
a opinião e a verdade, instaurando
modo algum pretende resolver o dominação constituiu a tecnologia,
a partir de então um modo privile-
problema da enorme complexida- que é a ciência operando a domínio
giado de pensar. E de Roma, her-
de com que se caracteriza a da natureza. O exagero da
damos o projeto expansionista, o
ciclópica trajetória de hegemonia da racionalidade levou à desquali-
sonho do império mundial,
civilização ocidental, nesses últimos ficação da fé e do sentimento; e
construído a partir da metáfora da
milênios. para justificar a dominação, erigiu
guerra de conquista. Estado, Igreja
a idéia de que há uma única
e Escola são as instituições que
O ocidente e as civilizações racionalidade e uma única cultura
melhor adensam essa herança for-
fundadoras válida: justamente a ocidental.
midável. Da Grécia, a academia foi
O Ocidente desenvolveu uma Os berços dessa civilização re-
fonte da escola; da Judéia, o cristi-

"Templo de Apolo IV", Roy Lichteninstein, 1964

18 A REENCARNAÇÃO - Nº 422
Existe uma metáfora guerreira na herança ocidental assimilada pelo Espiritismo que precisa
ser explicitada "Elvis I e Elvis II" (detalhe), Andy Warhol, 1964

anismo fundaria a Igreja; e, de pagem. E, com a modernidade, a


Roma, o Direito recriaria a cidade fundação do movimento iluminista
e daria as condições para a emer- sintetizou essas três tradições, pois
gência do Estado como lugar da tal movimento instituiu a razão como
violência legítima, o Leviathan de única deusa válida e se propôs a
Thomas Hobbes. “iluminar” todos os povos com sua
Hoje, ainda prosseguimos forte- luz e seu poder. Estava fundada a
mente com esses sentidos. Vive- herança contraditória de uma
mos o que já vem sendo denomina- racionalidade que viria modificar o
do um “monoteísmo de mercado” panorama do planeta, tanto pelo
postulando uma razão única (não extraordinário progresso tecno-
mais Deus, mas a “deusa” razão, lógico, quanto pela crueldade das
como se proclamava na França do relações sociais que criou.
século passado) de caráter instru- Houve vozes discordantes, den-
mental, a ciência fundou a tro do próprio mundo ocidental, que,
tecnologia como estratégia de do- afinal, traz em seu próprio modo de
minação sobre a natureza e em to- pensar os germens de sua contra-
dos os sentidos prosseguimos a dição – daí o conceito de “moder-
guerra de uns contra os outros, so- nidade reflexiva”, cunhado por
bretudo em todas as formas de Anthony Giddens, Ulrich Beck e
etnocentrismo, que há séculos ge- Scott Lash (1995), para descrever
ram etnocídios. Onde o homem como a pós-modernidade surge no
ocidental esteve, até hoje, tratou de âmago mesmo da modernidade.
impor sua cultura, destruindo os Durante toda a história do Ociden-
modos de vida nativos. Grécia, te, a paz sempre foi um tema re-
Roma e Judéia persistem metafo- corrente, jamais seguido, mas sem-
ricamente entre nós, sob outra rou- pre sonhado e perseguido. Contra

A REENCARNAÇÃO - Nº 422 19
“A Última Ceia”, Andy Warhol, 1986.
A simples cópia da famosa obra de Da
Vinci, sugerindo uma padronização
industrial, não deixa de simbolizar nossa
relação desalmada com o Cristianismo, a
impregnação pelos símbolos mas não pela
essência.

a predominância da razão instru- tronco evangélico, partem para a zão ocupa um posto central em
mental, geratriz de riquezas nem conquista de adeptos, de maneira nossa visão de mundo, tendo
sempre louváveis, ergueram-se os forte. Esta é a marca da guerra de Allan Kardec (1864, p. 43 e seg.)
santos de todas as épocas. Os conquistas, transferida para a prá- denominado Sócrates e Platão
epistemólogos e filósofos da ciên- tica religiosa. Algo que não era pró- como precursores do espiritismo,
cia, desde as primeiras décadas prio nem dos judeus, nem dos gre- admitindo a herança idealista da
deste século – desde Nietzsche, gos, e, no sentido religioso, sequer doutrina espírita. A fidelidade à
mais propriamente –, discutem fre- dos romanos. Os movimentos de tradição judaica é igualmente ex-
neticamente os limites da razão conversão surgiram com a influên-
humana. E, em favor da consecu- cia de Paulo de Tarso, o judeu com 1 Muitos companheiros, sem per-
ção da paz e da fraternidade, como cidadania romana, para quem o ceber a condição pretensiosa desse
fundamento da intersubjetividade Evangelho de Jesus deveria servir pensamento, afirmam que a herança
científica e filosófica caminha para
humana, não nos seria lícito esque- à conversão do mundo. aquilo que nós, espíritas, já sabemos,
cer a figura exponencial de Jesus como se estivéssemos no clímax do
Cristo, o carpinteiro judeu que bra- A marca ocidental conhecimento possível. Temos cha-
dou ao mundo para que nos amás- do Espiritismo mado isso de “visão confirmatória da
relação espiritismo-ciência”, na aná-
semos uns aos outros. O movimento A cultura espírita traz consigo lise de sua natureza ideológica
cristão, em toda a sua história, mes- todos os sinais do Ocidente. A ra- (Signates, 1998).
mo se mantendo dentro da tradição
religiosa do judaísmo, romanizou-
se, ao instituir o papado e submeter
os demais povos; e se tornou gre- Diante do ocidente cristão mas
go, ao assumir Aristóteles, na Ida-
de Média, como ponto nodal da fi- não cristianizado, o Espiritismo
losofia e promover uma teologia ao
gosto da lógica formal. tem a tarefa de fundar um novo
Observemos ainda que as de-
mais religiões cristãs, sobretudo o modelo de sociedade
20 A REENCARNAÇÃO - Nº 422
plícita, pois foi também o nos referimos aos progressos da rança ainda nos é implícita, ma-
Codificador que apontou o espi- filosofia e da ciência 1 , e como nifesta rotineiramente pela enor-
ritismo como a “terceira revela- quando julgamos outras religiões, me dificuldade que ainda temos
ção” (idem, p. 59), após Moisés sempre nos imaginando melhor do de lidar com as diferenças e na
e Jesus. Pode-se perfeitamente que os filósofos, os cientistas e preocupação nem sempre admi-
dizer que o espiritismo não ape- os demais religiosos do mundo tida de buscarmos fazer conver-
nas é ocidental, mas é iluminista, contemporâneo. sões. Da tríade kardequiana “tra-
cartesiano e positivista. Postula- A única formulação cultural balho, solidariedade, tolerância”
mos universalidade e raciona- espírita dessa herança milenar (Revista Espírita, 1869), a histó-
lidade para nossa doutrina, às que não é inteiramente explícita ria do movimento espírita até hoje
vezes de maneira excessiva e in- é a que se ergue sobre a metáfo- desenvolveu muito trabalho, pou-
gênua, como quando usualmente ra da guerra. Entretanto, tal he- ca solidariedade e quase nenhu-
ma tolerância. Não estamos mal,
mas há ainda muito chão para ca-
minhar.
É que a vinda do espiritismo
ao Brasil e a hegemonia do mo-
vimento espírita brasileiro modi-
ficou radicalmente o espiritismo
francês. Excetuando a língua,
apesar de os povos indígenas so-
breviventes terem conservado
seus idiomas, o Brasil é o país da
diversidade cultural. O espiritis-
mo iluminista e positivista do fi-
nal do século passado teve de se
adaptar a visões e costumes das
tradições religiosas aqui existen-
tes, adquirindo, com isso, uma
feição própria e contribuindo, in-
clusive, para o surgimento de di-
versas vertentes sincretizadas,
algumas das quais, devido aos
conflitos históricos ocorridos no
interior do movimento, ao longo
do século XX, chegaram a ganhar
identidade própria. No bojo des-
sas adequações, de caráter dou-
trinário e prático, uma marca cul-
tural brasileira ficou gravada des-
de o início no espiritismo: a pre-
dominância de sua feição religio-
sa, dando um aspecto peculiar à
herança religiosa e anulando qua-
se inteiramente a vertente cientí-
fica. Uma demonstração visível
disso é, por exemplo, o significa-
do da mediunidade: antes, na épo-
ca de Kardec, fiel à busca positi-
"O sonho da razão produz monstros", Francisco Goya (1746-1828) va, de teor filosófico-científico, a
Esta água-forte tem sido considerada uma antecipação dos desvios do ideal iluminista,a ser interação com os espíritos tinha
resgatado com uma racionalidade aliada ao sentimento um interesse intelectual prioritá-
A REENCARNAÇÃO - Nº 422 21
rio, falava-se com espíritos para ignorância, e não o dele, resultan- fraternidade: a paz dentro dos
aprender; hoje, a mediunidade do numa aproximação com inte- conflitos. A desistência da metá-
segue quase exclusivamente uma resse de aprendizado. O reconhe- fora da guerra é um dos maiores
finalidade terapêutica2 . cimento do outro como irmão é a desafios do ocidente. Quem pen-
herança monoteísta, que deve ser sa diferente, quem vive diferen-
O projeto espírita: praticada com a aceitação da di- te, não é um inimigo. Não há
um novo iluminismo ferença nele, isto é, com fraternidade sem manifestação e
Diante, pois, de uma socieda- pluralidade. aceitação da diferença do outro.
de ocidental, cristã mas ainda não Racionalidade com sentimen- Estar junto do outro, caminhar
cristianizada, o espiritismo tem to: por uma fé dialógica. Como no com ele o caminho dele, e não
uma tarefa fundamental: fundar excepcional posicionamento de fazer com que ele caminhe o nos-
esse novo modelo de sociedade. Allan Kardec, a fé deve ser ina- so, eis o que se denomina a
É uma das formas pelas quais se balável e, para isso, deve ser ca- fraternidade. O movimento do
manifesta a voz extraordinária de paz de enfrentar a razão, face a amor é talvez o mais difícil de
Jesus, pleiteando uma mudança face, ao longo do tempo. Trata- perlustrar, pois se dirige num sen-
revolucionária nessa cultura, pela se, pois, de uma fé que raciocina tido contrário ao que temos roti-
superação do etnocentrismo, a processualmente, sendo, portan- neiramente andado. O verdadei-
começar de dentro de nossas pró- to, uma crença capaz de modifi- ro poder está em construir a paz,
prias fileiras. Para isso, no entan- car seu objeto, assim que ilumi- e não em vencer batalhas.
to, um novo patamar de convivên- nada pela racionalidade. E, des-
cia precisa ser criado, entre nós sa forma, será uma racionalidade
e com os outros. que funciona construindo e re-
E esse novo programa pode construindo constantemente a fé, 2 Interessantes estudos, nos cam-
pos sociológico e antropológico, so-
ser relacionado às três heranças mergulhada no sentimento de so-
bre a questão da terapia espírita, são
formidáveis do ocidente, dando- lidariedade e amor. os trabalhos de Giumbelli (1995) e
lhe nova feição, que podemos re- Substituição da conquista pela Warren (1984).
sumir numa tríade de um novo
programa iluminista ou de um
novo iluminismo: Monoteísmo
com pluralidade, racionalidade
com sentimento e substituição da
conquista pela fraternidade.
Monoteísmo com pluralidade: Bibliografia
por uma ética de alteridade. Deus
é único, mas muitas são as for- AUBRÉE, Marion; LAPLANTINE, François (1990) La table, le
mas pelas quais o vemos, razão livre et les esprits: magie et médiums. S/l : JCLattès.
pela qual há espaço para o diálo- CASTRO, Maria Laura V. de (1985) O que é espiritismo, 2a. visão,
go inter-religioso. As diferenças antropológica. São Paulo : Brasiliense, 1988.
GIDDENS, Anthony; BECK, Ulrich; LASH, Scott (1995) Moder-
religiosas e filosóficas não devem
nização reflexiva: política, tradição e estética na ordem social moder-
erguer entre nós muros de divi-
na. São Paulo : Unesp, 1997.
são, a não ser que queiramos re-
KARDEC, Allan (1864) O evangelho segundo o espiritismo.
petir os equívocos do passado. A Brasília: Feb, 1988.
preocupação pela preservação da REVISTA ESPÍRITA (1869) Biografia do sr. Allan Kardec. Ano
identidade cultural – que entre XII, maio/1869, v. 5. São Paulo : Edicel, 1967 (p. 127-133).
nós tem sido chamada de “pure- SANTOS, José Luiz dos (1997) Espiritismo: uma religião brasileira.
za doutrinária” – deve ser substi- São Paulo : Moderna.
tuída pela de alteridade cultural: SIGNATES, Luiz (1998) A ciência como ideologia do espiritismo.
o outro deve ser tão ou mais im- Goiânia: Texto original.
portante do que nós mesmos, e a WARREN Jr., Donald (1984) A terapia espírita no Rio de Janeiro
diferença nele deve ser compre- por volta de 1900. In: Religião e Sociedade, dez/1984. Rio de Janeiro :
endida como o nosso espaço de Iser/Cer, p. 56-83.

22 A REENCARNAÇÃO - Nº 422
O Espiritismo e a Cultura
Contemporânea. Denizard de Souza*

O
tema da contempo- dências culturais de uma socieda- vante para nós espíritas, sobretudo
raneidade, ou atualidade de não se repetem necessariamen- quando consideramos que Allan
cultural, representa um te noutro contexto, podendo inclu- Kardec, ao organizar o sistema te-
grande desafio à compreensão his- sive a pluralidade significar diferen- órico-metodológico do Espiritismo
tórica e social de uma época. Afi- tes ritmos históricos, econômicos, no século XIX, manteve um diálo-
nal, trata-se da tentativa de “deci- sociais, comportamentais e éticos. go cultural intenso com as princi-
frar” os caminhos sociais e as ten- Pode parecer estranho falar de atu- pais tendências filosóficas e cientí-
dências culturais de um período his- alidades culturais em termos de ten- ficas do seu tempo bem como pro-
tórico, que em boa medida é orga- dências plurais, sobretudo nestes pôs que o Espiritismo “lançasse luz
nizado no seu contexto de espaço tempos de globalização econômica sobre todas as questões da econo-
e tempo. Tal empreendimento de e comunicacional, mas é exatamen- mia social”. Kardec em “O que é o
estudo, diz respeito à necessidade te dessa forma que vamos debater Espiritismo” e na Revista Espírita
de compreendermos o “momento este assunto neste artigo. analisou inúmeros problemas filo-
histórico” em que vivemos e as di- Se a questão da cultura contem- sóficos do seu tempo e esclareceu
ferentes modalidades de organiza- porânea é uma preocupação gene- questões práticas, sociais, buscan-
ção da vida nos mundos sociais con- ralizada da humanidade que expe- do apresentar a “Solução de alguns
temporâneos ao nosso. rimenta o impacto das mudanças problemas com auxílio da Doutrina
Neste sentido, o contemporâneo econômicas, tecnológicas, políticas Espírita”. (Kardec, 1994:321)
é sempre plural, porquanto as ten- e sociais, não pode ser menos rele- As formas de organização do
mundo social contemporâneo e as
práticas culturais do nosso tempo
têm sido definidas de muitas ma-
neiras: pós-modernidade, socieda-
des-em-rede, sociedade pós-indus-
trial, sociedade da informação e do
conhecimento, sociedades de con-
sumo, sendo que tais denominações
foram elaboradas no contexto das
mudanças porque passa o mundo
em vias de globalização. É possível
identificar no contexto da
globalização econômica, o esvazi-
amento político-social de algumas
categorias tipicamente modernas: o
“estado-nação” que, enfraquecido,
perde em controle econômico e fon-
te social de identidades coletivas; a
crise da ciência moderna, enquan-
to razão universal, face à diversi-
dade de tradições culturais não-oci-
dentais; o deslocamento do eixo da
economia industrial para o âmbito

* Sociólogo, Prof. Universitário,


Pesquisador, Mestre em Sociolo-
gia pela Universidade Federal de
Pernambuco, conferencista espí-
"L.H.O.O.Q." (detalhe), Marcel Duchamp, 1919. Este famoso ready-made (trabalho de rita, diretor de Políticas de Co-
arte não criado mas reaproveitado) é um exemplo das novas tendências culturais e um símbolo
da degradação de alguns dos fundamentos da civilização moderna nos dias atuais. municação da Abrade.

A REENCARNAÇÃO - Nº 422 23
dimensões), foi possível ao constru-
tor do Espiritismo uma atitude inte-
lectual autônoma face às limitações
do materialismo filosófico e cientí-
fico (Marxismo e Positivismo), ao
dogmatismo religioso e a crença
tradicionalista na fé cega (Cristan-
dade tradicional).
Em verdade, não fosse a infide-
lidade de Kardec aos cânones do
materialismo científico (filosofia da
“ciência positiva”) e da religião tra-
dicional, não seria possível o conhe-
cimento de síntese da realidade que
o Espiritismo proporciona. Neste
aspecto da integração de lingua-
gens científicas, filosóficas, religio-
sas, morais e espirituais, Kardec
soube estar à frente de seu tempo,
transcender o contexto cultural da
racionalização positivista.
Em outras palavras, o Espiritis-
Bodegón nº 28, Tom Wesselmann, 1964 mo foi elaborado com um modelo
de racionalidade aberta, progressi-
va, que soube integrar, conhecimen-
da “Informação”. O que se obser- O Espiritismo nasceu com a tos científicos da época e paradig-
va é um esforço dos cientistas so- modernidade, no berço cultural da mas futuros. A partir disso, veja-
ciais e historiadores em compreen- nova civilização industrial e demo- mos como é possível examinar o ca-
der as conseqüências políticas, cul- crática, na França da segunda me- ráter de atualidade, aplicabilidade e
turais e éticas da formação de uma tade do século XIX e por conseqü- contemporaneidade do Espiritismo.
sociedade mundial. ência disso traz em sua identidade A Doutrina Espírita, em sua
A cultura contemporânea em a marca cultural desse contexto, abrangência, é uma visão de com-
sua complexidade é simultaneamen- sua síntese e superação. Graças ao plexidade da teia da vida, da espé-
te tecnocientífica e mística, global espírito transcendental do pensa- cie humana, da individualidade es-
e local, tecnológica e tradicional, de- mento de Kardec, a metodologia piritual e do universo. Neste senti-
mocrática e fundamentalista, raci- original que desenvolveu no estudo do, o Espiritismo reúne dimensões
onal e dogmática. Assim sendo, ela dos fenômenos espirituais (Análise de análise de diferentes culturas e
reflete as novas maneiras de “or- Sintética, interface entre períodos históricos da humanidade:
ganizar os mundos sociais” os quais racionalidade e transcendência, ve- da modernidade ocidental aplica a
estão ideologicamente fragmenta- rificação experimental e diálogo racionalidade experimental; da Her-
dos, esteticamente plurais, voltados transcendental com os espíritos, menêutica define o objeto de fé do
ao espírito de “seita” em desfavor análise dos fatos mediúnicos e in- Espiritismo; da tradição cultural da
da “Religião oficial”, economica- terpretação complexa dos fenôme- Grécia Antiga explica a imortalida-
mente integrados, interligados pelo nos espirituais, em suas múltiplas de da alma, a reencarnação, o au-
regime tecnológico da comunicação
em redes, com a hegemonia cres-
cente da cultura de consumo e fi-
nalmente vivendo a crise de valo- A cultura contemporânea é
res da atualidade: a perda das re-
ferências nacionais, ideológicas, global e local, tecnológica e
religiosas, filosóficas, políticas e éti-
cas do nosso tempo. Nestas rápi-
das considerações temos algumas
tradicional, democrática e
características do cenário cultural
contemporâneo.
fundamentalista.
24 A REENCARNAÇÃO - Nº 422
paradigma unidimensional da ma-
téria. A atualidade científica ou
tecnológica trabalha na criação de
equipamentos visando o aproveita-
mento e o controle de padrões de
energia (“sutis”) da estrutura
subatômica da matéria (universo
quântico). Trata-se da descons-
trução do velho materialismo cien-
tífico, da superação da concepção
newton-cartesiana de mundo.
O Espiritismo na atualidade,
através dos avanços da Transco-
municação instrumental (utilização
de equipamentos eletrônicos para
captar energias de planos espiritu-
ais) e por meio da investigação ci-
entífica dos “Campos
biomagnéticos estruturadores das
formas biológicas”, pode ser estu-
dado em interface com a pesquisa
da Física contemporânea e da bio-
logia molecular que há muito fez a
integração entre o conceito de “uni-
dades biológicas” e os “sistemas de
auto-organização”, orientados por
códigos e informações.
Em outro campo da cultura con-
temporânea, a opinião pública mun-
"Explosão nº 1", dial redefiniu a perspectiva pura-
Roy Lichtenstein, 1965. mente econômica da idéia de pro-
gresso e luta por um desenvolvimen-
toconhecimento; das tradi- ção e uma inter- to social sustentável, que integre de
ções milenares do oriente, pretação inovadora destes grandes forma harmônica todos os compo-
converte o “karma” fundamentos da Sabedoria Univer- nentes do ambiente social e natural
determinista em lei dinâmica da sal. Pelo visto, o Espiritismo está nos benefícios do progresso. O Es-
evolução; do Iluminismo, torna equipado para lidar com as ques- piritismo aplica o conceito
transcendente as leis sociais do pro- tões e desafios do mundo contem- reencarnacionista de forma ecoló-
gresso; do extraordinário legado do porâneo. gica, uma vez que demonstra a uni-
Cristo, recebeu a lei universal do A Física contemporânea identi- dade das várias personalidades
Amor; e da herança espiritual da ficou os limites da “ciência moder- reencarnantes na individualidade
mediunidade, colheu a comprova- na” no esgotamento de seu espiritual, ou seja, estabelece um
sentido de solidariedade entre as
gerações, porquanto ao invés de
No complexo mundo contemporâ- usarmos os recursos do meio am-
biente de forma sustentável visan-
do os nossos descendentes, o faze-
neo explodem tanto vertiginosas mos visando a comunidade espiri-
tual da qual participamos e que
revisões da nossa maneira de ver a retorna para “herdar”, no tempo e
no espaço, os recursos do meio
realidade como os mais anacrônicos ambiente, “esgotados” ou “susten-
tados” conforme o uso.
conflitos étnicos e raciais. O mundo contemporâneo assis-
tiu estupefato os últimos ataques ter-
A REENCARNAÇÃO - Nº 422 25
roristas no WTC, indivíduos de tal vida futura”.
modo “integrados na consciência (Kardec,1994:06) Neste
coletiva” (“fanático-religiosa” de caso, o Espiritismo ao des-
seu grupo), matam-se e assassinam crever, demonstrar, expli-
milhares de pessoas “em nome de car e esclarecer, por meio
valores fundamentalistas”. Por ou- da mediunidade, a vida
tro lado, a aliança da OTAN, “ca- futura, suas nuanças, a re-
pitalista-democrática”, emprega a lação com a vida presen-
retaliação em forma de bombardeio te, o estado do ser huma-
aéreo, provocando destruição e no espiritual, vivendo e
morte. agindo após a morte físi-
O Espiritismo desde o seu ca; torna-se este conhe-
nascedouro assumiu uma visão cimento, convertido em
hermenêutico-libertária da experi- prática social, um podero-
ência da fé. Nas palavras do sábio so agente de transforma-
francês, Allan Kardec, “O Espiri- ção dos valores, crenças,
tismo dirige-se àqueles que não crê- estilos de vida, hábitos e
em ou duvidam, e não aos que têm comportamentos sociais.
fé e aos quais essa fé é suficiente; Pelo que vimos, o Es-
não diz a quem quer que seja que piritismo em sua
renuncie às suas crenças para se- abrangência de aborda-
guir as nossas, e nisto é conseqüen- gem das questões con-
te com os princípios de tolerância e temporâneas, sócioespiri-
de liberdade de consciência que tuais, não dissocia o plano
professa”. (Kardec, 1994:14) material do espiritual. Ao
Como se vê, na posição adota- contrário, estuda-os como
da pelo codificador do Espiritismo sendo níveis ou aspectos de
há mais de 150 anos, a Doutrina uma mesma realidade, contínua, in-
Espírita não tem pretensões terdependente, histórico- "Lata Grande de Sopa Campbell",
conversionistas nem salvíficas e, sócioespiritual, evolutiva e mantida Andy Warhol, 1968
No momento em que um ex-publicitário
muito menos, assume uma perspec- em processo de integração e de- elevou uma lata de sopa à categoria de
tiva etnocêntrica. Ou seja, a visão senvolvimento pelas Leis que regem arte, estava ratificando nossa adoração
espírita reconhece o significado da a vida universal. contemporânea aos ídolos do consumo.
fé para aqueles que a professam e
vivenciam, valorizando portanto a
liberdade de consciência, a tolerân- Bibliografia:
cia e a pluralidade das crenças, CANCLINI, Néstor Garcia. Consumidores e Cidadãos, Conflitos
como algo saudável e desejável. multiculturais da globalização, Rio de Janeiro, Editora UFRJ, Quarta edi-
O Espiritismo oferece elemen- ção, 1999.
tos de mudança do comportamen- DOYLE, Arthur Conan. História do Espiritismo, São Paulo, Ed. Pen-
to face à “cultura de consumo” da samento, 1995.
atualidade. Tal tipo de cultura é or- FEATHERSTON, Mike. Cultura de Consumo e Pós-modernismo,
ganizada como “vitrine social”, na São Paulo, Ed. Studio Nobel, 1995.
qual os signos (“marcas de consu- FRANCO, Divaldo P. No Rumo da Felicidade, São Paulo, Departa-
mo”) simulam “qualidades estéti- mento Editorial do Centro Espírita Dr. Bezerra de Menezes, 2001.
cas, traços de personalidade, estilo KARDEC, Allan. Allan Kardec, Obras Completas, São Paulo, Opus
de vida e valores morais”, que não Editora Ltda, 1985
apenas reproduzem o ciclo da eco- _____________O Evangelho Segundo o Espiritismo, Rio de Janeiro,
nomia capitalista como também Ed. Feb, 1994.
constituem mundos sociais de apa- MORIN, Edgar. Os Sete Saberes necessários à Educação do Futu-
rência, sem valores éticos de pro- ro, São Paulo, Cortez Editora/UNESCO, 2000.
fundidade. WILBER, Ken. A Consciência Sem Fronteiras, Pontos de Vista do
No dizer de Kardec “a impor- Oriente e do Ocidente sobre o Crescimento Pessoal, São Paulo, Ed.
tância dada aos bens terrenos está Cultrix, 1979.
sempre em razão inversa da fé na
26 A REENCARNAÇÃO - Nº 422
Corpo Onírico e Coração de Âmbar
Terezinha Maria Vargas Flores*

Desintegração rinocerôntica do Ilissus de Fídias, Salvador Dali, 1954

“O ser humano não pode nem n’A Gênese (Kardec), tudo emana cional, consciente. O verdadeiro
deve tudo saber: na sua Sabedo- de Deus e a Ele retorna: os Espíri- mistério de Deus está inteiramente
ria, Deus assim o quer. Sem o véu tos, o Fluido Cósmico Universal e fora disso (...) MAS o Espírito so-
que lhe cobre certas coisas, o toda forma de fluidos, corpos intan- pra onde lhe apraz e onde quer”.
homem seria ofuscado, como gíveis e tangíveis, visíveis e invisí- (Alquimia, 1993, pp. 120-121).
quem passa da obscuridade à veis, audíveis e inaudíveis; e assim Assim o corpo onírico, ou o cor-
plena luz”. (Kardec, O Livro sucessivamente, tanto no que diz po que sonha, é o próprio corpo fí-
dos Espíritos, q. 392) respeito ao mundo sensível (físico), sico se superando a si mesmo por
quanto inteligível (pensamento) e uma espécie de fricção ou contato
1.Introduzindo a temática espiritual. com o mistério do Espírito. Nossa
A Dra. Von Franz, refletindo
A Epistemologia1 própria à Dou- sobre as questões da consciência, *Filósofa, Mestre em Educação,
trina Espírita é, em si mesma, deli- diz que elas abrangem “não ape- Doutora em Psicologia.
mitada ao âmbito das realidades nas a racionalidade consciente, mas 1: Epistemologia é o amplo estudo
humanas. Porém, isso não quer di- o sentimento, a intuição e tudo o que da Ciência, ou ainda, a Ciência do
zer que não tenha implicações nisto estiver envolvido”. E acres- Conhecimento Humano. Por isso mes-
metafísicas, pois, conforme lemos centa: “Esse é o modo humano, ra- mo, restringe-se ao âmbito das reali-
dades humanas.

A REENCARNAÇÃO - Nº 422 27
hipótese é a de que a possibilidade blime de compreensão jamais O que dizer, então, de um “co-
desse contato, com base na Dou- alcançada – e isto somente pode ração de âmbar” (pineal) pulsante
trina Espírita (assim como na Neu- se dar pela derrota do Ego. (C. G. com o Universo, na conexão com
rologia), seja a própria energia psí- Jung, Mysterium Coniunctions, 3 as sutis energias quintessenciadas
quica emanada graças a fenôme- vols.). do Espírito? Impossível medir tais
nos sutis, a partir do desenvolvimen- (O parágrafo anterior apre- fenômenos à maneira que propu-
to da glândula pineal.2 Como um senta afirmações que muito inte- nha a Ciência Clássica.
“coração de âmbar”, as pulsações ressam ao espírito Joanna de
quintessenciadas e perispiríticas Angelis, psicografada por
2: A glândula Pineal localiza-se numa
desta glândula, no centro do crânio Divaldo P. Franco, em livros
cavidade protegida no centro do crâ-
humano, reage ao próprio “sopro do como O Homem Integral, Pleni- nio humano e desenvolve a função de
Espírito”, onde e como ele assim tude, e outros). equilibrar os estados alterados de
determinar. E transforma o que Um discípulo de Jung, James consciência.
puder ser transmutado. Hillman, no ensaio intitulado “O 3: Carl Gustav Jung, criador da Psi-
Na Psicologia Analítica de Carl Pensamento do Coração” (1981), cologia Analítica, apresenta a possi-
G. Jung, encontramos confirmada junto a outro trabalho “O Retorno bilidade de uma transformação das
esta premissa. Diz o Dr. Jung 3 que da Alma ao Mundo” (1982), fala dificuldades (complexos, neuroses, ...)
do Ego, através do processo de
a “coniunctio”, a verdadeira união de uma “poética do cosmos, que
Individuação da pessoa, dando lugar
da Alma e do Espírito no ser hu- satisfaria a necessidade que tem a ao Si Mesmo (Self). O espírito de
mano, é – na verdade – um instan- alma de se situar na vasta ordem Joanna de Ângelis, psicografada por
te supremo e misterioso de um lon- das coisas” (p.159). Esta seria a via Divaldo Pereira Franco, utiliza-se
go processo de transformação. do coração, despertando-o nova- muitas vezes das descobertas de Jung
Esta mudança de elementos sepa- mente. Antes, conectado às coisas, para mostrar as relações entre a
rados e aparentemente contrários por meio dos sentidos; agora, inspi- Espiritualidade e as transformações
numa totalidade reveladora e cura- rado (aisthesis) no assombro dian- da pessoa.
4: Arnold Mindell, Físico e Analista
tiva (a qual Jung chamou de Self) é te de maravilhas ocultas para além
Junguiano, fez sua formação no Ins-
possível graças a um momento su- dos sentidos. tituto Jung, em Zurich.

A experiência
onírica é universal
entre os seres
humanos
"Batalha nas
nuvens",
Salvador Dali,
1974

28 A REENCARNAÇÃO - Nº 422
Afirma Becker (1987) que “Pro- corpos”; neste caso, por fricção. nesse caso “a pele de carneiro”.
blemas de ‘totalidade”, isto é, os que Pequenos experimentos como es- Mas não se trata de um simples
surgem com a interação fregar uma pele de carneiro numa corpo que está morrendo. É um
‘multicorpos’, intratável pela análi- pedra de âmbar (concentrado de corpo que sonha.
se matemática da física convenci- resina) poderia resultar em possi- Entra no fenômeno do sonho a
onal, devem ser abordados de uma bilidades de atrair corpos bem sim- segunda expressão do título do ar-
maneira “inconvencional”. ples, como poeira, resíduos de fo- tigo: um coração de âmbar.
É desta maneira não convenci- lhas ou cascas de árvores. Porque, ao esfregar a pele de
onal que gostaríamos de enfocar as A simplicidade desses fenôme- carneiro no âmbar, os gregos con-
questões que trazemos no presen- nos, das tecnologias utilizadas para seguiam produzir fenômenos mag-
te artigo.
A Ciência Moderna sofre uma
“metamorfose”, segundo Prigogine
e Stengers. Uma nova aliança se
estabelece entre a ciência e seu ob-
jeto, na qual a ordem e o
determinismo passam a ser caso
particular, em que a regra é a das
probabilidades, das incertezas e
dos acasos.
Nestas perspectivas,
iniciamos o presente
artigo esclarecen-

Monstro alado da mitologia persa (inspirado na assíria). Século V a.C.


A aspiração do vôo faz parte do inconsciente coletivo da humanidade.

do, até onde for possível, o título do sua observação, pode atravessar a néticos. E no caso que estamos re-
mesmo. Para tanto, vamos remon- relatividade do tempo e do espaço, latando, a interação seria entre o
tar aos gregos, especificamente, às passando por Einstein e Kardec, até Corpo Onírico e o Coração de
origens da Física moderna, e refle- chegar ao consultório de um âmbar. Vejamos.
tir um pouco sobre magnetismo. terapeuta corporal que trabalha
Pois muito antes de Mesmer, os com fenômenos similares em paci- 2. O Corpo Onírico
gregos pesquisavam este interes- entes terminais. Ele trabalha com
sante fenômeno da “atração dos o que chamou de Corpo Onírico, Trata-se de um “corpo que so-
nha” 5, e esta é uma verdade “or-
ganicamente” sustentável, que não
O exemplo do corpo onírico 5: O Corpo Onírico, segundo Mindell,
demonstra que se pode construir é a identidade do próprio corpo rela-
cionada ao “campo” ao qual atua. Em
alguns sistemas, é chamado de “du-
conhecimento com critérios de plo”. Pode “desdobrar-se”, expandir-
se, penetrar paredes, estar em dois lu-
validação qualitativos aceitáveis. gares ao mesmo tempo. Poderia até
mesmo ser relacionado ao perispírito.

A REENCARNAÇÃO - Nº 422 29
entrar em cena. Ele mesmo, físico
americano, já passou por uma do-
ença de difícil cura, recorreu a tra-
tamentos tradicionais e alternativas
do oriente e do ocidente, até que
descobriu a Psicologia Analítica de
Jung. Tratou-se em Zurich, e lá fez
formação analítica. Voltou para os
Estados Unidos e começou a
clinicar, trabalhando com o “Corpo
Onírico”.
Pois bem, aquela menina che-
gou com colete e tudo à clínica de
Mindell. O relato é dele, no livro “O
Corpo Onírico” (1989). A menina
iniciou o tratamento contando um
sonho: via-se frente a um lago, po-
rém este era circulado por uma
cerca e a menina teve ímpeto de
retirar a cerca. Mindell perguntou-
lhe por que desejava arrancar a
cerca e ela respondeu que era
“para voar”. Então ele propôs que
a menina tirasse o colete e voasse
ali mesmo, na sala da clínica! Ela
dava gritinhos de alegria, quando foi
para o chão livre do colete que a
limitava; o analista também foi para
o chão e ambos “voavam” e se di-
vertiam. Quando a menina falou
que ia subir mais e mais, Mindell
Os conteúdos inconscientes permanecerão sempre um mistério inacessível aos métodos (obviamente sem nenhuma segu-
reducionistas do positivismo. "O Libertador", René Magritte, 1947 rança científica) disse-lhe que fica-
ria na terra, acompanhando-a com
necessita de provas, pois qual o ser aproximação epistemológica de um o olhar e dela se despediu. Pois ela
pensante neste planeta que ainda campo de saber difícil de ser “com- seguiu “para cima e para mais
não passou pela experiência de so- provado” dentro dos paradigmas6 alto”. Algumas sessões mais tar-
nhar? Ademais, sonhar pode tanto já superados, mas totalmente acei- de, o tumor começou a regredir, a
significar deitar, dormir e vivenciar táveis sem aquelas antigas medi- coluna firmou-se, e a menina vive
uma sutil experiência de voar, sair ções de causa-efeito, régua e com- até hoje, livre da doença e livre para
do corpo, atravessar paredes e fa- passo e tantas outras que povoa- sonhar.
zer tantas outras “coisas impossí- ram o universo científico de trinta Não se trata de ficção científi-
veis” de provar quando se acorda anos para trás. ca. Nem de trabalho científico
e se vive o dia-a-dia; quanto pode Senão, vejamos: uma menina de
também significar viajar para lon- 11, 12 anos, está em fase terminal, 6: Paradigma – envolve um conjunto
de idéias, conceitos, parâmetros acei-
ge, no espaço e no tempo, mesmo pois o seu quisto na coluna verte-
tos por determinado grupo que atua,
estando acordado, o que também é bral já não tem mais nada a rece- investiga e constrói conhecimento
bastante subjetivo, mas apesar dis- ber da medicina tradicional. Ela é tendo como base estas mesmas idéias
so é uma experiência universal sus- obrigada a usar um colete para sus- e conceitos. Ex. O Paradigma Holís-
tentável sem provas. tentar-se em pé ou sentada, tal é o tico relaciona as partes ao Todo, afir-
Com isso queremos dizer que o prejuízo em que se encontra sua co- mando que a totalidade está contida
CORPO ONÍRICO se aplica per- luna. É o momento de um analista nas partes: não separa corpo – mente
feitamente ao que pretendemos junguiano, Arnold Mindell (Nota 4), – alma-espírito, mas relaciona-se à
Totalidade.
neste artigo, qual seja, fazer uma
30 A REENCARNAÇÃO - Nº 422
na – vêm à tona, saem de um re-
Terapias através das imagens ceptáculo inconsciente e, livres
para voar, sobem para a consciên-
oníricas, da bioenergia, entre outras, cia e trazem consigo a cura. Como
explicar este fato a partir de um
são possibilidades que resultam paradigma linear do quê causou o
quê ?
deste novo paradigma científico. Creio que é uma abordagem
deste tipo que serve a nós, espíri-
tas, para debatermos tantos fatos,
mensurável passo a passo, com ré- nidade de significados e vivências não apenas de cura, mas também
gua e compasso. É um FATO com que envolvem, como bem mostrou os fenômenos mediúnicos numa
implicações em diferentes campos Jung, não apenas o inconsciente gama incomensurável de situações
do saber humano, envolvendo a pessoal, mas o INCONSCIENTE inusitadas que se apresentam e
CURA. Somente uma abordagem COLETIVO7. As mitologias do abrem discussões que – sem ade-
interdisciplinar, como a de Carl sonho humano de voar, os símbolos quada abordagem – pode se per-
Gustav Jung, pode sustentar cienti- de transformação através da subi- der sem a tão dignificante “expli-
ficamente a comprovação deste da, da derrota dos próprios limites, cação científica”. Em outras pala-
fato. É interdisciplinar no sentido de toda uma rede de energias guarda- vras, se desejamos definir que su-
que, não somente a psicologia dos das na memória daquele pequeno perar os velhos esquemas
sonhos está em jogo, mas uma infi- ser portador de um tumor na colu- mecanicistas8 e até positivistas (da
ciência e da filosofia) e alargar o
saber sobre este saber. Derruban-
do as velhas cercas que aprisionam
o lago do inconsciente, subir e al-
cançar significados coletivos e
conscientes para explicar fenôme-
nos ainda tão subjugados por um
conhecimento que se quer científi-
co, mas ainda não admite a presen-
ça do sublime e do inefável.

3.Coração De Âmbar

No I Congresso Médico Espíri-


ta (Porto Alegre, agosto de 2001)

7: Inconsciente Coletivo, segundo


Carl G. Jung, amplia-se do Inconsci-
ente Pessoal para toda a Humanida-
de, seus Mitos, Lendas, Símbolos e
Arquétipos. Por ex.: o Mito de Ícaro
envolve o conjunto de imagens e sím-
bolos do anseio de voar que cada ser
humano possui, ampliando-o para a
Humanidade, representada por Ícaro.
8: Mecanicismo parte da Física Me-
cânica para o conjunto de idéias fe-
chadas em torno de causas e efeitos,
linearmente ou “mecanicamente” re-
lacionados. Positivismo: corpo filo-
sófico de idéias lançadas por Auguste
Comte que se fecharam em torno da
necessidade de Ordem, com base nas
Ossificação matinal de ciprestes (detalhe), Salvador Dali, 1934 relações familiares e na educação
desenvolvida pela mulher, no lar.

A REENCARNAÇÃO - Nº 422 31
Um Outro Mundo II, M.C. Escher, 1947

o psiquiatra paulista Sérgio Felipe nesta relação. magnética, a ecografia computado-


de Oliveira apresentou conferência O presente artigo, quando usa a rizada...) possibilitam a comparação
em duas partes sobre a “Psiquia- metáfora “Coração de Âmbar” entre estes estados alterados de
tria Iluminada”. está se referindo exatamente à consciência (transe) e os estados
Na primeira parte, ele demons- glândula Pineal, como centro de normais, mostrando como “janelas
trou como a Ciência vem, pouco a equilíbrio entre as transformações se abrem para que a espiritualidade
pouco, aceitando a espiritualidade, do corpo físico (tratamento com possa aproveitar e aí atuar”. Oli-
o valor da Religião para as pesso- medicamentos) e as transformações veira continua: O paciente poderá
as, e como o Espiritismo se encai- do Corpo Psíquico (tratamento es- apresentar crises, de vez em quan-
xa nestas transformações. É, con- piritual, com passes, desobsessão, do, mas após o tratamento INTE-
tudo, a segunda parte que nos inte- etc.). Oliveira, na referida confe- GRAL (corpo, espírito), já vai sa-
ressa aqui. O conferencista apre- rência9, diz que “a pineal é um ber o que fazer com suas dificulda-
sentou diversos casos clínicos com metassistema (não é misticismo, é des. Então: a glândula Pineal, este
os quais procurou relacionar o tra- científico) que controla os ciclos minúsculo “coração”, no centro da
tamento da Medicina Convenci- psíquicos (as alterações da pessoa
9: A Conferência de Sérgio Felipe de
onal (medicação) e o tratamento em estado de transe e o retorno ao
Oliveira pode ser encontrada em
espiritual no Centro Espírita. Ele estado “normal”). O eletroencefa- vídeo: entrar em contato com a Asso-
mostrou como a glândula Pineal lograma (bem como outros recur- ciação Médico-espírita do Rio Gran-
desempenha grandes funções sos técnicos, como a ressonância de do Sul (mesmo endereço da
FERGS).
32 A REENCARNAÇÃO - Nº 422
cabeça, está equilibrando os dois dicina Tradicional e dando novas Os primeiros estudos gregos sobre
pólos da balança: ciclos de dificul- formas à superação da doença, magnetismo, as antigas técnicas de
dades, ciclos de equilíbrio, e assim através da transformação da pes- fricção do âmbar na pele de car-
sucessivamente. O autor mostrou soa e do seu estilo de vida. neiro, revigoram-se hoje, através da
lâminas de casos em que estudou a São estas novas perspectivas imposição das mãos, do tratamen-
epilepsia, procurando evitar os efei- que começam a aparecer ao gran- to através dos sonhos, e tantas ou-
tos colaterais (Mal de Parkinson) de público, como o artigo da revis- tras possibilidades.
dos remédios utilizados, justamen- ta “Isto É” de 5 de setembro de Não esqueçamos, porém, das
te com o tratamento continuado em 2001: “Esperança de Branco” No palavras de Kardec, iniciando o
Centros Espíritas. Brasil, há Mil Médicos Espíritas presente artigo. Evitemos a pres-
Ora, pode-se fazer uma corre- reunidos numa Associação que alia sa e a ansiedade. Novos tempos
lação entre o trabalho apresentado a Espiritualidade à Ciência na Te- não significam “para ontem”. A
por Oliveira (acima descrito) e o tra- rapia (pp.46 e 47). nós, pequenos seres humanos, não
balho de Mindell, sobre o Corpo As relações entre as terapias nos foi dado contemplar a Totali-
Onírico. Aí está uma possibilidade convencionais e os novos modos de dade em toda a sua grandeza.
de mostrar como a epistemologia encarar a pesquisa científica, intro- Mas o nosso tesouro é feito de
subjacente entre ambos apresenta duzindo o tratamento para além do Sonhos e de um Coração de
os mesmos critérios. físico, isto é, metafísico, tais seri- Âmbar. Nossa Via Régia é o Sen-
am as bases para as novas aborda- timento unido ao Pensamento.
4.Conclusões e Perspectivas gens que já se instalam entre nós. Iniciemos, pois, o Caminho.

Muito há que ser pesquisado


ainda. Os trabalhos de Mindell e
de Oliveira, cada um com suas
particularidades, são inícios de
uma “Nova Aliança”, a qual se Bibliografia
referem Prigogine e Stengers (ci-
tados no início deste artigo). BECKER, Bertilo F. Interdisciplinariedade e Generalística.
Apresentam-se novas formas de Veritas, POA, v.32, n.125, p.23.
realizar pesquisa científica, ten- HILLMAN, James. El Pensamiento del Corazón. Madrid,
siruela, 1999.
do como paradigmas a introdução
JUNG, Carl G. Conjunctio. Petrópolis, Vozes, 1992. 3 vols.
da incerteza, do não mensurável,
KARDEC, Alan. O Livro dos Espíritos.
do acaso, além da necessidade.
MINDELL, Arnold. O Corpo Onírico. São Paulo, Summus, 1989.
A influência do tratamento espi-
OLIVEIRA, Sergio Felipe. Psiquiatria Iluminada, I Congresso
ritual, a utilização de estados al-
Médico-espírita do RS, P. Alegre, 2001.
terados de consciência (com ou
PRIGOGINE E STENGERS. A Nova Aliança (Vídeo), Univ.
sem ingestão de drogas), pesqui-
Brasília, 1984.
sas sobre o valor da oração e da Revista ISTO É. Esperança de Branco. pp. 46 e 46, ed. de
meditação sobre a cura – são no- 05/09/2001.
vas perspectivas que já estão to- VON FRANZ, Marie-Luise. Alquimia. São Paulo, Cultrix, 1995.
mando corpo, avançando a Me-

A REENCARNAÇÃO - Nº 422 33
HOSPITAL
ESPÍRITA DE
PORTO ALEGRE
75 anos de assistência
à Saúde Mental

R
emontando à história, regis- uma data muito especial, 25 de dência química, sendo que a taxa
tramos que o Hospital Es- dezembro de 1926, foram oficial- média de permanência dos
pírita de Porto Alegre foi mente inauguradas as bases do pacientes é de 31 dias.
concebido no ano de 1912, em 14 Hospital Espírita de Porto Alegre. Como entidade filantrópica, sem
de julho, resultado do questiona- No início de suas atividades, fins lucrativos, e declarado de
mento de um grupo de espíritas que, o hospital funcionou em um prédio utilidade pública nas esferas
preocupados com os distúrbios men- de alvenaria situado no bairro Petró- municipal, estadual e federal, o
tais enfrentados por expressivo con- polis (onde atualmente é o Hospital HEPA destina mais de 80% de sua
tingente de pessoas desassistidas Petrópolis), e contava com um capacidade de atendimento a
(sem recursos financeiros), busca- quadro funcional de seis colabo- pacientes do SUS, contanto, para
vam associar-se a instituições que radores: a capacidade máxima de tanto, com o total de 427 leitos.
tratassem ou fornecessem orienta- atendimento era de 35 pacientes em Registre-se que 70% dos pacientes
ções sobre transtornos psíquicos. regime de internação. A crescente atendidos são da capital gaúcha e
Este grupo de idealistas - demanda de pacientes e a insufici- região metropolitana; os demais são
inspirados na recomendação de ente capacidade de atendimento do interior do Estado.
Jesus “Amai a Deus sobre as coisas levaram a diretoria a congregar Ao longo dos seus 75 anos de
e ao próximo como a vós mesmos” esforços e promover campanhas até assistência à saúde mental, o
e alimentados pela palavra do adquirir, na encosta do morro Hospital Espírita de Porto Alegre
valoroso médico brasileiro, Dr. Teresópolis, uma área aprazível e realizou atendimento para mais de
Bezerra de Menezes - resolveu, arborizada onde se instalou um milhão e duzentas mil pessoas.
com entusiasmo, ardor e fé, levar definitivamente em 1941. Destas, 250 mil, aproximadamente,
avante tal propósito. E, alguns anos Hoje o Hospital Espírita de foram atendidas gratuitamente.
depois, o transformaram em viva Porto Alegre é referência em Saúde É assim que, com relevantes
realidade: a criação de um hospital Mental no Rio Grande do Sul, serviços prestados à comunidade
psiquiátrico. proporcionando atenção integral aos gaúcha, o Hospital Espírita de Porto
Entre o propósito e sua realiza- pacientes que apresentam transtor- Alegre faz parte da história sul-rio-
ção, transcorreram 14 anos, e em nos mentais em geral e depen- grandense.

A MISSÃO
Realizar assistência em Saúde Mental da melhor qualidade, onde os
pacientes recebam tratamento de equipe multidisciplinar e sejam preparados
para o retorno ao convívio na comunidade familiar e social.
O FUTURO tratar a saúde mental é CUIDAR de Assistente Social, Terapeuta
Continuar sendo referência em diferentes formas e não EXCLUIR Ocupacional, Nutricionista e
Saúde Mental no Estado do Rio as pessoas por serem portadoras Recreacionista, com plantão
Grande do Sul no tratamento de dis- de sofrimento psíquico, o Hospital médico e de enfermagem 24 horas,
túrbios mentais e dependência quí- Espírita de Porto Alegre está através de programas desenvolvi-
mica, buscando adequar-se à legis- engajado na Campanha promovida dos de acordo com a realidade e
lação da Reforma Psiquiátrica (Es- pela Organização Mundial de Saúde: necessidade de cada paciente nos
tadual, Lei nº 9.716, de 7 de agosto CUIDAR SIM, EXCLUIR NÃO. seguintes serviços: Emergência,
de 1992; e Federal, Lei nº 10.216, O atendimento ao paciente do Ambulatório, Hospital–Dia, Interna-
de 6 de abril de 2001). Hospital Espírita é realizado por ção Integral e uma unidade
O ATENDIMENTO uma equipe multidisciplinar: específica para atendimento de
Com a compreensão de que Psiquiatra, Enfermeiro, Psicólogo, Dependência Quimíca: álcool e

34 A REENCARNAÇÃO - Nº 422
demais drogas. mica, a saber: tismo”, direcionada aos familiares
O Departamento de Ensino e • aumento da margem de resultado e funcionários, semanalmente;
Pesquisa disponibiliza infra-estrutura econômico no atendimento por •Preces, Irradiações e Desobsessão,
para estágios nas áreas de medicina, convênios e particulares; em auxílio aos pacientes, realiza-
enfermagem, psicologia, terapia • estabelecimento de Metas e Con- das por participantes de grupos de
ocupacional e recreação. troles; estudo da Doutrina Espírita;
A ADMINISTRAÇÃO • redução do déficit financeiro no • Eventos promovidos pelo Movi-
A estrutura organizacional do atendimento ao SUS. mento Espírita.
Hospital Espírita é constituída por MUDANÇAS Atividades que terão início bre-
Assembléia Geral, Conselho Deli- Com a extinção do cargo de vemente:
berativo, Conselho Superior e Dire- Administrador Hospitalar no início • Posto de Venda de Livros Espíri-
toria Executiva, estando esta, atu- de 2001 e a criação de Coordena- tas;
almente, assim constituída: Presi- dorias de Áreas, a Direção do Hos- • Estudo Sistematizado da Doutri-
dente, Sr. José Jorge da Silva; 1º pital busca viabilizar uma adminis- na Espírita.
Vice-Presidente, Sr. Sady Soares tração mais ágil, transparente, efi- O Hospital Espírita de Porto
Salatino; e 2º Vice-Presidente, Sr. ciente e eficaz. Outra mudança que Alegre é um importante legado dos
André Luiz Guillen. A Diretoria Exe- está ocorrendo é a adequação às sonhos e ideais espirituais desen-
cutiva não é remunerada: seus com- leis da Reforma Psiquiátrica, trans- volvidos por companheiros do pas-
ponentes doam gratuitamente seu formando leitos de internação inte- sado, cabendo a todos nós, do
tempo e trabalho à instituição. gral em leitos de internação parci- movimento espírita, promover e
A administração do Hospital al, e ativando o Ambulatório. sustentar esta significativa obra que
Espírita de Porto Alegre está subor- AÇÃO ESPÍRITA tantos benefícios tem prestado em
dinada à Diretoria Executiva e com- A ação espírita no HEPA tem nome da caridade.
põe-se pelas Coordenadorias Admi- por objetivo manter sua caracteri- Na busca de sua adequação finan-
nistrativa, de Assuntos Institucio- zação como instituição espírita, atu- ceira, o HEPA conta com a partici-
nais, Financeira, de Internação e ante no movimento doutrinário por- pação da comunidade através de
Apoio, de Obras e Manutenção, to-alegrense, gaúcho e brasileiro, parcerias, doações e voluntariado.
Técnica, e pela Diretoria Técnica, através de ações pertinentes à Contribuições em dinheiro podem
com 421 colaboradores no seu qua- questão da saúde mental e à Dou- ser depositadas nas contas bancá-
dro funcional. trina Espírita. E conta com o Movi- rias: Banco do Brasil, Agência
AS ESTRATÉGIAS mento Espírita , através da FERGS 1248-3, C/C 13.000-1; Banrisul,
A Administração do Hospital e da AMERGS – Associação Médi- Agência 082, C/C 06.033.195.03.
Espírita de Porto Alegre estabele- co-Espírita do Rio Grande do Sul.
ceu estratégias em consonância A ação espírita efetiva-se nas
2001
com sua missão e com o objetivo seguintes atividades: Dedicado à Saúde Mental
de continuar sendo referência em • Atendimento Fraterno aos famili- pela Organização Mundial
saúde mental no Estado do Rio ares, semanalmente; da Saúde
Grande do Sul no tratamento de dis- • Palestra Pública, tendo como base Ano Internacional do
túrbios mentais e dependência quí- “O Evangelho Segundo o Espiri- Voluntariado
Hospital Espírita de Porto Alegre
Praça Simões Lopes Neto, 175 – Teresópolis - 91720-440 – Porto Alegre / RS
PABX (51) 3318.5700 - Fone (51) 3318.5573 - Fax (51) 3318.5624
Visite o HEPA na internet: www.hepa.org.br E-mail: hepa2000@terra.com.br
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