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A ITÁLIA TREME

Estamos nesta extensa península de agressivo relevo, delimitada pelos Alpes ao norte e
pelo Mediterrâneo. Cortada por cadeias de montanhas como os Apeninos e as Dolomitas.
Viajar pela Itália é sempre um sinônimo de ver paisagens abruptas, dos penhascos da
costa Amalfitana aos picos nevados de Cortina d´Ampezzo, da rocha aos campos floridos,
da vizinhança norteafricana aos países de língua germânica ou francesa. Também é um
sinônimo de visitar tesouros arqueológicos, históricos e artísticos por todo o lado. É comum
que se escute que a Itália detém mais da metade das obras de arte do mundo. Não há
como mensurar tal afirmação, para comprová-la ou rejeitá-la, mas é muito provável que
esteja próxima da verdade.

Alguns dos sítios arqueológicos da Itália, como os anfiteatros Coliseu e a arena de Verona
– sem falar das ruínas de Pompéia,- estão entre as maiores jóias que o tempo legou à
humanidade, para estudo da vida política, econômica e cultural dos antepassados, além da
compreensão de seus hábitos cotidianos. Em certas regiões há uma superposição clara de
civilizações, explícita, como um empilhamento de culturas. Como as heranças etrusca,
samnita, grega e romana. Um quebra-cabeças para qualquer estudioso, seja lá qual for seu
campo de interesse.

Além de ruínas com mais de dois mil anos, a Itália também tem um acervo enorme de
vilarejos que guardam feições medievais, burgos com casario cerrado, no sopé de montes,
no alto de montanhas ou no alcandorado de um penedo, com ruas estreitas e construções
mais que centenárias, reformadas ou não. Casas que mantêm o mesmo equilíbrio de um
vagão lotado de embriagados eretos: se algum deles de repente sumisse, outros tantos
cairiam. As paredes espessas da falta de técnica mais aprimorada - aliada à competência
técnica de civilizações às quais não se presta o devido reconhecimento,- respondem pela
duração de tais construções. Mas ainda que robustas, não foram construídas para
chacoalhar.

Estávamos viajando pelo mar Tirreno entre Palermo e Nápoles, no domingo passado,
quando a terra tremeu na região de Abruzzo, a leste de Roma. A magnitude do terremoto,
de 5,8 graus na escala Richter, causou severos estragos na cidade de L´Aquila, epicentro
do abalo sísmico, e em outras tantas cidades da região. O tremor se fez sentir ligeiramente
mesmo em Roma. Movimentos acima de 4 graus na escala Richter já são considerados de
maior monta, pela destruição que originam. Acima de 6 graus podem ser arrasadores no
raio de até uma centena de quilômetros do epicentro. Como se a terra rangesse seus
dentes, num incômodo e pouco previsível bruxismo.

Quando desembarcamos em Nápoles, não só não sabíamos que ocorrera um terremoto na


Itália quanto não suspeitávamos de que o fato movimentara os nossos familiares e amigos,
à procura de informações acerca de nosso estado. Quando abrimos nossas mensagens
eletrônicas na cidade de Caserta, por volta das 19 horas da segunda-feira, imediatamente
ligamos a televisão e assistimos a um noticiário dramático, a confundir lágrimas, morte e
propagandas de saponáceos, carros ou bebidas. Um sentimento de comoção nacional
ainda distante do conhecimento acerca da extensão do que ocorrera. Anunciava-se em
torno de oitenta mortos. Uma compaixão inevitável a todos envolveu e nos mais longínquos
rincões de um país que parece pequeno, mas é extenso e múltiplo, os olhos cansados dos
italianos foram dormir mais tarde, enlutados e sequiosos por acompanhar de perto o
sofrimento de seus irmãos de Abruzzo.

Tranqüilizamos nossos familiares e amigos e muito cansados planejamos o dia seguinte.


Uma terça-feira que imaginamos cheia, a começar pela visita ao palácio Reggio de Caserta,
construído no tempo de dominação dos Bourbon, e ao mosteiro de Monte Cassino. Depois
partiríamos para Monte Livata, onde pretendíamos dormir num hotel simples, num parque
montanhoso próximo de Subiaco e não muito distante de L´Aquila. Assumimos tal roteiro
porque não tivemos tempo de analisar o itinerário e seus riscos com maior cuidado. Meu
cansaço era tanto que naquela noite adormeci sentado, com um copo de café na mão. Só
despertei quando o deixei cair.

A visita ao palácio, no dia seguinte, caiu por terra porque justamente as terças-feiras são os
dias em que se mantém fechado. De pronto partimos para Monte Cassino, palco de cruenta
campanha na segunda guerra mundial, da qual participaram forças de vários países,
cabendo aos poloneses hastear sua bandeira no topo após a vitória sobre os alemães.
Glória e tristeza, um pouco abaixo da abadia há um imenso cemitério polonês, similar ao
mantido pelo Brasil em Pistóia, que coincidentemente visitei anos atrás por insistência de
meu pai.

Visitamos com arrebatamento a abadia criada por São Bento, na qual encontra-se
sepultado com sua irmã, Santa Escolástica. São Bento - reconhecidamente um gigante que
deu largas contribuições à civilização européia e de resto à humanidade,- tem nossa
admiração, que expressamos através da adoção de sua máxima Ora et Labora. Morreu por
volta de 547, pouco depois de receber a hóstia, já com fama de santidade entre todos que o
circundavam e com ele conviviam.

Saímos do mosteiro por volta das 19 horas, quando tínhamos à frente mais de cem
quilômetros por estradas de montanha. O sol desaparecera quando deixamos Frosinese
para trás, rumo a Fiuggi. Quando decidimos abandonar a estrada maior para Fiuggi e
tomamos o ramo direito num entroncamento que mencionava Subiaco pela primeira vez,
mergulhamos numa estrada que serpenteava pelas montanhas, destas que jamais se deve
percorrer à noite, e muito menos à noite pela primeira vez. Nada falei mas durante os
primeiros quinze quilômetros dirigi com contida apreensão. Nenhum carro nos ultrapassou.
Nenhum carro cruzou em sentido oposto. Atribuí ao fato o adiantado da hora e o inóspito.
Deve ser assim mesmo, pensei. É dia de lavoro, está frio e o vinho deve ter apascentado a
turma que por ali vive. Foi um trecho penoso, que vencemos com alguns sobressaltos na
acidentada estrada, que a lua mal iluminava.

Quando nos aproximávamos de Subiaco - lugar em que o jovem Bento permaneceu três
anos numa caverna, em penitência e oração, moldando seu espírito e vencendo tentações,-
o tráfego contrário tornou-se intenso. Confesso que não suspeitei de nada, afinal voltara
minha preocupação em localizar o caminho para o hotel. Mal suspeitava, novo erro de
planejamento, que Monte Livata fica a cerca de vinte quilômetros de Subiaco, que devem
ser vencidos por uma estrada ainda mais precária!

Eram quase dez da noite. Passamos pelo mosteiro e a cidade acabou. Numa área à
esquerda da estrada vira alguns carros estacionados. Entre cinco e seis carros. Imaginei
que se tratava de jovens. Quando fiz o retorno, passei devagar pelo estacionamento e
percebi que eram famílias. Resolvi pedir informações sobre hotéis e acabamos sabendo
que pouco menos de duas horas antes um segundo terremoto ocorrera, com intensidade de
5,3 graus. E Subiaco tremera fortemente e por isto ali estavam, temerosos. Como se
algumas horas ali passadas, na noite fria, pudessem por fim ao movimento do solo, cuja
manifestação pode dar-se tanto agora, novamente, quanto apenas dentro de um século.
Era a noite e a lembrança da sacudida que os haviam empurrado para aquele platô. Foi a
primeira vez que vi o medo de um fenômeno natural que no Brasil é irrelevante.

O senhor que nos deu as informações trouxera sua filha para que se acalmasse porque em
casa se pusera a chorar. Quanto tempo permaneceriam ali? Não sabiam. Nossos planos
estavam abalados pela realidade. Onde podemos encontrar um hotel? Procurem o
Mirafonte.
Antes de procurar o tal hotel, passamos por um pequeno restaurante. O dono, dos seus
sessenta anos, mantinha-se sob a moldura da porta. Olhar perdido e olhos injetados de
sangue, a denunciar noites mal dormidas, me disse que tudo tremera com violência. O
balcão tremera. Por cinco a seis segundos. O susto estava em seu rosto, como máscara
que se deixou congelar. Fiz várias perguntas sobre as probabilidades de o vilarejo sacudir,
bem como sobre o histórico sísmico da cidade e sobre como deveríamos proceder se
tivéssemos o infortúnio de viver tal episódio. E fomos para a rua. Com postes, paredes altas
e próximas, e toda uma fiação elétrica ainda aérea. Tive dúvida se era melhor permanecer
fora ou dentro. Decidi por mudar de lugar e procurar o hotel. O caminho, estreito, era uma
verdadeira ratoeira. Se a terra tremesse prá valer o resultado seria dramático. Uma
multidão estava fora de casa, confabulando sobre tudo. Era uma assembléia de cidadãos
muito preocupados, sem outro desejo senão o de que a noite voasse. Porque se de uma
parte é romântica, de outra parte a noite torna ainda mais sinistros os humanos temores.

Quando chegamos ao hotel de Subiaco que nos fora indicado, verificamos com o dono se
havia um quarto livre. Sim, e custa tantos euros. Passei a perguntar sobre o que ocorrera,
para ganhar tempo para decidir o que fazer. O preço era alto e dificilmente dormiríamos.
Perguntei a Luigi, o próprio dono, sobre sua opinião a respeito do que poderia suceder. Deu
de ombros e mostrou-nos uma figura publicada num jornal, incluindo Subiaco na zona de
risco mais elevado. Mal acreditei. O que fizera? Conseguira nos aproximar do fulcro
sísmico! Enquanto ria de mim mesmo pela inocência, observava Luigi para decidir se
ficaríamos ou não:

- Senhor Luigi, o senhor está com medo?

- Eu? Muito medo. Estou aterrado. Na madrugada do primeiro abalo acordei com o tremor.
Minha cama pulava. E hoje o tremor foi mais intenso. O balcão sacudiu deste jeito.

Mostrou-nos o que vira, bem como o aquário que igualmente sacudira. Como tomar um
avião se o próprio piloto não confia na aeronave? Como subir num aeroplano se o piloto
senta usando pára-quedas? Como nos hospedar num hotel cujo dono não sabe se o prédio
resistirá a uma boa chacoalhada? Como falar de preço de quarto quando o teto já parece
cair virtualmente e a morte é possível? Como preocupar-se com dinheiro num momento
como aquele?

O que mais me impressionou não foram os fatos ou frases surreais, senão a certeza de que
aquele dono de hotel teria até o fim de seus dias medo de ali residir, de ali trabalhar. Mas o
que fazer? Vender tudo e emigrar? Provavelmente nunca o fará. Viverá ali, até sua morte,
com o medo e a memória a persegui-lo, até que esqueça um pouco do que se passou e
diga o que cada um de nós acaba por dizer: a vida é mesmo assim e deve seguir.

Não há lugar absolutamente seguro numa área sísmica, porque mesmo não havendo nada
que possa cair sobre nossas cabeças, os cimos podem desabar ou a terra pode abrir-se.
Nossa pequenez é dramaticamente realçada em tais momentos, pondo por terra qualquer
arrogância ou veleidade. Uma realidade bruta, decorada com tons vivos, porque viver é
perigoso, como já escreveu Guimarães Rosa. Ou não vivemos entre chacoalhadas, abalos
e perdas?

Terminamos de tomar o café que Luigi nos oferecera enquanto desabafava. Tratei de
animá-lo, afinal não passara por sua experiência e em pouco deixaríamos a cidade - em
que ele provavelmente terminará seus dias,- para trás. Disse-lhe que nos restava rezar e
que a Deus pertence nosso futuro. Talvez tenha sido uma ousadia dizer isto a um italiano.
Mas o laicismo que tomou conta da Itália não é irrelevante. Um laicismo exacerbado, que
parece aproximar-se do ateísmo, ou no mínimo da fé enfraquecida.
Nestes últimos dias temos assistido a muitas declarações de sobreviventes, descontroles
de familiares que pranteiam seus mortos e promessas de políticos, que juram
solidariedade. Um pouco de tudo, mas muito pouco de fé, como se viver ou morrer
contasse com uma certa indiferença cósmica, uma crueldade imperscrutável. É o homem, a
desconhecer que a vida é dádiva e não atributo de que não pode jamais ser alijado.

A cobertura midiática do episódio tem apelado para o orgulho italiano para reerguer as
cidades mais atingidas. Rezar? Além da manifestação da Igreja, poucas são as menções.
Não bastasse o sofrimento de tantos, sobrevém a monstruosidade dos saques. De gente
que se faz passar por técnicos para roubar, merecendo a mais digna repulsa de todos
quantos não perderam o senso da dignidade.

De nossa parte desejamos a este país que saiba mitigar suas dores. E que São Francisco
de Assis, padroeiro da Itália e um de seus grandes santos - como São Bento, Santa
Catarina de Siena e Santo Antonio de Pádua,- ajude este país. E ajudem, todos estes
santos, a reconstruir prédios e ruas, abalados pelos desastres sísmicos. Como ajudem a
reconstruir a fé de toda a Europa, abalada pelo terremoto materialista e agnóstico, cujos
estragos são maiores ainda.

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