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UNIVERSIDADE DO MINDELO

Curso de Licenciatura em Ciência Política e Relações Internacionais

Unidade Curricular: Direito Municipal Cabo-verdiano

Docente: Avenino Lopes da Silva – Lic. em Administração Pública/Empresa – Pós-Graduação


em Gestão do Desenvolvimento e Cooperação Internacional

TEMÁTICA 1:

O MUNICIPALISMO CABO-VERDEANO
1.1 A Constituição da República e o Poder Local em Cabo Verde

O n.º2 do Art. 2.º da CRCV, reconhece institucionalmente a “existência e autonomia do poder local
e a descentralização democrática da Administração Pública”, pressupondo a manutenção das
autarquias Locais como previsto no Art. 230.º da Constituição, e garante, por outro lado, a
irreversibilidade do processo de descentralização do país. Porém, afasta, durante a sua vigência, a
descentralização política que se consubstancia na criação de regiões autónomas (ex. Açores,
Madeira, Canárias, dado prever a unicidade do Estado (Direito das Autarquias Locais, 2012, Miguel Ramos).

Autonomia do Poder Local: A Constituição reconhece “a autonomia do poder local e a


descentralização democrática da Administração Pública” (Art.6, n.º2), sendo um princípio
consagrado no artigo, 11.º, n.º2 da Lei Quadro da Descentralização Administrativa (Lei
n.º69/VII/2010, de 16 de Agosto) “As Autarquias Locais gozam de autonomia administrativa,
financeira, patrimonial, normativa e organização interna”.

A autonomia significa a capacidade das autarquias prosseguirem livremente a realização das suas
atribuições através dos seus próprios órgãos e sob sua inteira responsabilidade.

A Lei Quadro da Descentralização Administrativa (Lei n.º69/VII/2010, de 16 de Agosto), considera


no seu artigo 2.º, a), a seguinte definição para Descentralização Administrativa: é o “todo o
processo pelo qual atribuições administrativas e inerentes poderes de opção e/ou execução e
controlo são conferidos a centros institucionalizados mais próximos das populações locais
beneficiárias da acção administrativa, no quadro constitucional e das leis e regulamentos emanados
dos órgãos de soberania competentes”.

Aspectos Relevantes da Lei: O Art.º 3.º (Princípios Gerais); Art.º 4.º (Dever de Descentralizar); Art.º
5.º (Modos de Descentralização); Art.º 6.º (Categoria de Autarquias Locais); Art.º 7.º (Criação,
Alteração e Extinção de AL); Art.º 8.º (Classificação das Autarquias Locais); Artigos 9.º a 17.º
(Princípios da Independência e de Autonomia, formas de Autonomia, Tutela Administrativa e
Finanças Locais e Boa Gestão); Art.º 18.º (Atribuições e Competências das AL).

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TÍTULO VI
DO PODER LOCAL

Artigo 230º
(Autarquias locais)
1.A organização do Estado compreende a existência de autarquias locais*.
2. As autarquias locais são pessoas colectivas públicas territoriais dotadas de órgãos
representativos das respectivas populações, que prosseguem os interesses próprios
destas.
3. A criação e extinção das autarquias locais, bem como a alteração dos respectivos
territórios são feitas por lei**, com prévia consulta aos órgãos das autarquias abrangidas.

*A autonomia do Poder Local, bem como o sufrágio universal, direto, secreto e periódico para a
eleição dos seus órgãos constituem, ao abrigo do art. 290.º da Constituição limites materiais de
revisão constitucional. (Direito das Autarquias Locais, 2012, Miguel Ramos).
**Ex. criação em 2005 dos Municípios de Ribeira Grande de Santigo, São Lourenço dos Órgãos, São
Salvador do Mundo, Santa Catartia do Fogo e Tarrafal de S.Nicolau; Mosteiros (1991), São
Domingos (1993), São Miguel (1996),

Artigo 231º
(Categorias de autarquias locais)
As autarquias locais são os municípios, podendo a lei* estabelecer outras categorias
autárquicas de grau superior ou inferior ao município.

*A Lei Quadro da Descentralização Administrativa, Lei n.º69/VII/2010, de 16 de Agosto, define, em


abstracto, as Regiões Administrativas como autarquias supra municipais, e as Freguesias, como
autarquias intermunicipais (Direito das Autarquias Locais, 2012, Miguel Ramos).

Artigo 232º
(Solidariedade)
1. O Estado promove a solidariedade entre as autarquias, de acordo com as particularidades
de cada uma e tendo em vista a redução das assimetrias regionais e o desenvolvimento
nacional.
2. A administração central, com respeito pela autonomia das autarquias, garante a estas,
nos termos da lei, apoio técnico, material e em recursos humanos.

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Artigo 233º
(Património e finanças das autarquias)
1. As autarquias locais têm finanças e património próprios.
2. A lei define o património das autarquias locais e estabelece o regime das finanças locais,
tendo em vista a justa repartição de recursos públicos entre o Estado e as autarquias, bem
como os demais princípios referidos neste título.
3. As autarquias locais podem dispor de poderes tributários, nos casos e nos termos
previstos na lei.
4. A lei regula a participação dos municípios nas receitas fiscais*.

*Regime Finanças Locais, Lei n.º 79/VI/2005, de 5 de Setembro. Está em discussão a sua revisão
para melhor definição dos critérios de repartição entre as AL dos recursos públicos transferidos
pelo Governo.

Artigo 234º
(Organização das autarquias)
1. A organização das autarquias locais compreende uma assembleia eleita, com poderes
deliberativos e um órgão colegial executivo responsável perante aquela.
2. A assembleia é eleita pelos cidadãos eleitores residentes na circunscrição territorial da
autarquia, segundo o sistema de representação proporcional.

Artigo 235º
(Poder regulamentar)
As autarquias locais gozam de poder regulamentar próprio, nos limites da Constituição, das
leis e dos regulamentos emanados das autarquias de grau superior ou das autoridades com
poder tutelar.

Artigo 236º
(Tutela)
1. A tutela administrativa sobre as autarquias locais consiste na verificação do cumprimento
da lei* pelos órgãos autárquicos e é exercida nos casos e nos termos da lei.

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2. As medidas tutelares restritivas da autonomia local são precedidas de parecer da


assembleia deliberativa da autarquia, nos termos da lei.
3. A dissolução de órgãos autárquicos resultantes de eleição directa só pode ter lugar por
causa de acções ou omissões graves, estabelecidas pela lei.

*Compreende os domínios da gestão administrativa, financeira e patrimonial e de gestão


urbanística (Plano Director Municipal, Plano Desenvolvimento Urbano e Plano Detalhado).

Artigo 237º
(Pessoal das autarquias locais)
1. As autarquias locais possuem quadros de pessoal próprio, nos termos da lei.
2. Aos funcionários e agentes das autarquias locais é aplicável o regime dos funcionários e
agentes da administração central, com as adaptações necessárias, nos termos da lei.

A falta de recursos humanos (técnicos superiores) preparados e motivados constitui um dos


grandes constrangimentos para os Municípios na prossecução dos seus objectivos.

Artigo 238º
(Atribuições e organização das autarquias locais)
1. As atribuições e organização das autarquias, bem como a competência dos seus órgãos
são reguladas por lei, com respeito pelo princípio da autonomia e da descentralização.
2. Os órgãos das autarquias podem delegar nas organizações comunitárias, tarefas
administrativas, que não envolvam o exercício de poderes de autoridade.

Artigo 239º
(Associações de autarquias locais)
As autarquias locais podem constituir associações para a realização de interesses comuns.

A Associação Nacional dos Municípios Cabo-verdianos foi criada no Mindelo em 1995. É a entidade
que tem como objectivo a promoção, defesa, valorização e representação do Poder Local. Existem
ainda várias Associações Intermunicipais, por exemplo, Santo Antão, Santiago e Fogo e Brava.

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1.2 Autarquia Local

Na sua raiz etimológica (origem/significado das palavras), o termo autarquia significa


autossuficiência, independência, isto é, a característica daquele que se basta a si próprio,
sendo ainda esse o sentido que o termo possui no âmbito da sociologia ou da economia.

Ora, independentemente da discussão sobre a substância do conceito, tem o seu interesse


indagar sobre a entrada e a fixação, doutrinária e legislativa, da expressão “autarquia ou
poder local” em Cabo Verde.

Segundo Eurico Pinto Monteiro (Poder Local e Divisão Administrativa em Cabo Verde no Pós-
Independente 1975-1990, 2007), a expressão “autarquia ou poder local” não teria sido
introduzida entre nós pela doutrina, mas por via legislativa. O termo Poder Local foi
utilizado pela primeira vez na legislação cabo-verdiana, em 1979, no Decreto-Lei nº 19/79,
de 24 de Março, que instituiu Comissões de Moradores. Mais tarde, a Constituição de 1980
referenciou-o na epígrafe do Capítulo V do Título IV que só abrangia o artigo 88º. Os textos
partidários falavam mais em órgãos locais de Poder do Estado.

1.2.1 Caraterísticas das Autarquias Locais

As autarquias locais são, antes de mais, pessoas colectivas de direito público. Todavia,
apresentam, à partida, um conjunto de traços distintivos no confronto com as demais
pessoas colectivas públicas, mesmo com aquelas que lhes estão mais próximas, as pessoas
colectivas públicas autónomas (serviços/empresas autónomas municipais - ex. de
água/saneamento).

Autarquias Locais (administração autónoma): preenchem os seguintes requisitos básicos: a


presença de um território; interesses próprios; o autogoverno; responsabilidade própria e órgãos
representativos.

Porém, distinguem-se das demais espécies do género por um conjunto de traços


específicos:

(1) por congregarem todos os membros da comunidade local respectiva (e não apenas
certos grupos sociais);

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(2) por serem entidades de fins múltiplos (e não de fins específicos);

(3) por serem pessoas colectivas constitucionalmente necessárias (e não facultativas);

(4) por terem uma configuração constitucional paralela à do Estado e por apresentarem
uma relação particularmente intensa com idênticos princípios e estruturas político-
constitucionais, nomeadamente em termos do carácter electivo dos respetivos
órgãos e da similar dependência do funcionamento do sistema de partidos
(diversamente do que sucede com a restante administração autónoma);

(5) consequentemente, por beneficiarem de uma densa regulação constitucional


(diversamente da demais administração autónoma, cuja regulação depende
essencialmente, do legislador).

Ainda no que respeita às características das autarquias locais, há um notável conjunto de


marcas distintivas, no confronto com a generalidade das pessoas coletivas públicas,
nomeadamente as que decorrem das seguintes prerrogativas atribuídas pela lei:
(i) As autarquias locais dispõem de órgãos directamente eleitos por sufrágio universal,
direto e secreto da população residente na respectiva circunscrição territorial (Art.º
45.º do EM);

(ii) As autarquias locais gozam do direito de ação popular para defesa dos respetivos
bens (Art.º 11.º do EM);

(iii) Os órgãos representativos das autarquias locais dispõem da prerrogativa de, na


respectiva esfera de atribuições próprias, poderem aprovar regulamentos, posturas
e correspondentes sanções (Art.º 81.º e 92.º do EM);

(iv) Nas autarquias locais, exprime-se diretamente a relevância do território como seu
elemento essencial, a começar pela garantia da reserva de lei quanto à respectiva
divisão administrativa e a passar pela exigência da lei, em matéria de criação,
modificação e extinção (Art.º 230, n.º2 e 3 da CRCV);

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(v) Nas autarquias locais, estão envolvidas formas de participação popular de carácter
político, seja por via dos partidos, dos grupos de cidadãos eleitores ou apenas dos
cidadãos, individual ou coletivamente considerados (Código Eleitoral);

(vi) As autarquias locais dispõem de uma especial proteção constitucional no domínio


financeiro, envolvendo pelo menos um regime das respetivas finanças locais e um
conjunto de poderes públicos nessa matéria (Art.º 233.º da CRCV);

(vii) As autarquias locais beneficiam de uma garantia institucional de um domínio público


autárquico (Art.º11, Lei dos Solos n.º02/2007, de 19 de Julho);

(viii) Por último, as autarquias locais dispõem de um poder regulamentar próprio


diretamente fundado no texto constitucional (Art.235.º da CRCV).

1.2.2 Conceito de Autarquia Local e seus Elementos

Segundo a Constituição Cabo-verdiana as autarquias locais são pessoas coletivas territoriais


dotadas de órgãos representativos, que prosseguem os interesses próprios destas (artigo
230.º, n.º 2).

Além da definição legal podemos encontrar outras como o do estudioso português Diogo
Freitas do Amaral, que define as autarquias locais como “pessoas coletivas públicas de
população e território, correspondentes aos agregados de residentes em diversas
circunscrições do território nacional e que asseguram a prossecução dos interesses comuns
resultantes da vizinhança mediante órgãos próprios, representativos dos respectivos
habitantes” (AMARAL, Diogo Freitas do (em colaboração), Curso de Direito Administrativo, vol. I, 3.ª
ed., Coimbra, Almedina, 2006).

Ponderando os diversos elementos de construção a ter em conta, a começar pelas


estruturas constitucionais e a passar pelos elementos históricos e teóricos, poderemos
também definir autarquia local em termos algo diversos, como a “forma específica de
organização territorial, na qual uma comunidade de residentes numa circunscrição
territorial juridicamente delimitada dentro do território do Estado prossegue interesses
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locais, através do exercício de poderes públicos autónomos” (ALEXANDRINO, José de Melo,


Tratado de Direito Administrativo Especial, vol. IV, Coimbra, Almedina, 2010, 2010, 111).

Com esta definição, pretende-se:


(i) acentuar a ideia de que há outras formas de organização territorial (como as regiões
administrativas e as freguesias ou as organizações de moradores);
(ii) a ideia de que a especificidade dessa organização se traduz no facto de a mesma
constituir um “imperativo constitucional”;
(iii) assinalar a territorialidade como nota distintiva essencial do fundamento;
(iv) notar a particularidade de o fundamento pessoal ser referido a toda a comunidade
de residentes;
(v) prestar tributo à referência aos “interesses locais”;
(vi) acentuar o relevo da feição política das autarquias locais.

Este conceito integra em abstrato um conjunto de seis Elementos: 1. Personalidade Jurídica; 2.


Representatividade dos Órgãos; 3. Comunidade de Residentes; 4. Circunscrição Territorial; 5.
Interesses locais; 6. Poderes Públicos Autónomos exercido em condições de auto-responsabilidade.

Todavia, em sistemas de Estado constitucional como o cabo-verdiano, os dois primeiros


elementos (a personalidade jurídica e a representatividade dos órgãos) devem considerar-se
elementos implícitos:

O primeiro por decorrer dos princípios da autonomia e da descentralização, que postulam


necessariamente a personalidade jurídica das autarquias locais;
O segundo por estar igualmente pressuposto num outro princípio fundamental do ordenamento
local, o princípio democrático, uma das traves mestras da Constituição.

Por essa ordem de razões, há a considerar como elementos constitutivos do conceito de


autarquia local:

(a) a comunidade de residentes;

A comunidade de residentes começa por integrar todas as pessoas que pertençam ao colégio
eleitorial para efeitos de eleição local (sejam cabo-verdianos ou estrangeiros), mas estende-se
também às demais pessoas residentes no âmbito da circunscrição territorial, designadamente os
menores e os estrangeiros não inscritos no recenseamento territorial.

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(b) a circunscrição territorial;

Tripla Função do Território: A de identificar a autarquia local, a de permitir definir a população


respectiva e a de delimitar as atribuições e competências das autarquias e dos seus órgãos, em
razão do lugar.
Contundo, como há muito foi notado, “a verdadeira função do território municipal não é a de limite
espacial dos poderes municipais, mas de elemento definidor dos interesses municipais” (PEREIRA,
2006, 244).

(c) os interesses locais;

Sem prejuízo da dificuldade e relatividade do conceito, podemos definir interesses locais como
“dados realidades ou estados que uma concreta comunidade local tem razões para querer”
(ALEXANDRINO, José de Melo, Direito Municipal: Conteúdos e Métodos de Ensino, Lisboa, AAFDL,
2014, 243), que sejam aptos à realização de fins e tarefas, mas também que sejam variáveis de
autarquia para autarquia.

(d) os poderes públicos autónomos definidos e exercidos em condições de


autorresponsabilidade.

Deste elemento decorre que não há autarquia local sem poderes locais (órgãos dela
representativos), significando que esses órgãos dependem e respondem diretamente perante a
comunidade pela forma como exercem os poderes e prosseguem a realização dos interesses locais,
podendo a comunidade acionar os mecanismos de prestação de contas correspondentes.

1.2.3 Categorias de Autarquias Locais

Segundo a Constituição, as autarquias locais são os municípios (Art.º 231.º), podendo a lei
estabelecer categorias autárquicas de grau superior (regiões administrativas) ou de grau
inferior ao município (freguesias).

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Administração
Central

Região
Níveis de
Administrativa
Administração
Administração
Autárquica Município

Região
Administrativa

Freguesia: É uma estrutura civil e eclesiástica.

1.3 O Conceito de Municipalismo

O municipalismo “é um conjunto de todas as organizações locais que têm como função


administrar os interesses das respectivas circunscrições territoriais, mais ou menos
determinadas, e segundo formas de indicação dos seus próprios habitantes” (BRANCO,
2012).

Segundo Matsumoto (2012) “o municipalismo é uma forma de organização ou desenho


político institucional que tende a conceber a esfera local como a mais eficiente para dar
solução a uma série de problemas de vida da comunidade e que, para esse objectivo,
demanda uma esfera política autónoma de ação, incluindo recursos fiscais e
administrativos.

E Oliveira (2007) “associa o municipalismo a autonomia afirmando que a história do


municipalismo seria a libertação dos municípios das unidades centrais, definindo assim, o
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municipalismo como sistema de gestão política e administrativa que tende a melhorar a


qualidade de vida dos munícipes”.

1.4 O Contexto Histórico do Poder Local em Cabo Verde

Em um regime democrático o poder local deve ser visto a partir de noções de


descentralização e participação da cidadania no poder político. Deve-se conjugar práticas de
democracia representativa com democracia participativa, em que os cidadãos, agindo de
forma conjunta com o poder público, passarão a ser responsáveis pelo seu destino e pelo
destino de toda a sociedade.

O poder local contribuiu de modo muito positivo para a consolidação da democracia e o


desenvolvimento do País, a partir de uma gestão compartilhada na decisão dos problemas
locais, articulando-se elementos do governo local com os da sociedade civil.

É um sistema de decisões, capaz de inserir novos actores sociais existentes na esfera local,
como organizações não-governamentais, movimentos sociais e também entidades privadas,
os quais celebrarão parcerias com o poder público no desenvolvimento de projectos e
investimentos locais e também na tomada das decisões sobre políticas públicas locais.

1.4.1 O Poder Local no Contexto de Regime Colonial

A história do poder local em Cabo Verde remonta a 1475, época em que foi instituído o
município de Ribeira Grande de Santiago, com protagonismo paralelo ao poder régio.
Muitas vezes, na ausência ou desinteresse de outros poderes durante as crises agudas
provocadas pela fome, as Câmaras, protegeram as populações e organizaram os seus
principais interesses alimentando e agasalhando os necessitados, enterrando os mortos e
mantendo a sobrevivência ao nível da dignidade.

Primeiramente só o colono branco tinha acesso à Câmara e depois em 1546 há autorizações


régias para que moradores, incluindo os negros participassem na constituição da Câmara.
Os membros da Câmara eram eleitos anualmente e distribuídos por diversas funções, tais
como Vereadores, Tesoureiros, Escrivães, Procuradores e os Juízes ordinários.

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Durante os Séc. XVI, XVII e XVIII, o poder local em Cabo Verde era dominado pelas Elites,
sendo que os homens poderosos do século XVI exerciam o seu poder através da relação
privilegiada que mantinham com o reino e na ocupação de cargos concelhios. No século XVII
nasce a segunda elite constituída por reinóis (poucos) e os chamados “filhos da terra”
(brancos e mulatos). A terceira elite que surge em Santiago na segunda metade do século
XVII é endógena, mestiça, trata-se de uma elite cabo-verdiana.

Posteriormente, derivado da expansão social e económica às outras regiões do país, o


regime colonial passou a nomear seus representantes para controlar as atividades
económicas (comércio externo e cobrança de impostos), resultando no início das primeiras
disputas entre o Poder Central e o Poder Local e a defesa dos interesses das populações.

Com o surgimento do Estado Novo (Período Salarazista) verificou-se uma nova organização
administrativa com a criação dos administradores do Concelho a ocupar o lugar e a exercer
as atribuições da câmara. Assim as câmaras perderam as populações e a sua autonomia a
favor da administração central (metrópole) e deixaram de ter um lugar e uma tribuna
própria onde fizesse valer os seus interesses.

1.4.2 O Poder Local no Contexto da Primeira República

O Poder Local no Cabo Verde independente e democrático sofreu várias transformações,


que começa com a transição de Cabo Verde para país independente (1975) até a
instauração da democracia (1990).

Durante o período de transição (1974) foi necessário preparar o país em termos de


estruturas administrativas, com publicação de legislação que daria corpo a dissolução e
substituição de todos os corpos administrativos coloniais de qualquer natureza nas câmaras
municipais por comissões administrativas nos concelhos, a quem foram atribuídas
competências que pertenciam às entidades do foro local nomeadamente as câmaras
municipais, juntas de freguesia, presidentes de câmaras e administradores do concelho,
absorvendo todos os serviços camarários e administrativos.

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No entanto, a realidade devido a vários factores, o impacto das comissões administrativas


não foram mais do que a desagregação das estruturas administrativas coloniais.

Segundo Eurico Pinto Monteiro (2007), “a Lei sobre a Organização Política do Estado,
aprovada a 5 Julho de 1975, por unanimidade, pelos então Deputados, atribuiu, no n.º 2 do
artigo 15.º, ao Conselho de Ministros a direcção, coordenação e controlo da actividade dos
diversos departamentos governamentais, dos outros serviços centrais e dos órgãos da
administração local. Institui-se, assim, um sistema administrativo claramente centralizado,
na esteira da herança da administração colonial e que seria rompido, em termos teóricos,
só com a Constituição de 1992”.

Portanto, o Poder Local era uma mera formalização e extensão dos poderes e dos seus
detentores, consoante o artigo 4.º da Lei Constitucional que previa a subordinação de toda
a organização do Estado ao partido único, e o artigo 88.º da mesma lei estabelecia que “os
órgãos do Poder Local fazem parte do poder estatal unitário”, sendo, nessa sequência,
instituídos os Concelhos Municipais e o Delegado do Governo. Não havia divisão de poder
por forma a impedir o surgimento de movimentos revolucionários e democráticos.

Com a Lei n.º47/III/89 (Base das Autarquias Locais), a Lei n.º48/III/89 (Normas para as
Eleições Municipais), todas de 13 de Julho, juntamente com o Decreto-Lei n.º52-A/90, de
4 de Julho, que fixou a organização e o funcionamento dos municípios, verificaram-se os
primeiros passos para repor a autonomia do poder local e o surgimento de iniciativas
políticas na sociedade cabo-verdiana que levariam a queda do famoso artigo 4.º da
Constituição de 28 de Setembro de 1990 (Lei Constitucional n.º2/III/90) e o advento da
actual regime de Estado de Direito Democrático.

1.4.3 O Poder Local no Contexto da Segunda República

O Poder Local em Cabo Verde ganhou fôlego apenas com a transição para a democracia em
1991, em que foram realizadas as primeiras eleições legislativas pluripartidárias, destituindo
o antigo partido único, e promovendo assim, grandes mudanças estruturais na política do
país e também nas várias dimensões sociais e económicas no território nacional. Essas

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mudanças e reformas para um regime parlamentar e de sistema pluripartidário foram


confirmadas com a Lei Constitucional de 1992.

Desde então, profundas mudanças têm sido registadas em termos de democratização,


alternância política, exercício da cidadania, liberalização da economia, legislação,
descentralização e envolvimento da sociedade. Vários diplomas legais foram criados para a
consolidação do poder local cabo-verdiano definindo as atribuições e competências dos
municípios em áreas como: as finanças locais, o ordenamento do território e o planeamento
urbanístico, a habitação, o desenvolvimento turístico e o ambiente.

Seis eleições autárquicas foram realizadas a partir de 1992 (temos 1992, 1996, 2000, 2004,
2008, 2012 e 2016), com grande participação da população, sendo que para além de
partidos políticos concorreram também grupos de cidadãos organizados e tivemos Câmaras
Municipais geridas por grupos de cidadãos.

A nossa Lei Fundamental dedica um capítulo sobre o poder local, com 10 artigos que
emanam os princípios legais das autarquias locais em Cabo Verde, pressupostos necessários
para um Poder Local legítimo, representativo dos cidadãos e dos interesses locais e
territoriais, consagrando a sua autonomia face à administração central, designadamente a
autonomia administrativa, financeira, patrimonial, normativa e organizacional.

O quadro jurídico dos municípios que abordaremos durante o estudo da temática do


municipalismo em Cabo Verde, demostra de forma inequívoca a irreversibilidade da autonomia
do Poder Local face ao Poder Central.

1.5 As Relações entre os Serviços das Autarquias e os Cidadãos: O Desafio de um Novo


Paradigma

As crescentes expectativas dos utentes em relação aos serviços públicos exigem que a
necessidade de mudança e de desenvolvimento, aliada aos princípios da melhoria contínua,
não seja mais uma preocupação exclusiva do sector privado (Pinto, 2001).

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Contundo, a solução não passa por transformar as organizações públicas em organizações


semelhantes às organizações privadas. Não podemos correr o risco, como refere Oliveira
Rocha (2006) da qualidade dos serviços públicos consistir num transplante do mundo dos
negócios, pois nem sempre os transplantes são bem-sucedidos, podendo ser rejeitados.

Consequentemente, há que conceber um outro modelo de gestão da Administração que


constitua uma “terceira via” entre o modelo burocrático e o modelo gestionário
(Mozzicrafredo, 2001). Trata-se de adoptar um modelo de gestão que trate as questões da
eficiência e da eficácia (como acontece na gestão empresaria), mas também a legalidade, a
igualdade, a proporcionalidade e a legitimidade.

Independentemente do modelo a ser adoptado, é crucial que se substitua a lógica centrada


no cumprimento estrito de procedimentos por uma lógica centrada no cidadão, de modo a
que seja possível pôr em prática uma Administração receptiva à cidadania (Carapeto &
Fonseca). Neste âmbito, o serviço de atendimento, enquanto face mais visível da
Administração é precisamente a actividade representativa do novo modelo de gestão
preconizado.

A falta de um atendimento integrado, uniforme, aglutinador dos vários serviços e do


cruzamento de dados, com deficiência de acesso à informação, exige aos munícipes várias
deslocações aos diferentes serviços das câmaras municipais para resolver um assunto,
situação extremamente desgastante, tanto para os serviços como para o munícipe.

Urge então, a criação de um serviço municipal (uma macroestrutura) com vocação de


coordenação, de articulado de esforços e de tratamento transversal de problemas relativo
aos diferentes serviços municipais.

Esse novo modelo de serviço deve ser concebido para facilitar a relação entre os munícipes
e as autarquias através da desburocratização e de um melhor acesso à informação, devendo
ser atribuídas as seguintes funções:

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a. Centralizar todo o relacionamento dos serviços com o munícipe;


b. Centralizar a informação relativa aos processos e diligenciar junto de todos os
outros serviços para o seu efectivo despacho;
c. Garantir a recepção e atendimento ao público num único espaço.

Os municípios devem ir mais além e assumir o desafio de alterar profundamente a forma


como vêm sendo assegurado o serviço de atendimento, aumentando:

i. a qualidade;
ii. o profissionalismo;
iii. a abertura;
iv. a transparência, e;
v. a simpatia no relacionamento com os munícipes.

Igualmente essa estrutura deve ter a visão do todo e identificar áreas de serviço que
funcionam menos bem e proceder, com esses serviços, à sua resolução, visando a melhoria
contínua do funcionamento das Câmaras.

Por outras palavras, deve-se assumir o cidadão/cliente como o centro das actividades dos
serviços e o juiz da qualidade (Corte-Real, 1995). E o que é a qualidade? É uma filosofia de
gestão que permite uma maior eficácia e eficiência dos serviços, maior nível de
produtividade, motivação dos trabalhadores e a satisfação das necessidades dos cidadãos
clientes dos serviços.

Por conseguinte, a opção pela qualidade, como vertente estratégica da modernização do


relacionamento entre as Câmara Municipais os cidadãos, é o caminho mais seguro para
eliminar as disfunções burocráticas diagnosticadas e criar Câmaras orientadas para o cliente,
capazes de contruir uma relação de complementaridade com o cidadão.

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