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TEMÁTICA 1:
O MUNICIPALISMO CABO-VERDEANO
1.1 A Constituição da República e o Poder Local em Cabo Verde
O n.º2 do Art. 2.º da CRCV, reconhece institucionalmente a “existência e autonomia do poder local
e a descentralização democrática da Administração Pública”, pressupondo a manutenção das
autarquias Locais como previsto no Art. 230.º da Constituição, e garante, por outro lado, a
irreversibilidade do processo de descentralização do país. Porém, afasta, durante a sua vigência, a
descentralização política que se consubstancia na criação de regiões autónomas (ex. Açores,
Madeira, Canárias, dado prever a unicidade do Estado (Direito das Autarquias Locais, 2012, Miguel Ramos).
A autonomia significa a capacidade das autarquias prosseguirem livremente a realização das suas
atribuições através dos seus próprios órgãos e sob sua inteira responsabilidade.
Aspectos Relevantes da Lei: O Art.º 3.º (Princípios Gerais); Art.º 4.º (Dever de Descentralizar); Art.º
5.º (Modos de Descentralização); Art.º 6.º (Categoria de Autarquias Locais); Art.º 7.º (Criação,
Alteração e Extinção de AL); Art.º 8.º (Classificação das Autarquias Locais); Artigos 9.º a 17.º
(Princípios da Independência e de Autonomia, formas de Autonomia, Tutela Administrativa e
Finanças Locais e Boa Gestão); Art.º 18.º (Atribuições e Competências das AL).
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TÍTULO VI
DO PODER LOCAL
Artigo 230º
(Autarquias locais)
1.A organização do Estado compreende a existência de autarquias locais*.
2. As autarquias locais são pessoas colectivas públicas territoriais dotadas de órgãos
representativos das respectivas populações, que prosseguem os interesses próprios
destas.
3. A criação e extinção das autarquias locais, bem como a alteração dos respectivos
territórios são feitas por lei**, com prévia consulta aos órgãos das autarquias abrangidas.
*A autonomia do Poder Local, bem como o sufrágio universal, direto, secreto e periódico para a
eleição dos seus órgãos constituem, ao abrigo do art. 290.º da Constituição limites materiais de
revisão constitucional. (Direito das Autarquias Locais, 2012, Miguel Ramos).
**Ex. criação em 2005 dos Municípios de Ribeira Grande de Santigo, São Lourenço dos Órgãos, São
Salvador do Mundo, Santa Catartia do Fogo e Tarrafal de S.Nicolau; Mosteiros (1991), São
Domingos (1993), São Miguel (1996),
Artigo 231º
(Categorias de autarquias locais)
As autarquias locais são os municípios, podendo a lei* estabelecer outras categorias
autárquicas de grau superior ou inferior ao município.
Artigo 232º
(Solidariedade)
1. O Estado promove a solidariedade entre as autarquias, de acordo com as particularidades
de cada uma e tendo em vista a redução das assimetrias regionais e o desenvolvimento
nacional.
2. A administração central, com respeito pela autonomia das autarquias, garante a estas,
nos termos da lei, apoio técnico, material e em recursos humanos.
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Artigo 233º
(Património e finanças das autarquias)
1. As autarquias locais têm finanças e património próprios.
2. A lei define o património das autarquias locais e estabelece o regime das finanças locais,
tendo em vista a justa repartição de recursos públicos entre o Estado e as autarquias, bem
como os demais princípios referidos neste título.
3. As autarquias locais podem dispor de poderes tributários, nos casos e nos termos
previstos na lei.
4. A lei regula a participação dos municípios nas receitas fiscais*.
*Regime Finanças Locais, Lei n.º 79/VI/2005, de 5 de Setembro. Está em discussão a sua revisão
para melhor definição dos critérios de repartição entre as AL dos recursos públicos transferidos
pelo Governo.
Artigo 234º
(Organização das autarquias)
1. A organização das autarquias locais compreende uma assembleia eleita, com poderes
deliberativos e um órgão colegial executivo responsável perante aquela.
2. A assembleia é eleita pelos cidadãos eleitores residentes na circunscrição territorial da
autarquia, segundo o sistema de representação proporcional.
Artigo 235º
(Poder regulamentar)
As autarquias locais gozam de poder regulamentar próprio, nos limites da Constituição, das
leis e dos regulamentos emanados das autarquias de grau superior ou das autoridades com
poder tutelar.
Artigo 236º
(Tutela)
1. A tutela administrativa sobre as autarquias locais consiste na verificação do cumprimento
da lei* pelos órgãos autárquicos e é exercida nos casos e nos termos da lei.
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Artigo 237º
(Pessoal das autarquias locais)
1. As autarquias locais possuem quadros de pessoal próprio, nos termos da lei.
2. Aos funcionários e agentes das autarquias locais é aplicável o regime dos funcionários e
agentes da administração central, com as adaptações necessárias, nos termos da lei.
Artigo 238º
(Atribuições e organização das autarquias locais)
1. As atribuições e organização das autarquias, bem como a competência dos seus órgãos
são reguladas por lei, com respeito pelo princípio da autonomia e da descentralização.
2. Os órgãos das autarquias podem delegar nas organizações comunitárias, tarefas
administrativas, que não envolvam o exercício de poderes de autoridade.
Artigo 239º
(Associações de autarquias locais)
As autarquias locais podem constituir associações para a realização de interesses comuns.
A Associação Nacional dos Municípios Cabo-verdianos foi criada no Mindelo em 1995. É a entidade
que tem como objectivo a promoção, defesa, valorização e representação do Poder Local. Existem
ainda várias Associações Intermunicipais, por exemplo, Santo Antão, Santiago e Fogo e Brava.
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Segundo Eurico Pinto Monteiro (Poder Local e Divisão Administrativa em Cabo Verde no Pós-
Independente 1975-1990, 2007), a expressão “autarquia ou poder local” não teria sido
introduzida entre nós pela doutrina, mas por via legislativa. O termo Poder Local foi
utilizado pela primeira vez na legislação cabo-verdiana, em 1979, no Decreto-Lei nº 19/79,
de 24 de Março, que instituiu Comissões de Moradores. Mais tarde, a Constituição de 1980
referenciou-o na epígrafe do Capítulo V do Título IV que só abrangia o artigo 88º. Os textos
partidários falavam mais em órgãos locais de Poder do Estado.
As autarquias locais são, antes de mais, pessoas colectivas de direito público. Todavia,
apresentam, à partida, um conjunto de traços distintivos no confronto com as demais
pessoas colectivas públicas, mesmo com aquelas que lhes estão mais próximas, as pessoas
colectivas públicas autónomas (serviços/empresas autónomas municipais - ex. de
água/saneamento).
(1) por congregarem todos os membros da comunidade local respectiva (e não apenas
certos grupos sociais);
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(4) por terem uma configuração constitucional paralela à do Estado e por apresentarem
uma relação particularmente intensa com idênticos princípios e estruturas político-
constitucionais, nomeadamente em termos do carácter electivo dos respetivos
órgãos e da similar dependência do funcionamento do sistema de partidos
(diversamente do que sucede com a restante administração autónoma);
(ii) As autarquias locais gozam do direito de ação popular para defesa dos respetivos
bens (Art.º 11.º do EM);
(iv) Nas autarquias locais, exprime-se diretamente a relevância do território como seu
elemento essencial, a começar pela garantia da reserva de lei quanto à respectiva
divisão administrativa e a passar pela exigência da lei, em matéria de criação,
modificação e extinção (Art.º 230, n.º2 e 3 da CRCV);
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(v) Nas autarquias locais, estão envolvidas formas de participação popular de carácter
político, seja por via dos partidos, dos grupos de cidadãos eleitores ou apenas dos
cidadãos, individual ou coletivamente considerados (Código Eleitoral);
Além da definição legal podemos encontrar outras como o do estudioso português Diogo
Freitas do Amaral, que define as autarquias locais como “pessoas coletivas públicas de
população e território, correspondentes aos agregados de residentes em diversas
circunscrições do território nacional e que asseguram a prossecução dos interesses comuns
resultantes da vizinhança mediante órgãos próprios, representativos dos respectivos
habitantes” (AMARAL, Diogo Freitas do (em colaboração), Curso de Direito Administrativo, vol. I, 3.ª
ed., Coimbra, Almedina, 2006).
A comunidade de residentes começa por integrar todas as pessoas que pertençam ao colégio
eleitorial para efeitos de eleição local (sejam cabo-verdianos ou estrangeiros), mas estende-se
também às demais pessoas residentes no âmbito da circunscrição territorial, designadamente os
menores e os estrangeiros não inscritos no recenseamento territorial.
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Sem prejuízo da dificuldade e relatividade do conceito, podemos definir interesses locais como
“dados realidades ou estados que uma concreta comunidade local tem razões para querer”
(ALEXANDRINO, José de Melo, Direito Municipal: Conteúdos e Métodos de Ensino, Lisboa, AAFDL,
2014, 243), que sejam aptos à realização de fins e tarefas, mas também que sejam variáveis de
autarquia para autarquia.
Deste elemento decorre que não há autarquia local sem poderes locais (órgãos dela
representativos), significando que esses órgãos dependem e respondem diretamente perante a
comunidade pela forma como exercem os poderes e prosseguem a realização dos interesses locais,
podendo a comunidade acionar os mecanismos de prestação de contas correspondentes.
Segundo a Constituição, as autarquias locais são os municípios (Art.º 231.º), podendo a lei
estabelecer categorias autárquicas de grau superior (regiões administrativas) ou de grau
inferior ao município (freguesias).
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Administração
Central
Região
Níveis de
Administrativa
Administração
Administração
Autárquica Município
Região
Administrativa
É um sistema de decisões, capaz de inserir novos actores sociais existentes na esfera local,
como organizações não-governamentais, movimentos sociais e também entidades privadas,
os quais celebrarão parcerias com o poder público no desenvolvimento de projectos e
investimentos locais e também na tomada das decisões sobre políticas públicas locais.
A história do poder local em Cabo Verde remonta a 1475, época em que foi instituído o
município de Ribeira Grande de Santiago, com protagonismo paralelo ao poder régio.
Muitas vezes, na ausência ou desinteresse de outros poderes durante as crises agudas
provocadas pela fome, as Câmaras, protegeram as populações e organizaram os seus
principais interesses alimentando e agasalhando os necessitados, enterrando os mortos e
mantendo a sobrevivência ao nível da dignidade.
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Durante os Séc. XVI, XVII e XVIII, o poder local em Cabo Verde era dominado pelas Elites,
sendo que os homens poderosos do século XVI exerciam o seu poder através da relação
privilegiada que mantinham com o reino e na ocupação de cargos concelhios. No século XVII
nasce a segunda elite constituída por reinóis (poucos) e os chamados “filhos da terra”
(brancos e mulatos). A terceira elite que surge em Santiago na segunda metade do século
XVII é endógena, mestiça, trata-se de uma elite cabo-verdiana.
Com o surgimento do Estado Novo (Período Salarazista) verificou-se uma nova organização
administrativa com a criação dos administradores do Concelho a ocupar o lugar e a exercer
as atribuições da câmara. Assim as câmaras perderam as populações e a sua autonomia a
favor da administração central (metrópole) e deixaram de ter um lugar e uma tribuna
própria onde fizesse valer os seus interesses.
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Segundo Eurico Pinto Monteiro (2007), “a Lei sobre a Organização Política do Estado,
aprovada a 5 Julho de 1975, por unanimidade, pelos então Deputados, atribuiu, no n.º 2 do
artigo 15.º, ao Conselho de Ministros a direcção, coordenação e controlo da actividade dos
diversos departamentos governamentais, dos outros serviços centrais e dos órgãos da
administração local. Institui-se, assim, um sistema administrativo claramente centralizado,
na esteira da herança da administração colonial e que seria rompido, em termos teóricos,
só com a Constituição de 1992”.
Portanto, o Poder Local era uma mera formalização e extensão dos poderes e dos seus
detentores, consoante o artigo 4.º da Lei Constitucional que previa a subordinação de toda
a organização do Estado ao partido único, e o artigo 88.º da mesma lei estabelecia que “os
órgãos do Poder Local fazem parte do poder estatal unitário”, sendo, nessa sequência,
instituídos os Concelhos Municipais e o Delegado do Governo. Não havia divisão de poder
por forma a impedir o surgimento de movimentos revolucionários e democráticos.
Com a Lei n.º47/III/89 (Base das Autarquias Locais), a Lei n.º48/III/89 (Normas para as
Eleições Municipais), todas de 13 de Julho, juntamente com o Decreto-Lei n.º52-A/90, de
4 de Julho, que fixou a organização e o funcionamento dos municípios, verificaram-se os
primeiros passos para repor a autonomia do poder local e o surgimento de iniciativas
políticas na sociedade cabo-verdiana que levariam a queda do famoso artigo 4.º da
Constituição de 28 de Setembro de 1990 (Lei Constitucional n.º2/III/90) e o advento da
actual regime de Estado de Direito Democrático.
O Poder Local em Cabo Verde ganhou fôlego apenas com a transição para a democracia em
1991, em que foram realizadas as primeiras eleições legislativas pluripartidárias, destituindo
o antigo partido único, e promovendo assim, grandes mudanças estruturais na política do
país e também nas várias dimensões sociais e económicas no território nacional. Essas
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Seis eleições autárquicas foram realizadas a partir de 1992 (temos 1992, 1996, 2000, 2004,
2008, 2012 e 2016), com grande participação da população, sendo que para além de
partidos políticos concorreram também grupos de cidadãos organizados e tivemos Câmaras
Municipais geridas por grupos de cidadãos.
A nossa Lei Fundamental dedica um capítulo sobre o poder local, com 10 artigos que
emanam os princípios legais das autarquias locais em Cabo Verde, pressupostos necessários
para um Poder Local legítimo, representativo dos cidadãos e dos interesses locais e
territoriais, consagrando a sua autonomia face à administração central, designadamente a
autonomia administrativa, financeira, patrimonial, normativa e organizacional.
As crescentes expectativas dos utentes em relação aos serviços públicos exigem que a
necessidade de mudança e de desenvolvimento, aliada aos princípios da melhoria contínua,
não seja mais uma preocupação exclusiva do sector privado (Pinto, 2001).
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Esse novo modelo de serviço deve ser concebido para facilitar a relação entre os munícipes
e as autarquias através da desburocratização e de um melhor acesso à informação, devendo
ser atribuídas as seguintes funções:
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i. a qualidade;
ii. o profissionalismo;
iii. a abertura;
iv. a transparência, e;
v. a simpatia no relacionamento com os munícipes.
Igualmente essa estrutura deve ter a visão do todo e identificar áreas de serviço que
funcionam menos bem e proceder, com esses serviços, à sua resolução, visando a melhoria
contínua do funcionamento das Câmaras.
Por outras palavras, deve-se assumir o cidadão/cliente como o centro das actividades dos
serviços e o juiz da qualidade (Corte-Real, 1995). E o que é a qualidade? É uma filosofia de
gestão que permite uma maior eficácia e eficiência dos serviços, maior nível de
produtividade, motivação dos trabalhadores e a satisfação das necessidades dos cidadãos
clientes dos serviços.
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