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MEMÓRIA DA CONGREGAÇÂO DE PROFESSORES

NOS VELHOS PAPÉIS DA ESCOLA NORMAL DA CORTE1

Heloisa Helena Meirelles dos Santos2


helohmei@gmail.com

[...] a aproximação dos historiadores da cultura aos lugares de


memória que pretendem estudar postula [...], uma operação crítica
meticulosa que permita construir, com os fragmentos que esses
lugares de memória representam uma das leituras possíveis da
totalidade do processo histórico que os selecionou e revestiu de um
particular significado, para desvendar assim os códigos dos rituais que
os monumentalizam e, por fim, historicizá-los, ou seja, perceber,
como num palimpsesto, as marcas do tempo vivido que, por vezes de
forma muito tênue, transparecem sob a ilusão de eternidade que é uma
de suas características. (NEVES, 2005 p.82)

Estou considerando como memória os velhos papéis que compõem o corpus


documental textual, manuscrito ou não, pertencente aos acervos dos lugares de memória
(Nora, 1993), representados nesta pesquisa pelo Centro de Memória3 e Biblioteca Cecília
Meireles, do Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro (ISERJ)4; pelo Arquivo
Nacional e Biblioteca Nacional, e pela Biblioteca da Câmara Federal, na perspectiva de Nora
(ibidem), como “unidades significativas, que o tempo, os homens, ou a instituição, elegeram,

1
A pesquisa aborda a segunda Escola Normal da Corte, criada em 1880, que, passa a designar-se Escola Normal
do Distrito Federal, em 1890 e, em 1932, passou a chamar-se Instituto de Educação. A primeira, criada pelo
Decreto nº 6370 de 30.11.1876 não é objeto da pesquisa porque seu acervo institucional não foi encontrado nas
dependências daquela.
2
Doutora em Educação (UERJ). Pós-Doutorado em Educação (UERJ). Pesquisadora do Grupo de Pesquisa
História, Instituição e Práticas Educativas (PROPED/UERJ) na área Cultura e Memória.. Pedagoga aposentada
da FAETEC. Criou e coordenou o Centro de Memória Institucional (CEMI) do Instituto Superior de Educação
do Rio de Janeiro, de 2005 a 2011.
3
Criado no Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro (ISERJ), em 9 de dezembro de 2005, na gestão do
Diretor Prof. Ubiratan Castro Vianna, pela autora que o dirigiu até 2011, como Centro de Memória Institucional
(CEMI) para reunir, catalogar e difundir a memória institucional. Teve a designação alterada para Centro de
Memória da Educação Brasileira (CEMEB) após a saída da autora, ainda que o acervo seja composto apenas de
documentos institucionais.
4
O Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro (criado pelo Decreto 24.338, de 3 de junho de 1998) foi
primeiramente designado Escola Normal da Corte (Decreto 7.684 de 6 de março de 1880); depois Escola
Normal do Distrito Federal (Decreto 407 de 17 de maio de 1890); depois Instituto de Educação (Decreto 3.810,
de 19 de março de 1932); depois Instituto de Educação do Rio de Janeiro (Decreto “E” nº 7.269/1974).
Posteriormente vinculou-se, pelo Decreto nº 23.482, de 10 de setembro de 1997, à rede de ensino da Fundação
de Apoio à Escola Técnica (FAETEC).
1
como de elemento simbólico, para guarda do patrimônio da sua memória”(p.16) utilizados
como fontes para a pesquisa da Escola Normal da Corte5.
Revelar a Congregação e conhecer seus membros partícipes – os professores da Escola
Normal – requereu investigar a documentação do Centro de Memória do ISERJ, referente a
este período, como um todo, o que foi feito, também, para organizar, à época, o rico acervo
existente, de modo a trazer à luz as escritas e os silêncios sobre a história institucional. A
diversidade documental institucional do Centro de Memória do ISERJ, em grande parte ainda
não manipulada por pesquisadores, trouxe-me pistas interessantes sobre os primeiros anos da
Escola Normal da Corte, a origem, o pertencimento e o papel deste grupo de professores.
Estes manuscritos – transcritos em atas, ofícios, notas de compra, materiais de ensino, etc. –
amarelecidos pelo tempo, revelaram a influência da Congregação em decisões de políticas
públicas desenvolvidas à época, como o estabelecimento dos currículos nas escolas
elementares.
Essas fontes privilegiadas proporcionaram pistas e indícios valiosos para a pesquisa
sobre os critérios de recrutamento de pessoal docente; a criação ou extinção de algumas
Cadeiras constantes do currículo da formação de professores; as atribuições dos professores e
as permanências de pertencimento ao educandário, além de esboçarem a filosofia do grupo de
professores nas ações por ele desenvolvidas. Enfim, revelaram o início da formação de
professores, sob a ótica da Congregação da Escola Normal da Corte, para a instrução pública
primária, na Corte e, por extensão, no Brasil, já que o educandário tornou-se modelar.

Escola Normal da Corte

A criação da Escola Normal no município da Corte atendeu à necessidade de


implementar um projeto educativo para a formação de professores do ensino primário durante
o Império, iniciado em 1876, com a criação da primeira Escola Normal da Corte que não pode
manter-se por falta de fundos no Tesouro Nacional6. Os debates na Assembleia Provincial

5
A Escola Normal da Corte de 1880 foi objeto de estudo de Natsume (2007, 2008), no aspecto de formação do
docente; Mancini (2007), nos sentidos atribuídos à profissão docente; Accácio (2006) sobre a formação do
professor primário; Lobo (2001), sobre aspectos identitários da formação na Escola Normal, dentre outros
pesquisadores.
6
Em 1876 foram criadas duas Escolas Normais primárias, no município da Corte com uma só denominação.
Uma escola para rapazes em regime de externato, outra para moças em regime de internato, mas por não poder
oTesouro arcar com o necessário para a manutenção, o governo imperial adiou sua instalação e resolveu
construir um edifício apropriado ao estabelecimento das mesmas, aproveitando a verba disponível. Em 1877
começaram as obras que, por falta de recursos, tiveram de ser suspensas. O prédio ficou inconcluso até 1910 pois
a verba de 142: 000$000 votada na Lei ficou reduzida a 49:000$000, a construção sendo a seguir suprimida.
2
(Moacyr, 1937) revelavam que havia uma preocupação com a instrução pública ainda que sob
óticas bastante diferenciadas: a dos partidos conservador e liberal. Por outro lado, os
Relatórios da Instrução Pública, em épocas anteriores à criação desta primeira Escola Normal,
comentavam as muitas dificuldades que precisavam ser enfrentadas, seja em termos de
docentes, livros ou até de espaço físico e manutenção adequada das escolas destinadas à
instrução pública primária.

Reconheço a necessidade de uma escola normal; mas no Brasil elas


têm sido plantas exóticas: nascem e morrem quase no mesmo dia. O
professorado, entre nós, não está, nem estará tão cedo à altura de sua
carreira, que estimule as ambições legítimas de quem quer que seja,
muito menos abre a porta a aspirantes legítimos [...]Por todas estas
considerações, não me inclino à adoção de uma escola normal nas
províncias[...] Discurso do Presidente da Província do Paraná,
Polidoro César Burlamaqui, em 1867, na Assembleia Provincial (apud
MOACYR, 1937, p.254)

Burlamaqui (1867) não errara. As Escolas Normais tinham pouquíssima duração. Sua
manutenção dependia das províncias e as províncias não tinham recursos. Além disso, o que
as diferenciava dos liceus, quando existiam, era a aula de Pedagogias. Importante salientar
que, a partir de 1835, Freire (1998) apresenta a seguinte situação das Escolas Normais
provinciais (p.98-100):

Quadro I
SITUAÇÃO DAS ESCOLAS NORMAIS PROVINCIAIS

Localização Criação Observações relevantes


Minas Gerais 1852 Restabelecida, em 1871, com cursos de 2 anos e frequência comum à
homens e mulheres
Bahia s/data Em 1850 tinha curso de 2 anos para homens e curso teórico para
mulheres
São Paulo 1843 Suprimida em 1867. Restabelecida em 1875. Em 1876 abriu matrícula
para mulheres. Fechada em 9 de maio de 1878. Reaberta em 25 de abril
de 1880 com curso de 3 anos e aulas para ambos os sexos
Pernambuco 1865 Na abertura apenas para o sexo masculino com curso de 2 anos. Em 1869
com curso de 3 anos. Em 1887 com curso de 4 anos.
Piauí 1866 Na criação com curso de 2 anos. Suprimida em 1867. Reaberta em 1871
com curso de 3 anos. Fechada em 1876. Reaberta em 1882 com curso de
2 anos.

Tendo sido passado o prédio inconcluso ao Ministério da Justiça. (Relatório do Ministro do Império, de 1879,
p.25)
3
Alagoas 1864 Instalada somente em 1869. Em 1881 tinha 6 alunos no 1º ano e 3 alunos
no 2º ano.
São Pedro do 1869 Em 1871 tem curso de 3 anos de duração.
Rio Grande do
Sul
Sergipe s/data Reabertura em 1864. Em 1871 com curso de 2 anos de duração com 6
alunos matriculados dos quais só 2 fizeram Exames.
Amazonas 1871 Criada como “Aula de Pedagogia” no Liceu Provincial. Estabelecia
como ingresso ter sido aprovado nos Exames do ensino primário. Escola
Normal, com este nome, criada em 1872.
Espírito Santo 1873 Anteriormente existia a “Aula Normal” e o curso de Pedagogia
ministrados pelo Colégio do Espírito Santo
Rio Grande do 1873 Em 1874 tinha 5 alunos; em 1875 tinha 4 alunos no 2º ano e 4
Norte matriculados no 1º ano.
Maranhão 1874 Fechada em 1877 por falta de alunos. Houve determinação para criação
de uma Escola Normal em 1883, mas a escola só começa a funcionar no
período republicano.
Município 1876 Criada pelo Decreto 6370 de 30 de novembro. Curso de 3 anos.
Neutro Subvencionada. Duas escolas: uma para cada sexo. A de mulheres em
regime de internato e a outra em regime externo. No 1º ano foram
matriculados 104 alunos de ambos os sexos. Fecha por falta de verbas
para manutenção.
Rio de Janeiro 1835 Começa com 21 matrículas, em Niterói. Em 1847, a Escola Normal,
juntamente com outros estabelecimentos, por força de uma nova reforma
no ensino, fundem-se para constituir o Liceu Provincial de Niterói.
Em 1851 este é extinto, e a Escola Normal foi reinaugurada pelo
Imperador Dom Pedro II em 29 de junhode 1862.. Em 15 de
abril de 1890 é novamente é extinta para formar o Liceu de Humanidades
de Niterói, subsistindo apenas como uma divisão pedagógica.
Santa Catarina 1880 Apenas uma Cadeira de português, pedagogia e metodologia no Liceu
Provncial. Não houve matrícula.
Ceará 1881 Foi instalada somente em 1884. Atendia a ambos os sexos. Com curso de
2 anos. Consta que houve tentativa anterior de instalação.
Paraíba 1883 Começa a funcionar em 1885 com curso de 3 anos de duração.
Goiás s/data Funcionava em 1886.
Paraná 1876 Com curso de 2 anos só para o sexo masculino. Constam duas
instalações anteriores: 1856 e 1870. A primeira turma concluinte tinha 1
formando. Em 1882 não funcionou por falta de alunos. Em 1885 o 1º ano
não teve alunos matriculados. Em 1886 não habilitou ninguém.
Fonte: FREIRE, Ana Maria Araújo. Analfabetismo no Brasil: da ideologia da interdição do corpo à ideologia nacionalista, ou
como deixar sem ler e escrever desde as Catarinas (Paraguaçu), Filipinas, Madalenas, Anãs, Genebras, Apolônias e Grácias
até os Severinos. São Paulo: Cortez Ed., 1989

4
O Relatório do Ministério dos Negócios do Império de 1879 relatou os problemas
que, de há muito, precisavam ser encarados, dentre eles a falta de um estabelecimento para
formação de professores e professoras primários. As Escolas Normais, criadas sob a
responsabilidade das províncias, não conseguiam atender às expectativas que motivaram suas
implantações. Duravam pouco e seus programas de ensino passavam ao largo das escolas de
instrução pública primária nas quais trabalhavam os “professores” que deveriam formar.
O ensino primário obrigatório, definido na Constituição de 1824, não era levado a
sério. O relatório apresentado pelo Visconde de Prados à Assembleia Legislativa Provincial
do Rio de Janeiro, em 1878 (p.S6-6), rebateu o argumento constitucional e acrescentou que

o ensino público obrigatório não é o meio de difundir a instrução


primária na província [do Rio de Janeiro] porque a obtenção de
subvenção para a criação de uma escola particular é mais simples,
bastando provar estar estabelecida, que há demanda no espaço físico-
geográfico escolhido e que o mestre é homem de bons costumes e
cumpridor de seus deveres.

Ainda que, pelo Ato Adicional de 6 de agosto de 1834, ficasse estabelecido que a
instrução era responsabilidade das províncias, e o Município Neutro fosse desmembrado da
província do Rio de Janeiro, o Império procurou atender a demanda da formação de
professores, no Município Neutro, em 1876, criando duas Escolas Normais primárias, no
município da Corte. Uma escola para professores, outra para professoras, mas por não poder
arcar com o necessário para a manutenção7, adiou sua instalação e resolveu construir um
edifício apropriado ao estabelecimento das mesmas, aproveitando a verba disponível. Em
1877 começaram as obras que, por falta de recursos, tiveram de ser suspensas. A verba para
este fim foi, então, suprimida8.
As finanças do Império eram um grande entrave à consecução das políticas para a
instrução pública que se desejava implementar. Neste período, por exemplo, a Guerra do
Paraguai, terminada em 1870, extinguira grandes recursos do Tesouro. A problemática
cafeeira, que afetava as exportações, era, também, parte do pano de fundo das finanças
imperiais, pois que o café representava mais da metade das exportações brasileiras nesta
década. Havia, também, por força das pressões internacionais, o problema escravista que
causava graves transtornos financeiros à produção e, por extensão, às exportações: a

7
A quantia de 142: 000$000 votada na Lei ficou reduzida a 49:000$000, conforme especificado no Relatório do
Ministro do Império, de 1879, p.25
8
Op.cit.
5
promulgação da Lei Eusébio de Queirós, em 1850, que extinguira o tráfico negreiro deixara
lacunas na produção; a Lei do Ventre Livre, de 1871, que declarava livres os nascidos de
escravos, reduzira, ainda mais, a mão-de-obra dos cafeicultores.
No entanto, apesar da crise financeira, havia em 1880, no Tesouro Nacional, metade
do dinheiro proveniente das cláusulas de concessão das empresas de carris de ferros urbanos
(bondes)9 8 que poderia ser empregado para outras políticas. Acreditamos que, pelo fato do
Imperador ser um homem voltado à cultura e à educação, conforme o demonstram muitos de
seus atos durante o reinado, ele tenha optado por fundar e manter uma escola normal de
instrução primária para professores e professores na Corte, atendendo desta forma parte dos
parlamentares que a desejava. Entendemos, no entanto, que o Imperador, sempre bem
informado do que se passava no Império e no mundo, também percebia que, se o Brasil
precisava civilizar-se aos moldes europeus, teria que ter um povo com uma instrução pública
primária que necessitava aperfeiçoar-se e que a formação dos “professores” era item
primordial neste projeto de civilização a ser atendido.
Nunes (2003, p.14) ajuda a entender o papel da escola primária, neste contexto:

A escola, como instituição especializada foi, portanto encarregada de


transmitir uma cultura civilizatória homogênea e, a partir daí a
educação sistemática constituiu-se em um dos direitos sociais
fundamentais, no intuito de apagar [grifo da autora] as diferenças
hereditárias e criar o cidadão que requeria o estado moderno.

Até então o cuidado do Governo Imperial havia sido apenas com a instrução
secundária, que tinha no Imperial Colégio de Pedro II, o único instituto público de instrução
secundária da Corte, a cargo do Ministério do Império. Era chegado o momento de atender-se
à instrução primária; os debates na Assembleia Provincial, na Câmara e nas diversas esferas
culturais (agremiações) assim incentivavam. Para respondê-los urgia que se formassem
professores.
A Escola Normal da Corte passa a existir pelo Decreto 7.684, de 6 de março de 1880
que, de conformidade com o Art. 9 do Decreto 7.247, de 19 de abril de 1879, cria uma Escola
Normal de instrução primária para professores e professoras, vinculada, também, como o
Imperial Colégio de Pedro II, ao Ministério dos Negócios do Império.

9
O Decreto 7.007 de 24 de agosto de 1878 estabelece as cláusulas para concessão dos carris de ferro urbanos.
Op.cit.

6
A Escola é inaugurada, formalmente, em 5 de abril de 1880, em uma sala do externato
do Imperial Colégio de Pedro II, “com a presença de Sua Majestade o Imperador
Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil”, D. Pedro II, Sua Majestade a Imperatriz, “o
Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Império, Conselheiro Barão Homem de
Mello, o Bacharel Benjamin Constant Botelho de Magalhães”10, diretor interino da Escola
Normal e outros convidados.
Como não existia onde abrigar a Escola Normal, ficou decidido que funcionaria,
provisoriamente, em salas do edifício do externato do Colégio de Pedro II, mas o educandário
não pode abrigar a escola de formação de professores face ao grande número de pessoas
matriculadas. O educandário foi então alocado, em 30 de abril do mesmo ano, no prédio da
Escola Politécnica, no Largo de São Francisco de Paula11. A instituição vai sofrer outra
mudança de endereço, em abril de 1888, quando passará a ocupar próprio nacional na Praça
da Aclamação, entre as ruas São Pedro e Larga de São Joaquim12.
Segundo o Relatório do Ministério dos Negócios do Império de 1880, no 1º ano foram
matriculados 275 alunos, dos quais 173 pertenciam ao sexo feminino e 102 ao sexo
masculino. A Escola Normal da Corte, com esta designação, durou apenas nove anos, nos
quais se tentou elaborar uma estrutura que atendesse às necessidades do país e da Corte, em
especial, para a formação de professores da instrução primária.

A Congregação

Todos os professores e até o Diretor, foram nomeados interinamente porque a legislação


especificava efetivação após seis anos de efetivo exercício, ainda que tenha havido o
aproveitamento de professores de outros estabelecimentos de ensino, subordinados ao
Governo Imperial, cujas Cadeiras haviam sido extintas.

Quadro II
PROCEDÊNCIA DOS PROFESSORES DA CONGREGAÇÃO
FORMADA NO ANO DE 1880,
POR ÁREA DE ATUAÇÃO ANTERIOR

10
Acta de Inauguração Eschola Normal, 1880. (Centro de Memória ISERJ)
11
Relatório dos Sucessos mais Notáveis do Anno Letivo de 1880, Império 1881 -1A p. A-C 3-5
12
Relatório do Ministério dos Negócios do Império, 1888 (apresentado em 1889),p.32
7
Áreas de Atuação Anterior

Educacional 10
Eclesiástica 01
Jurídica 01
Política 01
Sem procedência 03
encontrada
TOTAL 16

Quadro elaborado pela autora13 a partir de dados do Relatório do Ministro dos Negócios do
Império,1881:AC3-2 e Almanack Laèmmert, 1881.

No quadro II podemos observar que a maioria dos professores é oriundo da área de


Educação, especialmente do Imperial Colégio de Pedro II e do Instituto Comercial, o que vai
proporcionar à Escola Normal da Corte, valer-se desta experiência profissional em suas
propostas. Por outro lado, mesmo aqueles que militavam em outras áreas, como a Jurídica,
tinham alguma experiência na área de Educação. É o caso, por exemplo, do Dr. Pedro Autran
da Matta e Albuquerque, que fundou o primeiro curso de Direito do Brasil, em Olinda,
Pernambuco14.
Muitos continuaram suas carreiras profissionais de literatos ou jornalistas enquanto
estavam na Escola Normal da Corte. É o caso de Carlos Jansen, originalmente Carl Jacob
Christian Jansen, alemão naturalizado brasileiro, cuja procedência foi militar, literária e
jornalística.15 Também a de Carlos Maximiano Pimenta de Laet que colaborava em vários
periódicos e revistas, como a Revista Literária e jornais, como o Jornal do Commercio16.
Neste grupo havia também os que foram Presidentes de Província, como Jacy Monteiro
(Amazonas,1876 a 1877); outros, que foram fundadores da Academia Brasileira de Letras,
como Antonio Valentim de Magalhães (Cadeira 7) e Carlos de Laet (Cadeira 32) e os que
foram parlamentares, como Antonio Ferreira Viana Filho. 15
Percebe-se, também, que os primeiros professores formavam um grupo eclético, em
termos de procedência, mas integrante da intelectualidade e da política da época.

13
Ver SANTOS, Heloisa Helena Meirelles de. CONGREGAÇÃO DA ESCOLA NORMAL: Da legitimidade
outorgada à legitimidade (re) conquistada (1880-1910). Dissertação (Mestrado em Educação). Programa de Pós
Graduação em Educação (PROPED). Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Rio de Janeiro:
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), 2011.
14
GenealogyForum.com http://www.genealogyforum.com/messages/genbbs.cgi/Hispanic/6185 (Acesso em
07/06/2008)
15
BLAKE (1895) p.74
16
Op. cit. p.85
8
Não faziam parte da Congregação os mestres de Música, Caligrafia e Desenho linear,
de Ginástica, Trabalhos manuais e Trabalhos de agulha, que compunham o Curso de Artes. A
congregação era formada apenas por professores e substitutos. No entanto, Paulino Martins
Pacheco, professor de Caligrafia e desenho linear, do Instituto Comercial, em Cadeira igual
mas extinta, foi autorizado pelo Ministério, por Aviso de 30 de abril de 1880, a participar.
Do grupo do Curso de Artes também foram encontradas referências de participação na
esfera da intelectualidade da época. O mestre Arthur Higgins, de ginástica masculina, por
exemplo, inventou o canhão Higgins utilizado na 1ª Guerra Mundial17.
Durante os nove anos de funcionamento da segunda Escola Normal da Corte ali
ministraram aulas quarenta e cinco professores, e/ou substitutos participando, todos, da
Congregação. Quatro destes por todo o tempo em que a escola funcionou: Benjamin Constant
Botelho de Magalhães, Benedicto Raymundo da Silva, Pedro Severiano de Magalhães e José
Francisco Halbout.
Pelos Regulamentos de 1880 e 1881 eram atribuições da Congregação: organizar o
programa do ensino e dos exames do curso, submetendo-o à apreciação do Ministro e
Secretario de Estado dos Negócios do Império; rever anualmente as obras e compêndios que
deveriam ser adotados no ensino primário e normal; propor ao governo as reformas e
melhoramentos que conviesse introduzir no estabelecimento e nas escolas públicas primárias;
tomar conhecimentos de fatos ou delitos cometidos por alunos; eleger no fim de cada ano
dentre os professores quem redigiria os “sucessos mais notáveis do ano letivo”, para ser
enviado ao Governo e publicado.
Com a vigência do Decreto 10.060 de 13 de outubro de 1888, que reformou a Escola
Normal da Corte, houve um grande número de professores sendo exonerados: treze. Alguns
que ali estavam desde a criação. Segundo o Relatório do Ministério dos Negócios do Império
(1888, p.25) “a reforma deu logar a reclamações e queixas, manifestada principalmente pela
imprensa”. Ora, grande parte dos congregados era literato ou jornalista e exercia, também,
esta profissão. Era de esperar-se. Mas o Ministro, José Fernandes da Costa Pereira Junior não
sabia. Ele era político, não professor. Fora presidente de província (do Espírito Santo, do
Ceará, de São Paulo e do Rio Grande do Sul). Fora Ministro das pastas dos Negócios da

17
Em outubro de 1917, durante a Primeira Guerra Mundial, foi concedida ao Professor Arthur Higgins,
brasileiro, uma patente sobre um canhão por ele aperfeiçoado para atacar aeroplanos e submarinos. A lei em
vigor ainda era a do Império, de 1882. O próprio presidente da República, na época, Delfim Moreira, era a
autoridade concedente. O inventor Higgins recebeu, então, a patente de número 10.176. Disponível em
http://www.geocities.com/prop_industrial/pat_antigas.htm Acesso em 02/03/2008
9
Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Só em 1888, depois desta vasta carreira política, foi
administrar a pasta dos Negócios do Império onde estava vinculada a Escola Normal.18
O novo Ministro ficou surpreso. Conta ele19 que reuniu, na Secretaria do Império, o
Diretor da 2ª Diretoria da repartição; o Inspetor Geral interino de Instrução Primária e
Secundária da Corte; o professor da Escola Normal, Bacharel Theophilo das Neves Leão (que
ocupava interinamente o cargo de Diretor da Escola Normal da Corte); o ex-Diretor Bacharel
João Pedro de Aquino; “outro professor do estabelecimento”, Bacharel Benjamin Constant
Botelho de Magalhães – que o Ministro não sabia ter sido o primeiro Diretor da Escola -; um
lente aposentado da Escola Politécnica e um lente da Faculdade de Medicina do Rio de
Janeiro para discutir o assunto que foi “minuciosa e detidamente examinado”. A conclusão a
que chegou revela o seu desconhecimento para com a Escola Normal:

verifiquei que as queixas procediam sobretudo da mudança


introduzida na constituição e regimen do estabelecimento para dar-lhe
o caráter profissional que lhe é especifico. Assim, foram impugnadas
as disposições concernentes ao exercício da Escola durante o dia, à
limitação da freqüência e à sua obrigatoriedade, à fixação do máximo
de idade para a matrícula, e à distribuição das matérias, levados do
anno em que se enceta o estudo (...) disposições adoptadas justamente
para corrigir os defeitos dos trabalhos escolares realizados à tarde e à
noite, de freqüência ilimitada e livre (...)20

Todas as providências que, até aquele momento, a Escola Normal tomara, com o
Regulamento de 1881 – escrito por eles, à vista de sua própria experiência naquela Escola – se
esvaíram. Não bastante, apenas com o salário de professor não se vivia, logo parte dos
Congregados tinha outros empregos. O Regulamento passou a não permitir. Provavelmente
espelhando-se, ainda, na Reforma Leôncio de Carvalho, para a qual o magistério era um
apostolado “que precisa consagrar [do professor] todas as forças [porque], para o professor,
nenhuma outra preocupação deve existir além do ensino”21
Em razão da reforma foram exonerados o Diretor, Bacharel João Pedro de Aquino e
mais treze professores e dois contínuos. O que restava da Congregação não ficou quieta e os
que se foram, também não. Esta era a preocupação do Ministro e a razão da reunião.

18
Biografia em Sacramento Blake, vol 4, p.420.
19
Relatório do Ministro dos Negócios do Império,1889, p.25
20
Obedecida a grafia da fonte.
21
MOACYR, op.cit.,p.171
10
Para substituir todos eles foram nomeados, interinamente, oito professores. Dentre
eles encontrava-se o Dr. Pedro Severiano de Magalhães, que havia sido exonerado.
Esta reforma foi crucial para exterminar a Congregação. Segundo o Art.21, que tratava
das atribuições do Diretor, “as reuniões que serão marcadas sem prejuízo do serviço das aulas,
exames e outros trabalhos da Escola, não têm caráter de Congregação”.
Os professores não eram mais convidados a participar das reuniões, eram obrigados.
Havia também a fiscalização destas reuniões: cópia da ata da reunião era enviada “em
duplicata, no prazo máximo de oito dias, ao Inspector Geral, que transmitirá uma das cópias
ao Ministro (...)”22
Quem não foi exonerado, como o professor de francês José Francisco Halbout, e o
Bacharel Benjamin Constant Botelho de Magalhães, deve ter ficado numa situação difícil. A
Reforma tirou todos os poderes da Congregação e, não permitiu que as alterações estruturais
na formação de professores se mantivesse. Os programas foram modificados pelo Ministério.
Os Exames eram fiscalizados pelo Ministério. O horário da Escola foi alterado pelo
Ministério. Usou-se até o Código Criminal para definir as sanções na Escola Normal. Os
objetivos e propostas para a formação de professores se modificaram substancialmente. O
professor perdeu, neste Regulamento prestígio e poder. A Congregação deixa então de existir,
nos moldes em que fora criada.
Esta Reforma foi a expressão dos tempos conturbados daquela época. Meses antes
haviam sido libertados os escravos. A República era o tema central das conversas na Corte e
fora dela. Na Escola Normal presumo, este assunto já era parte das discussões. A crise que
enfrentavam os professores, muito deles republicanos, coloca a República em primazia por
conta de uma necessidade de mudanças.
O papel desses homens, partícipes da Congregação, na formulação de uma estrutura
para a formação de professores, havia sido de fundamental importância. No entanto, muitos
foram esquecidos. Assim como a relevância do que a Congregação construiu. Como nos diria
Pollak (1989), “silenciamento ou enquadramento de memória”(p.6)?
“O trabalho de enquadramento da memória se alimenta do material fornecido pela
história”, explica Pollak (ibidem,p.11) por isso, acredito que os professores Balthazar da
Silveira e Afrânio Peixoto contribuíram, cada qual em seu momento, com a “construção” de
uma nova história para a Escola Normal da Corte. Afrânio fala por sua época, como signatário
do chamado Manifesto dos Pioneiros, que desejava, sob novas bases, implementar propostas

22
Regulamento anexo ao Decreto nº 10.060 de 13 de outubro de 1889.
11
educacionais, negando as anteriores da qual fizera parte; Balthazar como “historiador oficial
da instituição”, designado pelo Diretor Mário Paulo de Brito, ilumina a república para
obscurecer o Império. Por outro lado, nos alerta, ainda Pollack (ibidem) “a escolha das
testemunhas [...] é percebida como tanto mais importante quanto a inevitável diversidade de
testemunhos corre sempre o risco de ser percebida como prova da inautenticidade de todos os
fatos relatados”. Ambos, Afrânio e Balthazar tinham seus motivos, cada qual em épocas
diferenciadas. Não me cabe julgá-los, mas entender o porquê de sua escolha

As sessões

Quadro III
Quantitativo de sessões da Congregação por ano, na Gestão Benjamin Constant
.
Ano Letivo Nº reuniões Professor Responsável
pelo Relatório dos
Sucessos mais Notáveis
do ano
1880 (3/80 a 1/81) 15 Dr. Carlos Maximiano
Pimenta de Laet
1881 12 Dr. Affonso Carlos
Moreira
1882 (3/01 a 29/11) 17 Dr. Antonio Herculano
de Souza Bandeira Filho
1883 (03/83 a 03/84) 09 Paulino Martins Pacheco
1884-1885 * 09 Manoel Cyridião
Buarque
Fonte: Relatório dos Sucessos Mais Notáveis 1881, 1882, 1883, 1884-1885
* Em 1884, o Diretor efetivo por alguns meses, até 14 junho de 1884, foi Sancho de Barros Pimentel,
voltando depois Benjamin Constant a dirigi-la até 1885

As reuniões da Congregação não tinham data fixa, elas ocorriam quando havia
assuntos a resolver. No quadro III observa-se que, no ano de 1882, houve o maior número de
reuniões. A Congregação tratou dos seguintes temas em suas sessões, segundo os Relatórios
dos Sucessos mais notáveis: uso dos gabinetes da Escola Politécnica para o ensino de
Ciências Físicas e Biológicas da Escola Normal; apresentação dos relatórios dos Sucessos
mais notáveis do ano; morte de um dos congregados, o que abria vaga na docência e na
congregação (do Prof Dr. Pedro Autran da Matta e Albuquerque, em 1881 e a do Prof.
Augusto Emílio Zaluar, em 1883); atos de louvor a alguém (foram feitos para o Bacharel
Benjamin Constant, em 1882 e para o Dr. Rodrigues Lyra da Silva, em 1883); escolha de

12
livros didáticos para a Escola Normal (troca de Ornamentos da Memória, de Roquette e de
Selecta Nacional, de Caldas Aulette, por Grammática, de Julio Ribeiro, e Curso de Litteratura
Brazileira, de Mello Moraes Filho, respectivamente, em 1882) ou para as escolas públicas
primárias; elaboração de novo Regulamento (em 1880); discussão sobre se os mestres (de
Artes) podiam votar e ter voz na Congregação; nomeação de bancas e pontos para Exames;
nomeação de comissões para estudar reforma do regimento interno das escolas públicas
primárias; divisão de Cadeiras no curso (Ciências Físicas e Naturais foi dividida em Ciências
Físico-química e Ciências Biológicas, em 1881); horários e programas dos cursos; pareceres
sobre questionários enviados à Escola; representações da Escola Normal (na Exposição
Pedagógica de 1883, júris e concursos); prêmios oferecidos à Escola Normal (prêmio Amanda
Doria, da Associação Promotora da Instrução; exemplar de Os Lusíadas, oferecido por Oscar
Rego Monteiro e o prêmio Barão Homem de Mello, pela Srª D. Marianna Carolina de Brito
Souto); parecer sobre a criação de uma Universidade na Corte (1882); criação de museu
escolar e biblioteca na Escola Normal; parecer sobre o estabelecimento de Jardins de
Infância: e escolha de comissões para visitarem, e também escolherem para o exercício
prático, as escolas públicas de instrução primária (1884).
Também foram encontradas referências a comissões criadas para estudar e debater as
publicações e aparelhos a serem adotados nas escolas públicas primárias para parecer da
Congregação. Uma dessas comissões foi composta pelo Cônego Amador Bueno de Barros,
Dr. José Manoel Garcia e Paulino Martins Pacheco, em 1883. Outra comissão, composta pelo
Dr. Evaristo Nunes Pires, Cônego Amador Bueno de Barros e Dr. Affonso Carlos Moreira,
avaliou o livro História Universal, de Guilherme Henrique Teodoro Schieffler, também
membro da Congregação, para escolha de compêndio a ser usado na Escola Normal. O
parecer foi para que o compêndio não fosse adotado. A Congregação referendou o parecer da
comissão. Mas o autor da obra não. Pouco tempo depois pediu sua exoneração.
Fica claro nesse episódio que nem sempre um dos congregados podia, em benefício
próprio, utilizar a Congregação. Por outro lado, fazer parte da Congregação da Escola Normal
podia ser uma possibilidade de ter seu livro adotado e chancelado pela Inspetoria da Instrução
Pública o que garantia várias edições à obra. É o caso de Augusto Emílio Zaluar, em duas de
suas publicações. O compêndio Primeiro Livro da Infância, ou Exercícios de Leitura e Lições
de Moral, tradução do livro do Conselheiro Delapalme23, foi adotado pela Inspetoria Geral de
Instrução Primária e Secundária, e teve aprovação, do Governo Imperial, para uso nas escolas
23
Publicado em 1883 pela Nicoláo Alves. A Nicoláo Alves, tio de Francisco Alves,com o nome de Livraria
Clássica, de foi fundada em 185,4 por Nicoláo Antonio Alves, à Rua dos Latoeiros nº 54.
13
primárias. Em 1883, três anos depois de sua publicação, estava na 5ª edição. O outro livro
deste autor, Primeiro Livro da Adolescência, ou Exercícios de Leitura e Lições de Moral,
provavelmente uma continuação do primeiro, também traduzido, chegou a 4ª edição em 1883.
Muitos dos congregados escreveram ou traduziram livros didáticos, provavelmente
com o objetivo de tê-los adotados nas escolas, mas também porque o Regulamento da
Instrução Pública, de 17 de fevereiro de 1854, oferecia um prêmio, uma vez que o referido
compêndio, ou livro, fosse adotado por uma Congregação, o que consistia uma honraria.
O trabalho da Congregação era grande, abrangendo assuntos da própria Escola, os da
instrução pública primária e a tomada de decisões do poder público, através de pareceres. Na
maioria das vezes estes pareceres se tornaram Avisos da Instrução Pública.
A competência dos partícipes da Congregação, assim como a atuação deles, demonstra
o espaço de poder por ela ocupado frente às políticas públicas da instrução primária, e outras,
da esfera educativa.
Os assuntos discutidos nas sessões podiam provocar inúmeras reuniões, foi o que
aconteceu em 1880, ao surgir a necessidade de outro Regulamento. Segundo o Relatório de
Carlos de Laet (1881,p.A-C3-6) foram doze sessões de debates, de 22 de julho a 25 de agosto.
Não eram debates tranquilos porque todos os partícipes, sendo homens cultos,
gostavam de apresentar argumentos. Neste Regulamento suprimiram Cadeiras, criaram outras.
Tornaram facultativas as Cadeiras de Instrução Religiosa e Frances; alteraram o tempo do
curso, enfim “tornaram mais acommodado [o curso] aos fins da Escola”24
Mas a Congregação se fazia, também, pelo poder pessoal dos homens que a
integravam. Esse poder que, de algum modo, ajudou a obscurecer seus nomes na História
institucional.
Conta Silveira (1954, p.126) que houve, em 1888, uma sessão para discutir os
programas da Cadeira de História Natural. Foi sugerida a ampliação dos tópicos referentes à
reprodução dos seres. A Congregação ouviu calada e o catedrático da Cadeira, Pedro
Severiano de Magalhães, também. Propôs-se o ensino integral de Zoologia, para os alunos e
alunas sem “a velharia do falso pudor feminino”. Todo o capítulo da reprodução animal
deveria ser exposto, minuciosamente. Pedro Severiano manteve sua natural serenidade. Antes
da votação, pediu licença para uma declaração que julgava indispensável. Disse:

Sou professor de uma faculdade médica, e desta Escola Normal. Lá há


mulheres já feitas, ou mandadas ali por seus pais com a plena ciência do que

24
Relatório dos Sucessos mais notáveis (1880:A-C3-6 e 7)
14
desejavam aprender; nenhuma dúvida eu faria em lhes desvendar os mais
recônditos desvãos do organismo, as grandes leis da conservação dos seres e
tudo o mais que seja necessário à formação de pessoas em obstetrícia e
medicina. Aqui, porém, sinto que faltaria ao meu dever iniciando estas
crianças ou moças de tenra idade em conhecimento cuja individuação lhes
tiraria essa inciência, que é como que o verniz do pudor feminino. Se,
portanto, a Congregação entender de outro môdo, queira aceitar a renúncia
que lhe faço deste meu posto de honra e procurar quem com outras
tendências melhor possa fazer aquilo a que peremptoriamente me recuso25.

Calou-se. Continuou lendo um livro novo de História Natural que lhe chegara. Todos
os membros da Congregação se entreolharam e, imediatamente votaram o programa de acordo
com as ideias do professor Pedro Severiano.
Ensina Halbwachs (1990,p.51) que “cada memória individual é um ponto de vista
sobre a memória coletiva [...] este ponto de vista muda conforme o lugar que ali [...] ocupo, e
[...] este lugar mesmo, muda segundo as relações que mantenho com outros meios.” Foi deste
modo que Alfredo Balthazar da Silveira, professor catedrático do Instituto de Educação,
membro da Congregação recriada em 1947, lembrou a Congregação da Escola Normal da
Corte. Quem seria o professor que formulou as sugestões? Valorizou uns, silenciou sobre
outros, do lugar do tempo em que estava. Menciona Silveira também, ter sido aquela sessão
retratada “pelo inolvidável vulto das letras nacionais e testemunha ocular daquele fato para
narrá-lo no inimitável estilo”, Dr. Carlos Maximiano Pimenta de Laet, mantendo a memória
de quem lhe interessava relacionar.
Afrânio Peixoto, professor da Escola Normal e do Instituto de Educação26, fez também
referência à Escola Normal quando escreveu Noções de História da Educação, em 1933: “6
de março de 1880 [foi] a data de fundação de nossa escola normal, que, em 1932 seria
ampliada no Instituto de Educação”. Aí, uma pista relevante do silenciamento sofrido pela
Escola Normal da Corte e Escola Normal do Distrito Federal: a valorização de novos
paradigmas implementados com a criação do Instituto de Educação, em 1932, por um
partícipe deste novo movimento. Afrânio não percebeu que “costumes modernos repousam
sobre antigas camadas que afloram em mais de um lugar” (HALBWACHS,1990,p.68), assim
o “novo” momento teria que se assentar numa estrutura já existente.

Conclusão

25
Obedecida a grafia da fonte.
26
Foi reitor em 1935 da Universidade do Distrito Federal cuja sede era no prédio do Instituto de Educação.
15
Os papéis do Centro de Memória contaram – e contam, para quem desejar lê-los - a
história esquecida da Congregação de professores da Escola Normal da Corte. Eles
permitiram que, apesar de muito tempo, séculos depois, pudesse trazer à tona as discussões
das sessões, os partícipes, os acertos e erros de um colegiado que fundou as bases da
formação de professores. Trouxeram, na letra encorpada e artística dos amanuenses, o estilo
de uma época que passou, mas que não se perdeu de todo.
Ler, no mundo contemporâneo, os relatórios, os almanaques, as leis do Império, é um
pouco entrar na máquina do tempo porque ali estão sonhos, realizações, compromissos,
dúvidas, inseguranças de pessoas das quais só lemos, ou ouvimos falar, mas que existiram.
Esta a função destes velhos papéis tão bem guardados nos lugares de memória: esquivar-se do
tempo, preservando o seu tempo e seu modo de ver a vida.
Os velhos papéis do Centro de Memória do ISERJ trouxeram-me a Escola Normal da
Corte, apresentando sua Congregação de professores. A Congregação a que foram outorgados
poderes de sugerir e propor mudanças na Escola Normal e na instrução primária da Corte. A
escrita trouxe vozes das dificuldades iniciais surgidas da falta de prédio próprio para a Escola
Normal; os sussurros de debates para a Instrução Pública e para o Ministério, no trato com o
sistema de formação de professores – até pelo fato de que esse sistema, sequer, existia –; ecoa
o poder que a Congregação possuía, a ponto de, em doze sessões, das quinze que fez no
primeiro ano, dedicar-se a preparar um novo Regulamento para a Escola, que vigorou até
1888 e serviu de modelo para as que surgiam ou ressurgiam pelo Brasil afora.
Por outro lado percebi que a Congregação passou a impor-se como espaço
privilegiado de auxílio à Instrução Pública, quando emitia pareceres, até fora de sua área de
atuação, como a criação de uma Universidade na Corte..
A Congregação mostraram os papéis velhos, tinha partícipes intelectuais de eclética
procedência que, juntos, criaram uma estrutura para a formação de professores para a
instrução primária. Essa estrutura, pelo que pude analisar nos documentos consultados,
emprestou, de cada um dos professores da Escola, a experiência na área de Educação e as
vivências que, como homens cultos, cultivavam.
O fato do Curso de Artes não fazer parte da Congregação mostra que o pensamento
dominante no Império, manifestado através da Reforma Leôncio de Carvalho e na de Ruy
Barbosa, considerava as Cadeiras de Música, Ginástica, Trabalhos Manuais e de Agulha
saberes menores, ainda que necessários pelo número de moças inscritas na formação dos
professores. Neste aspecto a Congregação atuou de forma vanguardista quando encaminhou,

16
algumas vezes, ao Ministério, a decisão sobre a participação destes docentes na Congregação.
A decisão que conseguiu foi a da participação, quando se tratasse de assuntos relativos às suas
disciplinas.
No que concerne à formação de professores, ainda que estivesse em etapa rudimentar,
se compararmos ao que hoje conhecemos como tal, é inegável que construíram a base deste
trabalho. Trabalhando com as experiências de outros países, em tudo tão diferentes do Brasil,
os congregados tentaram imprimir, em nove anos, à formação de professores do ensino
público primário, uma revolução, em confronto ao que se fazia nas Escolas Normais
provinciais. Revolução por terem conseguido manter-se durante todo este tempo – que não era
habitual -; revolução no modelo de estrutura escolar criada e no que consideraram saberes
necessários aos pequeninos e a quem os ensina.

Entenderá alguém que pouco se alcançou; mas a todos que tiverem na devida
conta a grandeza da mole a que se pretendia imprimir movimento, não será
diffícil convencer de que grande foi o impulso e corajosamente trabalharam
os primeiros operários da Escola Normal. Nem a todos será dado ultimar a
empreza a que metteram hombros; resta-lhes, porém, a consciência de
haverem colaborado, cada um na medida das suas forças, para a obtenção do
desideratum desta Escola: - elevar, formando bons professores, o nível da
instrucção primária no município da Corte, e d`ahi, talvez em todo Império.
(LAET, 1880, P.7 apud ESCOLA NORMAL DA CORTE, RELATÁRIO
DOS SUCESSOS MAIS NOTÁVEIS, 1880)

Na Escola Normal da Corte a Congregação deixou sua escrita em páginas da formação


de professores onde não havia escrito algum. Estas páginas manuscritas, encontradas no
Centro de Memória do ISERJ e nos relatórios dos Sucessos Mais Notáveis, retratos de um
momento, foram nossos passaportes para contar a história da Congregação de professores.
São eles, os partícipes da Congregação, que dão voz a Carlos de Laet, em trecho reproduzido
acima, ao descrever o ano de inauguração da segunda Escola Normal da Corte, trazendo para
a contemporaneidade, naquele escrito..

Referências
Documentais
ARQUIVO NACIONAL DO BRASIL Relatório do Ministro e Secretário dos Negócios do
Império, 1871
__________________. Relatório do Ministro e Secretário dos Negócios do Império, 1879

17
__________________ . Relatório do Ministro e Secretário dos Negócios do Império, 1881

__________________ . Relatório do Ministro e Secretário dos Negócios do Império, 1888

__________________ . Relatório do Ministro e Secretário dos Negócios do Império, 1889

___________________.Relatório do Ministro e Secretário dos Negócios do Império, 1881


Anexo D. Sucessos mais notáveis do ano letivo de 1880 e das condições o ensino na Escola
Normal do município da Corte, organizado na conformidade do art.58, n 4 do Regulamento
anexo ao Decreto 7.684 de 6 de março de 1880, pelo professor Carlos Maximiano Pimenta de
Laet e apresentado à Congregação da mesma escola na sessão de 7 de fevereiro de 1881.

____________________ Relatório do Ministro e Secretário dos Negócios do Império 1882.


Anexo C Relatório dos Sucessos mais notáveis no ano letivo de 1881 na Escola Normal da
Corte apresentado à Congregação em 29 de maio de 1882

____________________ Relatório do Ministro e Secretário dos Negócios do Império 1883.


Anexo C Relatório dos Sucessos mais notáveis no ano letivo de 1882 na Escola Normal da
Corte apresentado à Congregação em 14 de maio de 1883

_____________________ Relatório do Ministro e Secretário dos Negócios do Império 1885


Anexo C Relatório dos Sucessos mais notáveis no ano letivo de 1884-85 na Escola Normal da
Corte apresentado à Congregação em maio de 1885

______________________ Relatório apresentado na 1ª sessão da vigésima segunda


legislatura em 8 de setembro de 1878, pelo Visconde de Prados à Assembleia Legislativa
Provincial do Rio de Janeiro, em 1878

BIBLIOTECA DA CAMARA FEDERAL DO BRASIL Coleção das Leis do Império, 1881-


1890

BIBLIOTECA NACIONAL. Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e


Província do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Editores proprietários Eduardo & Henrique
Laèmmert, 1881

______________ Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Província do Rio


de Janeiro. Rio de Janeiro: Editores proprietários Eduardo & Henrique Laèmmert, 1889

CENTRO DE MEMÓRIA do ISERJ. Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro. Acta


de Criação. 1880. Manuscrito.

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