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PAPÉIS AVULSOS
Machado de Assis

Papéis avulsos é o terceiro livro do escritor Ma- O ALIENISTA


chado de Assis, em sua fase realista. Foi lançado Análise da obra
em 1882. Os textos são decisivos na constituição do
cânone de Machado de Assis. Com esse livro, a É comum, nas obras de Machado de Assis, a sua
narrativa curta é legitimada como gênero de pri- divisão em duas fases: a primeira, marcadamente
meira importância no Brasil. A partir de Papéis romântica; e a segunda que sobressai por alguns
Avulsos, onde há uma reunião de excelentes histó- ingredientes do estilo de época realista. Entretanto,
rias, percebemos o grande aperfeiçoamento da Machado de Assis, a rigor, não se prende às deli-

r
linguagem do autor, sendo considerado um mo- mitações de um estilo de época, sempre criando o

.b
mento de ruptura na sua forma de escrita. A come- seu próprio estilo, que é inconfundível na Literatu-
çar pelo título, sugerindo casualidade no arranjo ra Brasileira.

om
dos escritos, tem-se a postura sutilmente corrosiva
e implacável na representação dos desvios à norma O Alienista é a primeira novela de Machado de
ou da incapacidade de se estabelecer uma norma Assis maduro. Vale já pelo sabor de seu humor e
para uma sociedade estruturada em bases contra- ironia. Mas há que se ver na obra elementos típicos

.c
ditórias e violentas, sob uma camada muito tênue da produção realista de Machado de Assis, princi-
de civilidade. palmente a análise psicológica e a crítica social.

Escritos no mesmo período da renovação de Me-


mórias póstumas de Brás Cubas, os contos reuni-
eb
A primeira edição em livro da obra é de 1882,
w quando aparece incorporado ao volume Papéis
dos no volume sistematizam traços estilísticos da Avulsos. Anteriormente havia sido publicado em
do
forma livre, com que Machado de Assis inscreve A Estação (Rio de Janeiro), de 15 de outubro de
sua obra no grande diálogo internacional da sátira 1881 a 15 de março de 1882. É dessa época também
menipéia, fundada no humor paródico e no relati- Memórias Póstumas de Brás Cubas que se tornaria
an

vismo cético. um verdadeiro ponto de irradiação da obra da


segunda fase de Machado de Assis. O Alienista,
Em Papéis Avulsos as histórias se armam princi- sem dúvida, apresenta bastantes pontos de contato
ul

palmente em cima do aparecer, do mostrar aquilo com esse romance monumental.


que se quer ser, exposto na trilogia da aparência
ib

dominante formada pelos contos A Sereníssima Para muitos críticos, O Alienista classifica-se como
República, O Segredo do Bonzo e Teoria do Meda- uma novela; sem dúvida, levados pelo número de
st

lhão. páginas que em algumas edições, chega a mais de


oitenta. Outros, conduzidos pela análise íntima da
ve

Em Papéis avulsos, o autor começa a cunhar a narrativa, classificam-na entre os contos machadi-
fórmula mais permanente de seus contos: a con- anos, no que estão certos. Apesar do número gran-
w.

tradição entre parecer e ser, entre a máscara e o de de páginas, não há razão para classificar o livro
desejo, entre a vida pública e os impulsos escuros como novela: faltam-lhe as características funda-
da vida interior, desembocando sempre na fatal mentais da novela, tais como:
w

capitulação do sujeito à aparência dominante. Ma-


chado procura roer a substância do eu e do fato - Grande número de células dramáticas;
w

moral considerados em si mesmos; mas deixa nua - Preocupação pelo enredo, onde a análise ocupa
a relação de dependência do mundo interior em um lugar secundário;
face da conveniência do mais forte. É a móvel com- - Superficialidade de caracteres, visto que a preo-
binação de desejo, interesse e valor social que cupação do autor é contar a estória;
fundamenta as estranhas teorias do comportamen- - Jogo da intriga embaralhada para manter acesa
to expressa nos contos que compõem os "Papéis atenção do leitor.
avulsos" machadianos.
Como se vê, essas características inexistem em O
Segue uma análise de alguns dos contos presentes Alienista, o que afasta a hipótese de novela, po-
na coleção: dendo-se, portanto, classificar a obra como conto.
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De um modo geral, a primeira idéia que nos ocorre intuição ou a poesia, como caminho de conheci-
quando pensamos em conto é de que se trata de mento.
uma narrativa curta, onde a estória se desenvolve
linearmente, com princípio, meio e fim, abolindo- Todo o conto se desenvolve em tom de austerida-
se os pormenores secundários. A ação tem que ser de, embora as entrelinhas; o autor não descerra os
incisiva e direta, numa linguagem essencialmente lábios, como aquela falada alegria do alienista, que
narrativa. era ″alegria abotoada até o pescoço″. Pintando o
Dr. Simão Bacamarte como pessoa inteiramente
Em síntese, dir-se-ia que o conto, na sua estrutura consagrada aos livros, enfronhado em autores
tradicional (como é o caso de Machado de Assis), célebres, acatando as prescrições da ciência como
constitui uma unidade dramática, ou seja, contém dogmas de fé, e confundindo tudo na sua própria
um só conflito, um só drama, uma só ação. O con- ciência, um tanto de cabala, Machado de Assis

r
tista não nos dá a visão da vida na sua totalidade, distribui em torno dessa curiosa personagem cen-

.b
mas procura nela um momento singular, represen- tral, numa difusa alegoria, figuras secundárias,
tativo; um "flash" apenas. Por esta razão, jamais se mas cheias de interesse humano, e todas com papel

om
prolonga, prendendo-se ao episódio em foco, não de responsabilidade na peça.
se perdendo o autor na análise detalhada dos fatos.
Nem comédia, nem tragédia. Sutilmente aparecem

.c
Já foi dito que o mergulho machadiano na mente loucos furiosos, trancados em alcovas, até a morte;
de suas personagens, montando um micro- loucos mansos, andando à solta pela rua. Isso,

eb
realismo, torna-o cego para questões sociais. No antes da chegada do Dr. Bacamarte, que viria des-
entanto, o presente conto é prova de que no nosso cobrir loucura até nas pessoas normais. Aos pou-
grande escritor o que ocorre é a soma desses dois cos se vai insinuando no leitor a desconfiança no
w
campos. A personalidade é influenciada por forças equilíbrio mental do alienista, em quem a cidade, a
sociais; por sua vez, a sociedade é influenciada por principio, acredita, vendo nele a sua grande figura,
do
razões psicológicas. Dessa forma, podemos enten- e, por isso, concordando com a sua ciência, dentro
der a literatura machadiana como expressão de do prolóquio - ″de médico e louco todo mundo
problemas psicossociais. tem um pouco″.
an

Dentro desse esquema, pode-se até enxergar uma Para contrastar o grande homem, lá está a esposa,
ul

semelhança entre o autor e o protagonista, Simão que o ama e lhe admira o saber, desde que perma-
Bacamarte, pois, como alienista (entende-se por neça abstrato, teórico, sem aplicação. Por isso, não
ib

alienista o médico que se especializava em cuidar segue o regime alimentar por ele prescrito, e tem
de problemas ligados à mente, algo como hoje ciúmes dos estudos que lhe tiram a primazia nas
st

seria o serviço de um psiquiatra), está preocupado preocupações do alienista. Já o farmacêutico é a


em analisar o comportamento dos habitantes da bajulação interesseira, aproveitando as manias do
ve

cidade em que está instalado e como a conduta doutor para obter vantagens - o próprio cachorro
influencia as relações sociais. bebendo água na sombra do boi.
w.

O mais interessante é notar aqui o caráter alegóri- No mais, é o desfile de tipos humanos: o pródigo,
co, ou seja, representativo que a narrativa assume. o novo-rico, o orador de sobremesa, o ingrato,
w

Tudo se passa em Itaguaí, pequena cidade do inte- tantos outros que o leitor irá descobrindo. A revol-
rior do Rio de Janeiro, durante o período colonial. ta, com sua dose de acasos e qüiproquó, propicia a
w

Cria-se um clima de ″era uma vez, num lugar dis- exibição costumeira do adesismo, da covardia mo-
tante... ″ Dessa forma, o que se passa nessa locali- ral e das fraquezas que poderiam viver e morrer na
dade é o que no fundo ocorre em toda nossa civili- sombra, se a comoção social não as tivesse feito
zação. desabrochar inesperadamente.

Em O alienista o escritor nos propõe o problema Em O Alienista já encontramos o Machado de As-


da fixação de fronteiras entre o normal e o anormal sis definitivo, dono e senhor de sua expressão,
da mente humana. Traçando uma linha rígida de traduzindo em recursos de estilo certas caracterís-
procedimento profissional, o médico Simão Baca- ticas, por assim dizer, labirínticas do seu modo de
marte aparece como símbolo de uma ciência fria, pensar. Preocupado com a infidelidade das pala-
toda baseada na razão, fechada e sem frestas para a vras, pesando-as, examinando-lhes as facetas, con-
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tra ou a favor da luz; escritor em quem, aparente- O objetivo de Simão Bacamarte - Conhecer as fron-
mente, a linguagem é a preocupação maior, quan- teiras entre a razão e a loucura. Na realidade, ele
do, na verdade, só houve preocupação de dar às pretendia buscara glória, através de um estudo da
idéias vestimenta adequada e autêntica. patologia cerebral.Obs.: através de Bacamarte,
Machado de Assis critica os cientistas da época,
Estrutura da obra que, para ele, não tinham os conhecimentos sufici-
entes e necessários. Esse conhecimento era bazófia
Trata-se de um conto um tanto longo, estruturado (da boca para fora).
em treze capítulos. Quanto à montagem, é interes-
sante observar que Machado de Assis se funda- Simão Bacamarte e o sanatório - A aprovação cessa
menta em possíveis "crônicas". Observe que, com quando Simão Bacamarte recolhe, na Casa Verde,
alguma freqüência, ele se refere aos "cronistas" e às pessoas em cuja loucura a população não acredita.

r
"crônicas da vila de Itaguaí" como, aliás, tem início Para Simão Bacamarte, o homem é considerado

.b
O Alienista: "As crônicas da vila de Itaguaí dizem um caso que deve ser analisado cientificamente.
que em tempos remotos vivera ali um certo médi- Obs.: Machado de Assis critica a postura cientifi-

om
co, o Dr. Simão Bacamarte, filho da nobreza da cista que não vê o ser humano na sua integridade
terra e o maior dos médicos do Brasil, de Portugal corpo x alma.
e das Espanhas".

.c
As teorias de Simão Bacamarte
Também o fecho do conto apresenta a mesma refe-

eb
rência: "Dizem os cronistas que ele morreu dali a Teoria 1: são loucos aqueles que apresentarem um
dezessete meses, no mesmo estado em que entrou, comportamento anormal de acordo com o conhe-
sem ter podido alcançar nada". cimento da maioria.
w
Foco narrativo Teoria 2: ampliou o território da loucura: "A razão
do
é o perfeito equilíbrio de todas as faculdades, fora
O narrador é em 3ª pessoa, portanto, onisciente. A daí, insânia, insânia e só insânia."
intenção do narrador é a análise do comportamen-
an

to humano: vai além das aparências e procura a- Teoria 3: os loucos agora são os leais, os justos, os
tingir os motivos essenciais da conduta humana, honestos e imparciais. Dizia que se devia admitir
ul

descobrindo, no homem, o egoísmo e a vaidade. A como normal o desequilíbrio das faculdades e co-
intencionalidade crítica do narrador não se reflete mo patológico,o seu equilíbrio.
ib

somente ao ser humano de forma geral. Ele critica,


também, a postura do cientista e do extremo cienti- Teoria 4: o único ser perfeito de Itaguaí era o pró-
st

ficismo do final do século XIX. Conseqüentemente, prio Simão Bacamarte. Logo, somente ele deveria
o narrador termina por criticar a Escola Naturalis- ir para a Casa Verde.
ve

ta.
Tempo / Ação
Características de Machado de Assis encontradas
w.

no conto O Alienista Percebe-se que toda a história se passa no passado,


havendo o uso do flash back: "As crônicas da Vila
w

1. Frases Curtas. de Itaguaí dizem que, em tempos remotos, vivera


2. Linguagem correta ali um certo médico: o Dr. Sr. Bacamarte.
w

3. Conversa com o Leitor.


4. Análise psicológica das personagens "O tempos remotos" a que se referem as crônicas,
pelas indicações dadas, se remontam à primeira
Casa de Orates - "Casa de Loucos". E, aparente- metade do século XVIII (= reinado de D. João V).
mente, ele deseja servir à ciência. Porém, por trás
dos atos aparentemente bons, surpreende-se a A ação transcorre, como já se viu, em Itaguaí, "ci-
intenção verdadeira de Bacamarte: atingir a glória dadezinha do Estado do Rio de Janeiro, comarca
e ser a pessoa mais importante de Itaguaí. É Ma- de Iguaçu", conforme declara o crítico Massaud
chado desmascarando a hipocrisia humana. Moisés em nota de pé-de-página da edição que
estamos consultando.
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O conto impessoalidade, apresentando com fidelidade os


fatos contidos nas "crônicas":
1. Aspectos de crítica sócio-política: Na figura do
Porfírio, analisa-se o político sempre buscando 6. Outra coisa que sempre chama a atenção na
vantagens pessoais. No povo da cidade de Itaguaí, leitura de Machado de Assis é o "status" das suas
percebe-se a submissão, a fácil manipulação, bas- personagens: em geral, são pessoas bem estabele-
tando, para isso, conhecimento ou liderança. Fica cidas na vida cujo único trabalho é serem persona-
evidente a sátira na figura do barbeiro que encarna gens de Machado de Assis. É claro que isto reflete
a figura dos chefes políticos. E dos ápices de ironia ao padrão de vida da sociedade de então - caracte-
e sarcasmos cheio de humor a passagem em que rizadamente burguesa.
Machado de Assis narra a tomada do governo pela
força das circunstâncias, quando se invertem os Personagens

r
papéis de modo ridículo e cômico. Aliás, episódio

.b
semelhante aparecerá no romance Esaú e Jacó com Dr. Simão Bacamarte - é o protagonista da estória.
a "Tabuleta do Custódio", quando o Brasil passa de A ciência era o seu universo - o seu "emprego úni-

om
Império e República. co", como diz. "Homem de Ciência, e só de Ciência,
nada o consternava fora da Ciência" (p. 189). Re-
2. Humor amargo de Machado de Assis - visão presenta bem a caricatura do depotismo cientificis-

.c
irônica e amarga que enfatiza aspectos negativos ta do século XIX (como está no próprio sobreno-
denunciadores da frustração humana: o autor uti- me). Acabou se tornando vítima de suas próprias

eb
liza o humor para criticar a hipocrisia humana, idéias, recolhendo-se à Casa Verde por se conside-
provocada por um sistema social regido pela falta rar o único cérebro bem organizado de Itaguaí.
de valores. O homem, para Machado, é acima de
w
tudo, ganancioso e movido pela intenção de poder. D. Evarista - é a eleita do Dr. Bacamarte para con-
sorte de suas glórias científicas. Embora não fosse
do
3. "Simão Bacamarte aparece como símbolo de um "bonita nem simpática", o doutor a escolheu para
saber duvidoso, pois não se revela senão em estado esposa porque ela "reuni condições fisiológicas e
de pânico em que põe o universo, quando ele pro- anatômicas de primeira ordem", estando apta para
an

cura determinar uma norma geral de conduta para dar-lhes filhos robustos, são e inteligentes". Che-
o comportamento humano, igualando, rasteira- gou a ser recolhida à Casa Verde, certa vez, por
ul

mente, todos os indivíduos". "É a deformação do manifestar algum desequilíbrio mental.


"cientista" que toma como verdade absoluta os
ib

pressupostos da ciência e comete, em seu nome, Crispim Soares - era o boticário. Muito amigo do
equívocos sucessivos sem dar pelo absurdo de Dr. Bacamarte e grande admirador de sua obra
st

suas pretensões". Machado de Assis chama a aten- humanitária. Também passou pela Casa Verde,
ção para a relatividade da ciência. Observe-se que, pois não soube "ser prudente em tempos de revo-
ve

a cada teoria que ele cria, ele pensa estar diante de lução", aderindo, momentaneamente, à causa do
uma verdade absoluta para, em seguida, perceber barbeiro.
que isso não é verdade.
w.

Padre Lopes - era o vigário local. Homem de mui-


4. Em O Alienista, Machado de Assis revela uma tas virtudes, foi recolhido também à Casa Verde
w

visão satírica e irônica da mentalidade cientificista por isso mesmo. Depois foi posto em liberdade
que marca o século XIX - O Naturalismo. O Rea- porque sua reverendíssima se saiu muito bem nu-
w

lismo aproveita, também, nos seus romances, al- ma tradução de grego e hebraico, embora não sou-
gumas características filosófico-científicas da épo- besse nada dessas línguas. Foi considerado normal
ca. Porém, condena os excessos do Naturalismo. apesar da aureola de santo.
Aqui Machado se volta, impiedosamente, contra a
tirania cientificista do Dr. Simão Bacamarte, tirania Porfírio, o barbeiro - sua participação no conto é
essa que vem configurada no próprio nome do das mais importantes, posto que representa a cari-
doutor (="bacamarte"). catura política na satírica machadiana. Representa
bem a ambição de poder, quando lidera a rebelião
5. Pode-se observar ainda no livro a preocupação que depôs o governo legal. Foi preso na Casa Ver-
em narrar a estória com espírito de objetividade e de duas vezes; primeiro, por Ter liderado a rebeli-
ão; segundo, porque se negou a participar de uma
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Segunda revolução: "preso por ter cão, preso por que a palavra albarda também significa “humilha-
não Ter cão". ção”. Há, portanto, uma carga negativa associada a
essa profissão. Ter isso em mente ajuda na inter-
Outros figurantes aparecem no conto. Cada um pretação do episódio), que se deliciava em ficar
representando anomalias e possíveis virtudes do horas admirando o luxo de sua enorme casa, ainda
ser humano. Há loucos de todos os tipos no livro. mais quando notava que estava sendo observado.
Daí a presença de tanta gente... Essa personagem serve para que reflitamos ques-
tões como a valorização exagerada do status e até
Enredo mesmo uma análise do preconceito, pois a maioria
da cidade não aceitava um homem de origem e
O protagonista, depois de títulos e feitos conquis- trabalho humilde possuir e ostentar tanta riqueza.
tados na Europa (apesar de suas ações aparente-

r
mente disparatadas, a personagem é alguém am- Apenas esses atos já foram suficientes para deixar

.b
plamente aceito pelo Estado, estabelece-se em Ita- a cidade em polvorosa. Assim, todos anseiam pela
guaí com a idéia de criar um manicômio (Casa volta de D. Evarista, esposa de Simão Bacamarte,

om
Verde), que lhe seria um meio de estudar os limites que havia ido para o Rio de Janeiro como maneira
entre razão e loucura. No entanto, sua metodologia de compensar a ausência do marido, tão mergu-
de estudo é que o diferenciará radicalmente de lhado que estava em seus estudos (é interessante

.c
Machado de Assis. Em sua frieza analítica, Simão lembrar a relação que o casal estabelece. Ela é ex-
assumirá um tom tão rígido que acabará se tor- tremamente apaixonada, algumas vezes dramática

eb
nando caricaturesco, falho e absurdo (parece haver (se bem que o narrador deixa um tom de descrédi-
aqui critica ao rigor analítico do determinismo to ao sempre afirmar que essa caracterização é
cientificista que andava em moda na literatura da baseada nos cronistas da época). Ele é frio, unindo-
época de Machado de Assis, principalmente a de
w se a uma mulher não preocupado com sua beleza,
aspecto naturalista). O problema é que o especialis- mas com aspectos práticos, como a capacidade, o
do
ta vem investido do apoio oficial de todo o apare- vigor para reprodução. Chega até a bendizer o fato
lho do Estado, o que faz alguns críticos enxerga- de ela não ser bonita, pois seria menos dor de ca-
rem nessa obra não uma preocupação com a abor- beça). Para os cidadãos, ela era a esperança de
an

dagem psicológica, mas uma crítica de alcance salvação daquele terror constante e aparentemente
político. O conto seria, portanto, uma forma de arbitrário. Por isso, a maneira festiva com que foi
ul

questionamento contra o autoritarismo massacran- recebida.


te do sistema.
ib

No entanto, em meio a um jantar em homenagem à


Os primeiros internados no hospício foram casos salvadora senhora, Martim Brito, um jovem dota-
st

notórios e perfeitamente aceitos pela sociedade de do de exibicionismo de linguagem, faz um elogia


Itaguaí. Mas começa a haver uma seqüência de um tanto exagerado: Deus queria superar a Si
ve

escolhas que surpreendem os cidadãos da pequena mesmo quando da concepção de D. Evarista. Dias
cidade. O primeiro é o Costa, que havia torrado depois, o janota estava internado.
sua herança em empréstimos que se tornaram fun-
w.

do perdido. O pior é que se sentia envergonhado Logo após, Gil Bernardes, que adorava cumpri-
de cobrar seus devedores, passando a ser até mal- mentar todos, até mesmo crianças, de maneira até
w

tratado por estes. Depois foi a prima do mão- espalhafatosa, é confinado. Depois Coelho, que
aberta, que tinha ido defender seu parente com falava tanto a ponto de alguns fugirem de sua pre-
w

uma mirabolante história de que a decrepitude sença.


financeira se devia a uma maldição (o mais hilário
é que essa mulher fora ao hospício para defender o Pasma diante de aparente falta de critério, Itaguaí
primo e, após contar tal história, acaba sendo na acaba tornando-se um barril de pólvora prestes a
hora internada. Aumenta, aqui, o terror sobre uma explodir. Aproveitando-se dessa situação, o bar-
figura tão déspota e traiçoeira como Simão Baca- beiro Porfírio, que há muito queria fazer parte da
marte, pelo menos na visão do povo de Itaguaí). estrutura de poder, mas sempre tinha sido rejeito,
arma um protesto com intenções revolucionárias
Após esses, é internado o albardeiro Mateus (pro- (note que a questão pessoal (Coelho tinha negócios
fissional que faz albardas, ou seja, selas para bestas importantes com Porfírio que haviam sido inter-
de carga. É uma profissão bastante humilde, tanto rompidos com a internação, sem mencionar o so-
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nho por poder da personagem) é disfarçada em de derrubar a Casa Verde e agora tudo ficar esque-
preocupações altruístas. Bem machadiano esse cido. O segundo é o Porfírio antes se levantar fe-
aspecto dilemático da realidade). rozmente contra Porfírio e agora considerá-lo de
extrema utilidade para o seu novo governo. O que
Depois de ter seu requerimento desprezado pela virá daí já se sabe.
Câmara de Vereadores, une-se a vários outros
descontentes. Há um esmorecimento quando se Dias depois, 50 apoiadores da revolução são inter-
descobre que Simão havia pedido para não receber nados. Porfírio ficou desnorteado, mais ainda por-
mais pelos internos da Casa Verde. Configura-se a que um seu opositor, o barbeiro João Pina, levanta-
idéia de que as inúmeras reclusões não eram mo- se contra. Na realidade, este não estava interessado
vidas por corruptos interesses econômicos. em questões sociais, mas tinha uma rixa pessoal
com o outro barbeiro. Conseqüência: arma uma

r
No entanto, Porfírio consegue fôlego e institui uma balbúrdia tamanha que acaba derrubando o Canji-

.b
insurreição, que recebe até o seu apelido: Revolta ca.
dos Canjicas. Vão até a casa do alienista, mas este

om
os recebe, de sua sacada, de forma equilibrada e Mas o novo poder não destitui a Casa Verde. For-
sem a mínima disposição em se demover de sua talece-a. Mais gente é confinada. Crispim, assisten-
metodologia científica. A fúria, que tinha sido te e bajulador do alienista, que apóia Porfírio no

.c
momentaneamente aplacada pela frieza do opo- momento que pensava que Simão havia caído.
nente, é instigada quando este lhes dá as costas e Depois o Presidente da Câmara dos Vereadores. O

eb
volta aos seus estudos. clímax deu-se quando a própria esposa do alienis-
ta, extremamente preocupada com jóias e vestidos,
Providencialmente, a polícia da época (dragões) a ponto de não conseguir dormir por não saber
w
surge, com a intenção de sufocar o levante. O mais como iria numa festa, acaba sendo internada. Ao
espantoso é que, justo nesse momento em que o mesmo tempo que era a prova de que Bacamarte
do
jogo parecia perdido para Porfírio, tudo se volta a não tinha intenções egoístas, pois até a própria
seu favor: os componentes da guarda, provavel- consorte tinha se tornado vítima, tornava também
mente enxergando injustiça na ditadura científica, patente a arbitrariedade a que Itaguaí estava sub-
an

passam para o lado dos revoltosos. Era tudo o que metida.


o líder mais queria - poder absoluto.
ul

Certo tempo depois, como num feito rocambólico,


Surpreendentemente (ou não), fortalecido, Porfírio a cidade recebe a notícia de que Simão determinou
ib

esquece a Casa Verde e se dirige para a Câmara a soltura de todos os ″loucos″ da Casa Verde. Na
dos Vereadores para destituí-la. Senhor supremo, verdade, o cientista havia notado que 75% dos
st

no dia seguinte encontra-se com o alienista, que já moradores estavam confinados. Estatisticamente,
friamente (como de costume) esperava ser demiti- portanto, sua teoria estava errada, merecendo ser
ve

do. Impressionantemente, o novo governante a- refeita.


firma que não vai meter-se em questões científicas.
Esse recuo, além de demonstrar um rigor científico
w.

Configura-se aqui uma crítica a tantas revoluções louvável, pois demonstra que o protagonista não
que ocorreram na História e que estão por ocorrer. está preocupado com vaidade, tanto que reconhece
w

Entende-se que elas são na realidade movidas por que erra, exibe mais elementos interessantes para a
interesses coletivos autênticos, mas que acabam interpretação do conto. Pode-se dizer que exibe
w

sendo manipuladas e servindo de trampolim para uma questão polêmica: quem é normal? O que
que determinadas pessoas subam ao poder por segue a maioria? Se 75% apresentam desvios de
outros motivos, mais egoístas. personalidade, desvios do padrão (era essa, final-
mente revelada, a regra que determinava quem era
Provavelmente todas essas idéias passaram na e quem não era são), então o normal seria não se-
mente de Simão no momento em que Porfírio veio guir um padrão. Fora essa questão polêmica, deve-
expressar-lhe apoio em seu trabalho sanitário. Tan- se perceber a força que o Estado, por meio da Casa
to que pergunta quantos pessoas haviam morrido Verde (tanto é que mudavam os poderosos, mas o
na revolução. São os dois casos que descobre como sistema continuava o mesmo), assumia em deter-
matéria de estudo. O primeiro é o fato de gente ter minar quem estava na linha e quem não estava.
perdido a vida por um levante que tinha a intenção Todos tinham de se encaixar a uma norma.
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Enfim, dentro da nova teoria (louco era quem O conto é uma crítica ao processo eleitoral, feito
mantinha regularidade, firmeza de caráter), o ter- como um discurso de um cônego que afirma ter
ror recomeça. O vereador Galvão é o primeiro a ser achado uma espécie de aranha que fala e criado
internado, porque havia protestado contra uma uma sociedade delas, uma república chamada
emenda da Câmara que instituía que somente os Sereníssima República. Ele escolhe como sistema
vereadores é que não poderiam ser reclusos. Sua de eleição um baseado no da República de Veneza,
alegação era a de que os edis não podiam legislar onde retirava-se bolas de um saco com o nome dos
em causa própria. A esposa dedicada de Crispim é eleitos. Este sistema vai sendo fraudado pelas ara-
também alocada na Casa Verde. O barbeiro fica nhas, corrigindo-se, adaptando-se e variando-se
louco. Um inimigo de Simão se vê na obrigação de diversas vezes e de diversos modos, eternamente
avisar o alienista do risco de vida que o cientista corrupto.
corria. Por tal desprendimento, na hora acaba sen-

r
do confinado. Até Porfírio, volta a ser preso, pois, A história começa com um narrador que pede a-

.b
conclamado a preparar outra revolta, recusa-se, tenção para uma descoberta da ciência brasileira
pois se tocou que gente havia perdido a vida na superior a uma outra, promovida por um sábio

om
Revolta dos Canjicas para o resultado ser infrutífe- inglês, que teria sido publicada em O Globo - jor-
ro. Ao ser preso, resumiu bem sua situação: preso nal republicano e de orientação cientificista. A
por ter cão, preso por não ter cão. propósito, John Gledson observa que é bastante

.c
provável que o artigo mencionado no conto não
Alguns casos são interessantes. Pessoas que se tenha existido e conclui que a citação desse artigo é

eb
demonstram firmes em sua personalidade são uma sátira contra O Globo. E é considerando o
consideradas curadas quando exibem algum des- contexto dessa sátira ao cientificismo do jornal O
vio de caráter. Assim foi com um advogado de Globo que Machado questiona o materialismo
conduta exemplar que só não foi internado porque
w científico em voga na época quando faz o cônego
havia forçado um testamento a ter a partilha do Vargas embasar a sua descoberta numa citação de
do
jeito que queria. Ou então quando a esposa do Darwin e Büchner, reputando-os “sábios de pri-
Crispim xinga-o ao descobrir o verdadeiro caráter meira ordem”, mas sem absolver “as teorias gra-
do marido. tuitas e errôneas do materialismo”. Frise-se: Ma-
an

chado questiona, mas, como era seu costume, não


Porém, fora esses casos, Simão vai percebendo que se posiciona, deixa a questão em aberto. Em um
ul

seu segundo método era falho, pois ninguém natu- primeiro nível de significação, a narrativa do cô-
ralmente tinha uma personalidade reta, perfeita. nego Vargas pode ser lida como uma tentativa de
ib

Com exceção dele próprio. É por isso que, após valorizar a produção científica nacional e como um
muita reflexão e muita conversa com pessoas notó- questionamento do materialismo científico em
st

rias da cidade, principalmente o padre (que já ha- voga no final do século XIX.
via sido internado), conclui que o único anormal
ve

era ele próprio. A despeito dos protestos de mui- Como não poderia deixar de ser em Machado, o
tos, inclusive de D. Evarista, decide, pois, soltar conto é uma crítica: crítica ao processo eleitoral,
todos mais uma vez e encerrar-se sozinho na Casa feita como um discurso de um cônego, que afirma
w.

Verde para o resto de sua vida. ter achado uma espécie de aranha que fala, e ter
criado uma sociedade delas, chamada "Sereníssima
w

República". Ele escolhe o sistema de eleição basea-


A SERENÍSSIMA REPÚBLICA do no da República de Veneza, onde se retirava de
w

um saco bolas com o nome dos eleitos. Este siste-


Publicado primeiramente na "Gazeta de Notícias" ma vai sendo fraudado pelas aranhas, corrigindo-
em 20 de agosto de 1882, depois incluído no livro se, adaptando-se e variando-se diversas vezes e de
Papéis avulsos, "A Serenissima República" é mais diversos modos, eternamente corrupto.
um daqueles contos de Machado de Assis em que
parece ter, à primeira vista (e só à primeira vista...), Na vigorosa sátira política ao sistema eleitoral
um sentido restrito - no caso, "as nossas alternati- brasileiro formulada por Machado, o cônego Var-
vas eleitorais" - que é logo captado e entendido por gas tenta, com sucessivos experimentos, dar orga-
qualquer leitor, não obstante a forma alegórica nização social às aranhas. O conto termina sem que
como elas são mostradas. essa pretensão tenha sucesso, uma vez que as fac-
ções políticas e individualidades em confronto
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sempre darão um jeito de burlar os sistemas eleito- Como todos sabemos, o que de mais significativo
rais instituídos. Roberto Da Matta, aliás, é um dos se extrai da leitura dos contos de Machado de As-
admiradores entusiastas desse conto e certa feita sis é a impossibilidade de respostas prontas e aca-
sentenciou: "como diria um dos meus escritores badas diante do mistério essencial que habita o ser
brasileiros favoritos, o velho Machado de Assis, 'a humano e que responde pela motivação de muitos
sereníssima República do Brasil' continua repou- de seus atos.
sando em berço esplêndido, tocada pelas mesmas
sestas que transformavam o Brasil nas leis e não
nas suas práticas sociais mais arraigadas". Até aí, O SEGREDO DO BONZO
tudo bem, dentro de certas normalidade e formali-
dade narrativas. Mas trata-se de Machado, afinal, e Narrado em 1ª pessoa, tendo como subtítulo "Capí-
recomenda-se ao leitor cuidadosa leitura, prestar tulo inédito de Fernão Mendes Pinto", o conto O

r
atenção ao articulado processo político que está segredo do Bonzo surge da narração de um fato

.b
sendo construído, principalmente, quando o nar- absurdo, mas que possui um profundo sentido: a
rador lança mão de recursos que podem provocar virtude e o saber tem duas existências paralelas:

om
"audaciosas interpretações...". uma no sujeito possuidor; outra, no espírito de
quem ouve ou contempla, pois "não há espetáculo
E como se trata de Machado, nada é somente o que sem espectador". A moral do conto é: "a essência é

.c
parece ser, à primeira vista e à primeira leitura: seu a aparência".
contumaz narrador - em primeira-pessoa -, a par

eb
da crítica política, faz uma inquirição a respeito da Fernão Mendes Pinto (1510-1583) viajante e escri-
alma exterior do homem. Por meio de uma alego- tor português de vida bastante acidentada. No
ria eleitoral, sob a forma de uma conferência de livro póstumo, Peregrinações, deixou registradas
um cientista, Machado discursa a respeito do ho-
w as aventuras e as observações das viagens que fez
mem e da sociedade que ele constrói - algo como pelo Extremo Oriente. Suas narrativas foram con-
do
sendo o homem de múltiplas faces, cabe buscar a sideradas, durante muito tempo, puras invencioni-
perfeição, tentar driblar a própria natureza; para ces, inspirando o trocadilho: Fernão, mentes? -
tanto, não importam os outros ,e sim seu interesse Minto.
an

pessoal, e aqui manifesta-se, mais uma vez, um


tema caro a Machado: a discussão sobre a Ciência e Segundo o narrador, "uma coisa pode existir na
ul

a Filosofia, já feita por exemplo em O alienista e opinião sem existir na realidade" e vice-versa. Por
em contos como "A causa secreta" — ambos críti- isso, "não nos cabe inculcar aos outros uma opinião
ib

cos com relação às correntes filosóficas em voga na que não temos, e sim a opinião de uma qualidade
segunda metade do século XIX (o determinismo, o que não possuímos". O conto analisa a capacidade
st

cientificismo, etc.) e como a ciência (aliada ao po- que alguns homens têm de persuadir o próximo.
der político) pode levar o homem a se perder na
ve

variedade inexplicável dos indivíduos. Com O Segredo do Bonzo (publicado em Papéis


Mas como sempre em Machado, também em "A Avulsos, de 1882), Machado de Assis retoma uma
Sereníssima República" pode-se perceber a inten- disputa teológica narrada por Mendes Pinto: no
w.

ção do autor em analisar as cruéis relações de do- exótico Japão, um padre português é invejado por
minação entre seres iguais, todos subjugados por sacerdotes budistas devido aos favores que o rei
w

um sistema político e social marcado pelo autorita- lhe dispensava. Percebendo as discretas indicações
rismo, mas que não hesitam em reproduzir e legi- de Mendes Pinto, que, propositadamente, omite a
w

timar a opressão de que são vítimas. resposta do padre aos Bonzos, o escritor brasileiro
escapa ao óbvio, pois percebe que toda a disputa,
E ad eternum, o que mais interessa a Machado não é aparentemente religiosa, na verdade consistia nu-
a denúncia explícita e panfletária de certos males ma luta pelo prestígio social e favores reais, trans-
da sociedade brasileira, como o sistema político e formando, assim, os Bonzos em charlatões que
eleitoral, as diferenças sociais, a escravidão ou a enriquecem às custas da crendice do povo e des-
violência, mas retratar (e levar o leitor à reflexão) o mascarando a predominância da opinião sobre a
modo pelo qual esses males se agregam ao cotidia- realidade das coisas.
no das relações humanas.
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O narrador do conto O segredo do Bonzo fala do TEORIA DO MEDALHÃO


que viu na cidade de Funchéu, onde andava com
um amigo, Diogo Meireles. Em um ajuntamento de O conto, Teoria do Medalhão, de Machado de As-
pessoas, alguém que se dizia matemático, físico e sis, traz uma análise do comportamento de alguns
filósofo, afirmava ter descoberto a origem dos gri- membros da sociedade. Descreve-os de maneira
los: eles surgem da agitação do ar e das folhas de extremamente clara, precisa, com um humor reca-
coqueiros. Em outra multidão, um homem dizia tado, ironizando-os usando como pano de fundo
ter descoberto o princípio da vida futura, que esta- uma conversa "inocente" como a de um pai com
va em “uma certa gota de vaca”. O narrador então um filho.
fica sabendo que nos dois casos estava sendo apli-
cada uma doutrina criada por um homem de mui- Este conto, um dos mais deliciosos libelos do escri-
to saber, um bonzo de nome Pomada. tor contra a mediocridade intelectual e social, é

r
satírico por excelência, lembrando a ironia filosófi-

.b
Os dois personagens fazem uma visita ao sábio ca dos relatos curtos de Voltaire. Praticamente sem
Pomada, que assim resume sua doutrina: ″A vir- ação, seu núcleo temático gira em torno de uma

om
tude e o saber tem duas existências paralelas: uma, exposição de idéias cínicas, através do diálogo
no sujeito que as possui, outra no espírito dos que entre pai e filho.
o ouvem ou contemplam.″ Assim, segue o sábio,

.c
uma coisa pode existir na opinião sem existir na Teoria do Medalhão desenvolve com muita ironia
realidade. De outro lado, uma coisa pode existir na as mesmas questões levantadas pelo conto O Espe-

eb
realidade sem existir na opinião. Disso ele conclui lho. O narrador cede seu espaço à reprodução das
que ″das duas realidades paralelas, a única neces- falas das duas únicas personagens: pai e filho. O
sária é a da opinião″. Eis aí a essência do poma- tom terrivelmente irônico da fala do pai revela,
dismo. O bonzo pomadista, como se vê, monta sua
w obviamente, a denúncia feita pelo autor por trás do
doutrina a partir de uma afirmação trivialmente conto em relação a uma sociedade burguesa medí-
do
verdadeira: uma coisa pode existir na opinião sem ocre e arrogante, que prega o sucesso a qualquer
existir na realidade, e existir na realidade sem exis- preço, mesmo à custa do empobrecimento da vida
tir na opinião. A seguir o bonzo conclui: a única interior e das relações humanas.
an

existência necessária é a da opinião. Isso, diz ele, é


um “achado especulativo”. O jogo do bonzo, diz o O diálogo familiar acontece numa noite às onze
ul

narrador, consiste em “meter idéias e convicções horas, após um jantar comemorativo dos 21 anos
nos outros”. Um de seus seguidores, Titané, o al- do filho. Quando pai e filho ficam a sós na sala,
ib

parqueiro, usa o jornal para propagandear suas este aconselha o filho a se tornar um Medalhão, ou
alparcas comuns, fazendo crer que elas são maravi- seja, um homem que ao chegar à velhice, tenha
st

lhosas. O narrador do conto, por sua vez, ao prati- adquirido respeito e fama na sociedade do Rio de
car a doutrina, faz de conta que toca a charamela Janeiro do século XIX. Para tanto, será necessário
ve

(um antepassado da clarineta) para uma audiência que ele mude seus hábitos e costumes e passe a
que se maravilha ouvindo... nada! Diogo Meireles, viver sob uma máscara, anulando os seus gostos
por sua vez, encontra pessoas portadoras de uma pessoais e suas atitudes. E nisso disserta sobre a
w.

doença que torna os narizes horrendos, e conven- necessidade do filho de sempre se manter neutro,
ce-as a deixarem que ele arranque os narizes. Eles usar e abusar de palavras sem sentido, conhecer
w

serão substituídos por um ″nariz são, mas de pura pouco, ter vocabulário limitado etc. Ao final, é
natureza metafísica, isto é, inacessível aos sentidos uma bela ironia machadiana sobre como se encon-
w

humanos″. Os viventes, desnarigados, ficam muito tram os valores da sociedade de sua época. Portan-
felizes com o novo nariz inexistente. to, o medalhão, tipo criado pelo autor neste conto,
se caracteriza por aparentar ser o que não é. Carac-
Nota: Bonzo = monge, servidor de um templo, teriza-se, sobretudo, por ter, como nos medalhões,
estudioso de teologia e outras ciências humanas. uma face oculta e sem atrativos, voltada apenas
No oriente antigo (século V a XV), a tradução da para o corpo do dono, e outra, vistosa, virada para
palavra Bonzo se refere ao homem religioso, sa- o exterior, para ser vista e admirada, respeitada.
cerdote ou não, que por sua cultura geral, serve de
conselheiro, psicólogo, curandeiro de males físicos Teoria do medalhão é um dos contos que mostra
e espirituais, além de mediador de discussões e Machado de Assis como um crítico afiado da soci-
desentendimentos em sua comunidade.
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edade brasileira no que ela tem de mais profundo: qual exige ser enterrado em um caixão fabricado
a mediocridade condecorada, a troca de favores pelo Sr. Joaquim Soares, um operário humilde. A
como motor básico das relações sociais, a hipocri- notícia se espalha pela corte e pelas províncias e é
sia, tudo aquilo que perduraria para além da troca percebida como “uma ação rara e magnânima”.
de regime. O conto é uma lição a todo homem que Entretanto, esquecido o episódio, o narrador com-
almeja ter prestígio, ser reconhecido pela socieda- prova, através da exposição da vida de Nicolau,
de e que elimina qualquer expressão da subjetivi- que a cláusula do testamento pode ser explicada
dade em nome da absorção ao senso comum, à por um problema congênito do protagonista.
opinião da maioria.
A síntese da história mostra que Nicolau, desde a
O conto não tem um narrador. De um lado, a pre- infância, revela um comportamento doentio: des-
sença de um pai que quer projetar seus ideais frus- trói os brinquedos de outras crianças que são me-

r
trados de sucesso no jovem filho; de outro lado, o lhores do que os seus; na escola, espanca os colegas

.b
filho que se sujeita a aceitar passivamente as impo- que se mostram mais adiantados do que ele nos
sições do pai, anulando-se. estudos. O sofrimento de Nicolau se acentua na

om
idade adulta, a ponto de não poder suportar a
Os papéis sociais no conto machadiano pertencem, convivência com pessoas simpáticas e nobres. Por
num primeiro momento, a um grupo restrito: pai e sugestão do cunhado, que é médico, Nicolau fica

.c
filho. As personagens não possuem nomes e são, isolado em um ambiente rico, onde sua auto-
portanto, caracterizadas somente pela posição que estima é positivamente estimulada por meio de

eb
ocupam no grupo familiar. Num segundo momen- falsas notícias ruins, publicadas em jornais tam-
to, no decorrer da narrativa, há a construção de um bém inexistentes. Apesar disso, ele piora com o
terceiro papel social, este pertencente a um grupo passar do tempo e, quando morre, deixa uma ver-
mais amplo: o Medalhão.
w ba para pagar um caixão de má qualidade. A irmã
de Nicolau, assim como seu marido, acha o último
do
No diálogo estabelecido no conto, há a presença desejo muito estranho, mas decide que a vontade
das formas de tratamento. O pai dirige-se ao filho do defunto deve ser cumprida.
sempre utilizando a 2ª pessoa pronominal: tu, te,
an

contigo, teu etc.; o filho, por sua vez, utiliza-se a 3ª Em Verba testamentária, o tema do comportamen-
pessoa, com valor de 2ª pessoa: vosmecê, lhe, o to doentio do indivíduo, que resulta da inveja do
ul

senhor etc. No primeiro caso, a presença da 2ª pes- bem alheio, é introduzido por um enigma que o
soa dá um valor de proximidade ao discurso (ou narrador se encarrega de desvendar, sendo apre-
ib

tentativa de), dando um maior sentimento de inti- sentado por meio de uma personagem caricatures-
midade. No segundo caso, o uso da 3ª pessoa, ca. Para conceber o conto, Machado de Assis recor-
st

mostra uma aceitação do discurso paterno, como reu a uma estratégia dupla: por um lado, ele inves-
se não houvesse outro meio de discussão. É a acei- tiu na verossimilhança do relato e, por outro, acen-
ve

tação pacífica do papel social que cabe ao filho no tuou sua natureza fantasiosa. Para instituir os efei-
final do século XIX. tos de veracidade, o escritor concebeu um narrador
cuja subjetividade é perceptível e que menciona
w.

datas, nomes de logradouros do Rio de Janeiro,


VERBA TESTAMENTÁRIA eventos históricos, mas que omitiu o nome comple-
w

to do protagonista, a fim de proteger sua identida-


O conto Verba testamentária, de Machado de As- de, como se ele fosse real e pudesse ser reconheci-
w

sis, centra-se no comportamento patológico de seu do pelo leitor.


protagonista, Nicolau. Nele, a aparente esponta-
neidade decorre de procedimentos formais que, A natureza fantasiosa da narrativa é salientada,
igualmente, promovem a adesão do leitor ao uni- por outro lado, pelo exagero na descrição das a-
verso ficcional. Ainda que alicerçado na ficção, o ções e dos traços físicos do protagonista. Assim, o
conto revela, a partir de uma perspectiva satírica, narrador refere que, obrigado a conter seus impul-
comportamentos reais, constituindo uma alegoria sos destrutivos, em algumas vezes, Nicolau fica
da natureza egotista do ser humano. “lívido, com reflexos de verde bronze” e fecha os
A narração se inicia com a transcrição de uma olhos para não “arrebentar”; em outras, morde os
cláusula do testamento de Nicolau B. de C., na beiços até sangrar, ou então cambaleia enquanto
escorre de sua boca “um fio quase imperceptível
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de espuma”. Os sentimentos exagerados de inveja parece instituir o convite ao passatempo e à fuga


e de raiva equiparam Nicolau a um animal raivo- ao cotidiano, própria da oralidade, e o esmero
so, e essas descrições ajudam a instalar a comuni- formal, que exige o envolvimento reflexivo do
cação com o leitor, que visualiza as cenas e nelas leitor para que ele recrie a história que está reco-
não somente reconhece os recursos expressivos do berta sob aquela que é narrada.
escritor como também se dá conta do ridículo dos
homens. Nesse sentido, Verba testamentária, como vários
outros contos de Machado (Missa do galo, A Causa
Como se constata pela leitura do conto, Machado secreta, O alienista), é uma narrativa aberta, que
concebeu neste, e em outros, a representação de permite ao leitor uma participação ativa na cons-
um narrador tagarela que imprime à enunciação trução das significações, além de sugerir novos e
um tom coloquial e ironicamente íntimo e que inusitados sentidos a cada releitura. Devido a essa

r
ganha os contornos de uma subjetividade, a quem característica, o conto nega os limites do contexto

.b
o leitor dá o direito de tudo conhecer e de se posi- estético-histórico-social sobre o qual reflete e, por
cionar sobre aquilo que narra. Paralelamente, o isso, se oferece como adequado aos leitores da

om
conto expõe outros artifícios de estilo, além dos já atualidade. O tema, o enigma inicial, a crítica à
citados, como imagens visualmente perceptíveis sociedade, o tom jocoso e irônico do narrador jun-
(pratos sendo atirados na cabeça dos escravos, cães tam-se à atemporalidade do conto.

.c
sendo perseguidos a pontapés), diálogos restritos,
mas situados nos momentos significativos da evo-

eb
lução das ações e a construção de um espaço e de A CHINELA TURCA
um tempo que sustentam as ações como um pano
de fundo, sem que esse seja ostensivo. Assim, ain- Este conto de Machado de Assis foi publicado, pela
w
da que as ações ocorram na cidade do Rio de Janei- primeira vez, na Época, n° 1, de 14 de novembro
ro e que acontecimentos históricos sejam nomea- de 1875.
do
dos, esse aspecto, aliado às estratégias que provo-
cam a adesão do leitor ao narrado, contribui para A Chinela Turca, além de um texto enriquecedor
que a trama, em sua totalidade, transcenda o loca- por fazer uso de uma linguagem agradável, com
an

lismo, sendo reveladora de comportamentos que certa dose de humor, expressa a língua magnífica,
fazem parte da essência do homem. que deve ser sempre instrumento de reflexão. Sa-
ul

be-se que o texto foi escrito no século dezenove e


A análise dos aspectos referidos permite afirmar mantém as características próprias da época. O
ib

que a verba, cujo estranho uso é justificado pelo texto é uma ficção, o fictício se completa com o
narrador, ganha dupla significação: por um lado, imaginário, num desnudamento das relações intra-
st

ela remete a mais uma das extravagâncias do pro- textuais, relativizadas no contexto do leitor.
tagonista que destina dinheiro para a aquisição de
ve

um caixão de má qualidade a fim de evitar elogios A relação do real com o fictício e o imaginário a-
ao executor da obra de marcenaria, elogios que presenta uma propriedade fundamental do texto
poderiam perturbá-lo, ainda que morto; por outro ficcional. Quando a realidade repetida no fingir se
w.

lado, abstraída do testamento de Nicolau B. de C., transforma em signo, ocorre uma transgressão de
ela aponta para a herança, transferida a todos os sua determinação. Daí o ato de fingir ser uma
w

seres humanos que, em maior ou menor grau, car- transgressão de limites. Nisso se expressa sua ali-
regam consigo o egoísmo e a inveja pelo sucesso ança com o imaginário.
w

de seus semelhantes. Assim, Machado de Assis


denuncia aspectos negativos do ser humano, que Em A chinela turca é por intermédio da visão que
migrariam de geração em geração. Para tanto, abre a ″realidade″ se confunde com o sonho. As transi-
mão da seriedade e, sem uma preocupação eviden- ções são calcadas na visão. Assim, a passagem da
te com ensinamentos morais, concebe uma perso- “realidade” ao sonho: ″De repente, viu Duarte que
nagem burlesca, permitindo que o leitor descubra, o major enrolava outra vez o manuscrito, [...]″. E a
através do riso, uma das causas da infelicidade passagem do sonho à ″realidade″: ″Fitou os olhos
humana. Todavia, a denúncia presente em Verba no homem. Era o major Lopo Alves. O major, em-
testamentária não apaga a característica funda- punhando a folha, cujas dimensões iam-se tornan-
mental das narrativas de Machado: a articulação do extremamente exíguas, exclamou [...]″.
entre a aparente espontaneidade do relato, que
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Machado de Assis distingue-se de outros autores O drama dividia-se em sete quadros. Os sentimen-
por apresentar vazios para que o leitor possa se tos do bacharel não faziam crer tamanha ferocida-
apropriar desses espaços transformando-se em co- de; mas a leitura de um mau livro é capaz de pro-
autor, sem que este mesmo leitor se perca do ca- duzir fenômenos ainda mais espantosos.
minho traçado pelo autor.
Neste momento o escritor está preparando o leitor
O fictício é a vertente intencional do autor, a obra para viver o imaginário que a partir deste ponto da
que ele apresenta para o leitor. Esta vertente se obra vai ser criado pelo bacharel.
torna contexto para a vertente do imaginário, ver-
tente espontânea. Estabelece-se o jogo, um espaço Voava o tempo, e o ouvinte já não sabia a conta
de troca, de expectativas, de suspense, de intera- dos quadros... De repente, viu Duarte que o major
ção. É no fingir que emerge um imaginário que se enrolava outra vez o manuscrito, erguia-se, emper-

r
relaciona com a realidade do texto. O autor sele- tigava-se, cravava nele uns olhos odiendos e maus,

.b
ciona fatos, personagens, lugares e combina todos e saía arrebatadamente do gabinete... autor e dra-
estes elementos constituindo ações, transgressões ma tinham desaparecido. Por que não fez ele isso

om
intratextuais, rompe com os limites do próprio há mais tempo?
texto, permitindo que o leitor crie a partir destas
situações, outras tantas que caracterizam o imagi- Mal tem tempo de suspirar com alegria, quando o

.c
nário do leitor. empregado vem anunciar-lhe outra visita. Era a
polícia!

eb
O personagem principal de ″A Chinela Turca″, o
bacharel Duarte, prepara-se para ir a um baile Era acusado de furtar uma chinela turca, preciosa.
encontrar sua recente namorada Cecília, quando Duarte suspeitou que o homem fosse doido ou um
recebe a inesperada visita do Major Lopo Alves.
w ladrão. Não teve tempo de examinar a suspeita,
Sentindo-se obrigado a corresponder à visita do viu entrar cinco homens armados, que lhe levaram.
do
companheiro de seu finado pai, Duarte resigna-se, Meteram-no à força em um carro e partiram.
abdicando do baile. Lopo Alves compôs uma peça
literária e, desejando a opinião de Duarte, propõe No carro, os homens confirmam as suspeitas de
an

ler suas cento e oitenta páginas. Após enfadonhas Duarte, eles não eram da polícia. Chegaram a uma
páginas iniciais, Duarte cai no sono, enquanto o bela casa. Duarte já achava que a chinela vinha a
ul

Major continua a ler, sem que isto transpareça ao ser pura metáfora; tratava-se do coração de Cecília,
leitor, que só no fim do conto toma conhecimento que ele roubara, delito de que o queria punir o já
ib

do fato. Duarte tem um sonho extenso. Nele, o imaginado rival. Na casa um homem misterioso
major vai embora e chegam outros homens, acu- apresenta-lhe uma linda moça, muito parecida
st

sando-o de um furto. É levado de casa, supondo com Cecília. O homem diz-lhe que três coisas Du-
tratar-se de desforço de algum rival suplantado no arte vai fazer: casar, escrever o seu testamento; e
ve

amor de Cecília. Após ser apresentado a um ho- engolir certa droga do Levante...
mem velho e a uma moça bela, semelhante à Cecí-
lia, recebe a notícia de que casaria com ela. Recusa- Possuía uma pequena fortuna, deixaria tudo para a
w.

se a casar, e o velho insiste, dizendo que ele deve moça e depois morreria. Não, não se casaria.
casar com a mulher, escrever um testamento a ela
w

e, por fim, engolir certa droga do Levante - ″O Ao ser chamado, entra um padre, que olha para ele
senhor, continuou o velho, tem uma fortunazinha de modo esquisito. Num momento de distração, o
w

de cento e cinqüenta contos. Esta pérola será sua padre revela-lhe que era tenente do exército e que
herdeira universal″ (Machado de Assis, 1882, p. ele deveria pular a janela e fugir.
301). Com a ajuda do padre que ali estava para o
casamento, o sujeito foge, correndo pelo jardim. Duarte não hesitou, pulou a Deus misericórdia por
Chega a uma casa em que o Major Lopo Alves está ali abaixo. Deu com um segurança, fechou os pu-
lendo um jornal. Duarte acorda com a última frase nhos e bateu com eles violentamente nos peitos do
do texto literário. Elogia o texto de Lopo Alves e homem e deitou a correr. O homem não caiu. Co-
agradece à Ninfa pela substituição do tédio por um meçou então uma carreira vertiginosa.
pesadelo.
Cansado, ferido, ofegante, caiu nos degraus de
pedra de uma casa. Um homem que ali estava,
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lendo um número de Jornal do Comércio, pareceu Característica marcante de Machado de Assis é


não o ter visto entrar. Duarte fitou os olhos no estabelecer certa intimidade com seu leitor, usa o
homem. Era o major Lopo Alves. verbo flexionado no imperativo, de modo que o
leitor de fato entre nesta realidade ficcional que ele
O major exclamou repentinamente: Fim do último está apresentando. Fornece data precisa, situa o
quadro. horário, antecipando a importância deste fato para
o desenrolar da trama. O autor cria uma realidade
Duarte olhou para ele, esfregou os olhos, respirou textual, que o saber tácito percebe a distinção desta
à larga. O major pergunta-lhe ″Que tal lhe parece? realidade ficcional da realidade real. De acordo
″ ″Ah! Excelente! ″ Respondeu o bacharel, levan- com Iser a relação dupla da ficção e realidade de-
tando-se. ″Paixões fortes, não?″ Pergunta-lhe o veria ser substituída por uma relação tríplice: o
Major. ″Fortíssimas″, responde Duarte. texto ficcional contém elementos do real sem que

r
se esgote na descrição do real. Esse componente

.b
O Major despediu-se, eram duas horas. Duarte fictício é uma preparação para o imaginário. Esse
respirou fundo, foi até a janela e disse para si saber tácito, que opõe ficção e realidade, caracteri-

om
mesmo: - ″Ninfa, doce amiga, fantasia inquieta e za a ficção justamente pela eliminação dos atribu-
fértil, tu me salvaste de uma ruim peça com um tos que definem a realidade.
sonho original, substituíste-me o tédio por um

.c
pesadelo: foi um bom negócio. Um negócio e uma Há, no texto ficcional, muita realidade que não só
grave lição: provaste-me que muitas vezes o me- deve ser identificável como realidade social, mas

eb
lhor drama está no espectador e não no palco.″ que também pode ser de ordem sentimental e e-
mocional. Observa-se exemplo desta afirmação:
O texto em estudo trabalha com a ficção. Dentro do
w
real ficcional há o imaginário ficcional de Duarte, Eram quase onze horas quando acabou a leitura
que vive sua fantasia, fugindo do real ficcional. deste segundo quadro. Duarte mal podia conter a
do
Esta situação leva o leitor a embarcar no imaginá- cólera; era já impossível ir ao Rio Comprido. Não é
rio do personagem principal, sendo que este ima- fora de propósito conjecturar que, se o major expi-
ginário está dentro da ficção criada pelo autor e rasse naquele momento, Duarte agradeceria a mor-
an

ainda leva o leitor a viajar no seu próprio imaginá- te como benefício da Providência. Os sentimentos
rio. As fantasias vividas, sejam elas nos sonhos do bacharel não faziam crer tamanha ferocidade;
ul

diurnos ou nos sonhos, são fortalecidas pela reali- mas a leitura de um mau livro é capaz de produzir
dade que se apresenta na mecânica com que o tex- fenômenos ainda mais espantosos.
ib

to se apresenta. Daí uma conclusão: o fictício e o


imaginário existem também na vida real e não se Há evidentemente uma realidade social (bem real):
st

restringem à literatura. Mas a literatura articula o jovem toma-se de cólera porque percebe que vai
organizadamente o fictício e o imaginário, já que o perder o encontro tão esperado durante a semana.
ve

autor lida conscientemente com esta articulação. Está enamorado e chega a desejar a morte do ma-
jor, que é aparentado de Cecília. Seus sentimentos
Análise da Obra neste momento são fortes e o autor faz uma infe-
w.

rência, dando uma dica sobre o imaginário de Du-


O texto é de natureza ficcional, pode-se analisá-lo arte que começa a funcionar: ″... mas a leitura de
w

sob três aspectos: um mau livro é capaz de produzir fenômenos ain-


da mais espantosos″. Interessante que o autor faz
w

1. uma realidade ficcional referência ao poder da imaginação, esta válvula


2. um imaginário do personagem principal segura de escape. Iser afirma que é no ato de fingir
3. um imaginário do leitor. que emerge um imaginário que se relaciona com a
realidade retomada pelo texto. O ato de fingir é
1. Uma realidade ficcional uma transgressão de limites.

Vede o bacharel Duarte. Acaba de compor o mais


teso e correto laço de gravata que apareceu naque- 2. Um imaginário do personagem principal
le ano de 1850, e anunciam-lhe a visita do major
Lopo Alves. Notai que é de noite, e passa de nove Como ato de fingir, a combinação cria relaciona-
horas. mentos intratextuais. Como o relacionamento é um
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produto do fingir, ele se revela como a intenciona- torna contexto para a vertente do imaginário, ver-
lidade do texto. tente espontânea. Estabelece-se o jogo, um espaço
de troca, de expectativas, de suspense, de intera-
Havia, porém, muitos anos que Lopo Alves deixa- ção. É no fingir que emerge um imaginário que se
ra em paz os generais platinos e os defuntos; nada relaciona com a realidade do texto. O autor sele-
fazia supor que a moléstia volvesse, sobretudo ciona fatos, personagens, lugares e combina todos
caracterizada por um drama. Esta circunstância estes elementos constituindo ações, transgressões
explicá-la-ia o bacharel, se soubesse que Lopo Al- intratextuais, rompe com os limites do próprio
ves, algumas semanas antes, assistira à representa- texto, permitindo que o leitor crie a partir destas
ção de uma peça do gênero ultra-romântico, obra situações, outras tantas que caracterizam o imagi-
que lhe agradou muito e lhe sugeriu a idéia de nário do leitor.
afrontar as luzes do tablado.

r
- Ninfa, doce amiga, fantasia inquieta e fértil, tu me

.b
Verifica-se que o bacharel não sabe o porquê do salvaste de uma ruim peça com um sonho original,
rompante dramático do militar, mas o leitor ficou substituíste-me o tédio por um pesadelo: foi um

om
sabendo do motivo, fruto da seleção de informa- bom negócio. Um negócio e uma grave lição: pro-
ções que o autor acha necessária, para que se esta- vaste-me que muitas vezes o melhor drama está no
beleça uma cumplicidade com o leitor atento, prin- espectador e não no palco.

.c
cipalmente, ao fato de haver uma crítica sutilíssima
ao ultra-romantismo, movimento que já ficava Machado de Assis termina seu conto, com esta

eb
para traz, já que o autor introduzia o realismo em magnífica passagem, estabelece uma realidade
nossa literatura. para o leitor que pode ser esta: ″você, caro leitor,
também se livrou de ouvir a leitura da peça″, este
Conforme Iser, a combinação é um ato de fingir
w jogo de combinações e intenções, levam o leitor a
porque também ela possui a caracterização básica: viver a realidade ficcional, o imaginário de Duarte
do
ser transgressão de limites. Observa-se que Duarte e o próprio imaginário. Quando o leitor percebe
transgride as fronteiras, em princípio insuperáveis, que foi um sonho de Duarte, recorda-se das miga-
existentes no campo textual, como ouvir um texto lhas de pão que o autor deixou pelo caminho:
an

enfadonho, suportar a presença do major, perder o


encontro com Cecília. Cria-se, então, o imaginário - Ah! Ah! Disse o homem gordo. Com que então
ul

do personagem, que passa a viver uma outra histó- pensava que podia impunemente furtar chinelas
ria, uma nova ficção intratextual. Pode-se dizer turcas, namorar moças louras, casar talvez com
ib

que este imaginário estabelece também uma mu- elas... e rir ainda por cima do gênero humano. Ou-
dança no imaginário do leitor, que compartilha as vindo aquela alusão à dama dos seus pensamen-
st

emoções do bacharel, ainda sem se dar conta da tos, Duarte teve um calafrio. Tratava-se, ao que
mudança estrutural e semântica da nova realidade parecia, de algum desforço de rival suplantado. Ou
ve

ficcional. a alusão seria casual e estranha à aventura?

De repente, viu Duarte que o major enrolava outra Observa-se que não há alusão casual e estranha à
w.

vez o manuscrito, erguia-se, empertigava-se, cra- aventura, o leitor é levado a desconfiar de que
vava nele uns olhos odientos e maus, e saía arreba- algum fato novo está mudando a realidade ficcio-
w

tadamente do gabinete.[...] Foi à janela; nada viu nal.


nem ouviu; autor e drama tinham desaparecido.
w

Iser em ″A interação do texto com o leitor″, ressalta


Se o fictício traça limites no texto ficcional para em que os vazios originam a comunicação. O equilí-
seguida rompê-los, a fim de assegurar a necessária brio só pode ser resolvido com o preenchimento
concretude ao imaginário, com a qual ele se torna dos vazios pelo leitor. Os vazios regulam a ativi-
eficaz, é assim que se produz nos receptores a ne- dade de representação do leitor, que agora segue
cessidade de controlar a experiência de aconteci- condições impostas pelo texto; as negociações pro-
mento do imaginário. vocam o leitor a situar-se perante o texto.
3. Um imaginário do leitor O imaginário preenche o vazio. Havendo aí êxito
na relação texto-leitor: mudança do leitor. Ao ler
O fictício é a vertente intencional do autor, a obra uma obra literária e estudar suas relações estrutu-
que ele apresenta para o leitor. Esta vertente se
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rais, semânticas e ficcionais estabelece-se um vín- A narrativa procura imitar a forma bíblica de escri-
culo com o autor, um pacto de co-autoria. ta em versículos e conta a briga de dois dos três
filhos de Noé, que, mesmo antes de passar a inun-
Conclusão dação e ainda com suas vidas em risco, já disputa-
vam a posse das terras que viriam a ter depois do
A Chinela Turca de Machado de Assis, além de um dilúvio. As esposas de Jafé e Sem são as únicas
texto enriquecedor por fazer uso de uma lingua- mulheres citadas, mas elas não recebem nome. O
gem agradável, com certa dose de humor, expressa comportamento delas recorda o das mulheres mu-
a língua magnífica, que deve ser sempre instru- çulmanas: submissas e completamente dependen-
mento de reflexão. Sabe-se que o texto foi escrito tes dos maridos, a ponto de acreditarem que esti-
no século dezenove e mantém as características vessem em desgraça por causa do desentendimen-
próprias da época. O texto é uma ficção, o fictício to deles. Surpreendentemente, Cam tenta acalmar

r
se completa com o imaginário, num desnudamento os irmãos dizendo que chamará o pai e as suas

.b
das relações intratextuais, relativizadas no contex- mulheres, como se elas também tivessem alguma
to do leitor. autoridade para pautar o comportamento dos ma-

om
ridos:
A relação do real com o fictício e o imaginário a-
presenta uma propriedade fundamental do texto 14. - Ora, Cam, envergonhado e irritado, espalmou

.c
ficcional. Quando a realidade repetida no fingir se a mão dizendo: - ″Deixa estar!″ e foi dali ter com o
transforma em signo, ocorre uma transgressão de pai e as mulheres dos dois irmãos.

eb
sua determinação. Daí o ato de fingir ser uma
transgressão de limites. Nisso se expressa sua ali- Neste conto Machado de Assis mostra, através da
ança com o imaginário. paródia bíblica, a ganância do ser humano.
w
Machado de Assis distingue-se de outros autores
do
por apresentar vazios para que o leitor possa se D. BENEDITA - UM RETRATO
apropriar desses espaços transformando-se em co-
autor, sem que este mesmo leitor se perca do ca- Conto narrado em 3ª pessoa, versa sobre a psicolo-
an

minho traçado pelo autor. gia feminina.


ul

Machado tinha a escrita perfeita e isso era uma A personagem é elaborada a partir do sentido do
arma poderosa para época. Observamos no texto termo veleidade, que, no entanto, só será revelado
ib

sua crítica ao ultra-romantismo, àqueles que se ao leitor nas últimas linhas do conto. A personali-
julgavam escritores, mas que não tinham talento, dade fugaz da protagonista é contaminada pelo
st

às obras ruins, impostas ao homem, sem estética vírus da indecisão. Com breves pinceladas, à ma-
ou estilo. neira de um pintor, surgem a hesitação, a volubili-
ve

dade, a inconstância no eterno vai, não vai; casa,


É a obra excelente exemplo para os estudos de não casa; viaja, não viaja.
Wolfgang Iser, destacando o capítulo Atos de Fin-
w.

gir, pois todos os elementos apresentados estão D. Benedita é lapidada com tamanha perfeição que
ricamente expostos ao leitor. quase pode ser tocada, pressentida pelo leitor em
w

suas pequenas ações.


Ao terminar o trabalho, fica a certeza da importân-
w

cia da Literatura, como fonte perene de renovação Veleidade: esta personagem alegórica define a
do ser humano. personalidade da protagonista: mulher de vontade
fraca, hesitante, inconstante.

NA ARCA
O ANEL DE POLÍCRATES
No conto Na arca, de Machado de Assis, temos
uma recriação da linguagem bíblica. Este conto, além de relatar um evento particular,
constitui um caso exemplar do que seriam as limi-
tações da felicidade humana ou a lógica caprichosa
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do destino. Os relatos de Cícero são exemplos de O ESPELHO


situações diversas: desapego em relação aos bens Análise da obra
materiais e ironia diante das pequenas mentiras da
vida cotidiana. O espelho ("Esboço de uma teoria da alma huma-
na"), de Machado de Assis, escrito em 1882, faz
O autor também neste conto soube apropriar-se parte do volume Papéis Avulsos.
habilmente do mito para a elaboração de um texto
que exprime elementos de sua própria cultura, Esse é o melhor conto para que se possa entender
pela re-significação dos referenciais diegéticos, em de maneira mais direta a "filosofia" machadiana
geral a serviço da crítica à sociedade de classes de que sustentaria a tese de que sua análise do com-
então. portamento humano destaca uma abordagem psi-
cossocial: nossa personalidade é fruto de forças

r
sociais, que por sua vez existem graças à nossa

.b
O EMPRÉSTIMO
personalidade.

om
Conto onde o autor retrata dois personagens com
Já no início de seu relato, a expectativa da repre-
visões diferentes sobre o dinheiro.
sentatividade de um papel social é marcante: Ti-
nha vinte e cinco anos, era pobre, e acabava de ser
Em O empréstimo, o autor apresenta o tabelião

.c
nomeado alferes da guarda nacional. Não imagi-
Vaz Nunes, em um final de expediente, recebendo
nam o acontecimento que isto foi em nossa casa.
a visita de Custódio, que veio lhe pedir dinheiro. O

eb
Minha mãe ficou tão orgulhosa! Tão contente!
primeiro tem a capacidade de desvendar o interes-
Chamava-me o seu alferes. Primos e tios, foi tudo
se que se esconde atrás da aparência, o segundo
uma alegria sincera e pura.
w
tem “a vocação da riqueza, sem a vocação do tra-
balho”. Nessa hora em que se confrontam, revela-
Trata-se da história de Jacobina, um homem que
do
se a natureza de cada um deles. Machado mergu-
nunca expunha suas opiniões para seus amigos
lha com precisão detalhista no gesto de olhar por
porque não queria discutir, um ato que entendia
cima dos óculos, no movimento dos braços, no
como uma herança no homem de um caráter besti-
an

modo de pegar a carteira, na maneira de caminhar


al. Mas a narrativa se inicia porque o protagonista
de cabeça erguida. São detalhes do cotidiano. Essa
havia sido obrigado a expressar sua opinião sobre
ação narrativa e o tempo que passa não trazem,
ul

a existência da alma. Emite, então, uma curiosa


contudo, transformação. A melancolia que perpas-
teoria sobre a existência não de uma, mas de duas
sa essa anedota humorística deixa um travo amar-
ib

almas, interligadas, a alma interna, que pode ser


go, posto que de fel irônico, no riso do leitor. A
entendida como a verdadeira maneira como nos
passagem do tempo não implica transformações;
st

enxergamos, e a alma externa, que é como os ou-


são personagens alegorizados e congelados, inca-
tros nos enxergam. Sem uma, a outra não existe. E
pazes da mudança. É como se o destino estivesse
ve

para provar sua teoria, conta uma história passada


consumado em vida.
em sua juventude, quando havia recebido o título
de alferes. Era apenas um título e uma farda, mas
w.

O leitor acompanha o confronto de disfarces entre


isso trouxe à personagem uma notoriedade tama-
os dois cavalheiros. A cada lance desse jogo, cada
nha. Tanto que sua tia Marcolina pede para que ele
um dos contendores aparenta estar jogando a sua
w

passe uns dias em seu sítio, só para ter a honra de


última cartada, ao mesmo tempo que cada uma
receber em suas terras um alferes.
das partes disfarça os trunfos de que ainda dispõe:
w

a elasticidade da ambição, de um lado, e a capaci-


Deve-se notar neste conto a análise aguda que
dade de concessão, do outro. Encerrada a conten-
Machado de Assis fez da sociedade, a ponto de seu
da, ambos parecem sair satisfeitos com o próprio
alcance tornar-se ainda atual. A simbologia de O
desempenho cujo ganho é mínimo para um e a
espelho nos indica que, em nosso meio, a alma
perda, insignificante para o outro.
externa, ligada ao status, ao prestígio social, é mui-
to mais importante do que a alma interna, a nossa
real personalidade. Sem essa máscara, praticamen-
te não sobrevivemos.
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Foco narrativo Aos 25 anos, Jacobina foi nomeado "Alferes da


Guarda Nacional". Isto foi suficiente para que to-
O Espelho é inicialmente narrado em 3ª pessoa, dos de sua família passassem a elogiá-lo e dele se
onde há o relato teórico que revolve a essência orgulhar, não mais por ser "Joãozinho", e sim pela
humana através da investigação metafísica, anteci- patente militar que ostentava em sua farda. Oriun-
pada no subtítulo "Esboço de uma nova teoria da do de uma família humilde, todos reconheciam no
alma humana". novo posto uma mudança significativa de status.
Passou a ser o "Sr. Alferes", nomeação que lhe con-
Jacobina, personagem central do conto, toma a feriu uma nova imagem de si e que foi ganhando
palavra e em 1ª pessoa revela como descobriu sua prevalência em relação às imagens originárias.
verdadeira essência, isto é, como reconheceu sua
própria identidade ao vestir uma farda de alferes. Um dia foi chamado por sua tia Marcolina que

r
Para reforçar a idéia das duas almas, Machado morava em um sítio distante. Essa tia, em reconhe-

.b
utiliza a imagem de duas metades de uma mesma cimento dos méritos do sobrinho, ofereceu-lhe o
laranja que constituem, em última instância, as que havia de melhor da mobília da casa: um gran-

om
duas almas humanas - a interior e a exterior - e a de espelho, que logo foi colocado em seu quarto.
laranja, como a alma, só estará completa quando as Jacobino relata que tudo começou a mudar em sua
duas metades estiverem física e metafisicamente vida. O mundo exterior que antes lhe restituía um

.c
unidas. sentido humano acabou fazendo com que deste se
afastasse, ao ver a valorização de sua pessoa ser

eb
Temática substituída pela exclusiva valorização do cargo
que assumira. Ele, por sua vez, foi ficando frio,
O conto O espelho tem como tema central a ques-
sem compaixão pelo outro.
w
tão da identidade, o problema da divisão do eu ou
do desdobramento da personalidade. Trata de um
Mas, logo após sua chegada no sítio, essa sua tia
do
momento na vida de Jacobina, narrador e protago-
teve que fazer uma longa viagem, deixando-o a sós
nista da história, que passa por um processo de
com os escravos. Acontece que, no dia seguinte,
reestruturação e que, inusitadamente, se confronta
estes também fugiram. Jacobina ficou na mais
an

com "o outro" que lhe habita, ou seja, com seu pró-
completa solidão. Desapareceu a "alma exterior",
prio desejo.
mesmo aquela que só o reconhecia pela patente
ul

militar. Durante o dia, sua alma interior foi per-


Enredo
dendo as referências externas, restando-lhe apenas
ib

Em uma casa de Santa Teresa, reuniam-se cinco os sonhos noturnos. Foi se apavorando ante a dila-
amigos para debater assuntos diversos. Um deles, ceração que sentia em seu interior. O silêncio, a
st

Jacobina, mantinha-se em um silêncio obstinado, solidão, tornaram-se-lhe enlouquecedores. Após


recusando-se a entrar na discussão. Aliás, este oito dias, resolveu olhar-se no espelho e o susto foi
ve

silêncio, segundo comentários dos organizadores maior ainda: "não se estampou a figura nítida e
da coletânea, sugere uma explicação : discutir su- inteira, mas vaga, esfumaçada, difusa, sombra da
põe 'unidade de consciência', e é essa unidade que sombra" (Assis, M. de,1982,p.148). Refletia-se ali,
w.

o conto vai por em xeque. no espelho, a sensação que o invadia ­ a de mutila-


ção de si.
w

Jacobina, homem de 45 anos, 'provinciano, capita-


lista', pobre de origem, conseguiu subir na vida Estava resolvido a ir-se embora do sítio antes que
w

graças à sua nomeação a um posto militar. Muito enlouquecesse, quando teve uma idéia: vestir a
reservado, de pouca conversa, de repente surpre- farda de alferes e olhar-se novamente no espelho.
ende a todos fazendo um relato longo a respeito de Reapareceu, assim, sua imagem: nítida, forte e
um episódio de sua vida. Pretendia defender a unificada. Eis como a próprio personagem explica
idéia de que existiriam duas almas: a alma exterior, o fenômeno: essa alma ausente, dispersa e fugida
ou aquilo que é interiorizado, e a alma interior. com os escravos, ei-la recolhida no espelho (Assis,
Mas, como veremos no relato do episódio do espe- M. de, 1982, p.148). E foi desse modo que Jacobina
lho, a alma interior de Jacobina (sua auto-imagem conseguiu enfrentar a solidão por mais alguns
e autoconsciência) constitui-se invariavelmente de dias.
fora para dentro, ou seja, a partir da imagem que
os outros faziam dele.
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O CASO DA VARA Contos contidos na Obra:

Fala sobre Damião, um jovem seminarista que foge • Advertência


do seminário e refugia-se na casa de Sinhá Rita. • O alienista
Rita manda chamar o padrinho dele, João Carnei- • Teoria do medalhão
ro, que vai pedir ao pai dele para retirar o rapaz do • A chinela turca
seminário. Enquanto esperam, Damião decide • Na arca
proteger uma jovem escrava de ser punida com • D. Benedita
uma vara caso não termine o trabalho a tempo. • O segredo do bonzo
Quando volta uma mensagem de João, que diz • O anel de Polícrates
precisar de tempo, Sinhá Rita responde com uma • O empréstimo
ameaça e diz que agora o caso é com ela. Quando • A sereníssima República

r
vai a seguir punir aquela escrava, João lhe alcança • O espelho

.b
a vara, pensando em quanto precisa sair do semi- • Uma visita de Alcibíades
nário. • Verba testamentária

om
UM HOMEM CÉLEBRE

.c
Livro de Machado de Assis sobre Pestana, um

eb
compositor eternamente assombrado pelo fato de
nunca conseguir compor uma obra clássica, mas
apenas as polcas que a principio tem orgulho, mas
w
depois repudia. Casa-se achando que isso solucio-
naria o problema, mas não. Quando a esposa mor-
do
re tenta escrever um réquiem e nada mais, mas não
consegue nem um nem outro, tendo que voltar a
an

trabalhar dois anos depois por necessidade. Quan-


do morre entrega as duas últimas polcas ao escri-
tor, sem nunca ter escrito uma obra clássica como a
ul

dos autores que tanto admirava.


ib
st
ve
w.
w
w

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