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SEGUNDA-FEIRA
FORTALEZA - CEARÁ - 22 DE JULHO DE 2019

EDIÇÃO: SÍLVIA BESSA | SILVIABESSA@OPOVO.COM.BR | 85 3255 6118

ADELAIDE
GONÇALVES

UMA LEITORA RADICAL


naquela região em tempos idos. Minha família (Ramos), Raquel (de Queiroz), Machado (de As- uma vida entre os livros e entre o anún-
toda é de lá, minha mãe continua vivendo lá. A sis). Alguns de pouca compreensão para mim cio de uma nova possibilidade de apren-
ela, devo imenso os meus estudos, essa devoção no período. Mas um portento é o que vai ser der a partir do desejo e da possibilidade
que os pais têm em relação a serem provedores uma semeadura dos livros. Ler “Robin Hood” é de alterar as realidades de opressão. Co-
da vida intelectual de seus filhos, do seu cres- uma coisa que não se esquece. Mais adiante ler mecei ali também na graduação a apren-
ANA RUTE JÚLIO cimento como estudantes. Devo tudo ao pai e à “Germinal”, de Émile Zola; “O Povo do Abismo”, der com outros a militância social. Isso
RAMIRES CAESAR mãe nesse sentido. Com eles dois é que me nutri de Jack London; “A Mãe”, de Máximo Gorki. São foi de grande relevo. Talvez tenha sido
TEXTO FOTOS desse enorme apego ao livro, à leitura e ao es- leituras que não se esquece. Poderia passar a o maior aprendizado nesses meus tem-
ruteramires@opovo.com.br juliocaesar@opovo.com.br tudo. Sou tributária, portanto, dessas raízes e tarde toda falando de livros e não gostaria que pos como estudante de graduação. Tive
dessas origens. Sempre pago esse tributo como isso parecesse pedante. É um enorme respeito grandes professores de quem tenho um
posso, retornando à Cidade, escrevendo sobre. pelos livros nomeadamente no tempo em que afeto perene. São vários. Quero desta-
vivemos no Brasil, como em outras latitudes, car a professora Luiza de Teodoro. Sem
OP - Que aspectos ou experiências da sua em que os ódios se sobrepõem às letras, em que dúvida, de traço marcante pela sua qua-
A anfitriã recebe efusivamente quem está a infância foram importantes na sua carreira o anti-intelectualismo é dado como algo a pros- lidade intelectual, pela sua firmeza nas
procura de leituras. Orienta o caminho entre as e na sua relação com a leitura? Você fala perar. É tarefa nossa, hoje, mais e mais dizer convicções. Com ela que pela primeira
estantes. Referências de Frida Kahlo, homena- que seus pais influenciaram muito nisso... que os livros mudam a nossa vida, nos ajudam vez leio Paulo Freire. Uma menina de 17
gens ao Movimento dos Trabalhadores Rurais a mudar o mundo. Um dos meus grandes mes- para os 18 anos. Aquilo foi marcante na
Sem Terra, flores, posters. O Plebeu Gabinete Adelaide - A mãe, o pai e os excelentes pro- tres nesse sentido, já noutro tempo, é Antônio minha vida e na minha experiência. Mui-
de Leitura, no Centro, é bem à maneira de sua fessores que tive. Eu penso que sou uma mulher Cândido, grande pensador brasileiro. Com ele to jovem compreendi o sentido de um
criadora, Adelaide Gonçalves. Pós-doutora em de muita sorte nesse sentido do ensino, da edu- é que aprendi magnificamente que os livros e vocabulário da libertação, compreendi a
História, a professora da Universidade Federal cação. Foi em Tauá, com uma professora notá- o direito à literatura nos retiram da servidão e escrita de um homem, como diria Carlos
do Ceará (UFC) quer fazer da biblioteca cada vez vel de língua portuguesa, que aprendi a escre- nos fazem compreender os horrores que a ser- Rodrigues Brandão, um menino que lia o
mais do povo. ver redações. A irmã Mendes, que já se foi, era vidão do sistema do capital nos impõem. mundo. É isso que Paulo Freire foi e é. E
A dedicação ao ensino e o empenho para feroz. Feroz no sentido do zelo pela escrita, pela eu assinalo isso aqui nessa conversa por-
libertar as pessoas por meio da força das le- forma vernacular, não no sentido de ter a língua que nos dias que correm no Brasil temos
Elogio ao saber

tras são frutos de sementes plantadas lá em culta como dogma, mas no amor pelas letras, OP - Como foi sua chegada à o primado da ignorância, o assento no
Tauá, cidade de origem. Os pais e os profes- pela leitura. Aprendi a ir à biblioteca, a enten- Fortaleza e sua entrada na anti-intelectualismo e uma condenação
sores que teve ao longo da vida incutiram na der que os livros encerram e traduzem essas universidade? pública do intelectual Paulo Freire e de
menina o amor pelos livros. Em entrevista maravilhosas utopias, essas histórias magnífi- sua obra por alguns que são flagrante-
ao O POVO, Adelaide rememora os passos da cas. Uma coisa que refiro ainda desse período Adelaide - Eu fui estudante da UFC, mente ignorantes e que nunca o leram.
própria trajetória. Feminismo, história social da infância e primeira adolescência é que fui ingressei no curso de História. Mas fui
das ideias, ativismo social, a imprensa dos auxiliar de biblioteca naquela escola, uma res- sempre uma estudante trabalhadora. OP - Na universidade, você iniciou o
trabalhadores. Com preocupação, ela diz ser ponsabilidade a mais para tão pouca idade. Afi- Logo que ingressei fui tentando buscar contato com o Movimento Operário e o
preciso aliar “esperança e o pessimismo” nal, as crianças não devem trabalhar de modo programas acadêmicos que pudessem Movimento dos Trabalhadores Rurais
para compreender o contexto político atual e algum. Mas ali não era um trabalho, era um me realizar a provisão material e foi um Sem Terra. O que motivou sua inserção
exercer “uma resistência ativa”. Atualmente, convívio com os livros. Foi ali que eu compreen- tempo muito bom. Eu vivi a universidade nessas causas?
ela volta os olhos para estudar o fascismo, di a força da imaginação, da criação, do pensa- por dentro na medida em que morei em
motivada pelo que chama de “projeto de des- mento. Quantas vezes era difícil sair de dentro Residência Universitária, em que fui co- Adelaide - Foi muito bom no sentido de for-
truição do conhecimento, da ciência e da uni- das páginas de Monteiro Lobato. Desse período, mensal diária do Restaurante Universi- talecer o próprio sentido do que poderia vir a
versidade pública”. eu ressalto sempre essas figuras memoráveis tário. O Restaurante Universitário, para ser na formação de uma militante historiado-
que me ensinaram a aprender, que me levaram os que acham que é só um lugar para ra ou de uma historiadora militante, para usar
O POVO - Professora, como foi sua a compreender que só se ensina aprendendo. comer, ah, não compreendem o que é a uma expressão que cabe magistralmente de um
trajetória em Tauá? juventude e o que é o lugar do convívio. grande historiador inglês do século XX que é
OP - O que você mais gostava de ler? É onde se intercambiam experiências, Edward Thompson. Ainda éramos muito jovens
Adelaide Gonçalves - Sou de Tauá, na re- onde os convites chegam, onde as trans- e éramos mais mulheres naquele primeiro co-
gião dos Inhamuns. De lá, de certo modo, nunca Adelaide - Você tem que dimensionar o que gressões também podem começar, onde letivo militante que participei, no final dos anos
quis sair. No sentido do respeito às origens, de era uma biblioteca naquela escola, quais eram o vocabulário do protesto se pode apren- 1970. Filhos nas ideias, portanto, dessa geração.
compreender o que é o Sertão dos Inhamuns, os livros canônicos, por assim dizer. Por óbvio, der. Assim como também morar na Re- Vários ceifados com a sua própria vida pela ter-
de qual é aquele caldo de história, do peso do ali eu tive por primeira vez o contato com a lite- sidência Universitária foi muito bom. rível Ditadura Civil-Militar que durou para mais
latifúndio e das grandes guerras de famílias ratura brasileira, (José de) Alencar, Graciliano Ingressei na História e daí em diante foi de 20 anos no Brasil. Então, nós estávamos ali
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Segunda-feira
Fortaleza - CeARÁ - 22 de julho de 2019

dando nossos passos iniciais da militância, re- Estou preparando um curso com mulheres sobre as lutas camponesas no Nordeste do Bra- por que os crimes dos milicianos seguem
cebendo o influxo poderoso das ideias daque- onde vamos estudar o fascismo no tempo pre- sil, tentando compreender os liames históricos impunes na atual conjuntura? A segunda
les lutadores contra a Ditadura. Me lembro tão sente e a sua deletéria repercussão nos direitos entre a bela história das ligas camponesas e o é por que Lula continua preso quando se
bem de ter conhecido essas figuras notáveis que e na vida das mulheres trabalhadoras. É do que MST, esse movimento que nasce nos finais dos sabe que a operação policial da Lava-jato
faziam o Movimento Feminista pela Anistia, que me ocupo hoje, de estudar para compreender o anos 1970. A História do Brasil, eu aprendi e en- é uma das maiores fraudes judiciais da
faziam um jornal com todo o espírito do coletivo que se passa no tempo presente. Eu vejo com sino, é a história dos massacres republicanos. história do Brasil? Portanto, pela memó-
que está realizando um jornal para contraditar, muito assombro o que se passa no tempo pre- Canudos, Contestado, Caldeirão, Trombas, For- ria de Marielle e pelo desfraldar da ban-
portanto, as ideias da Ditadura e da opressão. sente. Mas um assombro que não é imobiliza- moso e, em 1996, Eldorado dos Carajás. O MST deira de Lula Livre devemos interpelar
Era o jornal “Mutirão”. dor. Eu integro ou tento integrar os coletivos e completa 35 anos em 2019 e é, de longe, o mo- nossa consciência histórica.
as fileiras daqueles que entendem que a hora é, vimento popular mais criminalizado no Brasil.
portanto, de resistência ativa, de contraditar o OP - Você viaja muito, conhece culturas
Arar a luta

OP - Foi nessa época que você programa fascista em curso no Brasil. OP - Considerando o cenário nacional diferentes, visita as mais diversas
começou a ser também uma de cortes na educação e na pesquisa bibliotecas. Como, a partir dessas
comunicadora? OP - Quais as principais dificuldades da universitária, qual o papel da educação e experiências, você analisa a nossa relação
sua atuação nesses períodos? da leitura? com a própria história e a conjuntura atual?
Adelaide - Veja, não me percebo com
essa palavra. Não me vejo nesse sentido. Adelaide - Veja, são as dificuldades de uma Adelaide - Não como modelo, mas mesmo Adelaide - Eu viajo muito menos do que aqui-
Sou professora, militante social, pesqui- geração, de um tempo. Mas, hoje, eu prefiro como prática, uma inspiração, o próprio MST. lo que gostaria. Mas aprendi que é possível ser
sadora no campo da história social, te- mais falar dos apoios, das trocas, das solidarie- Seria tão bom que nossas juventudes universi- viajante da utopia. Eu viajo também pelo século
nho tido muito afinco em tentar me tor- dades. Prefiro evocar todas as pessoas que me tárias tivessem mais estágios de vivência nas XVIII, XIX. Na viagem no sentido físico dos des-
nar historiadora. É nesse sentido que eu ajudaram a chegar até aqui e a ter certeza que escolas do campo. Ali se aplicam os conheci- locamentos tem sido muito por dentro desses
me vejo. E, assim, enfeixando todos esses devemos continuar. As dificuldades, por certo, mentos da agroecologia, se faz um ensino da muito frutíferos intercâmbios. É possível dizer
modos que fui construindo, ajudada por são dificuldades de ordem material. Em outros melhor qualidade, se tem um enorme apreço com preocupação que o ataque às universida-
muitas pessoas, uma leitora é o que eu momentos, de ordem política, de ordem exis- pelo estudo, pelo livro, pela literatura. A Esco- des públicas não é apenas no Brasil, se dá em
sou. Uma leitora é o que eu quis ser. É o tencial. Uma coisa muito boa na minha forma- la Nacional Florestan Fernandes, erguida pela outros lugares. Aqui temos que lutar porque as
que eu sou hoje fundamentalmente. Uma ção, ainda como estudante, foi quando passei solidariedade internacional, da bela ação entre conquistas são muito recentes e ainda precisam
leitora que não é solitária, sou uma leito- dois anos dando aulas, à noite, em uma asso- Chico Buarque de Holanda, José Saramago, Se- avançar muito. De modo que o que nós temos
ra em coletivos. Por isso, tantos cursos, ciação de moradores na rua São Cura d’Ars, no bastião Salgado. Você tem um processo em cur- é fazer esse bom combate no plano das ideias.
tantas conversas, tantas palestras. E, por enclave entre Cristo Redentor e nossa Senhora so com a construção de utopias concretas que Primeiro, dizendo com todas as letras o que se
isso, esse esforço de realizar o trabalho das Graças. Fazendo um trabalho que não tinha passam pelo estudo, pelo zelo ao pensamento passa no Brasil. Não podemos ter pejo e certas
junto aos movimentos populares. Nesse ligação institucional, mas um trabalho empe- social brasileiro. Para os tempos que correm, cautelas metodológicas ou teóricas. Estou ago-
sentido, ainda como estudante, depois já nhado, comprometido. Não gosto da expressão é preciso não perder a força da indignação, ra completamente dedicada a leituras sobre o
como professora da UFC, aprendi imenso “trabalho voluntário”. Essa experiência foi de transformar a indignação em combustão para fascismo. O que vi nesse momento e me deixa
no trabalho militante quando tive uma enorme valia, tinha 20 anos de idade. Todos os o debate de ideias, para a semeadura tão ne- animada, não no sentido raso da palavra, mas
parcela de empenho na criação do Par- alunos daquela sala muito modesta eram mui- cessária. É preciso alimentar a indignação, ter no sentido juvenil, é o enorme lugar do Brasil
tido dos Trabalhadores aqui no Ceará. to mais velhos do que eu. Mas não eram mais enorme esperança. Os tempos são de pessimis- nos debates internacionais. Isso me encheu de
Fui inúmeras vezes à região de Crateús. velhos porque tinham mais idade, eram mais mo, mas temos que aliar a esperança e o pes- esperança. Investigadores na Ciência Política,
Quantas reuniões noite adentro, finais de velhos porque eram muito sofridos, tinham simismo para compreendermos que o que se na Antropologia, na Sociologia, na História, Fi-
semana. Foi ali uma grande sala de aula no rosto e no feitio dos corpos o peso do sofri- passa no Brasil não é exclusivo do Brasil. Não losofia têm se dedicado, de fato, a compreender
debaixo das árvores, nos bancos duros mento, do trabalho desde a infância. O que eu vi é um ponto fora da curva. Não é uma coisa que o que se passa no Brasil. Das últimas viagens, há
de madeira em salões dos sindicatos de de muito bonito era como juntar as palavras a se explica apenas a partir de uma conjuntura também uma força que pode muito nos ajudar,
trabalhadores rurais que eu compreen- partir das vivências geradoras suscita o apreço eleitoral com os enormes conteúdos de fraude o internacionalismo, a solidariedade interna-
di a força profética das Comunidades pela liberdade. Então, ali, de forma muito mo- acionada pelas redes antissociais. Não é apenas cional. Mas é uma nova capa de solidariedade
Eclesiais de Base, quando compreendi a desta e despretensiosa, eu tentava homenagear isso. Os tempos que estamos vivendo são do re- internacional, essa que se faz cruzando pes-
arrebatadora palavra profética de dom Paulo Freire, tentava dizer o quão grande era torno do fascismo em vários lugares do mundo. quisas, fazendo estudos comparados, tentando
Antônio Batista Fragoso, que era o bispo seu projeto de educação como prática de liber- Nós temos que estudar, retomar essas grandes reanimar o intelectual público.
daquela região. Ele foi perseguido pela dade, o quão grande era a sua perspectiva de leituras de como não começou ontem, nem an-
Ditadura como tantos padres, freiras, entender o móvel da luta contra a opressão pela tes de ontem. Essa conjuntura se abre desde OP - O Plebeu é quase como que uma
leigos, homens e mulheres naquele pe- palavra geradora. Já no final dos anos 1990, 1970, com a sangrenta Ditadura de Pinochet, no extensão sua. Bem a sua maneira pela
ríodo presos, alguns expulsos do Brasil. posso dizer que se deu um dos melhores encon- Chile, e os modelos ultraliberais e assassinos de diversidade de cores, referências, autores.
Esse período talvez tenha sido o perío- tros da minha vida, encontro no sentido da exis- Margaret Thatcher, na Inglaterra, e de Ronald Como foi a concepção do Plebeu? Você
do de maior riqueza porque eu tive um tência, com o Movimento dos Trabalhadores Reagan, nos Estados Unidos. A receita é fruto acha que ele atingiu esse objetivo?
contato direto com camponeses, traba- Rurais Sem Terra. Talvez tenha sido dos meus do autoritarismo e dos programas ultraliberais
lhadores rurais, homens e mulheres que melhores encontros. Tento honrar muito esse que, portanto, querem destruir o conhecimento, Adelaide - O Plebeu Gabinete de Leitura
a história urbana ou que uma narrativa encontro, sendo uma professora comprometida querem destruir uma ciência que seja compro- existe há quase sete anos, no Centro da Cida-
convencional diria deles analfabetos. com a pesquisa histórica, orientando trabalhos metida com a soberania nacional. Esse ex-ca- de. Como acervo, como biblioteca, tenta seguir
Ledo engano e farta ignorância. Gran- pitão fascista é um antipresidente - expressão o modelo das bibliotecas sociais como eram
des conhecedores da vida, da realidade da jornalista Eliane Brum. Ele tem esse modelo, pensadas nessa utopia concreta dos salões
e alcançados pelo desejo e pela utopia de antipopular, anti soberania nacional, anti povo, operários, libertários, da leitura radical do sé-
mudar o mundo, de construir um mun- anti-intelectual por formação e por devoção. culo XIX. É um acervo que fui recolhendo ao
do de fartura. Foi ali por primeira vez Em relação às universidades públicas, eu não longo da vida, é atualizado todo mês. Hoje é
que, fora dos livros da universidade, eu poderia dizer que estamos enfrentando tempos parte e filho dileto da Biblioteca da Associação
compreendi o que é a luta por Reforma de cortes e contingenciamentos. Esses são eu- Cearense de Imprensa, que alberga esse acer-
Agrária, o que é o peso da escravidão femismos que querem encobrir um projeto de- vo. Homenageamos, incluso, a duas pessoas. A
por dívidas, o peso da servidão no rabo terminado de destruição do conhecimento e da primeira é Nilton Almeida, diretor de biblio-


da enxada, o peso do latifúndio e o de- ciência e da universidade pública. Eu não creio tecas da entidade. Pensamos em vir aqui ao
sejo imenso de alterar essa realidade. que essa juventude, que construiu e aprendeu Centro porque é um referente social do nosso
Aprendi muito e devo imenso a alguns a em coletivo a construir as novas agendas li- apreço. É claro que, em termos de desejo e de
quem hoje ainda encontro quando volto bertárias acerca do seu corpo, da sua história, utopia, eu gostaria imenso que tivéssemos sa-
em alguns momentos àquela região. Eu e que essas pautas serão varridas a partir das lões de leitura nos bairros dessa Cidade, que
diria que em Crateús, Ipueiras, Tamboril, componentes fascistas desse governo. A resis- as juventudes tivessem o acesso aos livros e
Monsenhor Tabosa, Novo Oriente, Novas
Russas, Tauá, Parambu talvez eu tenha Acervo aberto tência ativa se sobrepõe. à leitura. Ele é precisamente essa aposta na
possibilidade no campo dos possíveis, na pos-
conhecido os mais notáveis leitores do O Plebeu Gabinete de Leitura, sibilidade dos livros e da leitura empenhada.
Resistência ativa

mundo e da realidade. Foi tudo mui- em funcionamento há sete anos, OP - Você critica muito as redes Ademais preciso ressaltar que há aqui um de-
to bonito. Claro, imensas dificuldades. é localizado na Rua Floriano sociais como ferramentas desse sejo de tornar esse lugar mais frequentado,
Em nome de Seu Lourival e Totonha, de Peixoto, 736, 5º andar - Centro processo... visitado pelos trabalhadores do Centro. O Ple-
Tamboril, homenageio todos os que co- (na Sede da Associação Cearense beu, como o nome indica, é plebeu. Na dispo-
nheci. Maurício Cremaschi, um grande de Imprensa). A biblioteca é Eu não tenho Whatsapp, nem Face- sição e na presença nesse lugar social. O nome
padre naquela região, padre Alfredinho aberta das 8 às 17 horas, de book, eu abomino as redes antissociais. foi dado de presente por Izabel Gurgel, uma
Kunz, um grande profeta naquela região. segunda à sexta-feira. Acho esses conteúdos deletérios. Acho frequentadora perene.
E, como já falei, dom Antônio Batista que esses caminhos são muito frutíferos
Fragoso, que nunca ensinou aos seus pa- ao ódio disseminado pelo fascismo por- OP - Você citou que está pesquisando o
roquianos, seus diocesanos a resignação. que eles se dirigem diretamente a indi- fascismo. Que outras pesquisas faz?
Muito ao contrário, com eles aprendeu víduos atomizados, isolados. Que se bas-
que a fome, a seca, a pobreza não são na-
turais, são sociais e resultam das injusti- Herança tam a partir desses caminhos. Eu acho
que temos que fazer da rua nosso lugar
Adelaide - Em contato com colegas grandes
investigadores em Portugal e Espanha estou
ças do capital. Adelaide é a filha mais velha de aprendizado. Temos que olhar a des- muito enfronhada nessas leituras como neces-
de dona Vilanir e de seu Cesídio. truição tão veloz em apenas sete meses. sidade de aprofundamento para me apropriar
OP - Como era ser uma mulher feminista O pai era barbeiro, um homem Não há projeto de País, não há compro- com maior vigor dos estudos que vêm sendo
nesse contexto de Ditadura? de poucas letras, mas de imenso misso com o povo. Sejamos pois grandes feitos em vários lugares do mundo. As pesqui-
amor aos livros e aos pássaros. denunciadores da misoginia, da homo- sas que venho realizando, desde muito, voltei as
Adelaide - Eu aprendi o verbo do feminismo “Os salões das barbearias fobia, do racismo. Nós podemos semear minhas vistas para a história do impresso, para
em seguida.O feminismo veio com uma grande são, por definição, um lugar de tanta coisa bonita no mundo. A hora é de a cultura impressa, os jornais, os jornais de tra-
força na minha formação. Tive um percurso convívio, conversa e de ‘leitura urgência e de resistência. Vejamos as úl- balhadores, os jornais operários, os jornais fei-
muito bom nas leituras do feminismo radical. em voz alta’ no sentido de onde timas medidas em relação à cassação dos tos por dentro da luta camponesa. Isto foi num
Editamos uma obra de 1919 da Maria Lacerda se pratica um ‘jornalismo falado’. direitos de liberdade aos estudantes da crescendo para a história do livro e da leitura
de Moura, uma feminista radical brasileira. Foi Essa expressão sequer é minha, Unilab, uma clara perseguição aos direi- insubmissa. Nesse momento, me dedico à lei-
muito em razão do que é a pesquisa. Encontrei é de Alberto Galeno, um velho e tos dos transgêneros, uma comunidade tura das formas de leitura desde o Brasil dos
em um jornal de Fortaleza, o jornal “O Ceará”, respeitável escritor comunista de não apenas excluída, mas historicamen- trabalhadores sem terra. Neste momento, no
uma correspondência trocada entre as jovens Fortaleza”, ela explica. te criminalizada pelo atual governo. E as Maranhão, temos para mais de 20 mil pessoas
escritoras periodistas em formação Rachel de medidas flagrantes de cunho ultraliberal participando de um muito bonito programa de
Queiroz e Maria Lacerda de Moura. Você não e privatizante do mal chamado projeto leitura de alfabetização nessa chave de apren-
consegue imaginar a alegria da pesquisadora. Future-se do Ministério da Educação. der a ler o mundo para mudar o mundo. Então,
Não uma alegria avara de quem está garim- Tudo isso colabora no sentido de apro- as minhas pesquisas são muito suscitadas tam-
pando, pois não sou garimpeira e tenho ódio
ao garimpo que destrói a natureza e os traba- Bastidores fundar as medidas de cunho não apenas
autoritárias mas claramente fascistas.
bém a partir das necessidades e desse inter-
câmbio que vou estabelecendo com esses bons
lhadores no norte do País. Mas a alegria de en- A HISTORIADORA recebeu Entretanto, o chamamento não é de uma amigos e amigas. De todo modo, a última pala-
contrar esse texto de um feminismo radical. Me com entusiasmo o convite para leitura passiva, é de organização em co- vra que quero dizer é da minha imensa gratidão
dediquei à leitura do feminismo radical como a entrevista. Apesar disso, a letivos de resistência ativa. Nossas cons- aos estudantes. Eu não teria feito as pesquisas,
Clara Zetkin e Alexandra Kollontai. Calou muito primeira tentativa de conversa ciências devem ser interpeladas pelas não teria me empenhado no meu perfil militan-
fundo no meu espírito a leitura do feminismo foi inviabilizada por uma viagem grandes questões que atravessam o tem- te como pesquisadora social, como historiado-
pioneiro do século XVIII de Mary Wollstonecra- de última hora para realização de po presente no Brasil. Vamos lembrar de ra social não fosse a vontade e o desejo que en-
ft, uma grande obra ainda no século XVIII que atividade acadêmica. duas delas neste momento. A primeira é: contro em sala de aula. Ensinei o que aprendi a
só muito recentemente foi traduzido no Brasil. quem mandou matar Marielle Franco e partir dessas trocas, desse convívio.

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