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OPINIÃO
11/1/2007 - Célia Maria Marinho de Azevedo, Doutora em História - Jornal Irohín - Brasil
Poucos hoje em dia já ouviram falar em Francisco de Paula Brito, cidadão afro-
descendente que viveu no Rio de Janeiro entre 1809 e 1861. É provável, porém,
que alguns se lembrem de referências curtas e passageiras ao tipógrafo “mulato”
que descobriu Machado de Assis quando este não passava de um menino de 15
anos, empenhado já em fazer versos num mundo sem lugar para poetas negros e
pobres.
Mas como este homem negro nascido em família de poucas posses teria
conseguido alcançar uma tal proeminência social em plena era da escravidão?
Duas pessoas se destacam em seus primeiros quinze anos de vida: a irmã mais
velha que lhe ensinou as primeiras letras; e o avô, ex-comandante do Regimento
“dos Pardos” em tempos da administração portuguesa, e depois um reputado
ourives de lâmpadas de prata para as igrejas, que introduziu o neto no mundo das
profissões da cidade do Rio de Janeiro.
Contudo, pode-se aventar que o passo decisivo para que Paula Brito pudesse
iniciar sua vivência no pequeno mundo das elites intelectuais e políticas da Corte
foi seu ingresso na maçonaria. É possível que isto tenha ocorrido no início da
década de 1830, época tumultuada da Regência, quando as lojas maçônicas
puderam se reestruturar, uma vez terminado o reinado de D. Pedro I e com ele a
repressão aos maçons. Paula Brito, assim como inúmeros outros jovens negros e
brancos de diversas origens sociais, encontraram na maçonaria um espaço de
sociabilidade propício a quem, conforme ele se exprimiu em um de seus versos,
não se contentava em simplesmente viver “como outros vivem”. Além de
propiciar um espaço ordenado de debate filosófico-existencial, as lojas maçônicas
acenavam com uma dimensão filantrópica de auxílio mútuo e de ação social,
permitindo o início da construção de uma nova identidade - a de homem público
voltado para o bem comum, bem de acordo com as acepções herdadas do
Iluminismo, então vigentes entre as elites ilustradas.
Paula Brito foi dos primeiros a participar organizadamente deste debate com o
lançamento do jornal O Homem de Côr, em setembro de 1833. A partir do
terceiro número, publicado no mês seguinte, o título foi mudado para O Mulato,
ou O Homem de Côr. É possível que ele tivesse querido com isso assinalar a
figura do brasileiro capaz de integrar em si as “cores”, ao invés de uma só cor,
visto que o jornal posicionava-se radicalmente contra qualquer tipo de segregação
de “raça”. Aliás, esta era uma luta importante do momento, uma vez que era
visível a vontade de diversos políticos e autoridades em restaurar o modelo
português de administração baseada numa segregação racial instituída por Lei.
Contudo, o universalismo de Paula Brito se impunha limites na medida em que
seu jornal de cunho anti-racista silenciava sobre a escravidão. A esperança
implícita em suas linhas era que os escravos que porventura se emancipassem
pudessem se integrar à sociedade sem ter de enfrentar o preconceito de cor
conhecido já de longa data pelos cidadãos brasileiros negros.