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‘Os ritmos da natureza’ e outras conexões heterogêneas na rede ecológica em

Pelotas.

Patrícia Postali Cruz1


Loredana Ribeiro2

1. Introdução

No cenário contemporâneo, a imagem retratada pelos estudos sociológicos


de um rural estritamente agrícola e em oposição ao urbano se torna insuficiente para
analisar as diversidades sociais, econômicas e culturais que se apresentam.
Destacou-se a necessidade de apontar caminhos teóricos que ultrapassassem a
dicotomização rural/urbano para qualificar contextos distintos. Neste sentido,
Carneiro (2008) tem dado significativa contribuição teórica ao tema, utiliza-se da
noção de ‘localidade’ para referenciar diferentes universos “já que essa noção não
define a natureza rural ou urbana de um grupo ou de suas práticas” (CARNEIRO,
2008, p.9).
Nesse trabalho, rural e urbano, campo e cidade são compreendidos numa
mesma realidade histórica em constante transformação e articulados numa dialética
a qual os constitui mutuamente, permitindo, assim, observar o fluxo e a circulação de
diferentes elementos na composição do social. Levantam-se neste trabalho as
seguintes questões: diante da homogeneização herdada do processo de
industrialização e modernização como e quais são as alternativas adotadas na
produção e consumo de alimentos? No caso específico da rede da região de
Pelotas, de que forma uma heterogeneidade de atores se articulam na invenção do
ecológico, enquanto processo criativo?
Neste sentido, propomos para este trabalho, enquanto caminho teórico e
metodológico, a proposta de ‘seguir os próprios atores’, conforme destaca a Teoria
do Ator-Rede (cf. Latour, 2012). Nesta perspectiva, as análises ultrapassam
definições endossadas de antemão, a tarefa de ordenar o social fica a cargo dos
próprios atores e não mais restrita ao pesquisador. Buscaremos assim, juntamente
1
Mestranda em Antropologia, Programa de Pós-Graduação em Antropologia, Universidade Federal
de Pelotas. patricia.postali@gmail.com
2
Doutora em Antropologia, Departamento de Antropologia e Arqueologia, Universidade Federal de
Pelotas. loredana.ribeiro@gmail.com
com o escopo teórico da antropologia, descrever3 a rede ecológica na região de
Pelotas, observando a complexidade das articulações que se formulam entre
espaços, tempos, humanos, não humanos e técnicas, ponderando, assim, as
relações entre os diferentes elementos da rede.

2. Do percurso da pesquisa e Das implicações da teoria do Ator-Rede

As inquietações que sustentam este trabalho de pesquisa têm como pano de


fundo, em parte, pela minha inserção no Grupo de Agroecologia (GAE/UFPel)4 da
cidade de Pelotas, desde a metade dos anos 2000, e, consequentemente, por
motivações pessoais que foram aparecendo ao longo dessa experiência. Em
inserções anteriores em projetos de pesquisa, foram privilegiadas imersões de
campo em meio ao rural em transformação, mais especificamente pesquisas
realizadas com grupos de agricultores ecologistas. Na possibilidade de interlocução
com este universo, observei um rural muito mais complexo do que aquele que se
apresentava em diversas bibliografias sobre o tema.
Neste sentido, o tema da agricultura ecológica não estaria vinculado a um
universo ou outro, mas sim um diálogo entre diferentes atores em torno de uma
pauta comum, motivados por diferentes pautas e interpretações do ecológico. Assim,
percebi que várias são as motivações e interpretações que fazem esses atores
encarnar o cotidiano enquanto um espaço de expressão política em contraponto a
uma rede mais ampla. Nestas experiências, tornou-se explícito que a agricultura
ecológica incorporava dimensões extremamente complexas e heterogêneas.
Neste percurso o olhar da pesquisa passa das práticas em meio ao processo
produtivo específico da agricultura familiar ecológica para a tentativa de acesso à
universos de sentido que participam das construções e interpretações do mundo
habitado por atores do movimento ecológico. Torna-se evidente, então, a

3
Importante salientar que este trabalho se apresenta enquanto uma parcela da pesquisa mais ampla
realizada no projeto desenvolvido na dissertação de mestrado. Neste sentido, está sendo proposta
neste trabalho a descrição do mapeamento da rede ecológica na região de Pelotas até então
delineado. Análises em relação à pesquisa serão desenvolvidas em trabalhos futuros.
4
O Grupo a que faço menção é o GAE/UFPEL. “O Grupo de Agroecologia (GAE) da Universidade
Federal de Pelotas (UFPel) surgiu em 1993, a partir da necessidade percebida por um grupo de
estudantes da Faculdade de Agronomia Eliseu Maciel (FAEM) de discutir outras formas de se pensar
agricultura. O objetivo do grupo é fomentar práticas e debates fundamentados na agroecologia,
primando sempre por uma troca de conhecimentos e experiências, tanto na comunidade acadêmica,
quanto na comunidade em geral.” (BROLESE et. al, 2007).
necessidade de procurar as vinculações entre as diferentes visões e discursos que
atuam no processo de inventar o ambiental. Compreendendo que a trajetória do
campo ambiental não se faz pelos ecos de uma voz, torna-se necessário, neste
trabalho, ouvir, atentar e experienciar diferentes locais de fala. Dessa forma,
buscaremos ao longo deste artigo trazer a complexidade da organização do
movimento ecológico na região, enfatizando a constituição da rede. Proponho,
então, destacar a heterogeneidade de atores nesta rede, levando em consideração a
historicidade do movimento e, além disso, discutir brevemente a relação entre
humanos e não humanos.

2.1 Entre antropologias

Imerso em meio à disciplina antropológica este trabalho inicia sua caminhada de


ideias e experiências. Para falar do entrar em campo se torna fundamental, antes,
abordar as reflexões teóricas que foram sendo construídas ao longo do percurso
entre disciplina e o empírico. Dessa forma, o que procurei foi utilizar lentes da
antropologia que deformassem as demarcações de fronteiras precisas entre o
universo do rural e do urbano e, a partir daí, observar o que faz parte dos universos
de sentidos da rede ecológica, sua organização e atores integrantes da rede.
Neste sentido, a teoria ator-rede, conforme proposto por Latour (2012),
aparece como uma possibilidade teórica e metodológica para o estudo do empírico.
O que o autor propõe é superar a forma de produzir conhecimento nas ciências
humanas, pautado nos dualismos opostos e em concepções pré-definidas do
conteúdo que compõe o “social”, formada essencialmente de vínculos sociais.
Em relação às grandes divisões dicotômicas e assimétricas do mundo
ocidental, Latour (1994) aponta que o que explicaria a grande divisão exterior – Nós
e Eles – seria a diferenciação absoluta entre natureza e cultura (grande divisão
interior), sendo ela muito mais uma definição particular do mundo ocidental e de
suas relações com o mundo do que uma explicação universal aplicável a todos
coletivos. Ou seja, a divisão assimétrica do mundo ocidental entre natureza e
cultura(s), implica na forma de produzir conhecimento do ocidente, elevando essa
lógica particular de mundo a todos os outros coletivos. Neste sentido, compreendo
que esta forma de diálogo impede a real compreensão da totalidade da existência de
um coletivo, pois “não cabe ao sociólogo decidir antes e em lugar do membro aquilo
de que é feito o mundo” (LATOUR, 2012, p.51).
Seguindo a proposta de Latour (2012), todo cientista do social deve estar
preparado para esquecer quaisquer categorias filosóficas ou antropológicas como:
tempo, função, estrutura, psique, espaço. Em meio a essas reflexões é que a ideia
que passa a se tornar mais contundente para a execução da pesquisa em questão é
a perspectiva metodológica de “seguir os próprios atores”.

Ou seja, tentar entender suas inovações frequentemente bizarras, a


fim de descobrir o que a existência coletiva se tornou em suas mãos,
que métodos elaboraram para sua adequação, quais definições
esclareceriam melhor as novas associações que eles se viram
forçados a estabelecer. (LATOUR, 2012, p. 31)

A intencionalidade da antropologia contemporânea seria a de propor escritas


e campos mais polifônicos. Essas transformações na maneira de observar o trabalho
etnográfico e da própria “autoridade etnográfica” (cf. CLIFFORD, 2008) trazem
mudanças nos temas pesquisados e na abordagem utilizada. “Os antropólogos
contemporâneos se preocupam com transformações, com história, com sincretismo
e encontros, com práxis e comunicação, e principalmente com relações de poder”
(CALDEIRA, 1998). Entremeado por estes propósitos é que este trabalho busca o
exercício de uma pesquisa que consiga atentar para a heterogeneidade de
elementos que compõe a rede em questão.

2.2 O trabalho de campo e interlocutores da pesquisa

O artigo produzido faz referência à pesquisa etnográfica realizada na região


de Pelotas no período entre novembro de 2013 e outubro de 2014 5. Foram utilizadas
enquanto metodologia de pesquisa observação participante e entrevistas abertas.
Os encontros aconteceram em diferentes espaços como, por exemplo, feiras,
comércio local, propriedades de famílias de agricultores ecológicos, onde foram
priorizados diálogos e observações da dinâmica dos espaços de ação da rede.
Neste sentido, para a construção deste texto farei uso dos dados do diário de campo

5
Importante ressaltar que a pesquisa em questão ainda está em andamento. O artigo produzido se
refere ao processo de pesquisa desenvolvido até o momento. Possíveis questões e análises que não
tenham sido abordadas ou desenvolvidas serão publicadas em trabalhos futuros.
e das observações realizadas em campo. Com o andamento da pesquisa se tornou
necessário adensar conversas com porta-vozes do movimento, neste trabalho serão
utilizadas entrevistas realizadas com quatro interlocutores de diferentes espaços de
ação da rede ecológica. Compreendemos que se faz necessário a apresentação dos
interlocutores individuais da pesquisa antes de adensar a descrição da rede
ecológica e sua constituição enquanto coletivo.
Helga começa a se comprometer com o movimento ainda como professora do
curso de graduação em Ciências Domésticas da Universidade Federal de Pelotas.
Em experiências de projeto de extensão por ela coordenado a interlocutora passa a
ter contato com organizações ligadas aos produtores rurais na região e inicia seu
percurso como atora da rede ecológica enquanto professora, em seguida como
militante e, atualmente, como assessora técnica de projetos ligados ao CAPA6.
Liomar é, atualmente, proprietário de um restaurante ecológico na cidade de
Pelotas. Ele se insere na rede ecológica a partir do primeiro ano da feira, em
meados do ano de 1996, ainda como estudante do curso de Ciências Domésticas na
Universidade Federal de Pelotas. Liomar é uma figura expressiva no cenário urbano
por ser um dos precursores das discussões em torno da questão ecológica na
cidade de Pelotas, juntamente com um grupo de amigos consumidores, iniciam o
comércio de produtos ecológicos na cidade de Pelotas.
Rosa é agricultora ecológica. Iniciou sua inserção nos grupos de agricultura
ecológica através do Movimento de Mulheres Camponesas, no início dos anos 80.
No decorrer das discussões em torno do papel das mulheres na agricultura e de
alternativas para o modelo de desenvolvimento da agricultura mecanizada, Rosa se
insere em grupos das eclesiais de base da Igreja Católica a qual realizava projetos
com pequenos agricultores. Em uma parceria entre o movimento de mulheres e a
comunidade católica – Pastoral Rural – a interlocutora participa dos primeiros
movimentos que caminharam na organização de grupo de agricultores ecológicos.
Ivo é agricultor ecológico da colônia de Pelotas. Ele ingressa no movimento
ecológico a partir de ações ligada ao CAPA na região de Canguçu, no final dos anos
80. Ele se torna influente nas ações organizativas da Igreja Luterana, se tornando
um dos primeiros presidentes da cooperativa ligada ao CAPA, a Sul Ecológica.

6
Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor.
Nesse sentido, os atores aqui relatados brevemente fazem parte de uma
parcela da complexidade da organização do movimento ecológico na região. Como
ficará perceptível ao longo das páginas seguintes deste trabalho, o esforço é relatar
a trajetória do movimento ecológico na região, através da história contada por
diferentes atores do movimento, a fim de situar o leitor no universo de pesquisa do
meu trabalho.

3. Mapeando a rede: entre diálogos e narrativas

A rede que está sendo mapeada nesta pesquisa é permeada pelas relações
estabelecidas com a rede mais ampla, relacionada com o processo de
modernização da agricultura7. Nesse sentido, muitos dos elementos que aqui estão
entremeados se encontram no diálogo das oposições entre as redes. O movimento
para a invenção de uma rede ligada as questões ecológicas e ambientais se
formulam em contraponto ao processo de artificialização e mecanização intensiva
ligado ao modelo de desenvolvimento que se implementava na época.
O quadro de produção agrícola da região, a partir da metade do século XX,
esteve voltado ao cultivo de pêssego e a uma economia de comércio. As
agroindústrias que se estabeleceram na região de Pelotas passaram a exigir
melhores produtos dos agricultores e, consequentemente, uma maior especialização
técnica. Com isso, a relação com a terra passa de uma economia familiar voltada à
subsistência para uma economia voltada ao modelo capitalista industrial. E ainda,
criou relações diretas de exploração entre empresários industriais e produtores
familiares, quando o trabalho excedente na zona rural foi canalizado para a indústria
(SALAMONI, 2001, p. 14). Neste sentido, muitos agricultores foram marginalizados
do processo de modernização da agricultura.
Na busca por alternativas, diversas pautas foram sendo construídas em meio
ao trabalho no campo. Para Ivo e Rosa, diversas questões começaram a surgir em
meio às mudanças desenhadas no campo. Rosa, uma agricultora ecologista, a qual
está presente no movimento desde o início de suas ações. Conforme me relata, se

7
Conforme Marques (2010, p.22) “a modernização da agricultura, de modo abrangente, está
relacionada ao processo de “externalização‟ e de “cientifização‟ da agricultura, e está associada a um
modelo de desenvolvimento agrícola, cujas diretrizes fundamentais são a intensificação,
uniformização e a especialização no processo produtivo, bem como o aumento da mercantilização,
da escala de produção e da integração setorial com a indústria.”
insere nos grupos ecologistas a partir do movimento de mulheres camponesas. No
diálogo com a diocese católica surge a ideia de organizar grupos de famílias para
produzir ecológico.

Ela (a diocese) se preocupava muito nessa linha, e nesse período eu estava


ainda no movimento, aí eles lançaram uma pessoa que fazia um trabalho de
pastoral rural. Então aí entrou o movimento junto, aí a gente saiu,
conversando com as pessoas, discutindo solo, semente, saúde, água e
assim por diante, e ai foi indo indo e aí tudo que se trazia das famílias se
levava para a diocese se levava pro movimento, e aí foi foi foi que há 20
anos atrás surgiu a ideia de [...] da própria diocese, de organizar uns grupos
de famílias, e aí não tinha limite, para produzir orgânico e comercializar
orgânico para ver o que ia acontecer, e aí a gente foi por ai que a gente
começou e está até hoje. (ROSA, 2014)

Ivo, inicia o trabalho da família com o movimento ecológico a partir da


inserção do projeto do CAPA na região de Canguçu. Iniciam pequenas iniciativas na
região, num trabalho de grupo, alguns agricultores então começam a transição para
uma produção ecológica. Aqui, novamente, o contraponto à industrialização da
agricultura se coloca como motivador destas iniciativas e a organização em grupo
sendo um ponto fundamental para impulsionar as mudanças nas famílias de
agricultores.
Houve na década de 80/90 uma articulação forte das eclesiais de base,
católica e luterana, na organização dos agricultores em grupos de comercialização.
Durante alguns anos o trabalho foi sendo realizado entre os agricultores e as igrejas,
primeiramente se organizou a produção e, em seguida, iniciaram as discussões com
diferentes instituições (como, por exemplo, universidades, órgãos de assistência
técnica, entre outros) de onde seria possível comercializar o alimento. Para construir
estes espaços o grupo de militantes/consumidores8 propõe uma visita à COOLMÉIA
em Porto Alegre/RS. Neste dia, segundo relato da Helga se organizou um grupo de
agricultores e alunos, foram, então, até Porto Alegre vivenciar a realidade da rede de
comercialização que estava sendo construído na cidade.
Após várias discussões no grupo de agricultores, entre agricultores, técnicos,
consumidores e a própria prefeitura da cidade, decidiu-se inaugurar a feira ecológica
na Rua Dom Joaquim na cidade de Pelotas, em 1995 organizada pela associação
Arpa Sul9. As decisões partiram do principio de que a comercialização desse tipo de

8
Utilização do termo empregada pelos próprios interlocutores.
9 9
A Associação Regional de Produtores Agroecologistas da Região Sul (ARPA-SUL) foi a primeira
organização de agricultores ecológicos da região sul do estado. Ela foi criada em 15 de setembro de
produção deveria deixar evidente o tipo de alimento que estava sendo produzido.
Rosa afirma que a motivação para comercializar esse produto num local diferente da
feira convencional ocorreu a partir da motivação de construir o espaço da feira junto
com os consumidores. Nesse sentido, Ivo aponta que construir um local de
comercialização somente com produtos ecológicos seria uma maneira de divulgar o
trabalho que estava sendo realizado.

Fazer uma feira em outro lugar, caracterizar bem a mudança de produção e


tipo de produto num outro lugar e daí também foi uma boa duma discussão
que levou algum tempo e aonde chegamos na conclusão num lugar onde a
gente também pudesse construir esse lugar, porque senão ficaria muito no
senso e os consumidores não teriam condições de diferenciar esse
processo. O que na verdade era um processo de mudança como um todo,
não era só uma mudança para um produto que não tivesse veneno, era um
processo de mudança da forma de viver, nas formas de se relacionar com o
agricultor, com a própria vida, com a saúde. (HELGA, 2014)

Concomitante a este processo de organização da feira, houve o processo de


sensibilização da malha de consumidores. Como aponta Liomar, era necessária uma
educação dos consumidores, tanto no sentido da geração da economia local quanto
na valorização de produtos os quais esteticamente se deslocavam do padrão
convencional. Liomar juntamente com um grupo de Porto Alegre, a cooperativa
COOLMÉIA, organizaram uma banca na feira ecológica com mural de consumidores
– continha informações sobre os alimentos ecológicos, sobre separação de lixo,
entre outras pautas - e com produtos que não eram produzidos na região como suco
de uva, massa de tomate, enfim, produtos processados.
Para Ivo, a participação do grupo da cidade foi fundamental para a
consolidação da feira. Além de participar ativamente das feiras, o grupo se
comprometeu na divulgação do movimento ecológico que se iniciava na região.
Eram realizadas ações em diferentes pontos da cidade como universidades, locais
públicos, praças. Segundo Helga, os alunos produziram panfletos e cestas com o
intuito de levar a ideia adiante e sensibilizar as pessoas com a questão ecológica,
como ela mesma define, foi um processo muito criativo.
A partir daí, os espaços de comercialização da rede ecológica aumenta cada
vez mais na cidade e região de Pelotas. Os consumidores organizados se mobilizam

1995, pelo esforço do CAPA, CPT e dos agricultores. O objetivo era unir produtores ecológicos para
realizar a primeira feira que aconteceria na região de Pelotas. A Associação tem cerca de 40 famílias
associadas que abrange a região rural de Pelotas e os municípios do entorno da cidade.
na direção de construir um entreposto para vender produtos da feira. A feira que
estava centralizada em um único local, ganha outros espaços e se espalha por
quatro pontos10 centrais na cidade de Pelotas. Com uma produção mais avançada os
agricultores decidem explorar outros mercados de comercialização, dessa vez os
institucionais. Aqui se divide os grupos de agricultores associados da Arpa Sul11 em
duas cooperativas: a Sul Ecológica (assistida pelos técnicos do CAPA) e a Arpa Sul
(assistida pelos técnicos da Pastoral Rural). Importante ressaltar que a associação da
Arpa Sul fica responsáveis pelas feiras livres na cidade e as cooperativas se direcionam
aos mercados institucionais12 que começam a surgir no cenário regional no início dos
anos 2000.

4. Epistemologias ecológicas e suas conexões heterogêneas

Podemos observar, através das vozes, uma complexidade de atores que se


inserem no movimento ecológico. Diferentemente de outras manifestações no
âmbito ambiental (cf. CARVALHO, 2012), o movimento ecológico parece articular
uma crítica ao modelo de industrialização da sociedade ocidental através da
construção de uma categoria positiva, o ecológico. Nesse sentido, as dualidades
formuladas, até então, para compreender o mundo perdem força nesta construção
de uma epistemologia ecológica pautada pela experiência cotidiana com elementos
de diversas naturezas.
Ao que se propôs na discussão inicial deste artigo, podemos observar,
através das falas dos interlocutores, que a formação de uma rede ecológica
perpassa os distanciamentos forjados pelas categorias espaciais rural e urbano. As
articulações se formam aqui no sentido de aproximar pautas comuns que, no caso
da rede ecológica, ligam-se com questões de ordem ambiental, economia local,
conhecimento integrado, saberes e práticas tradicionais, entre outros. Nesse
sentido, apesar de diferenças substanciais entre os componentes da rede – dos
humanos poderíamos citar agricultores, consumidores, técnicos, instituições, entre

10
Os pontos mencionados são: as feiras da Avenida Bento Gonçalves, Avenida Duque de Caxias no
bairro Fragata, Largo do Mercado Público e Av. Dom Joaquin.
11
Nesse sentido, a associação da Arpa Sul, atualmente, conta com associados tanto da cooperativa
Sul Ecológica quanto da cooperativa Arpa Sul.
12
Como relata IVO, os principais mercados que a Sul Ecológica se insere é o Plano Nacional para
Alimentação Escolar (PNAE) e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).
outros - se reconhecem na discussão e na proposição de pautas da rede ecológica,
os mais diferentes atores, independente das fronteiras espaciais entre eles.
Para além de um radicalismo com as questões ambientais, o ecológico
parece forjar nas práticas cotidianas a ‘conscientização’ e a mudança pretendida.
Elementos como ritmo da natureza, coletivo, totalidade e natural parecem guiar a
forma que o movimento ecológico utiliza para habitar o mundo de maneira diferente
daquela orquestrada pelo fenômeno da industrialização. Além disso, como Liomar e
Helga apontam, o ecológico é uma questão de consciência, aqui se formam
consciências ecológicas. Assim, ao tomar a rede ecológica a partir da sua
qualificação e não mais do ponto de distinção entre as dimensões espaciais,
elegemos duas dimensões que nos parecem ter papel fundamental na compreensão
de uma tomada de consciência por parte dos atores da rede: as relações com os
não humanos, que tende a dar a dimensão da agência de elementos de diferentes
natureza na rede ecológica; e a experiência cotidiana de uma alimentação saudável,
a iniciar nos modos de produção limpos passando pela comercialização solidária
culminando no consumo consciente ou, para utilizar a expressão proposta por
Portilho (2010), a politização do consumo.

4.1 Os Ritmos da Natureza: agências de entidades não humanas

No tempo ecológico, os híbridos passam a se tornar visíveis ou, na


perspectiva de que jamais fomos modernos, eles sempre estiveram presentes na
constituição moderna. É do ponto de vista conceitual que “as noções de natureza e
política já haviam sido desenhadas, ao longo dos séculos, para tornar impossível
qualquer reconciliação, qualquer síntese, qualquer combinação entre os dois
termos.” (LATOUR, 2002, p.13). Sendo assim, o ecológico parece produzir, através
da experiência e de uma atenção direcionada aos ambientes, uma dinâmica de
conhecimento que reconfigura noções conceituais e entendimento do mundo.

Nosso argumento é que este horizonte ecológico imaginativo vem


corroborando deslocamentos epistemológicos no pensamento ocidental,
contribuindo para o questionamento de delimitações que se estabeleceram
como trincheiras intransponíveis no campo científico, como as que
separaram a experiência humana do mundo, o mundo em sua existência
objetiva e o conhecimento do mundo. (CARVALHO, 2014, p.163).
No que se refere ao objeto deste projeto, na agricultura ecológica é evidente a
relação simétrica e dialógica entre humanos e não humanos. Como aponta Liomar,
os ritmos da natureza educam humanos no sentido do que produzir e do que
consumir. É necessário estar atento aos movimentos do Sol e da Lua para saber o
que plantar, quando colher e o que tem para consumir em dada época do ano. Além
disso, as técnicas, direcionadas para um fazer ligadas as especificidades dos
ambientes, denota um aprimoramento do olhar de agricultores no sentido de

Os agricultores e os pastores, no que diz respeito a essa questão, se


submetem a uma dinâmica produtiva que é imanente no mundo natural em
si, ao invés de converter natureza em um instrumento para seu próprio
propósito [...] Se os seres humanos, por um lado, e as plantas e os animais,
por outro, podem ser considerados alternadamente como componentes de
ambientes uns dos outros, então não podemos mais pensar nos seres
humanos como habitando um mundo social próprio, para além do mundo da
natureza em que as vidas de todos os outros seres vivos estão contidas.
Em vez disso, os seres humanos e os animais e as plantas que dependem
para subsistência um do outro devem ser considerados como companheiros
participantes no mesmo mundo, um mundo que é ao mesmo tempo natural
e social. E as formas que todas estas criaturas tomam não são dadas em
antecedência, nem impostas a partir de cima, mas emergem no contexto de
seu envolvimento mútuo em um campo único e contínuo de
relacionamentos. (INGOLD, 2000, p. 101, tradução da autora).

Suponho que é essa percepção no e com os ambientes que formula formas


de ver e habitar o mundo, no qual a concepção que opõe natureza e cultura se
esvai. O conhecimento gerado cotidianamente nos afazeres da lavoura é produzido
através de uma imersão na matéria com os seres que os rodeiam. Compreender os
ciclos das plantas, os ritmos da natureza e os tempos de trabalho (plantio) e de
espera (crescimento das plantas) denotam formas de se relacionar com outros
organismos destoantes daquelas promulgadas pelos ‘modernos’.
Ivo aponta a relação com o ambiente como uma espécie de comunicação.
Para além das imposições do tempo humano, se entender com o ritmo da natureza
exige paciência e vontade. São pequenas ações cotidianas que vão definindo o
fazer ecológico, onde categorias como tempo e espaço são permanentemente
reconfiguradas a partir da comunicação estabelecida com a natureza. Essas
modificações se objetivam na paisagem19, de um espaço homogêneo, a área
cultivada passa a abarcar uma diversidade de espécies de flora e fauna, se
aproximando de um ambiente mais natural.
[...] é assim né, tu tem que ter a transição né, não adianta tu hoje ter uma
lavoura convencional com química com adubo e dizer: vou parar com esse
negócio hoje e vou, vou, minha lavoura hoje é orgânica [...] claro, tu tem que
começar, mas ela vai levar 3 anos mais ou menos para o solo se adequar
no terceiro ano mais ou menos, aí no terceiro ano tu já vai ter uma produção
razoável né porque o solo tá acostumado com aquela camada de adubo,
largado, jogado ali, o ambiente ali tá desequilibrado também né, aos poucos
os inimigos naturais vão voltando e então é um processo assim que tu tem
que ter um pouco de paciência e vontade não pode desistir no primeiro ano,
mas que dá certo dá né. (IVO, 2014)

Nessa lógica de buscar premissas de como realizar o trabalho com e na


natureza, os interlocutores se voltam a bases tradicionais, aos modos de fazer antes
da industrialização e exteriorização dos ambientes. Assim, é importante ressaltar,
que os elementos em torno dos saberes e das práticas estão intimamente ligadas
com seus antepassados e as bases geracionais da família. Além disso, os diálogos
e as conexões do grupo estão sendo sempre atualizadas a partir da
heterogeneidade de elementos e atores que vão compondo a rede ecológica local e
a rede mais ampla.
Os agricultores, ao relatarem a sua inserção nesse modo de vida, ressaltam
sempre a necessidade de voltar lá pra trás. Em certa medida, estão acionando um
modo de fazer relacionado a outras gerações da família, uma época em que o fazer
era coisa de fundo de quintal, então aquilo era uma coisa bem natural, bem crioula e
bem orgânica (ROSA, 2014).
Nesse sentido, a invenção do ecológico não se dá somente pela via da
nostalgia do passado, ela vincula dimensões temporais distintas em torno da criação
e reinvenção da forma de se relacionar com o ambiente. Essa invenção20 criativa,
motivada pelo choque com a industrialização, se relaciona não somente com as
bases tradicionais apreendidas com os antepassados, mas com todas as
associações e contextos atuais que vão construindo o significado do ecológico. Aqui,
a criatividade estaria intimamente ligada com a busca pela autonomia e liberdade de
organização dos coletivos e das famílias.

[...] então é uma coisa que já faziam assim né, se a indústria não tivesse
passado por cima dessa cultura só que agora é uma outra leitura né, não é
voltar à uma antiguidade é pegar o que tinha de bom e fazer uma leitura
contemporânea e adaptada. (LIOMAR, 2014)

Distanciando de uma relação estritamente mercadológica, as decisões


levantadas pelos atores do movimento preconizam ideologias e ações que, de uma
forma ou outra, modifica as formas de organização do trabalho e a relação com os
espaços naturais. Apesar de ser formulado em torno de uma crítica a um modelo
econômico, o ecológico se constrói a partir de uma categoria positiva. No sentido de
que passa a ter uma valorização outras formas de habitar o mundo e,
consequentemente, de produzir e consumir.
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