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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA

DANIEL WANDERLEY CALIMAN

O PARTIDO DOS TRABALHADORES E O FORO DE SÃO PAULO:


“LABORATÓRIO” DE HEGEMONIA POLÍTICA PARTIDÁRIA NA AMÉRICA
LATINA

UBERLÂNDIA
2019
DANIEL WANDERLEY CALIMAN

O PARTIDO DOS TRABALHADORES E O FORO DE SÃO PAULO:


“LABORATÓRIO” DE HEGEMONIA POLÍTICA PARTIDÁRIA NA AMÉRICA
LATINA

Monografia apresentada ao curso de Graduação


em Relações Internacionais da Universidade
Federal de Uberlândia, como requisito parcial
para obtenção do título de Bacharel em Relações
Internacionais.

Orientadora: Profa. Dra. Patrícia Vieira Trópia

UBERLÂNDIA
2019
Daniel Wanderley Caliman (1994)
O Partido dos Trabalhadores e o Foro de São Paulo: “Laboratório” de Hegemonia Político
Partidária na América Latina

Orientadora: Patrícia Vieira Trópia

Monografia (Bacharelado) – Universidade Federal de Uberlândia, curso de Graduação em


Relações Internacionais

Inclui Bibliografia
Palavras-Chave: Hegemonia, Gramsci, Partido dos Trabalhadores, Foro de São Paulo,
América Latina
DANIEL WANDERLEY CALIMAN

O PARTIDO DOS TRABALHADORES E O FORO DE SÃO PAULO:


“LABORATÓRIO” DE HEGEMONIA POLÍTICA PARTIDÁRIA NA AMÉRICA
LATINA

Monografia apresentada ao curso de Graduação


em Relações Internacionais da Universidade
Federal de Uberlândia, como requisito parcial
para obtenção do título de Bacharel em Relações
Internacionais.

Banca Examinadora

______________________________________________
Prof ª. Dr ª. Patrícia Vieira Trópia
Universidade Federal de Uberlândia

______________________________________________
Prof. Dr. Haroldo Ramanzini Júnior
Universidade Federal de Uberlândia

______________________________________________
Prof. Dr. Filipe Almeida do Prado Mendonça
Universidade Federal de Uberlândia
AGRADECIMENTOS

Nos tortuosos caminhos que me trouxeram até aqui, muitas foram as vezes em que a
desistência bateu à minha porta. Sempre escandalosa e pouco afeita às nuances da vida, ela foi
uma indecente acompanhante ao longo desse trajeto. A preciosidade desse arrombo reside na
ironia de que sem ela, não teria conhecido o valor da resiliência e a maturidade elaborada no seio
do não ser. O não ser se acomodou em minhas entranhas, quase elaborando por si só, a identidade
que carregaria por longos anos. A certeza, tão inocente, se fez em torno de uma identidade
incompleta, em que só me parecia certa uma coisa: acreditar na construção de um mundo em que
a opressão já não seja mais o trilho condutor das relações humanas e dedicar cada segundo de
uma vida a esse objetivo. A questão da incompletude sempre foi escondida em baixo de
justificativas belas, que foram sendo todas apontadas por pessoas queridas, sem as quais não
estaria aqui. Com isso em mente, meus mais sinceros sentimentos de gratidão a algumas pessoas
e elementos.
Antes de mais nada, preciso agradecer ao suporte de uma vida, à pessoa que com seu
carinho, amor, dedicação, cumpriu diversas funções em minha vida, amiga, pai, mãe, esteio de
coragem e salvação. À minha mãe, Marly Cristina Wanderley, que nunca duvidou de mim, nem
quando eu mesmo o fazia, meus mais sinceros agradecimentos.
À minha querida avó, Marly Elza Wanderley, que com sua sabedoria me amparou por
mais vezes do que eu gostaria de admitir e me foi um exemplo de persistência em todos os
tempos.
Minha irmã, Mariana Wanderley Fukuhara, que não mediu esforços para ser um manto de
segurança, amizade e compreensão, merece mais que meu agradecimento, mas meus votos de
compromisso para qualquer momento.
Agradeço à minha tia Marisa, que com seu humor alegrou meus dias mais terríveis.
Ao amor da minha vida, meu bem, Rafael Lorran, agradeço por me tornar uma pessoa
melhor, mais capaz de desprendimento, mais madura e por me ensinar que o amor é possível para
nós, seres em busca de aceitação, afirmação e transformação. Você me cativou e ocupará para
sempre um lugar de destaque em minha vida.
Agradeço ao meu irmão, Odair Caliman, por sua compreensão.
Minha querida orientadora Patrícia Vieira Trópia serviu como fonte de inspiração ao
longo de todos os meus anos na universidade, sendo ela responsável pelo choque de realidade que
levou ao caminho de uma compreensão mais ampla de mundo, resultando na minha dedicação
pela mudança do mundo e a construção do socialismo democrático.
Meus sinceros agradecimentos à Ana Paula e Solange, por me mostrarem os instrumentos
que me permitiram chegar até aqui.
Agradeço ao meu big love Naty Félix, por sua mão amiga, nossos conselhos em meio a
tantas alegrias.
Meus amigos e amigas, que durante tanto tempo estiveram ao meu lado, Anderson, Elton,
Davi, Sargento, Gabs, Cibelle, Analú, Régis, Michele Diego, Gurgel, Amanda, Dani e Targino.
Nossas conversas, bares, militâncias construíram o ser que hoje em mim habita.
Agradeço à Consulta Popular, por me ensinar que confiança e dedicação são ativos
valiosos, que não se devem desprender tão facilmente.
Minha profunda gratidão aos companheiros Valter Pomar, Kjels Jakobsen, José Dirceu e
Celso Amorim, por contribuírem de forma tão ativa para a concretização desse trabalho.
Dedico esse trabalho também à Luís Inácio Lula da Silva e à sua liberdade e a Dilma
Vana Rousseff, uma vez que não seria possível minha passagem por esse universidade sem sua
dedicação na transformação do Brasil.
Por fim, agradeço imensamente a todos os companheiros e companheiras do Partido dos
Trabalhadores, por me mostrarem um caminho possível e me acolherem de forma tão carinhosa.
“A vida, em seus métodos, diz calma.”

Di Mello
RESUMO

O presente trabalho busca analisar, sob a ótica da teoria gramsciana, o papel do PT na


criação e no processo de construção do Foro de São Paulo no período 1990-2018. Trabalho a
hipótese segundo a qual o PT desempenhou um papel de protagonista no Foro, dando em vários
momentos a direção político-ideológica do amplo espectro de entidades de esquerda latino-
americanas participantes. Utilizou-se como fonte de pesquisa os documentos emanados do Foro,
a bibliografia acerca da abordagem teórica da hegemonia, assim como aquela associada ao
histórico do Partido dos Trabalhadores e do Foro de São Paulo. Como complemento, recorremos
a entrevistas com personagens-chave que atuaram tanto na Secretaria de Relações Internacionais
do PT, no Ministério das Relações Exteriores, quanto na condução geral do Partido. De caráter
exploratório, a pesquisa busca, através de análises sobre a perspectiva internacionalista do PT,
apontar caminhos para a compreensão do seu processo de construção hegemônica no Brasil e
seus desdobramentos para a América Latina. Conclui-se com esse trabalho que a atuação do
Partido dos Trabalhadores no Foro de São Paulo se deu no sentido de aglutinar em torno de sua
liderança os anseios de construção de um movimento contra-hegemônico, tarefa que se viu
facilitada pelas características próprias do Partido, a rigor, sua vocação internacionalista e sua
constituição plural.

Palavras-Chave: Hegemonia. Gramsci. Partido dos Trabalhadores. Foro de São Paulo.


ABSTRACT

The present paper seeks to analyze, from the Gramscian theory point of view, the role of
the Workers’ Party (PT) in the creation and in the process of building the Forum of São Paulo in
the period 1990-2018. I work on the hypothesis that the Workers’ Party played a leading role in
the Forum, giving at various moments the political-ideological direction of the broad spectrum of
Latin American leftist entities involved. The documents emanating from the Forum, the
bibliography on the theoretical approach to hegemony, as well as the one associated with the
history of the Workers' Party and the Forum of São Paulo were used as research sources. As a
complement, we used interviews with key figures who worked in both the Workers’ Party's
Foreign Relations Secretariat, the Ministry of Foreign Affairs, and the overall leadership of the
Party. Exploratory in nature, the research seeks, through analyzes on the internationalist
perspective of the Workers’ Party, to point out ways to understand its process of hegemonic
construction in Brazil and its developments in Latin America. It is concluded with this paper that
the action of the Workers' Party in the Forum of São Paulo took place in the sense of gathering
around its leadership the aspirations of building a counter-hegemonic movement, a task that was
facilitated by the characteristics of the Party itself, strictly speaking, its internationalist vocation
and its plural constitution.

Keywords: Hegemony. Gramsci. Workers’ Party. Forum of São Paulo.


LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Fundação do Partido dos Trabalhadores no Colégio Sion, São Paulo, SP.
1980................................................................................................................. 43
Figura 2 – Logomarca do Foro de São Paulo................................................................... 80
Figura 3 – Primeiro encontro do Foro de São Paulo, 1990............................................... 83
LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Entrevistas, por nome do entrevistado, local/forma e data de realização........ 21


LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Organizações políticas e partidárias do Foro de São Paulo, segundo países


membros.......................................................................................................... 105
LISTA DE SIGLAS

ABC paulista – Santo André, São Bernardo e São Caetano


AE – Articulação de Esquerda
AFL – American Federation of Labor
AIT – Associação Internacional dos Trabalhadores
ALBA - Aliança Bolivariana para os Povos da América Latina
ALCA – Aliança de Livre Comércio das Américas
ALN – Ação Libertadora Nacional
APE – Análise de Política Externa
BIRD - Bando Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento
BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul
CEBs – Comunidade Eclesiais de Base
CELAC - Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos
CMP – Central de Movimentos Populares
CNB – Construindo um Novo Brasil
CST – Corrente Socialista do Trabalhador
CUT – Central Única dos Trabalhadores
DGB - Deutscher Gewerkschaftsbund
DR – Democracia Radical
DS – Democracia Socialista
EZLN – Exército Zapatista de Libertação Nacional
EUA – Estados Unidos da América
FAO - Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação
FHC – Fernando Henrique Cardoso
FIESP – Federação das Indústrias do Estado de São Paulo
FMI – Fundo Monetário Internacional
FSLN – Frente Sandinista de Libertação Nacional
FSP – Foro de São Paulo
G20 – Grupo dos Vinte
IRSA - Iniciativa para Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana
LER-QI – Liga da Estratégia Revolucionária – Quarta Internacional
LGBT – Lésbicas, Gays, Bis e Transexuais
MDB – Movimento Democrático Brasileiro
MERCOSUL – Mercado Comum do Sul
MORENA – Movimento de Renovação Nacional
MRE – Ministério das Relações Exteriores
MRT – Movimento Revolucionário do Trabalhador
MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
NAFTA – Tratado de Livre Comércio da América do Norte
OMC – Organização Mundial do Comércio
ONU – Organização das Nações Unidas
OTAN - Organização Tratado do Atlântico Norte
PCB – Partido Comunista Brasileiro
PCC – Partido Comunista Cubano
PCCh – Partido Comunista Chinês
PCdoB – Partido Comunista do Brasil
PCI – Partido Comunista Italiano
PCUS – Partido Comunista da União Soviética
PDP – Projeto Democrático Popular
PDT – Partido Democrático Trabalhista
PED – Processo de Eleição Direta
PIB – Produto Interno Bruto
PIE – Partido de la Izquierda Europea
PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PS – Partido Socialista
PSB – Partido Socialista Brasileiro
PSDB – Partido da Socialdemocracia Brasileira
PSI – Partido Socialista Italiano
PSOL – Partido Socialismo e Liberdade
PSTU – Partido Socialista do Trabalhador Unificado
PSUV – Partido Socialista Unificado da Venezuela
PT - Partido dos Trabalhadores
PTB – Partido Trabalhista Brasileiro
RS – Resistência Socialista
EU – União Europeia
UNASUL – União das Nações Sul-Americanas
URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 17
2 A ABORDAGEM TEÓRICA DA HEGEMONIA ................................................................ 23
2.1 A TEORIA GRAMSCIANA DA HEGEMONIA ................................................................... 27
2.2 O PARTIDO DOS TRABALHADORES E A QUESTÃO DA HEGEMONIA .................... 35
3 HISTÓRICO DO PARTIDO DOS TRABALHADORES .................................................... 42
3.1 A CONSTRUÇÃO DE HEGEMONIA NO BRASIL – A DISPUTA PELA HEGEMONIA
NAS ESQUERDAS NO BRASIL................................................................................................. 52
3.2 A POLÍTICA EXTERNA COMO UM ENSAIO DE CONSTRUÇÃO HEGEMÔNICA ..... 57
3.3 OS LIMITES DO PROJETO HEGEMÔNICO PETISTA ..................................................... 65
3.4 A ATUAÇÃO INTERNACIONAL DO PARTIDO DOS TRABALHADORES .................. 72
4 A ATUAÇÃO DO FORO DE SÃO PAULO: UMA CONTEXTUALIZAÇÃO
HISTÓRICA ................................................................................................................................ 79
4.1 AS INFLUÊNCIAS DO FORO DE SÃO PAULO NA POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA
..................................................................................................................................................... 107
4.2 O PROTAGONISMO DO PT NO FORO DE SÃO PAULO ............................................... 112
5 CONCLUSÃO......................................................................................................................... 117
REFERÊNCIAS ........................................................................................................................ 123
ANEXO A – Entrevista com Valter Pomar ............................................................................ 128
ANEXO B – Entrevista com Kjeld Jakobsen .......................................................................... 132
ANEXO C – Entrevista com José Dirceu ................................................................................ 139
ANEXO D – Entrevista com Celso Amorim ........................................................................... 147
17

1 INTRODUÇÃO

O Partido dos Trabalhadores é, certamente, um dos partidos mais importantes da história


política Brasileira. Fundado em 1980, no Colégio Sion, em São Paulo, o PT foi, originalmente, o
resultado da atuação de três frentes políticas que emergem na cena política brasileira na luta pela
redemocratização: lideranças sindicais (direções e oposições), sobretudo vinculadas ao ABC
Paulista, grupos políticos de esquerda, vinculados a correntes trotskistas principalmente, e
militantes da esquerda católica.
A trajetória político-ideológica do PT, ao longo de seus quase 40 anos de existência, tem
sido tema de estudo de vários autores, entre os quais Lincoln Secco (2011), em História do PT,
Rachael Meneguello (1989), em PT – A Formação de um Partido, e André Singer (2009), em
Raízes Sociais e Ideológicas do Lulismo. Estes estudos analisam a origem do partido, suas
mudanças programáticas, ideológicas, suas bases sociais, projetos de governos e programas.
Mais recentemente, pesquisas analisaram a atuação do PT no governo Federal, inclusive a
política externa nos governos Lula e Dilma, que se tornou privilegiado objeto de estudo, como
podemos ver na coletânea da Fundação Perseu Abramo, organizada por Bruno Gaspar e Rose
Spina (2018), A Opção Sul-americana. É possível também absorver conteúdo do material
organizado por Valter Pomar (2017), com título Brasil, Uma Política Externa Altiva e Ativa, que
reúne Celso Amorim, Marco Aurélio Garcia, Lula, Dilma e outros nomes relevantes para falar
sobre a política externa brasileira nas gestões petistas.
Menos conhecida tem sido a atuação internacional do PT, assim como sua atuação no
Foro de São Paulo (FSP), organização política interpartidária cujos objetivos foram, desde a sua
fundação, em 1990, articular agrupamentos de esquerda na América Latina. Ao lado dos
governos de Cuba e Nicarágua, o Partido atuou intensamente para criar esta entidade que reúne
partidos políticos progressistas da América Latina. Justamente por ser pouco conhecido,
escolhemos a atuação do PT no Foro de São Paulo como tema desta monografia.
A atuação do PT no Foro de São Paulo constitui tema igualmente relevante na medida em
que ambos passaram a ser criticados por setores conservadores da sociedade brasileira, chegando
a se constituir como uma das bandeiras das manifestações de rua favoráveis ao impeachment de
Dilma Rousseff e nas campanhas eleitorais de 2014 e 2018.
18

Qual a atuação do PT na criação, organização e manutenção do Foro de São Paulo?


Segundo nossa hipótese, o Foro de São Paulo seria em uma espécie de “laboratório” para a
constituição do partido como força hegemônica político-ideológica na América Latina. Mais
precisamente, o Partido dos Trabalhadores, através do estabelecimento de relações bilaterais com
outros partidos da região e da coordenação do processo de constituição do Foro de São Paulo,
buscou colocar em prática um projeto hegemônico regional, apresentando-se como partido capaz
de assumir o papel de eixo central da esquerda sul-americana, de liderança e de mantenedor da
estabilidade deste campo político.
A construção do PT se dá em meio ao processo histórico de ruptura com as estruturas
antidemocráticas existentes no Brasil pós-golpe de 1964 e desponta como um novo modelo de
organização da classe trabalhadora brasileira, trazendo à superfície um sujeito de representação
diferente, capaz de se sobrepor à sistemática sub-representação com a qual se depararam setores
da classe trabalhadora no país, não apenas no período em questão, mas ao longo de toda a história
da luta, contra sistêmica ou ainda estrutural, por direitos (MENEGUELLO, 1989).
A habilidade em mobilizar uma nascente consciência política, aglutinando-a em torno de
uma estrutura capaz de articular a potência dos movimentos que passavam a se organizar de
forma mais pujante, e também dar unidade às diferentes teses correntes na larga experiência da
esquerda brasileira, garantiu à nova estrutura do PT o caráter de centro dinâmico das relações do
movimento progressista no país. Tendo como seu principal lócus condutor o novo sindicalismo,
com sua intrínseca relação na fundação da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e também nas
células militantes da igreja católica, as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), bem como
grupos políticos progressistas e de esquerda, não se absteve, porém de centralizar as
movimentações populares, através do trabalho junto aos movimentos rurais e urbanos, com a
constituição do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) e a Central de
Movimentos Populares (CMP).
A transformação do movimento partidário brasileiro, ocorrida com a derrota não estrutural
do sistema ditatorial, se viu conduzida pela novidade trazida pelo petismo na forma do fazer
político incutida na tradição política do país. Neste contexto se deu a rearticulação da esquerda,
agora hegemonizada pelo PT. As energias do Partido voltaram-se para duas frentes possíveis e
complementares: a organização do movimento popular e a disputa eleitoral, que acabou se
19

tornando, com a elaboração das formulações táticas e a adaptação prática da estratégia partidária,
o seu centro dinâmico.
A hegemonia petista no Brasil, apesar de ter aglutinado várias tradições da esquerda
nacional, não exclui a existência de outros grupos dentro do mesmo campo. No entanto, logrou
que a dinâmica de suas relações fosse ditada pela própria condução política germinada no interior
do partido.1
A liderança do PT se fez presente na articulação do Foro, tendo o Partido sediado seu
primeiro Encontro, reunindo 48 partidos de 14 países da região, com o objetivo de discutir a crise
do socialismo e a ascensão do neoliberalismo. Com diversificada composição, passando por
organizações guerrilheiras, comunistas, socialistas, humanistas, socialdemocratas e progressistas,
o Foro foi capaz de abranger todo o espectro da esquerda latino-americana. Seu caráter
permanente, no entanto, só foi instituído a partir do segundo encontro, em 1991, na Cidade do
México.
A conjuntura em que o Foro foi criado é importante para entender seus objetivos. A crise
do chamado socialismo realmente existente, a queda do bloco soviético e a emergência de teses
meramente ideológicas como a do “fim da história” motivaram setores progressistas e críticos da
ideologia neoliberal. O Foro de São Paulo surge exatamente como um contraponto ao
neoliberalismo e à tese do fim da história. Coloca-se como polo aglutinador de uma alternativa
latino americana para a construção do socialismo. Dessa forma, fortalece uma vertente
independentista em relação à região, que busca no bojo das próprias teses e formulações a saída
para sua crise sistêmica (agudizada no período de surgimento do Foro). Essa movimentação
histórica se faz presente na tradição política de inúmeras organizações do continente, que, apesar
do reconhecimento às contribuições dos centros mundiais, preza pela construção autóctone do
conhecimento. As diferentes realidades experimentadas nas regiões diversas do globo motivam
tal forma de ação.

1
Para exemplificar tal dinâmica é possível citar dois recentes movimentos históricos da esquerda brasileira. O
primeiro se fez durante a resposta dada diante o golpe de 2016, quando um amplo setor do campo progressista se
uniu contra o impeachment da presidenta Dilma, excluídos alguns setores minoritários divergentes, como o Partido
Socialista do Trabalhador Unificado (PSTU) e sua linha de transmissão sindical, a CSP-CONLUTAS, setores
modernistas minoritários do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), como a Corrente Socialista dos
Trabalhadores (CST) e alguns trotskistas como a antiga Liga da Estratégia Revolucionária – Quarta Internacional
(LER-QI), atual Movimento Revolucionário do Trabalhador (MRT). Mais tarde, nas eleições de 2018, frente à
ameaça fascista representada pela candidatura de Jair Bolsonaro, todos esses setores se aglutinaram em torno da
candidatura de Fernando Haddad (PT) no segundo turno, dando escopo à tese de que a dinâmica desse campo
político se constrói em torno do PT.
20

As formulações do Foro de São Paulo tiveram também impacto na política externa


brasileira durante os governos Lula e Dilma, uma vez que se constituiu como referencial para a
elaboração política do PT. A política externa brasileira, nos governos petistas, partiu de um
princípio de autonomia frente às movimentações externas e buscou se desvencilhar da
dependência do eixo Estados Unidos Europa. Segundo Vigevani e Cepaluni (2007), o resultado
foi uma política voltada para o Mercosul e a Unasul, aumentando as capacidades externas do país
diante do compartilhamento de interesses. A política desenvolvida pelo Estado brasileiro refletiu,
no período em questão, as posições acumuladas no bojo da formulação petista em confluência
com a perspectiva já assinalada por Celso Amorim e com isso reservaram destaque para as
relações com os países em desenvolvimento, em especial Índia, China, Rússia, África do Sul e os
países da América do Sul. A política exterior nas administrações Lula e Dilma podem guardar
variadas semelhanças com a tradição anterior brasileira, em especial com o governo de Fernando
Henrique Cardoso. No entanto, tem ênfases diferenciadas em aspectos cruciais e distintas
crenças, ações e preferências, que fazem com que se categorize como política de novo tipo. Por
fim, se faz importante salientar a busca pela autonomia por três vieses: pela distância,
contrapondo-se a certos aspectos das agendas das potências, para preservação da soberania; pela
participação, tomando parte nos regimes internacionais, sem perder a capacidade de gestão da
política externa, com vistas a influenciar o sistema internacional; e pela diversificação,
priorizando as relações Sul-Sul e com parceiros não tradicionais, como forma de equilibrar a
assimetria externa em relação aos países mais poderosos, aumentando a capacidade de
negociação. Pode-se identificar nessas posições semelhanças com as formulações no interior do
Foro de São Paulo.
Por que pesquisar a relação entre PT e o Foro de São Paulo? Meu interesse pela temática
desta monografia remonta ao início de minha militância, quando tomei conhecimento da
existência de uma entidade que agregava as forças políticas progressistas da América Latina.
Minha atuação junto ao Partido dos Trabalhadores me instigou a querer compreender melhor a
estrutura partidária, assim como minha formação acadêmica no curso de Relações Internacionais
da UFU me fez desenvolver um apreço pelo internacionalismo socialista. Assim, a forma
encontrada para conciliar militância político-partidária e formação acadêmica foi desenvolver
esse trabalho, que busca compreender aspectos do internacionalismo do Partido dos
Trabalhadores e da esquerda latino-americana.
21

A pesquisa teve um caráter exploratório, uma vez que utilizou fontes primárias e
secundárias, bem como entrevistas com lideranças políticas, com o intuito de se testar a hipótese.
Buscou-se levantar um conjunto de dados e informações sobre a temática, tendo como
fontes primárias os documentos emanados do Foro de São Paulo e a bibliografia acerca do tema.
Foram levantados, lidos e analisados todos os Anais dos Encontros realizados pelo Foro de São
Paulo.
Realizamos, também, entrevistas com membros do PT que tiveram atuação sistemática no
Foro de São Paulo, nas relações internacionais do Partido e na condução da política externa
durante os governos petistas. Foram entrevistados: o ex-secretário executivo do Foro de São
Paulo, ex-dirigente do Diretório Nacional do PT e membro da tendência Articulação de Esquerda
(AE), Valter Pomar; Kjeld Jakobsen, assessor de relações internacionais do PT; José Dirceu, ex-
presidente do Partido e ex-ministro Chefe da Casa Civil; e Celso Amorim, embaixador e ex-
ministro das Relações Exteriores. Observe-se abaixo o quadro de entrevistas:

Quadro 1 – Entrevistas, por nome do entrevistado, local/forma e data de realização.


Nome dos
Local/Meio Data Disponível em
Entrevistados
Valter Pomar E-mail 28 de Fevereiro de 2019 Anexo A
Kjeld Jakobsen São Paulo, SP 26 de Março de 2019 Anexo B
José Dirceu Uberlândia MG 09 de Maio de 2019 Anexo C
Celso Amorim Rio de Janeiro, RJ 07 de Junho de 2019 Anexo D
Fonte: Elaborado pelo autor (2019).

A abordagem adotada foi a hipotético-dedutiva, pois a partir do problema se construiu um


modelo teórico e conceitual do qual se partiu para analisar a atuação do Partido dos
Trabalhadores no Foro de São Paulo, testando as hipóteses centrais e secundárias levantadas.
Ainda no que diz respeito ao método de abordagem, optamos pela pesquisa qualitativa, pois se
fez um recorte sobre o estudo das relações estabelecidas no âmbito do Foro de São Paulo.
O método específico foi o histórico, uma vez que buscamos através da análise de Anais do
Foro de São Paulo, material que embasasse a hipótese da atuação hegemônica do Partido.
A monografia está organizada em três capítulos.
O primeiro capítulo discute o conceito de hegemonia. Partimos do conceito de hegemonia
cunhado por Gramsci (1985), hegemonia entendida como direção intelectual e moral no seio da
22

sociedade civil. Com suas raízes na tradição marxista, da social democracia russa e em Lênin, a
noção de hegemonia foi elaborada por Gramsci, que propôs uma ressignificação da relação entre
estrutura e superestrutura, buscando desmistificar o caráter dominante da estrutura e ressaltar o
necessário papel protagonista da superestrutura no que concerne à análise política da sociedade.
Diante dessa proposição, e compreendendo a composição da superestrutura, afirma um papel de
destaque para a sociedade civil e para a ideologia, como fator intrínseco e permanentemente
cambiante das relações sociais. Esse conceito se ergue sobre uma base classista, entendendo a
classe trabalhadora como fundamental, e indica a necessidade desta classe em ampliar sua base
de aliança social, tendo sempre um instrumento na análise da correlação de forças.
Diferentemente de Lênin, que atribuía à hegemonia um caráter especialmente político, Gramsci
divulgava a centralidade da direção cultural e ideológica das massas. Complementando essa
perspectiva teórica, analisamos também o conceito de hegemonia em Lênin (2015) e seus
desdobramentos em Laclau e Mouffe (2015) e autores gramscianos, como Schlesener (2007).
O segundo capítulo se debruça sobre o modo como, historicamente, se deu a construção
hegemônica do PT, iniciando o debate de sua atuação internacional como faceta dessa
construção.
O terceiro capítulo se propõe a uma atenta análise do Foro de São Paulo, a partir dos
documentos e entrevistas, com a intencionalidade de apontar o protagonismo do PT em sua
trajetória, assim como identificar as influências mútuas entre esta organização e o Partido.
Nas conclusões se buscou contribuir para a unidade das ideias aqui contidas, testando a
validade de nossa hipótese.
23

2 A ABORDAGEM TEÓRICA DA HEGEMONIA

Ao realizar-se uma rápida busca pelo significado de hegemonia no dicionário Michaelis,


nos deparamos com uma conceituação simples. Oriunda do grego hegemon (liderança),
hegemonia significa a preponderância de uma cidade, estado, país, povo etc. entre os demais, ou
a superioridade incontestável, primazia, supremacia. Não surpreende, porém, que todas as
pesquisas relacionadas ao verbete trouxessem a interpretação de Antônio Gramsci (1891 – 1937)
sobre o conceito, afinal, o teórico marxista dedicou uma vida de trabalhos à temática.
O conceito de hegemonia é retomado pelas tradições marxistas, entre as quais por Lênin,
que se sagrou como expressivo intelectual que se dedicou à análise da conquista da hegemonia do
proletariado sobre os demais setores e classes sociais elaborando uma estratégia político-
revolucionária. Tal estratégia consistia na incorporação das mais amplas massas populares no
processo revolucionário, tendo em vista a tarefa de destruir o Estado da minoria de exploradores
e opressores, como preceito para a emancipação do proletariado e a construção do socialismo. A
concepção leninista sobre a hegemonia do proletariado se embasa no materialismo histórico e na
dialética materialista concebidas por Marx e Engels (KOLN; MUNCHEN, 2000).
Segundo Augusto Buonicore (2003), Gramsci também atribuiu a paternidade do conceito
de hegemonia a Vladmir Ilich Lênin, ao afirmar que “o princípio teórico-político da hegemonia
(...) é a maior contribuição teórica de Ilich à filosofia da práxis” e ainda que “é possível afirmar,
disse ele, que a característica principal da filosofia da práxis mais moderna consiste no conceito
histórico-político de hegemonia”. Ambas as afirmações são extraídas de seus Cadernos do
Cárcere e são prova, segundo Buonicore, que Gramsci não pretendeu criar algo essencialmente
novo, mas desenvolver algo já existente.
Apesar das contribuições de Lênin para a elaboração do conceito de hegemonia, o termo
aparece poucas vezes em seus escritos, mais especificamente no período anterior à revolução de
1905. Nessas aparições, hegemonia toma o sentido de direção política, só podendo ser atingida a
partir do abandono da visão exclusivista corporativa pela classe do proletariado, ou seja, quando
a pauta economicista dos sindicatos já não fosse a única do movimento proletário, fazendo com
que esses fossem capazes de tomar a dianteira na luta não só contra os patrões, mas contra todas
as opressões. Essa afirmação embasa a ideia de que, para a construção de hegemonia, o
24

proletariado deveria assumir a vanguarda do processo político, atraindo para si as demais classes
subalternas (BUONICORE, 2003).
Lênin faz ainda a ressalva de que não bastaria se postular como vanguarda ou exercer um
ato de “autoafirmação revolucionária”, mas sim comportar-se como tal, através de participação
direta na ação política das massas populares de forma contundente o suficiente para que as outras
forças reconhecessem que os socialistas marchavam em frente. Para o líder revolucionário, a
questão do poder político sempre esteve à frente da ordem do dia e a conquista da hegemonia era
um problema a ser elaborado teórica e politicamente, para se ganhar o conjunto das classes
subalternas para sua direção política (BUONICORE, 2003).
Nesse sentido, a construção de hegemonia requeria um certo grau de concessão às demais
classes subalternas, como por exemplo a incorporação da pauta da propriedade de terra, para
ganhar os camponeses para sua direção, apesar de ser uma pauta burguesa. Concessões deveriam
ser feitas inclusive à certas frações das classes exploradoras. É possível afirmar então que a
hegemonia seria resultado da conquista da direção política.
A partir de análise da obra Que Fazer: problemas candentes de nosso movimento, de
Vladmir Lênin (2015), pode-se observar o papel central que assume a questão da consciência
política na construção da hegemonia política e aqui evidencia-se a polêmica com os economistas.
Estes acreditavam que a partir do interior da luta econômica poderia ser atingida a consciência de
classe necessária para a revolução, enquanto Lênin afirmava só ser possível levar a consciência
política ao operariado a partir do exterior, ou seja, de fora da luta econômica e da esfera das
relações entre operários e patrões. Segundo Lênin:

A única esfera de onde se poderá extrair esses conhecimentos é das relações de todas as
classes e camadas com o Estado e o governo, na esfera das relações de todas as classes
entre si. Por isso, à questão: “que fazer para levar aos operários conhecimentos
políticos?” – não se pode simplesmente dar a resposta com a qual se contentam, na
maioria dos casos, os militantes práticos, sem falar daqueles que tendem para o
“economismo”, ou seja: aqueles que respondem que se “deve ir até aos operários”. Para
levar aos operários os conhecimentos políticos, os social-democratas devem ir a todas as
classes da população, devem enviar para toda a parte os destacamentos do seu exército
(LÊNIN, 2015 p. 135).

A partir dessa passagem é possível fazer uma relação direta entre o conceito de
hegemonia formulado por Lênin e a questão da tomada de consciência política do proletariado,
uma vez que se identifica o mesmo critério da necessidade de ampliação da atuação para
25

consolidar a influência sobre as demais classes. O autor demonstra, com sua argumentação, que,
sem a ação direta em todas as lutas de massas, a vanguarda do proletariado não será reconhecida
e resume com isso que a política pautada apenas na economia, ou a política trade-unionista, seria
a política burguesa para o operariado, uma vez que as organizações burguesas também buscavam
incorporar, sob sua vanguarda, as lutas operárias.
É possível compreender que o conceito de hegemonia de Lênin se apresenta muitas vezes
entrelaçado à sua formulação sobre a vanguarda, pois teoriza sobre a movimentação necessária
para o Partido cumprir o dever (e não apenas a possibilidade) de dirigir as diferentes camadas
sociais no sentido de derrubada da autocracia, a partir da organização de uma ampla luta política
sob a direção do Partido, tão abrangente que possa contar com a colaboração de todos os
segmentos da oposição e formando dirigentes capazes de “ditar um programa positivo de ação”
através de seu exercício de direção. Tais afirmações aprofundam a polêmica com os
economistas2, que afirmavam apenas ser possível ao movimento operário o papel negativo de
denunciadores do regime (LÊNIN, 2015).
Para contornar essa situação, Lênin propõe que a tarefa dos socialistas seria elevar a
política trade-unionista da classe operária ao plano da política socialdemocrata3. O autor
acrescenta afirmando que, para a consecução de tal tarefa, seria necessário levar a propaganda e a
agitação para todas as classes da população, o que seria atingido por meio da presença de
socialdemocratas em todas as camadas sociais e “em todas as posições que permitam conhecer as
engrenagens internas do nosso mecanismo estatal” (p. 144). Com isso, a hegemonia (ou
vanguarda) seria atingida justamente por serem os socialdemocratas os organizadores das
denúncias feitas a todo o povo e nisso residiria o caráter de classe do movimento.
É possível observar então, que a hegemonia em Lênin está imersa na teorização acerca
das tarefas revolucionárias impostas ao movimento operário (socialdemocrata) no sentido de
colocar sob sua liderança todas as demais classes sociais oprimidas pelo regime autoritário, o que
se daria através da participação direta em todas as manifestações políticas populares e de um
concreto projeto de agitação e propaganda, que deveria se afastar da denúncia puramente
econômica, conferindo caráter político aos seus meios de agitação, realizando através deles a

2
Aqui representados por Alexander Martinov, dirigente do economismo e ideólogo do menchevismo.
3
Nessa passagem o autor referencia-se principalmente na função do jornal revolucionário Iskra. Com tarefa oposta
seria identificado o Rabotcheie Dielo, jornal que, segundo Lênin, assumira a função de rebaixar a política social-
democrata ao plano da política trade-unionista.
26

propaganda, que seria mais elaborada, enquanto a agitação se resguardaria a temas únicos. O
objetivo seria empreender o trabalho de educação política e desenvolvimento de consciência
política da classe operária, assim como conquistar adeptos em outras classes, por meio da
agitação acerca de cada manifestação de opressão, garantindo o processo de construção de
hegemonia do operariado.
A conceituação de hegemonia em Lênin abre espaço para diversas interpretações,
ponderações e desenvolvimentos acerca da matéria, elaborada por diversos autores e autoras.
Entre eles se destaca Antônio Gramsci, que, devido às suas contribuições e absorção direta pelo
Partido dos Trabalhadores, abordaremos em seção própria. A fim de complementar as visões
acerca da temática, tomemos as ideias de Laclau e Mouffe (2015).
Os autores partem de uma perspectiva epistemológica “transdisciplinar”, incorporando
elementos da psicanálise lacaniana4, da teoria da hegemonia gramsciana, da filosofia analítica5,
da linguística, do descontrutivismo derridiano6, do pós-estruturalismo7 e do pós-
fundacionalismo8. Os autores se prestaram a descontruir categorias centrais do marxismo, pois
segundo eles, estas estavam permeadas por uma sintetização essencialista, o que impedia sua
adaptação às transformações políticas, econômicas e sociais da tessitura social contemporânea.
Essa intencionalidade se expressaria na categorização de hegemonia para os autores (COSTA;
COELHO 2016).
Laclau e Mouffe, assim como Gramsci, atribuem a origem do conceito hegemonia a Lênin
e ao Partido Socialdemocrata. No entanto os autores atentam para o fato de que, na tradição
marxista, a hegemonia seria abordada como uma falha, uma fratura, uma contingência que
deveria ser superada e com isso tratam de lhe atribuir um significado novo, concebendo-a como o
momento em que uma força social particular assume a representação de uma totalidade que lhe é
radicalmente incomensurável. Nas palavras de Costa e Coelho (2016) o hegemônico é o
universal, sem que essa universalidade fosse vista através de uma lente essencialista, negando que

4
Jacques-Marie Émile Lacan (1901-1981) foi um psicanalista francês. Opondo-se aos pós-freudianos, foi um
importante interprete de Freud, do estruturalismo e iniciou uma corrente psicanalítica, o lacanismo.
5
Corrente do pensamento contemporâneo reivindicada por filósofos diversos como Gottlob Frege e Bertrand
Russell.
6
Jacques Derrida (1930-2004) foi um filósofo franco-magrebino que cunhou o termo desconstrução, como uma
forma de análise filosófica.
7
Conjunto de investigações filosóficas que negam ou transformam o estruturalismo. Sob a forte influência de
Nietzche (1844-1900) propõe-se um pensamento crítico aos fundamentos tradicionais da filosofia.
8
Corrente filosófica que refuta a epistemologia que se baseia em crenças básicas, em fundamentos para a construção
do conhecimento.
27

cabe a priori a um determinado grupo social absorver as tarefas universais da revolução.


Entendem o processo de hegemonia como um momento contingente e precário em que um
particular assume a representação de uma totalidade e que, nesse momento, específico se
estabelece uma articulação discursiva, que é precária devido a um sem número de diferenças não
articuladas, ou seja, os autores enxergam a sociedade como uma articulação de demandas que
existem para conter o jogo das diferenças.
As diversas demandas que surgem no seio da sociedade disputam espaço para se
concretizarem. Em um momento, uma dessas demandas se sobressai em relação às outras, mas só
o faz através de uma articulação discursiva, que representa para os autores o ponto nodal, em que
um discurso é capaz de carregar uma narrativa, sempre limitado ou instigado por um discurso
antagônico. Esse antagonismo destaca os limites da identidade de alter e a identidade de ego.
Vemos então duas condições essenciais para conformação de hegemonia em Laclau e Mouffe,
sendo elas:

[...] a existência de uma prática articulatória, a partir da qual uma identidade particular
passa a representar um conjunto de outras identidades; segundo, a existência de uma
relação antagônica entre a cadeia articulatória formada e um discurso lhe é contrário
(COSTA E COELHO, 2016 p.3).

Podemos concluir então que a política para os autores é vista como o desenrolar do
conflito, rompendo com as análises essencialistas e fundacionalistas. Sua concepção de
hegemonia, portanto, aproxima-se da análise marxista, em especial da de Gramsci, mas incorpora
em sua formulação elementos de análise não presentes nos trabalhos do marxismo clássico, o
que, por sua vez, torna pertinente a passagem pelos teóricos para melhor apresentar um panorama
da construção do conceito de hegemonia. Passemos então para a abordagem gramsciana da
hegemonia.

2.1 A TEORIA GRAMSCIANA DA HEGEMONIA

Antônio Gramsci buscou renovar conceitos tradicionais do marxismo, na tentativa de


responder aos desafios colocados aos partidos comunistas e socialistas diante da ascensão do
fascismo. Inicialmente o autor foi adepto do nacionalismo sardo (foi nascido na Sardenha),
ingressando nas fileiras do Partido Socialista Italiano por volta de 1913. Em sua trajetória política
28

anterior à fundação do Partido Comunista Italiano (1921), participou ativamente dos conselhos de
fábrica, experiência operária que, segundo o autor, eram uma iniciativa de controle da produção
pelos trabalhadores e que devido a isso poderia desembocar na constrição de uma “democracia
proletária” anterior à tomada do poder pelos operários e com isso já deixando pistas sobre sua
formulação acerca da constituição de hegemonia por parte dos socialistas. Também essencial para
seu conceito de hegemonia esteve a sua preocupação com as questões da cultura e o papel dos
intelectuais na sociedade.
Nos trechos iniciais de sua obra “Os intelectuais e a organização da cultura” Gramsci
aborda a relação entre a conquista da hegemonia e o exercício dos intelectuais, que pode ser
representado pelo seguinte trecho:

Uma das mais marcantes características de todo grupo social que se desenvolve no
sentido do domínio é sua luta pela assimilação e pela conquista “ideológica” dos
intelectuais tradicionais, assimilação e conquista que são tão mais rápidas e eficazes
quanto mais o grupo em questão elaborar simultaneamente seus próprios intelectuais
orgânicos (GRAMSCI, 1985 p. 12).

Na passagem acima ilustrada, é possível observar algumas características do conceito de


hegemonia em Gramsci, como a importância da atividade ideológica no sentido de disputar o
domínio sobre as outras classes sociais. Ao falar sobre intelectuais orgânicos, o autor se refere
àqueles e àquelas que se destacam no seio de cada classe social e que passam a realizar o trabalho
de conquista da intelectualidade como um todo para seus argumentos. Essas ideias são
importantes para o entendimento do processo de construção daquilo que Gramsci chamaria de
bloco histórico.
Um bloco histórico se constituiria na relação recíproca e orgânica entre o que é
considerado estrutural e o superestrutural, entre as forças materiais e as ideologias, entre o
econômico-social e o ético-político em cada momento histórico. Através dessa fórmula seria
possível elaborar análises acerca das forças atuantes em um determinado período da história e
definir a relação entre elas. Ou seja, para Gramsci estas relações estabelecidas entre o âmbito do
econômico-social (estrutura) e do ético-político (superestrutura) assumem diferentes
configurações em cada formação social, em cada momento histórico (SCHLESENER, 2007).
Conformado o bloco histórico, é em seu interior que se demonstram as relações de hegemonia, as
formas de dominação e direção que uma classe social utiliza sobre todas as outras, em um
29

determinado momento histórico. Por entre essas interações se faz nítido o papel dos intelectuais
para a organização da hegemonia. Segundo Gramsci, “formam-se historicamente categorias
especializadas para o exercício da função intelectual; formam-se em conexão com todos os
grupos sociais, mas especialmente em conexão com os grupos sociais mais importantes e sofrem
elaborações mais amplas e complexas em ligação com o grupo social dominante” (GRAMSCI,
1985 p.12). Esse processo, no entanto, não se dá em um terreno democrático abstrato, mas se
situa na égide de um desenvolvimento histórico concreto. Nesse sentido, Gramsci compreende os
intelectuais enquanto funcionários das superestruturas.
O autor define dois grandes planos superestruturais: aquele atribuído à “sociedade civil”,
ou seja, aos organismos privados, e aquele atribuído à sociedade política ou Estado, ao qual cabe
a função de “hegemonia”, exercida pelo grupo dominante sobre toda a sociedade. Através dessa
relação pode-se compreender, a partir da leitura que Gramsci vislumbra que o exercício da
dominação se dá em dois diferentes aspectos: 1) o consenso “espontâneo” das massas populares
em função da autoridade moral do grupo dominante, obtida através de sua posição no mundo da
produção; 2) a capacidade coercitiva estatal, que assegura “legalmente” a disciplina dos grupos
dissidentes, assim como das massas em momentos de crise.
A aplicação prática da hegemonia se daria então pela articulação entre esses dois planos
superestruturais, da sociedade política e da sociedade civil. À primeira caberia o “domínio
direto”, ou comando; à segunda a formação de consensos para a direção da sociedade,
legitimando assim o poder. Dessa forma poder-se-ia compreender que, apesar dos esforços de
articulação política realizados pela classe dominante, com o intuito de estabelecer uma direção
política consensuada, ainda assim restam grupos que devam ser dominados por meio da força
física, o que exige do Estado uma capacidade coercitiva importante. Ao se destacar tal relação,
podemos perceber que para Gramsci o conceito de hegemonia estaria intrinsecamente ligado à
concepção do Estado.
É necessário salientar que o exercício da hegemonia assume conotações diferentes a partir
do modo como os grupos sociais se relacionam e exercem sua função com base na organização e
desenvolvimento das forças materiais de produção, da organização do Estado e do papel mais ou
menos coercitivo e intervencionista da sociedade política e ainda do processo de conscientização
política das classes dominadas (SCHELESENER, 2007 p. 29-30). Portanto o desenvolvimento e
as relações entre as forças em luta determinam o fortalecimento das relações de domínio, o
30

equilíbrio entre coerção e consenso ou o fortalecimento da sociedade civil. Aqui é possível


estabelecer um paralelo entre a formulação gramsciana e a leninista, ao observar uma relação
intrínseca entre domínio e direção para o exercício do poder, em que a direção é compreendida
como a tentativa e capacidade de sustentar alianças políticas que permitam a manutenção da
classe no poder.
Temos então que a forma do Estado será definida através do jogo de posições entre a
sociedade civil e a sociedade política, como base para o desenvolvimento da hegemonia junto a
toda a sociedade. A fase “corporativo-econômica” do Estado, representada pela sua organização
de caráter liberal, apresenta um pequeno nível de solidariedade entre todos os membros do grupo
social, manifestando-se como “guarda noturno, policial, vigilante” e doravante, escondendo seu
intrínseco caráter de classe, apresentando-se como uma entidade acima da sociedade, postulando-
se como representativa de uma universalidade. Assim se caracterizam as leis como neutras,
ocultando seu intuito de conservação da hegemonia.
Caracterizada a relação estabelecida por Gramsci entre hegemonia e Estado, podemos
passar a observar a dinâmica das relações entre os meios de comunicação e cultura, partidos
políticos e a constituição e manutenção da hegemonia. Nela se percebe a função exercida pela
comunicação e os partidos políticos no sentido da formação da opinião pública, o que os leva a
organizar e centralizar elementos específicos da sociedade civil em torno de determinadas
propostas e ações. Mediante essa constatação se organiza, em torno dos meios de comunicação,
uma luta pelo seu monopólio, de forma que garanta a condução unilateral das perspectivas da
sociedade civil, modelando a vontade política nacional. A sociedade política atua através do
judiciário, da propaganda e do sistema escolar, porém com as conquistas políticas a função de
hegemonia política passa a ser compartilhada entre a sociedade política e a sociedade civil. A
primeira, no entanto, possui uma atuação restrita, devido a uma relativa autonomia das
instituições da sociedade civil, sendo estas permeadas pelo conflito, perpassando relações
contraditórias e estruturas dinâmicas. Dessa forma a sociedade civil constrói espaço para a
elaboração de novas concepções de mundo e a luta por novas relações hegemônicas.
Ainda sobre a função dos partidos para a disputa hegemônica, Gramsci apresenta duas
diferentes concepções possíveis da tarefa partidária: 1) a organização e a elaboração dos
intelectuais orgânicos (entendidos aqui como pontes entre a formulação da classe e a disputa das
outras classes) no sentido de atuar no campo político e filosófico e não no campo da técnica
31

produtiva; 2) como um mecanismo de representação, na sociedade civil, da mesma função


exercida pelo Estado na sociedade política de forma mais vasta e sintética, proporcionando a
fusão entre os intelectuais orgânicos e os intelectuais tradicionais. Vemos então que:

[...] essa função é desempenhada pelo partido precisamente em dependência de sua


função fundamental, que é a de elaborar os próprios componentes, elementos de um
grupo social nascido e desenvolvido como “econômico”, até transformá-los em
intelectuais políticos qualificados, dirigentes, organizadores de todas as atividades e
funções inerentes ao desenvolvimento orgânico de uma sociedade integral, civil e
política... um intelectual que passa a fazer parte do partido político de um determinado
grupo social confunde-se com os intelectuais orgânicos do próprio grupo[...]
(GRAMSCI, 1985 p. 17).

Os partidos são então instrumentos de disputa da hegemonia política, dado que seus
integrantes não se filiam para desenvolver sua atividade produtiva. Ao contrário, seus membros
superam esse momento de seu desenvolvimento histórico e passam a ser agentes de atividades
gerais, absorvendo um caráter nacional e internacional. Seus membros são, portanto, intelectuais.
Cabe então ressaltar a influência de Hegel, denotada por Gramsci, para a conceituação de
“intelectual”, em que se inicia um movimento de abandono do pensamento embasado em castas
ou “estados”, mas assimilando sua concepção em torno do “Estado”, entidade cuja aristocracia é
formada especificamente pelos intelectuais.
A relação orgânica entre intelectuais e partido nos leva a compreender que a noção de
“intelectual” em Gramsci não se aproxima necessariamente da noção corrente, mas adquire
conteúdo próprio, combinando-se conceitualmente a um instrumento de disputa hegemônica, uma
vez que se articulam nessa conceituação elementos de reciprocidade entre classe social e
intelectualidade orgânica, interpondo-se à dinâmica da luta de classes, que é essencialmente por
hegemonia.
Assim se estabelece uma luta constante por novas formas de hegemonia, que encontram
válvula de vasão em momentos de crise orgânica, de autoridade, ou seja, perda do consenso e da
direção da sociedade. O aproveitamento de tais momentos se faz necessário, tendo em vista que
“a história das classes dominadas é ‘desagregada e episódica’, sua atividade organizativa e
cultural é continuamente rompida pela inciativa dos grupos dominantes” (SCHELESENER, 2007
p. 32). Esse momento de crise é representado por uma desagregação entre estrutura e
superestrutura, uma desarticulação da classe dominante junto à sociedade civil e uma colisão
entre os aspectos econômicos, políticos e morais. Aqui podemos antecipar uma questão relativa à
32

relação com o período histórico de ascensão do Partido dos Trabalhadores e outros partidos
progressistas e de esquerda na América Latina e Caribe aos respectivos governos nacionais, uma
vez esse período se deu em conjuntura de desgaste do projeto neoliberal implementado na região
pelas classes dominantes.
Em Gramsci notamos que a relação entre os novos métodos de trabalho e hegemonia se
aplica através de seu entendimento de que, para se organizar o trabalho em nova acepção, seria
necessário um novo modo de viver, de pensar e de sentir, uma vez que estes estariam
indissoluvelmente ligados e dessa forma a implantação de um novo sistema de produção precisa
necessariamente de uma nova forma de enxergar o mundo e consequentemente, novas relações de
hegemonia. Nessa disputa e no intuito de se transformar as estruturas econômicas e sociais, as
classes dominadas deveriam então assumir a estratégia da “guerra de posições”, desde que
situadas num Estado democrático moderno.
Nesse ínterim, Gramsci reflete sobre a ideia e a importância da filosofia para a
manutenção da hegemonia, compreendendo-a enquanto a representação do acúmulo das filosofias
de todos os grupos sociais, que caminha numa determinada direção e dessa forma tornando-se
história. Essa complementaridade entre filosofia e história se aplica em sua relação com a
política. Portanto a reflexão histórica é uma atividade essencialmente política. Podemos com isso
compreender que:

A história não tem um único sentido, como não há uma única verdade, mas forças
sociais em luta, num processo onde o cultural, o político e o econômico se inter-
relacionam formando um todo orgânico, onde todas as instâncias são igualmente
determinantes e determinadas [...] (SCHLESENER, 2007 p. 44)

Com isso chegamos à filosófica da práxis, em que história e política estabelecem um


diálogo permanente, ou seja, se torna impossível a efetivação de qualquer tipo de direção política,
ou hegemonia, sem o primoroso conhecimento do passado e por isso os intelectuais responsáveis
pelo Estado burguês ou fascista se dedicam ao estudo da história, para aplicar de forma eficaz sua
dominação e, portanto, para efetivar uma transformação socialista democrática, também os
intelectuais orgânicos do proletariado deveriam fazê-lo.
O processo de conquista e exercício da hegemonia em Gramsci passa inexoravelmente
pela escola, em seu entendimento amplo, considerando que torna-se escola o resultado de cada
atividade prática. A partir disso, a leitura ressalta que cada escola especializada estimula uma
33

atividade intelectual, que por sua vez tende a criar círculos próprios de cultura. Esses círculos
assumem a função de instituições pós-escolares, responsáveis por manter a atualização técnica no
seu ramo científico. Podemos então vislumbrar os primórdios da estrutura de organização da
cultura.
Para o autor, a escola unitária9 deveria ser responsável, principalmente em suas etapas
finais, por apresentar os conceitos e valores do humanismo, a autodisciplina intelectual e a
autonomia moral, enquanto às academias caberia a responsabilidade pela organização da cultura,
garantindo a intersecção entre trabalho e intelectualidade:

Os elementos sociais empregados no trabalho profissional não devem cair na passividade


intelectual, mas devem ter à sua disposição (por iniciativa coletiva e não de indivíduos,
como função social orgânica reconhecida como de utilidade e necessidade públicas)
institutos especializados em todos os ramos de investigação e de trabalho científico, para
os quais poderão colaborar e nos quais encontrarão todos os subsídios necessários para
qualquer forma de atividade cultural que pretendam empreender. (GRAMSCI, 1985 p.
116)

Vemos então nesta importante passagem um aspecto essencial para o desenvolvimento


genuíno da hegemonia em Gramsci, uma vez que apresenta os direcionamentos gerais para a
organização da cultura.
Ao indicar as estruturas de organização da cultura, assim como todo um aparato
construído em torno da sociedade civil, na disputa pela hegemonia, Gramsci alude a movimentos
de guerra, mas especificamente entre as táticas de guerra de posição e guerra de manobra,
afirmando que, em crises econômicas, sociais e morais, as classes atacantes não podem se
organizar de forma rápida, ao mesmo passo em que os defensores não se encontram
desmoralizados. Porém apresenta o panorama de que, devido às estruturas previamente
concebidas, um ataque frontal não tem necessariamente a capacidade de assolar completamente
as defesas daquele setor, mas sim a sua superfície externa.
Perry Anderson (1981) desanuvia a análise de Gramsci, ao apresentar as oposições
ocidente/oriente como sendo elementos constituintes na tomada de decisão pela tática. No caso
do oriente, demonstra que as relações entre Estado e sociedade civil se davam de forma espaça,
uma vez que a própria sociedade civil possuía relações gelatinosas entre si, ou seja, não detinha o
corpo institucional ou a complexidade encontrada no ocidente, que possuía uma relação

9
Forma como descreve a instituição de tipo novo, que se proponha a atender a demanda real por educação.
34

apropriada entre uma sociedade civil robusta e um Estado equilibrado. O autor apresenta então
que, segundo a visão de Gramsci, o Estado seria nada mais que uma trincheira avançada na
guerra de posições, possuindo fortalezas cambiantes diante da realidade de cada país, o que
levaria à necessidade de uma análise cuidadosa e própria de cada realidade nacional.
A partir dessa compreensão, se faz possível afirmar que a sociedade civil constituía por si
um “núcleo central, ou em um reduto interno, do qual o Estado é meramente uma superfície
externa e prescindível” (PERRY ANDERSON, 1981 p. 17), estando então a arte e a ciência da
política a serviço de uma guerra de posições. Esta relação se faria verdadeira apenas nos países
ocidentais que haviam desenvolvido, através da democracia moderna (burguesa), as suas próprias
sociedades civis, enquanto nos países orientais e colônias prevaleceria a guerra de movimento,
devido ao caráter subdesenvolvido de suas sociedades civis. A centralidade dessa “guerra” se
encontraria na disputa por hegemonia.
Anderson atenta para os vários significados assumidos por hegemonia ao longo da teoria
gramsciana, apontando para os momentos em que Gramsci apresenta a relação Estado/sociedade
civil como equilibrada e até simbiótica10, em contraste com a formulação que entende o Estado
como uma face da sociedade civil. Vemos então uma oscilação: Estado em contraposição à
sociedade civil; Estado abarcando a sociedade civil; Estado é idêntico à sociedade civil. De forma
semelhante se interpõe interpretações diversas acerca da hegemonia, como na relação hegemonia
civil é igual a guerra de posições que é igual à frente única. Ou seja, existe uma diversidade de
contextos em que o conceito de hegemonia é utilizado.
Pode-se afirmar então que a raiz desse conceito para Gramsci reside em sua utilização na
Terceira Internacional. Essa relação pode ser exemplificada na referência à hegemonia como as
alianças realizadas entre a classe proletária e outros grupos explorados na luta comum contra a
opressão do capital, inclusive abordando a necessidade de se fazer concessões, com intuito de
estabelecer e manter hegemonia. A partir disso constata-se que apesar de seu caráter ético-
político, a hegemonia deve ser econômica, ou seja, para exercê-la seria necessário à classe
dirigente estar no núcleo decisivo da atividade econômica. Essa constatação não se faz à revelia
do processo de ascendência da cultura do proletariado, item que assume em Gramsci caráter
central, sendo capaz de, através da luta desenvolvida entre as ideologias, prevalecer sobre as

10
Existem passagens em Gramsci que apresentam o Estado como uma combinação entre sociedade política e
sociedade civil, desdobrando-se então em uma relação entre hegemonia e coerção.
35

outras, impondo-se e propagando-se pelo restante da sociedade. Isso permitiria a unificação dos
objetivos econômicos e políticos, garantindo a unidade intelectual e moral, criando assim a
hegemonia de um grupo fundamental sobre grupos subordinados.
Gramsci ainda absorve de Maquiavel a dualidade representada por este no centauro
(metade humano, metade animal) e o aplica à dinâmica da disputa política pela hegemonia,
contrastando hegemonia e dominação, força e consentimento, violência e civilização, imputando
todos esses elementos à supremacia de um grupo social. Ou seja, um grupo hegemônico deve
liquidar ou submeter à força seus inimigos e dirigir seus aliados. Faz então uma associação em
que à sociedade civil cabe o papel da hegemonia, ou direção, enquanto ao Estado cabe a coação,
ou dominação. Através de tal passagem é possível identificar uma relação direta entre a oposição
proposta pelos russos entre “ditadura” e “hegemonia” (ANDERSON, 1981).
Finalmente, vemos então, através dessa análise que hegemonia se torna para Gramsci uma
síntese entre consentimento e coerção, em que se sobrepõe a estrutura econômica e social e a
superestrutura cultural e intelectual e se interpelam a sociedade civil e a sociedade política. Como
articular essa conceituação para o contexto político brasileiro e latino-americano, através da
atuação do Partido dos Trabalhadores, é o desafio proposto na próxima sessão desse capítulo.

2.2 O PARTIDO DOS TRABALHADORES E A QUESTÃO DA HEGEMONIA

O Partido dos Trabalhadores é formado por uma complexa pluralidade de matizes


teóricas, mas apesar de não se definir enquanto um partido marxista e de professar o interesse em
superar as estruturas tanto da socialdemocracia quanto do “socialismo real”, é inegável a
influência marxista para o escopo teórico petista. É importante porém ressaltar que grande parte
da formação marxista do PT se dá no interior de suas correntes ou de seus núcleos municipais e
não necessariamente como uma formação unificada dada pelo Partido, seja pela Escola Nacional
de Formação, seja pela Fundação Perseu Abramo.
Internamente, convivem no PT tendências mais adeptas ao marxismo e tendências menos
adeptas, cada qual com seus vieses específicos, assim como temos a corrente CNB (Construindo
um Novo Brasil), que por dirigir o partido não realiza formação própria, mas cumpre tal função
através do aparato oficial do partido.
36

Embora não seja uma formação programática, nos anos 1980 houve uma lenta mas
importante incorporação do marxismo à formulação petista. No entanto, com a queda do Muro de
Berlim e a dissolução da União Soviética, na década de 1990 essa influência começa a se
enfraquecer, sendo que sua formulação acerca do socialismo passa a estar muito mais centrada na
disputa de ideias, na batalha moral, afastando-se da máxima marxista de abolição da propriedade
privada e da tomada do Estado. Apesar da aparente contradição, a partir desse momento o Partido
passa a se aproximar paulatinamente da concepção gramsciana de hegemonia e de seus itens mais
emblemáticos (COIMBRA, 2017).
Entre a militância, as tendências petistas e em seus documentos oficiais, fica evidente a
influência de Gramsci, sendo corriqueira a utilização de termos como “sociedade civil”, “disputa
de hegemonia”, “guerra de posições”, “bloco histórico” e “intelectual orgânico”, que são cruciais
para o desenvolvimento da teoria gramsciana. No entanto essa presença nominal não é, segundo
Pomar e Padilha (apud COIMBRA, 2017), refletida na conduta pessoal ou coletiva da prática
partidária.
Pode-se então destacar a contribuição do pensamento de Gramsci nas formulações acerca
da hegemonia, uma vez que esta não se faz com a utilização da luta econômica em detrimento de
outros aspectos da luta social, mas sim sustentada em uma argumentação em torno do conceito de
“guerra de posições”, “guerra de movimento” e da importância da cultura para a construção
hegemônica, demonstrando assim a intencionalidade dada no processo de disputa ideológica,
política e cultural centrada na sociedade civil. Segundo Pont (apud COIMBRA, 2017) esse
posicionamento, devido a própria dinâmica da pluralidade interna do PT, não se apresenta de
forma coesa e consciente no conjunto do Partido e de sua direção.
Há, por outro lado, um setor que questiona a “deturpação” dos conceitos de Gramsci em
sua apropriação pelo Partido, afirmando que esses foram utilizados no sentido de justificar
determinadas alianças muito criticadas no interior do Partido.
As críticas realizadas não são capazes, no entanto de retirar da formulação gramsciana a
importância cabal que exerce no Partido dos Trabalhadores, sendo este autor marxista
seguramente o mais influente nas fileiras do Partido, principalmente devido à sua preocupação
com os temas da política e da estrutura partidária, aspectos cuja leitura pode ajudar a
compreender melhor o PT e sua forma de atuação.
37

Se passarmos a analisar a atuação petista, veremos a influência de um conceito presente já


em Lênin, mas desenvolvido por Gramsci, segundo o qual o processo de conquista da hegemonia
passa inexoravelmente pela conquista da direção política do movimento da sociedade civil. Para
que se concretize tal intenção seria necessária uma série de concessões políticas, para atender aos
interesses de todas as camadas oprimidas pelo capital, inclusive determinados setores da
burguesia.
Diante disso, e com base em análises históricas, podemos identificar no Partido dos
Trabalhadores uma importante tendência à conciliação com base em concessões políticas
realizadas junto à diversos setores da sociedade, com vistas a exercer a direção política, não
apenas junto à sociedade civil, mas também junto à sociedade política. Como exemplo de
concessão podemos tomar a relação PT/PCdoB (Partido Comunista do Brasil): historicamente o
PT defendeu o fim da proporcionalidade em torno das coalizões para eleições legislativas,
considerando essa uma prática que poderia incentivar o fisiologismo11 e de práticas puramente
eleitoreiras. Apesar disso, o Partido conteve seu ímpeto em reconsiderar essa prática, que esteve
no limiar de acontecer muitas vezes, em consideração à sua aliança com o PCdoB, partido que,
devido ao seu tamanho, não poderia sobreviver sem a política de coalizão para o legislativo. Esse
exemplo de concessão junto aos setores populares pode ser tomado como uma maneira distinta de
exercer a direção sobre os aliados diretos. Outro exemplo pode ser tomado quando, no segundo
governo Dilma, a presidenta escolheu para seu ministro da economia Joaquim Levy, como forma
de apaziguar os ânimos do mercado e tentar manter unida a articulação que lhe possibilitava
maioria no congresso. Como a história demonstra essa tentativa foi frustrada e a presidenta sofreu
um golpe jurídico parlamentar.
A hegemonia petista, à luz da teoria gramsciana, foi exercida junto à sociedade civil, em
especial no conjunto das esquerdas partidárias e movimentos sociais. Tal constatação se faz
considerando inclusive os setores de esquerda oposicionistas ao PT. Tomemos como exemplo o
PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) e o PCB (Partido Comunista Brasileiro) que, apesar de
exercerem oposição aos governos petistas, não encontraram na prática formas de constituir um
núcleo próprio, orbitando o núcleo de direção petista, devido às diversas frentes de luta em que se
inseriram os movimentos da sociedade civil, dirigidos pelo PT. Já em relação à sociedade

11
Fisiologismo pode ser entendido como a prática em que partidos não se preocupam com a representação de um
setor da sociedade, articulando-se organicamente com suas demandas, mas sim se transformam em meras
agremiações eleitorais, sem base ideológica.
38

política, entendemos que nunca existiu uma hegemonia de fato do campo liderado pelo Partido
dos Trabalhadores. No entanto foi possível ao longo de doze anos a direção compartilhada. Com
isso o que nos propomos a constatar é que na que guerra de posições, entendendo o Estado como
uma trincheira avançada, o Partido não foi de fato capaz de apropriar-se dessa estrutura, o que
seria, segundo Gramsci, um dos aspectos centrais para a conservação de hegemonia de um
determinado bloco histórico.
Mas pode-se afirmar que o Partido dos Trabalhadores constituiu em torno de si um bloco
histórico nos termos expostos em Gramsci? Essa pergunta é complexa e pode levar a diversas
interpretações, inclusive sendo permeada pela própria interpretação que se faz de Antônio
Gramsci.
Se nos dispusermos à tarefa do exercício intelectual da analogia, poderemos começar a
trilhar o caminho para a resolução desse problema teórico. Gramsci fala da relação entre a guerra
de posições e a guerra de movimento, interpretando-as como táticas a serem adotadas de forma
diversa de acordo com a estrutura colocada em voga. Ou seja, diante de determinada forma de
organização do Estado deve-se adotar essa ou aquela tática. Nesse momento a distinção entre
ocidente e oriente, ou Estado democrático moderno e Estado arcaico, se faz pertinente para a
análise em questão. Segundo Gramsci, em um Estado democrático moderno, cuja sociedade civil
é mais estruturada e sua relação com a sociedade política mais equilibra, deve se adotar a tática
da guerra de posições, enquanto nos Estados orientais e periféricos, a tática adota deva ser a de
guerra de movimento. Com isso podemos ponderar para a realidade brasileira qual perspectiva
seria mais adequada.
Desde o fim da Ditadura Civil-Militar no Brasil, passa-se a construir uma estrutura de
Estado mais permeável aos movimentos da sociedade civil, se estabelece uma democracia liberal-
burguesa, ou seja, nos moldes do Estado ocidental descrito por Gramsci e doravante impondo ao
movimento contra-hegemônico a tática da guerra de posições. No entanto, como afirma parte da
literatura disponível acerca da concepção do Estado brasileiro, este mantém uma relação dual
entre os mecanismos democráticos e as estruturas arcaicas de produção, que se consolidam como
frente de desarticulação da sociedade civil. Essa relação entre sociedade política e sociedade civil
pode ser estendida também à América Latina e Caribe. Considerando-se essa análise, o Partido
deveria então assumir uma forma mista da tática, que possibilita ganhar posições nos mecanismos
de cultura da sociedade, assim como desagregar as estruturas arcaicas de Estado. Ao que nos
39

parece, e como nos indica Secco (2011), o Partido dos Trabalhadores opta pela tática da guerra de
posições com exclusividade, embasada pela análise de que o Estado brasileiro se constitui como
um Estado moderno típico. Essa opção não retira, porém o protagonismo do Partido sobre as
questões de organização da cultura, muito menos responde à questão sobre a constituição de um
bloco histórico.
Para isso, precisamos analisar a relação entre intelectuais orgânicos, massas e Estado.
Compreendendo que, com base em Gramsci, todos os membros de um partido são considerados
intelectuais, devido à sua capacidade em desprender-se das relações puramente econômicas que
estabelecem no seio da sociedade, tendo a capacidade de realizar a disputa por meio de todas as
ferramentas disponíveis da ideologia e da cultura, podemos então destacar dentre estes os
intelectuais orgânicos, aqueles saídos do interior da classe, ou que para ela formulam
diretamente. Dentro do PT, o incentivo à intelectualidade se dá principalmente através de suas
correntes internas, o que não impede atuações de caráter mais amplo, como nos casos de Weffort,
Carlos Nelson Coutinho, Márcio Pochmann e Fernando Haddad, que influenciaram de forma
mais geral o Partido. Como exemplos de intelectuais representantes de correntes, podemos tomar
Valter Pomar (AE – Articulação de Esquerda), Raul Pont (DS – Democracia Socialista) e
Washington Quaquá (Articulação). Essa atuação mais segmentada faz com que se torne difícil a
coesão para a formação de uma intelectualidade própria do Partido. Apesar disso, é possível
afirmar que a relação destes com as massas se dá de uma forma simbiótica, ou seja, não se separa
a intelectualidade da prática cotidiana e da vida comum. As massas nutrem as fileiras partidárias,
que por sua vez destacam representantes que exercem a função da intelectualidade. Nessa relação
podemos observar a função do partido como acúmulo orgânico dos anseios e necessidades da
classe trabalhadora, diante de sua vasta capacidade de representação junto a diversos setores da
sociedade. A atuação junto ao Estado demonstra de forma contraditória essa relação, uma vez
que, representada de forma fidedigna a força da classe trabalhadora passa a ser exercida de modo
a conciliar as posições necessárias para o exercício do poder.
Vemos então que existe um bloco histórico organizado pelo PT, mas que se referencia
principalmente junto aos setores populares, destacando sua capacidade de dirigir as forças
representantes da classe fundamental e dos aliados históricos, como camponeses, setores médios
e intelectualidade. Com isso somos levados a acreditar que o Partido dos Trabalhadores buscou
exercer sua direção junto a diversos setores, mas pratica de fato uma hegemonia junto aos setores
40

de esquerda, o que nos traz à mente a relação do Partido com as forças progressistas em toda a
América Latina e Caribe, principalmente traduzida pelo Foro de São Paulo.
A teoria gramsciana constitui uma útil base de análise da movimentação petista no Foro
de São Paulo, compreendendo inclusive a sua atuação junto à esquerda brasileira. A própria
iniciativa em organizar a primeira reunião, em 1990, na cidade de São Paulo, nos dá pistas da
intencionalidade do Partido no sentido de sua construção hegemônica. Um ano após sua primeira
derrota eleitoral, o Partido buscou organizar a esquerda latino-americana e caribenha, para que
através da troca de experiências se concretizasse uma articulação mais ampla, capaz de
movimentar a região como um todo, em torno de um programa capaz de realizar a integração
regional em novas bases que se contrapusessem ao neoliberalismo. Com isso vemos surgir o PT
como liderança entre as forças políticas de esquerda não só no Brasil, mas em todo o continente.
Essa liderança se expressa através de sua contribuição sistemática na organização do FSP (Foro
de São Paulo), atuando como secretaria executiva desde a fundação desta organização.
Na construção do Foro, segundo nossa hipótese, se constitui um processo de disputa
cultural e ideológica de forma continental e articulada pelas organizações componentes, atuando
o PT como direção, sem limitar a autonomia de cada partido. O Partido se preocupou em costurar
de forma harmônica as relações no interior do Foro, de forma a construir por sobre ele um
processo de hegemonia que lhe desse capacidade inclusive de manter aliados importantes uma
vez que estivesse no governo, estando esses parceiros no governo de seus países ou não. Isso
permitiu com que, em seus governos, o Partido dos Trabalhadores atuasse como centro dinâmico
da política latino-americana, em especial com relação aos partidos da América do Sul, num
processo de operacionalização de uma nova estrutura de integração regional. Com isso podemos
perceber que a concepção de hegemonia do Partido dos Trabalhadores não se encerra em um só
país, mas tem uma perspectiva essencialmente internacionalista. Isso se traduziu na postura
internacional do Brasil durante os governos petistas, que através do estabelecimento de um novo
paradigma de atuação, explicitado na priorização das relações Sul-Sul, buscou realocar o país no
cenário internacional, garantindo interesses de poder intimamente ligados à construção de
hegemonia na região e melhoramento de sua posição global. Pode também ser observado nos
documentos do Foro, assim como na postura internacional do PT, que buscou sistematicamente
trabalhar para a unidade da esquerda latino-americana, sem descuidar das muitas relações que
mantinha (e mantém) mundo afora, principalmente na Europa. Dessa forma é possível levantar a
41

hipótese que o Partido possui um projeto de poder que extrapola os limites nacionais, se
aproximando ainda mais da teoria marxista-gramsciana, que compreende a necessidade de um
projeto internacional para que o movimento contra-hegemônico se coloque como direção do
bloco histórico e assim passe a exercer a hegemonia através da tomada do Estado.
Muitas são as assimilações feitas entre a teoria gramsciana e a formulação e atuação do
Partido dos Trabalhadores, sem, no entanto ser possível afirmar que o Partido a instrumentaliza
como teoria guia. Para melhor compreender a forma como atua o PT, passaremos a dar conta da
tarefa de apresentar um histórico do Partido.
42

3 HISTÓRICO DO PARTIDO DOS TRABALHADORES

Se nos detivermos à célebre frase proferida por Antônio Gramsci nos Cadernos do
Cárcere, “escrever a história de um partido significa escrever a história geral de um país” (apud
SECCO, 2011, p. 21), poderia parecer uma contradição considerar uma história relativamente
recente12 como expressão do acúmulo de lutas que representam toda a história de um país.
Contudo, a partir de um olhar crítico perceberemos que é justamente esse acúmulo de
lutas, desde a luta pela libertação dos escravizados, até a dinâmica da industrialização do país,
desde Canudos13 e a Balaida14 até Farrapos15, da Inconfidência16 até a luta pela redemocratização
do país diante da ditadura militar, que permitiu às forças populares estruturar uma experiência
como o PT. Inspirado em Gramsci, vemos então o Partido como resultado desse acúmulo e,
portanto, como representante desse determinado olhar, o popular, sobre a história do Brasil.

12
A luta pela fundação do Partido dos Trabalhadores remonta à 1978.
13
A Guerra de Canudos envolve um conflito entre o exército brasileiro e os milhares de sertanejos pobres que vivem
numa comunidade autossuficiente agrupada em torno de Antônio Conselheiro, líder religioso, na localidade que é
chamada de Belo Monte. (Costa, 2017 p. 2)
14
A Balaiada foi uma luta popular que tomou lugar na província do Maranhão durante os anos de 1838 e 1841. A
revolta se deu como um levante social diante das más condições de vida, sendo integrada vaqueiros, escravos e
outros setores das classes populares. O nome dessa luta popular provém dos "balaios", nome dos cestos fabricados na
região (JANOTTI, 2005).
15
A Revolução Farroupilha foi um movimento organizado pelas classes dominantes pecuaristas, latifundiárias e
escravocratas do Rio Grande do Sul, peticionando mais autonomia frente ao Império Brasileiro. (BEHLING, 2016 p.
1)
16
A Inconfidência Mineira, ou Conjuração Mineira, foi uma tentativa de revolta, de caráter separatista, abortada pelo
governo em 1789, em pleno ciclo do ouro, na então capitania de Minas Gerais, no Brasil, contra, entre outros
motivos, a execução da derrama e o domínio português. (SÓHISTÓRIA, 2019)
43

Figura 1 – Fundação do Partido dos Trabalhadores no Colégio Sion, São Paulo, SP. 1980.

Fonte: Teoria e Debate (2013).

Com a conformação do Partido, há uma tentativa de superar a fragmentação das classes


subalternas, garantir coesão entre estas e organizá-las sob uma direção comum. Tentativa essa
que não se viu livre da intervenção do capital, no sentido de se opor a essa empreitada. Essa
relação dialética marcaria a narrativa da formação do PT, que se daria na contradição criadora
entre seus três pilares essenciais (à priori): a igreja progressista, os grupos oriundos da luta
armada contra a ditadura e outras agremiações socialistas e comunistas e o “novo” sindicalismo.
Diante desses três pilares podemos agregar respectivamente a capilaridade nas periferias das
médias e grandes cidades e nas áreas de conflito rural; a adoção do socialismo, ainda que não
especificado; e o papel dirigente do mundo do trabalho. Como desdobramento desse tripé e com
um olhar mais aprofundado, podemos definir seis diferentes fontes para a construção do PT: o
novo sindicalismo; os movimentos populares influenciados pela igreja católica; alguns políticos
do MDB (Movimento Democrático Brasileiro); intelectuais de diferentes origens; militantes das
organizações trotskistas e militantes da luta armada contra a ditadura (SECCO, 2011).
44

Com relação ao denominado “novo” sindicalismo, observa-se em sua trajetória a


construção de uma consciência política própria, que inclusive entendia as agremiações
comunistas enquanto reformistas.
A Igreja Católica exerceu um papel ambíguo, pois apesar de essencial para a construção
do partido, em muitos locais o atacava e também apresentava dificuldade em assimilar
culturalmente os novos temas e valores da esquerda (SECCO, 2011). Apesar de em pequeno
número, os políticos do MDB que entraram no PT cumpriram um papel importante, devido a seus
mandatos, o que levava a certa dependência do Partido em relação a eles e culminava na quebra
de certos tabus. Os intelectuais contribuíram no sentido de dar confiabilidade ao programa do
Partido, enquanto a esquerda organizada fazia a análise de que o PT seria um partido tático e não
estratégico. Isso mudaria posteriormente, com a aceitação pelo Partido do direito de tendência,
cuja contrapartida seria a aceitação do caráter estratégico do PT.
Cabe ainda ressaltar que dessa relação complexa entre militantes de diversos matizes
surge um novo sujeito político de representação, que se organiza em torno da articulação
existente entre um moderno operariado industrial e dos movimentos populares urbanos e rurais.
Sua pauta de reivindicações girava em torno da necessidade de superar a marginalização política
da classe trabalhadora, ou seja, se dedicava à causa da representatividade, em todos os aspectos
políticos e econômicos. O PT representa, assim, uma ruptura em relação aos padrões conhecidos
da organização partidária, arregimentando um amplo espectro de forças políticas, que se
enraizavam em bases sociais e orientavam sua atuação no sentido de aprimorar os laços com as
lutas populares (MENEGUELLO, 1989).
Das origens do PT podemos compreender a importância do que fora chamado de projeto
de descompressão do regime militar, uma vez que o parâmetro institucional-liberal passou a
permitir a pressão democratizante pela via eleitoral. Segundo Meneguello (1989) a bibliografia
acerca do período pós-74 diverge em relação às causas dessa distensão, no entanto é consensual
em relação ao fato de que o direcionamento da abertura política foi condicionado pela
reconquista do papel legitimador da arena eleitoral e partidária. Nesse cenário, o governo passa a
jogar papel ambíguo, entre a promulgação de medidas casuísticas e liberalizantes, contradição
que culminou nas eleições de 1982, marco decisivo no processo de transição democrática,
possibilitando acesso a níveis mais significativos de poder pela oposição. É nesse momento que
passam a permear a estrutura as reivindicações do Partido dos Trabalhadores, sustentadas por
45

setores sociais diversificados. Essa relação se deu devido à característica petista de apresentar
uma novidade político institucional, quanto à origem, organização e proposta.
Para analisar essa novidade política, Meneguello (1989) recorre ao cientista político
Duverger, identificando-o como uma leitura essencial para a compreensão de um modelo de
partido de massas, embora seja tida como ultrapassada por seus críticos. Segundo Duverger é
determinante para a constituição dos partidos, o papel da ideologia, ou seja, as principais
características organizacionais do partido de massas são definidas pela ideologia partidária de
esquerda, características que podem ser interpretadas no seguinte modelo: possuir uma origem
externa, extraparlamentar, sustentada nos movimentos sociais e sindicais; uma organização
interna intensa, calcada em elementos básicos específicos; uma forte articulação estrutural, que
define a intensidade da relação entre os elementos básicos; uma centralização nacional; rigorosos
requisitos para filiação; a presença de certo tipo de doutrina, que define a natureza da
participação dos membros no partido; por fim, uma relação específica entre as lideranças do
partido e seus parlamentares, em que os segundos estão subordinados aos primeiros.
É possível depreender então vários pontos de intersecção com a organização do PT em
seus primórdios. Nitidamente ao longo dos anos essas relações foram sendo distendidas, com a
institucionalização do Partido em nível municipal, estadual e federal, levando seus parlamentares,
por exemplo, a assumir uma função dirigente em relação à estrutura partidária e também a
diminuição dos critérios para filiação.
Cabe ressaltar que as organizações partidárias brasileiras encontram seu limite no quadro
funcional do Estado brasileiro, ou seja, é produto direto dos condicionamentos políticos globais,
que durante muito tempo impossibilitou a formação de partidos classistas e ideológicos.
Tomemos como exemplo o PCB (Partido Comunista Brasileiro), que, formado em 1922, só teve
atuação legalizada entre 1945 e 1947 e no período pós 1985. O PT rompe em sua fundação com
essa lógica, se tornando, segundo o modelo de Duverger, o primeiro partido de massas do
Brasil.17
Isso só foi possível a partir das mudanças apresentadas no quadro sindical brasileiro, com
o “novo” sindicalismo, ou como fora denominado, o “sindicalismo autêntico”, uma vez que a
organização do Partido dos Trabalhadores erigiu-se fundamentalmente sobre os novo rumos

17
Contrariamente, também embasando-se em Duverger, Lincoln Secco (2011) discorda dessa afirmação,
argumentando que o PCB também cumpriu com os requisitos colocados pelo teórico para a constituição de um
partido de massas.
46

apresentados pelo movimento sindical, a rigor, a superação dos limites da luta política no mundo
do trabalho, enveredando-se pela política partidária, o que ocorre no seio das transformações
econômicas pelas quais passou o país na década de 1970, com o aprofundamento da expansão do
capitalismo e a instalação da indústria de tecnologia avançada - o que gerou o desgaste das
relações trabalhistas, empurrando o movimento sindical para uma plataforma mais reivindicativa.
O despontar da tendência autêntica do sindicalismo remonta ao ano de 1973, mas apenas com a
política de distensão do regime militar, por volta de 1977-1978, o sindicalismo autêntico passa a
ganhar escopo social e uma identidade coletiva.
Existiam, no final da década de 1970, três correntes sindicais mais destacadas: as
denominadas oposições sindicais, ligadas a militantes católicos e de pequenos agrupamentos de
esquerda (essa corrente era menos expressiva); a unidade sindical, que defendia o não
rompimento com o establishment sindical; e o “novo” sindicalismo, que defendia uma proposta
radical de mudança na estrutura partidária. Este último e boa parte das oposições sindicais iriam
se unir em torno da construção do PT, uma vez que a polarização primordial se deu entre a
unidade sindical e o “novo” sindicalismo, com forças semelhantes para ambos os lados, embora o
“novo” sindicalismo se destacasse pela novidade apresentada nos temas para a luta sindical, com
destaque para luta por direitos sociais e políticos.
A percepção de um isolamento político entre os setores do “novo” sindicalismo e os
outros agentes políticos na luta pelas causas sustentadas na greve levou a uma mudança na
estratégia sindical, que anteriormente buscava se manter afastada dos partidos políticos e sem
perspectiva de chegada ao poder. Isso se transforma a partir desse ponto de inflexão, levando a
considerar a construção de uma organização política própria, o que fica demonstrado na seguinte
fala de Luís Inácio Lula da Silva:

[...] Até o ano passado fui a pessoa mais apolítica que existe nesse país. Veja que
ninguém mais do que eu contestou a corrupção, o modo de fazer política no Brasil.
Entretanto, eu acho que estou pagando e vou pagar um preço pelo puritanismo com que
eu defendia minha categoria. Até um determinado momento eu achava que nós não
deveríamos participar em nada que viesse tirar os trabalhadores desse puritanismo; mas,
depois de fazer um dos mais belos movimentos da classe trabalhadora que já se fez nesse
país, a gente percebeu que a classe política não estava sensível aos nossos problemas,
que os partidos políticos não tinham tomado uma posição em relação à greve. Nem
tinham se manifestado em relação a nenhum grande problema nacional que nós
enfrentamos durante os anos de arbítrio. Então cheguei à conclusão de que a classe
trabalhadora não poderia pura e simplesmente chegar à época das eleições e dar seu voto
às pessoas que se fantasiam de trabalhadores para pedir seu voto, oferecendo, às vezes,
47

favores. Daí, portanto eu entendi que os trabalhadores precisavam se organizar


politicamente [...] (apud MENEGUELLO, 1989 p. 51)

Podemos então perceber que as raízes do Partido dos Trabalhadores se forjam diante de
uma conjuntura política em que o ascenso de lutas permitiram a mudança coletiva na consciência
da classe trabalhadora, que buscou se desprender do modus operandi de representação política,
enveredando-se pela criação de um instrumento próprio de representação, o que foi possível
diante da transformação do novo sindicalismo em sujeito político e portanto em grupo capaz de
representar diversos interesses, diante de sua aproximação da arena política. Dessa forma o novo
sindicalismo começa a assumir o protagonismo na luta pela democratização do país, através de
uma pauta unificada que foi capaz de aglutinar amplos setores do operariado de dos trabalhadores
urbanos. A pauta se consolidava em torno das reivindicações pelo “salário mínimo nacional
único, legislação de garantia da estabilidade de emprego, liberdade sindical, fim do arrocho
salarial e livre organização nos locais de trabalho” (MENEGUELLO, 1989 p. 54), assim como a
luta por direitos sociais e políticos. Os movimentos populares, no cenário das mobilizações
grevistas, passam também a apoiar o novo sindicalismo. O PT assume então um perfil partidário
amplo, não sendo apenas um “partido de sindicatos”, mas um acúmulo das lutas de diversos
setores da sociedade, sob a direção do novo sindicalismo.
Vemos também que nesse processo, várias agremiações de esquerda e extrema-esquerda
se juntaram ao PT, compreendendo-o inicialmente como frente eleitoral ou partido tático. Apesar
de relevantes para a disputa interna do Partido, principalmente na atividade intelectual, em
pesquisa realizada no Primeiro Congresso (1991) verificou-se que apenas 10,4% dos
entrevistados pertenciam a esses grupos. A retomada do movimento estudantil também se
envereda pelo PT, sendo que em algumas localidades foram responsáveis pela fundação do
Partido. No entanto essas intervenções se davam mais de forma interna do que externa, fazendo
com que as CEBs e o “novo” sindicalismo fossem os dois vetores sociais mais significativos na
formação do PT (SECCO, 2011).
Segundo Secco (2011) os anos iniciais do PT foram marcados por certa indefinição em
relação à sua política sindical, pela dificuldade em superar o seu isolamento político e sua
fragmentação interna, sendo o seu primeiro Encontro, entre 8 e 9 de agosto de 1981, dedicado à
temática e a tarefas imediatas. Nesse Encontro chega-se à conclusão de que seria necessário criar
uma Central Única dos Trabalhadores (CUT) para exercer a prática sindical. Antes mesmo de
48

fundada em agosto de 1983, a comissão pró-CUT realizaria a primeira greve geral do país, em 21
de julho de 1983.
Em seu primeiro Encontro, a palavra socialismo pululava entre os discursos proferidos,
buscando trazer uma identificação teórica ao partido, porém com nítidas críticas à
socialdemocracia europeia e à burocratização soviética. Nesse momento cabe afirmar um
importante princípio do Partido dos Trabalhadores, a solidariedade internacional.
Segundo entrevista de José Dirceu (Ex-ministro Chefe da Casa Civil) concedida a essa
pesquisa, a crítica à União Soviética era uma questão mais interna do partido. No entanto existia
uma forte solidariedade ao Walesa (líder do partido polonês Solidariedade) e ao processo de
“rebelião operária” na Polônia, que era uma “rebelião” contrária ao regime socialista. Existia
também solidariedade à revolução sandinista na Nicarágua, que já tinha um caráter socialista. Era
presente também uma forte referência à revolução cubana junto à juventude. Sobre essa atuação
internacionalista do PT Dirceu explica:

[...] é uma geração que vem das CEBs (Comunidades Eclesiais de Base), das pastorais e
da teologia da libertação nacional. A Igreja Católica é internacional (ela se diz universal,
mas isso já é uma pretensão, porque ela não é a única religião). O PT nasce sob o signo
da solidariedade internacional e mais... o PT vem do movimento sindical metalúrgico,
que é fortíssimo na Alemanha e nos Estados Unidos. As duas maiores entidades
sindicais do mundo, de certa maneira, são os DGB (metalúrgicos alemães) e nos Estados
Unidos a solidariedade à AFL... o Paulo Nascimento do PT era patente, então o PT
nasce sob uma herança internacionalista e as organizações políticas que ingressaram
no PT, não só as correntes trotskistas, os lambertistas, os mandelistas que é a DS hoje, os
lambertistas que é o trabalho hoje e os morenistas ou posadistas, todos também vinham
da tradição russa e setores que vieram do Partido Comunista Brasileiro (PCB) ou das
organizações armadas como a ALN (Ação Libertadora Nacional). Então o PT nasce
porque o movimento internacional naqueles anos era forte, por causa da revolução
nicaraguense e do levante operário na Polônia, então o PT já nasce marcadamente
guiado pela consciência internacionalista dos trabalhadores no capitalismo internacional
(José Dirceu, Entrevista realizada 9 de maio de 2019; grifos do autor).

Esse caráter internacionalista do Partido acaba por refletir na dinâmica interna de sua
formulação teórica, o que é pertinente devido à pluralidade que deu origem ao PT.18
O segundo Encontro do Partido dos Trabalhadores, em março de 1982, já vinha
anunciando sua política de alianças, assim como determinando o modelo petista de atuação
parlamentar. A menção ao internacionalismo e ao socialismo volta a aparecer, embora com uma
menor intensidade. Sobre a luta internacionalista, afirma-se:
18
Realizando um salto na história, é possível identificar essa solidariedade internacionalista na política externa
aplicada durante os governos petistas.
49

No plano internacional, somos solidários com todos os povos que lutam por sua
libertação. Neste momento, essa luta adquire particular importância na América Central
e na África Negra, assim como a luta do povo palestino pela reconquista de sua terra. O
PT apoia a luta dos trabalhadores de todo o mundo. Cumpre ressaltar, neste momento, a
luta dos trabalhadores da Polônia pelo aprofundamento do socialismo e pela
democratização dos processos de decisão naquele país. Temos claro que a libertação de
nosso povo depende também da luta internacional dos trabalhadores. Defendemos,
ainda, uma política externa independente, com o estabelecimento de relações
diplomáticas com todos os países socialistas. Somos contra o Brasil manter relações
diplomáticas com um Estado racista, como a África do Sul, e com a ditadura de El
Salvador e se negar a manter relações com Cuba, Albânia, Vietnã ou Coréia do Norte.
Os trabalhadores e os povos oprimidos de todo o mundo lutam contra a opressão e a
exploração. No entanto, a libertação só vai ser efetivamente concretizada com a
construção do socialismo. (POMAR, 1998)

Segundo Secco (2011), esse Encontro marca um giro na forma de financiamento do


partido, fazendo com se aprofundasse a dependência face ao Estado, uma vez que a parcela
majoritária do financiamento seria oriunda do Fundo Partidário e das contribuições de
parlamentares, assessores e mandatários nos cargos executivos, diminuindo a importância da
contribuição dos filiados.
Uma importante característica do PT em seus primórdios era a sua organização em forma
de núcleos, forma que não se baseava nas células comunistas, nem nas seções socialistas, mas
sim tratavam de mimetizar as CEBs, que davam expressão política à uma organização popular
originalmente religiosa. Os núcleos se espalharam pelo Brasil de forma não uniformizada, sendo
que a presença no Sudeste era nitidamente superior à presença em outras regiões, observando que
apenas em São Paulo eram 120 núcleos, seguida por Minas, com 77, Rio de Janeiro, com 37 e
Espírito Santo, com 18. A totalidade dos núcleos no nordeste remontava em 147, no norte 52, no
centro-oeste 103 e no sul 77, englobando 28 mil filiados. Esses dados são de 1980 e em 1982 já
havia cerca de mil núcleos, um salto exponencial que representa uma capacidade de capilarização
muito superior a qualquer organização já existente no Brasil (SECCO, 2011).
No entanto, devido à restritiva lei eleitoral nos anos de distensão da ditadura, a
constituição de núcleos se desmobilizou, uma vez que só eram reconhecidos oficialmente os
diretórios zonais e municipais. Apesar disso, o Partido realizava plenárias de base para definição
de seus candidatos, na contramão da legislação que exigia Convenções Oficiais, com apenas um
delegado por município. Uma vez que já se realizavam tais plenárias de base, a mobilização para
50

realização da Convenção era uma tarefa difícil. Com isso podemos compreender que a proposta
de organização petista se baseava no princípio da democracia participativa19.
A função dos núcleos então passa a ser diminuída, principalmente diante do esvaziamento
de poder decisório destes em relação ao diretório municipal e zonal e pouco a pouco eles
começam a desaparecer, situação que, quando identificada, passa a ser alvo de intervenção do
partido, para a reconstituição dos núcleos. Por exemplo, em 2008, foi chamada no estado de São
Paulo a I Plenária de núcleos de base paulista, que contou com a presença de 80 núcleos, ocasião
em que foi criada a Secretaria Estadual de Nucleação. A II Plenária, realizada em 2009, contou
com a participação de 400 núcleos paulistas.
A experiência da organização em núcleos se reflete na forma de governo das
administrações petistas, principalmente na década de 1990, quando passa a se proliferar pelo país
e se caracterizam pelos conselhos populares.
Avançando na organização interna, um marco histórico se dá em 1990, com a
regulamentação do direito de tendência, apesar de na prática elas já funcionarem ativamente
desde a fundação do Partido, o que o caracterizava como real novidade no cenário político
brasileiro. Dois importantes momentos definem a movimentação principal em torno das
tendências: a rigor, a fundação da Articulação dos 11320, liderada por Lula, e a institucionalização
do Partido. A Articulação venceria sucessivos pleitos para a presidência e a executiva nacional.
Atualmente (2019), ainda é a corrente que dirige o partido majoritariamente.
Um importante fato para a história petista foi a participação na campanha pelas Diretas Já,
que fora convocada inicialmente pelo PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro),
mas que contou com o protagonismo do PT. Embora o movimento tenha sido concretamente,
derrotado e levado a uma eleição indireta, ele engrossou o caldo das lutas populares, favorecendo
o Partido dos Trabalhadores. No interior do Partido isso gerou uma nova divergência, entre
aqueles que acreditavam que os deputados do Partido deveriam estar no Colégio Eleitoral, que
elegeria Tancredo Neves, e aqueles que se opunham a este encaminhamento. A decisão por não
19
Uma importante constatação diante da explicação desse processo é a atuação de massas do PT que se dava através
da influência eleitoral e da inserção em organizações da sociedade civil, o que leva Secco (2011) à categorizar o
partido em sua origem como um partido de quadros numerosos, que buscariam orientar e liderar sua massa de
simpatizantes, ou seja, os filiados e eleitores. Esse inclusive foi um debate proeminente em determinado momento
histórico, a dicotomia entre Partido de Quadros e Partido de Massas. Esse debate fora superado com a formulação de
que o PT não seria nem um partido de massa acéfalas, com frouxo relacionamento com a organização interna, nem
uma agremiação de dirigentes distantes da população.
20
Posteriormente Articulação – Unidade na Luta, que depois viria a constituir o Campo Majoritário e por fim o
campo denominado CNB – Construindo um Novo Brasil.
51

participar isolou o partido e o retirou de cena. Esse isolamento era fruto de uma decisão de
priorizar a construção de espaço próprio na sociedade civil, o que reforçava sua identidade como
oposição social.
Tem lugar então o V Encontro Nacional do PT, em 1987, o mais importante da história
petista segundo Secco21. Nele se define como estratégia para o socialismo a constituição dos
trabalhadores em classe hegemônica e dominante no poder do Estado, associando construção do
poder nas lutas cotidianas com o momento estratégico da tomada do poder político. Foi neste
Encontro que se decidiu que as tendências internas deveriam assumir um compromisso
estratégico com o partido, num processo de centralização partidária.
Viria então a construção da Assembleia Nacional Constituinte, para a qual o PT elegeria
16 deputados, em um processo que galvanizou as esperanças radicais da sociedade, embora
majoritariamente constituída por deputados conservadores, que conformaram o chamado
“centrão” para impedir que a Constituição avançasse para mudanças substanciais. Ainda que o
Partido dos Trabalhadores tenha votado contra o texto final, assinou a Carta, ao contrário do que
propagam setores da direita brasileira. No ano de finalização da Assembleia Constituinte ocorreu
também eleições municipais, nas quais o PT obteve um êxito inédito, inclusive conquistando
capitais como São Paulo, Porto Alegre e Vitória. Foram gestões que ficaram marcadas pelo
“orçamento participativo” e determinariam os rumos pelos quais enveredaria o PT.
Em mais uma demonstração da importância do internacionalismo para o PT, em 1989 o
Partido rompe com o Partido Comunista Chinês (PCCh), devido ao massacre da Praça da Paz
Celestial, embora sob protesto de Florestan Fernandes. Isso se deu por ocasião do VI Encontro
Nacional, que se debruçou sobre um Plano de Ação de Governo, para o confronto eleitoral que se
estabeleceria naquele ano.
Conformou-se então a Frente Brasil Popular, constituída por PT, PCdoB (Partido
Comunista do Brasil) e PSB (Partido Socialista Brasileiro). O clima social no país estava em
ebulição, com greves, ocupações e repressão aos movimentos sociais, com um enorme número de
mortos, inclusive figuras como Chico Mendes, líder seringueiro e militante do PT. Em meio a
esse cenário, Lula chega ao segundo turno contra Fernando Collor, em uma campanha sem
recursos e autofinanciada. Na semana anterior à votação, ambos os candidatos apareciam com

21
Lincoln Secco escreve em 2011. Após esse período houve momentos importantes, como a eleição de Gleisi
Hoffmann para a presidência do Partido, o que representou uma movimentação à esquerda pela Articulação.
52

empate técnico nas pesquisas, o que fez com que a Rede Globo, financiadora de Collor, entrasse
no jogo de forma mais veemente, assim como grande parte da imprensa brasileira. Uma
campanha difamatória contribuiu para a derrota de Lula, que receberia 31 milhões de votos contra
35 milhões de Collor.
Os anos seguintes a essa primeira derrota eleitoral22 levariam o Partido a se consolidar
como uma oposição parlamentar, ou seja, por sua institucionalização. Seriam marcados também
pela queda do Muro de Berlim e o fim do socialismo real, o que traria consequências diretas para
o interior do PT. Muitas tendências abandonam o marxismo, embora ainda reconhecessem sua
referência. Apesar disso, o Partido dos Trabalhadores consolidava-se como oposição institucional
no Brasil.
Foi nesta conjuntura, de crise do socialismo real, que o PT, em 1990, ascende a proposta
de uma espécie de internacional latino-americana, o Foro de São Paulo, que inicialmente seria
apenas um seminário para troca de informações e experiências, mas que nos anos seguintes se
tornaria uma grande articulação de forças progressistas, socialistas e de esquerda na América
Latina, organização que permaneceu ativa e teve seu último encontro em 2018. Apesar de várias
críticas à inconsistência teórica do Partido dos Trabalhadores, essa iniciativa serviria como
respaldo a suas objetivações socialistas.
Doravante discutiremos a questão da hegemonia nos seguintes sentidos: aquela exercida
politicamente, junto ao apanhado de forças articuladas em torno do Partido dos Trabalhadores, ou
seja, no sentido de direção de uma coalizão política; aquela que se construiu, também de forma
política, no seio da esquerda brasileira; aquela que se buscou construir, de forma às vezes
enviesada, no sentido ideológico; e aquela que que se manifestou de forma eleitoral.

3.1 A CONSTRUÇÃO DE HEGEMONIA NO BRASIL – A DISPUTA PELA HEGEMONIA


NAS ESQUERDAS NO BRASIL

Como já assinalamos, a passagem da década de 1970 para a de 1980 é marcada pelo


processo de distensão da ditadura civil-militar que havia sido implementada em 1964. Esse
processo tem início em 1974, sob o governo de Ernesto Geisel, mas que se potencializa em 1979,
com João Figueiredo à frente do governo. Esse período se destaca pelo ascenso das lutas

22
Embora muitos no Partido, como José Dirceu, vejam a campanha de 1989 como uma vitória.
53

populares e sindicais, em especial lideradas pelo “novo sindicalismo”. Essa movimentação


levaria então a disputas no interior da esquerda brasileira, entre aqueles grupos já constituídos e
os que nasciam sob a consigna da luta contra a ditadura. Exercia a hegemonia desse campo, nesse
momento, embora na clandestinidade, o “Partidão” (PCB), que se colocava de forma contraposta
às organizações oriundas da luta armada, do cristianismo e do trotskismo, organizações que
viriam a fundar o Partido dos Trabalhadores e que se propunham como alternativa ao PCB.
Se o PCB tinha transito fácil nas entidades sindicais e movimentos sociais desde 1945
(com uma interrupção de 1964 em diante) e via sua disputa com grupos que não ofereciam
dificuldades maiores devido à sua incapacidade de articulação junto à base, essa situação mudaria
a partir da ascensão do “novo sindicalismo” e da criação do PT. Esses grupos terminaram por
superar o PCB como lócus organizador da classe trabalhadora. As diferenciações já começavam
na tática promovida no enfrentamento à ditadura: enquanto o “Partidão” defendia uma frente
ampla com setores da burguesia, para uma transição democrática sem riscos, e tal tática passava
pelo MDB (Movimento Democrático Brasileiro), o PT defendia uma tática radicalizada,
fortemente ligada às demandas dos trabalhadores, negando a ideia de uma frente única. Esse
processo não foi livre de controvérsias entre as organizações, sendo o PCB taxado pelos petistas
de reformista e estes por sua vez de esquerdistas23 (SANTANA, 2012).
O PCB tinha a nítida intenção de construir, junto à sociedade geral, uma hegemonia, o que
passava inerentemente pela articulação, sob sua direção, dos setores de esquerda. Essa ambição
passa a ser ameaçada com a criação de um partido de trabalhadores e trabalhadoras, contra o qual
existiu muita resistência dentre os quadros comunistas, embora contasse com o entusiasmo de
outros. O PT era visto como um obstáculo à organização do PCB e do PTB (Partido Trabalhista
Brasileiro), no entanto, as relações se mantiveram amistosas (ao menos oficialmente), chegando
um de seus dirigentes, José Salles, a afirmar em novembro de 1979 que seria salutar a criação de
um partido de representação da classe operária, embora denunciasse o que chamaria de uma
atitude divisionista (SANTANA, 2012).
Em 1983 tomou lugar uma importante reunião entre os dirigentes de ambos os partidos,
para estreitar laços na discussão sobre pautas comuns e articular uma atuação conjunta, assim

23
Segundo Lênin, esquerdistas eram aqueles que defendiam o boicote aos sindicatos da “ordem” e ao parlamento
burguês. O líder revolucionário defendia que o abandono desses espaços significaria deixar campo aberto para a
atuação burguesa e reformista. Define portanto, uma posição sectária. Essa forma de atuação assumiu diferentes
significados historicamente. No jargão político corrente, o “esquerdismo” é atribuído majoritariamente às
organizações trotskistas. (TOLEDO, 2017).
54

como afirmar gratidão pela defesa petista da legalização do PCB e pela solidariedade prestada
aos comunistas quando da invasão de seu seminário24. No Encontro se explicitam de forma nítida
também algumas divergências, como a formação da CUT e a realização de uma greve geral.
A partir da revisão bibliográfica, se faz pertinente afirmar que a tática elaborada pelo
Partido dos Trabalhadores buscou construir um espaço próprio junto à sociedade, o que torna
compreensível seu posicionamento que muitas vezes levou ao isolamento político. Dessa forma o
PT angariava cada vez mais apoio junto à uma classe trabalhadora descrente em relação aos
processos políticos tradicionais e constituía força própria capaz de reafirmar uma identidade.
É importante afirmar que a disputa pela hegemonia na esquerda atinge um outro patamar
com a fundação do PT, uma vez que anteriormente a disputa se dava entre PCB e outros grupos
dispersos. A partir da constituição do PT ela se daria entre dois partidos de envergadura nacional.
O próprio surgimento do PT já abria espaço para a disputa de hegemonia, ao se afirmar como
partido representante dos interesses da classe trabalhadora, disputando, inclusive, no seio do
movimento sindical, gerando separações e aproximações de posições.
Na disputa com o PCB cabe afirmar as diferenças organizacionais: o PCB seria um
partido dirigente, condutor das massas, enquanto o PT buscava um processo de absorção dos
interesses dessas massas, “mais obedecendo, que mandando”, promovendo um parlamento que
funcionasse como “caixa de ressonância” da voz da classe trabalhadora. Um partido síntese das
experiências acumulativas da classe trabalhadora. (SECCO, 2011)
Ainda para a contextualização da disputa pela hegemonia no campo da esquerda
partidária, um importante fator é a construção da narrativa acerca do passado. As visões erguidas
levam a erigir a compreensão daquilo que era “velho” e “novo”, do tradicional e da novidade.
Dessa forma a perspectiva elaborada junto aos intelectuais do PT leva à compreensão de que as
rupturas no passado (em especial em 1964) se deram devido à incapacidade de construir um
movimento popular capaz de contê-las, erro que deveria ser contornado e superado. Por esta
razão foram tecidas duras críticas ao papel do PCB entre 1945-1964. Sintetiza Santana (2012)
sobre o PT:

De todo modo, deve-se dizer, as adequações práticas, em termos conjunturais, de muitas


de suas orientações e posições podem ser avaliadas pelo seu crescimento ao longo de
toda a década de 1980, transformando-o, já na virada da década, no partido mais

24
Em 1983, a ditadura havia invadido um seminário de formação do PCB.
55

expressivo e referente da esquerda brasileira. O mesmo não foi experimentado pelo


PCB. (SANTANA, 2012 p. 18)

A disputa pela hegemonia na esquerda brasileira se deu por vários meios. O


enfrentamento direto entre os grupos sindicais foi um deles e um importante fator foi a disputa
ideológica, por meio de escritos que interpretavam a realidade e buscavam colocar-se em prática.
As opções políticas do PCB, em sua luta pela “unidade dos setores democráticos” leva a uma
aliança com setores conservadores e, por fim, ao afastamento do centro dinâmico das lutas,
espaço que foi rapidamente ocupado pelo PT. Passa a se consolidar então, já na virada da década
de 1980 para 1990, a hegemonia do Partido dos Trabalhadores dentro da esquerda brasileira.
Tão importante quanto a luta externa, era a luta interna por hegemonia. Por isso ao falar
da conquista de hegemonia do PT é preciso também considerar as disputas entre correntes
internas.
O direito à tendência, conquistado mediante uma luta interna, protagonizada pela
tendência Democracia Socialista (DS), serviria como respaldo para a defesa de diversas teses,
muitas vezes divergentes estrategicamente, sobre como deveria portar-se o Partido. Cabe aqui
ressaltar o papel centralizador da tendência Articulação, majoritária desde sua fundação, com um
breve espasmo entre 1993 e 1995, quando a Articulação de Esquerda (AE), aliada à DS e outros
grupos da “esquerda petista”, assume a direção partidária. Atualmente (2019) a disputa interna do
PT se dá basicamente entre dois campos políticos, a CNB (Construindo um Novo Brasil), dirigida
pela Articulação, e o Muda PT, oriundo do antigo campo Mensagem ao Partido, cujas correntes
mais relevantes são a DS e a RS (Resistência Socialista), uma corrente de recém formação, de
caráter amplamente parlamentar, em alianças com outras tendências menores da “esquerda
petista”. O primeiro campo defende um posicionamento mais moderado e institucionalizado,
enquanto o segundo defende uma volta às raízes populares e cobra uma autocrítica do partido em
relação aos seus governos de coalizão e à uma suposta capitulação aos interesses do capital
financeiro.
O último momento em que o campo à esquerda do PT esteve próximo de dirigir o partido
foi em 2005, em meio aos escândalos que acometeram o governo, quando perderam com uma
diferença de 4 pontos percentuais as eleições no PED (Processo de Eleição Direta). Esse mesmo
processo é criticado por setores do Partido, com a afirmação que ele permite fraudes e um recorte
não verossímil das bases do partido.
56

Essas disputas internas e a hegemonia da Articulação trariam novos rumos para a política
de alianças petista, que se manifestaram nas eleições de 1994 e 1998, momentos nos quais o
partido não foi capaz de imprimir sua hegemonia junto à esquerda, à sociedade brasileira em seu
conjunto, que viveu um período (desde Collor na verdade) de hegemonia do neoliberalismo. O
neoliberalismo teve impacto não apenas sobre as lutas sociais, mas também no interior da luta
institucional, sendo que o PT, que em 1988 governava cidades que em seu total somavam 14,9
milhões de habitantes, decai para 8,3 milhões em 1992 e 7,9 milhões em 1996. A resposta do
Partido só viria em 2003, quando passou a governar 28,8 milhões de pessoas, anunciando a
virada no campo eleitoral (SECCO, 2011).
Surgem, no interior do PT, teses sobre o fim do hegemonismo petista, que propunham
uma hegemonia compartilhada, que na verdade era uma proposta de ampliação ainda maior do
arco de alianças possíveis. Essa proposta era defendida pela Democracia Radical (DR), que
entendia não ser necessária a conquista de hegemonia para implementar um projeto político. Com
essa política a tendência cresceria, impondo-se em uma aliança com a Articulação, que perdia sua
maioria. Mais tarde a tendência viria a se dissolver no campo Construindo um Novo Brasil. Um
importante fator nessa disputa seria a eleição de José Dirceu à presidência do Partido em 1995,
mandato que se estenderia até 2002 e levaria o PT à sua primeira vitória eleitoral.
A busca pela hegemonia cultural, ou seja, uma dominação de cunho ideológico junto ao
que Gramsci denominaria sociedade civil, passava pela habilidade em se adequar aos anseios da
população, que ainda em 1998 tinha preconceitos em relação à figura do Lula. Essa tarefa foi, em
parte, facilitada pelo queda na popularidade de Fernando Henrique Cardoso (FHC), muito
embora internamente Lula enfrentasse um processo de desgaste no PT e as prévias de 2002 com
Eduardo Suplicy. Lula se consagra, internamente e nas urnas, tendo como base um Programa de
governo. No entanto se esquivou da tarefa de construção de hegemonia cultural junto à
sociedade. Constata-se isso pois não existiu um esforço global para conquista da opinião pública
em seus mais diversos aspectos, em especial ressalta-se a não construção de um aparato de
propaganda capaz de direcionar a sociedade civil a uma ideologia mais à esquerda. Esse
Programa garantiu ao partido a hegemonia política, no sentido de direção de uma coalizão,
mediante concessões políticas para setores muito diversos. As escolhas feitas cobrariam uma
fatura anos depois.
57

3.2 A POLÍTICA EXTERNA COMO UM ENSAIO DE CONSTRUÇÃO HEGEMÔNICA

A manutenção da hegemonia política, já no interior do governo, foi uma tarefa que


demandou muitos esforços de articulação junto a diversos setores da sociedade, principalmente
junto aos setores do Estado brasileiro. Com isso várias críticas atingiriam o Partido dos
Trabalhadores, em especial devido àquilo que os setores críticos da esquerda chamaram de não
implementação do programa democrático popular e socialista, construído no interior do Partido
ao longo de seus anos de atuação.
Na prática, uma vez que assumira o governo, o PT realizou poucas mudanças estruturais
na economia e na sociedade, apesar de ter de fato deslocado o centro dinâmico do governo para a
tarefa de redistribuição de renda, o que, em certo passo, gerou um redimensionamento na
correlação de forças entre as classes. Mas a área em que as mudanças levaram a resultados mais
expressivos, ainda que sem um direcionamento ativamente contrário ao colocado no período de
hegemonia neoliberal, foi a área das relações exteriores, mediante a adoção de uma política
externa “altiva e ativa” guiada por Luís Inácio Lula da Silva e Celso Amorim, então ministro das
relações exteriores durante os dois mandatos do presidente.
É sabido que o lugar de um país no mundo depende tanto de seus condicionantes
econômicos, políticos, sociais e culturais internas, quanto pela correlação de forças internacional
(GARCIA, 2010). Essa combinação impõe restrições à maneira como será ocupado o lugar no
cenário internacional por um país. Não significa, no entanto que não haja possibilidades, maiores
ou menores, de modificações nesse curso, partindo da compreensão de que a política é uma
construção histórica coletiva, que apesar de sofrer impacto de diversas condicionantes objetivas,
é fruto da ação humana e portanto, passível de transformações. Sobre isso, José Dirceu afirma:

O Lula e o PT dão outra cara para a política externa brasileira e outra direção, com uma
solidariedade efetiva, militante e concreta a outros países, porque o Brasil nós temos que
entender que a política externa de um país, está ditada pela situação interna desse país,
quem governa, em que direção você governa, com que programa você governa, que
classes sociais você representa. (Entrevista realizada em 9 de maio de 2019).

Deste modo, a ação direcionada de um determinado governo é capaz de gerar resultados


qualitativos no sentido de uma ampla construção política que permita o reposicionamento de um
país no cenário internacional, assim como utilizar-se dessa nova posição para aglutinar a opinião
58

pública em torno de um projeto de país, ou seja, exercer sobre esta sociedade uma capacidade
dirigente profunda, que caracterizaria a hegemonia desse setor governante sobre os demais
setores da sociedade.
Segundo Celso Amorim, em entrevista concedida em 07 de junho de 2019, a dinâmica da
política externa seria ainda determinada pelo que chamaria de uma confluência entre as
perspectivas internacionalistas do PT (e do Lula propriamente) e a sua própria trajetória
profissional. Ele cita especificamente a tentativa em manter a experiência do Mercosul (Mercado
Comum do Sul), que à época sofria algumas críticas da esquerda brasileira, por conta de seu teor
liberalizante.
A eleição de Lula em 2002 viria a prenunciar um processo de reconfiguração do tabuleiro
internacional, sob uma nítida contestação da hegemonia dos Estados Unidos, seja na América do
Sul, seja mundialmente, diante da ascensão da China, com um pungente crescimento econômico.
Podemos atribuir esse reposicionamento do Brasil no cenário internacional à
personalidade carismática do presidente Lula, à qualidade da diplomacia brasileira, com seus
quadros no Itamaraty, mas principalmente às diretrizes da política externa formulada pelo Partido
dos Trabalhadores25 e implementada pelo Itamaraty e pelas mudanças internas do país. O que
possibilitou essa mudança na política externa foi a retomada do crescimento interno, dessa vez
com redistribuição de renda, o controle da inflação, a redução da relação dívida interna/PIB,
deixar de ser devedor para se tornar credor internacional, êxitos no comércio exterior e os
avanços no combate à pobreza e à desigualdade social (GARCIA, 2010).
A palavra chave nesse processo de mudanças na política externa brasileira é “autonomia”,
que deveria ser reafirmada constantemente, diferente de alguns países qualificados como
“desenvolvidos”, que já possuiriam atributos suficientes para garantir essa autonomia. Essa busca
por autonomia viria como forma de suprir as consequências da dependência econômica. Ora, se
esse era um objetivo compartilhado pela parcela majoritária dos países em desenvolvimento na
América Latina (dando o devido foco à América do Sul) e em outras regiões afetadas pelas
desigualdades de poder decorrentes da organização da ordem mundial em torno do capital, passa-
se a vislumbrar perspectivas de construção da autonomia através da cooperação Sul-Sul e da
integração regional. Essa nova perspectiva encontraria no Brasil um canal de difusão, tornando-se

25
Um dos grandes nomes da elaboração da política externa petista foi Marco Aurélio Garcia, falecido em 20 de julho
de 2017.
59

o país um importante propulsor de novas relações que viriam a influenciar a dinâmica do sistema
internacional (VIGEVANI; RAMANZINI JÚNIOR, 2014).
É possível agregar a essa percepção a análise de Berringer (2015), que analisa a política
externa brasileira nos governos petistas tendo como base a perspectiva e o rearranjo no bloco no
poder. A autora considera ainda a teoria dos jogos de dois níveis de Putnam (apud Berringer,
2015), em que o conflito entre os diferentes grupos de interesses da sociedade doméstica são
determinantes nas decisões do Estado (ou de seu representante) a nível internacional. Berringer
estabelece que a definição da política externa está mais atrelada ao interesse do bloco no poder
(arranjo entre frações da classe dominante), do que à interação entre as burocracias do Estado ou
à equipe governamental. Uma importante distinção trazida pela autora é aquela entre hegemonia
política e hegemonia ideológica, uma vez que é possível exercer a primeira, sem de fato deter a
segunda, caso já identificado no tocante ao Partido dos Trabalhadores, mas que no entanto
aparece em Berringer (2015) no sentido de distinções entre frações da burguesia, em sua relação
com a produtividade no geral.
A postura do Estado brasileiro no cenário internacional seria determinada pela relação
entre a fração de classe no poder e o capital externo, segundo a autora. No que toca ao caso
brasileiro, durante os governos petistas, a fração da burguesia no comando do bloco no poder
pode ser interpretada de duas formas: 1) uma burguesia interna, o que determinaria as interações
do Brasil com outros Estados no mundo, estabelecendo uma relação de subordinação conflitiva,
pois se buscaria uma margem de manobra maior em relação ao imperialismo e 2) uma relação
anti-imperialista, mediante a constituição de aliança entre uma burguesia nacional e as classes
populares.
Segundo Berringer (2015) a política externa adotada nos governos Lula e Dilma constitui
eixo central de construção hegemônica do país, para a América do Sul, e ao mesmo tempo de
contra-hegemonia, em relação ao bloco no poder do imperialismo.
Essa política externa estabeleceu uma nova relação entre o “externo” e o “interno”,
compreendendo a paridade entre o interesse nacional e o lugar que o Estado busca ocupar dentre
a complexidade e assimetria mundial. Dito de outro modo, as aspirações internacionais estariam
intimamente articuladas ao projeto nacional de desenvolvimento idealizado pelo Partido dos
Trabalhadores, na direção de uma ampla coalizão de governo.
60

A centralidade conferida pelos governos petistas à política externa brasileira nos permite
levantar a hipótese segundo a qual a condução da política externa estaria vinculada à construção
de um projeto de hegemonia do Brasil na região sul americana e do Partido dos Trabalhadores à
nível nacional e regional.
Nossa leitura não é livre de controvérsias. José Dirceu, afirmou, em entrevista realizada
para esse trabalho, que apesar de ser desejável, e até necessário, a política externa “infelizmente”
não foi utilizada, como poderia, para a construção de hegemonia do Partido à nível nacional, ou
internacional. Vejamos:

Infelizmente não. Devia, mas nem aqui dentro, nem lá fora. Eu acredito que o PT, os
nossos governos não tiveram consciência dessa necessidade. O esforço por exemplo pra
exportar cultura, cinema, teatro, música, era mais ou menos natural, pela influência da
nossa cultura e também por causa da universalidade da nossa cultura (...) Eu sempre
digo, nós mesmos não temos consciência do que o Brasil é, do que o Brasil representa e
a importância do Brasil no mundo. Per si, pelo território, pela população, pela riqueza,
pela cultura, pelo estágio de desenvolvimento tecnológico, industrial, cultural, o Brasil é
um país muito importante. (Entrevista realizada com José Dirceu, em 09 de maio de
2019).

A despeito dessa opinião sobre a política externa, José Dirceu nos dá pistas sobre a
intencionalidade do Partido no governo e, por consequência, às pretensões hegemônicas na
América do Sul, ao disparar que a prioridade absoluta do governo foi justamente a região em que
o Brasil está inserido, com a criação da UNASUL e o fortalecimento do MERCOSUL, na
empreitada de integrar política, social e militarmente a América do Sul e um olhar para toda a
América Latina. Dirceu cita também as tentativas de reconfiguração da ordem mundial,
reconhecendo a prioridade conferida às relações Sul-Sul, à criação, participação e fortalecimento
dos BRICS, às mudanças na OMC (Organização Mundial do Comércio) e de pleitear uma vaga
no Conselho de Segurança da ONU, o que no jargão político pode ser visto como uma forma de
“valorizar o passe” do país.
Sobre esse foco na região, Celso Amorim comenta que as pretensões históricas do PT se
voltavam para a América Latina, mas a prática política comprovou ser mais realista um olhar
atento para a América do Sul, uma vez que o México, por exemplo, tinha se voltado
completamente para o NAFTA (Tratado de Livre Comércio da América do Norte), o que
direcionou a política externa brasileira, conjuntamente com a tentativa de reprogramar o cenário
internacional de forma que permitisse uma melhor inserção do Brasil. Essa tentativa de se
61

reposicionar no cenário internacional, ainda segundo Celso Amorim, passa também pelas
relações com a África, uma vez que elas permitiram a entrada de brasileiros em órgãos
importantes, como a OMC (Organização Mundial do Comércio) e a FAO (Organização das
Nações Unidas para Agricultura e Alimentação), apesar de não serem articuladas com esse
intuito. O embaixador ainda afirma que a opção mais restrita pela América do Sul tinha um
recorte pragmático, uma vez que não acreditava ser possível, a curto prazo, uma integração mais
ampla com a América Latina.
Para os formuladores da política externa petista, havia na América do Sul vários trunfos
de poder para a inserção competitiva no mundo contemporâneo. No entanto essa potência não
havia ainda se concretizado devido à parca integração entre as nações da região. Nesse sentido a
contribuição do Foro de São Paulo, sob a liderança do Partido dos Trabalhadores, seria crucial
para embasar os rumos da integração econômica, política e militar da região, uma vez que em
seus documentos de trabalho, a organização dedica-se com afinco à matéria. Neste sentido,
podemos compreender que, embora não “inventou” a integração sul-americana (e em certa
medida, latino-americana), o PT foi o responsável por potencializá-la e elevá-la a um patamar
novo, alimentando a disputa imperialista, que poderia perder importantes postos avançados caso
se concretizasse o projeto de integração petista e do Foro de São Paulo.
O Foro de São Paulo, que teve como função prioritária o desenvolvimento de uma política
para a integração regional sob bases de novo tipo (contestando os princípios integracionistas
neoliberais), pode ser visto como um “laboratório” para a perspectiva da integração regional
implementada pela política externa desenvolvida nos governos do PT.
Um importante aspecto na construção de hegemonia do Brasil sobre a região foi a criação,
no interior da UNASUL, do Conselho Sul-americano de Defesa, articulação que, caso lograsse
estabelecer-se de fato como um lócus de aglutinação dos anseios de defesa da região, terminariam
por dar ao Brasil, como potência regional26, um lugar privilegiado na articulação de um sistema
de defesa que tivesse como propósito a autonomia da região frente à intervenção do consórcio
imperialista.
A pergunta que cabe é: como o Partido dos Trabalhadores, como partido de governo,
estabeleceria, nos termos da teoria gramsciana, um bloco histórico internacional em que poderia

26
Se o Brasil é ou não uma potência regional, do ponto de vista teórico, é um debate ao qual não nos propomos a
destrinchar.
62

incidir como direção do movimento de “independência” da América Latina (em especial a


América do Sul), postulando-se como liderança das forças progressistas da região? Respostas
conclusivas a esse questionamento seriam prematuras, no entanto algumas hipóteses podem nos
levar a uma melhor compreensão desse processo.
Segundo Kjeld Jakobsen, assessor de relações internacionais do PT, em entrevista
concedida para esse trabalho, isso passaria por uma certa abdicação de autonomia, uma vez que
os países, principalmente os de economia e sociedade mais complexas, têm de fazer concessões
no intuito de construir um processo integracionista.
Pode-se, inicialmente, identificar no depoimento de Jakobsen um aspecto importante da
teoria gramsciana, aplicada à nível internacional, que são as concessões para exercício da direção.
Em segundo lugar, Jakobsen afirma que o Partido dos Trabalhadores estabelecia relações
paralelas partido-partido, enquanto os governos estabeleciam relações entre si. Dito de outro
modo, enquanto a tradição definia que governos discutissem com governos, o PT procurou, além
disso, aproximar-se de partidos próximos ideologicamente, construindo alianças político-
partidárias. Sempre mediadas pelos partidos, as principais relações estabelecidas entre o PT e
governos da região seriam com a Nicarágua (Frente Sandinista de Libertação Nacional), Bolívia
(Movimento para o Socialismo), Cuba (Partido Comunista) e Uruguai (Frente Ampla).
À medida que o Brasil, por seu tamanho, população, economia, base industrial e
infraestrutura, torna-se uma liderança por vocação na região, o PT no governo passa a exercer
essa mesma liderança entre os partidos de vertente ideológica aproximada, não sem um esforço
por parte para que essa relação se potencializasse.
Celso Amorim complementa essa visão, afirmando que, ao praticar um poder brando, o
Brasil atraía para sua órbita alguns países como uma espécie de liderança, ou uma construção de
hegemonia nos termos gramscianos.
A iniciativa do Foro de São Paulo pode ser entendida como uma espécie de laboratório
para a construção de hegemonia do Partido que, aliada ao processo integracionista (idealizado por
essa entidade, sob influência axial do PT), afirmaria as qualidades de líder do Brasil na região. A
política externa então seria um importante instrumento para a validação dessa posição
hegemônica do Brasil na região e do Partido dos Trabalhadores entre as siglas à esquerda no
espectro político. Isso se potencializaria diante do fato de que durante a primeira década do
século XXI, a maior parte dos países eram governados por partidos do Foro de São Paulo.
63

Há no entanto controvérsias a respeito do caráter dessa construção hegemônica de novo


tipo. Segundo Leonardo Ramos (2012), a política externa do presidente Lula apresentou mais
pontos de continuidade em relação à tradição neoliberal brasileira, do que de fato uma política de
inovação de cunho à esquerda. Isso poderia ser demonstrado diante da militância pró-
liberalização das commodities agrícolas à nível internacional. Esta crítica não obscurece a análise
do autor que também afirma que a política externa do PT assume um caráter nacional-
desenvolvimentista, incorporando em seu discurso as raízes da política internacional formulada
pelo Partido desde sua fundação. Segundo Ramos, a política externa estaria então intrinsecamente
ligada ao projeto de governo do PT, já que, para aplicá-lo, se exigiria esforços hercúleos para o
crescimento econômico. Sob a ótica da teoria gramsciana, isso se fazia necessário porque “a
garantia da reprodução dos interesses materiais básicos dos grupos subordinados é fundamental
para que um grupo social consiga garantir a reprodução de sua supremacia” (RAMOS, 2012 p.
79). Neste sentido, manter-se no poder e se tornar um partido dominante dependeria da
capacidade de garantir os interesses materiais dos grupos subordinados.
Apesar disso, Celso Amorim afirma não acreditar que a política externa tenha sido um
fator importante para as vitórias eleitorais do Partido:

Acho que não [a política externa não influenciava nas vitórias eleitorais], eu acho que
havia um apreço sim, a política externa passou a interessar... mais pessoas falaram. Eu
sou uma pessoa reconhecida publicamente sim, coisa que normalmente um Ministro do
Exterior não é no Brasil. Em outros países é, mas no Brasil não é, não era. Então agora o
Ernesto Araújo deve ser também (...) Honestamente eu acho que a influência, talvez o
Chico Buarque dizendo que ia votar na Dilma porque gostava muita da política externa,
[porque] não falava grosso com a Bolívia e não falava fino com os EUA... (...) Oscar
Niemeyer também falava muito, então, estou falando de pessoas que são de fora da área
estrita da política. Então talvez isso influenciasse algumas pessoas, mas eu acho que na
votação global, eu creio que não, não sei, talvez como o estado psicológico, as pessoas
gostam de ver [...] talvez não entendam bem que é por causa daquilo, mas elas gostam de
ver o Brasil ser respeitado. (Entrevista realizada em 7 de junho de 2019)

De todo modo, a utilização da política externa como forma de construção hegemônica


encontra limites justamente no aparato burocrático das relações exteriores brasileiras: o
insulamento do Itamaraty. Há de se argumentar que seus funcionários representariam, devido à
sua tradição de continuidade, os “intelectuais tradicionais”, segundo a lógica gramsciana,
categoria que, segundo a teoria, deveria ser conquistada pelo exercício dos intelectuais orgânicos
64

e da dinâmica das forças colocadas em luta pela hegemonia. Esse fator não se diferenciou no
Brasil no que diz respeito à política externa em associação ao projeto político petista.
É no entanto inconteste que a política externa adotada nos governos Lula e Dilma
possibilitou ao Brasil um trânsito maior entre os países da América do Sul, como liderança e
referência, o que permitiu um desempenho mais ativo nos foros internacionais e um papel mais
proeminente na definição da segurança internacional (VIGEVANI; RAMANZINI JÚNIOR,
2014). Todos esta movimentação demonstra a intencionalidade por trás da articulação entre
política externa e um projeto nacional de desenvolvimento, como uma forma de o Brasil ganhar
posição de protagonismo no cenário internacional, assim como consolidar sua direção sobre a
sociedade brasileira como um todo, através da hegemonia política sobre os grupos subordinados.
Celso Amorim ressalta, na referida entrevista, que uma importante característica da
política externa brasileira sob seu comando foi a intensidade dada às relações com os países da
América do Sul, América Latina e África, o que garantiu por sua vez uma maior predisposição à
integração e a melhores relações políticas e comerciais. Em suas palavras “quantidade altera a
qualidade”. Segundo sua visão esse foi o principal ponto de inflexão entre a tradicional política
externa brasileira e aquela aplicada nos governos Lula e Dilma. Diante de tal afirmação, podemos
compreender que se dispendiam esforços para construir junto aos países sul-americanos uma
hegemonia brasileira, e uma nova inserção do Brasil no mundo.
A partir das análises desenvolvidas nessa seção, conclui-se que os governos do Partido
dos Trabalhadores buscaram, através de sua política externa, realizar amplo processo de
articulação internacional que garantisse o desenvolvimento econômico, de forma a possibilitar a
redistribuição de renda, por meio principalmente das exportações, mas também da consolidação
de um indústria de consumo e de um mercado consumidor interno, preceitos materiais
(econômicos) para a consolidação de uma hegemonia interna. Ao mesmo passo, utilizou a
política externa para garantir ao país o posto como liderança regional e portanto de player
mundial, o que em grande medida demonstra uma estratégia de construção hegemônica a nível
internacional.
A análise do teor da política internacional defendida historicamente pelo Partido será
apresentada na seção II.4 desse capítulo, o que poderá nos dar mais elementos para a
compreensão do projeto hegemônico do Partido dos Trabalhadores. Antes, todavia, discutiremos
aquilo que aqui denominamos de crise da hegemonia interna petista.
65

3.3 OS LIMITES DO PROJETO HEGEMÔNICO PETISTA

A opção por governar sem um projeto nítido de constituição de hegemonia junto à


sociedade, sem a necessária construção de um programa cultural contra-hegemônico que
permitisse reconstituir as bases ideológicas da sociedade brasileira, caracterizou os governos
petistas.
É verdade, no entanto, que o Partido detinha uma posição majoritária na coalizão que se
formou para governar o país, posição que se expressava em uma maioria conformada no
congresso, a partir do segundo mandato de Lula, em torno do governo do Partido dos
Trabalhadores, assim como em seus aliados estaduais e municipais. O que se colocaria entre o PT
e sua liderança junto à classe política, permitindo um gradual desgaste da coalizão liderada pelo
Partido? Muitas são as interpretações acerca desse processo, de tal forma que não nos
proporemos a dissecá-la, mas apenas apresentar uma análise mais completa acerca do processo de
construção hegemônica do Partido dos Trabalhadores.
A pujança econômica que caracterizou os primeiros doze anos de governos pode ser
interpretada como uma mera consequência do boom no ciclo das commodities que favoreceu a
exportação do Brasil. Todavia, não nos parece que esta seja a única análise possível. A política de
crédito, os projetos de redistribuição de renda, a política de aumento do salário mínimo, os
investimentos em infraestrutura entre tantos outros fatores foram cruciais para a política
econômica petista e, inerentemente, para seu domínio junto aos grupos subordinados e aliados,
entre eles importantes setores industriais nacionais, setores exportadores, alguns setores médios e
a própria classe de representação, os trabalhadores e trabalhadoras.
É importante identificar que a base de sustentação do que viria a ser chamado de
“lulismo” sofreu algumas alterações, principalmente entre o primeiro e o segundo mandato de
Lula. Houve um realinhamento de forças. O subproletariado, outrora distante de Lula e do PT,
passa a se postar como sustentáculo do governo, enquanto a classe média inicia um processo de
afastamento, que mais tarde anunciaria uma ruptura com o projeto petista. A explicação para esse
movimento se daria em uma nova configuração ideológica, amalgamada por um discurso e
prática que unia manutenção da estabilidade e o Estado como agente redistributivo de renda
(SINGER, 2009).
66

À essa configuração, Boito (2012) daria o nome de “neodesenvolvimentismo”, uma


espécie de capitalismo neoliberal reformado. O “neodesenvolvimentismo” seria uma frente
política integrada por classes e frações de classe bastante heterogêneas, em especial a burguesia
interna e as classes populares, ainda que, na sua visão, de forma periférica. O programa dessa
frente se articula entre os interesses das classes representadas, apresentando-se através do
crescimento interno com políticas públicas que atendam os interesse da grande burguesia interna,
como menores taxas de juros e maior incentivo às exportações, mas que também sejam capazes
de atender aos interesses do operariado urbano e baixa classe média, com a diminuição do
desemprego, dos camponeses, com maiores incentivos à agricultura familiar e da massa marginal,
com políticas de distribuição de renda e moradia, como o Minha Casa Minha Vida, programa de
habitação governamental nos governos Lula e Dilma.
Enquanto a economia mundial se apresentava vigorosa, esse ciclo de políticas foi
suficiente para alavancar o crescimento econômico e também social.
Eis que as bolhas especulativas em torno de títulos podres e de um mercado imobiliário
em expansão desenfreada estoura nos Estados Unidos em 2008, atingindo a economia global,
obviamente de forma mais agressiva nas regiões de capitalismo dependente. A resposta a essa
crise no Brasil veio na contramão das medidas de austeridade advogadas pelo centro econômico e
suas instituições (Banco Mundial, FMI), uma vez que foram aplicadas medidas anticíclicas, com
expansão do crédito como medida de fortalecimento do mercado interno, injetando recursos
estatais para o reaquecimento da economia. Apesar de bem sucedida, já nessa época começam a
surgir fricções no interior da coalizão governista, devido a divergências de interesses entre as
empresas dependentes da especulação e os setores mais assentados em bases nacionais.
A “marolinha”, termo com o qual o presidente Lula se referiu à crise, viria a ganhar
maiores dimensões nas mãos da presidenta Dilma e, com isso, os setores até então apoiadores do
governo, passam a pressionar por medidas de austeridade, para a recuperação dos ganhos
especulativos. Vemos então a disputa por hegemonia se acirrar no bloco no poder, uma vez que a
burguesia bancária e a burguesia financeira (industrial e bancária), que integravam o bloco, sem
hegemonia da coalização, passam a se colocar na disputa pela direção do bloco e por sua vez,
rompendo com sua configuração inicial. As divergências entre setores da burguesia começam a
acentuar-se, o que criava ainda mais contradições com os interesses populares.
67

Segundo Bastos (2017), o projeto econômico da presidenta Dilma buscava superar


algumas das contradições inerentes ao modelo de desenvolvimento econômico e à coalização
governista desenhada por Lula. No entanto não foi capaz de realizar as reformas institucionais
necessárias para tal, nem repactuar a política de forma a dar sustentação ao seu projeto, num
contexto em que se acirrava a concorrência internacional e os conflitos sociais, tendo como plano
de fundo uma desaceleração cíclica.
A “nova matriz econômica” proposta por Dilma tinha o difícil objetivo de eliminar o
rentismo em cima da dívida pública como meio sistemático de acumulação de capital e com isso
gerar expansão dos investimentos produtivos e em infraestrutura. Essa tentativa foi precedida por
medidas austeras que reforçaram a desaceleração cíclica, erodindo o capital político da
presidenta. Sobre isso se agrega o fato de tais políticas não terem sido acompanhadas por uma
campanha pública que garantisse o domínio político sobre a interpretação e a narrativa, pela
opinião pública, da questão técnica e convencional. Dessa forma o poder estrutural do capital
financeiro prevaleceu como sendo meramente técnico (e não político, como sempre é), não sem o
auxílio de uma campanha extenuante dos meios de comunicação, que taxavam o governo de
“irresponsável tecnicamente” e “politicamente populista”.
A elevação do clima social dificultava a conciliação entre as classes sociais. Esse conflito
se expressava através da relação capital-trabalho, uma vez que a diminuição do desemprego,
aliada ao crescimento de greves vitoriosas, aumentavam o valor salarial, o que levava o setor
empresarial a pressionar o governo. Na relação entre Estado e movimentos sociais, amplia-se a
pressão por aumento nos investimentos, o que iria de encontro à tentativa de diminuir a relação
com a dívida pública e levaria a uma política de diminuição de juros ou de reforma fiscal,
tolhendo os benefícios empresariais.
Os interesses de empresários e das altas classes médias foram canalizados pelos meios de
comunicação, que se viram em um campo sem combatentes adversários, uma vez que fora
deixado um vácuo, pelo governo, na disputa pela opinião pública. Essas vozes voltariam a
encontrar vazão no período eleitoral, pelas campanhas do PSDB (Partido da Socialdemocracia
Brasileira), com Aécio Neves e da REDE, com Marina Silva, que traziam em seu discurso a
necessidade de “ajustes”. Este discurso encontrou forte oposição na campanha de Dilma
Rousseff, o suficiente para descreditar os opositores e vencer as eleições, pela segunda vez
(quarta, se considerado o Partido), ainda que com uma margem bastante estreita.
68

Como se corroeu então, a base de sustentação de Dilma em tão pouco tempo?


Uma vez no governo, Dilma abriu mão, mais uma vez, de realizar a disputa pela opinião
pública. Disputa esta que seria inerente ao caráter da política econômica adotada pela presidenta.
Ela abriria mão de seu programa propagandeado em campanha e implementaria, de forma
seletiva, o programa de seus opositores. Isso incorreu em um enorme custo político, que seria
cobrado por duas vertentes: ao implementar o programa empresarial e conservador, Dilma não foi
capaz de reaglutinar em torno de si o amplo leque de apoio junto à burguesia nacional e interna
que possuía no início de seu mandato, pelo contrário, aprofundou a perda de lucratividade e o
descontentamento empresarial, ao mesmo passo em que erodiu sua popularidade junto à amplos
setores da sociedade, inclusive aqueles cativos do Partido dos Trabalhadores. Essa perda de apoio
refletir-se-ia no congresso brasileiro e caracterizou, em termos gramscianos, a perda da
capacidade de direção do bloco histórico, e, portanto, de sua hegemonia junto à sociedade política
e a sociedade civil.
Em meio ao jogo de interesses que se desvelava à luz do dia vemos surgir no cenário a
Operação Lava-Jato, que neutralizou a burguesia ainda apoiadora de Dilma. Apesar disso, o
governo declarou seu apoio à operação, o que nitidamente arrepiava boa parte da classe política,
que precisaria de um presidente que pusesse fim às investigações e resguardasse a
governabilidade. As tentativas de recompor suas bases foram uma a uma derrubadas, primeiro
com a intervenção jurídica ilegal contra a nomeação de Lula para a Casa Civil, segundo com a
recusa de Michel Temer (PMDB) em assumir a coordenação do governo, que respondera com um
novo programa de governo “Uma Ponte para o Futuro” e terceiro com o movimento de rua,
desgastado diante da impopularidade da presidenta.
As classes médias foram fator determinante para a erosão da hegemonia petista junto à
sociedade como um todo. Elas funcionavam como base de massas dos articuladores do topo do
projeto neoliberal. Alguns dados mostraram que setores da alta classe média se viam, desde o
primeiro governo Lula, insatisfeita diante do aumento da concorrência nas vagas de emprego,
antes de mais fácil acesso a esse determinado público, assim como o compartilhamento de
espaços antes privativos ao público médio, como universidades e aeroportos, causando sensação
de perda de status. Esse setor médio reúne pessoas com qualificação profissional e educacional,
não vinculadas a trabalhos manuais e que gozavam, historicamente, de padrões de vida
semelhantes aos da camada média dos países de renda per capita superior, devido ao
69

barateamento dos bens e serviços diante dos baixos salários dos trabalhadores pior qualificados.
Dessa forma, diante da política econômica e das políticas públicas aplicadas nos governos Lula e
Dilma, a redistribuição de renda passou a ser feita de um lado, desses próprios setores médios e
pequenos empresários, para os trabalhadores pobres.
Diante disso é possível dizer que a desigualdade de renda permaneceu estável, uma vez
que os 5% mais ricos absorveram parcela crescente da renda nacional de 2006 a 2012, o que
equilibrou os ganhos quantitativos de renda por parte das camadas mais pobres. Isso demonstra
que a distribuição de renda foi efetivada principalmente entre as altas classes médias e os setores
mais populares, mantendo a desigualdade entre o topo e base da pirâmide (BASTOS, 2017).
O fator trabalho foi dessa vez determinante para que esses setores médios tirassem o
monopólio das ruas que a esquerda detinha desde 1978, nas manifestações de 2013, fator que
serviu para virar o tabuleiro contra o governo da presidenta Dilma Rousseff. Uma vez que os
setores populares, devido a melhor acesso à educação e menor desemprego, passaram a ter
melhor entrada em empregos antes disponíveis apenas à alta e média classe média, esses setores
passam a se mobilizar pela manutenção do privilégio sobre essas vagas. Apesar de ter logrado
vencer as eleições de 2014, essa massa média permaneceria mobilizada, atiçada por uma direita
golpista e seria capaz de superar, em número, as mobilizações populares (BASTOS, 2017).
O discurso de base da ascensão do populismo de direita se enraíza na percepção de que os
setores médios estariam financiando, com seus impostos, as políticas distributivas dos governos
petistas, sem, em troca, receber serviços públicos na mesma medida, assim como a corrupção do
Estado. Esse discurso seria capitalizado pela direita neoliberal, que dessa vez contava com uma
massa mobilizada nas ruas, enquanto a corrosão do apoio ao governo Dilma inviabilizava a
construção de um movimento vigoroso o suficiente nas ruas para deter o avanço das massas
conservadoras. Paradoxalmente, o governo retirado por essas massas era o único defensor das
investigações de corrupção, inclusive criando vários aparatos para melhoria do sistema de
investigação, enquanto o governo colocado tinha interesse em barrar as investigações. Nesse
contexto é importante citar o uso político das instituições e da Operação Lava-Jato, para atingir
seletivamente o PT, o que com certeza minou significantemente a base de apoio do governo,
criando condições para o golpe.
Mas se essa classe representa parcela minoritária da população, como foi capaz de superar
as massas populares? Uma hipótese plausível é que a falta de um projeto hegemônico cultural
70

nítido pode ser um dos fatores pelo qual essas massas não reconheceram seus privilégios como
resultado de políticas públicas, mas de mérito próprio. Em segundo lugar, é preciso pensar do
ponto de vista sociológico a relação entre as camadas médias e a população empobrecida, já que
estas enxergam nas classes médias um espelho de seu futuro desejado, gerando uma relação
intrinsecamente política de repetições e liderança. Essa relação poderia ser superada diante da
aquisição de consciência de classe, tarefa que caberia à direção política da classe trabalhadora,
noutros tempos o PCB, nesse caso, o Partido dos Trabalhadores. Um terceiro fator, vinculado aos
últimos dois, reside no afastamento do PT de suas bases, em parte devido ao deslocamento de boa
parte de seus quadros para a máquina pública, desfalcando o trabalho de base necessário para
sustentar um projeto de poder, mas por outro lado, devido a uma série de análises feitas pelos
dirigentes partidários (algumas delas aqui explicitadas) que levavam a acreditar na possibilidade
de aplicação de um projeto político sem a constituição de hegemonia, ou seja, na “neutralidade do
Estado”.
A partir da análise acima descrita, é possível problematizar que a perspectiva econômica
(com o devido reverberar sobre as questões sociais) foi o principal fator que levou à desagregação
da coalizou que levou Dilma ao governo. Muitos chegaram a chamar suas medidas iniciais no
segundo mandato de “austericídio”, uma vez que o timing não podia ser pior, econômica e
politicamente, pois subestimou a desaceleração cíclica e os efeitos contraproducentes da
austeridade, assim como subestimou o golpismo da oposição, a seletividade da Operação Lava-
Jato e a boa vontade da população (BASTOS, 2017). Um fator relevante no desgaste da
capacidade de liderança de Dilma (e do PT) foram as tentativas por minar o tamanho do PMDB
na base aliada, o que levou ao efeito contrário, aumentando essa importância e elegendo Eduardo
Cunha presidente da Câmara. Aqui vemos a adição do fator político ao processo de corrosão da
hegemonia petista, mas sem retirar o protagonismo do fator econômico, que foi responsável por
imobilizar estrategicamente o governo. Uma vez feita a guinada à direita, não existia discurso
econômico para apelar às ruas e recuperar popularidade.
O Partido dos Trabalhadores sai do governo desestabilizado. Depois de 13 anos de
governo, o Partido precisaria se readaptar a condição de oposição, necessidade esta que encontrou
muitos empecilhos na estrutura burocratizada do Partido. Durante os dois anos e meio de governo
de Michel Temer, foi nítida a tentativa do PT de se recompor e reativar os laços que o permitiram
ser o partido com maior capilaridade social no país.
71

O golpe de 2016 não fechava sua conta com o maior líder político do país livre para fazer
campanha e se eleger (como indicaram todas as pesquisas) em primeiro turno em 2018. Isso
significa que para articular um novo bloco histórico, as forças políticas responsáveis pela
articulação do golpe jurídico parlamentar de 2016 precisariam inviabilizar eleitoralmente o
Partido dos Trabalhadores, o que fazia com que a prisão de Lula fosse necessária para atingir os
objetivos globais da direita e extrema-direita no país. Lula é preso e com ele, boa parte do
Partido. No entanto, em resolução da DS, tendência interna do PT, se coloca a avaliação de que
os Comitês montados em defesa do direito de Lula ser candidato culminaram na reativação da
militância petista, comparando o processo aos núcleos de base, da origem do Partido.
O PT chega no segundo turno com 30% dos votos e sai dele com 45%, além de obter o
maior número de governadores e governadora (4), a maior bancada de deputados e deputadas
federais e a segunda maior bancada de deputados e deputadas estaduais. Diante de uma
conjuntura completamente adversa, com uma disputa acirrando-se sobre o Partido, a avaliação
feita pelo PT sobre as eleições não foi de todo negativa. Em resolução política de balanço
eleitoral, o Partido dos Trabalhadores traça autocríticas, como a incapacidade de se manter
conectado com as maiorias populares, devido à falta de disputa cultural e de valores, mas se
esquiva da tarefa de fazer uma autocrítica em relação à postura econômica dos governos, em
especial o segundo mandato de Dilma. Nesse mesmo documento, aparece, entretanto, uma
novidade: a afirmação de que a maior oposição feita será nas ruas e com organização popular.
Com isso o Partido estaria sinalizando para a necessidade de voltar ao trabalho de base, realidade
que passa a ser absorvida em todas as regiões do Brasil.
Esta análise conjuntural nos permite a recolocar a questão da hegemonia. Segundo nossa
análise, a hegemonia petista nunca foi de fato uma hegemonia ampla o suficiente para sustentar
um projeto de poder de transformações sociais em longo prazo.
De fato, a hegemonia restrita (política) conquistada permitiu ao partido governar para
amplos setores da população, em especial para as camadas populares, mas apenas enquanto a
economia favorecia os ganhos dos setores embarcados na coalizão petista, desde uma parcela do
setor rentista, passando pelo setor industrial, e setores das classes médias progressistas e
terminando nos setores populares. Essa hegemonia política se corroeu, tomando como exemplo a
votação do impeachment de Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados e no Senado, mas que se
manifestaria inclusive na incapacidade de articular os diversos interesses das forças políticas de
72

representação das frações de classe no poder, levando o Partido à oposição. O único espaço onde
o Partido exerce uma ampla hegemonia é no seio da esquerda brasileira, o que pode ser
demonstrado pela coalizão política lograda pelo PT no segundo turno das eleições, pela
capacidade de articular a campanha “Lula Livre” no seio da esquerda brasileira e pela atuação de
liderança no legislativo. Esta hegemonia, apesar de contestada por setores minoritários, ainda
segue vigente, sem sinais de superação em médio prazo.

3.4 A ATUAÇÃO INTERNACIONAL DO PARTIDO DOS TRABALHADORES

A partir das análises acima desenvolvidas, acerca do histórico que possibilitou o ciclo
hegemônico do Partido dos Trabalhadores, assim como as contribuições da política externa dos
governos petistas para esse processo, nos cabe então avaliar a forma como atuou e atua
internacionalmente o PT, para que tenhamos elementos mais concretos que possam apontar para
um projeto hegemônico a nível internacional.
A trajetória da política internacional traçada pelo Partido dos Trabalhadores, desde sua
fundação até a implementação da política externa no governo, passou por profundas alterações de
caráter substancial, sem, no entanto abandonar a manutenção de princípios fundadores do Partido.
Às mudanças na correlação política internacional e à inter-relação existente entre os âmbitos local
e global podem ser creditadas as mudanças sofridas no interior da política internacional
formulada no Partido (RAMOS, 2012). Da mesma forma é possível dizer que a proposta de
política externa finalmente apresentada é resultado de anos de adaptações, desde as propostas de
cunho socialistas estabelecidas no final da década de 1970 e início da de 1980 até o programa da
campanha vitoriosa de 2002, que se torna mais conciliador em relação às “obrigações” externas
(dívidas, contratos, acordos internacionais). Nesse sentido voltamos a ver que o discurso e a
prática dos novos governantes tinham revigorado teor, porém em linhas estruturais as mudanças
foram menos espessas (ALMEIDA, 2003).
Na plataforma política pró-PT, em 1979, encontravam-se itens visíveis de ruptura com o
establishment mundial, como a reivindicação da nacionalização e estatização de todas as
empresas estrangeiras e uma política externa independente. Isso se reforçaria nos primeiros
encontros do Partido, em que se afirmavam contra o imperialismo e a favor do combate à
espoliação do capital internacional, do respeito à autodeterminação dos povos e da solidariedade
73

aos povos oprimidos. Ainda em 1982, em ocasião de seu II Encontro Nacional, o PT defendeu a
nacionalização do comércio exterior e em seu III Encontro Nacional, no ano de 1984, declarou
ser favorável à independência do Brasil em relação ao FMI e às multinacionais, assim como a
suspensão imediata do pagamento da dívida externa (RAMOS, 2012).
Estava presente também a solidariedade aos movimentos de libertação nacional ao redor
do mundo, que aliado aos outros pontos da plataforma internacional, levava o Partido a
caracterizar-se junto à típica plataforma dos partidos de esquerda da América Latina no período
clássico da Guerra Fria, em conformidade com sua vocação socialista. O PT passa então a tomar
uma série de posturas críticas em relação à pauta internacional, embora seus dirigente
gradualmente adotassem posturas de adesão a um conjunto de propostas da ação diplomática, que
apesar de mais agressivas na retórica, não se diferenciaram tanto, na prática, dos princípios e
valores já aplicados na burocracia diplomática brasileira. Essa se caracterizaria como a primeira
fase da formulação petista acerca da temática internacional.
Kjeld Jakobsen, assessor de assuntos internacionais do PT, em entrevista realizada em 26
de março de 2019, indica quatro fases que caracterizariam a atuação internacional petista.
A primeira, que se desenvolveria até o final dos anos 1980, seria, tal como demonstrado
acima, mais focada na solidariedade entre nações e com processos de libertação e
aprofundamento da democracia, como a solidariedade ao movimento anti-apartheid na África do
Sul, à luta dos palestinos por sua independência, à Revolução Cubana e à Nicarágua. Ou seja,
uma solidariedade direcionada ao “terceiro mundo”.
Uma segunda fase se caracterizaria a partir das disputas eleitorais gerais, assumindo a
cabeça de chapa com Lula “quando o partido se vê obrigado a formular política externa à nível de
governo, como uma política pública, voltada para o mundo todo e não apenas com os oprimidos”
(Entrevista realizada em 26 de março de 2019). Nessa fase começam a entrar na pauta partidária,
de forma mais consolidada, temas como comércio e a posição sobre a ONU e seu Conselho de
Segurança.
Uma terceira fase se caracterizaria pela formulação da política internacional durante o
governo, em que muitas vezes estabeleceu uma relação simbiótica com a formulação da política
externa do país, sem se esquivar das tarefas impostas ao Partido, que são diferentes daquelas
exigidas pela burocracia estatal. O Partido funcionou como um suporte às relações estabelecidas
entre Estados, ou seja, se o Brasil precisava se relacionar com a China, o PT buscaria uma relação
74

com o Partido Comunista Chinês. Jakobsen ainda frisa que a pauta governamental é mais ampla
que a pauta do Partido, uma vez que existem outros interesses, ministros etc.
A quarta fase se dá com a saída do PT do governo, quando a agremiação precisa voltar a
formular política internacional como partido, tentando tirar proveito da experiência e do que se
acumulou no período anterior.
Para compreender a transição da primeira para a segunda fase de formulação internacional
do PT precisamos ter em mente alguns aspectos emblemáticos que passam a ser revistos já por
ocasião do IV Encontro Nacional, em 1989, como um preparatório para a disputa presidencial.
Nesse encontro a posição sobre o sistema financeiro sofre uma modificação importante, uma vez
que antes se defendia sua completa estatização e passa-se a postular o controle e a possível
estatização, uma mudança substancial que seria acompanhada, posteriormente, pela mudança da
palavra de ordem “pelo não pagamento da dívida externa” para “renegociação da dívida externa”.
A transição se faz também com muitos pontos de continuidade em relação à formulação inicial do
Partido, como por exemplo, a defesa da prioridade das relações Sul-Sul, seja no âmbito da
América Latina, seja no africano, ou nas relações com Rússia, China e Índia.
Nessa fase a articulação internacional do PT passa a ser um importante fator para a
conquista da opinião pública. Afirma-se isso devido às várias viagens internacionais realizadas
por Lula, iniciando na campanha de 1994, que segundo os depoimentos de Dirceu e Jakobsen
foram utilizadas para fortalecer sua imagem como estadista. Essas viagens também serviram para
ampliar a percepção da população quanto a Lula, que na campanha de 1989 tinha uma imagem
bastante vinculada aos povos oprimidos da América Latina.
A plataforma apresentada para a disputa presidencial de 1989 continha a proposta de:

[...] uma política externa independente e soberana, sem alinhamentos automáticos,


pautada pelo princípio de autodeterminação dos povos, não-ingerência nos assuntos
internos de outros países e pelo estabelecimento de relações com governos e nações em
busca de cooperação à base de plena igualdade de direitos e benefícios mútuos.
(ALMEIDA, 2003 p. 89).

Pode-se perceber que nos deparamos com uma formulação muito próxima daquela
desenvolvida nos primeiros dez anos do Partido. No entanto com um teor mais substancial, mais
destinado à uma ampla política externa do que para relações interpartidárias, como se solia fazer
75

anteriormente. Cabe afirmar também a atualidade de tais posições, uma vez que as posições
adotas pelo PT no governo não divergiram muito dessas diretrizes.
Nessas mesmas eleições foi apresentado pelo PSB (Partido Socialista Brasileiro) 27 um
“programa mínimo” para as esquerdas, cujo teor internacional incluía não apenas suspensão do
pagamento da dívida externa, mas a criação de articulações entre os países devedores para
fortalecer o não pagamento, assim como estabelecer relações de proximidade com todo país que
se enveredasse na busca por uma alternativa ao modo de produção capitalista e sua crise.
Após a derrota por pequena margem em 1989, Lula e o PT lançam, junto a outros partidos
de esquerda, o denominado “governo paralelo”, cuja experiência não avançou muito em termos
de constituição de uma política externa alternativa, sob a figura de Carlos Nelson Coutinho
(ALMEIDA, 2003)
Uma iniciativa desse período foi a construção de uma articulação latino-americana e
caribenha de forças progressistas, de esquerda e socialistas, o Foro de São Paulo. A partir dele,
pode-se enfrentar em bases mais concretas os desafios internos e coletivos da política
internacional. Um dos principais pontos de confluência dessas forças articuladas era a negação à
proposta imperialista de integração e ao neoliberalismo, propondo uma nova forma de se
desenhar os caminhos para a integração na macro região.
O desenvolvimento da política internacional do PT, em paralelo às formulações de
propostas para a política externa brasileira, se dá então em torno da necessidade de propor um
projeto nacional de desenvolvimento, o que já em 1994 leva o Partido a afirmar que se passavam
quinze anos sem tal projeto. A perspectiva de desenvolvimento nacional, que passava pela
criação de um amplo mercado consumidor interno, como vista à inserção autônoma no cenário
internacional, se alinhava com a política externa, como forma de viabilizar a construção desse
projeto de desenvolvimento. Eram faces de uma mesma moeda. É possível denotar que a
maturidade da proposta internacional do PT passa a galgar níveis elevados, sendo capaz de
apresentar de forma mais concreta caminhos para a inserção do Brasil no mundo, em consonância
com seu projeto democrático-popular.
Avançando para 1998, observa-se certa fricção entre Lula e seu vice Brizola (PDT –
Partido Democrático Trabalhista), uma vez que Lula passa a assumir um tom mais ameno, não
compartilhado por seu companheiro de chapa, em relação às empresas privatizadas e ao capital

27
O partido compunha a Frente Brasil Popular, que dava sustentação à candidatura petista
76

estrangeiro. O carro chefe de sua campanha foi a questão da perda da soberania econômica do
país frente à atuação internacional do presidente à época, Fernando Henrique Cardoso (FHC). O
que se propunha era mudar a forma de inserção do Brasil no mundo. Com isso assumia-se uma
postura crítica em relação às instituições existente no mundo, como FMI, Banco Mundial, OMC e
BIRD (Bando Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento) e propunha-se a atuação na
construção de novas instituições, capazes de redimensionar o aspecto político-econômico
internacional.
A campanha de 2002, por sua vez, foi marcada por uma inflexão rumo à uma política
externa pragmática, muito embasada também pela nova configuração da coalizão que
impulsionava Luiz Inácio Lula da Silva à presidência, assim como a vontade política de atrair o
apoio centrista. Havia uma cautela maior na expressão das ideias do Partido, apesar de ainda
carregar os jargões de críticas às instituições internacionais, postura que foi sendo adaptada ao
longo da campanha para acomodar-se em meio à inédita coalizão conformada. Apesar de ter
formulado em seu XII Encontro, em 2001, uma política internacional de rupturas, o PT em
campanha deixa de lado esse aspecto do ponto de vista das propostas concretas, incorporando-a
apenas discursivamente.
É a partir da Carta ao Povo Brasileiro que se apresentam os elementos de orientação da
política externa que seriam aplicados por um eventual governo do Partido dos Trabalhadores.
Bastante criticada por setores internos ao PT, essa carta viria a estabelecer um pacto de não
ruptura com a ordem neoliberal vigente no país e hegemônica mundialmente. Isso se expressa
através de itens como: a declaração de respeito aos contratos e obrigações do país; continuidade a
algumas das políticas seguidas pelo governo de FHC; e a não rejeição aos pressupostos do livre-
comércio, desde que este não se fizesse distorcido em favor dos mais poderosos e fosse mais
equilibrado. De forma genérica, é uma substituição do discurso da negação, por um discurso
“mais medido e equilibrado, revelando uma real preocupação com a governabilidade e o
relacionamento externo, numa perspectiva de possibilidades reais de vitória nas eleições de
outubro de 2002”. (ALMEIDA, 2003 p.93).
Na terceira fase da formulação e atuação internacional do Partido dos Trabalhadores,
aquela que estaria marcada por sua ascensão ao governo, o partido estaria inteiramente voltado
para a administração do poder executivo do Estado brasileiro. Segundo José Dirceu, essa fase se
caracterizaria pelos seguintes aspectos:
77

Prioridade absoluta à América do Sul, criação da UNASUL (União das Nações Sul-
americanas), integração dos mercados, política e militar na América do Sul,
consolidação do MERCOSUL (Mercado Comum do Sul) e o olhar pra toda a América
Latina. Política Sul-Sul. Fortalecer as relações com os BRICS (Brasil, Rússia, Índia,
China e África do Sul), constituir instrumentos com esses países de desenvolvimento,
financiamento. Novas relações no mundo, tanto políticas quanto no Conselho de
Segurança da ONU, mudanças na OMC (Organização Mundial do Comércio). A
presença do Brasil em todos os foros internacionais, com grande capacidade de
articulação e de influência, como no caso do clima, até pela dimensão e importância do
Brasil na questão do clima. Acredito que há a presença do Lula como um líder mundial e
um estadista, no G8 e no G20 e presença do Lula e do Brasil para mediar conflitos, seja
no Haiti, seja na Colômbia, seja na Venezuela, inclusive na questão do apoio nuclear no
Irã, que o Lula junto com o Erdogan fez uma proposta de acordo entre os EUA, o Irã e a
União Europeia, que se desdobrou nesse acordo que agora está sendo rompido pelo
Trump, houve até medidas do Irã ontem (08/05/2019) com a Rússia, a China e a União
Europeia. (Entrevista realiza em 09 de maio de 2019).

Da mesma forma como aponta essa nova forma de inserção no cenário internacional, o
ex-ministro afirma haver linhas de continuidade em relação à política externa dos governos
predecessores, devido aos acordos já firmados pelo país e aos parâmetros já assumidos pelo
Itamaraty, o que não impediu uma mudança qualitativa na política externa adotada no governo
Lula.
A política formulada pelo Partido dos Trabalhadores para o setor internacional disfrutou
de grande prestígio ao longo de seus treze anos de vigência, no entanto não levou o Partido a
estabelecer aliados estratégicos que lhe apoiassem durante o golpe de Estado de 2016, que depôs
ilegalmente uma presidenta reeleita democraticamente. O perfil da atuação internacional passa
então à absorver os impactos dessa nova configuração de poder, com o Partido passando à
qualidade de oposição, chegando à quarta fase da política internacional petista.
Nesse momento, o Partido volta suas atenções para a ampliação da gama de parceiros
internacionais, principalmente através da articulação de grupos e partidos em torno de uma
“Internacional Progressista”, uma iniciativa de Fernando Haddad (PT - Brasil), Bernie Sanders
(ala socialista dos Democratas – EUA) e Yanis Varoufakis (Syriza – Grécia). A tentativa de
reunião de progressistas em todo o mundo não se faz, de acordo com os depoimentos de Dirceu e
Jakobsen, através do esvaziamento do Foro de São Paulo, uma vez que possuem naturezas
diferentes. De acordo com os entrevistados essa iniciativa busca aglutinar partidos com
pensamentos semelhantes para troca de experiências. É importante apontar que nessa fase pós
78

golpe de 2016 o PT volta a se debruçar sobre análises de conjuntura internacional, como forma de
apontar possibilidades de ação para a esquerda brasileira, frente à crise internacional do capital.
Através do panorama apresentado nesse capítulo, acerca da atuação internacional do PT,
assim como as condições históricas que possibilitaram tal atuação, podemos então nos ater ao
objeto de estudo desse trabalho, o Foro de São Paulo, buscando traçar linhas de influência mútua
entre este e o Partido dos Trabalhadores.
79

4 A ATUAÇÃO DO FORO DE SÃO PAULO: UMA CONTEXTUALIZAÇÃO


HISTÓRICA

A necessidade de articulações internacionais para melhor desenvolver a capacidade de


luta da classe trabalhadora se interpõe ao movimento desde os primórdios da organização
proletária frente ao avanço do capitalismo. Tal afirmação pode ser verificada pela constituição da
I Internacional dos Trabalhadores, ou AIT (Associação Internacional dos Trabalhadores), em
1864, sob a articulação de Karl Marx e Engels. Em 1889, cria-se a II Internacional, devido às
divergências desenvolvidas no seio da I Internacional, entre anarquistas e socialistas (PETRÓ,
2018). O embate entre reformistas e socialistas revolucionários leva então à criação da III
Internacional, em 1919, sob a orientação do Partido Comunista da União Soviética (PCUS). São
dignas de menção ainda a IV internacional, autodenominada trotskista, e a Internacional
Socialista, formada por partidos reformistas.
Essas iniciativas internacionalistas se situam no contexto histórico de ascensão do
movimento proletário, a partir de uma perspectiva de construção do socialismo, embasada na
capacidade de concentração, por parte do Estado, das atribuições envoltas na necessidade de
organização da economia, tendo em vista a tomada revolucionária deste pela classe trabalhadora,
liderada por uma vanguarda de orientação socialista. Essa fórmula permeou a ala majoritária do
movimento de esquerda à época e serviu como ponto de apoio para as revoluções que ocorreram
nesse período e nos período posterior imediato após a Segunda Guerra Mundial, com as
revoluções em Cuba, Vietnã, China e Coreia do Norte.
Segundo o socialista egípcio Samir Amin (2018), que ergueu sua carreira no Senegal, em
entrevista concedida ao Instituto Tricontinental de Pesquisa Social, o período posterior ao
advento da Segunda Guerra Mundial não fora marcado por uma globalização de caráter bipolar,
mas sim o que chamou de “Globalização Negociada”, em que se impôs ao imperialismo a
adaptação a um bloco de poder que se ergueu da Revolução Russa em 1917, da Revolução
Chinesa em 1949 e da Conferência da Bandung em 1955 (Movimento dos Não-Alinhados, que
seria conformado em 1961 a partir da conferência). Isso deslocou o cenário internacional para
uma realidade multipolar, na qual agiam quatro blocos históricos: o imperialismo liderado pelos
Estados Unidos e Europa Ocidental, com seus aliados no Japão, Austrália e Canadá; a União
Soviética e seus aliados na Europa Oriental; a República Popular da China, que realizava uma
80

política independente, apesar de estar no campo socialista; o Movimento dos Não-Alinhados,


englobando os países recém-independentes da África e Ásia, assim como Cuba, China e África
do Sul. Essa configuração foi capaz de pressionar o imperialismo para concessões, negociando
dentro desse cenário multipolar.
As linhas de desenvolvimento adotadas por esses blocos conformaram, segundo Samir
Amir, três diferentes pilares: 1) o do ocidente, que a partir das pressões da classe trabalhadora,
desenvolveu o denominado “Estado de Bem-Estar Social”; 2) o bloco socialista conformado por
URSS, Europa Oriental, China, Vietnã e Cuba, com diferentes padrões de socialismo; e 3) dos
governos nacional-populares da Índia e Egito, aliados aos Estados de tipo socialista na África e
Oriente Médio. O limite histórico desses pilares são as décadas de 1980 e 1990, culminando na
dissolução da União Soviética, catalisada pela queda do Muro de Berlim, e na mudança do
caráter político dos movimentos socialdemocratas, que incorporaram a agenda social liberal,
aliando-se com o capital monopolista global e adotando o neoliberalismo como forma de
organização social e econômica.
É desse panorama altamente desfavorável às forças populares e no bojo dos debates
marcados pela queda do Muro de Berlin e da dissolução da União Soviética que surge o Foro de
São Paulo.

Figura 2 – Logomarca do Foro de São Paulo.

Fonte: Wikipédia (2019).

O Primeiro Encontro se deu em julho de 1990 e foi capaz de construir uma pauta comum
entre as esquerdas de toda a América Latina e Caribe, encampando em suas teses uma luta
unitária, anti-imperialista e socialista, ressaltando a democracia e o respeito aos direitos humanos
como caminho para tais objetivos e sob direta influência da experiência sandinista na Nicarágua e
da perspectiva socialista do PT, o que levava a uma crítica ao burocratismo soviético (PETRÓ,
2018).
81

Com isso há uma mudança de método no seio de grande parte das forças de esquerda
latino-americanas, apesar das contradições presentes entre estas, que refletiria os ânimos do
período a nível global. Estas optariam pela luta política em uma combinação entre pressões
realizadas através de movimentos populares e sindicais e a disputa da máquina estatal nos limites
de seu caráter burguês, com vistas a transformá-lo a partir da institucionalidade, abandonando,
em grande medida, a estratégia revolucionária. Na Declaração Final do Primeiro Encontro, ou
como ficou conhecida, a Declaração de São Paulo, estariam expressas as caracterizações de uma
diferente metodologia para o movimento da esquerda latino-americana, nivelando aquilo que
conduziria a troca de experiências, a partir de análises e balanços dos partidos membros.
O centro das discussões girava em torno da construção de uma alternativa econômica,
social e política ao neoliberalismo, que se situava como condutor das relações no continente.
Apesar de, a princípio, a iniciativa não almejar se constituir como fórum permanente, para a
consecução dos objetivos aqui destacados, se propôs a partir do primeiro encontro um diálogo
duradouro entre as forças presentes. Com a compreensão de que o papel agora assumido pelas
forças atendentes ao Foro de São Paulo apenas chegaria à concretude mediante um projeto
próprio de integração regional, se fez necessária uma forte oposição ao projeto estadunidense de
integração, representado pela ALCA (Área de Livre Comércio das Américas), assim como a
defesa dos processos revolucionários em Cuba e na Nicarágua, a contestação do intervencionismo
em El Salvador, da ocupação militar no Panamá, da evasão de capitais do continente e do
pagamento da dívida. A partir de tais convicções, passa-se a ser formulado um novo conceito de
integração, que respeite a autodeterminação dos povos, a soberania, as diferentes identidades
culturais e que promova a solidariedade internacionalista.
O Primeiro Encontro do FSP fora marcado pelo ineditismo de sua amplitude, reunindo
organizações, partidos e frentes de todo o espectro da esquerda política. Lançou-se a discussão
sobre a crise do modelo de transição socialista implantado na Europa Oriental, assim como a
situação do sistema capitalista mundial, em sua ofensiva neoliberal. Um foco importante e
representativo da conjuntura que permeara o Encontro, foi a discussão sobre as estratégias
revolucionárias adotadas pela esquerda na região, em vistas do quadro internacional apresentado.
Com essa revisão se buscava renovar o pensamento de esquerda e o socialismo, afirmando que a
sociedade justa, livre, soberana e socialista só pode surgir e se sustentar na vontade dos povos,
entroncados com suas raízes históricas. (Secretaria de Relações Internacionais do PT, 2013 p. 12)
82

Apesar de lançar-se pela renovação de estratégias, as organizações presentes no Foro


cerram fileiras junto à defesa das experiências de transição socialista na Europa Oriental,
negando categoricamente a utilização de sua crise como pretexto para a restauração capitalista,
reconhecendo assim a contribuição política, ideológica e teórica dessas experiências para a
construção do socialismo. Ainda nesse sentido, a Declaração afirma que os problemas que
assolam o continente e todas as regiões do globo têm sua raiz no capitalismo e que nele não
encontram solução, projetando assim seu ímpeto por transformações estruturais que ponham por
chão o sistema capitalista e sua face imperialista.
Rejeitam ainda o plano imperialista para a economia latino-americana, afirmando que a
pífia oferta de amortização da dívida (US$7 bilhões, frente a uma dívida de mais de US$430
bilhões), aliada aos subsídios (US$100 milhões) não chegaria nem a se aproximar dos custos da
adoção de políticas neoliberais de ajuste, privatização e abertura da economia frente uma
concorrência desleal.
Em suma, o Primeiro Encontro assentou as bases para luta política que seria travada em
unidade pelas organizações presentes no Foro, assumindo uma perspectiva de continuidade, uma
vez que nessa ocasião fora afirmada a vontade em manter a articulação política da esquerda
latino-americana, através da convocação de um Segundo Encontro, na Cidade do México.
A atuação do FSP passa a ganhar maior relevância já em sua segunda edição. Segundo
Petró (2018), o número de organizações presentes saltou de 48 no primeiro encontro para 68 no
segundo, contando em 2018 com 113 organizações latino-americanas28, além de 12 observadores
do Canadá, Europa e Estados Unidos. O número de países representados passou de 22 no
primeiro encontro, para 26 em 2019. A partir do segundo Encontro, na Cidade do México,
formou-se o Grupo de Trabalho do Foro, responsável por atuar entre um Encontro e outro para
dar praticidade às deliberações. Dentre os debates realizados nos encontros subsequentes,
formulou-se pela necessidade de unidade entre as esquerdas nacionais, com o objetivo de chegar
aos governos. Esse era visto como objetivo central nas formulações no Foro de São Paulo,
ressaltando o caráter democrático de suas forças constituintes, mas evidenciando um descuido em
relação à formulação sobre o Estado e a questão do poder em si. Ocorre um aprofundamento da

28
Coincidentemente, o número de quadros fundadores do PT, que se organizariam na Articulação dos 113, como
tendência interna do Partido. Posteriormente se denominaria Articulação – Unidade na Luta. Já nos anos 2000, a
partir da fusão com outros grupos passou-se a chamar “Campo Majoritário”. Em 2007 a tendência assumiu a
nomenclatura que carrega até os dias atuais, CNB (Construindo um Novo Brasil). (CNB, 2019).
83

discussão sobre a democracia política, compreendendo-a como resultado das lutas dos povos, e
sua implementação através de mecanismos da democracia representativa, participativa e direta.

Figura 3 – Primeiro encontro do Foro de São Paulo, 1990.

Fonte: Memorial da Democracia (2019).

Da análise da Declaração do México, por ocasião do Segundo Encontro do Foro de São


Paulo, pôde-se concluir que existia entre as organizações presentes o entendimento de que havia
uma reestruturação hegemônica internacional, o que levaria a examinar a perspectiva da América
Latina e Caribe frente a essa movimentação. Com a continuidade dos trabalhos iniciados no
Primeiro Encontro, percebe-se a profunda atenção no exercício da unidade nas discussões. A
opção por expressar as diferentes características das forças presentes, basicamente, nacionalistas,
democráticas e populares, até aquelas que expressam identidades socialistas diversas, vem pela
necessidade de afirmar o compromisso de todas com as transformações estruturais requeridas
para a consecução dos objetivos gerais da região, sejam eles a justiça social, a democracia e a
libertação nacional. Essas organizações buscavam superar sua condição de dependência frente ao
84

grande capital, materializado na figura do imperialismo. As transformações almejadas se


qualificavam a partir dessa perspectiva.
Dando seguimento à atividade de revisão de estratégias, atendendo ao caráter democrático
e popular, o Segundo Encontro se debruçou sobre os temas da economia, política sociedade e
cultura, assim como:

[...] considerou-se a tarefa primordial de solidariedade na defesa da soberania de Cuba e


dos esforços para frustrar os planos do poder imperialista estadunidense contra a
Revolução Cubana. Destacou-se a necessidade de defender as conquistas da Revolução
Sandinista, ameaçadas após a derrota eleitoral da FSLN; de apoiar os significativos
avanços democráticos do povo haitiano, encarnados no governo do padre Aristide; de
nos solidarizarmos com a luta da FMLN e demais forças progressistas de El Salvador na
busca de uma sólida política negociada que erradique as causas da guerra; de apoiar a
luta da URNG da Guatemala e sua proposta de uma solução política ao conflito armado
sobre bases justas; de respaldar a luta pela saída das tropas ianques do Panamá; de
assumir a luta anticolonial dos porto-riquenhos e dos demais povos das colônias do
Caribe; de rechaçar a intervenção militar que sob o pretexto da “guerra andina contra o
narcotráfico” os Estados Unidos praticam na Bolívia, Peru, Equador e Colômbia; e de
condenar as fraudes eleitorais e todas as modalidades de repressão. (POMAR, 2013 p.
17)

Organizado no contexto internacional de retomada democrática em boa parte da região


latino-americana, a Declaração do México enxerga uma oportunidade para a participação política
de movimentos sociais de ampla expressão popular e reconhece o surgimento de partidos
populares29 cuja ação se consolida nas conquistas de governos locais, regionais e nacionais.
Segundo nossa análise, o Foro de São Paulo seguiria sua linha de atuação em prol da
unidade das forças democráticas e populares, crítica aos burocratismos, ao sectarismo político e à
atuação dogmática. Ao compreender o histórico do Partido dos Trabalhadores como uma função
dinâmica, podemos observar nessa relação uma interferência mútua, em que as formulações
geradas no interior do Foro são nitidamente influenciadas pela prática petista, assim como pode-
se observar uma absorção de suas formulações pelo PT.
Faz-se ainda uma análise mais profunda do processo econômico e político do
neoliberalismo, centrado no desmonte do Estado como forma de ampliar a atuação do capital, se
apropriando de empresas estatais estratégicas e lucrativas, prejudicando a soberania e acentuando
os críticos problemas sociais decorrentes da exploração capitalista neoliberal. Para isso os
Estados se utilizaram de aparatos de repressão a sindicatos e movimentos populares, permitidos

29
Essas forças reconhecidas reivindicavam ou não o socialismo como estratégia, mas em sua totalidade
impulsionaram renovação política e orgânica.
85

por uma democracia tutelada e de crescente militarização, em que a mídia é controlada pelo
aparelho político dominante e o exercício democrático se faz muitas vezes na forma, mas não na
substância. Critica-se também a lógica econômica da sustentação da competitividade nas
vantagens comparativas, o que contribui para a subordinação latino-americana às grandes
economias.
Em suma, diante dos desafios postos pela tentativa de retomada da influência do Estado
dominante, na América Latina, a necessidade latente para a articulação expressa pelo Foro de São
Paulo está em construir um novo paradigma para a integração regional, cultivando, para isso: o
pleno exercício democrático nos países representados, o que possibilitaria a chegada aos
governos e ao poder pelas organizações populares, viabilizando esse novo projeto de integração.
É expresso o apreço pela via democrática na consecução do objetivo de se chegar aos governos
na região para anunciar um novo modelo de integração que repudiasse o neoliberalismo.
A Declaração de Manágua, fruto do III Encontro dos movimentos e partidos do Foro de
São Paulo reafirma a existência de uma ofensiva do norte geográfico contra a América Latina,
para ampliar sua dominação sobre a região, identificando como protagonistas nesse movimento
as instituições financeiras multinacionais, tais como o FMI (Fundo Monetário Internacional), o
Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento. A partir dessas instituições se
desenvolveria um modelo que produz transformações antidemocráticas nos Estados,
concentrando o processo decisório em órgãos e instituições alheias ao controle social, como os
organismos de condução econômica e as forças armadas, que gradualmente ampliam seu caráter
repressivo. Também influenciariam no plano cultural e ideológico, minando o sentimento
solidário dos povos e pregando o individualismo. Ao salientar tais aspectos, a Declaração lança
uma empreitada de construção de mecanismos de disputa desses aparatos.
São enumeradas as contrapropostas com vistas a fortalecer a capacidade de ação dos
movimentos sociais, o empoderamento feminino, mecanismos de controle social sobre a
produção e o processo decisório e assim completando o ciclo de democratização no continente.
Vale lembrar que a luta travada pelas organizações do Foro de São Paulo já previa a necessidade
de se consolidar uma política de comunicação, com vistas à sua democratização.
A partir da Declaração de Manágua, começa a tomar corpo a proposta de um novo modelo
de integração, com a listagem de ações a serem tomadas para a reorganização do espaço
internacional de forma a permitir a inserção dos países do sul global. Diante disso, faz-se um
86

série de exigências que na prática retirariam dos Estados Unidos e seus aliados o domínio sobre a
região. É nítida a evolução da capacidade de proposição e de mecanismos de atuação práticas ao
longo dos Encontros, sendo que a Declaração do III Encontro apresenta mais apuração e
desdobramentos em relação à Declaração do I Encontro.
Na Declaração Final do IV Encontro do Foro de São Paulo, as organizações presentes
fazem a avaliação de que este Encontro demonstrou a força e a vitalidade das organizações
nacionalistas e anti-imperialistas, democráticas e populares, de esquerda e socialistas, vitalidade
respaldada pela significação internacional que passava a tomar o Foro, com 44 organizações
observadoras da América do Norte, Europa, Ásia e África. Tomada com caráter simbólico, a
realização do Encontro em Havana, Cuba, reafirmou a importância da luta contra o bloqueio
econômico imposto pelo imperialismo estadunidense, assim como pela defesa das conquistas
revolucionárias do povo cubano, demonstrando, dessa forma, a disposição de luta anti-
imperialista das forças políticas presentes.
Essa disposição se fez potencializada pela análise de que o neoliberalismo, outrora
hegemônico, passava a apresentar-se com diversas fissuras, nas quais age de forma contundente a
força de mobilização das forças populares, contra o modelo econômico em voga. Dessa forma é
pertinente salientar a análise econômica que fazem do projeto neoliberal, confirmada ao longo
dos Encontros, de que a prioridade pelo pagamento da dívida, imposta pelo FMI e o Banco
Mundial, leva a uma desindustrialização dos países, relegando-os a uma condição primário-
exportadora, que acarreta no abandono da produção agropecuária não exportadora, levando a
retrocessos na capacidade de autossuficiência alimentar, assim como diminuindo os postos de
trabalho.
Um novo aspecto trazido pela Declaração da Havana é a necessidade do combate à
corrupção, que se alastrara como prática sistêmica do Estado neoliberal e que servia como
encalço para o discurso da “necessidade” de privatizações, uma vez que, segundo os atores das
classes dominantes, a corrupção estaria restrita à classe política e a agentes individuais,
salvaguardando a elite econômica. Essa narrativa chama a atenção das organizações presentes no
IV Encontro, que respondem com a compreensão de que a corrupção seria intrínseca à prática
privatizante e ao projeto neoliberal.
É possível observar que, de forma gradual, o Foro de São Paulo passa a dar maior
centralidade na disputa eleitoral, como se pode observar no seguinte trecho da Declaração:
87

[...] e no que diz respeito a processos eleitorais no que resta de 1993 e em 1994, várias
das forças integrantes do Foro disputarão a presidência ou os governos dos seus países,
em eleições nacionais, como nos casos do Brasil, Colômbia, Chile, El Salvador, México,
Panamá, República Dominicana, Uruguai e Venezuela. Eleições limpas e democráticas é
uma palavra de ordem que o Foro apoia em todos os casos (POMAR, 2013 p. 47).

Diante desta realidade, começa a se erguer a preocupação por formular projetos de


desenvolvimento, que deem expressão aos anseios populares e que promovam desenvolvimento
econômico sustentado e independente, assim como o aprofundamento da democracia. Neste
momento, passa a ser mais evidente a influência da proposta econômica petista para o
desenvolvimento latino-americano, que pressupõe a existência do mercado, porém com funções
reguladoras pelo Estado, assim como a manifestação do direito ao consumo, ao emprego, à
propriedade e aos direitos cidadãos. Embora dentre as organizações atendentes ao Encontro
existam muitas posições semelhantes, é possível delimitar a capacidade de atuação do Partido dos
Trabalhadores na formulação no interior do Foro, que passa a ser mais elaborada, assumindo
maior especificidade em temas econômicos.
No V Encontro do Foro de São Paulo, em 1995, na cidade de Montevidéu, Uruguai, está
mais arraigada a percepção de uma ascensão do movimento das massas populares, o que coloca
em evidência tanto a força política dos presentes no V Encontro, quanto a necessidade de se
ampliar a formulação de um modelo alternativo de desenvolvimento econômico e social, o
desenvolvimento de um outro modelo de democracia e de novas formas de poder popular. A
partir dessa preocupação, é possível apontar um deslocamento na intencionalidade do Foro de
São Paulo, que surgiu como ferramenta para a denúncia e análise coletivas do imperialismo e do
neoliberalismo e que passa a servir como centro de formulação de políticas para a região.
Nesse Encontro fortalece-se a visão de que a disputa pelo Estado deve ser feita no sentido
de viabilizar que este seja protagonista na tarefa de regulação da economia, garantir o bem-estar
social e a justa distribuição de renda. Para essa tarefa, desenham a necessidade de se efetivar uma
integração social e econômica interna, requisito para uma integração mais ampla, em nível
regional.
88

O VI Encontro do Foro de São Paulo, realizado em São Salvador, El Salvador, no ano de


1996, contou com 52 organizações membros30, tendo sido avaliado como um progresso tanto
político como organizativo. Nele se reafirmou a unidade entre as divergentes correntes políticas
atendentes ao Encontro e se saudou o cumprimento das tarefas operacionais deliberadas no V
Encontro. Isso demonstra, segundo nossa análise, a evolução das capacidades operativas do Foro
de São Paulo e respalda a hipótese de que gradualmente o Foro se tornou um elaborado espaço de
formulação política.
As análises presentes no documento trazem uma mescla de continuidade, quando se
disserta sobre os efeitos perniciosos do neoliberalismo sobre a economia, política e sociedade na
América Latina e Caribe31, e otimismo, ao salientar o desenvolvimento de novos protagonistas
sociais e recomposição de antigos instrumentos de luta. É notório também no documento a maior
atenção a temas como relações de gênero e meio ambiente, diante de uma série de mesas
desenvolvidas durante o Encontro, que abordavam essas temáticas, assim como a atuação
parlamentar, migrações, Encontro Euro-Latino-Americano, Encontro com Organizações dos
EUA e Canada e Cultura e Identidade dos Povos.
O VII Encontro do Foro de São Paulo realizado em 1997, marca a volta da reunião ao
Brasil, em Porto Alegre, RS, e reafirma a tese da ascensão das lutas populares, colocando em
xeque a hegemonia neoliberal, frente aos bons resultados eleitorais obtidos pelas organizações
populares e de esquerda da região, fortalecendo nacional e internacionalmente os movimentos
sociais e consolidando a alternativa representada pelas forças políticas do Foro de São Paulo. Ao
expressar a necessidade de construção de um projeto democrático e popular, a Declaração Final
do VII Encontro vai ao encontro da formulação do Partido dos Trabalhadores, que carrega
consigo, desde a fundação, a perspectiva do denominado Projeto Democrático Popular (PDP).
Pouco a pouco a influência do Partido se expressa de forma sistemática nas formulações do FSP.
Nesse Encontro é possível observar uma série de avanços no quesito organizativo, com o
desenvolvimento de mecanismos de coordenação e discussão permanentes, com o intuito de
fortalecer as secretarias regionais, através de intercâmbio parlamentar, municipal, sindical, de
gênero, de juventude e de direitos humanos. E nítida no documento a preocupação com os

30
Um refluxo em relação ao V Encontro, que contou com 65 delegações, no entanto teve um número expressivo de
organizações convidadas, 144, além de 35 organizações observadoras da América do Norte, Europa, Ásia e África.
(Declaração do VI Encontro, 1995).
31
Dentre eles podem ser ressaltados o desmantelamento das bases produtivas, gerando insustentáveis déficits fiscais,
a persistência do endividamento interno, a desindustrialização, o desemprego e a terceirização.
89

organismos internos do Foro, com sua organicidade, normatividade e instrumentos para unidade
de ação. Também se expressa, de forma inédita, o debate acerca dos avanços tecnológicos, da
propriedade da classe trabalhadora sobre estes e a sua usurpação pelo modelo neoliberal de
organização econômica e social. Com isso afirmam:

[...] que o objetivo supremo do desenvolvimento deve ser a


satisfação das necessidades materiais e espirituais do ser
humano, com justiça social e harmonia com a natureza. Com
as alternativas que defendemos, aspiramos a colocar o
conhecimento humano a serviço dos povos e sob seu restrito
controle. (POMAR, 2013 p. 70)

Ainda nesta Declaração, postula-se a necessidade de romper a barreira entre o político e o


social, citando como exemplos o MST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra) e a CUT
(Central Única dos Trabalhadores) no Brasil e o movimento Zapatista, respaldado pelo EZLN
(Exército Zapatista de Libertação Nacional) em Chiapas, no México. Cita ainda as experiências
de participação local, representada pelas iniciativas de Orçamento Participativo nas prefeituras
comandadas pelo Partido dos Trabalhadores, em especial Porto Alegre.
É possível observar uma elaboração mais rigorosa sobre um programa econômico, quando
na VII Declaração se disserta sobre a necessidade de harmonizar a produção com os mercados
internos e externos, articulando políticas de dentro para fora para o desenvolvimento industrial.
Afirmam que apesar de o investimento estrangeiro direto poder ser um mecanismo importante
para a captação de novas tecnologias e de abertura de mercados, ele precisa ser concebido como
complementar à economia nacional e regional. Faz-se também a análise da necessidade de se
fortalecer um sistema bancário nacional estatal e cooperativo.
Pela primeira vez o documento apresenta uma divergência estratégica entre os partidos
atendentes, representada pelos conceitos de reforma e revolução32, assim como a opção pela luta
armada. Essa expressão na VII Declaração, em detrimento de um posicionamento coeso, mostra
que o Foro é um espaço em disputa. Ainda nessa seara, em suas resoluções, a Declaração
reafirma a validade de modelos nacionalistas, democrático-populares e socialistas como forma de
oposição ao neoliberalismo, enquanto manifestação do capitalismo imperialista.

32
Um setor entendia a reforma como uma fase do processo e um retrocesso, quando não associada a projetos que
apontem para a superação histórica do Modo de Acumulação Capitalista, em sua fase imperialista. Ao mesmo passo,
existia o posicionamento de que nessa fase as atenções deveriam ser voltadas para a luta democrática, eleitoral e por
reformas que minassem as bases do neoliberalismo.
90

A Declaração do VII Encontro, que voltava à Cidade do México, em 1998, se dá em meio


à crise que estourara no sudeste asiático e repercutira no centro do capitalismo, levando este a
uma desaceleração econômica e arrastando consigo as economias periféricas. Essa situação viria
acompanhada do crescimento da onipotência dos Estados Unidos em um regime mundial
unipolar, reafirmando sua supremacia militar e sua capacidade intervencionista a nível global.
Diante da necessidade de superar essa ordem, a VII Declaração reafirma o ânimo em refutar o
isolacionismo, utilizando-se da tática de apropriar-se das brechas deixadas pelo sistema para
construir uma integração alternativa ao neoliberalismo.
É recorrente nas Declarações a crítica ao esvaziamento democrático efetivado pelos
governos nacionais latino-americanos, isso quando não acompanhado pelo autoritarismo e pela
ditadura. Essa percepção se faz presente também na Declaração em questão, levando à elaboração
de um modelo democrático, implantado por meio de reformas estruturais que permitam o pleno
emprego do termo democracia, que sirva às grandes maiorias.
Ao longo do documento, se transcrevem os itens a serem observados para a criação de
uma alternativa ao modelo neoliberal, enxergando sempre o Estado como agente prioritário nas
funções elaboradas para uma economia voltada ao desenvolvimento social. Com isso, apontam
para uma meta revolucionária33, através de uma reafirmação e recriação da democracia.
Vislumbra-se de forma mais nítida a perspectiva de chegada da esquerda aos governos nacionais
e se frisa a não demagogia, o debate honesto acerca das possibilidade e impossibilidades, frente
ao desmonte imposto pelo período de governos neoliberais.
A Declaração de Niquinohomo, em ocasião do IX Encontro do Foro de São Paulo, que
volta à Manágua, Nicarágua, em 2000, celebra uma década da existência do Foro de São Paulo e
reafirma a luta por um modelo alternativo ao neoliberalismo. Nele já se vislumbra a esquerda
como uma alternativa real de poder, frente ao desgaste dos governos neoliberais. Reafirma-se a
importância da defesa dos processos revolucionários em Cuba e na Nicarágua, demonstrando a
centralidade destes para os avanços democráticos e populares na região.
Uma marca importante deste Encontro é a ascensão de Hugo Chávez Frías ao poder na
Venezuela. As medidas adotadas pelo novo governo venezuelano podem demonstrar a força da

33
Posto frente à frente com a Declaração do VII Encontro, podemos observar uma evolução na unidade em torno do
termo “revolução”.
91

formulação no seio do Foro de São Paulo e, dessa forma, repudia-se qualquer tentativa de
ingerência internacional no processo sul-americano.
Na Declaração se faz evidente o tom de virada política, reiterando ser imprescindível o
fortalecimento das forças políticas de esquerda, populares, anti-imperialistas, democráticas e
socialistas para a constituição de uma alternativa real ao neoliberalismo e a consequente chegada
aos governos nacionais.
A Declaração Final do X Encontro, realizado em 2001, na Havana, Cuba, contou com a
presença de organizações de 81 países da América Latina e do Caribe, América do Norte,
Europa, Ásia, África, Oriente Médio e Austrália, estando presentes 74 partidos e movimentos
membros e 127 partidos e organizações convidadas. Isso representa um salto quantitativo
importante para o Foro, que se afirma como centro aglutinador das esquerdas a nível regional e
como importante fórum de discussões a nível mundial. O clima de unidade em torno da análise
do contexto internacional se configura pelo entendimento de que há um crescente controle da
produção, da comercialização de bens e serviços e dos fluxos financeiros por um número restrito
de países desenvolvidos e empresas transnacionais, acentuando a diferenciação entre os países
desenvolvidos e os periféricos, marginalizando a participação e polarizando a riqueza e dessa
forma acarretando na crise do paradigma hegemônico e do “pensamento único”.
Um importante fator político que permeia o X Encontro, foram os atentados do 11 de
Setembro nos Estados Unidos, ato repudiado pelas organizações do Foro, que no entanto
denunciavam a utilização deste como prerrogativa para uma política intervencionista e de guerra
pelos Estados Unidos, que se colocavam de forma impreterível como “polícia mundial” e com
isso buscavam enquadrar movimentos de libertação nacional como “terroristas”, empregando
uma camisa de força à esquerda mundial. Afirmar-se:

Rejeitamos toda tentativa de apresentar como terroristas os movimentos de libertação


nacional, o chamado movimento antiglobalização, a esquerda, os movimentos sociais e
progressistas. Reafirmamos o direito de nossos povos de saber a verdade e de obter
justiça acerca dos terroristas de Estado que hoje continuam impunes. (POMAR, 2013 p.
105)

O documento se dedica também a colocar em evidência os desafios postos para a esquerda


latino-americana e caribenha, dentre os quais a exigência em servir como canalizador dos anseios
populares, dando oportunidade de participação política aos setores sociais excluídos, como a
92

juventude, por exemplo. Nesse ínterim, passam a dissertar sobre o projeto alternativo a ser
construído, para qual seriam pré-requisito a prioridade aos objetivos sociais e a recuperação dos
espaços de soberania econômica e política na relação com os países centrais. O reconhecimento a
todas as formas de propriedade desenvolvidas pelos povos da região, assim como o
impulsionamento de mecanismos de economia popular, são itens importantes do projeto
alternativo proposto, evidenciando o papel do Estado para consecução de tais tarefas, assim como
na promoção da integração regional. A partir de tais constatações, é possível afirmar a contínua
evolução do Foro de São Paulo como centro orgânico de formulação política e de políticas
públicas, resultando num grau de internacionalização crescente das organizações membros.
A Declaração do XI Encontro do Foro de São Paulo, realizado em 2002, na cidade de
Antígua, Guatemala, traz dados animadores para a articulação da esquerda latino-americana,
caribenha e mundial, uma vez que atenderam ao Encontro 142 partidos e movimentos políticos de
todos os continentes. Apesar de perceberem o aumento da desigualdade econômica entre ricos e
pobres, da concentração do poder político, econômico e militar e da exclusão social, através de
um aprofundamento da crise gerada pelo modelo neoliberal de administração do capital e ao
mesmo passo, da unilateralidade do domínio político dos Estados Unidos, se elevava a sensação
da mudança da correlação de forças, expressa principalmente com a eleição de Lula da Silva, do
Partido dos Trabalhadores e aliados no Brasil.
O espaço dedicado a afirmar o êxito das forças progressistas brasileiras, articuladas em
torno do PT, é demonstrativo da influência da sigla no Foro de São Paulo e da importância da luta
política exercida dentro do Brasil pelo Partido, que irradiaria uma perspectiva otimista em todo o
continente, assim como reafirmaria a política de alianças formulada pelo Foro desde seus
princípios fundadores. A vitória do Partido dos Trabalhadores viria a consolidar sua liderança
frente aos demais partidos e movimentos da região, como se expressa na Declaração do XI
Encontro e nas que se seguiriam a esta.
O Encontro carrega consigo o tom da virada política, não apenas com a vitória do Partido
dos Trabalhadores, mas também com o resultado eleitoral exitoso de Evo Morales na Bolívia, de
Lúcio Gutiérrez no Equador e do avanço da revolução democrática na Venezuela34, sob a
liderança de Hugo Chavez, além do desenvolvimento de novas formas de luta e ampliação do

34
Afirmam nesse caso a necessidade de estado de alerta contra o movimento golpista do imperialismo e da elite
econômica venezuelana.
93

escopo social na Argentina, El Salvador, Peru, Uruguai e Porto Rico. O avanço das forças
democráticas, populares, de esquerda, anti-imperialistas e socialista traz consigo a perspectiva de
efetivar uma integração alternativa à proposta neoliberal da ALCA, fortalecendo o MERCOSUL
(Mercado Comum do Sul), a Comunidade Andina de Nações, a integração centro-americana e o
CARICOM (Comunidade e Mercado Comum do Caribe – atualmente Comunidade do Caribe).
A Declaração dedica-se também à temática da luta pela igualdade entre mulheres e
homens, apontando desdobramentos práticos para a atuação dos partidos membros nesse sentido.
Estão presentes também as habituais defesas do processo revolucionário cubano, do povo do
Haiti por mudanças políticas e econômicas e pela imediata descolonização dos povos caribenhos,
assim como a denúncia do movimento belicista dos EUA e seus aliados no Oriente Médio.
A leitura da Declaração Final do XI Encontro causa um impacto abertamente diferente
daquele advindo da leitura de suas predecessoras. Estas últimas se muniam de um forte conteúdo
analítico, econômico, social e político, enquanto a primeira apresenta um caráter de agitação, sem
abrir mão, por suposto, de suas recorrentes análises.
Celebrando os 15 anos de fundação do Foro de São Paulo, a Declaração Final do XII
Encontro, realizado em São Paulo no ano de 2005, foi respaldada por cerca de 150 partidos da
América-Latina e Caribe, assim como organizações parceiras da Alemanha, Bélgica, Canadá,
Catalunha, China. Espanha, França, Galícia, Itália, Portugal, Suíça e Vietnam. A importância do
Foro se reconhece pela presença de representações diplomáticas de nove países, assim como do
presidente do Brasil, Luís Inácio Lula da Silva. A presença do presidente brasileiro reafirma a
força da sigla petista no interior do Foro.
Nesse Encontro é feito um balanço do acúmulo positivo de forças das organizações de
esquerda latino-americana, identificando uma série de derrotas do imperialismo estadunidense e
uma virada política representada pela ascensão de forças populares aos governos do Brasil, da
Venezuela, do Uruguai e da Argentina, esse último com importantes lições no enfrentamento à
injusta dívida externa, assim como o exemplo brasileiro de duro combate à corrupção, à fome e à
desigualdade social e também o desenvolvimento de uma política externa voltada para uma
inserção soberana do país e da região no cenário mundial, além da não renovação do acordo com
o FMI. Essas medidas seriam representativas do avanço da resistência ao imperialismo.
O Encontro reafirma ser crucial para o desenvolvimento nacional dos países da região a
ampliação dos mecanismos de integração, que transcendam a matéria econômica e se lança por
94

entre os canais da cultura, política e sociais. Reconhecem os avanços na empreitada, mediante a


ação do Brasil, Uruguai, Argentina e Venezuela e citam exemplos exitosos rumo a uma
integração da região.
Um aspecto importante nessa Declaração é o destaque, ora preterido, à atuação dos
empresários prejudicados pelo neoliberalismo. Nessas passagens podemos identificar as
mudanças ocorridas na percepção das organizações membros diante da presença cada vez maior
nos governos nacionais, levando a uma política de alianças mais ampla. Com isso não afirmamos
a não inclusão desses setores em declarações prévias, mas sim uma maior ênfase dada aos
mesmos.
Em 2007, na cidade de San Salvador, El Salvador, realizou-se o XIII Encontro do Foro de
São Paulo, cuja Declaração estabelece quatro eixos norteadores:

1. A formulação de políticas antineoliberais que fomentem uma genuína democracia


política, econômica e social; o desenvolvimento sustentável; a igualdade plena de todos
os seres humanos e uma nova integração solidária.
2. A luta contra o colonialismo e a ingerência imperialista, e a favor da solução dos
conflitos armados mediante processos de paz nos quais não se extinga o avanço dos
nossos povos em direção à imprescindível transformação política, econômica e social em
benefício das maiorias e minorias oprimidas.
3. O enfrentamento da doutrina imperialista de segurança hemisférica, que promove a
militarização.
4. A relação entre as forças políticas, os movimentos sociais e cidadãos, e os governos
de esquerda e progressistas, e o papel que desempenha a solidariedade internacional.
(POMAR, 2013 p. 131)

Aparece mais uma vez na Declaração a afirmativa de uma hegemonia do neoliberalismo


na região e no mundo, no entanto fazem a ressalva de que existe um movimento em ascensão do
enfrentamento a esse modelo, resultando num acúmulo político importante de forças para a
esquerda latino-americana e caribenha, servindo como base para essa percepção as reeleições de
Hugo Chávez na Venezuela, de Lula no Brasil e as eleições de Rafael Correa no Equador e de
Daniel Ortega na Nicarágua, somando-se à Tabaré Vasques no Uruguai em 2004 e Evo Morales
na Bolívia em 2005, assim como a presença ou apoio no Chile com Michelle Bachelet e Nestor
Kirchner na Argentina.
É evidente na Declaração o avanço da capacidade operativa do Foro, uma vez que passam
a deliberar por ações concretas, como a publicação de um boletim eletrônico mensal, a formação
de uma escola continental de formação, a realização de um festival político cultural, a criação de
95

um observatório eleitoral e o desenvolvimento de uma política voltada para a juventude, de


promoção da arte e da cultura.
A efetividade do Foro de São Paulo como centro de formulações e fortalecimento de
políticas se constituiu diante da ascensão, em boa parte do continente, de seus membros aos
governos de Estados, como foi o caso do Brasil com o Partido dos Trabalhadores, da Argentina
com o Partido Justicialista, do Paraguai com o Frente Guasú, da Bolívia com o Movimento para o
Socialismo, da Nicarágua com a FSLN (Frente Sandinista de Libertação Nacional), da Venezuela
com o PSUV (Partido Socialista Unificado da Venezuela), do Uruguai com a Frente Ampla, do
Equador com o Aliança País, do Chile com o PS (Partido Socialista) de El Salvador, com a
FMLN (Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional), e recentemente, em 2018, do México
com o MORENA (Movimento de Regeneração Nacional).
Segundo Pomar e Regalado (2013):

Neste debate, há desde aqueles que manifestam o temor de que nossos governos tentem
colaborar na construção de um novo ciclo histórico, sem que existam as condições
econômicas, políticas e ideológicas necessárias para enfrentar com sucesso as classes
dominantes; até aqueles que alertam sobre o risco de nossa presença nos governos não
contribuir para alterar as estruturas mais profundas de nossas sociedades e do conjunto
da América Latina, o que resultaria numa desmoralização que abriria caminho para a
direita recuperar a cabeça dos respectivos governos nacionais. (POMAR; REGALADO,
2013 p. 7)

De volta a Montevidéu, em maio de 2008 realizou-se o XIV Encontro do Foro de São


Paulo, com a presença de organizações provenientes de 35 países e sua Declaração é marcada
pelo grave tom da crise especulativa nos Estados Unidos, elevando-se as preocupações de uma
recessão em escala mundial. Apontam ainda as raízes dessa crise: a manipulação e especulação
realizada em larga escala pelas transnacionais, diante do aumento da demanda mundial de
alimentos, a concentração da propriedade de terras, a irracionalidade das monoculturas, a
produção de etanol de milho realizada pelos Estados Unidos e a pressão sobre os preços dos
produtos agrícolas.
Ao passar à leitura da situação da América Latina e Caribe a Declaração utiliza-se de uma
frase reveladora quanto a percepção que se tinha da conjuntura naquele momento: “Não estamos
vivendo uma época de mudanças, mas sim uma mudança de época”. À primeira vista a carga de
significado dessa passagem pode não chamar tanta atenção e se assemelhar apenas a um dístico
dramatizante, mas com um olhar mais atento podemos absorver dela o entendimento de que
96

estava se encerrando um ciclo histórico e, ainda nas palavras de Gramsci, um bloco histórico,
dando espaço para um período de tipo novo em que o recrudescimento do movimento das forças
progressistas faria com que estas exercessem papel de liderança na condução da sociedade e já
não se avistava possibilidades concretas de retrocessos. Essa análise viria ao encontro às
preocupações acima citadas, no trecho extraído de Pomar e Regalado (2013) uma vez que
aparentemente, essas preocupações não se fazem presentes nessa pequena frase. Podemos supor a
partir disso que existia naquele momento histórico um alto grau de confiança. Arriscamo-nos
ainda a salientar que essa confiança veio a minar as possibilidade de aprofundamento das
mudanças estruturais necessárias para garantir a durabilidade dessa “mudança de época”.
Diante dos bons resultados das políticas públicas postas em prática pelos governos
progressistas, a Declaração enxerga com nitidez a tentativa do imperialismo, das elites nacionais,
das transnacionais e da grande mídia de desestabilizar esses governos, realizando uma ofensiva
através de táticas como, o aumento da militarização “preventiva” e a criminalização do protesto
social e da luta política da esquerda.
O chamado à integração é contundente no documento e se incentiva à adesão aos
processos de integração existentes que contestam o modelo geocêntrico, como forma de postular
uma inserção internacional independente. A UNASUL (União das Nações da América do Sul),
nasce como uma grande esperança de representar a proposta de integração do Foro de São Paulo.
Pela primeira vez, na XIV Declaração se faz presente a preocupação com a
democratização dos meios de comunicação, debate este que começara a ganhar força no Brasil,
diante dos ataques constantes da grande mídia ao Partido dos Trabalhadores e seu governo. A
importância da troca de experiências entre as organizações membros se reflete nesse item, pois a
coincidência de tal realidade se espalhou por entre as nações governadas por partidos de esquerda
e assim o Foro absorveu essa luta como central para a sobrevivência de seus governos.
Reafirmam-se também no Encontro compromissos presentes ao longo dos anos de existência do
Foro, como a luta pela equidade de gênero e pela autonomia e protagonismo da juventude.
Em 2009 foi realizado na Cidade do México o XV Encontro do Foro de São Paulo, com a
presença de organizações de 32 países da América Latina e Caribe. O número de organizações e
países representados é oscilante ao longo dos Encontros, com altas e baixas constantes. A
Declaração Final do XV Encontro tem como tema central o debate acerca das alternativas
colocadas pela esquerda latino-americana e caribenha, frente à crise capitalista, reafirmando a
97

identidade anti-imperialista e antineoliberal do Foro de São Paulo e dessa forma exaltando a sua
capacidade de resistência a esses projetos.
A crise econômica e social desatada em 2008 nos Estados Unidos teria um caráter
duradouro, o que leva alimenta a análise segundo a qual: “não estamos apenas diante de uma
época de mudanças, mas sim de uma mudança de época”. Pressupunha-se que a hegemonia
estadunidense encontrar-se-ia em declínio.
A análise dos documentos revela que a crescente denúncia de sobrecarga do
neoliberalismo e da crise capitalista sobre as mulheres, entendendo esse grupo social como mais
atingido pelos efeitos perniciosos da crise.
Um importante item é identificação de que se dissolvia no mundo o modelo unipolar, com
o surgimento de blocos econômicos em várias partes do mundo. Aliado a isso, a luta de classes
em cada país definiria, segundo a análise das organizações atendentes ao Encontro, o desenlace
da crise, com a abertura de um amplo leque de possibilidades, sejam elas conservadoras,
progressistas ou até direcionadas ao socialismo. Faz-se necessário ressaltar a atenção dada no
documento às movimentações da direita política nos países da região, que passavam a organizar
com o intuito de minar as conquistas da esquerda, através dos poderes conservados por eles,
como os meios de comunicação e também do aumento da militarização com caráter
anticomunista e racista.
De fato, no desenvolver do Encontro, é propostas uma série de medidas a serem adotadas
pelos partidos políticos do Foro de São Paulo, entre elas o acompanhamento dos processos
vividos em países governados por partidos do Foro; o fortalecimento dos movimentos sociais e
sua articulação com os povos indígenas e originários; permanecer construindo a unidade entre as
forças progressistas; criar condições para a renovação geracional, através de mecanismos de
democracia interna; resguardar os espaços conquistas e ampliar as vitórias eleitorais na região35.
Tomando lugar em Buenos Aires, Argentina, no ano de 2010, a Declaração Final do XVI
Encontro do FSP celebra os vinte anos de existência da organização. Nesse se louvam as
iniciativas bem sucedidas de integração na região, como a ALBA (Aliança Bolivariana para os

35
Nesse Encontro, realizou-se, pela primeira vez, de forma paralela, o Encontro da Juventude do FSP, o que reforça
a capacidade de colocar em prática os encaminhamentos feitos nos encontros prévios e de forma nítida demonstra a
intenção de garantir ao Foro um caráter duradouro, formando novas gerações dirigentes para o processo de
articulação da esquerda latino-americana.
98

Povos da América Latina), a UNASUL (União das Nações Sul-Americanas) e a CELAC


(Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos).
Com a profunda crise do capitalismo se alvoram o fortalecimento do Estado, dos
interesses nacionais, a solidariedade, a integração regional e o socialismo. Aparentemente, as
forças políticas do Foro de São Paulo estavam permeadas de um otimismo que desconsiderava a
capacidade de reação do imperialismo estadunidense e seus aliados nos países da região. Esse
viés custaria, anos depois, a derrota política em vários aspectos, sejam eleitorais, sejam político
ideológicos. Esse otimismo pode ser mais um indicador da força do Partido dos Trabalhadores,
uma vez que naquele momento a popularidade de Luís Inácio Lula da Silva superava os 80% e a
sua sucessão por Dilma Rousseff se fazia praticamente certeira.
A incorporação no Encontro, da agenda do debate racial, demonstra a evolução da
organização em incorporar as pautas latentes nas sociedades da região. Os debates sobre
opressões fervilhavam no seio da esquerda a partir daquele momento. No entanto é pertinente
salientar que nesses vinte anos de encontro nenhuma menção à luta pela diversidade sexual e
contra a LGBTfobia fora feita.
A denúncia da ampliação da política intervencionista dos Estados Unidos se faz presente,
exigindo a paz no Irã e outros Estados ameaçados pela OTAN (Organização Tratado do Atlântico
Norte), assim como identificam que essa ofensiva seria motivada pelos fracassos no Iraque e no
Afeganistão. Nesse ínterim, exigem a retirada das bases militares estadunidenses de todos os
países da América Latina e Caribe.
As lutas por libertação nacional, que completariam 200 anos no ano da XVI Declaração,
são relembradas como marcos da luta dos povos latino-americanos e caribenhos, o que dá o tom
desses vinte anos de existência do Foro.
O XVII Encontro do Foro de São Paulo se realizou em 2011, na cidade de Manágua,
Nicarágua, em ocasião do 50° Aniversário de Fundação da Frente Sandinista de Libertação
Nacional (FSLN). A influência dessa sigla se faz bastante evidente na análise das Declarações
dos Encontros do Foro e se posiciona junto ao Partido Comunista Cubano (PCC) e ao PT, como
as mais citadas nos documentos.
Tornam-se recorrentes análises sobre os efeitos perniciosos do narcotráfico, como forma
de organização criminosa, o que se confirma na XVII Declaração. Ao se fazer essa identificação,
as organizações presentes no Foro de São Paulo reafirmam a disposição em ampliar suas vitórias,
99

aprofundar a transformação e consolidar o que vinha sendo denominado “mudança de época”.


Para isso, afirmam que a redistribuição da renda, a democratização da comunicação e a defesa da
soberania nacional constituem bandeiras comuns e indeclináveis das forças de esquerda no
continente. (Secretaria de Relações Internacionais do PT, 2013 p. 165).
Na Declaração são exaltadas as experiências de governos de esquerda na América Latina,
com expressiva notoriedade para o caso cubano e sua Revolução Socialista. No entanto, fazem
uma análise realista da potência do contra-ataque imperialista sobre o avanço das forças de
esquerda, análise que não se fez presente com tanto destaque nos documentos prévios. É
perceptível uma mudança de tom anti-intervencionista e a busca por saídas pacíficas para os
conflitos, sejam eles na América, sejam em outras regiões do mundo, assim como se reafirma o
repúdio ao colonialismo ainda presente na região.
Os partidos e organização do Foro de São Paulo reuniram-se em 2012, na cidade de
Caracas, Venezuela, para o seu XVIII Encontro, sob uma análise que confirmava a decadência da
hegemonia estadunidense e o surgimento de novos polos de poder, nitidamente, diante de uma
disputa pelos espaços geopolíticos e geoestratégicos e da resposta militarizada do imperialismo e
a atuação golpista de seus aliados. Nesse contexto, citam as tentativas de golpe na Venezuela em
2002 e no Equador em 2010, a destituição de Manuel Zelaya em Honduras, em 2009 e de
Fernando Lugo, no Paraguai em 2012. Ao falar sobre a ação da direita política, dão especial
atenção à atuação dos meios de comunicação na tentativa de desestabilizar os governos populares
e portanto defendem com maior prioridade a democratização dos meios de comunicação.
O documento passa então a saudar as bem-sucedidas iniciativas independentes de
integração regional, afirmando ser esse o único caminho possível para enfrentamento à crise
econômica e à ofensiva imperialista. O salto no número de organizações presentes é expressivo,
passando a contar com 100 partidos, e presença de cinquenta países de todos os continentes, o
que demonstra a potência do Foro de São Paulo como articular da esquerda latino-americana,
caribenha e também mundial. Diante dessa capacidade, suas reivindicações recorrentes, como a
libertação de Porto Rico do julgo colonial, o reconhecimento da legitimidade da Palestina como
Estado Soberano, a defesa de candidatos nos processos eleitorais e a exigência de restituição
democrática no Paraguai, não são meros espasmos, e possuem força política significativa.
No XIX Encontro do Foro de São Paulo, realizado em 2013, na cidade de São Paulo,
Brasil, as entidades ali presentes reforçam, ainda que ressalvando-se a ofensiva imperialista, a
100

concepção de uma mudança de época para a América Latina, protagonizada pelos governos
progressistas na região e as mudanças estruturais realizadas nesses países. Identificam, no
entanto, que o processo de transição no sistema internacional ainda possui um desenlace incerto.
A necessidade de aprofundar a democracia, através da participação popular nas decisões
de governo é uma demanda recorrente nas Declarações do Foro, mas é possível apreender da
leitura da XIX Declaração certo grau de urgência nessa questão. Isso se confirma ao dedicarem
um parágrafo inteiro para as manifestações de Junho de 2013 no Brasil:

El XIX Encuentro se realiza este año en Brasil, país que está viviendo una serie de
manifestaciones populares en demanda de transformaciones en las estructuras, así como
más derechos y mejoras en las políticas públicas. Entendemos que dichas demandas son
justas e importantes pues, a pesar de los grandes avances conquistados desde el inicio del
gobierno Lula en 2003, éstos revelan la necesidad de ampliar los espacios de
participación y expresión política de sectores sociales que han alcanzado un progreso
económico gracias a las políticas implementadas por su gobierno. Nuestros partidos y
organizaciones sociales deben ser capaces de asumir dichas transformaciones y
encontrar la manera de abrir estos espacios. (Foro de São Paulo, 2013 p. 1)

A Declaração cita ainda a tentativa dos Estados Unidos de manter sua hegemonia
econômica, política e militar, na contramão da crise estrutural pela qual passava o capitalismo,
através de manobras como a espionagem internacional e também de seus próprios cidadãos. A
resposta indicada a tais manobras seria a democratização da internet, por meio de uma gestão
universal e transparente.
Para conter a financeirização promovida pelo imperialismo, na tentativa de barrar sua
crise, assim como a proliferação dos tratados de livre comércio, se propõe o aprofundamento da
integração latino-americana, com a perspectiva de alcançar a complementariedade econômica,
diminuir as assimetrias e promover o desenvolvimento social e econômico do continente.
A iniciativa dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) recebe o apoio do
Foro, por representar a constituição de novos polos de poder e a construção de um mundo
multipolar. Nesse mesmo caminho, a Declaração presta suas homenagens e apoios a diversos
líderes da região, como à presidenta Dilma Rousseff, à Nicolas Maduro, na Venezuela e Rafael
Correa, no Equador.
Em 2014, o XX Encontro do Foro de São Paulo celebrou-se na capital da Bolívia, La Paz,
adotando o lema “Derrotar a pobreza e a contraofensiva imperialista, conquistar o Viver Bem, o
Desenvolvimento e a Integração de Nossa América”. (Foro de São Paulo, 2014 p. 1). Se em
101

encontros anteriores, o clima otimista tomava conta das organizações, a percepção e atenção a
uma contraofensiva imperialista passam a se materializar mais concretamente nos últimos três
encontros. A Declaração dedica-se também a uma firme defesa do fim de todo tipo de
colonialismo sobre a região, respaldando Declarações anteriores, assim como afirma seu
completo apoio ao processo revolucionário e democrático em curso na Bolívia, sob a liderança
dos movimentos sociais.
Na XX Declaração Final do Foro de São Paulo está contida a análise de um indiscutível
avanço das forças progressistas e de esquerda na América Latina, no entanto falam de forma
realista sobre a ameaça representada pelo projeto de desestabilização posto pelas direitas
nacionais e pelo imperialismo. Abordam especialmente as tentativas de deslegitimar o presidente
venezuelano Nicolás Maduro e como a disciplina revolucionária de suas forças armadas e de seu
povo impedem os retrocessos no país. Ainda nesse sentido, denunciam a ameaça representada
pelos Tratados Bilaterais firmada à época dos governos neoliberais na região, que poderiam gerar
profunda desestabilização econômica e instrumento de chantagem internacional.
São nítidos os avanços nas análises feitas acerca da contraofensiva imperialista. A
Declaração nos traz o conceito de “guerra não convencional”, em que:

[...] determinadas práticas de influência política de médio prazo, que se combinam com
uma maior radicalidade nas ações desestabilizadoras que descaradamente procuram a
chamada “mudança de regime” mediante revoltas “supostamente populares”, focos
terroristas e ingerências imperialistas que podem derivar em um conflito armado, como
no caso sírio. (Foro de São Paulo, 2014 p.6)

A Declaração ainda denuncia as ações diversionistas promovidas pelos Estados Unidos,


em termos de integração regional, reafirmando seu compromisso com as alternativas autóctones e
com grupos, como os BRICS que se proponham a efetivar uma ordem mundial multilateral.
Instigam também a ampliação do MERCOSUL, defendendo a incorporação da Bolívia e do
Equador.
Neste documento aparece pela primeira vez o termo “opções sexuais” 36, o que representa
um salto qualitativo em relação à absorção do debate produzido junto à sociedade civil e aos
movimentos sociais. A aparição tardia pode refletir posicionamentos no interior dos partidos,

36
O termo “opção sexual” não corresponde ao acumulo dos debates no interior do movimento LGBT, que entende
como melhor definidor das relações interpessoais o termo orientação sexual, ou identidade sexual, por compreender
que não existe nenhum momento da vida consciente em que se “opte” por essa ou aquela manifestação sexual.
102

uma vez que o debate passa a ganhar força e apenas recentemente passa a ser incorporado pelas
organizações de esquerda e até mesmo por algumas de direita.
Tomando lugar na Cidade do México, México, em 2015 a Declaração Final do XXI
Encontro do Foro de São Paulo adota o lema “Igualdade, equidade, justiça social,
desenvolvimento sustentável e soberania, símbolos da mudança em Nossa América”, num
momento em que os partidos da organização buscam aprofundar a integração regional com base
em seus princípios de solidariedade entre os povos, desenvolvimento com cooperação e
complementariedade, justiça social, democracia e participação popular, fazendo a avaliação de
que o Foro havia contribuído muito para esses objetivos.
Eleva-se o tom da gravidade da contraofensiva imperialista e das elites nacionais, que
neste momento já haviam aplicado golpes de Estado em Honduras e no Paraguai. Com isso, as
organizações presentes no Foro declaram seu dever incontornável de fortalecer suas fileiras para
defender os avanços alcançados durante os governos de esquerda na região. Fazem ainda menção
aos erros cometidos pelas lideranças desses processos sem, no entanto, nominá-los.
As Declarações do Foro trazem sempre uma defesa vigorosa dos povos indígenas, de seus
direitos e suas formas de luta. A XXI Declaração reforça esse item, assim como a necessidade de
superação do modelo patriarcal, defendendo a igualdade entre pessoas independente de seu
gênero e mais uma vez fazendo menção à igualdade e não discriminação das sexualidades
diversas, dessa vez adequando-se ao termo orientação sexual.
O processo vivido na América Latina e Caribe possuiria um caráter singular em relação ao
resto do mundo que, no que pese à deterioração da hegemonia estadunidense, vive sob o julgo da
intervenção militar e do expansionismo da OTAN. Denunciam o caráter violento da União
Europeia (UE) e rechaçam seu modelo de integração, que achacou o povo grego e os povos da
Europa.
Ao saudar as vitórias eleitorais na Bolívia, Brasil e Uruguai, faz menção nominal aos
vice-presidentes eleitos, entre eles Michel Temer. Na nossa avaliação isso constituía uma
estratégia, diante do já anunciado golpe de Estado no Brasil, na tentativa de coesionar as forças
políticas das coalizões encabeçadas pela esquerda. Duas menções foram feitas também ao Papa
Francisco, um sinal de aproximação das forças progressistas com a Igreja Católica.
Um parágrafo inteiro é dedicado à situação brasileira, em primeiro lugar saudando a
quarta vitória eleitoral do PT e partidos aliados, mas apresentando um panorama complexo de
103

ataques à soberania brasileira sobre o petróleo e numa intensa campanha midiática para
desestabilizar o segundo governo de Dilma Rousseff e criminalizar e judicializar o Partido dos
Trabalhadores, utilizando-se de investigações na Petrobrás. É a primeira vez em que se faz
menção ao processo brasileiro em tom de gravidade, o que pode representar a análise do próprio
Partido sobre a situação política no país.
De forma geral, o clima desta XXI Declaração Final do Foro de São Paulo é de apreensão,
exortando o caráter transformado dos processos em andamento na região, no entanto com
perspectivas mais realistas em relação à reação do imperialismo e seus aliados.
De volta à San Salvador, El Salvador, em 2016, o XXII Encontro do Foro de São Paulo
produziu uma Declaração que afirmava os acertos de análises, planos de ação e reflexões
produzidos pelas plenárias do Foro, inclusive a percepção de uma intensificação da ação da
direita continental e do imperialismo para desmantelar os avanços obtidos sob os governos de
esquerda e progressistas, indicando com isso a necessidade de se acelerar o processo de
transformação no continente.
A Declaração atribui um caráter central à luta pela estabilidade venezuelana e à restituição
da presidenta Dilma Rousseff, que nesse ano sofrera um golpe de Estado, jurídico, midiático,
parlamentar e empresarial. O Foro declara seu irrestrito apoio ao PT e aliados, para uma luta que
segundo a Declaração, toma dimensões continentais.

É necessário que o Foro de São Paulo fortaleça os esforços pela construção de uma
frente política e social continental, integrada por movimentos políticos, sociais e
populares de nossa região, abarcando amplos setores da sociedade, entre eles aqueles
que exigem o respeito a seus direitos pessoais e coletivos, como por exemplo, os que
lutam pela liberdade de suas orientações sexuais no caso dos grupos LGBT, os setores
da juventude, as lutas de gênero pela igualdade de direitos entre homens e mulheres, os
povos originários, os afrodescendentes, que não necessariamente atuam partidariamente,
mas que lutam nas ruas por seus direitos e pelo exercício de suas expressões culturais.
Todos os partidos de esquerda devem garantir espaços, em suas lutas e em suas
estruturas, para estes setores. (FORO DE SÃO PAULO, 2016 p.7)

Causa estranheza na Declaração, a amenização do tom de gravidade. Apesar de presentes


análises de que havia um profundo movimento de restauração conservadora na região, a
Declaração se dedica em grande medida a exaltar as iniciativas bem sucedidas e a frisar as
contribuições do Foro para a região.
Realizado em 2017, em Manágua, Nicarágua, o XXIII Encontro do Foro de São Paulo
traz em sua Declaração Final uma pertinente autocrítica. Apesar dos muitos logros eleitorais, as
104

organizações membros do Foro haveriam se esquivado da tarefa de construir hegemonia popular,


tarefa que segundo ela seria a única fonte de poder capaz de assegurar a vitória frente as
investidas imperialistas e das oligarquias locais e garantir imunidade contra os erros, desvios e
insuficiências. Identificam ainda estar o continente em uma fase crucial de sua história, em que os
efeitos da crise econômica do capitalismo se fazem evidentes.
Ratificando a posição de centralidade da luta pela estabilidade na Venezuela, devido à sua
importância geopolítica e seus preciosos recursos naturais, a Declaração afirma que a batalha pela
Venezuela é a batalha pelo continente e pela esquerda em todo o mundo.
A Declaração faz uma denúncia contundente à judicialização da política no Brasil, e
aportam toda à sua disposição de luta em favor do ex-presidente Lula, que naquele momento
sofria sua condenação em primeira instância, como forma de impedi-lo de concorrer e vencer as
eleições de 2018. Aqui podemos perceber como a influência do Partido dos Trabalhadores se faz
crucial para a determinação das ações do Foro.
Apesar dos retrocessos, está presente na Declaração a percepção de que o ciclo
progressista na América Latina e Caribe não encontraria ali o seu fim. Nesse sentido ressaltam as
três eleições vencidas pós-recrudescimento da ofensiva imperialista, na Nicarágua, com Daniel
Ortega, no Equador, com Lenín Moreno37 e em El Salvador, com Salvador Sánchez.
Está presente nesse Documento a convocação a formas de luta diversas, que não apenas a
eleitoral. Englobando múltiplos setores da sociedade, essas formas de luta são tidas como
primordial para se garantir a manutenção dos avanços e a evolução no rumo progressista. É
notável a citação à necessidade de coexistência entre empresários e novas formas econômicas
populares, como pré-requisito para uma organização social coesa que sirva como base para um
novo modelo político e social, em que o Estado assuma o protagonismo na direção e regulação da
atividade econômica. Para essa tarefa, afirma ser necessária a conformação de um frente cultural
e de comunicação, que dê vasão à expressão popular. Ainda no sentido da autocrítica, elaboram
análise sobre a necessidade de adaptações no discurso, de forma a atingir mais diretamente as
bases populares.
Podemos entender, a partir de tais formulações, que a experiência vivida nos países
governados pelos partidos do Foro, em especial o enfrentamento midiático colocado ao Partido

37
Apesar de apoiado pelo ex presidente Rafael Correa, uma vez chegado ao governo, o presidente Lenín Moreno
realizou uma volta de 180 graus e adotou um programa neoliberal e uma série de ataques, inclusive judiciais, à
Rafael Correa.
105

dos Trabalhadores no Brasil, embasam as concepções do Foro de São Paulo, que passa a
compreender (tardiamente) a necessidade da disputa de consciências através da comunicação
eficiente. O PT absorve parte dessa autocrítica para suas fileiras, assim como serve de sustento
experimental para tal elaboração.
A Declaração da Havana, no ano de 2018, em ocasião do XXIV Encontro do Foro de São
Paulo reafirma: “América Latina em pé de luta”, diante da ofensiva conservadora, reacionária e
restauradora do neoliberalismo na região. Nesse momento, as forças de esquerda já acumulam
muitos reveses e se identifica uma virada na correlação de forças, a favor dos imperialistas e
oligarcas. Dessa forma, repudiam a prisão do ex presidente Lula, como símbolo da ação atroz das
oligarquias, que não tem força para derrotar eleitoralmente as forças progressistas. O gráfico
abaixo mostra o número de organizações participantes por países membros.

Gráfico 1 – Organizações políticas e partidárias do Foro de São Paulo, segundo países membros.

Total

13
12
10
8 8 8
7 7 7
5
1 1 3 2 1 1 1 3 1 1 2 3 1 3 3 1
Total
REPÚBLICA…
BOLÍVIA

COLÔMBIA

PERÚ
BARBADOS

CHILE

HONDURAS
HAITÍ

VENEZUELA
ARGENTINA
ARUBA

CUBA
CURAÇAU

MÉXICO
EQUADOR
COSTA RICA

GUATEMALA
EL SALVADOR

MARTINICA

PANAMÁ
PARAGUAI

TRINDADE E TOBAGO
NICARÁGUA

PORTO RICO

URUGUAI
BRASIL

Fonte: Foro de São Paulo (2018).

Fazem ainda uma a alusão a um movimento mundial pela paz, diante da escalada
militarista e intervencionista do imperialismo e advertem para um nível de concertação das forças
conservadores a níveis desconhecidos pelas organizações progressistas. Como contraponto,
defendem intransigentemente a experiência da CELAC, como alternativa para a integração
regional, a constituição de um forte mecanismo de intercâmbio, que possa fortalecer o
conhecimento acerca do desenvolvimento dos planos da direita para desestabilização contra os
106

governos populares na América Latina e Caribe e a aproximação com as organizações de


esquerda da Europa, em uma relação entre o Foro de São Paulo e o PIE (Partido da Esquerda
Europeia).
O tom dessa Declaração remete aos tempos das primeiras Declarações, anteriores à
chegada dos partidos progressistas e de esquerda nos governos nacionais, com uma série de
análises acerca dos malefícios causados pela radicalidade neoliberal. O avanço das forças
conservador levam as organizações ali presentes de volta a uma posição defensiva, o que fica
nítido a partir da leitura do documento, que está repleto de denúncias e exigências, como nos
anos iniciais do Foro. O texto é finalizado com “Lula Livre”, demonstrando a força da
agremiação petista dentro do FSP.
A partir da análise das vinte e quatro Declarações do Foro de São Paulo, podemos
perceber através da diferente formatação entre elas, que a responsabilidade pela redação de cada
um não se fez de forma homogênea, ou seja, não esteve a cargo de um grupo de trabalho, mas
sim dos diferentes partidos que sediaram os encontros. Ao mesmo tempo, há um alto grau de
continuidade em demandas já histórica dos partidos e movimentos integrantes do Foro. Podemos
também identificar quatro fases de formulações: uma, até 1997, em que a denúncia ao
neoliberalismo carregava a narrativa, acompanhada da ênfase na construção de unidade entre os
partidos membros; outra, em que se começa a perceber os frutos políticos da crise provocada pelo
neoliberalismo na região e o otimismo passava a ser mais presente, a partir de 1998, como a
eleição de Hugo Chaves na Venezuela, passando pela eleição de Lula no Brasil, em 2002 e
desembocando nas várias vitórias eleitorais na região; uma terceira, no período de governos
progressistas na América Latina e Caribe, em que o otimismo tomou conta da organização e o
conceito de estarem presenciando não uma época de mudanças, mas sim uma mudança de época,
o que pode ter levado a alguns descuidos por parte das organizações, durando até 2013; e uma
última, em que a alteração da correlação de forças, em favor dos imperialistas e aliados nacionais,
levando a vários vieses eleitorais e políticos, fez com que as declarações voltassem a assumir um
tom mais grave em relação à conjuntura e se aplicassem com mais dedicação às necessárias
autocríticas.
Com isso podemos concluir que após a forte onda de expansão do imperialismo na região,
e de forma trágica provando reais as preocupações de Pomar e Regalado (2013), em que
tombaram o Partido dos Trabalhadores, no Brasil, o Partido Justicialista, na Argentina, a Frente
107

Guasú, no Paraguai e a Aliança País, no Equador, o Foro de São Paulo passa a olhar com mais
cuidado para as fragilidades em torno dos processos de transformação política, econômica e
social no continente.
A partir da chegada dos partidos progressistas e de esquerda aos governos, evidenciou-se
forte contradição entre os projetos implantados e as transformações propostas, apesar de
apresentarem um contraponto ao neoliberalismo. Nesse caso, é importante a atuação do Foro de
São Paulo no sentido de se disputar os rumos desses governos, para que a organização não
incorra nos mesmos erros da Segunda Internacional. É possível identificar na dificuldade para tal
tarefa, a influência do PT no Foro de São Paulo, uma vez que o Partido optou gradualmente por
uma política conciliatória com setores da burguesia. Diante de tal constatação é pertinente
afirmar a existência de disputas internas, desenvolvidas no interior do Foro. A partir delas se
formam as sínteses responsáveis por delinear um modelo de socialismo. Apesar da organização
nunca ter se proposto a tornar-se mundial, ela abarca debates cruciais para a pulsação da esquerda
mundial e para o socialismo do século XXI.

4.1 AS INFLUÊNCIAS DO FORO DE SÃO PAULO NA POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA

Durante os governos Lula e Dilma, a agenda internacional ganhou relevância no debate


público, mobilizando ações em torno da disputa de seus rumos. Nesse ínterim, foram recorrentes
os elogios e as críticas com relação às posturas do governo brasileiro quanto ao reconhecimento
da soberania dos países vizinhos, como no entrave da política energética com o Paraguai ou
diante a nacionalização de ativos da Petrobrás pelo governo boliviano. As divergências se deram
também em relação à atuação do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social) com sua política de financiamento de projetos de infraestrutura em países da região.
Cabe ressaltar, no entanto, que a política externa nos governos Lula sofria influência
preponderante do Partido dos Trabalhadores, ainda que não absoluta, uma vez que expressava o
consenso de uma coalizão política. Segundo Celso Amorim:

Eu acho que não há uma política externa petista, há uma política externa do governo do
presidente Lula, que era do PT, mas que também tinha outras variáveis... imagina o
Ministro da Indústria e do Comércio era o Vice Presidente da Fiesp e ele influía na
política externa, não conduzia, eu aliás várias vezes já tive até pequenos embates com
ele, mas eu estou dizendo...não era uma coisa que eu pudesse ignorar, eu não ignorava a
108

Fiesp, na política externa, não ignorava o agronegócio na política externa. Eu não podia
ignorar, então não há uma política externa petista, eu estou te dizendo, sinceramente na
minha opinião, era do governo Lula que na minha opinião uma coalizão de vária forças,
na qual obviamente o PT tem um papel muito importante , preponderante mesmo, mas
não absoluto, então é preciso entender isso. (Entrevista realizada em 7 de junho de 2019)

Com fins a compreender melhor a política externa adotada durante os governos petistas,
foi feita uma análise sobre os documentos do Foro de São Paulo, entendendo-o com um fórum de
acumulo para a formulação do Partido dos Trabalhadores, segundo nos trazem Rafael Fernandes
Xavier Duarte e Drielle da Silva Pereira (2015).
Segundo os autores, embora os encontros do Foro não produzissem de forma mais
sistemática sobre o modelo de integração, eles foram influenciadores das propostas políticas do
Partido dos Trabalhadores para a região e consequentemente das políticas incorporadas pelos
governos petistas, inclusive por sua tática eleitoral, realizando um efeito de mútua influência,
versando sobre objetivo de reunir em frentes anti-neoliberais todos os setores atingidos por essas
políticas: campesinato, operariado urbano, pequena e média burguesia, empresários nacionalistas
e nacionalidades e etnias oprimidas. Outra política debatida no âmbito do Foro de São Paulo e
adotada pelo Partido dos Trabalhadores foi a contestação ao arranjo econômico mundial, nas
figuras do FMI, do Banco Mundial, da OMC e do Conselho de Segurança da ONU.
A crise do neoliberalismo, na passagem do século XX para o XXI, colocou à prova as
forças políticas organizadas no Foro de São Paulo, ao apresentar uma brecha histórica de
possibilidade para a construção de um consenso alternativo na América Latina.
Com a chegada de Lula ao governo, se formaram muitas expectativas em relação à
condução dos mais variados temas, incluso nestas as expectativas em relação à política externa e
diplomacia. Essa perspectiva se traduziria já no primeiro discurso de Lula da Silva, em 1° de
janeiro de 2003, quando proferiu as seguintes palavras:

Esta Nação, que se criou sob o céu tropical, tem que dizer a que veio: internamente,
fazendo justiça à luta pela sobrevivência em que seus filhos se acham engajados;
externamente, afirmando a sua presença soberana e criativa no mundo. Nossa política
externa refletirá também os anseios de mudança que se expressaram nas ruas. No meu
Governo, a ação diplomática do Brasil estará orientada por uma perspectiva humanista e
será, antes de tudo, um instrumento de desenvolvimento nacional. (SILVA, Luís: 2003
p. 8-9)
109

Dessa forma se expressava o intuito de retirar o Estado brasileiro da condição de


coadjuvante, projetando o solo por onde se ergueria uma política “altiva e ativa”, que
possibilitaria o protagonismo no forjar da arquitetura da “comunidade internacional”, e com isso
redirecionando seu enfoque para as relações sul-sul e propondo um novo modelo integracionista
pra a América Latina, expressos pelas novas funções atribuídas ao Mercado Comum do Sul
(MERCOSUL) e pelo desenho da União das Nações Sul-Americanas (UNASUL). Quanto a essas
novas configurações, dissertaram Marcelo Mariano, Haroldo Ramanzini e Rafael de Almeida
(2014), afirmando que o epicentro das relações deixa de se dar em torno das relações econômicas,
passando a cooperação e integração entre os países da América do Sul tomar como princípios as
relações políticas em torno da autonomia nacional e regional, compreendendo que a cooperação e
integração exigem respostas que o mercado sozinho não seria capaz de conceder e, portanto
buscam fornecê-las em consideração ao mercado, porém em bases mais amplas.
A Unasul representa o adensamento das relações políticas entre as nações sul-americanas,
contando com órgãos de representações ministeriais setoriais, como o Conselho de Saúde Sul-
Americano, o Conselho de Educação, Cultura, Ciência, Tecnologia e Inovação, o Conselho
Energético da América do Sul e o Conselho de Defesa Sul-Americano. A iniciativa de integração
na infraestrutura, representada pela IRSA (Iniciativa para Integração da Infraestrutura Regional
Sul-Americana), também se postulou como estratégica para os interesses brasileiros.
As experiências anteriores do Partido dos Trabalhadores, de administração municipal e
estadual, serviram como contribuição para o conhecimento da política de gabinete, assim como a
matéria das políticas internacional passou a ser mais levada em consideração nas formulações
petistas. Nesse quadro é possível retomar a função do Foro de São Paulo, como argamassa das
propostas por um novo modelo de integração regional, baseado na soberania e autodeterminação
da América do Sul e criando espaço de diálogo para as lideranças que viriam a assumir governos
nacionais no período posterior ao da hegemonia do neoliberalismo.
Como pudemos ver, a constituição do Foro de São Paulo se faz em um momento de
adversidade para a esquerda latino-americana e mundial, diante da crise do modelo soviético e do
avanço do neoliberalismo. Com isso seu principal intuito foi servir como polo de resistência a tais
políticas, assim como centro de discussões de variadas políticas, dentre elas a política de
integração.
110

Dessa forma é possível perceber as linhas de continuidade entre as políticas geradas no


interior do FSP e aquelas assumidas pelos governos nacionais – que chegavam ao poder diante do
desgaste das políticas neoliberais- entre ele o Partido dos Trabalhadores no Brasil, situando dessa
forma a análise do Foro de São Paulo como atividade crucial para compreender as raízes
históricas do processo que pode ser observado nas primeiras décadas do século XXI na América
do Sul.
Marcado pela política externa chamada ativa e altiva, os governos Lula e Dilma
intensificaram a atuação na região, promoveram reformas nas instituições internacionais e
buscaram firmar parcerias com novos atores. O pano de fundo dessa história é a chegada do
primeiro trabalhador, respaldado por um partido orgânico da classe trabalhadora, à presidência da
república. As novas perspectivas implantadas na matéria da política externa absorvem influência
da relação efetivada entre a Secretaria de Relações Internacionais do PT e os demais partidos da
esquerda, organizados no Foro de São Paulo.
O contexto de criação do Foro, articulado pelo PT e o PCC (Partido Comunista Cubano),
esteve marcado pelo período de redemocratização em boa parte da região latino-americana, pela
chegada ao poder de forças alinhadas ao “Consenso de Washington” e pela dissolução do bloco
soviético (que enfraqueceria todo o movimento comunista e de esquerda no mundo). A chegada
do PT ao governo brasileiro determina os rumos do FSP, aumentando sua importância como
unidade política responsável por congregar as forças políticas de esquerda, socialistas,
democráticas, popular e anti-imperialista na região.
A determinação da política externa brasileira passou por personagens chave da vida
partidária petista, em alto grau de articulação entre os anseios deste partido, as formulações do
Foro e atuação do Ministério de Relações Exteriores (MRE). Nas palavras de Valter Pomar
(2013) a presença de uma corrente nacionalista, desenvolvimentista e pró-integração regional,
aliado à forte militância internacional do PT, contribuíram para a execução do projeto de política
externa lulista. Segundo críticos, tal movimentação repercutiu na partidarização e ideologização
da política externa, critica esta que optaremos por atribuir baixíssima relevância, uma vez que
esse trabalho compreende que não existe política que se faça sem a condução de uma estratégia,
evidenciando o caráter tautológico dos críticos em questão e na verdade o fundo das críticas se
espelha na polarização política, que coloca em contraste as diferentes visões acerca da matéria em
questão.
111

Como explicam Vigevani e Capaluni (2007), no período anterior, do governo de Fernando


Henrique Cardoso (PSDB), a política externa adotada foi aquela da autonomia pela participação,
que buscava garantir a capacidade de gestão em política externa através da participação no
processo de constituição da ordem internacional. Tradicionalmente radicalizado em suas posições
internacionais, o PT apresentou um projeto alternativo, de grandes mudanças na atuação
internacional, o que se comprovou, apesar da suavização dessas políticas representada pela Carta
aos Brasileiros. Uma das características mais marcantes desse período é disputa da ordem
internacional, buscando transformar seu caráter unipolar, com o ocaso do neoliberalismo, em uma
ordem multipolar, onde o Brasil teria uma constante atuação no sentido de concretizá-la. Nesse
sentido inovaram nas atribuições do Mercosul (Mercado Comum do Sul), ampliando sua
integração, investiram na articulação da UNASUL (União das Nações da América do Sul) e da
CELAC (Comunidade dos Estados Latino-americanos e do Caribe), assim como dos BRICS
(Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), interação entre países emergentes para
descentralização da ordem mundial.
Na passagem do governo Lula da Silva para o governo Dilma Rousseff, pôde ser
identificado vários traços de continuidade na política externa, apesar de, devido a uma menor
importância dada à pauta, ter tido uma característica mais reativa do que propositiva. No entanto,
cabe ressaltar a postura adotada frente ao golpe parlamentar no Paraguai em 2012, quando o
Brasil não aceitou a permanência do país no Mercosul, devido a uma cláusula democrática, do
Protocolo de Ushuaia, de 1996, assim como a firme postura perante os Estados Unidos, com a
recusa à visita, diante da descoberta de espionagem no Brasil, em 2013.
Segundo Celso Amorim, a principal influência do Foro de São Paulo na política externa
aplicada pela coalizão dirigida pelo PT foi o estabelecimento de importantes contatos que
facilitaram a comunicação entre as partes envolvidas em uma negociação ou projeto em cada
país.
O misto entre as convergências com parte da burocracia diplomática brasileira e a
delimitação do projeto internacional petista, demarca a essência da política externa dos governos
PT. Diante dessa constatação, se faz necessário acessar as fontes para as formulações no interior
do Partido, e para isso, analisar as deliberações do Foro de São Paulo, uma vez que pode-se dizer
que as diretrizes internacionais do Partido têm sua origem na organização internacionalista.
112

Na primeira reunião do Foro, em 1990, já se encontravam declarações que podem ser


consideradas definidoras da política internacional do PT, como por exemplo, a pretensão de se
construir novas bases para a integração regional, a partir da solidariedade internacionalista e com
vistas a um amplo conjunto de transformações econômicas e políticas que possibilitem uma
sociedade mais justa e igualitária e repudiando os processos de integração orientados por uma
perspectiva mercantilistas. Em suma, através de tais deliberações se constrói uma oposição ao
imperialismo estadunidense e às políticas neoliberais, visando construir um novo arranjo
internacional que responda diretamente aos anseios desses países, assim como do mundo em
desenvolvimento.
Diante da polarização do cenário político brasileiro, a contestação ao Foro vem se
elevando gradualmente, tanto pela oposição quanto pela mídia, o que demonstra a escalada dos
posicionamentos imperialistas e golpistas, não apenas no país, mas em toda a América Latina.

4.2 O PROTAGONISMO DO PT NO FORO DE SÃO PAULO

Para esta última seção, utilizaremos como principal fonte as entrevistas realizadas junto à
dirigentes do Partido dos Trabalhadores, uma vez que há pouca bibliografia específica sobre o
tema. Nossa intenção é mostrar que o papel desempenhado pelo PT no Foro de São Paulo tem
como objetivo estabelecer uma relação de liderança entre as demais forças progressistas da
América Latina e Caribe.
Segundo Valter Pomar, Ex-secretário Executivo do Foro de São Paulo, em entrevista
concedida para essa monografia, já na sua fundação, o Foro de São Paulo foi amplamente
amparado pela atuação do Partido dos Trabalhadores, em articulação com o Partido Comunista
Cubano. Por meio dos contatos entre Lula e Fidel Castro, deu-se início às articulações para a
realização de um seminário, que acabaria se desdobrando em uma duradoura experiência de
articulação da esquerda latino-americana e caribenha. De acordo com o dirigente petista, as
organizações presentes nesse seminário resolvem convocar uma nova reunião, dessa vez no
México. Foi neste segundo encontro que se decide atribuir um caráter permanente ao Foro,
nomeando-o dessa forma para manter-se o propósito inicial da reunião. Pomar afirma ainda que
estava no panorama das motivações para a criação de tal foro a derrota eleitoral sofrida pelo PT
113

no Brasil em 1989, o que reforça a perspectiva de que, ao articular o Foro, o Partido buscava
também acumular experiências para obter logro eleitoral.
De acordo com Kjed Jakobsen, assessor de relações internacionais do PT, a articulação
para a organização do Foro de São Paulo se deu principalmente entre PT e PC Cubano,
justamente porque cada um tinha uma gama diferente de contatos. Devido ao fato de o PT não ter
sua origem na Terceira Internacional, seus contatos com os partidos comunistas não eram tão
orgânicos quanto os que possuíam o PC Cubano. Em contrapartida, o PT mantinha muitos
contatos com os novos partidos formados no âmbito da América Latina. Isso demonstraria a
amplitude de forças políticas com a qual o Foro foi composto, o que não seria possível sem o que
Pomar chamaria de “papel axial” do PT nesta articulação.
De acordo com José Dirceu, ex Ministro Chefe da Casa Civil, essa empreitada petista na
construção de uma articulação internacional latino-americana não surpreenderia, uma vez que o
internacionalismo estaria presente já na fundação do PT, se manifestando principalmente na
solidariedade à Revolução Sandinista na Nicarágua e à Revolução Cubana, demonstrando a
atenção voltada para o território latino-americano. A Revolução Cubana era inclusive, segundo o
ex-ministro, referência para a juventude.
Em congruência com Jakobsen, Pomar, em entrevista realizada em 28 de fevereiro de
2019, também afirma existirem quatro períodos diferentes a orientar a estratégia internacional do
Partido dos Trabalhadores. Esta periodização, já abordada nesse trabalho, ajuda a se compreender
a relevância atribuída ao Foro de São Paulo ao longo da segunda, terceira e quarta fases desta
estratégia internacional, cabendo ao PT a principal tarefa de articulação ao longo desses períodos.
Ressalta-se o peso colocado pelo Partido na empreitada de aglutinação das forças progressistas da
América Latina, absorvendo a tarefa de liderança de tal articulação. De acordo com o
entrevistado, os períodos em que mais se voltaram atenções para a construção do Foro foram na
segunda metade da década de 1990 e entre 2005 e 2010.
Em 2002, mais uma vez se comprova a importante influência do Partido dos
Trabalhadores, através da vitória eleitoral conquistada no Brasil. Em documento redigido no XI
Encontro, realizado na cidade de Antígua, Guatemala, elabora-se a ideia de um ponto de inflexão
para a política no continente, uma vez que o maior país da região passaria a ser governado por um
membro do Foro de São Paulo, reafirmando a validade de uma política de alianças, uma vez que
114

parte significativa dos partidos aliançados ao projeto petista de transformações eram membros
ativos do Foro (POMAR, 2013).
É, no entanto necessário ressaltar que, segundo Pomar, essa influência decai muito em
algum momento entre 2010 e 2016. Talvez possamos atribuir isso ao perfil internacional traçado
por Dilma Rousseff, que segundo todos os entrevistados por esse trabalho trabalhou com menos
intensidade a diplomacia e as relações exteriores, assim como ao golpe de Estado que depôs a
presidenta em 2016, diminuindo o poder de influência do Partido dos Trabalhadores sobre a
política regional.
Ainda segundo Pomar, existe uma influência mútua na formulação da política entre o PT
e o Foro de São Paulo, que é maior ou menor de acordo com cada ponto concreto. Essa afirmação
nos leva a compreender que apesar de exercer papel importante para a definição da política no
interior do Foro de São Paulo, o PT não determina sozinho os seus rumos.
É possível afirmar que o que direcionou e continua a direcionar a política internacional do
Partido dos Trabalhadores é a América Latina, o que, segundo Jakobsen, atribui ao Foro um
papel de extrema relevância, uma vez que a organização congrega quase totalmente os partidos
de esquerda e progressistas da região. Vemos aqui o porquê de o Partido se debruçar tão
fortemente sobre a construção de tal entidade e que, como resultado, receberia a tarefa de direção
da articulação.
Essa tarefa seria recebida pelo PT, não por ser o único capaz de assumi-la mas por ser
muito respeitado, plural, amplo e democrático, somando-se a isso o peso do Brasil na região. Por
isso vem sendo aceito como um Partido com uma importante contribuição para o Foro, exercendo
assim, desde sua fundação, a função de secretário executivo, função assumida pelo secretário de
relações internacionais do Partido. O exercício desta função pode ser entendido como um
indicador do protagonismo do PT na política regional, uma vez que o Partido confere muita
ênfase à América Latina e sua à integração.
Quanto à influência do PT sobre a formulação de outras siglas da região, Jakobsen afirma:
“isso tem que ser tratado com certo cuidado, pois uma coisa é você ter um diálogo permanente e
ocasionalmente uma experiência do PT ser adotada e algum posicionamento do PT coincidir com
outras visões. Agora influência propriamente, fora desse âmbito, eu não vejo” (Entrevista
realizada em 26 de março de 2019). Vemos então que a atuação do PT, embora consistente na
região, buscou sempre respeitar as particularidades de cada partido inserido em sua realidade
115

nacional, o que não impedia que a troca entre partidos pudesse levar à absorção mútua de
experiências.
Para exemplificar o protagonismo do PT no Foro de São Paulo, podemos tomar uma
passagem da entrevista com José Dirceu:

O PT tem o papel de principal partido do Foro, exercendo a secretaria executiva. Sempre


propôs e participou junto a outros partidos importantes, como sandinistas, os cubanos, a
Frente Farabundo Martí, na elaboração dos principais textos e documentos. O PT era o
elo de ligação entre todos os partidos, era o elo de mediação, de buscar acordos, buscar
consolidação de propostas, de construir unidade. O PT era o partido maior, mais
responsável e, depois que passou a exercer o poder, mais ainda. Acredito que o PT tem o
papel principal, na fundação e depois no desenvolvimento do Foro de São Paulo, na
elaboração das propostas, com o Marco Aurélio Garcia no primeiro momento e depois o
Valter Pomar no segundo momento, como outros que também participaram e tiveram
importância, como Luiz Dulci, Luiz Eduardo Greenhalgh, o próprio Mercadante e outras
pessoas que passaram pela secretaria. Mas as duas figuras marcantes são o Marco
Aurélio num momento e o Pomar em outro, que são pessoas com grande capacidade de
elaboração, articulação, autoridade. (Entrevista realizada em 09 de maio de 2019)

Apesar dessa afirmação, Dirceu acredita que o PT não exerceu influência direta sobre as
siglas da região, embora possuísse uma liderança natural, confirmando as percepções de
Jakobsen. Neste sentido, as relações de influência entre PT e demais partidos de esquerda da
região passavam pela mediação do Foro de São Paulo.
Através das entrevistas podemos perceber que existe uma relação intrínseca entre a
atuação do Partido dos Trabalhadores, seja bilateralmente ou por meio do Foro de São Paulo, e
seu papel protagonista em meio ao movimento de esquerda e progressista da América Latina e
Caribe, sempre entendendo a função dos governos do PT para dar ênfase às relações com a
América do Sul, enquanto a atuação no Foro de São Paulo expandia esses limites para toda a
macro região ao sul dos Estados Unidos. É importante, no entanto afirmar que houve tentativas (e
há) de expandir o bloco para os Estados Unidos, através de imigrantes ligados aos partidos do
Foro, que, no entanto encontram grande dificuldade devido ao caráter disperso desses indivíduos
(Kjeld Jakobsen, Entrevista realizada em 26 de março de 2019).
Na perspectiva gramsciana, essa liderança se faz mediante a tentativa de construir um
bloco histórico internacional, que permitisse sustentação a cada experiência nacional de
desenvolvimento, através da consolidação das forças progressistas como lócus de poder na
região. Para a conformação de tal bloco, o Partido dos Trabalhadores, na intenção de exercer
116

papel dirigente, buscou afirmar tal posição através de seu caráter amplo e democrático,
permitindo com que as forças disfrutassem de autonomia suficiente para aderir à uma plataforma
comum capaz de alavancar as forças de esquerda, alçando-as aos governos ou mantendo-as no
poder onde este já não estava apenas no horizonte, mas constituía a realidade dessas forças.
No tocante a superestrutura, a atuação do Partido dos Trabalhadores no Foro de São
Paulo, aliado a outras forças de relevância regional, com as Frentes Sandinista e Farabundo Marti
e o Partido Comunista Cubano, permitiu a consolidação de um conjunto ideológico preparado
para a disputa da sociedade civil e do embate ao projeto neoliberal. Aqui se interseccionam
superestrutura e estrutura, uma vez que o Foro de São Paulo, sob a liderança do PT, foi
responsável pela elaboração de um programa conjunto para o desenvolvimento latino-americano
e caribenho, que propunha a integração das estruturas baixo a égide de um novo modelo do
conjunto de ideias a serem instrumentalizadas para as transformações da estrutura da região.
Vemos então um modelo de disputa pela hegemonia a nível internacional, embasada por uma
consolidada força de unidade. A construção dessa unidade não coube unicamente ao Partido dos
Trabalhadores, mas certamente seus esforços lhe deram papel protagonista nessa empreitada.
Tendo expressado boa parte do embasamento teórico, assim como o histórico que
permitiram a ascensão do Partido dos Trabalhadores à liderança capaz de espraiar seus ramos por
grande parte da América Latina e Caribe, ainda que hoje este bloco se encontre sob forte ataque
do imperialismo estadunidense e seus aliados, nos cabe então atentar para algumas conclusões
possíveis acerca das reflexões contidas nesse trabalho.
117

5 CONCLUSÃO

Falar sobre hegemonia é falar sobre o processo histórico de um país (e porque não, do
mundo?), compreendendo as várias facetas que se apresentam na disputa em torno do conceito, a
partir dos desdobramentos da luta de classes.
O presente trabalho pretendeu a analisar o complexo e multifacetado processo de
construção hegemônica pelo Partido dos Trabalhadores na busca por afirmar-se como liderança
(ou detentor de hegemonia política) da esquerda brasileira, avançando também sobre a América
Latina, não como caminho único, mas como um dentre os possíveis a serem adotados.
Com base na pesquisa organizada nesta monografia procuramos alinhar o material
empírico levantado, a partir das fontes primárias e das entrevistas, com o intuito de testar nossa
hipótese principal.
Que conclusões são possíveis?
A atuação do PT no interior do Foro de São Paulo, de forma bastante consensuada, foi a
de uma força dirigente. Esse movimento foi possível diante das próprias características do
Partido, que nasce com vocação internacionalista e sob uma constituição calcada na pluralidade.
Isso permitiu ao Partido um trânsito facilitado em meio às entidades presentes no Foro. O PT
utiliza o Foro no sentido de garantir que o partido liderasse a construção de um movimento
contra-hegemônico ao imperialismo em sua faceta neoliberal, podendo ser compreendido como a
tentativa de criar um novo bloco histórico internacional, ainda que limitada pelo respeito às
instituições burguesas e primordialmente mediante a via democrática, sendo a conquista dos
governos entendida como fim em si e não apenas mais uma trincheira avançada na luta pela
transformação do Estado como preceito para a instalação de um novo bloco histórico.
Essa liderança se comprova quando o Partido assume e ocupa a Secretaria Executiva do
Foro de São Paulo, desde 1990. Nos documentos do Foro não existem manifestações de
contestação desta liderança, ao contrário, os documentos do Foro mostram o quanto as
organizações desta entidade entendiam o Brasil e o PT como elemento essencial para a
constituição de uma hegemonia de esquerda na América Latina. Talvez o debate apresentado
acerca da reforma e revolução pudesse indicar o Foro de São Paulo como espaço de disputa, no
entanto a comprovação histórica da tática reformista adotada por parcela significativa das
118

organizações do Foro podem, ao mesmo passo, apontar para a vitória dessa tática em detrimento
da revolução.
Longe de ser uma liderança natural, o que nosso trabalho procurou evidenciar, sobretudo
no capítulo 2, é que a trajetória do partido o cacifa para assumir este protagonismo: o
internacionalismo do PT, a ênfase na integração e na construção da esquerda latino-americana, a
concepção de um projeto democrático popular com ambição internacionalista, e mais
recentemente a própria política externa, fizeram do partido uma liderança orgânica do movimento
de esquerda latino-americana. Se considerado a experiência político partidária, eleitoral, como
partido de oposição e principalmente após a chegada ao governo Federal, podemos entender que
a atuação internacional do PT constituiu uma tentativa de construir um bloco histórico.
É possível afirmar que o PT assumiu a direção intelectual e moral no âmbito do Foro de
São Paulo? É possível afirmar que o Foro de São Paulo foi um laboratório para o PT no sentido
de buscar, construir e testar sua capacidade de liderança da esquerda latino-americana?
Para responder a tais perguntas, precisamos de forma sintética indicar as reentrâncias que
nos levam a acreditar que esse processo se deu sem uma necessária premeditação das partes
envolvidas, mas como resultado de um conjunto de fatores que permitiram ao Partido dos
Trabalhadores desfrutarem de um reconhecido privilégio entre as organizações de esquerda
brasileiras e latino-americanas. A construção de hegemonia realizada pelo PT permitiu inclusive
que o partido liderasse uma coalizão que lhe conferisse liderança política e eleitoral de caráter
limitado, uma vez que se fez sem uma disputa adequada da ideologia e dos valores junto à
sociedade.
Chegamos à conclusão de que o processo de construção da hegemonia não se dá
unilateralmente, por meio da vontade de ator único, mas sim a partir dos embates dados em meio
a um contexto histórico concreto. Com isso explicitamos que a conquista da hegemonia na
esquerda brasileira e latino-americana não se fez de forma sintética, tendo em vista o processo
histórico do Partido e no caso latino-americano, a posição do Brasil na região.
Quando fala sobre dominação, mais uma de suas polissemias para hegemonia, Gramsci
aborda o conceito de consenso “espontâneo”, que seria aquele conferido pelas massas diante da
autoridade moral do grupo dominante. Podemos transportar esse conceito para a relação do PT
com seus aliados no Brasil e na América Latina, uma vez que o Partido, devido a seu tamanho e
pluralidade, foi capaz de postular-se como partido dominante na região, estabelecendo uma
119

função de liderança consensuada em meio ao campo político da esquerda. O Partido dos


Trabalhadores assumiria o papel de liderança entre as organizações de esquerda presentes no
Foro de São Paulo devido, entre outros aspectos, devido à sua própria constituição plural e
internacionalista, o que acabou permitindo uma gama maior de contatos e referências.
No entanto, Gramsci considera que para o exercício prático da hegemonia deve-se
estabelecer uma articulação entre os dois planos superestruturais, o da sociedade política e o da
sociedade civil. De acordo com as pesquisas aqui relacionadas, o Partido dos Trabalhadores
logrou essa hegemonia completa apenas se considerado o campo da esquerda, não sendo capaz de
exercer uma hegemonia de fato sobre a sociedade civil como um todo. Isso se fez mediante a
adoção pela tática que Gramsci denominaria “guerra de posições”, que segundo ele, deveria ser
adotada nos Estados ocidentais, devido à sua abertura democrática, em que o Estado seria apenas
uma trincheira avançada.
Concluímos então que, compreendendo a hegemonia como uma síntese entre
consentimento e coerção em que as estruturas econômica e social se sobrepõem à superestrutura
cultural e intelectual e se interpelam a sociedade civil e a sociedade política, o projeto
hegemônico do PT encontra limites nas próprias acepções que se fazem no interior do Partido
acerca do caráter do Estado, o que direciona o Partido dos Trabalhadores a as organizações por
ele lideradas na América Latina a elaborarem uma tática focada na disputa eleitoral.
Nossa pesquisa nos permite concluir também que duas acepções de hegemonia, tal como
forjadas na teoria de Gramsci, ajudam a compreender a dinâmica política e a atuação do PT no
interior do Foro de São Paulo. O PT atua no interior do FSP no sentido de buscar ora a
hegemonia política, ora a hegemonia ideológica. Ou seja, ora atua no sentido de construir
alianças políticas, ora no sentido de dirigir, não sem contradições e não sem fazer concessões,
cultural e ideologicamente a esquerda latino-americana.
O FSP pode ser considerado uma forma de disputar ideológica e culturalmente a
sociedade em nível regional e o PT atuou como liderança inconteste desse movimento, inclusive
servindo como secretaria executiva da articulação desde a sua fundação. Essa posição garantiu ao
Partido o papel de centro dinâmico da política latino-americana, em especial na América do Sul,
o que seria potencializado com a chegada do Partido ao governo no Brasil. Isso se concretizaria
através de seu projeto de integração regional. Ainda que este não tenha sido inventado pelo PT,
uma vez que a dedicação principal do Foro de São Paulo sempre se deu em torno de um projeto
120

de integração, foi através da atuação do Partido que encontrou vazão potencializada. Nesse
ínterim, podemos inclusive apontar os pontos de influência mútua entre FSP e PT. Neste sentido,
a perspectiva hegemônica do PT não se encerra nas fronteiras nacionais, mas é essencialmente
internacionalista e parte de uma perspectiva da direção compartilhada, em que a hegemonia se faz
sem uma dominação imposta, mas através da construção de consensos.
Podemos perceber que a característica do internacionalismo figurava nos horizontes do
PT desde os primórdios de sua atuação, o que se manifestaria em sua atuação política junto ao
Foro de São Paulo e nas próprias ações e princípios da política externa formulada pelo governo
de coalizão liderado pelo Partido.
Uma mudança estrutural na atuação do PT se manifesta a partir das eleições de 1989, se
agudizando em 1994, 1998 e finalmente em 2002. Não que se tenha abandonado o
internacionalismo, que se manteve presente ao longo dos anos de construção do Partido, mas se
opta por uma tática diferente da autonomista, frente ao capital, defendida nos anos iniciais do
Partido, adotando a prática de alianças cada vez mais amplas, o que não teria sido um problema,
desde que aliada a um projeto consolidado de disputa da hegemonia social e ideológica para os
princípios socialistas e populares. Essa confluência, segundo nossa leitura, acabou não ocorrendo
e o Partido passa a depositar todos os seus créditos na disputa eleitoral, o que poderia enfraquecer
futuramente (como se comprovou) sua capacidade mesma de manter a hegemonia no campo
eleitoral, prejudicando seu projeto de integração regional embasado nos preceitos da
solidariedade internacionalista.
Quanto a esse projeto de integração, conclui-se que a palavra “chave” identificada foi
“autonomia”, o que não apresenta necessariamente uma novidade frente aos projetos de política
externa anteriores, que, de certa forma, buscaram também a autonomia do Brasil no cenário
internacional, mas demonstra um salto quantitativo, que se desdobra em resultados qualitativos
em relação à autonomia e inserção do país no Sistema Internacional. A partir disso, podemos
entender que passava por esse projeto um processo de construção hegemônica em meio à região
imediata do Brasil, a América do Sul, ao mesmo tempo em que propulsava uma movimentação
contra-hegemônica frente ao imperialismo estadunidense e seu consórcio. Isso se deu através de
uma reconfiguração do “interno” e do “externo”, uma vez que a política externa esteve
intimamente ligada ao projeto de desenvolvimento nacional dos governos petistas e, portanto, de
suas tentativas de estabelecer uma hegemonia eleitoral interna. O desenrolar desse processo
121

levaria o PT, enquanto partido, a desfrutar de uma posição hegemônica em relação à América
Latina, em especial a América do Sul, ainda que exclusivamente no campo da esquerda.
Compreendemos então que apesar de não ter inaugurando o pensamento sobre um projeto
alternativo de integração regional sul-americana (e em alguma medida, latino-americana), o PT
foi responsável por potencializá-lo, colocando-o em um novo patamar e acirrando assim, a
disputa com o bloco imperialista. Essas posições só foram possíveis devido à evolução política
em matéria internacional do Partido dos Trabalhadores, que possui quatro fases de diferentes
nivelações, sendo a segunda (pós-eleição de 1989) e a terceira (pós-vitória de 2002) responsáveis
principais pelos acúmulos que permitiram uma política externa “altiva e ativa”, que se
pronunciou como um projeto de construção hegemônica em nível de América do Sul.
Podemos então inferir que existiu uma influência mútua entre as formulações geradas no
Foro de São Paulo e aquelas elaboradas no interior do PT, como se mostrou através da análise
documental das declarações do FSP, que apontam as linhas de semelhança nas propostas para
integração regional e também de forma mais geral, na afirmação de que o Foro buscava a
construção de um projeto democrático e popular para a América Latina. Essa influência pode ser
evidenciada também através da proposta econômica explicitada pelo Foro de São Paulo, que
acompanhava as formulações petistas, no sentido de garantir a atuação do mercado, mediante
uma função reguladora do Estado e de reivindicar o direito ao consumo, emprego e propriedade.
Essa influência se faria ainda mais evidente diante da vitória do Partido dos Trabalhadores no
Brasil, o que lhe conferiu maior peso e relevância na condução das atividades do Foro. Essa e
outras vitórias eleitorais das forças progressistas na América Latina levaram o FSP a baixar sua
guarda, diante do que acreditava ser uma “mudança de época, não uma época de mudança”. Isso,
segundo nossa análise, possibilitou um enfoque ainda maior por parte dessas organizações na
questão eleitoral, em detrimento da busca por hegemonia social e ideológica.
Por fim, chega-se à conclusão, com esse trabalho, que o PT atuou junto ao Foro de São
Paulo com alguns objetivos, dentre eles acumular experiências que possibilitassem melhor
desenvoltura no campo eleitoral, mas principalmente na tentativa de constituição de um bloco
histórico internacional que dessa sustentação às experiências de governos populares na região,
postulando-se como liderança desse bloco, aliando a disputa estrutural, no sentido de um plano
econômico básico, com a disputa superestrutural, em segundo plano, através da elaboração de um
conjunto de valores capazes de suplantarem o neoliberalismo. A pergunta que nos cabe é: foram
122

o PT e as organizações do Foro de São Paulo capazes de construir um bloco histórico


internacional? Seriam as investidas desses partidos suficientes para realinhar o bloco no poder?
Vê-se, então, que a experiência do Foro de São Paulo está longe de ser exaurida, se fazendo ainda
mais relevante em tempos de ascensão do autoritarismo e de defensiva das forças populares.
123

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cerimonia-de-posse.pdf/%40%40download/file/01-01%2520-
%2520Pronun.%2520do%2520Presidente%2520da%2520Rep%25C3%25BAblica,%2520Luiz%
2520In%25C3%25A1cio%2520Lula%2520da%2520Silva,%2520na%2520sess%25C3%25A3o
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127

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perspectiva do idealismo gramsciano para a colaboração de classes e a capitulação diante
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em: 07 mai. 2019.
WIKIPÉDIA. Logo Foro de São Paulo. 2019. Disponível em
<https://upload.wikimedia.org/wikipedia/pt/f/f4/Logo-FSP.png> Acesso em: 07 mai. 2019.
128

ANEXOS

ANEXO A – Entrevista com Valter Pomar

Entrevista realizada com Valter Pomar, ex-secretário executivo do Foro de São


Paulo, em 28 de fevereiro de 2019.

Encontro com Valter Pomar. Uberlândia, MG, 2019

Fonte: Acervo do autor (2019).

Quando começa a ser gestada no interior do PT a proposta de uma organização como o


Foro de São Paulo?
Nos contatos entre Lula e Fidel Castro, depois das eleições de 1989. Mas neste momento
não se pensa em criar uma organização, apenas em realizar um seminário, um encontro, uma
reunião, que efetivamente vai ocorrer em 1990.

Quando começam as articulações com as demais organizações da AL para a criação do


Foro?
Num primeiro momento, o PT convida um amplo leque de organizações para um
seminário em SP. Ao término deste seminário, decide-se fazer outro, em outra cidade. É lá que se
129

discute a criação de algo mais permanente, com o nome de Foro exatamente para preservar o
espírito inicial.

O movimento da esquerda brasileira vinha em plena ascensão desde a década de 1980,


porém a derrota sofrida em 1989 impôs as forças populares uma reflexão sobre a estratégia
adotada. Segundo nossa hipótese, a derrota de 1989 empurra o PT a buscar apoio externo,
a construir alianças políticas externas posto que o neoliberalismo acabasse de se sagrar
vitorioso nas urnas. Qual a sua opinião?
Minha opinião é que isto faz parte do panorama, mas é apenas parte. Não tem a
centralidade que você dá a entender. O que realmente tinha centralidade era a discussão sobre a
mudança na política do Partido no Brasil.

Que estratégia direciona a atuação internacional do Partido dos Trabalhadores?


Mecanismo de hegemonia? Forma de articulação que possibilite vitórias eleitorais no
Brasil?
Olha, depende da época. Podemos falar do período 1980-1989, 1990-2002, 2002-2016 e
assim por diante.

Quais são os objetivos centrais do Foro em sua opinião?


Ser um espaço de articulação de partidos comprometidos com a luta contra o
neoliberalismo e contra o imperialismo estadunidense.

Qual o papel do Partido dos Trabalhadores dentro do Foro de São Paulo?


Um papel axial.

Quais são as principais relações partidárias mantidas no âmbito da América Latina?


As relações mais estáveis e institucionalizadas são com o Partido Comunista de Cuba.

Como você avalia o nível de influência do Partido dos Trabalhadores sobre a política
regional?
Muito influente, até algum ponto entre 2010 e 2016. Depois decaiu muito.

Existe ou existiu protagonismo do PT na condução da política regional?


Sim, especialmente entre 2002 e 2010.

O partido estabelece relação direta com governos de países da região?


Formalmente, não.

Em que momentos da história do partido o PT mais valorizou o Foro de São Paulo? Ou


seja, a conjuntura aproxima ou distância mais o Foro de SP do PT?
Depende do que você queira dizer com "o PT valorizar". O período em que me parece ter
havido um envolvimento mais coletivo da direção, no debate sobre a política internacional, foi na
primeira metade dos anos 1990 e entre 2005-2010.
130

Existe, na construção do Foro de São Paulo, uma tentativa de articulação autóctone, livre
de influências de outras regiões do mundo? Por que o Foro não se expandiu para além da
AL?
Livre de influências, nada é. O Foro tinha e tem o objetivo de ser um espaço autônomo,
latino-americano. Por isso também não se expandiu além da AL.

Existe alguma influência do Partido sobre a formulação das demais siglas partidárias na
região?
Tens que perguntar a elas.

Qual a maior dificuldade encontrada no interior do Foro de São Paulo?


Depende da época. Mas a dificuldade principal é o inimigo: os Estados Unidos.

Pode se dizer que o Foro de São Paulo teve papel protagonista para a unidade da esquerda
latino-americana?
Sim, pode-se, mas compreendido a palavra protagonismo com muita moderação. O Foro
foi importante por criar um espaço para debater os assuntos.

Como o Foro de São Paulo auxiliou na vitória de governos progressistas na América Latina,
em especial no Brasil?
Como espaço de debate, troca de experiências, solidariedade.

Existe com a empreitada de conformação de uma Frente Progressista Internacional, um


esvaziamento do Foro de São Paulo? - Se sim, muda-se o foco das relações bilaterais
interpartidárias?
Sempre existiu, da parte da socialdemocracia, uma tentativa de esvaziar o Foro. Mais
exatamente, uma pressão para que o PT se comprometesse com outras iniciativas, tanto quanto se
engaja no Foro. Até hoje estas pressões nunca tiveram êxito e não acreditam que tenham. Mas,
claro, sempre há setores do PT que se entusiasmam mais com novas amizades.

O Foro de São Paulo cumpre, ainda hoje, papel importante para a articulação da esquerda
latino-americana?
Sim.

Quais os principais objetivos do Partido com o Foro de São Paulo?


Melhor que isto seja respondido pela atual secretária de relações internacionais do PT, a
companheira Monica Valente.

Existe ou existiu protagonismo do PT na condução da política regional?


Indiretamente, sim.
131

Qual a maior dificuldade encontrada no interior do Foro de São Paulo? Tirante os Estados
Unidos?
Considerando que os objetivos do Foro de São Paulo sejam construir uma proposta de um
modelo alternativo ao neoliberalismo de integração, em que se perpassassem conceitos
como: o respeito à autodeterminação dos povos, às diferentes identidades culturais, à
soberania e a contestação das evasões e exportações de capitais do continente, a partir de
um enfrentamento conjunto ao pagamento das dívidas. Qual a intencionalidade do PT nesse
processo?
A intencionalidade? Atingir estes objetivos contribuía para atingir os objetivos do PT.

A política externa dos governos Lula e Dilma demonstraram vários pontos de inflexão com
a tradição da burocracia diplomática brasileira, porém também apresentaram algumas
continuidades. Seria possível pontuar os principais pontos de convergência e divergência da
política externa petista em relação à tradição diplomática brasileira?
Sim, tudo aquilo que está na Constituição de 1988 sobre política externa.

Qual a relação entre a formulação de política externa petista e a política articulado no


interior do Foro de São Paulo? Ou seja, qual o grau de influência mútua nessa matéria?
Há uma influência mútua, que é maior ou menor a depender do ponto concreto.

Ao longo dos anos de governo, principalmente na passagem do governo Lula para o


governo Dilma, houve mudanças no perfil da atividade internacional. É possível dizer que
as perspectivas do Foro de São Paulo estiveram presentes ao longo dos 13 anos de governos
petistas?
Nos temas relativos à integração regional, sim. Noutros, não necessariamente.
132

ANEXO B – Entrevista com Kjeld Jakobsen

Entrevista realizada com Kjeld Jakobsen, Consultor de Relações Internacionais do


PT, em 26 de março de 2019.

Encontro com Kjeld Jakobsen. São Paulo, SP, 2019.

Fonte: Acervo do autor (2019).

Quando começou a ser gestada no interior do PT a proposta de uma organização como o


Foro de São Paulo?
Ela foi criada de fato em 1990, tanto é que no ano que vem ela fará aniversário de 30
anos. Começou depois da eleição de 1989, em que o presidente Lula disputou, mas não venceu e
isso coincidiu com uma série de outros fatos no campo da esquerda, como a queda do muro de
Berlim, o fim do socialismo real no leste europeu, a derrota eleitoral dos sandinistas na
Nicarágua. Na verdade, foi uma conjuntura de ascensão do neoliberalismo e de derrota do
socialismo. Então começou a surgir internamente no PT, com Marco Aurélio Garcia e o próprio
Lula e outras pessoas certamente, uma reflexão sobre o que isso significava, do ponto de vista
não só teórico, mas prático também. Com isso surgiu a ideia de organizar uma reunião e convidar
outros partidos de esquerda da América Latina para fazer essa reflexão e isso acabou sendo
coordenado com o PC, o Partido Comunista Cubano.
133

A frente sandinista também teve alguma participação nisso?


Sim, eles participaram não na reflexão em si, pois quem convoca o encontro é o PT e o
PC Cubano, inclusive, pois cada um mantinha seus diferentes contatos, não necessariamente na
mesma área. Eu friso na minha tese que o PT não tem origem na Terceira Internacional, embora
dentro das tendências tivessem militantes com essa origem, ou até agrupamentos que se
reivindiquem comunistas, essa não é a tônica geral do partido, que é muito mais ampla do que
isso. Por isso é natural que não tivéssemos o mesmo espaço nessa área que os cubanos tinham,
tanto é que nos primórdios das ri do PT, era mais no campo da América latina, mas praticamente
sem relações com o leste europeu. Em um determinado momento passou-se a existir relações com
o partido que se chamava socialista, mas na verdade era comunista, da Alemanha Oriental, mas
quem tinha a hegemonia dos contatos com esses partidos era o partidão (PCB). Isso permitiu com
que se abrisse um leque de organizações, de diversos matizes.

O movimento da esquerda brasileira, vinha em plena ascensão desde a década de 1980,


porem a derrota sofrida em 1989 impôs uma reflexão sobre a estratégia adotada. Segundo a
nossa hipótese, a derrota de 1989 empurra o PT a buscar apoio externo e a consolidar
alianças externas, posto que o neoliberalismo acabasse de sagrar-se vitorioso nas urnas.
Qual a sua opinião sobre isso?
Olha, eu vejo da seguinte forma: Eu acho que a política externa do PT tem diferentes
fases, pelo menos 4. A primeira inicial, na formação do Partido, que se desenvolve quase até o
final dos anos 1980 é uma fase muito de solidariedade, principalmente de solidariedade com os
outros, como ao movimento antiapartheid na África do Sul, solidariedade aos palestinos, com
Cuba, com a própria revolução sandinista. Muitos aqui do PT foram trabalhar na Nicarágua, as
chamadas brigadas de solidariedade organizadas pelo PT. Essa primeira fase é mais de
solidariedade e de relação com o terceiro mundo. Depois quando o PT começa a disputar as
eleições pra valer, começa uma segunda fase, que é quando o partido se vê obrigado a formular
política externa em nível de governo, como uma política pública, voltada para o mundo todo e
não apenas com os oprimidos. Então, nos programa de ação de governo, que começam a ser
elaborado desde 1989, esse componente da política externa começa a entrar, com temas como o
comércio, a posição do PT sobre a ONU e o Conselho de Segurança. A terceira fase já é do PT no
governo, tentando responder como fica o partido em relação à política externa desenvolvida pelo
governo. O que se tentou fazer é conciliar as posições, ou seja, se o governo estabelece uma
relação com a China, o PT buscará estabelecer relações com o Partido Comunista Chinês. Dessa
forma se tem o entendimento que o governo é mais amplo do que o Partido, pois existem outros
interesses, outros ministros. A quarta fase é esse em que estamos, ou seja, saímos do governo.
Então o Partido tem que voltar agora a formular política externa enquanto partido, inclusive
tentando tirar proveito do que se acumulou de experiência no período anterior. Voltando à
pergunta, acredito que nesse sentido, a derrota de 1989 não empurra o PT a buscar apoio externo,
porque isso já vinha sendo construído. Claro que em dados momentos você tinha que buscar
outros apoios, por exemplo, na disputa de 1994 o Lula fez várias viagens ao exterior antes das
eleições, mostrando à opinião pública que ele poderia ser um estadista. O Mandela por exemplo
fez questão de levá-lo até a porta do palácio em Pretória, como um gesto simbólico.
134

Qual estratégia direciona a atuação internacional do Partido dos Trabalhadores? É um


mecanismo de hegemonia? É uma forma de articulação que permita vitórias eleitorais no
Brasil?
Eu diria que não é nem busca de hegemonia, nem de assegurar vitórias eleitorais
brasileiras. Até porque política externa contribui muito pouco para isso. Mas sim defender uma
política externa que seja do interesse popular e nacional e que possa coincidir com os interesses
de pessoas de outros países e partidos de outros países. A prioridade, sem dúvida nenhuma é
América Latina e Caribe e nesse sentido o Foro de SP joga um papel importante, porque aglutina
praticamente toda a esquerda da região. Ou seja, é a tentativa de construção de uma hegemonia
de esquerda na América Latina, seja ela socialista socialdemocrata, progressista, de defesa dos
interesses dos países em desenvolvimento, de combate à pobreza, de construir relações
internacionais mais equilibradas e justas, não hegemonizadas pelas grandes potências. Um luta
pelo direito ao espaço no cenário internacional. Com isso se faz uma contestação às estruturas,
como a do Conselho de Segurança, redesenhando essas mesmas estruturas.

Essa então é a principal função do Foro de São Paulo?


O Foro tem como intenção principal, defender isso para a América Latina e caribe e cria
também essa unidade maior entre os partidos com afinidades ideológicas na região. Um dos
instrumentos fundamentais para isso é a integração, ou seja, esse continente só vai ser mais
influente no mundo através da integração. Esse seria o objetivo de iniciativas como o
MERCOSUL, a UNASUL, a CELAC.

Qual o papel do PT no FSP?


Como eu cheguei a comentar o PT desde a fundação do Foro exerce o papel de secretaria
executiva da organização. Não que seria o único partido capaz de exercer essas funções, mas é
um partido muito respeitado, muito amplo, plural, democrático, assim como o Brasil é um país
influente e importante. Isso vem sendo aceito e visto como uma contribuição importante. Isso não
quer dizer que tenha uma relação de hierarquia em relação às outras forças. A atual secretária
executiva do Foro e a Mônica Valente, pois na tradição que exerce a função de secretário de
relações internacionais do PT exerce também a função do Foro, como a exceção do Valter Pomar,
que deixou o cargo no PT e continuou a exercer a secretaria executiva do Foro.

Quais as principais relações partidárias mantidas pelo PT dentro do Foro?


Não existe um partido na América Latina que possamos dizer que temos prioridade de
relações, mas posso dizer que temos excelentes relações com o PC Cubano, com a Frente Ampla
do Uruguai, com o Partido Socialista Chileno, com a Aliança País do Equador, com o PSUV da
Venezuela, com vários agrupamentos na Colômbia, a Frente Farabundo Martí de El Salvador, os
Sandinistas na Nicarágua. Na Argentina com o Partido Justicialista, principalmente com o setor
ligado à Cristina Kirschnner.

Em sua opinião, existe um protagonismo do PT na política regional?


Existe. A América Latina, assim como a sua integração é uma prioridade política do PT.
Nesse sentido procuramos nos esforçar para defender essa visão, então o protagonismo vai nesse
sentido.
135

O partido mantém relações diretas com governos da região?


Nicarágua, Bolívia, Cuba e Uruguai, que são governados por membros do Foro, mas a
relação passa pelos partidos.

Há algum momento na história do Partido em que o FSP foi mais ou menos importante?
Eu diria que atualmente, o Foro se encontra com mais dificuldades, devido ao avanço da
direita no continente como um todo. Não só da direita, mas da extrema direita, ou seja, a reação
ao que foi conquistado desde 1998 tem sido absolutamente desproporcional se comparado à lei da
física de que a toda ação corresponde uma reação de igual intensidade. Eu diria que intensidade
com que a direita tenta desmontar o que foi esse período progressista aqui na região é muito mais
forte do que apenas uma reação. Não direi que o Foro seja menos importante agora, talvez ele
seja até mais importante, no entanto as dificuldades são também maiores.

Apesar de contar com observadores de outros continentes, o Foro de São Paulo não se
propôs a articular essas organizações em torno do Foro de São Paulo. Isso é uma tentativa d
e uma construção autóctone, de uma construção voltada para a América Latina?
Com certeza é, embora haja tentativas de criar um braço do Foro nos Estados Unidos,
principalmente via imigrantes com alguma relação com os partidos participantes e mesma coisa
em relação à Europa. Isso é muito difícil, pois são pessoas muito dispersas, espalhadas em vários
locais, e por isso se torna difícil constituir algo mais orgânico. No caso europeu, o que tem
funcionado melhor são relações com coalizões europeias, por exemplo, o Partido da Esquerda
Europeia. Nós temos um encontro anual com o PIE, eles normalmente vem aos encontros do
Foro, então é uma relação construtiva nesse sentido. A visão é de amplitude, não é fechada.

Através desse protagonismo do PT na região, você acredita que exista alguma influência do
PT sobre os partidos da região e suas formulações?
Isso tem que ser tratado com certo cuidado, pois uma coisa é você ter um diálogo
permanente e ocasionalmente uma experiência do PT ser adotada e algum posicionamento do PT
coincidir com outras visões. Agora influência propriamente, fora desse âmbito eu não vejo. Até
porque cada país é uma experiência, uma cultura, cada partido tem sua história. Por exemplo, o
Paraguai, temos uma relação muito próxima com o país, mas são culturas muito distintas,
realidades e histórias distintas. Então eu diria que influência direta não existe.

Qual a maior dificuldade encontrada no interior do Foro de São Paulo?


É como você transforma visões do Foro em ações práticas em cada país. Então,
precisamos combater a direita, precisamos avançar eleitoralmente, precisamos implementar
políticas públicas e cada um vai fazer da maneira como enxerga e como pode. Por exemplo, a
Bolsa Família do Brasil não é uma experiência única, porque temos experiências de
complementação de renda em vários outros países, como no Chile, na Argentina, na Bolívia, na
Nicarágua, na Venezuela, mas são feitas de formas normalmente diferentes.

Como o Foro de São Paulo auxiliou na vitória dos governos progressistas na América
Latina?
Primeiro, expressando apoio, solidariedade, mostrando pra região que é bom que haja
mais governos progressistas, então digamos é uma contribuição mais subjetiva do que objetiva.
Houve um momento geral de ascensão do progressismo no continente, então você percebe que
136

houve um vizinho em que as coisas melhoraram depois que um governo de esquerda assumiu o
governo e divulgar isso ajuda.

Existe hoje a tentativa de conformação de uma Frente Progressista Internacional, através


da articulação entre Haddad, Bernie Sanders e Varoufakis. Através dessa articulação,
existe uma perspectiva de um esvaziamento do Foro de São Paulo?
Não. Na verdade existem várias iniciativas que vão nesse sentido, desde aqui na América
Latina existe uma frente de partidos comunistas, que se reúnem também a cada um ano ou dois,
pra dentro da visão deles construir certa unidade. Você tem dentro do campo progressista a
confederação sindical das Américas, que reúne sindicatos de um determinado setor sindical. Você
tem a Articulação Sindical Nossa América, que são sindicatos ligados ao PCs, você tem o Partido
da Esquerda Europeia, temos essa articulação da qual participa o Haddad, você tem essa frente de
partidos socialistas da América latina. Então tem várias iniciativas nesse sentido que vão ao
mesmo sentido, mas preservado uma identidade própria e é difícil que seja diferente. Uma única
organização mundial vai ser muito difícil. Por exemplo, mesmo na época de ascensão dos
governos progressistas, falando de integração, você tinha o Mercosul, a Unasul, mas tinha
também a ALBA. Ou seja, as coisas vão se sobrepondo, mas não se excluem. Consequentemente,
o Foro não será afetado por conta disso.

Considerando que os objetivos do Foro de São Paulo sejam construir a proposta de um


modelo alternativo ao neoliberalismo de integração, em que se perpassam conceitos como,
respeito a autodeterminação dos povos, às diferentes identidades culturais, à soberania e à
contestação da evasão de capitais do continente, a partir de um enfrentamento conjunto ao
pagamento das dívidas. Qual a intencionalidade do PT nesse processo?
A minha visão sobre isso é a seguinte: Se você quer integração de fato, econômica,
política, seja qual o nível que você quer chegar, você tem que abdicar de alguma soberania. Ou
seja, o discurso, integração com soberania, integração dos povos, somente, não é suficiente para
responder esse dado. Primeiro para integração você precisa ter estrutura, por exemplo, para você
ir de Rondônia para La Paz, você tem que passar por São Paulo. Está ali do lado, mas não tem a
estrutura necessária. Então você vai ter que se preocupar com isso, como você integra fisicamente
para permitir que a integração econômica, social e política se desenvolvam. Se cada um defender
que só a minha cultura que serve, só o meu idioma que serve, não haverá integração. Claro que
tem que ser um processo, pois somos muito assimétricos entre nós. Tem que ter a noção de que
existe essa assimetria e o maior vai ter que ceder mais. Então por exemplo, aquele fundo o
FOCEN do MERCOSUL, aonde os menores podiam receber mais e contribuir menos e os
maiores contribuir mais e receber menos, é por aí que passa. O acordo que foi feito de aumento
do preço de gás da Bolívia estava correto, por exemplo, no sentido da integração, porque ela
exige isso, abrir mão de alguma soberania e ter a visão de que quem é maior tem que contribuir
mais. É necessário também respeitar as culturas.

A Política Externa dos governos Lula e Dilma demonstraram vários pontos de inflexão com
a tradição da burocracia diplomática brasileira, porém apresentaram algumas
continuidades. Seria possível pontuar os principais pontos de convergência e divergência da
Política Externa Petista em relação à tradição diplomática brasileira?
Sim, tem vários elementos. Primeiro de continuidade, você tem todo um rol de tratados,
acordo convênios etc., firmados em governos anteriores, que via de regra é mantida. Isso é uma
continuidade. As relações bilaterais que o Brasil possui com os Estado Unidos, por exemplo, foi
137

mantido. Com a Europa, com a União Europeia, com o Japão, foi mantido. Agora, o que teve de
ruptura, foi à ênfase nas relações sul-sul. Eles ganharam destaque não em detrimento de outras
relações, mas foi algo novo nesse sentido. Então eu diria que houve continuidade com algumas
mudanças e houve rupturas. Em relação às relações sul-sul, aos foros que foram criados, como a
UNASUL, a CELAC, os BRICS, o IBAS, esses espaços todos, foram coisas diferentes. Rupturas,
a busca de um assento permanente no Conselho de Segurança, nos governos anteriores do
período democrático, isso não era parte da agenda, a criação do G20 comercial, nem pensar, fazer
algo que pudesse "confrontar os grandes". O Brasil na época do Fernando Henrique ajudou que
fosse criada a rodada Doha da OMC, porque eles queriam negociar a agricultura e entendia que
isso só aconteceria com o lançamento de uma nova rodada, pouco importou qual era a agenda.
Também houve abertura de novas embaixadas, mais de 30. A relação com a China se fortaleceu
muito também.

Qual a relação entre a formulação de política externa petista e a política articulada no


interior do Foro de São Paulo? Ou seja, qual o grau de influência mútua nessa matéria?
Eu diria que, pela história da própria PT, pelo fato de termos sido governo, pela dimensão
que o Brasil e o próprio partido, a política externa do PT é muito mais ampla que de muitos
outros partidos que fazem parte do Foro de São Paulo, seja por questões estruturais desses outros
partidos, seja por divisões particulares. Nesse sentido a uma amplitude importante da parte do PT,
que ao nos relacionarmos com alguns partidos importantes da Europa, nós contribuímos para dar
amplitude nas relações do Foro.

Ao longo dos anos de governo, principalmente na passagem do governo Lula para o


governo Dilma, houve mudanças no perfil da atividade internacional. É possível dizer que
as perspectivas do Foro de São Paulo ao longo dos 13 anos de governo do Foro de São
Paulo?
Influência de fora para dentro, você tem que relativizar bastante. Eu acho que a diferença
da política externa tanto do PT, quanto dos governos Lula e Dilma, ela está principalmente na
ação da diplomacia presidencial. O Lula teve muito mais atuação internacional do que a Dilma e
têm várias explicações para isso, primeiras ele gostava muito disso e segundo ele teve que
construir uma série de coisas que ela recebeu pronta, então ela não precisava se preocupar com
isso. Mas eu acho que é visível que há uma diferença entre os dois, no sentido da Dilma ter se
dedicado mais a esses foros multilaterais e o Lula se envolveu também nas relações bilaterais,
então ele esteve em todos os países da América Latina, até mais de uma vez e a Dilma não.
Segundo que na minha visão houve uma aliança entre a visão do PT de política externa e a visão
do que nós chamamos de autonomistas do Itamaraty, representados principalmente pelo Celso
Amorim, Samuel Pinheiro Guimarães e alguns outros, que historicamente, disputavam com os
americanistas, que defendiam que os nossos interesses estariam mais bem atendidos, atrelados
aos interesses dos grandes. Essa aliança foi o que possibilitou desenvolver essa política altiva e
ativa, principalmente do governo Lula. E aí, como o Celso Amorim deixou o ministério quando a
Dilma assume, acho que tem certa inflexão nisso também, pois o Patriota e o Figueiredo tinham
outro perfil, não antagônico, mas diferente.
138

Partido dos Trabalhadores enfrenta duros desafios internos, desafios que compartilhados
por boa parte dos partidos de esquerda na América Latina e no mundo, com destaque para
a Europa e os Estados Unidos. Como encarar esses problemas, levando em consideração as
bases populares, a partir da articulação internacional?
Acho que é o intercâmbio de experiências e também o intercâmbio de quais problemas
estamos enfrentando. Uma coisa que nós nunca vimos no Brasil aconteceu no ano passado nas
eleições, com as fake News, o whats app, mudou a forma de disputar a eleição. Antes era
televisão, o Alckimin teve 50% do tempo de televisão, mas isso não lhe serviu pra nada, chegou a
quarto lugar, com um percentual ridículo. No Uruguai tem eleição esse ano e a Frente Ampla
veio ao Brasil para saber como foi isso, porque isso certamente será aplicado lá esse ano contra
eles. Então são o compartilhamento de experiências e entender o que mudou na opinião pública.
Enfrentamos fenômenos mundiais e que precisam ser encarados dessa forma. O nosso discurso
não ta sendo suficiente, então precisamos saber o que deve ser feito.
139

ANEXO C – Entrevista com José Dirceu

Entrevista realizada com José Dirceu, Ex-ministro Chefe da Casa Civil, em 9 de


maio de 2019

Encontro com José Dirceu. Uberlândia, MG, 2019.

Fonte: Acervo do autor (2019).

Quando começa a ser gestada no interior do PT a proposta de uma organização como o


Foro de São Paulo?
Nós temos que lembrar que o PT nasceu entre 1979 e 1980 e já nasceu na solidariedade
internacional à revolução nicaraguense e a Solidariedade da Polônia. Observe que são duas
pontas, os Sandinistas são uma revolução socialista, uma revolução de esquerda, enquanto o
Valeska e a rebelião dos operários poloneses são uma revolta contra um país socialista e o PT
nasce também com uma juventude que tinha como referência a revolução cubana e não a
revolução soviética, que é a geração de 1968.

Faziam inclusive uma crítica ao processo soviético...


Isso é uma coisa mais interna do PT. Mas é uma geração que vem das CEBs
(Comunidades Eclesiais de Base), das pastorais e da teologia da libertação nacional. A Igreja
Católica é internacional (ela se diz universal, mas isso já é uma pretensão, porque ela não é a
única religião). O PT nasce sob o signo da solidariedade internacional e mais, o PT vem do
140

movimento sindical metalúrgico, que é fortíssimo na Alemanha e nos Estados Unidos. As duas
maiores entidades sindicais do mundo, de certa maneira são os EIG (metalúrgicos alemães) e nos
Estados Unidos a solidariedade a IFF... o Paulo Nascimento do PT era patente, então o PT nasce
sob uma herança internacionalista e as organizações políticas que ingressaram no PT, não só as
correntes trotskistas, os lambertistas, os mandelistas que é a DS hoje, os lambertistas que é o
trabalho hoje e os morenistas ou posadistas, todos também vinham da tradição russa e setores que
vieram do Partido Comunista Brasileiro (PCB) ou das organizações armadas como a ALN (Ação
Libertadora Nacional). Então o PT nasce porque o movimento internacional naqueles anos era
forte, por causa da revolução nicaraguense e do levante operário na Polônia, então o PT já nasce
marcadamente guiado pela consciência internacionalista dos trabalhadores no capitalismo
internacional. Como a globalização avança depois, é natural que o PT buscasse o seu lócus, o seu
espaço. O espaço do PT é a América Latina, porque nós somos latino-americanos, então a busca
de parceiros nos países latino-americanos é uma decorrência dessa natureza internacionalista do
PT e particularmente em torno da revolução sandinistas porque os padres, os bispos, os setores
progressistas da Igreja Católica, da teologia da libertação, tiveram uma grande participação na
revolução sandinista e Cuba. Inclusive depois nós tivemos os famosos diálogos entre Frei Beto e
o Fidel sobre a religião, que é uma entrevista longa dos dois. Então era natural que o PT
procurasse com o Foro de São Paulo, logo depois da derrota do Lula em 1989, então o PT já tinha
dez anos de vida, lançar o movimento na América do Sul de articulação, relações, solidariedade
mútua, troca de experiência, em busca de apoio mútuo entre partidos similares ao PT ou de
esquerda, socialistas e também progressistas porque o Foro de São Paulo era amplo, inclusive
houve um debate no Foro de São Paulo se participavam as FARC ou não. Quando Chaves pediu
pra participar do Foro de São Paulo, em El Salvador houve restrições por parte do Lula, do PT,
porque ele tinha tentado dar um golpe em 1992 na Venezuela. Como nós tínhamos sofrido golpes
no Brasil, golpe do Estado Novo em 197, tentativa de golpe em 1961, em 1955 e golpe em 1964,
o PT olhava essa questão militar, de tomar o poder por golpe militar com um olhar restritivo.
Acredito então que o Foro de São Paulo foi uma decorrência normal do momento histórico que
vivíamos de ascenso das lutas na América Latina. Na América Central porque havia uma guerra
de guerrilha em El Salvador, na Guatemala, na Nicarágua havia triunfado, governos progressistas
chegam no Panamá com general Torinos, no nosso entorno também havia uma movimentação no
Chile. Depois houve outra fase que é a partir da vitória do Lula em 2002, Nesse momento da
fundação do Foro de São Paulo era o acúmulo de dez anos. O PT já começava a ser um modelo,
um exemplo para os partidos, porque já tinha se transformado com a ida de Lula para o segundo
turno e também nesse momento o Cardenas ganha a eleição e ela é fraudada em 1988 no México,
havia uma grande ascensão do PRD (Partido de la Revolución Democratica), que era um partido
do tipo do PT.

O Senhor comentou um pouco sobre isso, que o Foro de São Paulo é fundado logo depois da
primeira derrota eleitoral do PT. Essa derrota empurrou o PT a buscar alianças externas?
Não, eu não acredito que seja por causa da derrota, até porque a derrota foi de certa
maneira uma vitória, por termos ido para o segundo turno. Foi um fato inédito por causa da
dimensão do Brasil e da importância do Brasil. Eu acredito que não tenha sido por causa da
derrota, eu acredito que foi um momento inclusive, por causa da queda do Muro de Berlin, que os
partidos na necessidade de se aproximarem, fazerem um debate e reflexão sobre o momento que
viviam, e de procurar se unir pra enfrentar a ofensiva que vinha inclusive “o fim da história” e
também o desaparecimento da união soviética, do chamado campo socialista é um fato histórico
aplastante, lógico que ia significar que os partidos e movimentos dependiam de si mesmos. Não
141

haveria nenhuma barreira entre pode militar tecnológico, comercial, diplomático, dos Estados
Unidos e o poder de intervenção na política dos demais países, como havia antes com a união
soviética, o campo socialista. Então era natural que os partidos procurassem se fortalecer e
também porque havia muita necessidade de troca de experiências e de solidariedade. Muitos
desses partidos já governavam cidades importantes, províncias. Alguns já eram governos,
inclusive a Frente Sandinista já tinha até saído do poder, eles ficaram dez anos no poder e
perderam o poder e voltam agora nos anos 2000.

Qual estratégia direciona a atuação internacional do PT?


A América Latina, como eu disse, na solidariedade internacional, a defesa dos direitos dos
trabalhadores, da democracia, do socialismo, você tem muitas frentes.

Essas são as principais bandeiras?


Não necessariamente, porque você pode se unir em torno da mulher, com o movimento
mundial das mulheres. O Fórum Social Mundial foi um movimento de outro tipo, com os
movimentos sociais, você tem a solidariedade sindical, a solidariedade a governos, como depois
do golpe bem sucedido em Honduras, depois no Paraguai, depois no Brasil. Você tem a
solidariedade a lutas contra ditaduras. Acho que a solidariedade internacional do PT tinha muito
da sua própria experiência, dos próprios programas de governo do PT, e tinha muito da liderança
do Lula e a própria liderança do PT, mas também muito em torno de lutas concretas, na
solidariedade a determinada luta, a determinada revolução. A partir de 2002 nós temos a política
externa do Brasil que reflete na política externa do PT, por isso eu digo, entre a fundação do Foro
de São Paulo, passou muito pouco tempo para o PT chegar ao poder. Tem acontecimentos
políticos que iam surgindo no mundo, naquela década nós fomos também mutuamente nos
apoiando em torno disso. As próprias tentativas de acordo de paz na Colômbia, entendeu? O PT e
o Foro de São Paulo buscavam a solidariedade à revolução cubana, o apoio à paz e depois a
fortalecimento da Frente Farabundo Martí, o apoio às relações que o PT tem no México, apoio ao
Partido Socialista Chileno, inclusive surge depois o grupo de Marbela, que faz vários seminários
na América Latina, que era uma frente mais de centro-esquerda do que de esquerda, como o Foro
de São Paulo.

Existe de uma forma geral, ou genérica, uma aproximação entre as formulações do PT e a


teoria gramsciana?
Em certo sentido sim. Se você olhar as resoluções do sétimo e quinto encontro do PT você
vai ver que elas estão guiadas pela ideia da hegemonia política do socialismo. Uma ideia de
socialismo que se constrói da seguinte forma: Você não toma o poder e implanta o socialismo,
você o constrói. Acredito que sim, nesse sentido, mas nunca houve uma corrente gramsciana no
PT, porque o PT de certa maneira se afastou do pensamento político comunista, socialista
europeu, porque o euro comunismo se transformou depois numa adesão a neoliberalismo na
prática. Então houve certo preconceito, ou até justificado, no afastamento do PT do
eurocomunismo.

Qual o papel do PT no Foro de São Paulo?


O PT tem o papel de principal partido do Foro, exercendo a secretaria executiva. Sempre
propôs e participou junto a outros partidos importantes, como sandinistas, os cubanos, a Frente
Farabundo Martí, na elaboração dos principais textos e documentos. O PT era o elo entre todos os
partidos, era o elo de mediação, de buscar acordos, buscar consolidação de propostas, de
142

construir unidade, o PT era o partido maior, mais responsável e depois que passou a exercer o
poder mais ainda. Acredito que o PT tem o papel principal, na fundação e depois no
desenvolvimento do Foro de São Paulo, na elaboração das propostas, com o Marco Aurélio
Garcia no primeiro momento e depois o Valter Pomar no segundo momento, como outros que
também participaram e tiveram importância, como Luiz Dulci, Luiz Eduardo Greenhalgh, o
próprio Mercadante e outras pessoas que passaram pela secretaria. Mas as duas figuras marcantes
são o Marco Aurélio num momento e o Pomar em outro, que são pessoas com grande capacidade
de elaboração, articulação, autoridade. O Marco Aurélio vinha, portanto, da época que o PT teve
um ascenso em 1995. Os cubanos também tiveram um papel muito importante no Foro de São
Paulo.

É possível dizer que com esse papel desenvolvido pelo PT no Foro de São Paulo, ele passa a
ter influência sobre as outras siglas na América Latina, passa a exercer uma liderança?
Não, não acredito. Liderança o PT tinha, mas porque era natural. O PT nunca pretendeu
intervir, nem interveio nas disputas internas dos partidos. O PT era tomado como exemplo e
muitas vezes o PT era tomado como um parceiro e muitas vezes como o líder. O PT tem
procurado exercer esse papel, acho que era natural que o PT fosse o partido, até porque o PT se
empenhava muito no Foro de São Paulo, se dedicava a isso e os cubanos também.

O Foro de São Paulo ele uma iniciativa latino-americana. Existe por conta disso uma
perspectiva autóctone na construção do Foro ou ele nunca conseguiu se expandir?
Nunca foi interesse nosso criar uma internacional, até porque nós nunca fomos membros
da Internacional Socialista. Eu fui uma vez como convidado, o Brizola e o PDT me convidaram e
custearam. Eu fui a Genebra, participei da Internacional Socialista. O PT sempre teve uma
relação muito forte como os partidos socialdemocratas e socialistas da Europa e os sindicatos
também. De 1980 a 2000 tínhamos uma relação muito forte, várias delegações nossas viajaram, o
Marco Aurélio viajava constantemente. Tínhamos uma relação muito forte com o Partido
Socialista Francês e o comunista, com o Partido Comunista Italiano, com o Socialista Português,
com o PSOE espanhol, com os Trabalhistas Ingleses, nós sempre tivemos uma relação muito
forte na Europa e também até 1989-1990, com a União Soviética, a CUT ia nos congressos em
Moscou, Praga, nós mantínhamos uma relação com tudo, As correntes trotskistas do PT
participavam dos seus encontros internacionais, eu mesmo fui ao encontro dos mandelistas, que a
DS (Democracia Socialista) era filiada. Fui também num congresso da OSI (Organização
Socialista Internacional), os lambertistas, se não me engano foi em Lisboa. Isso tudo foi logo
depois da eleição de 1990, pra eleger deputados federais. Eu já estava querendo sair um pouco do
Brasil, viajar pela Europa para rever amigos, fazer contatos. Mas a final, acho que o PT nunca
teve essa intenção [de criar uma internacional].

Recentemente está sendo construído com o Haddad, o Varoufakis (Grécia), o Sanders


(EUA), uma Frente Progressista Internacional. Com essa empreitada, existe algum tipo de
possibilidade de esvaziamento do Foro de São Paulo?
São coisas diferentes. É importante a aproximação dos trabalhistas, com os Novos
Socialistas Americanos, com os socialdemocratas gregos, com o Syriza, com o Bloco de
Esquerda e o Partido Socialista Português, do PODEMOS e o PSOE espanhóis, do Mechelón na
França, acho que é natural porque há uma coordenação da extrema-direita internacional e essa
iniciativa do Haddad foi muito importante, porque precisamos buscar uma coordenação da
esquerda internacional também. Evidentemente que existe uma esquerda socialdemocrata e
143

existem novos partidos, como o PODEMOS, em Portugal também surgiu, como o Syriza. Não
acredito que isso signifique o esvaziamento [do Foro]. O PT passou um momento muito difícil
entre 2015-2018, então o Foro de São Paulo pode ter ficado um pouco em segundo plano, mas
agora com a eleição dessa nova direção, acho importante retomar essa questão do Foro de São
Paulo, até porque tem uma nova realidade, nós perdemos a eleição em El Salvador, mas temos
uma vitória no Panamá importante, no México, e esse próprio resultado da eleição na Espanha dá
um novo alento. Essa vitória no Panamá é importante. Ganhou o partido que já governou o
Panamá que é muito próximo de nós, que foi o Martin Torinos, que é filho do General Torinos,
que praticamente fez a segunda independência do Panamá e na República Dominicana o Danilo,
que é herdeiro do Leonel Domingos, que sempre manteve uma aproximação com o PT. Nós
perdemos em El Salvador, vamos ver o resultado agora no Uruguai, com uma eleição difícil para
Frente Ampla, o resultado na Argentina e no Chile. Tem também essa situação no Equador, com
o Rafael Correa, que foi traído pelo vice dele e houve uma tentativa de neutralizá-lo, ele foi se
exilar na Bélgica, mas ele no plebiscito que foi montado totalmente contra ele, ele teve 36 por
cento de voto, numa situação igual a nossa aqui, que numa situação adversa tivemos uma votação
expressiva no primeiro turno. Também na Colômbia a uma frente de esquerda em crescimento,
apesar de que essa situação na Venezuela, de certa forma, confunde o cenário político na
Colômbia.

Existe dentro do PT alguma disputa em relação à direção internacional?


Não, acredito que não. O PT ultimamente não tem discutido muito a questão
internacional. Mas como eu estive preso praticamente cinco anos, pode ser que eu não tenha
acompanhado, mas nas conversas que fazem comigo, não surge o assunto.

A política externa nos governos Lula e Dilma teve vários pontos de inflexão em relação à
política externa em voga anteriormente. O Senhor poderia nos dizer os principais pontos de
continuidade e ruptura?
Prioridade absoluta à América do Sul, criação da UNASUL (União das Nações Sul-
americanas), integração dos mercados, política e militar na América do Sul, consolidação do
MERCOSUL (Mercado Comum do Sul) e o olhar pra toda a América Latina. Política Sul-Sul.
Fortalecer as relações com os BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), constituir
instrumentos com esses países de desenvolvimento, financiamento. Novas relações no mundo,
tanto políticas quanto no Conselho de Segurança da ONU, mudanças na OMC (Organização
Mundial do Comércio). A presença do Brasil em todos os foros internacionais, com grande
capacidade de articulação e de influência, como no caso do clima, até pela dimensão e
importância do Brasil na questão do clima. Acredito que há a presença do Lula como um líder
mundial e um estadista, no G8 e no G20 e presença do Lula e do Brasil para mediar conflitos,
seja no Haiti, seja na Colômbia, seja na Venezuela, inclusive na questão do apoio nuclear no Irã,
que o Lula junto com o Erdogan fez uma proposta de acordo entre os EUA, o Irã e a União
Europeia, que se desdobrou nesse acordo que agora está sendo rompido pelo Trump, houve até
medidas do Irã ontem (08/05/2019) com a Rússia, a China e a União Europeia. Acho que houve
evidentemente no Brasil, na política externa do Lula uma linha de continuidade, porque o
Itamaraty já tinha seus próprios parâmetros, mas houve uma mudança grande não apenas de
intensidade, mas de qualidade. O Lula e o PT dão outra cara para a política externa brasileira e
outra direção, como uma solidariedade efetiva, militante e concreta a outros países, porque o
Brasil nós temos que entender, que a política externa de um país, está ditada pela situação interna
desse país, quem governa, em que direção você governa, com que programa você governa, que
144

classes sociais você representa. A política externa nossa tinha dois vieses: solidariedade política
ativa, de esquerda e uma política de desenvolvimento do capitalismo brasileiro, como exportador
de capital, tecnologia e serviços, o que é uma mudança radical. O país quando deixa de ser
exportador de matéria prima, alimentos ou alguma linha de produtos semi-manufaturados e passa
a ser exportador de capital, tecnologia e serviços, significa que ele passa a financiar outros países,
para comprar deles máquinas e equipamentos e vai construir rodovias, ferrovias, aeroportos,
estaleiros, fábricas, gasodutos, refinarias, petroquímicas, ou vai construir estrutura de
saneamento, escolas, hospitais e o Brasil na era Lula avançou muito nisso apoiado no BNDES
com uma política externa presidencial. O Lula na verdade foi o presidente que tinha o claro
objetivo de expandir as exportações, as relações comerciais e tinha o claro objetivo de integrar os
mercados e os países politicamente na América do Sul e no caso das organizações internacionais,
nosso objetivo era claro: uma reforma da ONU, da OMC, novas relações internacionais e
principalmente o fortalecimento das relações Sul-Sul. Isso não significa subestimar ou abandonar
as relações com a Europa, ou com os Estado Unidos ou com o Japão, mas evidentemente você
tem que ter um olhar, ter uma política concreta, pra ascensão da China, da Índia, da África do Sul
e da recolocação da Rússia no cenário internacional, não fosse a Rússia e o Irã e a Turquia, os
americanos tinham ocupado a Síria, como ocuparam o Iraque e o Afeganistão, que foram
destruídos. No caso da Venezuela, talvez não fosse à China e Rússia, os americanos já tivessem
feito uma intervenção direta. Mais importante do que isso, quando nós fazemos uma política
multilateral, quando nós criamos órgãos multilaterais, nós estamos tentando disciplinar o papel
das potências hegemônicas no cenário internacional e colocar dentro de leis, regras, pra impedir
que a força se imponha. Uma visão que nós temos nesse sentido é que foi muito importante pra
nossa política externa, não ter apenas uma política comercial, ou a diplomacia, mas ter uma visão
estratégica e ela faz uma leitura do novo mundo que está surgindo, que é a ascensão da China e
amanhã da Índia e novo papel da Rússia e também uma política de contenção da hegemonia
agressiva militar dos Estados Unidos. O Brasil também voltou a ter um olhar pra África. Nós não
podemos esquecer que pela primeira vez um governo brasileiro prioriza as relações com o mundo
árabe e com a África. Como nós somos um país de língua portuguesa, como Angola,
Moçambique, Guiné Bissau, Timor, Macau e Portugal e a costa atlântica brasileira, está ligada à
costa atlântica africana e o Brasil é um país de negros, a população é negra, assim como nossa
cultura e nossa língua é altamente influenciada pelo árabe e pelo africano, então a política externa
do PT foi uma política completa. Afirmam que o PT subestimou os acordos bilaterais (os TLCs –
Tratados de Livre Comércio), tem um problema da assimetria, que quer colocar no mesmo
patamar países de desenvolvimentos muito diferentes. A globalização já está no terceiro ciclo.
Pra muitos países a globalização significou transferência de milhões de empregos pra Ásia, por
exemplo. As empresas foram produzir lá, porque a matéria prima é mais barata. O Brasil é um
dos principais mercados para as empresas internacionais, o Brasil não é pouca coisa, Como o
Brasil tem um potencial de crescimento interno muito grande, porque um terço da população não
tem acesso ao consumo dos bens duráveis e também precisa de investimento em infraestrutura, é
natural que o Brasil seja um foco de interesse muito grande, fora que o Brasil paga um juro que
ninguém no mundo paga. Ninguém paga no juro um, dois por cento, já o Brasil paga seis, sete.
Dessa forma, a política externa nossa é muito mais do que parece, houve uma mudança radical

E dá para dizer que essa política externa era utilizada como uma fonte de construção de
hegemonia?
Infelizmente não. Devia, mas nem aqui dentro, nem lá fora. Eu acredito que o PT, os
nossos governos não tiveram consciência dessa necessidade. O esforço, por exemplo, pra
145

exportar cultura, cinema, teatro, música, era mais ou menos natural, pela influência da nossa
cultura e também por causa da universalidade da nossa cultura. Como nós somos um país
africano-europeu, um país de forte influência árabe e asiática, a nossa cultura é muito permeável,
tanto a receber influências, como ela é muito aceita no mundo, o cinema brasileiro, o teatro, a
música. Nós somos uma civilização, nós temos uma especificidade, aqui nos trópicos. Eu sempre
digo, nós mesmos não temos consciência do que o Brasil é, do que o Brasil representa e a
importância do Brasil no mundo. Per si, pelo território, pela população, pela riqueza, pela cultura,
pelo estágio de desenvolvimento tecnológico, industrial, cultural, o Brasil é um país muito
importante. Lógico, o governo atual não se dá ao respeito, é um governo alinhado com os Estados
Unidos, submisso, um governo que quer entregar as riquezas nacionais, que vai a reboque da
política externa americana, o que é um suicídio para qualquer país. Os americanos nunca deram
nada a ninguém que não dispute, que não o confronte, que não faça empate com eles. Quem os
apoia, nas vias ideológicas, não vai receber nada, a não ser que receba pra impedir que se perca o
poder aqui dentro.

Qual a relação entre o que é formulado no Foro de São Paulo e a política externa brasileira
adotada nos governos petistas?
Tinha uma correspondência grande. O Lula fez na prática aquilo que o Foro de São Paulo
pregava como a UNASUL, o MERCOSUL. Havia uma linha de continuidade, a realidade mostra
que sim.

Ao longo dos anos de governo, principalmente na passagem dos governos Lula por governo
Dilma, houve uma mudança no perfil da atividade internacional. Essa mudança no perfil é
possível dizer é devido a uma menor adoção das linhas do Foro de São Paulo? Ou seja,
existiram momentos em que se adotaram mais ou menos as formulações do Foro de São
Paulo?
A questão é que a Dilma não é o Lula. A minha avaliação é que a Dilma nunca se
preocupou muito com a política do PT ou do Foro de São Paulo, não querendo ser injusto com ela
e nem rude. Ela manteve as linhas mestres da política externa, só que não era prioridade pra ela,
isso era visível. Você tem assessores, você tem ministros, não precisa você fazer. É um regime
presidencialista, você pode delegar. Por exemplo, muitos ministros exteriores se tornaram
grandes personalidades, russos, americanos, brasileiros, como o Celso Amorim se destacaram no
cenário internacional, não precisa o presidente. Acho que não era prioridade, que ela nunca
compreendeu, ou não teve condições de fazê-lo diante das dificuldades do governo, pela
sabotagem contra o governo, pelo aumento da crise a partir de 2013, mas ela nunca abandou
nenhuma das linhas mestras da política externa, até porque é uma mulher de esquerda, com o
passado comprometido com o socialismo. Acho que o ministro que ela escolheu o Antônio
Patriota, também não tinha o perfil para isso.

Enfrentamos muitos desafios internos, tanto no PT, como no Brasil, que são compartilhados
na América Latina, nos Estados Unidos, na Europa, a ascensão do fascismo. Como podemos
enfrentar isso através da atuação internacional?
Fazendo movimentos como o Haddad fez, fazendo relações com partidos que se opões à
extrema direita. Não vou usar a expressão fascismo porque eu acho um abuso da realidade
histórica do fascismo, mas sim ascensão da extrema-direita. A Europa está estagnada, ela tem
problema grave ambiental, um problema grave de imigração, um problema grave de aumento da
desigualdade. As políticas que foram sendo adotadas pela socialdemocracia não equacionam isso.
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O desemprego é muito alto, a juventude muito insatisfeita, o nacionalismo chauvinista, xenófobo


cresce, o antissemitismo avança, o ódio ao imigrante e o os partidos de extrema-direita crescem e
há um conflito entre a Grã-Bretanha e a União Europeia. A Grã-Bretanha tomou a decisão em um
plebiscito enlouquecido de sair da União Europeia. É um momento difícil na Europa, os partidos
de extrema-direita como na Itália, que governa, ou na França, que já tem uma influência grande.
Em Portugal, na Espanha, na Bélgica, na Áustria, na Holanda, na Alemanha principalmente,
vamos ver o resultado da eleição, são um risco, um temor. Tem também as eleições europeias
agora e conforme a votação, nós vamos saber pra que lado vai a Europa, porque isso está tendo
um impacto no conjunto das 27 nações da União Europeia. O Trump também é outro ponto disso
aí. Tem Filipinas, tem Hungria, tem a Polônia, tem a Turquia. E na América Latina agora tem o
Bolsonaro que puxou uma contraposição à UNASUL. Você percebe que é mais o Duque, o
Piñere e ele, porque o que está lá no Equador, o que está no Peru nem é presidente, foi eleito pra
substituir o presidente que foi cassado, vai ter eleição, vamos ver o que vai dar no Peru, porque o
fujimorismo é muito forte no Peru, apesar da prisão da filha dele, keiko, ninguém sabe o que vai
dar no Peru, então é uma tentativa de criar uma internacional de direita. Nós temos que nos
contrapor a isso, temos que buscar alianças internacionais para ser contra isso e acho que temos
feito, com relações com o PODEMOS, o PSOL tem também, o Boulos. O Haddad tem tentado
construir isso, tem viajado, tem conversado, acho que é importante, que é preciso fazer, mas não
acredito que seja fascismo, é a extrema-direita, pois estamos em outro período histórico, temos
que tomar cuidado com as comparações.
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ANEXO D – Entrevista com Celso Amorim

Entrevista realizada com Celso Amorim, embaixador e ex-Ministro das Relações


Exteriores, em 07 de junho de 2019

Encontro com Celso Amorim. Rio de Janeiro, RJ, 2019.

Fonte: Acervo do autor (2019).

Que estratégias direcionam a atuação da política externa brasileira nos governos Lula?
Bem eu acho que houve ali um encontro de dois fatores, é claro que o grande inspirador
da política é o próprio Lula ele que era o presidente da República, ele é que determina a política
na prática do dia a dia evidentemente grande parte é feita pelo Ministro do Exterior, uma parte
importante lá no caso do Lula ,sobretudo do ponto de vista conceitual, era o assessor especial
para política externa que era o Marco Aurélio Garcia ,mas então houve uma confluência eu diria,
porque eu trazia , eu que fui escolhido Ministro, primeira coisa curiosa o Lula ele poderia ter
nomeado o Marco Aurélio Garcia que teria todas as condições pra ser um excelente Ministro, eu
acho, uma pessoa inteligente, muito inteligente aliás muito culta, muito conhecedora, com muita
articulação justamente no Foro de São Paulo. Enfim, os partidos de esquerda ou progressistas da
América Latina, ou até além da América Latina porque tinha muito contato na Europa também
sobretudo na França e ele não escolheu, Marco Aurélio que o havia assessorado durante anos eu
mesmo o encontrei quando Lula foi candidato pela segunda vez em 1994, estou te contando uma
história longa mas talvez seja interessante
Quando Lula foi candidato pela segunda vez, em 1994, eu era Ministro do exterior do
Itamar eu tive um encontro com Marco Aurélio Garcia, porque eu estava... foi propiciado por um
148

colega, porque conhecia de vista o Marco Aurélio , tinha encontrado algumas vezes, enfim,
referências de amigos pessoais mas não tinha contato com ele, então eu procurei o contato porque
eu achava que o Lula iria ganhar a eleição, não é que não tivesse interesse em continuar no cargo
propriamente , eu achava que ele seria o Ministro, mas eu achava muito importante que certas
coisas fossem preservadas, do que vinha sendo feito com bom entendimento, por exemplo o
Mercosul, porque muita gente da ala sindical e da esquerda era crítica naquela época.

Por conta dos moldes em que ele era...


Porque tinha o lado do livre comércio às pessoas eram contra o Livre Comércio em geral
e aí tem que distinguir um pouco, não vou entrar agora no detalhe do Mercosul. Pra mim, a
principal preocupação que eu tinha era preservar o Mercosul que nós que havíamos criado , uma
coisa importante que tinha vindo, na realidade, os primeiros esforços foram com o governo do
Sarney, o tratado de Assunção foi no Governo Collor e o protocolo de Ouro Preto foi no governo
Itamar onde eu era Ministro, mas eu tinha trabalhado desde o início como diretor no
departamento econômico, e achava aquilo muito importante pra nossa... Para a Integração da
América do Sul, era uma maneira concreta, era a primeira vez que eu via uma coisa concreta
ocorrer em matéria de Integração para América do Sul, claro que nas condições da época, estou
contando toda essa história pra dizer que tive um encontro com Marco Aurélio e no final acabou
que o Lula não ganhou a eleição, eu... Depois que terminou o mandato do Itamar terminou o
mandato voltei para a carreira diplomática fui embaixador e Marco Aurélio continuou
assessorando o Lula. Então quando o Lula me convidou para ser ministro, eu me perguntava: por
que ele não convidou o próprio Marco Aurélio? Ele resolveu escolheu uma pessoa ligada ao
Estado, porque ele queria fazer uma política de Estado.
Eu nunca tinha sido do PT, eu tinha simpatias pelo PT, eu votei no Lula mais de uma vez
eu tinha simpatias no partido, nem sei se ele sabia que eu tinha votado nele, porque todo mundo
ficava: ah votei e tal... Mas acabou que ele convidou, acho que se convenceu, ou achou que
deveria ser uma pessoa de carreira, entrevistou alguns, não muitos, e logo que teve comigo eu
tive uma primeira vez, conversei muito, ele pediu pra eu voltar, na segunda vez ele me
interrompeu no meio da conversa e me convidou pra ser Ministro e assim que foi. E claro que
Marco veio dar boa palavra, uma ou outra pessoa veio dar boa palavra, mas eu não tinha
expectativa, minha expectativa antes disso não era, não estava aí ...mas o importante não é minha
expectativa o importante é digamos porque estou dizendo que é uma confluência, é uma
confluência porque é de uma visão, que é a visão do PT de política internacional, de
solidariedade da América Latina etc... Com uma pessoa que embora vindo da máquina do Estado,
o porquê vinha da máquina do Estado, entendia, digamos certos aspectos estratégicos, não só
técnicos, mas digo estratégicos de como levar uma política soberana, independente, pela própria
experiência que tinha tido, e coincidiu que fui eu , eu estou mencionando isso porque , não me
lembro muito bem como foi formulada sua pergunta.

Qual estratégia...
Celso: Então ela nasce dessa confluência, nasce essa confluência, que em 90 % dos casos
ou em 95%, sei lá... A política externa que foi feita no governo Lula era... Correspondia... A
política externa que eu gostaria de ter feito de qualquer maneira... E eu via no Lula a
possibilidade de fazer aquela política externa... Isto era minha visão. E ele pode ter visto em mim,
uma pessoa que poderia levar adiante que achava que eu devia ser, mas digo cujos meandros ele
não conhecia tão bem, e o próprio Marco Aurélio, embora um homem brilhante, independente,
embora um homem brilhante, capaz de qualquer coisa... Marco Aurélio ele nunca tinha entrado,
149

nunca tinha estado numa negociação comercial, naquele tempo era Alca, a rodada de Doha do
MC , os dois grandes temas, então uma coisa é você fazer eu ... Agora eu chamo a atenção pro
fato que há uma diferença, eu não conheço, você dever ter pesquisado o documento do Foro de
São Paulo, eu não pesquisei, nunca, claro que depois eu passei a conhecer o que era o Foro de
São Paulo, o próprio Lula sempre exaltou a existência do Foro como digamos assim como
caminho democrático, político para os partidos progressistas da América Latina. Mas o que eu sei
do PT e o que eu sei do que eu lia, por exemplo: o termo, a expressão da América do Sul, era uma
ideia que não era do PT, o PT só se falava em América Latina e eu não tenho nada contra a
integração da América Latina, obviamente, mas eu achava, desde o tempo do Itamar, que não
adiantava querer falar da Integração da América Latina, estou falando daquela época né, porque
México estava todo voltado pra ALCA né, naquela época... Pro Nafta melhor dizendo, e os
outros, grande parte, dos países da América Central não podíamos ter a pretensão de atraí-los
para uma verdadeira integração, que em minha opinião tinha que ter por base uma integração
econômica, nunca achei que a integração deveria ser puramente econômica, sempre achei que a
base era econômica, não que eu seja marxista ortodoxo, mas entendo que a base econômica é
absolutamente fundamental. Basta você pensar no que foi no que resultou, no Estado Alemão
moderno, com a União Aduaneira, primeiro grande passo lá do Bismark, foi fazer a União
Aduaneira dos Estados Alemães.

Que é o primeiro passo para uma integração mais ampla...


Que é o primeiro passo para virar um país! Inclusive né... E a própria União Europeia, que
digamos também que tem suas ambições políticas se pronunciam por diversas coisas , mas antes
de tudo ela foi um mercado comum europeu, então pra mim isso era absolutamente fundamental
e absolutamente claro e acho que como o PT sempre teve uma visão mais ampla, cultural, um
pouco também até certo ponto , diria eu romântica que era minha visão como jovem adolescente
,mas eu digo era óbvio que eu não ia conseguir logo fazer uma integração com Cuba ou México ,
pegamos dois países bem diferentes na época , México neoliberal e Cuba socialista não ia
conseguir, agora a América do Sul talvez fosse possível. E até um fato interessante que eu vi num
comunicado conjunto que vi, veja a ironia da vida, com Bolsonaro e Macri eles celebrando o fato
de que...

Uma moeda conjunta, o peso real, eu vi uma notícia né que ele, ele está tentando
impulsionar o Macri eleitoralmente né , então ele falou sobre o plano de se construir uma
moeda comum entre o Brasil e Argentina
Ah tudo bem, se fizer bem tudo bem, me surpreende até ...não mas lá no comunicado em
conjunto dizia assim vai porque finalmente agora , porque isso é um acordo que começamos a
fazer lá em 2003 e agora em 2019 é o final do cronograma de liberalização , comércio de bens
entre os países da América do Sul vai ser totalmente liberado, Guiana e Suriname são um pouco
diferentes primeiro porque eles tem uma dupla pertinências , porque eles perto do Mercosul mas
também são Caricon, são países muito pequenos e muito pobres é muito difícil você exigir deles
as mesmas coisas. Mas entre os países da América do Sul em geral, está chegando isso.
Eu estou dizendo isso porque tínhamos uma visão muito prática, não adianta se falar em
Integração da América latina naquele momento, porque não ia correr, México está muito voltado
aos EUA, Cuba muito revolucionária difícil de conciliar com o sistema capitalista, bem ou mal o
governo Lula não foi uma revolução socialista, posso dizer que eu sou socialista como ideal,
outras pessoas podem até dizer, o Lula evita até dizer ,mas digamos... Mas a verdade é que não
150

houve. Foi uma coisa muito revolucionária para história do Brasil, mas ninguém derrubou o
governo capitalista.

O Estado capitalista...
O Estado capitalista, o Ministro do Comércio era da Fiesp , o Ministro da Agricultura não
sei se era das cooperativas agrárias , mas cooperativas de capitalistas. Então pra citar dois
exemplos Palocci apesar de ser do PT era muito ligado aos bancos , não vamos entrar em outras
características que se revelaram depois , mas mesmo na época né ... então o que eu acho é isso há
uma confluência e a estratégia que foi traçada eu diria era basicamente era de afirmar a
independência do Brasil , do Brasil ser capaz de agir sem ser por pressão externa e ao mesmo
tempo uma busca de solidariedade com outros países em desenvolvimento ,na minha cabeça ,
porque eu tinha sido embaixador na ONU, aí já na época havia muito presente a ideia de
multipolaridade aí talvez um termo que na época o PT não conhecesse ou não usasse , mas na
época tínhamos essa visão comum , mas pacifista em favor da paz. Sem dúvida o PT tinha essa
visão e nós também, e a favor também da justiça social, por exemplo tem que ser objetivo, eu
jamais teria pensado na ideia , numa espécie de Fome Zero a nível global, o Lula pensou e eu
tratei de executar. Agora dificilmente ele poderia pensar nos termos técnicos que eu pensei, de
como se faria uma área de Livre Comércio da América do Sul ,primeiro através de um acordo
entre a comunidade andina e o Mercosul, porque isso era uma coisa que tava na minha cabeça
desde a época do governo Itamar , então só estou repetindo houve uma confluência para tratar
que o Brasil tivesse uma política independente, solidária...

Existiam duas táticas que se consolidaram numa estratégia comum...


Eu não diria duas táticas, porque eram duas estratégias mesmo que se combinaram e se
casaram.

Tá Entendi...Na sua opinião a política externa com mandato...


Volto a dizer inspirador é o Lula, porque se não fosse o Lula. O Lula poderia fazer
política externa sem minha presença, talvez fosse feita um pouco diferente. Eu não poderia ter
feito sem ele.

O Lula e o PT ou só o Lula?
Olha eu acho que se fosse o Lula e o PT,ah penso no Lula , o PT poderia ter feito ,só que
com mais dificuldade, porque diplomacia é uma técnica é uma arte também , então eles
precisariam de alguém que ajudasse tinha o Samuel Pinheiro Guimarães, tinha outras pessoas ,
muitas pessoas progressistas que poderiam ajudar, talvez não fosse idêntica a minha , parecida
com a minha, porque houve uma coincidência eu já tinha sido Ministro antes, quer dizer dá uma
certa experiência, eu tinha sido embaixador na ONU e em Genebra duas vezes, então isso
também dá uma vivência muito especial com relação a parte multilateral , outros talvez se
acentuassem outros aspectos ,mas eu acho que digamos o conteúdo geral seria o mesmo e a forma
de fazer seria diferente...

Uma confluência... Em sua opinião a política externa comandada pelo senhor, ela
influenciou nas vitórias eleitorais do PT?
Internas?
151

É...
Acho que não, eu acho que havia um apreço assim, a política externa passou a interessar,
mais pessoas falaram, eu sou uma pessoa reconhecida publicamente assim, coisa que
normalmente um Ministro do Exterior não é no Brasil, em outros países é, mas no Brasil não é,
não era...Então agora o Ernesto Araújo deve ser também mas pelos maus motivos, é pois é ,mas
enfim .Honestamente eu acho que a influência...talvez o Chico Buarque dizendo que ia votar na
Dilma, porque gostava muita da política externa , não falava grosso com a Bolívia e não falava
fino com os EUA, que é um bom resumo , outras pessoas com Oscar Niemeyer também falavam
muito , então, estou falando de pessoas que são de fora da área estrita da política, então talvez
isso influenciasse algumas pessoas, mas eu acho que na votação global, eu creio que não, não sei,
talvez como o estado psicológico, as pessoas gostam de ver ... Talvez não entendam bem que é
por causa daquilo , mas elas gostam de ver o Brasil ser respeitado. Até hoje agente encontra
pessoas que dizem “poxa”... Pessoas que trabalhavam em Multinacional diziam: “puxa vida como
o Brasil era respeitado, eu trabalhava na Caterpiler”, e eu ficava: porque veio me elogiar o cara da
Caterpiler? Aqui no Brasil, a mídia brasileira ficava dizendo que eu era contra, não éramos
contra... Mas enfim as coisas iam bem o Brasil era respeitado, então isso talvez pudesse refletir
um pouco, mas eu não tenho ilusões de que isso fosse decisivo não.

O senhor já falou um pouco sobre isso, mas é só pra tentar arredondar aqui na pergunta,
porque se fez a opção pela América do Sul tem um corte ideológico ou pragmático?
A palavra ideológica é tão mal usada né, pejorativamente né que eu evito usar, então eu
tenho um corte de convicção, vamos dizer, de que a integração é necessária, aliás está na
Constituição brasileira, então é uma convicção antiga entre América Latina e Caribe, e tem o lado
pragmático de eu achar o seguinte se nós partíssemos direto né, para uma integração da América
Latina e Caribe não ia acontecer, mas na América do Sul tinha uma chance de acontecer , então
tem sim um corte pragmático, não fiz porque achava que o Brasil ia exportar mais ou ganhar
mais, isso também era um aspecto , até porque eu tinha que provar que isso era certo, então era
importante mostrar que o Brasil tinha vantagens ,mas eu acho que objetivo principal da
Integração, sempre insisto nisso , é claro que a parte econômica era importante, um instrumento,
era melhorar o nível de vida de todos, das pessoas e a paz, você dizer que desenvolvimento e paz
são ideológicos, eu não acho que seja.

Entendi...Ainda nessa linha de aproximações com países, qual objetivo da aproximação com
os países africanos? Existiu a intenção de consolidar a influência brasileira sobre o
continente? Seria um ensaio para evidenciar a capacidade do país de atuar como potência
mundial?
Gente, as coisas não se passam assim... É... Olha vamos ter uma política com África,
porque isso vai aumentar nossa atuação, é natural, a nossa política com a África, é digamos
decorrência da própria...deveria ter sido já antes e foi, decorrência da nossa própria composição,
da nossa população, étnica cultural, tanto que houve antes algumas iniciativas importantes. Devo
dizer o seguinte: o Brasil tirando o início do governo militar desde 61 pra cá, volto a repetir,
tirando o início do governo militar sempre teve uma política razoável com relação à África. Ela
se acentuou positivamente na época do governo Geisel, que fez o reconhecimento do MPLA
(Movimento Popular de Libertação da Angola), com todos os efeitos que se pode ter, mas é
verdade. Eu ainda era chefe da divisão cultural, ainda era governo Geisel, se fez as primeiras
mostras de cinema em Moçambique e Guiné Bissau, cinema brasileiro, era digamos, havia
digamos , um impulso , aliás o próprio Guibissom ainda era o governo Médici ,no final do
152

governo, ele fez ali uma Missão á África, ali o Brasil tinha uma grave hipoteca, porque o Brasil
demorou muito a reconhecer a luta dos países africanos de língua portuguesa, porque havia uma
relação com Portugal e ela foi diminuindo com o tempo, quer dizer Brasil teve uma ação muito
forte no período democrático, ali ainda entre o Goulart, principalmente no período João Goulart,
na ONU e tal pela independência, depois recuou totalmente se subordinou ao Salazarismo e mais
tarde, já no final do governo Médici com Gibson já começa assim não reconheceu, só mudou
mesmo no governo Geisel, e o marco principal da coisa do governo Geisel, é o reconhecimento
do governo MPLA, o Brasil foi um dos primeiros países a reconhecer o governo do MPLA, que
era chamado de marxista, imagina, o governo militar brasileiro! Foi o primeiro país antes de
Cuba, antes de qualquer país africano e isso numa decisão estratégica, não era por simpatia
ideológica, obviamente, mas também a ideia de que era preciso ter uma política com África, eu
me lembro de conversas com o embaixador Zapa que tratou desse assunto, embaixador Ovídio
Melo que foi o representante da Angola, e nós dizíamos na conversa entre nós que o Brasil é um
país tão africano quanto Latino Americano, enfim, isso depois continuou com passos lentos,
quem deu uma grande acelerada foi o governo Lula. E aí... Eu volto a uma coisa, digamos do
início da nossa conversa, quando tivemos que definir como era a política externa, e aí foram
palavras que ocorreram a mim, mas aí eu acho que estava captando os pensamentos do presidente
Lula, de que a nossa política externa ela tinha que ser ativa e altiva. Quer dizer altiva no sentido
de que não teríamos que nos submeter a qualquer pressão e ativa no sentido de que aquelas coisas
que a gente achava boas a gente tinha que fazer mesmo, de verdade, então quer dizer como fui
embaixador da ONU, no governo do Fernando Henrique, como fui também Ministro do Itamar,
como também acompanhei outros aspectos em outros governos, havia uma simpatia forte pelo
Brasil na África, o próprio governo Sarney é o precursor da criação da comunidade dos países de
língua portuguesa.
Ele é levado adiante no governo Itamar ele é levado adiante por inspiração grande por
parte do mineiro, lá o José Aparecido de Oliveira, uma coisa meio cultural, mas bem ou mal, era
uma aprofundação , era um reconhecimento de que tinha, agora no governo Lula é que eu acho
que isso se expande de uma maneira muito grande, não se limita aos países de língua portuguesa
e digamos aumenta de maneira quase que exponencial, o comércio multiplicou por cinco , nossas
exportações pra África no período de 6, 7 anos , depois da crise de 2008 caiu um pouco, mas
depois recuperou ,mas entre 2003,2004 ...2008,nossas exportações aumentaram por cinco, quatro
ou cinco, um número assim ...e não é partindo assim de um número muito baixo não , eu me
lembro que quando eu saí do governo, eu costumava comparar e dizer o seguinte , você imagina
que a África seja só um país, ela seria nosso 4º parceiro comercial ,atrás apenas da já então ... A
China, acho que era primeiro a China, Estados Unidos e Argentina e na frente da Alemanha,
então não era dizer ah... Que multiplicou por cinco porque saiu do nada, então né muito fácil...

Era um grande parceiro...


Era um grande parceiro, a África em conjunto, isso inclui a África do Norte, países
árabes, etc... então quer dizer, eu acho que , havia vários ... a intuição de que eram mercados, o
interesse africano pelo Brasil, claro que também, isso também tem repercussão nas Nações
Unidas em outros setores. Agora foi feito pra isso? Não sei... Não diria que essa era a estratégia
inicial, agora nós aproveitamos esse capital de boa vontade, em várias ocasiões, uma em que isso
ocorreu de maneira notável foi na Organização Mundial do Comércio, quando nós fizemos uma
grande coalizão contra os subsídios de exportação de produtos agrícolas. E os países africanos no
inicio não estavam muito convencidos, porque tinha muita influência europeia né. Então quer
dizer eu não acho que fosse uma estratégia com esse objetivo né, mas a aproximação era natural.
153

Acho que sim, no governo Lula, levamos isso com muito... Tanto que logo no início do governo,
Lula fez logo uma visita para 5 ou 6 países ,eu já tinha feito outras 2 visitas, então... A África
estava na nossa agenda desde o início.

Então tiveram logros políticos também?


Sim, políticos e econômicos e culturais, mas digamos, enfim...E teve influência nisso que
você tá falando também, nas eleições, quando a gente pensa nas eleições pro Roberto pra OMC
ou do Graziano para FAO, obviamente o fato de termos relações próximas, não só relações mas
também programas de cooperação com muitos desses países, teve muito peso... agora se você
disser: “ah já fez pensando nisso?”... Não, não fiz pensando nisso...

Dá pra dizer que a política externa brasileira ela é um mecanismo, não o principal, não o
fator determinante, mas um mecanismo de construção de hegemonia seja no Brasil, ou seja,
lá fora? Uma hegemonia do Brasil assim...
Celso: Eu não gosto muito dessa palavra hegemonia... Porque hegemonia é uma coisa
meio negativa, parece que assim pra você impor sua vontade... Eu acho que, eu prefiro até...
embora também não seja a palavra ideal uma certa liderança, mas uma liderança assim mais por
inspiração do que por imposição...é eu sei que tem hegemonia no sentindo gramsciano, no
sentido cultural...então bom...

Que é a base teórica da minha monografia, inclusive...


Celso: Bom aí talvez nesse sentido talvez você possa dizer que sim... Quer dizer esse
poder brando brasileiro, pra usar uma expressão, que na época também não conhecia, mas que é
verdade sim... Isso tem um peso, o Brasil gozava de muita simpatia, agora não sei, e que ajudou
muitíssimo nessas eleições, ajudaria, por exemplo, se nós chegássemos... Isso nunca chegou a
acontecer... Por outros motivos, mas chegássemos a discussão final, por exemplo, da questão da
ampliação do Conselho de Segurança, eu tenho certeza de que o Brasil seria o país que gozaria de
maior...de maior...

Prestígio...
Prestígio sem precisar gastar um centavo pra isso, ao contrário de outros.

Entendi... A política externa dos governos Lula e Dilma demonstraram vários pontos de
inflexão com a tradição diplomática brasileira né... Assim como também tiveram várias
continuidades. O senhor conseguiria apontar as principais continuidades, as principais
inflexões com a tradição diplomática brasileira?
Eu não vejo uma grande inflexão com a tradição diplomática brasileira, depende do que
você chama...

Essa visão da América do Sul...


Sim, se você for buscar lá em Santiago Dantas e tal, a visão era muito parecida, mas é
claro que o mundo muda então as situações também mudam, mas quando Santiago Dantas, por
exemplo, foi contra a expulsão de Cuba da OEA, na realidade na prática o Brasil se absteve então
na OEA devido ao sistema de votação era como se fosse voto contra. Então quando Santiago
Dantas fez isso, ele fez com o mesmo tipo de inspiração que determina digamos a posição
também dos governos do PT, não só em relação a Cuba, mas em relação a outros temas, em
relação à guerra do Iraque, por exemplo, em relação a outros temas... Então contra as ideias de
154

isolamento, contra a ideia de... A favor das ideias de coexistência de ideologias né... Se você for
ver inclusive, entre os princípios da Unasul, você vai ver que está lá o pluralismo, ninguém dá
muita importância, mas está lá o pluralismo... Né... Ao contrário do que poderiam querer uns,
quer dizer então né... É uma coisa... Eu não acho que se afaste. Segundo não se afasta em nada do
que está escrito na Constituição Brasileira, então é uma política de Estado. O que eu acho, porque
eu chamei de altivo e ativo, porque na realidade a grande mudança em relação aos governos
anteriores foi fazer as coisas com mais convicção e com mais empenho, não se amedrontar diante
de certas situações, agora se for perguntar... Se você fosse examinar a teoria das políticas
anteriores, sim agente se afasta, por exemplo, de certas ideias. A ideia, por exemplo, de que ah o
Brasil não tem... Tem uma frase que é muito comum, até aparece no livro do Jimmy Cooper
também, mas não é dele ,acho que geralmente era do guerreiro ,foi muito usada pelo Celso Lyfer,
do governo Cardoso: “O Brasil não tem excedente de poder” .Então era sempre assim o Brasil é
pequeno , o Brasil não pode ter grandes inciativas, nesse sentido sim, não é ...

A famosa síndrome de Vira Lata né...


Pois é, síndrome de Vira Lata que... Mas não se falava nisso né... Isso é uma coisa que
começou a se falar depois, o governo Lula olhando para o passado, é... Nesse sentido sim, se você
perguntasse a um ministro do governo Fernando Henrique: “Você é a favor da Integração Latino
Americana?” Ele ia dizer: “Sou”. Simplesmente não estava fazendo nada de muito concreto pra
que isso acontecesse. “Você é favor de uma política ativa em relação a África” ele ia dizer:
“Sou”. Agora só que em vez de fazer sessenta e poucas visitas com eu fiz, ele fez dez, sei lá...
Oito. E o presidente fez vinte e tantas... E o presidente Fernando Henrique fez 3 ou 4.Então é
nisso que eu acho, que digamos ... Havia uma mudança, agente levou muito a sério as nossas
decisões e sem temores. Desassombrava agora eu não posso dizer que a falta de desassombro era
parte da tradição da política externa brasileira, eu diria que mesmo em certos governos, no
governo militar, por exemplo, eu falei do Geisel, a política do Silverinha foi uma política, em boa
medida, uma política desassombrada, porque foi conhecer a Angola, um governo do MPLA,
restabelecer relações com a China, antes que o EUA tivesse feito isso plenamente, estava na cara
que ia fazer, mas não tinha feito, e reconhecer e aceitar o escritório da OLP no Brasil, também
revela certo desassombro vamos dizer assim na política externa, vamos dizer assim... Claro que
nas limitações da época. Então eu não diria que a tradição foi sempre essa de ficar com medo das
coisas não, agora sim... Houve uma inflexão, digamos... na intensidade. E a intensidade, você que
então... Gosta da dialética, usando um termo Hegeliano, não é marxista necessariamente, a
quantidade altera a qualidade, então quando você realmente faz uma visita aos países árabes
como o presidente Lula fez logo no inicio de seu governo, eu uma vez pra ajudar nesse processo
de criação da Conferência da Aspa né, da América do Sul , Países árabes...visitei dez países em
dez dias, isso altera. Eu pra conseguir o acordo, a orientação era do presidente, claro que o
prestígio era dele, mas pra conseguir o acordo da comunidade andina e o Mercosul eu fui ao
Equador sete vezes, sete vezes ... Em dois anos. Eu tinha sido Ministro antes do Itamar Franco,
não tinha ido nenhuma vez, por exemplo. Em um ano e meio queria ter ido, duas ou três, não fui.
Essa intensidade sim altera a qualidade e digamos... O destemor de tomar certas iniciativas, eu
acho que são coisas novas...

Mostra presença do país né...


Agora... Dizer que isso quebra a tradição, não sei, mas está tudo dentro dos princípios que
estão no artigo 4º da Constituição Brasileira.
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Entendi nenhuma ruptura? Então não teve uma...


Olha eu diria que, ruptura... Se você quiser... Nós fomos menos submissos aos EUA,
menos submissos... Claro, agora vou dizer a você, mesmo no governo Fernando Henrique
Cardoso a submissão era mais sutil, era mais sutil. Não era como está agora, ou como foi no
governo Temer, né ela assim... “não vamos mexer com isso agora”, “não vamos cutucar a onça
com a vara curta”, sabe não era uma submissão declarada, como opção estratégica, eu acho. Ou
talvez fosse, mas não era declarada como opção estratégica.

Vou ter que fazer uma pergunta sobre o Foro...


Pode fazer vou te responder sinceramente...

Daniel: Qual a relação entre a formulação da política externa petista e a política articulada
no Foro de São Paulo?
Eu acho que não há uma política externa petista, há uma política externa do governo do
presidente Lula, que era do PT, mas que também tinha outras variáveis... Imagina o Ministro da
Indústria e do Comércio era o Vice Presidente da Fiesp e ele influía na política externa, não
conduzia, eu aliás várias vezes já tive até pequenos embates com ele, mas eu estou dizendo...não
era uma coisa que eu pudesse ignorar, eu não ignorava a Fiesp, na política externa, não ignorava
o agronegócio na política externa. Eu não podia ignorar, então não há uma política externa
petista, eu estou te dizendo, sinceramente em minha opinião, era do governo Lula que em minha
opinião uma coalizão de várias forças, na qual obviamente o PT tem um papel muito importante,
preponderante mesmo, mas não absoluto, então é preciso entender isso.
Agora quando você me pergunta, o que eu acho, que o Foro ajudou, sobretudo na minha
opinião, na minha opinião né. Talvez se você perguntasse o Marco Aurélio se ele tivesse vivo,
talvez ele desse outra opinião, não sei. Eu volto a dizer que houve uma confluência sobre muitas
coisas, inclusive teve essa simpatia pela América Latina e Caribe, a simpatia pela África, pelos
países em desenvolvimento, tudo isso é uma confluência. Agora, no que eu acho que o Foro foi
mais útil em minha opinião, é digamos, nos contatos e nos relacionamentos, porque aí sim, havia
contatos estabelecidos por outras pessoas, inclusive eu estou falando muito do Marco Aurélio
porque ele era o mais próximo aí ligado na política externa, Zé Dirceu, outros... Tinha outros
contatos, mas o Marco Aurélio foi o mais atuante...

Pomar...
Pomar não era muito presente no governo, falando francamente, não sei se diretamente ele
influía, mas não era... Dulce, talvez. Então, o Pomar, eu respeito muito como intelectual, tive
várias conversas importantes com ele, mas ele não era tão presente.

Ele era mais pra parte interna do partido.


Ele era mais pra parte interna do partido. Mas enfim, o aspecto que eu diria que eu acho
que tivemos com o Foro, foram os contatos, aí sim precisava conversar com alguém na
Nicarágua, precisava conversar de outros países e tal. Marco Aurélio conhecia todo mundo, eu
não conhecia, meu contato era de Estado pra Estado, então nesse aspecto, acho que o Foro sim.
Eu acho que o Foro deve ter tido em geral uma influência também positiva na ideia de que os
partidos tentarem. À esquerda e os progressistas chegaram ao poder, por meios democráticos,
mas isso era uma coisa que já tinha ocorrido, antes do Lula, já estava ocorrendo,
independentemente de Lula no poder, mas acho que a presença do Lula fortaleceu isso. Mas sabe
digamos, sei lá, o Kishiner, um presidente progressista, eu não sei, mas acho que ele não estava,
156

digamos, não sei, eu não acho que ele estava lá no radar do Foro de São Paulo, entendeu, nem sei
onde Morales estava já outros sim. Entende? Então eu acho que é uma coisa que mais complexa...

Ajudou a articular por fora, algo que também...


Celso: Algo que estava ocorrendo também por outras razões... Não estou querendo
diminuir o papel do Foro não, acho que certamente foi importante, continua sendo importantes, as
pessoas tem seus contatos. Então, em momentos difíceis, inclusive, talvez como o que estamos
vivendo agora, o Foro talvez, sejam o mais importante para consolidar essas posições, essas
alianças. Agora eu acho que é preciso ter clareza que são vários processos diferentes que nascem,
inclusive em alguns casos, a origem não são nem partidos de esquerda. No poder é que a coisa se
transforma quase, o Correa, por exemplo, o Correa não era candidato de um partido de esquerda
antes, ela criou seu próprio partido não sei se tinha relação com Foro de São Paulo...

Hoje tem...
Hoje com certeza tem... Pois é mas é diferente, entendeu? Na época...
Hoje tem, mas naquela época não tinha.

Eles foram sendo agregados né, se ampliou muito, no primeiro encontro do Foro de São
Paulo tinha 48 partidos, hoje são 113 partidos...
E Provavelmente mais amplos também...

É, com certeza eles foram agregando vários graus de esquerda né, progressista né ...É eu
vou ter que fazer essa pergunta: Existiu o objetivo de construir a hegemonia brasileira na
América do Sul?
Eu volto a falar que esse problema da hegemonia não sei se você está usando termos
Gramscianos, eu não quero discutir os termos Gramscianos, eu acho que a hegemonia no
sentindo que a gente usa, como termo político no geral. Não, porque isso é natural, porque o
Brasil é metade da América do Sul, basta o Brasil fazer a coisa certa que a liderança é natural. As
pessoas todas dizem: “nós não podemos fazer isso, sem o Brasil”. Como é que a América do Sul
vai se organizar e a América Latina inclusive também, sem o Brasil? Não há como. Então basta
fazer a coisa certa que resulta nessa liderança, que não é assim buscada como objetivo, é uma
coisa, e pra muitos países. Agora veja bem, é preciso frisar isso eu tivemos muito cuidado no
governo em ter uma visão pluralista, claro que aí me perguntavam: ‘no governo você simpatizava
mais com o Chaves ou com o Uribe?” E eu: “claro que agente simpatizava mais com o Chaves.”
Mas agente tratava muito bem o Uribe e com muita correção e ele confiava na gente. Quando ele
tinha um problema de Estado sério, ele não corria pra Washington ele corria pro Brasil, para o
Lula, para falar com o Lula. O Chile que tinha um governo da cosertação, mas que pelos padrões
nossos não seria um governo de esquerda, sobretudo a chancelaria, o partido democrata cristão ,
não um partido de esquerda um partido de centro, democrata de centro. Eu ouvi do chanceler
chileno: “O Brasil é nosso porto seguro” ,quer dizer o Brasil é que daria o equilíbrio que permitia
para fazer a integração da América do Sul, que permitia tratar com Chaves, com Uribe e com eles
ao mesmo tempo.

Tem alguma influência da sua carreira de cineasta e as suas perspectivas acerca da


condução da política externa brasileira?
Tem uma coincidência, certamente teve uma influência humanista, eu tinha grande apreço
aqui, eu trabalhei no cinema novo brasileiro, tinha ligação com várias pessoas do cinema novo
157

Richard, Glauber, Rui Guerra etc, que fluíram na minha formação. Agora tem uma coincidência
específica de política externa, que eu não sou o causador, mas é uma coincidência interessante, a
última cena do filme Os Cafajestes do qual eu fui assistente, assistente de continuidade, a última
cena, o personagem, que é um dos cafajestes, que é o Gerson Valadão ele está se afastando do
carro e tem um noticiário de rádio né, e se tá ouvindo, e até interessante porque agente criticou
pensado que era irrealista ,mas foi de propósito, porque embora ele vai se afastando o som não
vai diminuindo, o som tá sempre na mesma altura, e uma das notícias que é dada na época é o
voto do Santiago Dantas na Conferência de Punta del Este, se opondo a excursão de Cuba.

Que interessante...
É uma premonição vamos dizer...

Nesse sentido ainda, existiu um esforço para difusão da Cultura Brasileira ao longo dos seus
anos à frente do Ministério?
Agora deixa dizer... só completando aqui, naqueles anos eu era adolescente quase na
época, um jovem adulto, 18 , 19 anos , mas na minha experiência como presidente da Embrafilme
anos depois como também na ciência e tecnologia eu pude ver muito de perto os embates que os
Estados Unidos , tanto na nossa indústria de áudio visual, tanto na nossa indústria farmacêutica e
etc., pode ter pesado nas minhas atitudes, nas minhas atitudes.

Então teve, quando o senhor estava frente do Ministério um esforço pra difundir a Cultura
Brasileira?
Teve, nós trabalhamos e aumentamos o número de centros culturais, aumentamos o
número de professores brasileiros na África, trabalhando inclusive para que professores africanos
viessem ao Brasil para ensinar a Histórica da África, sem dúvida.

O senhor falou isso bem no começo da nossa conversa, sobre ter participado do governo do
Itamar Franco né, você acha que a escolha do senhor como Ministro era um sinal de
continuidade, quando o senhor falou que era mostrar uma política de Estado.
Eu não gosto muito dessas palavras continuidade, porque continuidade dá a impressão que
você vai fazer sempre do mesmo, e não ia ser o sempre do mesmo. Eu me lembro de que quando
o presidente me convidou, antes de eu me anunciar publicamente, quando ele me convidou. Eu
tava em São Paulo, um pouquinho antes da visita que ele fez a Washington ,como presidente
eleito, e tinha um minuta do discurso feita por um outro Diplomata, não sei por quem, e que tinha
escrito a palavra continuar, continuidade, aparecia umas 20 vezes, eu falei: “Uai porque ele foi
eleito? Se vai continuar tudo, deixava tudo como estava né.” Então eu não gosto muito dessa
palavra continuidade, eu acho que sim, é diferente, porque continuidade tem haver com a
maneira de fazer e a maneira de fazer ia mudar, e quando agente diz que era altivo e ativo, porque
ia mudar, porque agente estava achando que a outra não era altiva e nem ativa obviamente. Agora
os princípios básicos da política brasileira que são os da Constituição Brasileira e esses não
mudariam, nós apenas intensificaríamos a sua aplicação, então eu acho que a escolha de uma
pessoa de Estado era reconhecer que havia interesse de Estado brasileiro, não posso dizer que
permanente, não gosto de dizer permanente, permanente, porque tudo na vida muda, mas enfim ,
que assim era de longa duração, agora a maneira de fazer não, a maneira mudou.
158

Qual o significado do G20 para as pretensões políticas e econômicas do Brasil a nível


internacional?
De qual G20 você está falando? Teve dois G20,um G20 da área comercial que nós
criamos, dentro da OMC, que ajudou muito a mudar o padrão de negociação da OMC e teve o
G20 dos líderes...

O G20 que o Brasil ajudou a criar...


O G20 da OMC, foi o Brasil que liderou a criação, participaram outros, Índia, China,
Argentina, isso funcionou dentro da OMC, só ter países em desenvolvimento, um grupo de países
em desenvolvimento lutando para melhorar as condições de negociação dentro da organização de
comércio. Agora, depois da crise financeira chegou-se a conclusão que o G7 e o G8 não davam
mais, era preciso ter outro... E aí assim então o Brasil é chamado para fazer parte de outro G20,
agora como um dos fundadores, agora quem resolveu que ia ser G20 nessa época foi mais o
Bush, porque havia outras ideias, havia uma ideia de fazer uma espécie de G15, G16, que juntava
o G8 e mais alguns outros, eu acho que o Bush achou mais fácil...

Conciliar os países que já estavam mais fortes...


Porque existia um G20 no FMI, esse mesmo, com essa mesma composição, e aí dava mais
peso para alguns países europeus e tinha a Arábia Saudita, então pra ele também acho que era
mais confortável desde o inicio, e o Brasil teve um papel importante desde o inicio, o Brasil e os
Brics no geral.

Essa é a última pergunta... Ela foge um pouco do tema, mas porque ela é a pergunta de um
internacionalista que deseja saber o que um Ministro fala sobre isso: Qual sua avaliação
sobre a atual política externa implantada pelo Ernesto Araújo e como isso afeta os
interesses estratégicos do Brasil?
Olha a minha avaliação é a pior possível, porque, tanto no conteúdo, quanto na forma,
porque mesmo no governo militar, que obviamente a política externa não era boa, sobretudo
antes do Geisel, como eu falei, mas pelo menos o estilo salvava da diplomacia, hoje em dia não.
Hoje em dia todos os sinais e os símbolos, que não só o Ernesto Araújo, o próprio presidente que
vai até a CIA prestar reverência, isso não corresponde ao que é o Brasil. O Ernesto Araújo dizer
às barbaridades que diz, sobre a mudança de clima, então não dá nem pra avaliar. Agora dentro
dessa loucura toda, há coisas que são meramente exóticas e risíveis e outras muito perigosas. Eu
diria que a coisa mais séria e perigosa delas tem sido a atitude com relação a Venezuela, acho que
hoje em dia, uma ação armada na Venezuela ficou mais difícil , porque já seu viu que esse
Guaidó não tem nenhum respaldo, acho que até os próprios americanos estão começando a achar
que fizeram a aposta errada e o Brasil embarcou totalmente nisso e duas vezes, principalmente na
primeira em que o chanceler estava lá a bordo de um caminhão, uma van, que estava levando o
selo da ajuda humanitária para Venezuela, sempre digo imagine querer atravessar essa fronteira,
tivesse lá um guarda nacional muito zeloso e desse um tiro no caminhão do chanceler que por
acaso os atingisse. Era guerra, era guerra o Brasil esteve muito mais perto de uma guerra do que
se pensa e seria a primeira vez em 145 anos, seria terrível uma Guerra aqui na região. O Brasil
não tem uma guerra aqui na região desde a guerra do Paraguai, depois da Tríplice Aliança como
agente costuma dizer hoje em dia. Então é terrível, sem falar na submissão explícita e muitas
outras coisas e outras atitudes lamentáveis, o próprio apoio do Bolsonaro ao Macri é uma
repetição do que, e uma divinação até, a mesma atitude do Trump em relação a Inglaterra, que é
chegar lá e dizer olha Boris Johnson daria um bom primeiro Ministro, uma interferência nos
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assuntos internos de outros Estados, que é totalmente lamentável, enfim. O nosso chanceler vai à
Europa e escolhe os países mais a direita, o Lula nunca teve essa preocupação, a primeira viagem
que ele faz a Europa, eu estava com ele. Ele foi à Davos, onde ele falou com todo mundo, com
capitalista com tudo que havia, de lá foi à Alemanha que era Social Democrata, não pode se dizer
esquerda, esquerda e de lá vai pra França. Então não tinha, é totalmente falsa a ideia essa coisa de
que era conduzido por uma ideologia, é porque aqui no Brasil a elite brasileira, acha que tudo que
não é subserviente a americano é ideológico ou a uma extrema direita europeia.

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