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83-96, 2005 83
ISSN 1517-8595
Juliana Tófano de Campos Leite1, Fernanda Elisabeth Xidieh Murr2; Kil Jin Park3
RESUMO
Alimentos são compostos por uma combinação de diferentes componentes e, por essa razão,
geralmente existem em um estado de não-equilíbrio amorfo. A transição vítrea é a principal
transição de fases observada em componentes amorfos e, portanto, a mais comum em alimentos.
A transição vítrea em materiais amorfos ocorre em uma faixa de temperaturas, mas geralmente é
associada a um único valor – a temperatura de transição vítrea (Tg). Essa temperatura varia com
a composição dos alimentos, principalmente com a concentração de água. O conhecimento do
comportamento da temperatura de transição vítrea em função da umidade dos alimentos é
essencial para a determinação das melhores condições de processamento e armazenagem dos
alimentos.
ABSTRACT
Food is composed by a combination of several components and, for this reason, generally in at a
non-equilibrium amorphous state. The glass transition is the main phases transition observed at
amorphous materials; therefore it is the most common in food materials. The glass transition in
amorphous materials occurs at a range of temperatures, but it is often referred to the single
temperature value – the glass transition temperature (Tg). This temperature varies with the food
composition, mainly with the water content. The knowledge of the glass transition temperature
behavior in function of the food moisture content is very important to determine the best
conditions for food processing and storing.
____________________________
Protocolo 150 Protocolo 100 de 10 /01 / 2005
1
Doutoranda em Engenharia de Alimentos Departamento de Engenharia de Alimentos – Faculdade de Engenharia de Alimentos –
Universidade Estadual de Campinas. Caixa Postal 6121. CEP: 13083-970. Campinas-SP, Brasil. E-mail: juliana@agr.unicamp.br
2
Professora - Departamento de Engenharia de Alimentos – Faculdade de Engenharia de Alimentos – Universidade Estadual de Campinas.
Caixa Postal 6121. CEP: 13083-970. Campinas-SP, Brasil. E-mail: fexmurr@fea.unicamp.br
3
Professor Titular - Faculdade de Engenharia Agrícola – Universidade Estadual de Campinas. Caixa Postal 6011. CEP: 13084-971.
Campinas-SP, Brasil. E-mail: kil@agr.unicamp.br
84 Transições de fases em alimentos:Influência no processamento e na armazenagem Leite et al.
(Labuza, 2004; Sperling, 1992). Um aumento alimento na forma desejada para o consumo
na temperatura pode causar nesses materiais pelo maior tempo possível (Roos, & Karel,
uma transformação para o estado gomoso, um 1991a).
estado menos viscoso, à temperatura de A teoria da transição vítrea da ciência dos
transição vítrea (Tg). polímeros pode ajudar na compreensão das
A crocância característica de alimentos propriedades texturais de alimentos e explicar
no estado vítreo é altamente desejada em as alterações que ocorrem durante o
biscoitos, batatas fritas, cereais matinais e processamento e a armazenagem, tais como a
alimentos desidratados. Já a maciez associada pegajosidade, o empelotamento, o amoleci-
ao estado gomoso é desejável em alguns mento e o endurecimento (Labuza, 2004; Roos
produtos desidratados, como damasco e banana, & Karel, 1991a, 1991b, 1991c, 1991d, 1991e;
e, também, em produtos industrializados, como Slade & Levine, 1989; Sperling, 1992).
é o caso de alguns biscoitos e recheios (Baroni, Uma vez que a maior parte dos polímeros
2004; Labuza, 2004). A determinação das é termoplástica e sujeita a plastificação pela
propriedades de estado em alimentos, em água, suas propriedades físicas são governadas
função da temperatura e da concentração de pela temperatura e pela quantidade de água
água, fornece informações valiosas no (Slade & Levine, 1991). Na Figura 1, pode-se
estabelecimento da formulação, processamento, observar um diagrama representativo da
embalagem e estocagem para que seja evitada a transição entre os estados vítreo e gomoso.
mudança de fase (vítreo-gomoso), mantendo o
Figura 1 – Diagrama representativo da transição entre os estados vítreo e gomosos para um material
amorfo (Adaptado de Labuza et al., 2004)
Labuza, 1980; Simatos & Karel, 1988; Roos & Onde xi é a fração mássica do i-ésimo
Karel, 1996). componente, Tgi é a temperatura de transição
Produtos amorfos, em geral, sofrem vítrea do i-ésimo componente e k é uma
efeito de plasticização pela água. Nesse caso, o constante de ajuste. No estudo do efeito da água
teor de água dos materiais tem forte influência sobre a Tg, x1 é a fração mássica de água e x2, a
sobre a sua temperatura de transição vítrea. A de sólido.
água provoca uma redução drástica na Tg de Couchman & Karasz (1978) basearam-
polímeros alimentícios (Slade & Levine, 1991), se na teoria termodinâmica da transição vítrea
e mesmo a presença de traços de água pode de misturas de polímeros para propor um
significar reduções significativas no valor da modelo de plasticização ilustrado na Equação
Tg. O efeito plasticizante da água (Roos, 2.
1995b) é típico de carboidratos com baixo peso
molecular, oligossacarídeos, polissacarídeos, x1T g1 + (∆Cp 2 / ∆Cp1 ) x 2T g 2
proteínas e polímeros plastificáveis. Tg = (2)
A plasticização pela água pode ser x1 + (∆Cp 2 / ∆Cp1 ) x 2
observada pela depressão da temperatura de
transição vítrea com o aumento do conteúdo de
água (umidade), melhorando a perceptibilidade Na Equação (2), ∆Cpi é a mudança no
da transição. A predição da depressão da Tg calor específico do i-ésimo componente à
como resultado da plasticização pela água é útil temperatura Tgi.
na avaliação dos efeitos da composição dos Comparando-se as equações (1) e (2),
alimentos sobre a Tg, uma vez que as alterações nota-se que a equação proposta por Couchman
relacionadas à transição vítrea podem afetar o & Karasz (1978) é igual à de Gordon & Taylor
tempo de prateleira e a qualidade Roos et al. (1952) citados por Zimeri & Kokini (2003),
(1996). com
Sobral & Menegalli (2002) relatam que k = ∆Cp2/∆Cp1.
vários modelos explicam o fenômeno de A equação de Gordon & Taylor tem se
plastificação pela água. De acordo com os mostrado particularmente útil no ajuste de
autores, muitos consideram que a entrada do dados experimentais da Tg e da composição de
solvente na matriz polimérica causa um açúcares amorfos (Roos, & Karel, 1991b,
aumento na mobilidade molecular, reduzindo o 1991e; Roos, 1993) e maltodextrinas (Roos, &
valor da Tg. Karel, 1991d, 1991e, além de outros
Roos et al. (1996) afirmam que alguns ingredientes e alimentos em geral.
modelos de plasticização aplicados em sistemas Roos (1993) demonstrou que o uso
poliméricos não são aplicáveis para a combinado da equação de Gordon & Taylor e
plasticização da água, pois são baseados na dos modelos das isotermas de sorção permite
similaridade das propriedades dos compostos da avaliar a estabilidade dos alimentos sob várias
mistura, o que é raro entre os compostos dos condições de armazenagem, baseando-se no
alimentos. O efeito da água sobre a Tg de vários fato de que há perda de estabilidade acima da
alimentos tem sido predito pela equação de Tg. O autor sugeriu o uso combinado dos
Gordon & Taylor (1952) citados por Zimeri & modelos matemáticos utilizados em isotermas
Kokini (2003) (Equação 1), a qual foi de sorção e da equação de Gordon-Taylor para
originalmente desenvolvida para descrever a a descrição da plasticização pela água. Os
dependência da Tg com a composição binária modelos podem ser ajustados aos dados
de polímeros miscíveis (Zimeri & Kokini, experimentais e utilizados para mostrar a Tg e a
2003). isoterma de sorção em um único gráfico, como
pode ser observado na Figura 2, que foi
x1Tg1 + kx2Tg 2 (1) adaptada de dados experimentais de Joupilla &
Tg = Roos (1994) para leite em pó desnatado.
x1 + kx2
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Figura 2 – Temperatura de transição vítrea, Tg, como uma função da atividade de água, aw, e isoterma
de sorção a 24ºC leite em pó desnatado. (Adaptado de JOUPILLA & ROOS, 1994)
Revista Brasileira de Produtos Agroindustriais, Campina Grande, v.7, n.1, p.83-96, 2005
90 Transições de fases em alimentos:Influência no processamento e na armazenagem Leite et al.
Figura 3 – Diagrama de fase esquemático mostrando as curvas de equilíbrio entre vários estados
físicos e a sua dependência da temperatura e da pressão (Adaptado de Roos, 1995a)
Figura 4 – Diagrama de estado esquemático típico de alimentos sólidos (Adaptado de Roos, 1995a)
Revista Brasileira de Produtos Agroindustriais, Campina Grande, v.7, n.1, p.83-96, 2005
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94 Transições de fases em alimentos:Influência no processamento e na armazenagem Leite et al.
temperatura ambiente, de acordo com o Chirife, J.; Iglesias, H. A. Equations for fitting
diagrama de estados. Na Figura 5, a posição 3 water sorption isotherms of foods: Part 1.
representa o alimento no estado vítreo. O ganho Journal of Food Technology. v. 13, n.3,
de umidade, a uma temperatura constante, faria p.159-174. 1978.
o alimento passar da posição 3 para a posição 2,
se ele estivesse armazenado a uma temperatura Couchman, P. R.; Karasz, F. E. A classical
superior à Tg, nessa umidade. thermodynamic discussion of the effect of
Baroni (2004) ressalta a importância dos composition on glass transitions
diagramas de estado para as novas formulações, temperatures. Macromolecules. v.11, n.1,
uma vez que o conhecimento do p.117-119. 1978.
comportamento dos constituintes do alimento
na região de mudança de estado pode ser de Downton, G. E.; Flores-Luna, J. L.; King, C. J.
grande valia na predição de estabilidade e de Mechanism of stickness in hygroscopic
mudanças da textura, quando o produto é amorphous powders. Industrial and
submetido a várias condições de temperatura e engineering chemistry: fundamentals.
umidade relativa. De acordo com a autora, os v.21, n.4, p.447-451. 1982.
diagramas de estado mostram as relações entre
a composição do produto e seu estado físico, Ferry, J. D. Viscoelastic properties of
fornecendo informações fundamentais para a polymers, 3rd edition, New York: John
sua adequada formulação, de modo que se Wiley & Sons Inc, 1980.
obtenha um produto final sob as melhores
condições de estabilidade e qualidade. Franks, F. Water – a comprehensive
Treatise. New York: Ed. Plenum, 1972.
CONCLUSÃO
Franks, F.; Asquith, M. H.; Hammond, C. C.;
A transição vítrea é a transição de fases Skaer, H. B.; Achlin, P. Polymeric
mais importante em alimentos, pois está cryoprotectants in the preservation of
diretamente ligada às alterações estruturais biological ultrastructure I. Low temperature
sofridas durante as etapas de processamento e states of aqueous solutions of hydrophilic
armazenagem. Dessa forma, o conhecimento da polymers. Journal of Microscopy-Oxford.
variação da temperatura de transição vítrea com v. 110, n.Aug, p.223-238. 1977. apud Roos,
a composição dos alimentos é de fundamental Y. H. Phase transitions in foods. San
importância na definição da formulação dos Diego, California: Academic Press, 1995.
alimentos, bem como das condições ideais de
processamento e armazenagem, de modo que se Gordon, M.; Taylor, J. S. Ideal copolymers and
obtenham produtos de qualidade. the second-order transitions of syntetic
rubbers. I. Non-crystalline copolymers.
AGRADECIMENTOS Journal of Applied Chemistry. v.2, n.9,
p.493-500. 1952. apud Zimeri, J. E.;
Agradecemos à FAPESP, ao CNPq e à Kokini, J. L. Phase transitions of inulin-
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