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Política, pesquisa e espiritualidade afro: o caso da Red de Ananse

Luis Meza Alvarez1


Doutorando PPGAS-MN/UFRJ

Nessa apresentação tento traçar os envolvimentos de um grupo de docentes,


pesquisadoras, ativistas e mães com variados espaços de ação social (escola,
universidade, movimento social afro-colombiano) e seus vínculos com uma
espiritualidade afro (afro-cubana e afro-colombiana), como centro de seus
posicionamentos ético-políticos. A Red de Ananse é uma organização sediada em Bogotá
(capital da Colômbia) que se define como sendo uma associação de docentes
pesquisadoras que realiza ações para combater o racismo e a discriminação racial nas
escolas. Essas atividades, consideradas por elas como sendo políticas, encontram na
prática religiosa/espiritual uma referência ética, de poder e de resistência negra/afro. E
essa referência ética ganha cada vez mais centralidade no processo de luta como
organização que mantém vínculos com variados e muito diferentes espaços de ação, que,
ao mesmo tempo, são campos de disputa: o movimento social afro-colombiano, as
instituições educacionais (escola e universidade), as organizações gremiais, outros grupos
que trabalham com a política educativa intercultural, e o universo espiritual/religioso afro
(afro-cubano e afro-colombiano) em Bogotá.

Palavras-chave: Política, pesquisa, espiritualidade afro.


Apresentando a Red de Ananse

A Red de Ananse é um coletivo de docentes organizados na forma de ‘rede


pedagógica e política’, além de ‘pesquisadores’ (em outra época o nome incluía ‘etno-
educadores’) que procuram construir conhecimentos e metodologias, assim como outras
lógicas de pensamento por meio do resgate, valorização e visibilização das populações
negras/afro-colombianas naqueles espaços em que foram historicamente excluídos, como
a escola e a academia. É em Bogotá, capital da Colômbia e que no senso comum é pensada
como uma urbe não racializada2, que a Red de Ananse desenvolve seu trabalho.
Embora o meio escolar seja o âmbito privilegiado de seus compromissos e das
suas ações, essas vão além das salas de aula das escolas públicas, onde trabalha a maioria

1
E-mail: lgmezaa@gmail.com
2
Embora essa situação tenha se modificado nas últimas décadas. De um lado, pelo deslocamento forçado
maciço de populações, o que tem provocado o êxodo de muitas populações negras para as cidades capitais,
especialmente para Bogotá. De outro lado, pela visibilização da presença histórica das pessoas negras em
Bogotá que têm feito algumas pesquisas de caráter acadêmico, entre elas Acá antes no se veían negros de
Claudia Mosquera (1998); Mi gente negra en Bogotá: estudio socioeconómico y cultural de los
afrodecendientes que residen en Bogotá, de Jaime Arocha, María Elvira Díaz e Lina María Vargas (2002);
Vivir en un mundo de “blancos”. Experiencias, reflexiones y representaciones de “raza” y clase de
personas negras de sectores medios en Bogotá D.C., de Franklin Gil Hernandez (2010), entre outras. Há
que se mencionar também trabalhos de caráter artístico-acadêmico, como a recente exposição “Presencia
negra en Bogotá: décadas 1940-1950-1960”, de Mercedes Angola e Maguemati Wabgou.
2

de seus componentes, e se projeta com variadas intensidades e nuanças na vida das


docentes (sendo a maioria atualmente composta por mulheres): nas relações com suas
famílias, com outros grupos que compartilham de interesses temáticos e pedagógicos
afins, com lideranças e organizações do movimento social afro-colombiano, e nos mais
diversos assuntos no dia a dia.
As trajetórias de vida das fundadoras da Red de Ananse e suas experiências de
participação em organizações sociais, políticas, no nascimento do movimento social afro-
colombiano e seus envolvimentos profissionais e existenciais com a docência configuram
os principais traços (fios) de relações que situam a Red de Ananse nas redes de relações
que ligam pessoas, associações, organizações, movimentos sociais e instituições. Dessa
forma, sobre a Red de Ananse e suas participantes pode-se dizer que:
a) pode ser considerada uma expressão organizativa do chamado movimento social afro-
colombiano e, como tal, participa de espaços de convergência e decisão com outras
organizações afro-colombianas, especialmente algumas de suas lideranças;
b) nem todas se auto-reconhecem fenotipicamente como negras e nem todas são das
regiões Pacífico e Caribe, onde vive uma grande parte da população negra da Colômbia
e que são pensadas, especialmente a primeira região, como referencial de território
negro3;
c) a maioria delas é docente de escolas públicas no nível primário e secundário (Ensino
Fundamental e Médio), encarregadas de várias disciplinas, chamam-se a si mesmas de
‘pesquisadoras’ e estabelecem um diálogo entre a academia, a escola e os órgãos e
instituições estatais de educação (Secretaria Distrital de Educación e Ministério de
Educación Nacional -MEN);

3
Essa característica já ocasionou certo impasse com uma antiga funcionaria do Ministério de Interior e
militante afro-colombiana responsável pelo cadastramento de organizações afro-colombianas na Dirección
de Asuntos Étnicos. Segundo Fanny Quiñones, diretora da Red de Ananse, a funcionaria teria rejeitado o
cadastro da Red de Ananse argumentando que esse grupo ‘estava cheio de mestizos’. Esse termo, de origem
colonial, a meu ver é usado principalmente por pessoas próximas do discurso do movimento social afro-
colombiano e por pessoas que apoiam as reivindicações antirracismo desse movimento (dentre elas alguns
pesquisadores), para nomear fenotipicamente pessoas não-negras, para falar não em termos raciais mas em
processos de racialização, e sobretudo para relativizar a suposta ideia de “branquidade” a que essas pessoas
poderiam se remeter em relação aos “negros”. A meu ver, o que esse termo utilizado por militantes ‘afros’
parece dizer é que na verdade não há na Colômbia pessoas propriamente brancas e sim, pessoas com
diferentes níveis de traços e tons de pele mais claros misturados com traços de populações indígenas, a
depender da região, da situação e da relação de poder específica. Mas, como aponta Gil Hernandez (2010),
a ideia de mestiçagem (e do mestizo) na Colômbia na prática acaba remetendo à ideia do branco como
destino desejável, e ao negro como seu avesso, embora nesse país o termo mestizo não seja utilizado
corriqueiramente. Nesse sentido, uma tradução literal para o português (mestiço) não expressaria o sentido
específico nesse contexto de fala em que é utilizado aqui. Por isso mantenho o termo tal como utilizado
nesse campo semântico específico e em itálico, e peço ao leitor brasileiro atentar para essas nuanças.
3

d) reivindicam para o êxito de suas atividades a prática da ‘espiritualidade afro’, elemento


que – pelo menos atentando para o material de pesquisa e minha própria experiência de
relacionamento com organizações do movimento afro-colombiano – não faz parte do
discurso, das práticas e das ações públicas do hoje chamado movimento social afro-
colombiano;
e) seriam localizáveis no amplo espectro político da esquerda colombiana, em função da
participação em espaços de mobilização do grêmio dos professores, do tipo de luta em
que se envolvem, das lutas que acompanham, do discurso público e das relações que são
ativadas em momentos pontuais;
f) consideram a ‘espiritualidade afro’ um elemento a ser levado em conta no exercício
docente na escola, nas aulas e na vida cotidiana;
g) usam categorias como ‘interculturalidade’ ‘saber ancestral’, ‘ancestralidade’, ‘saberes
outros’, ‘pedagogias descoloniais’, entre outras.
A Red de Ananse é concebida como uma rede autônoma que busca transitar
caminhos construídos por ela mesma. É uma rede de buracos grandes (flexíveis) em que
as pessoas podem entrar e sair a vontade (sem pressão). Além disso, é ‘um palenque4 que
se pensa a si mesmo e que deve pensar o país, que aspira a partir de sua própria autonomia
construir um espaço político para a elaboração de um conhecimento que reconheça o
posicionamento intelectual do palenque como uma identidade própria’. Nesse sentido, a
própria definição da Red de Ananse expressa um desejo de autonomia na medida em que
busca construir um caminho por meio de práticas próprias e de relações decididamente
horizontais (a ideia da rede flexível), do exercício político que implica construir
conhecimento com base na reivindicação da diferença afro-colombiana como uma ação
constante, ao redor de imagens fundamentais e fortes para uma boa parte da população
negra colombiana em seu conteúdo libertário e espiritual como são Palenque e Ananse.
Aqui Ananse ou Anansi se concebe como sendo uma aranha muita esperta, um
avatar, um espirito ancestral que estaria presente nas populações negras da região do
Pacífico colombiano, especialmente nas relações que aquelas tem com as aranhas e o
universo simbólico a elas associado, presente na pratica da Ombligacion e nos contos

4
Seu nome vem das paliçadas que rodeavam os povoados levantados no mato pelos escravizados fugitivos
(chamados pelos espanhóis cimarrones, nome esse que por sua vez tinha sido dado antes ao gado indomável
quando se evadia para o mato). Palenque virou, para o movimento social afro-colombiano, sinônimo de
rebeldia, autonomia e alternativa de construção de outra sociedade, em que as pessoas negras podem ser
livres, expressa por meio da noção de cimarronaje. Daí cimarrón ou cimarrona serem termos usados para
atribuir essa atitude a uma pessoa ou que podem ser reivindicados também por uma pessoa.
4

sobre Ananse, anancy, Nansi ou breda Nancy, da população do arquipélago de San


Andrés, Providencia e Santa Catalina; além disso, essa espécie de avatar, de espirito
ancestral, estaria presente em populações negras afrodescendentes em vários países do
Caribe insular e continental (Costa Rica, Suriname, entre outros).
O nome da Red de Ananse foi inspirado no título do livro Ombligados de Ananse.
Hilos ancestrales y modernos en el Pacífico colombiano, do antropólogo Jaime Arocha
(1999)5. Com essa definição a Red de Ananse define seu posicionamento em relação a
outras experiências organizativas com as quais teve e tem contato atualmente, e faz um
resumo de suas apostas em termos organizacionais, políticos, espirituais e, ao mesmo
tempo – a meu ver –, coloca os fios que unem a procedência regional de suas fundadoras
(origem, concepções e práticas) com seus diferentes âmbitos e tipos de ações, numa
amálgama de espaços e lógicas locais, regionais, nacionais e ‘diaspóricas’. Ombligar,
como bem aponta Fanny Quiñones uma das fundadoras e atual diretora da Red de Ananse,
também tem por objetivo proteger ao filho das diferentes ameaças à vida no cotidiano e
ao mesmo tempo dar a ele um atributo da substância do animal ou mineral utilizado nesse
procedimento que influirá no seu comportamento.
Justamente o nome da Red de Ananse conecta com uma divisão central nos
estudos antropológicos colombianos entre duas perspectivas: por um lado, a que procura
traçar as memorias, os vínculos e a ponte África-América das populações afro-
colombianas, representada por Jaime Arocha e Nina de Friedemann principalmente, que
se baseia na premissa das Huellas de Africanía ou “pegadas de africanía”; por outro lado,
aquela que considera as populações e cultura negras como resultado de processos de
mestiçagem e hibridação nas Américas e sem preocupações com a origem, representada
por Eduardo Restrepo. A depender do enfoque ou das premissas de pesquisa, os termos
para se referir à população de referência são diferentes: afro-colombianos e negros
respectivamente6.

Militância e espiritualidade: o encontro com o universo espiritual afro-cubano.

5
A linha argumentativa desse livro se baseia na premissa das Huellas de Africanía premissa central nos
estudos desse antropólogo a respeito da ‘gênese, transformação e presença dos negros na Colômbia’, com
dados empíricos que sustentariam essa premissa nas relações dos habitantes do Alto Baudó (Chocó) no
Pacífico colombiano, com as aranhas e o universo simbólico a elas associado.
6
Por motivo de espaço, não me referirei aqui à história dos estudos sobre essa população nas ciências
sociais, nem mesmo os realizados pela antropologia. O leitor interessado poderá encontrar balanços sobre
esse respeito feitos por vários autores, entre eles Friedemann (1984), Restrepo (2001), Hurtado (2008) e
mais recentemente Pulido Londoño (2011).
5

Tanto Fanny quanto sua irmã Ruby Quiñones, duas das fundadoras da Red de
Ananse, participaram desse processo de mobilização e articulação política de
organizações negras e seus aliados para a introdução das reivindicações desse setor
populacional na Constituição de 1991. Nesse processo de mobilização surgiu o chamado
atualmente movimento social afro-colombiano. Comissões de estudos, reuniões de
discussão e de construção de propostas, mesas de socialização e iniciativas como o
telegrama negro7, são exemplos das ações em que elas se envolveram. Muitas dessas
atividades aconteceram no restaurante Secretos del Mar, que existia desde meados da
década de 1980 no centro da cidade, e que a essa altura já havia se tornado um Palenque
urbano, como afirma Fanny: fue pensado para ser un espacio negro, para recrear la
cultura, también para actuar, para cimarronear. E foi justamente em meio às dinâmicas
próprias desse restaurante, essa espécie de ‘sede’ da população negra organizada na
capital do país, que Fanny, Ruby e seu marido (dono do restaurante e também ativista)
foram rayados8, ou seja, iniciados em Palo Monte, uma das reglas ou um dos sistemas
religiosos afro-cubanos.
Esse acontecimento teve desdobramentos com consequências ‘espirituais’ para
essas duas ativistas e para seus familiares e abriu não apenas um processo para a
participação assim como também um envolvimento ativo nos caminhos das religiões afro-
cubanas e das espiritualidades afros, não restrito aos espaços rituais.
Vale dizer que tanto na literatura sobre a população negra ou afro-colombiana
consultada para a pesquisa em que se baseia esse texto como nos sites, discursos e
documentos públicos das principais organizações do movimento social afro-colombiano,
sobretudo aquelas que têm presença nacional (PCN, Cimarrón, CNOA, principalmente),
não encontrei informação que permita afirmar que o espiritual ou religioso seja um dos
componentes de sua valorização ou de suas reivindicações públicas. É possível que
efetivamente práticas espirituais ou religiosas façam parte das ações de organizações do
movimento social afro-colombiano, mas que exista um receio de torná-las públicas. De

7
O telegrama negro foi uma das estratégias utilizadas pelas organizações de Chocó, Valle del Cauca,
Nariño e Cauca, com apoio de organizações da capital e do caribe colombiano, para se tornarem visíveis
como grupo populacional perante a assembleia nacional constituinte. Assim, foi enviado a essa assembleia
um telegrama solicitando a inclusão no texto constitucional de seu reconhecimento como grupo étnico e a
titulação de suas terras. A mensagem dizia ‘Díganle sí a las propuestas de las comunidades negras’. Essa
e outras estratégias são documentadas em detalhe em Gracia (2013).
8
O Rayamiento é a cerimonia de iniciação em Palo Monte, e que implica alguns cortes no corpo. Em Cuba
se conhece como Regla de Palo ou Regla Conga o conjunto de práticas que têm sua origem na região do
Congo, cuja prática cerimonial se baseia na relação com os mortos, os quais podem ajudar os iniciados a
terem uma vida longa, assim como os protegerem de ataques de bruxaria, o que pode implicar agir contra
o autor do ataque.
6

todo modo, a esse respeito não há por enquanto um material documental, nem mesmo
estórias, boatos, etc., que permitam afirmar isso. Outra possibilidade é a de que só alguns
militantes afros participem, consultem ou efetivamente sejam praticantes de algum tipo
de espiritualidade ou religiosidade em momentos pontuais, mas de forma privada, como
já ouvi falar sobre algumas pessoas durante a pesquisa de campo. Caberia perguntar se
essa prática é mantida em segredo perante a própria organização ou ante o movimento
social afro-colombiano.
A julgar pela literatura consultada para a pesquisa em que se baseia esse texto,
pelo que me contaram alguns pesquisadores e ativistas9 sobre a população afro-
colombiana, e segundo o que me contaram tanto Fanny quanto Ruby (igualmente
especialistas no assunto), a espiritualidade ou religiosidade não faz parte das
reivindicações do movimento social afro-colombiano. Inclusive, elas apontam que esse é
um elemento que está ausente no movimento, e que talvez explique a ‘desunião’ e a
‘dispersão' características daquele. De fato, elas afirmam que isso mesmo aponta uma
falta de coerência entre muitas das organizações e lideranças do movimento, sobretudo
se falam em resgate, libertação, ou em descolonização mental da gente negra.
Por fim, e nesse sentido, considero que observar as experiências vitais e
organizativas das fundadoras da Red de Ananse ajuda a traçar os fios que ligam diferentes
e variadas questões sensíveis hoje para o movimento social afro-colombiano. A mesma
prática da Red aproxima, leva e extrapola essas questões para o movimento, para o interior
da própria Red, para a escola, para a universidade e para a capital do país, em uma serie
de sucessivos deslocamentos entre a experiência individual e a coletiva, entre a região de
origem e a capital, entre a Red e a escola, entre a escola e a universidade, entre a Red e o
movimento, entre o país e a diáspora, sucessiva e reciprocamente.

A formação de uma Red


Após a participação e construção de diferentes espaços organizativos, que foram
instituídos como alternativas criativas contingentes ante situações igualmente
contingentes: ao menos duas organizações do movimento social afro-colombiano, sendo
uma delas exclusivamente de mulheres negras, o Taller Infantil Nuestra Cultura, a

9
Um deles sendo um babalaô (babalawo, um sacerdote da regla de Ifá) que participa de um espaço de
estudo e discussão sobre as práticas afro-cubanas em Bogotá chamado Linea Afro, e o outro um praticante
de Ocha, quem no momento da pesquisa era funcionário da Secretaria de Educación Distrital (SED) de
Bogotá, ambos se auto-identificando como afro-colombianos e do movimento social afro-colombiano, e
com vínculos com líderes e organizações afro-colombianas de variadas tendências no nível local e nacional.
7

Expedição Pedagógica Nacional e a Expedição Pedagógica Rota Afro, como bem aponta
Ruby após essas experiências havia chegado o momento de procurar a volta para casa.
Essa volta implicava fazer um balanço do que tinha sido realizado e aprendido nessa
caminhada, nessas viagens físicas e mentais enquanto expedicionárias e enquanto
mulheres negras e ativistas. Esse balanço também passou pelo reconhecimento de quanto
o machismo fazia parte de suas práticas. Como em ocasiões anteriores, apesar do trabalho
físico e intelectual constante e detalhado que elas realizavam, eram os homens que davam
os discursos, que faziam lobby e que mostravam o trabalho feito, ainda que não tivessem
tido qualquer envolvimento na produção intelectual. Segundo Fanny: nosotros tuvimos el
atrevimento de llamar Griot a uno de esos compañeros porque lo respetábamos, como
persona mayor, como docente y como maestro. El no escribía ni un párrafo, pero se
aprendía todo de memoria y después lo presentaba.
A partir daquele momento, a Red de Ananse seria formada principalmente por
mulheres, mas, segundo Fanny, a porta não está fechada aos homens, só acontece que elas
consideram que as relações devem acontecer em um mesmo nível, sem privilégios
derivados da condição de machos, sem tratamentos diferenciados e sem qualquer
submissão por parte das mulheres do grupo.
Por outro lado, se a Red de Ananse foi se consolidando com um grupo base de
mulheres negras, que são as que eu chamo aqui de fundadoras, propositalmente também
começaram a convidar mulheres mestizas. Como aponta Fanny, há algumas razões que
possibilitaram esse convite, por exemplo, o fato de haver docentes afros que não estavam
comprometidas com a causa da erradicação do racismo. Além disso, elas teriam percebido
que algumas docentes mestizas também estavam pensando a escola e o racismo. Se por
alguma razão elas não encaravam decididamente esses assuntos, à medida que conheciam
o trabalho das fundadoras, se identificavam com ele e se tornavam aliadas nas escolas.
Por outro lado, as fundadoras consideram que a formação para a erradicação do racismo
não é exclusivamente para pessoas negras, mas que a sociedade toda tem que ser formada
para isso. Enfim, nos colégios em que elas são docentes nem sempre há estudantes afros,
e o objetivo não é pôr a salvo unicamente a estes, mas construir junto com os estudantes
novas formas de se relacionar entre si, levando em conta a existência da diferença como
algo que enriquece e, sobretudo, que comunica a necessidade da sua decidida afirmação.
Segundo Fanny, as professoras mestizas compartilham com elas a história de
serem mulheres, assim como a história de serem marginalizadas por serem pobres,
docentes de escolas públicas, e discriminadas pelo fenótipo, embora com outras
8

experiências. Esses elementos em comum permitem um trabalho conjunto, em uma


leitura que, a meu ver, entende as relações sociais em termos raciais, de classe e de gênero
e, especialmente, em termos das interseções dessas categorias de ordenamento
hierárquico (Viveros Vigoya, 2008).
Enfim, nos últimos seis anos chegou à Red de Ananse um importante número de
pessoas, a maioria nascida em Bogotá, trazendo seus saberes e suas experiências nas
iniciativas assumidas coletivamente. No seu contato com a Red de Ananse e por meio do
exercício de pensar o racismo, a discriminação racial na escola e o lugar do docente nessas
relações, terminam por se pensar e se assumir como mestizas. Assim, relativizam nessa
interação seu ponto de vista “normal” e se racializam/etnicizam nesse processo. Isso
resulta interessante especialmente se levarmos em conta que historicamente foi sempre
com base em Bogotá que se construiu a maioria das imagens sobre a nação em termos
étnico-raciais. Os estereótipos resultantes dessa centralidade do saber foram aplicados às
províncias, regiões e periferias tanto da capital quanto do restante do país. Vale a pena
lembrar que é a partir de Bogotá que se legisla e se governa para as regiões e, em
particular, que lá é definida pelo MEN a política educativa, assim como os conteúdos dos
livros de texto que são utilizados em escolas e colégios colombianos.
Bogotá foi, e continua sendo, uma cidade em que os racializados ou etnicizados
são sempre os outros, especialmente aqueles que portariam em seus corpos outros traços,
costumes, músicas, comidas e sotaques, as marcas das diferenças tornadas desigualdades.
No caso específico da gente negra, essas imagens foram construídas conjuntamente, ou
apoiadas em fantasias raciais e sexuais igualmente inscritas na ordem racial colombiana
e associadas a identidades e status de grupos minoritários (Viveros Vigoya & Díaz
Benítez, 2010; Viveros Vigoya, 2008). As integrantes da Red de Ananse tornam explícito
seu lugar social e étnico-racial como ponto de partida de seu posicionamento político
frente à sociedade dominante justamente em um dos espaços que veicula e replica
costumeiramente essas imagens: a instituição escolar.

Política, pesquisa e espiritualidade afro

O ponto de partida do trabalho da Red de Ananse é constituído ao redor da


definição de instituição escolar, entendida como um espaço notadamente político, em que
os docentes são vistos como sujeitos que têm o potencial de construir e fazer a política,
ou de serem construídos e feitos pela política. Como explica Fanny, o cerne da questão
9

não é constituído pela pedagogia em si, não é restrito ao exercício docente, mas pela
relação com os objetivos políticos que existem como potencialidades dessa própria ação.
Além disso, a viagem (física e mental) é um elemento central no discurso e na
prática da Red de Ananse, como disposição para o conhecimento, como meio para a
pesquisa, como motor de aprendizado, especialmente pela afetação individual e coletiva
em várias direções, possibilitadas pela relação com outrem. Ali, as chamadas por elas
pedagogías ancestrales, como proposta para a implementação da Cátedra de Estudios
Afrocolombianos, aparecem tanto como proposta pedagógica quanto aposta política,
porque procuram levar para a escola não apenas outros saberes, outras histórias, mas
outras formas de trabalho e de relacionamento.
Além disso, as pedagogias ancestrales são produto de um exercício de pesquisa a
respeito de práticas e saberes muito específicos das populações afro, em uma perspectiva
de posicionar saberes outros como alternativas frente ao eurocentrismo que elas
consideram predominante no meio escolar e, em geral, nas instituições de ensino. A
viagem ao lugar de origem foi fundamental nessa empreitada.
O interessante não é apenas que elas levem ideias, práticas, conceitos, de um
campo de pensamento ou de ação para outro, mas os tipos de elementos que são levados
para a escola pública da capital do país: práticas e relações de trabalho rural das
populações negras do Pacífico, da periferia racializada e estigmatizada, para o centro
civilizador nacional, ainda que na rede pública, onde são apresentados como elementos
de valorização e como aporte afro-colombiano para a escola. Ali, as comunidades negras
são apresentadas de um modo dignificante, e aparecem em aula como sujeitos produtores
de saberes, saberes dignos de serem aprendidos. Além disso, no retorno da viagem de
pesquisa há o propósito não apenas de compartilhar saberes e práticas como de mudar
algo na escola.
Assim, as professoras da Red de Ananse perceberam que se a escola podia mudar
porque havia docentes que tentam mudá-la e que mudam suas concepções e práticas por
meio da pesquisa, seria possível também mudar a universidade e as faculdades de ensino
que formam aos docentes. Essa percepção aponta para o reconhecimento que elas fizeram
da universidade e das faculdades enquanto dispositivos de poder colonial, como têm sido
caraterizados esses espaços por diversos autores (Quijano, 2000; Walsh, 2009). Assim,
sua proposta é que a universidade também tem que mudar junto com a escola, em seu
currículo, na sua organização, na sua estética, na sua relação com outrem.
10

Então, o docente da escola e da universidade teria de participar de um processo de


mudança subjetiva (aprendizado) que busque emancipar a sociedade no seu espaço
cotidiano de ação. Para tanto, o exercício docente teria de se sustentar na pesquisa
enquanto viagem, atentando para a diversidade social e cultural do país. Assim, o docente
teria de assumir uma atitude não apenas crítica, mas também curiosa, criativa, para
produzir conhecimento e práticas novas. Portanto, o docente teria de se mobilizar, sair de
seu lugar de conforto, da inércia individual e institucional, e dessa forma afetar a própria
instituição educativa, por meio de um deslocamento entre aprendizado e desaprendizado.
Quanto aos saberes afro levados para a sala de aula, como alternativa de saberes
e práticas, um universo de personagens, lendas, estórias e deuses, se insurge no cenário
escolar: Ananse, Tio Conejo, Tio Tigre, entre outros. Além disso, práticas como
Chumbar, Ombligada, apadrinamiento/amadrinamiento10, entre outras, são tomadas
daquilo que, seguindo a caracterização feita por alguns autores (Arocha, 1999; Losonczy,
2006), optei por chamar de universo mágico-religioso afro, nesse caso aprendidas num
âmbito rural para serem abordadas em sala de aula em Bogotá como exemplo de
concepções e práticas das populações afro-colombianas.
Nessa aposta, conhecer as populações afro torna-se necessário como objeto de
estudo e de ação. Assim, aparecem poetas como Candelario Obeso11, Jorge Artel, Miguel
A. Caicedo. Irrompem gêneros musicais, cantos e danças que, como disse Maruja, outra
das fundadoras, são do Pacífico, Caribe e de outras culturas também12. A pedagogização
e reivindicação de outras práticas de relacionamento e de trabalho rural dessas
populações, caracterizadas por sua oralidade, suscita por parte de colegas docentes, e por
parte de alguns acadêmicos, a pergunta pelas fontes bibliográficas e autores dessa
argumentação. Isso acaba por situar a necessidade de escrever a respeito daquilo que elas
caracterizam como pedagogias ancestrales diante de outras pedagogias que, mesmo se

10
Chumbar ou fajar, segundo Carmen Ararat e Maruja, é uma prática que consiste em cobrir o corpo do
bebê com uma faixa de tecido para ajudar a lhe dar forma. Apadrinamiento é, em termos da religiosidade
popular católica, assumir um compromisso de cuidar do afilhado em caso de falta dos pais. Como consegui
ver em sala de aula com a turma de terceiro de primária da professora Carmen Ararat, outra das fundadoras
da Red, em maio de 2013, um estudante com mais habilidade em um tema se propõe a explicar e
acompanhar um colega que domina menos o tema, até que este último possa entendê-lo.
11
Uma das viagens realizadas foi a Mompóx, município do departamento de Bolívar, na região Caribe,
para conhecer um pouco da vida daquele poeta afro-colombiano. A professora Carmen Ararat mantém
contato com um dos biógrafos desse poeta afro-colombiano que foi até convidado para falar na escola.
12
Maruja é docente de educação artística e danças. Além disso, ensina as danças afro e a história por trás
delas por meio da dança. Nesse trabalho, conecta também as crianças e adolescentes surdos dos níveis de
primária e secundária. Esse trabalho já lhe rendeu um prêmio do Festival Artístico Educativo, FAE, no ano
de 2010.
11

mostrando como opções críticas, são apontadas pelas docentes da Red de Ananse como
expressão dos limites dos discursos da academia eurocentrada ou, como aponta Carvalho,
‘euro-exclusivista’, ou seja, baseada ‘en la negación o supresión de otros centros
simbólicos y otras cosmovisiones’ (2009:41).
Esse posicionamento em relação a saberes e práticas, ou àquilo que, segundo elas,
seria a própria cultura, passa, a meu ver, por uma seleção de elementos dessa cultura afro
para privilegiar uma imagem alternativa das pessoas negras contestando aquelas em que
essa população aparece subalternizada. Vale dizer que esse não é um movimento
exclusivo dessas professoras, e que entre os saberes e práticas relevados pelas próprias
populações há posicionamentos distintos. Assim, por exemplo, há elementos da ordem
religiosa/espiritual que são mais socialmente aceites como aquelas que apontam para uma
relação mais próxima e até quase ‘íntima’ com os santos de um catolicismo popular com
características afro ou um culto cristão de estilo afro-americano, como os gospels dos
raizales (Arocha, 2008; 2012). Além desses, encontram-se nesse “catolicismo popular
afro” as chamadas liturgias afrocolombianas e, sobretudo, os rituais funerários, até
mesmo o lumbalú, em que cantos e tambores são utilizados para a despedida do ente
querido. Além disso, encontram-se a culinária e as expressões artísticas como danças e
gêneros musicais que são mais facilmente aceitáveis no marco de Estado e de nação
pluriétnica e multicultural em meio a políticas neoliberais que as permeiam.
Contudo, há elementos que nem sempre são reivindicados e que são mais difíceis
de sê-lo no meio escolar, no meio universitário e no nível das organizações do movimento
social afro-colombiano, ainda que sejam conhecidos e até praticados por algumas
pessoas. Práticas de adivinhação, limpezas com ervas para tirar as más energias, trabalhos
para afastar as más intenções dos outros, para se proteger das ameaças à saúde ou para
afastar ou chamar a atenção de uma pessoa – que nos mesmos pueblos negros são
considerados como superstição ou até mesmo bruxaria – hoje são vistos pelas fundadoras
como elementos de resistência ao colonialismo católico espanhol. A relação das irmãs
Quiñones desde começos da década de 1990 com o universo espiritual afro-cubano, a
meu ver, deu sustento a esse posicionamento.
Assim, o conhecimento por meio da leitura e do envolvimento prático auxilia uma
comparação de saberes e práticas afro-cubanas com aquelas práticas espirituais afro-
colombianas que elas incluem entre os saberes ancestrales. Esses saberes espirituais
ancestrales, que em particular as irmãs Quiñones já reivindicavam no interior de algumas
organizações do movimento no começo da década de 1990, de uns anos pra cá passaram
12

a ser considerados publicamente, em uma leitura própria da experiência colonial, da


escravidão, da discriminação e da resistência. Ali, termos como bruxaria usados para
designar aquelas práticas são exemplo da persistência da colônia nas atitudes e nas
concepções das próprias populações afro, inclusive no movimento social afro-
colombiano.
As religiosidades e espiritualidades afro-cubanas vistas por essas professoras
como formas de resistência espiritual e como certo legado africano lhes permitem pensar
nas similaridades e diferenças dessas práticas espirituais com aquelas da cultura própria,
ambas entendidas como sendo saberes da diáspora. Assim mesmo, ela lhes permite
realizar um posicionamento crítico a respeito do que seria a própria espiritualidade,
sobretudo daquelas práticas mais socialmente aceitas. Entre outras semelhanças com
práticas menos socialmente aceitas, elas apontam que os banhos com ervas que os egguns
recomendam nas missas espirituais teriam o mesmo propósito daqueles que algumas
pessoas (na maioria mulheres) nos pueblos negros realizam para livrar a pessoa de atos
de ‘bruxaria’ por parte de inimigos que travam seu avanço no trabalho ou que
enfraquecem sua saúde. Outro exemplo são as similaridades que encontram Carmen
Ararat e Maruja entre o colar de Elegguá de peonía (cada conta é metade preta, metade
vermelha) e a pulseira conhecida como azabache: ambos servem para proteger a pessoa
de más energias e intenções, têm em comum as cores preta e vermelha das contas e são
entregues a pessoas “novas” em termos espirituais (no caso da Ocha) ou etários (bebês).
Particularmente relevante me parece ser o lugar que elas constroem a partir já não
das semelhanças, mas das diferenças. Entre as diferenças, as irmãs Quiñones apontam a
relação com os mortos, sendo Fanny quem mais frisa a diferença especialmente em
relação às práticas funerárias socialmente aceitas. Assim, segundo elas, no caso dos
pueblos negros os rituais funerários habituais são um conjunto de ações para se despedir
do morto, talvez como uma herança católica. Ao contrário, no espiritismo (cruzado), na
Ocha, e sobretudo no Palo Monte, os mortos são instados a ficar perto dos vivos, e para
comparecerem quando chamados pelos vivos.
Porém, Ruby e Fanny apontam que em Tumaco há pessoas que tem uma relação
mais próxima com os espíritos dos mortos, conhecidos como ‘ánimas’ e que a eles pedem
ajuda, em geral para atingir um objetivo, como por exemplo ganhar na loteria,
estabelecendo aí certa relação de reciprocidade. Além dessas práticas, elas também
apontaram que existe no Pacífico aquilo que é comumente chamado de ‘bruxaria’, prática
em que se expressa o conhecimento e o poder de ação à distância com os mortos, ou seja,
13

enviar um morto para que perturbe a vida de uma pessoa. Como elas salientaram, o que
acontece no Pacífico, e em Tumaco em particular, é que esses saberes e práticas são mais
Congo do que outra coisa, na medida em que se caracterizam pela relação com as plantas,
com as ervas e com os mortos13, e que talvez fossem expressão do Muntu14, ou seja, a
concepção banto do mundo como formado pelo conjunto dos vivos, dos mortos e da
natureza.
Assim, para conhecer o que elas chamam de saberes diaspóricos, foram muito
importantes as viagens físicas e mentais, as leituras sobre santería, Ocha, Palo Monte e
Vodu, a iniciação em Palo Monte e uma posterior aproximação com santeros, paleros e
houngan cubanos em Bogotá desde os anos 1990. Além disso, as viagens a congressos,
encontros, e até uma expedição pedagógica15, foram fundamentais para configurar um
posicionamento cada vez mais crítico contra o colonialismo mental, ao identificar a
presença de práticas de origem africana, que segundo elas seriam a explicação da própria
sobrevivência dessas populações apesar das desigualdades, discriminações e injustiças às
quais foram sujeitas. Nessas viagens, também foi importante identificar que em outros
países alguns intelectuais afro tinham envolvimento com a religiosidade afro ao contrário
do que acontece com as lideranças afro de seu próprio país.
Assim, devido ao empoderamiento atingido no trabalho de dar um lugar para a
Cátedra de Estudos Afro-colombianos (CEA) nas escolas, e de certa visibilidade e
legitimidade conseguida nos reconhecimentos (prêmios) por seus projetos educativos, foi
que orichas como Elegguá, Yemayá, Obatalá começam a fazer parte desses saberes
outros, desses saberes ancestrales e diaspóricos, por meio da introdução de alguns
patakis16 deles na sala de aula, sobretudo no caso das irmãs Quiñones. Mas isso não

13
Elas identificam esse saber Congo no que elas hoje dizem a respeito de seu Emílio, o pai delas, uma
pessoa que conhecia orações, que fazia coisas diferentes, que pendurava coisas nas arvores, e como algumas
pessoas lhes teriam dito, até tinha segredos e orações para se tornar invisível aos olhos de algumas pessoas.
14
Em situação de desaparecimento em meio ao contexto de mudança acelerada pela guerra. Ver, por
exemplo, Arocha (2002).
15
Alguns desses eventos foram realizados na Cidade do México, nas cidades de Salvador e Rio de Janeiro,
no Brasil (os chamados Diálogos Afro-latinos do ano 2007), e na Venezuela. Nesse último país foi realizada
uma expedição pedagógica organizada pela Red Iberoamericana de Docentes Investigadores. Essa
expedição organizou várias rotas pelas regiões venezuelanas. As docentes da Red de Ananse embarcaram
em particular na Ruta Afro-venezolana coordenada pela Red de Organizaciones Afrovenezolanas, que
percorreu principalmente o litoral. Como conta Carmen Ararat, foi lá que ela teria entendido propriamente
o que era a diáspora que tinha estudado no mestrado, quando nas reuniões pessoas da Venezuela, Peru,
Costa Rica e Colômbia falavam de cerimônias funerárias de crianças. Segundo ela, até o nome dado à
criança que morre seria o mesmo: angelito (anjinho).
16
Patakis, pataquies, pataquins, são relatos de estilo mítico que contam a origem de um orixá, de seu
domínio, de algumas das qualidades e interdições a ele associados, sua relação com os homens, dos quais
deriva um ‘corpus ético e moral’ (Castro Ramírez,2010:25) que se traduz no cotidiano dos praticantes.
14

acontece em um terreno livre de tensões. Esses saberes ancestrais, como aponta Fanny,
travam uma disputa política na escola, na medida em que colocam outros referentes na
construção de subjetividades diante de concepções cristãs católicas e pentecostais. Porém,
como Ruby e Fanny apontam, talvez as maiores tensões aconteçam com os outros
coletivos que trabalham em relação com a CEA em Bogotá.
Alguns desses grupos e líderes afros, segundo elas, pretenderiam ter a última
palavra a respeito do que a CEA deve ser. Várias são as críticas que elas expressaram a
respeito de posicionamentos e projetos discutidos na dirección de población étnica da
SED – que nos últimos anos tem sido coordenada por uma pessoa afro, mas que é
percebida pela Red de Ananse como representando o ponto de vista da SED. Elas criticam
a postura normativa de algumas pessoas em relação à elaboração de diretrizes da CEA,
sobretudo quando não teriam qualquer envolvimento com a escola, quer dizer, quando
não são docentes, mesmo sendo pessoas incumbidas com a luta antirracismo. O mesmo
valeria para as pessoas que são indicadas para esse cargo. Essa postura é uma
consequência do posicionamento delas em relação à necessidade dos professores serem
docentes pesquisadores, sujeitos políticos que têm que construir a política educativa e, no
caso delas enquanto mulheres negras, serem docentes cimarronas.
Enfim, os saberes ancestrales reivindicados por elas são um conjunto seleto
(escolhido) de elementos da cultura afro-colombiana e de saberes diaspóricos,
especialmente aqueles relativos à espiritualidade afro, que são levados para a sala de aula
como parte das alternativas que auxiliam o exercício docente das integrantes da Red de
Ananse. Além disso, esses saberes outros, se insurgem na instituição escolar em meio a
um movimento que busca de maneira contínua desestabilizar os pressupostos habituais a
respeito da população negra, a respeito do papel da escola, do trabalho docente, dos
vínculos da universidade com a escola, do modo de relacionamento da escola com a
sociedade em que está inserida.
Assim, esses saberes aparecem como parte de uma proposta e uma aposta política
em meio a uma disputa frente a outras opções e posicionamentos sobre a sociedade e
sobre o mundo. Então, não se trataria de uma aposta política que busca colocar a salvo da
discriminação apenas os estudantes afro, mas promover outras formas de relacionamento
da instituição educacional, de um modo geral, com a sociedade da qual fazem parte todas
aquelas pessoas que trabalham e/ou estudam na escola ou trabalham e/ou estudam em
função da instituição educacional.
15

Conclusão

Enfim, o percurso feito até agora com base na experiência vital das integrantes da
Red de Ananse, que buscava traçar os fios que esse grupo tece em e com variados e
distintos âmbitos, campos, movimentos, redes, seres e pessoas, permite afirmar que na
prática e no discurso esse grupo contesta a ideia de Estado multicultural (que confinou a
diversidade ao cultural e ao folclórico) e, sobretudo, questiona a nação colombiana, com
suas imagens sempre ambíguas de unidade e discursos concomitantes de igualdade
(mestizos) e diversidade (Wade, 2002). Como visto esse questionamento deriva de um
posicionamento militante em função de um movimento de politização da vida, em que a
vida é o centro da política. Ou seja, o ser, como disse Fanny, é o centro da questão, é
centro das preocupações e dos investimentos enquanto mulheres negras.
O foco é a vida e é dali que deriva, como uma consequência, a politização da
escola, da religiosidade/espiritualidade, e mesmo do movimento social afro-colombiano,
pois como nos lembra Flórez-Florez (2004:223), não há algo em si que possa ser assumido
como “o politico”: esse não é um dado, mas uma construção. Nesse sentido,
posicionamentos políticos com base na reivindicação de uma identidade de gênero
racializada, e especialmente na centralidade dada à espiritualidade afro desestabilizam as
habituais fronteiras construídas ao redor das dimensões do social em política/cultura,
política/religião, público/privado, além das formas consideradas legítimas ou não pelo
Estado para fazer a política. Da mesma forma, esses posicionamentos colocam em
questão as visões sobre os espaços e lugares sociais que no senso comum estão separados
e inseridos em relações hierárquicas: escola e universidade; estudante, docente de escola
e professor universitário; docente e pesquisador. Esse deslocamento das fronteiras e das
questões revela o papel da escola como produtora de políticas na medida em que contribui
para a formação de subjetividades. Com base na escola é repensado também o papel do
docente, da instituição escolar e dos vínculos com a universidade, já que todos participam
de alguma forma na reprodução e atualizam relações que expressam uma colonialidade
do poder, do ser e do saber, nos termos de Quijano (2000).
Assim, os saberes ancestrales e diaspóricos, dos quais os saberes ancestrales
espirituales são uma parte, são colocados como uma alternativa para pensar outras formas
de relacionamento interculturais. Eles são mobilizados também para pensar outras
conexões, outros vínculos e outros projetos existenciais que contemplem outros seres
(ancestrais, egguns, orichas, natureza).
16

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semanacom/368640-3

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