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Embora essa situação tenha se modificado nas últimas décadas. De um lado, pelo deslocamento forçado
maciço de populações, o que tem provocado o êxodo de muitas populações negras para as cidades capitais,
especialmente para Bogotá. De outro lado, pela visibilização da presença histórica das pessoas negras em
Bogotá que têm feito algumas pesquisas de caráter acadêmico, entre elas Acá antes no se veían negros de
Claudia Mosquera (1998); Mi gente negra en Bogotá: estudio socioeconómico y cultural de los
afrodecendientes que residen en Bogotá, de Jaime Arocha, María Elvira Díaz e Lina María Vargas (2002);
Vivir en un mundo de “blancos”. Experiencias, reflexiones y representaciones de “raza” y clase de
personas negras de sectores medios en Bogotá D.C., de Franklin Gil Hernandez (2010), entre outras. Há
que se mencionar também trabalhos de caráter artístico-acadêmico, como a recente exposição “Presencia
negra en Bogotá: décadas 1940-1950-1960”, de Mercedes Angola e Maguemati Wabgou.
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Essa característica já ocasionou certo impasse com uma antiga funcionaria do Ministério de Interior e
militante afro-colombiana responsável pelo cadastramento de organizações afro-colombianas na Dirección
de Asuntos Étnicos. Segundo Fanny Quiñones, diretora da Red de Ananse, a funcionaria teria rejeitado o
cadastro da Red de Ananse argumentando que esse grupo ‘estava cheio de mestizos’. Esse termo, de origem
colonial, a meu ver é usado principalmente por pessoas próximas do discurso do movimento social afro-
colombiano e por pessoas que apoiam as reivindicações antirracismo desse movimento (dentre elas alguns
pesquisadores), para nomear fenotipicamente pessoas não-negras, para falar não em termos raciais mas em
processos de racialização, e sobretudo para relativizar a suposta ideia de “branquidade” a que essas pessoas
poderiam se remeter em relação aos “negros”. A meu ver, o que esse termo utilizado por militantes ‘afros’
parece dizer é que na verdade não há na Colômbia pessoas propriamente brancas e sim, pessoas com
diferentes níveis de traços e tons de pele mais claros misturados com traços de populações indígenas, a
depender da região, da situação e da relação de poder específica. Mas, como aponta Gil Hernandez (2010),
a ideia de mestiçagem (e do mestizo) na Colômbia na prática acaba remetendo à ideia do branco como
destino desejável, e ao negro como seu avesso, embora nesse país o termo mestizo não seja utilizado
corriqueiramente. Nesse sentido, uma tradução literal para o português (mestiço) não expressaria o sentido
específico nesse contexto de fala em que é utilizado aqui. Por isso mantenho o termo tal como utilizado
nesse campo semântico específico e em itálico, e peço ao leitor brasileiro atentar para essas nuanças.
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Seu nome vem das paliçadas que rodeavam os povoados levantados no mato pelos escravizados fugitivos
(chamados pelos espanhóis cimarrones, nome esse que por sua vez tinha sido dado antes ao gado indomável
quando se evadia para o mato). Palenque virou, para o movimento social afro-colombiano, sinônimo de
rebeldia, autonomia e alternativa de construção de outra sociedade, em que as pessoas negras podem ser
livres, expressa por meio da noção de cimarronaje. Daí cimarrón ou cimarrona serem termos usados para
atribuir essa atitude a uma pessoa ou que podem ser reivindicados também por uma pessoa.
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A linha argumentativa desse livro se baseia na premissa das Huellas de Africanía premissa central nos
estudos desse antropólogo a respeito da ‘gênese, transformação e presença dos negros na Colômbia’, com
dados empíricos que sustentariam essa premissa nas relações dos habitantes do Alto Baudó (Chocó) no
Pacífico colombiano, com as aranhas e o universo simbólico a elas associado.
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Por motivo de espaço, não me referirei aqui à história dos estudos sobre essa população nas ciências
sociais, nem mesmo os realizados pela antropologia. O leitor interessado poderá encontrar balanços sobre
esse respeito feitos por vários autores, entre eles Friedemann (1984), Restrepo (2001), Hurtado (2008) e
mais recentemente Pulido Londoño (2011).
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Tanto Fanny quanto sua irmã Ruby Quiñones, duas das fundadoras da Red de
Ananse, participaram desse processo de mobilização e articulação política de
organizações negras e seus aliados para a introdução das reivindicações desse setor
populacional na Constituição de 1991. Nesse processo de mobilização surgiu o chamado
atualmente movimento social afro-colombiano. Comissões de estudos, reuniões de
discussão e de construção de propostas, mesas de socialização e iniciativas como o
telegrama negro7, são exemplos das ações em que elas se envolveram. Muitas dessas
atividades aconteceram no restaurante Secretos del Mar, que existia desde meados da
década de 1980 no centro da cidade, e que a essa altura já havia se tornado um Palenque
urbano, como afirma Fanny: fue pensado para ser un espacio negro, para recrear la
cultura, también para actuar, para cimarronear. E foi justamente em meio às dinâmicas
próprias desse restaurante, essa espécie de ‘sede’ da população negra organizada na
capital do país, que Fanny, Ruby e seu marido (dono do restaurante e também ativista)
foram rayados8, ou seja, iniciados em Palo Monte, uma das reglas ou um dos sistemas
religiosos afro-cubanos.
Esse acontecimento teve desdobramentos com consequências ‘espirituais’ para
essas duas ativistas e para seus familiares e abriu não apenas um processo para a
participação assim como também um envolvimento ativo nos caminhos das religiões afro-
cubanas e das espiritualidades afros, não restrito aos espaços rituais.
Vale dizer que tanto na literatura sobre a população negra ou afro-colombiana
consultada para a pesquisa em que se baseia esse texto como nos sites, discursos e
documentos públicos das principais organizações do movimento social afro-colombiano,
sobretudo aquelas que têm presença nacional (PCN, Cimarrón, CNOA, principalmente),
não encontrei informação que permita afirmar que o espiritual ou religioso seja um dos
componentes de sua valorização ou de suas reivindicações públicas. É possível que
efetivamente práticas espirituais ou religiosas façam parte das ações de organizações do
movimento social afro-colombiano, mas que exista um receio de torná-las públicas. De
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O telegrama negro foi uma das estratégias utilizadas pelas organizações de Chocó, Valle del Cauca,
Nariño e Cauca, com apoio de organizações da capital e do caribe colombiano, para se tornarem visíveis
como grupo populacional perante a assembleia nacional constituinte. Assim, foi enviado a essa assembleia
um telegrama solicitando a inclusão no texto constitucional de seu reconhecimento como grupo étnico e a
titulação de suas terras. A mensagem dizia ‘Díganle sí a las propuestas de las comunidades negras’. Essa
e outras estratégias são documentadas em detalhe em Gracia (2013).
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O Rayamiento é a cerimonia de iniciação em Palo Monte, e que implica alguns cortes no corpo. Em Cuba
se conhece como Regla de Palo ou Regla Conga o conjunto de práticas que têm sua origem na região do
Congo, cuja prática cerimonial se baseia na relação com os mortos, os quais podem ajudar os iniciados a
terem uma vida longa, assim como os protegerem de ataques de bruxaria, o que pode implicar agir contra
o autor do ataque.
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todo modo, a esse respeito não há por enquanto um material documental, nem mesmo
estórias, boatos, etc., que permitam afirmar isso. Outra possibilidade é a de que só alguns
militantes afros participem, consultem ou efetivamente sejam praticantes de algum tipo
de espiritualidade ou religiosidade em momentos pontuais, mas de forma privada, como
já ouvi falar sobre algumas pessoas durante a pesquisa de campo. Caberia perguntar se
essa prática é mantida em segredo perante a própria organização ou ante o movimento
social afro-colombiano.
A julgar pela literatura consultada para a pesquisa em que se baseia esse texto,
pelo que me contaram alguns pesquisadores e ativistas9 sobre a população afro-
colombiana, e segundo o que me contaram tanto Fanny quanto Ruby (igualmente
especialistas no assunto), a espiritualidade ou religiosidade não faz parte das
reivindicações do movimento social afro-colombiano. Inclusive, elas apontam que esse é
um elemento que está ausente no movimento, e que talvez explique a ‘desunião’ e a
‘dispersão' características daquele. De fato, elas afirmam que isso mesmo aponta uma
falta de coerência entre muitas das organizações e lideranças do movimento, sobretudo
se falam em resgate, libertação, ou em descolonização mental da gente negra.
Por fim, e nesse sentido, considero que observar as experiências vitais e
organizativas das fundadoras da Red de Ananse ajuda a traçar os fios que ligam diferentes
e variadas questões sensíveis hoje para o movimento social afro-colombiano. A mesma
prática da Red aproxima, leva e extrapola essas questões para o movimento, para o interior
da própria Red, para a escola, para a universidade e para a capital do país, em uma serie
de sucessivos deslocamentos entre a experiência individual e a coletiva, entre a região de
origem e a capital, entre a Red e a escola, entre a escola e a universidade, entre a Red e o
movimento, entre o país e a diáspora, sucessiva e reciprocamente.
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Um deles sendo um babalaô (babalawo, um sacerdote da regla de Ifá) que participa de um espaço de
estudo e discussão sobre as práticas afro-cubanas em Bogotá chamado Linea Afro, e o outro um praticante
de Ocha, quem no momento da pesquisa era funcionário da Secretaria de Educación Distrital (SED) de
Bogotá, ambos se auto-identificando como afro-colombianos e do movimento social afro-colombiano, e
com vínculos com líderes e organizações afro-colombianas de variadas tendências no nível local e nacional.
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Expedição Pedagógica Nacional e a Expedição Pedagógica Rota Afro, como bem aponta
Ruby após essas experiências havia chegado o momento de procurar a volta para casa.
Essa volta implicava fazer um balanço do que tinha sido realizado e aprendido nessa
caminhada, nessas viagens físicas e mentais enquanto expedicionárias e enquanto
mulheres negras e ativistas. Esse balanço também passou pelo reconhecimento de quanto
o machismo fazia parte de suas práticas. Como em ocasiões anteriores, apesar do trabalho
físico e intelectual constante e detalhado que elas realizavam, eram os homens que davam
os discursos, que faziam lobby e que mostravam o trabalho feito, ainda que não tivessem
tido qualquer envolvimento na produção intelectual. Segundo Fanny: nosotros tuvimos el
atrevimento de llamar Griot a uno de esos compañeros porque lo respetábamos, como
persona mayor, como docente y como maestro. El no escribía ni un párrafo, pero se
aprendía todo de memoria y después lo presentaba.
A partir daquele momento, a Red de Ananse seria formada principalmente por
mulheres, mas, segundo Fanny, a porta não está fechada aos homens, só acontece que elas
consideram que as relações devem acontecer em um mesmo nível, sem privilégios
derivados da condição de machos, sem tratamentos diferenciados e sem qualquer
submissão por parte das mulheres do grupo.
Por outro lado, se a Red de Ananse foi se consolidando com um grupo base de
mulheres negras, que são as que eu chamo aqui de fundadoras, propositalmente também
começaram a convidar mulheres mestizas. Como aponta Fanny, há algumas razões que
possibilitaram esse convite, por exemplo, o fato de haver docentes afros que não estavam
comprometidas com a causa da erradicação do racismo. Além disso, elas teriam percebido
que algumas docentes mestizas também estavam pensando a escola e o racismo. Se por
alguma razão elas não encaravam decididamente esses assuntos, à medida que conheciam
o trabalho das fundadoras, se identificavam com ele e se tornavam aliadas nas escolas.
Por outro lado, as fundadoras consideram que a formação para a erradicação do racismo
não é exclusivamente para pessoas negras, mas que a sociedade toda tem que ser formada
para isso. Enfim, nos colégios em que elas são docentes nem sempre há estudantes afros,
e o objetivo não é pôr a salvo unicamente a estes, mas construir junto com os estudantes
novas formas de se relacionar entre si, levando em conta a existência da diferença como
algo que enriquece e, sobretudo, que comunica a necessidade da sua decidida afirmação.
Segundo Fanny, as professoras mestizas compartilham com elas a história de
serem mulheres, assim como a história de serem marginalizadas por serem pobres,
docentes de escolas públicas, e discriminadas pelo fenótipo, embora com outras
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não é constituído pela pedagogia em si, não é restrito ao exercício docente, mas pela
relação com os objetivos políticos que existem como potencialidades dessa própria ação.
Além disso, a viagem (física e mental) é um elemento central no discurso e na
prática da Red de Ananse, como disposição para o conhecimento, como meio para a
pesquisa, como motor de aprendizado, especialmente pela afetação individual e coletiva
em várias direções, possibilitadas pela relação com outrem. Ali, as chamadas por elas
pedagogías ancestrales, como proposta para a implementação da Cátedra de Estudios
Afrocolombianos, aparecem tanto como proposta pedagógica quanto aposta política,
porque procuram levar para a escola não apenas outros saberes, outras histórias, mas
outras formas de trabalho e de relacionamento.
Além disso, as pedagogias ancestrales são produto de um exercício de pesquisa a
respeito de práticas e saberes muito específicos das populações afro, em uma perspectiva
de posicionar saberes outros como alternativas frente ao eurocentrismo que elas
consideram predominante no meio escolar e, em geral, nas instituições de ensino. A
viagem ao lugar de origem foi fundamental nessa empreitada.
O interessante não é apenas que elas levem ideias, práticas, conceitos, de um
campo de pensamento ou de ação para outro, mas os tipos de elementos que são levados
para a escola pública da capital do país: práticas e relações de trabalho rural das
populações negras do Pacífico, da periferia racializada e estigmatizada, para o centro
civilizador nacional, ainda que na rede pública, onde são apresentados como elementos
de valorização e como aporte afro-colombiano para a escola. Ali, as comunidades negras
são apresentadas de um modo dignificante, e aparecem em aula como sujeitos produtores
de saberes, saberes dignos de serem aprendidos. Além disso, no retorno da viagem de
pesquisa há o propósito não apenas de compartilhar saberes e práticas como de mudar
algo na escola.
Assim, as professoras da Red de Ananse perceberam que se a escola podia mudar
porque havia docentes que tentam mudá-la e que mudam suas concepções e práticas por
meio da pesquisa, seria possível também mudar a universidade e as faculdades de ensino
que formam aos docentes. Essa percepção aponta para o reconhecimento que elas fizeram
da universidade e das faculdades enquanto dispositivos de poder colonial, como têm sido
caraterizados esses espaços por diversos autores (Quijano, 2000; Walsh, 2009). Assim,
sua proposta é que a universidade também tem que mudar junto com a escola, em seu
currículo, na sua organização, na sua estética, na sua relação com outrem.
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Chumbar ou fajar, segundo Carmen Ararat e Maruja, é uma prática que consiste em cobrir o corpo do
bebê com uma faixa de tecido para ajudar a lhe dar forma. Apadrinamiento é, em termos da religiosidade
popular católica, assumir um compromisso de cuidar do afilhado em caso de falta dos pais. Como consegui
ver em sala de aula com a turma de terceiro de primária da professora Carmen Ararat, outra das fundadoras
da Red, em maio de 2013, um estudante com mais habilidade em um tema se propõe a explicar e
acompanhar um colega que domina menos o tema, até que este último possa entendê-lo.
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Uma das viagens realizadas foi a Mompóx, município do departamento de Bolívar, na região Caribe,
para conhecer um pouco da vida daquele poeta afro-colombiano. A professora Carmen Ararat mantém
contato com um dos biógrafos desse poeta afro-colombiano que foi até convidado para falar na escola.
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Maruja é docente de educação artística e danças. Além disso, ensina as danças afro e a história por trás
delas por meio da dança. Nesse trabalho, conecta também as crianças e adolescentes surdos dos níveis de
primária e secundária. Esse trabalho já lhe rendeu um prêmio do Festival Artístico Educativo, FAE, no ano
de 2010.
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mostrando como opções críticas, são apontadas pelas docentes da Red de Ananse como
expressão dos limites dos discursos da academia eurocentrada ou, como aponta Carvalho,
‘euro-exclusivista’, ou seja, baseada ‘en la negación o supresión de otros centros
simbólicos y otras cosmovisiones’ (2009:41).
Esse posicionamento em relação a saberes e práticas, ou àquilo que, segundo elas,
seria a própria cultura, passa, a meu ver, por uma seleção de elementos dessa cultura afro
para privilegiar uma imagem alternativa das pessoas negras contestando aquelas em que
essa população aparece subalternizada. Vale dizer que esse não é um movimento
exclusivo dessas professoras, e que entre os saberes e práticas relevados pelas próprias
populações há posicionamentos distintos. Assim, por exemplo, há elementos da ordem
religiosa/espiritual que são mais socialmente aceites como aquelas que apontam para uma
relação mais próxima e até quase ‘íntima’ com os santos de um catolicismo popular com
características afro ou um culto cristão de estilo afro-americano, como os gospels dos
raizales (Arocha, 2008; 2012). Além desses, encontram-se nesse “catolicismo popular
afro” as chamadas liturgias afrocolombianas e, sobretudo, os rituais funerários, até
mesmo o lumbalú, em que cantos e tambores são utilizados para a despedida do ente
querido. Além disso, encontram-se a culinária e as expressões artísticas como danças e
gêneros musicais que são mais facilmente aceitáveis no marco de Estado e de nação
pluriétnica e multicultural em meio a políticas neoliberais que as permeiam.
Contudo, há elementos que nem sempre são reivindicados e que são mais difíceis
de sê-lo no meio escolar, no meio universitário e no nível das organizações do movimento
social afro-colombiano, ainda que sejam conhecidos e até praticados por algumas
pessoas. Práticas de adivinhação, limpezas com ervas para tirar as más energias, trabalhos
para afastar as más intenções dos outros, para se proteger das ameaças à saúde ou para
afastar ou chamar a atenção de uma pessoa – que nos mesmos pueblos negros são
considerados como superstição ou até mesmo bruxaria – hoje são vistos pelas fundadoras
como elementos de resistência ao colonialismo católico espanhol. A relação das irmãs
Quiñones desde começos da década de 1990 com o universo espiritual afro-cubano, a
meu ver, deu sustento a esse posicionamento.
Assim, o conhecimento por meio da leitura e do envolvimento prático auxilia uma
comparação de saberes e práticas afro-cubanas com aquelas práticas espirituais afro-
colombianas que elas incluem entre os saberes ancestrales. Esses saberes espirituais
ancestrales, que em particular as irmãs Quiñones já reivindicavam no interior de algumas
organizações do movimento no começo da década de 1990, de uns anos pra cá passaram
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enviar um morto para que perturbe a vida de uma pessoa. Como elas salientaram, o que
acontece no Pacífico, e em Tumaco em particular, é que esses saberes e práticas são mais
Congo do que outra coisa, na medida em que se caracterizam pela relação com as plantas,
com as ervas e com os mortos13, e que talvez fossem expressão do Muntu14, ou seja, a
concepção banto do mundo como formado pelo conjunto dos vivos, dos mortos e da
natureza.
Assim, para conhecer o que elas chamam de saberes diaspóricos, foram muito
importantes as viagens físicas e mentais, as leituras sobre santería, Ocha, Palo Monte e
Vodu, a iniciação em Palo Monte e uma posterior aproximação com santeros, paleros e
houngan cubanos em Bogotá desde os anos 1990. Além disso, as viagens a congressos,
encontros, e até uma expedição pedagógica15, foram fundamentais para configurar um
posicionamento cada vez mais crítico contra o colonialismo mental, ao identificar a
presença de práticas de origem africana, que segundo elas seriam a explicação da própria
sobrevivência dessas populações apesar das desigualdades, discriminações e injustiças às
quais foram sujeitas. Nessas viagens, também foi importante identificar que em outros
países alguns intelectuais afro tinham envolvimento com a religiosidade afro ao contrário
do que acontece com as lideranças afro de seu próprio país.
Assim, devido ao empoderamiento atingido no trabalho de dar um lugar para a
Cátedra de Estudos Afro-colombianos (CEA) nas escolas, e de certa visibilidade e
legitimidade conseguida nos reconhecimentos (prêmios) por seus projetos educativos, foi
que orichas como Elegguá, Yemayá, Obatalá começam a fazer parte desses saberes
outros, desses saberes ancestrales e diaspóricos, por meio da introdução de alguns
patakis16 deles na sala de aula, sobretudo no caso das irmãs Quiñones. Mas isso não
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Elas identificam esse saber Congo no que elas hoje dizem a respeito de seu Emílio, o pai delas, uma
pessoa que conhecia orações, que fazia coisas diferentes, que pendurava coisas nas arvores, e como algumas
pessoas lhes teriam dito, até tinha segredos e orações para se tornar invisível aos olhos de algumas pessoas.
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Em situação de desaparecimento em meio ao contexto de mudança acelerada pela guerra. Ver, por
exemplo, Arocha (2002).
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Alguns desses eventos foram realizados na Cidade do México, nas cidades de Salvador e Rio de Janeiro,
no Brasil (os chamados Diálogos Afro-latinos do ano 2007), e na Venezuela. Nesse último país foi realizada
uma expedição pedagógica organizada pela Red Iberoamericana de Docentes Investigadores. Essa
expedição organizou várias rotas pelas regiões venezuelanas. As docentes da Red de Ananse embarcaram
em particular na Ruta Afro-venezolana coordenada pela Red de Organizaciones Afrovenezolanas, que
percorreu principalmente o litoral. Como conta Carmen Ararat, foi lá que ela teria entendido propriamente
o que era a diáspora que tinha estudado no mestrado, quando nas reuniões pessoas da Venezuela, Peru,
Costa Rica e Colômbia falavam de cerimônias funerárias de crianças. Segundo ela, até o nome dado à
criança que morre seria o mesmo: angelito (anjinho).
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Patakis, pataquies, pataquins, são relatos de estilo mítico que contam a origem de um orixá, de seu
domínio, de algumas das qualidades e interdições a ele associados, sua relação com os homens, dos quais
deriva um ‘corpus ético e moral’ (Castro Ramírez,2010:25) que se traduz no cotidiano dos praticantes.
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acontece em um terreno livre de tensões. Esses saberes ancestrais, como aponta Fanny,
travam uma disputa política na escola, na medida em que colocam outros referentes na
construção de subjetividades diante de concepções cristãs católicas e pentecostais. Porém,
como Ruby e Fanny apontam, talvez as maiores tensões aconteçam com os outros
coletivos que trabalham em relação com a CEA em Bogotá.
Alguns desses grupos e líderes afros, segundo elas, pretenderiam ter a última
palavra a respeito do que a CEA deve ser. Várias são as críticas que elas expressaram a
respeito de posicionamentos e projetos discutidos na dirección de población étnica da
SED – que nos últimos anos tem sido coordenada por uma pessoa afro, mas que é
percebida pela Red de Ananse como representando o ponto de vista da SED. Elas criticam
a postura normativa de algumas pessoas em relação à elaboração de diretrizes da CEA,
sobretudo quando não teriam qualquer envolvimento com a escola, quer dizer, quando
não são docentes, mesmo sendo pessoas incumbidas com a luta antirracismo. O mesmo
valeria para as pessoas que são indicadas para esse cargo. Essa postura é uma
consequência do posicionamento delas em relação à necessidade dos professores serem
docentes pesquisadores, sujeitos políticos que têm que construir a política educativa e, no
caso delas enquanto mulheres negras, serem docentes cimarronas.
Enfim, os saberes ancestrales reivindicados por elas são um conjunto seleto
(escolhido) de elementos da cultura afro-colombiana e de saberes diaspóricos,
especialmente aqueles relativos à espiritualidade afro, que são levados para a sala de aula
como parte das alternativas que auxiliam o exercício docente das integrantes da Red de
Ananse. Além disso, esses saberes outros, se insurgem na instituição escolar em meio a
um movimento que busca de maneira contínua desestabilizar os pressupostos habituais a
respeito da população negra, a respeito do papel da escola, do trabalho docente, dos
vínculos da universidade com a escola, do modo de relacionamento da escola com a
sociedade em que está inserida.
Assim, esses saberes aparecem como parte de uma proposta e uma aposta política
em meio a uma disputa frente a outras opções e posicionamentos sobre a sociedade e
sobre o mundo. Então, não se trataria de uma aposta política que busca colocar a salvo da
discriminação apenas os estudantes afro, mas promover outras formas de relacionamento
da instituição educacional, de um modo geral, com a sociedade da qual fazem parte todas
aquelas pessoas que trabalham e/ou estudam na escola ou trabalham e/ou estudam em
função da instituição educacional.
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Conclusão
Enfim, o percurso feito até agora com base na experiência vital das integrantes da
Red de Ananse, que buscava traçar os fios que esse grupo tece em e com variados e
distintos âmbitos, campos, movimentos, redes, seres e pessoas, permite afirmar que na
prática e no discurso esse grupo contesta a ideia de Estado multicultural (que confinou a
diversidade ao cultural e ao folclórico) e, sobretudo, questiona a nação colombiana, com
suas imagens sempre ambíguas de unidade e discursos concomitantes de igualdade
(mestizos) e diversidade (Wade, 2002). Como visto esse questionamento deriva de um
posicionamento militante em função de um movimento de politização da vida, em que a
vida é o centro da política. Ou seja, o ser, como disse Fanny, é o centro da questão, é
centro das preocupações e dos investimentos enquanto mulheres negras.
O foco é a vida e é dali que deriva, como uma consequência, a politização da
escola, da religiosidade/espiritualidade, e mesmo do movimento social afro-colombiano,
pois como nos lembra Flórez-Florez (2004:223), não há algo em si que possa ser assumido
como “o politico”: esse não é um dado, mas uma construção. Nesse sentido,
posicionamentos políticos com base na reivindicação de uma identidade de gênero
racializada, e especialmente na centralidade dada à espiritualidade afro desestabilizam as
habituais fronteiras construídas ao redor das dimensões do social em política/cultura,
política/religião, público/privado, além das formas consideradas legítimas ou não pelo
Estado para fazer a política. Da mesma forma, esses posicionamentos colocam em
questão as visões sobre os espaços e lugares sociais que no senso comum estão separados
e inseridos em relações hierárquicas: escola e universidade; estudante, docente de escola
e professor universitário; docente e pesquisador. Esse deslocamento das fronteiras e das
questões revela o papel da escola como produtora de políticas na medida em que contribui
para a formação de subjetividades. Com base na escola é repensado também o papel do
docente, da instituição escolar e dos vínculos com a universidade, já que todos participam
de alguma forma na reprodução e atualizam relações que expressam uma colonialidade
do poder, do ser e do saber, nos termos de Quijano (2000).
Assim, os saberes ancestrales e diaspóricos, dos quais os saberes ancestrales
espirituales são uma parte, são colocados como uma alternativa para pensar outras formas
de relacionamento interculturais. Eles são mobilizados também para pensar outras
conexões, outros vínculos e outros projetos existenciais que contemplem outros seres
(ancestrais, egguns, orichas, natureza).
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