O difícil relacionamento com a Corte: Os antecedentes para a revolta
A historiografia produzida sobre a Revolução Farroupilha é vasta e
controversa. Sem pretender fazer um trabalho historiográfico, nos limitaremos a citar alguns autores, que possam exemplificar a variedade de trabalhos sobre o assunto. Pesavento (1990) nos coloca frente a uma província militarizada, onde a Coroa contava com os gaúchos – estancieiros e seus homens – para a defesa da fronteira com o Rio da Prata, o que conferia grande poder aos senhores locais, que ocupavam cargos de chefes e guardas de fronteira. Em vista disso a Coroa permitia certa autonomia do poder local, que entrava frequentemente em choque com os comandantes militares que representavam os interesses do poder central. A criação de gado e produção de charque inseriram o Rio Grande à economia central como abastecedor do mercado interno. O charque riograndense sofria concorrência do charque platino, que era favorecido pelos baixos impostos.Além disso a taxa de importação do sal era muito alta, o que encarecia ainda mais o charque gaúcho. Os estancieiros queriam livre acesso do sal ao mercado brasileiro, além do aumento da tarifa de importação do charque estrangeiro. Outra questão de atrito era o fato de o poder central determinar o quanto da renda arrecadada na província iria para a Corte e o quanto ficaria no Rio Grande. O poder central tentava se impor aos interesses dos estancieiros gaúchos, através da nomeação dos presidentes de província, limitando a influência local, uma vez que os conselhos provinciais não tinham atribuições legislativas, somente reivindicatórias, incluindo o envio de imigrantes alemães a partir de 1824, o que segundo Pesavento, teria entre seus fins estabelecer uma sociedade de pequenos proprietários rurais, fiéis ao governo central. Em 1828, com a perda da Cisplastina, os atritos adquiriram maior relevância. Os interesses econômicos dos gaúchos foram prejudicados pela perda do gado uruguaio dirigido, agora, para os saladeros platinos ao invés das charqueadas do Rio Grande, e seu prestígio militar ficou abalado com a derrota na guerra. Assim, o que gaúchos chamavam de opressão da Corte, teria sido o principal motivo dos conflitos que culminaram com a Guerra dos Farrapos. Spalding (1980), que dá à Guerra um tom de epopéia patriótica, descreve um Rio Grande oprimido e explorado pelo governo. Os impostos exorbitantes impediam o desenvolvimento da província, enquanto Buenos Aires e Montevidéu vendiam seus produtos para o Brasil e lucravam, o Rio Grande não podia concorrer com eles, devido à carga de impostos. Sublinha ainda a importância dos riograndenses para a defesa militar do Brasil, sendo os gaúchos os primeiros a pegar em armas ao menor sinal de conflito, sem nenhum reconhecimento por parte da Corte, que estava dominada pelo “retrógrado” elemento português, o estrangeiro que oprimia o Rio Grande. O comando geral da Guerra Cisplatina também foi motivo de insatisfação, pois não coube a um riograndense. O comando coube ao marquês de Barbacena, que teria sacrificado inúmeros soldados gaúchos, por imperícia, na batalha do Passo do Rosário. As insatisfações e conflitos com Antonio Rodrigues Fernandes Braga, acusado de se deixar dominar pelos retrógrados do partido Português e perseguir os liberais, resultaram na Revolução, que, segundo Spalding tinha como única finalidade desoprimir a Província. Silva (2010), no seu História Regional da Infâmia, diz que a principal causa da Revolução Farroupilha foram os carrapatos. Um surto do artrópode em 1834 teria provocado uma crise tão grande que no ano seguinte adquiriu tom político e levou ao confronto com o poder central, embora a causa mais famosa seja a questão do imposto do charque, alto para o nacional, baixo para o estrangeiro. Além destas, outra causa foi a independência da Cisplatina, já que a maioria dos estancieiros do Rio Grande tinha terras do outro lado da fronteira, e agora teriam que pagar impostos para transitar com o gado entre os países. Em suma, os farrapos eram movidos por um “ideal moralmente superior”: pagar menos impostos.
Os argumentos sócio-econômicos para a secessão contra o Império
O declino da agricultura e a ascendência da pecuária
No século XVIII e XIX a expansão em direção ao Prata foi estimulada. A
Corte incentivou a imigração de agricultores açorianos, que fariam do Rio Grande uma colônia agrícola. Mas esse plano não deu certo, pois a imigração foi pequena, e teve pouca assistência do governo. O cultivo do trigo no Rio Grande começou em 1737, com a ocupação portuguesa. A cultura prosperou e o trigo tornou-se um produto de exportação. O ápice da produção deu-se de 1813 a 1816, mas em 1822, na época da independência , o primeiro ciclo do trigo já tinha terminado. Segundo Spencer Leitman, em 1811, a ferrugem atacou o trigo pela primeira vez, mas não foi a única causa do declínio da produção de trigo. A pilhagem feita por ladrões, índios ou o confisco pelo exército arruinavam as plantações, além do recrutamento militar exigido na época da plantação ou da colheita. Com a penetração dos Brasileiros na Cisplatina, criando gado na Banda Oriental, a charqueada se expandiu, atraindo os homens para a pecuária, mais lucrativa, e afastando-os das atividades agrícolas.
As terras da fronteira
A independência do Uruguai em 1828 deixou o Brasil sem uma parte
importante do seu território, envolvido em questões diplomáticas com a Argentina e o Uruguai e enfrentando o descontentamento dos riograndenses. Os gaúchos queriam voltar a se estabelecer em terras uruguaias, e se irritaram com a atitude dura do governo central com os habitantes da província que davam proteção aos uruguaios que se opuseram a Fructuoso Rivera. As fronteiras entre o Uruguai e o Brasil não ficaram definidas na Convenção para a Paz Preliminar em 1828. Segundo a Convenção os acordos relacionados a fronteira seriam resolvidos com a Argentina, porém o governo argentino protelava a discussão. Os brasileiros continuaram a possuir terras na Banda Oriental, muitas vezes em sociedade com os uruguaios com os quais, muitas vezes, tinham parentesco por casamento. Bento Gonçalves era aliado de Lavalleja, rival de Rivera, e acolheu sua tropa quando foi derrotada em 1832. O governo central temia uma invasão de Rivera e uma guerra com o Uruguai. O governo central agiu energicamente, dando ordens ao Ministro da Guerra para repelir qualquer tentativa de invasão por parte de Rivera, e recusando asilo a Lavalleja. Fronteiras indefinidas por tempo muito longo e relações estreitas entre riograndenses e uruguaios foram causa de muita preocupação para o governo do Brasil, que temia que uma guerra com o Uruguai levasse à perda da província do Rio Grande. A irritação causada pelo confisco monetário e fiscal
Após a abdicação, com a Regência em mãos de liberais, os riograndenses
tinham esperanças de uma política mais favorável à província. Mas estas esperanças duraram pouco. Impostos opressivos, balança comercial desfavorável e dívidas com os riograndenses decorrentes da guerra de 1825-1828. Em 1832 o governo separou os impostos nacionais dos que seriam impostos de província. O Ato Adicional de 1834 reduziu o número de regentes de três para um, aboliu o Conselho de Estado e criou Assembléias de Províncias. Porém, estas Assembléias só podiam decretar novas leis fiscais se não fossem tarifas referentes à arrecadação nacional já estabelecida. As províncias que não podiam cobrir suas despesas recebiam fundos do governo antes e depois do Ato Adicional. Em 1832 o Rio Grande mandava vinte e quatro contos por ano do seu superávit para cobrir o déficit de Santa Catarina. O Rio de Janeiro também pediu dinheiro ao Rio Grande para pagar empréstimos feitos à Inglaterra. Essa transferência de dinheiro da província irritava os riograndenses, que desejavam usar o dinheiro na própria província. A instalação dos postos fiscais foi outro fator de insatisfação: era cobrada uma taxa de dois por cento sobre o gado transportado para a Cisplatina, o quinto sobre o couro e quinze por cento sobre toda mercadoria importada, incluindo o gado. O que mais irritava os gaúchos era esse imposto de quinze por cento sobre o gado, uma vez que a maioria dos proprietários possuía terras e gado na Cisplatina. Finalmente, devido a grande quantidade de moedas de cobre falsas em circulação, o governo estipulou a troca das moedas de cobre por cédulas, o que causou igualmente grande confusão pois na troca as moedas perderiam cinco por cento do valor, e muitos não admitiam na ocasião da troca. Outros achavam mais seguro guardar moedas que pedaços de papel e outros simplesmente não se preocuparam em trocar.Surgiram dois grandes problemas: a falsificação de cédulas e a falta de papel moeda. A desvalorização das moedas e a desconfiança das cédulas aumentaram a tensão e ressentimento contra o governo central. A questão da moeda circulante fortaleceu o argumento de que uma política independente era uma solução para o plano fiscal caótico. Bibliografia LEITMAN, Spencer Lewis, Raízes socioeconômicas da Guerra dos Farrapos, Rio de Janeiro: Edições Graal,1979. SILVA, Juremir Machado da, História regional da infâmia, Porto Alegre:L&PM, 2010. SPALDING, Walter, A Revolução Farroupilha, São Paulo: Editora Nacional, 1980. PESAVENTO, Sandra Jatahy, A Revolução Farroupilha, São Paulo: Brasiliense, 1990.