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REVISTA DE ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL

MUNICÍPIOS
Revista de Administração Municipal – Municípios IBAM Julho/Agosto/Setembro 2012 Ano 58 Nº 281 ISSN 0034 - 7604

Gestão de Pessoas
ARTIGOS E MAIS
Gestão de Pessoas Pareceres
Avaliação de desempenho Em Foco
Servidores Temporários
Contratação de Serviços
Tributação da Propriedade
Administração Estatal

Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM > 1


Editorial

De recursos humanos a pessoas:


uma visão integral do servidor público
Os Editores

M
udam o contexto e os conceitos, tecnologias exigem adaptação ou reciclagem
permanece a essência da vocação, do servidor. Valores antigos, como a ética, e um
do papel, dos direitos e deveres do pouco mais novos, como o apelo à sustentabi-
servidor público, enquanto a gestão de pessoas lidade, incidem sobre todo o ciclo profissional
veio, ao longo dos anos, incorporando valores do servidor, exigindo o seu ajustamento numa
renovados de carreira como macrofunção da ordem de valores compartilhados, cada vez
Administração. mais, em nível mundial.

Se por um lado o servidor é, em essência, um A enorme profusão e a atual oferta de in-


servidor da sociedade, devendo a ela um retorno formação exigem atualização e processamento
de qualidade do seu trabalho, busca também rápido de dados pelo servidor num ambiente
satisfação pessoal no trabalho que realiza. Essa de gestão do conhecimento. O respeito às di-
satisfação, portanto, é de duplo sentido. Por um ferenças e às aptidões particulares favorece o
lado, reconhecendo na melhora da qualidade de aproveitamento integral das capacidades hu-
vida do País um pouco de si mesmo, e, por outro, manas. O trabalho individual e setorial, por sua
identificando nesse melhoramento um retorno vez, é posto sob o desafio do resultado coletivo
de qualidade na sua própria carreira funcional. de equipes e de redes de trabalho.

De fato, o servidor participa de um extenso O início dos mandatos de Prefeitos e Prefeitas


ciclo de passagem pela Administração Pública: é sempre uma oportunidade para um balanço
do recrutamento e seleção de pessoal para pro- dessa macrofunção chamada Gestão de Pessoas
vimento de cargos e de funções, passando pela na Administração Pública. A Federação é trina
capacitação e pelo aperfeiçoamento de suas e as esferas de governo são independentes, o
competências, crescimento ou progresso de que quer dizer que a União, os Estados e os
carreira, avaliação de desempenho, remunera- Municípios têm, cada um, responsabilidades
ção pecuniária e enquadramento futuro como compartilhadas na gestão de pessoal do serviço
beneficiário da previdência. público. Porém, se a esfera local é a mais próxima
do cidadão, é aí que a sensibilidade pública para o
A distinção entre Estado, Governo e Adminis- desempenho do servidor irá avaliá-lo face a face.
tração Pública é fundamental para posicionar
o comportamento e a cultura institucional do Ao fim e ao cabo, um servidor público é
servidor. O cenário político e os valores daí também um cidadão e a sociedade, como man-
emanados, em grande parte, costumam definir tenedora e beneficiária do seu trabalho, é quem
o marco de inclusão e de motivação da atuação poderá avalizar o seu desempenho, cabendo aos
do servidor. Políticas públicas se sucedem, titulares dos cargos de liderança na Adminis-
definindo prioridades e modos particulares de tração criarem as condições efetivas para o seu
encarar o desafio do desenvolvimento. Novas melhor aproveitamento.

Editorial Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM > 3


Índice

EXPEDIENTE
A Revista de Administração Municipal – MUNICÍPIOS é uma publicação
do Instituto Brasileiro de Administração Municipal – IBAM, de periodicidade Artigos e reportagem / ARTICLES AND REPORTAGE
trimestral, depositada na Reserva Legal da Biblioteca Nacional e no Catálogo
Internacional de Periódicos sob o n.° BL ISSN 0034-7604. Registro Civil de

05
Pessoas Jurídicas n.° 2.215.
Desafios da legitimação das políticas de gestão de pessoas na gestão
Editores
Alberto Costa Lopes – Editor Executivo
pública: estudo de caso de uma prefeitura do nordeste Brasileiro /
Heraldo da Costa Reis – Editor Técnico Challenges of political legitimation of personnel management in public management:
Sandra Mager – Coordenadora Editorial case study of a municipality of the Brazilian northeast
Conselho Editorial Roosevelt Bezerra da Silva Filho
Alberto Costa Lopes (IBAM), Ana Maria Brasileiro (UNIFEM/ONU/Wa-
shington/Estados Unidos), Celina Vargas do Amaral Peixoto (FGV/Rio de
Iêda Isabella de Lira Souza
Janeiro/RJ), Emir Simão Sader (CLACSO/Buenos Aires/ARGENTINA),

14
Fabricio Ricardo de Limas Tornio (UFPr/Curitiba/PR), Heraldo da Costa Reis
(IBAM), Jorge Wilheim (Consultor em urbanismo, São Paulo/SP), Paulo du Avaliação do desempenho como ferramenta de melhoria do serviço
Pin Calmon (UNB/CEAG/Brasília/DF) e Rubem César Fernandes (VIVA público / Performance assessment as a tool to improve public service
RIO/Rio de Janeiro/RJ).
Valmor Pedro Bacca
Conselho Técnico
Alberto Costa Lopes, Alexandre Carlos dos Santos, Heraldo da Costa
Reis, Jaber Lopes Mendonça Monteiro, Maira da Graça Ribeiro das Neves
e Marlene Fernandes. 27 A Tensão entre regime jurídico único e servidores temporários / The
tension between the regular rules for hiring workforce and the temporary contracts in
Esta publicação consta do indexador internacional Lilacs – América Latina the Brazilian public administration: a judicial debate with some consequences to the
e Caribe e nas seguintes páginas:
management.
• FEA/USP - Departamento de Administração Alexandre Veronese
• FGV - Biblioteca Mário Henrique Simonsen
• UNB - Biblioteca Machado de Assis
• Biblioteca Nacional
• Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia - 37 Inadequação da licitação na modalidade pregão para contratação de
serviços para realização de concurso público / The inadequacy of licitation in
Catálogo Coletivo Nacional (CCN)
• Association of Research Libraries cry modality for hiring of services for public concurrence
• Latin Americanist Research Resources Project
• Institut des Hautes Études de l’Amérique Latine - Centre
de Recherche et de Documentation sur l’Amérique Latine
Jaber Lopes Mendonça Monteiro
• Facultad de Ciencias Juridicas y Politicas - Universidad Central Rafael da Silva Alvim
de Venezuela
• HACER - Hispanic American Center for Economic Research
46 Reportagem / Report
ASSINATURAS Patrícia Fahlbusch
Tel.: (21) 2536-9711/ 2536-9712 • livraria@ibam.org.br
Valor da assinatura anual: R$ 48,00
Maurício Lima
Valor de exemplar avulso: R$ 12,00
Tiragem: 2 mil exemplares

REDAÇÃO
51 Um diagnóstico atualizado da tributação da propriedade no Brasil /
Updated diagnosis on property taxation in Brazil
Coordenação Editorial José Roberto R. Afonso
Edição 1 – Comunicação & Serviços Ltda. • Telefax: (21) 2462-1933
Jornalista responsável: Mauricio S. Lima (MTb 20.776) Julia Morais Soares
Jornalismo: Patrícia Fahlbusch
Revisora gramatical: Marisa Brito
Kleber Pacheco de Castro
Programação visual: Victor Oliveira
Foto de Capa: sxc.hu

DEPARTAMENTO COMERCIAL 66 Administração estatal ou social: um falso dilema / State or social


administration: a false dilemma
Contato: (21) 2462-1933

Os artigos refletem a opinião de seus autores. É permitida a sua


Carlos Fernando Galvão
reprodução desde que citada a fonte.

IBAM – Edifício Diogo Lordello de Mello


Largo IBAM, 1 – Humaitá – Rio de Janeiro, RJ CEP 22271-070
Tel.: (21) 2536-9797
Fax.: (21) 2536-1262
www.ibam.org.br

Conselho de Administração
Edson de Oliveira Nunes (Presidente), Edgar Flexa Ribeiro, Edvaldo Brito, PARECERES / reportS
Henrique Brandão Cavalcanti, João Pessoa de Albuquerque, Luiz Antonio
Santini Rodrigues da Silva, Maria Terezinha Tourinho Saraiva, Mayr
Godoy, Paulo Alcântara Gomes, Tito Bruno Bandeira Ryff.
76 Cargos de provimento em comissão. Fixação do percentual mínimo a ser
Conselho Fiscal exercido por servidores efetivos. Iniciativa do projeto de Lei. Competência
Aguinaldo Helcio Guimarães, Paulo Reis Vieira, Raymundo Tarcísio
Delgado, Roberto Guimarães Boclin, Willian Alberto de Aquino Pereira.

Superintendência Geral
Paulo Timm

REPRESENTAÇÕES

São Paulo
Avenida Ceci, 2081 • Planalto Paulista, São Paulo • SP
• CEP 04065-004 • Tel/Fax: (11) 5583-3388 • Ibamsp@ibam.org.br

Santa Catarina
Rua Joinville, n.o 876 - sala 01 - Bairro Vila Nova - Ed. Empresarial Vila
78 Em Foco / Highlighting
Nova - Blumenau - SC - CEP 89035-200 • Tel/Fax: (47) 3041-6262
Ibamsc@ibam.org.br

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Gestão de Pessoas

Desafios da legitimação das políticas


de gestão de pessoas na gestão pública:
estudo de caso de uma prefeitura
do nordeste Brasileiro
Roosevelt Bezerra da Silva Filho — Doutorando em Administração – PPGA/UFRN e Mestre em Administração – PPGA/UFRN
– rooseveltbfilho@gmail.com

Iêda Isabella de Lira Souza — Doutoranda em Administração – PPGA/UFRN e Mestre em Administração – PPGA/UFRN
– isabellaufrn@yahoo.com.br

RESUMO
O presente artigo trata da descrição dos desafios de uma prefeitura na legitimação das ações da política de gestão
de pessoas. Para tanto, buscou-se compreender os fenômenos a partir da perspectiva da Nova Gestão Pública e do
Neoinstitucionalismo. Quanto aos resultados, é possível inferir que, apesar dos entraves no processo de ruptura e
da necessidade de se criar mecanismos estruturadores, a política de pessoal estabeleceu os novos parâmetros para
um padrão de desempenho superior.

Palavras-chave: Nova Gestão Pública. Legitimidade. Desenvolvimento Humano.

Introdução ministrativa é tratada pelo dão. O foco está na gestão por


enfoque humano nas organi- resultados, na flexibilidade
A necessidade de um Esta- zações. Para tanto, aborda-se administrativa, no controle
do voltado para a sociedade a perspectiva humanística social e na valorização das
e com foco nos resultados de da administração a partir da pessoas (MATIAS-PEREIRA,
suas ações tem demandado dos concepção da Nova Gestão 2009). Bresser-Pereira (2005)
gestores públicos mais do que Pública (New Public Mana- corrobora ao explicar que o
capacidade técnica para gerir gement) em contraponto aos objetivo da NGP é criar um
orçamentos e o cumprimento desafios que os gestores da Estado capaz de atender as ne-
dos princípios da administra- área de pessoal enfrentaram cessidades de seus cidadãos;
ção pública. Assim, modernizar numa prefeitura do Nordeste na qual os eleitores possam
o aparato público tem sido brasileiro. fiscalizar o desempenho dos
discutido desde a década de 80 políticos e estes também se-
como ferramenta fundamental Na Nova Gestão Pública jam obrigados a prestar contas
para a reorientação do Estado. (NGP) assentam-se os funda- à sociedade.
mentos básicos da concepção
Nesse estudo, a discussão de um modelo de Estado Os autores deste artigo en-
acerca da modernização ad- orientado para o cliente-cida- tendem que o desenvolvimento

Gestão de Pessoas Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM > 5


humano é uma premissa subja- transcritos e analisados com bem suas forças e fraquezas é
cente ao paradigma da Gestão base no método de Análise de essencial para o direcionamen-
Pública voltada a resultados, Conteúdo. to dos esforços organizacio-
uma vez que tais ações promo- nais, esse diagnóstico tem se
vem a atualização dos indivídu- A nova gestão pública: mostrado basilar para estra-
os aos novos modelos de gestão origem e princípios norteadores tégias da Gestão de Pessoas.
e potencializam a mudança de As ações governamentais para
cultura da organização. As discussões sobre a efi- atingir as metas se dão por
ciência governamental vêm meio do capital intelectual da
Portanto, o objeto deste es- sendo realizadas nos âmbitos própria organização.
tudo são as Políticas de Gestão acadêmico e social na pers-
de Pessoas de uma prefeitura pectiva de desenvolvimento, A origem e o desenvolvi-
da Região Nordeste do Brasil implementação e avaliação de mento da NGP tiveram im-
no tocante ao desenvolvimento Políticas Públicas. No cerne da pacto significativo no governo
humano e organizacional. A questão, o que se apreende é dos Estados Unidos e no de
prefeitura promoveu formal- que a eficiência de um governo todo o mundo a partir do ins-
mente uma política de valori- se mostra como consequência tante em que foram levanta-
zação do servidor, e o princípio das Políticas Públicas e obras das, dentro de sua concepção,
da valorização do servidor está estruturantes que condicionem questões fundamentais tanto
incorporada à missão da orga- melhoria da qualidade de vida para os gestores públicos
nização. para a população. quanto para a sociedade (DE-
NHARDT, 2012).
Quanto à finalidade, o arti- Como qualquer organiza-
go descreve os desafios encon- ção, o alcance dos objetivos das Na perspectiva da NGP é
trados pela equipe de gestores instituições públicas depende considerado o processo de
para a legitimação das ações da diretamente do bom uso dos transposição de elementos
política de gestão de pessoas, recursos próprios, e da capa- da administração empresa-
sobretudo na reorientação dos cidade destas de adquirir, seja rial para a administração pú-
valores organizacionais de por investimentos financeiros blica, de forma que algumas
um modelo burocrático para seja por parcerias, recursos os práticas institucionalizadas
a gestão por resultados. Para quais não têm. Como conhecer pelo empresariado fossem
isso, buscou-se identificar as
ações governamentais reali-
zadas desde a reforma admi-
nistrativa, dentro do escopo
de suas definições e dos seus
resultados.

Quanto aos procedimentos


metodológicos da pesquisa,
que é descritiva, trata-se de
um estudo de caso, com abor-
dagem qualitativa. As informa-
ções foram levantadas junto
a quatro gestores ligados à
Política de Gestão de Pessoas
na prefeitura. Depois de coleta- Na Nova Gestão Pública, o foco está na gestão por resultados, na flexibilidade administrativa, no controle social
dos, os dados primários foram e na valorização das pessoas

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Gestão de Pessoas

“ É necessário que os gestores tenham muito claro que


a estrutura de uma organização impacta fortemente


na execução de suas políticas e consequentemente
na obtenção de seus resultados

incorporadas pelas organi- instituída em 1986, a ponto de plicam que o ambiente é inter-
zações públicas (SLOMSKI levar à criação de estruturas pretado pelos atores sociais,
ET AL, 2008). Portanto, as organizacionais similares nos criando lentes pelas quais eles
premissas subjacentes no governos subnacionais. percebem o que está em sua
campo baseiam-se no de- volta. Dessa forma, são reco-
terminismo exercido pelo Conforme Pacheco (2003), nhecidos como provedores de
mimetismo das práticas até o fim da década de 90, im- legitimidade, nos quais regras,
gerenciais legitimadas em perou como modelo para as modos de compreensão e sig-
outras organizações públi- Escolas de Governo no Brasil nificados subjetivos estão pre-
cas e/ou privadas. o padrão francês da École Na- sentes, e exercem influência
tionale d’Administration (Ena) sobre a relação entre a ação e
Hood (1995) explica que com o fim de formar a futura a estrutura.
a NGP se afasta dos modos elite do setor público. O autor
tradicionais de legitimação ressalta, porém, que o molde Considerando que a NGP
da burocracia pública para de ensino da Ena propiciou o tem o cidadão como foco de
adotar práticas instituciona- desenvolvimento intelectual suas ações, sobretudo por bus-
lizadas no campo das organi- dos indivíduos de tal forma car prestar contas, Matias Pe-
zações privadas. que prejudicou a capacidade reira (2009) advoga que a mu-
destes de liderar grupos, de de- dança de cultura das organiza-
Pode-se exemplificar o mi- senvolver trabalho em equipe ções públicas exige profunda
metismo das ações de uma e de aplicar a teoria à prática revisão dos modelos gerenciais
organização por meio das boas das organizações. existentes. A implantação
práticas de outras, a partir do de uma nova gestão pública
elevado número de “Escolas de Na avaliação de Hood (1995), demanda transformação na
Governo” ou “Escolas de Ges- muito antes de as organizações estratégia de gerenciamento,
tão Pública” implantadas nas públicas instituírem espaços que deve ser posta em prática
estruturas organizacionais de para o desenvolvimento dos em uma estrutura adminis-
governos subnacionais – Es- seus funcionários, diversas trativa reformada. (Matias.
tados e municípios. O grande empresas, inclusive no Brasil, já Pereira, 2009).
número de escolas desse tipo trabalhavam nessa perspectiva.
foi induzido pela legitimidade O processo de modificação
da Escola Nacional de Ad- Acerca da legitimidade, das instituições públicas, com
ministração Pública (Enap), DiMaggio e Powell (1983) ex- o advento da NGP, também

Gestão de Pessoas Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM > 7


pela legitimidade de ações por
parte do Governo quanto à
melhoria da eficiência do Es-
tado e ao alcance de resultados
positivos no atendimento às
expectativas do cidadão.

Denhardt (2012), por sua


vez, elucida o fato de que es-
sas mudanças podem não ser
desejáveis, pois existe uma
cultura nas organizações pú-
blicas de que a associação de
valores empresariais não deve
ser perseguida a todo custo.
Sendo fator crítico importante
de se considerar no momento
Como mecanismo de valorização do servidor, o Programa de Qualidade de Vida no Trabalho foi incorporado em que se integram processos
às funções da Escola, fazendo parte do componente estratégico de desenvolvimento humano e organizacional para transformações numa or-
ganização pública.
é tratado por Sano e Abrucio 3) organizações com menores
(2008). Os autores explicam níveis hierárquicos; 4) pressu- De qualquer sorte, fica evi-
que as ideias e as reformas da posto da confiança limitada em dente a importância da legi-
Nova Gestão Pública alimenta- detrimento da desconfiança to- timidade das ações por parte
ram os processos de mutação tal; 5) controle dos resultados; e do governo, como forma de
em diversos países. 6) administração voltada para o responder as demandas da
atendimento do cidadão. sociedade. De acordo com os
Abrucio (1997) explica que a institucionalistas, as organi-
modificação do foco fez emer- Do mesmo modo, a NGP não zações estão inseridas em um
gir, no escopo das organizações surge apenas por problemas a contexto constituído de regras,
públicas, a gestão orientada para serem enfrentados, mas advém crenças, mitos, valores e de ele-
a qualidade dos serviços por in- da necessidade de maior legiti- mentos sociais e culturais cria-
termédio da Administração da midade da burocracia frente às dos e institucionalizados por
Qualidade Total (Total Quality demandas da sociedade (BRES- meio da interação social. E os
Management – TQM), sendo SER-PEREIRA, 2005; SLOMSKI gestores públicos devem saber
estas incorporadas a partir dos ET AL, 2008). direcionar os seus esforços para
resultados obtidos nas experiên- implementar variações que
cias das organizações privadas. No Brasil, as ideias da NGP ocasionem impactos positivos
aportaram ainda no primei- na sociedade.
De acordo com Bresser-Pe- ro ano do governo Fernando
reira (2005), a NGP considera: Henrique Cardoso (FHC), por Discussão do caso: os desafios
1) a descentralização política, meio do Ministério da Admi- da gestão de pessoas na gestão
transferindo-se recursos e com- nistração e Reforma do Estado pública para legitimar as ações
petências para os governos re- (Mare), propostas no Plano de desenvolvimento humano e
gionais e locais; 2) descentrali- Diretor da Reforma do Estado organizacional
zação administrativa, por meio (SANO; ABRUCIO, 2008). A es-
da delegação de autoridades tratégia adotada naquela admi- Na perspectiva da gestão de
aos administradores públicos; nistração se balizava na busca pessoas nas organizações priva-

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Gestão de Pessoas

das, os desafios para os gestores um governo são claramente de suas ações possam condi-
estão pautados primeiramente comparadas pela comunidade, cionar o alcance dos alvos da
nos processos de recrutamen- que institui parâmetros que organização. Nesse caso, faz-se
to e seleção de pessoal. Peter estabelecem a efetividade ou necessário que as estratégias
Drucker, um dos principais não de um governo. do governo estejam claramente
autores do management, advoga definidas, internalizadas pelos
que esse é o principal negócio Para fins desta pesquisa, três servidores e aderentes ao pro-
de todas as organizações. E é premissas são essenciais para o grama de desenvolvimento.
tarefa do gestor de pessoal o de- alcance dos objetivos organi-
senvolvimento do indivíduo e a zacionais. Elas se constituem As questões norteadoras da
capacidade de reter os talentos tarefas do gestor de pessoas nas pesquisa passam pelos desafios
produzidos no âmbito organi- organizações públicas: iniciais aqui tratados, de modo
zacional, de forma que este não que seja possível descrever
possa futuramente incorporar 1) Capacidade gerencial de ar- com mais precisão as ações do
suas atividades profissionais ticular as ações dos indivíduos governo nos últimos quatro
em empresas concorrentes ou às demandas sociais, a fim de anos. Ressalte-se que as pre-
competidoras. que os interesses sociais da po- missas 1 e 2 demandam, por
pulação se sobressaiam aos po- parte do gestor do executivo,
Por muito tempo os ges- líticos, sejam estes individuais uma descentralização admi-
tores de pessoas nas organi- ou de pequenos grupos. Nesse nistrativa para os gestores da
zações públicas despenderam ponto, a institucionalização das Política de Pessoal das formas
tempo apenas no acompanha- políticas de governo como me- de coordenação dos esforços
mento funcional dos servido- canismo de qualidade de vida coletivos, para que se possa
res públicos, o que congrega para a sociedade é básica, sendo direcioná-los aos propósitos
um modelo burocrático de a habilidade para a promoção de da organização e da sociedade.
gestão de pessoas fundamen- articulação necessária aos ges-
tado nos princípios do direito tores de pessoal. Assim, pode-se Como forma de caracterizar
administrativo. inferir que desconsiderar o fator a prefeitura, foco de análise do
político no engajamento dos presente estudo, aqui estão al-
A transformação de para- indivíduos às ações de governo guns dados secundários levan-
digma impulsionada pela so- se configura grave equívoco; tados na pesquisa. O número
ciedade, na qual se exige maior de funcionários é de aproxi-
efetividade das políticas públi- 2) Capacidade de desenvolver madamente 25.000, entre servi-
cas de um governo, determina nos gestores de secretarias e dores comissionados, efetivos,
aos gestores uma perspectiva de ministérios o senso de uni- pensionistas e aposentados.
estratégica na gestão de pesso- dade. É comum que cada gestor A administração pública está
as, de modo que estas passem passe a trabalhar em função localizada na Região Nordeste
a ser tratadas como recursos dos resultados de suas pastas do Brasil, sendo formada por 26
valiosos para se alcançar metas e não considere uma visão órgãos administrativos. Foram
organizacionais. estratégica sistêmica. Não con- analisadas as ações da Política
siderar esse ponto potencializa de Pessoal, de competência da
É preciso, para tanto, encarar as chances de não se conseguir Secretaria de Administração.
a organização pública como a premissa anterior, pois o as-
sendo parte de um universo de pecto político se sobressai às Antes de tratar especifi-
outras organizações que são questões gerenciais; camente das discussões de
vistas, e por vezes avaliadas pela desenvolvimento humano e or-
sociedade, enquanto governo. A 3) Desenvolver o corpo de ser- ganizacional, faz-se necessário
legitimidade das políticas de vidores para que os resultados explicitar que o ativo principal

Gestão de Pessoas Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM > 9


de uma organização, ou seja, o senvolvimento humano, além so. A prefeitura se mostrava
conhecimento organizacional de apontar oportunidades para dependente de tais recursos e
vem sendo discutido no âm- implementar um Programa de o governo necessitava do mon-
bito acadêmico como um dos Qualidade de Vida no trabalho. tante orçado para a execução de
fatores essenciais ao sucesso de seus projetos e obras.
uma organização. De acordo com os gestores,
a política de pessoal assentava- Depois de meses de estudos,
Tanto o conhe cimento -se no paradigma burocrático. foi apresentado aos sindicatos
tácito, encontrado no pró- Sua ênfase recaía nos proce- dos servidores públicos mu-
prio indivíduo através da dimentos administrativos de nicipais um Plano de Cargos.
apropriação mediante expe- análise processual, tais como Apesar de não ser o esperado
riências e pesquisas, quanto concessão de vantagens e de por todos, foi debatido e con-
o explícito, que se encontra benefícios, aposentadorias e siderado satisfatório pelas
nos documentos, nas leis e férias, entre outros. Não exis- representações dos servidores.
nos regimentos internos, são tia um Plano de Cargos e Car- O processo das discussões foi
basilares para se alcançar os reiras (PCC), apesar de já terem facilitado pela situação em que
objetivos organizacionais. sido feitos vários estudos de os servidores estavam em ter-
atualização de uma matriz mos de perspectivas salariais.
Nos primeiros dias de gover- salarial que existia somente
no, os gestores identificaram a como projeto de lei. A ausência De qualquer forma, a análise
necessidade de se concretizar do PCC incorria em salários do plano com os sindicatos foi
uma série de estratégicas a iguais em todos os níveis primordial para a legitimação
fim de nortear as ações para a funcionais, demandando dos das ações do governo voltada
promoção do desenvolvimento gestores a prática equivocada para o pessoal e garantiu certa
humano e organizacional, pois de concessão de gratificações tranquilidade de aprovação
em termos de gestão do conhe- como forma de melhorar a junto à Câmara dos Vereadores.
cimento muito pouco havia remuneração dos indivíduos e,
sido realizado até então. Existia consequentemente, de buscar O estímulo para buscar o
pouco informação em regimen- maior empenho de todos. esforço do servidor às cau-
tos internos, e o conhecimento sas sociais foi estabelecido
tácito de alguns setores havia A decisão de implantar o após a publicação da lei e da
se perdido com a exoneração de Plano de Cargos e Carreiras implementação do plano. Os
alguns cargos comissionados ganhou força depois que uma gestores da Política de Pesso-
da gestão anterior. coleta de dados diagnosticou al passaram a investir tempo
o não comprometimento dos na criação de uma política de
De qualquer forma, as ba- servidores com as agendas desenvolvimento humano que
ses para a Política de Gestão de governo. Para os gestores, promovesse, de fato, padrões
de Pessoas também definidas foi preciso mostrar que havia de desempenho compatíveis ao
à época de transição, como a empenho com as causas dos esperado pela sociedade.
criação da Escola de Gestão funcionários para que eles pas-
Pública e uma reforma admi- sassem a produzir melhor. Cabe destacar que até essa
nistrativa, foram implantadas fase muitos cursos haviam
nos primeiros dias de governo. A queda dos repasses do sido ofertados pela Escola de
Como ações estruturantes, foi Fundo de Participação dos Governo, mas os servidores
realizado censo para identificar Municípios (FPM), no final resistiam em participar, pois
as competências dos servidores do ano de 2009, diminuiu as não tinham certeza de que be-
públicos municipais, as áreas de esperanças de se instituir um nefícios financeiros teriam. Na
atuação na capacitação e no de- Plano de Cargos mais audacio- opinião do entrevistado 1, para

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Gestão de Pessoas

um curso ter sucesso era pre-


ciso divulgar outros aspectos
oferecidos: “Um dia foi preciso
dizer que o lanche do curso era
bom para que o servidor fizesse
a sua inscrição”.

Outro desafio que a equipe


de gestores encontrou nas
políticas de desenvolvimento
humano e organizacional foi o
compromisso dos chefes ime-
diatos para liberar o servidor
nos horários dos cursos. Tal
prática esvaziava a participa-
ção. Com inscrições previamen-
te feitas, o não comparecimen-
to colocava em cheque a políti- O alcance dos objetivos das instituições públicas depende diretamente do bom uso dos recursos próprios
ca de capacitação e os próprios
resultados do governo junto à Quanto às questões trata- tavam massagens, aferição de
sociedade, além de caracterizar das na política de remunera- pressão e palestras educativas
dispêndio de recursos públicos. ção, segundo o entrevistado de alimentação e postura no
3, numa reunião entre os trabalho.
Como forma de minimizar gestores foi discutido que o
tal gasto, passou-se a traba- incremento no salário não Naquele momento houve a
lhar com uma estratégia: em seria suficiente para garantir articulação dos gestores para
cada curso havia um servidor o comprometimento do ser- garantir acesso a recursos
multiplicador, cujo papel seria vidor a longo prazo. Outros complementares, bem como a
o de transmitir o conheci- projetos com a finalidade ação voltada ao direcionamen-
mento aos demais servidores de desenvolver e melhorar to das duas secretarias. Depois
com atuação semelhante nos a qualidade de vida, assim de legitimadas internamente,
órgãos municipais. como a integração das ações num programa de visitas a
do governo por intermédio todos os órgãos da administra-
Para melhorar o proces- das secretarias, precisavam ção municipal, foram agrupa-
so, foram realizados cursos ser desenvolvidos. das às ações da prefeitura nos
de aprimoramentos de téc- bairros mais distantes.
nicas de comunicação para Como mecanismo de va-
os multiplicadores. Outros lorização do servidor, o Pro- Com programa de capacita-
servidores se apresentaram grama de Qualidade de Vida ção e desenvolvimento dos ser-
posteriormente, dispostos a no Trabalho foi incorporado vidores, elaborado com base em
fazer o papel de multiplica- às funções da Escola, fazendo pesquisas desenvolvidas junto
dores em cursos futuros. A parte do componente estra- aos servidores por um institu-
Escola de Governo começou a tégico de desenvolvimento to contratado, outros cursos
dar os primeiros passos para humano e organizacional. foram inseridos, considerando
sua legitimação, uma vez que Entre as ações, desenvolvi- quatro eixos diferentes de de-
a procura por parte dos pró- das por um corpo técnico de senvolvimento. Os resultados
prios servidores representava a servidores das secretarias de esperados não foram atingidos,
adesão às políticas de pessoal. Administração e de Saúde, es- uma vez que as dificuldades

Gestão de Pessoas Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM > 11


para efetivar a participação dos cidas quantidades mínimas de Considerações finais
servidores persistiam. horas em cursos para o servidor
pleitear promoções. Pelos dados apresentados
No entanto, ainda que esse neste estudo, é possível afirmar
fato apresente-se de forma ne- As ações de desenvolvimen- que houve, por parte dos gesto-
gativa, é importante destacar to humano e organizacional res da área de Gestão de Pessoas,
que um Plano de Desenvol- da prefeitura apresentara aos predisposição para desenvolver
vimento constituído formal- gestores uma série de desafios no município os princípios
mente potencializa a gestão do para a estruturação de uma norteadores da NGP, sobretudo
conhecimento organizacional, política baseada em um padrão na busca de padrão de desem-
pelos registros e pelas orienta- superior de desempenho. A ne- penho capaz de proporcionar ao
ções que o mesmo traz para as cessidade de readequar as ações governo a legitimidade de suas
ações futuras. e, por vezes, desenvolver novas políticas perante a sociedade.
estruturas impactou significa-
De acordo com o gestor 4, a tivamente nos resultados da Ainda que pesem as premis-
comunicação para oferta dos política de pessoal, pois o tempo sas elencadas neste artigo, é ne-
cursos estava sendo realizada dos gestores para legitimar as cessário que os gestores tenham
por meio de diferentes tipos de ações diminuiu à medida que muito claro que a estrutura de
mídias, mas os problemas de surgiam novos desafios. uma organização impacta for-
comunicação persistiam. Com temente na execução de suas
o objetivo de se realizar uma Do ponto de vista da articu- políticas e consequentemente
comunicação mais estreita com lação entre os órgãos – Café de na obtenção de seus resultados.
a equipe de gestores de pessoal Gestão, reuniões setoriais para
de todos os órgãos, foi realizado enfrentamento das discussões Neste estudo, particular-
um encontro a fim de estreitar de pessoal, Programa de Qua- mente, fica caracterizado que
os laços e estabelecer novas lidade de Vida no Trabalho, embora houvesse vontade dos
formas de dinamizar o processo bem como os cursos voltados gestores em promover um pa-
de inscrição, estimulando o de- aos gestores –, as ações foram drão de desempenho elevado
senvolvimento dos servidores. trabalhadas com a meta de es- dos servidores públicos muni-
treitar relações e produzir um cipais, questões estruturantes
Impacientes com os resul- pensamento sistêmico. precisaram ser adequadas para
tados, e antenados aos desafios produzir o resultado esperado.
de legitimação da política de Mesmo que muitos gesto-
desenvolvimento, os gestores res tenham a perseguir ações Neste caso, se faz necessária
mais uma vez passaram a elabo- isoladas como forma de pro- a produção de novo estudo ao
rar mecanismos estruturadores duzir resultados positivos de final do próximo governo, que
para a gestão de pessoas. Se- sua gestão em particular, é considere as variáveis de pes-
gundo o entrevistado 3, a ideia possível inferir que o trabalho quisas aqui tratadas a fim de se
era estabelecer novos critérios foi significativo. O Programa avaliar até que ponto as ações
para que os servidores se esti- de Qualidade de Vida no Tra- estruturantes condicionaram
mulassem a buscar por conta balho, por exemplo, permitiu novos padrões de desempenho.
própria o seu desenvolvimento. à Secretaria de Administração
desenvolver ações voltadas Algumas ações da política
Foi instituída a Comissão para além dos “muros do go- de valorização do servidor estão
de Avaliação de Desempenho verno”, constituindo as bases fundamentadas nos princípios
e uma lei definiu as bases para para a prestação de serviços à da NGP. Programas de Quali-
a mudança do nível na matriz comunidade juntamente com dade de Vida no Trabalho têm
remuneratória. Foram estabele- a Secretaria de Saúde. sido introduzidos nas estruturas

12 > Ano 58 — N ° 281 — Julho/Agosto/Setembro 2012


Gestão de Pessoas

governamentais, como forma de na gestão de pessoas, na qual que se possa verificar a exis-
reduzir doenças ocupacionais. se observa um enfoque mais tência de algumas ações, estas
Estas ações, por sua vez, tiveram voltado para as questões estra- aparecem de forma tímida em
forte impacto nos resultados das tégicas. É preciso que as práti- relação ao que se produziu na
organizações privadas na década cas desenvolvidas pelo governo perspectiva do desenvolvimen-
de 90, o que sugere a ação do sejam aprimoradas de forma a to humano. Cabe ressaltar que
isomorfismo mimético. se garantir um desenvolvimen- ambas pressupõem descentra-
to organizacional sustentado. lização por parte do executivo
Dentro dos princípios da para os gestores de pessoal,
NGP, foi possível identificar Por fim, quanto às premis- fato que foi identificado na
uma mudança de paradigma sas 1 e 2 deste estudo, ainda pesquisa.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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SLOMISKI, V.ET AL. Governança corporativa e governança na gestão pública. São Paulo: Atlas, 2008.

RESUMEN
Desafíos de la legitimación política de administración de personal en la administración pública: Estudio de caso de
un municipio del nordeste de Brasil
Este artículo trata de la descripción de los desafíos de una prefectura en la legitimación de las acciones de la política de gestión de
personas. Por lo tanto hemos tratado de comprender los fenómenos desde la perspectiva de la Nueva Gestión Pública y neo institu-
cionalismo. En cuanto a los resultados, se puede inferir que a pesar de los obstáculos en el proceso de ruptura y la necesidad de crear
mecanismos que la estructura, la política de personal establecido nuevos parámetros para un modelo de rendimiento superior.
Palabras-clave: Nueva Gestión Pública. Legitimidad. Desarrollo Humano.

ABSTRACT
Challenges of political legitimation of personnel management in public management: case study of a municipality
of the Brazilian northeast
This article deals with the description of the challenges of a prefecture in legitimizing the actions of the management policy of people.
Therefore we sought to understand phenomena from the perspective of New Public Management and Neo-Institutionalism. As for the
results, we can infer that despite the obstacles in the process of rupture and the need to create mechanisms which structure, person-
nel policy established new parameters for a pattern of superior performance.
Key words: New Public Management. Legitimacy. Human Development.

Gestão de Pessoas Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM > 13


Avaliação de desempenho

Avaliação de desempenho como ferramenta


de melhora do serviço público
Valmor Pedro Bacca — Secretário de Administração e Finanças do Município de Peritiba-SC e Pós-graduando em Administração Pública
da Universidade do Oeste de Santa Catarina – UNOESC – Campus de Joaçaba – valmorbacca@hotmail.com

RESUMO
O presente trabalho dispõe sobre avaliação de desempenho do servidor público, como ferramenta de gestão de
pessoas e um processo que inclua atividades de planejamento, acompanhamento e avaliação e que procura integrar
os diferentes níveis organizacionais e promover a melhoria da performance de indivíduos, de equipes de trabalho e
da organização como um todo. Nesse processo destacamos o planejamento estratégico que identifica as metas a
serem alcançadas a partir da missão, da visão e da análise do ambiente externo e interno.

Palavras-chave: Avaliação de Desempenho. Servidor Público. Gestão de Pessoas.

Introdução como um dos mecanismos para dução de bens ou de serviços.


transformações no âmbito A missão pública terá sempre
A administração pública funcional das organizações por obrigação servir indiferen-
passa por um momento de públicas, podendo ser usada no cialmente o cidadão e não a
redefinição de estruturas. A sentido de averiguar deficiên- simples geração de lucro. Estas
estrutura burocrática não en- cias e proporcionar políticas de funções e obrigações do traba-
contra lugar quando se refere desenvolvimento profissional. lhador público fazem com que
a organizações cada vez mais a sua avaliação individualizada
enxutas, das quais é exigida O presente trabalho visa seja particularmente difícil.
mais qualidade na prestação analisar os aspectos relacio-
de serviços. Neste contexto, a nados à gestão de recursos Outro aspecto a ressaltar é
área de Recursos Humanos tem humanos nas organizações que a Administração Pública
papel fundamental, na medida públicas, no que se refere es- em todos os níveis e esferas en-
em que se vê responsável por pecificamente à questão da frenta um importante processo
reelaborar sua política de ação avaliação de desempenho, con- de mudança organizacional,
com referência aos funcioná- siderando os seus objetivos em prol de um aumento da
rios, incumbidos de assumir e a importância na realidade eficiência, da eficácia e da
postura diferente frente à nova dessas organizações. economicidade. A existência
administração pública. de um sistema de informação
Após a presente pesquisa, estratégica torna-se essen-
Será difícil implantar um pode-se concluir que a sub- cial para apoiar o processo
programa de recursos humanos jetividade inerente a todo e de tomada de decisões, au-
em qualquer organização sem qualquer processo de avaliação mentar a transparência das
informações adequadas sobre é mais visível na administração atividades desenvolvidas pe-
o comportamento das pessoas pública, já que dificilmente se rante os cidadãos e aumentar
que nela trabalham. A avalia- poderão calcular salários, pro- a racionalização na gestão dos
ção de desempenho pode ser o moções ou outras vantagens recursos. A preocupação com a
meio de se obter essas informa- em função, por exemplo, dos satisfação da comunidade face
ções. Assim, a avaliação serve volumes de venda ou da pro- aos serviços prestados consti-

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tuía principal perspectiva de Por isso mesmo, é poderoso crítico emancipatório por meio
desempenho em organizações instrumento de ações políticas de métodos dialógicos e partici-
públicas, sendo básico desen- e consequências éticas. pativos (LOTTA, 2002, p.4)
volver medidas de desempenho
a este nível. Assim, a introdu- Avaliação é uma dessas pa- O que é avaliação
ção de sistemas de avaliação lavras muito utilizadas, que de desempenho
de desempenho no setor pú- faz parte da vida de todos nós,
blico exige, cada vez mais, uma e uma dessas atividades que A avaliação de desempenho
análise multidimensional do nos afetam sempre e de forma é uma ferramenta de gestão
desempenho, uma adaptação muitas vezes radical. Como de pessoas, que corresponde
ao contexto político em que afirma Sobrinho (SOBRINHO a uma análise sistemática do
estas instituições operam, uma E RISTOFF, 2002, p.104), “nada desempenho do profissional
mudança na cultura instalada permanece igual e indiferente em função das atividades que
face à avaliação de desempenho após uma avaliação”. realiza, das metas estabeleci-
e a consideração do cidadão e das, dos resultados alcançados
da excelência no atendimento A avaliação é um processo e o seu potencial de desen-
de suas necessidades como um essencialmente complexo e se volvimento. Para Chiavenato
principal fim a atingir. torna incompreensível ou até (apud PEIXER, 2008, p.4), a
mesmo deturpado se visto sob avaliação de desempenho é
Avaliação de desempenho uma ótica simplificadora. Esta uma sistemática de apreciação
complexidade a cada dia se do desempenho do indivíduo
Em ambiente extremamen- intensifica e se torna cada vez no cargo e de seu potencial de
te competitivo, marcado pela mais abrangente. Por exemplo, desenvolvimento. É um meio
globalização e por fatores di- até bem pouco tempo, no mun- pelo qual podem ser localiza-
nâmicos, a área de gestão de do da economia e da política, a dos problemas de supervisão
pessoas surge como setor estra- riqueza e o poder se traduziam de pessoal, de integração do
tégico para o desenvolvimento em bens materiais e tangíveis empregado à empresa ou o
das organizações. Levando-se – o capital era o recurso econô- cargo que presentemente ocu-
em consideração o ambiente mica mais significativo; hoje, o pa, de não aproveitamento
público, observa-se que na área conhecimento é, seguramente, de empregado com potencial
de Gestão de Pessoas é primor- o recurso econômico funda- mais elevado que o exigido
dial adequar a realidade pública mental, representado pelo pelo cargo, de motivação. Pode
aos novos paradigmas admi- conjunto de competências e de colaborar na determinação e
nistrativos que primam pela habilidades privilegiadas pelo no desenvolvimento de uma
eficiência, por baixos custos, mercado. Não existe avaliação política adequada às necessi-
por rapidez e por bons serviços unireferencial; ela é sempre dades da empresa.
(LOTTA, 2002, p.3). plural e associada a valores éti-
cos e políticos, nunca aleatória Na visão de Pontes (apud
A avaliação é um termo de e descomprometida. Deverá PEIXER, 2008, p.4), “a Ava-
múltiplos significados e, como obedecer a uma racionalidade liação ou Administração de
instrumento de ação, que aten- técnica, que assegure informa- Desempenho é um método
de a diferentes propósitos, não ções objetivas e confiáveis e que que visa, continuamente,
é apenas um instrumento ou atendam aos requisitos de equi- estabelecer um contato com
mecanismo técnico. A avalia- dade e justiça, contribuindo os f uncionários referente
ção produz sentidos, consagra para a redução das desigual- a o s re s u l t a d o s d e s e j a d o s
ou inibe interesses, valores e dades e da exclusão social, e pela organização, acompa-
comportamentos, provoca mu- progressivamente permita nhar os desafios propostos,
danças, transforma realidades. atingir níveis de consciência corrigindo os rumos quando

Avaliação de desempenho Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM > 15


necessário, e avaliar os resul- da avaliação de desempenho necessárias, mas não sufi-
tados conseguidos”. (PONTES, 1996). Ainda se- cientes, para um desempenho
gundo (PONTES, 1996), deve eficaz. O querer fazer consiste
Avaliar o desempenho, por- analisar o comportamento do em outra condição necessária
tanto, nada mais é do que empregado – e não da pessoa para que alguém apresente um
fornecer o feedback construti- – e como ele desempenha o desempenho eficaz, de acordo
vo, tanto no dia a dia quanto cargo que ocupa. com expectativas, normas e
nas reuniões formais para esse padrões bem especificados.
fim, além de estabelecer os re- Na visão de Lucena (1992), o
sultados a serem perseguidos desempenho refere-se à atua- Para Oliveira-Castro (1999),
pelos indivíduos e acompanhar ção do empregado em relação a avaliação de desempenho é
o processo de trabalho. Sem ao cargo que ocupa na orga- definida como um conjunto
essa característica do relacio- nização, tendo em vista as de normas e de procedimentos
namento não existe Programa responsabilidades, as ativida- utilizados pelas organizações
de Avaliação de Desempenho, des, as tarefas e os desafios que para aferir o nível de produ-
qualquer que seja a metodolo- foram atribuídos para produzir tividade de seus empregados.
gia adotada. os resultados que dele se espera. Segundo a mesma autora,
De acordo com Oliveira-Castro os processos de avaliação de
A avaliação de desempenho (1999), o conceito de desempe- desempenho geralmente com-
não é um ajuste de contas ou a nho compreende o conjunto de preendem várias etapas, entre
criação de uma lista negra de habilidades, conhecimentos, as quais o estabelecimento de
defeitos, mas um levantamento atitudes, capacidades, inteli- critérios de avaliação e padrões
de informações que beneficia- gência e experiências pessoais de desempenho; negociação
rão todos dentro da empresa. do indivíduo, entre outras dis- de objetivos e expectativas de
posições pessoais componentes desempenho; observação de
A avaliação de desempenho do saber fazer. amostras representativas de
é, antes de tudo, um processo desempenho do empregado
de comunicação. O processo Saber fazer e ter suporte em período preestabelecido;
de comunicação é a essência organizacional são condições registro de incidentes críticos;
comunicação de resultados de
avaliação; provimento de fee-
dback ao avaliado; formulação
de planos de ação para melho-
rar o desempenho e remover
obstáculos e dificuldades ao
desempenho.

Avaliação ou gestão
de desempenho?

No início do século passado,


a avaliação de desempenho
tinha como foco exclusivo
o indivíduo e a forma como
realizava seu trabalho. O seu
conceito evoluiu e passou
a referir-se, de forma mais
A existência de um sistema de informação estratégica torna-se essencial para apoiar
o processo de tomada de decisões ampla, ao ato de executar as

16 > Ano 58 — N ° 281 — Julho/Agosto/Setembro 2012


Avaliação de Desempenho

atividades próprias a determi- por sua vez, identifica as metas nóstico de suas competências
nada função para obtenção de a serem alcançadas a partir da essenciais e define os indica-
resultados previamente esta- missão, da visão e da análise do dores de desempenho no nível
belecidos. Mais recentemente, ambiente externo e interno da corporativo. O diagnóstico
as técnicas de avaliação de empresa. Sendo assim, convém permitirá identificar as la-
desempenho foram aperfeiço- que as atividades de avaliação cunas entre as competências
adas e passaram a considerar a estejam alinhadas às metas necessárias à consecução dos
interferência de vários fatores, definidas anteriormente. Se objetivos organizacionais e as
como, por exemplo, aqueles não houver metas definidas, competências internamente
relacionados ao contexto em o que será avaliado? O acom- disponíveis. Assim, é gerado
que a organização se encontra panhamento das ações faz-se outro diagnóstico das com-
inserida (ENAP, 2005, p.39). necessário, uma vez que podem petências profissionais, que
ocorrer mudanças capazes de fornecerá subsídios para as
Nos últimos anos, a gestão de modificar as metas estabeleci- decisões de investimento em
desempenho vem substituindo das. Pelo acompanhamento do desenvolvimento ou em ação
a avaliação de desempenho desempenho, também é possí- (ENAP, 2005, p.40).
por meio de processo amplo, vel medir as competências, o
que inclui atividades de pla- que pode auxiliar na busca de Por fim, há uma etapa de
nejamento, acompanhamento ações de desenvolvimento e de acompanhamento e avaliação,
e avaliação (BRANDÃO, 1999). capacitação (ENAP, 2005, p. 40). que funciona como mecanismo
Embora haja esforço de am- de retroalimentação ou feedba-
pliar o foco das metodologias, O desempenho humano ck, à medida que os resultados
de modo a contemplar as di- ou organizacional represen- são comparados com as metas
mensões mais abrangentes de ta, em última instância, uma previamente estabelecidas
atuação das equipes e da ges- expressão da competência de (ENAP, 2005, p.41).
tão global da organização, do indivíduos, de grupos ou de
ponto de vista prático a ênfase organizações. Assim sendo, é Normas e leis sobre a
dessas atividades tem incidido, preciso que o processo de ges- avaliação de desempenho
fundamentalmente, sobre o tão de competências considere
nível individual. Apesar disso, o caráter de complementarie- A adequada compreensão
algumas instituições públicas dade entre a competência e o das relevantes questões envol-
já têm adotado o sistema de desempenho. Por isso, é impe- vidas na condução de atividades
gestão de desempenho em vez rativo integrar as atividades de avaliação de desempenho
da mera avaliação de desempe- de planejamento, de acom- em organizações públicas exige
nho. De acordo com Brandão e panhamento e de avaliação a análise de algumas normas
Guimarães (1999), a gestão de de desempenho, a partir de relacionadas a essa matéria.
desempenho é um instrumento diagnóstico das competências
gerencial capaz de integrar di- essenciais à organização, do Quanto aos aspectos legais,
ferentes níveis organizacionais nível corporativo ao individual. na área pública, a avaliação de
(do corporativo ao individual) desempenho em geral é exigi-
e promover a melhora da per- No modelo de gestão de da por lei, a fim do registro do
formance de indivíduos, de competências, a gestão tem desempenho dos servidores,
equipes de trabalho e da orga- o seu momento inicial com como no caso do Brasil, onde
nização como um todo (ENAP, a formulação da estratégia serve para cômputo de pontos
2005, p.39-40). da empresa, na qual são defi- para promoção salarial.
nidos a visão de futuro e os
Conforme Brandão e Gui- macro-objetivos. Em seguida, O artigo 4º do Decreto nº
marães (1999), o planejamento, a organização realiza um diag- 84.669, de 29 de abril de 1980,

Avaliação de desempenho Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM > 17


“ Motivação é um quadro complexo. Entretanto, para
a grande maioria das pessoas, é possível obter melhor


desempenho quando se sentem bem no que fazem

estabelece que a progressão sintam-se “perdidos e desespe- órgão definirá as unidades de


horizontal por merecimen- rados” quando da necessidade avaliação a serem consideradas;
to decorrerá da avaliação de e da exigência da implantação o peso relativo de cada unidade
desempenho expressa em con- de tais procedimentos. de avaliação no cumprimento
ceitos que determinarão o das metas institucionais; e
interstício a ser cumprido pelo Pelo Decreto nº 4.247, de 22 os indicadores e as metas de
servidor. A norma fixa que o de maio de 2002, foi criada a desempenho institucionais.
servidor será avaliado pela Gratificação de Desempenho No caso da avaliação do de-
chefia imediata, observados de Atividades Técnico-Ad- sempenho individual, serão
determinados fatores que, ministrativa (Gdata), com o estabelecidos os fatores a serem
pontuados, lhe dariam uma objetivo de “melhorar a quali- aferidos; os indicadores de de-
classificação que possibilitaria dade dos serviços mediante o sempenho; o peso relativo de
o seu eventual enquadramento reconhecimento profissional cada fator; a metodologia a ser
no número de vagas desti- e a Avaliação de Desempenho utilizada; e os mecanismos para
nadas para essa modalidade Institucional”. encaminhamento de recursos
de progressão. Esses fatores por parte do servidor avaliado
são: 1) qualidade e quantida- Com essa gratificação, os (ENAP, 2005, p.42).
de de trabalho; 2) iniciativa e servidores passaram a ter uma
cooperação; 3) assiduidade e parcela de sua remuneração A avaliação de desempenho
urbanidade; 4) pontualidade vinculada, do ponto de vista e resultados
e disciplina; 5) antiguidade formal, ao desempenho ou à
(ENAP 2005, p.41 e 42). produtividade (ENAP, 2005, A avaliação de desempe-
p.41 e 42). nho pode, essencialmente, ser
A avaliação de desempenho procedida a partir destas duas
no setor público é assunto Sob a ótica dessa nova legisla- dimensões gerais de análise:
novo, trazido pela Emenda ção, a avaliação de desempenho a eficiência e a eficácia. Não
Constitucional nº 19, de 04 de individual visa aferir a perfor- obstante sua larga margem de
junho de 1998, a qual altera o mance do servidor no exercício utilização, é importante assi-
artigo 41 da Constituição da das atribuições do cargo ou da nalar que se trata de conceitos
República Federativa do Bra- função, com foco na contribui- distintos, especialmente no que
sil, que versa sobre o tema. ção individual para o alcance se refere ao seu foco (BERGUE,
Não há praticamente fonte de dos objetivos organizacionais. 2007, p.169).
pesquisa voltada diretamente
à área pública, o que faz com Para a avaliação do desem- Segundo o mesmo autor, é
que os profissionais desta área penho Institucional, cada importante destacar também

18 > Ano 58 — N ° 281 — Julho/Agosto/Setembro 2012


Avaliação de Desempenho

que a avaliação de desempe- pessoas como principal recurso esperados (eficácia). Conforme
nho na gestão de pessoas pode para a geração de valor público, Sandroni (2001, p.198), no plano
enfocar: a) as pessoas no exer- pode ser processada segundo ideal espera-se “que o resultado
cício de suas atividades; e b)os diferentes níveis de qualidade de uma tarefa seja eficaz (ade-
processos inerentes à área de e quantidade, cuja variação quado a um objetivo) e que a
gestão de pessoas. depende das políticas e das deci- tarefa seja realizada com efici-
sões de alocação desses recursos. ência” (BERGUE, p.171).
Em que pese a relevância do Dessa forma, podem-se associar
monitoramento do desempenho os conceitos de eficiência aos de Um processo é eficaz quan-
individual, deve-se considerar produtividade e economicidade do alcança os objetivos a que se
que este se circunscreve ao (BERGUE, p.170). propõe, a despeito do eficiente em-
contexto de conferência do de- prego dos recursos de produção.
sempenho dos processos. Isso Enquanto a noção de eficiên-
porque as pessoas inserem-se cia identifica-se com o melhor Ainda segundo Bergue (2007,
nas atividades que compõem uso dos recursos da organização, p.172-174), um indicador de de-
os processos, o que significa o conceito de eficácia sugere uma sempenho de processo deve, na
dizer que o acompanhamento análise a partir de uma perspec- medida do possível, incorporar
do desempenho individual não tiva de sua atuação externa, ou os seguintes atributos: relevân-
faz sentido se desvinculado do seja, o nível de aceitação do seu cia, simplicidade, perenidade,
desempenho do processo e de produto. O conceito de eficácia consistência e objetividade.
seu resultado final. está associado a fazer aquilo que
precisa ser feito com vistas a al- a) Relevância: um indicador
Assim sendo, os indicado- cançar um determinado objetivo de desempenho deve fornecer
res de desempenho auxiliam (BERGUE, p.171). informação relevante, que gere
na tarefa de identificar a atu- dados capazes de conduzir à
ação de um processo. A partir Ainda que os níveis de pro- produção de informações efe-
da utilização de indicadores, dução de bens e de serviços tivamente necessárias;
é possível também acompa- públicos sejam otimizados
nhar seu comportamento (eficiência), resulta saber se b) Simplicidade: deve ser conce-
ao longo das atividades que estão atingindo os resultados bido a partir de uma estrutura
o integram. Os indicadores
de desempenho servem para
informar o gestor acerca do
desempenho dos processos ou
das atividades que integram
os processos. Essa performan-
ce pode ser medida em termos
de eficiência ou eficácia (BER-
GUE, 2007, p.170).

A eficiência é um parâmetro
de avaliação da utilização dos
recursos. Ser eficiente, portanto,
é empregar em nível máximo
os recursos existentes em de-
terminado processo produtivo.
Nessa linha, a produção de bens
e serviços públicos, que tem as Para funcionar corretamente, todas as pessoas envolvidas devem acreditar na avaliação de desempenho

Avaliação de desempenho Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM > 19


de relações entre variáveis o aprendizagem organizacional. objetivo a permanência (efe-
mais simples possível, observa- A introdução de melhorias na tivação) ou não do servidor
dos os demais atributos. Uma prestação de bens e de serviços, no cargo em que está sendo
das condições fundamentais após cada processo de avaliação, avaliado. Para isso, é preciso
para sua implantação é a faci- é o principal papel de um sistema haver uma orientação quanto
lidade de apresentá-lo e fazê-lo de avaliação de desempenho. ao trabalho a ser executado,
ser compreendido; tanto pelas chefias quanto
To r n a - s e n e c e s s á r i o pelos próprios servidores a
c) Perenidade: deve apresentar distinguir a avaliação do de- respeito do que acontece du-
uma arquitetura constitutiva sempenho no setor público rante este período que, hoje,
que sofra transformações mí- relativamente ao setor pri- é de três anos (art. 41, da
nimas, preferencialmente vado, na medida em que, no Constituição Federal), sendo
inexistentes, por longos perío- primeiro, a distribuição de que o acompanhamento pe-
dos de tempo; bens e serviços não segue o las chefias para a elaboração
modelo de mercado. Por outro do relatório final é efetuado,
d) Consistência: deve con- lado, o lucro não constitui geralmente, de seis em seis
templar relações verdadeiras uma medida de desempenho meses (PEIXER, 2008, p.8).
entre suas variáveis compo- relevante. A análise do lucro
nentes, evitando-se incidir ou da rentabilidade nas de- Comumente os avaliado-
em uma estrutura que rela- monstrações financeiras de res são as chefias imediatas.
cione variáveis que integrem uma entidade governamental Acontece que, nos órgãos
dimensões dissociadas do não revela se esta atingiu ou públicos essas chefias não
fenômeno, cujo resultado não os objetivos definidos. Se possuem conhecimento sufi-
constitua objeto de análise; há dúvida sobre a importância ciente de sua área de trabalho,
das medidas não financeiras pois os cargos são ocupados,
e) É preciso atentar para no setor público, elas fazem na maioria dos casos, por polí-
a minimização de juízos de ainda mais sentido neste ticos sem critérios e objetivos
valor por ocasião de sua aná- setor, uma vez que os seus de competência de gestão,
lise e interpretação. Embora a objetivos são definidos, na atrapalhando o processo de
subjetividade não possa ser ple- sua maioria das vezes, em avaliação de desempenho
namente afastada na avaliação termos não financeiros, de (PEIXER, 2008, p.9).
de desempenho a partir de indi- acordo com a natureza e com-
cadores, é preciso evitar (sempre plexidade das suas atividades S e n d o me c an is mo q u e
que possível), já por ocasião da (GOMES, 2007, p.1.067). busca conhecer e medir o de-
composição de um indicador de sempenho dos indivíduos na
desempenho, a introdução de É grande a dificuldade de organização, a avaliação de
variáveis de natureza subjetiva. avaliar o desempenho das pes- desempenho estabelece uma
soas em seus cargos, mais ainda comparação entre o desempe-
Diferenças na avaliação de é realizar esse tipo de trabalho nho esperado e o apresentado.
desempenho dos setores no serviço público, visto que
público e privado sempre houve e sempre have- S e le varmos em consi-
rá grande influência política deração a participação da
S egundo G omes (2007, em tudo o que é realizado nos avaliação de desempenho
p.1066), o principal propósito da órgãos e os setores públicos frente à gestão de pessoas
avaliação de desempenho em (PEIXER, 2008, p.2). no ambiente organizacional,
qualquer organização é apoiar depara-se com a nova função
o processo de tomada de de- A avaliação de desempenho pela qual a área de Gestão
cisão e permitir o processo de no serviço público tem por de Pessoas é responsável: o

20 > Ano 58 — N ° 281 — Julho/Agosto/Setembro 2012


Avaliação de Desempenho

ANDREASSI 1994), “como meio


de se difundirem os objetivos
globais da organização entre
seus gerentes e funcionários,
responsáveis pela consecução
desses objetivos”.

Já a função de planejamento
de gestão de pessoas leva em
conta a capacidade da avaliação
em fornecer subsídios para o
planejamento estratégico da
área de gestão de pessoas. A
avaliação de desempenho serve
para permitir que a organização
estabeleça política de desenvol-
vimento de seus servidores nos
quesitos necessários ao melhor
desempenho e utilização dos
talentos disponíveis.
A área de gestão de pessoas surge como setor estratégico para o desenvolvimento das organizações

Dificuldades na avaliação
planejamento estratégico da minuir ou até mesmo suprir de desempenho
organização. tais deficiências.
A avaliação de desempenho
Objetivos da avaliação A função de aumentos sala- precisa ser estudada e aplicada
de desempenho riais e promoção, por sua vez, de forma que gere os resultados
diz respeito à capacidade que esperados, caso contrário não
Segundo Andreassi (1994), uma avaliação de desempenho será necessário existir. (PEI-
os objetivos da avaliação podem tem de dar subsídios à política XER, 2008, p.7). A vantagem
ser divididos em cinco áreas de promoção e salários. A ava- preponderante da avaliação é
principais: treinamento/desen- liação pode ser utilizada a fim permitir que o desempenho
volvimento; aumentos salariais de gerar informações para a melhore e que beneficie todos.
e promoção; comunicação; discriminação do aumento sa-
planejamento de recursos larial e promoção. No entanto, Para Peixer (2008, p.8),
humanos e aspectos legais tal função pode gerar proble- alguns problemas poderão
(PEIXER, 2008). mas à organização, visto que, ocorrer nas avaliações de de-
na medida em que a avaliação sempenho:
De acordo com a função fica intimamente ligada a essas
d e t re i n a m e nt o e d e s e n- duas funções, seus outros obje- a) Visão da avaliação de de-
volvimento, a avaliação de tos são deixados de lado. sempenho como uma obrigação
desempenho serve como administrativa, a ela dedicando
mecanismo de identifica- A função da comunicação tempo e atenção insuficientes
ção das deficiências e das diz respeito à viabilidade que para seu bom funcionamento;
aptidões dos funcionários, a avaliação oferece de enten- b) Muitos avaliadores tendem
o que permite desenvolver dimento entre o chefe e os a ficar na posição de juizes,
programas de capacitação e funcionários, o que pode ser os avaliados tendem a ficar
treinamento que possam di- visto, como afirma (KING apud na defensiva, e os avaliadores

Avaliação de desempenho Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM > 21


tornam-se demasiadamente os benefícios que serão gerados recendo oportunidades de
críticos; c) Pode ocorrer, tam- para a organização. desenvolvimento aos profis-
bém, falta de envolvimento que sionais nas áreas em que eles
leva à falha de direção, sendo Avaliação de resultados e apresentam pontos fracos (DU-
que os avaliadores permitem planejamento TRA, 2009, p.52).
aos avaliados ficarem no extre-
mo de somente receber. A avaliação de desempenho Na opinião de Dutra (2009,
representa uma ferramenta p.53), os mecanismos que asso-
O grande risco é que a ava- importante para o desenvolvi- ciam o valor da remuneração à
liação de desempenho se torne mento de uma cultura voltada avaliação de desempenho estão
um fim em si mesma, desvin- para resultados. Tal afirmação relacionados com os objetivos
culada do objetivo maior que é é baseada no pressuposto de de propiciar maior eficiên-
a melhoria do serviço público que o alinhamento de objetivos cia, alcance dos resultados e
prestado ao cidadão. individuais e das equipes às integração com a sociedade.
metas da organização implica Entretanto, para que possam
Motivação e desempenho no maior envolvimento dos desempenhar adequadamente
funcionários de todos os níveis, esse papel, os processos de ava-
Motivação é um quadro os quais passam a se sentir pes- liação precisam ser percebidos
complexo. Entretanto, para a soalmente responsáveis pelo como justos pelos participan-
grande maioria das pessoas, é desempenho da organização tes, sob pena de prejudicar o
possível obter melhor desem- (DUTRA, 2009, p.52). alcance dos benefícios resul-
penho quando se sentem bem tantes da prestação de contas à
no que fazem. Esse sentimen- Numa primeira fase – que sociedade sobre o desempenho.
to de satisfação é promovido pode ser considerada a do pla- Se assim não for, as infor-
pelo reconhecimento, louvor, nejamento estratégico –, os mações sobre o desempenho
feedback positivo dos resulta- altos dirigentes articulam os poderão ser questionadas pelos
dos, bom relacionamento no objetivos e as metas da orga- servidores.
trabalho, e assim por diante. nização a partir dos quais os
A motivação também é ne- gerentes e os diretores deter- O papel das metas prees-
cessária para a aprendizagem minam objetivos estratégicos tabelecidas, que devem ser
contínua. Juntas, são essenciais e mensuráveis para suas unida- amplamente divulgadas, é o de
ao desempenho excelente. des (DUTRA, 2009, p.52). neutralizar o caráter subjetivo
Mediante o encorajamento da das Avaliações de Desempe-
motivação e a facilitação do Os objetivos para o desem- nho, que muitas vezes deixam
aprendizado, qualquer pessoa penho dos indivíduos e das de ser consideradas pelos res-
pode progredir (PEIXER, 2008, equipes são desenvolvidos ponsáveis por RH pela falta
p.8). Segundo o mesmo autor subsequentemente. Uma polí- de legitimidade das mesmas
(2008, p.8), o caminho mais tica consistente de avaliação de (DUTRA, 2009, p.54).
simples para os gerentes segui- desempenho força os funcioná-
rem para conectar as pessoas ao rios e os gerentes a definirem e Modelos de avaliação
resultado passa por três passos: a priorizarem em conjunto as de desempenho
estabelecer objetivos avança- metas e os objetivos (DUTRA,
dos; monitorar e proporcionar 2009, p.52). Assim sendo, um modelo
feedback positivo de desem- satisfatório de análise de de-
penho; e identificar as formas A chave para o sucesso da sempenho pode possuir um
com as quais o pessoal pode política de avaliação de de- componente associado à ava-
aprimorar o próprio valor nas sempenho é a integração com liação de cada servidor e outro
tarefas diárias e, a logo prazo, a política de capacitação, ofe- relativo à atuação de grupos

22 > Ano 58 — N ° 281 — Julho/Agosto/Setembro 2012


Avaliação de Desempenho

ou da organização (DUTRA, nhar as metas da organização, res resultados. E, ainda mais


2009, p.54). os objetivos das equipes, o importante, pode ajudar os
envolvimento (por se sentirem cidadãos a entender melhor o
Quando a avaliação indivi- corresponsáveis) e a performan- que lhes é oferecido em troca
dual envolve apenas o chefe ce dos servidores, contribuindo dos impostos que pagam”.
e o subordinado, esta relação para disseminar uma cultura
direta inúmeras vezes inibe voltada para o alcance de resul- Segundo Marconi (2010,
um processo efetivo de ava- tados. Uma política consistente p.29), os modelos de avaliação
liação, pois a relação entre de avaliação de desempenho de desempenho individual não
ambos pode impedir uma leva os funcionários e os geren- possuem a mesma eficácia. A
análise isenta. Ao analisar tes a definirem e a priorizarem individual envolve chefe e su-
um indivíduo, é importante em conjunto as metas e os obje- bordinado e esta relação direta
que o maior número possível tivos, estabelece a contribuição termina inibindo um processo
de pessoas participe do pro- das equipes para o alcance dos efetivo de avaliação, pois a
cesso – avaliação que inclui objetivos da organização e re- afinidade entre ambos pode
chefia, colegas e usuários dos conhece e premia a busca do impedir a realização de uma
serviços. Dessa forma se dilui aumento da produtividade”. análise isenta. Assim como é
o impacto da avaliação direta, difícil definir metas individuais
elimina o caráter individualis- Consequentemente o de- objetivas, e os critérios ado-
ta do avaliador e possibilitar a sempenho é definido pelo tados neste tipo de avaliação
sua atuação, diluindo respon- percentual cumprido das metas terminam sendo subjetivos. A
sabilidades e possibilitando preestabelecidas e derivadas do avaliação de desempenho indi-
uma análise mais justa e me- Planejamento Estratégico (cuja vidual deve corresponder a uma
nos complacente (DUTRA, existência é um pressuposto entrevista anual que possibilite
2009, p.54). capital de todo o modelo). Os identificar pontos fortes e fra-
processos de avaliação preci- cos da atuação dos servidores,
Os critérios de avaliação sam ser percebidos como justos suas habilidades, deficiências e
devem ser objetivos sempre pelos participantes. realizações, o que auxiliará na
relacionados às metas da or- definição das oportunidades de
ganização, que são derivadas Portanto, na ponderação de capacitação aos profissionais
do planejamento estratégico. Bresser Pereira (2001, p.96), “a nas áreas em que forem iden-
É imprescindível que a ava- administração baseada no de- tificadas as dificuldades.
liação implique um plano de sempenho pode contribuir para
capacitação, a fim de corrigir que todas as pessoas envolvidas A avaliação de desempenho
as deficiências levantadas na no processo pensem mais es- determina os critérios para pro-
organização e deve ser pautada trategicamente. Pode ajudar os moção, mobilidade e incentivos
um momento seguinte, pelos administradores públicos a se ao servidor. Está, portanto, in-
eventos de capacitação ante- concentrar no melhor modo de timamente ligada ao horizonte
riormente realizados (DUTRA, fazer seu trabalho e de explicar de carreira do funcionário. E
2009, p.54). aos governantes o que estão deveria ser, no serviço público,
tentando fazer para traduzir, estritamente relacionada à
Assim, para Marconi (2009, em resultados, os objetivos administração do trabalho, vi-
p.29), “a avaliação de desem- da legislatura. Pode ajudar sando levantar as deficiências
penho baseada no alcance de os governantes a analisar os impeditivas para se alcançar os
resultados é um dos instru- muitos pedidos, que disputam objetivos da instituição.
mentos mais relevantes na recursos sempre escassos, e a
gestão estratégica de recursos alocar os recursos aos projetos A deficiência funcional in-
humanos, pois possibilita ali- que podem gerar os melho- dividual deve ser tratada como

Avaliação de desempenho Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM > 23


necessidade de treinamento Organizacional e influência bilidades de desenvolvimento.
e reciclagem para o resgate da Psicologia Social. A partir Os fornecedores precisam ser
do funcionário improdutivo e de então, estudos vêm sendo cuidadosos em não serem ex-
para o alinhamento às metas aprimorados e o método pas- cessivamente rigorosos nem
institucionais. sou a ser conhecido também excessivamente benevolentes
como feedback com múltiplas com os receptores. Não é um
Infelizmente, na maioria das fontes, feedback estruturado, julgamento, é uma avaliação,
vezes as avaliações de desempe- entre outras nomenclaturas visando ao aperfeiçoamento;
nho geram constrangimentos, (Souza, 2009, p.1).
e nenhuma ação pós-avaliação 3ª- Processamento e utilização dos
é realizada pelos departamen- A avaliação 360 graus tem feedbacks pelo receptor. O com-
tos de recursos humanos das como função subsidiar as po- prometimento do receptor com
instituições do País. Avaliar líticas de gestão de pessoas, os resultados depende da com-
atividades sem direcionar as a gestão por competências e o petência das fontes para emitir
metas anuais sob o objetivo desenvolvimento das lideran- os feedbacks. Da mesma forma,
institucional pode significar ças. Auxilia, igualmente, nas que os atributos que conduzem
um trabalho desgastante, cons- mudanças organizacionais e é o processo façam sentido e que
trangedor e de pouca eficácia uma das formas de se avaliar o os comportamentos do perfil
para a melhoria dos serviços desempenho dos colaborado- de liderança sejam realizáveis,
públicos prestados à população. res para fins de promoção ou podendo ser desenvolvidos. Os
realocação de pessoas (SOUZA, resultados dos feedbacks devem
Também é essencial que o 2009, p.1). ser disponibilizados na forma
subordinado esteja consciente de relatórios;
da sua importância na interface A implantação da avaliação
da missão institucional, quais 360 graus divide-se em quatro 4ª- Interação ao Sistema de Ges-
as suas tarefas (o que fazer) e etapas, de acordo com SOUZA, tão com pessoas. A avaliação
como desempenhá-las. Dessa (2009, p.1): 360 graus deve ser integrada a
forma, ao ser cobrado tem outras práticas de RH, a exem-
como ser ter seu trabalho anali- 1ª - Delineamento do perfil da plo de seleção, remuneração,
sado corretamente. O resultado liderança e o desenvolvimento desempenho, desenvolvimen-
da avaliação de desempenho do instrumento de feedback. A to e promoção. É preciso que
também deve gerar política empresa precisa definir os atri- operem em sintonia, susten-
orçamentária com autonomia butos da liderança; tando-se entre si.
do setor de recursos humanos
destinada à reciclagem e ao 2ª - Qualidade dos feedbacks A avaliação 360 graus é
treinamento do pessoal. fornecidos. Deve-se escolher um processo que expande a
fornecedores de feedback que avaliação individual do anti-
Avaliação 360 graus tenham contato com o recep- go modelo um a um a outro
tor, que faça ou fez parte da multifontes, pois uma de suas
Segundo Almeida (1999, rede de contatos no período características é a qualidade
p.63), na avaliação 360 graus considerado ao da avaliação. Os dos envolvidos no processo.
o funcionário é avaliado por próprios receptores não devem
seu superior, pelos pares, por escolher os fornecedores de Nos questionários utiliza-
si próprio (auto avaliação) e feedback, pela tendência que dos para o levantamento das
pelos clientes. A metodologia, temos em buscar fontes das impressões devem ser constar
que teve início na década de quais já sabemos a opinião a questões específicas, como
1950, teve como base prá- nosso respeito e que nos dão efetividade da comunicação;
ticas de Desenvolvimento segurança, impedindo as possi- comprometimento com resul-

24 > Ano 58 — N ° 281 — Julho/Agosto/Setembro 2012


Avaliação de Desempenho

necessariamente a análise in-


dividual, a das equipes e a da
organização como um todo.

Outro ponto importante:


para funcionar corretamente,
todas as pessoas envolvidas
devem acreditar na Avaliação
de Desempenho. Por isso, é
basilar um esclarecimento a
respeito do processo, do que é
avaliado, o motivo e o resultado
pretendido.

Assim sendo, um sistema


de avaliação eficiente e eficaz
pode ser, além de um mecanis-
mo de seleção, um poderoso
instrumento de motivação e
de aperfeiçoamento das pesso-
as, que são a maior riqueza de
qualquer organização.

Quando os objetivos não são


atingidos, o mecanismo para
avaliar, promover e orientar o
crescimento pessoal e profissio-
tados; valorização das relações sos relacionados com a melhora nal passa a ser o principal ponto
humanas; disposição para da atuação do servidor público. de insegurança, de insatisfação
aprender; uso de habilidades; e de sentimento de injustiça,
exercício de competências que A avaliação de desempe- gerando profundas e inapagá-
agregam valor; relacionamento nho no serviço público deve veis frustrações e desperdício
com clientes; conhecimento sempre estar voltada ao le- dos recursos humanos.
dos desejos dos clientes e sua vantamento das deficiências
satisfação; motivação para que impedem o alcance do Pesquisas apontam que, em
atingir objetivos; abertura a objetivo final da instituição. termos teóricos, houve grande
críticas; e postura de facilitação Precisa, da mesma forma, con- evolução quanto à compreen-
para buscar soluções. tribuir na melhora do papel do são dos métodos da avaliação
servidor, encaminhando-o a de desempenho. O maior de-
Considerações finais treinamento adequado quando safio aparece no momento da
necessário, desenvolvendo a aplicação da teoria, sobretudo
Os desafios na busca in- motivação pessoal e o reconhe- tendo em vista a ingerência po-
cessante da qualidade, da cimento para fins de promoção lítica no momento da avaliação.
produtividade e da competiti- previstos no plano de cargos e Outro ponto negativo é a falta
vidade impõem melhor estudo salários. O objetivo final da ins- do planejamento estratégico,
das estruturas de avaliação hoje tituição deve ser o único alvo de delimitando metas e objetivos
existentes. A procura envolve uma avaliação de desempenho claros, na maioria das organiza-
inovação dos métodos e proces- coletiva, que precisa incluir ções públicas brasileiras.

Avaliação de desempenho Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM > 25


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RESUMEN
Evaluación de desempeño como herramienta de mejora del servicio público
El presente trabajo visa sobre evaluaciones de desempeño del servidor público, como herramienta de gestión de personas y un proceso
que incluya actividades de planeamiento, acompañamiento y evaluación, y que busque integrar diferentes niveles organizacionales y
promover el mejoramiento de la performance de individuos, de equipos de trabajo y de la organización como un todo. En este proceso
destacamos el planeamiento estratégico que identifica las metas a ser alcanzadas a partir de la mision, de la vision y del analisis del
ambiente externo e interno.
Palabras-clave: Performance Assessment. Public Servant. People Management.

ABSTRACT
Performance assessment as a tool to improve public service
This work deals with performance evaluation of the public served as a tool for managing people and a process that includes planning
activities, monitoring and evaluation that seeks to integrate the different organizational levels and promote improved performance of
individuals, work teams and the organization as a whole. In the process we highlight the strategic planning that identifies goals to be
achieved from the mission, vision and analysis of external and internal environment.
Key words: Evaluación de Desempeño. Servidor Público. Gestión de Personas.

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Servidores Temporários

A tensão entre o regime jurídico único


e servidores temporários
Alexandre Veronese — Doutor em Sociologia pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ) e Professor Adjunto da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) – verenose@matriy.com.br

RESUMO
A Constituição Federal de 1988 possui duas disposições jurídicas que mantêm um tenso equilíbrio normativo: a
regra geral dos concursos públicos e a exceção da contratação temporária em razão do excepcional interesse pú-
blico. O tema tem sido muito discutido nos tribunais superiores em meio a uma alteração paradigmática ocorrida
na jurisprudência: a outorga de direitos subjetivos à nomeação dos aprovados em concursos. Tal estado de coisas
enseja o repensar na política de pessoal, que deve se pautar por um planejamento de longo prazo, bem como pela
boa definição legal, de modo a serem evitados transtornos judiciários.

Palavras-chave: Servidor público. Contratação temporária. Jurisprudência.

Introdução servidores temporários, o mes- da Constituição Federal. De-


mo tem aplicabilidade teórica pois, será descrita uma questão
É certo que o instituto da aos Estados, ao Distrito Federal doutrinária de relevância, rela-
obrigatoriedade do concurso e aos municípios, em razão da cionada ao regime jurídico dos
público, tal como previsto no simetria constitucional que servidores contratados tempo-
inciso II do artigo 37 da Cons- marca a Administração Pública. rariamente na área federal. Em
tituição Federal de 1988, se Um exemplo é que, apesar deste seguida, será tratada a grande
tornou generalizado na Admi- texto tratar primariamente da mudança recente havida na ju-
nistração Pública depois destes esfera federal, também se terá risprudência do STF que modifi-
quase 25 de vigência da Carta atenção ao problema dos Esta- cou o paradigma dos concursos
Política. Todavia, o mesmo dos, tendo em vista as diversas públicos, ao reconhecer a exis-
instituto possui uma exceção Ações Diretas de Inconstitucio- tência de liquidez e a certeza no
também prevista no mesmo nalidade (ADI) impetradas con- direito à nomeação, em vez da
artigo, no inciso IX, que é a tra legislações estaduais, bem antiga doutrina da expectativa
possibilidade de contratação como o fato da jurisprudência de direito.
temporária de pessoal. do STF e do STJ derivarem de
casos estaduais. O debate do artigo indica o
O presente artigo visa deba- difícil equilíbrio entre a defe-
ter o conflito entre os dois ins- Na primeira parte do artigo, sa da regra geral do concurso
titutos, tendo em vista a juris- serão descritos os institutos público e a necessidade de
prudência recente do Superior jurídicos relacionados ao in- contratar servidores de forma
Tribunal de Justiça (STJ) e do gresso de pessoal no serviço temporária. A sua conclusão
Supremo Tribunal Federal (STF) público federal, com destaque versa sobre a necessidade de
em relação à terceirização e à à questão da contratação tem- que os entes públicos realizem
contratação temporária. Apesar porária, tal como prevista na Lei um planejamento de pessoal
de o artigo focalizar o regime ju- nº 8.745/93, que regulamenta o em longo prazo, como forma
rídico federal de contratação de já referido inciso IX do art. 37 de se precaver ao debate judici-

Servidores Temporários Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM > 27


ário, que é custoso em diversos lei específica foi amplamente nº 8.745, de 1993, no caso dos
sentidos. alterada por meio de diversas professores substitutos nas Ins-
medidas provisórias, tendo tituições Federais de Educação
Admissão de pessoal alcançado certa estabilidade Superior (IFES), possui previsão
no serviço público federal em seus termos com a edição detalhada. Ela não deve de-
de leis ordinárias. correr apenas do interesse de
Após a promulgação da possuir pessoal contratado de
Constituição da República O ponto central da Lei nº forma “flexível”. A contratação
Federativa do Brasil de 1988, 8.745, de 1993, é a regulação deve atender situações específi-
foram harmonizados diversos de uma exceção: o contrato cas, previstas no diploma legal.
dispositivos constitucionais temporário de pessoal no Es-
relativos à gestão de pessoal tado. Seu objetivo é criar uma Em passado recente, a pró-
no aparelho do Estado. O poder limitação, por meio de um esta- pria legislação teve este sen-
público possuía delineamentos tuto, para a discricionariedade tido atacado pela política de
jurídicos sobre esta questão por do administrador público em pessoal vigente, quando os
meio do antigo Decreto-lei nº relação ao que pode configurar concursos para o provimento
200, de 1967, combinado com as uma necessidade excepcional de cargos efetivos na carreira
disposições específicas acerca de pessoal. Uma vez configu- do magistério superior foram
dos regimes jurídicos (celetis- rada a situação fática, prevista suspensos pelo Governo Fede-
ta, por força da Consolidação no texto legal, há a autorização ral (1995-2002). Esta suspensão
das Leis do Trabalho (CLT), para que, excepcionalmente e acarretou a falta de pessoal
Decreto-lei nº 5.452, 01 de maio segundo os procedimentos da em diversos órgãos, além do
de 1943; e estatuário, pelo anti- Lei e da regulamentação espe- sistema educacional. Dessa
go Estatuto dos Funcionários cífica, se realize a contratação forma, uma modificação legal
Públicos Civis da União, Lei nº do pessoal temporário. foi realizada para introduzir
1.711, de 28 de outubro de 1952). a previsão de contratação em
Uma ressalva necessária órgãos, como o Instituto Nacio-
A principal transição foi a é que a contratação pela Lei nal de Propriedade Industrial
migração do pessoal celetista
para o âmbito do Regime Ju-
rídico Único (RJU), que viria a
ser efetivada pela Lei nº 8.112,
de 1990, por força do seu art.
243. Desta forma, o vínculo
do pessoal da administração
federal indireta foi dotado de
certa isonomia em relação ao
pessoal da administração dire-
ta. O RJU, Lei nº 8.112, de 1990,
previa a contratação de pessoal
temporário com fulcro nos ar-
tigos 232 até 235. Com a sanção
presidencial da Lei nº 8.745, de
1993, foi erguido novo estatuto
específico para a contratação
temporária, com a consequente
revogação expressa dos dispo- O atual panorama normativo não demonstra a existência de um equilíbrio estável entre o problema da contratação
sitivos colidentes do RJU. Esta de servidores temporários, terceirização e a regra geral do concurso público

28 > Ano 58 — N ° 281 — Julho/Agosto/Setembro 2012


Servidores Temporários

(INPI). Contudo, tal mudança a efetivar políticas públicas. aumento transitório no volume
foi atacada pela Ação Direta de Pode, no máximo, exercer po- de trabalho que não possam ser
Inconstitucionalidade (ADIN) der de veto aos diplomas que atendidas mediante a aplicação
nº 2.380, ajuizada no STF. O não coadunem com as dispo- do art. 74 da Lei nº 8.112, de 11
centro do ataque foi a baixa sições da Constituição Federal. de dezembro de 1990”. Todavia,
razoabilidade de uma previsão as outras hipóteses incluídas
factual abrangente, no caso Feitas estas considerações, no art. 2º, da lei (alíneas “j”, “l”,
do INPI, tendo em vista que a deve ser ressaltado que, para “m”, do inciso VI, bem como
contratação pela Lei nº 8.745, avançar no tema, é necessário os incisos VIII e IX), não ofe-
de 1993, ao regular o inciso IX esclarecer as disposições cons- recem tal possibilidade. Elas
do art. 37, rompe a regra cons- titucionais que fixam o regime apenas expandem o rol de ca-
titucional geral do concurso jurídico de pessoal. Deve ser sos delimitados, sem que haja
público prévio à admissão, destacada a fundamentação atribuição de um excesso de
prevista no inciso II do mesmo jurídica para a contratação de discricionariedade ao gestor
dispositivo. No caso concreto, mão de obra temporária, como para construção de hipóteses
foi deferida liminar para sus- parte de um regime geral para a de incidência.
pender sua aplicação1. A própria temática do pessoal no Estado.
União revogou o dispositivo Uma nota deve ser feita, tendo Elas preveem a possibilidade
posteriormente e prejudicou a em vista a mais recente altera- de contratação temporária de
apreciação do mérito. A exceção ção realizada na Lei nº 8.745, de atividades técnicas especiali-
à regra geral do concurso pú- 1993, por meio da Medida Pro- zadas de tecnologia da infor-
blico deve ser clara, para evitar visória (MP) nº 431, convertida mação, de comunicação e de
que a contratação temporária na Lei nº 11.784, ambas de 2008. revisão de processos de trabalho,
se torne um meio “flexível” de Esta mudança incluiu quatro não alcançadas pela alínea “i” e
ingresso no serviço público. A alíneas e dois incisos com no- que não se caracterizem como
exceção é limitada constitu- vas possibilidades de contrata- atividades permanentes do ór-
cionalmente pela expressão ções temporárias. Na prática, gão ou entidade (art. 2º, VI, “j”);
“excepcional interesse público”. pode-se considerar que, no meio atividades didático-pedagógicas
Com isto, depreende-se que ela das mudanças, se estabeleceu em escolas de governo (art. 2º,
deveria ser restrita para situa- a possibilidade de efetivação VI, “l”); atividades de assistência
ções que podem ser previstas de algo que estava distante do à saúde junto a comunidades
(como a calamidade pública), espírito inicial da legislação. indígenas (art. 2o, VI, “m”);
mas que não fazem parte do re- Ela se encontra numa eventual contratação de pesquisador,
gular cotidiano das atividades política de pessoal baseada em nacional ou estrangeiro, para
estatais. Assim, somente desta funções temporárias, especial- projeto de pesquisa com prazo
maneira podem ser compre- mente no que concerne à alínea determinado, em instituição
endidos os ataques dirigidos “i”, que tem sido utilizada por destinada à pesquisa (art. 2o,
às legislações estaduais, no diversos Ministérios. No teor VIII); e atividades de combate
STF. O próprio STF foi atento dado pela Lei nº 11.784/2008, a a emergências ambientais (art.
à possível infração ao texto hipótese ficou assim redigida: 2o, IX). Em especial, no caso das
constitucional federal por le- “Considera-se necessidade tem- primeiras novas hipóteses (art.
gislações estaduais e declarou a porária de excepcional interes- 2º, VI, alínea “i”), bem se visua-
inconstitucionalidade de vários se público, atividades técnicas liza a possibilidade genérica de
diplomas legais2. Mas o con- especializadas necessárias à contratação de temporários, o
trole de constitucionalidade implantação de órgãos ou enti- que demonstra a tensão men-
não tem o condão de produzir dades ou de novas atribuições cionada no presente artigo. Por
resultados com o objetivo de definidas para organizações fim, deve ser indicada uma mu-
forçar a administração pública existentes ou as decorrentes de dança central ocorrida por meio

Servidores Temporários Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM > 29


do controle de constitucionali- correlata, naquilo que a lei não 1998, sobre qual o regime que
dade: a declaração, em sede de dispuser em contrário”. deve ser observado na relação
medida cautelar do caput do art. jurídica dos servidores tempo-
39 da Constituição Federal. Ela Obviamente, as novas leis que rários. Este é o próximo tema.
ocorreu no julgamento da ADIN disporiam sobre as carreiras, cuja
nº 2.1353. Desta forma, a referida afetação normativa seria dirigida Qual o vínculo jurídico do
decisão restabeleceu a vigência aos novos empregos públicos, contratado temporário,
do caput do art. 39, da Constitui- não foram aprovadas. Aliás, elas da Lei nº 8.745, de 1993?
ção Federal, ao texto existente não foram aprovadas nem como
antes da aprovação da Emenda Medidas Provisórias. Também, Na parte revogada da Lei
Constitucional nº 19, de 1998. nos mesmos termos, não foi nº 8.112, de 1990, que tratava
Este restabelecimento produz a aprovada nenhuma legislação da matéria, estava disposto,
impossibilidade jurídica da exis- específica sobre a transformação no artigo 232: “Para atender a
tência de um regime jurídico de cargos em empregos públicos, necessidades temporárias de
alternativo ao Regime Jurídico bem como possível regime de op- excepcional interesse público,
Único, no caso federal, definido ção. Logo, na prática esta política poderão ser efetuadas contra-
pela Lei nº 8.112, de 1990: pública não foi efetivada. tações de pessoal por tempo
determinado, mediante contra-
to de locação de serviços”. A ex-
Texto original (reestabelecido) Texto modificado (de 04 jun. 1998 pressão “mediante contrato de
até 07 mar. 2008) locação de serviços” possibili-
tou que a doutrina administra-
Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Art. 39. A União, os Estados, o Distrito tivista buscasse enquadrar os
Federal e os Municípios instituirão, no Federal e os Municípios instituirão servidores temporários como
âmbito de sua competência, regime conselho de política de administração e
jurídico único e planos de carreira para os remuneração de pessoal, integrado por situados no marco do Código
servidores da administração pública direta, servidores designados pelos respectivos Civil, ou seja, sem que houvesse
das autarquias e das fundações públicas Poderes.
a incidência das normas do RJU
ou da Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT). Esta hipótese é
Vale lembrar que a possibili- Entretanto, a redação do uma impossibilidade jurídica,
dade de instituição de outro re- art. 39, ausente de uma polí- tendo em vista que o instituto
gime jurídico, baseado na Con- tica direcionada à construção da locação de serviços possui o
solidação das Leis do Trabalho, dos empregos públicos da Lei escopo da empreitada em seu
tal como estava propugnado nº 9.962, de 2000, que vigorou norte. A empreitada constitui
pela Lei nº 9.962, de 2000, foi entre 1998 e 2008, apenas refor- uma tarefa e não a prestação
descartado como política pú- çava a possibilidade normativa continuada de serviços, como
blica, na prática. Esta lei dispu- de existência de outros regimes o magistério. Exemplar deste
nha, em poucos artigos, porém jurídicos estatutários no âmbito ponto de vista é o trecho do
de forma central, o seguinte, no da administração pública. Ela voto do Min. Maurício Corrêa,
seu artigo 1º: “O pessoal admi- resolvia, em termos conceituais, quando da declaração de in-
tido para emprego público na o problema do enquadramento constitucionalidade da Lei nº
Administração federal direta, legal dos servidores temporá- 418, de 1993, do Distrito Federal,
autárquica e fundacional terá rios, regidos pela Lei nº 8.745, por meio da ADIN nº 890:
sua relação de trabalho regida de 1993. Com a decisão de 07
pela Consolidação das Leis do de março de 2008, do Supremo “Anote-se inicialmente que
Trabalho, aprovada pelo Decre- Tribunal Federal, retornou-se o legislador local perpetrou
to-lei no 5.452, de 1o de maio de ao problema anterior à Emenda uma verdadeira confusão ao
1943, e legislação trabalhista Constitucional (EC) nº 19, de prever a contratação extraor-

30 > Ano 58 — N ° 281 — Julho/Agosto/Setembro 2012


Servidores Temporários

“ Deve ser destacada a fundamentação jurídica


para a contratação de mão de obra temporária,


como parte de um regime geral

dinária de pessoal por meio da na doutrina administrativa. Para das disputas é a justiça comum
locação de serviços, espécie de Diógenes Gasparini, por exem- (estadual ou federal). A Recla-
ajuste bilateral disciplinado plo, os servidores temporários es- mação nº 4.762/PR, relatada pela
pelo Código Civil brasileiro. A tão adstritos ao regime da CLT5. Min. Carmen Lúcia Antunes Ro-
essência da norma deixa claro, Como o seu livro é evidentemen- cha, julgada pela primeira turma
porém, que não se cuida de te oriundo do período de enor- do STF em 02 de março de 2007,
contratação de serviços, esta a mes mudanças que marcaram o que possuía como reclamante
rigor sujeito às normas da lici- direito administrativo recente, é (polo ativo) a Agência Nacional
tação pública (CF, art. 37, XXI), razoável que a indefinição ainda de Telecomunicações e no polo
mas efetivamente uma forma reinasse na doutrina6. O maior passivo o Juiz do Trabalho da 7a
de admissão de pessoal4”. obstáculo para compreensão de Vara do Trabalho de Curitiba,
que os servidores temporários demonstra o problema7. Afinal,
A confirmação do voto, re- deveriam ser enquadrados sob a definição do regime jurídico
alizada pelo Min. Carlos Ayres um vínculo estatutário, porém aplicável aos servidores contra-
Brito, também é exemplar no especial, na União, era a de- tados temporariamente define
sentido de legitimar o ponto de terminação constitucional da o manancial dos direitos e dos
vista do relator. Ou as relações existência de um único regime deveres aos quais eles estarão
se regem pela CLT, ou por um re- jurídico. Com o advento da EC submetidos. Mas também pos-
gime administrativo específico: nº 19, em 1998, a previsão de sui impacto sobre a organização
um único regime foi retirada do das atividades dos órgãos em
“De outra parte, e como V. texto constitucional. Abriu-se a relação ao controle dos atos
Exa., Sr. Presidente, bem obser- possibilidade de ser estipulado administrativos, definição de
vou, o regime “civil” de trabalho um regime específico ou de in- responsabilidades e outras in-
dos contratados emergenciais, cidirem alguns dispositivos do cidências normativas. No caso
segundo a ótica da Lei nº 418, RJU em um regime estatutário específico, acima indicado, os
realmente é incompatível com peculiar para os temporários. autos deveriam ser remetidos
o regime previsto pela Constitui- à Justiça Federal. Mas qual o re-
ção para recrutamento de mão Os tribunais se depararam gime aplicável neste período? A
de obra. Admitiria, como V. Exa., com diversas ações sobre o tema decisão acima indicada fornece
ou um regime especial de Direito e o entendimento generalizado evidências de que seria a própria
Administrativo, para tais contra- vem sendo o de que os servido- Lei nº 8.745, de 1993, com suas
tações, ou o regime da CLT”. res temporários estão adstritos modificações.
ao regime jurídico, no escopo
Não há entendimento especi- da própria Lei nº 8.745, de 1993. Portanto, até 07 de março de
ficamente claro sobre a matéria Logo, o foro para processamento 2008, seria muito fácil concluir

Servidores Temporários Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM > 31


que os servidores temporários Legislativo. Obviamente, foi existe autonomia às partes. Na
federais estavam sob a égide restabelecida a necessidade de prática, trata-se de um contrato
de um regime administrativo vigência de um regime jurídico administrativo, constitucional-
específico, lastreado pela Lei nº único, seja na União seja nos mente previsto, com disposi-
8.745, de 1993. Esta Lei delimita Estados, no Distrito Federal e ções assimétricas definidas pela
a incidência de parte da Lei nº nos municípios. Podemos sin- lei de regência. Mas sobre este
8.112, de 1990, que não era mais tetizar que, no período recente, contrato incidem as regras do
o único regime jurídico dos ser- houve uma alteração sensível, regime jurídico único, adapta-
vidores, por força da alteração em decorrência da mudança das pela Lei nº 8.745/93, como
do art. 39, caput, da Constitui- constitucional, revertida pela está em sua própria redação?
ção Federal. Tal alteração havia decisão do STF, como pode ser Ele é um regime específico, sem
suprimido a expressão “regime visto no quadro 1. afrontar a unicidade? Ou, em
jurídico único”, abrindo a pos- algum grau, incidem as normas
sibilidade de instituição de ou- Assim, em síntese, o texto trabalhistas previstas pela Con-
tros regimes estatutários. Mas original indicava uma interpre- solidação das Leis do Trabalho?
houve uma decisão do STF, em tação possível. Ele foi alterado, Ou, ainda, incidem as primei-
medida cautelar, restabelecen- com a supressão do regime ras, acrescidas das segundas,
do a vigência original do art. 39, jurídico único, por meio da onde houver omissão da Lei nº
caput. Tudo leva a crer que tal EC nº 19/98. Recentemente, a 8.112, de 1990? O STF definiu por
decisão deve ser mantida, por- redação original foi repristina- meio de repercussão geral que é
que o argumento central para a da por decisão do STF. O texto possível – e deve ser o caminho
declaração de inconstituciona- constitucional indica que esta adotado pela administração
lidade, na petição inicial da ADI função excepcional é ocupa- pública – que os contratos
nº 2.135, havia sido uma grave da por meio de um contrato temporários, com fulcro no art.
manobra regimental que teria temporário. Todavia, o vínculo 37, IX, da Constituição Federal,
fraudado a votação do Poder contratual é atípico, porque não ficam submetidos a um regime

Quadro 1
Promulgação Sanção da Lei Sanção da Lei Promulgação Repristinação da
da Constituição n 8.112/90 (RJU)
o no 8.745/93 da Emenda redação original
de 1988 (Temporários) Constitucional (art. 39), cf.
no 1998 promulgado
em 1988

31 out. 1988 11 dez. 1990 09 dez. 1993 04 jun. 1988 07 mar. 2008

O pessoal na administração pública fica sujeito a dois Tem-se o entendimento Fica criada a Reverte-se à situação
regimes possíveis (regime jurídico único ou regime de que a menção possibilidade de múltiplos de 1993, com a edição
contratual, CLT). O entendimento minoritário é que “contrato”, existente no regimes jurídicos de original da Lei n.
existe a possibilidade de um regime de prestação de texto constitucional só pessoal da administração 8.745/93. O STF tem
serviços que não é submetido nem à CLT, nem ao pode ser lida como CLT. pública. Logo, a Lei n. entendido que continua
RJU. Seria regulado pelo Código Civil, consoante o Porém, há dúvidas. 8.745/93 é entendida um vínculo administrativo
disposto no RJU. Muitas dúvidas na doutrina. como regime autônomo, Todavia, apesar de
sem sombra de dúvidas. improvável, poderá
haverá dúvidas.

32 > Ano 58 — N ° 281 — Julho/Agosto/Setembro 2012


Servidores Temporários

jurídico específico, focado na que consolidou a matéria com têm direito subjetivo à nomeação
legislação de regência (a Lei nº a necessidade de observância para a posse que vier a ser dada
8.745/93, no caso federal; outras por todos os tribunais do país, nos cargos vagos existentes ou nos
leis, no dos municípios, Estados pela outorga dos efeitos da re- que vierem a vagar no prazo de va-
e Distrito Federal)8. Anote-se percussão geral, prevista no art. lidade do concurso. 2. A recusa da
que, apesar do definido pelo 543-C do Código de Processo Administração Pública em prover
STF, pode ser que o tema ainda Civil. Mas a origem deste en- cargos vagos, quando existentes
continue a suscitar polêmicas tendimento está em outro jul- candidatos aprovados em con-
doutrinárias, a despeito da sua gado paradigmático do STF que curso público, deve ser motivada,
baixa probabilidade. Realizado reconheceu o direito dos candi- e esta motivação é suscetível de
o primeiro panorama sobre datos aprovados em concurso apreciação pelo Poder Judiciário.
a contratação temporária de público, no rol de vagas pre- 3. Recurso extraordinário ao qual
servidores na administração vistas no edital de convocação, se nega provimento9.”
federal, cabe descrever a mu- em serem nomeados: o Recurso
dança paradigmática havida na Extraordinário nº 227.480. O Em termos simples: se a ad-
jurisprudência do STF. argumento central da Ministra ministração pública previu tal
Carmem Lúcia, relatora, era que número de vagas e o candidato
As tensões jurisprudenciais o princípio da segurança jurí- foi aprovado nelas, ele teria
entre concurso público, funções dica deveria prevalecer sobre a direito à nomeação e não uma
temporárias e terceirização conveniência e oportunidade mera expectativa de direito.
da administração pública. Ou Este foi o entendimento espo-
O atual panorama normati- seja, no seu entendimento, se sado no acórdão que alterou a
vo não demonstra a existência o edital previu determinado jurisprudência do STF. Todavia,
de um equilíbrio estável entre número de vagas, não mais o que fazer em casos excepcio-
o problema da contratação de poderia ser mantido o ponto nais? O tema foi pacificado de
servidores temporários, ter- de vista de que não haveria forma definitiva com o julga-
ceirização e a regra geral do direito líquido e certo ao par- mento do Recurso Extraordiná-
concurso público. Há inúmeras ticular contra a administração rio nº 598.099, que estabeleceu
decisões dos tribunais supe- pública. Haveria, sim, direito à parâmetros para lidar com tais
riores que descaracterizam a nomeação. Este acórdão é tão excepcionalidades. Para o que
necessidade de contratação relevante que vale ser transcrita interessa aqui, cabe indicar que
temporária – ou a terceirização sua ementa: o STF determinou de forma
– como modos de contornar a inequívoca que a contratação
regra geral dos concursos pú- “Direitos Constitucional e de temporários, sem a justifi-
blicos. A jurisprudência recente Administrativo. Nomeação de cativa devida e amparo legal,
do STJ tem outorgado resulta- aprovados em concurso público. enseja a preterição em relação
dos favoráveis aos candidatos Existência de vagas para cargo aos candidatos aprovados que
aprovados e classificados em público com lista de aprovados estejam no cadastro de reserva,
concursos públicos, no mo- em concurso vigente: direito ad- ou na lista de espera para con-
mento em que se evidencia a quirido e expectativa de direito. vocação. O voto proferido pelo
sua preterição por terceirizados Direito subjetivo à nomeação. Ministro Gilmar Mendes bus-
ou por servidores temporários. Recusa da administração em pro- cou um termo intermediário
Todavia, para entender a atua- ver cargos vagos: necessidade de entre a nova situação jurispru-
ção do STJ, há que se visualizar motivação. Artigos 37, incisos II e dencial e a possibilidade de que
a mudança havida no STF. IV, da Constituição da República. a administração pública não
Logo, para tratar deste tema, Recurso extraordinário ao qual se nomeie os aprovados no rol de
deve ser analisado o Recurso nega provimento. 1. Os candidatos vagas previstas, caso haja uma
Extraordinário nº 509.998, aprovados em concurso público motivação suficiente e compro-

Servidores Temporários Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM > 33


tes de cargos diversos, para exercer
a mesma função de candidatos
aprovados em certame dentro do
prazo de validade, transforma a
mera expectativa em direito líquido
e certo, em flagrante preterição a
ordem de classificação dos candi-
datos aprovados em concurso pú-
blico. (...) 8. Recurso ordinário em
mandado de segurança provido11.”

A grande questão é que se


firma a dificuldade para justifi-
car a contratação de servidores
temporários e para a realização
A grande questão é que se firma a dificuldade para justificar a contratação de servidores temporários e para a
de atividades de terceirização.
realização de atividades de terceirização Como pode ser depreendido dos
julgados acima listados, há uma
vada (grave crise e ausência de e configurado no caso concreto. alteração de paradigma. Os can-
recursos, por exemplo)10. Precedentes do STF e STJ. Provi- didatos aprovados começaram a
mento do Recurso Ordinário. (...) ser entendidos como portadores
A leitura da extensa ementa 4. Entretanto, tal expectativa de de direitos subjetivos e não
é recomendada e é bastante direito é transformada em direito como detentores de expectati-
didática para afirmar o ponto subjetivo à nomeação do candidato vas, submetidas primariamente
central que está em discussão aprovado se, no decorrer do prazo ao interesse do Estado. Assim,
no presente artigo. A juris- de validade do edital, houver a con- o ponto nodal é que a admi-
prudência do STF e do STJ, tratação precária de terceiros para nistração pública deverá com-
em seguida, está firmada no o exercício dos cargos vagos, salvo provar que não está violando o
ponto de vista de que os can- situações excepcionais plenamente potencial direito dos candidatos
didatos aprovados na lista de justificadas pela Administração, em serem nomeados. Logo,
espera possuem a conversão de acordo com o interesse público. situações excepcionais podem
em direito líquido e certo da 5. Na hipótese examinada, a recor- ocorrer. Contudo, as mesmas
sua expectativa de direito se rente foi aprovada para o cargo de deverão ser comprovadas.
houver uma violação à lista de Escrivão, fora do número de vagas
convocação, ou seja, preterição. previsto no edital, em regular Considerações finais
Somente um exemplo do STJ concurso público realizado pelo
é necessário para demonstrar Tribunal de Justiça do Estado do O objetivo deste artigo foi
como o precedente do STF tem Rio Grande do Sul. Além disso, é demonstrar como ainda há
indicado um roteiro de decisão: incontroverso o surgimento de no- uma tensão evidente entre o
vas vagas para o referido cargo, no disposto no artigo 37 da Cons-
“Administrativo. Recurso ordi- período de vigência do certame, as tituição Federal, pelos incisos
nário em mandado de segurança. quais foram ocupadas, em caráter II e IX. Assim, fica claro como
Concurso Público. Aprovação fora precário, por meio de designação de o debate jurídico entre a regra
das vagas previstas no Edital. servidores do quadro funcional do geral do concurso e a necessi-
Surgimento de novas vagas no Poder Judiciário Estadual. 6. Por- dade excepcional e de interesse
decorrer do prazo de validade do tanto, no caso concreto, é manifes- público enseja problemas de
certame. Cargos ocupados em ca- to que a designação de servidores gestão que acabam por ser
ráter precário. Direito líquido certo públicos de seus quadros, ocupan- dirimidos no âmbito do Poder

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Servidores Temporários

Judiciário. Será que há como siva e protetiva em relação aos as funções estatais em longo
solucionar de forma definitiva candidatos. Desta forma, uma prazo. O certo é que o estabe-
tal tensão? De fato, tal respos- advertência fica dirigida à ad- lecimento de uma política de
ta não se avizinha. O que fica ministração pública em sentido pessoal clara e consequente,
como conclusão possível é que geral: deve haver previsão clara com uma legislação coerente e
o instituto do concurso públi- dos quadros funcionais, com simétrica aos moldes federais,
co e a sua regra geral, prevista a realização de uma política ainda é a melhor solução possí-
no inciso II do artigo 37 da concreta de pessoal – inclusive vel contra eventuais problemas
Constituição Federal, têm sido com concursos periódicos –, de jurídicos relacionados aos con-
interpretados de forma exten- modo a que sejam atendidas cursos públicos.

NOTAS
1 BRASIL: STF. Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 2380 (União). Relator Min. Moreira Alves, Tribunal Pleno, julgado em 20 jun. 2001, acórdão publicado no Diário da Justiça
em 24 maio 2002 e no Ementário v. 2070-02.
2 BRASIL: STF. Ação Direta de Inconstitucionalidade 2987 (Santa Catarina). Relator Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, julgado em 19 fev. 2004, acórdão publicado no Diário da Justiça em
2 abr. 2004, no Ementário v. 2146-03 e na Revista Trimestral de Jurisprudência v. 193-01. No mesmo sentido: BRASIL: STF. Ação Direta de Inconstitucionalidade 890 (Distrito Federal), Relator Min.
Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, julgado em 11 set. 2003, acórdão publicado no Diário da Justiça em 06 fev. 2004 e no Ementário v. 2138-01; BRASIL: STF. Ação Direta de Inconstitucionalidade
1222 (Alagoas), Relator Min. Sydney Sanches, Tribunal Pleno, julgado em 6 fev. 2003, acórdão publicado no Diário da Justiça em 11 abr. 2003 e no Ementário v. 2106-01.
3 JBRASIL: STF. Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2135, Relator Min. Néri da Silveira, Relatora para acórdão Min. Ellen Gracie, Tribunal Pleno, julgado em 2 ago. 2007,
publicado no Diário da Justiça Eletrônico em 7 mar. 2008, no Ementário v. 2310-01 e na Revista Trimestral de Jurisprudência v. 204-03.
4 BRASIL: STF. Ação Direta de Inconstitucionalidade 890 (Distrito Federal), Relator Min. Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, julgado em 11 set. 2003, acórdão publicado no Diário da Justiça em 06 fev.
2004 e no Ementário v. 2138-01.
5 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 146-147.
6 Os comentários de Ivan Barbosa Rigolin são bem enfáticos no sentido de comemorar a revogação, com o advento da nova lei específica: “A Lei nº 8.745/93 extirpou do texto da Lei nº 8.112/90
o canhestro e esdrúxulo disciplinamento que ali existia (art. 232 a 235) de contratos de locação de serviço, regidos pelo Código Civil, para suprir necessidades temporárias de excepcional interesse
público, conforme admitido – de outro modo, por certo, como agora se deu – para Constituição no art. 37, IX; e agora disciplinou aceitavelmente a matéria, fora e longe desta Lei nº 8.112/90”
(RIGOLIN, Ivan Barbosa. Comentários ao Regime Único dos Servidores Públicos Civis. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 432).
7 BRASIL: STF. Reclamação 4762/PR, Relatora Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, julgada em 2 mar. 2007, acórdão publicado no Diário da Justiça em 23 mar. 2007, no Ementário v. 2269-01 e
na Revista LEXSTF v. 29, nº 341, 2007, p. 217-222.
8 BRASIL: STF. Recurso Extraordinário 573.202/AM, Relator Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, julgado em 21 ago. 2008, Repercussão Geral – Mérito, publicado no Diário da Justiça Eletrô-
nico em 5 dez. 2008, no Ementário v. 2344-05 e na LEXSTF v. 30, nº 360, 2008, p. 209-245
9 BRASIL: STF. Recurso Extraordinário 227.480/RJ, Relator Min. Menezes Direito, Relatora para acórdão Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, julgado em 16 set. 2008, publicado no Diário da Justiça
Eletrônico em 21 ago. 2009, no Ementário v. 2370-06 e na Revista Trimestral de Jurisprudência v. 212.
10 BRASIL: STF. Repercussão Geral – Mérito – no Recurso Extraordinário 598.099/RJ, Relator Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 10 ago. 2011, publicado no Diário da Justiça Eletrôni-
co em 03 out. 2011 e no Ementário v. 2599-03.
11 BRASIL: STJ. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 31.847/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 22 nov. 2011, publicado no Diário da Justiça
Eletrônico em 30 nov. 2011.

Servidores Temporários Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM > 35


RESUMEN
La tensión entre las normas habituales para la contratación de fuerza de trabajo y los contratos temporales en la
administración pública brasileña: un debate judicial con algunas consecuencias para la gestión.
La Constitución Federal brasileña de 1988 tiene dos disposiciones que mantienen un tenso equilibrio normativo: la regla general de la
concurso previo a la contratación de empleados publicos y la excepción de contratación temporaria por razones de interés excepcional.
El tema ha sido ampliamente discutido en los tribunales superiores brasileños, en medio de un cambio de paradigma en la jurispru-
dencia: la concesión de derechos legales para el nombramiento de los aprobados en los concursos. Esta situación juridica implica una
necessaria reevaluación de la política de personal que debe estar guiada por una planificación a largo plazo, así como la definición en
las leyes adecuada para evitar problemas judiciales.
Palabras-clave: Servidores públicos. Puestos temporales de trabajo público. Decisiones judiciales.

ABSTRACT
The tension between the regular rules for hiring workforce and the temporary contracts in the Brazilian public
administration: a judicial debate with some consequences to the management.
The Brazilian National Constitution has two key legal norms in a tense balance: the wide requirement of previous approval in tests in
order to gain a position in the public service, and the possibility of hiring workforce without it in exceptional cases due to the public
necessity. Such theme is under a deep debate in the high courts of the nation amidst a paradigmatic recent change: the recognizance
of some rights to the approved candidates in the public tests made to staff in the public administration. This situation brings to need
of re-thinking the planning and the policies regarding selection and management of the workforce in Brazilian public entities in order
to avoid some judicial conflicts.
Key words: Public servants. Temporary public jobs. Judicial decisions.

36 > Ano 58 — N ° 281 — Julho/Agosto/Setembro 2012


Contratação de Serviços

Inadequação da licitação na modalidade


pregão para contratação de serviços para
realização de concurso público
Jaber Lopes Mendonça Monteiro — Consultor Jurídico do IBAM, Advogado pós-graduado em Direito Público e mestre em Filosofia do
Direito – mendoncamonteiro@hotmail.com
Rafael da Silva Alvim — Graduando em Direito pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Estagiário da CJ/IBAM, Ex- Pesquisa-
dor-bolsista do Departamento de Fundamentos em Direito, Administração e Política, da ECJ/Unirio – rafael.alvim@ibam.org.br

RESUMO
O concurso público objetiva selecionar os candidatos dotados de maior merecimento e garantir que somente inte-
grarão os quadros da administração os que atendam plenamente aos requisitos do cargo. Na busca de tão relevante
mister, o gestor não deve abrir mão da avaliação da melhor técnica entre os licitantes que participam do certame.
Nestes casos, cabe ao administrador renunciar à modalidade Pregão, vez que esta se limita a perquirir a oferta de
menor preço dentre as apresentadas pelos licitantes.

Palavras-chave: Concurso Público. Licitação. Pregão.

Desde os tempos antigos, procedimento que, por um lado, que serviço público carece. Nes-
os concursos públicos são a visa a garantir a moralidade, a te diapasão, vale a pena conferir
melhor forma de seleção de impessoalidade e a igualdade o conceito de concurso público,
pessoal para o Poder Público. As de oportunidades na investi- nas palavras de Francisco Lo-
primeiras referências históricas dura dos cargos públicos e, por bello de Oliveira Rocha2:
datam de até 2.200 a.C., na Chi- outro, garantir aos cidadãos o
na. No Brasil, apesar de haver acesso a esses cargos à luz do “(...) é um procedimento
algumas disposições sobre con- princípio da igualdade de opor- administrativo, subordinado
cursos públicos desde a Consti- tunidades. Com efeito, presta- a um ato administrativo pré-
tuição do Império de 18241, foi -se a selecionar os que demons- vio, o edital – que por sua vez
a Constituição Federal de 1988 trarem maior merecimento subordina-se a todo o ordena-
que inaugurou na ordem cons- – ou seja, aqueles dotados de mento jurídico pré-existente
titucional brasileira o dever de maior gabarito e qualificação –, destinado a propiciar a mais
realizar o concurso público para técnico-científica –, ao mesmo perfeita seleção entre os can-
a seleção e o recrutamento de tempo em que visa garantir que didatos que preencherem as
pessoal, decorrência do cha- apenas serão admitidos aqueles necessidades da Administra-
mado princípio do dever geral que preencham as necessidades ção, garantindo-se a igualdade
de licitar, insculpido no art. 37, da administração em relação de oportunidades no acesso a
caput e inciso XXI. às funções inerentes ao cargo, cargos e empregos públicos”.
colocando-se a serviço do de-
O concurso público foi a for- senvolvimento institucional da Assim, quando o admi-
ma escolhida pelo constituinte administração. A finalidade do nistrador se precisa realizar
para garantir a igualdade de concurso público é, portanto, a concurso para prover cargos
oportunidades no provimento seleção e a admissão do pessoal vagos no âmbito do serviço
dos cargos públicos. Trata-se de mais qualificado a atender o público, pode realizar o certame

Contrataçào de Serviços Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM > 37


mediante execução direta ou impactos no resultado final do de preferência na contratação
recorrer ao mercado e proce- certame. Outro elemento que se de micro e pequenas empresas),
der à escolha daquele que se nos afigura de suma importân- além dos princípios de Direito
demonstrar mais apto à rea- cia é a escolha dos critérios que Constitucional e de Direito
lização do relevante processo serão utilizados para avaliação Administrativo.
de seleção de pessoal ante às dos conhecimentos indispen-
diferentes nuances específicas sáveis ao exercício do cargo, Quanto ao objeto, o julga-
relacionadas ao desempenho de a se enquadrarem na expertise mento das licitações pode se
cada tipo particular de função da instituição que procederá à dar mediante a persecução
pública. realização do concurso público. dos seguintes critérios: menor
Por isso, é comum se falar de preço, melhor técnica e melhor
É o interesse público que concurso como procedimento técnica e preço. Em relação ao
guia a conduta do administra- eminentemente técnico, o que primeiro tipo de julgamento,
dor e que dele não se pode afas- importa relegar o preço a um temos que a licitação do tipo
tar. Afinal, os futuros servidores plano secundário, não obstante menor preço norteia-se pelo
– tais como médicos, advoga- sua relevância na contratação. custo dos bens ou serviços que
dos, enfermeiros e professores venham a ser apresentados,
– é que irão prestar os serviços Por outro lado, é indiscutível mediante proposta dos licitan-
que a população necessita. As- que a licitação pública é regida tes, à administração. Já no que
sim sendo, é o povo o destina- pela Lei nº 8.666/1993 (que fixa tange à licitação do tipo melhor
tário último de toda a atuação normas gerais de licitações e técnica, trata-se de critério de
estatal. Destarte, não se pode contratos em obediência ao julgamento apropriado para a
abrir mão da qualificação téc- art. 22, XXVII da Constituição), contratação de serviços de na-
nica daqueles que irão proceder pela Lei nº 10.520/2002 (que tureza eminentemente técnica
à seleção dos candidatos mais cria e estende aos Estados, ou intelectual. Cabe consignar
aptos, sendo certo que disso Distrito Federal e Municípios que a licitação de tipo melhor
decorre a necessidade de uma uma nova modalidade de lici- técnica e preço consubstancia-se
equipe técnica e pessoal gaba- tação conhecida como pregão) em ponderação dos critérios de
ritado para identificar quais e pela Lei Complementar nº preço e de técnica, do qual se
serão os aspectos essenciais à 123/2006 (que estabelece regras extrairá média ponderada das
mais perfeita seleção e para que
sejam estabelecidos os critérios
mais adequados para a escolha
do pessoal que será admitido.

A organização de um con-
curso público vai muito além da
mera aferição do conhecimento
dos candidatos: a realização
da seleção pública concerne
múltiplos fatores, tais como a
banca, o critério de correção, os
critérios pedagógicos, a logís-
tica do concurso, a divulgação,
a inscrição, a fiscalização, o
dimensionamento do número
de inscritos. Todos esses fato-
Cumpre às autoridades encarregadas da licitação promover criterioso exame tanto do serviço de realização de
res com potencial de ocasionar concurso público, quanto dos critérios de seleção dos mesmos

38 > Ano 58 — N ° 281 — Julho/Agosto/Setembro 2012


Contratação de Serviços

notas obtidas em cada um dos na contratação de serviços nem sempre o tipo “menor
quesitos. para a realização de concursos preço” será o adequado para a
públicos. licitação.
A administração pública
vem admitindo a utilização da O pregão não se presta a Menor preço, mesmo sendo
figura do pregão para a contra- procedimentos do tipo melhor hoje a regra geral das licitações,
tação de serviços de natureza técnica ou melhor técnica e deve ser o requisito perseguido
majoritariamente técnica ou preço, admitindo somente a apenas quando o objeto da
intelectual, mediante a obser- modalidade menor preço. Esta licitação possa ser fornecido,
vação de elementos de ordem é a razão pela qual é inquestio- idêntico, o mesmo, ou quase
técnica, o que é um grave equí- nável o fato de não dever ser idêntico, por vários propo-
voco. O pregão é modalidade utilizado para contratação de nentes, sem diferença algu-
licitatória prevista na Lei nº serviços de realização de con- ma ou com diferença mínima
10.520/2002 a ser realizada en- cursos públicos, já que se trata de qualidade, durabilidade,
tre interessados especializados de procedimento que, além de ou aquelas outras caracterís-
no ramo do objeto ou serviço extremamente complexo, deve ticas explicitadas. (...).
pretendidos e que comprovem ser avaliado caso a caso, ponde-
possuir os requisitos mínimos rando a técnica da entidade e o Quando a Comissão (ou a
de qualificação exigidos no edi- preço por ela proposto, sendo Administração) constate que
tal. Nesta modalidade licitató- inviável a simples contratação o objeto pretendido possa va-
ria, a disputa pelo fornecimen- da instituição com o preço mais riar significativamente, quer
to de bens ou serviços comuns baixo, que certamente não será no preço, quer na qualidade,
é feita em sessão pública de o critério mais idôneo para afe- quer no rendimento, quer na
forma presencial ou eletrônica. rir as propostas dos licitantes. garantia, quer em qualquer fa-
tor importante, não deve realizar
Cada dia mais, União, Esta- No mesmo sentido, lecio- licitação do tipo de menor preço.
dos e Municípios vêm se valen- nam Ivan Barbosa Rigolin e Deve necessariamente consti-
do da modalidade Pregão, que Marco Tulio Bottino4 acerca tuir um critério de julgamento
tem por aspectos positivos a dos momentos em que deverá integrado por fatores diversos,
celeridade, a desburocratização ou não a administração proce- através dos quais possa avaliar
e a economia de recursos que der ao processo licitatório me- cada uma daquelas característi-
proporcionou, mas cuja falta diante critério de menor preço, cas dos bens ou produtos ofere-
de material crítico mostra- ou à conjugação dos requisitos cidos pelos licitantes, em cada
-se impressionante. Segundo de técnica e preço: qual das propostas; somente
recente divulgação da Secre- assim poderá fazer cumprir o
taria de Comunicação Social “(...) Sempre que possível – e papel institucional da licitação:
da Presidência da República, com frequência é possível – selecionar a proposta mais vanta-
somente no primeiro semestre devem ser combinados fatores josa para a Administração (cf. art.
do ano de 2012, a União gastou de julgamento outros que não 3º da L. 8.666). Escolherá, então,
R$ 8,5 bilhões com pregões ele- apenas o preço, para consti- o tipo da melhor técnica, ou da
trônicos, que já correspondem tuir o critério de julgamento técnica e preço.” (grifamos)
a cerca de 93% dos processos de mais vantajoso à entidade, tais
licitação do Governo Federal3. quais, exatamente, qualidade, Ante a impossibilidade de
No presente artigo, tentaremos rendimento, durabilidade, ga- a administração se utilizar,
elucidar alguns problemas que rantia, compatibilidade, rede de forma indiscriminada, da
surgiram com a utilização de- de manutenção, facilidade na modalidade pregão quando da
senfreada e equivocada desse reposição de peças, prazo de realização de seus processos
tipo de licitação, em especial pagamento (...). Nesse caso, licitatórios para a contratação

Contrataçào de Serviços Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM > 39


de serviços para a realização de uma indubitável reputação pelo atividade administrativa do
concursos públicos, o adminis- trabalho qualificado, correto, Estado não podem ser supri-
trador deve optar por uma das ético”. Não atendendo esses midos através do argumento
modalidades mais conserva- critérios de avaliação, o admi- de sua onerosidade econômica.
doras previstas na Lei Geral de nistrador público incorrerá no Todo agente estatal tem o dever
Licitações, quando as caracte- risco de dispensar a contrata- de submeter sua conduta aos
rísticas inerentes ao mercado ção de entidade que não atenda controles necessários à preva-
assim o aconselharem. Nesse aos fins estritamente previstos lência do Direito, mesmo que
contexto, não se pode deixar em lei, correndo o risco de ser isso signifique tornar a gestão
de consignar a possibilidade condenado por dispensa inde- administrativa mais lenta e
de dispensa de licitação para vida de licitação. menos eficiente. Pode dizer-se
a contratação de serviço de que o princípio da eficiência é
realização de concurso público. Sobre a inadequação do pre- derivado e secundário: apenas
As hipóteses de dispensa são as gão para licitação de vários bens se aplica após verificar-se a com-
especificamente citadas no art. e serviços há argutas observa- patibilidade de diferentes solu-
24 da Lei nº. 8.666/1993, dentre ções da mais abalizada doutrina ções com os princípios jurídicos
as quais a “contratação de ins- que defendem um uso pondera- fundamentais. A eficiência tem
tituição brasileira incumbida do da modalidade em respeito de ser um atributo do Estado
regimental ou estatutariamen- a vários princípios que regem a Democrático de Direito, nunca
te da pesquisa, do ensino ou do administração e os postulados bastará um Estado eficiente, se
desenvolvimento institucional, mais fundamentais de um Es- não for democrático.
ou de instituição dedicada à tado Democrático de Direito. O
recuperação social do preso, professor Marçal Justen Filho Apenas acessoriamente, in-
desde que a contratada detenha também tece comentários escla- sista-se em que a História ensi-
inquestionável reputação ético- recedores nesse sentido6: na que a ausência de democracia
-profissional e não tenha fins tende a destruir o postulado da
lucrativos” (inciso XIII). “Nem é possível argumentar eficiência. O sacrifício da de-
em defesa do pregão eletrônico mocracia acaba sendo sucedido
Ao se falar em dispensa com a invocação ao princípio da pela destruição da eficiência.
há sempre que se proceder a eficiência e o fornecimento de Em médio prazo, os autoritários
criterioso exame das institui- estatísticas acerca da economia que tomaram o poder acabam
ções que porventura venham obtida para os cofres públicos. desviando-o em seu benefício
a submeter suas propostas à próprio, sem possibilidade de
apreciação da administração Em primeiro lugar, o princí- controle externo. Seria talvez
pública. Isto porque o permis- pio da eficiência não se super- um exagero afirmar que a invo-
sivo legal aplica-se, no dizer põe aos princípios estruturantes cação à eficiência pode recobrir
de Márcio dos Santos Barros5, da ordem jurídica. Não se pode a intenção de realizar preci-
exclusivamente a “institui- transigir acerca da configura- samente o resultado oposto.
ções ou pessoas jurídicas que ção de um Estado Democrático Depois de afastados os empeci-
tenham estabelecido em seus de Direito, pleiteando adoção lhos jurídicos, torna-se possível
atos constitutivos ou organi- de certas técnicas economica- praticar atos muito reprováveis.
zacionais que suas atividades mente rentáveis. A adoção da
fundamentais serão relaciona- democracia não é uma questão Ao assim dizer, não se pre-
das com pesquisa (...), ensino, econômica. Não se pode esco- tende imputar à inovação do
desenvolvimento institucional lher eleger através de critério pregão eletrônico algum de-
(...) ou recuperação social de econômico uma solução incom- feito dessa ordem. Apenas se
presos, e efetivamente a exer- patível com a ordem democrá- põem em destaque os enormes
citem, a ponto de adquirirem tica. Os controles impostos à riscos existentes na conduta

40 > Ano 58 — N ° 281 — Julho/Agosto/Setembro 2012


Contratação de Serviços

“ O concurso público foi a forma escolhida


pelo constituinte para garantir a igualdade de
oportunidades no provimento dos cargos públicos

de suprimir controles jurídicos o qual “o barato sai caro”. Por que tal indica ser, o primeiro, o
fundamentais. reiteradas vezes a contratação elemento mais importante do
de serviço ou aquisição de bem sistema, e o mais procurado pela
Depois disso, a avaliação cuja proposta tenha valor rela- lei – esta ao menos deve ter sido
da eficiência faz-se através tivamente mais elevado que as a ideia originária do legislador, já
de critérios e estatísticas ex- outras acaba sendo preferível que pelo critério de média pon-
tremamente questionáveis. É face à obstinada persecução do derada os fatores técnicos e os
usual invocar a diferença entre menor preço, haja vista a maior de preço eventualmente poderão
o valor de melhor proposta na rentabilidade, durabilidade ou ter a mesma relevância (...).”
primeira fase e aquela obtida mesmo a qualidade do serviço
ao final da etapa de lances. que se deseja adquirir. Destarte, procedendo a aper-
Esse raciocínio é extremamente tada síntese da argumentação
discutível, eis que os licitantes Neste mesmo sentido, é de se até o presente empreendida,
sabem de antemão que suas considerar que a economia feita cabe consignar que, em primeiro
propostas não lhes assegurarão pelos cofres públicos em virtude plano, quando da utilização pela
a vitória. Como será obrigatória da contratação de serviço de modalidade pregão, a comissão
a realização de lances, é inevitá- menor preço logo se transfor- de licitação deverá proceder ao
vel que incluam em seus preços ma em gastos desnecessários julgamento e classificação das
uma espécie de “reserva”, para às custas do erário, referentes à propostas apresentadas pelos
propiciar reduções posteriores.” insuficiência de qualificadores licitantes mediante o critério
do serviço que assegurem um de menor preço, conforme resta
O dever da administração adequado atendimento às ne- inequívoco do art. 4º, X da Lei
pública é selecionar a melhor cessidades da administração. O nº 10.520/2002. Outra caracte-
proposta, entendida como aque- pregão não se digna a contratar rística intrínseca ao serviço de
la que melhor atenda ao inte- serviços pelos critérios técnica realização de concurso público
resse público. Deve, assim, o ou técnica e preço, razão pela é sua natureza inequivocamente
administrador examinar, caso qual não pode ser utilizado em técnica, conforme acima referi-
a caso, os aspectos envolvidos muitos casos, em especial na do, em face da qual não é lícito
em cada contratação, mitigando contratação de serviços para re- ao administrador público proce-
um princípio ou outro em face alização de concursos públicos. der a mero julgamento das pro-
da realidade e da necessidade postas apresentadas, avaliando
de selecionar a proposta mais Confira-se, ainda, a lição de apenas os custos que a con-
vantajosa à máquina pública. Ivan Barbosa Rigolin e Marco tratação do serviço ocasionará
Tulio Bottino7 acerca do crité- ao erário (daí já se extraindo
Muitas vezes a melhor pro- rio melhor técnica: o afastamento da modalidade
posta não é a mais barata. pregão para avaliar as propos-
Neste mister, cabe a aplicação “É significativo constar a pa- tas relativas à organização de
do adágio popular segundo lavra técnica antes de preço, pois concurso público, vez que não

Contrataçào de Serviços Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM > 41


comporta uma avaliação mais tada ou da incerteza sobre a renciamento e realização de
acurada da técnica do que se caracterização do objeto, deve concurso público de provas
está a contratar). Por derradeiro, o gestor preterir o pregão em para provimento de cargos
ainda atendo-nos aos requisitos favor de outras modalidades efetivo – é certo que não se
necessários à formalização do licitatórias cercadas de maior trata de um serviço comum,
procedimento licitatório pela rigor formal.” (TCU. Acórdão disponível frequentemente no
modalidade prevista na Lei nº nº 1.615/2008 – Plenário. Rel. mercado. De modo contrário, os
10.520/2002, é de se consignar Min. BENJAMIN ZYMLER. Jul- serviços contratados atendem
que não é tarefa das mais fá- gamento em 13.08.2008. DJ de a especificidades da contrata-
ceis enquadrar a realização de 18.08.2008) (grifamos) da, visando a atingir objetivos
concurso público como sendo específicos, com qualificação
um “serviço comum”, face à na- “(...) Dessa forma, em análise determinada.” (TCE/AL. Pro-
tural demanda por qualificação perfunctória da questão posta cesso nº TC-2.366/2012 – Rel.
técnica especializada e dada a em juízo, (...) a modalidade Conselheiro SÉRGIO RICARDO
natureza eminentemente inte- “pregão” para a contratação de MACIEL (substituto). Julga-
lectual do serviço, a ensejar das pessoa jurídica visando pres- mento em 08.03.2012. DJ de
organizações empreendimentos tação de serviço consistente, 09.03.2012) (grifamos)
cada vez maiores no sentido na espécie, em elaboração de
de se aprimorar as técnicas concurso público para preen- Não ignoramos, contudo, o
inerentes ao planejamento e chimento de cargos na Admi- fato de que muitos adminis-
à execução dos concursos pú- nistração Pública Municipal, tradores têm entendido que o
blicos; qualificação de pessoal; (...) não parece ser a mais pregão pode ser utilizado para
questões inéditas etc. adequada porque ‘para a ela- a contratação de serviços para
boração e execução do serviço a realização de concursos pú-
Face às ponderações até o demandam técnica apurada blicos com base na equivocada
momento apresentadas, cabe do vencedor da licitação’ (...)”. premissa de que se trata de
colacionar a jurisprudência (TJPR – AI nº 6.762.901/PR. 5ª “serviço comum”. Essa postura,
pátria acerca da temática em Câmara Cível. Rel. Des. ADAL- entretanto, é um erro crasso
comento. Confira-se: BERTO PEREIRA. Julgamento que deve ser afastado – e não
em 07.12.2010) (grifamos) seria mesmo preciso entrar nes-
“(...) sa seara, dada a inadequação
“(...). Dentre as irregulari- prima facie do pregão para a lici-
15. A aplicação do pregão dades apontadas ressaltam tação de vários tipos, mas dado
aos bens e serviços incomuns aos olhos a inadequação da o atual estado da discussão na
representa risco à segurança modalidade de licitação pre- doutrina e na jurisprudência,
contratual, pela possibilidade gão, utilizada para contrata- temos que são necessárias al-
de conduzir a Administração ção da empresa encarregada gumas considerações sobre o
à celebração de contrato com da execução do objeto, eis que que é serviço comum.
pessoa sem qualificação para os serviços contratados não
cumpri-lo ou pela aceitação de se configuram como “serviço A Lei do Pregão explicita um
proposta inexequível. comum”, conforme estabeleci- controverso conceito de bens e
do na Lei n° 10.520/02. serviços comuns no parágrafo
16. Por essa razão, em situ- único de seu art. 1º, a partir
ações que sejam necessárias (...) do qual os operadores do di-
medidas mais cautelosas para reito têm formulado diversas
segurança do contrato, em No particular, dadas as ca- interpretações que conferem
razão dos riscos decorrentes racterísticas do objeto – pla- diferentes alcances ao termo.
de inadimplência da contra- nejamento, organização, ge- Doutrina autorizada vem en-

42 > Ano 58 — N ° 281 — Julho/Agosto/Setembro 2012


Contratação de Serviços

tendendo que comuns são os jeto de comprovação somente o objeto deve ser definido por
bens e serviços que se encon- em situação excepcional.” meio de critérios objetivos e
tram disponíveis no mercado, usuais no mercado. Ocorre que
que são padronizados e dotados Outro aspecto do erro acima todo julgamento de propostas,
de alguma fungibilidade, como exposto é que a confusão é ain- independentemente da moda-
afirma Marçal Justen Filho8: da mais agravada pela vacilante lidade licitatória empregada,
jurisprudência de nossas Cortes deve utilizar-se de critérios
“Para concluir, numa ten- de Contas, em especial do Tri- objetivos, como determina o
tativa de definição, poderia bunal de Contas da União, no art. 44 da Lei n° 8.666/93. A
dizer-se que bem ou serviço que toca ao sentido ou alcance primeira parte da definição
comum é aquele que se apre- da expressão “serviço comum”. então pouco orienta, pois não
senta sob identidade e carac- A propósito, seja consentida a pode ser considerada intrín-
terísticas padronizadas e que se transcrição de jurisprudência seca ao pregão. A segunda
encontra disponível, a qualquer do TCU e suas diversas inter- parte da definição também
tempo, num mercado próprio.” pretações sobre o que entende é vaga, pois não informa
como bens e serviços comuns, nem quais os critérios para
Assim, é tarefa muito difícil, como se afere da leitura dos considerar algo usual, nem
se não impossível, classificar seguintes julgados: a qual mercado se refere. Por
a realização de um concurso exemplo, as especificações do
público como sendo um serviço “(...). Utilize obrigatoria- pregão da Senasp não podem
comum. Nesse sentido, é perti- mente a modalidade pregão, ser consideradas usuais em
nente colacionar a elucidativa preferencialmente na forma relação ao mercado em geral,
lição de Marçal Justen Filho9: eletrônica, quando se tratar pois aeronaves não são bens
de serviços comuns, definidos negociados pela grande maio-
“Como regra, a qualificação como aqueles cujos padrões de ria das pessoas ou empresas.”
técnica será desnecessária para desempenho e qualidade pos- (TCU – Plenário. Acórdão nº
a contratação de bens e serviços sam ser objetivamente defini- 2.406/2006) (grifamos)
comuns. Mais precisamente, dos por meio de especificações
bastarão exigências muito usuais no mercado, em confor- A jurisprudência das Cortes
sumárias nessa área. Poderão midade com o art. 1º, parágrafo de Contas tem evoluído ao
ser estabelecidas distinções único, da Lei nº 10.520/2002, e longo da última década, o que
conforme se trate de compra com o item 9.2.1 do Acórdão nº refletiria quiçá uma tolerância
de bens ou de prestação de ser- 2471/2008, todos do Plenário.” excessiva e até mesmo uma
viços. Por mais comuns que o (TCU – 1ª Câmara. Acórdão nº inclinação crescente a alargar
sejam, os serviços sempre com- 137/2010) o significado do que se entende
portam maior complexidade do por bem ou serviço comum,
que os bens. Na maior parte dos “(...) Quanto ao aspecto como, aliás, resta latente no en-
casos, não existirá obrigatorie- legal, a Lei do Pregão nos tendimento fixado na Súmula
dade de inscrição em entidades fornece um tipo aberto, con- TCU de nº 257/201010. Entretan-
profissionais. Mas a afirmativa substanciado no “bem ou ser- to, sem medo de sermos redun-
não pode ser generalizada. Se viço comum” por ela definido dantes, e com a devida vênia, tal
for o caso, é possível exigir como “aqueles cujos padrões postura é um erro manifesto.
comprovação de experiência de desempenho e qualidade
anterior. Aplicam-se, em ter- possam ser objetivamente Sem dúvida, o advento da
mos gerais, os comentários definidos pelo edital, por Lei do Pregão representou
formulados a propósito dessa meio de especificações usu- grande passo a caminho de
questão. Os incs. III e IV do art. ais no mercado.” Em outras maior e mais efetiva celeridade
30 da Lei de Licitações serão ob- palavras, podemos dizer que nos processos licitatórios indis-

Contrataçào de Serviços Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM > 43


vista científico ou tecnológico,
vantajosa material e imedia-
tamente do ponto de vista
operacional. Não se trata de
preço; não se trata de quali-
dade tecnológica; trata-se de
aproveitar outras eventuais
circunstâncias, conforme
edital, que assegurem técnica
vantajosa, e por isso melhor.
Não obstante vertida a lição
do pranteado mestre ao direito
anterior, vale ainda, plenamen-
te, o inteligente raciocínio.”
(grifamos)

Fa c e à s c o n s i d e r a ç õ e s
Cada dia mais, União, Estados e Municípios vêm se valendo da modalidade Pregão
exaradas, é lícito verificar
que somente nos casos em
pensáveis à administração pú- sente artigo, ficou assentado que o critério de seleção da
blica. Contudo, sua utilização que não é o critério menor proposta for o menor preço
deve ser cautelosa e ponderada, preço, largamente observado será adequada a utilização
sob pena de trazer sérios ris- por ocasião dos processos lici- da modalidade pregão, razão
cos para a administração que tatórios na modalidade pregão pela qual tal modalidade é
podem ser evitados mediante (presencial ou eletrônico), meio inadequada para a contratação
o rigor técnico e exame dos mais idôneo para, em muitos de serviços de realização
critérios a serem levados em casos, se aferir a proposta mais de concursos públicos. Por
consideração quando da análi- vantajosa para a administração. seu turno, em que pesem as
se das propostas apresentadas Cabe, por derradeiro, recorrer- controvérsias na doutrina e na
pelos licitantes. Não raro, a mos novamente ao magisté- jurisprudência pátrias acerca
contratação realizada mediante rio de Ivan Barbosa Rigolin e da inserção da organização de
estrita observação do menor Marco Tulio Bottino11, quando, concurso público como bem
preço tem gerado severos danos citando a lição de Hely Lopes comum, requisito necessário
ao erário, à administração e à Meirelles, asseveram: à utilização da licitação na
própria sociedade, destinatária m o d a l i d a d e p re g ã o, i ss o
final de toda a gestão pública. “Hely separa inteligente- certamente constitui equívoco
mente técnica mais vantajosa a d m i n i s t r a t i v o, d e v e n d o
Cumpre às autoridades en- de melhor técnica, e tal assim ser combatida a utilização
carregadas da licitação promo- é observável. Na licitação de desvirtuada do pregão sob
ver criterioso exame tanto do técnica e preço deve o edital pena de malferir o interesse
serviço de realização de concur- fixar que, além do preço, ou- público. Como exaustivamente
so público, que se deseja licitar, tros fatores devem figurar nas exposto, a questão insuperável
quanto dos critérios de seleção propostas técnicas, a compor é a do pregão não se destinar
dos mesmos, ponderando va- vantagens diversas, como apro- à escolha de melhor técnica e
riar caso a caso os parâmetros veitamento de material, local preço, somente se prestando
de predomínio para a seleção ou mão-de-obra disponíveis, a escolher o melhor preço.
do objeto da licitação. No caso de modo a tornar a técnica, Por isso, concluímos por ser
particular abordado pelo pre- além de melhor do ponto de peremptoriamente inadequada

44 > Ano 58 — N ° 281 — Julho/Agosto/Setembro 2012


Contratação de Serviços

a utilização do pregão como dequada a modalidade pre- tomada de preços ou convite),


modalidade de licitação para gão para a contratação de o que inclui, eventualmente,
a contratação do serviço de serviços para a realização de a própria dispensa, tanto no
realização de concurso público. concursos públicos, devendo caso da contratação do servi-
o administrador se valer de ço de realização de concurso
Por fim, pelas razões ex- qualquer outra modalidade público quanto em outros
postas, conclui-se que é ina- de licitação (concorrência, casos.

NOTAS
1 Em seu art. 179, inciso XIV, dispunha a Constituição de 1824: “Todo o cidadão pode ser admittido aos Cargos Publicos Civis, Politicos, ou Militares, sem outra differença, que não seja dos seus
talentos, e virtudes” (sic).
2 In ROCHA, Francisco Lobello de Oliveira. Regime Jurídico dos Concursos Públicos. São Paulo: Dialética, 2006, p. 165.
3 Disponível em http://www.secom.gov.br/sobre-a-secom/acoes-e-programas/comunicacao-publica/em-questao/edicoes-anteriores/julho-2012/boletim-1580-25.07/pregao-eletronico-poupa-r-2-
-5-bi-de-janeiro-a-junho?utm_campaign=Newsletteremquestao&utm_medium=Gestao.Publica&utm_source=Pregao.Eletronico&utm_content=250712. Acesso em 26/07/2012.
4 In RIGOLIN, Ivan Barbosa; BOTTINO, Marco Tulio. Manual prático das licitações: Lei n. 8.666/93. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002, pp. 201-202.
5 Idem, p. 219.
6 In JUSTEN FILHO, Marçal. Pregão: comentários à legislação do pregão comum e eletrônico. 3ª ed. revista e atualizada. São Paulo: Dialética, 2004, 215-216.
7 Idem, p. 206.
8 In JUSTEN FILHO, Marçal. Pregão: comentários à legislação do pregão comum e eletrônico. 3ª ed. revista e atualizada. São Paulo: Dialética, 2004, p. 30.
9 Idem, p. 94.
10 Súmula TCU nº. 257/2010: “O uso do pregão nas contratações de serviços comuns de engenharia encontra amparo na Lei nº 10.520/2002”.
11 Idem, p. 209.

RESUMEN
La insuficiencia de licitación en el modo de pregón para la contratación de servicios para la realización de concurso
público.
El concurso objetiva seleccionar a los candidatos con más méritos y garantizar que sólo integrarán los cuadros de la administración los
que atiendan plenamente a los requisitos del cargo. En busca de un menester tan relevante, el gestor no debe renunciar a la evaluación
de la mejor técnica entre los licitadores que participan en el certamen. En estes casos, cabe al administrador renunciar a la modalidad
Pregón, ya que esta se limita a espulgar la oferta con el menor precio de entre las presentadas por los licitadores.
Palabras-clave: Concurso Publico. Licitación. Pregón.

ABSTRACT
The inadequacy of licitation in cry modality for hiring of services for public concurrence.
The public concurrence aims to select candidates with more merit and ensure that only will fulfill the boards of the administration
the ones which fully meet the requirements of the position. In search of such a relevant goal, the manager should not give up on
the evaluation of the best technique among bidders participating in the dispute. In these cases, the administrator shall resign the Cry
modality, since it circumscribes itself to scrutinizing the offer with the lowest price among the ones submitted by the bidders.
Key words: Public Concurrence. Licitation. Cry modality.

Contrataçào de Serviços Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM > 45


Reportagem

Gestão de pessoas e administração


pública: capacitação de profissionais para
o desenvolvimento de ações de qualidade
visando ao atendimento à população
Patrícia Fahlbusch e Mauricio Lima — Jornalistas

Cerca de 5,5 mil prefeitos, escolhidos nas capacitação, desenvolvimento, avaliação, reconhe-
eleições municipais de 2012 – base nos dados cimento e remuneração.
do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), tomaram
posse este ano e serão os principais responsáveis Mecanismos de avaliação
pela elaboração de políticas públicas para saúde,
educação e habitação, entre outros fatores perti- Maria Luiza dos Santos Vellozo, diretora-presi-
nentes à qualidade de vida nos munícipios. Uma dente da Escola de Serviço Público do Espírito San-
delas é a melhora do serviço público – desde a to, explica que somente com equipes competentes
necessidade de se oferecer ao cidadão um trabalho e conhecedoras dos processos organizacionais é
de qualidade até a satisfação pessoal do servidor. possível delinear cargos e carreiras, cuja missão
Um desafio que envolve as mais variadas técnicas e esteja em sintonia com os objetivos e a estrutura
ferramentas com a modernização administrativa, da organização: “Se conhecermos o porquê, a razão
e principalmente, na área de Gestão de Pessoas da existência da organização, temos que delinear
na Administração Pública. Com isso, as palavras os macroprocessos. Daí, é possível identificar quais
de ordem são recrutamento e seleção de pessoal, cargos e respectivas funções são necessários para se

“Quando se tem gestores e equipes capacitados,


comprometidos e preocupados com
o cidadão, o ambiente de trabalho
é permanentemente estimulado.”

Maria Luiza dos Santos Vellozo

46 > Ano 58 — N ° 281 — Julho/Agosto/Setembro 2012


atingir os resultados e atender a missão. Devemos o conhecimento e o compromisso com resultados:
sempre perguntar que atividades são importantes e “Quando se tem gestores e equipes capacitados,
necessárias e alinhá-las à finalidade da organização.” comprometidos e preocupados com o cidadão, o
ambiente é estimulado permanentemente, mesmo
Neste sentindo, os processos seletivos têm valor com as dificuldades legais impostas ao serviço
ímpar. Na avaliação da diretora, uma das tarefas público, que por vezes são colocadas como um
mais difíceis é desenvolver mecanismos que dificultador. A experiência da escola, com cursos
permitam identificar as competências técnicas e na área de empreendedorismo e de inovação, tem
comportamentais, considerando-se as regras para comprovado que os investimentos nessa área dão
provimento de cargos efetivos na administração resultado, pelos inúmeros projetos inovadores pre-
pública. “Um mecanismo possível de ser usado é miados anualmente no serviço público estadual e
dar um caso prático para que os candidatos pu- municipal”.
dessem solucionar. Durante a sua execução, uma
equipe multidisciplinar seria eficiente para avaliar A diretora ainda diferenciou as políticas de
conhecimentos, habilidades e atitudes”, destaca remuneração fixa e variável: “A remuneração fixa é
Maria Luiza. E acrescenta: “É possível enumerar estabelecida por lei, paga pela prestação das ativi-
critérios que permitam avaliar e medir resultados dades inerentes ao cargo. Já a variável é aquela que
e entregas, bem como a forma de mensuração”. deveria ser paga pelo desempenho, pela criativida-
de e pela inovação, demonstrados para o alcance
Gestão e capacitação dos resultados, variando de pessoa para pessoa,
aplicando-se os preceitos da ‘meritocracia’”.
De acordo com a Pesquisa de Informações Básicas
Municipais – Perfil dos Municípios (Munic) de 2011, Qualidade de vida no trabalho
em relação aos níveis de escolarização do pesso-
al ocupado na administração direta, no Brasil, Na visão de Maria Luiza, sistemas de apoio a
38,0% (2.143.618 de servidores) possuíam nível decisões são implantados com o envolvimento da
médio; 25,9% (1.459.173), ensino superior; e 6,1% gestão superior, apoiando as ações, os programas e
(343.690), pós-graduação. Por outro lado, 20,7% os projetos das unidades organizacionais; com es-
(1.168.347) cursaram apenas o nível fundamental paço e com respeito à criatividade. “É fundamental
e 1,7% (96.043) não tinham instrução. investir em ações que visem à qualidade de vida no
trabalho. É necessário criar estratégias e ações com
No entanto, segundo Maria Luiza dos Santos o objetivo de promover um ambiente agradável.
Vellozo, o mais difícil é haver gestores capacitados Um clima organizacional favorável influenciará no
e isentos para interpretar dados e assumir uma desenvolvimento das atividades diárias e nos re-
avaliação de desempenho sem contaminação com sultados, o que tem sido, atualmente, cuidado das
envolvimentos de ordem pessoal e política. Para a empresas e também das instituições públicas. A
presidente da escola, o acesso a cursos de formação produtividade está diretamente relacionada com
e de aperfeiçoamento se dá com a criação de uma o bem estar das pessoas e das equipes”, conclui.
política de capacitação que valorize e busque a pro-
fissionalização dos servidores públicos. “Isso é pos- Perfil do profissional
sível com a implantação de planos de carreiras que
priorizem o desenvolvimento, com o apoio amplo e Coordenador da Escola do Legislativo do Esta-
irrestrito dos gestores públicos e compreendendo a do do Rio de Janeiro, o deputado estadual Gilberto
importância do desenvolvimento de competências Palmares é um crítico dos processos que focam,
para um melhor atendimento aos cidadãos”, destaca. de maneira exagerada, o perfil do profissional
com o objetivo da organização. “De certa forma,
Maria Luiza também opinou sobre a criação de essa visão restringe o acesso de profissionais com
um ambiente de trabalho que fomente a inovação, formações diferenciadas, que podem contribuir

Reportagem Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM > 47


“Considero os relatórios individuais um instrumento
fundamental para se acompanhar o trabalho de cada um
e o desempenho de toda a equipe. E ajudam, inclusive,
o próprio profissional a ter uma dimensão melhor
de suas próprias tarefas.”

Gilberto Palmares

de maneira extremamente positiva. A superes- variável é um bônus, um instrumento que ajuda a


pecialização é importante, mas não deve ser o valorizar o trabalho do profissional”, acrescenta.
principal critério.”
Cursos de formação
Para o parlamentar, em todo processo seletivo
são estabelecidos critérios aos quais os candida- Para garantir o acesso a cursos de formação e de
tos devem se adequar. O currículo e a experiência aperfeiçoamento, Gilberto Palmares defende que
passada são pontos que pesam bastante na esco- a organização deve reservar um horário, dentro
lha de um profissional. “Tenho, porém, dúvida se da própria jornada do trabalhador. “A prática deve
mecanismos que estabeleçam padrões, nos quais envolver todos, com escalas ou rodízios, de manei-
as pessoas necessitem se encaixar, são realmente ra a que sejam igualmente beneficiados. Também
positivos. Muitas vezes, um candidato se sai bem considero os cursos de formação fundamentais
em provas seletivas, mas no dia a dia do trabalho para a progressão funcional.”
apresenta várias fragilidades diante de questões
inesperadas.” O coordenador da Escola do Legislativo afirmou
ser possível criar um ambiente de trabalho que
O deputado defende que se estimule a autoa- fomente a inovação, o conhecimento e o compro-
valiação, seja por meio de relatórios individuais misso com resultados. “Obviamente, isso depende
periódicos seja na participação em seminários de quem está à frente do ambiente de trabalho, de
de planejamento, ou em reuniões de avalia- quem assume as diferentes instâncias de poder.
ção. “Particularmente, considero os relatórios Sou um entusiasta dos grupos de trabalho, pois
individuais um instrumento essencial para o permitem que todos tenham oportunidade de
acompanhamento do trabalho de cada um e o falar, de expor suas ideias, de compartilhar conhe-
desempenho de toda a equipe. Ajudam, inclusive, cimento e de dividir tarefas.”
o próprio profissional a ter melhor dimensão de
suas próprias tarefas.” O desenvolvimento e a implantação de siste-
mas de apoio à decisão, para Palmares, são feitas
Na opinião de Gilberto Palmares, há várias res- ao se investir no espírito de equipe, no trabalho
trições em relação à remuneração variável, porque, em equipe, nas atividades em que cada um deve
de modo geral, ela serve para rebaixar a valores conhecer perfeitamente as suas funções. Mas,
irrisórios a remuneração fixa, que é base inclusive também, na ampla visão do conjunto das tarefas,
para a aposentadoria do trabalhador. “Entretanto, sabendo que a ação de cada um é parte do todo.
em algumas situações específicas, com trabalha- “Decisões compartilhadas são mais bem aceitas e
dores expostos a situações de risco, a remuneração cumpridas. Cada vez mais fica claro que é impor-

48 > Ano 58 — N ° 281 — Julho/Agosto/Setembro 2012


Reportagem

tante fazer com que o trabalhador não veja o local ciplinas e de conteúdos específicos relacionados
de trabalho como um ambiente hostil e, sim, como à sustentabilidade nos currículos dos candidatos
um lugar onde é possível assegurar qualidade de a determinados postos de trabalho tem sido cada
vida, que envolve da atenção à ergonomia, passan- vez mais valorizada pelas empresas, por órgãos
do pela criação de espaços de lazer, que permitam públicos e por instituições do Terceiro Setor.”
ao empregado ter momentos de relaxamento.”
De acordo com Paulo Sérgio, campanhas in-
Atitude sustentável na administração ternas de promoção do comportamento ambien-
talmente correto realizadas por servidores (como
Paulo Sérgio Muçouçah, coordenador de Progra- reciclagem, redução do consumo de água e de
mas de Trabalho Decente e Empregos Verdes do Es- energia) são desenvolvidas pelo Ministério do
critório da Organização Internacional do Trabalho Meio Ambiente, por meio do programa A3P, cujo
(OIT) no Brasil, também participou da entrevista. objetivo é a promoção de práticas sustentáveis na
Ele respondeu questionário sobre a relação entre a Administração Pública, incluindo o treinamento
Gestão de Pessoas e a Economia Verde e a respeito de profissionais.
de como funciona a atitude sustentável na Admi-
nistração Pública. “Um dos principais gargalos da “A geração de empregos verdes contribui para a
transição para uma economia mais sustentável é a promoção de uma transição socialmente justa para
carência de profissionais qualificados para exercer uma economia de baixo impacto ambiental, na
as funções requeridas pelas atividades econômicas medida em que cria alternativas de ocupação para
‘verdes’”, sinaliza o profissional. “Essa transição os trabalhadores que terão seus postos reduzidos ou
pressupõe, portanto, a criação de programas de eliminados nesse processo de transição”, assegura
formação profissional que incorporem a seus con- Muçouçah. E acrescenta: “O Programa Empregos
teúdos um cuidado efetivo com a sustentabilidade. Verdes da OIT busca basicamente ‘esverdear’ as
Na Administração Pública, a preocupação pode atividades econômicas de maior impacto ambiental
se traduzir na concessão de incentivos fiscais e e melhorar as condições de trabalho nas atividades
econômicos para a produção e para o consumo ambientalmente sustentáveis. Os exemplos são
sustentáveis, inclusive concedendo prioridade para muitos e diversificados: incentivos à eficiência
a aquisição, por parte dos órgãos públicos, de bens e energética e ao uso de fontes renováveis de energia;
de serviços que causem menor impacto ambiental.” criação de alternativas sustentáveis de geração de
trabalho e renda em áreas assoladas pelo desmata-
O coordenador explicou os critérios para a mento; e promoção da reciclagem de resíduos com
seleção de pessoal: “A presença de cursos, de dis- condições de trabalho decentes”, finaliza.

“A presença de cursos, de disciplinas e de


conteúdos específicos relacionados à sustentabilidade
nos currículos dos candidatos a determinados postos
de trabalho tem sido cada vez mais valorizada pelas
empresas, por órgãos públicos e por instituições
do Terceiro Setor.”

Paulo Sérgio Muçouçah

Reportagem Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM > 49


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da Administração Pública
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50 > Ano 58 — N ° 281 — Julho/Agosto/Setembro 2012


Tributação da Propriedade

Um diagnóstico atualizado da tributação


da propriedade no Brasil
José Roberto R. Afonso — Economista e doutor pela UNICAMP
Julia Morais Soares — Economista e mestre pela UFR
Kleber Pacheco de Castro — Economista e mestre pela UFF

RESUMO
O objetivo deste artigo é atualizar o diagnóstico sobre o contexto da tributação sobre propriedade no Brasil e tentar
contribuir para a introdução da matéria nos debates sobre a reforma tributária. A estagnação do IPTU mostra o quan-
to o enorme potencial dos tributos patrimoniais tem sido ignorado, a despeito da relevância destes como alternativa
para a exagerada tributação do consumo e, por fim, como promotor de maior equidade tributária.

Palavras-chave: carga tributária. imposto patrimonial. IPTU.

O Brasil surpreende ao arre- chega a arrecadar menos que Fracassaram todos os projetos
cadar uma carga tributária glo- o Imposto sobre a Transmis- apresentados no passado e,
bal (atualmente na casa de 36% são inter vivos de Bens Imóveis agora, o governo brasileiro op-
do PIB) no patamar da maioria (ITBI), também municipal. Já o tou por propor mudanças pon-
das economias avançadas. Po- Imposto Territorial Rural (ITR), tuais e paulatinas. Infelizmente
rém, o mesmo não ocorre quan- federal, segue com arrecadação as atenções continuam mono-
do se observa apenas a parcela irrisória, talvez mal cobrindo os polizadas para os chamados
da carga relativa à tributação custos de seu lançamento. tributos indiretos, em especial,
patrimonial, equivalente a 1.2% o estadual sobre circulação de
do PIB, mal respondendo por A baixa carga de impostos mercadorias e serviços (ICMS).
4% da tributação nacional. sobre propriedade é consis- A tributação patrimonial é um
tente com a fraca equidade tema completamente fora dos
Chama a atenção a situa- que caracteriza o sistema tri- projetos de reforma e ausente
ção de estagnação do Imposto butário brasileiro, a ponto de até mesmo nas discussões.
Predial e Territorial Urbano exercícios apontarem que a já
(IPTU), municipal, que não se elevada concentração de renda O objetivo deste artigo é
aproveitou da imensa onda de piora depois da cobrança dos atualizar o diagnóstico sobre o
valorização imobiliária e de tributos. Apesar dessa grave contexto da tributação sobre
expansão de financiamentos distorção, o debate sobre a propriedade no Brasil e tentar
habitacionais que varre todo o equidade fiscal está ausente contribuir para que a matéria des-
País; há anos arrecada menos da cena política e até mesmo perte alguma atenção nos debates
que o Imposto sobre a Proprie- técnica no País. sobre a reforma tributária. Ainda
dade de Veículos Automotores mais sendo impostos típicos da
(IPVA), estadual, que, um fe- Não é muito diferente o competência local e como as
nômeno mais recente, indica tratamento do tema nas discus- prefeituras vêm reclamando da
que em muitas cidades (40%) sões sobre a reforma tributária. pressão de gastos e da estagnação

Tributação da Propriedade Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM > 51


das transferências federais, há relação à do início da década, tação. Os fatores apresentados
uma oportunidade para se advo- mas ainda bastante concentrada nesta primeira parte têm sido os
gar maiores esforços para elevar sobre Bens e Serviços (41,6% da responsáveis pela caracterização
impostos sobre propriedade. arrecadação, o correspondente a do sistema tributário brasilei-
14,9% do PIB), enquanto a Renda ro como um sistema oneroso,
A tributação brasileira e o Patrimônio responderam por injusto e anticompetitivo e a
21,3% e 3,4% da arrecadação e 7,6% revisão desta imagem perpassa
Dentre as razões apontadas e 1,2% do PIB, respectivamente. a reflexão sobre a ideal partici-
para se reformar o sistema tri- pação dos tributos patrimoniais
butário brasileiro, está o peso Devido à grande capacidade na carga tributária.
da carga tributária. Argumenta- de gerar recursos fiscais, os tri-
-se que ela tem sido demasia- butos sobre o consumo, mais es- A tributação do patrimônio
do onerosa, principalmente se pecificamente o ICMS, têm sido no Brasil
comparada a outros países em o principal alvo das propostas
desenvolvimento, e que tem sido de reforma tributária, enquanto Evolução pós-80
uma das responsáveis pelo baixo a tributação sobre o patrimônio
dinamismo da economia. Outro tem sido relegada, a despeito das O Brasil é um dos únicos
argumento está relacionado à vantagens deste tipo de tribu- países da América Latina que
alta e crescente regressividade
dos tributos, predominantemen-
te indiretos e pouco seletivos. A Tabela 1 - Composição da carga tributária global brasileira em 2011
concentração de renda, que já
está entre as maiores do mundo, Base de Per capita
R$ Bilhões % PIB % Total
aumenta ainda mais depois da Incidência (R$)
aplicação dos impostos - que
contrasta com a experiência da Total 1.481,2 35,8 100,0 7.699,4
maioria dos países latinos (Ros-
signolo, 2012), quanto mais das Bens e
616,4 14,9 41,6 3.203,9
Serviços
economias avançadas.
Salários e mão-
379,9 9,2 25,6 1.974,5
O sistema brasileiro é, ainda, de-obra
considerado bastante complexo,
Renda, lucros e
devido à grande quantidade de 315,9 7,6 21,3 1.642,2
ganhos
tributos e alíquotas existentes.
Como resultado, o Brasil é, dispa-
Patrimoniais 50,7 1,2 3,4 263,3
rado, o país onde os contribuintes
precisam destinar mais tempo ao
Comércio
cumprimento de suas obrigações 26,6 0,6 1,8 138,5
Exterior
com o fisco1, principalmente com
impostos sobre consumo, que Taxas 23,4 0,6 1,6 121,4
chega a representar mais da me-
tade do tempo total. Isto é reflexo Transações
31,9 0,8 2,2 165,6
da predominância de tributos Financeiras
indiretos no país.
Demais 36,5 0,9 2,5 189,8
Os dados de 2011, na Tabela
1, apresentam uma composição
da carga tributária melhor em Fonte: Elaboração Própria (Balanço Oficial da União, STN: Balanço dos Estados, STN; Finbra. STN; SRF)

52 > Ano 58 — N ° 281 — Julho/Agosto/Setembro 2012


Tributação da Propriedade

atribui a seus governos locais, mente sobre a propriedade, está desempenho ocorreu em 1997,
os municípios, a responsabi- ilustrada no gráfico 1. quando alcançou 0,026% do PIB.
lidade pelo estabelecimento No período todo, seu peso no PIB
de isenções e fixação de taxas, A carga tributária patrimo- sofreu um decréscimo de 29,3%.
além de poder para exercer com nial total (projetada no eixo
autonomia a administração esquerdo) cresceu de 1980 a 2011, O IPTU foi o maior tributo
– cadastro, avaliação, determi- partindo de 0,27% para 1,01% do patrimonial até 1996, quando foi
nação, arrecadação e cobrança PIB. Em termos percentuais, alcançado pelo IPVA. Até 2005
– do principal imposto imo- esse crescimento foi de 276,8%, havia certo equilíbrio na carga
biliário do país, o IPTU. Outro enquanto a carga tributária total destes dois impostos, mas a
imposto patrimonial sob sua (projetada no eixo vertical direi- partir desse ano o IPVA assumiu
competência é o ITBI (trans- to) cresceu 46,1%, mas os tributos participação crescente, enquanto
missão de bens intervivos); à sobre o patrimônio continuam o IPTU decresceu. A carga do
União compete o imposto sobre tendo um peso muito pequeno IPTU cresceu 66,9% e a do IPVA,
propriedades rurais, o ITR; e aos (pouco menos de 3,4% da receita 311,8% desde sua criação, em 1985.
estados competem dois impos- total). Dos 11,1 pontos que a carga Estes fatos podem ser reflexo, em
tos sobre o patrimônio, o IPVA aumentou nesse longo período grande medida, das deficiências
(sobre veículos automotores) e apenas 0,74 se deveram a impos- presentes na administração do
o ITCD (sobre transmissão de tos sobre o patrimônio. IPTU, além da forte expansão da
bens como herança e doação). base tributável (veículos automo-
Dentre os impostos que tores) do IPVA nos últimos anos.
A evolução da carga dos tri- compõem a carga patrimonial,
butos patrimoniais IPTU, IPVA podemos notar a irrisória par- O ITBI também vem crescen-
e ITR, que incidem recorrente- ticipação do ITR, cujo melhor do mais que o IPTU. Para ter uma

Gráfico 1 - Evolução da carga tributária patrimonial e total no Brasil: 1980-2011

Fonte: Elaboração própria (Finbra, STN).

Tributação da Propriedade Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM > 53


Tabela 2 – Impostos sobre a propriedade no Brasil em 2011

% da % da
Arrecadação R$ per
Arrecadação arrecadação % PIB
(R$ bilhões) capita
total patrimonial

Arrecadação Total 1481,2 100,00% 2726,5% 35,82% 7.699,4

POR CATEGORIA TRIBUTÁRIA


(METODOLOGIA IMF/GFS)

1.1 - Impostos

1.1.3 - Impostos sobre Propriedade 54,3 3,67% 100,0% 1,31% 282,4

1.1.3.1 - Impostos Recorrentes sobre


17,7 1,19% 32,5% 0,43% 91,9
Propriedade Imóvel

1.1.3.2 - Impostos Recorrentes sobre


0,0 0,00% 0,0% 0,00% 0,0
Riqueza Líquida

1.1.3.3 - Impostos sobre Imóveis,


9,1 0,61% 16,7% 0,22% 47,2
Heranças e Doações

1.1.3.4 - Impostos sobre Transações


0,0 0,00% 0,0% 0,00% 0,0
Financeiras e de Capital

1.1.3.5 - Outros Impostos não Recorrentes


3,7 0,25% 6,7% 0,09% 19,1
sobre Propriedade

1.1.3.6 - Outros Impostos Recorrentes


23,9 1,61% 44,0% 0,58% 124,3
sobre Propriedade

POR TRIBUTO PATRIMONIAL

Patrimônio 54,3 3,67% 100,0% 1,31% 282,4

IPVA 23,9 1,61% 44,0% 0,58% 124,3

IPTU 17,1 1,16% 31,5% 0,41% 89,0

ITBI 6,3 0,43% 11,6% 0,15% 32,9

ITCD 2,8 0,19% 5,1% 0,07% 14,3

ITR 0,5 0,04% 1,0% 0,01% 2,8

Contribuições de Melhorias (Municípios) 3,0 0,20% 5,5% 0,07% 15,5

Contribuições de Melhorias (Estados) 0,7 0,05% 1,3% 0,02% 3,6

Fonte: Elaboração própria (Balanço Oficial da União, STN; Balanço dos Estados, STN; Finbra, STN; SRF).

54 > Ano 58 — N ° 281 — Julho/Agosto/Setembro 2012


Tributação da Propriedade

Gráfico 2 – Comparação da arrecadação por cidade do IPTU, IPVA, ISS e ITBI:


em proporção do total de municípios, 2010 e 2011

ideia da defasagem, o ITBI gera arrecadador dentre os tributos trimônio imobiliário e a sua
atualmente quase 40% do IPTU, patrimoniais. Em seguida, arre- transferência, é interessante
enquanto rendia apenas um cadam mais o IPTU, o ITBI e o concentrar as atenções em sua
quinto há apenas uma década. ITCD, nesta ordem. O Imposto arrecadação. O Gráfico 2 rela-
sobre a Propriedade Territorial ciona o percentual de municí-
Composição atual Rural (ITR) tem a participação pios cuja arrecadação de IPTU
irrisória de 1% da arrecadação tenha sido maior e menor do
A arrecadação de impostos so- patrimonial. Em 2011, os R$ que outro imposto recolhido
bre a propriedade no Brasil, segun- 54,3 bilhões arrecadados pela no âmbito municipal, no caso,
do a metodologia de classificação taxação sobre o patrimônio re- IPVA, ISS e ITBI2.
do FMI, conforme a Tabela 2, tem presentavam 1,31% do PIB; 3,67%,
se concentrado sobre os imóveis apenas, da arrecadação total. Pode-se notar que grande
(17,7%), inclusive quando de sua parte dos municípios arreca-
transferência - venda, herança e Na realidade, o que se observa dam mais IPVA e ISS do que
doação – (9,1%), e sobre veículos no Brasil é que o ITR é pratica- IPTU. O IPVA manteve nos
automotores, o principal compo- mente nulo e que o IPTU tem sido dois anos analisados a domi-
nente da categoria Outros Impos- pouco explorado e vem perdendo nância em relação ao IPTU
tos sobre Propriedade (23,9%). espaço para outros impostos. em aproximadamente 93%
dos municípios. Já o ISS teve
A abertura destes números A tributação municipal um pequeno aumento no per-
pelos impostos existentes no centual de municípios que o
Brasil (parte baixa da tabela) Sendo municipal a com- arrecadam mais, de 84,8% para
mostra o IPVA como o maior petência para tributar o pa- 85,5%. O mais surpreendente

Tributação da Propriedade Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM > 55


Tabela 3 (a) (b) – Diferença por cidades entre IPTU e demais impostos no Brasil em 2011

(a) (b)
Dif. % IPTU/ Dif. % IPTU/
UF Município População UF Município População
IPVA ISS
BA Salvador 2.693.606 -10% SP São Paulo 11.316.119 -44%
CE Fortaleza 2.476.589 -31% RJ Rio de Janeiro 6.355.949 -59%
MG Belo Horizonte 2.385.640 -17% BA Salvador 2.693.606 -60%
AM Manaus 1.832.424 -71% CE Fortaleza 2.476.589 -60%
PR Curitiba 1.764.541 -36% MG Belo Horizonte 2.385.640 -17%
PE Recife 1.546.516 -18% AM Manaus 1.832.424 -87%
RS Porto Alegre 1.413.094 -18% PR Curitiba 1.764.541 -55%
PA Belém 1.402.056 -56% PE Recife 1.546.516 -57%
GO Goiânia 1.318.149 -20% RS Porto Alegre 1.413.094 -48%
SP Guarulhos 1.233.436 -1% PA Belém 1.402.056 -78%
SP Campinas 1.090.386 -23% GO Goiânia 1.318.149 -30%
MA São Luís 1.027.430 -71% SP Campinas 1.090.386 -34%
RJ São Gonçalo 1.008.065 -40% MA São Luís 1.027.430 -91%
AL Maceió 943.110 -37% RJ São Gonçalo 1.008.065 -34%
RJ Duque de Caxias 861.158 -18% AL Maceió 943.110 -55%
PI Teresina 822.364 -61% RJ Duque de Caxias 861.158 -82%
RN Natal 810.780 -43% PI Teresina 822.364 -69%
RJ Nova Iguaçu 799.047 -19% RN Natal 810.780 -70%
São Bernardo do RJ Nova Iguaçu 799.047 -52%
SP 770.253 -19%
Campo
São Bernardo do
SP 770.253 -11%
PB João Pessoa 733.155 -37% Campo
SP Santo André 678.486 -26% PB João Pessoa 733.155 -74%
SP Osasco 667.826 -8% SP Santo André 678.486 -25%
São José dos SP Osasco 667.826 -42%
SP 636.876 -39%
Campos
São José dos
SP 636.876 -46%
SP Ribeirão Preto 612.340 -56% Campos
MG Uberlândia 611.904 -77% SP Ribeirão Preto 612.340 -29%
MG Contagem 608.715 -59% MG Uberlândia 611.904 -77%
SP Sorocaba 593.776 -56% MG Contagem 608.715 -51%
SE Aracaju 579.563 -11% SP Sorocaba 593.776 -51%
BA Feira de Santana 562.466 -72% SE Aracaju 579.563 -59%
Média 1.120.129 -36% Média 1.667.583 -53%
Brasil -23% Brasil -48%

Fonte: Elaboração própria (Finbra, STN).

é a relação entre IPTU e ITBI, a propriedade urbana, em 2010, dentre aqueles cuja arrecada-
que é um imposto que incide e este percentual ainda aumen- ção de IPTU é menor e maior
sobre a transmissão de bens tou mais de 3 pontos em 2011. do que a de IPVA (seções (a)
(venda ou herança) e deveria e (d), respectivamente); me-
ser residual em relação ao IPTU. Algumas relações podem nor e maior do que a de ISS
No entanto, em 38,9% dos mu- ser inferidas também da aná- (seções (b) e (e), respectiva-
nicípios ele arrecadou mais do lise da Tabela 3, que apresenta mente); e menor e maior do
que o imposto recorrente sobre os municípios mais populosos que a de ITBI (seções (c) e

56 > Ano 58 — N ° 281 — Julho/Agosto/Setembro 2012


Tributação da Propriedade

Tabela 3 (c) (d) – Diferença por cidades entre IPTU e demais impostos no Brasil em 2011
(c) (d)
Dif. % IPTU/ Dif. % IPTU/
UF Município População UF Município População
IPVA ISS
PB João Pessoa 733.155 -42% SP São Paulo 11.316.119 22%
MG Uberlândia 611.904 -16% RJ Rio de Janeiro 6.355.949 57%
ES Vila Velha 419.854 -5% MS Campo Grande 796.252 90%
PE Petrolina 299.752 -16% PR Londrina 511.279 11%
Ribeirão das RJ Niterói 489.720 56%
MG 299.729 -17%
Neves
Aparecida de
GO 465.093 30%
PR Cascavel 289.340 -8% Goiânia
Juazeiro do SC Florianópolis 427.298 14%
CE 252.841 -9%
Norte
SP Santos 419.509 33%
PA Marabá 238.708 -8%
SP Diadema 388.576 32%
AL Arapiraca 216.108 -45%
SP São Vicente 334.663 50%
RN Parnamirim 208.426 -60%
PE Caruaru 319.580 13%
BA Juazeiro 199.761 -33%
RJ Petrópolis 296.565 20%
BA Lauro de Freitas 167.309 -2%
SP Guarujá 292.744 407%
São José de
MA 165.418 -25% SP Praia Grande 267.307 330%
Ribamar
RJ Volta Redonda 259.012 37%
MA Caxias 156.327 -94%
BA Camaçari 249.206 48%
PI Parnaíba 146.736 0%
RJ Itaboraí 220.352 26%
BA Barreiras 139.285 -50%
MS Dourados 198.422 2%
Vitória de Santo
PE 130.924 -4% RJ Cabo Frio 190.787 16%
Antão
PE Garanhuns 130.303 -11% Cabo de Santo
PE 187.159 66%
Agostinho
BA Porto Seguro 129.325 -15%
GO Luziânia 177.099 28%
CE Crato 122.717 -29%
RJ Angra dos Reis 173.370 113%
MA Codó 118.568 -28%
RJ Teresópolis 165.716 10%
CE Itapipoca 117.720 -44%
Águas Lindas de
CE Maranguape 115.465 -45% GO 163.495 157%
Goiás
ES São Mateus 110.454 -62%
MA Timon 157.438 871%
RS Bento Gonçalves 108.481 -21%
SP Bragança Paulista 148.411 2%
MA Paço do Lumiar 107.764 0%
RJ Maricá 131.355 132%
GO Trindade 106.256 -83%
SP Atibaia 127.778 355%
AM Parintins 102.946 -40%
SP Cubatão 119.520 1605%
BA Eunápolis 101.432 -45%
Média 874.130 160%
Média 208.518 -30%
Brasil 173% Brasil -23%

Fonte: Elaboração própria (Finbra, STN).

(f)). É possível notar, obser- inferior arrecadação de IPTU que nos grandes, pois esta se-
vando a população média dos ocorre em benefício da arreca- quer alcança a arrecadação do
grupos, por exemplo, que a dação de ISS e IPVA. Ou seja, ITBI3. Sobre as causas do pior
maior arrecadação de ITBI é há motivos para acreditar que desempenho dos municípios
mais comum em municípios a debilidade da arrecadação menores, Sepulveda e Vaz-
de menor porte, enquanto de IPTU nos municípios pe- ques (2009) apontam a menor
naqueles de maior porte a quenos seja ainda maior do base tributável e Afonso e et

Tributação da Propriedade Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM > 57


Tabela 3 (e) (f) – Diferença por cidades entre IPTU e demais impostos no Brasil em 2011
(e) (f)
Dif. % IPTU/ Dif. % IPTU/
UF Município População UF Município População
IPVA ISS
SP Guarulhos 1.233.436 7% SP São Paulo 11.316.119 302%
MS Campo Grande 796.252 7% RJ Rio de Janeiro 6.355.949 157%
PR Londrina 511.279 9% BA Salvador 2.693.606 42%
Aparecida de
GO 465.093 50% CE Fortaleza 2.476.589 95%
Goiânia
SP Mogi das Cruzes 392.196 31% MG Belo Horizonte 2.385.640 140%

SP Diadema 388.576 32% AM Manaus 1.832.424 32%


SP Carapicuíba 371.502 13% PR Curitiba 1.764.541 57%
SP São Vicente 334.663 199% PE Recife 1.546.516 239%
SP Franca 321.012 32% RS Porto Alegre 1.413.094 53%
PE Caruaru 319.580 2% PA Belém 1.402.056 139%
SP Guarujá 292.744 109% GO Goiânia 1.318.149 104%
SP Praia Grande 267.307 694% SP Guarulhos 1.233.436 488%
SP Suzano 265.074 38% SP Campinas 1.090.386 367%
SP Embu 242.730 27% MA São Luís 1.027.430 106%
SP São Carlos 224.173 62% RJ São Gonçalo 1.008.065 217%
SP Indaiatuba 205.808 34%
AL Maceió 943.110 127%
SP Rio Claro 187.638 46%
RJ Duque de Caxias 861.158 604%
RS Passo Fundo 186.083 5%
PI Teresina 822.364 153%
Ferraz de
SP 170.297 157% RN Natal 810.780 65%
Vasconcelos
RJ Nova Iguaçu 799.047 262%
RJ Teresópolis 165.716 42%
MS Campo Grande 796.252 515%
Águas Lindas de
GO 163.495 67%
Goiás São Bernardo do
SP 770.253 354%
Campo
Itapecerica da
SP 154.374 5%
Serra SP Santo André 678.486 283%
Bragança SP Osasco 667.826 445%
SP 148.411 121%
Paulista São José dos
SP 636.876 218%
SP Jaú 132.494 12% Campos
RJ Maricá 131.355 56% SP Ribeirão Preto 612.340 93%
SP Atibaia 127.778 39% MG Contagem 608.715 26%
RS Bagé 116.944 194% SP Sorocaba 593.776 95%
SP Ribeirão Pires 113.726 714% SE Aracaju 579.563 25%
SP Catanduva 113.356 840%
Média 1.691.191 200%
Média 294.589 126%
Brasil -48% Brasil 173%

Fonte: Elaboração própria (Finbra, STN).

al (2012) mencionam razões âmbito municipal, elaboramos impostos são mais arrecadados do
políticas e administrativas4. uma simulação para apurar quais que o IPTU, e as conclusões podem
seriam os impactos na arrecadação ser vistas na Tabela 4.
Com o objetivo de dimensio- deste imposto caso ela fosse igual à
nar a magnitude da defasagem arrecadação do IPVA ou igual à do Se a arrecadação de IPTU
do IPTU com outros impostos no ITBI, nos municípios em que estes fosse igual à arrecadação do

58 > Ano 58 — N ° 281 — Julho/Agosto/Setembro 2012


Tributação da Propriedade

Tabela 4 – Comparação municipal da arrecadação de IPTU, IPVA e ITBI em 2011 fato, conforme ilustrado no
Gráfico 3, o segundo vem supe-
IPTU=IPVA IPTU=ITBI rando cada vez mais o primeiro
2010 2011 2010 2011 desde a década de 1980, e parti-
% Municípios cularmente a partir de meados
em que IPTU é 93,4% 93,3% 38,9% 42,0% de 2003 apresentou forte ace-
menor
leração em termos percentuais
Aumento da
arrecadação 7.158 7.927 247 304 do PIB, enquanto a carga do
(R$ milhões) IPTU decresceu, ainda que em
Aumento da menor magnitude.
arrecadação 45,2% 45,2% 1,6% 1,7%
(%)
A maior e crescente impor-
Carga tributária 0,610% 0,616% 0,427% 0,431%
tância de impostos sobre servi-
Fonte: Elaboração própria (Finbra, STN). ços no financiamento dos seus
municípios lança luzes sobre
IPVA, nos municípios em que carga. Para o ITBI o impacto dois pontos importantes sobre
fora menor, o país teria um au- seria menor, pois o número de a estrutura tributária brasileira:
mento de 45,2% no recolhimen- municípios em que essa arreca- a competição fiscal entre mu-
to de IPTU, o que significa que dação supera o IPTU é pequeno nicípios e a falta de equidade.
a carga tributária do imposto diante dos 93% em que há su-
sobre a propriedade urbana se- peração do IPVA. O primeiro ponto diz res-
ria de 0,61% do PIB em 2010, em peito à existência de compe-
vez de 0,43%. Em 2011 haveria Outro imposto, o ISS, é res- tição fiscal entre municípios
o mesmo impacto em termos ponsável, junto com o IPTU, brasileiros no âmbito do ISS,
percentuais da arrecadação do por grande parte das receitas que afeta a alocação das fir-
IPTU e praticamente a mesma próprias dos municípios. De mas prestadoras de serviços

Gráfico 3 – Evolução da carga tributária de IPTU e ISS no Brasil: 1980-2011

Fonte: Elaboração própria (Finbra, STN).

Tributação da Propriedade Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM > 59


“ O sistema brasileiro é, ainda, considerado bem


complexo, devido à grande quantidade de tributos
e de alíquotas existentes

e reduz a arrecadação global e equidade tributária, mas ain- ser uma barreira a qualquer
do imposto. A tributação de da enfrenta dificuldades, que tentativa do município de au-
imóveis tem como vantagem afetam, inclusive, a questão que mentar a arrecadação (Carvalho
em relação à tributação sobre acabamos de expor, a equidade, Jr., 2006).
serviços o fato de sua base ser ou a falta dela.
relativamente imóvel, o que Bahl (2009) afirma que,
evita que os governos locais en- Os impostos imobiliários, se mesmo que seja admitido que
trem numa disputa destrutiva bem administrados, se mostra- são as falhas na administra-
pela manutenção das firmas em riam como uma boa alternativa ção do um imposto sobre a
sua jurisdição em troca de me- para um sistema tributário que propriedade a maior causa de
nores alíquotas ou benefícios se pretenda razoavelmente baixa arrecadação em países em
fiscais específicos (Sepulveda e equitativo, tanto por reduzir os desenvolvimento, tanto elei-
Vazques, 2009). efeitos das competições entre tores como governantes têm
municípios como por ser a tri- certa relutância em promover
O segundo ponto, a falta butação direta a ferramenta que melhorias neste campo. Isto
de equidade, é majorada pela permite distinguir as distintas porque estariam associadas ao
forte presença de impostos capacidades contributivas. Por fim de práticas como a subava-
sobre serviços, que, por natu- isso se mostra importante diag- liação do patrimônio, isenções
reza, não fazem acepção entre nosticar a defasagem do IPTU, e relaxamento das sanções
contribuintes, tendendo a ser identificada através da análise a devedores. Além disso, os
regressivos ou, na melhor das dos dados aqui feita, de modo a custos de uma reforma nestes
hipóteses, neutros5. Como se estimular e fomentar reformas tributos são geralmente vistos
não bastasse, o IPTU está inci- que o incluam em sua pauta. como altos em relação à receita
dindo de forma regressiva entre gerada pelo imposto, enquanto
as diferentes faixas de renda O desprezado imposto o retorno de uma melhor admi-
(IPEA, 2009), o que vai contra patrimonial urbano nistração de impostos sobre o
a concepção de impostos sobre consumo, por exemplo, seria
o patrimônio, principalmente A dificuldade em se au- muito mais alto. Por isso é im-
num país carente de políticas mentar a arrecadação do IPTU portante ter noção do quanto
fiscais de cunho social, ou seja, reside em várias questões. A a receita patrimonial pode
que contribuam para a redução primeira e principal delas é ser aumentada, de forma que
de desigualdades. apontada por vários estudos so- o peso dos custos da reforma
bre o tema: os custos políticos sejam reduzidos, e das vanta-
Desde 2000, com a Emenda e administrativos do imposto. gens da ênfase neste tipo de
Constitucional nº 29, a incidên- A pressão política de grupos tributação.
cia progressiva do IPTU está au- com grande influência e a im-
torizada e pode ser usada como popularidade do imposto para Os custos administrativos
instrumento de política urbana a população em geral podem da arrecadação do IPTU se

60 > Ano 58 — N ° 281 — Julho/Agosto/Setembro 2012


Tributação da Propriedade

devem à necessidade de ma- tem determinado o aumento o imposto como a municípios


nutenção de cadastros imobi- de sua participação nas recei- que não terão recursos para
liários atualizados e com bom tas próprias dos municípios. manter um fisco eficiente. O
grau de cobertura, já que a base Por ser um imposto indireto o alto grau de informalidade
de cálculo do imposto, o valor seu ônus é socializado, embora verificado em grandes áreas de
venal do imóvel, não é decla- regressivamente. A despeito de ocupação irregular, principal-
ratória (como IR e ICMS), mas sua regressividade, o imposto mente nas grandes cidades, que
deve ser aferida pelo governo enfrenta menor desgaste polí- dificultam a universalização
municipal. tico, afinal seu pagamento não do tributo e a manutenção de
é tão visível quanto o do IPTU. cadastros. A heterogeneidade
Revisões periódicas das in- E dois fatores determinam a de tipos de ocupação e posse,
formações são extremamente facilidade no seu recolhimento: que aumentam as chances de
importantes pois só assim o a concentração da base tributá- erro de avaliação. E, por último,
coletor poderá monitorar a ex- ria em grandes contribuintes, o a falta de transparência tanto
pansão urbana e as mudanças que facilita o trabalho de fisca- das informações fiscais como
no uso do solo6 já cadastrado lização e o nível de arrecadação, do mercado imobiliário.
e, consequentemente, poderá e a determinação direta e auto-
implementar políticas públicas mática da base de cálculo, que O que se argumenta no final
de otimização do uso do espaço é o preço do serviço cobrado das contas, é que há espaço
urbano mais eficientes. Cada pelos contribuintes. para aumentar a arrecadação
cidade possui o seu chamado de impostos sobre o patrimônio
Cadastro Imobiliário Munici- Além dos aspectos políticos imóvel sem necessariamente
pal, mas a realidade é que nem e administrativos que rodeiam aumentar alíquotas, investindo
sempre a prefeitura possui os o IPTU, outros obstáculos a na melhoria da qualidade da
recursos (financeiros e huma- uma melhor arrecadação são tributação, investindo em tec-
nos) em escala suficiente para apontados por Cesare (2012). nologia e capital humano. No
um bom controle desse serviço. A desigualdade de renda, que entanto, citando Bahl (2009),
atinge tanto a famílias que um aumento efetivo da receita
O recente descompasso en- não terão condições de pagar exige que todos os aspectos da
tre a expansão acelerada do
ITBI e a estagnação do IPTU
é mais uma expressão do an-
tigo problema: os valores dos
imóveis nos cadastros não são
revisados com frequência su-
ficiente e a preços de mercado
de forma que a cobrança do
imposto pudesse acompanhar
a valorização imobiliária dos
últimos anos. A arrecadação
do IPTU ficou estacionada, en-
quanto o ITBI, baseado no valor
da transação, sofreu o devido
“reajuste”.

O ISS, em contraposição, é
um imposto mais fácil de ser Um aumento efetivo da receita exige que todos os aspectos da reforma sejam implementados, caso contrário
cobrado e administrado, o que se corre o risco de que o gasto realmente não tenha valido a pena

Tributação da Propriedade Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM > 61


quadrado onde estão inseridos
os imóveis da cidade e será
usada como referência pelo
fisco para determinar a base
de cálculo do IPTU. Para que
a progressividade do imposto
seja garantida, é fundamental
que o valor venal dos imóveis
esteja o mais próximo possível
do seu preço de mercado, cujo
valor sofre influência de fato-
res dinâmicos e exige revisão
periódica, caso contrário pode
causar impactos distributivos
significativos.
A única vez em que a tributação patrimonial mereceu um pouco mais de atenção
foi na estratégia para construção de um novo sistema tributário Estudos apontam para uma
tendência a avaliações imo-
reforma sejam implementados, de arrecadação do imposto. biliárias regressivas. Uma das
caso contrário se corre o risco Existem dois instrumentos de razões disso é a ausência de
de que o gasto realmente não controle: o Cadastro Imobiliá- aplicação de critérios técnicos,
tenha valido a pena. E estes rio Municipal e a Planta Genéri- o que torna a revisão de valo-
aspectos são: elaboração de ca de Valores (PGV). O primeiro res das plantas uma decisão
cadastro de todas as proprieda- contém o registro das caracte- meramente política. De Cesare
des, atualização constante das rísticas dos imóveis, como ta- (2008) mostra a desigualdade
informações cadastrais e das manho, localização, padrão de nas avaliações imobiliárias
avaliações imobiliárias e apli- construção e a identificação dos como uma das duas fontes
cação de mecanismos eficazes contribuintes. Manter estas in- de regressividade no imposto
de cobrança e punição judicial formações atualizadas depende imobiliário, de natureza admi-
a devedores. Afonso et al (2012) de uma equipe técnica especia- nistrativa. A outra fonte é da
seguem na mesma linha ao lizada e de recursos tecnológi- natureza intrínseca ao imposto.
afirmar que o investimento na cos sofisticados, como imagens A autora cita trabalhos de Yin-
melhoria do sistema de cadas- via satélite para georreferen- ger et al., 1998, e de Vilela, 2001,
tro e de avaliação por si só não ciamento da zona urbana da que explicam a regressividade
tem efeitos certos, pois alguns cidade. A alta informalidade, intrínseca ao imposto pelo fato
municípios podem se deparar ou seja, existência de inúmeros de não necessariamente o valor
com outros fatores que estejam imóveis irregulares, decorre da do patrimônio ser proporcional
afetando a arrecadação. Os fru- dificuldade de acessar as áreas à renda da família. Na verdade,
tos de uma reforma, no entan- marginalizadas da cidade. Mas, geralmente as famílias mais
to, iriam além de aumento de a irregularidade não se restrin- pobres devem fazer um esforço
receitas, incluindo a correção ge a edificações de baixa renda. financeiro maior para adquirir
de outro aspecto negativo do Geralmente os cadastros estão o imóvel próprio do que as fa-
atual sistema que é a alta re- defasados em relação à situação mílias mais ricas, o que quer di-
gressividade do IPTU. real dos imóveis e têm baixo zer que há um distanciamento
grau de cobertura. maior entre a renda da família
Para entender a regressivi- e o valor do imóvel nas camadas
dade do IPTU vamos destrin- A PGV, por sua vez, deve mais pobres da população. O
char um pouco mais o processo informar o valor do metro uso de taxas progressivas pode

62 > Ano 58 — N ° 281 — Julho/Agosto/Setembro 2012


Tributação da Propriedade

“ A baixa relevância dos impostos patrimoniais na


elevada carga tributária global nacional e a rara
atenção dada a eles nos diagnósticos sobre a situação


atual da tributação no País acabam por se reproduzir
nas discussões e proposições de reforma tributária

amenizar a regressividade in- tinção, destes problemas. Mas (2008) sugere várias ações, sen-
trínseca do imposto, mas não o quadro atual destas infor- do elas no campo da ação legis-
será capaz de corrigir distor- mações no Brasil ainda inspira lativa e administrativa. Num
ções de origem administrativa. preocupações, a despeito da primeiro momento, o objetivo
boa evolução recente, inclusi- se concentra na promoção da
As avaliações imobiliárias ve nos municípios menores. regressividade do imposto, que
costumam ser distorcidas do Dados de Garson (2007), de implica na reordenação do sis-
ponto de vista distributivo 2006, mostram que 20% dos tema de isenções, de mensura-
pelos seguintes fatores apon- 3970 municípios com menos de ção da capacidade contributiva
tados por Carvalho Jr. (2006): 20.000 habitantes não tinham e reestruturação das alíquotas
a) a possibilidade de omissão cadastro imobiliário informa- em função do valor venal. Ad-
de variáveis que geram exter- tizado, mas em 1999 eram 48%. ministrativamente, muitas das
nalidades positivas, que vão Já dentre os 1.594 municípios orientações seguem na mesma
além da análise do padrão de com mais de 20.000 habitantes, linha do que comentamos aqui,
construção; b) tendência a 9% não o tinham, mas em 1999 mas há uma ênfase maior na
estabelecimento de arreca- eram 26%. importância da gestão dos cré-
dação piso e teto por imóvel, ditos tributários, devido ao alto
geralmente para cobrir custos Dentre as preocupações grau de inadimplência verifica-
administrativos; e c) a maior ainda presentes está o fato de do, e na insegurança jurídica
capacidade de exercer pres- a revisão dos valores venais na que ainda rodeia as tentativas
são política de determinados PGV depender de aprovação de reavaliações imobiliárias,
grupos com poder econômico legislativa, o que a torna uma apesar da EC 29/2000.
(proprietários de imóveis mais decisão política e bloqueia mu-
caros) e conseguir benefícios danças que deveriam ter teor Mudanças sem dúvida se
individuais como isenções, ou técnico. A cobrança de débitos mostram necessárias, afinal,
mesmo de contestar judicial- em atraso também enfrenta a substituição da tributação
mente as cobranças. dificuldades administrativas e sobre o consumo, que não leva
políticas que precisam ser re- em consideração a capacidade
A qualidade da elaboração vistas no sentido de combater contributiva do consumidor,
e a periodicidade da revisão a evasão fiscal (Garson, s/d). por uma eficiente tributação
do Cadastro Imobiliário Mu- sobre o patrimônio, pode ser
nicipal e da Planta Genérica de De forma a fortalecer a re- uma maneira de reduzir a re-
Valores operariam no sentido ceita do IPTU sem perder o gressividade da carga tributá-
da minimização, quiçá da ex- foco na equidade fiscal, Guedes ria, significativa no Brasil. No

Tributação da Propriedade Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM > 63


entanto, apesar dos benefícios de um novo sistema tributário sendo progressista, sempre
sobre a equidade do sistema (ou seja, além de uma reforma) a favor de mudanças sociais,
tributário e do espaço para au- desenhada no Senado Federal, mas a política tributária é con-
mento da arrecadação para os por comissão especial entre versadora e a disposição para
municípios, não tem havido o 2008/2010 (Senado Federal, promover reformas é mínima.
menor interesse dos diferentes 2008). A defesa no Senado de
projetos do governo federal de um novo sistema tributário, Sem reformas estruturais,
reforma tributária em propor porém, não avançou, pois a a perspectiva para a tributa-
mudanças para os tributos agenda parlamentar no País ção do patrimônio é, quanto
patrimoniais. Os debates po- historicamente sempre foi muito, manter a carga do IPTU
líticos têm evitado ao máximo pautada pelo Executivo Fe- municipal e do IPVA estadu-
as mudanças que atinjam as deral e este não manifestou al em torno dos patamares
competências municipais. interesse em mudanças mais atuais, assim como o ITR 7
profundas. Ao contrário, a atu- federal com sua insignificân-
Reforma e perspectivas al gestão assumiu o discurso cia (até estatística), e quan-
de que só é possível promover do muito com expansão dos
A baixa relevância dos im- mudanças aos poucos e, ainda impostos sobre transmissão,
postos patrimoniais na elevada assim, manteve o foco apenas beneficiados pela valorização
carga tributária global nacional no ICMS, quando muito in- imobiliária e financiamentos
e a rara atenção dada a eles nos cluindo contribuições sociais. habitacionais, mas que pouco
diagnósticos sobre a situação Na prática, as alterações na contam na receita tributária
atual da tributação no País legislação tributária foram nacional – e mesmo local. O
acabam por se reproduzir nas raras e com alcance mínimo. cenário político não aponta
discussões e proposições de Neste contexto, a tributação menor indicio de se aproveitar
reforma tributária. patrimonial continua sendo o enorme potencial oferecido
um tema completamente fora pelos tributos patrimoniais
A única vez em que a tri- da pauta, do mesmo modo que no Brasil, até como alternati-
butação patrimonial mereceu a equidade tributária é do in- va para compensar a redução
um pouco mais de atenção foi teresse de um pequeno grupo da exagerada tributação do
na estratégia para construção de técnicos. O discurso segue consumo.

NOTAS
1 Ver avaliações do Banco Mundial denominadas Doing Business: a empresa brasileira gasta mais de 2,6 mil horas por ano para pagar tributos, a mais alta entre uma e meia centena de países.
2 Para as análises deste estudo consideramos o dobro da Cota-parte IPVA para comparação com a arrecadação do IPTU, ainda que os recursos tenham ficado com o estado.
3 Os municípios menores precisariam promover maior esforço fiscal do que os maiores para administrar eficientemente impostos sobre a propriedade, pois os ganhos em arrecadação não seriam
proporcionais ao seu custeio, devido à sua menor base tributável. Os dados mostram que 39,5% dos municípios brasileiros têm arrecadação do IPTU inferior à dos três impostos e eles têm popula-
ção média de 27.118 habitantes. Todos os municípios da lista (f) estão entre eles.
4 Afonso et al (2012) destacam as diferentes realidades dos municípios e sua relação com a capacidade tributária.
5 Paes e Bugarin (2006) encontram alíquotas efetivas crescentes para o ISS em estudo a partir de despesas da POF (Pesquisa de Orçamentos Familiares) 2002/2003, mas a justificativa estaria
no consumo mais intensivo de serviços pelas famílias de maior renda, principalmente educação e saúde. Há uma diferença entre pagar menos impostos por um serviço e não ter acesso a ele, que
não se reflete nos números.
6 Morales-Schechinger (s/d) faz interessante investigação sobre o mercado imobiliário latino-americano e defende a sua regulação por via fiscal, principalmente para captura de mais-valia
para uso da coletividade. Sobre o Brasil, especificamente São Paulo, ele chama atenção para o pouco uso de instrumentos fiscais desta natureza, a despeito de estarem claramente previstos na
legislação.
7 Emenda Constitucional de 2003 chegou a contemplar a delegação à Prefeitura, por convênio, da cobrança do ITR. Até hoje 1617 municípios aderiram ao convênio.

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Tributação da Propriedade

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RESUMEN
Un diagnóstico actualizado sobre la tributación de la propiedad en Brasil
El propósito de este artículo es actualizar el diagnóstico del contexto de los impuestos de propiedad en Brasil y tratar de contribuir a la
introducción de la materia en los debates sobre la reforma fiscal. El estancamiento de IPTU muestra cómo el enorme potencial de los
impuestos a la propiedad han sido ignoradas, a pesar de la importancia de estos como una alternativa a la sobre-imposición sobre el
consumo y, por último, como promotor de la equidad fiscal.
Palabras-clave: Tax Burden. Property tax. IPTU.

ABSTRACT
Updated diagnosis on property taxation in Brazil
The purpose of this article is to update the diagnosis of the context of property taxes in Brazil and try to contribute to the introduction
of the subject in debates about tax reform. The stagnation of IPTU shows how the huge potential of the property taxes have been
ignored, despite the relevance of these as an alternative to over-taxation of consumption and, finally, as a promoter of greater tax
fairness.
Key words: Carga fiscal. Impuestos a la propriedad. IPTU.

Tributação da Propriedade Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM > 65


Administração Estatal

Administração estatal ou social:


um falso dilema
Carlos Fernando Galvão — Coordenador de Geografia da Equipe de Apoio Pedagógico da Coordenadoria Técnica da Secretaria Municipal de
Educação (SME) do Rio de Janeiro e Coordenador de Gestão e Integração de Rede da Regional Metropolitana VI, da Secretaria de Estado de Educa-
ção do Rio de Janeiro — cfgalvao@terra.com.br

RESUMO
Gerir o Estado não é uma tarefa simples e, como a crise da democracia apenas representativa bem o demonstra,
não deveria ser tarefa de poucas pessoas, ainda que eleitas. O modelo de gestão do Estado, entendido como poder
público, é, dada a força crescente dos fundos públicos, essencial para o sistema democrático moderno e para a me-
lhoria da qualidade de vida de todos nós. O presente artigo analisa um desses modelos e seus prováveis impactos
sociais e aponta para alternativas.

Palavras-chave: Gestão Pública. Democracia Representativa. Democracia Participativa.

Gestão Social: valorizado. Debater com respei- de 6 anos e a manutenção dos


uma nova visão, para além to faz parte do bem viver. níveis de despesas, após esse
da mera “Gestão Estatal” período, por mais 4 anos;
Isto posto, propomos, neste
Guimarães Rosa dizia em artigo, uma breve análise da 2 – limite do crescimento do
“Grande Sertão”, que viver é “Proposta de Ajuste Fiscal para total da receita real para até
muito perigoso, mas aprender o Brasil e a experiência da Nova 50% da taxa prevista de cresci-
a viver é que é o verdadeiro Zelândia”, realizado neste país mento econômico, limitada a
viver. Várias são as propostas a partir dos anos 80 e apresen- 2,75% ao ano e
existentes para a reforma do tado em maio de 2006, pela
Estado. Aos cidadãos, cabe acei- FIESP. Embora o documento 3 – atingido o superávit opera-
tar o desafio de examinar tais tenha sido divulgado há algum cional real positivo (diferença
propostas e, analisando-as, tempo, vale, no mínimo, como entre receita e despesa, após
aceitá-las, por eficazes para um exercício de análise crítica o pagamento de juros), passa-
nossas condições sociais, cul- para propostas futuras. A partir ríamos, então, a destinar 90%
turais, políticas, ambientais do referido modelo, a entidade do mesmo para investimentos
e econômicas, ou rejeitá-las, empresarial expôs uma pro- estatais.
por inadequadas, segundo os posta de controle dos gastos
mesmos parâmetros. Nenhuma públicos brasileiros, baseada Com essas três medidas, a
proposta deve ser descartada a em três pontos: FIESP estimava que, ao final
priori, como se tivesse vícios de dos 10 anos desse ajuste fiscal,
origem e o exercício da crítica, 1 – redução do total da despesa uma vez realizado, os gastos
desde que respeitosa, deve ser real do Estado em 2% ao longo públicos ficariam reduzidos

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em 2% reais e o que poderia vir Nacional e novamente tendo à mentações de contas bancárias
como boas conseqüências desse frente o Partido Trabalhista, o em cada ano fiscal. A mudança
ajuste seria, segundo a FIESP: processo foi iniciado, em 1984, passou a considerar as des-
com idéias liberalizantes. Os pesas, quando incorridas e as
1 – a queda na dívida pública, gastos públicos teriam caído, receitas, quando auferidas, em
de 51,8% do PIB (dados de 2006) entre 1990 e 2002, de 53,8% do tempo real. Segundo a FIESP,
para 25,7%; PIB para 37% e a carga tributá- esse novo sistema permitiu
ria teria caído também, de 49% a captura de todos os custos
2 – a queda da carga tributária do PIB para 41%. Além disso, a dos “recursos consumidos por
de 34% do PIB (dados de 2006) taxa real de juro teria passado um produto durante o período em
para 18%; de 6,4% ao ano para 3,0% ao ano, análise e, portanto, disponibiliza
em 2002. informação mais acurada ao ad-
3 – em conseqüência da dívi- ministrador público”.
da pública, os empréstimos 3 – Órgãos e entidades públicas
bancários ao setor privado com receitas próprias foram 7 – As contas públicas do Exe-
aumentariam e os investimen- reorganizados a partir de mo- cutivo passaram a ser auditadas
tos do particular passariam de delos de gestão empresariais, por um órgão independente, li-
16,8% do PIB para 19,2%; embora a propriedade perma- gado ao Parlamento que podia,
necesse governamental. Nesses inclusive, apresentar medidas
4 – os investimentos públicos modelos, a contabilidade e a para melhorar a eficácia do
passariam de 0,3% do PIB para prestação de contas do setor sistema.
5% e público foram concebidas e
realizadas de modo quase idên- 8 – A partir das informações
5 – a economia cresceria 6% ao tico as de uma empresa do setor públicas resultantes dos rela-
ano, em média. privado. tórios preparados, durante o
processo acima, foram gerados
Como funciona o modelo 4 – Criou-se a figura de um indicadores econômicos com os
de gestão estatal que poderia Executivo Chefe, com seu próprio quais o Executivo Neozelandês
melhorar nosso desempenho corpo funcional, por ele nome- pode se planejar.
econômico e nos conduziria ado, tal como numa empresa
ao cenário favorável descrito privada, com metas financeiras 9 – Ao assumir o governo, foi
pela FIESP? Arriscamos um a serem atingidas; o Parlamen- aumentado o ritmo das pri-
pequeno resumo do que diz o to teve controle dos gastos vatizações e da liberalização
documento dos empresários. públicos. da economia e foi instituído
o regime de “administração por
1 – Sofrendo os efeitos das cri- 5 – Foi instituída a Lei de Res- resultados”.
ses do petróleo dos anos 70 e do ponsabilidade Fiscal (existente
ingresso da Inglaterra na Co- no Brasil) para, no dizer do do- 1 0 – Fo r a m c r i a d o s t rê s
munidade Econômica Européia, cumento, levar o país a ter uma conceitos à administração go-
o que teria prejudicado suas “redução da dívida para níveis vernamental da Nova Zelândia:
exportações, desequilibrando prudentes” e uma “administração
a balança de pagamentos do prudente do risco fiscal e a previ- 10.1 - recursos utilizados –
país, a classe dirigente da Nova sibilidade do nível dos impostos”. bens e serviços comprados ou
Zelândia optou por realizar o empregados com a finalidade
seu ajuste fiscal. 6 – A forma contábil da Nova de obter um produto e o exem-
Zelândia já foi a de Fluxo de plo que a FIESP trouxe foi o do
2 – Iniciado pelo Partido Traba- Caixa, ou seja, informações Ministério da Saúde local, que
lhista, continuado pelo Partido contábeis que refletem as movi- “poderia contratar assistentes

Gestão Social Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM > 67


sociais e comprar veículos e e não apenas com o Fluxo de mos por bem mencionar, que
materiais (recursos) visando a Caixa, o que agiliza processos é o fato de que um modelo de
aumentar o número de atendi- administrativos e pode ser um gestão estatal, qualquer que
mentos a crianças carentes de bom instrumento de controle seja, para ser eficaz, não pode
uma determinada região”; social porque pode, dentre prescindir de um orçamento
outras coisas, levar à institucio- que seja impositivo.
10.2 – produto – benefício nalização de medidas como o
à comunidade, propriamente pregão eletrônico, infelizmente A política pública apresen-
dito e ainda pouco utilizado no Brasil. tada é um modelo de gestão
Um segundo ponto positivo financeira da Nova Zelândia e
10.3 – resultado – medida do modelo foi a aplicação dos está voltado para os aspectos
do impacto do produto na conceitos de “recursos utiliza- contábeis e fiscais do Estado,
comunidade e o exemplo da dos – produtos – resultados”, que mas não há menção, ao menos
FIESP foi o do impacto da ação clareiam a execução orçamen- no estudo apresentado pela
do Ministério da Saúde, acima tária ao mostrar a aplicação FIESP, de tudo o mais que com-
relatada, que esperava levar a do dinheiro público de modo, põe o poder público. Assim, ou
uma redução em 20% no índice aparentemente, mais compre- o modelo toma o Estado apenas
de crianças desnutridas, pelos ensível. Por fim, um terceiro em sua abstração financeira,
anos seguintes (não sabemos ponto interessante do modelo subordinando tudo o mais a
se a meta foi atingida). trazido pela FIESP foi a criação ela, ou a FIESP o faz – e é le-
de dados e informações para gítimo que o faça, diga-se de
Nossas ideias só estão fe- que indicadores econômicos passagem, se for esse o caso.
chadas quando morrem ou sejam produzidos, com con- Contudo, também é legítimo
morremos. A proposta Neoze- fiabilidade maior do que com que essa visão de mundo seja
landesa teve, pelo exposto no formas mais tradicionais de criticada. Para ficarmos em
estudo, aspectos interessantes, geração de dados e informações apenas em um aspecto, há
como a forma de trabalhar a estatais. Há um detalhe não funções estatais que, embora
questão contábil do Estado, analisado ou não explicitado envolvam dinheiro público,
com apuração em tempo real no estudo da FIESP que acha- não só não podem, como não
devem ser reduzidas à planilhas
de custos, como a abertura do
Estado ao controle social e,
por conseguinte, às estruturas
de poder para que a população
diga, quando, onde e quanto
investir o dinheiro público,
ou mesmo, se querem ou não
essa ou aquela política pública.
Alguns dizem que não é neces-
sária tal consulta à população
porque ela já teria dado o seu
aval, ao votar no grupo admi-
nistrador do momento, mas a
falência da democracia apenas
representativa está mais do que
evidente, e suas funestas con-
Em sua intangibilidade - dimensão existencial - cuja representação é tanto subjetiva quanto social, a cidade é
seqüências são por todos, senão
uma “imagem pública” conhecidas, conscientemente,

68 > Ano 58 — N ° 281 — Julho/Agosto/Setembro 2012


Administração Estatal

ao menos sentidas, na vivência PIB, fizemos, na prática, 6,36% conseguinte, de renda, não
cotidiana. de superávit primário. Em que será substancialmente altera-
isso melhorou a gestão pública, do. Vale, apenas, a ressalva de
O modelo de gestão finan- estruturalmente, para a popu- que a auditagem deve ser feita
ceira e fiscal da Nova Zelândia, lação em geral, salvo o que foi de modo retroativo, desde as
a despeito de toda e qualquer feito com as políticas púbicas origens de nossas dívidas. A
crítica que lhe seja feita, pode compensatórias? Estrutural- participação aqui preconizada
ser adequado às condições mente pouco. teria, ainda, o efeito de inibir
sociais, políticas, culturais, am- cortes drásticos ou remaneja-
bientais e econômicas do povo Não podemos falar em mentos em áreas como saúde,
neozelandês, mas não é, direta reformar o Estado sem que educação e segurança, áreas
e automaticamente, passível de mexamos nos mecanismos de que afetam mais as camadas
ser transposto para o Estado e o distribuição de renda, quer menos assistidas e que me-
povo brasileiro, como nenhum dizer, sem que discutamos a nos poder aquisitivo tem para
modelo permite, aliás. alocação dos fundos públicos. suprir essa falta de serviços
Em decorrência, instrumentos públicos da parte do Estado.
Cortar gastos públicos onde? fiscais como os propostos no Este último não pode ser ad-
Essa é uma escolha política, modelo neozelandês e nas me- ministrado como uma empresa
e não técnica. O mesmo vale tas apontadas pela FIESP, terão porque não visa ao lucro, mas
sobre onde, como e a quem tanto mais chances de não sim à prestação de serviços
beneficiar, quando o assunto é afetar negativamente a vida públicos e isso exige, não raro,
política fiscal dos investimen- da população que as adotar, investimentos para além do
tos públicos. O setor público quanto mais ela tiver alcançado que supostas taxas “científi-
brasileiro, em diversos mo- um nível de desenvolvimento cas” de inflação normalmente
mentos de sua história recente, social lhe permita atravessar o permitem. As metas admi-
tem contido gastos públicos e períodos restritivos por ter nistrativas devem servir para
em outro, expandido. Fazemos “gorduras para queimar”, como atender as que deveriam ser
enormes “superávitis” pri- é o caso da Nova Zelândia e as mais importantes metas do
mários e a pobreza continua, vários países europeus. Não Estado, as sociais como, por
embora tenha diminuído nos é, ainda, infelizmente, o caso exemplo, a ampliação do SUS
últimos anos. De juros, nos do brasileiro comum, carente ou a melhora da qualidade da
últimos 10 anos, segundo es- de muitas coisas, com baixo educação pública.
timativas baseadas em dados índice de atendimento de ser-
oficiais, pagamos algo como viços públicos de qualidade e, As propostas de reforma
R$12 trilhões, ou seja, 6 PIBs infelizmente, ainda muito de- do Estado estão baseadas, em
brasileiros! Se existe algum pendente dos serviços públicos. boa parte das vezes, na cren-
lugar nas despesas estatais, que ça, equivocada, de que ajustes
deveria ser cortado, certamen- O modelo em questão, da financeiros e de gestão têm o
te é nas finanças relativas ao Nova Zelândia, propõe audi- poder, (quase) por si sós, de
pagamento de juros. Claro que tagem permanente das contas resolver as crises sociais. Não
teríamos gritaria, alegando que do Executivo por um órgão do estamos aqui, de modo algum,
seríamos um país irresponsável, Legislativo. É uma boa medida, pregando uma gastança estatal
mas não é menos verdade que em que pese o fato de que, sem indiscriminada, até porque, já
manter a dívida social intacta a abertura maior dos governos fizemos em alguns períodos
ou com melhoras pontuais e/ à participação popular, torna-se e de nada adiantou – embora
ou lentas é irresponsabilidade apenas um acerto de cúpulas boa parte do dinheiro público
muito maior. Em maio de 2006, e, nesse caso, o problema da venha sendo canalizado para
com a meta oficial de 4,25% do concentração de poder e, por os abastados econômicos e

Gestão Social Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM > 69


“ Governar é, sobretudo, um ato contínuo


de solidariedade social, criatividade política e
competência administrativa

políticos com acesso aos me- são mais conhecidas, nossas ou seja, de um objeto real e uma
canismos de poder ou venha Cidades, é um fator de extre- imagem mental, que é uma for-
sendo roubado, pura e simples- ma importância dos nossos ma de apreensão, por parte do
mente. O que estamos a dizer tempos. Como fazer isso, não ser, de um objeto, tangível ou
é que apenas restrições orça- de modo autocrático, mas de intangível, que não é ele mes-
mentárias aos gastos públicos modo, efetivamente, democrá- mo. Uma cidade tem as duas
não são a panacéia universal tico e universal? formas de imagens. Por exem-
e, num país onde a riqueza é plo, com objetos tangíveis, na
muita, mas concentrada e onde Espaço Urbano: um modelo, sua dimensão geométrica e car-
o Estado ainda é vital (possivel- concreto e abstrato, tograficamente representável,
mente, por muito tempo o será) em construção a cidade deve ser tratada como
para boa parte da população, um objeto arquitetônico e de
reduzir os gastos públicos, na Em sua intangibilidade – engenharia. Maria Eliane Ko-
dimensão que parte da mídia dimensão existencial – cuja hlsdorf mostra que “a geometria
e vários setores econômicos e representação é tanto subjetiva euclidiana fornece instrumentos de
políticos têm proposto, é uma quanto social, a cidade é uma fácil manejo e que coincidem com
contribuição para que tudo fi- “imagem pública”. Podemos ter uma representação secundária do
que mais ou menos como está uma imagem visual concreta, espaço, onde se expressam suas
e, quando isso acontece, a ten-
dência não é o estancamento
das crises, mas a sua piora.

De todos os poderes pú-


blicos, por assim dizer, o
municipal é o que está mais
próximo das pessoas, dos ci-
dadãos e com a magnitude dos
problemas sociais e urbanos
neste século XXI, mesclada a
toda potencialidade que temos
para construir espaços exis-
tenciais cada vez melhores, se
soubermos como não desper-
diçar a capacidade enorme para
criar coisas boas, que temos,
gerir de modo diferenciado tais
A visão da Arquitetura sobre o conceito “espaço” é importante porque é esse “olhar” que conduz a
Unidade Existenciais ou, como maior parte das intervenções urbanas

70 > Ano 58 — N ° 281 — Julho/Agosto/Setembro 2012


Administração Estatal

dimensões, proporções e predicados espaço urbano, se estiver- social é, efetivamente, proje-


relacionais da estrutura de suas mos de um lugar da fala que tada” (1996: p.19). Mais uma
respectivas formas” (Kohlsdorf, não o da Arquitetura ou da vez, a concepção de espaço
1996: p.171). Morais e Messias, Engenharia Civil (ou, ao me- urbano, quando construída a
a partir da teoria marxista do nos, de uma parte de suas partir do conceitual de uma
valor, afirmam o seguinte: correntes de pensamento) ou certa vertente da Arquitetu-
que não o do senso comum. ra, define cidade como sendo
“Sendo o espaço (e tudo o A “cidade arquitetônica”, o produto de um projeto e,
que ele contém) uma condi- por assim dizer, e seu espaço ainda que ressalte que esse
ção universal e preexistente (arquitetônico) são apenas é socialmente construído, é,
do trabalho, ele é, desde logo, a base para a constituição na essência, um projeto e, se
um valor de uso, um bem de do(s) espaço(s) social(is). levarmos em consideração o
utilidade geral. A produção, Uma cidade não é uma cons- que é definido como projeto,
desta forma, sempre se realiza- trução de espaço, mas uma na Engenharia e na Arquite-
rá sobre formas preexistentes, construção existencial que é tura (um plano geral para a
sejam naturais ou sociais. (...) materializada no espaço e os construção de uma obra, com
É por isso que o espaço é uma objetos urbanos nele transi- plantas e cálculos), fica fácil
condição geral da produção tam e com ele interagem. percebermos que uma cidade,
(1999: p.123). nessa concepção, pode ser,
Uma cidade pode ser efetivamente, remodelada
Esse “valor”, citado pelos definida, não apenas, mas na prancheta. É o jogo de
autores, é o valor do espaço ca- também, como a organização interesses técnicos e, não
pitalista. Por outro lado, há um cultural, ambiental, econô- raro, de grupos e/ou classes
valor no espaço, uma vez que mica e política de um espaço sociais hegemônicos e suas
ele é, do mesmo modo, “palco físico e seus elementos como concepções ideológicas que
de processos que nele ocorrem”, um rio ou o mobiliário urba- estão por trás dessa definição
ou seja, as relações (sociais) no. Eni Orlandi diz que há um de espaço urbano.
de produção e a produção em certo “eu” urbano, que produz
si, mesmo não parecendo ser sentidos sociais no, a partir do Ora, uma consequência
especificamente espaciais, são, e para o espaço urbano. A autora dessas idéias é que há uma se-
no mínimo, dotadas de es- afirma que a cidade tem signi- paração entre o que podemos
pacialidade, e ela também ficados e formas, e ambos têm chamar de “Espaço Arquitetôni-
entra na composição do valor a sua “narrativa” que pode ser co” e “Espaço Urbano”. Embora
de uma mercadoria (Morais “lida” pelas pessoas (Orlandi, complementares, são diferentes
e Messias, 1999: p.128). Para 2001: p.10-11). As relações so- e autônomos: o espaço arquite-
Fridman e Siqueira, “o produto ciais são sempre “de sentido” tônico é uma das formas de
chamado ‘cidade’ é concebido e e, por isso, “não restam espaços leitura, interpretação e inter-
realizado exatamente seguindo os vazios na cidade, sua realidade venção do espaço urbano, não
mesmos métodos recomendados estando toda ela preenchida pelo se confundindo com ele. O
pelo marketing: deve ser atraente e imaginário urbano” (Orlandi, problema aparece quando essa
mostrado diretamente em suas ca- 2001: p.14). dimensão arquitetônica – ou
racterísticas mais desejáveis, sendo geométrica – é tida como a
a sua venda a mais desimpedida Do ponto de vista arqui- priori, como se essa “res exten-
possível” (2003: p.26).” tetônico, uma cidade pode sa” existisse independente de
ser definida, nas palavras um ser e de um conjunto de
É um equívoco a afirma- de Kohlsdorf, como “qual- seres (sociedade), que a percebe
ção de que apenas construir quer espaço intencionalmente como “extensa” e que lhe dá
ruas, praças etc. é construir produzido (...) toda construção significado; com se o material

Gestão Social Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM > 71


significasse a existência e não materiais e existenciais, mas (políticas). Em sua origem,
o contrário. não tem uma forma clássica, se além do território, da sobera-
esta for entendida como algo nia e da Constituição, há um
A visão da Arquitetura sobre que podemos ver e tocar. Se- outro elemento constituidor
o conceito “espaço” é impor- gundo Argan (1992), no período do poder estatal - aliás, o mais
tante porque é esse “olhar” Modernista, o Urbanismo foi importante: as pessoas. Sem
que conduz a maior parte das definido como uma disciplina povo (cidadãos organizados e
intervenções urbanas e pode criada para estudar a cidade e conscientes de seu processo
ser apreendida, por exemplo, planejar o seu desenvolvimento histórico-espacial), não há
pelo menos em uma de suas e foi o resultado da mistura de soberania, território, Constitui-
vertentes, a partir das idéias do diversas áreas do saber humano ção ou Estado.
professor Sílvio Colin, quando como a Sociologia, a Economia
afirma o seguinte: e a Arquitetura, por ele citadas. Uma administração social
No seu modo de ver, o Urbanis- do território e da vida é não
“Ao mesmo tempo em que mo não deveria ser confundido só possível, a despeito dos que
o espaço é o lugar-continente com o que chamou de “Arquite- falam que isso é utopia, como
de todos os corpos, a extensão tura Urbana”. desejável e perfeitamente re-
onde ocorrem todos os eventos, alizável (não é nada fácil, isso
o meio vazio onde os seres se A busca por novos sim, mas é viável). Um grupo
locomovem e onde estão situa- espaços sociais de voluntários, no Rio de Ja-
dos os objetos, para o arquiteto neiro testou uma proposta que
o espaço é, também, uma coisa Como “olhar” a política com chamamos de Plano de Gestão
extensa, uma existência objeti- olhos estranhados, tomando Cidadã, explicitada no livro
va, uma “matéria” à qual ele terá emprestada uma expressão “Democracia – do conceito
de dar forma (2000: p.57-58).” de Bertold Brecht? Um novo à prática, da representação
“olhar” pode selar um novo à participação”, da Editora
A definição acima pode acordo entre duas ou mais pes- Claridade, lançado em maio de
expressar, contudo, o que po- soas e, jurídica e politicamente 2010, em Ponta Grossa (PR) e
demos chamar de “Espaço falando, um acordo recebe o na cidade do Rio de Janeiro. A
Arquitetônico”, mas não “Espa- nome de “contrato”, que é uma síntese dessa proposta, abaixo
ço”, universalmente falando, ou transferência mútua de direitos explicitada, pode ser encontra-
mesmo “Espaço Urbano”, como e obrigações entre as partes. da, na íntegra, no livro.
categoria conceitual passível
de alguma generalização para Mesmo tendo uma natureza Participação Popular no
outras áreas do conhecimen- jurídica, o Estado é, na verdade, Brasil e alguns de seus
to humano, se adotarmos a um ente com poder político que pressupostos legais
perspectiva política e existen- faz uso de instrumentos jurí-
cialista. Nesta perspectiva, o dicos. Os poderes socialmente Como levar o bem-estar a to-
que tem forma, ao contrário constituídos devem decidir dos os moradores das cidades,
do que afirmam alguns, não é qual regra legal será aplicada respondendo às modernas de-
o espaço, um ente intangível, em cada caso e essa decisão é mandas urbanas? Isso é função
mas os objetos e construções, política e não jurídica, embora apenas dos governos? No Brasil,
animados e inanimados, que não prescinda do arcabouço desde 1987, para citar um único
estão dispostos sobre a base jurídico. O Estado Moderno é, exemplo, existe e vem atuando
física que caracteriza a dimen- pois, a expressão Constitucio- o Fórum Nacional de Reforma Ur-
são geométrica do conceito nal do Soberano, o Povo, e pela bana (FNRU), resultado de uma
“espaço”. Este último tem es- Carta Magna e códigos vários articulação de pesquisadores de
tética e simbologia, elementos (sistema legal) baseia suas ações universidades, de organizações

72 > Ano 58 — N ° 281 — Julho/Agosto/Setembro 2012


Administração Estatal

não governamentais e autori- área de expansão urbana e no no artigo 4º, inciso III, do Esta-
dades que, baseados em vários § 2º do artigo 40 do Estatuto tuto da Cidade: Plano Diretor,
estudos e documentos, como a da Cidade está disposto que o que disciplina, por exemplo, o
Carta de Atenas e em conferên- Plano Diretor deve englobar parcelamento, uso e ocupação
cias como as chamadas “Habitat o território urbano como um do solo; zoneamento ambien-
I e II”, da ONU, se propõem a todo. No artigo 186 da Consti- tal; Plano Plurianual; diretrizes
buscar ideias e ações concretas tuição Federal, a propriedade orçamentárias anuais; planos,
para melhorar a qualidade de rural cumpre a função que lhe programas e projetos sociais,
vida nas cidades. Há instru- é demandada quando atende planos de desenvolvimento
mentos legais que versam sobre aos requisitos que estão dis- econômico e social; gestão or-
o quesito “participação popu- postos, explicitamente, neste çamentária participativa.
lar” na gestão urbana, embora artigo e não quando cumpre as
a menção às metodologias de exigências fundamentais do 6 – O Plano Diretor deve ser
trabalho sejam vagas, com um Plano Diretor que, como já vis- elaborado por procedimentos
indicativo de “participativo”, to, rege apenas o ordenamento do Poder Executivo e/ou Le-
mas sem dizer como se dará, na do espaço urbano. gislativo, mas a metodologia é,
prática, essa participação. Não segundo o Estatuto da Cidade
obstante, lei não nos falta para 3 – O Planejamento Municipal e os artigos 182 e 183 da CF,
regular a participação popular tem no Plano Diretor um ins- obrigatoriamente, participati-
na gestão pública. trumento constitucional para va, numa parceria entre poder
as Políticas Urbanas, como público e população.
1 – O artigo 182 da Constituição prescreve o artigo 4º do Esta-
Federal, em seu § 1º, determi- tuto da Cidade. 7 – O § 4º do artigo 182 da Cons-
na a obrigatoriedade de toda tituição Federal dispõe que os
cidade com mais de 20 mil ha- 4 – As diretrizes expressas no poderes municipais, na elabo-
bitantes ter um Plano Diretor, artigo 39 da Lei n◦ 10.257/2001 ração do Plano Diretor e em sua
o qual deve ser refeito decenal- mostram que os Municípios fiscalização e implementação,
mente, conforme o § 3º da CF; devem observar na elaboração deverão garantir: a publicida-
às cidades com menos de 20 de seus Planos Diretores: a ga- de quanto aos documentos e
mil habitantes, o Plano Diretor rantia de cidades sustentáveis; informações produzidas pelas
é facultado. O § 2º do artigo 40 o saneamento ambiental; a políticas urbanas; o acesso
do Estatuto da Cidade determi- moradia; a ordenação e con- a qualquer interessado nos
na que as cidades com mais de trole do uso do solo; a retenção documentos e informações
500 mil habitantes devem ter, especulativa de imóvel urbano; produzidas e a promoção de au-
obrigatoriamente, um plano a proteção, preservação e re- diências públicas e debates com
de transporte. As diretrizes do cuperação do meio ambiente, a participação da população e
Plano Diretor são traçadas pela natural e construído; a regula- de associações representativas
Lei nº◦ 10.257/2001. rização fundiária e urbanística da sociedade.
de áreas ocupadas por popula-
2 - No § 2º do artigo 182, está ção de baixa renda; a isonomia A realização de um Plano
expresso que a propriedade ur- das condições para agentes Diretor é uma das formas de
bana cumpre sua função social públicos e privados nos em- participação popular, sem
quando atende às exigências preendimentos urbanísticos; dúvida. Entretanto, é de-
fundamentais da ordenação a gestão democrática das cidades; pendente de legislação e de
da cidade, assinaladas no Pla- outras. políticas públicas, ou seja, é
no Diretor. Isso significa que função da institucionalidade,
a abrangência desse Plano 5 – São instrumentos do Plane- ainda que associada à cidada-
é apenas a área urbana ou a jamento Municipal, expressos nia, e não de um movimento

Gestão Social Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM > 73


originado e executado pelos vida em comunidade flua de reivindicação da cidadania,
cidadãos, independente de modo autônomo e satisfató- por mais ingênua que possa
terem ou não apoio insti- rio. O que fazer, então? parecer, deve ser incentivada,
tucional. A participação no pelo simples fato de que é o
Plano Diretor é feita através A ideologia do Plano de Gestão resultado de um sentimento
de seis passos: 1 – levanta- Cidadã (PGC) e, com um pouco de sorte, de
mento da realidade da cidade alguma forma de organiza-
e de seus problemas; 2 – defi- O papel de quem usa o inte- ção popular, o que é sempre
nição de objetivos e métodos lecto e o coração, na política e desejável. Assim, o PGC é
de trabalho; 3 – redação da na vida, é tomar a palavra em uma proposta que possibilita
prop osta; 4 – apre ciação público e levantar problemas o oferecimento ao cidadão
pelas câmaras municipais; 5 – fundamentais que precisam comum e aos movimentos
aprovação pelos vereadores e de uma resposta coletiva. É comunitários, um canal livre
6 – promulgação pelo Prefei- essa, na verdade, a essência e eficiente de comunicação
to. Um Plano Diretor, embora do Plano de Gestão Cidadã e a com o poder público e com
não deva ser nosso único foco meta expressa no título deste toda a sociedade, além de um
de ação, quando pensarmos capítulo não pode ser atingida instrumento de ação política.
em democracia participativa, se não houver: O objetivo específico do PGC
deve contar com a participa- 1 – participação popular; é viabilizar a participação po-
ção ativa, sempre que estiver 2 – autoplanejamento / au- pular cada vez mais intensa,
sendo discutido, já que nele togestão; autônoma e auto-sustentável,
são tomadas decisões im- 3 – qualidade social de vida. o que envolve, por exemplo,
portantíssimas para nossas auto-organização, geração de
vidas. O Estatuto das Cidades Para construir este processo, por renda e desenvolvimento so-
traz em seus artigos, assim, sua vez, é necessário termos: lidário e local, além de buscar
mecanismos legais para que a – vontade política, existente uma cada vez maior participa-
a cidadania participe mais ou “construível”, pelo poder ção popular no planejamento e
ativamente de sua vida, quan- público e pela população; na gestão política das cidades.
do da elaboração decenal do b – afetividade e respeito pelo
Plano Diretor, mas não garan- outro; Buscando novos caminhos
te que tal participação seja c – uma metodologia de traba-
contínua e sistemática. lho sociopolítico participativa A imposição de um tipo de
(e não autocrática). realidade, sem contestação, nos
Governar é, sobretudo, um imobiliza. Movimentemo-nos,
ato contínuo de solidariedade Por outro lado, é também im- pois! Mas para movimentar-
social, criatividade política e portante: mo-nos, tempestivamente e
competência administrativa. 1 – o fortalecimento da socie- com consequência, não é ne-
Contudo, os sistemas estatais, dade e dos cidadãos; cessário que antes efetuemos
ao longo da História, são 2 – o planejamento coletivo; um bom planejamento, ou
engessados e lentos em suas 3 – a viabilização de projetos seja, que antes tenhamos uma
ações. E talvez tenham que ser autogestionários. ideologia (na boa acepção da
assim mesmo, já que o poder palavra), viabilizada por uma
público deve se precaver, pois Plano de Gestão Cidadã (PGC): metodologia de ação social
seu resguardo é uma garantia uma proposta de ação eficaz? Vale aqui, a ressalva de
social. Mas as mudanças e política coletiva que não podemos permitir o
avanços precisam acontecer. engessar-se nessa ideologia
Assim, a participação popular O PGC se justifica, a come- e nessa metodologia. Temos
faz-se essencial para que a çar do fato de que qualquer de ter a humildade para reco-

74 > Ano 58 — N ° 281 — Julho/Agosto/Setembro 2012


Administração Estatal

nhecer erros no que fazemos devemos humilhar e aniqui- absorver os acertos dos outros
e acertos no que os outros lar (desde que todos ajam e corrigir os nossos erros. So-
fazem, encarando-os como com ética, lealdade e amor); bretudo, devemos acreditar
aliados que pensam diferente é necessário termos lucidez em nós mesmos e em nossos
e não como inimigos a quem e disposição suficientes para sonhos, tentando realizá-los.

RESUMEN
Administración estatal o social: un falso dilema
Gerir el Estado no es una tarea simples y como la crisis de la democracia representativa lo demuestra, no debería ser tarea de unos
pocos, aunque elegidos. El modelo de gestión del Estado entendido como poder público es, debido a la fuerza creciente de los fondos
públicos, esencial para el sistema moderno y para el mejoramiento de la calidad de vida de todos nosotros. El presente artículo examina
uno de esos modelos y sus probables impactos sociales y apunta hacia alternativas.
Palabras-clave: Gestión Pública. Democracia Representativa. Democracia Participativa.

ABSTRACT
State or social administration: a false dilemma
To administer the State is no easy task and, as the crisis of representative democracy clearly points out, it should not be placed in
the hands of a few persons, even being the elected ones. Considering the growing strength of public funds, the State management
model, considered as public authority, is viewed as essential not only for the modern democratic system but also for our quality of life
improvement. The present article analyzes one of these models as well as its probable social impacts and proposes alternatives.
Key words: Public Management. Representative Democracy. Participatory Democracy.

Gestão Social Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM > 75


Pareceres

Cargos de provimento em comissão.


Fixação do percentual mínimo a ser exercido
por servidores efetivos. Iniciativa do projeto
de Lei. Competência.
Priscila Oquioni Souto — Consultora Jurídica do IBAM

CONSULTA
Indaga sobre a iniciativa de projeto de lei que fixa percentuais mínimos de cargos em comissão previstos no art. 37,
inciso V da Constituição Federal, bem como se esta iniciativa é diferenciada por Poder.

Resposta previstos em lei. Trata-se de antes considerada atributo de


regra extremamente salutar e gestão técnica, em vetor cons-
Diante dos princípios cons- moralizadora introduzida pela titucional que deve orientar
titucionais que devem reger a EC nº 19/1998. toda a atuação da Adminis-
administração pública, insertos tração Pública.
no art. 37, caput da Constitui- Relativamente ao disposi-
ção, o inciso II deste mesmo tivo ora analisado, vale ainda De tal sorte, diante de uma
dispositivo constitucional esta- asseverar que a referida modi- interpretação conforme e
belece a exigência de concurso ficação no bojo do texto consti- sistemática do texto consti-
público para o provimento de tucional pela EC nº 19/1998, que tucional, pode-se aferir que
cargos ou de empregos públi- também introduziu expressa- a exigência de um percentual
cos. Dentre as exceções possí- mente o princípio da eficiência mínimo de cargos em comis-
veis a tal exigência temos a dos no caput do art. 37, pretende são a serem preenchidos por
cargos em comissão, que são de materializar este princípio ao servidores efetivos encontra
livre nomeação e exoneração garantir e reconhecer que os guarida na preocupação ho-
e destinam-se tão somente às cargos de direção, chefia e as- dierna de exigir-se o melhor
atribuições de direção, chefia e sessoramento devem ser, em desempenho possível das atri-
assessoramento. determinado percentual, pro- buições dos agentes públicos,
vidos por servidores efetivos a fim de se obter os melhores
No entanto, exatamente por em virtude da necessidade de resultados, o que atende não
configurar uma exceção à regra conhecimentos técnicos, com somente aos interesses da
do concurso público para pro- o desiderato de evitar o lote- Administração pública, mas
vimento de cargos, a Constitui- amento meramente político também dos cidadãos.
ção estabeleceu em seu art. 37, desses cargos.
inciso V, que os cargos em co- Feitas estas primeiras con-
missão deverão ser preenchidos O legislador constituinte siderações elucidativas acerca
por servidores de carreira. Isto derivado reformador, por in- dos cargos em comissão, passa-
é, concursados, nos casos con- termédio da EC nº 19/1998, mos à análise da competência
dições e percentuais mínimos transformou a eficiência, para iniciativa do Projeto de Lei

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que fixa o percentual mínimo provimento de servidores das diversos órgãos e entidades da
desses cargos. carreiras judiciárias, impondo administração pública definir o
aos Tribunais de Justiça, nos limite que lhes seja convenien-
Inicialmente, cabe deixar Estados onde ainda não haja te de reserva para servidores
consignado, por oportuno legislação a respeito, encami- efetivos.
que se revela, que a norma nhem Projetos de Lei para a
contida no art. 37, inciso V regulação da matéria. No âmbito do Poder Exe-
da Constituição, é constitu- cutivo, uma vez que a matéria
cional de eficácia limitada. A indigitada ação declara- é atinente à organização ad-
Ou seja, é norma que depende tória de inconstitucionalidade ministrativa, composição de
de uma Lei integrativa infra- ainda se encontra pendente de órgãos integrantes da estrutura
constitucional para produzir julgamento. Entretanto, o seu desse Poder, a iniciativa da lei
todos os seus efeitos. D e Ministro relator e o Advogado em comento cabe ao Prefeito,
forma mais completa, temos Geral da União e o Procurador por força do art. 61, § 1º, II,
uma norma constitucional de Geral da República manifesta- alínea “e” da Constituição, apli-
eficácia limitada declaratória ram-se pela sua improcedência cável ao processo legislativo em
de princípio institutivo ou e conseguinte constitucionali- âmbito municipal por força do
orgânico, visto que contém dade da Res. nº 88/2009 do CNJ. princípio da simetria (art. 29,
esquema geral de estrutura- caput da Constituição), conso-
ção de instituições, órgãos ou Importante para ilustrar a ante jurisprudência pacífica no
entidades. questão sob exame, trecho da âmbito do STF.
manifestação do Advogado Ge-
Tratando-se de norma de ral da União na ADI nº. 4.355, o No âmbito dos demais Pode-
eficácia limitada, que tem por qual a seguir se reproduz: res, no caso o Poder Legislati-
fito concretizar o princípio vo, cabe a ele dispor sobre sua
da eficiência, compete aos di- “(...) já em relação ao per- organização e funcionamento,
versos órgãos e entidades da centual mínimo de cargos em respeitado o Princípio da Sepa-
administração pública definir comissão que devem ser provi- ração dos Poderes contido no
o limite que lhes seja conve- dos por servidores das carreiras art. 2º da Constituição.
niente de reserva para servi- judiciárias, a resolução questio-
dores efetivos. nada presta-se a concretizar, Nesse diapasão, conclui-se
no âmbito do Poder Judiciário, que a norma infraconstitu-
Muito embora na jurispru- o preceito constitucional con- cional que integra o art. 37,
dência dos Tribunais Superio- tido no inciso V do art. 37 da inciso V da Constituição, que
res não exista, até a presente Lei Maior”. configura norma de eficácia
data, jurisprudência que se limitada, conforme visto
amolde perfeitamente ao caso Na conformidade de todo outrora, no âmbito do Poder
em apreço, pode-se colacionar, o exposto até aqui, e com as Executivo, é de iniciativa pri-
com o intuito de corroborar as adaptações devidas, visto o es- vativa do seu chefe. No que
ideias até aqui expostas, a ADI pecial papel que a Constituição tange ao Poder Legislativo,
nº 4.355, cumpre esclarecer que atribui ao CNJ no âmbito do Po- cabe a ele dispor por Reso-
se encontra em trâmite no STF, der Judiciário, reitera-se a ideia lução sobre os percentuais
a qual pleiteia a declaração anteriormente mencionada de mínimos de cargos em comis-
de inconstitucionalidade da que, tratando-se de norma de são ocupados por servidores
Res. nº 88/2009 do CNJ que, eficácia limitada que tem por efetivos, eis que é da sua com-
entre outros, fixou no seu art. objetivo o melhor desempenho petência a edição de normas
2º, § 2º, o percentual de 50% possível das atividades a serem acerca da sua organização e
dos cargos em comissão para desenvolvidas, compete aos funcionamento.

Pareceres Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM > 77


Em Foco

Projeto Conservador das Águas, Extrema (MG)


Gustavo Rabello — Coordenador de Projetos do IBAM

O projeto Conservador das Comitê de Bacias PCJ Federal, Reconhecido nacional-


Águas surgiu da necessidade Universidade Federal de La- mente e com grande poten-
de se implementar ações de vras, Associações de Mora- cial de replicabilidade, o Con-
preservação e de recuperação dores, The Nature Conservancy servador das Águas serviu de
ambiental no município de (TNC) e SOS Mata Atlântica. base para publicações e para
Extrema (MG). Situado em Liderado pela Prefeitura Mu- a criação de projetos similares
um dos maiores sistemas de nicipal de Extrema, o Con- em outros municípios. Além
abastecimento público do servador das Águas realizou disso, foi agraciado com os
mundo (Sistema Cantareira), atividades em 95 proprieda- prêmios Bom Exemplo, con-
está em situação de grave de- des rurais de duas das sete cedido pela Rede Globo e Fun-
gradação de sua mata nativa sub-bacias englobadas pelo dação Dom Cabral, em 2011,
como consequência da ativi- município (Posses e Salto), e Caixa – Melhores Práticas em
dade agropecuária. entre 2007 e 2011. Gestão Local 2011/2012.

Os principais objetivos do A implantação do Paga- Foi, igualmente, uma das


projeto são aumentar a co- mento por Serviços Ambien- 12 práticas ganhadoras do
bertura vegetal nas sub-bacias tais em Extrema mostrou-se Prêmio Internacional de 2012
hidrográficas do município; uma experiência de sucesso promovido pela Municipali-
implantar microcorredores na construção de novo mode- dade de Dubai, nos Emirados
ecológicos; reduzir os níveis lo de preservação ambiental, Árabes Unidos, com o apoio
de poluição difusa rural; di- e continua ampliando suas do Programa das Nações Uni-
fundir o conceito de manejo ações e agregando, a cada ano, das para os Assentamentos
integrado de vegetação, solo novos produtores rurais. Humanos (UN-Habitat).
e água; e garantir a susten-
tabilidade socioeconômica e
ambiental das ações de ma-
nejo por meio do Pagamento
por Serviços Ambientais
(PSA) aos produtores rurais,
instrumento regulamentado
pela Agência Nacional de
Águas (ANA).

O projeto teve início em


2005, com a promulgação
da primeira lei municipal do
Brasil a regulamentar o PSA.
Ao longo de sua implantação, O projeto Conservador das Águas teve início em 2005, com a promulgação da primeira
contou com o apoio técnico e lei municipal do Brasil a regulamentar o PSA

financeiro de diversos parcei-


ros – ANA, Caixa Econômica Para mais informações, consulte:
Federal (CEF), Instituto Na- www.extrema.mg.gov.br
cional de Florestas (IEF-MG),

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