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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO”

FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS


CAMPUS DE FRANCA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

NATÁLIA FRAZÃO JOSÉ

IMAGENS DISCURSIVAS SOBRE AUGUSTO NAS BIOGRAFIAS E


HISTÓRIAS DO PRINCIPADO ROMANO (SÉCULOS I a.C. A III d.C.)

FRANCA
2016
NATÁLIA FRAZÃO JOSÉ

IMAGENS DISCURSIVAS SOBRE AUGUSTO NAS BIOGRAFIAS E


HISTÓRIAS DO PRINCIPADO ROMANO (SÉCULOS I a.C. A III d.C.)

Tese de Doutorado apresentada ao Programa


de Pós-Graduação em História da Faculdade
Ciências Humanas e Sociais da Universidade
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
como pré –requisito para a obtenção do Título
de Doutor em História. Área de Concentração:
História e Cultura.

Agência Financiadora: FAPESP

Orientadora: Professora Doutora Margarida


Maria de Carvalho.

FRANCA
2016
José, Natália Frazão.
Imagens discursivas sobre Augusto nas biografias e histórias
do Principado Romano (Séculos I a.C. a III d.C.) / Natália Frazão
José. – Franca : [s.n.], 2016.
402f.

Tese (Doutorado em História). Universidade Estadual


Paulista. Faculdade de Ciências Humanas e Sociais.
Orientadora: Margarida Maria de Carvalho

1. Augusto Imperador de Roma 63A.C.-14D.C. 2. Biografia.


3. Análise do discurso narrativo. I. Título.
CDD – 920
NATÁLIA FRAZÃO JOSÉ

IMAGENS DISCURSIVAS SOBRE AUGUSTO NAS BIOGRAFIAS E


HISTÓRIAS DO PRINCIPADO ROMANO (SÉCULOS I a.C. A III d.C.)

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Faculdade


Ciências Humanas e Sociais da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita
Filho”, como pré-requisito para a obtenção do Título de Mestre em História.
Área de Concentração: História e Cultura
Agência Financiadora: FAPESP
Orientadora: Profa. Dra. Margarida Maria de Carvalho

BANCA EXAMINADORA

Presidente:_________________________________________________
Profa. Dra. Margarida Maria de Carvalho, Unesp – Franca

1°Examinador: _______________________________________________
Profa. Dra. Ana Teresa Marques Gonçalves, UFG

2° Examinador: _______________________________________________
Profa. Dra. Luciane Munhoz de Omena, UFG

3º Examinador: _______________________________________________
Profa. Dra. Renata Senna Garraffoni, UFPR

4º Examinador: _______________________________________________
Prof. Dr. Vagner Carvalheiro Porto, MAE - USP

Franca, ______ de ________de 2016


Dedico à querida avó Ana (in memoriam)
Você me ensinou a ler e, hoje, cá estou.....
AGRADECIMENTOS

Neste momento, não quero fazer um agradecimento curto. A Tese que aqui
apresento é fruto de muitos anos de uma formação inestimável, de experiências que
me marcaram e que irão influenciar todos os próximos passos de minha vida,
pessoal e profissional.
Durante toda esta trajetória, descobri que as palavras nem sempre
conseguem expressar a essência de quem as escreve. O verdadeiro sentido, às
vezes, está nas entrelinhas, naquilo que não foi dito. Apesar disso, tentarei expor
nas linhas que se seguem, todo o meu agradecimento para aos maravilhosos seres
que me acompanharam, auxiliaram e apoiaram em um momento tão singular.
Gratidão que nem sempre expressei pessoalmente, mas que almejo demonstrar
agora.
A princípio, agradeço à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São
Paulo, FAPESP, meus sinceros agradecimentos. Seu apoio permitiu-me desenvolver
minha pesquisa desde a Iniciação Científica, possibilitando, inclusive, ampliar as
fronteiras de meus conhecimentos, através da participação de congressos no
exterior e, também, com a modalidade da Bolsa de Estágio de Pesquisa no Exterior.
Agradeço à Margarida Maria de Carvalho, orientadora e amiga. À querida
Margô, sou grata pelos dez anos de orientação, amizade e generosidade, por me
incentivar, mesmo quando eu não estava tão certa sobre o caminho a ser seguido.
Obrigada pela confiança depositada em mim e em minha pesquisa. Encorajadora e
companheira, sempre presente para ouvir e aconselhar, foi a pessoa que me
direcionou pelo caminho que hoje trilho. A isso, sempre serei grata.
Deixo, aqui, também, meus singelos agradecimentos ao Prof.Dr. Joseph
Farrell, supervisor de meu estágio no exterior junto a University of Pennsylvannia,
Philadelphia, E.U.A. Através de seu intermédio, novos caminhos se abriram e a
pesquisa desenvolveu-se por novos horizontes. Aproveito o ensejo para também
agradecer às demais pessoas que me foram muito receptivas nesse mesmo
período: Profa. Dra. Cynthia Damon, Prof.Dr. Bryan C. Rose, Prof.Dr. Grey Campbell
e a queridíssima Stephanie Palmer.
Muito obrigada aos direcionamentos e apontamentos dados à minha pesquisa
durante o Exame de Qualificação. Profa. Dra. Ana Teresa Marques Gonçalves,
Profa. Dra. Renata Senna Garraffoni e Profa. Dra. Andréa Lucia D. C. de Oliveira
Rossi. Espero ter atendido a tais questões e às expectativas em mim depositadas.
Estendo, antecipadamente, reconhecimentos aos outros membros da Banca de
Defesa: Profa. Dra. Luciane Omena, Prof. Dr. Vagner Porto, Profa. Dra. Nathalia
Junqueira, Prof. Dr. Deivid Valério Gaia e Profa. Dra. Márcia Pereira. Obrigada por
aceitarem participar dos próximos debates, enriquecendo a tese com suas valiosas
percepções.
Gratidão é o que sinto por todos os conselhos, sugestões e recomendações
que recebi de profissionais exemplares por todo o meu percurso nas linhas da
História Antiga: Profas. Dras. María José Hildalgo de la Veja, Helena Amália Papa,
Nathalia Monseff Junqueira e Érica C.M. da Silva e Profs. Drs. Pedro Paulo Abreu
Funari, Jean-Michel Carrié, Gilvan Ventura da Silva e Noel Lensky.
Ao Grupo do Laboratório de Estudos sobre o Império Romano da UNESP/
Franca, obrigada!! Profas. Dras. Érica C.M. da Silva, Nathalia Monseff Junqueira,
Helena Amália Papa, Semíramis Corsi Silva, Profs. Mestres Bruna Campos
Gonçalves, Dominique Monge R. de Souza, Daniel de Figueiredo, Éliton Almeida e
graduandas Marianne e Monique Cerri. Vocês tornaram ainda mais compensador e
divertido o estudo da História.
Gostaria de deixar meu reconhecimento às várias instâncias da UNESP/
Franca que me acolheram e ajudaram, principalmente o Departamento de Pós-
Graduação e ao Escritório de Apoio à Pesquisa.
Minha gratidão aos amigos especiais: Helena Amália Papa, Dominique de
Souza, Daniel de Figueiredo, Fabrício Trevisan, Nathalia Junqueira e Érica da Silva.
Sem vocês, tudo seria muito mais sem graça! Obrigada pela companhia, pelos
conselhos, pela ajuda e, por acima de tudo, darem-me a graça de suas amizades.
À querida amiga-irmã Bruna Campos Gonçalves, uma das únicas a sorrir
constantemente. Com você, aprendi que o mundo pode ser sempre AZUL, basta
enxergá-lo desta maneira.
À Marina de Oliveira Costa, amiga, irmã, confidente.... Obrigada por me dar
uma família francana! Sem você, não conseguiria chegar até aqui.
Meus agradecimentos especiais à minha família, a qual esteve ao meu lado
em todos os momentos:
Aos meus pais, Maria de Fátima e Luís Carlos, por todo apoio, crédito e
esperança em mim depositados. Muitos dos meus passos só foram dados porque
vocês me impulsionaram...
Ao meu esposo, Ronaldo Bernardi, pela perseverança, por acreditar e por me
fazer acreditar em mim mesma. Você se manteve ao meu lado nos dias de sol e de
tormenta. Acreditou em meus sonhos e defendeu meus ideais, fez-me lutar, nunca
desistir.
Aos meus avós, Ivone, Euclides, Ana (in memoriam) e Joaquim (in
memoriam). Vocês me moldaram, ensinaram-me e mostraram-me que o melhor
tempo é hoje. Tempo em que se pode recomeçar, renovar e recriar. Obrigada pelo
seu amor. Amo-os com todas as forças!
À minha madrinha, Maria de Lourdes, pessoa iluminada, amante da História e
da Arte. Sua paixão é espantosa e, sua luz, contagiante.
À Katya, minha irmã por escolha. Sem você e sua família, não seria possível
o desenvolvimento de grande parte desta pesquisa. Obrigada por me ajudarem a
criar e a cuidar dos “os anjinhos”, por estarem presentes quando eu não podia estar.
Meus passos ainda são recentes quando comparados com os de todos que
estiveram ao meu lado. Espero que um dia eu possa orgulhá-los na mesma
proporção que me orgulho de vocês! A todos vocês, minha gratidão!
JOSÉ, Natália Frazão. A Imagens Discursivas sobre Augusto nas Biografias e
Histórias do Principado Romano (Séculos I a.C. a III d.C.). 2016. 401f. Tese
(Doutorado em História) – Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2016.

RESUMO

Neste momento, propomo-nos a analisar as imagens discursivas sobre Augusto nas


Biografias e Histórias do Principado Romano, séculos I a.C. a III d.C. Para isto,
selecionamos a obra de Veléio Patérculo, História Romana (séculos I a.C. – I d.C.),
as biografias de Plutarco de Queronéia, César e Antônio (séculos I e II d.C.), as
biografias de Caio Suetônio Tranquilo, O Divino Júlio e o Divino Augusto (séculos I
e II d.C.), os escritos de Lúcio Anneu Floro, Epítome de Tito Lívio (séculos I e II
d.C.), e, por fim, a obra de Dion Cássio, História Romana(século II e III d.C.). Através
desse corpus documental, torna-se possível uma comparação entre as imagens
discursivas sobre esse imperador Júlio-Claudiano, imagens estas que foram
elaboradas em contextos diferentes, através de abordagens distintas e, em nossa
concepção, partindo de múltiplas motivações destes autores. Ainda, faz-se possível
compreender como as figuras de Júlio César e Marco Antônio são utilizadas nessas
criações sobre Augusto, sendo que o primeiro passa a representar o modelo a ser
seguindo; enquanto o segundo, a sua antítese. Nesta análise, partimos do
pressuposto que os elementos da sociedade do Principado Romano não são
homogêneos e que as diferenças entre os relatos, assim como as similaridades,
também nos levam à legitimação da estrutura política do Principado Romano.

Palavras–chave: Principado Romano – Augusto – Imagens Discursivas – Biografias


- Histórias
JOSÉ, Natália Frazão. Discursive Images about Augustus in Biographies and
Histories of the Roman Principality (I BC to III AD centuries). 2016. 401f. Thesis
(Doctorate in History) – Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2016.

ABSTRACT

In this new academic trajectory, we propose to analyze the discursive images of


Augustus in Biographies and Histories of the Roman Principality , between centuries
I BC to III AD. For this, we selected the work of Velleius Paterculus, Roman History
(centuries I BC to I AD), the Plutarch biographies, Caesar and Antony (first and
second centuries AD), the Suetonius biographies, The Divine Julius and The Divine
Augustus (first and second centuries AD), the writings of Lucius Florus, Epitome of
Titus Livy (first and second centuries AD), and finally, the Dion Cassius work, Roman
History (II and III century AD). Through his documentary corpus, it becomes possible
to compare the discursive images of Julio-Claudian Emperor, which images have
been developed in different contexts, through different approaches and, in our view,
from multiple motivations of these authors. Still, it is possible to understand how the
figures of Julius Caesar and Mark Antony are used in these creations of Augustus,
the first of which happens to represent the model to be followed, while the second,
its antithesis. In this analysis, we assume that the elements of Roman society in the
Principality are not homogeneous and that the differences between the accounts, as
well as the similarities, also lead us to the legitimacy of the political structure of the
Roman Principality.

Keywords: Roman Principality - Augustus – Discursive Images - Biographies -


Histories
JOSÉ, Natália Frazão. Images Discursives sur Auguste Parmi les Biographies et
Histoires de la Principauté Romaine (du Ier siècle av. J.-C. au IIIe s. ap. J.-C).
2016. 401f. Thèse (Doctorat en Histoire) – Faculdade de Ciências Humanas e
Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2016.

RÈSUMÉ

En ce moment, nous nous proposons d’analyser les images discursives sur Auguste
parmi les biographies et histoires de la Principauté romaine, du I er siècle av. J.-C. au
IIIe s. ap. J.-C. Dans ce but, nous avons sélectionné l’oeuvre de Velleius Paterculus,
Histoire romaine (du Ier siècle av. J.-C. au Ier s. ap. J.-C.), les biographies de
Plutarque de Chéronée, César et Antoine (Ier et IIe siècles ap. J.-C.), les biographies
de Suétone (Caius Suetonius Tranquillus), Vie de Jules César et Vie d’Auguste (Ier
et IIe siècles ap. J.-C.), les écrits de Florus (Publius Annius Florus), Épitomé de Tite-
Live (Ier et IIe siècles ap. J.-C.), et, finalement, l’oeuvre de Dion Cassius, Histoire
romaine (IIe et IIIe siècles ap. J.-C.). Par ce corpus documentaire, il est possible de
faire une comparaison entre les images discursives sur cet empereur Julio-Claudien.
Celles-ci ont été élaborées dans différents contextes , à travers plusieurs abordages
et, selon notre compréhension, à partir de multiples motivations de ces auteurs.
D’ailleurs, on peut comprendre comment les figures de Jules César et Marc Antoine
sont utilisées dans ces créations sur Auguste : le premier représente le modèle à
suivre pendant que le dernier symbolise son antithèse. Dans cette analyse, nous
partons de la présupposition que les éléments de la société de la Principauté
Romaine ne sont pas homogènes et que les différences entre les récits, ainsi que les
similarités, nous mènent aussi à la légitimation de la structure politique de la
Principauté romaine.

Mots-clé: Principauté Romaine – Augustus – Images Discursives – Biographies -


Histoires
SUMÁRIO
Introdução .................................................................................................... 13

1. Entre Histórias e Biografias: As Obras e Seus Estilos Literários ............ 36

Considerações Preliminares .................................................................... 37

As Histórias: O Gênero História na Antiguidade e os casos de Veléio e Dión


Cássio ..................................................................................................... 38

A Produção Veleiana: História Romana ................................................. 40

Os Vários Estilos de Veléio ..................................................................... 42

O Breviarismo, o Panegírico e a Síntese Universal: a construção de um


novo gênero ............................................................................................ 43

Veléio e suas Fontes ............................................................................... 50

As Edições das Obras Veleianas através do Tempo .............................. 51

Dión Cassio e sua História Romana ....................................................... 54

A Divisão de História Romana ................................................................ 57

As Edições da História Romana Cassiana ............................................. 61

Floro e sua Epítome de Tito Lívio ........................................................... 64

As Epítomes em Roma e a Epítome de Tito Lívio: Semelhanças e


Diferenças ............................................................................................... 66

A Constituição da Obra Floreana e a Historiografia Antiga ..................... 69

As Publicações da Obra Floreana .......................................................... 74

O Gênero Biográfico na Antiguidade: Plutarco e Suetônio ....................... 77

As Biografias Comparadas ....................................................................... 83


Plutarco Através do Tempo ...................................................................... 86

Suetônio e Suas Obras ............................................................................. 88

As Biografias Imperiais: As Vidas dos Doze Césares ............................... 92

A Documentação Utilizada por Suetônio ................................................... 94


Os Doze Césares: Edições e Repercussões ............................................. 96

2. Entre os Textos e os Contextos: As Vidas e Sociedades de Nossos


Autores Romanos................................................................................... 99

Considerações Preliminares ................................................................ 100

Veléio Patérculo e sua História Romana ...............................................101

O governo de Tibério: O contexto político de Patérculo ........................ 108

Palavras Greco-Romanas: Plutarco e Suas Obras ............................... 114

Biografias Cesarianas: Caio Suetônio Tranquilo ................................... 118

Lúcio Annaeu Floro: uma biografia ainda não desvendada.....................125

Roma de Plutarco, Suetônio e Floro .......................................................129

Dión Cássio e sua História Junto a Roma .............................................. 144

Um Império em Mutação: A Dinastia Severiana....................................... 152

3. Júlio César e Augusto: A Hereditariedade do Poder ............................... 161

Os relatos dos autores sobre Júlio César e Augusto .............................. 162

Incorporação ao Relato e Genealogia ..................................................... 163

Aspectos físicos de Júlio César e Augusto ............................................... 175

Elos de Hereditariedade: Características Morais e Intelectuais de Júlio César


e Augusto................................................................................................... 179

4. Marco Antônio e Augusto: Herdeiros de Roma, Inimigos Perpétuos ....... 237

Os relatos dos autores sobre Marco Antônio ........................................... 238

Forma de Incorporação no Relato e Referências Genealógicas ............. 239

Aspectos Físicos de Marco Antônio e Augusto ........................................ 241

A Fabricação de um Princeps: As Características Morais e Intelectuais de


Antônio e Augusto ..................................................................................... 242

Considerações Finais .................................................................................... 291

Referências Bibliográficas ............................................................................. 300

Anexos .......................................................................................................... 326

Catálogo de Documentação ..........................................................................345


INTRODUÇÃO

“Suponho que em toda sociedade a


produção do discurso é ao mesmo tempo
controlada, selecionada e redistribuída por
certo número de procedimentos que têm
como função conjurar seus poderes,
dominar seu acontecimento aleatório,
esquivar sua pesada e temível
materialidade. “

Michel Foucault
Introdução 14

INTRODUÇÃO

A S análises das construções da imagem de Augusto são bastante


profícuas e em diversas épocas, com motivações e repercussões
múltiplas. Pesquisadores como Pierre Grimal1, Susan Walker, Andrew Burnett2,
Paul Zanker3 e Diane Favro4, e outros, direcionam seus olhares para a figura
deste Princeps, para os discursos imagéticos e textuais que permearam as
criações de sua persona. Obras de diferentes autores inseridos no arco
cronológico do Principado Romano, tais como a Eneida de Vírgilio, ou mesmo
as obras de Horácio, como as suas Epodes, ou as Elegias de Propércio, entre
outras, servem de objeto para as pesquisas de tais estudiosos que pretendem
enxergá-las como construções capazes de propagar determinadas
concepções, elaboradas dentro de sociedades específicas e com várias
finalidades.
Desta forma, a diversidade de escritos sobre esse homem romano torna
possível a existência de inúmeros Augustos, representações elaboradas em
diversos períodos, frutos de criadores distintos. Durante nossa Iniciação
Científica e Mestrado5, conseguimos perceber que certos autores, pertencentes
ao período do Principado Romano, usam as imagens de Júlio César e Marco
Antônio para construírem representações em torno de Augusto, construções
estas que são frutos de suas épocas e que possuem objetivos próprios.

1 Trata-se da obra Vírgílio e o Segundo Nascimento de Roma, cuja primeira publicação foi em
1985.
2 Susan Walker e Andrew Burnett são os autores da obra The Image of Augustus, publicada em

1981.
3 Em sua obra The Power of Imagens in the Age of Augustus, datada de 1988.
4 Em seus estudos intitulados The Urban Image of Augustan Rome, de 1996.
5 Destacamos que nossa pesquisa de doutoramento apresenta certa continuidade com as

pesquisas desenvolvidas durante a Iniciação Científica, intitulada As relações político-


amorosas de Cleópatra VII como os militares romanos Júlio César e Marco Antônio: O
testemunho de Plutarco ( realizado com o fomento da FAPESP, processo nº07/5009-8), e
Mestrado, intitulada A Construção da Imagem do Imperador Augusto nas Obras de Veléio,
Plutarco e Suetônio (realizado com o fomento da FAPESP, MS1 e MS2, processo
n°2009/10941-1), ambas com a orientação da Profa. Dra. Margarida Maria de Carvalho. A
nossa decisão de dar continuidade à pesquisa foi orientada pelos conselhos da Banca de
Defesa de Mestrado e do assessor da bolsa de Mestrado FAPESP.
Introdução 15

É partindo deste ponto que, nesta nova fase de pesquisa, propomos-nos


a analisar as imagens discursivas sobre Augusto em obras de diferentes
autores, localizados em períodos distintos do Principado Romano. Para tanto,
selecionamos os escritos de cinco autores inseridos neste arco cronológico.
São estes: Veléio Patérculo, Plutarco de Queroneia, Caio Suetônio Tranquilo,
Lúcio Annaeu Floro e Dión Cássio. Os documentos utilizados nesta pesquisa
consistem na obra de Veléio, História Romana – datada do final do século I
a.C. e primeira metade do século I d.C –; nas biografias de Plutarco, César e
Antônio –, datadas dos séculos I e II d.C e inseridas em sua obra Vidas
Paralelas.; e nos trabalhos de Suetônio – O Divino Júlio e O Divino Augusto –
biografias inseridas em seus escritos do II século d.C., as quais receberam o
título de Vida dos Doze Césares6; a obra de Floro - Epítome de Tito Lívio –
datada do século II d.C. e, por fim, a obra de Dión Cassio – História Romana –
datada do século III d.C. Pretendemos, através desta seleção, observar como
tais escritores criaram determinadas imagens de Augusto e como estas, apesar
de terem sido elaboradas em momentos diferentes, apresentam semelhanças e
dissemelhanças. Além disso, trata-se de entendermos como estes autores
expõem em suas obras concepções próprias, além daquelas pertencentes às
épocas em que escreveram e às sociedades a que pertenceram.
Por conseguinte, intentamos elucidar como estes mesmos autores
utilizaram-se das figuras de Júlio César e Marco Antônio, importantes
personagens republicanos para as elaborações em torno de Augusto. Ou seja,
como as imagens discursivas desse Imperador foram criadas de forma a se
assemelhar ou se distanciar das ações de seus antecessores políticos. Em
nossa visão, ao construírem imagens de Augusto em diferentes momentos,
nossos autores não buscam legitimar apenas este Imperador, mas sim a
estrutura política que se fortifica com ele, o Principado Romano.
Contudo, como nos lembra Karl Galinsky (2011, p.XXIII), para
entendermos Augusto e sua conquista, devemos, inicialmente, atentarmos-nos
aos acontecimentos que permearam a sua vida e possibilitaram, por assim
dizer, a sua ascensão como Princeps.

6 Suetônio considera Júlio César o primeiro Imperador.


Introdução 16

Quando Júlio César faleceu, nos Idos de Março do ano de 44 a.C., o seu
sobrinho neto, Caio Otávio, contava com pouco mais de dezoito anos. A
princípio, como ressalta o pesquisador Zanker (1989, p. 31), não parecia ter
grandes chances de desempenhar um papel relevante no complexo jogo
político romano. Sua jovem imagem aparecia, de certa forma, apagada. Até
então, não se constituía uma figura imponente, nem possuía nenhuma
reputação pública ou, ao menos, algum prestígio militar. Com efeito, segundo
Galinsky (1996, p. 21), no campo da vida pública, Otávio não detinha nenhuma
experiência, estatuto ou influência: era, de resto, muito jovem para tal. Além
disso, mesmo a sua constituição física não lhe atribuía nenhuma atenção: era
de estatura baixa, de corpo frágil, já debilitado pelo assombro de algumas
enfermidades. No campo militar, não havia desempenhado, até então, grandes
funções. Segundo Erich Gruen (2005:34), o jovem filho de Átia e de Otávio teria
acompanhado seu tio-avô, Júlio César, durante algumas campanhas na
Hispânia, onde suas façanhas foram de pouca repercussão. Ainda, de acordo
com o autor, Otávio, após participar de tais disputas, teria sido enviado a
Apolônia onde usufruiu de ensinamentos sobre as artes liberais e sobre os
artifícios da retórica, lá permanecendo até a morte de seu futuro pai adotivo.
Caio Júlio César é um importante personagem político do cenário
republicano romano. Nascera no seio de uma antiga família de patrícios, os Iulii
Caesarii, por volta de 100 a.C7. Era herdeiro de Mário, opositor de Sila.
Conforme Luciano Canfora (2002, p. 34), Júlio César desempenhou inúmeras
funções: iniciou carreira militar desde muito jovem, passando a desempenhar
diversos cargos e magistraturas no seio da administração romana. Com isso,
ascendeu politica, militar e socialmente. Como nos demonstra Zvi Yavetz
(1983, p. 44), César mostrou-se um excelente estrategista político,
característica que pode ser exemplificada pela formação do Primeiro
Triunvirato Romano onde passou a figurar como um dos principais homens em
meio à sociedade romana. Por conseguinte, é após a desagregação deste
pacto governamental, que as ações de César aparecem com maior destaque.
Nesse momento, sendo o único, com exceção do Senado, frente ao governo de

7
Autores antigos, como Veléio (História Romana II, 41) e Plutarco (César 69,1), colocam seu
nascimento no mês de julho, entre os dias 12 e 13. O nome deste mês seria em sua
homenagem.
Introdução 17

Roma, inicia as bases do sistema político que, a partir de seu herdeiro, viria a
ser chamado de Principado Romano.
Neste cenário, também podemos encontrar a figuração de Marco
Antônio. Este, como salientam Andrew Lintott (1994, p. 13) e Sandra Citroni
Marchetti (2004, p. 10), nascido por volta de 83 a.C., era filho de Marco Antônio
Crépido, neto do orador Marco Antônio assassinado por Mário, em 86 a.C. Sua
mãe, Júlia Antônia, era uma prima distante de Caio Júlio César. De acordo com
Eleanor Huzar (1978, p. 23), a primeira função militar desempenhada por
Antônio é sob o comando de Aulo Gabínio, em uma missão em terras sírias. A
partir de então, tal personagem teria se destacado nos inúmeros campos de
batalha, conquistando, por conseguinte, um lugar em meio às tropas de Caio
Júlio César.
Suas habilidades e competência nos assuntos militares o elevam a um
papel de destaque dentro do exército o que faz com que, segundo John
Ramsey (2003, p. 551), Antônio e César criem uma certa relação de amizade.
O militar romano transforma-se em uma espécie de braço direito de César,
passando a assisti-lo em inúmeros assuntos, participando e comandando
muitas operações militares do general. Ao fazer parte do círculo mais íntimo de
César, coloca-se em evidência perante a sociedade de seu tempo e, sob a
influência do general, começa a adquirir seus primeiros cargos políticos, tais
como a nomeação como cônsul8, magistratura que desempenhava no
momento do assassinato de César e que o colocava em destaque em meio à
administração romana. Seus traços físicos, assim como sua força e virilidade,
são elementos que aparecem evidenciados tanto nas descrições antigas, de
autores romanos (tais como o próprio Plutarco), quanto na historiografia atual.
Isso porque, desde o período em que viveu, parece-nos haver um certo senso
comum sobre suas atribuições físicas, as quais sempre o colocam como um

8
Magistratura suprema estabelecida pelos comícios curiatos. Os cônsules, sempre eram
eleitos dois, agiam depois de consultar o Senado, tendo o direito de convocá-lo e presidi-lo,
assim como executar seus decretos e apresentar propostas de leis.Também podiam convocar
comícios e presidi-los. Podiam concluir tratados com os inimigos em prévio acordo com o
Senado; recebiam e apresentavam à instituição senatorial soberanos e embaixadores
estrangeiros. No âmbito militar, podiam mobilizar legiões, fixar o contingente dos aliados,
comandar o exército e dirigir as operações militares.
Introdução 18

homem de bela presença. Este senso perdurou por séculos, sendo assimilado
e representado de inúmeras formas, chegando aos dias atuais.
Em suma, no momento em que o jovem Otávio chega a Roma, este não
apresentava nenhuma das características de Júlio César ou mesmo de Marco
Antônio, homem em plena ascensão nos meios político e militar romano.
Assim, caberá a Otávio construir sua imagem pública e política de uma forma
totalmente distinta. Se nada possuía no campo da intervenção na vida pública,
do prestígio junto ao povo ou na aristocracia romana, do brilho militar ou nos
desempenhos de atividades institucionais, recorrerá a recursos da vida política:
utilizará da legitimação, através das heranças hereditárias e tradicionais
romanas.
Para Paulo Alberto (2004:34), o fato de Júlio César tê-lo adotado, meses
antes de morrer, em seu testamento, conferia a Otávio, além da herança de
seus espólios e bens materiais, o status de herdeiro político. Este pode ter sido
um dos principais elementos para a ascensão política, social, econômica e
militar daquele que agora passará a ser chamado, por muitos, de Caio Júlio
César Otaviano9. Como coloca mais uma vez Galinsky:

Para evitar confusão com, bem, Caio Júlio César – não havia
um jeito de designar um filho como Júnior – Cícero e outros
contemporâneos a ele passaram a se referir a ele (Otávio),
além de chamá-lo informalmente por Jovem César, como Caio
Júlio César Otaviano, devido a sua verdadeira descendência.
Precisa ser destacado que Otávio nunca utilizou este nome
para tratar de si mesmo. (GALINSKY, 2011, p. 16).

Esta hereditariedade será explorada até as suas últimas consequências.


Como salienta mais uma vez Zanker: “Quando Caio Otávio entrou na disputa
por seu legado em 44 a.C., com a idade de dezoito anos, sua única vantagem
era o nome de seu tio-avô e pai adotivo, César.” (1989, p. 33).
Desta maneira, a princípio, além de adotar o nome de César, o futuro
Imperador passa a assumir o papel do filho que vinga o pai e que possui a
intenção de dar continuidade a seus projetos. O estatuto de filho de César e, na
prática, de seu continuador, era, pois, em nossa visão, uma das questões de

9 A fim de evitarmos certos anacronismos, faremos uso do termo Otaviano quando nos
referirmos ao período entre 44 e 27 a.C.
Introdução 19

maior importância para sua sobrevivência política, constituindo-se em um dos


elementos que possibilitaram a ascensão política do já denominado Otaviano.
Após a sua instituição testamentária como filho de César, Otávio
autodenomina-se Caio Júlio César, ou seja, o nome César que ascendia ao
poder. Ao fazer uso de tal nome, dentro desses parâmetros, o herdeiro usufruía
ainda mais da herança e da memória política e social que seu tio lhe deixara.
Era um nome que transmitia todo seu poder e legitimação. Ainda, para a
pesquisadora Anna J. Clark (2007, p. 206), depois da deificação de César, em
42 a.C., o seu herdeiro passou a intitular-se Divi Iulii Filius, filho do Divino Júlio,
atribuindo-se, desta forma, elementos do âmbito mítico e religioso. Destarte, a
divinação de César constituiu-se em um dos fatores fundamentais para a
ascensão política daquele que clamava ser seu herdeiro.
Ciente da importância da divinização de César, Otaviano nunca deixou
de promover o culto ao Divino Júlio; erguendo, em sua homenagem, templos,
realizando jogos e promovendo ritos, inclusive em territórios estrangeiros. Para
Werner Eck (1998, p. 06), assim como para Jean-Pierre Néraudau (1996, p.
42), ao utilizar-se do caráter divino de César, Otaviano pretendia demonstrar a
imagem de pietas para com o pai e, simultaneamente, para com o deus.
Ser legatário de César trazia consigo uma implicação no plano cultural e
simbólico. Colocava-o, não só herdeiro de César, como também herdeiro dos
Júlios, família que atestava possuir ligações ancestrais com Vênus e
Anquises10, uma deusa e um herói. Podemos perceber a importância do culto à
Vênus, 11inclusive, nas construções arquitetônicas do período Júlio-Claudiano.
Júlio César, após a vitória contra Pompeu em 48 a.C., inicia a construção do
templo de Vênus Genetrix, a deusa representada como a mãe, a criadora. Por
sua vez, anos mais tarde, seu sobrinho-herdeiro é o responsável por finalizá-lo,
além de iniciar a construção de seu próprio Fórum, de um templo dedicado a
Marte Ultor, o deus em seu caráter vingador, e, também, de um templo

10 Na mitologia greco-romana, Anquises foi um príncipe troiano, primo do rei Príamo. Era tido
como o amante mortal de Vênus (Afrodite para os gregos), e, com ela, gerou Enéias,
sobrevivente da guerra de Troia e antepassado de Rômulo e Remo, fundadores de Roma.
11 Lembramos neste momento que a deusa Vênus não foi utilizada exclusivamente pela família

Júlio-Claudiana. Como exemplo, podemos citar Sulla e Pompeu, personagens romanos que
também se utilizavam da figura desta deusa para a legitimação de suas famílias e, por
conseguinte, sua própria legitimação perante a sociedade romana.
Introdução 20

dedicado a César: O Templo do Divino Júlio12. Tratou-se do primeiro templo em


meio ao Fórum romano dedicado a um governante.
Contudo, apesar de constituir um ponto de grande importância durante
todo o governo augustano, não é só através da literatura e das construções
arquitetônicas que o futuro Imperador tenta legitimar-se como herdeiro
cesariano. As primeiras moedas cunhadas13 pelo então Otaviano, após 42 a.C.,
apresentam em suas faces o Júlio César deificado, principalmente através da
reprodução da estrela, do cometa, que, na ocasião do funeral de César, teria
cruzado o céu romano, tendo sido interpretado como a alma do governante em
ascensão divina.14
Tais aspectos, de grande importância para a sociedade romana, também
foram muito úteis para o jovem que pretendia ascender ao poder, uma vez que
se colocava perante seus cidadãos como pertencente a uma linhagem nobre,
descendente dos deuses. Assim, o futuro Augusto irá explorar, de forma
decisiva, sua ascendência mítica, a memória sobre a sua família, sobre seus
antepassados.
Toda essa construção cultural e ideológica15 será transmitida pelo
herdeiro de César por meio de vários artífices. Dentre estes, encontramos a
construção de templos, de monumentos e de outros elementos arquitetônicos
capazes de comunicar as ligações existentes entre o futuro governante e seu
antepassado César, além de divulgar a concepção do jovem César como
descendente dos deuses e heróis. Consequentemente, tais construções serão
difundidas por outros meios, tais como as produções literárias, históricas e

12 Segundo alguns dos relatos de nossos escritores, em acordo com as escavações


arqueológicas e com a historiografia recente sobre o tema, este templo foi erigido próximo ao
local onde o corpo de César foi cremado. Originalmente, foi construído com mármore,
apresentando em sua fronte uma nova Rostra, a qual foi decorada com objetos triunfais
remanescentes da batalha de Àccio.
13
Em um momento posterior, Augusto irá cunhar inúmeras moedas com a representação de
Vênus. Nestas, a deusa aparece brincando com as armas de Marte, em uma espécie de
simbologia da paz trazida por este governante após a batalha de Àccio.
14 A mesma estrela será utilizada por todos os descendentes Júlio-Claudianos, além de outros

governantes que, posteriormente, também foram deificados.


15
Entendemos por ideologia um conjunto articulado de ideias, valores, opiniões, crenças e
outros que expressam e reforçam as relações que conferem unidade a um determinado grupo
social (classe, partido político, seita religiosa, etc.), seja qual for o grau de consciência que
disso tenham seus portadores; ou podemos definir, também, como o conjunto de ideias
próprias de um grupo, de uma época que traduzem uma situação histórica. Tal conceito
adequa-se aos nossos estudos, uma vez que nossos autores são pertencentes a grupos
sociais favorecidos e, por este motivo, podem partilhar de concepções bem próximas.
Introdução 21

artísticas16. Desta forma, constroem-se imagens acerca da figura de Otaviano,


ao mesmo tempo em que são criadas imagens em torno da figura de César e
de Antônio.
Estas mesmas acepções ideológicas serão utilizadas para legitimar o
governo do herdeiro de César em toda Roma. Entendemos legitimar em seu
sentido mais amplo, o de tornar legítimo, fazer reconhecer como autêntico um
poder, um título, uma dada situação. Logo, concordamos com a visão
apresentada por Ana Teresa Marques Gonçalves (1991, p. 83), que todo poder
busca ser legítimo, ou seja, busca a adesão daqueles que obedecem a ele.
O vocábulo poder assinala a capacidade ou a possibilidade de agir, de
produzir ações e comportamentos. Desta forma, torna-se legítimo o poder que
age com a adesão do corpo social ou, ao menos, com o apoio de determinados
grupos sociais (GONÇALVES, 1991, p. 83).
Contudo, na análise do poder, deve-se levar em consideração, como
destaca Georges Balandier (1982, p.08), o plano simbólico e o imaginário, pois
estes são fundamentais para a legitimação do governante e de sua autoridade.
Um poder nunca é unicamente coercitivo. Ele só se mantém e se legitima
perante a sociedade, mediante à produção de imagens, pela manipulação de
símbolos; logo, explorando-se o imaginário. Tais operações são realizadas de
maneiras diversas, por meio de vários instrumentos e em meio a inúmeras
instâncias.
Portanto, torna-se possível notar que um poder não se coloca social e
politicamente através de uma força coercitiva. Para sua legitimação e, por
conseguinte, aceitação por pelo menos parte da sociedade, também se faz
necessário dispor de elementos ideológicos que justifiquem os atos e as
opções de governo do detentor do poder (GONÇALVES, 1981, p. 84). Para
isto, utiliza-se de um sistema de signos e emblemas, imagens e
representações ideológicas que são transformados em fatores determinantes
da concepção social. Este poder, em sua função legitimadora, reveste-se de
16
A partir de Augusto, encontramos profusas mudanças nas artes romanas. A literatura, assim
como a arquitetura e os demais tipos de representações artísticas passaram a invocar o
passado ao mesmo tempo que acrescentavam características novas, modernas para a época
augustana. Este Imperador foi responsável pela restauração de inúmeros templos e edifícios
estimados pela sociedade romana. Entretanto, estas “restaurações” sempre acrescentavam
algo novo em tais construções, caracteres próprios de Augusto e de seu tempo.
Introdução 22

várias roupagens, sendo compreendido, dessa maneira, a partir de inúmeros


pontos de vista.
É com base nos usos destes elementos, que Otaviano coloca-se diante
da sociedade romana, legitimando-se como herdeiro de César; usufruindo,
também, destas construções para combater seus oponentes e demais homens
que visavam ao poder em Roma. Neste momento, é que podemos encontrar a
figura de Marco Antônio, homem que se encontrava em uma posição de
evidência frente ao cenário político e militar romano após a morte de César.
Nesse período, já havia exercido a função de magister equitum e exercia
a de cônsul, desempenhando um importante papel após o assassinato de
César, quando, através de ações que pregavam a concórdia, impediu que
novos conflitos civis irrompessem em Roma logo após a violenta cena ocorrida
entre as paredes do Senado. Antônio possuía, nesta circunstância, certo
destaque e, por esse motivo, esperava ocupar importantes cargos na
administração romana. De acordo com Robert Gurval (1995, p. 23), com a
chegada do herdeiro de César, os ânimos se exaltam. As disputas pelo poder
acirram-se, assim como as contendas entre estes dois homens. Mesmo após a
formação do Segundo Triunvirato, onde Otaviano, Antônio e Lépido passam a
partilhar o governo de Roma e de suas províncias, as desavenças nunca
ficaram de todo esquecidas. É em meio aos conturbados elementos que
passaram a compor a sociedade romana deste momento, que podemos
encontrar a produção de construtos ideológicos que representavam de
maneiras diversas, as figuras de Júlio César, Marco Antônio e Otaviano.
Concomitantemente, em nossa concepção e em concordância com a
historiografia que aqui analisamos, Otaviano passa a usufruir de certos meios
propagandísticos e ideológicos tanto para legitimar sua posição frente à
sociedade romana quanto para denegrir a imagem daquele que considerava
como um de seus principais oponentes, Marco Antônio. Tais construções são
utilizadas inclusive durante a instauração da guerra civil entre estes dois
homens. O que foi expresso e a forma de sua expressão foram determinados
pela luta pelo poder. A concorrência entre os protagonistas do palco político
transformou-se em fator decisivo na elaboração de imagens específicas, as
quais foram transmitidas por meios artísticos, propagandísticos e culturais.
Introdução 23

Desta maneira, intrínsecas aos acontecimentos políticos da época,


podemos encontrar determinadas construções acerca das imagens de
Augusto, as quais, em nosso entender, espelham-se nas figuras de Júlio César
e Marco Antônio. Construções que, na documentação eleita para o
desenvolvimento dessa pesquisa, intentam transmitir certos constructos
ideológicos, em que César aparece como exemplo de bom governante, modelo
a ser seguido e perpetuado por seu herdeiro, enquanto Antônio concentra em
si os piores vícios e desvirtuamentos morais, características que devem ser
afastadas de Roma.
Notamos nessas construções novos níveis de sentido, que surgem
conforme nos aprofundamos na análise das obras de escritores deste período
da História Romana. Tais escritos assimilaram e representaram esta vertente
dos acontecimentos de inúmeras formas, com diversos objetivos. Contudo,
convém salientar que as representações acerca de tais personagens são
bastante volumosas e, de certo modo, únicas. Existem inúmeros Augustos,
Júlios Césares e Marcos Antônios. Cada representação, assim como nos
mostra Roger Chartier (1990, p. 24), é fruto das concepções próprias de seus
autores, de seus contextos históricos, de seus objetos e objetivos.
Concordamos com a visão do autor supracitado, quando este interpreta as
representações como construções que os grupos fazem sobre suas práticas,
sendo que essas práticas não são percebidas em sua integridade plena, elas
somente existem enquanto representações (1990, p. 32). Também sobre
representações, aproximamo-nos das concepções de Pierre Bourdieu (2007,
p.447), o qual defende que as representações são sempre determinadas por
aqueles que as constroem e pelas sociedades onde são formuladas. Logo, não
seriam construções neutras, pois tendem a infundir determinadas visões de
mundo que implicam escolhas e condutas. (2007, p. 448).
Ao observar os inúmeros simulacros existentes sobre os personagens
romanos, principalmente Augusto, no qual aqui nos concentramos, chamou-nos
a atenção nas imagens discursivas criadas pelos autores, não só as
similaridades, mas, principalmente, as diferenças existentes nas descrições de
autores de períodos diversos do arco cronológico do Principado Romano. Para
entendermos o que são imagens discursivas, partimos do pressuposto de que
Introdução 24

um documento sempre carrega em si um discurso, que não está isento das


impressões de seu contexto de produção e, muito menos, como relata Paul
Veyne (1998, p. 34), da subjetividade do autor. Novamente, segundo Bourdieu
(2004, p.45), o discurso deve ser visto como uma praxis, uma ação do sujeito
sobre o mundo. A linguagem, enquanto discurso, é interação e um modo de
produção social. Ela não é neutra, inocente ou impensada. Trata-se do lugar
privilegiado para a manifestação da ideologia do autor ou da sociedade em que
este se insere. É nesta produção discursiva que podemos encontrar a criação
de imagens discursivas, a elaboração de determinadas representações acerca
de indivíduos, suas vidas, seus feitos, suas virtudes e seus vícios;
representações que intentam transmitir a vida e uma imagem específica deste
personagem. Neste sentido, destacamos que as imagens discursivas
elaboradas por autores antigos sobre certos personagens, tais como Augusto,
são de extrema importância para a compreensão não somente destes homens
romanos, mas também daqueles que os descrevem e de seus contextos
sociais, políticos, econômicos e culturais. Aqui, levamos em consideração as
diversidades existentes no Império Romano, refletidas nos relatos dos autores.
As diferenças são expressas através da origem de tais escritores, dos postos
que ocuparam em meio à administração romana e do gênero literário que cada
um opta por adotar em suas criações.
Partindo de tais considerações, como já destacamos anteriormente, a
Tese objetiva analisar as imagens discursivas sobre Augusto em obras de
diferentes autores, localizados em períodos distintos do Principado Romano.
Em outras palavras, investigar como estas representações sobre este
personagem foram construídas por esses autores, como se assemelham ou se
distanciam. Todavia, fizemos a opção por analisar a construção da imagem de
Augusto, através das criações destes autores em torno de outros personagens
da Roma Republicana, Júlio César e Marco Antônio, ou seja, como estes são
descritos de modo que suas características, virtudes e vícios aproximem-se ou
se distanciem daquelas que, posteriormente, comporão a figura de Augusto.
Desta forma, visamos a contrastar as imagens discursivas sobre o Imperador
Augusto, em autores de diferentes momentos do Principado Romano; partindo
do princípio que a sociedade do Principado não é homogênea, da mesma
Introdução 25

forma que seus elementos não são homogeneizantes. Mesmo que as


construções de imagens discursivas do imperador supracitado ocorram em
diferentes momentos desse período e busquem a legitimação tanto desse
governante quanto dessa estrutura política do Principado, as motivações dos
autores podem ser diferentes, atendendo às necessidades próprias do instante
da elaboração do relato.17
Para tanto, selecionamos as obras de cinco autores que se inserem no
arco cronológico desse sistema político. São estes: Veléio Patérculo, Plutarco
de Queroneia, Caio Suetônio Tranquilo, Lúcio Annaeus Floro e Dión Cássio. Os
documentos utilizados nesta pesquisa consistem na obra de Veléio, História
Romana – datada do final do século I a.C. e primeira metade do século I d.C –;
nas biografias de Plutarco, César e Antônio –, datadas dos séculos I e II d.C e
inseridas em sua obra Vidas Paralelas.; e nos trabalhos de Suetônio – O Divino
Júlio e O Divino Augusto – biografias inseridas em seus escritos do II século
d.C., as quais receberam o título de Vida dos Doze Césares18; a obra de Floro -
Epítome de Tito Lívio – datada do século II d.C. e, por fim, a obra de Dión
Cassio – História Romana – datada do século III d.C.19
Conforme já dito, a escolha de tais obras deu-se tanto pelas diferenças
quanto pelas semelhanças, uma vez que ao utilizarmos as obras de autores
diversos, que vivenciaram o Império Romano de maneira distintas, podemos
contrapor suas visões sobre esta estrutura política denominda Principado
Romano; obtendo, também, uma visão mais ampla do período como um todo.
Além disso, abre-se a possibilidade de constatarmos as similaridades e as
disparidades de opiniões acerca dos personagens descritos. Ainda, poderemos
perceber como tais características são formadas e concebidas a partir do meio

17 Reiteramos que as considerações da Banca de Defesa de Mestrado e do assessor da bolsa


de Mestrado FAPESP nos orientaram na continuação de nosso tema de pesquisa.
18 Suetônio considera Júlio César o primeiro Imperador.
19 Explicitamos que selecionamos tais autores por dois motivos. Inicialmente, eles se inserem

no arco temporal do Principado Romano com o qual nos propomos a trabalhar. Por
conseguinte, propõem-se a escrever Biografias e Histórias de Roma, gêneros com os quais
trabalhamos e a que pretendemos dar continuidade. O autor Tito Lívio, apesar de se encontrar
em um período muito próximo dos autores aqui selecionados e de ser o escritor de uma
História de Roma, não foi por nós escolhido, pois os volumes de sua obra Ab Urb Condita,
onde encontraríamos as referências aos personagens romanos Júlio César, Marco Antônio e
Augusto estão perdidos, só existindo alguns fragmentos que foram reunidos em um único
volume, chamado de Periochae, em um momento bem posterior àquele em que a obra foi
cunhada.
Introdução 26

social em que cada autor estava inserido, através da peculiaridade de seus


olhares e de suas formas de análise dos fatos, uma vez que os escritores não
refletem simplesmente seus próprios tempos, mas também ajudam a moldá-
los.
Adotar o conceito de discurso ao nos referirmos às documentações
estudadas, torna-se imprescíndivel para definir a própria maneira como as
tratamos. Sobre este conceito, adotamos a acepção elaborada por Helena
Naganime Brandão (1995), que se refere aos discursos como operadores de
conexões entre o nível extralínguístico e o linguístico. Para a autora, o discurso
é o resultado do percurso que o indivíduo faz desde a elaboração mental
daquilo que intenta expressar até a enunciação desse conteúdo, o qual, por
sua vez, é socialmente orientado (BRANDÃO, 1995, p. 10-12).
Portanto, fica evidente que em uma análise do documento que adote
esta perspectiva, apenas o estudo linguístico interno não é capaz de abordar
todas as características do discurso. É necessário que façamos uma
articulação entre o processo linguístico com o social, com as intenções da
escrita do texto.
De acordo com Eni Pucinelli Orlandi (1999, p. 233), o conceito de
discurso é um conceito teórico-metodológico usado para definir a maneira de
se analisar um texto, a unidade de análise. Na análise do discurso, é
fundamental levar-se em conta as condições de sua produção, interpretando as
características discursivas que situam o texto em sua formação. A autora
supracitada mostra que a análise do discurso não pode prescindir jamais da
análise do contexto histórico, político, social e cultural, pois as informações
retiradas da documentação não têm sentido próprio se não forem referidas ao
seu tempo, espaço e lugar de onde fala o autor. É em concordância com tais
perspectivas que nos propomos a analisar os discursos de Veléio, Plutarco,
Suetônio, Floro e Dión Cássio, compreendendo a exterioridade do que é
anunciado.
Examinando os escritos destes cinco autores, pretendemos encontrar as
semelhanças e diferenças nas descrições de Augusto. Intriga-nos que, apesar
de serem autores que possuem características diferentes, tais como o período
em que se inserem, a região, a posição que ocupam e o gênero de escrita que
Introdução 27

adotam, constatamos que todos realizam uma construção benéfica da imagem


de Augusto. Contudo, tudo nos leva a crer que as motivações destes ao
criarem as imagens discursivas sobre este imperador são diferentes,
característica esta que é exposta no decorrer das obras que pretendemos
analisar. Tais discursos são representativos de uma ideologia, de um
imaginário social e político; são atores de difusão, de propagação. Transmitem
a herança memorial, a reconstrução ou representação do passado, a fim de
produzir laços de confluência cultural, de acordo com os objetivos do próprio
autor dentro de seu contexto e dos valores defendidos por este.
Em nossa visão, podemos encontrar inseridos nestes discursos os
resquícios de uma construção acerca da imagem de um governante, que por
sua vez, responde às questões e às necessidades próprias da época. Fazia-se
necessária a legitimação do sistema político do Principado Romano que
aparecia em solo romano, assim como a legitimação do homem (Augusto) que
se colocava como seu detentor. Para nós, a construção da imagem de Augusto
servirá também para a tentativa de legitimação de todo o sistema político do
Principado Romano, não só de sua época, mas também em períodos
posteriores, tais como aqueles em que se inserem nossos autores.
Logo, os relatos discursivos são fundamentais: criam, recriam e
propagam; fundamentam ideais através de abordagens que prefiguram a
imagem do Imperador, resgatam vínculos e estabelecem ligações entre o
passado e o presente. Utilizam-se da tradição20 como fonte legitimadora do
novo contexto político e social, que, em Roma, era representada pelo Mos
Maiorum, que, segundo Pierre Grimal (1993, p. 54), significava os costumes
ancestrais e os valores tradicionais romanos que permeavam a sociedade.
Utilizando-nos de tais considerações, propomos a análise da imagem do
Imperador Augusto transmitadas pelas obras de Veléio, Plutarco, Suetônio,
Floro e Dión Cássio, sempre as compreendendo como reflexos de uma criação
imagética, representativa e ideológica própria de um dado momento da história
da sociedade romana. Esta criação não se restringe ao período do governo de

20 Entendemos tradição em seu significado mais amplo, ou seja, trazer, entregar, transmitir,
ensinar. Logo, tradição é a transmissão de fatos culturais de um povo, é a sua memória
cultural. É um conjunto de ideias, símbolos, práticas e representações que permeiam uma dada
sociedade, sendo passados entre as gerações de seus habitantes.
Introdução 28

Augusto, pois enraíza-se pelos anos posteriores, com os objetivos de explicar,


de exemplificar e de justificar as transformações do sistema político do
Principado Romano e a ascensão de novos Princeps. Trata-se de percebermos
como essa concepção e criação em torno de Augusto fazem uso da tradição
romana, do Mos Maiorum, de seus valores e crenças: é neste momento que se
nota a figuração de César e Antônio, importantes personagens romanos, atores
principais do período republicano.
Estamos cientes da dificuldade apresentada pela documentação
escolhida. Trataremos de obras datadas de períodos cronológicos distintos e
que apresentam formas de escrita diversas21. Veléio, um militar do início do
Principado, compôs um Compendium de História Romana onde, através de um
novo modelo de escrita , tenta narrar toda a trajetória enfrentada pelos
romanos, desde a fundação da cidade até o governo de Tibério,
proporcionando aos seus leitores um panorama geral sobre a História que
envolve a cidade de Roma.
Lúcio Annaeus Floro, escritor de origem africana dos séculos I e II d.C.,
escreveu uma Epítome da História de Roma, usando a obra de Tito Lívio como
base, apesar desta não ser a única referência documental encontrada em sua
obra. Sua Epítome, intitulada de Epítome de Tito Lívio, é dividida em dois
livros; o primeiro abrange desde a fundação da cidade de Roma até a
campanha de Crasso contra os partos; o segundo relata o período que vai
desde as Guerras Civis até 27 d.C., quando Otaviano é proclamado Augusto.
Para nós, a obra de Floro não pode ser considerada apenas como uma
Epítome de Tito Lívio. Ela se constitui em algo novo, composição própria do
autor, onde este apresenta sua própria concepção acerca daquilo que relata e,
para isso, utiliza-se de vasta documentação, não se restingindo apenas aos
escritos livianos. 22
Por sua vez, Dión Cassio , nascido em finais do século II d.C., escreveu
na primeira metade do século III d.C. Ele se insere em meio à Dinastia
Severiana, período que, segundo o pesquisador Jean-Michel Carrié (1999,
p.32), o Império Romano encontrava-se em mutação. Sua obra, História

21 Neste ponto, agrupamos nossos autores por modelos de escrita adotados e não por
períodos.
22 Sobre isto, falaremos posteriormente, no decorrer de nosso Primeiro Capítulo.
Introdução 29

Romana, originalmente escrita em oito livros que abrangiam desde o


desembarque de Enéias até o ano de 229 d.C., é fruto desse momento, onde o
autor vivenciou intensamente os acontecimentos do período; ocupando,
inclusive, importantes posições políticas em meio à administração imperial,
chegando ao cargo de Senador.
Plutarco e Suetônio escrevem biografias. Plutarco, escritor beociano
dos séculos I e II d.C., em suas Vidas Paralelas, ao narrar a vida de um homem
grego ilustre, sempre narra a vida de um romano ilustre, tecendo, no final de
suas biografias, breves comparações entre as vidas, os valores morais e os
feitos de cada personagem. Exprime, em suas biografias, todo o hibridismo
cultural existente em sua própria vida, já que possuía tripla cidadania: a
beociana onde nasceu, a ateniense onde estudou e passou parte de sua
juventude e a romana, onde ministrou palestras e desempenhou funções.
Suetônio, portador da cidadania romana, também dos séculos I e II d.C.,
atém-se a descrever a vida de doze Imperadores Romanos, iniciando com Júlio
César, preocupando-se com narrar informações diversas, de âmbitos público e
privado. Aqui, mais uma vez, a obra é fruto direto da vivência do autor, posto
que Suetônio desempenhou cargos importantes em meio à sociedade imperial
romana, tal como a função de ab epistulis que lhe possibilitou o contato com
informações privilegiadas acerca dos imperadores, suas famílias, seus feitos e
suas administrações.
Assim, como já demonstramos, nosso interesse em analisar obras de
caráter narrativos distintos está na percepção de que nelas podemos encontrar,
em tempos e em concepções diferentes, inúmeras semelhanças e
dissemelhanças, representantes de toda uma construção ideológica imperial
que se encontrava enraizada em solo romano: a criação de uma figura
específica de Augusto, a edificação de sua imagem como bom governante,
herdeiro de César, oponente de Antônio e defensor de Roma, criação esta que
serviu também para legitimar todo o sistema político do Principado Romano.
Além disso, trata-se de percebermos se os escritores citados, com
origens diferentes e formas particulares de escrita, constroem ou não
confluências culturais, uma vez que semelhanças e dissemelhanças são
representantes de uma ideologia, de uma representação simbólica criada com
Introdução 30

o intuito de legitimar tanto o poder do governante quanto o novo sistema de


governo que se colocava frente à sociedade romana. Acreditamos, ainda, que
tais características das obras de Veléio, Plutarco, Suetônio, Floro e Dión
Cassio podem exprimir uma memória, ao mesmo tempo que expressam sua
antítese, o esquecimento.
A memória, no sentido primário da expressão, é a presença do passado,
a faculdade de reter e recordar este passado. É uma construção psíquica e
intelectual, que acarreta uma representação do passado de acordo com a
pessoa que relembra e que nunca é somente aquela do indivíduo, mas de um
indivíduo inserido num contexto familiar, social, político e cultural. Por si
própria, uma linguagem, um percurso que, ao longo de seu caminho elástico,
constrói sua própria narrativa. É uma função humana e social e, por isso
mesmo, histórica.
Na perspectiva de Maurice Halbwachs (2006, p. 35), toda memória é
“coletiva”. A questão central na obra de Halbwachs consiste na afirmação de
que as lembranças podem se organizar de duas maneiras: agrupando-se em
torno de uma determinada pessoa que as enxerga de seu próprio ponto de
vista, ou distribuindo-se dentro de uma sociedade, grande ou pequena, da qual
são imagens parciais. A partir desta concepção, existiram memórias individuais
e memórias coletivas. No entanto, as duas memórias mantêm um diálogo
constante, interpenetrando-se com frequência. Logo, o indivíduo participaria
dos dois tipos de memória.
Assim, a memória individual não está inteiramente isolada e fechada. No
intuito de evocar o próprio passado, o indivíduo necessita recorrer às
lembranças de outros indivíduos, transportando-se para pontos de referências
determinados pela sociedade. Para este autor, a memória individual existe
sempre a partir de uma memória coletiva, já que todas as lembranças são
constituídas no interior de um grupo. A origem de várias ideias, reflexões,
sentimentos e paixões que atribuímos a nós são, na verdade, inspiradas pelo
grupo. Além de concepções sobre a memória, Halbwachs também assinala o
papel da lembrança (2006, p. 43). Esta seria uma reconstrução do passado
com a ajuda de dados tomados de empréstimo. Portanto, podem-se criar
representações do passado baseadas nas percepções de outra pessoa ou de
Introdução 31

uma sociedade. As lembranças podem ser simuladas quando entram em


contato com as lembranças de outros. Por outro lado, afirma o autor, não há
memória que seja somente “imaginação pura e simples” ou representação
histórica que tenhamos construído que nos seja exterior, ou seja, todo este
processo de construção da memória passa por um referencial que é o sujeito
(HALBWACHS, 2006, p. 78). Mais uma vez, o escritor demonstra que a
memória individual não está isolada, encontra-se em constante relação com a
memória coletiva e, com o que ele denomina com certa cautela, de memória
histórica.
Com essa perspectiva, concorda o historiador Peter Burke (2000, p. 69),
o qual nos fala que a memória individual é condicionada pelo coletivo, por
aquilo que denomina como memória coletiva e social. O meio político, social e
cultural direciona a forma de se recordar algo e a maneira como esta
recordação será utilizada. Partindo-se da premissa de que tanto a memória
social, quanto a individual é seletiva, é fundamental identificar os princípios de
seleção e observar como os mesmos variam de lugar para lugar, ou de um
grupo para o outro, e de que modo se transformam na passagem do tempo.
“As memórias são maleáveis, e é necessário compreender como são
concretizadas, e por quem, assim como os limites dessa maleabilidade”
(BURKE, 2000, p. 73). Contudo, devemos ter em mente que a memória coletiva
não é homogeneizante. Ela é uma somatória das memórias individuais
existentes em uma sociedade e sobre determinados aspectos destas.
Como parte integrante da memória, temos o seu reverso, o
esquecimento. Este, por sua vez, pode ser ocasionado pelas lacunas no
tempo, pelo ato de lembrar, o qual deixa pelo caminho pequenos pontos que
fogem à luz da recordação. Também, possui sua outra face, aquela onde o fato
de não lembrar, de esquecer, de apagar das linhas da recordação, é algo
proposital ou, até mesmo, necessário.
Concordamos com as visões de Luciane Omena e Pedro Paulo Funari
(2012, s/p), ao ressaltarem que a narrativa histórica é realizada a partir de um
processo de seleção, de escolha. Aquilo que é narrado parte da escolha do
autor, de sua opção do que narrar e como narrar. O mesmo acontece com o
esquecimento. O ato de esquecer, assim como o ato de lembrar, não devem
Introdução 32

ser vistos como algo inocente. A ação de não recordar, de retirar das linhas da
História determinados dados, acontecimentos ou personagens, possui em seu
cernes inúmeras intenções e motivações.
De acordo com Harriet Flower (2006, p. XIX.), sanções contra a memória
na cultura romana são algo profuso, que possuem múltiplas facetas e
ramificações em várias partes desta sociedade. Constituiem-se em uma forma
de legitimação pessoal, em meio de ascensão social, quando não em modo de
estruturação de todo um sistema político e social, tal como o Principado
Romano. Não nos referimos aqui apenas ao damnatio memoriae23, que trata de
apenas uma parte, de aspecto formal e basicamente político, de todo um
fenômeno complexo que abrange o esquecimento em Roma.
Pelo contrário, ao tratarmos de Roma e do ato de não recordar,
tentamos abranger suas complexidades e suas diversificadas formas de
expressões que podemos enxergar não só nos monumentos arquitetônicos,
nas pinturas, ou mesmo na cunhagem de moedas, mas também em meio aos
escritos literários de gêneros variados, tais como as biografias e as
denominadas Histórias. No decorrer de nossas pesquisas anteriores,
verificamos que o ato de esquecer não ocorre de maneira única ou direta.
Aparece também de forma velada, até mesmo sutil, nas linhas daqueles que se
propõem a narrar a trajetória histórica romana. O esquecimento, ou melhor, o
por quê de ele ocorrer, ou de algo não ser mencionado, muito nos interessa
quando tratamos das figuras de Augusto, Júlio César e Marco Antônio. Os
jogos de memória, o lembrar e o esquecer, são recorrentes quando analisamos
as vidas destes personagens. Ao mesmo tempo, atos honrosos e desonrosos
são esquecidos, não lembrados, na tentativa de se criarem bons e maus
governantes, de se legitimar o Princeps e, por conseguinte, o Principado.
A era augusteana mudou a maneira do tratamento da memória de tais
homens: enquanto as memórias de Augusto e Júlio César eram glorificadas, os
esquecimentos sobre Antônio tinham início. Suas imagens pessoais, públicas e
políticas passaram por modificações. No caso de Antônio, a sua lembrança é

23 Termo em latim que quer dizer “danação da memória”, no sentido de remover da lembrança.
O significado da expressão damnatio memoriae e da sanção era cancelar todos os vestígios
dessa pessoa da vida de Roma, como se nunca tivesse existido, para preservar a honra da
cidade.
Introdução 33

mais denegrida do que a dos outros dois, haja vista, o Senado que atacou sua
imagem pública, após a derrota na batalha de Áccio (31 a.C.), suas estátuas e
inscrições passaram por sanções e sua família foi proibida de usar o
praenomen Marcus. (FLOWER, 2006, p. 116). Tais ações refletiam o cenário
da época e suas repercussões perpetuaram-se em séculos posteriores, sendo
contatas e recontadas, apresentando não só peculiaridades como também
reminiscências.
Trabalhando nessa perspectiva, abordaremos as obras e as opiniões
propagadas pelos nossos cinco autores: Veléio, Plutarco, Suetônio, Floro e
Dión Cassio. Além de suas próprias convicções, certas ideias foram
transmitidas através do tempo, difundidas em meio à sociedade romana,
atingindo pessoas diferentes, de origens diversas e ordens sociais distintas. As
diferenças são aparentes em meio às obras dos autores aqui analisados,
divergências estas que podem ser dadas pela própria diversidade do Império
Romano. Entretanto, há pontos que se assemelham, convergem-se. Dentre
tais, encontramos a idealização da imagem de Augusto, a maneira como este
Imperador é relatado, o modo como sua lembrança é retratada, como a
memória deste personagem é construída concomitantemente aos
esquecimentos. Em outras palavras, os jogos de memória existentes em torno
deste personagem, assim como ocorrem com as figuras de César e Antônio.
Ao apresentarem aspectos semelhantes nas representações sobre
Augusto, Júlio César e Marco Antônio, notamos que, além de nossos autores
compartilharem de certos elementos memoriais sobre tais homens, também se
apresentam como detentores daquilo que chamamos de hibridismo cultural.
Neste quesito, concordamos mais uma vez com Burke (2003, p. 28), o qual nos
fala que culturas distintas não permanecem imóveis. O que ele chama de
práticas híbridas (2003, p. 28) – a fusão ou assimilação de práticas culturais
semelhantes em culturas consideradas distintas – podem ser identificadas na
religião, na música, na linguagem, nas festividades, nas artes, na literatura e,
até mesmo nas questões ideológicas e nas práticas sociais. Logo, mesmo
homens de sociedades consideradas distintas podem partilhar concepções
semelhantes acerca de determinados pontos, sobre determinadas questões,
tais como encontramos em Veléio, Plutarco, Suetônio, Floro e Dión Cassio.
Introdução 34

Apoiando-nos em todas as considerações acima arroladas, elaboramos


nossa pesquisa. Para uma melhor sistematização do trabalho, dividimos esta
Tese em cinco capítulos. Ao trabalharmos obras de diferentes autores,
propomo-nos à construção de um Catálogo de Documentação, cujas
passagens por nós utilizadas, no decorrer de nossa pesquisa, serão
catalogadas e traduzidas, facilitando, desta forma, a nossa análise. É
imprescindível destacar que não trabalharemos com as obras completas de
nossos autores, mas sim com biografias e volumes específicos, tornando a
catalogação de tais passagens de suma importância.
No primeiro capítulo, discorremos acerca das obras de nossos autores,
concentrando-nos em suas características particulares e no gênero literário
adotado em cada uma delas. Assim, para entendermos a particularidade de
cada autor e de sua obra, abordaremos seus gêneros literários, seus principais
elementos e expoentes, compreendendo, desta forma, a maneira como cada
autor registra seus relatos.
As questões relacionadas às especificidades de cada autor também
deram início ao segundo capítulo, onde tratamos do contexto histórico, político,
social e cultural dos períodos do arco cronológico de cada um deles;
identificando as suas posições e ocupações, dentro e fora do centro político
romano, para que, deste modo, possamos perceber se suas posições sociais e
cargos exercidos influenciaram a maneira de relatar os fatos. Portanto, neste
capítulo, apronfudar-mo-emos nas biografias dos autores Veléio Patérculo,
Plutarco, Suetônio, Floro e Dión Cassio. Focalizaremos suas vidas, ressaltanto
as sociedades em que estes se inserem. Ainda, trataremos de suas formações
educacionais, as funções desempenhadas dentro do Império, as famílias, as
amizades e os laços sociais adquiridos no decorrer de suas vidas. Com isto,
tentaremos distinguir como as concepções de suas épocas aparecem
submersas em suas obras. Conforme Veyne (1998), o autor é fruto de sua
época, mesmo quando este tenta retratar personagens e períodos anteriores
ao seu. O autor é subjetivo e essa subjetividade é expressa em toda sua obra,
o que pode aparecer na maneira como relata determinados fatos ou certos
aspectos da sociedade, ou, até mesmo, na forma que transmite uma ideologia
presente na sociedade em que vive.
Introdução 35

No terceiro capítulo trataremos, ao mesmo tempo, das opiniões de


nossos autores sobre Júlio César e Augusto, constratando as percepções que
nos são passadas sobre estes dois importantes personagens. Por sua vez, no
quarto capítulo, trataremos das comparações entre Marco Antônio e Augusto.
Neste momento, é primordial salientar que ao compreendermos como nossos
autores descrevem esses dois personagens republicanos, conseguiremos
alcançar nosso objetivo: perceber como Veléio, Plutarco, Suetônio, Floro e
Dión Cassio constroem a imagem do Imperador Augusto e como, nestas
construções, as figuras de Júlio César e Marco Antônio são utilizadas. Para
tanto, nestes capítulos realizaremos uma análise pormenorizada de nossa
documentação, destacando as semelhanças e diferenças entre as narrações
de nossos autores.
No Catálogo da Documentação, propomo-nos a destacar as passagens
por nós utilizadas, as quais tratam de nosso objeto de pesquisa. Elas serão
transcritas em suas línguas originais, grego ou latim, seguidas de suas
traduções para o português.
Enfim, faremos as considerações finais sobre a investigação proposta,
pretendendo, desta maneira, colocar as conclusões a que chegamos no
decorrer de nossa pesquisa histórica.
CAPÍTULO I

“Ser um ignorante sobre o que aconteceu antes de seu


nascimento é permanecer sempre uma criança. Pois, que
significado há na vida de um só homem a menos que essa se
entrelace a vida de seus antepassados através da memória
da História”

CÍCERO, Orator, 120


Cap.1 – Entre Histórias e Biografias... 37

1. Entre Histórias e Biografias: As Obras e Seus Estilos Literários

Considerações preliminares

A escrita da História na Antiguidade lida com acontecimentos


importantes e marcantes, ou, pelo menos, com aqueles
considerados como tais, de acordo com os princípios,
objetivos, necessidades e gostos de grande diversidade. Estes
eventos variam conforme os ambientes sociais em que cada
obra foi composta, de acordo com seu público-alvo ou segundo
a tradição historiográfica a que o autor pertence. Os diferentes
tipos de histórias na Antiguidade foram destinadas a diferentes
leitores, possuíam objetivos diversos e foram compostas a
partir de diferentes princípios. (GABBA, 1983, p.03)

É a partir de colocações como a do historiador Emilio Gabba que


direcionamos a nossa pesquisa. Como procuramos destacar em nossas
considerações introdutórias, cada autor é pertencente a períodos distintos
dentro daquilo que entendemos como Principado Romano, transformando-se,
desta maneira, em expoentes de um contexto cultural, político e social, além de
transmitirem seus próprios valores e opiniões acerca dos assuntos que
abordam.
O meio social e as funções desempenhadas pelos escritores também
direcionam seus relatos, os quais possuem objetos e objetivos próprios,
condizentes com aquilo que seu criador pretende passar.
Os moldes sobre os quais as obras serão criadas, seus estilos literários
e gêneros, igualmente, são fatores representativos da concepção dos autores,
assim como dos ideais presentes em suas épocas e sociedades. Ao escolher
seu estilo de escrita, o autor opta pela forma através da qual pretende
transmitir o seu relato, assim como também o direciona a um determinado
público.
Logo, para que possamos compreender as descrições de Veléio
Patérculo (séculos I a.C. a I d.C.), Plutarco de Queroneia (séculos I e II d.C),
Caio Suetônio Tranquilo (séculos I e II d.C), Lúcio Annaeus Floro (séculos I e II
d.C.) e Dión Cassio (séculos II e III d.C.) faz-se necessário que também
entendamos os estilos literários que cada autor adota, suas principais
Cap.1 – Entre Histórias e Biografias... 38

características, modelos e objetivos1. Com base nisso, propomos, neste


capítulo, realizar algumas ponderações sobre a Escrita da História na
Antiguidade, perpassando pelo o que seria denominado como o gênero História
em Roma, além de adentrarmos nas ponderações sobre a escrita biográfica e
os vários estilos atribuídos a Veléio. Por conseguinte, já tendo relacionado os
gêneros de cada autor, ater-nos-emos, quando possível, às características
principais de suas obras, suas repercussões e posteriores publicações.

As Histórias: O Gênero História na Antiguidade e os casos de Veléio e Dión


Cássio.

Muito se discute sobre o que seria História e qual seria o papel daquele
que se dedica a estudá-la. Desde o surgimento do vocábulo histor, na Grécia
antiga do século V a.C., suas definições e aplicações são constantemente
debatidas, transformadas e reformuladas. Seus sentidos e suas funções
alteram-se de acordo com o período onde o conceito de História está sendo
pensado. Transformam-se de modo a adaptar-se àquele momento específico,
às necessidades e concepções daqueles que os formulam. Contudo, certos
pontos, ao tratarmos de História, não se alteram. Em todos os momentos, esta
é relacionada à análise do passado, ao estudo daquilo que não mais podemos
atingir. O que se transforma é como enxergamos este passado e o modo como
o representamos ou o interpretamos.
A escrita da História na Antiguidade, principalmente realizada por gregos
e romanos, abrange cerca de 900 anos, partindo de Heródoto e suas Histórias
(Grécia – século V a.C.) e culminando na tardo-antiguidade, onde encontramos
expressões tais como as Res Gestae de Amiano Marcelino (século IV d.C.).
Neste arco cronológico, escritores diversos, procuraram compor diferentes
espécies de registros, em uma variedade de formas, tanto de tempos passados
como de suas próprias épocas. Desta multiplicidade de escritos, apenas uma

1 Na análise dos gêneros literários, não nos ateremos à ordem cronológica das obras de
nossos autores. Daremos início às nossas colocações a partir das considerações acerca do
gênero História, onde se encaixam Floro e Dión Cassio, passando pelos vários estilos de
Veléio e culminando nas acepções sobre as escritas biográficas, que aqui têm como seus
expoentes Plutarco e Suetônio. Estabelecemos tal ordem pois, em nossa visão, o Fazer
História na Antiguidade possui em seu cerne não só o gênero História, mas também inúmeros
outros, como pretendemos explicar no decorrer deste capítulo.
Cap.1 – Entre Histórias e Biografias... 39

pequena parte chegou até os nossos dias. Logo, possuímos extensas


descrições sobre determinados períodos, enquanto, de outros, muito pouco nos
resta. Contudo, apesar das lacunas existentes sobre o Escrever História, ainda
podemos perceber como determinados autores e, por conseguinte, suas obras,
repercutiram tanto no mundo antigo, quanto posteriormente, em nossa
contemporaneidade.
É em meio a isto que podemos encontrar as produções de Heródoto,
Tucídides e Aristóteles, homens gregos, porém de períodos distintos. Autores
que apresentam suas próprias visões sobre o que seria a História, seus objetos
e a maneira de narrá-la e, que, exatamente por isso, nortearam noções
diversificadas sobre a concepção historiográfica. Tais reminiscências podemos
notar nas obras romanas que alegar tratar sobre História.
Os modelos gregos de se escrever a História inspiraram profundamente
os romanos. De acordo com Hans Beck (2007, p. 259), a História em Roma,
assim como ocorreu na Grécia, apresenta diversas facetas, sendo incorporada
e manifestada em diferentes tipos de gêneros literários, modificando-se de
acordo com a visão daquele que a escreve e, concomitantemente, da
sociedade em que este se insere. Logo, encontramos na sociedade romana um
gênero, por muitas vezes, híbrido, que tanto assimila quanto é assimilado por
inúmeros estilos de escrita, tais como o retórico, o biográfico e o filosófico.
Analisar as produções denominadas como História nesta sociedade é perceber
suas nuances, suas adaptações e transformações.
É em meio a estas que podemos encontrar as obras de dois de nossos
autores: Veléio Patérculo e Dión Cássio. Ambos são expoentes de todo esse
hibridismo presente na arte de se escrever História, tanto em Roma, quanto na
Grécia e em demais regiões da Antiguidade. Aqui, nos aprofundaremos nos
pormenores de suas produções literárias, tentando, desta maneira, perceber
como suas criações foram elaboradas, assimiladas e representadas no
decorrer do tempo. 2

2 Optamos, neste capítulo, por nos atermos às características próprias a cada obra de nossos
autores. Desta forma, voltaremos nossa atenção para estas, sem nos ater, propriamente, as
concepções universais e já muito debatidas sobre como se deu o nascimento do gênero
histórico e biográfico na Antiguidade.
Cap.1 – Entre Histórias e Biografias... 40

A Produção Veleiana: História Romana

Não sabemos ao certo a data em que Veléio escreveu a única obra com
a qual hoje temos contato. Para muitos pesquisadores, isso ocorreu no
intervalo temporal sobre o qual não temos substanciais notícias em relação à
carreira política do autor, ou seja, de 14 d.C. até o possível ano de sua morte,
em 31 d.C.
Para G. V. Sumner (1970, p. 284) e Anthony John Woodman (1975, p.
275), ao dedicar a obra a Marco Vinício3, o próprio autor nos fornece indícios
sobre a data em que produz seu relato. Vinício inicia seu consulado em janeiro
do ano 30 d.C., sendo assim, Veléio teria começado a produzir no momento de
sua nomeação, no verão de 29 d.C. Esta suposição pode ser corroborada
pelos dados que o próprio autor relata, os quais terminam com a morte de
Lívia, mãe de Tibério, ocorrida em 29 d.C.:

A amargura destes anos aumentou ao perder sua mãe, uma


mulher excelente e mais parecida em tudo com os deuses do
que com os homens, cujo poder ninguém sentiu, exceto
quando aliviava um perigo e aumentava sua dignidade.
(VELÉIO PATÉRCULO, História Romana II, 130)

Além disso, Veléio sempre menciona a pressa da escrita: “Apesar do


rápido avanço de nossa narrativa, não devemos deixar de mencionar este
homem. ” (VELÉIO PATÉRCULO, História Romana II, 108). Tal fato, segundo
alguns pesquisadores, condiz com a suposição de que sua obra teria sido
elaborada em um curto espaço de tempo.
Já na concepção de Raymond Starr (1981, p. 171), tais argumentos não
provam que a escrita da obra ocorreu entre 29 e 30 d.C. De acordo com este
pesquisador, o autor teria inserido a dedicatória após a obra já estar completa,
ou seja, após a nomeação. Nesta perspectiva, a obra teria sido escrita anos

3 Mesmo estando o prefácio original perdido, Veléio sempre nos recorda em meio a seus
escritos que a obra é dedicada a Marco Vinício. Para a historiografia aqui analisada, tal
dedicação tem seu quê de mistério, uma vez que as informações encontradas sobre a relação
entre o autor e Vinício são restritas. Sabemos que este intercedeu pelo autor nas eleições de
14 d.C. para Pretores. Esta pode ser uma das razões da obra ter-lhe sido dedicada.
Cap.1 – Entre Histórias e Biografias... 41

antes de 29 d.C. e acrescida de informações pertencentes a este período após


estar finalizada.
Em nossa análise da documentação, notamos que Veléio é muito
elogioso ao tratar de Tibério. O futuro Imperador é tratado como um homem
valoroso, predestinado ao governo de Roma. Em suas palavras: “Escuta-me
agora, Marco Vinício, de um grande homem tanto na guerra quanto em tempos
de paz (...)”. (História Romana II, 113). Ou ainda: “Que atitude irrelevante para
se relatar, mas que expressão máxima de uma virtude forte e autêntica e
vantajosa, experiência muito agradável e incomparável na humanidade”.
(VELÉIO PATÉRCULO, História Romana II, 114).
Os elogios a Tibério podem ser vistos no decorrer de grande parte de
História Romana II. A vida do futuro governante, assim como a trajetória do
próprio autor, é mesclada à história coletiva. O mesmo acontece com a vida de
outros personagens que aparecem em sua narrativa, tais como Júlio César e
Augusto. Em meio aos acontecimentos da sociedade romana, Veléio conta-nos
sobre as suas instruções, carreiras militar e política. Relata também a escolha
de Augusto pelo seu predecessor, assinalando que o Imperador não teve
dúvidas ao optar por Tibério como seu sucessor, características que podemos
notar no trecho abaixo:

Porém, o destino, que havia arrebatado as esperanças de um


grande homem, havia então devolvido sua proteção ao estado4,
porque antes da morte dos irmãos, o retorno de Tibério Nero
de Rodes, durante o consulado de teu pai Plúbio Vinício5, havia
enchido de felicidade sua pátria. Augusto César não hesitou
mais, pois não teria que buscar a quem escolher, mas escolher
o mais brilhante (...). (VELÉIO PATÉRCULO, História
Romana II, 103)

Nota-se que, em meio aos elogios a Tibério, também podemos entrever


as opiniões do escritor a respeito de Augusto, o predecessor e pai adotivo do
novo Princeps. As figuras de Augusto e de Tibério são exaltadas, assinalando

4 Termos de cunhagem moderna como Estado, Pátria e Nação podem ser encontrados em
meio às traduções de que fazemos uso. Sabemos que tais termos podem não ser aplicados, de
forma integral, na análise das sociedades antigas, o que nos leva a crer que estes, pelos
menos em parte, não foram utilizados pelo autor no ato da escrita, sendo frutos das inúmeras
traduções e edições do documento veleiano.
5 Públio Vinício até 1 de julho do ano 2 d.C. Tibério retornou a Roma um pouco antes do

falecimento de Lúcio César.


Cap.1 – Entre Histórias e Biografias... 42

um estilo semelhante aos dos escritores que propagandearam a imagem de


Augusto em períodos anteriores. Portanto, podemos interpretar os elogios a
Tibério como sendo uma prática adulatória6 e, até mesmo, propagandista, o
que nos leva a crer que Veléio escrevia, senão sob o consentimento desse
Imperador, ao menos o fez durante o seu governo.
Também em meio aos seus escritos, podemos encontrar volumosas
referências a Sejano7 e à sua ascensão dentro da política imperial. É
necessário explicitar que, em nossa visão, isto não quer dizer que Veléio
estava em concordância com os atos de traição que tal personagem viria a
praticar, anos mais tarde, contra o poder imperial tiberiano. Tal fato apenas
assinala que, na época em que Veléio redigia sua obra, Sejano mostrava ser
um importante personagem dentro do jogo político romano.
Entretanto, todos os fatores aqui agregados não se fazem suficientes
para que determinemos a data precisa da construção do relato de Veléio
Patérculo. A única informação que sua descrição nos passa é o contexto
histórico em que se insere sua narração, sem limitá-la em dias, meses ou anos.

Os Vários Estilos de Veléio

Relacionar a obra veleiana à tradição escrita da História em Roma não


pode ser denominada como uma simples empreitada. O relato conciso,
centrado em uma seleção subjetiva de descrições que enfatizam o papel dos
personagens em meio aos acontecimentos políticos, além da citação, em meio
aos escritos, de documentações inseridas em diferentes gêneros, levam os
pesquisadores a catalogarem História Romana de inúmeras formas.
Para Ernst Bickel (1960, p. 423) e Rafael da Costa Campos (2010, p.
93), o estilo veleiano reflete a receptividade do autor para com vários estilos
literários, demonstrando um peculiar padrão biográfico, uma vez que Veléio se
centrava, na maioria das vezes, nas ações de determinados homens romanos.
Ainda, sua obra agregaria aspectos de outros estilos, tais como a retórica, o
panegírico e o breviarismo, todos presentes em Roma do século I d.C. e, na

6 Referências sobre práticas adulatórias são encontradas durante o governo de vários


Imperadores, principalmente em meio à literatura.
7 Falaremos deste no decorrer do Segundo Capítulo.
Cap.1 – Entre Histórias e Biografias... 43

maioria das vezes, diferentes em seus cernes. Desta forma, tratar-se-ia de uma
obra híbrida, com vários padrões de escrita.

O Breviarismo, o Panegírico e a Síntese Universal: a construção de um novo


gênero

Como já salientamos no decorrer deste capítulo, existe certo nível de


dificuldade em estabelecer diferenças entre gêneros na Antiguidade romana. É
certo que cada gênero possui as suas especificidades. No entanto, o contato
permanente entre estes e as múltiplas relações estabelecidas entre os homens
dos saberes e, por sua vez, entre estes e seus públicos, permitiam trocas,
apropriações, re-apropriações e recriações literárias. Toda essa situação
favorecia a criação de obras com marcas predominantes, mas permeadas por
um, dois ou, até mesmo, mais gêneros. Esse é o caso de Veléio Patérculo.
A multiplicidade de estilos presentes na obra veleiana atribui a ela
caracteres particulares. Logo, para entender o autor e aquilo que ele descreve,
faz-se necessário que compreendamos as diversas tradições literárias
presentes em seu relato, para que, desta maneira, possamos compreendê-lo
da melhor forma possível.
Uma das marcas predominantes na criação de Veléio é a sua
aproximação com a escrita breviária. Os Breviários tornaram-se famosos,
principalmente, entre os séculos III e IV d.C., em outras palavras, durante a
Antiguidade Tardia. No entanto, é possível encontrar suas raízes em séculos
anteriores, no início do Império, quando a anexação de terras ao território
romano atingiu novas proporções e a aristocracia passou a inserir membros
provincianos.
De acordo com Gian Bagio Conte (1994, p. 52), o estilo de escrita
breviarista foi criado com a intenção de preencher as lacunas de conhecimento
que muitos romanos e provincianos possuíam sobre a História de Roma. Ainda,
sua escrita fácil e concisa possibilitaria a leitura por parte de diversos
segmentos sociais, sendo estes embebidos na tradição cultural romana ou não.
Tratava-se de uma forma mais rápida e fácil de apreender os trajetos históricos
Cap.1 – Entre Histórias e Biografias... 44

essenciais do Império Romano8. Ainda, como ressalvam Momigliano (1953, p.


53) e Gonçalves (2005, p. 01), os breviários também atendiam a certos
interesses dos novos imperadores, os quais se preocupavam em conhecer, de
maneira rápida, os feitos, glórias e insucessos de seus antecessores.
A escrita breviária seria a responsável por condensar, por assim dizer,
anos de História em poucas páginas, ressaltando os principais eventos,
destacando personagens e sintetizando grandes obras. Era fruto das
necessidades de seu tempo, objeto de conhecimento para os novos habitantes
do Império, assim como para aqueles que não tiveram a oportunidade de
contato com as extensas obras. Por seu relato conciso, em poucas linhas,
sobressaltando os eventos principais, Veléio se encaixaria dentro de certos
parâmetros do Breviário. Entretanto, sua única obra expressa outras
características, expoentes de outros gêneros. Dentre essas, podemos
encontrar certas similaridades com a escrita panegírica.
O nome panegírico é fruto da linguagem retórica grega, sendo
designado, originalmente, como um discurso de caráter encomiástico ou
laudatório, normalmente pronunciado em assembleias solenes ou em reuniões
festivas9. Para Gilvan Ventura da Silva (2006, p. 385):

Na sua origem, os panegíricos eram discursos pronunciados,


na Grécia, por ocasião de determinadas assembleias solenes,
como as que tinham lugar durante as Panatenaicas e os Jogos
Olímpicos. A partir de 380 a.C., com o discurso de Isócrates em
louvor a Atenas, os panegíricos convertem-se em orações
laudatórias destinadas a celebrar a glória das cidades ou a de
indivíduos excepcionais.

Logo, tais discursos possuíam suas bases na oratória e na retórica,


sendo, na maioria das vezes, pronunciados pelos principais expoentes de tais
movimentos.
Transpassado para a cultura romana, esse gênero também passa a
denominar um modelo discursivo elaborado para homenagear a vida de uma
pessoa ilustre, ou, como mostra Margarida Maria de Carvalho (2010, p. 24),
para criticá-la ou denegri-la. Com o tempo, devido à importância denotada à

8 É importante ressaltar que é a utilização de diversos documentos na formulação da obra que


diferencia um Breviário ou Compêndio de um Epitome ou Resumo, pois este último, como o
próprio nome indica, é apenas um breve resumo de uma só obra mais extensa.
9 A palavra Panegírico descende do termo grego πανηγυρικός, o qual significaria “reunião”.
Cap.1 – Entre Histórias e Biografias... 45

retórica e à oratória, oficializa-se como gênero literário, adquirindo contornos


particulares, passando a ser empregado em uma educação mais avançada,
voltada para a formação aristocrática. Como consequência, o Panegírico passa
a ser utilizado por determinados grupos sociais, obtendo, neste meio, funções
mais específicas, direcionadas a ações de cunho político.
Durante o período imperial, segundo a pesquisadora Susanna Braund
(1998, p. 55), os panegíricos eram utilizados para fundamentar a política
imperial, tendo, para isto, como principal característica o elogio aos
imperadores através da laudatio. De tal forma, os escritos panegíricos
transformaram-se em importantes instrumentos propagandísticos, sendo
pronunciados, por exemplo, após campanhas militares vitoriosas ou na ocasião
de ascensão ao poder imperial.
Armas políticas e ideológicas, os panegíricos espalharam-se pelo
Império, revelando um exponencial aumento das produções. Muitos discursos
podiam ser previamente encomendados aos melhores oradores10, que já
possuíam certas metas a serem cumpridas por seu relato, tais como a
consolidação da ideologia imperial:

Os panegiristas buscavam fundamentar estes ideais através de


abordagens que prefiguram a imagem do homenageado em
questão, por meio do resgate de vínculos que estabelecem
ligações entre o presente e o passado, utilizando-se do ideal da
tradição enquanto fonte legitimadora deste novo contexto
político. (FRANCHI, 2007:101)

Nos primórdios dos anos imperiais, o discurso panegírico alicerçava o


novo contexto político que se colocava à frente da sociedade romana. Criava
suas bases históricas, buscava a sua tradição e a hereditariedade. Em suas
linhas, Imperadores encontravam seus grandes ancestrais, antepassados
célebres, defensores de Roma; origens dos novos governantes, de seu poder,
de sua autoridade e sabedoria.
As inúmeras obras panegíricas inseriam-se em todos os níveis de
relações sociais, mesclando-se com outros gêneros literários, criando formas

10 Muitas vezes, o orador chegava a ser indicado pelo próprio Imperador, o que pode significar
que a maioria dos discursos teria o seu conteúdo orientado por declarações políticas
direcionadas pelo governante.
Cap.1 – Entre Histórias e Biografias... 46

diferenciadas de escrita, de produção literária. O estilo laudatório adentrou a


outros campos de saber, como se faz possível notar na obra veleiana.
Veléio Patérculo não pode ser denominado, propriamente, como um
panegirista. No entanto, para alguns pesquisadores como Bickel (1960, p. 231),
sua obra possui certas características panegíricas, principalmente quando trata
das figuras de Augusto e Tibério. Ao tratar de tais personagens, o autor
aparenta tons adulatórios, sempre mostrando o primeiro como um sábio
governante e o segundo como seu herdeiro. Tais características também se
aplicariam aos relatos veleianos sobre Sejano, importante personagem da
época, homem que é valorizado no decorrer da obra.
Mostra-se, até então, que a criação de Veléio apresenta características
de dois gêneros de escrita diferentes: o breviário e o panegírico. Entretanto,
estas não são as últimas. O já citado estudioso Bickel (1960, p. 423), nota,
ainda, um peculiar padrão biográfico em meio aos escritos veleianos. Estes
estariam exemplificados a partir da importância dada pelo autor a certos
personagens, relatando suas ações individuais em detrimento dos aspectos
gerais dos acontecimentos. Desta forma, o caráter e a personalidade dos
biografados compõem a essência dos relatos, celebrados pelos cargos,
triunfos, obituários e vínculos ancestrais; pontos constitutivos de uma escrita
biográfica11.
Assim, podemos notar em História Romana, de Patérculo, caracteres
múltiplos, pertencentes a diferentes estilos de escrita vigentes na sociedade em
que o autor se insere. Este hibridismo estilístico, por assim dizer, teria sido o
responsável por atribuir à obra veleiana certo descrédito entre historiadores de
séculos distintos que, ao compararem seus relatos com os de outros autores
do mesmo período, tais como Tito Lívio e Salústio12, caracterizaram-no como
algo anedótico e, por vezes, dissonante.
No entanto, é a partir de meados do século XX, com novos olhares,
objetos e métodos de pesquisa trazidos ao campo histórico pela revolução na
historiografia, que a criação veleiana passa a aderir a um novo sentido, uma
nova significação. Woodman (1975, p. 285) e Ronald Syme (1978, p. 45), em

11 Sobre este gênero, tratamos no decorrer deste mesmo capítulo.


12 Tito Lívio viveu entre 59 a.C. e 17 d.C. e Salústio, entre 86 a.C. e 35 d.C.
Cap.1 – Entre Histórias e Biografias... 47

meio a seus profusos estudos, passam a enxergar em Veléio peculiaridades


que lhe atribuíam uma nova especificidade, uma característica que se
destacava perante as outras. A sua escrita deixou de ser somente uma
combinação de estilos. Passou a ser analisada como tendo contornos próprios,
seletivos, marcados por interesses especiais e sobrecarregados de intenções.
Logo, a reabilitação de História Romana como obra histórica começou a
basear-se na constatação da presença de características predominantes de
uma tradição literária específica, comportando novos estudos e novos
pesquisadores. De acordo com tais pesquisadores, o escritor latino propõe-se a
escrever uma espécie de história universal.
As histórias universais em Roma pretendem, com base no relato mais
abrangente, registrar toda a história desta sociedade. Têm o objetivo de
registrar toda a história do mundo, ou pelo menos toda a história do mundo
romano, que, para os romanos ou os que tomam seu partido, confunde-se com
a história de Roma.
A particularidade de Veléio notada por seus novos estudiosos estaria em
sua tentativa de criar uma história universal com ênfase total na brevidade,
combinação que é única em sua obra. Em outras palavras, ele escreveu uma
breve história universal, na qual incluiu outros povos, outras regiões além das
romanas.
Nesta maneira peculiar de escrever, o autor teria sumarizado os eventos
de Sociedades Antigas (Grécia e Roma) paralelamente dispostos em assuntos
romanos e não romanos, apresentando determinadas técnicas estilísticas
presentes no desenvolvimento de seu texto. Isto é, argumentado por meio de
quatro proposições fundamentais: a) um alinhamento sincronizado da história
de gregos e romanos; b) a disposição cronológica das personagens em relação
à localidade na medida em que aparecem na narrativa; c) o tratamento
relativamente equilibrado de uma documentação romana e não romana,
embora Roma predomine na segunda parte e; d) uma discussão de assuntos
diversos, cujo alcance mostra-se bem mais amplo do que uma típica História
Romana, ascendendo a um gênero de história “Universal.” (SYME, 1978, p.
167).
Cap.1 – Entre Histórias e Biografias... 48

Desta maneira, a brevidade do relato de Veléio não é fruto da limitação


temporal da escrita, ou pura assimilação de aspectos literários de outros
movimentos, tais como o breviarismo. Seria muito mais, uma escolha do
próprio autor, o qual é direcionado por sua sociedade, por seu período histórico
e político. O relato escrito de maneira breve e concisa, prometido pelas
palavras do autor latino: “Nós, recordando o que temos dito, presenteamos
frente aos olhos e às mentes de nossos leitores, uma imagem geral do
Principado.” (História Romana II, 89), não é algo a se estranhar neste período,
podendo, como demonstra Michael Von Albrecht (1997, p. 1061), ser uma
tendência da literatura tiberiana, sendo que esta se apresenta em outras obras,
anteriores e posteriores a Veléio. Segundo Woodman:

(…) a brevidade parece ter sido igualmente popular no período


em que o próprio Veléio escrevia. Nós já observarmos seus
contemporâneos Vitrúvio e Valério Máximo, ambos escritores
de compêndios e de obras que se referem explicitamente à
brevidade. (WOODMAN, 1975, p. 286)

Em concordância com tal acepção sobre a obra veleiana, ainda


podemos encontrar Raymond Starr: “A conclusão deve ser que a história de
Veléio tem um âmbito mais vasto que a típica história romana, a qual poderia
ser mais exatamente denominada como uma história universal. ” (1981, p.
165).
O autor chega a ir mais longe na classificação do gênero literário de
Veléio Patérculo. Segundo ele, ao usar elementos breviários, panegíricos e
biográficos, o romano cria um novo gênero de escrita, o qual pode ser
chamado de modelo transcursus (1981, p. 166). Neste, a história é contada a
partir da ressalva de seus pontos principais, ou seja, apenas os
acontecimentos de maior importância são narrados pelo autor. Como podemos
notar em suas próprias palavras:

A forma em que se compõe nosso relato nos permite narrar a


batalha de Farsália e aquele crudelíssimo dia para os romanos,
a quantidade de sangue derramada pelos dois exércitos, a
colisão entre os dois príncipes do Estado (...). (VELÉIO
PATÉRCULO, História Romana II, 52.)
Cap.1 – Entre Histórias e Biografias... 49

A obra de Veléio consistiria no primeiro trabalho latino inserido no


modelo transcursus de que temos notícias. Seria originário de características
próprias de seu tempo, de apropriações, assimilações e representações entre
as diversas maneiras de escrita presentes na sociedade romana dos séculos I
a.C. e I d.C. Assim, constituír-se-ia em uma modalidade de escrita híbrida e,
por isso mesmo, nova, singular. Esse hibridismo da obra veleiana, permite que
encontremos em suas linhas inúmeras facetas, objetos e objetivos, tais como a
construção da imagem de Augusto.
Ainda, a maneira escolhida por Patérculo de redigir sua história pode
estar relacionada ao público que pretendia atingir. Starr (1981, p. 173) enumera
três prováveis grupos de leitores. O primeiro, por motivos diversos, teria tido
preferência pela brevidade de seus escritos, uma vez que eles descrevem de
maneira sucinta a história universal permeada pelos principais acontecimentos.
O segundo grupo seria constituído de leitores que possuíam pouca ou
nenhuma educação formal, mas que gostariam de ter ao menos um
conhecimento geral sobre História. A escrita em termos mais fáceis e curtos de
Veléio seria a melhor forma deste conhecimento ser adquirido por estas
pessoas. O terceiro e último grupo seria formado por jovens estudantes, os
quais usariam, no início de sua educação, a obra veleiana para obter uma
visão rápida e útil sobre a história universal e seus principais personagens, que
poderiam ser usados como exemplos em suas aulas de Retórica.
Logo, podemos notar que os motivos para a forma específica de escrita
de Veléio são muitos e abarcam vários aspectos da sociedade em que este
vivia. Com sua peculiar obra, o autor poderia, além da tentativa de agraciar e
agradar determinados personagens políticos, estar tentando responder às
necessidades que seu próprio tempo colocava à sua frente, tais como a
legitimação do sistema político do Principado Romano, a qual realiza através
das figuras dos imperadores Augusto e Tibério, além de também fazer uso da
de Caio Júlio César.
Exatamente por possuir tais características que a obra veleiana nos
atraiu. Veléio Patérculo viveu em um período de transição da sociedade
romana. Vivenciou parte da época de Augusto, passando pelo governo de
Tibério, bem como por sua fase da adoção. Ao elogiar este último, evidencia as
Cap.1 – Entre Histórias e Biografias... 50

características que tinha em comum com seu predecessor, o primeiro Princeps,


um bom Princeps.

Veléio e suas Fontes

Em meio aos seus escritos, Veléio menciona, ocasionalmente, alguns


documentos de que faz uso para basear os acontecimentos que relata. Muitos,
atualmente, não nos são conhecidos ou até conhecemos, através de citações
de outros autores, porém eles não sobreviveram até os dias de hoje, como são
os casos dos Anais de Emílio Sura: “Emilio Sura expõe em seus Anais do povo
romano o seguinte: os soberanos da Assíria dominaram todas as nações;
depois os medos, mais tarde os persas, e, depois destes, os macedônios.”
(VELÉIO PATÉRCULO, História Romana I, 6.)
Ainda, podemos encontrar referências aos Anais de Quinto Hortênsio
Hórtalo: “Alguns autores e, de maneira muito brilhante, Quinto Hortênsio em
seus Anais deram a conhecer suas virtudes. ” (História Romana II, 16).
Entretanto, Patérculo também se refere a documentos comuns na historiografia
antiga. Para compor seu relato sobre a fundação de Cápua, o autor utiliza a
obra Origens, de Catão:

Depois, alguns dizem que neste momento os etruscos


fundaram Cápua e Nola, há quase oitocentos e trinta anos.
Estaria de acordo com eles, mas quanto difere da visão de
Marco Catão! Este chega a dizer que Cápua foi fundada pelos
os etruscos e depois Nola; porém Cápua existia há cerca de
duzentos e sessenta anos quando os romanos a conquistaram.
(VELÉIO PATÉRCULO, História Romana I, 7).

O autor também aparenta fazer uso de alguns testemunhos de Quinto


Fábio Pictor sobre os primeiros anos de Roma, que são notados por seus
tradutores em meio a seus escritos, inclusive por Maria Asunción Sánchez
Manzano (2001, p. 12).
Veléio teria baseado sua produção, igualmente, em documentos
biográficos, panegíricos, arquivos pessoais de famílias romanas de destaque,
Cap.1 – Entre Histórias e Biografias... 51

documentos oficiais13, tais como a Acta Senatus e a Acta Pública, e na história


oral, sendo este seu próprio testemunho ou de terceiros que vivenciaram os
acontecimentos.
É possível notar certa semelhança em dados descritos por Veléio e
aqueles relatados por Apiano e Tito Lívio, apesar de esses autores não serem
citados no corpo da obra. A coincidência com Apiano teria explicação no fato
de ambos os autores terem usufruído de uma mesma fonte: Asínio Polião14. O
mesmo poderia ocorrer ao se tratar de Tito Lívio, em sua obra Periochae, que
apresenta certas analogias com a obra veleiana.
Percebe-se que Patérculo cita documentações de gêneros variáveis, o
que abre espaço para a discussão a respeito do gênero em que sua própria
obra se encaixa, como já salientamos acima.

As Edições das Obras Veleianas através do Tempo

Concordamos com as análises de Starr (1981, p. 172) e de Sánchez -


Manzano (2001, p. 20) quando estes apontam que é bem provável que a obra
de Veléio tenha tido alguma repercussão durante seu próprio tempo. A
historiografia contemporânea levanta, ainda, a hipótese que a dedicação a
Marco Vinício teria sido a causa da morte de seu autor, o que nos mostra que
História Romana fez parte da lista de leituras de pelo menos alguns de seus
contemporâneos. Para David Potter, o alcance da obra veleiana teria sido um
pouco mais amplo:

Veléio teve alguns poucos leitores durante a Antiguidade


Tardia e foi o último autor clássico a ser redescoberto no
Renascimento. Uma linha de parte de sua história (agora
perdida) foi citada por Prisciano, ele foi citado duas vezes por
um comentarista em Lucas, e alcançou, em certa medida, fama
nas Crônicas de Sulpício Severo. Sulpício o admirou como um
imitador de Salústio. O interesse deste é importante, pois
demonstra que o texto de Veléio também tem repercussão nas
Gálias. (POTTER, 1997, p. 01)

13 O autor parece ter utilizado os Commentarii de Augusto juntamente com a Res Gestae na
composição dos relatos sobre a vida deste Imperador e de seu Principado.
14 Este autor romano também é muito referenciado na obra suetoniana. De acordo com Antônio

da Silveira Mendonça (2007, p. 37), este homem era um militar que serviu sob o comando de
César, participando, inclusive das campanhas nas Gálias e na Bretanha. De suas inúmeras
obras, citadas tanto por Veléio quanto por Suetônio, nada nos chegou aos dias de hoje.
Cap.1 – Entre Histórias e Biografias... 52

Originalmente escrito em latim, o manuscrito15 da obra veleiana foi


reencontrado por um monge beneditino em um monastério de Murbach em
1515, ou seja, início do século XVI. Segundo Eckhard Bernstein (2004, p.
1477), Bilde Beat von Rheinau, também conhecido por Beatus Rhenanus, foi
um humanista de descendência alemã, discípulo de Erasmus de Rotterdam16.
Neste momento, teria sido realizada uma cópia do texto.
A primeira edição da obra da qual temos relato teria sido realizada por
Rhenanus entre 1520 e 1521. Esta levava o título de História Romana e
continha uma carta aos eleitores, uma introdução que tratava da vida de Veléio,
um prólogo sobre esta edição, além de comentários ao longo do texto de
autoria de Albert Bürer, secretário do humanista. A nomeação da obra é algo
muito criticado pela historiografia atual. Segundo Sumner (1970, p. 280),
Beatus Rhenanus foi o responsável por a obra de veleiana receber o título de
História Romana. De acordo com este autor, não é possível saber se a obra
possuía algum título definido, pois este não foi encontrado no manuscrito
original nem é citado em toda a extensão da obra. Como a primeira parte da
obra trata da colonização helênica, este título não seria completamente
apropriado.
Após a edição de Rhenanus, outros editores direcionaram sua atenção
para a obra. Dentre estes, podemos encontrar Gelenius (Basiléia - 1546), Aldo
Manucio (Veneza – 1571) e Jano Gruter (Frankfurt – 1607). Em finais do século
XVII, há referências de uma edição da obra de Veléio com uma finalidade
pedagógica. Ela teria sido editada pelo jesuíta Roberto Riguez e era utilizada
na Inglaterra como texto escolar, tendo sido reimpressa, posteriormente,
também em língua francesa.

15
O manuscrito original em latim é citado pela historiografia como (M), a primeira cópia
realizada recebe a alcunha de (R) e a primeira edição, editio princeps, é nomeada por (P). O
apógrafo de Amerbach é citado como (A). Estas titulações explicativas aparecem,
normalmente, nas traduções da documentação veleiana.
16 Desiderius Erasmus, também conhecido como Erasmus de Rotterdam, foi um humanista de

origem holandesa, além de agostiniano e teólogo. Era um erudito, responsável por uma nova
edição do Novo Testamento, além de ter escrito O Elogio da Loucura, obra muito apreciada.
Viveu durante o período da Reforma, tendo criticado certas crenças cristãs de sua época. Sua
defesa a favor do livre-arbítrio enfureceu tanto cristãos como protestantes, colocando-o, de
certa forma, em atrito com Lutero.
Cap.1 – Entre Histórias e Biografias... 53

Em 1835, J.C. Orelli, encontrou na biblioteca da Universidade de


Basiléia um apógrafo17 do códice murbacense, o qual seria de autoria de
Bonifacio Amerbach, datado de 1516 (WOODMAN, 1975, p. 272; SÁNCHEZ -
MANZANO, 2001, p. 11). Esta cópia aparece nomeada como Vellei Paterculi
ad M. Vinicium libri e é a única remanescente na atualidade. Ela apresenta
falhas em sua correção, assim como defeitos em meio ao seu texto. Por estes
motivos, a identificação desta com a edição de Rhenanus é vista como
problemática. Além disso, partes integrantes da obra encontram-se perdidas.
Não possuímos mais o Prefácio escrito em 1520, o qual conteria algumas
poucas informações a respeito do autor e do propósito da obra. Também
estariam perdidas uma seção da narração que conteria o relato sobre o retorno
à pátria dos heróis mais importantes da Guerra de Troia e uma parte que
abarcaria cerca de quinhentos e oitenta anos entre a fundação de Roma e a
terceira Guerra Macedônica.
As edições derivadas desta cópia apresentam-se divididas em duas
partes: Livro I e Livro II. Do primeiro livro, restam apenas fragmentos, os quais
abordam, principalmente, uma parte da colonização grega. O livro II encontra-
se relativamente bem conservado e trata dos assuntos concernentes à história
romana18.
Somente em finais do século XIX, podemos encontrar edições que
possuam prefácios e introduções baseadas em proeminentes pesquisas
históricas, tais como a F. Rockwood (New York – 1893), em que foram
publicadas algumas partes da obra veleiana, precedidas por uma introdução e
notas explicativas. A partir de então, são notadas diversas impressões e
reimpressões ao logo do século XIX e início do século XX, sendo o último
marcado pela edição da Loeb Classical, tendo a tradução e os comentários
críticos de autoria de F.W. Shipley, em 1929 e, em 1982, a publicação por parte
de Les Belles Lettres, com prefácio, tradução e notas explicativas de Joseph
Hellegouarc’h.
Em meio a essas edições, encontramos uma proliferação de trabalhos
acadêmicos sobre Veléio Patérculo e sua obra, o que também é ajudado pelo

17 Cópia executada a partir do original.


18 Em nossas análises, utilizaremos, principalmente, esta parte da obra veleiana.
Cap.1 – Entre Histórias e Biografias... 54

aumento de estudos sobre Tibério e da sociedade imperial de sua época.


Pesquisas como as de Sumner (1970), Woodman (1975, 1983 e 1988) e Starr
(1980 e 1981), publicadas em períodos semelhantes, constituem-se como
referências obrigatórias em estudos sobre o autor latino, sua obra e as
principais características dela.
A última publicação da obra História Romana, com a qual temos contato,
é a da Editorial Gredos, em 2001, que apresenta introdução, tradução e notas
da pesquisadora Maria Asunción Sánchez Manzano.
Temos consciência, no decorrer de nossa pesquisa, que a narrativa de
Veléio apresenta críticas e concepções diversas, frutos dos diferentes
tradutores, editores e investigadores que a modificam desde o Renascimento.
Na opinião do editor de uma das publicações realizadas em 1924, F. W.
Shipley, a menos que fôssemos surpreendidos por algum manuscrito
misterioso, a obra de Veléio seria um dos escritos sobreviventes mais
corrompidos da Antiguidade (1924, p. XIX).
No entanto, restam-nos se não todas, algumas das palavras e ideias do
autor. São estas que nos permitem identificar a documentação de que faz uso,
além de suas influências. Podemos perceber, ainda, a maneira do autor
escrever a História de sua sociedade.
A interpretação do passado por um escritor deve, invariavelmente, ter
consequências para o presente, pois exprime uma visão única de uma
sociedade, de um tempo. O estudo sobre a obra de Veléio faz-se importante,
porque é construído em um período singular da História romana: o início do
Principado, quando as instituições e ideais republicanos se mesclam e, até
mesmo, confundem-se com o novo sistema político, social e cultural. Isto nos é
passado pelo próprio autor, que enxerga no Principado não uma quebra com a
República, mas uma continuidade, um desenvolvimento de sua política e
sociedade, que agora eram encabeçadas pelo Princeps.

Dión Cassio e sua História Romana


Cap.1 – Entre Histórias e Biografias... 55

Dentre os autores da Antiguidade que se propõem a escrever História,


podemos encontrar Dión Cassio19, autor de uma obra intitulada como História
Romana, escrita entre finais do século II d.C. e III d.C.
De acordo com Earnest Cary (1961, p. VIII), o trabalho literário de Dión
teve início em um período particular de sua vida, quando este começou suas
funções em meio à sociedade imperial romana durante o governo de Septímio
Severo20. Como podemos notar no trecho abaixo:

Foi nesse momento, aparentemente, que o trabalho literário de


Dio teve início. Ele escreveu e publicou uma pequena obra,
como ele mesmo nos diz (LXXIV, 3), contendo um relato sobre
os sonhos e os prodígios que teriam previsto Severo e sua
futura grandeza. (CARY, 1961, p. VIII)

Logo, observamos que a primeira produção de Dión aparece vinculada à


sua posição política, ao desempenho de determinadas funções na sociedade
romana. Ainda, ela interliga-se, diretamente, as relações estabelecidas entre o
escritor e o Imperador, no caso, Septímio Severo. É perante esta associação
que surge a produção cassiana de História Romana.
A inspiração para uma a elaboração de uma escrita da História de
Roma teria aparecido a Dión em meio a um sonho (História Romana LXXII, 24).
Pesquisadores como Drew Harrington (1992, p.177) e Meyer Reinhold (2002,
p. 71), defendem que, inicialmente, Dión teria escrito uma História com o intuito
de narrar os eventos que possibilitaram a ascensão dos Severos ao poder.
Contudo, como o próprio autor nos diz (História Romana LXXVII, 2), após a
benéfica recepção de seus escritos, tanto pelo Imperador21 quanto pelo público
a que se destinava, o autor teria optado por reformulá-la, acrescentando novos
períodos em sua extensão.

19 Alguns pesquisadores, como Gonçalves (2007, p. 20), utilizam a nomenclatura de Dion


Cassio para tratar desse escritor. Porém, podemos encontrar outras, tais como Cassio Dio,
Dión Cassio ou, em latim, Cassius Dio Cocceianus e Dio Cassius. Optamos, em nossos
escritos, por adotar a nomenclatura Dión Cassio. Atualmente, o cognomem Cocceianus,
adotado por pesquisadores como Cary (1961) é muito debatido e, em certos momentos,
contestado.
20 Sobre a vida de Dión, trataremos no decorrer de nosso Segundo Capítulo.
21 Dión nos explica que decidiu realizar tal empreitada literária após ter recebido uma carta de

Septício congratulando-o pela escrita de seu trabalho sobre os sonhos e presságios que
levaram o Imperador ao poder (História Romana LXXII 23, 1)
Cap.1 – Entre Histórias e Biografias... 56

O escrito que recebeu o título de História Romana, originalmente, foi


escrito em grego, dividido em cerca de oitenta livros, os quais abarcavam
desde o desembarque de Enéias as terras itálicas até o ano de 229 d.C.,
período do segundo consulado de Dión. Parte dos estudos historiográficos
existentes sobre esta obra, dentre estes o de Cary (1961, p. XI) e Ash e
Sharrock (2002, p. 3310), defendem que a intenção inicial do autor era que a
obra encontrasse o seu ápice no esplendor do governo de Septímio, em 193
d.C. Os motivos que levaram a outra expansão temporal da narrativa de Dión
não estão claros. Em nossa visão, concordamos com as análises dos
pesquisadores supracitados, quando estes nos dizem que o autor modificou
sua obra a partir do desenvolvimento de sua própria vida. Logo, como Dión
desempenhou funções políticas até 229 d.C., sob o comando de outros
Imperadores, seu relato procurou abranger estes anos, incorporando-os à
trajetória histórica romana.
A elaboração de História Romana foi algo que perdurou por vários anos.
Podemos notar tais características pelo o que o próprio autor nos relata em
meio às suas linhas. Ele teria iniciado esta obra em um intervalo de suas
atividades políticas, entre 211 e 215 d.C., momento em que se encontrava em
Cápua. (História Romana LXXVI, 2, 1). Segundo Maud Gleason (2011, p.40),
este intervalo na vida política do autor foi ocasionado pela morte de Septímio,
ocorrida em 211 d.C., situação que só foi revertida com Caracalla, sucessor no
comando imperial, que inseriu Dión em sua expedição para terras orientais em
216 d.C. (História Romana, LXXVII 8, 4)
Deste ponto em diante, sua atividade literária foi realizada no desenrolar
de vinte e dois anos22, concomitantemente com suas funções políticas
desempenhadas perante a sociedade romana, como destacam os trechos
seguintes:

Eu mesmo vi as paredes depois delas terem caído, olhando-as


como se estas tivessem sido capturadas por qualquer outro
povo além dos romanos. Eu também os tinha visto em pé e
tinha, inclusive, escutado eles conversarem (...). (DIÓN
CASSIO, História Romana LXXV 12, 1)

22 Dión relata que passou dez anos recolhendo documentos para seu relato, enquanto a escrita
foi desenvolvida por doze anos. (História Romana LXXIII 13, 2)
Cap.1 – Entre Histórias e Biografias... 57

Ele nos causou especial consternação por, constantemente,


intitular-se como filho de Marco e irmão de Cômodo,
concedendo a este último honras divinas, mesmo tendo
abusado dele recentemente (...). (DIÓN CASSIO, História
Romana LXXVI 11, 3).

Essas duas passagens acima arroladas referem-se a períodos onde


Dión Cassio assumira determinados cargos políticos, dentre estes a pretura, o
consulado e o posto de Senador. Desta forma, ao se inserir no relato como um
partícipe dos acontecimentos, o autor nos deixa entrever o período onde a sua
narrativa está sendo formulada, o século III d.C. Ainda, durante todo o seu
relato, podemos perceber a presença de situações e características de sua
época, caracteres estes pertencentes ao momento em que a Dinastia
Severiana encontra-se no governo romano.

A Divisão de História Romana

Todo o período de quase mil anos cobertos pela narrativa cassiana


divide-se, como dissemos anteriormente, em cerca de oitenta volumes. Nestes,
como Eric Adler (2012, p. 478) ressalva, o autor antigo subdivide sua obra em
três partes. Esta mesma acepção podemos encontrar em Cary, que nos diz
que:

A primeira (parte) é o período da República, quando a ação


política esteve com o Senado e com o povo; os fatos eram de
propriedade pública e, mesmo quando modificados por motivos
pessoais de alguns autores, poderiam facilmente ser
verificados em outros ou a partir dos registros públicos. O
segundo período estende-se desde o estabelecimento do
Principado até a morte de Marcus Varus. (...). O terceiro
período é aquele de seu próprio tempo, ele agora escreve
sobre eventos dos quais ele tinha conhecimento em primeira
mão e, como seria de se esperar, apresenta maiores detalhes
nesta porção de seu trabalho (...). (CARY, grifo nosso, 1961, p.
XIV)

Há, também, vestígios de que Dión dividira sua obra por décadas.
Galinsky (2007, p.373.) salienta que, se repararmos em certos aspectos do
relato cassiano, é possível visualizar que o volume XLI tem início com a Guerra
Cap.1 – Entre Histórias e Biografias... 58

Civil Republicana entre os triúnviros Marco Antônio e Otaviano. Em seguida, no


LI, há a Batalha de Áccio e o princípio do governo de Augusto, o que marcaria
o início do Principado Romano. Por sua vez, o volume LII parece conter em
suas linhas uma espécie de introdução que relataria uma época de transição
entre a República e o Principado. Já o LXXI, aparentemente, relata o governo
de Marco Aurélio.
Essa divisão por décadas, onde a História de Roma parece desenvolver-
se em uma sequência cronológica assemelha os escritos cassianos ao de Tito
Lívio, expoente da escrita analítica em Roma. Contudo, não é apenas com o
relato liviano que podemos encontrar relações na obra de Dión.
Como vimos, a Escrita da História em Roma reúne em seu bojo vários
estilos literários, que se mesclam, fundem-se no intuito de narrar a trajetória
desta sociedade desde sua época mítica. Dión Cassio é um dos expoentes de
todo esse hibridismo literário e cultural, tanto por ser de origem grega23, quanto
por agregar em suas linhas vários gêneros de escrita, característica esta
própria de seu tempo e da sociedade em que vivia.
Assim, podemos notar em Dión expressões da poesia épica,
principalmente no início de sua narrativa, ao tratar do desembarque de Enéias
nas terras que, futuramente, comporiam o Império Romano. Ainda, as
reminiscências deste estilo literário também estão nas inúmeras descrições de
sonhos, presságios e manifestações de origem divina que aparecem
incrustadas em toda a extensão da obra. Para nós, tais características não
estão apenas interligadas aos escritos de caráter épico. São demonstrações da
própria sociedade romana que denotava grande importância a tais
manifestações sobrenaturais. Portanto, esta não é uma particularidade apenas
de Dión, mas sim, de grande parte dos escritores romanos ou que viviam em
contato com esta sociedade, como é o caso de Veléio, Floro, Plutarco e, até
mesmo, Suetônio.
Além da influência do relato épico, podemos encontrar também, nas
descrições cassianas, a presença de determinados aspectos que nos remetem,

23Dión nasceu em Nicéia, na Bítinia, entre 155 e 163 d.C. Sua inserção em Roma teria
ocorrido por volta de 180 d.C., quando temos relatos de suas primeiras funções em meio à
sociedade romana. Sobre este ponto, retomaremos no decorrer do Segundo Capítulo.
Cap.1 – Entre Histórias e Biografias... 59

diretamente, a um dos principais exemplos da Antiguidade na escrita da


História: Tucídides. Como colocam Sharrock e Ash:

Os métodos meticulosos de pesquisa demonstrados por Dio


recaem no precedente historiográfico de Tucídides. Tanto
estilicamente quanto ideologicamente, Dio foi influenciado por
Tucídides, de quem empresta frases, ideias e técnicas,
principalmente ao narrar discursos. (SHARROCK; ASH, 2006,
p. 332.)

A semelhança com a narrativa tucidiana, para nós, também está na


maneira como Dión se insere em seu próprio relato. Do mesmo modo que
Tucídides, nosso autor se coloca, em grande parte das vezes, como
testemunha daquilo que narra. Em outras palavras, ele está contando aquilo
que presenciou.
Para J. W. Rich (1990, p. 11), ao mesmo tempo que Dión apresenta
relações com os escritos de Tucídides, expoente da tradição grega de se
escrever História, ele estabelece profundas associações com a tradição
historiográfica romana. Do mesmo modo que Lívio, ele explora as décadas
como forma de organização de seu relato, frequentemente utilizando, na
cronologia, as datações estipuladas pelos Annais públicos romanos e demais
registros, como as listas de magistraturas. (História Romana XLI, 3,4)
Porém, da mesma maneira que Tácito, a narrativa cassiana não é
restringida por este formato analítico. De acordo com Cristopher Pelling (1997,
p. 120), Dión soube utilizar o estilo biográfico quando este lhe era conveniente.
Em nossa visão, em concordância com o pesquisador supracitado, os traços
biográficos da obra de Dión aparecem, principalmente, quando ele trata de
personagens provenientes do final do período republicano, tais como Júlio
César e Marco Antônio e, particularmente, ao tratar dos Princeps, onde
podemos encontrar constantes associações entre os dados cronológicos e as
informações biográficas. Para Fergus Millar (1964, p. 56), observam-se,
inclusive, certas relações entre a obra de Dión Cassio à certos escritores
biográficos, tais como Suetônio.24

24 Sobre isto, trataremos no decorrer de outros capítulos de nossa Tese.


Cap.1 – Entre Histórias e Biografias... 60

Em alguns momentos de seus relatos, Dión ainda ressalta ter consultado


as memórias de determinados Imperadores, tais como Augusto, Adriano e
Severo, além dos escritos de Júlio César, principalmente os referentes à
Guerra Civil e às Guerras Gálicas. (História Romana XLIV, 1, 2).
Foram estabelecidos alguns paralelos entre o relato cassiano e as obras
de Sêneca, Salústio e Plínio, o Velho. De acordo com M. James Moscovich
(2004, p. 358), Dión cita tais autores no decorrer de sua narrativa (História
Romana XL 63,4; LV 3.4,5), colocando-os como suas fontes para determinados
acontecimentos ou, até mesmo, apresentando certas contestações ao que lhe
é passado por estes.
Porém, é o próprio Dión quem nos diz como procurou escrever a sua
História. Em suas palavras:

Eu considero ser a característica principal de uma mente


perspicaz ser capaz de aplicar princípios racionais aos fatos
históricos, demonstrado, assim, a verdadeira natureza dos
fatos e, também, ao organizar os fatos, mostrar os seus
princípios. (DIÓN CASSIO, História Romana XLVI 35, 1)

Dión, como muitos escritores antigos que se propuseram a escrever


Histórias, estava em busca de narrar a verdade. Mais uma vez, aqui,
salientamos que a escrita histórica, tanto a antiga quanto a que procuramos
realizar nos nossos dias, é algo subjetivo, depende de quem a escreve, da
sociedade e do momento em que esta narrativa é realizada. Em nossa
acepção, entendemos que Dión procura apresentar aquilo que ele, ao se
propor ao trabalho investigativo, acreditou ser a verdade por trás dos
acontecimentos.
Novamente, faz-se necessário salientar a importância da memória na
elaboração da narrativa histórica antiga. Ao selecionar determinadas visões
sobre os fatos, além de escrever aquilo que ele mesmo viu, Dión Cassio faz
uso de memórias, sendo estas as suas próprias ou a de outras testemunhas.
Aqui, onde o passado é narrado de pai para filho, de ancestrais para
descendentes, narrar a História é lidar com a pluralidade de memórias e, por
conseguinte, de esquecimentos.
Cap.1 – Entre Histórias e Biografias... 61

É fazendo uso destas diversas tradições literárias, gregas e romanas, e


desta multiplicidade de memórias, que a obra História Romana de Dión Cassio
é criada. Ela expõe em suas linhas inúmeras maneiras de se relatar a História,
de se relembrar o passado, de se transmitir os acontecimentos que permearam
a trajetória do povo romano, desde os tempos míticos até a formação de seu
Império. É fruto de todo o hibridismo tanto de seu autor quanto da sociedade e
do período onde foi redigida.
Exatamente por possuir tais características que a obra cassiana nos
atraiu. Dión Cassio viveu em um período de transição da sociedade romana.
Vivenciou parte da época de Pertinax, passando pelo governo de Septímio
Severo e Caracalla, ou seja, pelo início da Dinastia Severiana, marcada por
Imperadores de origem oriental. Um período onde o Império Romano se
encontrava em mutação, onde nosso autor desempenhou importantes papéis.
Sua perspectiva é a de um grego inserido na sociedade romana, é a de um
Senador. Tais características atribuem à sua obra inúmeras peculiaridades,
variados caracteres que nos permitem uma maior compreensão acerca do arco
cronológico denominado como Principado Romano.

As Edições da História Romana Cassiana

Assim como acontece com grande parte das obras antigas, as palavras
de Dión Cassio não nos chegaram completas. Dos oitenta volumes
originalmente confeccionados, alguns se encontram mais preservados,
enquanto de outros, possuímos apenas alguns trechos e referências.
Para Jane Bellemore (2003, p. 270), a obra de Dión Cassio teve grande
repercussão em seu próprio tempo, sendo citada entre as obras de seus
predecessores, tais como a História Augusta.
No período medieval, as referências às obras cassianas são bastante
profusas, sendo que é neste momento que surge um grande número de
manuscritos que contém partes de História Romana.
Muitos fragmentos sobreviveram graças aos esforços empregados pelos
funcionários do Imperador Constantino VII (905 – 959 d.C.), que proporcionou
as primeiras publicações, das quais temos informações, das partes da obra
Cap.1 – Entre Histórias e Biografias... 62

cassiana. Oriundas de tais compilações, possuímos, atualmente, cerca de 1/3


da obra de Dión Cassio, sendo que as porções existentes estão distribuídas em
inúmeros Manuscritos, de períodos e sociedades distintas. Dentre estes, partes
dos Livros XXXIV até LX podem ser encontrados em onze manuscritos,
enquanto o livro LXXVIII, com uma pequena parte do livro LXXIX, está reunido
em apenas um manuscrito. Os demais livros e partes da obra que conhecemos
atualmente estão reunidos em diversos manuscritos que, juntos, compõem os
volumes que hoje conhecemos.
Entre estes, podemos citar De Vistutibus et Vittis (V), onde se encontram
os excertos achados no Codex Peirescianus, do século X. Tais passagens
foram publicadas pela primeira vez em 1634 por Henri de Valois25, onde há
cerca de 415 fragmentos da obra História Romana juntamente com passagens
de outros quatorze escritores antigos, desde Heródoto até Malalas.
Também da passagem do século X para o XI, o palimpsesto vaticano26
denominado Vaticanus Graecus 73, foi incorporado ao manuscrito De Sententis
(M), apresentando em seu meio partes da obra de Dión, principalmente de
capítulos que abordam os anos de 216 a.C. e 40 a.C. Ele foi publicado, pela
primeira vez, em 1826 por Angelo Mai27, porém, devido ao estado do
palimpsesto, perdeu-se muito de seu conteúdo.
É no século XI, por conseguinte, que a obra de Dión recebe grande
destaque. Xiphilinus, um monge constantino, a pedido do Imperador Michael
VII Ducas, entre 1071 e 1078, elabora uma Epítome dos livros XXXVI – LXXX
de História Romana. Essa epítome dividiu-se em 16 manuscritos, o quais
tornaram-se conhecidos em diferentes épocas e, desta forma, propagaram a
obra cassiana.

25 De acordo com Anne Dawson Hedeman (1984, p. 101), Henri de Valois (1603 – 1676) era
um conhecido filologista e estudioso de escritos antigos, gregos e romanos, responsável pela
compilação e publicação de inúmeras obras antigas, tais como partes dos escritos de
Heródoto, de Dionísio de Halicarnasso e de Amiano Marcelino.
26 Palimpsesto (do grego παλίμψηστος) designa um pergaminho ou papiro cujo texto foi

eliminado para permitir a reutilização. Esta prática foi adoptada na Idade Média, sobretudo
entre os séculos VII e XII, devido ao elevado custo do pergaminho. A eliminação do texto era
feita através de lavagem ou, mais tarde, de raspagem com pedra-pomes. A recuperação dos
textos eliminados tem sido possível em muitos casos, através do recurso a tecnologias
modernas.
27 Angelo Mai (1782 – 1854) foi um cardinal italiano e também um filologista. Ernst Robert

Curtius (2013, p. 56) noz diz que ele teria sido o responsável por ter publicado, pela primeira
vez no território europeu, uma inúmera série de textos antigos até então desconhecidos, dentre
estes, partes de escritos, até então perdidos, de Cícero.
Cap.1 – Entre Histórias e Biografias... 63

Posteriormente, no século XII, deparamo-nos com uma importante


publicação dos escritos de Dión Cassio. Essa é realizada por Zonaras28,
através da elaboração de uma Epítome, intitulada Epitomé Historion (Ἐπιτομὴ
ἱστοριῶν), a qual procurava abranger desde a criação do mundo até o ano de
1118 d.C. Para sua elaboração, Zonaras se baseou nas obras de escritores
antigos, tais como Heródoto, Plutarco e Dión Cassio.
Partes da obra cassiana foram publicadas no manuscrito De
Legationibus (L), datado do século XVI, o qual é dividido em nove partes, todas
derivadas de um arquétipo espanhol de propriedade de Juan Paez de Castro29.
Este manuscrito foi publicado, pela primeira vez, em 1582, por Fulvio Orsini30,
recebendo o nome de Excerpta Ursiniana.
A primeira tradução para o inglês de História Romana é realizada
apenas no século XVIII por H.B. Foster. É com base nesta tradução que, em
um período posterior, temos a edição de autoria de Boissevain, Boor e Bütner.
A obra de Dión Cassio com a qual temos contato atualmente é oriunda desta
edição, que traz em seu cerne as compilações presentes nos manuscritos De
Vistutibus et Vittis (V), De Sententis (M) e De Legationibus (L), além das
Epítomes de Xiphilinus e Zonaras.
Nos dias de hoje, ao trabalharmos com a obra cassiana, não podemos
prescindir da edição de Earnest Cary, publicada em inglês no ano de 1929 pela
Loeb Classical. Uma reedição desta obra, com a revisão de determinadas
passagens e notas explicativas foi realizada em 1961 e publicada pela William
Heineman. Atualmente, possuímos ainda edições em italiano31 e em francês32,

28 Averil Cameron (1964, p.82) defende que Zonara era o secretário particular do Imperador
Alexis I. Seu trabalho literário teria tido início quando ele se retirou, ou foi exilado, no mosteiro
do Monte Athos. Em seus escritos ele utiliza inúmeros autores antigos, porém, é nos livros VII a
IX, que tratam da História romana, que podemos encontrar as maiores referências a Dión
Cassio.
29 Juan de Castro (1512 – 1570) foi um jesuíta espanhol que, em parte de sua vida, dedicou-se

aos estudos filosóficos e filológicos. Profundo conhecedor de grego e latim, reuniu inúmeros
manuscritos que continham obras de escritores da Antiguidade.
30 Segundo Ada Palmer (2012, p. 397), Fulvio Orsini foi um filósofo e um importante estudioso

de História que viveu entre 1529 e 1600, durante o Renascimento Italiano. Ele teria sido o
responsável por encontrar e reunir inúmeros manuscritos que continham resquícios de obras
antigas.
31 CASSIO DIONE. Storia Romana. Traduzione di Alessandro Stroppa. Milano: BUR, 1998.
32 DION CASSIUS. Histoire Romaine. Traducción, Introdución et Notes par Guy Lachenaud et

Marianne Coudry. Paris: Les Belles Lettres, 2011.


Cap.1 – Entre Histórias e Biografias... 64

que são acompanhadas de novos estudos e, consequentemente, de novas


perspectivas acerca de Dión Cassio e de sua obra História Romana.
Da mesma forma que acontece com os escritos de Veléio e Floro, ou de
qualquer escritor da Antiguidade, a obra de Dión Cassio com que hoje temos
contato apresenta críticas e concepções diversas, frutos dos diferentes
tradutores, editores e investigadores que a modificam desde suas primeiras
compilações. Contudo, restam-nos, em meio a isto, partes, resquícios das
palavras e, em decorrência disto, das ideias do autor. São estas que nos
possibilitam identificar a documentação de que faz uso, além de suas
influências. Podemos perceber ainda a maneira do autor de escrever a História
de sua sociedade e os artifícios que utiliza para tanto.
A interpretação do passado realizada por qualquer autor, em qualquer
período, expõe uma visão única de uma sociedade, de um tempo. É dentre
esta concepção que o estudo da obra de Dión Cassio se faz importante para
nós, historiadores do século XXI. Dión viveu em um momento singular da
trajetória romana, um período onde a sociedade passava por uma transição,
uma mutação. Viveu sobre o período severiano, desempenhou funções
políticas na Roma do século III d.C., foi Senador.
A visão que Dión nos apresenta acerca da trajetória romana é oriunda
das características de sua vida, de um grego que se inseriu no Império romano
e que o vivenciou de forma singular.

Floro e sua Epítome de Tito Lívio

Sobre a misteriosa obra denominada como Epítome de Tito Lívio, pouco


conhecemos. Logo de início, do autor do relato, Floro, nem ao menos sabemos
se o nome que lhe foi atribuído, Lúcio Annaeus Floro, é autêntico33. Este autor
foi vinculado a esta obra em um período posterior, na época medieval, durante
as inúmeras compilações destes escritos. Tal denominação seria oriunda,
como salientam os pesquisadores Gregorio Hinojo Andrés e Isabel Moreno

33No período onde acredita-se que esta obra foi elaborada, existem inúmeros Florus, os quais
possuem praenomens distintos. Dentre estes, temos o Lucius Annaeus Florus, o Iulius Florus e
o Plubius Florus. Sobre este assunto, nos aprofundaremos no Segundo Capítulo, ao tratamos
dos aspectos das vidas de nossos autores.
Cap.1 – Entre Histórias e Biografias... 65

Ferrera (2000, p. 13), da confluência dos dados relatados nas linhas epitomais
com os acontecimentos do período em que a obra foi escrita. Portanto, o relato
seria expoente da própria sociedade do autor, o que o colocaria sobre a autoria
de Lucius Annaeus Florus ou de Publius Annaeus Florus. Para os
pesquisadores supracitados, os dois praenomen, Lucius e Publius, fariam
referência a um único homem, o responsável pela autoria da Epítome.
As discrepâncias entre os nomes teriam suas raízes nas informações
passadas em momentos posteriores, tanto pelo Codex Palatinus 884,
compilado, provavelmente, no século IX d.C., onde aparece o nome de L.
Annaeus Florus, quanto pelo Codex Bambergensis E, também datado do início
do século IX, que não apresenta praenomen algum.
Para pesquisadores como L. Bessone (1990, p.208) e Lasto Havas
(1993, p. 240), a Epítome teria sido elaborada quando Floro já se encontrava
com sessenta ou mais anos de idade34, entre 144 e 148 d.C, durante o governo
de Antônio Pio35. Contudo, para pesquisadores como Edward Forster (1984, p.
VIII), a produção floreana seria algo anterior, produzida durante o governo de
Adriano, entre 117 a 138 d.C. Esta incerteza de datas nos é passada pelas
próprias linhas epitomais, onde o autor coloca que: “Desde os tempos de César
Augusto até a nossa própria época, houve um período de não muito menos que
duzentos anos (...). (FLORO, Epítome de Tito Livio I, 8).
Se considerarmos que Floro utiliza como base o ano de 27 d.C.,
momento que Otaviano recebeu o título de Augusto, para fazer esta
comparação, a elaboração de seu relato teria sido realizada entre o final do
governo de Antônio Pio e o princípio de o de Marco Aurélio, algo entre 155 a
161 d.C. Contudo, se considerarmos que Floro coloca como a época de
Augusto desde o nascimento deste, 63 a.C., seus escritos teriam sido
elaborados durante o governo de Adriano.
Apesar de tais considerações, as linhas floreanas citadas acima nos
deixam entrever que a sua produção, independente do governo romano sobre

34Floro teria nascido por volta de 74 – 80 d.C., assunto sobre o qual discorreremos no próximo
capítulo.
35 De acordo com Matthew Bunson (2002, p. X), Antônio Pio foi imperador entre os anos de

138 a 161 d.C.


Cap.1 – Entre Histórias e Biografias... 66

o qual foi elaborado, é fruto de um único século, o século II d.C.36 Sendo assim,
ela expressa em seu cerne, mesmo que não propositalmente, todo o seu
próprio contexto político, cultural, social e econômico. Aqui, novamente,
notamos que a obra é produto de seu autor, de sua subjetividade.

As Epítomes em Roma e a Epítome de Tito Lívio: Semelhanças e Diferenças.

Como já destacamos, o gênero História na Antiguidade comporta em


seu meio inúmeros outros gêneros literários. Por conseguinte, também serve
de base para a criação de novos gêneros, modelos estes que descendem do
histórico, mas portam em suas configurações certas particulares e
características próprias. Dentre estes, podemos encontras as epítomes.
As epítomes, em Roma, adquirem um caráter de grande importância,
uma vez que são as responsáveis por sumarizarem, ou resumirem, obras
extensas, que, na maioria das vezes, tratam da História Universal, ou, em
outras palavras, das Histórias que abarcam todo o mundo conhecido pelos
romanos.
Desta forma, como colocam Alison Sharrock e Rhiannon Ash (2006, p.
76), as epítomes eram muito utilizadas por reunir os principais acontecimentos
da trajetória romana em volumes menores e que possibilitavam uma leitura um
pouco mais rápida. Ainda, assim como acontece com as obras breviárias, sua
escrita fácil e concisa possibilitaria a leitura por parte de diversos segmentos
sociais, sendo estes embebidos na tradição cultural romana ou não. Tratava-se
de uma forma mais rápida e fácil de apreender os trajetos históricos essenciais
do Império Romano. Logo, a escrita epitomadora é vista, nas sociedades
antigas, especialmente a romana, como uma das formas de compor o relato
considerado histórico.
Normalmente, as epítomes eram produzidas com base em obras de
grande porte e que, de alguma forma, repercutiram em meio à sociedade
romana. Este é o caso da obra do paduano Tito Lívio, Arb Urb Condita Libri.
Escrita em finais do século I a.C, a narrativa liviana possuía como
intenção expor a História de Roma desde suas origens, abordando, inclusive

36 Mesmo período onde podemos encontrar as produções de Plutarco e Suetônio.


Cap.1 – Entre Histórias e Biografias... 67

seus tempos míticos e o período monárquico, chegando aos acontecimentos


do momento de sua criação, o governo de Augusto.
De acordo com o que é exposto por Marco Antônio Collares (2007,
p.79), tal obra expunha em suas linhas toda a preocupação com o passado,
com a História, presentes na época augusteana, momento em que o passado
era utilizado para legitimar o presente. Tito Lívio, um homem de seu tempo,
escreveu sua obra com o intuito de educar, de ensinar os romanos de seu
presente e, consequentemente, de seu futuro.
Como nos mostra D. Sailor (2006, p. 370), a obra liviana possuiu grande
repercussão tanto em seu próprio período como em momentos posteriores. Por
se dedicar a narrar a longa trajetória romana, expondo datas e eventos,
baseando-se na tradição analítica da escrita da História, a Arb Urb Condita
transformou-se em uma das principais referências para se compreender não só
a sociedade romana como também inúmeras outras sociedades que
estabeleceram vínculos com os romanos através dos séculos. Assim, faz-se
compreensível a existência de epítomes de sua obra.
Todavia, o título atribuído aos escritos de Floro é bastante debatido.
Enquanto alguns códices o transmitem como Epitome de Tito Lívio, outros não
colocam título algum. Há, ainda, títulos diferentes, como Liber, o qual pode vir
acompanhado de algo mais, como L. de Historia Romanorum ou Totius
Romanae Historiae L. Para pesquisadores como I. Moreno (1995, p. 146), a
menção à obra de Tito Lívio teria sido ocasionada, muitos anos após a
confecção dos escritos de Floro, pelo caráter próximo que apresentava com os
escritos de autoria liviana.
Assim sendo, um outro viés de análise das linhas floreanas também
cogitam a possibilidade de o próprio Floro ter atribuído à sua obra o título que
hoje conhecemos. Nessa linha interpretativa, ao estabelecer ligações com a
Arb Urb Condita, Floro estaria tentando direcionar certa atenção aos seus
próprios escritos, estratégia muito utilizada por escritores antigos. Tratar-se-ia,
aqui, de uma forma de legitimação encontrada por Floro.
Independente das colocações acima, tendo sido a obra intitulada como
Epítome ou não, a narrativa de Floro apresenta inúmeras disparidades em
relação à criação de Tito Livio. Como ressaltam Andrés e Ferrera:
Cap.1 – Entre Histórias e Biografias... 68

Em qualquer caso, a Epítome não é uma epítome, se por este


termo se entende que se trata apenas de um resumo de Lívio,
com a simples adição de outras poucas fontes; ela é uma
elaboração própria. Nem Floro o segue com fidelidade, nem
nada pode negar uma originalidade extraordinária na seleção,
na distribuição e na recriação dos acontecimentos históricos
(...). ( ANDRÉS; FERREA, 2000, p. 33)

Em nossa visão, as diferenças entre Floro e Tito Lívio são derivadas das
diversidades entre os próprios autores. A princípio, estes são de períodos
diferentes, oriundos de sociedades distintas e que vivenciaram a sociedade
romana de maneiras diversas. Ainda, possuem visões próprias sobre a maneira
de se narrar a História, diferenças estas que também podem ser acarretadas
pela variedade temporal e de sociedades.
Também, notamos que as principais discrepâncias entre a Arb Urb
Condita e a Epítome de Tito Lívio se alocam nas informações que nos são
passadas e na cronologia de determinados acontecimentos, além da maneira
distinta que encontramos na forma de narrar dos dois autores. Lívio apresenta
uma narrativa pautada na tradição analítica, onde a ordem cronológica possui
uma posição relevante. Floro, por outro lado, constantemente demonstra uma
ruptura temporal, nem sempre obedecendo à ordem dos acontecimentos.
Um outro exemplo das diferenças entre ambos os autores, como Vítor
Alba (1953, p. 32) destaca, é que, enquanto Lívio, seguindo a ordem dos fatos,
descreve as ações de um mesmo personagem de maneira progressiva, ou
seja, na ordem em que estas aconteceram; Floro separa tais ações em
capítulos diferentes, não estabelecendo um capítulo para cada personagem ou
sequer algum tipo de organização formal para seu relato.
Percebemos, desta maneira, que uma das principais diferenças entre
Floro e Lívio está na fuga floreana da datação precisa. Floro agrupa
panoramicamente, monograficamente e anualmente os acontecimentos. Esta
forma de organização de seu relato não é algo estranho à sociedade romana.
Concordamos com Richard Rutherford (2007, p.504) quando este nos diz que
esse recurso é profusamente utilizado em outros gêneros literários, tais como o
poético e o retórico, e que possui, como intento, aumentar o potencial
dramático da narração, atraindo a atenção do leitor. Desta maneira, não seria
um descuido ou uma despreocupação deste autor para com a escrita da
Cap.1 – Entre Histórias e Biografias... 69

História. Mais uma vez, esta depende daquele que se propõe a narrá-la, da
sociedade em que este se insere, de sua própria visão e do público ao qual
almeja atingir.
A seleção de dados por Floro também lhe é muito particular. Alguns
podem explicá-la pelo caráter de sua obra, por esta se configurar em uma
epítome. Outros, já a associam ao desejo floreano de surpreender o leitor,
surpresa esta que está contida no silêncio do autor para alguns importantes
acontecimentos, tais como as batalhas de Pidna e de Zela, ou mesmo no
esquecimento de alguns personagens que não aparecem relacionados aos
acontecimentos de que fizeram parte. Além disso, Floro organiza seus
episódios de maneira singular, sempre de modo retórico e de forma a
impressionar seus leitores, algo que não encontramos nos relatos livianos.
A partir das análises historiográficas sobre as obras de Floro por nós
citadas, além dos apontamentos a que nós mesmos chegamos no decorrer de
nossos estudos, podemos perceber que sua obra, intitulada, por ele mesmo ou
por terceiros, não pode ser apenas considerada como uma epítome de Tito
Lívio. Os seus escritos se constituem em algo único, com características
próprias e peculiaridades que pertencem apenas a eles. Distinções estas que
vão desde a seleção de seus objetos, dos personagens e acontecimentos que
buscam relembrar, até a forma de organização do relato.

A Constituição da Obra Floreana e a Historiografia Antiga

O texto floreano procura abarcar, de forma sintetizada, toda a trajetória


histórica romana, dando grande ênfase às inúmeras batalhas37 enfrentadas
pelo povo romano desde sua fundação até o período de Augusto. Em seu
prólogo, o autor já deixa claro a intenção de sua obra, dizendo-nos que:

O povo romano realizou tantas ações em setecentos anos, do


rei Rômulo a César Augusto, em tempos de paz e em tempos
de guerra, que, se compararmos a grandeza do Império com o
número de seus anos, acreditaríamos que fosse mais velho.
(...) Assim, como a história de Roma é digna de estudo, ainda
porque a sua vastidão dificulta a sua compreensão e a

37Notamos aqui certa semelhança com o relato veleiano, uma vez que em ambos encontramos
o destaque, nas narrativas, dos acontecimentos militares.
Cap.1 – Entre Histórias e Biografias... 70

diversidade de assuntos dispersa a atenção, eu pretendo fazer


como aqueles que descrevem a paisagem e realizar uma
descrição completa de meu assunto como se fosse uma
pequena imagem38. Eu espero, desta maneira, contribuir para a
admiração que este ilustre povo detém ao mostrar sua
grandeza de uma só vez, em uma única exibição. (FLORO,
Epítome de Tito Lívio I, 2-3).

O intuito de resumir a História romana é logo expressado nas primeiras


linhas da escrita de Floro. Como ele mesmo coloca, ao abreviar as ações
dessa ilustre sociedade, ele pretende angariar a atenção do leitor, contribuindo,
desta forma, para a admiração dos feitos romanos. Assim sendo, Floro nos
apresenta uma narrativa fundamentada no desenvolvimento paulatino da
sociedade romana. Em outras palavras, ele apresenta o crescimento da
sociedade romana, a sua desenvoltura desde o seu surgimento até o seu auge,
o qual o autor identifica como sendo o período de Augusto39.
Em nossa perspectiva, em concordância com a historiografia por nós
analisada, é por este motivo que Floro apresenta a divisão de sua obra. Nesta,
a história romana é apresentada em etapas, fases que correspondem às
idades de um homem40. Como o próprio escritor nos diz:

Se alguém quiser contemplar o povo romano como se este


fosse um único indivíduo e relembrar toda a sua vida, como
começou, como cresceu, como amadureceu e chegou à idade
adulta e, por fim, como atingiu a velhice, ele irá descobrir que o
povo romano passou por quatro estágios de progresso.
(FLORO, Epítome de Tito Lívio I, 4)

Como Andrés e Ferrero (2000, p. 20) e Paul Jal (1967, p. XI) destacam,
o relato floreano é segmentado em quatro idades, como podemos perceber a
seguir:

38 Concordamos aqui com Forster (1984, p. 06), quando este interpreta esta menção de Floro
como sendo referente às representações das terras conhecidas pelos romanos em pequenos
desenhos, espécies de mapas.
39 Sobre este aspecto da obra floreana falaremos posteriormente, no decorrer dos outros

capítulos de nossa Tese.


40 Segundo D. Briquel (1994, p. 211), esta forma de divisão, onde a trajetória romana aparece

como a vida de um ser, onde há o nascimento, o crescimento e o envelhecimento, pode ser


notada em outras obras, tais como a de Hesíodo, Os Trabalhos e os Dias, ou as Origens, de
Catão. Ao adotar essa forma em seu relato, Floro afasta-se ainda mais do modelo liviano de
escrita da História.
Cap.1 – Entre Histórias e Biografias... 71

O breve texto conhecido desde a Antiguidade com o nome de


Epitome de Tito Livio bellorum omnium annorum DDC, cujo
Prólogo equipara a vida do povo romano até Augusto com as
quatro idades de um homem, contém dois volumes de
diferentes extensões: o primeiro, de 47 ‘capítulos’, com várias
outras seções, inclui a infância, a época real; a adolescência,
com a conquista progressiva da Itália e as ‘quatro’ primeiras
‘sedições’; e, parte da juventude, com os grandes triunfos dos
séculos III a I a.C., sendo o último o da Gália, embora se
encerre com a derrota de Crasso contra os partos. O segundo
volume, com apenas 34 ‘capítulos’, com alguns outros
subtítulos, trata do final da juventude e da maturidade do povo
romano, iniciando-se com outras quatro ‘sedições’, as gracanas
e as drusianas, e finalizando com as guerras de pacificação de
Augusto e sua tarefa de restauração interior; com o fechamento
do templo de Jano, com a paz com os partos, através da
devolução das insígnias capturadas em Carras, e a concessão
ao Princeps do título de Augustus (...). (ANDRES; FERRERO,
2000, p.07)

Dessa forma, a trajetória do povo romano teria quatro idades: infância,


adolescência, maturidade e velhice. Para nós, é visível que a divisão adotada
por Floro não segue apenas os períodos enfrentados pela sociedade romana,
mas também a sua evolução política. Sendo assim, a infância, momento no
qual a criança inicia seu desenvolvimento, aprendendo seus primeiros passos,
corresponde ao período monárquico romano. A adolescência, onde os anos de
criança são deixados para trás e a criança inicia seu percurso para sua
transformação em um homem maduro, corresponde ao princípio republicano,
onde Roma apresenta profunda transformação política. Por sua vez, a
maturidade, na qual o homem adulto já está formado, porém ainda não se
encontra isento de mudanças e transformações em sua vida, trata ainda dos
últimos anos republicanos, marcados por profusas disputas e inúmeras
modificações políticas, sociais e culturais. Por fim, temos a velhice, em que um
ser humano usufruiria de tudo aquilo que conquistou no decorrer de sua vida, a
qual corresponde ao desenvolvimento final da sociedade romana, em seu ápice
que é representado por Augusto e seu Principado.
Notamos, dessa maneira, um certo padrão evolutivo na obra floreana,
forma esta que segue o desenvolvimento político em Roma, partindo da
monarquia, passando pela República e culminando no Principado, nos anos
imperiais. Mostra, assim, o crescimento do Império Romano. Para nós, esta
associação realizada por Floro é importante, pois demonstra as próprias
Cap.1 – Entre Histórias e Biografias... 72

acepções do autor, tanto sobre os anos republicanos quanto da época que


vivenciou, o Principado Romano.
A maneira da composição do relato floreano, como ressalvamos
anteriormente, afastá-lo-ia ainda mais das relações com a obra Arb Urb
Condita de Tito Lívio. Esta característica pode, inclusive, ser constatada a partir
da documentação utilizada por Floro em sua narrativa. Ao contrário do que
alguns estudiosos defendem, principalmente em estudos dos século XIX, os
escritos floreanos não se baseiam apenas na obra de Lívio. Em seu cerne,
aparecem diferentes documentos, de épocas distintas e que, inclusive, não
aparecem nas linhas livianas.
Assim, encontramos semelhanças com os escritos de Virgílio41, de
Lucrécio42, de Horácio43, de Sílio Itálico44 e de Estácio45, autores de diferentes
momentos, com estilos literários diversos e que abarcam inúmeros temas, tanto
referentes à Roma quanto a outras sociedades. Ainda, quando Floro refere-se
à luta entre Ceres e Líber 46(Epítome de Tito Lívio I, 11) enxergamos certas
semelhanças com o relato de Plínio, O Velho (História Natural III, 5) e, com
Plínio, O Jovem (Panegírico 18, 2), quando trata do famoso tema da inércia.
Com Cneu Trogo47 que, como ele, agrupa sua obra por eixos temáticos,
apresenta algumas similaridades nos relatos sobre a Hispânia e algumas das
batalhas ocorridas nessa região.
Contudo, chama-nos a atenção, a relação da obra de Floro com a obra
História Romana, de Veléio Patérculo, e com as biografias de Suetônio, autores
por nós analisados. Com o primeiro, Floro parece compartilhar, além da ênfase
aos acontecimentos militares, a idealização do passado republicano e do início

41 Virgilius, autor da obra épica intitulada Eneida, século I a.C.


42 Titus Lucretius Carus (99 – 55 a.C.), poeta e filósofo, autor da obra Sobre a Natureza das
Coisas.
43 Quintus Horatius Flaccus, escritor do século I a.C. (por volta de 65 a 8 a.C.), autor de obras

como as Sátiras (35 a.C.) e as Epodes (30 a.C.)


44 Tiberius Catius Asconius Silius Italicus, poeta épico do século I d.C. (25 – 26 d.C. a 101

d.C.), autor de obra intitulada Púnica que, em diversos volumes, trata acerca das Guerras
Púnicas.
45 Publius Papinius Statius, também do século I d.C. (45 a 95 d.C.), autor de obras como

Tebaida (poema épico que narra o conflito entre os filhos de Édipo pelo trono de Tebas), Silvae
(coletânea de poemas que retratam o ethos.) e Aquileida (obra sobre a vida de Aquiles e que,
aparentemente, não foi acabada pelo autor.)
46
Ceres e Líber, deuses latinos que teriam se enfrentado em uma batalha mitológico.
47 Gnaeus Pompeius Trogus, século I a.C., foi autor da obra Histórias Filípicas e de uma

epítome, que não chegou aos dias de hoje.


Cap.1 – Entre Histórias e Biografias... 73

do Principado Romano, além destes autores também apresentarem


semelhanças em suas narrativas do início dos conflitos civis, em 133 a.C., a
separação dos conflitos externos a Roma e as informações sobre as guerras
germânicas. Com Suetônio, podemos notar as semelhanças com as descrições
de determinados personagens, como Júlio César e Augusto, sendo que certas
ações e acontecimentos nas vidas destes aparecem de maneira muito similar
em ambas as obras.48
Para B. Baldwin (1988, p.136), Floro ainda aparenta ter se baseado na
obra de Catão, sobretudo em temas como o povo romano (Populus Romanus),
sua formação precedente de diversos lugares, e sobre a luta entre a Virtus e a
Fortuna, a qual se insere no decorrer de todo o relato floreano. Do mesmo
modo, segundo este pesquisador, o estilo de escrita floreano, principalmente a
índole dramática e os inúmeros jogos literários retóricos, podem ter sido
baseados em Salústio49, que apresenta semelhante característica em suas
próprias linhas.
Na vasta gama de obras utilizadas na composição da narração floreana,
encontramos, também, alguns que nos são muito conhecidos, como podemos
notar no trecho abaixo:

Também percebemos a presença de Cícero, em especial em


alguns acontecimentos e motivos das Verrinas. Enquanto, de
César, notamos o uso direto de as Guerras das Gálias – com
algumas discrepâncias, como a confusão entre Alésia,
Gergóvia e Dolabela no lugar de Labieno (...). (ANDRES;
FERRERO, p. 40)

Alguns comentários de Floro, tais como o que Pompeu teria pouca


disposição para suportar um igual ou César, de suportar um superior (Epítome
de Tito Lívio II, 7) nos leva a crer que até Lucano50 fora utilizado como
documento para a composição da Epítome.
Observamos, desta maneira, que Floro não utiliza apenas Tito Lívio na
composição de sua obra. Pelo contrário, busca as informações que narra em

48 Sobre este aspecto, trataremos posteriormente, em outros capítulos de nossa Tese.


49 Gaius Sallustius Crispus (86 a.C. a 34 a.C.), escreveu obras como Bellum Catilinae ou De
conjuratione Catilinae (43-42 a.C.), Bellum Jugurthinum (41-40 a.C.) e Historiarum libri quinque
(39 a.C.).
50
Marcus Annaeus Lucanus (39 a 65 d.C.), autor de uma epopeia denominada Farsália e que
não nos chegou completa.
Cap.1 – Entre Histórias e Biografias... 74

lugares diversos, em produções de épocas distintas. Faz-se importante, neste


momento, destacar que Floro seleciona sua informação, integrando estes
distintos autores para traçar as linhas históricas da sociedade romana. Tal
pluralidade presente no relato floreano nos deixa, novamente, entrever que sua
obra não se constitui em uma simples Epítome da Arb Urb Condita de Tito
Lívio. É, por si só, algo distinto, algo novo, fruto de seu criador e da sociedade
em que este se insere.

As Publicações da Obra Floreana

Concordamos com as análise de Jal (1967, p. XVI), quando este aponta


ser possível que a Epítome de Tito Lívio obteve certa repercussão durante seu
próprio tempo. Como exemplo, poder-se-iam encontrar menções do texto
floreano em obras de Amiano Marcelino, Claudiano e Volpisco, além de outros
autores pertencentes a períodos das Antiguidade Clássica e Antiguidade
Tardia. Contudo, é em meio aos Codex medievais que encontramos, em maior
número, as reproduções da obra floreana.
Ao todo, são dez Códex que apresentam o texto completo ou pequenas
partes do escrito de Floro. São estes:

1) Codex Bambergensis E III 22 (B), datado do século IX;


2) Codex Palatinus Latinus 89451 (N), também do século IX;
3) Codex Leidensis Vossianus 14 (L), elaborado no século XI;
4) Codex Palatinus Heidelbergensis 1568 (Palat.), século XI;
5) Codex Monacensis 6392 (Monac.), igualmente do século XI;
6) Codex Parisinus 5802 (Paris.5802), século XII;
7) Codex Parisinus 7701 (Paris. 7701), século XII;
8) Codex Harleianus 2620 (Harl.), século XIII;
9) Codex Leidensis Vossianus 77 (Voss.), século XV;
10) Codex Vratislaviensis Rehdigeranus (Rehd.), também do século XV.

51Esse Codex foi criado no Monastério de St. Nazarino e, por isso, às vezes, é citado com o
nome de Codex Nazarianus.
Cap.1 – Entre Histórias e Biografias... 75

Como salienta Moreno (1999, p. 615), nos estudos sobre Floro, o Codex
Bambergensis passou a ser visto como o que continha, com maior integridade,
a obra floreana. Por este motivo, as primeiras publicações de Epítome de Tito
Lívio basearam-se nestas compilações.
A primeira edição da obra da qual temos relato teria sido realizada por
volta no século XV, levando em sua fronte Editio Princeps52. Sobre ela, apenas
sabemos que, provavelmente, foi publicada em Paris, por volta de 1470 – 1480,
e que fora destinada a possuir um caráter educacional. Em outras palavras, era
utilizada para fins pedagógicos, para ensinar a História de Roma.
A esta edição, seguiu-se uma italiana, realizada por um tradutor
chamado Addus, em Veneza, em 1521. A terceira edição ocorreria só após
trinta e três anos, em 1554. Realizada em língua francesa, seria de autoria de
E. Vinetus, tendo sido publica na cidade de Poitiers.
Por conseguinte, no século XVII, possuímos notícias de três publicações
da obra floreana. A primeira, realizada por Salmasius em 1609, fora editada e
publicada em Heidelberg, na Alemanha. A segunda, de autoria de J.
Freinsheim, mais uma vez, aparece em terras francesas, mais precisamente
em Estrasburgo de 1632. A terceira seria proveniente das redondezas de
Ultrecht, tendo sido publicada em 1680 por J.G. Graevius.
É também no século XVII que Floro foi, pela primeira vez, traduzido para
a língua inglesa. Essa versão foi elaborada por J. Davies em 1670 e,
posteriormente, em 1672, re-publicada com certas modificações e correções
por parte dos estudiosos Casaubon e J.S. Watson.
Já no século XIX, podemos notar uma maior produção em torno dos
escritos de Floro. Só neste período, foram realizadas inúmeras edições, em
sua maioria em língua alemã, dentre as quais destacamos a de O. Jahn53, de
1852, a de C. Halm54, de 1854, e, por fim, a de O. Rossbach55, de 1896.

52 Para não cometermos equívocos, utilizaremos, neste momento, os nomes originais dos
editores das publicações, da maneira como aparece em suas publicações.
53 JAHN, O. Iuli Flori Epitomae de Tito Livio bellorum omnium annorum DCC libri II.

Teubner: Leipzig, 1852.


54 HALM, C. Iuli Flori Epitomae de Tito Livio bellorum omnium annorum DCC libri duo.

Teubner: Leipzig, 1854.


55 ROSSBACH, O. L. Annaei Flori Epitomae Libri II et P. Anni Flori Fragmentarum de

Virgili Oratore an Poeta. Teubner: Leipzig, 1896.


Cap.1 – Entre Histórias e Biografias... 76

Nos séculos XX e XXI da nossa era, há uma certa variedade das


edições da obra de Floro. Em maior número, podemos encontrá-las entre as
décadas de 1950 e 1990, períodos onde os estudos floreanos multiplicaram-se,
apresentando novas concepções sobre a obra e, consequentemente, sobre seu
autor.
Assim, temos as edições de E. S. Forster, intitulada L. Annaeus Florus.
Epitome of Roman History, datada de 1929, porém com uma importante re-
edição em 1966. Em 1967, P. Jal publicou pela Les Belles Lettres uma edição
com a sua tradução da obra floreana para o francês, intitulada Florus. Ouvres,
I-II.
A edição mais recente que possuímos da obra de Floro trata-se de uma
em língua espanhola, publicada pelo Editorial Gredos em 2000. Tradução
intitulada Epítome de la Historia de Tito Livio, realizada pelos pesquisadores
Gregorio Hinojo Andrés e Isabel Moreno Ferrera, os quais, seguindo os
modelos de Forster e Jal, apresentam a sua versão juntamente com uma
Introdução e com inúmeras notas explicativas.
Como salientamos ao tratarmos de Veléio, temos consciência, no
decorrer de nossa pesquisa, que a narrativa de Floro apresenta críticas e
concepções diversas, frutos dos diferentes tradutores, editores e investigadores
que a modificam desde a sua primeira publicação. No entanto, restam-nos se
não todas, algumas das palavras e ideias do autor. São estas que nos
permitem identificar a documentação de que faz uso, além de suas influências
literárias. Podemos perceber, ainda, a maneira do autor de escrever a História
de sua sociedade.
A interpretação do passado por um escritor deve, invariavelmente, ter
consequências para o presente, pois exprime uma visão única de uma
sociedade, de um tempo. O estudo sobre a obra de Floro, tão controversa no
meio historiográfico, faz-se importante porque é construída em meio ao
Principado Romano, sendo expressão da época em que seu autor se insere, de
sua sociedade, de uma visão de mundo. Transmite, em suas linhas, uma
memória, lembranças sobre os acontecimentos que formaram a sociedade
romana.
Cap.1 – Entre Histórias e Biografias... 77

O Gênero Biográfico na Antiguidade: Plutarco e Suetônio

As discussões a respeito da origem biográfica são muitas e, em certos


pontos, apresentam diferenciações. Nos estudos de Momigliano (2004, p. 33),
os princípios da biografia são arcaicos, pertencendo à sociedade persa. Para
este pesquisador, Dario, ao deixar um relato sobre si mesmo em uma rocha a
300 pés de altura, teria sido o autor da primeira autobiografia56. A tradição
biográfica grega seria tributária desta, ou seja, em outras palavras, descendia
dos persas neste sentido57.
A biografia grega orienta-se pela análise do personagem na sua
sociedade, suas atitudes, seus valores, seus méritos e suas falhas. Enquanto a
História era situada ao lado dos acontecimentos coletivos, a biografia era
colocada à parte, como uma análise dos fatos e atitudes de um indivíduo.
Segundo Mary Del Priore (2009, p. 07), o modelo grego inspirou
profundamente os modelos biográficos do mundo romano. Todavia, apesar de
todas as trocas culturais existentes entre estas sociedades, suas biografias
apresentam certas singularidades.
Para Nigel Hamilton (2007, p. 11), as raízes biográficas romanas
encontram-se inseridas em sua autêntica tradição, as “laudationes” fúnebres e
os “tituli”, que, por um longo período, ritualizaram a liturgia do poder da
aristocracia dominante. Na ocasião da morte de membro aristocrático, sendo
este um magistrado ou parte da família de um, era costume, durante a
realização do cerimonial, o proferimento de um discurso, onde as glórias do
morto se uniam às de seus antepassados58. Antes do sepultamento, fazia-se
reproduzir em cera uma espécie de máscara funerária, que, posteriormente,
seria mantida exposta no átrio da casa familiar, seguida de uma inscrição sobre
o falecido, seus feitos e seus méritos. Logo, tais registros fúnebres, são

56 Estas inscrições ficaram conhecidas como Behistun e possuíam, acredita-se, a intenção de

autoglorificação do governante.
57 Mesmo que a historiografia grega tenha rompido com o tipo de história proposto pelos persas

– que se voltava à atuação de grandes personagens –, e passado a se orientar pela ótica de


grupos que se pautavam por uma sociedade que se orientava pelo caráter local, e não
internacional, não se pode, contudo, descartar a existência dessa influência.
58 Faz-se necessária a compreensão de que, durante essas celebrações, era notável a

ocorrência de deslizes promocionais de familiares do falecido.


Cap.1 – Entre Histórias e Biografias... 78

considerados por muitos estudiosos, como cerne embrionário da biografia


romana.
Com esta visão concorda Bahktin (1988, p. 256), o qual ressalta que as
biografias romanas foram fundamentas no seio da família romana, iniciando-se
com as memórias, passando pelos ritos fúnebres e culminando em algo mais
público, ou seja, os escritos biográficos.
Com o passar dos anos, o método biográfico em Roma adquire
contornos mais definidos, fato que, segundo Mendonça (2007, p. 13), é
auxiliado pelo contexto social e político de cada época. Em meados do século II
a.C., as numerosas lutas políticas possibilitaram o surgimento de líderes
políticos autocráticos capacitados por grande poder na política romana. Em
meio a essa transformação, aparecem vastas obras biográficas que
procuravam registrar, através dos relatos das vidas pessoais de tais homens,
os acontecimentos do período. Além disso, a biografia, neste momento, era
uma poderosa arma política, uma vez que podia exaltar o caráter de um
determinado homem ávido pelo poder ao mesmo tempo em que podia denegrir
seus inimigos políticos. Nota-se, claramente, que a biografia denotava, neste
momento histórico específico, características mais politizadas, as quais
apareceram em outras épocas da História romana.
Ainda, é possível percebermos o aparecimento de movimentos sociais,
políticos e culturais que influenciaram a escrita biográfica de inúmeras formas.
Este seria o caso, por exemplo, da Sofística.
Até finais da década de 60, muitos estudiosos consagraram seus
estudos à análise da Sofística como um aspecto único da literatura grega,
relegando pouca atenção ao papel deste mesmo movimento em meio a
sociedade romana imperial. Isso se dava, pois, como demonstra Graham
Anderson (2005, p. VI), estudar os sofistas e seus movimentos dentro das
sociedades requer que o estudioso esteja atento a pluralidades de sentidos e
formas que estes adquirem com o passar dos anos. Portanto, estabelecer um
elo entre a sofística grega, suas reminiscências e derivações constitui-se em
um árduo e cuidadoso trabalho.
A ideia de uma Primeira Sofística, segundo John Victor Luce (1994, p.
23), evoca a Idade de Ouro ateniense, em finais do século V a.C., quando a
Cap.1 – Entre Histórias e Biografias... 79

educação tradicional e os valores cívicos e religiosos foram desafiados por uma


nova geração de intelectuais que reivindicavam ensinar as habilidades
envolvidas na vida pública, incluindo a arte de discursar em público, em troca
de pagamento. Os sofistas59 eram então caracterizados como “professores”
que viajavam de cidade em cidade oferecendo cursos de instrução em uma
vasta gama de assuntos que tratassem de elementos úteis a polis.
Ainda, segundo Antônio Carlos do Amaral Azevedo (1999, p. 420), os
sofistas desta época podem ser considerados como educadores dos futuros
estadistas gregos e romanos, tendo como foco central de seus ensinamentos a
formação intelectual política e pública de seus pupilos. Tais intelectuais ainda
defendiam que a educação seria capaz de moldar o ethos de um indivíduo,
construindo, desta forma, bons cidadãos, competentes na arte da política.
Dentre os principais expoentes de tal movimento, podemos encontrar
Protágoras, Górgias e Isócrates60, homens amplamente conhecidos por suas
capacidades retóricas e ensinamentos políticos.
Exatamente por desempenhar suas funções no domínio da esfera
pública, os sofistas conseguiram se colocar em uma posição distinta no que se
refere ao conjunto de ideias defendidas por eles.
Este movimento, em um momento posterior, espalhou-se por diversas
áreas da Antiguidade, atingindo, inclusive, a sociedade romana. Neste
momento, observamos o desenvolvimento do que viria a ser conhecido como
Segunda Sofística.
Para estudiosos como Catherine Salles (1994, p. 44), a Segunda
Sofística tratou-se, essencialmente, de um fenômeno grego, ou, de falantes
gregos. No entanto, em nossa concepção, concordamos com autores tais como
M. L. Clarke (1966, p. 133), que enxergam a Segunda sofistica como um
movimento híbrido que continha em seu cerne expoentes greco-romanos e que
não se colocava como um movimento de resistência, e sim de integração. Para
tanto, o autor salienta que uma característica importante da época é que os

59 Segundo Luce (1994:20), o termo sofista deriva, grosso modo, do termo sophos, o qual

significa sábio, perito, experto. Tratar-se-ia, ainda, de homens dotados de especial capacidade
retórica, tendo sua zona de ação inserida nos interesses práticos da sociedade, ou seja,
agiriam sempre com vistas a um conhecimento útil ao homem público.
60 De acordo com Anderson (2005:13), Protágoras de Abdera viveu entre 481 a 420 a.C.;

Górgias de Leontini entre 483 a 376 a.C.; e, por sua vez, Isócrates entre 436 e 338 a.C.
Cap.1 – Entre Histórias e Biografias... 80

principais sofistas, mesmo sendo de descendência grega61, viviam em terras


romanas, e, possuidores da cidadania romana, eram inseridos em meio à
sociedade imperial, desempenhando funções políticas e administrativas. Além
disso, a posição social em que se encontravam, colocava-os, em grande parte
das vezes, em contato direto com os governantes. Nas palavras de Bowersock:
“Para muitos sofistas, cujo conselho foi procurado e cuja companhia foi
agradável, Imperadores encontraram cargos oficiais na corte de Roma e nas
comitivas das Províncias” (BOWERSOCK, 1969, p. 50).
De tal maneira, os sofistas62 passam a agregar novas funções, tendo
também o seu trabalho como educador colocando-se a serviço de fatores
políticos e sociais que determinavam o tom de seus discursos. Tornaram-se
educadores dos estadistas, dos homens políticos, da elite romana.
Dispersaram a cultura helênica em meio à sociedade romana; transformaram
seus ensinamentos de maneira que se encaixassem naqueles da tradição
romana, criando, no Império, a sobrevivência da tradição da hélade e de seus
habitantes.
Os sofistas passaram a desempenhar um papel de destaque em Roma,
integrando-se à sua sociedade, adquirindo prestígio, pupilos e discípulos que
espalhavam nas terras imperiais a fama de seus mestres.
A influência social e política dos sofistas do final da república e
do início do Império pode ser discernida claramente por
qualquer que se importar em olhar; no segundo século, isto
simplesmente não pode ser ignorado, tão visíveis se fazem os
intelectuais e (em muitos casos) os descendentes diretos
daqueles homens de cultura. (BOWERSOCK, 1969, p. 43)

Não se tratava apenas de um movimento de afirmação, mas também de


integração. A Segunda Sofística não deve ser considerada como um fenômeno
único, mas, sim, como um complexo de fenômenos que, em sua multiplicidade,
aderiram a novas características, concepções e moldes. Por conseguinte, trata-
se ainda de perceber que o compromisso dos sofistas pertencentes à Segunda
Sofística baseava-se, essencialmente, no compromisso entre a cultura grega e
61 Salientamos que muitos sofistas pertenciam a províncias romanas e não ao centro político de
poder, Roma. No entanto, muitos se estabeleciam em Roma, desenvolvendo funções
educativas, literárias ou administrativas.
62 O trabalho literário em geral, assim como a Escrita da História, também passou por essas

modificações, transformando-se de acordo com as necessidades da sociedade política em que


se encontravam.
Cap.1 – Entre Histórias e Biografias... 81

o poder romano, o que muitas vezes não eram fatores excludentes, mas sim,
complementares (ANDERSON, 1993, p. 21).
Como já dito, o discurso sofista espalhou-se por todo o território imperial.
A concepção sobre a importância da educação na formação do cidadão, os
conceitos que cercam a criação do homem ideal, assim como outros pontos
chaves de seu discurso podem ser encontrados em obras de diferentes
autores, em diferentes épocas, com distintas intenções. Pode-se encontrar o
pensamento sofista em meio a escritos literários, históricos e até mesmo
biográficos. Esse é o caso de Plutarco de Queronéia, um beociano, possuidor
tanto da cidadania queronense, quanto da ateniense e da romana, escritor de
tratados e de biografias no decorrer dos primeiros séculos imperiais.
A discussão a respeito da inserção de Plutarco na Segunda Sofística é
acirrada e já perdura por muitos anos. Pesquisadores do movimento, tais como
Bowersock (1969, p. 111) e Laurent Pernot (2000, p. 45) defendem que o
beociano, mesmo tendo vivido na época do movimento, não pode ser analisado
como um de seus expoentes. Já para alguns plutarquistas, tais como José
Ribeiro Ferreira (2008, p. 99), Plutarco deve ser analisado através desta ótica,
uma vez que suas obras contêm explicitamente valores sofistas.
Em nossa concepção, faz-se errado analisarmos Plutarco como
propriamente um sofista. No entanto, o autor exprime em sua obra algumas
ideias e valores que permeavam esse movimento, características estas que
estavam presentes em meio às sociedades nas quais o beociano encontrava-
se inserido. Assim, o autor é fruto de uma confluência cultural. Suas obras
exprimem todo esse hibridismo que lhe era intrínseco, assimilam caracteres
tanto da Segunda Sofística, quanto dos ideais platônicos63.
Além disso, seus tratados e biografias, ao contrário de serem analisados
como obras de oposição a Roma, da forma que sugere a ótica de Silva (2006,
p. 259), podem ser vistos como conciliatórios. Plutarco escrevia sobre Roma a
partir da ótica de um habitante do Império e cidadão romano, como muito
salienta a pesquisadora Vanessa Ziegler (2009, p. 59), e é exatamente esse
um dos pontos principais que o aproximam dos princípios sofistas.

63 Abordaremos a seguir tópico sobre esse assunto.


Cap.1 – Entre Histórias e Biografias... 82

Por conseguinte, Plutarco traça, ao escrever suas diversas obras, uma


proposta baseada na virtude política, criando, desta forma, narrativas que
poderiam ser construtivas para seus leitores. Logo, a virtude encontra-se
diretamente relacionada à educação, que, por sua vez, é a responsável pela
formação e pela boa conduta do cidadão e do homem político. Quanto maior a
educação de um governante, melhor será o seu governo. Tais características
têm origens em duas correntes de pensamentos: os platônicos e os defendidos
pela Segunda Sofística, e ambos encontram-se refletidos nas obras
plutarqueanas.
Assim, Plutarco demonstra ser um homem de seu tempo. Apesar de não
podermos nomeá-lo como um sofista, seus escritos refletem os ideais deste
movimento, tanto em seus tratados políticos e educacionais, quanto em suas
biografias, onde se preocupava em analisar as vidas e feitos de homens gregos
e romanos em destaque perante as suas sociedades e que podiam servir de
exemplo na formação de bons cidadãos e governantes.
A partir do exemplo plutarqueano, podemos notar como a Segunda
Sofística perpetuou-se na sociedade greco-romana, alastrando-se por
diferentes campos do saber, infiltrando-se em diferentes gêneros de escrita,
dentre estes, a biografia.

As Biografias Comparadas

As obras plutarqueanas foram de grande repercussão, tanto em sua


época, quanto em épocas posteriores, transformando-se em modelos para
escritores e estilos literários. A sua produção literária atinge a considerável
soma de duzentos e cinquenta obras, tendo, entre estas, escritos de cunho
filosófico moral, político e biográfico.
Não sabemos ao certo as datas em que o autor greco-romano escreveu,
pois ele não datava seus escritos. Através dos documentos que cita, dos
relatos dos quais faz uso e dos personagens que biografa, podemos, de certa
forma, determinar um período, uma época em que estaria inserida sua
produção. Além disso, a dedicatória de algumas de suas biografias a Q. Sosío
Cap.1 – Entre Histórias e Biografias... 83

Senecião64 é um indicador importante sobre a data de escrita, ou pelo menos


de publicação, das Vidas Paralelas.
Segundo Bernadotte Perrin (1967, p. IX), os escritos sobre diversos
assuntos, que nos tempos modernos encontram-se reunidos em uma só obra,
foram elaborados ao longo de sua vida. Provavelmente, Plutarco iniciou sua
carreira de escritor ainda em sua juventude, quando estudava na Grécia.
Estes estudos abarcavam desde assuntos filosóficos, sobre a moral, as
virtudes e a educação, até discussões sobre o casamento, política e religião.
Eles expressam, basicamente, as visões plutarqueanas sobre este assunto,
além de ensinamentos de conduta e de expressões passadas pelo autor
através de exemplos, como podemos observar no fragmento a seguir: “Pois
bem, atentemos ao que há a dizer sobre a educação das crianças de condição
livre e a quem se poderá recorrer para torná-las virtuosas” (PLUTARCO, Da
Educação das Crianças, I).”
Para Simon Swain (1999, p. 102), o período em que Plutarco mais
produziu condizia com seu sacerdócio, ou seja, a partir dos seus cinquenta
anos. Foi também nesta época, em que seus escritos adquiriram maior fama
dentro das sociedades grega e romana. Em ocasião de sua morte, a fama de
Plutarco como escritor já estava bem propagada nas sociedades por onde
passou.
Ainda, de acordo com o pesquisador supracitado, esses escritos
plutarqueanos poderiam chegar ao redor de trezentos textos, criados
separadamente, porém apresentando, na maioria das vezes, caráter
moralizante e educador.
As Vidas Paralelas aparentam ser uma composição mais tardia de
Plutarco, o qual, provavelmente dedicou-se à escrita destas biografias nos seus
anos finais. (JONES, 1967, p. 205). A referida obra é composta de cinquenta
biografias comparadas de militares, legisladores e governantes gregos e
romanos, todos personagens que se destacaram na sua própria sociedade.

64Este foi um romano de destaque, influente dentro da sociedade romana do século II d.C..
Ocupou cargos políticos e administrativos importantes durante o Principado, chegando ao
cargo de conselheiro de Trajano. Segundo a historiografia sobre o período, tais como Perrin
(1967) e Bucley (1999), Plutarco fez parte do círculo de amizades de Senecião.
Cap.1 – Entre Histórias e Biografias... 84

As biografias são estruturadas da seguinte forma: inicialmente, a


biografia de um grego seguida pela de um romano e, finalmente, uma breve
comparação entre ambos. Dentro desta comparação, o escritor grego
preocupava-se em confrontar e, até mesmo, em equiparar os feitos e valores
dos homens romanos e gregos, emitindo suas próprias concepções. Como cita
Carmem Soares:

Obras de confesso valor pedagógico e moral, as Vidas de


Plutarco oferecem, quase em exclusivo, retratos de grandes
nomes da história grega e da romana. Estas figuras, recheadas
de virtudes, mas não isentas de defeitos, são heróis que
cumprem uma missão educativa plena (SOARES, 1998, p. 51)

Toda a produção plutarqueana é permeada pelas concepções filosóficas


de origens platônicas. Como demonstra Nicholas Geoffrey Hammond (1993, p.
50), o nome de Platão é citado quase setecentas vezes em meio às palavras
de Plutarco. Em tais passagens, é possível notar que o beócio revela suas
impressões sobre a filosofia de Platão em detrimentos da vida do filósofo.
Logo, tal fato revela que a vida privada de suas fontes somente interessa ao
escritor beócio quando um acontecimento em particular modifica as ações do
personagem, alterando inclusive sua atuação em meio ao espaço público.
Observa-se, desta maneira, uma concepção que, representativa de
características dos ideais da Segunda Sofística e dos pensamentos platônicos,
origina-se na Paideia de Plutarco. O conceito de Paideia, originalmente,
caracteriza o processo de educação em sua verdadeira forma, forma esta
natural e genuinamente humana. Para Carvalho (2010, p. 25), desde os
tempos de Platão, alguns homens têm estado conscientes do papel da
educação, ou seja, da Paideia, na preparação de homens para desempenhar
suas funções públicas e privadas. Esta concepção reflete-se nos escritos de
diversos autores, de épocas e sociedades distintas.
Plutarco possui seu próprio conceito de Paideia, o qual demonstra,
principalmente, no decorrer das biografias que escreve. Para ele, a educação
na formação de homens virtuosos é a melhor maneira de se instituir uma
relação balanceada entre governados e governantes.
Cap.1 – Entre Histórias e Biografias... 85

Nos pares que analisa, o beócio observa a discrepância entre o


pensamento e as atitudes de seus biografados, suas qualidades e defeitos.
Como mostra José Ribeiro Ferreira:

Este conjunto de qualidades — ora de índole militar, ora de


índole mais intelectual – pode ser agrupado em quatro virtudes
principais, tanto para as Vidas como para os Moralia: coragem
(andreia), inteligência (phronesis), justiça (dikaiosyne) e
autodomínio (sophrosyne). (FERREIRA, 1998: 98).

Essas virtudes comporiam os homens e seu balanceamento,


classificando-os como homens virtuosos ou não. Os personagens biografados
são utilizados como meio educativos, como exemplos a serem seguidos ou
não.
Ao comparar gregos e romanos, Plutarco demonstra todo o hibridismo
cultural que lhe é intrínseco. Apesar de viver sob uma supremacia política
romana presente não só em sua cidade, Queroneia, como também em outras
regiões geográficas, o beócio não se esquece de sua descendência com a
Hélade. Assim, em meio a Vidas, tenta demonstrar que para cada romano
virtuoso, há um grego com os mesmos valores. Sua escrita não demonstra um
mundo grego, nem um mundo romano, mas um hibridismo entre ambos. Uma
junção política, cultural, econômica, social e religiosa, onde gregos aprenderam
com romanos e, por sua vez, romanos foram educados por gregos.
Por essa característica, a obra plutarqueana é muito estudada
atualmente. Ela demonstra que nem sempre a colonização é excludente,
podendo também ser vista como integradora. Os ideais gregos e romanos
fundiram-se, passando a atuar tanto do lado do governante quanto do
governado. Logo, não podemos enxergar os escritos plutarqueanos apenas
sobre a ótica de exaltação dos valores gregos em detrimento dos romanos. O
autor expressa a utilidade da tradição cultural grega para o fortalecimento
político do Império romano. Com esta intenção, ele dialoga constantemente
com a história do povo grego e romano, seus heróis e seus feitos, não só para
exaltá-los, mas também para demonstrar seus erros, criticar suas ações,
apontar as falhas de suas empresas e governos.
Cap.1 – Entre Histórias e Biografias... 86

Plutarco Através do Tempo

Assim como acontece com grande parte das obras antigas, as palavras
de Plutarco não nos chegaram completas. Em nossas pesquisas, com apoio da
historiografia consultada, encontramos citações de vinte e uma obras
plutarqueanas completas, além de inúmeros fragmentos.
A primeira ordenação das obras plutarqueanas, após as suas
concepções, é de autoria de Lâmprias, o qual as organizou em um catálogo,
classificação esta que utilizamos atualmente. Não sabemos ao certo o
parentesco de Lâmprias com Plutarco. Para certos historiadores, tais como
Jones (1967, p. 207), este teria sido filho de Plutarco. Para Moses Hadas
(1950, p. 132), Lâmprias seria o neto de Plutarco, suposição que se faz mais
provável, em nossa concepção, devido à data de ordenação das obras.
Em finais do século XIII, o manuscrito do catálogo de Lâmprias foi
reencontrado pelo teólogo e gramático Máximo Planudes65. As obras completas
foram divididas em alguns volumes, dos quais os mais conhecidos estão
intitulados: Vidas Paralelas, Obras Morais e de Costumes (também conhecido
pelo título de Moralia), Da Educação das Crianças e Ísis e Osíris. A cunhagem
do título Obras Morais e de Costumes é de responsabilidade do monge
bizantino Máximo Planudes, o qual dividiu os escritos filosóficos, morais,
religiosos e de costumes das biografias66.
A primeira tradução das biografias escritas por Plutarco para a língua
moderna foi realizada por Juan Fernández de Heredia entre os anos de 1379 e
1384, em aragonês. Várias traduções parciais foram realizadas no intervalo de
tempo entre esta tradução completa e a segunda, realizada por Jacques
Amyot, na língua francesa, no ano de 1559. Foi esta tradução que impulsionou
a difusão da obra de Plutarco, uma vez que Amyot evidenciou a forma
biográfica plutarqueana.

65 Máximo Planudes nasceu por volta de 1260, falecendo por volta de 1330. Ele nasceu em

Nicomédia, na Bitínia, mas a maior parte de sua vida foi passada em Constantinopla, onde,
como um monge, dedicou-se ao estudo e ao ensino. Ao entrar para o monastério, mudou seu
nome original de Manuel para Máximo Planudes. Escreveu numerosas obras, ficando também
conhecido pelas traduções e edições de clássicos gregos, tais como os escritos plutarqueanos.
66 Utilizamos aqui a mesma ordenação empregada por Bernadotte Perrin (1967) em sua obra, a

qual segue a primeira ordenação realizada por Lâmprias e enumera, inclusive, as obras
perdidas e os fragmentos.
Cap.1 – Entre Histórias e Biografias... 87

A tradução para o inglês só foi realizada no ano de 1579 por Sir Thomas
North. De acordo com John Roe (2004, p. 173), foi esta tradução que chegou
ao conhecimento de William Shakespeare que a usando, escreveu várias
peças teatrais, dentre estas Antônio e Cleópatra67. A difusão das obras
shakesperianas, de acordo com Charles e Michelle Martindale (2005, p. 22),
fez com que os relatos de Plutarco fossem ainda mais divulgados, atingindo
novos territórios e novos leitores.
Verificamos que um grande número de estudos a respeito das obras de
Plutarco aparecem em uma época específica da História, o Renascimento ou
Renascença, período na história do mundo ocidental com um movimento
cultural marcante na Europa, considerado como um marco de transição entre a
Idade Média e a Idade Moderna. Começou no século XIV, na Itália, e difundiu-
se pela Europa no decorrer dos séculos XV e XVI.
O pensamento renascentista associou-se ao Humanismo, ocasionando
um interesse cada vez maior dos eruditos europeus pelos escritos clássicos em
latim ou grego, notando-se, por conseguinte neste mesmo momento, um
estudo mais profundo dos escritos plutarqueanos. Tal característica é
retomada, tempos mais tarde, pela tendência neoclassicista do século XVII e
início do século XVIII, onde Plutarco aparece como um dos representante da
literatura greco-romana. Segundo Rita Marnoto (2008, p. 11), a obra do
Educador da Europa, como Plutarco ficou conhecido, teve uma vasta
divulgação na Itália a partir do século XIV, perpassando por vários séculos,
sendo assimilida por inúmeras sociedades, como salienta José Ribeiro
Ferreira:

Alude-se sucintamente ao fascínio que a Grécia e Roma


exerceram sobre a maioria dos revolucionários franceses e, em
seguida, analisa-se a importância que atribuíam ao que
chamavam a virtude republicana. Os traços essenciais dessa
virtude encontraram-nos predominantemente na atuação dos
grandes homens da Grécia e de Roma biografados por
Plutarco, um autor que deve ter exercido papel importante na
formação do espírito dos homens da Revolução. (FERREIRA,
2008, p. 57)

67 A referida obra foi produzida no ano de 1607.


Cap.1 – Entre Histórias e Biografias... 88

Sendo assim, é interessante destacarmos que suas obras percorriam


inúmeros domínios e incorporavam diversas facetas, de acordo com as
necessidades das sucessivas épocas culturais da história, principalmente as
das sociedades europeias. Encontramos seus resquiícios nos pensamento
expressados por Erasmus de Rotherdam, Montaigne, Rousseau, Napoleão
Bonaparte e até mesmo em Oliveira Martins (FERREIRA; MARNOTO;
PINHEIRO, 2008, Prefácio). Tornaram-se modelos políticos, sociais, morais,
educacionais e literários, influenciando épocas, pessoas e sociedades distintas.
Atualmente, Plutarco é extensivamente pesquisado. Suas obras são
analisadas a partir de perspectivas diferentes, com objetos e objetivos distintos.
Novas concepções sobre este autor e sua extensa produção são formadas. No
âmbito destas, pretendemos inserir nossa pesquisa. Sobre esse autor e
algumas de suas biografias, pretendemos identificar quão profunda era sua
ligação com os ideais imperiais de sua época. Para nós, a obra de Plutarco
pode ser vista como uma tentativa de legitimar o sistema político do Principado
romano, sobre qual o autor vivia e exercia suas funções.

Suetônio e Suas Obras

Suetônio escreveu uma vasta gama de obras sobre assuntos


diversificados, dentre eles a linguística, as representações teatrais, os jogos
gregos e romanos, os problemas de vestuário, o calendário romano, e as vidas
de homens romanos, políticos e escritores ilustres. De alguns de seus escritos,
apenas fragmentos nos chegaram. De outros, possuímos as obras completas,
ricas em detalhes, alusões e anedotas explicativas.
Ao abordar tantos assuntos, de contextos e perspectivas diferentes,
notamos que se trata de um estudioso de grande escala, que realizou
pesquisas e buscou por informações em meio a documentos diversificados, até
mesmo secretos. Para isso, usufruiu de sua posição dentro da sociedade
imperial. Ao trabalhar como administrador de bibliotecas e como ab epistulis68,
teve contato direto com obras, relatos e correspondências imperiais, oficiais ou
não, que proporcionavam a base de seus escritos e que não estavam à

68 Sobre isso, trataremos no capítulo seguinte.


Cap.1 – Entre Histórias e Biografias... 89

disposição de todos os interessados. Por conseguinte, a carreira administrativa


imperial de Suetônio significou uma forma de familiarização com uma das faces
do Império, o que é espelhado em suas obras.
Exatamente por tais características presentes na vida do autor, as obras
suetonianas, principalmente as biografias, estão repletas de pequenos detalhes
e certas informações que não encontramos em outros autores de seu tempo.
Este autor difere, de certo modo, de outros escritores de sua época, inclusive
daqueles que aqui analisamos. Suas biografias imperiais são repletas de
detalhes das vidas particulares dos personagens, detalhes estes que podem ter
sido adquiridos através da documentação com a qual Suetônio tem contato no
decorrer de sua vida, tais como as cartas pessoais dos imperadores e de seus
familiares.
Ao trabalharmos com as biografias imperiais, analisaremos as do Divino
Júlio e do Divino Augusto. Por não existir uma específica de Marco Antônio, os
testemunhos sobre tal personagem serão retirados de forma indireta, a partir
das referências existentes nos outros dois escritos. Assim, comporemos parte
de nossos objetivos: a análise da construção imagética de Augusto na obra
suetoniana em torno das diferenças e semelhanças como Júlio César e Marco
Antônio.
Suetônio não escreveu apenas biografias de doze imperadores.
Possuímos informações sobre algumas outras obras, além das biografias, de
autoria de Suetônio, tendo sido escritas em períodos distintos de sua vida.
Muitas estão em fragmentos, de outras possuímos apenas o catálogo de
títulos, como é o caso de sua publicação nomeada por Pratum, obra
suetoniana que está perdida. Como mostra Antônio Mendonça:

Lamenta-se que entre o que se perdeu da obra de Suetônio


esteja Pratum (ou Prata), vasto repertório de erudição
enciclopédica, que na trilha de Varrão e de Plínio, o Velho,
procurava fazer o inventário de várias províncias do saber, bem
ao gosto da época. (MENDONÇA, 2007: 12)

Nesta obra, denominada por muitos estudiosos como detentora de um


caráter enciclopedista, estariam contidos estudos que abordariam diversos
assuntos. De acordo com Benabou (1975, p. 13), dentre estes, estariam:
Cap.1 – Entre Histórias e Biografias... 90

1) Um tratado sobre os reis de regiões orientais;


2) Um tratado sobre magistraturas e cargos imperiais69;
3) Alguns tratados consagrados a diferentes pontos da história natural;
4) Um estudo sobre os sinais de abreviação;
5) Uma defesa Da República de Cícero;
6) Um estudo consagrado aos costumes dos Romanos;
7) Um estudo sobre as expressões de insultos;
8) Alguns outros estudos sobre os as vestimentas e os hábitos romanos;
9) Alguns escritos sobre as cortesãs romanas mais célebres;
10) Um estudo sobre o corpo e algumas de suas anomalias;
11) Vários escritos sobre os problemas gramaticais da escrita latina;
12) Um tratado sobre os jogos;
13) Um tratado sobre as representações teatrais;
14) Um tratado sobre o calendário e as questões do tempo romano;

Em nossa visão, tais escritos demonstram a grande erudição


suetoniana, que discorre acerca de vários assuntos e temas próprios de sua
sociedade. Os resquícios dessa erudição também podemos encontrar em suas
biografias onde, em meio a análise das vidas dos imperadores, Suetônio deixa
a entrever os temas que abordou em meio a seus tratados, tais como os jogos,
o calendário romano e os defeitos físicos. Nas Vidas dos Césares, há uma
profusão de informações sobre espetáculos correlacionados com a
administração. No decorrer de suas biografias, inúmeras são as descrições
acerca dos jogos e espetáculos proporcionados pelos imperadores. Sua
grandiosidade, sua suntuosidade e o número de dias que estes duraram
também são profundamente ressaltados. Para nós, também através dos jogos
e espetáculos e do proporcionamento destes, Suetônio tenta mostrar o caráter
dos biografados. Estes eventos permitem ao autor avaliar se o imperador é
liberal ou mesquinho, se é excessivo ou disciplinado com as finanças de Roma.

69 Para este autor, este tratado deveria ter sido escrito em razão das reformas institucionais
introduzidas pelo Imperador Adriano na administração imperial. Isso, em nossa visão, coloca a
datação desta obra entre 117 e 122 d.C., período do governo de Adriano em que ainda
podemos encontrar referências das funções desempenhadas por Suetônio no meio imperial.
Cap.1 – Entre Histórias e Biografias... 91

Além disso, permite perceber se o imperador manifesta o respeito pela tradição


romana ou se se deixa levar por questões imorais, tais como a presença de
nobres na arena70.
Sobre estas questões, também encontramos inúmeras alusões, em o
Divino Júlio, na reforma que este realizou no calendário romano e nas
mudanças ocorridas, tanto no período de Júlio César, quanto no governo de
Augusto, nos nomes dos meses do ano. Esta se constitui em mais uma
evidência de que o autor romano fez uso de seus escritos diversos, reunidos na
obra Patrum, para elaborar suas biografias sobre os Césares.
Outra obra de valoroso caráter histórico, escrita, provavelmente, na
transição do primeiro para o segundo século de nossa era71, é a De Viris
Illustribus e que trata da vida de poetas, historiadores, oradores, filósofos e
professores de gramática e retórica, todos personagens romanos de destaque.
Inicialmente, teria sido lançada por fascículos, os quais estariam divididos em:
De Gramaticis Et Rhetoribus (DGR), De Poetis, De Historicis, De Oratoribus,
De Philosophis. Segundo Ettore Paratore (1987, p. 110), estes estudos
publicados, em um período posterior, ainda durante a vida de Suetônio, teriam
sido reunidos em um único volume nomeado De Viris Illustribus.
Desta obra, pouco chegou aos dias de hoje. Estipula-se que esta seria
composta de cerca de cem biografias variadas, das quais nos restam algumas
descrições das vidas de gramáticos e retóricos, e parte das narrações que,
anteriormente, comporiam De Poetis. De acordo com James Zetzel: “O texto
está mal preservado, e também é incompleto: de dezesseis professores de
retórica uma vez incluídos, as vidas de apenas cinco nos restam (...) eles
preservam anedotas envolvendo figuras políticas e literárias dos primeiros
séculos a.C. e d.C.” ( ZETZEL, 1997, p. 475).
Estes resquícios foram descobertos no século XV, em meio ao códice de
Hersfeld, o qual também possuía em seu cerne obras menores de autoria de
Tácito. Sua sobrevivência dependeu das cópias posteriores, as quais
perduraram por épocas. Como nas obras de Veléio e de Plutarco, as novas
compilações e publicações apresentam modificações, inserções e críticas

70 Suetônio cita este aspecto, por exemplo, nas vidas de Calígula e Nero.
71 Esta teria sido a primeira obra publicada por Suetônio, durante o governo de Trajano.
Cap.1 – Entre Histórias e Biografias... 92

realizadas pelos inúmeros estudiosos e editores. No entanto, apesar das partes


ausentes e de suas alterações, a importância destes textos está nas descrições
das origens da retórica romana e das vidas de seus principais expoentes,
educadores romanos. Porém, o interesse do autor não seria a história interna
de seus personagens, mas sim a externa, a qual abarcaria os diversos
contextos sociais e políticos, ampliando o panorama sobre a educação em
Roma.
Apesar do destaque que essas obras suetonianas adquirem através dos
séculos, nada se compara à atenção voltada para a produção tardia de
Suetônio: as biografias imperiais.

As Biografias Imperiais: “As Vidas dos Doze Césares”

As Vidas dos Doze Césares é caracterizada de diversas maneiras. Ora é


vista como literatura, ora como história. Muitas vezes é descrita como fictícia,
alusória e anedótica. Em outras, é considerada como uma biografia histórica,
repleta de dados e informações sobre o período em que foi escrita.
Tal aspecto de sua obra se dá, conforme já ressaltamos no início deste
capítulo, modificando-se de acordo com o período em que se insere. Durante o
Principado Romano, o centro do poder político muda, passando a centrar-se no
Princeps, o que faz com que a análise biográfica, mude, de certa forma,
também seu foco, passando a relatar de forma mais extensa o governante, o
indivíduo, sua vida, seus atos e ações. Logo, através das vidas dos
governantes, a biografia passou a narrar a trajetória política, militar e social de
uma sociedade. Como já salientamos no decorrer deste capítulo, o gênero
biográfico, tanto em Roma quanto em outras sociedades, apresenta
características próprias. Constatamos que, ao longo da história da biografia,
existem modelos diferentes. O gênero foi-se apropriando às necessidades dos
tempos e aos objetivos dos diversos autores. Ao se tratar especificamente de
Roma, este gênero de escrita possui certa tradição, contudo, ao mesmo tempo,
oferece uma variedade de modelos e métodos que variam de acordo com o
período e com a visão e os objetivos propostos pelo biógrafo. Este seria o caso
de Suetônio.
Cap.1 – Entre Histórias e Biografias... 93

Para Benabou (1975, p. 14), o gênero e o tema escolhido por Suetônio


ao escrever suas biografias sobre imperadores são frutos diretos das
condições políticas e literárias de sua época, ou seja, do governo de Trajano e
Adriano. Em suas palavras: “O momento é bastante favorável para se fazer
uma análise retrospectiva, serena e documentada, dos predecessores da
dinastia antonina.” (1975, p. 15). Suetônio, funcionário próximo ao Imperador e
detentor de um caráter erudito, ter-se-ia lançado a este trabalhando,
construindo, dessa forma, suas biografias imperiais. Contudo, estes escritos
biográficos denotariam certas particularidades, caracteres estes que, de acordo
com Parattore (1987, p. 45), foram fundamentais para sua elaboração e futura
consagração.
De Vita Caesarum, também conhecida como As Vidas dos Doze
Césares, originalmente, é constituída por oito livros, como mostra o fragmento
abaixo:

As Vidas dos Césares foram publicadas em oito volumes. Cada


um dos seis primeiros contém a vida de cada um dos
governantes desde Júlio César até Nero, o sétimo volume
contém três imperadores de 69 d.C., e o oitavo cobre os três
imperadores flavianos. (MELLOR, 2002, p. 148)

A obra suetoniana inicia-se com Júlio César, passando por Augusto,


Tibério, Calígula, Claúdio, Nero, adentrando o ano dos Quatro Imperadores
(Galba, Otho, Vitélio e Vespasiano), culminando nas descrições de Tito, e
Domiciano. Nesta coletânea biográfica, por assim dizer, não é possível
perceber uma biografia isolada, mas sim inúmeras biografias que se interligam
através da sucessão imperial e de acontecimentos que conectam os
imperadores. Em nossa visão, não se trata de biografias que legitimam apenas
a figura de um imperador, mas sim de todo o sistema político do Principado
Romano.
Para José Luiz Lopes Brandão (2009, p. 20), Suetônio incorporaria em
suas biografias tanto as tradições biográficas gregas e romanas, quanto a
influência de outros movimentos presentes em seu período, tais como os
presentes na biografia peripatética e no estoicismo. Com essa visão, concorda
a pesquisadora Andrea Rossi (1996, p. 29), a qual nos diz que o estoicismo
está muito presente nas criações biográficas suetonianas, principalmente nas
Cap.1 – Entre Histórias e Biografias... 94

questões sobre as características que comporiam um bom governante, tais


como suas virtudes. Ainda de acordo com essa pesquisadora, faz-se nítida, em
meio às biografias suetonianas, a preocupação com o caráter do biografado.
Por este motivo, suas ações políticas, sociais, públicas e privadas são descritas
de forma pormenorizada, sempre procurando ressaltar seu caráter, sua moral,
suas virtudes e suas falhas (1996, p. 30). Benabou, por sua vez, também
concorda com estes apontamentos quando destaca que Suetônio, seguindo
caracteres da tradição peripatética72, preocupava-se em abordar os
imperadores como homens possuidores de virtudes, mas também de vícios,
apontando, por conseguinte, suas virtudes e suas falhas, seus acertos e seus
erros.
Contudo, a inovação suetoniana, para além de estar centrada apenas
nas influências em sua escrita, também estaria alocada no conteúdo descrito
pelo autor e nos documentos de que este faz uso para compor seus relatos.
Em seus escritos, podemos encontrar inúmeras referências sobre suas fontes.

A Documentação Utilizada por Suetônio

Em meio aos seus escritos, Suetônio menciona, ocasionalmente, alguns


documentos de que faz uso para basear os acontecimentos que relata. Muitos,
atualmente, não nos são conhecidos ou até conhecemos, por meio de citações
de outros autores, porém eles não duraram até os dias de hoje, como é o caso
dos escritos de Asínio Políão. De acordo com Mendonça (2007, p. 88), Polião
foi uma pessoa de multifária atividade, sendo militar, político, literato, promotor
cultural com a criação de bibliotecas e da instituição das recitationes. Segundo
obras de historiadores antigos, esse homem teria lutado ao lado de César
durante a Guerra nas Gálias, sendo, assim, testemunha ocular de muitos
acontecimentos que narra posteriormente. Segundo Horácio (Odes II, 1), as
Histórias de Asínio Polião, compostas por volta de 27 – 25 a.C., partiam do
consulado de Quinto Cecílio Metelo Céler (60 a.C.), ano também conhecido por
ser o do Primeiro Triunvirato. Atualmente, de sua autoria, só possuímos três

72Segundo Régis Martin (1996, p. 43), a biografia peripatética estava voltada para a análise do
caráter e da personalidade do biografado, ressaltando seus pontos negativos e positivos.
Cap.1 – Entre Histórias e Biografias... 95

cartas enviadas a Cícero (Familiares X, 31-33), já que suas Histórias


encontram-se perdidas. Contudo, tanto em Suetônio quanto também em
Plutarco, encontramos inúmeras referências sobre estes escritos, o que nos
mostra que, no período em que estes escritores criaram suas obras, ainda se
faziam presentes em meio à sociedade romana, como podemos notar no
trecho a seguir: “Asínio Polião é de parecer que os apontamentos foram
redigidos com pouco rigor e pouco respeito à verdade total(...)” ( SUETÔNIO, O
Divino Júlio LVI, 4).
Suetônio, em meio a seus escritos, também menciona outros
documentos que teria utilizado na composição de seus relatos, dentre estes as
Atas do Senado (O Divino Augusto XCIII, 3) e Cremúcio (O Divino Tibério LX,
3), escritor do final do século I a.C. e início do I d.C., possível criador de Anais,
que igualmente não nos chegaram aos dias de hoje.
Durante toda a biografia suetoniana de César podemos encontrar
também inúmeras citações às obras de autoria de Cícero (O Divino Júlio LVI,
2), além das de autoria do próprio César (O Divino Júlio LVI, 1; LX,2).
Inscrições e obras arquitetônicas também aparecem ressalvadas nos
escritos suetonianos, principalmente quando este recorre a estas para destacar
algum ponto da vida do biografado. Quanto a este aspecto, podemos notar
tanto quando o autor relata o local de nascimento de Augusto (O Divino
Augusto XCIII,1) como quando ele descreve a arquitetura da coluna erguida em
homenagem a César (O Divino Júlio LXXXIV, 3).
No entanto, em nossa opinião, a inovação suetoniana está na
incorporação de documentos com os quais outros autores do mesmo período
não tiveram contato: as inúmeras epístolas pessoais imperiais. A partir do
desempenho de suas funções como ab epistulis, Suetônio teve contato com
cartas de imperadores, além daquelas de pessoas de seu círculo familiar,
pessoal e administrativo. Tais documentos aparecem em todo momento no
decorrer de suas biografias, o que lhe denotam um caráter particular e
distintivo, uma vez que se trata de informações privadas e, por muitas vezes,
inacessíveis para outros autores. A descrição de tais informações atribui ao
autor e às suas obras um caráter peculiar, uma vez que:
Cap.1 – Entre Histórias e Biografias... 96

Do palácio, o Princeps administra o Império, e Suetônio nos


fornece detalhes preciosos do funcionamento desta
administração, a qual ele descreve como um profundo
conhecedor (...). É certo que encontraremos nele uma
abundância de anedotas impiedosas relativas à vida íntima de
seus personagens, principalmente dos imperadores, mesmo
daqueles que Suetônio sempre respeitou. (BENABOU, 1975, p.
20)

Para nós, além dessa característica suetoniana interligar-se diretamente


com as funções que o autor desempenhou no meio imperial, ela está
diretamente relacionada às concepções do próprio autor, as quais estão
imbuídas do pensamento estóico e peripatético. Assim, ao tratar de aspectos
privados das vidas dos biografados, Suetônio, tentaria compor as suas virtudes
e os seus vícios, tanto no âmbito público quanto naquele considerado privado.

Os Doze Césares: Edições e Repercussões

Não sabemos ao certo a data em que as biografias dos imperadores


foram redigidas. Pesquisadores de diversos períodos como Meyer Reinhold
(1933, p. 173), Syme (1981, p. 117) e Hugh Lindsey (1994, p. 464) atribuem
essa criação ao período em que Suetônio desempenhava a função de ab
epistulis, ou seja, em meio ao Principado de Adriano. Uma confirmação para
tais alegações estaria na dedicação de algumas das biografias a Septicio
Claro, Prefeito da Guarda Pretoriana. Ora, Septicio ficou a cargo desta posição
no período de 119 a 122 d.C., o que insere neste mesmo arco cronológico a
escrita da obra suetoniana, produzida, é curioso notar, em um curto período de
tempo. Para pesquisadores como Wallace-Hadrill (1995, p. 07), Suetônio
deveria contar com cerca de cinquenta anos, tendo já se estabelecido como
uma figura pública e como um autor reconhecido, já com a alcunha de biógrafo,
uma vez que a obra De Viris Illustribus já fora lançada.
Das obras relegadas à humanidade por Suetônio, esta é a que se
encontra mais preservada. O texto que hoje possuímos provém, basicamente,
de um manuscrito custodiado na biblioteca da abadia de Fulda73, na Alemanha.
Segundo G. Conte (1994, p. 37), a primeira menção desde Códice foi feita em
meados do século IX, quando Servatus Lupus solicitou, através de uma carta, o

73 Fulda é um distrito da Alemanha, na região administrativa de Kassel, estado de Hessen.


Cap.1 – Entre Histórias e Biografias... 97

envio da obra em questão. Lupus viveu durante a época Carolíngia, ocupando,


neste período, a abadia de Ferrière. O beneditino ficou amplamente conhecido
por suas obras de cunho teológico e pelo ávido interesse pelos clássicos
antigos, tais como aqueles de autoria de Cícero e Suetônio. As cópias dos
manuscritos com que teve contato foram vastamente divulgadas, tornando-o,
desta forma, um dos principais responsáveis pela difusão do De Vita Caesarum
no decorrer dos séculos seguintes.
É com uma destas que contamos atualmente, a qual foi encontrada por
Henri Mesmes no século XVI em meios aos arquivos do Monastério de San
Martins de Tours. Nomeado em homenagem ao seu descobridor, o Códice
Memmianus apresenta-se dividido em oito livros, com a ausência da
dedicatória a Septicio Claro e das páginas iniciais da vida de Júlio César.
Assim como aconteceu com as obras de Veléio e Plutarco, no passar dos anos,
com as progressivas compilações, a obra suetoniana passou por reduções,
ampliações e correções de inúmeros editores e pesquisadores, características
notadas no decorrer dos diversos exemplares existentes na sociedade atual.
A partir de meados do século XX, pode-se notar certa proliferação dos
estudos acerca de A Vida dos Doze Césares. Pesquisadores de todas as
partes do globo terrestre passaram a analisar as características da obra, o
estilo da escrita suetoniana, os aspectos históricos contidos nas linhas
biográficas, além das concepções do autor e de sua época presentes como
pano de fundo na narração das vidas dos Imperadores. As biografias passaram
a ser vistas a partir de novos olhares, novas tramas. Os historiadores passaram
a buscar por novos objetos de estudos, partindo, em vários momentos, de
inúmeras perspectivas. Para além de biografias, os escritos suetonianos
receberam o título de históricos, deixando assim, suas pegadas nas areias
transitórias da História.
Diante do exposto, reforçamos o intuito de analisar a construção das
imagens discursivas sobre o Imperador Augusto nas obras de Veléio, Floro,
Plutarco, Suetônio e Dión Cassio. Analisando suas construções como reflexos
de seus próprios tempos, no capítulo seguinte, discorreremos acerca dos
contextos políticos, sociais e culturais de cada autor, inserindo-os em suas
Cap.1 – Entre Histórias e Biografias... 98

sociedades, destacando as posições que estes ocuparam e como estas


direcionaram seus relatos.
CAPÍTULO II

“Todas as culturas estão envolvidas entre si, nenhuma delas é


única e pura, todas são híbridas, heterogêneas.”
Edward W. Said
Cap.2. Entre Textos e os Contextos ....100

2. Entre os Textos e os Contextos: As Vidas e Sociedades de Nossos Autores

Romanos.

Considerações preliminares

Não existe um texto sem contexto, nem um pensamento sem um autor.

Sempre há uma linha de pensamento por trás de tudo que se é dito, escrito ou

meramente sonhado. Trata-se do que conhecemos como contexto cultural e político,

que vem a ser o conjunto de ideias, valores, costumes e práticas que dão significado

a algo que nele está inserido. De um lado, encontramos uma produção intelectual,

onde estão alocadas as ideologias, as atitudes, as manifestações. Essa produção,

de acordo com José Ferrater Mora (2000, p. 567), desemboca em ações concretas,

práticas realizadas pela sociedade. Tais práticas manisfestam-se em obras, públicas

ou não, na religião, no comportamento, na educação, na política e na economia. Ou

seja, no meio social como um todo.

O mesmo acontece com as obras dos escritores antigos. Elas não estão

dissociadas de tudo o mais. Foram pensadas, elaboradas e escritas dentro de uma

sociedade especifíca, com ideais e práticas, dentro de um contexto cultural e político

próprios. Sendo assim, os escritos expressam para além das concepções de seus

autores, as ideias e ideologias de seu tempo, da época e do meio social em que

foram produzidos. Sempre há uma razão que impulsiona a escrita do texto antigo. O

autor pode ter se sentido motivado, contratado ou até mesmo obrigado a produzir

um texto com características particulares que ressaltassem certas partes da História

em detrimento de outras.
Cap.2. Entre Textos e os Contextos ....101

As obras de Veléio, Plutarco, Suetônio, Floro e Dión Cássio não são

diferentes nesse quesito. Expressam, em seu pano de fundo, as concepções

presentes em suas épocas, nas sociedades de seus criadores. Logo, pode-se dizer

que a escrita da História é realizada a partir de reconstruções feitas pelos

historiadores e/ou escritores, os quais tomam de início as suas próprias

interpretações dos fatos que relatam.

Portanto, para compreendermos as obras de nossos autores selecionados,

faz-se necessário que entendamos suas sociedades, suas características e as

principais ideias presentes nelas. Também, é importante que compreendamos quem

foi cada autor, suas respectivas vidas, suas histórias. É com o auxílio do contexto,

retirados das informações que os prórios autores nos relegam em seus escritos, que

conseguimos entender com plenitude o significado presente na documentação.

Veléio Patérculo e sua “História Romana”

O que sabemos da vida deste personagem romano é pouco. Os seus dados

biográficos são escassos e dificilmente permitem que façamos uma ampla análise

de sua vida e de seus feitos. No entanto, a dificuldade presente nesta parte da

pesquisa histórica não é suficiente para nos reduzir ao mortífero silêncio. Como o

próprio Grimal (1992, p. 01) nos mostra, se não é possível adquirir dados sobre o

autor através de testemunhos e documentos de sua época, restam-nos seus

próprios testemunhos que estão contidos dentro de sua obra, a qual representa e

exprime a história própria de um pensamento e de um período, sendo este interior e

exterior ao escritor. No entanto, tais discursos devem ser cuidadosamente

analisados e contrastados, uma vez que sempre devemos ter o cuidado de levar em
Cap.2. Entre Textos e os Contextos ....102

consideração, como nos relembra Jenkins (2001, p. 23), a subjetividade do autor

presente em sua fala.

É desta maneira que realizamos nossa coleta de informações a respeito de

Veléio1. O que não conseguimos encontrar na historiografia sobre sua vida e sobre o

período, procuramos diretamente na documentação, nos escritos do autor, sempre

trabalhando com a crítica ao documento. Ainda, pelo desempenho deste romano em

sua sociedade, analisaremos com maior profundidade os aspectos políticos de sua

época para, desta forma, compreendermos as características peculiares inseridas

em seu relato.

De início, não sabemos ao certo qual seria o nome do autor de História

Romana. Como mostra Manzano (2001, p. 07), a edição desta obra realizada em

1520, trazia em sua fronte o nome P. Vellei e, no corpo do texto, surgia a inicial C.

Esta nomenclatura pode ter-se derivado de uma citação de Tácito em sua obra

Anais (An.III. 39,1) e, atualmente, é adotada por alguns editores, tais como F. W

Shipley, K. Halm e C. Stegman Von Pritzwald e alguns pesquisadores como A. J.

Woodman2. No entanto, muitos estudiosos de Patérculo preferem adotar o nome

utilizado por Prisciano3 (GLK II 248,4), Marcus Velleius Paterculus.

1 Em meio às nossas pesquisas, conseguimos notar que Veléio Patérculo não é um objeto de
pesquisa muito utilizado por estudiosos brasileiros. Os estudos sobre este romano na historiografia
brasileira são, em sua maioria, trabalhos recentes e compõem uma pequena parte das pesquisas em
História Antiga. Sendo assim, em nossa Dissertação, faremos uso, em grande parte, de historiografia
estrangeira.
2 Em sua obra Velleius Paterculus. The Caesarian and Augustan Narrative (1983), Woodman faz

uso da nomeclatura C. Velleius Paterculus ao se referir ao romano.


3 Segundo M. Baratin, B. Colombat, L. Holtz (2009, p. 12), Priscianus Caesariensis foi um importante

gramático latino que viveu entre o final do século V ao início do século VI d.C. Nascido em Caesaria,
na região da Mauritânia, foi o autor de Institutiones Grammaticae.Esta obra contém dezoito volumes,
sendo que os dezessesis primeiros tratam da fonética e da morfologia latinas e os dois últimos
dedicam-se à sintaxe. No decorrer destes ecritos, Prisciano faz referências a diversos autores latinos,
dentre eles Marcus Velleius Paterculus.
Cap.2. Entre Textos e os Contextos ....103

Como dito anteriormente, da trajetória de Veléio pouco sabemos. Os dados

são escassos e, em sua maioria, referem-se aos anos de serviço militar do autor.

Sobre a sua vida, o próprio romano, no decorrer de sua obra, mescla a trajetória de

sua família com a História romana, contando seus próprios caminhos através dos

acontecimentos romanos. Nota-se que o autor demonstra orgulho de sua

descendência e, de acordo com Sumner (1970, p. 258), aproveita todas as

oportunidades disponíveis para ressaltá-la. Tal característica de sua obra, em nossa

visão, pode estar relacionada com as aspirações de Veléio à ascensão social

através de sua hereditariedade.

Segundo as informações passadas pelo próprio romano, além dos dados

descritos por Manzano (2001, p. 07) e Emma Dench (2005, p. 120), Patérculo

provinha de ilustres famílias, tanto de vínculos paternos quanto maternos.

Do lado materno, Veléio era herdeiro de Décio Magio, homem ilustre que

lutou na Guerra contra Aníbal. Décio chegou a ser capturado por Aníbal, porém

escapou, procurando refúgio sobre o comando de Ptolomeu, que o protegeu.

(SUMMER, 1970, p. 257).

Ainda segundo o autor supracitado, Décio nunca saiu do Egito, ficando lá até

sua morte. Seu neto, Minato Magio de Eclano, lutou na Guerra Púnica ao lado dos

romanos, sendo presenteado com a cidadania e com a pretura4 de seus dois filhos5,

sendo um deles o avô materno de nosso autor. Na época de Minato, sua família

4 De acordo com Canfora (2002, p. 490), a partir de 367 a.C., segundo as Leges Licinae Sextiae, o
pretor era um magistrado encarregado de exercer em Roma a jurisdição civil, podendo ser escolhido
entre os patrícios e entre os plebeus. As eleições para a pretura ocorriam ordinariamente em finais do
mês de julho, após os jogos apolinários, festa que favorecia o comparecimento dos eleitores. Para
Compreensão sobre o Cursus Honorum, tanto neste período quanto no contexto de Veléio, ver
Anexos I e II.
5 Cícero (Brut., 179) menciona um Públio Magio, Tribuno da Plebe em 87 a.C. Este pode ter sido um

dos filhos de Minato. Além disso, podem-se encontrar referências de um Marco Magio Suro em uma
inscrição localizada em Aeclanum, região da Campânia.
Cap.2. Entre Textos e os Contextos ....104

estava estabelecida na Campânia6, onde ele e seus herdeiros possuíam influência

na política (MANZANO, 2001, p. 08).

Podemos, ainda, encontrar referências de um Numerio Magio de Cremona, o

qual serviu, no ano de 49 a.C., como Praefectus Fabrum7 sob o comando de Cneu

Pompeu Magno, participando do início da Guerra Civil de César.

De seu lado paterno, seu avô Caio Veléio, fazia parte da ordem equestre,

tendo sido escolhido por Pompeu Magno, no ano de 52 a.C., para ocupar um dos

trezentos e sessenta cargos de juízes especiais no combate à corrupção e à

turbulência política que ocorriam na sociedade. Nessa época, assim como Numério

Magio, ele ocupava o cargo de Praefectus Fabrum, função que ainda exerceu sob o

comando de Marco Bruto, provavelmente em sua legião assentada na Macedônia.

Veléio Patérculo relata que, no ano de 41 a.C., após a derrota de Marco

Antônio, Caio Veléio8 ainda ocupava seu cargo, só que, naquele momento, sob o

comando de Tibério Cláudio Nero, ex-pretor e pai do futuro Imperador Tibério. Nessa

mesma época, Caio teria participado da chamada Guerra da Perúsia contra Otávio.

No ano seguinte, após sua derrota, ele teria cometido suicídio. Como o próprio autor

nos informa: “(...) cujo grupo havia sido simpático com uma amizade singular por ele,

como não podia acompanhá-los porque se encontrava envelhecido e fisicamente

desajeitado, suicidou-se, transpassando-se com uma espada. ” (VELÉIO

PATÉRCULO, História Romana II, 76).

6 Região ao sul da Itália. Tem limites a oeste e sudoeste com o Mar Tirreno, a noroeste com o Lácio,
ao norte com Molise, a nordeste com Puglia e a leste com Basilicata. Anexo III.
7 O Praefectus Fabrum trata-se de um cargo ocupado por um funcionário escolhido, pelo Pretor ou

pelo Pró-Consul. Ele ficava responsável por determinadas funções, sendo que, em sua maioria, estas
eram sigilosas. Posteriormente, no governo de Augusto, o cargo passou por modificações, assumindo
o caráter de posto honorífico.
8 É curioso notar que, por ter ocupado cargos proeminentes dentro da sociedade romana, não

encontramos, na historiografia contemporânea, dados e informações complementares a respeito da


vida deste personagem, fato que não nos impede de retirarmos, após uma análise crítica, sua história
particular das palavras de seu herdeiro.
Cap.2. Entre Textos e os Contextos ....105

Caio deixou dois filhos que emergiram em meio à política romana. Um deles,

Capito, tornou-se partidário de Otaviano, alcançando a Ordem Senatorial. Seu

irmão, Veléio, pai do autor aqui estudado, permaneceu na Ordem Equestre,

ascendendo ao cargo de Praefectus Equitum9 no exército do Reno e, em 4 d.C., foi

substituído pelo filho nessa função.

O nome que levava o irmão do autor romano era Magio Celer Veleiano. Dele,

pouco sabemos. Alguns estudiosos afirmam que ele teria sido adotado por M. Magio

Máximo, prefeito do Egito junto com Augusto; outros sugerem que foi adotado por

Numerio Magio. De seu irmão, Veléio apenas nos informa que este teria lutado com

Tibério contra os Dálmatas em 9 d.C. e que obteve a Pretura em 14 d.C.

Para alguns pesquisadores, o pai de nosso autor também teria servido sob o

comando de Marco Vinício, dado significante para entendermos as relações do seu

filho com este personagem. Além disso, devemos levar em consideração os laços 10

estabelecidos com a família de Tibério, futuro Imperador, o que pode explicar ou

não, os sentimentos do autor para com ele.

A respeito da vida do próprio Veléio, só conhecemos sua carreira militar, a

qual se estendeu por doze anos e o desempenho na função de Pretor, em

companhia de seu irmão, no ano 14 d.C. Estipula-se que ele tenha nascido por volta

de 19 a.C., durante o governo de Augusto, nos primórdios do Principado Romano.

Segundo Diana Browder (1989, p. 268), Marco Veléio Patérculo teria iniciado

sua participação na vida política romana em meados do ano 2 d.C. Para Sumner

9Prefeito da Cavalaria. Era aquele que gerenciava a cavalaria durante a batalha.


10Citamos aqui a possível relação de amicitia estabelecida entre a família de Veléio e Tibério Cláudio
Nero. Segundo Paul Burton (2004, p. 211), apesar de haver uma conformidade sobre a importância
da amizade dentro da sociedade romana, não existe, dentro da mesma sociedade, um significado
único que definisse amicitia. Para este autor, esta possuía uma instabilidade própria e baseava-se no
conceito de fides, o qual se relacionava com a fidelidade de uma pessoa a outra, algo visto como
extremamente subjetivo.
Cap.2. Entre Textos e os Contextos ....106

(1970, p. 265), a carreira do autor derivava do atrelamento de sua família com a

sociedade e com a política romana. Todas as conexões feitas pelos membros de

sua família foram claramente importantes para a carreira de Veléio, o qual foi

beneficiado por uma ascensão relativamente rápida no meio político-administrativo

romano.

Ainda, para o autor supracitado, Patérculo teria iniciado o Tribunato Militar na

Trácia e na Macedônia sob o comando de Marco Vinício 11. Durante esse período, o

jovem romano pode ter conhecido Augusto, uma vez que o Imperador se encontrava

em visita oficial às Províncias Romanas da região do Danúbio na mesma época.

Na continuidade da ascensão de Veléio, em sua carreira militar, podemos

encontrar registros, como já dito, de que ele serviu como Praefectus Equitum sob o

comando de Tibério, futuro Imperador romano, na ocasião da Campanha do Reno,

em 4 d.C. Nas palavras do próprio autor:

Nesta época, depois de ter desempenhado as funções de tribuno


militar12, cumpri meu serviço no acampamento de Tibério César,
porque fui enviado com ele, imediatamente depois da adoção, à
Germânia como prefeito da cavalaria, sucedendo meu pai neste
cargo; assim, fui espectador e, no alcance de minha mediocridade,
colaborador, na qualidade de prefeito e de legado, de suas
insuperáveis ações durante nove anos seguidos. (VELÉIO
PATÉRCULO, História Romana II, 104)

11 Segundo Ronald Syme (1960, p. 400), o tempo de comando de M.Vinicius é bem incerto, podendo
se estender até 14 d.C. O autor defende que, independente da extensão de seu comando, Vinício foi
um proeminente homem dentro da sociedade romana e que manteve cordiais relações políticas com
o Princeps e com sua família.
12 Segundo Canfora (2002, p. 494), os tribunos militares (Tribvni Militvm) eram oficiais no comando da

legião (seis por legião, vinte quatro em um exército comum, o qual é composto por quatro legiões),
com, pelo menos, cinco anos de experiência em atividades militares. Tais homens sucediam-se no
comando a cada dois meses
Cap.2. Entre Textos e os Contextos ....107

Em meio ao seu Tribunato, ao retornar a Roma em 6 d.C., Veléio foi


designado Questor13. De acordo com Alice Maria de Souza (2010, p. 30), em
concordância com a historiografia aqui já utilizada, esta promoção aconteceu por
influência direta de M. Vinício e Tibério. Na concepção de Manzano (2001, p. 09),
após ser designado para esta função, ele teria acompanhando o futuro governante
na Guerra da Ilíria e, em finais do ano 12 d.C., teria participado dos triunfos
provenientes desta.
Apenas após esta última campanha militar, em 14 d.C., ele e seu irmão,
Veleiano foram eleitos Pretores. Podemos observar que sua candidatura
encontrava-se apoiada pelo Imperador, uma vez que, como demonstram Shackleton
Bailey (1984, p. 447) e Claire Feuvrier-Prévotat (1989, p. 498), eles estavam na lista
candidat Caesaris14. Estipula-se que, nesta época, Veléio contava com trinta e três
anos, tendo nascido por volta de 19 a.C., e adentrado o serviço militar com
dezessete anos.
Depois de seu cargo como Pretor, pouco sabemos sobre a carreira política de
nosso autor. Não há resquícios de outros cargos que possa ter exercido, muito
menos de um futuro consulado (SUMNER, 1970, p. 275). No entanto, em meio a
seus escritos, podemos notar como pano de fundo sua posição na política romana
desta determinada época. Ele escreve como se tivesse sido testemunha ocular do
processo senatorial de Druso Libo, em 16 d.C. (VELÉIO PATÉRCULO, História
Romana II, 129). Aparece ainda, em relatos da época, um homem de nome P.
Vallaeus que, em 21 d.C., foi o responsável pela contenção de uma rebelião de
tribos na região da Trácia. Se este militar é nosso autor, não sabemos. No momento,
não existem pesquisas que comprovem ou neguem tal suposição.
A morte de Veléio também tem seu quê de mistério. Syme (1978, p. 44)
suspeita que o autor possa ter sucumbido algum tempo após a queda de Lúcio Aélio

13 Questor deriva da palavra latina Quaestor. Em 509 a.C., com a Lex Valeria de quaestoribus, os
questores se tornaram magistrados públicos e foram ainda encarregados da administração do
tesouro (aerarium). Os questores podem se dividir em: quaestorores urbani, aerarii; quaestores pro
praetore e quaestores classici. De acordo com Richard Talbert (1984, p. 16) e Canfora (2002, p. 481),
a questura consistia em uma magistratura integrante do Cursus Honorum e tornava o seu detentor
elegível para entrar no Senado.
14 Estar nesta lista, segundo Sumner (1970, p. 274), significava eleição certa.
Cap.2. Entre Textos e os Contextos ....108

Sejano15, amigo próximo de Marco Vinício, em 31 d. C. Para Manzano (2001, p. 09),


a dedicatória de sua obra a Vinício, realizada um ano antes, foi fatalmente
inoportuna para Veléio.
Marco Veléio Patérculo deixava suas pegadas nas areias da História. Legou à
sociedade romana dois filhos e um extenso legado militar e político. Seus escritos
que chegaram até os dias de hoje provam que vivenciou muito do que relata. Conta-
nos a História romana, através de seu peculiar olhar, tendo suas opiniões
estampadas em diversos trechos, com inúmeras particularidades. Entender seus
objetivos e seus motivos depende apenas de nós, leitores críticos, estudiosos e
admiradores.

O governo de Tibério: O contexto político16 de Patérculo

Conforme exposto, é o texto que nos direciona para seu contexto. Em outras
palavras, é a partir da leitura da obra veleiana que conseguimos perceber as
reminiscências do período no qual ela foi escrita. Apesar de não sabermos
precisamente quando a História Romana de Veléio foi elaborada, os relatos do autor
a colocam em concordância com os acontecimentos presentes no decorrer do
governo de Tibério, considerado, por alguns pesquisadores, o segundo Imperador
romano17. Ainda mais importante, Veléio fez parte efetiva da vida deste Imperador,
inclusive em um período em que este desempenhava funções militares durante o
governo de Augusto. Entender o período de Tibério se faz importante, porque a vida
de nosso autor se mescla e aparece intrinsecamente interligada a este, o que

15 De acordo com Sandra Jean Bringham (1999, p. 62), Sejano foi um destacado equestre, o qual
figurou em importante papel dentro da sociedade romana. Assumiu o cargo de Prefeito da Guarda
Pretoriana no ano de 14 d.C. até sua morte, em 31 d.C. Introduziu um grande número de reformas na
guarda, o que fez com que esta desempenhasse um papel maior dentro da política e da sociedade
imperial. Em 31 d.C., foi acusado de conspiração contra o Imperador Tibério, sendo executado
juntamente com seus seguidores.
16 Demos precedência, neste momento, por uma contextualização realizada a partir da sucessão

imperial, uma vez que um de nossos objetivos é a análise da criação da imagem de Princeps Ideal
em torno de Augusto pelos autores antigos aqui selecionados.
17 Para Suetônio, Tibério teria sido o terceiro Imperador, uma vez que este autor considera que Júlio

César foi o primeiro. Este aspecto também está presente na obra veleiana, uma vez que este chama,
inúmeras vezes, Júlio César de Princeps e classifica o período em que este esteve à frente do
governo de Roma como um Principado.
Cap.2. Entre Textos e os Contextos ....109

vincula ainda mais a sua obra com a intenção de legitimação do sistema político do
Principado Romano.
Tibério Cláudio Nero César administrou Roma de 14 d.C. até 37 d.C., ano de
sua morte. Este foi um período turbulento, marcado por conspirações e violentas
disputas pelo poder, as quais eram remanescentes da transição da República para o
Principado.
Ao morrer, Augusto não deixava um filho, do próprio sangue, para lhe suceder
no comando de Roma. De acordo com Robin Seager (2005, p. 30), a primeira
escolha do Princeps teria sido Marcelo que, além de ser seu sobrinho, havia se
casado com sua filha Júlia, fruto de um de seus casamentos. No entanto, seu futuro
sucessor faleceu em 23 a.C., trazendo à tona, mais uma vez, o problema da
sucessão imperial.
Júlia casou-se novamente, desta vez com Agripa, com o qual teve dois filhos,
Caio César e Lúcio, e uma filha, Agripinna, sendo que os dois homens, de acordo
com Christopher Simpson (1996, p. 64), constituíam-se em prováveis sucessores do
eminente avô. Mais uma vez, os descentes de Augusto foram vítimas de mortes
precoces, falecendo antes de seu patriarca. Novamente, podemos notar como o
casamento era utilizado em Roma para fins políticos. A viúva de Agripa, desta vez,
uniu-se a Tibério.
Tibério era fruto da união entre Lívia e Tibério Cláudio Nero. Sua mãe casou-
se com Augusto, que adotou seus filhos. Por sua vez, Tibério, por vontade de
Augusto (SEAGER, 2005, p. 33), adotou Germânico18, filho de seu irmão e esposo
de Agripinna.
Em 7 d.C., um dos possíveis herdeiros, Agripa Póstumo, foi exilado na ilha de
Planásia, sem nenhuma explicação aparente. Na ocasião da morte de Augusto, em
14 d.C., restavam apenas dois prováveis sucessores: Tibério e Germânico, sendo
que apenas Tibério contava com idade suficiente para ascender ao cargo. De acordo
com David Shotter:

18Germânico também é citado na historiografia como Druso, nome que recebeu ao nascer. O nome
Germanicus é utilizado após a sua adoção.
Cap.2. Entre Textos e os Contextos ....110

A sucessão de Tibério ao comando do Principado havia sido algo


inesperado; por toda sua vida, Augusto mostrou uma forte inclinação
para ser sucedido por alguém de sua própria família, a Juliana. A
emergência de Tibério foi o resultado das mortes prematuras dos
candidatos preferidos de Augusto. (SHOTTER, 1992, p. 72).

Grimal, em sua obra O Império Romano (1993), concorda com a visão


declarada por Shotter de que Augusto não nutria bons sentimentos em relação à
escolha de Tibério como seu sucessor. Esta teria sido, por ironia do destino, sua
última opção (GRIMAL, 1993, p. 85). Já de acordo com Seager: “(...) Que Tibério era
a escolha de Augusto como seu sucessor imediato não se pode duvidar (...)”.
(SEAGER, 2005, p. 37). Nota-se que a historiografia a respeito do tema apresenta
certas divergências. De como Augusto enxergava seu sucessor, pouco sabemos.
Em meio às nossas pesquisas, foi-nos possível observar que a atitude do Imperador
com seu filho adotivo aparentava ser meio receosa. Somente quando as outras
alternativas falharam, o Princeps optou por Tibério e, mesmo assim, com a condição
da adoção de Germânico por parte deste.
Independente do desejo inicial de Augusto, o novo Imperador Tibério ascende
ao cargo contando com cinquenta e cinco anos19. Inicialmente, fez menção de não
aceitar os títulos imperiais e de propor a restituição do poder integral ao Senado. De
acordo com Barbara Levick (1999, p. 50), o lapso temporal entre a morte de Augusto
e a nomeação de Tibério dá a impressão, nas obras de escritores antigos, que o
novo Imperador tardou em aceitar sua nova posição. Tal atitude é vista, pelos
mesmos historiadores, de maneiras diversas. Para Tácito (Anais II, 2), a hesitação
de Tibério era regida por dois fatores: cautela e astúcia. Segundo ele, o futuro
governante pretendia o comprometimento do Senado em sua candidatura, o que
faria com que surgisse como candidato escolhido e não imposto. Já para Suetônio e
Dion Cássio, a atitude de Tibério era envolta por medo de conspirações ou de
revoltas por parte do exército e da sociedade romana. Em nossa visão, Tibério
intenta percorrer um caminho muito parecido com o de Augusto, aproximando-se,
desta forma, daquele que era seu antecessor e seu pai adotivo. Assim, aparenta as
mesmas atitudes e precauções com a sua ascensão ao cargo de Imperador e com

19Segundo Anthony Barrett (2002, Preface), Tibério nasceu por volta do dia dezesseis de novembro
de 42 a.C.
Cap.2. Entre Textos e os Contextos ....111

as instituições tradicionais republicanas, tais como o Senado. A aproximação de


Tibério com Augusto pode ser notada, inclusive, na obra veleiana, quando o autor
exalta a imagem de Augusto para, desta forma, também glorificar e legitimar o
governo daquele que seria seu herdeiro, Tibério.
A data em que Tibério recebe o título de Imperador é imprecisa. Para alguns
historiadores antigos e pesquisadores recentes, isso ocorreu logo no início de
setembro. Para outros, aconteceu em outubro de 14 d.C., logo após a segunda
reunião mensal do Senado, que ocorria nos Idos de Outubro (por volta do dia
quinze).
Apesar das oposições a Tibério20, este, no decorrer de seu Principado, não
alterou de forma drástica as reminiscências institucionais provenientes da República.
A Questura, a Pretura e o Consulado continuaram, de certa forma, cargos
reservados a quem atingisse a ordem senatorial21. Neste período, a estrutura social
romana não apresentava substanciosas modificações com relação à sociedade
republicana. As modificações foram gradativas e, mesmo que tivessem sido
iniciadas durante a época augustana, no Império de Tibério estas não chegaram a
tomar proporções maiores. O Senado, pelo menos formalmente, continuou com suas
funções republicanas, ainda que estas fossem diminuídas pelo poder imperial e que
a ascensão a esta instituição dependesse, neste momento, também da vontade
imperial.
Como no governo de seu predecessor, no Principado tiberiano, a propaganda
política e social, de acordo com Starr (1981, p. 164), era utilizada para solidificar a
imagem do Princeps e do novo sistema de governo. O Imperador expunha-se como
um conservador da res publica, não sendo disseminada a concepção de rompimento
entre República e Principado.

20 Pesquisadores como Zvi Yavetz (1984, p. 148), Levick (1999, p. 70) e Shotter (2004, p. 22)
enxergam uma grande oposição ao governo tiberiano, tanto por parte do Senado quanto por parte de
outras parcelas da sociedade romana. Contudo, sobressaltou-nos a percepção de Veléio, o qual nada
fala sobre essa oposição ao governo de Tibério. Pelo contrário, o autor romano sempre parece querer
ressaltar o destaque que esse Princeps teve em meio a sua sociedade que, segundo o autor, muito
bem o acolheu (VELÉIO PATÉRCULO, História Romana II, 112, 121, 122, 126, 129). Para nós, ao
legitimar a figura deste Princeps e, por conseguinte, seu governo, Veléio buscava também a
legitimação do sistema político do Principado como um todo.
21 Isso foi modificado aos poucos, quando os equestres passaram a adquirir maior destaque dentro

da sociedade romana através da intercessão dos Imperadores. Como fruto desta gradativa
modificação, podemos encontrar Veléio Patérculo, equestre que ocupou cargos sob proteção do
Imperador, os quais, antigamente, só eram destinados aos senadores.
Cap.2. Entre Textos e os Contextos ....112

Para Dench (2005, p. 300), tanto Augusto quanto Tibério exerceram o


controle da memória. A memória tornou-se seletiva, principalmente aquela
transmitida por obras literárias. A diferença entre os dois governos é que, na época
de Augusto, exaltava-se a imagem do Princeps, do soberano. Já no decorrer do
governo de Tibério a literatura era designada para auxiliar na propagação da
memória oficial sobre a História romana e seus personagens. Tal aspecto, a nosso
ver, cabe totalmente à obra veleiana, que também tenta legitimar o sistema político
do Principado Romano através da legitimação e da construção de imagens
discursivas benéficas de seus governantes, tais como Júlio César, Augusto e
Tibério.
De acordo mais uma vez com Shotter (2004, p. 40), tudo leva a crer que, em
21 d.C., Tibério retirou-se para a Campânia, passando a governar através do
intermédio de um dos poucos homens de sua confiança, Sejano.
Lúcio Aélio Sejano ocupava um lugar de destaque dentro da sociedade
romana. Membro da ordem equestre, na ocasião da morte de Augusto, encontrava-
se, juntamente com seu pai, no comando da Guarda Pretoriana. Em 15 d.C., já no
Principado tiberiano, seu pai foi designado ao cargo de Prefeito do Egito, deixando
Sejano como comandante único da Guarda Pretoriana, a qual, neste momento,
também era a responsável pela segurança do Imperador.
No entanto, a importância deste cidadão não se encontrava apenas na função
que desempenhava. Sejano possuía inúmeros contatos e ligações familiares com
vários senadores romanos, o que o colocava em posição privilegiada para lidar com
assuntos de ordem política, social e militar dentro de Roma. Nas concepções de
Barret (2001, p. 48), Sejano conquistou a confiança de Tibério, principalmente por
meio de suas boas relações com destacados homens e políticos da sociedade
romana. Isso fez com que este se tornasse um dos principais homens em meio à
esta sociedade, desempenhando, em decorrência disto, funções administrativas e
militares no Império.
Em 31 d.C., Tibério se encontrava estabelecido em Capri, enquanto Sejano
tornava-se Cônsul por sua indicação. Tudo leva a crer que, segundo a historiografia
aqui já citada, foi ocupando esta posição que o então homem de confiança do
Imperador começou a elaborar um golpe para tirá-lo do poder. Quando Tibério foi
informado a respeito da traição, a conspiração já estava em andamento e tinha
Cap.2. Entre Textos e os Contextos ....113

levado seu filho Druso como vítima. Sejano e seus comparsas foram acusados
perante o Senado e, mediante a uma proscrição, executados.
A partir da morte de Sejano, a historiografia sobre o período determina outra
etapa do Principado tiberiano. De acordo com Levick (1999, p. 160), inaugura-se um
novo período no governo de Tibério, onde as proscrições contra os seguidores e
amigos de Sejano são inúmeras e aterrorizam cidadãos romanos, além de que,
nessa época, começa a surgir no cenário político romano a figura de Calígula, futuro
Imperador.
Logo, tratou-se de um período marcado pelo uso abusivo da Lei de Lesa
Majestade que, reformulada por Augusto e também por Tibério, passou a prever
punição severa não só para os atos de traição contra os interesses de Roma, mas
também para qualquer sentença, pronunciada ou escrita, que denegrisse ou
agredisse a imagem do Imperador. Segundo o pesquisador Steven Rutledge (2001,
p. 95), o número de delatores neste período aumentou de forma significativa, sendo
estes movidos por interesses pessoais ou em detrimento dos interesses de
Senadores que procuravam se livrar do comando de Tibério. O desenrolar dos
acontecimentos não se mostrou favorável para o Imperador, uma vez que este
passou a ser interpretado pelo Senado como inimigo.
Da morte de Tibério e do final de seu governo, pouco sabemos. O Princeps
faleceu em Capri, envolto em uma atmosfera de medo e desconfiança. Ainda
isolado, não podemos definir ao certo qual teria sido a causa de sua morte nem seus
executores. De acordo com as informações disponibilizadas por Tácito (Anais, VI,
50), Calígula e Macro seriam os responsáveis pela morte do Imperador, que contava
com setenta e sete anos de idade.
Ao analisarmos a vida de Veléio e o contexto histórico, político, social e militar
da sociedade romana de sua época, podemos perceber como os acontecimentos se
mesclam. Patérculo protagonizou um papel de destaque dentro de sua sociedade.
Participou de diversos acontecimentos militares e políticos. Adentrou o círculo de
conhecidos do Imperador Tibério; demonstrava uma nada comedida admiração por
este, assim como também por seus antecessores, Júlio César e Augusto. Admiração
esta espelhada em sua obra e que, em nossa visão, além de legitimar e consagrar a
imagem destes Princeps, também não deixava de corroborar o sistema político do
Cap.2. Entre Textos e os Contextos ....114

Principado Romano. Para isto, fez uso da tradição e da memória romana acerca
destes personagens, tradição esta já presente em meio à sociedade de seu tempo.

Palavras Greco-Romanas: Plutarco e Suas Obras

As obras de Plutarco são muito estudadas desde sua produção, passando


pelas épocas medieval, moderna até atingir a contemporaneidade. No entanto, sua
vida apresenta, para nós, trechos misteriosos. Assim, para conseguirmos entender
seu papel nas sociedades por onde passa, além de utilizarmos as informações que o
próprio autor nos passa em suas obras, fizemos uso da historiografia que nos é
contemporânea e que nos possibilita uma importante compreensão acerca deste
curioso personagem.
Não sabemos ao certo a data de nascimento deste ilustre escritor. A
historiografia sobre o assunto apresenta múltiplas informações que, por vezes, são
contraditórias. De acordo com Bernadotte Perrin (1967, p. XI), Plutarco nasceu por
volta de 45 d.C, data com a qual o historiador brasileiro Pedro Paulo Abreu Funari
(2007, p. 131) concorda. Já para Pierre Maréchaux (2003, p. IX), ele teria nascido
em meados de 66 d.C.
Independente do ano, sabemos que Plutarco nasceu no século I d.C., em
uma pequena cidade chamada Queroneia, interior da Beócia, região localizada entre
os golfos de Eubeia e Corinto, próxima a Tebas. Esta foi palco de uma sangrenta
batalha entre gregos e macedônicos em 338 a.C., como nos mostra Terry Bucley
(1996, p. 360), durante a expansão macedônica de Filipe II. Após a disputa,
Queroneia, assim como toda a Beócia, passou a ser comandada pelos vencedores
macedônicos, inclusive Alexandre Magno22. Na ocasião do nascimento de Plutarco,
Queroneia encontrava-se sob domínio23 de Roma.
Por assim dizer, a vida de Plutarco transcorreu sob os Césares. Nero e os
três Imperadores que lhe sucederam, no decorrer de 68 e 69 d.C, durante sua
infância, educação e formação. Em sua maturidade, passou pelo governo dos

22 A colonização macedônica de Queroneia faz-se importante explicitar pois, em sua época, Plutarco
aparece como um admirador de Alexandre e de seus feitos, o que pode vir a ser explicado pela sua
relação com a cultura macedônica.
23 Após sucessivas disputas, o território beociano passa ao domínio romano por volta de 148 a.C.
Cap.2. Entre Textos e os Contextos ....115

Flávios e, enquanto envelhecia e entregava-se ao estupor eterno, conheceu os


Impérios de Nerva, Trajano e Adriano.
Filho de Autóbulo e neto de Lâmprias, o autor fez parte da nobreza de sua
sociedade, o que lhe abriu inúmeras possibilidades. O fato de Plutarco nascer em
meio a uma família abastada é significativo para explicar os estudos e a carreira que
o jovem grego percorreu. Além disso, seu avô Lâmprias destacava-se, em meio à
sua sociedade, por demonstrar interesses por assuntos variados, indo da botânica à
filologia, passando nos caminhos da História. Tal interesse foi seguido pelo neto
que, ao completar vinte anos, com o incentivo e auxílio de sua família, seguiu para
Atenas, conhecido centro de formação educacional para gregos e romanos.
O homem de letras, seja um filósofo ou apenas um estudioso, adquire, dentro
da sociedade greco-romana, uma certa ascensão social e política ocasionada por
sua profissão. Este era o caso de Ammonius, egípcio por nascimento, o professor de
Plutarco, que, como nos mostra Jacques Boulogne (1994, p. 20), gozava de
prestígio intelectual no governo de Nero e foi apresentado a seu pupilo como líder
filosófico e general hoplita. Também sobre Ammonius podemos citar Jones:

Ammonius, o professor de Plutarco, pertence a essa companhia.


Como filósofo ele é mais interessante por causa de seu mais famoso
pupilo. Na administração de Atenas sobre o Principado, no entanto,
ele se mantinha em uma importante posição que vale a atenção do
historiador. (JONES, 1967, p. 205)

O mestre de Plutarco era reconhecido em Atenas como um discípulo ardoroso


do trabalho de Platão. É sobre sua influência que o jovem grego desperta seu
interesse pelos ensinamentos platônicos, apesar de ter estudado os fundamentos da
Física, da Medicina, da Matemática e das Ciências Naturais. Entretanto, Plutarco
encontrou seu caminho em meio à filosofia de matriz platônica, principalmente em
assuntos relacionados à ética e à moral. Suas obras demonstram o pensamento
estóico vigente em sua época, fator muito estudado pela historiografia
contemporânea. Segundo Philip A. Stadter (2002, p. 01), foi nesta época que
Plutarco iniciou a escrita de seus estudos diversos.
A estada em Atenas foi-lhe muito proveitosa, não só academicamente como
também socialmente. No período em que lá permaneceu, o jovem beociano foi
Cap.2. Entre Textos e os Contextos ....116

aclamado com a cidadania ateniense, símbolo de seu prestígio em meio a essa


sociedade (FUNARI, 2007, p. 131).
Ao finalizar seus estudos em Atenas, Plutarco retornou à terra beociana, onde
pouco fica. Após um curto período em Queroneia, o jovem foi chamado para
representar o governador da Província grega (PERRIN, 1967, p. IX). Neste posto,
viajou extensivamente por terras gregas24 e romanas, chegando a passar pela
Cílicia, Ásia Menor e Alexandria. Ao ultrapassar novas fronteiras, aumentou seus
conhecimentos, adquirindo relatos e documentos que foram utilizados na
composição de suas obras.
O futuro escritor grego retornou à sua terra natal, quando contava com pouco
mais de vinte anos. Lá, casou-se com Timossena, tendo cinco filhos, sendo que três
destes faleceram novos. Ainda em sua cidade, assumiu cargos políticos e, por
inúmeras vezes, viajou a Roma.
Nessa época, Roma passava por um período onde a produção intelectual
gozava de privilegiado destaque entre as elites romanas. É neste cenário que
Plutarco ministrou diversas palestras que lhe proporcionaram certa notoriedade,
aproximando-o, desta forma, de romanos politicamente influentes, tais como Mestrio
Floro25, um incentivador cultural de sua época. Como mostra Bucley, o círculo de
amigos de Plutarco incluía membros do meio consular, como Floro26 e Sósio
Senécio, a quem o autor dedicou parte de suas biografias. Estas relações políticas
trouxeram valorosas recompensas ao escritor beociano, dentre as quais poderia
estar o cargo de Procurador da Acaia27 (1996, p. 11).
Para esta autora, já considerado um romano, pois possuía o que hoje já
entendemos como tripla cidadania28, Plutarco passou a exercer importantes cargos

24 Podemos encontrar referências destas viagens em FLACELIÈRE, R., CHAMBRY, E. e JUNEAUX,


M., 1957.
25 Quando Plutarco recebeu a cidadania romana, ele adotou o sobrenome da família de Mestrio

Florus. Tal dado é significado na demonstração da conexão entre o beociano e este importante
personagem romano.
26 Não se trata aqui de nosso autor, Lúcio Annaeu Floro.
27 Segundo Antônio Carlos Azevedo (1999, p. 366), Procurador (Procurator em latim) constituía-se em

uma importante magistratura romana designada a romanos de destaque. Este funcionário


desempenhava funções administrativas, normalmente vinculadas a áreas financeiras e patrimoniais.
A partir do Principado augusteano, o procurador passou a ganhar maior destaque dentro da política
romana, podendo alcançar o cargo de Governador de Províncias romanas e/ou imperiais. A Acaia é
uma prefeitura da Grécia sob comando romano, situada na costa norte do Peloponeso.
28 Plutarco possuía tripla cidadania, pois era aclamado com as cidadanias grega, ateniense e romana.
Cap.2. Entre Textos e os Contextos ....117

administrativos em Roma, tais como quando Trajano o honrou com a ornamenta


consularia, título destinado àqueles que não pertenciam ao Senado, e quando
Adriano o fez Procurador Honorário da Grécia (ZIEGLER, 2009, p. 51). No entanto,
se o autor exerceu ou não estas funções, não sabemos afirmar. A historiografia
sobre tal aspecto é ambígua e não chega a claras conclusões. Como exemplo,
podemos citar Rossi: “Plutarco (...) escolheu fixar-se em Queroneia, dedicar-se à sua
família, à sua cidade, ao santuário de Delfos, aplicando-se não à palavra, mas à
pesquisa e à escrita. ” (2005, p. 107). A pesquisadora não assinala o desempenho
de cargos políticos ou administrativos romanos por Plutarco.
Apesar destas discrepâncias, os pesquisadores aqui consultados são
unânimes em afirmar que Plutarco adquiriu certa importância dentro da sociedade
romana. Em nossa concepção, faz-se possível que o autor tenha sido agraciado
com certas funções administrativas em meio a essa sociedade que o adotava como
um de seus membros. De acordo com Perrin: “Ele construiu e manteve uma grande
familiaridade com os romanos proeminentes de sua época, e estava familiarizado
com as questões políticas (...)”. (1967, p. XII).
Portanto, a familiaridade com a qual relata os aspectos políticos romanos em
seus diversos escritos pode ter sido adquirida diretamente da fonte, a política
romana dos séculos I e II d.C. As relações com romanos influentes e, talvez, a
participação direta no desempenho de funções administrativas, favoreceram-lhe o
contato com relatos e documentos oficiais, os quais compuseram o acervo
documental que o autor utiliza para compor suas obras. Neste momento, notamos
ainda que Plutarco, ao desempenhar funções administrativas, aproximou-se de
Veléio, de Suetônio, de Floro e de Dión Cássio neste quesito, sendo que estes, cada
um a seu tempo, também exerceram funções em meio à administração imperial29.
No entanto, apesar de seu prestígio em meio a essa sociedade, Plutarco
retorna à sua pátria, que lhe era de muito apreço, como ele deixa transparecer em
meio a seus escritos30, uma vez que foi o berço de poetas estimados, tais como
Hesíodo, Píndaro e Epaminondas. Segundo Judith Mossman (1999, p. XVII), ainda

29 Já vimos, no início deste capítulo, quais foram as funções desempenhadas por Veléio. As de
Suetônio e Dión Cássio, trataremos posteriormente, nos itens acerca de sua vida.
30 Estes não seriam as Vidas Paralelas e, sim, a Moralia. As várias obras plutarquianas serão

abordadas posteriormente.
Cap.2. Entre Textos e os Contextos ....118

casado, no ano de 95 d.C., Plutarco é nomeado Sacerdote Laico do Templo de


Apolo, passando a dividir seu tempo entre Queroneia e Delfos31. Para Simon Swain
(1999, p. 102), nesta função, permaneceu por mais de vinte anos32. Em meio a este
ofício, foi incumbido de organizar os Jogos Píticos 33, além de presidir as
assembleias da liga dos povos da Grécia Central.
Mostra-se, desta maneira, como Plutarco constituiu-se em um indivíduo de
diversas facetas, tal como nos indica o historiador Funari: “Plutarco encarna muito
bem essa fluidez de identidades, cidadão de muitas cidades, grego, mas romano
(...)”. (2007, p. 134)
Tal característica flutuante, por assim dizer, do autor grego possibilita-nos a
compreensão de diversos aspectos de suas obras, principalmente as intituladas
“Vidas Paralelas”, em que o escritor utiliza tanto seus conhecimentos e fontes da
sociedade grega quanto da sociedade romana para relatar a vida de personagens
ilustres em ambas.
O então escritor, sacerdote, homem grego e, concomitantemente, romano,
faleceu por volta 125 d.C., relegando à humanidade, além de suas muitas obras,
ensinamentos sobre a moral, a política e a religião.

Biografias Cesarianas: Caio Suetônio Tranquilo

31 Delfos localiza-se nas encostas do monte Parnaso. O santuário comportava, além dos edifícios
religiosos, um ginásio, um estádio e um teatro com capacidade em torno de cinco mil espectadores.
32 Plutarco é nomeado sacerdote laico do templo de Apolo no ano de 95 d.C., terminando seu

sacerdócio por volta de 116 d.C.


33 De acordo com P. Errandonea (1989, p. 450), depois dos Jogos Olímpicos, os Jogos Píticos eram

os mais importantes da Grécia. Esses jogos se diferenciavam dos demais por abrigar, além das
competições esportivas, competições artísticas, as quais eram realizadas de quatro em quatro anos,
nos intervalos entre as Olimpíadas, sempre no início de setembro. O primeiro dia dos jogos era
dedicado às cerimônias religiosas: realização do sacrifício e de uma procissão, com a presença de
todas as delegações oficiais. A primeira celebração dos jogos em seu formato definitivo, com provas
atléticas e provas musicais, ocorreu no início do século VI a.C., mais precisamente em 582 a.C..
Iniciou-se, então, a era das Pitíadas, que durou até o final do século IV d.C., quando o Imperador
romano cristão Teodósio decretou o seu fim. A responsabilidade pela organização dos Jogos cabia
aos Anfictíones, administradores do santuário do deus. Eles nomeavam como comissários os
hieromnêmones, encarregados de tomar todas as providências necessárias para a realização do
evento. Eram eles que cuidavam da divulgação da festa, da inscrição dos candidatos, da aplicação
dos regulamentos, exercendo, também, o papel de juízes das competições. Como os helanódices de
Olímpia, os hieromnêmones eram assessorados por um corpo policial e por um arauto sagrado,
encarregado de divulgar a trégua sagrada.
Cap.2. Entre Textos e os Contextos ....119

Assim como as obras plutarquianas, os escritos de Suetônio alcançaram


grande fama, tanto em sua época quanto nos séculos posteriores. As biografias dos
Doze Césares, riquíssimas em descrições minuciosas e detalhes intrigantes,
serviram de documento histórico e modelo literário para inúmeros pesquisadores,
escritores e demais interessados. No entanto, apesar do prestígio, pouco se sabe de
sua vida pessoal. O biógrafo que se preocupava em narrar os mínimos detalhes das
vidas de ilustres romanos, pouco nos deixou acerca de sua própria vida. De acordo
com Wallace-Hadrill (1995, p. 02), a vida de Suetônio pode ser analisada através
das referências que outros autores antigos nos dão em sua obra, tal como Plínio, O
Jovem34, amigo pessoal do escritor, e que o cita inúmeras vezes em suas epístolas.
A discussão sobre a data em que Caio Suetônio Tranquilo teria nascido é
bastante acirrada entre seus pesquisadores. De acordo com Alcide Macé (1900, p.
35), essa seria por volta de 69 d.C.. Já para Mommsen 35(1996, p. 78), esta seria em
um período bem posterior, aproximadamente em 77 d.C.. Destas visões discordam
Jones (1986, p. 246) e Syme (1981, p. 23), os quais sugerem uma data mais
aproximada de 70 d.C., uma vez que a adoção do nome Tranquilo aponta para este
ano. Em nossa concepção, essa última hipótese aparenta ser a mais aproximada da
data de nascimento de Suetônio, uma vez que, além da nomeação como Tranquilo,
os dados sobre este escritor surgem desta data em diante.
Segundo Mendonça (2007, p. 11), Suetônio era descendente de uma
modesta família da ordem equestre, a qual ascendeu a cargos de maior importância
política a partir do Principado, quando os equestres ganharam maior destaque
dentro do sistema político e administrativo romano (FEUVRIER – PRÉVOTAT, 1989,
p. 498). Todavia, apesar de desconfiarmos sobre o estatamento social de sua
família, pouco se sabe a respeito da região oiginária da família de Suetônio. Robert
Meigs (1973, p. 55) nota no texto suetoniano a ausência de uma preocupação maior
com as províncias, terras distantes ou pela política externa romana. Não há menção

34 Plínio, O Jovem, foi um importante personagem romano que viveu entre 61 e 114 d.C. Destacou-se
em meio a sua sociedade como orador, jurista, político e administrador imperial. Plínio escreveu cerca
de 247 Epístolas, nas quais mantinha diálogos variados com diversos correspondentes, dentre estes
podemos encontrar seu amigo pessoal Suetônio. Estas epístolas também demonstram que Suetônio
ascendeu, tanto no meio literário quanto no social, com a ajuda e o encorajamento de Plínio
(WALLACE-HADRILL, 1995, p. 04).
35 A obra de Mommsen, em sua primeira edição, é datada do século XIX. A data que citamos acima

remete-se ao ano da edição que utilizamos.


Cap.2. Entre Textos e os Contextos ....120

de um local de origem, de uma identificação com uma determinada região. Para este
pesquisador, estes silêncios seriam indicadores de um autor que não pertencia,
originariamente, a Roma. Talvez um provinciano, habitante de uma região anexada
pelos romanos. Como uma possível confirmação de tal dado, há menções de uma
dedicação pública a Suetônio que, de acordo com C. Baurain (1976, p. 125), teria
sido realizada no início do governo de Adriano36. Tal dedicação pública encontrar-se-
ia em Hippus Regius37, região pertencente à África Romana, de onde o escritor –
para G.B. Townend (1959, p. 287), um dos principais pesquisadores suetonianos –,
poderia ser oriundo. Já nas concepções de J.A. Crook (1957, p. 19) e de J. Gascou
(1978, p. 438), Suetônio não teria nascido em Hippo, mas sim, visitado a cidade em
companhia de Adriano.
Apesar dos inúmeros estudos acerca de sua origem, a única informação
comprovada que nos é passada sobre Suetônio é que, partindo dos cargos que sua
família e ele ocuparam, tratavam-se de cidadãos romanos, ou sejam, possuiam a
cidadania romana.
Também é curioso notar que o nome Suetonius é pouco comum na época em
questão. Em documentos antigos e na historiografia contemporânea que aqui
consultamos, encontramos menção de apenas mais um, Suetonius Paullinus, um
ilustre general romano que também viveu sobre o Império dos Césares, mais
precisamente no primeiro século da nossa era.
Como já dito, o passado de nosso escritor e de sua família apresenta certas
lacunas para nós, historiadores. Sobre seus avós e pais, os dados são ainda mais
raros. Segundo Wallace-Hadrill (1995, p. 03), o contato da família de Suetônio com
os Césares pode ser bem antigo, rementendo ao governo de Calígula,onde seu avô
poderia ter desenvolvido certas funções. Em suas palavras:

O contato da família com os Césares estende-se por três gerações.


O avô teve um contato indireto com a corte de Calígula: ele pode ter
solicitado a uma das autoridades do palácio uma explicação acerca
de um dos atos insensatos do Imperador, a ponte sobre a baía de
Baiae. Isso não significa que o avô fosse ele mesmo um cortesão,
mas sugere que, ainda jovem, estava em Roma, ao menos na

36 Por volta de 117 a 120 d.C.


37 Atualmente, trata-se da região algeriana de Annaba.
Cap.2. Entre Textos e os Contextos ....121

periferia do círculo da corte imperial. (WALLACE-HADRILL, 1995, p.


03)

Tal acepção sugere-nos um ponto importante acerca da vida de nosso autor.


Sua família, mesmo com a possibilidade de ser originária de uma província, na
época de Suetônio, já pertencia ao meio imperial romano, chegando a participar,
inclusive, do círculo da corte imperial. Isto nos é de grande valor, uma vez que pode
ter direcionado Suetônio no desempenho de suas próprias funções no meio imperial,
influenciando, também a escrita de suas biografias imperiais.
As relações imperiais do avô de Suetônio podem ter ligações diretas com a
posição ocupada posteriormente por seu filho, Suetônio Laeto, pai do biógrafo.
Relatos mais abrangentes são encontrados ao se falar do pai de Suetônio, o qual
serviu como tribuno militar na XIII Germina, sobre o governo de Otho. Com essa
visão também concordam Wallace-Hadrill (1995, p. 03) e Ronald Mellor (2002, p.
147), os quais também defendem que o sobrenome, Tranquillus, seria resquício
dessa época, onde o patriarca suetoniano participou ativamente dos conflitos civis
estabelecidos na busca pela sucessão imperial. Ainda, para os pesquisadores acima
citados, após seu desempenho nos campos de batalha, Laeto teria ocupado,
durante parte do governo flaviano, a função de Procurador (WALLACE-HADRILL,
1995, p. 04).
Apesar da carreira militar e administrativa de seu pai, não possuímos
nenhuma referência que Suetônio tenha enveredado pelos mesmos caminhos. Nas
palavras de Syme:

O pai de Suetônio Tranquilo, tribuno da XIII Germina, foi arrastado


para notáveis eventos do ano de 69 d.C. (...). Isto foi um acidente.
Ele pode ter tido pouca experiência com outros exércitos. Também,
não há nenhum sinal nas cartas de Plínio que o filho renovou seu
pedido (...) ou mesmo aspirou à carreira militar. (SYME, 1981, p. 106)
Cap.2. Entre Textos e os Contextos ....122

Sendo assim, o futuro escritor, desde cedo, dedicou-se aos estudos,


concentrando-se na arte da Retórica, por volta de 88 d.C.38 Sobre a sua juventude
e, posteriormente, sua vida adulta, Suetônio pouco ou quase nada menciona.
Algumas parcas informações a respeito dessa parte da vida do autor podem ser
retiradas daquilo que ele mesmo relata, tanto em sua obra biográfica sobre os
Imperadores, quanto nas biografias de gramáticos e retóricos.
As informações que temos, novamente aqui, são passadas por terceiros, tais
como Plínio, o qual, em meio a Epístola XII, cita Suetônio como um advocatus.
Nessa conversa entre os amigos, Suetônio solicitava o adiamento de um caso no
qual trabalhava, pois como confidenciara, estava assustado por um pesadelo que
tivera na noite anterior, como podemos conferir no trecho abaixo:

Você me diz em sua carta que está extremamente abalado por um


sonho, apreensivo que, talvez, isto lhe trará algum infortúnio no caso
que você está defendendo; e, portanto, deseja que eu a suspenda
por alguns dias, ou, no mínimo até amanhã. Isto não será uma tarefa
fácil, mas irei tentar (...). (PLINY, THE YONGER. Esp. XII, 1)

De acordo com Benabou (1975, p. 10), teria sido pela interseção de amigos
influentes junto a Trajano que o futuro autor iniciou o desempenho de cargos dentro
da administração imperial. Dentre esses, podemos encontrar novamente Plínio, com
o qual Suetônio estabelece relações políticas e intelectuais durante toda a sua vida.
Como observa mais uma vez Mendonça (2007, p. 12):

Após os anos de formação intelectual a que os cidadãos de sua


estirpe se entregavam, Suetônio, apadrinhado por duas influentes
personalidades, o escritor e político Plínio, O Jovem, e Septício
Claro, detentor de ambicionado cargo de comandante da guarda
pretoriana, entra no círculo do poder. Primeiramente, foi
administrador no governo de Trajano (98 d.C. – 117 d.C.) de
bibliotecas públicas (...).

O primeiro projeto referente às Bibliotecas Públicas partiu de Júlio César,


provavelmente quando este entrou em contato com a biblioteca de Alexandria, no
Egito. Tais bibliotecas logo se multiplicaram em Roma, espalhando-se pelas

38Se tomarmos como referência que seu nascimento se deu por volta de 70 d.C., em 88 d.C. ele
contava com dezoitos anos.
Cap.2. Entre Textos e os Contextos ....123

inúmeras províncias, transformando-se em importante fator para a difusão de obras


e de cultura em geral na sociedade imperial. Portanto, ao ocupar este cargo,
Suetônio teve contato com uma amplitude de obras, tanto gregas como romanas, as
quais foram utilizadas como alicerces em suas composições futuras. Além disso,
Suetônio também é comumente citado como um studiis do Imperador, ou seja, uma
espécie de pesquisador sobre o comando do governante. Esta ocupação é de
extrema importância, uma vez que teria preparado o autor para a pesquisa
documental.
Percebe-se, desta maneira, que Suetônio iniciou suas funções em meio à
Dinastia Flaviana. Nesta época, pode-se notar o florescimento das atividades
artísticas e literárias, as quais eram incentivadas por determinados Imperadores.
Ao desempenhar uma função administrativa dentro de uma biblioteca
imperial, Suetônio colocava-se no centro da ebulição cultural, sendo, inclusive,
influenciado por ela. O começo da carreira literária de Suetônio é incerto. Parece-
nos mais provável que esta tenha ocorrido sobre a proteção de Plínio, quando
Suetônio já ocupava sua função dentro da biblioteca imperial. Tal acepção nos
parece a mais acertada, pois Plínio, inúmeras vezes, refere-se a Suetônio como um
contubernalis39, uma espécie de pupilo.
Ainda, em meio ao governo deste Imperador, Suetônio, em 105 d.C., teria
finalizado uma de suas obras, sendo encorajado por Plínio a publicá-la. Atualmente,
não sabemos ao certo de qual obra se tratava, no entanto, é provável que em função
desta publicação, Suetônio, por volta de 111 e 112 d.C., já se tornara um autor
conhecido em meio à sua sociedade, recebendo as glórias por seus méritos
literários. Portanto, partindo de tal evento, podemos notar como os estudos literários
e a carreira pública aparecem entrelaçados na vida de Suetônio40.
Seria também em meio a estas funções que Suetônio teria iniciado a escrita
da obra que lhe deixara famoso: A Vida dos Doze Césares. Esta, segundo a
historiografia por nós aqui já citada, seria uma composição iniciada quando seu
autor contava com cerca de quarenta ou cinquenta anos, sendo escrita por um longo

39Termo militar normalmente aplicado para exemplificar uma relação entre um mestre e seu pupilo.
40Tal consideração também pode ser aplicada a outros homens deste período, como demonstra
Fergus Millar (2003, p. 54).
Cap.2. Entre Textos e os Contextos ....124

período de tempo, em um momento em que Suetônio já havia se estabelecido como


uma figura pública em meio a Roma e seu mundo intelectual.
Após o governo de Trajano, já na administração de Adriano, Suetônio passou
a ocupar o cargo de ab epistulis. Mais uma vez, neste ponto de sua vida, notamos a
influência de seus amigos pessoais, neste caso, o já citado Septício Claro, com
quem estabeleceu laços sociais através do intermédio de Plínio. Neste momento,
Septício era o comandante da Guarda Pretoriana de Adriano, o que torna provável
sua interseção pelo amigo autor. Mostra-se, desta maneira, a rede de sociabilidade
formada por Suetônio no decorrer de toda sua vida. Redes de sociabilidades
parecidas são criadas por Veléio e Plutarco com importantes homens de seus
respectivos períodos.
De acordo com Lindsay (1994:454), o posto de ab epistulis tem sua origem
em meio aos tempos republicanos, quando os generais postados em campos de
batalhas confiam os cuidados com a correspondência militar nas mãos de homens
específicos, oficiais particulares. A partir do Principado, foram inseridas certas
modificações nas funções de tais homens. Apesar de manterem, basicamente,
funções similares com os originais republicanos, o ab epistulis imperial ficava a
cargo de novas regras. Sua posição dependia, quase que exclusivamente, do
patronato do Imperador, ou seja, era selecionado de forma direta por este. A partir
de Augusto, este funcionário imperial passou a cuidar de toda a correspondência
imperial, inclusive daquelas relacionadas aos assuntos pessoais do Imperador.
Entre os governos de Domiciano e Adriano, os literatos possuíam a
preferência dos Imperadores para ocuparem este cargo. Além disso, os fatores
políticos também interferiam na seleção dos ab epistulis. Sendo assim, tanto o fato
de ser literato, quanto às intervenções de Septicio Claro, contaram como fatores
positivos para a nomeação de Suetônio.
Em meio às suas funções de ab epistulis, Suetônio participou ativamente do
governo de Adriano. Segundo Tácito, escritor contemporâneo a Suetônio, ele teria
viajado, em missão oficial, acompanhado pelo comandante da Guarda Pretoriana
para a Bitínia. Sobre suas possíveis viagens, nada pode ser afirmado. A
historiografia contemporânea apresenta dúvidas se Suetônio teria, ou não, saído de
Roma em meio às suas funções. Para o pesquisador Gascou (1978, p. 440), assim
como para Syme (1981, p. 110), estes deslocamentos seriam bem prováveis, porém,
Cap.2. Entre Textos e os Contextos ....125

ao invés de acompanhar apenas Septicio, o autor teria estado ao lado do próprio


Imperador.
Restam-nos dúvidas a respeito de até quando Suetônio teria ocupado o cargo
de ab epistulis no governo adrianino. As referências a respeito de sua demissão e os
motivos desta são inúmeros, sendo, em sua maioria, divergentes. Apesar de os
motivos não terem sido completamente definidos, sabe-se que o proeminente autor,
juntamente com Septicio, foi descartado de suas funções imperiais em algum
momento entre 122 e 128 d.C. Para Benabou (1975, p. 12) e Mellor (2002, p. 147),
os amigos foram vítimas de uma conspiração palaciana, fato que ocorrera em 122
d.C. e aparece confirmado pela obra Historia Augusta41. Já para Lindsay: “O maior
obstáculo em aceitar a antecipação da data do despejo de Suetônio é fornecer uma
explicação plausível para a ereção da inscrição adrianina em honra de Suetônio em
Hippo Regius. ” (LINDSAY, 1994, p. 463).
Essa inscrição teria sido realizada em 128 d.C., durante uma das viagens de
Adriano por aquela região, o que comprovaria que o autor romano ainda ocupava
seu cargo neste período.
Apesar de todas as explicações, a partir de 122 d.C., nada mais sabemos da
vida de Suetônio. Provavelmente, a contar pelos dados que relata em seus escritos,
deve ter vivido até 130 d.C. Mesmo assim, esta informação é imprecisa, não
podendo informar a idade que o autor aqui analisado chegou a alcançar. O que
certamente podemos afirmar é que, no momento de sua morte, Suetônio já tinha
publicado muito de seus escritos, os quais adquiriram certa repercussão dentro da
sociedade romana, espalhando-se por suas províncias, pelos séculos e pelas eras.

Lúcio Annaeu Floro: uma biografia ainda não desvendada.

Sobre a vida de Floro, quase nada sabemos. As pouquíssimas informações


que chegaram até os nossos dias, que foram passadas tanto pelas linhas deste
autor quanto por certas referências a seus escritos de outras autorias, são incertas e
nos remetem a muitas dúvidas e discrepâncias.

41O compilador da Vita Hadriani, presente na História Augusta, cita que, em 122 d.C., Septício Claro,
Suetônio e diversos outros homens são depostos de suas funções no governo de Adriano.
Cap.2. Entre Textos e os Contextos ....126

A princípio, como destacamos anteriormente, do autor de Epítome de Tito


Lívio não podemos nem ao menos afirmar que o nome lhe atribuído, Lucius Annaeus
Florus, é fidedigno42. Neste mesmo recorte temporal, há alusões a cinco Floros:
Lucius, Iulius, Publius e outros dois conhecidos apenas por Florus. Se estes são o
mesmo homem ou indivíduos diferentes, não sabemos.
Para Jeanne O’Neill (1999, p.80), Iulius Florus teria sido um escritor de sátiras
e poemas dos períodos de Augusto e, possivelmente, de Tibério, a quem teria
acompanhado em algumas viagens antes deste se tornar Princeps. Para ela: “Florus
deixou poucas marcas na história, o que pode sugerir que ele era relativamente
pouco distinto”. (O’NEILL, 1999, p.81). De suas obras, poucos fragmentos, de
autoria não totalmente comprovada, restam-nos.
De acordo com Gregorio Hinojo Andrés e Isabel Moreno Ferrera (2000, p. 13),
a obra Epítome foi vinculada a Lucius Annaeus Florus e a Publius Florus Annaeus
pelas características e pelos dados apresentados pelo texto. Para estes
pesquisadores, os dois praenomes são designados a um mesmo homem, o nosso
autor43.
Outro ponto de aproximação entre os praenomes Lucius e Publius estaria nas
similaridades apresentadas pelo o texto Epitome de T. Livio bellorum omnium
annorum DCC, cuja autoria é atribuída a Lucius, e a obra Vergilius orator an poeta,
de autoria de Publius. Em ambos, podemos encontrar certas semelhanças tanto nos
vocábulos utilizados, quanto no estilo de escrita dos autores. Tais características
fazem com que pesquisadores como Havas e Ferrera (2000, p. 14) defendam a
hipótese de que se trata de apenas um autor cujo nome foi modificado através dos
anos, principalmente após as publicações dos Códices medievais. Por sua vez, em
aquiescência com o acima citado, Edward Forster (1984, p. 07), tradutor e estudioso
da obra floreana, considera que Lucius, autor atribuído a Epítome, e Publius, poeta e
amigo do Imperador Adriano, seriam a mesma pessoa.

42Para tais informações, consultar Capítulo I, sub-item Floro e sua Epítome de Tito Lívio.
43As discrepâncias entre os nomes teriam suas raízes nas informações passadas em momentos
posteriores, tanto pelo Codex Palatinus 884, compilado, provavelmente, no século IX d.C., onde
aparece o nome de L. Annaeus Florus, quanto pelo Codex Bambergensis E, também datado do início
do século IX, que não apresenta praenomen algum.
Cap.2. Entre Textos e os Contextos ....127

Tal acepção está em concordância com a visão apresenta por Luigi Bessone
(1996, p. 150), o qual destaca que o praenomen Iulius refere-se a outro autor,
enquanto Lucius e Publius poderiam referir-se ao mesmo. Em suas palavras:

A identificação do Floro historiador com o retórico e poeta da época


adrianina coloca em discussão a questão do praenomen e do nomen,
onde a tradição manuscrita e a tradição indireta se divergem
substancialmente. Como já dissemos, a inscrição do Bambergense
atribuí a paternidade da Epítome a Júlio Floro, contudo, em sua
origem, pode ter ocorrido um erro: um trivial erro de transcrição (...).
Depois de dito isto, o problema parece circunscrito ao dilema de
aceitarem a menção a L. Ann(a)eus Florus, unanimemente traduzida
da parte C da Epítome, ou se optam pelo Publius Annius do V.O.A.P
e dos fragmentos mencionados na Carisio, que de fato não lhe
designam um praenomen.(BESSONE, 1996, p.150-151).

Para este mesmo estudioso, a origem do autor das linhas epitomais estaria
explícita na nomenclatura Annaeus, o que também é colocado pelos tradutores
espanhóis da obra floreana, os quais nos dizem que: “O Lucius Annaeus ou
Annaeus Florus, a quem a maioria dos manuscritos atribuem a Epítome e cujo o
gentilício o liga tradicionalmente com os Sênecas (...)”. (ANDRÉS; FERRERA, 2000,
p. 11). O gentilício indica a naturalidade da pessoa. Trata-se do nome designativo de
alguém em relação ao lugar onde nasceu, habita ou pertence. No caso, Annaeus faz
alusão ao fato de nosso Floro ter nascido em terras africanas, muito provavelmente,
em uma província romana localizada na África oriental, sendo integrante da gens
Annaea, que possuí como representantes Sêneca, Mela e Lucano44.
A data de nascimento do autor antigo aqui analisado também nos é incerta.
Em suas palavras:

Desde os tempos de César Augusto até a nossa própria época,


houve um período não muito menor que duzentos anos, durante o
qual, devido a inatividade dos imperadores romanos, o povo romano,
por assim dizer, envelheceu e perdeu sua potência, salvo aqueles
que agora, sob o governo de Trajano, agitam seus braços novamente

44Um códice vaticano, Urb. Lat. 462, considerava nosso autor como sendo pai de Lucano e irmão de
Sêneca. Tal hipótese foi contestada, uma vez que as próprias linhas epitomais deixavam entrever que
a obra teria sido escrita em um momento posterior a esses homens, no século II d.C.
Cap.2. Entre Textos e os Contextos ....128

e, ao contrário da expectativa geral, renovam seu vigor com


juventude, uma vez que esta foi restaurada. (FLORO, Epítome de
Tito Lívio I, 8. Grifo nosso).

Podemos, desta maneira, perceber que Floro insere seu próprio período em
sua narração, destacando que viveu durante o governo de Trajano, entre 98 e 117
d.C. A partir de tal colocação, Seymor (1984, p. 08) conclui que o autor epitomal
poder ter nascido entre 74 e 80 d.C., durante o principado de Nerva, tendo passado,
pelo menos, parte de sua infância e juventude no período trajânico. Na mesma
passagem, é-nos evidente a caracterização que o autor faz sobre os Princeps
romanos. Para ele, Augusto representa um bom Princeps, um governante que fez
com que Roma e seu povo demonstrasse seu vigor e resplandecência. O mesmo
Floro não diz acerca dos herdeiros júlio-claudianos. A força, a potência romana, só
iria aparecer novamente no próprio período floreano, com Trajano e, talvez, Adriano.
Em nossa visão, tais apontamentos se fazem importantes pois espelham dois pontos
primordiais para nossa pesquisa: primeiro, como Floro enxerga o Principado de
Augusto, realizando uma construção benéfica em torno da imagem deste
governante; segundo, que, provavelmente, este autor vivenciou partes dos governos
de Trajano e de Adriano, estabelecendo, inclusive, certo contato a nível pessoal com
este último Princeps. Ao equiparar, de certa maneira, Augusto a Trajano, Floro
procura homenagear o último, o que pode significar que a obra chegou ao
conhecimento deste Imperador e/ou de seus sucessores.
Neste ponto, concordamos com a historiografia consultada acerca de Floro45,
quando pesquisadores colocam que Lucius e Publius constituem um único indivíduo.
Através das menções do próprio autor, notamos a diferença que este estabelece
entre Princeps, principalmente Augusto e Trajano. Sendo assim, tudo nos leva a crer
que Floro, de alguma maneira, estabeleceu contato com o poder imperial, chegando
a, inclusive, ter exercido funções em meio a administração romana. Por exemplo, o
gramático Carisio, em sua Ars Grammatica46, cita dois breves fragmentos de

45 Pontos que discutimos no início deste sub-item.


46 CARISIO. Ars Grammatica. Edito de Barwick. Rome: Lipsae, 1925. Flavio Sosipatro Carisio foi um
gramático latino de origem africana de meados do século IV d.C., que desempenhou funções na
cidade de Constantinopla. Produziu cerca de cinco volumes intitulados de Ars Grammatica onde, em
Cap.2. Entre Textos e os Contextos ....129

correspondências trocadas entre um Annaeus Florus e o Imperador Adriano.


Análises semânticas e as consonâncias lexicais indicam que se trata de nosso autor.
Assim, é possível que estes dois personagens mantivessem uma relação constante,
chegando a constituir, até mesmo, uma relação de amicitia.
Logo, deparamo-nos com mais uma similaridade entre os autores antigos que
aqui analisamos: Veléio, Plutarco, Suetônio, Floro e Dión Cássio 47 estabeleceram,
mesmo que de maneiras diversas, contatos diretos com a administração romana e,
por conseguinte, com os Princeps. Ainda, dentre os cinco autores, a historiografia
sobre eles nos permite afirmar que, ao menos quatro48 exerceram funções públicas
na sociedade romana.
J. Desagnes (1993 – 1995, p.83), com o auxílio de resquícios arqueológicos e
através da análise de diversos registros romanos49, ressalva que Floro, em sua
infância e parte de sua juventude, estudou em Cártago, tendo aprendido o grego,
apesar de sua obra apresentar-se em latim. Posteriormente, o mesmo participou dos
Ludi Capitolini50, dos quais não saiu vitorioso. Para Andrés e Ferrero (2000, p. 18), a
decepção ocasionada pela derrota fez com que Floro deixasse Roma, viajando
através do Mediterrâneo, visitando terras egípcias e hispânicas, até se instalar em
Tarragona, na Hispânia romana, onde passou a dar aulas de Retórica.
Para Forster (1984, p. VIII), em concordância com os fragmentos epistolares
já citados, Floro teria retornado a Roma durante o principado de Adriano, período em
que escrevia sua obra e, possivelmente, tê-la-ia publicado.
Deste ponto em diante, não possuímos mais informações biográficas a
respeito de Floro. Nem ao menos uma data aproximada de sua morte nos restou.
Como memórias sobre ele só nos restam aquelas que foram deixadas em sua
controversa obra, pegadas que nos levam a entender, pelos menos algumas partes,
sua vida e sua própria história.

meios aos estudos da gramática latina, aborda a vida e os feitos de determinados personagens,
principalmente escritores da Antiguidade Clássica.
47 Sobre ele, trataremos ainda neste capítulo.
48 Até este momento, não possuímos muitos dados sobre as funções que Floro teria desempenhado

na sociedade romana.
49 As maiores referências biográficas sobre a vida de Floro se encontram nos fragmentos do Códice

de Brussels.
50 Eram jogos organizados pelo Capitolini, colégio cujos membros eram recrutados entre os

habitantes da colina do Capitólio. As origens destes jogos são remotas, provavelmente pré-
republicanas. Floro participou da edição destes jogos durante o governo de Domiciano.
Cap.2. Entre Textos e os Contextos ....130

Roma de Plutarco, Suetônio e Floro51

Plutarco nasceu em meio a uma sociedade grega, em Queroneia, na Beócia.


No entanto, tratava-se de uma cidade helena sob o domínio de Roma, onde
preponderava um hibridismo cultural.
O beócio é um dos autores antigos que mais expressam esta cultura híbrida
em seus escritos. Apesar de ser de origem grega e de ter sido educado em meio à
sociedade ateniense, este autor apresenta uma comunhão entre os valores gregos e
romanos. Como o pesquisador Boulogne (1994, p. 144) salienta, Plutarco seria um
mediador transcultural, uma vez que transitava entre as sociedades grega e romana
e escrevia sobre assuntos pertinentes às duas, sem opô-las nem contrastá-las, mas
sim, para integrá-las. Assim, para entendermos sua obra e sua repercussão dentro
da sociedade romana, é necessária uma rápida observação de como se encontrava
esse Império que o adotava como seu cidadão.
A vida de Plutarco transcorreu sobre o governo de vários Césares, assim
como a de Suetônio e, possivelmente, a de Lúcio Floro. Tratava-se de um período
turbulento, marcado por conspirações políticas e rápidas sucessões imperiais.
Nasceu sobre o Império de Tiberius Claudius Caesar Augustus Germanicus,
comumente citado pela historiografia sobre o período com o nome de Cláudio. Este
Imperador permaneceu no poder até 54 d.C., quando ascende ao cargo Nero
Claudius Cæsar Augustus Germanicus, o qual governou até o ano de sua morte, 68
d.C52.
A sucessão imperial após o governo de Nero deu-se de forma crítica, uma vez
que este foi o último Imperador da Dinastia Júlio-Claudiana. O governo, no período
de um ano, foi ocupado por quatro Imperadores, ocasionando um verdadeiro caos
em meio à política e à sociedade romana, instaurando, de acordo com Richard

51 As vidas de Plutarco, Suetônio e Floro transcorrem, de certa forma, sobre o governo dos mesmos
Imperadores. Sendo assim, trabalharemos com a contextualização deste período do Principado uma
só vez. Porém, é necessário salientar que a periodização de cada autor dentro do arco cronológico do
Principado Romano é diferente e destacaremos tal ponto. Dión Cássio, por sua vez, nasce entre os
governos de Antônio Pio e Marco Aurélio, porém, podemos notar que é durante a Dinastia dos
Severos que aparece em evidência em meio à sociedade romana, exercendo funções públicas e
desempenhando um importante papel. Por este motivo, abordaremos o seu contexto histórico
separadamente, nos aprofundando no período Severiano.
52 Limitar-nos-emos a analisar, com maior profundidade, os governos da época em que Plutarco,

Suetônio e Floro tiveram maior contato com a política romana e período no qual, provavelmente,
redigiram a maior parte de seus escritos, inclusive as Biografias e a Epítome que aqui analisamos.
Cap.2. Entre Textos e os Contextos ....131

Alston (1998, p. 107), conflitos civis. Galba, o primeiro a ocupar o cargo,


estabeleceu-se no poder, aproximadamente, de 8 de junho de 68 d.C. a 15 de
janeiro de 69 d.C. Governou por sete meses e, contando com setenta e dois anos de
idade, foi assassinado por Otho, homem que o sucedeu no desempenho da função
imperial. Este, por sua vez, governou por um período de, aproximadamente, quatro
meses, sendo sucedido por Vitélio, que ocupou a função de Imperador até dezembro
de 69.d.C..
Em 69 d.C., iniciou-se um novo período imperial romano. Tratava-se da
ascensão da Dinastia Flaviana, inaugurada pelo governo de Vespasiano. De origem
modesta, descendia de uma família da ordem equestre, que atingira a ordem
senatorial durante os reinados dos Imperadores da Dinastia Júlio-Claudiana.
Designado cônsul em 51 d.C., segundo Levick (2003, p. 16), Vespasiano renomou-
se como comandante militar, destacando-se na invasão romana da Britânia.
Comandou as forças romanas que fizeram face à rebelião dos judeus de 66 d.C.. Na
ocasião do falecimento de Nero, o comandante encontrava-se na região que hoje
conhecemos como Jerusalém.
Após a rápida sucessão e falecimento de Galba e Otho e a ascensão ao
poder de Vitélio, os exércitos das províncias do Egito e Judeia proclamaram
Vespasiano Imperador no dia primeiro de julho de 69 a.C. É em meio a este governo
imperial que nasce Caio Suetônio Tranquilo.
De acordo com o estudo de Kenneth Wellesley (2005, p. 203), no seu
caminho para o trono imperial, Vespasiano aliou-se ao governador Caio Licínio
Muciano, responsável pela administração da região da Síria. Segundo a
historiografia, este teria sido quem conduziu as tropas de Vespasiano contra Vitélio,
enquanto o futuro Imperador tomava o controle sobre o Egito. Em finais de
dezembro, o Senado romano proclamou Vespasiano como o novo Imperador de
Roma.
Efetivamente, sobre seu governo, pouco sabemos. Há um consenso na
historiografia que aqui analisamos, tais como em Levick (2003, p. 18), Wellesley
(2005, p. 206) e Haroldo Marttingly e Edward Sidenham (1968, p. 24), sobre a
austeridade que este homem apresentou em seus anos imperiais. Com o auxílio de
colaboradores, tais como Muciano, o Imperador teria aumentado diversos impostos,
inclusive criando novos, instaurando uma nova política fiscal romana. Tal ato
Cap.2. Entre Textos e os Contextos ....132

ocasionou revoltas nas Províncias romanas, que se viram sobrecarregadas com as


novas taxas impostas (LEVICK, 2003, p. 67). Vespasiano foi um dos Imperadores
romanos que mais utilizou a arma propagandística com o intuito de consolidar e
legitimar sua posição política, ação que pode ser vista tanto na cunhagem de
moedas como na literatura de sua época53.
Vespasiano faleceu em junho de 79 d.C., segundo a pesquisadora Miriam
Griffin (2008, p. 46), o Imperador teria sido vítima de uma espécie de infecção
intestinal. Como possíveis sucessores, deixava dois filhos: Tito Flávio e Domiciano,
os quais, nesta época, já ocupavam cargos políticos e militares de importância.
Sem os problemas sucessórios dos governos anteriores, Tito, o herdeiro mais
velho de Vespasiano, ascendeu ao poder logo após a morte de seu pai. Nessa
época, além de ter alcançado idade suficiente para ocupar o cargo, já possuía o
poder tribunício e estava designado para exercer, em 80 d.C., o consulado junto a
seu pai. Em outras palavras, já possuía certo renome e poder político em meio à
sociedade romana, o que facilitou o seu estabelecimento como novo Imperador de
Roma. Entretanto, o seu governo foi breve, apresentando alguns acontecimentos de
importância. Durante esse período, o anfiteatro flaviano foi inaugurado, obra que
teve início com Vespasiano, que morreu antes de concluir a gigantesca construção
deste importante edifício público, agora conhecido como Coliseu. Esta época é
marcada pela erupção do Vesúvio (79 d.C.) e pelo incêndio de Roma (80 d.C.). As
atitudes deste Imperador frente a tais tragédias fizeram com que este adquirisse
certa popularidade em meio aos cidadãos romanos.
Após dois anos de seu Principado, Tito Flávio faleceu, legando o comando de
Roma a seu irmão Domiciano. Este, de acordo com Griffin (2008, p. 54), ao contrário
de seu irmão mais velho, não havia ocupado cargos militares de destaque nem
desempenhado funções administrativas que lhe dessem evidência no meio social
romano do século I d.C.. Como salienta Richard Alston: “Com a súbita morte de Tito,
Domiciano emerge da sombra de seu irmão para tornar-se Imperador.” (1998, p.
133).

53 Segundo Mattingly e Sydenham (1968, p. 04), as moedas cunhadas no período do governo de


Vespasiano traziam em uma de suas faces inscrições sobre suas vitórias militares, além de exaltarem
as atitudes benéficas de seu governo. Os escritores de sua época demonstram certa peculiaridade ao
relatar os feitos deste Imperador, o qual aparece, de certa maneira, sendo exaltado.
Cap.2. Entre Textos e os Contextos ....133

Tradicionalmente, o período imperial de Domiciano é descrito como uma


época de tirania e terror. Seu comportamento pessoal, a manipulação do Senado e
suas condutas militares e administrativas atraíram inúmeras críticas de seus
contemporâneos. No entanto, atualmente, esta visão é contestada por
pesquisadores como Brian W. Jones (2002, p. 194), que enxerga este Princeps
como um autocrata, porém eficiente em sua administração, a qual foi marcada por
anos de prosperidade cultural e econômica.
Domiciano interveio em todos os ramos da política imperial, diminuindo ainda
mais o papel do Senado dentro da sociedade. Em seu período, o poder não se
encontrava centralizado em Roma, mas sim na pessoa do Imperador. O poder
estava onde ele estivesse, ou seja, era personificado por ele. Economicamente,
apresentou-se uma certa estabilidade durante seu Principado, demonstrada pelo alto
número de cunhagem de moedas. Neste momento, podemos encontrar Plutarco em
meio à sociedade romana imperial e, como ressaltamos anteriormente, chega a
desempenhar nesta funções administrativas.
Seu Império terminou após quinze anos, em 96 d.C., com seu assassinato
através de uma conspiração palaciana54. Com sua morte, deu-se o fim da Dinastia
Flaviana e o início da Dinastia Antonina, que apresenta como principais expoentes
Nerva, Trajano e Adriano.
Logo após o assassinato de Domiciano, o Senado proclamou o novo
Imperador: Nerva. Este, nascido por volta de 35 d.C., provinha de família ilustre,
tendo ocupado importantes cargos militares e políticos durante as administrações de
Nero, Vespasiano, Tito e Domiciano. Galgou por diversos cargos, desde o Pretorado
até o Consulado, adquirindo, assim, certo destaque em meio às Dinastias
governantes. Na época do assassinato de seu predecessor, não sabemos ao certo
qual era o papel desempenhado por Nerva. Por não se constituir em um provável
candidato ao supremo cargo imperial, alguns estudos defendem que o novo
governante fez parte da conspiração ou, ao menos, estava ciente desta. No entanto,
nada se pode afirmar.

54 Suetônio descreve torrencialmente esta conspiração na biografia deste Imperador.


Cap.2. Entre Textos e os Contextos ....134

A ascensão de Nerva55 possui uma aura nebulosa ao seu redor.


Primeiramente, não era integrante das famílias dinásticas anteriores, nem ao menos
possuía fortes vínculos com seus predecessores. Ainda, ao tornar-se Imperador,
esse já se encontrava em idade avançada, com a saúde um tanto debilitada
(ALSTON, 1998, p. 145). No entanto, apesar de tais características, Nerva pode ter
sido considerado pelo Senado um candidato seguro, passando a desempenhar seu
novo cargo em setembro de 96 d.C., um dia, senão horas, após o assassinato de
Domiciano.
O governo nerviano teve pouca durabilidade, porém inaugurou um novo
período em Roma, em que o Senado passou a desempenhar um papel de maior
destaque. Logo, é possível notar que este Imperador possuiu mais prestígio com a
ordem senatorial que seu antecessor. Todavia, no que diz respeito aos outros meios
sociais, Nerva não adquiriu um alto nível de popularidade, o que transpareceu em
certos aspectos vulneráveis de sua administração, principalmente ao que diz
respeito às relações entre o Princeps e o exército. Além disso, esse período da
sociedade romana é marcado por tensões políticas, as quais se expressam através
de conspirações, revoltas e assassinatos.
Após dois anos de governo, nos últimos dias do mês de janeiro de 98 d.C.,
Nerva falece aparentemente de causas naturais. Apesar da repentina morte, não
houve problemas sucessórios, uma vez que o Imperador havia garantido a ascensão
de um herdeiro de sua escolha através da adoção56, quando em vida, de Trajano.
Marco Úlpio Nerva Trajano descendia de destacada família, que não era de
origem romana57, porém renomou-se em meio à sociedade latina pelo êxito de seus
integrantes em carreiras militares, como mostra o fragmento a seguir:

Trajano era uma escolha interessante. Seu pai havia desfrutado de


uma distinta carreira militar. Ele havia servido com Vespasiano e Tito
na Judeia, tornando-se governador da Síria. A carreira de seu filho
necessitou ser reconstruída a partir dos Panegíricos de Plínio (14 –
15). Iniciou sua carreira militar já com alguma distinção, servindo
junto a seu pai na Síria. Subseqüentemente, foi enviado para a

55 De acordo com Gregorio Hinojo Andrés e Isabel Moreno Ferrero (2000, p. 18), Floro teria nascido
entre 98 d.C. e 117 d.C., no final do governo de Nerva e princípio do governo de Trajano.
56 Nerva não possuía filhos, sendo assim, não possuía herdeiros do próprio sangue.
57 A família de Trajano provinha de uma parte da Hispânia, província romana.
Cap.2. Entre Textos e os Contextos ....135

Espanha, onde uniu-se a Domiciano contra a revolta de Saturnino.


Plínio nos relata que tal revolta já tinha terminado quando Trajano
chegou à Germânia. No entanto, a sua demonstração de lealdade o
conduziu a uma função a ser desempenhada ainda na Germânia,
onde serviu durante um longo período, embora o papel que
desempenhou seja desconhecido.
Ele tornou-se cônsul em 91 d.C., retornando à Germânia Superior
anos mais tarde, agora desempenhando a função de Governador.
Ainda desempenhava tal função quando foi escolhido por Nerva
como Imperador. (ALSTON, 1998, p. 145)

O pesquisador John Grainger (2003, p. 110), também concorda com o


historiador citado acima ao estabelecer como um dos principais motivos da adoção
de Trajano o desempenho deste nos cargos militares que ocupou. O fato de o pai do
futuro Imperador ter desempenhado, além de funções militares, cargos senatoriais, é
um importante indicador do prestígio de sua família dentro da política romana.
Entretanto, é necessário ressaltar que ao assumir o Império, em 98 d.C.,
Trajano já contava com certa popularidade entre os romanos, característica que só
aumentou no decorrer de sua administração. Seu governo foi marcado pela
reorganização do Império, tanto interna quanto externamente, tendo, inclusive,
expandido as fronteiras romanas através de novas conquistas militares e territoriais.
Nesta época, podemos notar uma proliferação de obras arquitetônicas e literárias, o
que demonstra, em nossa concepção, o comprometimento deste Imperador com
assuntos de âmbito cultural. É neste governo imperial que podemos encontrar
Suetônio e suas primeiras funções imperiais.
Durante este período, em meio às nossas pesquisas, podemos notar um
florescimento da literatura. Um dos motivos para isso estaria localizado na nova
política de Trajano, a qual aparentava ser um pouco mais liberal do que as de seus
antecessores, fator que contribuiu para o surgimento de novos autores e estilos
literários. Teria sido em meio a esta proliferação literária do Principado de Trajano,
quando Suetônio iniciou sua carreira no meio imperial, que Plutarco escrevera
grande parte de suas obras, principalmente suas biografias.
Julian Bennett (1997, p. 136), assinala que as visitas de Plutarco ao território
romano para fins acadêmicos teriam ocorrido entre os governos de Domiciano,
Nerva e Trajano e, durante esse útlimo, o beócio teria encontrado maiores incentivos
para a produção e divulgação de suas obras.
Cap.2. Entre Textos e os Contextos ....136

Trajano governou até 117 d.C., ocasião de sua morte, sendo sucedido por
Adriano. Não se sabe ao certo se Trajano chegou a adotar seu sucessor. Para
Griffin (2008, p. 150), existe a possibilidade dessa adoção ter sido pós-mortem, algo
fabricado por Plotina, viúva do Imperador.
Públio Élio Trajano Adriano, mais conhecido apenas como Adriano, era filho
de Públio Aélio Adriano e Domicia Paulina, originários de uma província romana
localizada na Hispânia. Em sua juventude, Adriano participou ativamente das
campanhas militares sobre o comando de Trajano, destacando-se em meio a estas
e recebendo, em detrimento disto, inúmeras magistraturas e funções administrativas
junto a Roma. De acordo com Lindsay (1994, p. 455), Adriano ascende ao poder
após a morte de Trajano, quando contava com quarenta e um anos de idade.
De acordo com Mary T. Boatwright (2008, p. 161), o período adrianino foi
marcado por uma extensa experiência militar, política e religiosa por parte do
governante romano. Apesar dos rumores sobre sua adoção e de sua suposta
inequidade para o comando, Adriano mostrou-se apto para o novo papel que
desempenhara.
Como Imperador, Adriano, inicialmente, concentrou-se no exército e na
reorganização das províncias romanas, uma vez que a sociedade romana, neste
período, enfrentava certa instabilidade em ambas as partes. Os principais distúrbios
eram provenientes da Segunda Revolta Judaica, ainda não totalmente suprimida no
início do governo adrianino, e de certas agitações nas regiões da Mauritânia e da
Britânia. (BOATWRIGHT, 2008, p. 163). Suas ações, a princípio, foram destinadas a
tais eventos.
Segundo A. R. Birley (2008, p. 138-139), Adriano ainda estaria em regiões da
Britânia quando se desfez de Septicío Claro, praetorian prefectus, e de Suetônio, ab
epistulis, que, até o momento, integravam sua comitiva. Os motivos para tais
desligamentos, como já destacamos, ainda são incertos. Para o autor supracitado, o
motivo apresentado pela História Augusta58, onde tanto Septício quanto Suetônio,
apresentaram ações repreensíveis na presença de Sabina (esposa de Adriano),
mostram deveras incertezas. Para Boatwright (2008, p. 139), tal ação de Adriano,
para além de sua suposta possessividade com a esposa, teve como intento,

58 HA Hadr. 16.2–4; 11.3.


Cap.2. Entre Textos e os Contextos ....137

demonstrar a sua posição frente ao Império romano, sendo que, nas palavras da
autora: “Adriano emerge como um homem que nunca pode esquecer os deveres de
sua posição.” (2008, p. 139).
Adriano, seguindo os precedentes de Augusto, também se envolveu
diretamente com as questões legais e administrativas romanas59. A historiografia
que aqui analisamos parece-nos concordar quando relatam que as ações de Adriano
referentes a tais assuntos romanos demonstravam certa impaciência, deste
Imperador, com a corrupção que assolava determinadas instituições romanas. Ao
mesmo tempo, em nossa visão, certas atitudes do Imperador nestes campos de
atuação também colocam em perspectiva sua concepção do Princeps como sendo
aquele responsável por criar as leis e por executá-las. Tal característica é salientada
por Dión Cássio, que nos diz:

Ele conduziu quase todos os assuntos importantes em conjunção


com o Senado, e ele ouviu casos sobre os mais insignificantes
assuntos, algumas vezes no palácio, outras no Fórum ou no Panteão
ou, ainda, em muitos outros lugares com uma plataforma levantada,
pois assim os procedimentos seriam públicos. Ele também se unia
aos cônsules quando estes fossem julgar certos casos (...). (DIÓN
CÁSSIO, História Romana LXIX, 7)

Notamos, através do excerto acima, que Adriano, por vezes, exerce o papel
de juiz, concentrando em suas mãos uma das mais importantes posições dentro do
sistema jurídico romano. É durante esse Principado que notamos o surgimento de
maiores evidências relacionadas a Floro, um de nossos escritores. Como colocamos
anteriormente, Floro, possivelmente, manteve contato com este governante,
principalmente, através de cartas.
Adriano também é o responsável por articular um imponente serviço imperial,
onde antigas funções foram reabilitadas e novos cargos foram criados. Com isto, o
sistema administrativo imperial romano ampliou-se, tornando-se, de certa forma,
mais eficiente.
Outra característica importante acerca deste Imperador, como nos mostra
Alicia Canto (2004, p. 375), é que Adriano era um grande admirador da arte e da

59 Este quesito de seu governo é demonstrado pela cunhagem de moedas durante o período, onde
ele aparece relacionado com a personificação da Iustitia (justiça).
Cap.2. Entre Textos e os Contextos ....138

literatura, principalmente, aquelas de origem helênica. Com essa visão concorda


Boatwright, a qual nos diz:

(...) Ele sempre esteve envolvido com a literatura, escrevendo, ele


mesmo, poesias e prosas, procurando por lugares históricos,
debatendo pontos sobre gramática e estilo com estudiosos e
reconfirmando privilégios para filósofos, retóricos e gramáticos.
(2008, p. 176).

Em nossa concepção, tal aspecto adrianino se faz importante pois foi sob seu
governo que autores como Suetônio e, possivelmente, Floro escreveram parte de
suas obras60. O florescimento cultural pode ser visto, até mesmo, nos edifícios
romanos, sendo que novos foram construídos e antigos foram reformados, como é o
caso do Panteão romano61.
Sobre os últimos anos de vida deste Imperador, pouco sabemos. Os relatos
acerca de Adriano, especialmente nos tempos finais de seu governo, remetem, em
sua grande maioria, as suas viagens e campanhas fora de Roma. Sabemos que
este foi acometido por uma doença cardíaca, que o deixava cada vez mais
incapacitado de realizar as tarefas de um governante. (DIÓN CÁSSIO, História
Romana 69, 17-20). Por este motivo, Adriano teria adotado Tito Aélio Aurélio Fúlvio
Antônio62, homem mais velho e experiente que, por sua vez, a pedido de Adriano,
adotou os dois jovens sobrinhos de sua esposa, os quais seriam, posteriormente,
chamados de Marco Aurélio e Lúcio Vero.
Adriano faleceu de causas naturais em 10 de julho de 138 d.C. aos sessenta
e dois anos de idade. Seu herdeiro, Tito Antônio, mais tarde denominado como

60 Sobre a vida de Floro os dados são escassos. Discussões historiográficas, como as apresentadas
por Paul Jal (1967, p. CIII), situam seus escritos entre os governos de Trajano e Adriano, porém, não
há uma datação específica de quando sua obra teria sido elaborada. Em nossa concepção, podemos
perceber determinados resquícios na obra floreana que nos remetem a Dinastia Antonina. Por não
podermos determinar um período aproximado, ater-nos-emos a descrever as considerações
principais acerca de todo este período.
61 O Panteão, originalmente, tratava-se de uma pequena construção realizada por Marco Vipsânio

Agripa em 27 a.C. Segundo alguns relatos antigos, este prédio foi parcialmente destruído por um
incêndio em 80 d.C., sendo reconstruído por Adriano em 125 d.C. A inscrição,
M.AGRIPPA.L.F.COS.TERTIUM.FECIT, foi mantida pelo Imperador na fachada do prédio.
62 No momento da adoção passou a ser chamado de Titus Aelius Aurelius Caesar Antoninus. Era filho

de Tito Aurélio Fúlvio, procedente de Nemauso, e de Árria Fádila, filha de Árrio Antonino, pertencente
ao círculo de amizades de Plínio, o Jovem.
Cap.2. Entre Textos e os Contextos ....139

Antônio Pio63, contava com cinquenta e um anos de idade e com pouquíssima


experiência na política romana64. Apesar disto, a sucessão de Adriano, conforme os
relatos antigos com os quais temos contato65, aconteceu suavemente, sem grandes
oposições tanto por parte do Senado quanto por parte do povo romano.
O governo de Antônio Pio durou cerca de vinte e três anos, tendo transcorrido
de forma relativamente tranquila, apesar de alguns distúrbios provinciais, como o da
Mauritânia, o da Judeia e o da Britânia, sendo que este último teria sido o motivo
principal para a construção da Muralha Antonina, fortificação próxima à Muralha de
Adriano. O Imperador manteve-se em terras itálicas durante todo o período de seu
principado, governando as terras provinciais através de governadores e de demais
representantes imperais. O mesmo teria feito para a supressão das revoltas e com
as batalhas entre o exército romano e outros povos.
Durante seu governo, podemos notar uma extensa preparação de Marco
Aurélio e de Lúcio Vero para a sucessão imperial. Adotados por Pio por desejo de
Adriano, ambos desenvolveram papéis e carreiras políticas e sociais que
culminariam, posteriormente, na ascensão imperial66. Em 161 d.C., ano da morte de
Antônio Pio67, Marco e Lúcio eram cônsules juntos. Neste momento, Marco já
detinha o imperium e o poder tribunício há alguns anos, sendo estes dois dos
quesitos principais para sua posição como Imperador. Contudo, na ocasião da morte
de seu pai adotivo, ambos, a pedido do próprio Marco 68, receberam as titulações de

63 O cognome Pio, de acordo com Birley (2008, p. 184) foi acrescentado ao nome deste Imperador
por sua iniciativa pela deificação de seu antecessor, Adriano, junto ao Senado romano.
64 Segundo autores como Birley (2008, p. 149) e Boatwright (2008, p. 181), a experiência anterior

deste Imperador limitava-se ao período de seu proconsulado (134 – 135 d.C.).


65 Referimo-nos aqui à obra de Dión Cássio e a História Augusta, as quais nos expõem determinadas

partes deste período.


66 Para muitos pesquisadores, dentre eles Birley (2008, p. 190 – 191), Marco Aurélio tinha a

preferência de Antônio Pio, o que fazia com que Lúcio fosse deixado de lado muitas vezes. Um
exemplo disto é que, em jornadas oficiais por Roma, Marco sentava-se no mesmo veículo que o
Imperador, enquanto a Lúcio era destinado um lugar na carruagem seguinte, junto ao Prefeito
Pretoriano. Além disso, apesar da idade próxima entre ambos, Marco era o primeiro a desenvolver
cargos em meio a Roma, enquanto Lúcio os desenvolvia em um momento posterior.
67 Os escassos relatos sobre este Imperador nos deixam entrever que sua morte teria ocorrido por

causas naturais originárias de sua avançada idade.


68 Para muitos estudiosos deste período, esta ação de Marco Aurélio estaria relacionada a Adriano, o

qual teria expressado o desejo de que tanto Marco quanto Lúcio se tornassem Imperadores. Seria
uma manobra política, onde o novo governante demonstra o respeito pela memória do Imperador
Adriano.
Cap.2. Entre Textos e os Contextos ....140

Augustus. Os novos co-Imperadores adotaram os nomes de Marcus Aurelius


Antoninus 69 e Lucius Aurelius Verus70.
Desde o princípio, Marco possuía uma auctoritas maior que seu co-
Imperador, uma vez que detinha titulações imperais há mais tempo, tendo obtido a
titulação de César desde 139 d.C. e nomeado Pontifex Maximus, ao contrário de
Lúcio, que iniciou tardiamente sua carreira política. A suposta superioridade de
Marco também encontrava respaldo no fato de que este estava casado com
Faustina há quinze anos, tendo como frutos onze filhos71, enquanto Lúcio, com
cerca de trinta anos, não havia se casado até o momento.
O governo destes Imperadores antoninos passou por profundas conturbações
políticas, militares e econômicas. De início, como ressalva Frank Maclynn (2009, p.
207), uma severa inundação do rio Tibre causou a destruição de muitas construções
públicas e particulares na cidade, além de destruir plantações e criações em suas
margens. Porém, os principais problemas relatados eram de origem externa,
principalmente com os partas sob o comando do rei Vologaeses III, que invadiram a
região que atualmente é conhecida por Armênia. Deste local, partiram para a Síria e
para a Britânia, chegando, inclusive, a ocuparem a Muralha Antonina. Como o
próprio Dión Cássio nos fala, Lúcio Vero foi o Imperador escolhido para lidar
pessoalmente com os levantes que afligiam as terras sírias pois seu porte físico e
sua menor idade o distinguiam para tanto. Enquanto isso, Marco, mais velho que
Lúcio, ficou em Roma, onde a presença de um dos Imperadores fazia-se necessária.
(DIÓN CÁSSIO, História Romana LXX I, 1-3).
A visão apresentada por Dión destoa daquela que encontramos nas linhas da
História Augusta, a qual relata que Vero foi enviado pois:

(...) ou para que suas imoralidades não fossem realizadas na


cidade, aos olhos de todos, ou para que as viagens para outras
terras lhe ensinassem parcimônia, para que retornasse com o caráter

69 Marco substituiu o Verus por Antoninus em homenagem ao seu antecessor, Antônio Pio.
70 Lúcio substituiu o nome Commodus lhe atribuído em seu nascimento pelo nome Verus, que fora
dado a Marco inicialmente.
71 No momento de sua nomeação como Augustus, Marco Aurélio tinha quatro filhas vivas e sua

esposa estava grávida. Desta gravidez, vieram gêmeos, os quais receberam os nomes de T. Aurelius
Fulvus Antoninus, em homenagem a Antônio Pio, e L. Aurelius Commodus, em homenagem ao co-
Imperador.
Cap.2. Entre Textos e os Contextos ....141

reformado pelo medo inspirado pela guerra, ou, ainda, para que
compreendesse que era um Imperador. (HA, Verus 5,8).

Independente do motivo, sabemos que Lúcio Vero participou do controle dos


levantes na Síria, deslocando-se para os territórios ocupados pelos partas e
passando grande parte do inverno em Antioquia72. Após viajar por terras da Síria,
Armênia e Mesopotâmia, Vero retorna a Roma como vitorioso em 166 d.C., onde
recebe, juntamente com Marco, os triunfos e o título de Pater Patriae.73
Contudo, em 169 d.C., de acordo com os relatos com os quais temos
contato, novamente em campanha militar, o co-Imperador sucumbe vítima de uma
praga que assolou as legiões romanas. Marco o deificou, transformando-o em Divus
Verus.
Durante os anos seguintes, Marco Aurélio lidou com várias invasões aos
territórios fronteiriços romanos, além de muitos levantes em províncias. Em 177 d.C.,
Cômodo, já nomeado César, foi nomeado Augusto, tornando-se co-Imperador com
seu pai.
Marco Aurélio faleceu em 17 de março de 180 d.C., durante uma expedição
contra os marcomanos, que cercavam Vindobona74. Seu filho, que contava com
dezoito anos, tornava-se o único Imperador de Roma.
Desde a adoção de Trajano por Nerva, Cômodo foi o primeiro Imperador a
ascender ao poder por laços consanguíneos diretos e não pelo sistema de adoção
utilizado por toda a dinastia Antonina. Para Dión Cássio, a era de ouro propagada
por Marco Aurélio foi seguida por uma de ferro e ferrugem inaugurada por seu
herdeiro. (DIÓN CÁSSIO, História Romana 71, 3-4).
Ao contrário de seu pai, Marcus Commodus Antoninus, nome adotado após
sua ascensão, governou com certa oposição do Senado. Jakob Hojte (2005, p. 40)
salienta que este desentendimento entre o Imperador e o Senado pode ser fruto das
ações iniciais do governante, o qual encerrou a guerra germânica iniciada pelo seu

72 Em meio à guerra contra os partos, em 163 d.C. Vero casou-se com a filha de Marco com Faustina,
Lucila, de treze anos. Desta união, nasceram três herdeiros. Mais uma vez, notamos o casamento em
Roma como forma de negociação política.
73 Segundo Birley (2008, p. 195) e Mclynn (2009, p. 267), a pedido de Lúcio, Cômodo e seu irmão

mais novo, Ânnio Vero (o outro gêmeo havia falecido anos antes), são nomeados Césares.
74 Atual Viena, na Áustria.
Cap.2. Entre Textos e os Contextos ....142

pai, impondo um acordo de paz e impedindo, desta maneira, o usufruto de tais terras
pelas elites romanas.
Apesar disto, Cômodo governou por cerca de doze anos. Sua morte, assim
como a de muitos imperadores, é cercada de mistérios. Nos últimos anos de sua
vida, de acordo com pesquisadores como Birley (2008, p. 191) e Mclynn (2005, p.
340), o governante passou a se dedicar a outras atividades, tais como as lutas
gladiatórias. Tamanho foi seu interesse que se tornou um gladiador, chegando a
participar de combates na arena romana. No curso de 192 d.C., as inclinações
patológicas de Cômodo75 tornaram-se mais graves. Neste período, o Princeps se
identificava como o Hércules romano, o fundador mitológico de Roma, a qual ele
passou a denominar como colonia Comodiana, ao mesmo tempo que se auto-
intitulou Lucius Aelius Aurelius Commodus Pius Felix Augustus, às vezes com as
alcunhas de Amazonius, Invictus, Herculeus, Romanus, Exsuperatorius.
Seus supostos devaneios culminaram em seu assassinato no ano de 192 d.C.
Para Dión Cássio (História Romana LXXII, 20) e Herodiano (História do Império
Romano Após Marco Aurélio XV, 1), uma trama articulada por Laetus, Ecletus e
Marcia, amante de Cômodo, levou ao envenenamento do Imperador e,
posteriormente, ao seu estrangulamento pelas mãos do atleta Narciso. Com ele,
chegou ao fim a Dinastia dos Antoninos. O ano seguinte, de 192 a 193 d.C., foi
governado por nada menos que quatro imperadores76, sendo que apenas em
meados de 193 d.C. ascende ao poder um imperador que o manteria por um tempo
relativamente maior, Septímio Severo, que inaugurava a Dinastia Severiana em
Roma77.
A partir dessa exposição sobre o poder imperial, podemos notar que Plutarco
e Suetônio viveram em períodos muito próximos, enquanto a vida de Floro, suspeita-
se, estendeu-se um pouco mais, adentrando-se mais profundamente na Dinastia
Antonina. Plutarco nasceu durante o governo de Nero, passando, durante a sua
infância e juventude, pelos governos de Galba, Otho, Vitélio e Vespasiano. Suas
visitas a Roma e suas primeiras funções administrativas ocorreram sobre Tito,

75 Emprestamos este termo do especialista na Dinastia Antonina, A. R. Birley (2008, p. 191).


76 Pertinax (31 de dezembro de 192 a 28 de março de 193 d.C.), Didius Julianus (de 28 de março a
01 de junho de 193 d.C.), Pescennius Niger (usurpador – governou por poucos dias) e Claudius
Albinius (ursupador – governou por poucos dias).
77 Sobre esta, trataremos posteriormente, quando nos referirmos a Dión Cássio e à sua sociedade.
Cap.2. Entre Textos e os Contextos ....143

Domiciano e Trajano, morrendo no princípio do governo de Adriano. Por sua vez,


Suetônio teria nascido sobre o governo de Vespasiano, passando sua infância e
juventude sobre o governo de Tito, despontando no cenário romano no decorrer do
império de Domiciano e desempenhando suas primeiras funções administrativas
sobre Trajano e Adriano.
Os dados sobre a vida Lúcio Floro são escassos, porém as linhas de sua obra
nos deixam entrever que este vivenciou um período bem próximo dos biógrafos
acima citados, tendo nascido por volta de 98 d.C.78, durante o governo de Trajano,
crescido e passado sua juventude entre os impérios deste e de Adriano. Em sua
obra, podemos encontrar alusões aos principados tanto de Adriano quanto aos de
Antônio Pio e Marco Aurélio, 79o que nos faz acreditar que parte de sua criação
literária teria sido elaborada durante o governo de tais Princeps.
Logo, percebemos como estes autores viveram e desempenharam funções
em meio a Roma em épocas muito próximas, o que, para nós, é visto como mais
uma das semelhanças entre estes autores e suas obras.
Notamos, ainda, que esse era um período tumultuado, em que a sociedade
romana passou por conturbadas crises sucessórias. Tratava-se de uma época
composta por ebulições políticas e sociais que se manifestavam através de
numerosas revoltas, conspirações e assassinatos. O poder era transitório,
passando, por vezes, rapidamente, de mão em mão. Cada Imperador governava de
uma maneira, seguindo conceitos e políticas próprias. Este era um momento onde o
caráter e a moral dos homens no poder estava em evidência e demonstravam suas
aptidões para a administração da sociedade e da política.
Plutarco, Suetônio e Floro, através de maneiras diversas de escrita, como
frutos de suas épocas, expressam toda esta ebulição em suas obras. O primeiro,
admirador dos ideais platônicos e da Segunda Sofística, absorveu as
transformações pelas quais Roma transitava e as expressou em seus escritos,
principalmente ao biografar governantes gregos e romanos. Suas principais

78 Alguns estudiosos consideram que Floro nasceu em 117 d.C., ponto que discutiremos a seguir, ao
tratarmos sobre as informações biográficas deste autor.
79 Como destacamos no capítulo anterior, em FLORO, Epítome de Tito Livio I, 8, o autor refere-se

que desde o tempo de César Augusto até a sua própria época passaram-se cerca de 200 anos,
período que poderia abranger desde o governo de Adriano (se considerarmos o ano de nascimento
de Otávio – 63 a.C.) até os principados de Antônio Pio e Marco Aurélio (levando em conta o ano de
27 a.C., quando Otaviano recebe o título de Augustus.).
Cap.2. Entre Textos e os Contextos ....144

características, valores e atitudes são minuciosamente analisadas, comparadas e


criticadas. Em meio aos relatos de Plutarco, podemos notar a incansável busca pelo
governante ideal, homem valoroso capaz de reger a sociedade moderadamente.
Busca esta também realizada pelos romanos que viviam na mesma época que o
beócio, assim como Suetônio. Este, em suas biografias dos césares, através da
concentração de elementos próprios de vários movimentos presentes em sua época,
tais como o peripatético e o estóico, narra a vida dos Imperadores, demonstrando os
caminhos da sucessão imperial e, por conseguinte, a legitimidade do sistema político
do Principado Romano.
Floro, através de uma maneira particular de narrar a trajetória da sociedade
romana, equipara a vida do povo romano, desde o nascimento de Roma até a época
de Augusto, as quatro idades de um homem: nascimento, infância, juventude e a
idade adulta, época em que Roma encontra seu auge sob o governo de Augusto.
Através de um modo distinto dos dois biógrafos, Floro, da mesma forma que os
outros autores aqui analisados, utiliza-se da História romana, de seus personagens
e mistérios para legitimar não só esse povo, mas também a imagem de Augusto e
toda a estrutura política, social e cultural que ascende com este: o Principado
Romano.

Dión Cássio e sua História Junto a Roma

Com Cassius Dio, a escrita de histórias completas de Roma terminou


da mesma forma que começou: com um trabalho escrito em grego
por um senador Romano. Meio milênio de mudanças dentro das
classes governantes romanas é exemplificado no contraste entre Q.
Fabius Pictor, contemporâneo de Hannibal, que escolheu o grego
como a única linguagem para um escrito de prosa – e, talvez, como
um veículo capaz de colocar o ponto político de Roma perante uma
audiência grega – e Dio, da Bitínia, na Ásia Menor, para quem era
sua língua nativa. (MILLAR, 1964, p. 05)

O fragmento acima citado demonstra a importância atribuída ao nosso último


autor antigo aqui analisado, Dión Cássio. Como o pesquisador Fergus Millar
sabiamente destaca, Dión foi o responsável pela escrita da última História de Roma
Cap.2. Entre Textos e os Contextos ....145

redigida em grego por um senador romano. Tal percepção se faz importante, pois
coloca em evidência as transformações pelas quais passava o Império Romano e,
por conseguinte, seus aspectos políticos, culturais e sociais. Como nos diz Jean-
Michel Carrié (1999, p. 132), tratava-se de um Império em mutação. 80
Conforme dissemos anteriormente81, Dión escreveu um relato de amplo
aspecto, em cerca de oitenta livros, que abordou desde os tempos remotos, o
surgimento de Roma e do povo romano, até a sua própria época, o século III d.C. É
extremamente fortuito para nós, estudiosos, que em meio as descrições de seu
tempo, o autor nos relegou muito de sua vida, suas experiências com Roma, suas
atividades, seus ofícios e perspectivas. Enfim, mesmo que de forma indireta e
apesar de sua obra encontrar-se bastante fragmentada82, Dión expôs em seu relato
sua biografia pessoal. Desta forma, conseguimos perceber o desenrolar de sua vida
juntamente com os acontecimentos em Roma, principalmente no período em que
nosso autor vivenciou de forma mais intensa esta sociedade, quando desempenhou
inúmeras funções em meio à administração romana.
De acordo com Peter Michael Swan (2004, p.XIV), um diploma militar romano,
datado de 229 d.C., refere-se a este autor como L. Cassius Dio. O cognomen
Cocceianus, há muito atribuído a ele83, é, provavelmente, um equívoco, produto de
uma confusão entre nosso autor e Dio Cocceianus de Prusa84, também conhecido
pelo cognomen de Crisóstomos. Sobre este aspecto, Dión Cássio nada nos fala.
Sobre Dión de Prusa, é possível encontrarmos uma discreta referência na obra
cassiana sobre esse retor, porém não há nada mencionado que se refira a uma
possível relação familiar entre ambos. (DIÓN CÁSSIO. História Romana LXIII, 2).

80 Para Millar (1964, p. 06), esta característica é um reflexo da natureza da sociedade romana do
período, onde grande parte dos literatos permaneceram fora dos círculos expressivos de poder.
81 Ver Capítulo I.
82 Muitas partes da obra cassiana encontram-se perdidas. De determinados períodos, possuímos

apenas fragmentos. Contudo, tudo nos leva a crer que a obra História Romana obteve grande
repercussão em seu próprio tempo, sendo constantemente citada na produção de outros autores,
principalmente pertencentes à Antiguidade Tardia. Durante a Idade Média, também é possível
encontrar profusas alusões a esta obra, especialmente após a publicação de diversos manuscritos
que preservaram 1/3 desta obra que possuímos contato atualmente.
83 Como exemplo, podemos citar as edições de História Romana de Leunclavius e Boissevain, de

1592 e 1895, onde o escritor antigo aparece denominado como Dio Cassius Cocceianus. Em um
momento posterior, o pesquisador Meyer Reinhold (1988, p. 02), também se utiliza de Cocceianus
para tratar de nosso autor.
84 Nascido em Prusa, na Bítinia, este escritor, orador e filósofo viveu no século I d.C, durante a

Dinastia Flaviana.
Cap.2. Entre Textos e os Contextos ....146

Dión Cássio nasceu em Nicéia, na Bitínia85, uma cidade de origem helenística


que, na época de nosso autor, constituía-se em sociedade bastante próspera e em
um estratégico ponto para as campanhas militares romanas do período. Segundo
Drew Harrington (1992, p. 178), o pai de nosso autor, Cassius Appronianius, foi um
senador romano e governador das províncias da Lícia - Panfília86, da Cilícia e da
Dalmácia. Através das informações encontradas em Dión Cássio, sua família
paterna descendia de um niceano, Cassius Asclepiodotus, próspero durante a
dinastia júlio-claudiana, que fora amigo de Barea Soranus87, tendo, por essa
amizade, seus bens confiscados por Nero e restaurados por Galba. Nas palavras do
niceano:

Como Thrasea e Soranus, que estavam entre as primeiras famílias,


ricas, e com todas as virtudes, encontraram sua morte, não porque
eles foram acusados de conspiração, mas porque eles eram quem
eram. Contra Soranus, Publius Celer, um filosófo, deu falso
testemunhos. O acusado tinha dois associados, Cassius
Asclepiodotus de Nicéia e Ignatus de Berithus. Agora, Asclepiodotus,
longe de falar contra Soranus, deu testemunhos de suas nobres
qualidades, e por isso foi exilado na época, embora restaurado sob
Galba. (DIÓN CÁSSIO. História Romana LXII, 26).

Como a família de Dión obteve a cidadania romana não nos é muito certo.
Nada foi encontrado sobre essa família ter governado a Bitínia no momento em que
a mesma se tornou uma província romana. Há alguns relatos de diversos Cassius,
principalmente no final do século I d.C. e início do II d.C., mas, em sua grande
maioria, tratam-se de já cidadãos romanos que participaram de determinados
eventos do período. Para L. De Blois (1999, p. 36), as evidências sobre a família
Cassius sugerem que ela estava conectada tanto a sua própria Região, a Bitínia,

85 De acordo com Stanley Storey (1999, p. 21), era uma região localizada na Ásia Menor, limitada a
leste pelo rio Sangário, sendo que suas fronteiras antigas se estendiam até o rio Partênio, que a
separava da Paflagônia. A oeste e sudoeste o rio Ríndaco separava-a da Mísia e, ao sul, estavam
a Frígia e a Galácia. Ver Anexo IV.
86 Região ao sul da Ásia Menor, onde atualmente se encontra a província de Antalya, na Turquia.
87 Quintus Marcius Barea Soranus (século I d.C.), cônsul, senador e governador provincial que

enfrentou a oposição de Nero e suicidou-se após ter sido condenado à morte por traição. Como
herdeiros, podemos encontrar na família de Borea, os imperadores Tito, Nerva, Trajano e Adriano.
Cap.2. Entre Textos e os Contextos ....147

quanto a Roma. Tal colocação está de acordo com as sugestões de Millar, o qual
nos diz que: “O próprio Dio aparece estar dividido entre suas lealdades locais: em
um primeiro fragmento de sua História ele se refere à Itália como ‘esta terra em que
vivemos’, mas, em um momento posterior, ele fala em ir para sua casa na Bitínia. ”
(MILLAR, 1964, p. 10). Em nossa visão, este aspecto de Dión não é algo a se
estranhar. Assim como os outros autores por nós aqui analisados, o niceano possui
a cidadania romana e participa ativamente desta sociedade, principalmente através
do desempenho de cargos políticos e administrativos. Sendo assim, além de ser um
cidadão de Nicéia, constitui-se também em um cidadão romano. Logo, possui dupla
cidadania, algo que expressa muito bem em sua obra onde retrata a trajetória do
povo romano, ao qual também pertence.
A data de nascimento de Dión nos é bastante incerta. Para Millar (1964, p.
12), esta estaria localizada entre os anos de 163 – 164 d.C., durante os governos de
Marco Aurélio e Lúcio Vero, colocação com a qual concorda Peter Swan (2004,
p.10). Contudo, para Earnest Cary, Dión teria nascido alguns anos antes, por volta
de 155 a.C., em meio ao principado de Antônio Pio. Apesar das discrepâncias
datais, para nós, é importante perceber que Dión nasce quando Roma estava sob a
Dinastia Flaviana, em finais do século II d.C.
A despeito das poucas informações sobre sua infância88, sabemos que Dión
já se encontrava em Roma durante a ascensão de Cômodo, em 180 d.C. Em suas
próprias palavras:

Muitas conspirações foram formuladas contra Commodus por várias


pessoas e ele matou muitas destas, tanto homens quanto mulheres,
alguns abertamente e outros através de venenos, secretamente (...)
Afirmo estas e os fatos que se seguem não como antes, através de
relatos de outras pessoas, mas através de minha própria
observação. (DIÓN CÁSSIO. História Romana LXXII, 4,1)

88Alguns pesquisadores acreditam que Dión passou sua infância e parte de sua adolescência sendo
educado em sua cidade natal, Nicéia. Se ele seguiu os moldes da educação greco-romana do
período, como destaca Rowland Smith (2011, p. 130), ele teria iniciado seus estudos aos sete anos
com um primus magister, passando por uma grammaticus e, no final, quando contava com cerca de
dezoito anos, finalizou seus estudos com um retor. Dión, inclusive, refere-se a seu professor, Marcus
Aurelius, um importante sofista de sua época. (DIÓN CÁSSIO. História Romana LXXI, 35).
Cap.2. Entre Textos e os Contextos ....148

Neste momento, em concordância com as datas de nascimento estabelecidas


por diversos pesquisadores por nós aqui citados, acreditamos que Dión estaria com
cerca de 18 - 19 anos, momento em que, de acordo com Walter Ameling (1994, p.
465), nosso escritor teria também acompanhado seu pai à Cilícia, onde este era
governador.
Sobre os postos ocupados por Dión antes de seu pretorado, temos apenas
suposições. Esperava-se que o filho de um senador romano, por sua vez um futuro
senador, ocupasse determinados cargos que compunham o cursus honorum89.
Logo, Dión teria exercido funções como tribunum militum laticlavum90, questor e edil.
(SHELTON, 1998, p.208). Seu questorado teria sido desempenhado por volta de
seus vinte e cinco anos, ou seja, entre 188 – 189 d.C., em alguma província
romana91.
O cargo senatorial é ocupado por nosso autor em anos posteriores, durante
os últimos anos do de Cômodo, como ele mesmo nos diz:

E que ninguém sinta que eu estou maculando a dignidade da história


por relatar tais ocorrências. Em grande parte dos casos, para ser
justo, eu não deveria ter me referido a tais exibições; mas, desde que
estas foram dadas pelo próprio imperador (Commodus) e desde que
eu estava presente e participei de tudo o que foi visto, ouvido e
falado, pensei não ser adequado suprimir nenhum destes detalhes
(....) E, de fato, todos os outros eventos que tiveram lugar durante a
minha vida eu deverei escrever com maior exatidão e detalhes que
outras ocorrências, pela razão de que eu os presenciei e sei que
ninguém mais, entre aqueles que possuem a habilidade em escrever
dignos relatos de eventos, terá um conhecimento tão preciso sobre
eles como eu. (DIÓN CÁSSIO. História Romana LXXII,18, 3. Grifo
nosso)

Este medo foi compartilhado por todos, por nós senadores assim
como pelo resto. E aqui está outra coisa que ele fez para nós,

89 O cursus honorum caracterizava a carreira pública de um senador romano, com uma classificação
hierárquica de acordo com as atribuições e importância de cada magistratura. O cursus honorum na
época de Dión é exemplificado no Anexo II.
90 Sobre as questões referentes ao tribunato militar e ao cursus honorum já nos referimos

anteriormente, neste mesmo capítulo, ao tratarmos da trajetória veleiana em meio à sociedade


romana.
91 Através dos próprios relatos de Dión, é possível que este tenha desempenhado seu questorado em

regiões asiáticas. (DIÓN CÁSSIO. História Romana LXVIII.27, 3)


Cap.2. Entre Textos e os Contextos ....149

senadores, que nos deu toda razão para acreditarmos em nossa


morte. Tendo matado um avestruz e cortado fora sua cabeça, ele
veio até onde estávamos sentados, segurando-a em sua mão
esquerda, enquanto na direita trazia sua espada sangrenta (...).
(DIÓN CÁSSIO. História Romana LXXII,19, 2)

As duas passagens acima referem-se aos anos finais do principado de


Cômodo, momento em que, segundo seu próprio relato, Dión encontrava-se em
Roma e exercia a carreira de Senador. Isto nos leva a crer que neste momento, por
volta de 190 – 192 d.C., Dión Cássio já estava profundamente inserido em meio à
sociedade romana, tendo desempenhado grande parte de seu cursus honorum92.
Sob o rápido governo de Pertinax93, Dión desempenhou a função de pretor
(História Romana LXXIII. 3,2), magistratura que também exerceu no governo de
Didius Julianus, a quem demonstra certa oposição. (História Romana LXXII,12,2)
A partir de 193 d.C. até 197 d.C., a narrativa cassiana concentra-se em
Septímio Severo e em suas ações perante o Império Romano, sem nos proporcionar
dados acerca do próprio autor. Entretanto, sabemos que é na Dinastia Severiana,
iniciada com o Imperador supracitado, que as relações entre Dión e o poder imperial
romano se tornam mais intensas. Esta colocação nos é demonstrada pelo próprio
niceano, que coloca:

Após isto, ocorreram as mais violentas guerras e conflitos civis. Eu


estava inspirado a escrever um relato destas lutas após o seguinte
incidente. Eu havia escrito e publicado um pequeno livro acerca dos
sonhos e presságios que deram a Severo razões para esperar pelo
poder imperial e, ele, após ler a cópia que lhe enviei, escreveu-me
um longo e cortês agradecimento. Esta carta eu recebi ao cair da
noite e, logo depois de adormecer, sonhei que o poder divino me
ordenava escrever história. Foi assim que comecei a escrever a
narrativa que agora apresento. E na medida que ganhou maior
aprovação, não apenas de outros, mas, em particular, do próprio
Severo, eu então concebi o desejo de compilar um registro de tudo
mais que dizia respeito aos romanos. Portanto, eu decidi deixar o
primeiro tratado não mais como uma composição separada, mas
incorporá-lo nesta presente história, de maneira que, em um único
trabalho, eu poderia escrever e deixar para trás um registro de tudo,

92 Sobre Cursus Honorum, ver Anexos I e II.


93 Pertinax ficou no governo de Roma entre 31 de dezembro de 192 até 28 de março de 193 d.C.)
Cap.2. Entre Textos e os Contextos ....150

do início até o ponto em que vemos o melhor da Fortuna. (DIÓN


CÁSSIO. História Romana LXXII, 23, 1-3).

Partindo das próprias palavras de nosso autor, faz-se possível constatar que
Dión mantinha uma estreita relação com Septímio. Relação esta que é expressa
pelo fato de o Imperador ter certo conhecimento das obras cassianas, além de
estabelecer contato através de cartas com este autor e, por conseguinte, senador.
Este aspecto da vida de Dión nos é de extrema importância, uma vez que o
aproxima, apesar da lacuna temporal, de nossos outros quatro autores. Todos, de
modos diferentes, mantêm relações diretas com o poder imperial, com Imperadores.
Tais relações ditam o que nos é apresentado em suas linhas, a maneira como as
imagens imperiais são construídas e como determinados Princeps serão
representados. Na obra cassiana, podemos notar que há uma construção benéfica
em torno do Princeps do qual foi próximo, no caso, Septímio, ao mesmo tempo que
há uma construção também benéfica da imagem de Augusto, àquele a quem
Septímio tenta se assemelhar.
Em concordância com esta acepção, Adler (2012, p. 489) destaca a
participação de Dión nos Iudi Circenses, jogos que tiveram lugar em Roma em 196
d.C. durante as Saturnálias. Nesta ocasião, o escritor encontrava-se próximo a
Septímio, considerando-se um amigo deste Imperador.
Na continuação de sua carreira, Dión teria ainda teria exercido o pretorado,
além de seu cargo de Senador. Em 204 d.C., para Swan (2004, p.02), nosso escritor
participou como membro do Concilium de Septímio durante o julgamento do
governador da Sardinia94. Entre 214 e 215 d.C., após a morte de Septímio e de um
período ausente de Roma, Dión aparece ao lado do Imperador Caracala, em
Nicomédia, capital da Bitínia, durante as viagens deste governante pelo leste.
Há uma lacuna biográfica sobre Dión durante os anos de 215 a 217 d.C.
Contudo, sabemos por suas próprias palavras que estava presente no Senado em
finais de 217 d.C. quando Macrino enviou uma carta informando que, a partir
daquele momento, ele estava no poder do Império Romano. (História Romana
LXXVIII, 37, 5-6).

94 Menções a este posto podemos encontrar na História Romana 75, 16.


Cap.2. Entre Textos e os Contextos ....151

Nos anos que se seguem, foi nomeado por Macrino curator 95 de Pérgamo e
Smyrna, cargo em que permaneceu até 221 d.C., quando voltou à sua terra natal
para resguardar-se por motivos de saúde. (História Romana LXXIX,7,4; LXXX,1). Em
223 – 224 d.C, durante o governo de Alexandre Severo, foi nomeado Procônsul da
África, cargo que precedeu o de Cônsul com Severo, onde permaneceu até 229 d.C.
Neste mesmo ano, Dión retornou a Nicéia, contando com cerca de sessenta e cinco
anos de idade e já bastante adoentado.96
Em meio à sua extensa carreira política, nosso escritor escreveu sua profusa
obra, a qual, inicialmente possuiu duas publicações: a primeira remetendo-se até o
período de Septímio e a segunda, publicada por volta de 230 d.C., abarcando os
governos de Caracala, Macrino, Heliogábalo e parte do período de Alexandre
Severo.
Em determinadas passagens da obra cassiana, podemos perceber que o
autor ainda foi proprietário de terras em lugares diversos, tais como na própria
Nicéia, uma vila em Cápua e, muito provavelmente, alguma pequena propriedade
em Roma97. Desta forma, faz-se evidente que Dión era detentor de um certo nível de
riqueza, mesmo que ele não se autodenominasse como um rico homem do Senado.
(DIÓN CÁSSIO. História Romana LXXIII, 3).
Sobre a vida amorosa de Dión, as referências são escassas. De acordo com
Caillan Davenport (2012, p. 800), em algum momento de sua vida ele deve ter se
casado, apesar de não sabermos com quem. Chega-se a esta conclusão a partir da
existência de relatos de um Cassianus Dion, cônsul em 292 d.C., o qual seria seu
bisneto. Sobre esta questão, os fragmentos da obra cassiana nada nos dizem.
O mesmo acontece com as datas de seu falecimento. Após 230 d.C., data em
que publicou História Romana com a adesão dos outros integrantes da Dinastia
Severiana, nada mais sabemos. Provavelmente, para Maud Gleason (2011, p.54)

95 Segundo algumas definições, curator se constituía em um cargo atribuído a diversos funcionários


que se responsabilizavam por cuidar de determinadas áreas de Roma e de suas províncias.
96 A reputação de Dión, de acordo com Millar (1964, p. 24), era de ser um homem muito severo. Isto

fez com que ele fosse repudiado pela classe pretoriana e, por isso, afastado de seus deveres em
Roma, passando a exercê-los em sua cidade natal.
97 A propriedade em terras romanas pode estar conectada com o decreto de Trajano onde senadores

romanos deveriam possuir terras em território romana e considerá-las mais que apenas um local de
trabalho.
Cap.2. Entre Textos e os Contextos ....152

faleceu em Nicéia, lugar de seu nascimento, com mais de sessenta e cinco anos e
vítima de alguma doença que lhe acometia as pernas.
Dión Cássio foi um homem de seu tempo. Nascido na Bitínia, adentrou a
sociedade romana ainda jovem, na sombra de sua família. Ocupou cargos
esperados em sua posição social, desempenhou funções administrativas e militares.
Sua ascensão ao consulado não ocorreu de forma rápida, pelo contrário,
paulatinamente. Galgou posições até aparecer em maior evidência no governo dos
Severos. Período em que o Império Romano encontrava-se em plena
transformação, em mutação.
Sua obra é expoente de toda essa transformação ocorrida na sociedade
romana. Traça, em suas linhas, o desenvolvimento do povo romano e, por
conseguinte, de seu Império. Apresenta, em seus traçados, os valores senatoriais
que lhe eram intrínsecos. É nestas que nos deparamos com a construção da
imagem de Augusto, da legitimação em torno deste Princeps e dos Princeps com os
quais Dión possuía contato direto: a Dinastia dos Severos.

Um Império em Mutação: A Dinastia Severiana

A historiografia acerca deste período da história romana é bastante profícua


e, em grande parte, concentra-se nos debates sobre as rupturas e continuidades
que os Imperadores Severianos apresentam em comparação, principalmente com
seus antecessores, os Antoninos. Neste sentido, tais estudos buscam refletir o que
essa nova Dinastia, chamada também de Dinastia Africana, representa para Roma e
sua sociedade.
Com o assassinato de Cômodo, em 192 d.C., o Império Romano se viu
novamente frente a uma violenta crise sucessória. Em um curto período,
aproximadamente seis meses, cerca de quatro homens chegaram ao centro do
poder romano através de golpes, assassinatos e usurpações98. É neste cenário que
surge aquele que seria o primeiro de uma nova Dinastia: Septímio Severo.

98 Nos referimos a denominada Dinastia Pretoriana, já abordada anteriormente.


Cap.2. Entre Textos e os Contextos ....153

Segundo Anthony Birley (1999, p.01), Septímio Severo nasceu no dia 11 de


abril de 145 d.C., em Lépcis Magna na Tripolitânia99, colônia romana desde 110 d.C.
Era filho de Publius Septimius Geta e Fulvia Pia, neto de Lucius Septimius Severus.
Sua família, apesar de ser oriunda de extração púnica, detinha a cidadania romana,
ao menos, desde Vespasiano.
Tratava-se de uma família da ordem equestre, que atingiu a ordem senatorial
romana. O próprio Septímio constitui-se em um exemplar de uma aristocracia
municipal. De acordo com Brian Campbell (2008, p. 04), era versado em latim e
grego, afora demonstrar profundos conhecimentos sobre estas duas culturas. Além
disso, possuía interesse nos estudos de filosofia e direito, questões caras à
formação do ethos romano.
Esta mesma persona é atestada por Dión Cássio, o qual, por inúmeras vezes,
salienta que o futuro Imperador era uma pessoa de atividade intensa, possuidor de
uma postura moral invejável que, nem sempre, era encontrada entre os senadores
romanos. (História Romana LXX VI,16).
Septímio iniciou sua carreira política ainda jovem. Nas palavras de P.
Southern:

Ele entrou para o Senado com 28 anos, durante o governo de Marco


(Aurélio), seguindo respeitosamente os compromissos normais. Ele
foi questor em Roma em 170, e, então, serviu na Bética, Sardenha e
África. Foi, ainda, legado legionário da IV Scythicae na Síria, com
Helvécio Pertinax como governador. (SOUTHERN, 2004, p.23)

Além disso, possuímos informações de Septímio ter sido o governador da


Gália Lugdunencis de 186 a 189 d.C. O consulado foi atingido em 190 d.C., quando
contava com aproximadamente quarenta e cinco anos. Entre seus ofícios políticos,
em 180 d.C., Severo casou-se pela segunda vez. Sua esposa, Júlia Domna,
pertencia a uma abastada família da província da Síria, que possuía fortes vínculos
com importantes cidades vizinhas, além de grande participação na administração
imperial romana. (MILLAR, 1993, p. 304 – 306). Novamente segundo Southern:

O seu casamento com Júlia Domna, sua segunda esposa, foi


cuidadosamente pensado (...), porque suas conexões com o oriente

99 Região localizada na África Proconsular. Atual Al-Khums na Líbia.


Cap.2. Entre Textos e os Contextos ....154

eram de grande importância, trazendo mais pessoas abastadas e


influentes para o círculo de Severo.” (SOUTHERN, 2004, p.24).

Na ocasião da morte de Pertinax, Septímio encontrava-se em Carnuntum100,


região onde era governador. Pouco tempo depois da notícia do assassinato do
Imperador, este foi proclamado pelo exército Imperator, ao mesmo tempo que
Pescennius Niger na Síria e Claudius Albinius na Britânia. De acordo com Ana
Teresa Gonçalves (2013, p.27), tratou-se de um período marcado por longas
guerras civis, onde a busca pelo poder imperial envolveu grande parte da sociedade
romana em conflitos que perduraram até 197 d.C.
Contudo, a persona de Septímio destacou-se após o falecimento de Pertinax.
Pouco tempo após ser consagrado Imperator por sua legião, o futuro governante
dirige-se a Roma, onde toma as providências com o intuito de demonstrar que
permaneceria no controle. Dión relata este momento:

(...) toda a cidade havia sido enfeitada com guirlandas de flores e


louros e adornada com animais ricamente coloridos, ainda foi
iluminada com tochas e com a queima de incensos; os cidadãos
vestiam branco e estavam radiantes, proferindo brados de bons
presságios; os soldados, também, surgiam distintos em seus trajes
enquanto se moviam como participantes de um desfile triunfal; e,
finalmente, nós [senadores] andávamos (...). (DIÓN CÁSSIO. História
Romana LXXV, 1).

Apesar do trecho acima arrolado identificar as honras imperiais destinadas a


Severo em 193 d.C., as disputas pela sucessão imperial ainda se estenderam por
mais alguns anos. A estabilidade política durante o governo desta Dinastia é algo
muito frágil, sendo constantemente ameaçada e, consequentemente, continuamente
legitimada por seus integrantes.
Ao contrário dos Imperadores antecessores101, Septímio Severo foi o primeiro
Imperador de origem provincial que não possuía nenhum ascendente oriundo de
regiões itálicas. Em outras palavras, ele inaugurou com seu governo a primeira

100 Atualmente, esta região localiza-se em território austríaco.


101 Todos possuíam ancestrais na Península Itálica.
Cap.2. Entre Textos e os Contextos ....155

Dinastia que não possuía laços consanguíneos com Roma. Para além disso, foi o
primeiro a trazer consigo uma Imperatriz de origem oriental. Esta característica será
algo preponderante durante todo o governo dos Severianos, os quais, regularmente,
não deixaram de criar formas para a legitimação de seu poder. Dentre estas,
podemos destacar as ações propagandísticas, as criações artísticas, as construções
arquitetônicas e, o nosso objeto de estudo, as obras literárias. Através destas
últimas, podemos perceber como a Dinastia Severiana tentou-se legitimar-se no
poder romano, mostrando-se como algo novo, porém sem deixar de salientar suas
semelhanças com outros períodos, com outros governantes romanos que se
consagraram. É desta maneira que percebemos as construções em torno da
imagem de Augusto, construções estas que buscam legitimar não só a imagem
deste governante, mas também a estrutura política do Principado Romano e,
portanto, do período governamental inaugurado pelos Severos, uma época onde
encontramos muitas rupturas com os modelos antigos, mas, também muitas
continuidades.
Septímio Severo manteve-se no poder até 211 d.C., ocasião de sua morte102.
Como herdeiros, deixava dois filhos: Caracala103 e Geta104. Campbell (2008, p.15)
destaca que a intenção de Septímio era que seus dois filhos governassem juntos o
Império Romano, algo que não durou muito. Em dezembro do mesmo ano, Geta é
assassinato a mando de Caracala, o qual torna-se Imperador único105.
De acordo com Victoria Escribano (1999, p. 180), Caracala não foi um
governante popular entre o Senado e o povo romano de sua época. Suas ações,
que muitas vezes levavam à execução de senadores e de seus opositores políticos,
lhe atribuíram a fama de um homem cruel e vingativo, incapaz de governar

102 Faleceu com sessenta e cinco anos de idade de causas naturais.


103 Lucius Septimius Basianus nasceu em 188 d.C. Primogênito de Septímio de Júlia Domna, desde a
ascensão política de seu pai foi preparado para sucedê-lo. Aos sete anos, seu nome passou a ser
Marcus Aurelius Septimius Basianus Antoninus para criar certa ligação com o Imperador Marco
Aurélio, da Dinastia Antonina. O nome Caracala era um apelido lhe conferido por utilizar a túnica de
origem gálica assim chamada.
104 Publius Septimius Geta nasceu em 189 d.C. oriundo também da união entre Septímio e Júlia. Em

209 d.C., Septímio lhe conferiu o título de Augustus para que, desta maneira, governasse juntamente
com seu irmão, Caracalla.
105 Após o assassinato, Caracala ordena que todas as referências a Geta sejam apagadas de

inscrições, obras de artes e construções arquitetônicas. Como Harriet Flower (2011, p.206) ressalta, a
imagem de Geta passou por uma das mais profundas Damnatio Memoriae ocorridas no Império
Romano.
Cap.2. Entre Textos e os Contextos ....156

juntamente com as outras instâncias da sociedade romana. Esta mesma visão nos é
passada por autores da época, tais como o próprio Dión. Neste ponto, atentamos
para o fato de que Dión era um senador romano e sua obra é elaborada através
desta perspectiva, ou seja, ela irá refletir os ideais que circulam neste meio social,
nem sempre sendo capaz de expor outras visões acerca deste Imperador 106. Para
nós, trata-se de uma construção imagética que não levara em consideração outros
aspectos do principado de Caracala, tais como a interação entre o Imperador e o
Senado, que sempre é informado, através das correspondências imperiais, das
ações do governante, principalmente sobre as campanhas fora de Roma; ou, até
mesmo, o fato de Caracala ser um estrategista político e militar, capaz de manter
relações com as províncias romanas, além de ampliar as terras sob o seu domínio,
ampliando também a cidadania romana, a qual é cedida por este Imperador a todos
os habitantes do Império Romano.
Em 8 de abril de 217 d.C., Caracala é assassinado durante uma de suas
campanhas pelo Oriente. As suspeitas de tal ato, de acordo com Maud Gleason
(2011, p.54), recaíram sobre o Prefeito Pretoriano, Marcus Opellius Macrinus,
porém, o acusado foi Julius Martialis, um evocatus 107ligado aos pretorianos, o qual
foi condenado à morte pelo crime.
Macrino é quem sucede Caracala no governo imperial. Oriundo de Cesaréia,
na Mauritânia, desempenhou carreira política durante o período de Septímio,
passando a ocupar o cargo de Prefeito Pretoriano já no governo de Caracala.
(DAVENPORT, 2012, p. 802.). Por não ter atingido a ordem senatorial, uma vez que
integrava a ordem equestre, a sua ascensão ao poder enfrentou problemas perante
o Senado, que, como Dión nos mostra, foi notificado por carta acerca do novo
Imperador. (História Romana LXXVIII, 37, 5-6). As oposições só aumentaram após a
morte de Júlia Domna, em 218 d.C., momento em que surge no cenário político seu
sobrinho-neto, Heliogábalo. O fato de Macrino ter nomeado seu filho, Diadumeniano,
Augustus e com ele dividido o governo em nada o ajudou.

106 A suposta extravagância de Caracala, atributo pouco condizente para um governante romano,
também é um ponto largamente explorado tanto por Dión Cássio quanto por outros escritores antigos.
107 Termo em latim que designa um soldado que já cumpriu seu tempo de serviço junto ao exército

romano, tendo, porém, se realistado voluntariamente a convite de um cônsul ou de um comandante.


Cap.2. Entre Textos e os Contextos ....157

Em maio 218 d.C., Heliogábalo foi proclamado Imperator pela III Legio Gallica
e Macrino e Diadumeniano condenados à morte. O jovem Imperador era filho de
Júlia Soaemias108, sobrinha de Júlia Domna, e Sextus Varius Marcellus de
Apamea109. A princípio, foi lhe atribuído o nome de Sextus Varius Avitus Bassianus,
contudo, passou a ser conhecido pela alcunha de Heliogábalo após se tornar sumo-
sacerdote do deus sol de Emessa. 110
Ao adentrar o governo imperial, adotou o nome de Marcus Aurelius Antoninus
Augustus, remetendo-se assim, novamente, à Dinastia dos Antoninos, com a qual os
Severianos sempre tentaram se identificar. Seu governo durou até 222 d.C. e foi
marcado por suas ações militares e pelas constantes participações de sua avó, Júlia
Mesa, e sua mãe, que receberam, inclusive honrarias no Senado. Em 221 d.C.,
Heliogábalo adotou seu primo, filho de Júlia Mamaea e Gessius Marcianus, que
recebeu o título de César e passou a se chamar Marcus Aurelius Severus
Alexandrus.
Na ocasião da morte de seu pai adotivo, Alexandre Severo contava com
apenas treze anos e somou a seu nome o título de Augustus. Alexandre foi o último
Imperador da Dinastia Severiana, governando Roma até 235 d.C. Seu principado é
marcado por constantes problemas fronteiriços, o que fez com que ele se
mantivesse em constantes campanhas. Em 235 d.C., segundo Kristen Dahmen
(2005, p.180), por divergências com os soldados que comandava, Alexandre é
assassinado, ocasião que irá inaugurar um novo período governamental romano.
Como já destacamos, o período do governo dos Severianos é analisado, por
muitos pesquisadores, como um momento repleto de rupturas e continuidades. A
princípio, o fato de se tratar de uma Dinastia que não possuía ancestralidade com a
Península Itálica já se constitui em uma das principais diferenças apresentadas por
estes governantes.
Ainda, um dos principais pontos de divergências entre outras Dinastias e a
Severiana é como esta última adentrou a púrpura imperial. Para muitos

108 Alguns pesquisadores, como Southern (2004, p.58) e Campbell (2008, p. 21), cogitam a hipótese
de que a mãe de Heliogábalo, para lhe legitimar como um herdeiro severiano, atribuiu sua
paternidade a Caracala. Sobre isto, não sabemos se era verdade ou se apenas se constitui em uma
manobra política que visava à aceitação de seu filho como governante pela sociedade romana.
109 Cidade localizada da região síria.
110 Chamado de Elagabalus, nome pelo qual este Imperador também é conhecido.
Cap.2. Entre Textos e os Contextos ....158

historiadores, tratar-se-ia de uma Monarquia Militar, visão bastante difundida e,


ultimamente, profusamente contestada. Septímio Severo foi aclamado Imperador
pelo exército da Panônia, do qual ele era general, em meio a profundos distúrbios
políticos e sociais que acometiam Roma e suas províncias. A visão que nos é
passada por Dión Cássio deixa entrever o motivo desta associação. Em suas
palavras, ao aconselhar seus filhos sobre como deveriam governar, o escritor coloca
que Septímio teria dito: “Vivam em harmonia, enriqueçam os soldados e desprezem
todos os outros homens. ”. (História Romana LXXVII, 15, 2). Concepção semelhante
teria sido expressa por Caracala, filho de Septímio e também Imperador, anos
depois, quando este salientou que ninguém deveria sobrepujar-lhe em riqueza, mas,
sendo seu o dinheiro, ele deve dar aos soldados se assim lhe convir. (História
Romana LXXVIIIII, 10, 14).
Considerações semelhantes relacionadas a outros Severianos, tais como a
Heliogábalo. A importância dada por estes Imperadores ao Exército fica nítida,
principalmente pela obra História Romana ter sido elaborada por um membro da
ordem senatorial. A mesma perspectiva encontramos em outras obras que retratam
este período, tais como a de Herodiano. Este, em sua História do Império Romano,
em várias ocasiões, relata a importância atribuída por Septímio ao Império Romano.
Aspecto esse que, para ele, irá se mostrar presente em quase todos Imperadores
Severianos. (História do Império Romano III, 6; IV, 1. V, 2).
É diante do exposto por autores como Dião Cássio e Herodiano, onde o
exército, aparentemente, adquire maior poder durante a Dinastia Severiana, que
pesquisadores denominaram a mesma como uma Monarquia Militar. Dentre estes,
Mikhail Rostovtzeff111 e Paul Petit112, que defendem a hipótese que, sob os
Severianos, a sociedade romana foi militarizada e o Poder Imperial impôs-se sob o
Senado.
Entretanto, a visão dos Severos como uma Monarquia Militar vem sendo
bastante criticada nos últimos anos. Pesquisadores como Carrié (1999, p. 56) e
Gonçalves (2006, p. 182), destacam que, apesar de Septímio e seus herdeiros
terem sido aclamados pelo exército, eles ainda se preocuparam em desempenhar
seus cursus honorum ligado ao Senado, demonstrando, desta maneira, a

111 Em sua obra História Econômica e Social do Império Romano, de 1926.


112La dynastie des Sévères. In La crise de l’Empire, 1974, p. 41-108.
Cap.2. Entre Textos e os Contextos ....159

preocupação com a legitimação de sua Dinastia pelos senadores. Legitimação esta


que também podemos notar através das constantes referências à Dinastia Antonina,
principalmente a partir das adoções de nomes, tais como o de Marco Aurélio,
utilizado frequentemente pelos sucessores de Septímio. Essa vinculação a este
Princeps, para nós, intenta demonstrar tanto a legitimidade dos Severianos quanto
os laços de continuidade que eles se propõem a manter com o passado imperial
romano.
O fato de Dión Cássio ter vivenciado intensamente esta Dinastia nos é de
grande importância, pois nos possibilita entender a sua obra História Romana, o
contexto histórico em que foi produzida e as visões apresentadas pelo autor. Dión é
fruto de seu tempo, expõe em suas linhas todas essas rupturas e continuidades,
esse Império em mutação. Constrói a imagem de Augusto ao mesmo tempo que a
de Septímio, aproximando-os, legitimando-os e, por conseguinte, legitimando a
estrutura política em que se inserem: O Principado Romano.
Em síntese, neste capítulo, podemos perceber os contextos históricos,
políticos e culturais em que cada um de nossos autores se inseriu. Contextos esses
que direcionaram suas obras, atribuindo suas peculiaridades e diferenças.
Diferenças que estão localizadas, principalmente, nos períodos do Principado
Romano em que cada um se insere e nos estilos literários que adotam em suas
obras.
Contudo, chamam-nos a atenção as inúmeras semelhanças que podemos
encontrar entre as vidas de Veléio, Plutarco, Suetônio, Floro e Dión Cássio. Logo de
início, podemos apreender como todos integraram uma mesma ordem social. Em
outras palavras, eram membros de elites.
Para além disso, participaram, cada um à sua maneira, da administração
imperial, mantendo determinadas relações tanto com os Princeps quanto como com
os integrantes da coorte imperial. Tanto Veléio, quanto Plutarco, Suetônio, Floro e
Dión criaram redes de sociabilidade semelhantes, relações que influenciaram tanto
sua vida pública quanto a produção de seus escritos.
Outra semelhança é a confluência cultural apresentada pelos autores. No
decorrer de suas vidas, viajaram e mantiveram relações com diversas partes do
Império Romano, suas províncias e territórios anexados. Veléio, como um militar,
participou de campanhas em terras estrangeiras, adquirindo conhecimentos acerca
Cap.2. Entre Textos e os Contextos ....160

de outras culturas e de outros povos. Plutarco nascera grego, no entanto, adquirira


seu hibridismo cultural por toda sua vida, desde os estudos em Atenas, quando
passou a possuir a cidadania ateniense, até suas viagens a Roma, onde foi
contemplado com a cidadania romana, passando a exercer cargos e funções na
administração imperial. Suetônio, por sua vez, em meio a suas funções como
studdis e ab epistulis, teve contato com obras provindas de diferentes culturas, de
diversas sociedades. Ainda, segundo alguns de seus pesquisadores, viajou em
companhia do Imperador e de sua coorte para inúmeros lugares, dentre esses,
provavelmente, Hippus Regius. Floro, nosso misterioso autor, nasceu em uma
região provincial romana, provavelmente na África, passando parte de sua juventude
em Cártago, onde estudou. Viajou a Roma, estabelecendo-se, posteriormente, em
Tárraco, na Hispânia. Tudo nos leva a crer, partindo das escassas informações
sobre este autor, que ele estabeleceu contatos com o poder imperial, principalmente
com Adriano. Dión foi aquele que, dentre nossos autores, possui maior carreira
política em meio à sociedade romana. Nascido em Nicéia, membro da elite local,
desenvolveu seu cursus honorum até atingir o cargo de Senador. Foi cônsul,
inclusive em conjunto com Imperadores Severianos, participando ativamente de
grande parte da administração destes.
Essa confluência cultural, esse hibridismo existente nos cinco autores, são
expressos em suas obras, tanto nas informações que nos passam quanto no uso de
documentos diversos em suas composições. Aqui, portanto, notamos mais uma das
semelhanças entre Veléio, Plutarco, Suetônio, Floro e Dión Cássio.
Semelhanças que também estão presentes nas construções que estes
autores fazem acerca da imagem de Augusto, que servem para legitimar o sistema
político do Principado Romano. As semelhanças, assim como as diferenças entre
nossos autores, ajudam-nos a entender a forma como descrevem Augusto e como,
nessas descrições, fazem uso das figuras de Júlio César e Marco Antônio. É
partindo desse ponto que, nos próximos capítulos, pretendemos analisar como a
construção da imagem de Augusto é criada, sempre tendo em mente que
necessitamos compreender como Júlio César e Marco Antônio são descritos para,
assim, embasarmos nosso entendimento.
CAPÍTULO III

“César declarou de forma bem séria


que ele preferiria ser o principal
homem em um lugar como este do
que ser o segundo em Roma. ”

Adrian Goldsworthy
Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 162

3. JÚLIO CÉSAR E AUGUSTO: A HEREDITARIEDADE DO PODER

Nosso objetivo, durante o desenvolvimento desta pesquisa, foi analisar a


construção da imagem de Augusto em obras de autores diversos, pertencentes a
períodos diferentes e com obras distintas. Ainda, uma de nossas metas é
demonstrar como estes autores, Veléio, Plutarco, Suetônio, Floro e Dión Cássio,
utilizam-se das figuras republicanas de Júlio César e Marco Antônio para a
elaboração da imagem augustana.
Sendo assim, no capítulo que agora apresentamos, buscaremos perceber
como as representações de César e Augusto, com as quais trabalhamos, foram
construídas, destacando seus pontos principais, além das semelhanças e diferenças
por elas apresentadas. Desta forma, observaremos e compararemos como nossos
autores incorporam estes personagens em suas obras, como tratam suas
referências genealógicas, suas características morais e físicas, além daquilo que
conhecemos por características divinas.

Os relatos dos Autores sobre Júlio César e Augusto1

Caio Júlio César surge em evidência na sociedade romana nas últimas


décadas do século I a. C. Nascido no ano 100 a.C., trata-se de um personagem
constantemente citado, tanto por autores de sua própria época, quanto por aqueles
que pertenceram a anos posteriores.
A historiografia sobre este período considera-o como uma época conturbada,
onde as concepções político-sociais romanas passavam por transformações,
afetando a sociedade de forma geral. O cenário possibilitou a ascensão de líderes,
homens que figuram com destaque perante Roma e suas províncias. É nesse
ínterim que se encontra César. Muito se fala deste cidadão romano, que chega a ser
considerado como o gerador das instâncias que permitiram a instalação do
Principado Romano. Várias são suas biografias, relatos sobre seus feitos políticos e
militares.

1
Ressalvamos, aqui, que cada autor possui uma linearidade em seus relatos. Assim, nos atentaremo-
nos aos dados passados e não na ordem dos acontecimentos estabelecidas pelo autor. A fim de
auxiliar na compreensão do contexto histórico dos períodos em que nossos personagens se inserem,
os ANEXOS I E II trazem as timelines (cronologias dos acontecimentos) de Júlio César e de Augusto.
Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 163

É em meio à instabilidade política em Roma, após os Idos de Março, que


surge em maior evidência a figura do jovem Caio Otávio, futuro Otaviano, Augusto.
Dentre os autores aqui trabalhados, Suetônio é quem possui uma biografia sobre
este romano. Nos autores restantes, as descrições acerca deste personagem
aparecem no decorrer de suas obras, envoltas nos acontecimentos dos períodos.
Contudo, não é por isso que tais informações não nos são importantes; pois a partir
destes relatos que faz-se possível observar como a imagem de Augusto é criada,
recriada, reinventada.

Incorporação ao Relato e Genealogia

A obra de Veléio Patérculo, com uma narrativa concisa e objetiva, pretende


ressaltar as ações de determinados personagens romanos e, para isto, põe em
relevo os papéis dos indivíduos nas descrições dos acontecimentos. Para Isabel
Préneron (1992, p. 103), esse caráter da História Romana tem como consequência a
subordinação do feito histórico ao interesse dos seus protagonistas. Assim, a maior
parte do Livro II descreve as conquistas, os feitos políticos e militares destes
aclamados cidadãos romanos. Nesta parte, o relato de Veléio faz-se mais
pormenorizado e rico em detalhes quando expõe o Império Romano.
Veléio cita a figura de César várias vezes em seu relato, sendo que,
inicialmente, este aparece a título de exemplo de suas conquistas. No entanto, os
pormenores da vida deste personagem aparecem, pela primeira vez, no Livro II, 41:
“Descendente da nobríssima família do Júlios, segundo se sabe, muito antiga, uma
linhagem que procedia de Anquises e Vênus (...)”. (VELÉIO PATÉRCULO. História
Romana II, 41).
Alude, assim, à descendência de César, algo muito importante para os
romanos de sua época. Na visão do autor, este cidadão romano era originário de
uma nobre família, a qual, por sua vez, era herdeira de deuses e heróis. Essa
passagem, apesar de curta, é muita significativa, uma vez que o autor relaciona a
figura de César ao lado mítico romano, a religião. Ao fazer isso, em nossa visão,
César aparece como filho legítimo de Roma, herdeiro de Iulo, de Rômulo e de
Remo. O elemento religioso aparece com o intuito de respaldar o poder político
cesariano desde o início, desde sua origem. O relato deste aspecto da vida de César
Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 164

também é demonstrado em um momento posterior na obra de Suetônio, quando


este tenta reproduzir as palavras de César:

E no panegírico da tia disse o seguinte a respeito da ascendência


dupla dela e de seu próprio pai: “Do lado materno minha tia Júlia
descende de reis, e o paterno está ligado aos deuses imortais. Com
efeito, os Márcios Reis, e esse foi o nome de sua mãe, vêm de Anco
Márcio2 e de Vênus provêm os Júlios a cuja gente pertence nossa
família. Há, pois, no nosso sangue a sacralidade dos reis, que têm
grande poder entre os homens, e a santidade dos deuses, de cujo
poder depende os reis. ” (SUETÔNIO, O Divino Júlio VI, 2)

Na obra suetoniana, o próprio biografado confirma suas origens divinas.


Neste momento, podemos notar, novamente, o uso da tradição e da religião
romanas na construção da hereditariedade cesariana. Essa, por sua vez, serve para
legitimar e consagrar a família dos Júlios perante a sociedade romana, fator que virá
a ser utilizado, posteriormente, por seus descendentes, tais como Augusto.3
É curioso notar que, tanto Plutarco quanto Suetônio, apresentam um mesmo
ponto4 de partida em suas biografias sobre César, como se percebe nos trechos
abaixo:

Quando Sila chegou ao poder, como não pôde, nem por esperanças
ilusórias, nem por medo, separar César de Cornélia, filha de Cina, o
qual exercera de maneira absoluta o poder, confiscou-lhe o dote. A
causa da hostilidade de César contra Sila era seu parentesco com
Mário. Com efeito, Mário, o antigo, tinha desposado Júlia, irmã do pai
de César da qual nascera Mário, o Jovem, que era assim primo-
irmão de César. (PLUTARCO, César I, 1 – 2)

Aos dezesseis anos perdeu o pai. Designado flâmine de Júpiter


durante o consulado seguinte, divorciou-se de Cossúcia, moça de
família equestre, mas particularmente rica, da qual ficara noivo em
tempo de pretexta. Casou-se com Cornélia, filha de Cina, por quatro
vezes cônsul, da qual dali a pouco lhe nasceu Júlia. De jeito algum o
ditador Sila conseguiu forçá-lo a que a repudiasse. Em vista disso

2
Anco Márcio (em latim Ancus Martius) pertenceu à série de reis lendários que
governaram Roma até 509 a.C. Neto de Numa Pompílio, sucessor de Rômulo, governou Roma
após Túlio Hostílio. Foi o quarto rei da cidade e o último de origem sabina.
3 Essa mesma questão é abordada por Dión Cássio em determinado momento de sua obra. Em suas

palavras: “Em geral, ele era absolutamente um devoto de Vênus e ansiava por persuadir a todos que
tinha recebido dela uma espécie de flor da juventude. ” (Dión Cássio, História Romana XLIII, 43).
4
Faz-se necessário salientar que os dois autores apresentam partes de suas obras que se perderam
nos caminhos da História. Assim, suas biografias de César nos chegaram incompletas. Faltam os
primeiros anos da vida do biografado, seu nascimento, sua descendência. Trataremos aqui das
partes restantes. Para autores como Canfora (2002, p. 22) e Mcdonald (1971, p. 92), César teria
nascido por volta de 100 a.C.
Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 165

teve cassado o sacerdócio, o dote da esposa e as heranças


familiares e foi considerado do partido inimigo (...). (SUETÔNIO, O
Divino Júlio I, 1-2)

Logo, a primeira visão de César que Plutarco e Suetônio nos passam é a de


sua relação com Mário e com Sila, políticos oponentes no último século republicano.
É a partir deste ponto que os resquícios das obras, com as quais temos
contato, tanto de Plutarco quanto de Suetônio iniciam sua narrativa. Em ambos, a
vida de César, ainda adolescente, é permeada por esse laço familiar com Mário e
essa oposição de Sila. Essa característica também pode ser encontrada nas linhas
veleianas:

Estava extremamente unido a Caio Mário por parentesco e era genro


de Cina, cuja filha nenhuma pressão pode fazê-lo repudiar,
diferentemente do cônsul Marco Pisón que havia renegado Ania –
esposa anterior de Cina – para consagrar-se com Sila. (VELÉIO
PATÉRCULO. História Romana II, 41)

Encontramos, desta maneira, o primeiro ponto em comum entre os quatro


autores já citados: todos, mesmo que em diferentes momentos de suas narrativas,
aludem ao fato de César ser descendente de Mário e oponente de Sila, colocando-o
como um adepto dos Populares. A relutância em repudiar Cornélia, filha de Cina5, e
o fato de ele ser reconhecido como sobrinho de Mário (ambos líderes políticos
contrários aos Optimates) são elementos de extrema importância para se
compreender o empenho do ainda jovem César em marcar sua posição política a
partir de sua descendência e laços familiares. É importante notarmos, a partir desta
citação, o uso da memória como forma de legitimação do poder, pois achamos que é
a partir da ligação com Mário que César se coloca como inimigo de Sila e defensor
dos Populares.
Por sua vez, a primeira vez que Lúcio Floro menciona Júlio César, também o
faz a partir de um viés diferente. Autor de uma História, muitas vezes considerada
uma Epítome, Floro segue uma linha narrativa um tanto distinta dos autores por nós
já citados. Os capítulos de sua obra são divididos de acordo com as diferentes
batalhas vivenciadas pelo povo romano através do tempo. Logo, ele não irá se
preocupar em narrar a vida cesarina desde cedo, a partir da infância e juventude do

5 Francisco Polo (1994, p. 69), situa tal acontecimento no ano de 82 a.C.


Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 166

personagem. Suas descrições sobre este personagem iniciam-se em um momento


posterior, quando este se encontra na Guerra Gálica. Em suas palavras:

A Ásia tendo sido subjugada pelo poder de Pompeu, a Fortuna


entregou a César tudo o que restava para ser conquistado. Aqueles
que ainda restavam eram os mais formidáveis de todas as raças, os
Gauleses e os Germânicos, e também os Britânicos (...). (FLORO,
Epítome de Tito Lívio I, 45).

Desde o princípio, podemos notar o tom que será atribuído por Floro a César.
Quando o autor nos diz que a “(...)Fortuna6 entregou a César (...)”, está, de certa
forma, legitimando a posição deste personagem em meio às suas conquistas
militares. Ele teria sido agraciado por esta divindade e esta graça o acompanharia
por toda a vida. Assim, apesar deste autor introduzir a figura de Júlio César de uma
maneira diferente das apresentas por Veléio, Plutarco e Suetônio, os quatro
assemelham-se pela maneira que descrevem César. Em outras palavras, como o
colocam como um homem corajoso, sagaz, fiel, além de protegido pelos deuses.
Esses mesmos aspectos podemos encontrar na obra de Dión Cássio, História
Romana. Suas linhas expõem de uma maneira bem peculiar grande parte da
trajetória, desde a fundação da cidade, até o período vivenciado pelo autor, o século
III d.C. e o governo dos Severos. Apesar da obra apresentar grandes lacunas e
partes perdidas7, ela constitui-se em um objeto de análise importante, uma vez que
expõe em suas linhas concepções distintas sobre assuntos diversos que permearam
a História Romana no decorrer de vários séculos. Dentre estes, podemos encontrar
a composição da imagem de determinados personagens, tais como Júlio César,
Marco Antônio e Augusto.
Júlio César é citado pela primeira vez na obra cassiana no decorrer do Livro
XXXVI,42. Neste momento, o autor concentrava-se em descrever os acontecimentos
que cercavam a carreira de Pompeu no ano de 66 a.C. César, aqui com 34 anos,
aparece como um papel secundário. Porém, é a partir deste ponto que notamos que
a imagem deste importante personagem romano começa a ser elaborada. Não
possuímos as descrições sobre sua infância, juventude e início da carreira militar ou

66 Trata-se de uma divindade agraciada e também temida pelos romanos. Deusa da sorte cega e do

acaso, é a responsável por oferecer aos mortais a riqueza ou a pobreza, a glória ou a infâmia.
7 Sobre isso, ver Capítulo I.
Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 167

política8. Entretanto, nas linhas que possuímos, faz-se evidente a maneira em que o
autor opta por descrever Júlio César. Desde o início, este é colocado como um
homem audacioso, corajoso, em plena ascensão e em busca pelo poder. Para Dión,
César coloca-se perante a sociedade romana como um homem astuto, capaz de
manipular o jogo político a seu favor.
Por sua vez, a descendência de Júlio César aparece em outros momentos da
obra cassiana. O autor alude ao parentesco com Mário em diversas passagens,
principalmente quando evidencia que este romano possuía os vínculos populares
notados em outros tempos e em outros personagens, tais como Mário. (DIÓN
CÁSSIO, História Romana XXXIX, 24-25.)
Em nossa visão, tal descendência, ao ser narrada pelos cinco autores,
evidencia os resquícios desta afirmação hereditária cesariana. Constroem, de
diferentes maneiras, a figura política de César, legitimando-a. São estas atitudes
iniciais que irão direcionar a trama da vida do personagem que descrevem e que
serão utilizadas, posteriormente, nas construções acerca daquele que será
considerado seu herdeiro, Augusto.
Assim como acontece com Júlio César, a figura de Augusto aparece em
momentos distintos nas narrativas dos autores por nós aqui analisados. Na maior
parte das vezes, a primeira menção feita a Otávio/Augusto é relacionada a Júlio
César e a questões hereditárias.
Veléio o menciona, pela primeira vez, na ocasião de seu nascimento. Nas
palavras desse autor: “O nascimento do Divino Augusto, que iria obscurecer a todos
os homens de todas as naturalidades com sua grandeza, há noventa e dois anos,
acresceu de brilhantismo o consulado de Cícero. ” (VELÉIO PATÉRCULO, História
Romana II, 36).
Desde este momento, é possível notar qual será o tom adotado por este
escritor ao descrever Augusto. Logo de início, ele já o caracteriza como Divino e
salienta que este irá eclipsar os demais homens deste período. Em meio a seu
relato, ora o chama como Otávio (principalmente quando trata de sua
descendência), ora como Augusto ou César. Tais nomeações variam de acordo com
o período sobre o qual o autor relata e a posição social e política ocupada pelo
personagem neste mesmo recorte temporal.

8 Em nossa visão, esta lacuna pode ser fruto tanto da seleção de dados a serem narrados pelo autor

quanto da ação do tempo, o que ocasionou a perda de diferentes partes da obra História Romana.
Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 168

Nas linhas floreanas, a menção a Augusto já ocorre logo no início, na


introdução de sua obra, onde o autor nos diz:

O povo romano, durante setecentos anos, desde o período do Rei


Rômulo até o de César Augusto, alcançou tanto em paz quanto em
guerra que, se um homem for comparar a grandeza deste Império
com os seus anos, ele consideraria seu tamanho desproporcional
para sua idade. (FLORO, Epítome de Tito Lívio I, 1.)

Nesta ocasião, a menção ao nome de Augusto é feita meramente como


marcação de um arco temporal no qual a obra de Floro se debruçaria. Contudo,
percebe-se que, neste breve excerto, o autor já sinaliza que os limites de sua
narração são demarcados por dois importantes personagens romanos: Rômulo e
César Augusto9.
Em Plutarco, a primeira menção sobre Augusto ocorre logo após a descrição
do assassinato de César, quando nos informa a respeito das perseguições dos
assassinos. Entre os perseguidores, encontra-se o jovem César (Otávio)
(PLUTARCO, César LXVII, 5). Ao fazer uso dessa denominação, Plutarco já
especifica dois pontos. Primeiramente, alude ao fato de Otávio ter sido adotado por
César, colocando-o como seu herdeiro. Além disso, também destaca a posição
política que futuramente será ocupada por este jovem, a de César, a qual, para além
de nome, será usado também como um título ligado ao Império.
É também em meio à sua biografia de César que Suetônio se refere, pela
primeira vez, a Augusto. Trata-se da ocasião da abertura do último testamento de
César, onde este instituía seus herdeiros, assim como a divisão de seus bens. Nas
linhas de Suetônio:

Mas, no último testamento, instituiu herdeiros três netos de suas


irmãs, Caio Otávio, em três quartos, Lúcio Pinário e Quinto Pédio, na
quarta parte restante; na parte final do testamento adotou Caio
Otávio e lhe deu seu nome, tendo nomeado tutores dos filhos que lhe
viessem a nascer a maior parte dos que o apunhalaram; entre os
herdeiros de segundo lugar estava até mesmo Décimo Bruto. Legou
ao povo, coletivamente, os jardins do Tibre, e trezentos sestércios
por pessoa. (SUETÔNIO, O Divino Júlio LXXXIII, 3-4)

9Na obra em latim, o autor utiliza, neste momento, o nome Caesarem Augustum, ao tratar de
Augusto.
Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 169

Suetônio, diferente de Plutarco, adota, a princípio, o nome Otávio ao tratar da


juventude deste romano. Posteriormente no relato suetoniano, o jovem será tratado
por sua titulação religiosa, ou seja, por Augusto.
Dión Cássio, por sua vez, remete-se a Otávio em meio a seus relatos sobre
César. A sua primeira menção dá-se da seguinte forma:

Agora, eu não posso afirmar que este não tem qualquer influência
nesta direção, ainda, não caberia mais a ele (Júlio César), mas ao
neto de sua irmã, Otávio; pois este último estava em campanha com
ele e era destinado a obter grande esplendor de seus trabalhos e
perigos. (DIÓN CÁSSIO, História Romana XLIII,42, grifo nosso).

Logo de início, observamos como o futuro Augusto será tratado por Dión. Em
suas palavras iniciais sobre esse personagem, o autor já nos deixa entrever como
serão suas descrições acerca do principado augustano, além de destacar a
genealogia de Otávio, sobrinho neto de Júlio César. Tais questões referentes à
genealogia e à hereditariedade otaviana ainda serão aprofundas no decorrer da
obra.
Sobre isso, o autor ainda nos passa que:

Agora, Caio Otávio Caepia10, como o filho da sobrinha de César,


Áttia, foi nomeado, era oriundo de Velitrae11, cidade da região volsca;
após ser privado da companhia de seu pai Otávio, ele foi levado para
a casa de sua mãe e de seu marido, Lúcio Phillipo, porém, ao atingir
a maturidade, viveu com César. César, por não ter filhos, nutria
grandes esperanças para ele, amando-o e apreciando-o, intentando
deixá-lo como um sucessor de seu nome, de sua autoridade e de sua
soberania. Ele foi amplamente influenciado pela declaração enfática
de Áttia de que o jovem teria sido gerado por Apolo, pois, uma vez
dormindo em seu templo, ela pensou ter tido relações com uma
serpente, e isto foi o que lhe causou, no final do tempo estipulado,
dar à luz a um filho. (DIÓN CÁSSIO, História Romana XLV, 1).

Há alguns pontos que gostaríamos de destacar no trecho acima arrolado.


Preliminrmente, o autor nos passa um cognome até então não citado pelos outros
autores aqui analisados: Caepias. Normalmente, relacionado a Otávio, possuímos a

10O autor utiliza a nomenclatura Gaius Octavius Caepias.


11 Cidade dos Volscos, povo que, como os latinos também habitavam o Lácio antigo. Velitras
localizava-se a sudeste de Roma.
Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 170

menção do cognome Turinus12, uma possível referência ao local de nascimento de


seus avôs paternos. Não sabemos ao certo os motivos que levaram a este autor a
atribuição deste cognome a Otávio. Para nós, este aspecto pode ser fruto de algum
engano por parte dos compiladores da obra durante a Idade Média13.
Outro ponto a ser destacado em tais palavras é a descendência de Otávio. O
autor expõe o parentesco com César, além de salientar todo o carinho e zelo
apresentado pelo general por seu sobrinho – neto. Diferente dos outros autores
antigos aqui analisados, Dión Cássio relata que César teria participado ativamente
da criação de Otávio, sendo o responsável pela educação do jovem. Na visão deste
autor, Otávio estaria sendo preparado, desde então, para assumir o cargo de
herdeiro (político, militar e social) cesarino.
Podemos notar, ainda no mesmo trecho, a descendência mítica dada a
Otávio. Semelhante a Júlio César, que é descrito pelos autores como descendente
de Vênus, seu herdeiro é colocado aqui como descendente de Apolo. Em nossa
concepção, ao associar tais homens com os deuses romanos, o escritor tenta
legitimar o governo destes perante a sociedade romana, relegando as suas ações
ao mundo dos homens e ao mundo dos deuses.
No mesmo quesito de explicar a hereditariedade e, em decorrência disso, a
legitimidade de Otávio, encontramos Veléio e nossos outros autores. Assim como
Dión, Patérculo não deixa de citar a adoção do jovem cidadão romano por César,
aspecto este que será de grande importância na nova configuração da sociedade
romana. Nas palavras deste autor: “Depois, se abriu o testamento de César onde
este adotava Caio Otávio, neto de sua irmã Júlia. ” (VELÉIO PATÉRCULO, História
Romana II, 59). Logo, encontramos aqui um novo ponto de consonância entre
nossos autores: todos anuem que Otávio, ainda jovem, foi adotado por César, com
quem possuía, inclusive, laços consanguíneos. A partir desse ponto, os autores
aproximam as questões positivas de Otávio a Júlio César, separando-o, por
conseguinte, dos vícios de Marco Antônio.
Sobre a genealogia de Augusto14, Veléio e Suetônio são os que nos dão as
maiores informações. De acordo com o escritor militar, a descendência do jovem

12 Sobre este assunto, trataremos no decorrer do Capítulo IV.


13 Sugerimos esta problematização pois o cognome Caepias foi relacionado ao gens Servilia, do qual
Otávio e sua família nunca fizeram parte.
14 No Anexo III exemplificamos a genealogia da Dinastia Júlio-Claudiana.
Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 171

herdeiro de César é, de certa forma, simples, porém honrosa, como podemos


perceber no excerto abaixo:

Seu pai, Caio Otávio, descendia de uma família que, embora não
fosse patrícia, era muito ilustre dentro da ordem dos equestres; um
homem severo, irrepreensível, honrado e rico. Obteve em primeiro
lugar a pretura junto com homens muito notáveis. Depois que sua
dignidade o tornou merecedor do casamento com Átia, a filha de
Júlia, terminou essa magistratura, dirigindo-se a Macedônia, onde foi
nomeado general; porém, em sua volta a Roma para apresentar sua
candidatura ao consulado, morreu, deixando um filho de quatro anos.
(VELÉIO PATÉRCULO, História Romana II, 59).

Notamos que Patérculo parece denotar muita importância ao fato de Otaviano


apresentar ligação com a ordem equestre. Aqui, ao contrário do que faz quando trata
de César (História Romana II, 41), o autor não menciona nenhuma origem divina
para este personagem, mesmo este sendo pertencedor da família do Iulios15.
Segundo Préneron (1992, p. 107), esta característa da obra veleiana está
relacionada com a posição que o próprio autor ocupa dentro da sociedade romana.
Ou seja, como pertencente ao grupo dos equestres, aparenta grande satisfação ao
destacar que um dos filhos de seus membros chegou ao mais alto cargo dentro do
Império, tornou-se Imperador. Com este ponto, concordamos, uma vez que
enxergamos o discurso como fruto da subjetividade de seu autor.
Já Suetônio aborda a descendência de Augusto através de outros viés. Este
autor menciona a constituição das famílias dos Otávios desde os primórdios de
Roma. Para ele, muitos são os vestígios que levam a crer que a família Otávia foi
uma das primeiras de Velitras16. Em suas palavras:

Muitas evidências comprovam que a família Otávia foi, outrora, a


primeira de Velitras. De fato, o bairro localizado na parte mais
populosa da cidade já muito era chamado de Otávio, e aí se erguia
um altar consagrado a Otávio, que fora general em guerra contra
povos vizinhos (SUETÔNIO, O Divino Augusto I, 1)

Suetônio, por conseguinte, também nos fala a respeito da posição social


ocupada pela família otaviana desde seus primóridios: “ Essa família foi, em meio às

15 Como já ressaltamos, Veléio destaca que os Júlios descendiam de Ânquises e Vênus, sendo o
primeiro um herói, e a segunda uma deusa (História Romana II, 41).
16 Cidade dos Volscos, povo que, como os latinos também habitavam o Lácio antigo. Velitras

localizava-se a sudeste de Roma.


Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 172

de segunda posição, admitidas pelo rei Tarquinío Prisco17 ao senado e em seguida


transferida ao estatuto patrício por Sérvio Túlio18(...)” (SUETÔNIO, O Divino Augusto
II ,1-2).
O mesmo autor ainda cita que, após muitos anos, a família Otávia agrega-se
à plebe novamente, só retomando seu status de patrício através do intermédio de
Júlio César (SUETÔNIO, O Divino Augusto II,3). O desempenho de cargos e
magistraturas por parte dos ancestrais de Augusto também é bastante citado na
obra suetoniana. Relatos desde os antepassados mais longíquos, que
desempenharam importantes funções junto a Roma, até os bisavôs e avôs paternos
de Otávio podem ser encontrados nestas descrições. (SUETÔNIO, O Divino Augusto
II, 3-5).
Sobre o núcleo familiar de Otávio, também é Suetônio que irá nos expor as
mais densas informações:

Seu pai, Caio Otávio, desde a juventude gozou de grande riqueza e


prestígio, de modo que certamente me admira sabê-lo arrolado por
alguns como banqueiro ou ainda entre os agentes e cabos eleitorais;
de fato, criado em meio à opulência, obteve magistratura com
facilidade e exerceu-as com distinção. Ao deixar o cargo de pretor
coube a ele, por um sorteio, a província da Macedônia e, no
caminho, destruiu os fugitivos que ocupavam o território de Túrio,
bando restante de Espártaco e de Catilina, em uma missão
extraordinária confiada a ele pelo Senado. Governou a província com
não menos justiça do que firmeza, pois, desbaratados os bessos e
trácios numa grande batalha, de tal modo tratou os aliados, que
ainda restam cartas de Cícero nas quais ele exorta e aconselha o
irmão Quinto, que na mesma época desempenhava o proconsulado
da Ásia gozando de reputação pouco favorável, a imitar seu próprio
vizinho, Otávio, a fim de granjear aliados. (SUETÔNIO, O Divino
Augusto II, 1-3)

Assim como Patérculo, Suetônio também descreve o pai de Augusto, Caio


Otávio, como um homem dotado de muitas qualidades, distinto, corajoso e justo, que
desempenhou inúmeras funções em meio à sociedade romana, chegando a,
inclusive, tornar-se senador (SUETÔNIO, O Divino Augusto II,4)
É, ainda de acordo com este mesmo autor, no retorno a Roma, quando ia
candidatar-se ao consulado, que o pai Caio Otávio veio a falecer de forma repentina.

17 Tarquínio Prisco, de acordo com a cronologia de Tito Lívio, foi o quinto rei de Roma, durante os

anos de 616 a 578 a.C.


18 Governante que sucede a Tarquínio de 578 a 574 a.C.
Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 173

Nesse ponto, possuímos mais uma informação que não nos é passada por Veléio,
Plutarco, Floro ou mesmo Dión Cássio. Suetônio nos diz que, antes de se casar com
Átia, mãe de Augusto, o pai do futuro governante contraiu casamento com Ancária,
com quem gerou Otávia Maior. Assim, ao falecer, não deixava apenas Augusto e
Otávia, mas também uma meia irmã, Otávia Maior (SUETÔNIO, O Divino Augusto
IV, 1).
Sobre o pai de Otávio, Dión também nos passa poucas informações.
Podemos encontrar em seu relato algumas menções a este homem. Geralmente,
elas estão associadas ao nascimento de seu filho. Porém, há um ponto que deve ser
destacado. Assim como Véleio enfatiza a relação entre a familía dos Otávios e a
ordem equestre, Dión irá evidenciar a relação do pai do futuro governante com o
Senado romano. Apesar de não nos dizer que Otávio pai era um senador, suas
palavras nos deixam entrever tal questão, como se faz possível perceber: “ (...)
Octavius, que pelo motivo do nascimento de seu filho, encontrava-se atrasado para
a reunião da casa senatorial (...). (DIÓN CÁSSIO, História Romana XLV, 1). Da
mesma forma que Veléio dá importância à relação deste com a ordem equestre por
ser membro desta última, Cássio aqui também o faz. Por ser senador romano, o
autor faz questão de destacar tal ponto, sempre relacionando suas questões
pessoais com aquilo que narra. Aqui, notamos, novamente, como as subjetividades
dos autores aparecem profundamente arraizadas nas linhas que nos delegam. Para
que possamos compreendê-las temos que, antes de tudo, entendê-los.
A respeito de Átia, Suetônio também é o que mais nos fala. Segundo ele, esta
era filha de Marco Átio Balbo19 com Júlia, irmã de Júlio César, como podemos notar
no treco de sua obra arrolado abaixo:

Àtia foi gerada por Marco Átio Balbo e por Júlia, irmã de Caio César.
Balbo, um aricínio20 pelo lado paterno, com muitas figuras senatoriais
na família, era, pelo lado materno, parente muito próximo de
Pompeu, o Grande e, tendo exercido o cargo da pretura, dividiu,
integrando a comição dos vigintíviros, o território da Campânia entre
a pleble de acordo com a lei Júlia21. (SUETÔNIO, O Divino Augusto
IV, 2)

19 Descendente de muitos senadores e parente de Pompeu.


20 Arícia era uma cidade do Lácio, situada entre Velitras e Roma.
21 Como o próprio Suetônio relata em sua biografia de César (O Divino Júlio XX, 1-4), quando cônsul,

este dividiu e distribuiu terras da Campânia. Pela passagem da biografia de Augusto acima
destacada, nota-se que seu avô materno foi parte integrante de uma comissão de vinte homens
encarregados de proceder e fiscalizar a partilha destas terras.
Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 174

Notamos assim, novamente, que Suetônio cita uma genealogia, de certa


forma, nobre para seu biografado. Este mantinha relações de parentesco com
importantes nomes da sociedade romana, tais como Pompeu Magno e Caio Júlio
César.
No desenrolar das descrições suetonianas, o nascimento de Augusto é
destacado. Da mesma forma que Veléio, Suetônio o insere em 63 a.C: “Augusto
nasceu durante o consulado de Marco Túlio Cícero e Caio Antônio, nove dias antes
das Calendas de outubro, pouco antes do nascer do sol, na região do Palatino
próxima às Cabeças de Boi (...)” (SUETÔNIO, O Divino Augusto V, 1). Logo,
Augusto teria nascido por volta do dia 24 de setembro, pela manhã. O local do
nascimento e da criação durante sua juventude, para o autor supracitado, seria um
lugar sagrado, onde apenas por extrema necessidade se poderia adentrar
(SUETÔNIO, O Divino Augusto VI, 1-2). Tem-se aqui, a primeira das manifestações
de origens divinas relacionadas a Augusto que podemos encontrar na obra
suetoniana, origens divinas que também aparecem nas construções de nossos
autores sobre César, mas não nas de Antônio.
O nascimento de Augusto, em um momento posterior da narrativa suetoniana,
ainda é imbuído de novos ares de mistério e de manifestação dos deuses. Segundo
o autor, vários foram os incidentes que cercaram o nascimento daquele que viria a
ser chamado de Augusto. Para o autor, tais manifestações são de origem divina e já
evidenciavam o que se podia esperar daquele que nascia: sua grandeza futura e sua
sempre presente ventura (O Divino Augusto XCIV, 1). A origem divina também é
muito destacada em César. Neste ponto, notamos mais uma aproximação entre
Júlio César e Augusto realizada por nossos autores.
Como já ressalvamos, Dión Cássio também é um dos autores que mais se
atém em narrar os acontecimentos divinos que cercaram o nascimento do futuro
Imperador. Além de sua concepção divina, o dia do nascimento teria sido cercado de
fenômenos divinos. Em seus escritos, podemos nos deparar com descrições de
previsões realizadas por personagens importantes e icônicos da sociedade romana,
tais como Nigidio Figulo e Marco Túlio Cícero, que, de maneiras distintas, previram a
grandiosidade que aquele que nascia iria alcançar. (DIÓN CÁSSIO, História Romana
XLV, 1 – 2). Logo, percebe-se que desde o momento em que nasceu, Otávio, futuro
Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 175

Augusto, é destinado a grandes feitos. Enxergamos neste ponto, que é algo em


comum entre nossos autores, mais uma forma de legitimação deste governante.
Ainda, o uso do mítico e do divino, da religião romana por assim dizer, também é
algo constantemente presente nas descrições sobre César. Parece-nos que tal
característica se constitui em mais um ponto em comum em César e Otávio,
formando um novo elo hereditário entre tais homens.

Aspectos físicos de Júlio César e Augusto

Nas linhas dos autores que aqui analisamos, nem sempre se faz possível
encontrarmos profundas descrições acerca dos aspectos físicos de Júlio César e
Augusto. Ao contrário do que acontece com Antônio, que possuí várias menções ao
seu porte físico, as características físicas de nossos outros personagens surgem
muito pouco, normalmente relacionadas a outras questões. Consequentemente, as
aproximações entre César e Augusto ocorrem em planos diferentes, sendo estes o
das qualidades morais e intelectuais, além das ações políticas e sociais.
Fisicamente, pelas poucas palavras que possuímos acerca do assunto, eles
parcamente se assemelhavam22. Contudo, para nós, é importante entendermos os
relatos de tais personagens por completo. Ou seja, mesmo que suas descrições
físicas sejam modestas, elas existem e foram criadas com intenções e motivos
próprios. Desta forma, são importantes para que possamos formar uma visão mais
completa acerca dos personagens analisados e dos autores que os narram.
Sobre os aspectos físicos de César, Suetônio é quem nos passa maiores
detalhes23: “Diz-se que ele era de estatura alta, tez clara, membros bem
proporcionados, faces um pouco mais cheias, olhos negros e vivos, de saúde
privilegiada (...)”. (O Divino Júlio XLV,1). Suetônio ainda vai mais longe na
caracterização física de César, relatando os cuidados que este homem possuía em
relação ao seu corpo e com sua aparência:

22 Podemos notar essa característica também nos resquícios arqueológicos. As representações


artísticas, bustos e moedas com as figuras de César e Augusto apresentam poucas semelhanças.
Suas fisionomias não são similares ou mesmo possuem traços em comum.
23
Suetônio trata das características físicas de César em um segundo momento de sua narrativa, após
descrever seus feitos políticos e militares.
Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 176

Exigente com relação aos cuidados corporais, caprichava no corte de


cabelo e em raspar a barba, chegando até a se depilar, o que foi
motivo de críticas de alguns24, mas amargurava-se com a própria
calvície, exposta amiúde às pilhérias de seus detratores. Por isso,
costumava puxar para a parte dianteira da cabeça seus raros
cabelos, e de todas as honras conferidas pelo Senado e o povo a
nenhuma recebeu com mais satisfação do que a que lhe dava o
direito de portar permanentemente a coroa de louro. E também se diz
que se fazia notar pela elegância: usava um laticlavo guarnecido de
franjas até as mãos e sobre ele passava o cinto (...). (SUETÔNIO, O
Divino Júlio XLV, 3-5)

Nas linhas suetonianas, o autor passa a imagem de César como um homem,


de certo modo, vaidoso com sua aparência. Em nossa visão, ao retratar tais
cuidados, Suetônio realiza uma velada crítica a essa parte da personalidade
cesariana, a qual pode ser fruto de concepções presentes tanto na época de César
quanto no período em que Suetônio se insere. Entretanto, tais descrições também
servem para expor a meticulosidade presente nas ações de César, cautela que vai
desde o manejo com seu próprio corpo até as suas ações militares e políticas para
este escritor.
A questão da calvície de César também é relatada por Dión. Em meio as
descrições dos acontecimentos do período, ele nos diz que César teria aceito o
laurel pois este disfarçaria a sua falta de cabelos. (DIÓN CÁSSIO, História Romana
XLIII, 43). Destaca-se neste quesito mais um ponto de aproximação entre Suetônio e
Dión Cássio. Ambos ressaltam esse traço cesariano e, ainda mais peculiar, o
descrevem pelo mesmo motivo: o uso da coroa de louros. Enxergamos, neste
momento, que a importância de tais linhas não se encontra nas apresentações dos
aspectos físicos, mas sim que estes são utilizados como uma desculpa para uma
atitude política. Teria sido a vaidade de César que o fez usar a coroa de louros e não
suas intenções políticas.
Dión Cássio estende-se um pouco mais para tratar das feições cesarianas,
como podemos notar a seguir: “ Ele tinha o hábito de aparecer perante os homens
através de roupas esvoaçantes e seus calçados eram, algumas vezes, altos e de
cores avermelhadas. ” (Dión Cássio, História Romana XLIII,42). Mais uma vez,
temos a impressão que o autor descreve este personagem como um homem

24
De acordo com o tradutor suetoniano Mendonça (2007, p. 75), esses cuidados corporais eram
expressões, para alguns romanos da época de César, de uma moda refinada em desacordo com as
tradições romanas. Muitas vezes, tais tratos eram vinculados a desvios sexuais.
Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 177

vaidoso, que se colocava acima dos homens de seu tempo, inclusive através de seu
vestuário.
A constituição física de César é brevemente citada por Plutarco:

Não admiravam seu amor ao perigo, em virtude de sua ambição,


mas o que surpreendia era sua resistência às fadigas, pois que
parecia ser forte além de sua capacidade física; com efeito, mesmo
sendo franzino de constituição, de pele branca e delicada, achacado
de dores de cabeça e sujeito a ataques epiléticos (em Córdova pela
primeira vez, como se diz, esse mal o atacou), não fez de sua
debilidade pretexto para a indolência, mas, ao contrário, de seu
serviço militar fez a cura de sua debilidade, visto que, por
intermináveis marchas, por vida sóbria, por dormir continuamente ao
ar livre e por suportar a fadiga, combatia a doença e mantinha seu
corpo dificilmente sujeito a seus ataques. (PLUTARCO, César XVII,
2-3)

Dessa forma, Plutarco constrói a aparência física de César para construir


também seu caráter. Segundo o autor, César, apesar de sua fragilidade física, é
obstinado e isso faz com que ele supere as adversidades que seu corpo coloca.
Logo, a figura de César, neste momento da narrativa plutarqueana, aparece como
uma pessoa forte, se não física, mentalmente e, nisso, está uma de suas virtudes.
Veléio e Floro, talvez devido às características próprias de seus relatos, nada nos
informam sobre a aparência física cesariana.
Sobre a constituição física de Augusto, Suetônio, novamente, é quem nos dá
as maiores descrições. Em um momento posterior de sua obra, quando trata a
respeito dos aspectos da personalidade, das virtudes e dos vícios do biografado, o
autor menciona as características físicas constitutivas do futuro governante. Em
suas palavras:

Desfrutou de rara beleza e foi bastante atraente ao longo de toda sua


vida. Contudo, prescindiu de qualquer adorno e a tal ponto era
descuidado com os cabelos que se prestava às pressas e ao mesmo
tempo aos cuidados de vários barbeiros, e raspava ou aparava a
barba enquanto lia ou mesmo escrevia algo. Tinha as feições tão
tranquilas e serenas quando falava ou se calava, que um dos nobres
gauleses declarou aos companheiros ter sido de tal modo inibido e
abalado por sua presença que, ao ter-se aproximado dele a pretexto
de conversar, não o lançou de um precipício durante a travessia dos
Alpes como determinara a fazer. Tinha os olhos claros e brilhantes:
chegava mesmo a desejar que se julgasse haver neles uma espécie
de força divina, e alegrava-se caso, a alguém que o olhasse mais
Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 178

fixamente, fizesse baixar o rosto como que diante do brilho do sol.


(SUETÔNIO, O Divino Augusto LXXXIX, 1-3).

Neste trecho, há ponto de diferenciação entre César e Augusto25. O primeiro,


como o mesmo autor nos diz, aparentava ser mais cuidadoso com os cuidados
corporais, apresentando meticulosidade desde o corte de cabelo até a forma de se
vestir. Como já destacamos, em nossa visão, ao relatar tais cuidados com o corpo
físico de César, Suetônio nos passa uma velada crítica, ao contrário do que faz
quando trata das mesmas questões pertencentes a Augusto. Aqui, o autor destaca
que o governante era belo por natureza, de uma forma que encantava e, até mesmo,
ludibriava as pessoas. Contudo, nada fazia para manter-se belo, não sendo, desta
forma, vaidoso. Seus cuidados com os tratos corporais, de acordo com a narração
suetoniana, eram poucos e chegam a ser, até mesmo, questionados pelo autor.
As descrições sobre os traços de Augusto ainda continuam nesta parte da
obra de Suetônio. O autor também ressalva que este era de estatura baixa, a qual
era compensada pela proporção de seus membros, de pele que variava entre
morena e clara, de cabelos levemente anelados e alourados, dentes pequenos e
desiguais, orelhas de tamanho mediano, sobrancelhas unidas e nariz sobressalente
na parte de cima (O Divino Augusto LXXXIX, 4-5). Fala-nos ainda que: “Diz-se que
seu corpo era marcado com sinais de nascença dispersos pelo peito e pelo
abdômen, dispostos, quanto à forma, ordem e número, como as estrelas da Ursa
Celeste (...). ” (O Divino Augusto LXXX, 1). Até mesmo no corpo, possuía marcas
que o ligavam a questões divinas e celestes.
Porém, o mesmo Augusto também é narrado com algumas fraquezas físicas,
tais como pouca força no lado esquerdo do corpo o que fez com que, durante os
meados de sua vida, passasse a mancar e a utilizar-se de certos artifícios que lhe
permitissem andar e sustentar tal parte do corpo (O Divino Augusto LXXX, 2).
Suetônio igualmente aborda algumas das doenças que vitimaram seu
biografado ao longo da vida. Segundo o autor, Augusto padecia anualmente, de
acordo com as estações, de alguns males, tais como constipações e inflamações
intestinais. Tais doenças faziam com que Augusto adotasse, nesses períodos,

25Não podemos deixar de notar certa diferença, igualmente, entre os aspectos que Suetônio relata
em Augusto e as descrições de Plutarco sobre Antônio. O autor beociano descreve seu biografado
como um homem bonito e vaidoso, que de tudo fazia para mostrar seu corpo e, desta maneira, ser
comparado a Hércules, de quem dizia descender.
Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 179

determinados estilos de vida e cuidados com sua saúde (O Divino Augusto LXXXI e
LXXXII).
Apesar das profusas descrições suetonianas, nenhum de nossos outros
autores o descrevem fisicamente.

Elos de Hereditariedade: Características morais e intelectuais de Júlio César e


Augusto.

As qualidades morais de César e Augusto aparecem, nas obras de nossos


autores, em meio aos acontecimentos de suas vidas, no desenvolver de suas ações.
Sendo assim, para conseguirmos entender como se dá a construção de tais
qualidades, nas linhas de Veléio, Plutarco, Suetônio, Floro e Dión Cássio, é
necessário que possamos compreender o cenário que possibilitou que estas
desabrochassem. Pensando nisso, salientaremos tais características da mesma
forma que nossos autores fizeram, ou seja, em meio à descrição dos fatos.
Veléio, desde o princípio do seu relato, deixa-nos entrever como irá
caracterizar a imagem de César: “Destacou-se (César) por seu equilíbrio entre todos
os cidadãos, de grande solidez de caráter, muito generoso em munificência, de
valentia sobre humana, acima da natureza e do acreditável (...)”. (História Romana
II, 41). Para este autor, a excelência da vida de uma pessoa é reflexo de
determinado comportamento moral, por isso dá destaque às características morais
em detrimento das físicas, pois são nas primeiras que estão expostas tudo o que se
deve saber sobre o personagem.
Da mesma maneira como ocorre nos escritos sobre Júlio César, as
qualidades morais de Augusto aparecem, nas obras de nossos autores, em meio
aos acontecimentos de sua vida, no desenvolver de suas ações e atitudes perante a
sociedade romana. Ainda, é através destas que as maiores semelhanças com Júlio
César e as maiores discrepâncias com Marco Antônio podem ser percebidas26.

26Para tornar possível a compreensão de tais pontos, realizaremos compararemos as informações


nos passadas pelos autores sobre os personagens aqui analisados. Com isto, poderemos perceber
as semelhanças e diferenças nas criações das imagens discursivas sobre Augusto e como as
características atribuídas a este governante o distanciam ou aproximam das figuras de Júlio César e
Marco Antônio.
Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 180

Ao contrário do que acontece com a figura de César, a imagem de Augusto


passa a ser construída de forma diferente. Suas ações seriam evidenciadas nas
narrações de nossos autores após a morte de César e a sua adoção testamentária.
A princípio, uma diferença que podemos destacar entre as informações
passadas pelos autores sobre Júlio César e Augusto está no fato de que, enquanto
pouco sabemos sobre a infância e a juventude de César27, muitas linhas são
dedicadas a juventude de Otávio.
Assim sendo, a proeminência de Augusto é demonstrada na obra veleiana
desde sua juventude, quando passa a desempenhar algumas funções de maior
relevância. De acordo com o autor:

Porém, seu tio avô, Caio César, quis a este, que havia sido educado
na casa de seu padrasto Filipo, como se fosse um filho seu, e, desde
seus dezoitos anos este o seguiu na campanha da Hispânia, o tendo
como um companheiro, alojando-se no mesmo lugar que ele e
compartilhando de seu carro; o honrou com o pontificado e com o
sacerdócio quando não era mais que um menino. Ao final da guerra
civil, o enviou a Apolônia, para que o espírito deste jovem singular se
instruísse nas disciplinas liberais, se bem que pretendia levá-lo como
companheiro de armas nas campanhas contra os dácios e, depois,
contra os partos. (VELÉIO PATÉRCULO, História Romana II, 59)

Desta forma, para o autor, Júlio César nutria fortes sentimentos por aquele a
quem adotou. Sentimentos estes que eram angariados pelo próprio Otávio e por sua
forma singular de ser. Assim, desde jovem, o futuro César acompanhou a seu tio e
pai adotivo nas batalhas, usufruindo, inclusive, de certos privilégios para com este.
Foi também sob o jugo de César, que Otávio passou a ser instruído nas artes
liberais. Em concordância com tal descrição, deparamo-nos com Floro que,
brevemente, nos diz que o jovem Otávio desfrutou de todo o prestígio de seu longo
serviço junto César. (Epítome de Tito Lívio II, 15.).
Por conseguinte, como constituintes das qualidades de Júlio César, Plutarco e
Suetônio aludem a outros aspectos, que abarcam desde as moradias do cidadão
romano até o seu peculiar gosto pelos prazeres sexuais.
Suetônio, em tais âmbitos, é um pouco mais prolixo, abordando questões
desde as moradias de César, seu gosto pelos artífices decorativos e pelos prazeres
do sexo, questões que pouco ou nada aparecem nas obras dos outros autores aqui
27Relembramos aqui que os anos iniciais sobre César se encontram perdidos na biografia suetônia e
não são narrados por Plutarco.
Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 181

analisados. Tais pontos são descritos, parece-nos, para que o autor possa, através
dos aspectos públicos e privados da vida cesariana, construir a personalidade do
biografado. Assim, o biógrafo nos passa que:

“Morou (César) primeiro numa modesta casa do Subura28; depois,


como sumo pontífice, na Via Sacra, em edifício oficial. De acordo
com testemunho de muitas pessoas foi um apaixonado do requinte e
da suntuosidade (...). ” (O Divino Júlio XLVI,1-2).

Sobre o modo de vida de César, Plutarco apenas nos fala de sua escolha
pela simplicidade, principalmente em épocas de campanhas militares, onde relata
que o general não se atava a honras e luxos dignos de sua posição (César XVII, 4-
11). Nesse aspecto, encontramos um ponto destoante entre a narrativa suetoniana e
a plutarqueana. Enquanto na primeira, César demonstrava ser um amante do
requinte, na segunda, este não fazia questão da ostentação no modo de viver.
Otávio, por sua vez, não seria partidário dos requintes luxuosos atribuídos por
Suetônio a César. Para este autor, o governante mostra ter uma vida, em certos
aspectos, sóbria e sem suspeita de vício algum (O Divino Augusto LXXII, 1). Ao
contrário de seu pai adotivo ou, até mesmo de Antônio29, sempre fez questão de
viver em casas modestas, mobiliadas de forma simples. Sua simplicidade era exibida
até no modo de se vestir (O Divino Augusto LXXII e, LXXIII.). Com respeito à comida
e ao vinho, expunha a mesma parcimônia e singeleza de Júlio César, mostrando-se,
inclusive, adepto de alimentos que eram considerados de segunda qualidade (O
Divino Augusto LXXVI, 1-2; LXXVII, 1).
Floro, em meio ao seu relato conciso e centrado nas inúmeras batalhas
enfrentadas pelos romanos, também dedica algumas linhas para a descrição do
caráter cesarino. Como já ressalvamos, sobre a infância e a juventude de César
esse autor nada cita. O César floreano já é um personagem adulto, militar em
destaque que está em plena ascensão política e social. Concomitantemente, a visão
floreana de Júlio César é formada pelas ações do personagem durante tais
acontecimentos. Logo, temos a exposição de um César corajoso, destemido e
valente. (FLORO, Epítome de Tito Lívio II, 13.) Ainda, um homem que recebia as
glórias por ser eloquente e por ter estabelecido a “paz” nas Gálias. (FLORO,

28 Bairro situado no vale das Colinas do Viminal e Esquilino.


29 Abordaremos novamente essa questão no próximo capítulo.
Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 182

Epítome de Tito Lívio II,13-15.). Essas mesmas características “benéficas” iremos


encontrar, posteriormente, nas descrições sobre Augusto.
Suetônio é um dos autores que mais relata as questões morais que
permearam a vida de César. Para nós, isso é fruto do próprio gênero que o autor
clama pertencer – o biográfico. Desta maneira, é nos escritos suetonianos que
iremos encontrar profusas descrições sobre a destreza de César como um sedutor:
“É por toda gente reconhecido seu pendor suntuoso pelos prazeres do sexo, seduziu
um grande número de mulheres ilustres (...). ” (O Divino Júlio L, 1). Enquanto
Suetônio dedica várias linhas a tal fato (suas descrições sobre esse assunto
abarcam os capítulos L, LI e LII), Plutarco pouco nos diz. Este autor brevemente
relata os casamentos legítimos de César, dando pouca atenção aos seus hábitos
sexuais. Tais pontos constituem caracteres diferentes entre as obras desses dois
autores aqui analisados.
A mesma questão igualmente se apresenta de forma diferente quando estes
autores tratam de Augusto e de suas relações com as mulheres. Os vínculos
amorosos do sucessor cesariano são totalmente livres de escândalos ou
particularidades que lhe atribuam má fama. Muito pelo contrário, sobre seu primeiro
casamento com Cláudia Pulcra30,

Enquanto isso, os soldados de Antônio, evidentemente por este


acordo, recomendaram a César (Otaviano) a filha de Fúlvia, atual
esposa de Antônio, com Clódio, apesar de César estar noivo de outra
mulher. No entanto, ele não a recusou, uma vez que ele pensava que
este casamento não o impediria de colocar em prática os planos que
tinha contra Antônio. Ainda, somado a outras considerações, ele
entendia que seu pai, César, não falhou em cumprir todos os seus
planos contra Pompeu mesmo possuindo laços de parentesco com
ele. (DIÓN CÁSSIO, História Romana XLVI, 54.Grifo Nosso).

Apesar de se tratar de um casamento político e com segundas intenções por


parte de Otaviano, ele ainda estaria livre de acusações funestas, sendo que
perpetuava a tradição romana do casamento como aliança política e não carregava
em seu cerne nada que poderia discriminá-lo. Essa mensagem é corroborada pelo
mesmo autor em um momento posterior de sua narrativa quando este nos diz que
Otávio, após a traição perpetuada por Fúlvia contra ele, devolveu Cláudia a sua mãe
sem violá-la. (DIÓN CÁSSIO, História Romana XLVIII, 14).

30 Dión Cássio é o único autor que menciona este casamento.


Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 183

Em nossa concepção, a única repreensão atribuída as questões amorosas de


Augusto é sobre o seu casamento com Lívia Drusíla. Dentre nossos autores, tanto
Suetônio quanto Dión Cássio abordam mais largamente este aspecto da vida
augustana. Porém, é nos escritos desse último que nos deparamos com veladas
críticas a esta relação. Estas ocorrem pois, segundo este autor, o herdeiro de César
encontrava-se casado com Scribônia31 e Lívia com Tibério Cláudio Nero. Ambas as
mulheres estavam grávidas de seus respectivos consortes nesta ocasião e, por isso
mesmo, notamos na narrativa cassiana um leve toque repreensivo, que é
descartado quando o autor nos diz que essa união ocorrera por amor e não por
interesses políticos. (DIÓN CÁSSIO, História Romana XLVIII, 43-44.). Por
conseguinte, a união com Lívia não adquire tons críticos em nenhum de nossos
outros autores.
No desenrolar de suas narrativas, quando a ênfase se encontra nas ações
públicas de Júlio César, sendo estas políticas ou militares, Veléio, Plutarco, Suetônio
e Floro passam uma imagem do jovem em movimento, ausente de Roma por conta
da perseguição política que sofria por parte de Sila. Veléio (História Romana II, 41),
diz-nos que César escapou de Roma para resguardar sua vida. Plutarco (César I, 5)
relata que o jovem optou por esconder-se quando descobriu dos planos silianos para
seu assassinato. Por sua vez, Suetônio descreve uma imagem de um homem em
fuga, que viveu constantemente trocando de esconderijos e que, por este motivo,
correu o risco de cair na clandestinidade (O Divino Júlio I, 2). Floro, por fim, procura
concentrar-se nas ações militares de César, salientando seus atos frente a conquista
de outros povos, principalmente nas Gálias e na Bretanha. (Epítome de Tito Lívio II,
11-12).
Nesses relatos, podemos encontrar também certas divergências entre os
autores. Veléio, apesar de em toda sua obra dar maior destaque para as ações
militares dos cidadãos romanos, nada fala sobre o serviço militar prestado por César
na Ásia, sob o comando de Marcos Termo32. Plutarco também não fala sobre o
desempenho de tal função, ao contrário de Suetônio:

31 Filha de Lúcio Scribônio Libo e Sêntia, era tia de Sexto Pompeu Magno, adversário político e militar
de Augusto. Contava com dezessete anos a mais que o futuro governante na ocasião do casamento.
Mais uma vez, tratava-se de um casamento político.
32 Segundo Polo (1994, p. 70), isso ocorreu por volta de 80 a.C.
Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 184

Iniciou o serviço militar na Ásia, no quartel–general do preto Marcos


Termo; enviado por ela à Bítinia para mobilizar uma esquadra,
deixou-se ficar na corte de Nicomedes, não sem que se espalhasse o
boato de ele ter-se prostituído ao rei, rumor aumentado quando logo
a seguir voltou a Bítinia sob a alegação de cobrar uma dívida de um
liberto, seu cliente. O resto da Campanha lhe valeu uma reputação
mais favorável, e Termo, na tomada de Mitilene, condecorou-o com a
coroa cívica. (SUETÔNIO. O Divino Júlio II, 1-2)

A partida de César para a Ásia em 81 a.C., na comitiva de Marcos Termo,


livrou-o da perseguição de Sila, entretanto, suas funções junto ao rei Nicomedes
atribuíram-lhe, na obra suetoniana, algumas denominações maledicentes, pontos
estes que não aparecem em Veléio ou em Plutarco33, mas surgem também nas
referências cassianas (História Romana XLIII, 20). Na narrativa suetoniana,
inúmeras vezes podemos encontrar referências à possível relação entre o rei
Nicomedes e César. Em suas palavras: “Nada feriu sua dignidade viril a não ser a
parceria com Nicomedes, que lhe custou sério e permanente descrédito e o expôs
ao ludíbrio geral. ” (O Divino Júlio XLIX,1). Deste ponto em diante, o autor faz várias
alusões a escritos, cantigas e pequenos versos que possuem como assunto a
contraditória relação entre o romano e o rei da Bítinia. Entretanto, sobre isto, não
deixa clara a sua própria análise, elencando, apenas, as vertentes de opiniões
existentes. A ausência de críticas por parte de Suetônio mantêm, de acordo com
nossa visão, à sua própria maneira, a figura viril de César.
Sobre a carreira militar de Augusto, nossos autores são bastante profícuos.
Assim como seu antecessor, desde jovem, o futuro governante teria participado de
inúmeras campanhas militares. Para Plutarco, Suetônio, Floro e Dión Cássio, como
previamente comentamos, o próprio César teria sido o responsável por este aspecto
do treinamento de seu herdeiro. Ao realizarem mais este elo, nossos autores
agregam a Otávio a mesma sabedoria militar presente em César, legitimando-o
também na arena dos assuntos militares.
Esses nexos de hereditariedade, em diversas áreas da sociedade romana,
são os responsáveis por formar, desde cedo, a virtus augustana. Em outras
palavras, seu treinamento, suas ações e atitudes no decorrer dos anos inicias de
sua vida irão moldar suas ações posteriores e servir como bases de exemplificação
de seu caráter.

33 Em nossa concepção, tais distinções podem estar também localizadas nas diferenças dos gêneros
literários de nossos autores.
Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 185

A formação do caráter de Júlio César também é demonstrada pelos nossos


autores. O novo ponto de encontro entre as obras de Veléio, Plutarco e Suetônio se
dá em um aspecto diferente, quando César é capturado por piratas. Os três autores
se detêm na descrição de tal acontecimento, entretanto, cada um o situa em um
período. Para Veléio e Suetônio, o rapto aconteceu por volta de 77 – 76 a.C.,
quando César viajava de Roma para Rodes. Já para Plutarco, onde o relato se
apresenta de forma mais ampla, o mesmo aconteceu anos antes, na fuga de César
de Roma. Entretanto, apesar das discrepâncias datais próprias das visões de cada
autor, a importância dessa descrição está no fato de que em todos os autores, aqui
analisados, este acontecimento serve para exemplificar o caráter do jovem Júlio.
Sua atitude perante aos piratas será o molde de suas ações posteriores, de sua
virtus em formação.
A narração deste episódio inicia-se, nas três obras, de maneira a demonstrar
a ação de César perante os corsários. Contudo, é em seu comportamento após sua
libertação que as características de seu caráter e de sua índole se expõem. Nas
palavras dos autores:

Levaria muito tempo para falar de seus inúmeros ousados planos


para a punição dos piratas, ou como estes foram frustrados pelo
magistrado do povo romano que governava a província da Ásia;
relatamos aqui, portanto, aquilo que servirá como testemunho de sua
grandeza futura. Na noite seguinte ao dia em que foi resgatado com
o dinheiro público das cidades, porém não sem antes obrigar aos
piratas a entregar reféns a estas cidades, sem ordem expressa da
autoridade, havendo recrutado uma embarcação antecipadamente,
se dirigiu ao lugar onde se encontravam os piratas, pôs em retirada
parte de seus barcos, naufragou outra parte, e apreendeu alguns
navios e muitos homens. Satisfeito pelo triunfo da expedição noturna,
retornou aos seus e, prendendo os prisioneiros, se dirigiu a Bítinia,
na presença do procônsul Junco34 - pois haviam concedido a Ásia e
esta província ao mesmo – para solicitar que assumisse a
responsabilidade de executar os cativos. Apesar de sua negação e
deste manifestar sua intenção de vendê-los – certamente a inveja se
somava a sua falta de zelo – César tornou com incrível rapidez ao
mar e, antes que se recebessem as ordens do procônsul, crucificou a
todos que havia capturado. (VELÉIO PATÉRCULO,História Romana
II, 42)

34
Tal homem só é citado por Veléio e por Plutarco (César II,6). Segundo Fonseca (2007:140),
Marcos Junco, propretor da Ásia em 75-74 a.C., encontrava-se na Bítinia para a execução do
testamento de Nicomedes III, morto em 74 a.C. Junco, provavelmente, teve a autoridade de
procônsul também neste período.
Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 186

Quando seu resgate chegou de Mileto e ele foi libertado após pagá-
lo, imediatamente equipou navios e, partindo de Mileto, alcançou o
alto mar em direção aos corsários. Encontrou-os ainda ancorados na
ilha e apoderou-se da maioria deles. Roubou o dinheiro e, após ter
lançado os homens na prisão, em Pérgamo, foi em pessoa procurar
o governador da Ásia, Junco35, porquanto lhe cabia como pretor punir
os prisioneiros. Quando Junco lançou um olhar de ambição sobre o
dinheiro (pois não era pouco) e afirmou que sem pressa examinaria
atentamente os presos, César deixou-o e voltou a Pérgamo. Fez sair
da prisão os corsários e enforcou todos eles (...). (PLUTARCO,
CÉSAR II, 5-7)

(...) Logo após a contagem de 50 talentos e o desembarque na praia,


César não deixou passar um instante para sair ao encalço dos
corsários; lançou navios ao mar e deitando a mão neles, aplicou-lhes
o suplício que, em meio a troças, viviam a ameaçá-lo. (SUETÔNIO,
O Divino Júlio IV,1)

A princípio, Veléio já salienta que irá relatar o acontecimento, pois este é


expoente da futura grandeza de César. Ou seja, as ações do jovem romano perante
os corsários são aspectos importantes na construção da representação do caráter e
da virtude de César, características estas que também serão expressas no decorrer
de sua vida. Com o mesmo, parecem concordar tanto Plutarco quanto Suetônio, os
quais também se atêm à narração da libertação de César e de sua busca por justiça.
É interessante ressalvar que utilizamos a palavra justiça, pois é em busca disso que
César parte contra os seus raptores36. Em nenhum momento, tem-se a crítica de sua
atitude ao assassinar seus prisioneiros. Muito pelo contrário, a visão nos passada
por Veléio e por Plutarco (acima destacadas) é que a culpa de César punir os
sequestradores cabe ao procônsul Junco que, cego pela inveja e pela cobiça, não
realizou os deveres que lhe cabiam.
Apesar de Suetônio fazer uso da palavra suplício, não conseguimos notar em
suas linhas uma crítica mais acentuada perante a ação de César. Em nossa
interpretação, a atitude do jovem é amenizada pela sentença “aplicou-lhes o suplício
que, em meio a troças, viviam a ameaçá-lo”, onde o autor deixa claro que César fez
com seus inimigos aquilo que estes prometeram fazer com ele, não julgando, desta
maneira, a escolha do biografado. Ainda, em um momento posterior de sua obra,

35
Ao referenciar Junco, Plutarco entra em contradição com sua própria datação. Ora, se este
episódio ocorreu antes de 77 a.C., como César teria buscado o auxílio de Junco em 74 a.C.? Logo,
em nossas análises, a datação de Veléio e Suetônio nos parece mais aproximada da data do evento.
36 Salientamos aqui que iustitia, prudentia, virtus, pietas e clementia são algumas das características

que definem o bom governante.


Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 187

novamente Suetônio retoma tal acontecimento para exemplificar parte integrante do


caráter cesariano. Em suas palavras:

Até mesmo na vingança era por natureza de grande brandura,


quando teve em suas mãos os piratas que o haviam feito prisioneiro,
ordenou que primeiro fossem estrangulados e depois colocados na
cruz, para cumprir seu juramento de que nela os haveria de
pendurar. (SUETÔNIO, O Divino Júlio LXXIV,1)

O elogio à brandura ocorreu por César ter substituído o longo e cruel


sofrimento na cruz pelo rápido estrangulamento, em outras palavras, nem mesmo
aos inimigos, César impunha maiores sofrimentos quando podia atenuá-los. Essa
característica é uma das partes formativas de sua índole e caráter que serão
demonstrados por toda biografia suetoniana, assim como ocorrerá nas obras de
Plutarco e Veléio. Essa visão é muito importante, pois destaca uma linha de
pensamento sobre a vida e as atitudes cesarianas que serão representadas por
diversos momentos.
O caso dos corsários também produz outros efeitos. Para os autores, partindo
de nossa análise, é através deste fato que César começa a se destacar, tanto
militarmente quanto politicamente, em solo romano. Deste ponto em diante, as
narrativas irão abordar as magistraturas desempenhadas por César e, em meio a
isto, vai se configurando, aos poucos, a personalidade do biografado, assim como
passa a ser demonstrada a receptividade do povo para com este.
Nas descrições plutarqueanas, César passa a desempenhar um papel de
maior destaque no seio da política romana após a morte de Sila, quando retorna a
Roma (por volta de 78 a.C.). Para o autor, neste momento, já se faz possível notar
uma das principais virtudes cesarianas, a busca pela instrução, algo que o
engrandece perante outros romanos que se dedicaram ao desempenho de carreira
militar. Em suas palavras: “(...) ele dirigiu-se a Rodes para estudar sob a direção de
Apolônio, filho de Mólon, de quem também Cícero tinha sido discípulo, uma vez que
Apolônio era brilhante professor de retórica e parecia ser de bom caráter. ”
(PLUTARCO, César III,1).
Através desta passagem, podemos notar certo elogio perante a atitude de
César. Em nossa concepção, isso acontece, pois, como demonstramos
anteriormente, Plutarco defende que a constituição da virtude de um homem
relaciona-se, diretamente, com sua educação. Em outras palavras, a instrução é a
Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 188

responsável pela conduta correta de indivíduo perante a sua sociedade e pela


formação de um bom governante. Logo, César, ao buscar pela instrução, estaria
buscando também a construção de sua virtude.
A instrução de César, assim como sua habilidade na arte da oratória também
é muito valorizada por Plutarco, o qual a ressalta algumas vezes, como podemos ver
a seguir: “Diz também que César tinha uma disposição natural excelente para a
oratória política e cultivara essa disposição com muito ardor (...). ” (César III,2).
Suetônio também ressalva a busca de César pela instrução, entretanto,
coloca-a em um momento posterior da vida cesariana37. Para este autor, as
circunstâncias que levam a César são outras, porém, os objetivos são os mesmos,
como podemos notar no seguinte excerto: “(...) decidiu resguardar-se em Rodes
para esquivar-se de represália e para frequentar, durante esse período de ócio e
descanso, Apolônio Molão, na época o mais ilustre mestre de eloquência. ”
(SUETÔNIO, O Divino Júlio IV,1).
De tal maneira, também podemos notar no relato suetoniano o destaque dado
à relação educacional entre César e um dos principais mestres de eloquência do
momento, Apolônio.
A primeira aparição da arte do discurso em César se dá durante o caso
Dolabela38. Segundo Plutarco, este foi o palco de uma das primeiras aparições
públicas do cidadão romano. (César IV,1). Para Veléio (História Romana II, 43), este
episódio também é célebre e, mesmo que de maneira condensada, própria do estilo
de escrita adotada por ele, o escritor opta por citá-lo. Suetônio, da mesma maneira
que Veléio, alude a este episódio de maneira sucinta: “Como orador ou militar
igualou ou superou a glória dos mais eminentes. Depois do processo contra
Dolabela foi incontestavelmente incluído entre as maiores expressões dos tribunais.
” (SUETÔNIO, O Divino Júlio LV,1). Ainda sobre esse assunto, dá maiores
exemplos, quando nos fala que o dom de César foi reconhecido inclusive por Cícero,
importante orador de sua época. Também nos explicita que: “Diz-se que discursava
com voz penetrante, com movimentos e gestos incisivos e certo fascínio. ”
(SUETÔNIO, O Divino Júlio LV, 4).

37 Para Suetônio, a visita de César a Rodes acontece depois do caso Dolabela, antes do sequestro

pelos corsários, enquanto, para Plutarco, ela se passa depois dos corsários e antes de Dolabela.
38
Cneu Cornélio Dolabela, destacado partidário de Sila, sofreu um processo de acusação por seu
governo na Macedônia. O processo ficou muito famoso, principalmente, pelo discurso proferido por
César ao acusar o ex-cônsul.
Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 189

Sobre a mesma questão, encontramos representações tanto em Floro quanto


em Dión Cássio. O primeiro, seguindo a estrutura concisa de sua narrativa, leva-nos
a entrever que César seria o responsável por proferir um discurso perante o Senado,
onde propunha uma solução para as punições dos condenados por Conspiração.
Segundo este autor, o já experiente militar era favorável a uma pena mais branda,
de acordo com suas ordens sociais, para os conspiradores. (FLORO, Epítome de
Tito Lívio II, 12). Para nós, a exposição floreana é carregada de uma velada crítica,
sendo que deixa entender que a proposta de César estaria conectada aos seus
interesses econômicos e políticos.
Contudo, é na obra de Dión Cássio que encontraremos as narrações dos
discursos cesarinos. O autor, assim como em outros momentos, dedica parte de sua
escrita para compilar os discursos que deixaram muitos homens famosos na
sociedade romana. Dentre estes, podemos encontrar alguns, supostamente,
proferidos por César. A maioria, fruto de um período posterior, são narrações de
diálogos entre César e seus oficiais, ou, até mesmo, entre César e Pompeu. (DIÓN
CÁSSIO, História Romana XLIII, 26-27). Nestes, partindo da suposição que são, ao
menos, trechos dos discursos proferidos por César39, pode-se notar toda a
eloquência atribuída a este personagem, além de sua instrução e capacidade ao
falar de diferentes assuntos perante o povo e o Senado romanos.
Suetônio estende-se mais quando aborda os escritos deixados por César.
Inicialmente, da mesma forma que Dión, relata alguns discursos que lhe são
atribuídos (SUETÔNIO, O Divino Júlio LV,5). Porém, as maiores glórias estão nos
escritos sobre as inúmeras guerras de autoria do general. Mais uma vez, para
comprovar o desempenho de César em meio às artes da escrita, Suetônio aqui cita
os inúmeros elogios de Cícero, assim como os de Hírcio, importantes autores da
época republicana (SUETÔNIO, O Divino Júlio,LVI).
A instrução como formadora de caráter também é algo presente nas imagens
discursivas sobre Augusto. Os autores aqui analisados, de maneira quase unânime,
destacam a figura do herdeiro cesarino como um romano instruído e sábio, que
sempre almejava adquirir maiores conhecimentos.

39 Intriga-nos as descrições pormenorizadas dos discursos tanto de César quanto de outros


importantes cidadãos romanos presentes na obra cassiana. Causa-nos estranheza o fato que
nenhum outro autor tê-los citados da mesma maneira. Essa dessemelhança pode ser oriunda de
variantes múltiplas, que vão desde o uso de diferentes documentações por parte do autor, quando a
possibilidades de um acréscimo posterior realizado nesta obra.
Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 190

Suetônio relata que o futuro Augusto dedicou-se com afinco, desde a


juventude, as artes liberais, desenvolvendo, por conseguinte o dom da eloquência,
da mesma forma que seu pai adotivo possuía (SUETÔNIO, O Divino Augusto
LXXXIV, 1). As demonstrações destas qualidades serão dadas em vida, quando
compõe muitas obras de gêneros variados, adotando para isso um estilo elegante e
sóbrio, evitando a frivolidade.
Dión Cássio, de maneira bem semelhante a Suetônio, faz questão de
salientar a erudição presente em Otávio. Em suas palavras: “Assim, ele era hábil em
oratória, não apenas na língua romana, mas também na grega, além de ser
vigorosamente treinado para o serviço militar e cuidadosamente instruído em política
e na arte de governar. ” (DIÓN CÁSSIO, História de Roma XLV, 2.).
Na continuação de suas narrativas, os autores partem para a análise de
outras funções desempenhadas por Júlio César e Augusto em meio a Roma.
Agora, passam a evidenciar o tribunato40 de César. Em palavras
plutarqueanas: “César recebeu a primeira prova da benevolência do povo para com
ele quando, competindo com Caio Pompílio pela função de tribuno militar, foi
proclamado publicamente o primeiro” (César V,1). Nesta passagem, já podemos
notar como a imagem de César começa a se apresentar perante os cidadãos
romanos. Aqui, a sua eleição é representativa para se entender como o povo o
enxergava nesse período. O mesmo acontece em Suetônio: “Durante seu tribunato
militar, primeira magistratura que, ao regressar a Roma, obteve por voto popular (...)”
(O Divino Júlio V,1.). Mais uma vez, destaca-se a escolha do povo por César, ou
seja, ele é eleito por escolha desta parcela da sociedade romana.
Em nossa visão, a nomeação de César como tribuno é destacada pelos
autores, pois possibilitou a este visibilidade política, principalmente quando se
empenhou pela adoção de medidas de ideais popularis, tais como a restauração das
prerrogativas dos tribunos da plebe e a anistia dos políticos perseguidos pelo
governo siliano41.

40Para Taylor (1975, p. 11), a eleição de César como tribuno militar ocorre por volta de 73 a.C..
41Contudo, apesar de Plutarco e Suetônio citarem a eleição para tribuno militar, Veléio nada cita.
Apesar disto, o autor salienta uma das ações que Júlio César realizou durante seu tribunato militar,
que foi o retorno dos proscritos por Sila às terras romanas. Para nós, isso evidencia que o autor
pretendia salientar, assim como os outros, que César, novamente, se colocava como defensor dos
Popularis, opositor de Sila, herdeiro de Mário, utilizando-se assim da memória sobre este
personagem romano.
Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 191

Os exemplos do afeto do povo para com César, entretanto, não param por aí.
Outras demonstrações somam-se às eleições do tribunato e, este é o caso dos
funerais de sua tia Júlia (por nós já citado) e de sua esposa Cornélia42. Suetônio (O
Divino Júlio VI,1) relata brevemente a situação, sobressaltando mais o discurso em
homenagem a Júlia, esposa de Mário, onde esta aparece como descendente de
deuses e reis43. No entanto, Plutarco nos dá uma percepção um pouco mais ampla
do evento e da recepção do povo para com este. Em suas palavras:

A segunda prova é mais evidente que a primeira, ele a recebeu


quando, tendo falecido a esposa de Mário, Júlia, de quem era
sobrinho, pronunciou um brilhante encômio no fórum, e, no préstito
fúnebre, ousou exibir imagens de Mário, que foram então vistas pela
primeira vez depois do governo de Sila, porque Mário e seus amigos
tinham sido reconhecidos como inimigos públicos. Neste ínterim,
como alguns clamaram contra César, o povo respondeu em altos
brados, acolhendo-o com aplausos e olhando-o com admiração,
como se estivesse fazendo subir do Hades para a cidade, após muito
tempo, as honrarias de Mário. Pronunciar orações fúnebres para
mulheres idosas era de fato costume ancestral dos romanos, e,
embora não fosse usual para as jovens, César pela primeira vez
proferiu tal discurso diante de sua própria esposa falecida. Isso
trouxe-lhe certo benefício, e, com seu infortúnio, levou o povo a amá-
lo como um homem afável e de muitas qualidades. (PLUTARCO,
César V, 2-5)

Logo, os autores nos mostram que as ações de César perante a morte de


Júlia e Cornélia lhe renderam o gracejo do povo. Isso porque, mais uma vez, o
jovem em ascensão se colocava como partidário de Mário, por quem era grande a
estima de parte da população romana. Ainda, ao elogiar sua falecida esposa
Cornélia, filha do líder popular Cina, sinalizava, de certa forma, que seus ideais
políticos se uniam aos de seu sogro. Além disso, a homenagem incomum à sua
falecida esposa, proporcionou que seus concidadãos vissem no gesto do viúvo a
delicadeza e a profundidade de seus sentimentos familiares, algo que é destacado
por Plutarco. A importância dessa representação, para nós, está na imagem que
passa a se formar nas obras dos autores a respeito de César. As palavras dos
autores são representativas para salientar a figura do futuro governante como um
homem respeitador dos valores familiares e que foi amado pelo povo.

42Estipula-se que estes funerais ocorreram por volta de 70 a.C.


43As palavras de Suetônio já foram por nós citadas páginas acima, quando tratamos das origens dos
Júlios.
Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 192

Sobre fatores semelhantes da vida do futuro Augusto, Suetônio também nos


informa. Para ele, as mostras do caráter de seu biografado se dão também desde
cedo:

Aos onze, louvou publicamente sua avó Júlia na ocasião de seu


falecimento. Quatro anos mais tarde, depois de ter vestido a toga
viril, foi agraciado com recompensas militares no triunfo africano de
César, embora tivesse ficado fora da guerra em razão de sua pouca
idade. Seguiu sem demora o tio que partira para a Hispânia contra os
filhos de Pompeu, por estradas infestadas de inimigos e quando mal
se recuperara de uma doença grave, aos lados de uns poucos
companheiros e tendo passado por um naufrágio, cativando-o
grandemente: logo se louvou também a natureza de seu caráter,
além de seu empenho na viagem. Decidindo César por uma
expedição contra os dácios e os partos após as batalhas na
Hispânia, ele, mandado previamente a Apolônia, dedicou-se aos
estudos. (SUETÔNIO, O Divino Augusto VIII, 1-3)

Suetônio dá grande valor ao elogio fúnebre realizado pelo ainda jovem Otávio.
Aqui, assemelha-se novamente com Júlio César, quem também proferiu louvações
públicas a membros femininos de sua família, no caso sua esposa e sua tia. Neste
quesito, também podemos notar uma separação da figura de Antônio, o qual, em
nenhuma de nossas obras, é citado como tendo se destacado no proferimento de
um discurso ou elogio fúnebre, com exceção da ocasião daquele realizado após a
morte de César, onde Suetônio mesmo nos diz que, após a leitura das Atas do
Senado, Antônio acrescentou poucas palavras.
O discurso fúnebre também se constitui em uma evidência do caráter do
biografado, tanto nas descrições sobre César quanto nas de Augusto. Ainda,
podemos notar os aspectos semelhantes entre as obras de Veléio e Suetônio,
quando em ambas aparece em destaque o desempenho de Otávio em meio às
batalhas travadas por seu tio avô, desempenhos estes que, além de serem
demonstrativos de seu caráter, angariaram-lhe a admiração de seu futuro pai
adotivo.
Novamente, notamos em Augusto o reflexo de características pertencentes a
Júlio César. Tratam-se de atributos muito bem quistos em meio a Roma. Para além
disso, são particularidades presentes em bons governantes. Desta forma, os laços
hereditários entre César e seu sobrinho-neto extrapolam os vínculos sanguíneos.
São mais profundos, ideológicos, idealistas. São caracteres que legitimam César
para, com isso, legitimar a figura de seu herdeiro.
Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 193

Sobre Júlio César, Dión também ressalva o destaque alcançado por este
perante as estruturas sociais romanas. Em suas palavras:

O fato, porém, que a influência de César estava aumentando e que o


povo admirava tanto suas conquistas que, envoltos na esperança
depositada no general, solicitavam aos homens do Senado, supondo
que as Gálias estavam completamente subjugadas, o envio a César
de grandes quantias de dinheiro (...). (DIÓN CÁSSIO, História
Romana XXXIX, 24).

Neste ponto, o clamor por César é tão intenso que o povo romano intervém a
seu favor perante o Senado. Honra conquistada por poucos e não muito bem quista
pelos senadores romanos que, aqui representados pelas palavras de Dión, já
temiam as consequências de toda a popularidade cesariana44.
César galgou velozmente as etapas da ascensão política rumo ao consulado.
Os autores se atêm a narrar, neste momento, as magistraturas ocupadas por ele
durante os anos que se seguiram a sua nomeação como tribuno. Para nós, faz-se
interessante perceber que, em meio às descrições das funções desempenhadas por
César, os autores inserem as ações do personagem, deixando entrever a sua
personalidade e o seu caráter. Desta forma, conseguimos notar como se constrói
uma visão similar de César nas três obras que aqui analisamos.
O desempenho da questura45 é assinalado por todos os autores. Veléio
(História Romana II, 43), coloca tal magistratura como um passo a mais rumo ao
consulado visado por César. Plutarco e Suetônio atêm-se um pouco mais ao
assunto, ressaltando a administração cesariana da Hispânia Ulterior46, abastada
província romana (PLUTARCO, César V,6; SUETÔNIO, O Divino Júlio VII,1).
O mesmo acontece com a eleição de César como Edil47. De maneiras
distintas, três de nossos autores destacam, novamente, essa magistratura
desempenhada por César, distinguindo suas ações. De acordo com Suetônio, é

44 Nossos autores também aludem a popularidade do herdeiro cesarino em meio a sociedade

romana. Sobre este ponto, discutiremos em momento posterior ao tratarmos sobre as criações
imagéticas de Antônio e Augusto.
45 Segundo Taylor (1957, p. 11), César foi eleito Questor pela Assembleia do Povo entre 70 e 69 a.C..

Coube-lhe o exercício de sua função, na comitiva do pretor Caio Antístio Vétere na Hispânia Ulterior.
46 Concentrada no vale do Bétis, estendendo-se de Cartagena no Mediterrâneo até larga parte do

oeste atlântico.
47 De acordo com Canfora (2002, p. 96), César foi eleito Edil por volta de 65 a.C., fazendo, assim,

parte de uma instituição colegiada, anual e eletiva. As funções do Edil eram exercidas na
administração urbana, na vigilância dos mercados, em atividades referentes ao abastecimento da
cidade de Roma (cura annonae), na organização dos jogos e no cuidado com os arquivos.
Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 194

neste momento que Júlio César se preocupa com construções e restaurações de


importantes instituições políticas e sociais de Roma, além de proporcionar
espetáculos para seus concidadãos. Em suas palavras:

Como edil, ele embelezou, além do comício, do foro e das basílicas,


também o Capitólio 48com a construção de pórticos provisórios para
ali expor uma parte de seu tesouro constituído de grande quantidade
de peças. Proporcionou caçadas e jogos juntamente com seu colega
(...). (SUETÔNIO, O Divino Júlio X,1-2)

Suetônio demonstra atitudes cesarianas que se constituem em ações


particularmente importantes para a carreira política de um romano, tais como a
manutenção e a adornação de locais públicos importantes para a vida social e
política romana, assim como o patrocínio de jogos gladiatórios e caçadas,
modalidades esportistas que eram muito apreciadas pelos vários escalões da
sociedade romana. Tais atitudes também lhe proporcionavam grande visibilidade
política.
Esta mesma acepção podemos encontrar nas linhas cassianas, as quais nos
dizem que César foi o responsável por eclipsar seu colega edil, Bíbulo. O motivo
para tanto teriam sido os majestosos jogos gladiatórios proporcionados por ele em
nome de seu pai, além das reformas que proporcionou no centro político romano.
(DIÓN CÁSSIO, História Romana XXXVII, 8.)
Toda essa visibilidade política e essa aclamação, por assim dizer, direcionada
à figura de César, levaram-no a garantir a eleição para outros cargos políticos, como
é o caso do Pontificado Máximo49. Aqui, as opiniões dos autores convergem para o
mesmo ponto: a vitória cesariana foi um grande expoente do valor deste homem
perante grande parte da população de Roma. (VELÉIO PATÉRCULO, História

48O Capitólio (em italiano: Campidoglio), ou Monte Capitolino, é uma das famosas sete
colinas de Roma. Trata-se da colina mais baixa, com dois picos separados por uma depressão, palco
de muitas batalhas e lendas, tais como a vitória dos Sabinos. O Foro fica localizado entre as colinas
do Palatino, Quirinal e Esquilino. Constituía-se no centro dinâmico de atividades políticas, judiciárias e
econômicas.O Comício era o local destinado às assembleias centuriatas. As Basílicas eram edifícios
públicos destinados a reuniões de negócios e a tribunais.
49 O título de Pontifíce Máximo ( Pontifex Maximus) foi conquistado em 63 a.C.. Tratava-se do mais

alto cargo sacerdotal, representando todas as divindades reconhecidas pelo estado romano, sendo
superior a todos os sacerdotes. Suas funções abarcavam a custódia das Virgens Vestais, a vigilância
das assossiações de cultos, a administração dos prodigia, a nomeação e direção dos cinco flâmines e
do rex sacrourum. Responsabilizava-se também em intervir nos casamentos celebrados com a
confarreatio e nas distinções dos dias fastos e nefastos. Em suma, era partícipe de tudo que
interessava nos âmbitos dos cultos públicos, domésticos e gentilícios. O cargo, muito ambicionado e
bastante rendoso, remetia ao futuro governante de trinta e sete anos a responsabilidade por toda a
vida religiosa de Roma.
Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 195

Romana II, 43; PLUTARCO, César VII, 1; SUETÔNIO, O Divino Júlio XIII, 1; Dión
Cássio, História Romana XXXVII, 37). Isso porque César, ainda jovem (com cerca
de trinta e sete anos) e não pretor, concorreu a este cargo com Isáurico e Cátulo,
homens ilustríssimos e que, segundo as palavras de nossos autores, muito acima do
vencedor em idade e número de títulos, ou seja, candidatos para quem, geralmente,
se reservava o cargo. A vitória antecipada de César deixa claro o poderio político
que convergia para as mãos deste homem; poderio este que, a partir desse
momento, se somava o comando supremo da religião romana50.
Faz-se necessária nossa ressalva neste ponto acerca de um aspecto que
podemos notar em nossos autores. Estes, em meio a seus relatos sobre a carreira
política de César, sempre demonstram a importância que teve o apoio do povo nas
eleições de César e, por conseguinte, no desenrolar de sua carreira política. Esse
favorecimento do futuro governante perante uma grande parcela da sociedade
romana aparece várias vezes no desenrolar das narrativas. Por exemplo, podemos
encontrar em Suetônio as seguintes passagens: “Conquistado o favor popular (...). ”
(O Divino Júlio XI,1. Grifo nosso). Ou ainda: “ (...). Ademais, dois dias depois, como
uma multidão num impulso espontâneo batesse às portas e em alvoroço
assegurasse sua colaboração para preservar-lhe o cargo, ele a acalmou. ” (O Divino
Júlio XVI, 3. Grifo nosso). Também em Dión: “ Através destes meios César vinculou
o povo à sua causa (...). ” (Dión Cássio, História Romana XXXVIII, 7. Grifo nosso).
Em Plutarco, as referências ao apoio a César são ainda mais expressivas:

Em Roma, irradiava-se de César uma grande sedução por causa de


sua eloquência nas defesas, e considerável estima vinha-lhe de seus
concidadãos pela amabilidade de seu acolhimento e de sua
conversação, visto que era mais obsequioso que os da sua idade.
Ele tinha também certo poder político que crescia graças aos festins,
às refeições e, em geral, ao brilho de sua maneira de viver.
(PLUTARCO, César IV, 1-5).

Como César se defendeu dessa acusação e persuadiu o Senado,


seus admiradores exaltaram-se ainda mais e incitaram-no a não
refrear seu orgulho diante de ninguém, pois levaria vantagem sobre
todos pela vontade do povo e ocuparia o primeiro lugar.
(PLUTARCO, César VI,7)

50 Segundo Canfora (2002, p. 52) e Mendonça (2007, p. 30), o culto religioso exercia grande

influência na sociedade romana, servindo, inclusive, como instrumento de dominação.


Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 196

O mesmo apoio aparece em Veléio e em Floro. O primeiro nos fala que: “(...)
em uma atitude favorável da cidade para com ele (César), superior àquela que se
teve com os acusados (...). ” (História Romana II, 43. Grifo nosso). Enquanto no
segundo, encontramos a seguinte colocação: “ Seus concidadãos não eram ingratos
e acumularam-lhe todo o tipo de honras (...). ” (FLORO, Epítome de Tito Lívio II, 13.
Grifo nosso).
Logo, nas passagens acima arroladas, os autores deixam entrever que, em
suas visões, César possuía o apoio de grande parte da população romana, fato que
o levou à conquista de inúmeros cargos e magistraturas no seio político e militar
romano. Essa característica da vida cesariana foi de grande valia para seu sucessor,
Augusto, o qual, como veremos, fez uso desta para legitimar seu governo em Roma.
Em nossa concepção, essa visão transmitida pelos autores irá se perpetuar nas
construções que fazem acerca de Augusto, ao mesmo tempo que não aparecem nas
acepções sobre Marco Antônio.
Augusto também desempenhou a função de Pontifex Maximus, porém em um
momento posterior de sua vida51. Ao assumir este cargo, de acordo com Suetônio,
aumentou o número e o prestígio dos sacerdotes, assim como seus privilégios,
principalmente aqueles destinados às Virgens Vestais. Nessa mesma função,
restaurou alguns dos cerimoniais antigos, tais como os jogos seculares52 e
compitais53 e as festividades dos Lupercais (O Divino Augusto XXXI, 1-3). Sobre
esse quesito, Veléio também nos fala. Aqui, podemos encontrar novamente algumas
aproximações com Júlio César, uma vez que os autores destacaram as mesmas
funções desempenhadas por ele e por seu herdeiro.
Dentre estes cargos conquistados por Júlio César, segundo nossos autores,
também se encontram a pretura54. Veléio não nos dá maiores informações,
destacando somente que: “ (...) mostrou admirável valor e zelo no exercício da
pretura (...)”. (História Romana II, 43). Entretanto, Plutarco e Suetônio se estendem
um pouco mais em suas descrições.
Para Suetônio, durante o tempo que foi pretor, César demonstrou grande
parte de seu caráter, principalmente perante a descoberta da Conspiração Catilina

51 Em 12 a.C.
52 Eram jogos instituídos pelos livros Sibilinos, os quais se realizavam, em geral, a cada cem anos em
louvor de divindades como Apolo e Plutão.
53 Festividades realizadas em honra dos Lares Compitais, protetores das encruzilhadas.
54 De acordo com a historiografia aqui consultada, essa eleição ocorreu por volta de 62 a.C..
Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 197

(O Divino Júlio XIV,1). Segundo o autor, enquanto o Senado pregava a condenação


à morte dos acusados, César: “ (...) foi o único que propôs que, tendo seus bens
confiscados, fossem eles distribuídos por municípios e lá mantidos presos. ” (O
Divino Júlio XIV,1). A obstinação de César em manter a brandura da pena levou-o,
inclusive, de acordo com o autor acima arrolado, a ser acusado como cúmplice
desta conspiração, acusação esta que não teve comprovação, sendo os acusadores
penalizados (O Divino Júlio XVII, 3).
Descrição basicamente idêntica podemos encontrar nas linhas cassianas, as
quais, com palavras diferentes, relatam as mesmas ações de César perante os
acusados desta Conspiração. (Dión Cássio, História Romana XXXVII,36.).
Plutarco também descreve essa conspiração e a ação de César perante a ela,
no entanto, coloca-a momentos antes deste assumir o cargo de pretor (César VII,6.).
Nas linhas deste autor, assim como nas suetonianas, César também é acusado de
ser partícipe da conspiração, porém é inocentado, principalmente porque o povo
intercedeu por ele junto ao Senado (César VIII, 5). A eleição para a pretura, segundo
o autor, veio logo em seguida (César IX,1).
Em Floro, possuímos uma visão semelhante, porém com um teor diferente.
Para este autor, o pedido de clemência apresentado por César baseava-se nas
posições sociais e políticas ocupadas pelos conspiradores. (FLORO, Epítome de
Tito Lívio II, 12). Contudo, não deixava de demonstrar a pietas presente nas ações
deste homem romano.
Ao sair da pretura, coube-lhe a Hispânia Ulterior. (VELÉIO PATÉRCULO,
História Romana II, 43; PLUTARCO, César XI, 1; SUETÔNIO, O Divino Júlio
XVIII,1). Ainda neste território, inicia sua candidatura para o consulado55.
Apesar de possuirmos vastas descrições acerca das ações políticas do
herdeiro de César, nestas, não podemos encontrar apontamentos sobre todos os
cargos oficiais que o mesmo ocupou no decorrer de sua vida. Isso ocorre, em nossa
concepção, porquê mos autores antigos por nós aqui selecionados optam por
destacar as funções mais elevadas desenvolvidas por Augusto. Logo, deparamo-nos
com muitas linhas acerca de seus vários consulados.
Segundo nossos autores, é a partir das eleições para o cargo de cônsul que
Júlio César dá início às relações com Crasso e Pompeu, relações estas que irão

55 Segundo Jeffrey Tatum (1998, p. 67), César foi eleito cônsul por volta de 59 a.C..
Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 198

culminar no Primeiro Triunvirato. Tanto em Veléio, quanto em Plutarco e Floro, este


novo modelo político é alvo de críticas, como podemos notar nos trechos abaixo:

Assim, sendo cônsul constituiu uma sociedade de poder entre Cneu


Pompeu e Marco Crasso e esta, que foi nefasta para Roma e para o
mundo, acarretou conseqüências não menos fatais a cada um em
momentos distintos. Ao apoiar esse projeto, Pompeu teve a intenção
de que sua conduta nas províncias do outro lado do mar, que muitos,
segundo dissemos, criticavam, fosse finalmente aprovada por
intermédio do cônsul César; de sua parte, César se dava conta de
que auxiliando na glória de Pompeu aumentaria a sua, e que
desviando-se para a partilha do poder, aumentaria suas
possibilidades; Crasso, como, de início, não havia conseguido
sozinho o poder, tentava alcançá-lo pela autoridade de Pompeu e
pelos recursos de César. (VELÉIO PATÉRCULO, História Romana II,
44)

Entrou na cidade e imediatamente assumiu uma política que


enganou a todos, exceto Catão. Essa política causou a reconciliação
de Pompeu e Crasso, os mais poderosos da cidade. César, levando
esses homens de malquerença para a amizade e concentrando em si
a força de ambos, mudou disfarçadamente o regime político com um
ato que pretendia ter o nome de humano. De fato, não foi, como a
maioria crê, a desavença de César e Pompeu que causou as guerras
civis, mas sobretudo sua amizade, visto que se uniram primeiro para
a queda da aristocracia e só depois disso se indispuseram
reciprocamente. (PLUTARCO, César XIII, 3-5).

A fama de Caio César devido à sua eloquência e coragem foi agora


realçada pela detenção do consulado; porém, Pompeu ocupava uma
posição mais elevada que qualquer um deles. César, portanto,
desejoso pela vitória, Crasso de crescer e Pompeu para manter sua
posição, e todos igualmente ansiosos pelo poder, prontamente
entraram em acordo para dividirem o governo. (FLORO, Epítome de
Tito Lívio II, 13).

Plutarco e Floro produzem críticas mais duras à participação de César neste


pacto, vendo-o como um dos principais responsáveis por essa associação política,
ao contrário de Veléio, que salienta que esta união é intentada por todos os
partícipes, que enxergam nela a solução para seus problemas políticos. A mesma
significação surge nas palavras de Dión, o qual é ainda mais crítico, conjecturando
que César foi o responsável por articular a união entre os três, enganando, desta
maneira, tanto o Senado quanto o restante da população de Roma, que acreditavam
que estes eram inimigos pessoais. (Dión Cássio, História Romana XXXVII,54). Para
Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 199

o autor, César mostrava, novamente, o seu viés manipulativo, o que se constituí em


um dos pontos mais criticados no decorrer da narrativa cassiana.
Suetônio, por sua vez, sugere uma visão mais particular da manutenção de
relações entre César e os outros dois importantes romanos. Para ele, a atitude de
César ao se unir com Pompeu e Crasso é resultado das ações do Senado perante
seu consulado56. Assim, a união entre César, Pompeu e Crasso é também uma
estratégia defensiva (O Divino Júlio XIX,4).
O estabelecimento de relações triunvirais entre o herdeiro de César, Antônio e
Lépido é igualmente criticado pelos autores. Nas palavras de Dión Cássio:

E os três homens uniram-se em uma conferência, não sozinhos, mas


cada um com o mesmo número de soldados (...). Então, estando lá,
eles calmamente discutiram assuntos variados e, em suma,
estabeleceram um acordo solene com a intenção de assegurar a
soberania dos três e subjugar seus inimigos. Contudo, para não
aparentar que eles estavam almejando diretamente uma espécie de
monarquia e também para afastar qualquer sentimento de inveja e,
consequentemente, oposição entre eles, estabeleceram o acordo
seguinte. Em comum, os três deveriam ser escolhidos como
encarregados de alguma espécie de assuntos relacionados a
administração e a resoluções de assuntos internos, porém, não como
oficiais permanentes, mas por cinco anos (...). (DIÓN CÁSSIO,
História Romana XLVI, 54.)

Para o autor supracitado, o estabelecimento do Segundo Triunvirato tinha por


função principal apaziguar as ambições dos três homens mais proeminentes do
cenário político romano do momento. Entretanto apesar dessa sublime crítica, o
mesmo autor, no desenvolver dos próximos capítulos, ameniza a participação do
futuro Augusto, quase que o inocentando dos males que provocou durante a temível
associação.
Floro apresenta uma concepção muito semelhante, uma vez que nos diz que:

Apesar de Antônio, por si mesmo, ser ameaça suficiente a paz e a


Res Publica romanas, Lépido uniu-se a ele e, por assim dizer,
adicionou fogo ao incêndio. O que poderia ser feito contra dois
cônsules e dois exércitos? César (futuro Augusto) foi forçado a
tornar-se parte deste pacto horrendo. Os três líderes eram distintos
tanto em seus objetivos quanto em suas personalidades. Lépido era
movido pelo desejo de riqueza, a qual esperava acumular através da
perturbação da Res Publica; Antônio desejava vingança contra

56
Onde foi eleito cônsul juntamente com Bíbulo.
Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 200

aqueles que o declararam inimigo; César era estimulado pelo


pensamento que a morte de seu pai permanecia impune e que a
sobrevivência de Bruto e Cássio era um insulto para o seu espírito. A
partir desses objetivos a paz foi estabelecida entre os três homens.
(FLORO, Epítome de Tito Lívio II, XVI. Grifo nosso).

Na passagem floreana, o herdeiro cesarino viu-se coagido a participar de tão


temível pacto. Só o integrou pelo bem de Roma e para trazer justiça aos assassinos
de seu pai.
O relato veleiano aborda a oposição que, logo de início, o herdeiro cesariano
recebe daquele que parecia ser seu aliado, Antônio. De acordo com o autor, este
temia o novo poder que se concentrava em Otaviano, o qual poderia cobrar-lhe as
copiosas somas deixadas por César ao povo romano; somas estas das quais
Antônio fez uso indevido. Foi neste momento que, de acordo com Veléio, ao
espalhar boatos maliciosos a respeito de Otaviano, Antônio dá mostras de sua
vergonhosa falsidade (VELÉIO PATÉRCULO, História Romana II, 60). Neste ponto
de sua narrativa, ao tratar da crescente oposição entre Antônio e Otaviano, promove
uma distinção entre ambos. De início, coloca que: “O ódio aumentava entre dois
homens de natureza tão distinta e com diferentes interesses, e, por isso, o jovem
Caio César sofria com o assédio diário de Antônio. ” (VELÉIO PATÉRCULO, História
Romana II, 60). Posteriormente, a disputa que era entre cidadãos romanos, torna-se
uma batalha por Roma. Em suas palavras:

A cidade estava sufocada pela opressão de Antônio. Todos sentiam


dor e indignação, porém, não possuíam força para lhe fazer frente,
quando Caio César, que iniciava o décimo nono ano de sua vida,
com a coragem para ações admiráveis e para a busca de objetivos
importantes por iniciativa própria, mostrou maior providência que o
Senado na proteção da República (...). (VELÉIO PATÉRCULO,
História Romana II, 61)

Otaviano, novamente, ocupa a posição de protetor de Roma. Assim, reuniu


parte das tropas de seu pai adotivo e parte em busca de Antônio, cujo o exército, ao
deparar-se com “(...) as qualidades de um jovem de tamanho valor (...)”. (História
Romana II, 61), trocou de lado. Perante tal evento, o Senado honrou o jovem César
com uma estátua localizada em frente à tribuna rostral; honra esta que, em trezentos
anos, apenas Sila, Pompeu e Júlio César haviam recebido (VELÉIO PATÉRCULO,
História Romana II, 61). Em seguida, contando com apenas vinte anos, o futuro
Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 201

governante vence uma violenta batalha em Módena, o que faz com que Antônio,
com uma escassez vergonhosa de recursos, fuja dos territórios itálicos (VELÉIO
PATÉRCULO, História Romana II, 61). Em nossa acepção, o autor, tenta demonstrar
como Otávio, desde a juventude, constituiu-se em um homem de valores, de
atributos que são demonstrados no campo de batalha, nos atos em defesa de Roma
e que, por isso, são reconhecidos tanto pelo Senado quanto por seus inimigos. Tais
descrições também podemos encontrar quando o autor trata de Júlio César.
Observamos aqui, toda uma construção ideológica em torno de César e Augusto,
construção esta que, a nosso ver, é representativa da tentativa de se legitimar o
sistema político do Principado romano.
Suetônio também relata a oposição que o futuro governante sofreu por parte
de Antônio. De acordo com suas interpretações, com o intuito de realizar maiores
ações em relação aos assassinos de seu pai adotivo, o agora Otaviano candidata-se
ao tribunato da plebe57 (SUETÔNIO, O Divino Augusto X, 2). Neste momento,
Antônio, a quem via como seu primeiro aliado, lhe oferece grande oposição
(SUETÔNIO, O Divino Augusto X, 3). Assim, passa a ser imbuído, por seus inimigos,
de várias desonras. Para o autor: “Marco Antônio disse que a adoção de seu tio fora
paga pelo estupro de que dele sofrera. (...)” (O Divino Augusto LXVIII,1). Mostra-se
assim, para o autor, uma tentativa de descrédito, da parte de Marco Antônio, àquele
que César havia designado como seu herdeiro.
É em detrimento desta oposição que, segundo o autor, ao ver que suas
intenções seriam frustradas, Otaviano estabelece alianças com integrantes dos
Optimates, em sua maioria, oponentes de Antônio (SUETÔNIO, O Divino Augusto
X,4). Ainda para o autor, suas ações nesse momento são voltadas: “(...) em seu
auxílio e no da Res Publica. ” (SUETÔNIO, O Divino Augusto X,4).
É em meio às primeiras disputas contra Antônio que, novamente, dá provas
de sua coragem e desempenho nos campos de batalha, evidenciando, desta
maneira, mais uma das características que compartilhava com Júlio César.
(SUETÔNIO, O Divino Augusto X, 5). Atributo este que, segundo Plutarco, também
pode ser visto, inúmeras vezes, na figura de Antônio, no entanto, não de forma tão
acentuada como acontece nas descrições sobre Augusto.

57Neste momento, o autor salienta que esta candidatura não condizia com a posição atual de
Otaviano, uma vez que era de origem patrícia e ainda não tinha exercido função na instituição
senatorial (SUETÔNIO, O Divino Augusto X, 2).
Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 202

Encontramos mais um ponto concordante entre as narrativas de Veléio,


Plutarco, Floro, Dión Cássio e Suetônio quando o último, a referendar a formação do
Segundo Triunvirato, também destaca que Otaviano só propôs acordos de paz
quando percebeu que Lépido havia se unido a Antônio, aumentando o contingente
deste último (SUETÔNIO, O Divino Augusto XII,1). Novamente neste ponto,
Otaviano muda de lado, passando a ligar-se aos populares, abandonando suas
curtas ligações com os optimates. (SUETÔNIO, O Divino Augusto XII,2). Esta, de
acordo com nosso ponto de vista, pode ser uma velada diferenciação que Suetônio
promove entre César e seu herdeiro, uma vez que o primeiro, apesar dos inúmeros
reveses que sofreu, nunca mudou sua posição frente à política romana. Sempre se
colocou como tributário de Mário e, por conseguinte, dos populares, fazendo uso
dessa ligação para ascender na política romana.
Veléio também ressalta a formação do Segundo Triunvirato. Para ele, o jovem
César uniu-se a Antônio, que agora contava com o apoio de um maior número de
legiões, pois, assim, conseguiria vingar a morte de seu pai adotivo (VELÉIO
PATÉRCULO, História Romana II, 65). Em seguida, nesse período, o futuro
governante, com vinte anos, assumiu o consulado juntamente com Quinto Pédio
(História Romana II, 65).
O estabelecimento dos laços triunvirais entre o jovem César e os outros dois
homens não é bem visto também por esse autor, como já salientamos no capítulo
anterior. As proscrições realizadas pelos triúnviros constituem-se em grande parte
das críticas de Veléio ao Segundo Triunvirato. Contudo, sobre a participação do
futuro governante nesses atos, o autor nos diz que: “(...) apesar de César tentar
evitá-lo, isso foi em vão contra a opinião dos outros dois, assim se instaurou um mal
do qual Sila havia dado o exemplo: as proscrições.” (VELÉIO PATÉRCULO, História
Romana II, 66). O autor cita os proscritos por Antônio e por Lépido, porém nada fala
daqueles que o foram pelas mãos do jovem César. Ao contrário de Veléio, Suetônio
nos diz que:

Exerceu o triunvirato a fim de organizar a Res Publica por dez anos;


no exercício dessa função, lutou por algum tempo contra os colegas
para que não houvesse proscrição, mas, uma vez aprovada, usou
desse recurso mais duramente que um e que outro (SUETÔNIO, O
Divino Augusto XXVII,1).
Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 203

Outras críticas acerca das posteriores atitudes de Augusto podemos


encontrar no desenrolar da biografia suetoniana, a qual parece criticar o modo como
este trata, após vencer as tropas de Bruto, seus cativos (SUETÔNIO, O Divino
Augusto XIII, 1-2). Mais uma vez aqui, encontramos uma notória diferença com Júlio
César, o qual é elogiado, em sua biografia, pela brandura com a qual tratou até
mesmo seus inimigos. Em outro momento, critica também outras atitudes do futuro
governante quando este ainda era triúnviro. Segundo o autor, nesse período,
Otaviano deu mostras de autoritarismo ao perseguir violentamente seus opositores
ou aqueles que acreditava ser. Em suas linhas, atribui a essa atitude do jovem a sua
inexperiência e o medo de perder o poder com qual procurava restabelecer os
assuntos da República (SUETÔNIO, O Divino Augusto XXVII, 1-2). As mesmas
percepções notamos em Dión Cássio, sendo que, como já destacamos, este
também denota os erros de Otaviano à sua juventude, falta de experiência e as
necessidades de sua época.
As narrativas dos autores sobre a constituição do Primeiro Triunvirato
encontram-se ainda em um novo ponto: todos parecem denotar grande importância
ao estabelecimento de laços familiares através do casamento entre Júlia, filha de
César, com Pompeu. Mesmo Veléio e Floro, que possuem descrições mais sucintas,
não deixam passar tal acontecimento sem referi-lo. Nas palavras veleianas:
“Também estabeleceu um parentesco por matrimônio entre César e Pompeu, pois
Cneu Magno se casou com a filha de César. ” (História Romana II, 44). Já para
Floro: “Júlia, que, como filha de César e esposa de Pompeu, através dos laços
matrimoniais, manteve as relações cordiais entre sogro e genro (...). ” (FLORO,
Epítome de Tito Lívio II, 13).
Suetônio, em concordância com a visão dos outros autores, deixa-nos
entrever que o estabelecimento de relações familiares aproximou os dois
governantes, inclusive politicamente: “(...) a partir desse novo parentesco passou a
pedir o parecer de Pompeu em primeiro lugar (...)” (O Divino Júlio XXI,2). Em
Plutarco, tratou-se de uma manobra política da parte de César:

César procurava apoderar-se ainda mais da influência de Pompeu:


ele tinha uma filha, Júlia, que era noiva de Servílio Cépio;
comprometeu-se a casá-la com Pompeu e declarou que daria a
Servílio a filha de Pompeu, que também não era livre, mas tinha sido
prometida a Fausto, filho de Sila. (PLUTARCO, César XIV, 7)
Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 204

O mesmo tom aparece nos escritos cassianos, que descrevem, além do


casamento de Júlia, os laços matrimoniais estabelecidos por César com Lúcio Piso:

Porém, temendo que Pompeu pudesse efetuar algumas mudanças


durante sua ausência, enquanto Aulus Gabinus 58deveria tornar-se
cônsul, ele uniu-se tanto com Pompeu quanto com Lúcio Piso por
laços de parentesco: ao primeiro ele concedeu sua filha, apesar
desta estar noiva de outro homem, ao mesmo tempo em que ele se
casava com a filha de Piso. (Dión Cássio, História Romana XXXVIII,
9).

É interessante notarmos que, mesmo de forma mais velada, as críticas sobre


as atitudes de César são maiores a partir do momento em que este estabelece
sociedades políticas, através de acordos ou de casamentos, com Pompeu e Crasso.
O mesmo acontece quando os autores se concentram nas ações de seu herdeiro
após o estabelecimento de laços com Antônio e Lépido. Contudo, enquanto César
não é isentado de seus erros, o futuro Augusto é. Isso porque todos os autores por
nós aqui selecionados atribuem os erros do governante a sua juventude,
inexperiência e companhias. Em outras palavras, as conjunturas apresentadas pelo
meio político romano fizeram com que ele optasse por más escolhas. Nas palavras
cassianas:

Se alguém relembrasse seus antigos erros durante as guerras civis,


eles os atribuíam a pressão das circunstâncias e acreditavam ser
justo buscar sua real disposição em suas ações posteriores, quando
encontrava-se de posse indiscutível do poder supremo (...). (Dión
Cássio, História Romana LVI, 44.)

Augusto redimiu-se dos erros perpetuados por Otaviano, enquanto Júlio


César, homem mais velho e experiente, foi responsável por suas ações e pelas
consequências por elas ocasionadas.
Entretanto, apesar das críticas, podemos ainda notar que as vidas de Júlio
César descritas pelos autores ainda apresentam um profundo tom elogioso, onde as
atitudes e as ações do personagem são direcionas, mais uma vez, pelas
necessidades de seu próprio tempo. A valorização dos feitos de César,
principalmente os militares, mesmo quando este não está em uma posição

58 De acordo com Dión Cássio, Aulus Gabinius (Aulo Gabínio) era um adversário político de César.
Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 205

condizente com seus valores, é feita constantemente no desenvolver das narrativas


dos cinco autores por nós aqui analisados.
A carreira militar de César59 é algo que sempre está em destaque nas obras
que tratam de sua vida, principalmente naquelas onde seus autores
desempenharam, em algum momento de suas vidas, funções em campos de
batalhas, como é o caso de Patérculo. Este constrói inúmeros elogios ao general:

César realizou depois na Gália coisas assombrosas que dificilmente


poderiam ser explicadas em muitos volumes, e não satisfeito com as
muitas e felizes vitórias, onde caíram e foram feitos prisioneiros
milhares de inimigos em números incalculáveis, transportou seu
exército para a Bretanha, buscando assim outro mundo, para nosso
poder e para o seu. (VELÉIO PATÉRCULO, História Romana II, 46).

Floro, apesar de, aparentemente, não pertencer às organizações militares


romanas, concentra grande parte de suas descrições nas ações militares dos
personagens. É deste ponto que podemos retirar a maior parte das informações que
nos é passada pelo autor sobre César. Em suas linhas, César aparece como um
competente general, temido por seus inimigos e idolatrado por seus soldados.
(Epítome de Tito Lívio I, 45). A figura de César ainda aparece relacionada a um
homem corajoso, destemido e audacioso, responsável pela conquista de várias
terras, assim como pela dominação de povos inimigos. (Epítome de Tito Lívio I, 45 –
46).
Dión Cássio dedica inúmeros trechos de sua obra para relatar as ações
militares cesarianas. Próprio de seu estilo narrativo, as campanhas de César são
narradas de forma pormenorizada, ilustradas com detalhes mínimos e utilizadas
para a demonstração do caráter deste general. (História Romana XL, XLI e XLII).
O mesmo tom elogioso aparece em Plutarco:

O período das guerras que fez em seguida e das expedições com as


quais subjugou a terra dos celtas mostrou que ele, como se tivesse
tomado outro ponto de partida e entrado numa trilha de vida diferente
e de novas realizações, não era como um guerreiro e comandante
inferior a nenhum outro dos mais admirados pelo comando e tornado

59 César parte para a Gália em março de 58 a.C., dando princípio à campanha contra os helvécios, a
qual termina com a vitória do general romano nas terras de Bilbracte. Ainda no mesmo ano, travou
disputas contra os germanos, ocupando Besaçon e saindo vitorioso da batalha de Ariovisto. No verão
de 57 a.C., sustentando suas conquistas militares, os soldados cesarianos iniciam a campanha contra
os belgas, o que culmina na derrota da coalizão dos belgas em Áxona (WOOF, 1998, p. 56)
Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 206

os mais importantes; mas se compararmos a homens como os


Fábios, os Cipiões e os Metelos,e àqueles de seu tempo ou àqueles
pouco anteriores a ele, como Sila, Mário, os dois Luculos, ou ainda o
próprio Pompeu, cuja glória então florescia, elevando-se até o céu,
em razão das superiores qualidades de toda espécie em guerra, os
empreendimentos de César são superiores: ele supera um pela
dificuldade dos lugares onde combateu; outro, pela extensão do país
conquistado; outro, pelo grande número e força do inimigo vencido;
este, pelos despropósitos e pela perfídia dos povos que ele conciliou;
aquele, pela moderação e pela brandura para com os prisioneiros;
este, por presentes e favores concedidos a seus companheiros de
armas; e a todos, por fazer o maior número de combates e por
aniquilar a maior parte dos inimigos. (PLUTARCO, César XV, 2 – 5)

Plutarco, assim como Veléio, Floro e Dión Cássio, destaca as inúmeras


realizações no campo militar realizadas por César. O autor salienta a grande
desenvoltura das ações do general, característica que irá formar, em nossa visão,
mais uma de suas virtudes. Isso se dá porque, o modo como um cidadão romano
desempenha suas funções militares em campos de batalha são partes importantes
da constituição da personalidade de tal homem, de sua areté e de sua agathós60.
Assim, a sua bravura, coragem e força perante o inimigo somam-se na construção
de sua índole e caráter.
Ao contrário de tais autores, Suetônio é um pouco mais conciso ao expor os
feitos em batalhas de César. Este autor, preocupado em destacar outros pontos da
vida cesariana, dispõe, em sua narrativa, de apenas poucos capítulos para
descrever os longos anos de campanhas em regiões estrangeiras. Segundo o
tradutor e pesquisador Mendonça (2007, p. 46), a brevidade suetoniana pode ter
suas origens em duas razões: a primeira, seria a convicção do autor de que, em
uma obra biográfica, o importante não seria o relato de uma série de fatos, mas sim
de fatos marcantes que definem os traços personalísticos do biografado. A segunda
razão estaria no fato de que Suetônio talvez pudesse considerar repetitivo o relato
de fatos que já foram extensamente analisados tanto por César, em seus
Commentarii, quanto por outros autores. Desta maneira, Suetônio teria feito a
escolha de narrar de forma mais condensada os desempenhos cesarianos nas
Guerras das Gálias. (MENDONÇA, 2007, p. 46).

60
Esse conceito, de forma mais ampla, refere-se às qualidades e méritos de algo ou alguém.
Segundo M. Finkelberg (2002, p. 37), a tradução que mais aparece para este termo é a palavra
virtude. A areté também pode aparecer vinculada à palavra agathós, que pode tanto indicar o nobre,
o aristocrata, quanto o homem que tem valor e coragem.
Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 207

Também é Suetônio que irá nos passar as informações mais condesadas


sobre os desempenhos militares de Augusto. As campanhas, as conquistas e as
perdas são narradas de forma muito breve, com a intenção apenas de demonstrar o
caráter do general. De acordo com este autor, Augusto promoveu inúmeras
mudanças e instituiu muita coisa nova nos assuntos militares (O Divino Augusto
XXIV, 1-3). Neste ponto, notamos certa diferenciação com Júlio César. Suetônio, na
biografia do Divino Júlio, informa que este possuía uma profunda relação com seus
soldados, aos quais chamava de companheiros de armas (O Divino Júlio LXV, 1-3).
O mesmo não acontece com Augusto, o qual, segundo Suetônio, nunca chamou
homem algum de companheiro de armas, mas, sim, de soldados (O Divino Augusto
XXV, 1). Interessante é que Veléio, por ser um militar, sobre isso nada nos fala, o
que demonstra que o ato de esquecer é tão importante quanto o de lembrar, sendo
que ao não mencionar essa característica depreciativa de Augusto, Veléio não
macula a imagem daquele que exaltou por ser oriundo de uma família equestre, filho
de militar.
As imagens discursivas sobre Augusto evidenciam um certo distanciamento
de César no que tange as campanhas militares. César era conhecido por
permanecer constantemente em batalhas, mesmo quando estas não eram
necessárias. Augusto não. Para nossos autores, principalmente Veléio (História
Romana II, 60 – 61), Floro (Epítome de Tito Lívio II, 14) e Dión Cássio (História
Romana XL – XLI), este governante só iniciava uma campanha se os motivos
apresentados para tanto fossem justos e benéficos a Roma. Para Suetônio:

Não levou a guerra a povo algum sem causas justas ou necessárias,


e a tal ponto esteve alheio ao desejo de aumentar seu poder ou sua
glória militar, que obrigou os príncipes de algumas nações bárbaras a
jurarem no templo de Marte Vingador que lhe permaneciam leais e
dentro dos limites de paz que rogavam. (SUETÔNIO, O Divino
Augusto XXI, 3)

Nas linhas do autor, o governante romano aparece como um homem justo, o


qual só guerreava por causas justas e necessárias. O mesmo autor, em um
momento posterior, ainda nos fala que o herdeiro de César possuía, tanto em Roma
quanto nas províncias e regiões estrangeiras, a fama de ser um homem valoroso e
moderado (SUETÔNIO, O Divino Augusto XXI, 5).
Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 208

A partir dos pontos que até então abordamos em nossa pesquisa, já se faz
possível uma prévia compreensão acerca das construções das imagens discursiva
de César e Augusto. Veléio, Plutarco, Suetônio, Floro e Dión Cássio, mesmo
fazendo uso de técnicas e padrões de escrita distintos, apresentam concepções bem
próximas sobre estes personagens, suas vidas e seus feitos. Demonstram ainda
como constroem a figura do herdeiro cesariano a partir de semelhanças e diferenças
com o seu antecessor. Como legitimam César para, consequentemente, legitimarem
Augusto. Por fim, como criam em suas palavras as bases legitimatórias do
Principado Romano.
Também como frutos dessa construção, podemos notar as concepções dos
autores acerca dos motivos que fizeram com que César entrasse em uma guerra
civil com Pompeu. Veléio (História Romana II, 44), desde o primeiro momento
destaca que a formação deste pacto político terá más consequências para todos os
envolvidos. Por sua vez, Suetônio, Plutarco e Dión Cássio também enxergam as
consequências funestas para aqueles envolvidos na formação deste acordo político
(PLUTARCO, César XIII, 4-5; SUETÔNIO, O Divino Júlio XIX, 3-4, Dión Cássio,
História Romana XXXVIII - XXXIX). Entretanto, o relato de Floro foi o que mais nos
chamou a atenção neste momento. Para ele, o pacto triunviral só foi estabelecido,
durando por cerca de dez anos, pois os triúnviros temiam uns aos outros. (Epítome
de Tito Lívio II, 13).
Segundo nossos autores, os princípios desta guerra civil romana encontram-
se em dois pontos principais: a morte de Júlia61, esposa de Pompeu e filha de César,
e a morte de Crasso62; fatores estes que vieram por abalar ainda mais um sistema
governamental que já se encontrava em bases instáveis. Nas descrições dos
autores:

César estava a quase quatro anos na Gália quando morreu Júlia,


esposa de Magno, promessa da concórdia entre Cneu Pompeu e
Caio César, laço de união de um poder que possuía pouca coesão e
muita inveja. E também o filho pequeno de Pompeu, que havia tido
com Júlia, morreu pouco depois, rompendo toda fortuna da união

61Por volta de 54 a.C.


62
Patérculo salienta que Crasso foi morto em combate pelo rei Orodes (História Romana II, 46).
Plutarco (César XXVIII,1), Floro (Epítome de Tito Lívio II, 13) e Dión Cássio (História Romana XL, 16-
30), que ele morrera entre os partos. Em Suetônio não podemos encontrar profusas referências a
esse fato.
Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 209

entre dois militares condenados a um combate tão decisivo. (VELÉIO


PATÉRCULO, História Romana II, 47)

Quando estava prestes a fazer a travessia, chegaram a eles cartas


dos amigos de Roma, noticiando o falecimento de sua filha; morrera
de parto na casa de Pompeu. Grande dor dominou o próprio
Pompeu, e grande dor também a César, enquanto os amigos ficaram
transtornados, porque o parentesco, que mantinha em paz e
concórdia o estado, já debilitado por outras razões, estava dissolvido;
e,de fato, a criança logo morreu, poucos dias tendo sobrevivido à
mãe. (PLUTARCO, César XXIII,5)

Neste ponto, tanto a narrativa suetoniana quanto a cassiana63 são mais


curtas, sendo que poucas linhas de ambos os autores são responsáveis por nos
informar tais acontecimentos64.
Assim, através dos excertos por nós destacados, nota-se que todos os
autores atribuem ao rompimento dos laços familiares entre César e Pompeu, o início
das ebulições que culminaram na batalha civil65. Plutarco, ainda sobre este ponto,
também é bastante expressivo ao retratar a atitude do povo romano perante o corpo
de Júlia. Neste momento, não é apenas o general que recebe as honras e as graças
do povo, mas também sua família, fato que, anos mais tarde, podemos perceber nas
descrições sobre seu herdeiro, Augusto.
Voltando ao relato dos princípios da guerra civil, Plutarco apresenta uma
visão um pouco diferente das dos outros autores. Para ele, a aspiração de Pompeu
à monarquia fora a principal causa da disputa que seria travada entre os cidadãos
romanos. Em sua ótica:

Muitos eram os que já ousavam dizer mesmo em público que o


estado não podia ser curado a não ser pela monarquia, e que era
preciso aceitar esse remédio, quando lhe oferecia o mais doce dos
médicos, referindo-se a Pompeu. Quando mesmo este, embora em
palavras fingisse não querer, na realidade acima de tudo levava a
efeito o que resultaria em sua nomeação como ditador, Catão e seus
partidários, tendo a mesma opinião, persuadem o Senado a nomeá-
lo cônsul único (...). (PLUTARCO, César XXVIII, 6-7)

63 Notamos um ponto discrepante entre as palavras de Dión Cássio e a de nossos outros quatro
autores. Ele destaca que Júlia e Pompeu tiveram uma filha juntos, ao passo que nas outras narrativas
aqui utilizadas, o bebê seria um menino. Não sabemos ao certo o porquê desta diferença. Parece-nos
uma falha que pode ser atribuída as inúmeras transcrições e traduções da obra e não propriamente
do autor.
64 SUETÔNIO, O Divino Júlio XXVI,1-2; DIÓN CÁSSIO, História Romana XXXIX, 64.
65
As efervescências das disputas civis são descritas em muitos atos pelos nossos autores, sendo
assim, optamos aqui por destacar seus principais pontos, onde as ações cesarianas aparecem em
destaque.
Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 210

Segundo Plutarco, seria a partir dessa nomeação de Pompeu como cônsul


único, que César iniciou a mobilização de sua defesa. É necessária atenção ao
observarmos que, na narrativa plutarqueana, neste peculiar instante, César não está
se voltando apenas contra um inimigo pessoal, volta-se, também, contra um cidadão
romano que possui aspirações monárquicas. Estaria nesse quesito, assim como nas
injustiças proporcionadas a César e a seus partidários por Pompeu, a explicação
plutarqueana para os motivos do conflito civil (César XXIX,1 – 7).
Apesar de denotarem um tom diferenciado para as explicações a respeito do
envolvimento de César na contenda civil, Veléio, Suetônio e Dión Cássio também
caracterizam a nomeação de Pompeu como cônsul único66 um detalhe importante
no desenrolar dos acontecimentos. Para o primeiro, com esta nomeação, Cneu
Pompeu reconciliava-se com os representantes da instituição senatorial, o que o
separou, de uma vez por todas de César, representante dos ideais dos Populares
(VELÉIO PATÉRCULO, História Romana II, 47).
Dión também destaca que as articulações de Pompeu para assumir o
consulado foram as responsáveis pela resposta de César. Ele é ainda um pouco
mais crítico com as ações cesarianas que também são vistas pelo autor como
atitudes típicas de um homem ávido pelo poder. (História Romana, XXXVIII –
XXXIX). O retrato de César como um político ardiloso, capaz de manipular o cenário
político a seu favor e a favor de seus aliados é algo constante em toda obra
cassiana. Em nossa perspectiva, a imagem de César perpetuada por Dión é
bastante ambígua, deixando-nos, por inúmeras vezes, possibilidades distintas para
sua interpretação. Apesar disto, no que tange à desenvoltura da Guerra Civil entre
César e Pompeu, este último é colocado como um dos principais culpados pelo
conflito. Em suas palavras:

Mas ele (Pompeu) tinha naquele momento duas coisas capazes de


destruir a amizade entre pessoas, medo e inveja, e estas não podem
ser evitadas por nada a não ser por proporções iguais de fama e
força. Pelo tempo que as pessoas possuírem a última em
quantidades iguais, a sua amizade mantém-se firme. Porém, quando
um ou outro se sobressai, a parte inferior torna-se ciumento e passa
a nutrir ódio pelo superior (...). Com base neste raciocínio, Pompeu
começou a armar-se contra César. (DIÓN CÁSSIO, História Romana
XXXIX, 26. Grifo nosso)

66 De acordo com A. Riggsby (2006, p. 53), isso ocorreu por volta de 52 a.C..
Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 211

Suetônio nos diz que, a partir da nomeação consular de Pompeu, César


passa a tomar atitudes para concentrar de seu lado o maior número de aliados (O
Divino Júlio XXVI, 1-7). Entretanto, da mesma forma que o faz Dión, esse autor nos
dá outros motivos para o início do conflito com Pompeu:

Mas como o Senado não se interpunha e os adversários recusavam


fazer qualquer acordo sobre os assuntos públicos, ele passou a Gália
Citerior e, tendo administrado a justiça, deteve-se em Ravena, pronto
para reagir com as armas, se decisões drásticas fossem tomadas
pelos Senados contra os tribunos da plebe, que, para defendê-lo, se
valiam do veto. É verdade que essa foi a alegação dele para a guerra
civil, mas pensa-se que os motivos foram outros. Cneu Pompeu vivia
dizendo que seu objetivo foi criar tumulto e confusão generalizada,
porque não conseguira terminar as obras que planejara nem
satisfazer as expectativas que despertara na população para o
momento de seu retorno. Outros afirmam que ele temia ser obrigado
a dar conta das irregularidades praticadas no primeiro consulado
contra os auspícios, as leis e as intercessões. (SUETÔNIO, O Divino
Júlio XXX, 1-4).

Suetônio apresenta-nos, desta forma, outra visão a respeito dos motivos que
levaram César e Pompeu à contenda civil. Ao contrário de Patérculo e Plutarco, este
autor coloca nas mãos de César grande parte da responsabilidade pela guerra, uma
vez que esta serviria para desviar a atenção de suas atitudes incorretas durante o
desempenho de seu primeiro consulado. Neste momento, podemos notar um teor
mais crítico da parte suetoniana uma vez que este também vê como culpado, César.
O início do conflito armado67 é visto por Suetônio a partir da fuga dos tribunos,
Marco Antônio e Cássio Longino, de Roma. É neste momento, que as tropas
cesarianas se posicionam às margens do Rubicão, aguardando pelo confronto
(SUETÔNIO, O Divino Júlio XXXI,1 – 3). As linhas suetonianas que seguem a esse
relato são bastante expressivas, como podemos notar a seguir: “E aí então fez
passar o exército; após acolher os tribunos da plebe, que tinham vindo ter com ele
depois da expulsão, reuniu a tropa e, aos prantos e rasgando a roupa no peito,
apelou para a lealdade dos soldados” (O Divino Júlio XXXIII,1).
Na Antiguidade, rasgar as roupas e cair em prantos são manifestações
frequentes em momentos particularmente emotivos para os personagens envolvidos
(KAMM, 2006, p. 43; GOLDSWORTHY, 2006, p. 64; MENDONÇA, 2007, p. 58). Em

67 Para Shotter (1994, p. 57), isso ocorreu por volta de 50 a.C.


Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 212

nossa concepção, ao narrar tal passagem68, o autor entra em certa contradição com
suas opiniões anteriores, onde levanta questões acerca do verdadeiro motivo da
participação de César na guerra civil. Aqui, o autor destaca, de certa maneira, o
desespero e a tristeza cesariana ao combater seus concidadãos romanos.
Plutarco apresenta ainda uma versão mais elogiosa às atitudes cesarianas
quando este opta pelo combate bélico. Para ele, César teria a pretensão de depor
suas armas, ou seja, abrir mão de suas legiões, a partir do momento que Pompeu
fizesse o mesmo. Esta condição é exposta pelo tribuno Antônio para o povo
romano69, que a acata. Entretanto, perante a perigosa oposição de certos senadores,
Antônio e Curião fogem de Roma (PLUTARCO, César XXX, 3-6). Logo, César só
teria se decidido pela disputa armada quando percebeu que suas tentativas
pacificadoras não surtiram resultado em meio a Roma. Aqui, novamente, César
surge contra o autoritarismo de Pompeu70.
Veléio, igualmente, dá vulto à tentativa cesariana de resolver de forma
pacífica as questões pendentes com Pompeu. Para ele, ao apresentar a opção
cesariana, Curião: “ (...) viu fracassar as condições de paz que César, com toda
justiça, pretendia (...). ” (História Romana II, 48). Desta forma, nada mais restou a
César que adentrar no conflito armado.
Floro e Dión Cássio apresentam uma interpretação semelhante entre eles,
porém um tanto distinta das passadas por Plutarco e Veléio. Para os dois primeiros,
César enxergou no conflito armado a solução para seus problemas políticos e
financeiros. (FLORO, Epítome de Tito Lívio II, 13; DIÓN CÁSSIO, História Romana
XL, 59-66.). Contudo, mesmo nestas acepções, os problemas políticos enfrentados
por César foram causados pelas atitudes de Pompeu, pela inveja que este nutria
pelo desempenho de seu rival.
O desenrolar dos conflitos bélicos entre os exércitos dos dois generais nas
obras de nossos autores é descrito profusamente e através de olhas diferentes.
Contudo, todos culminam em um mesmo ponto: o confronto em Farsália.

68 Que não é citada nos relatos do próprio César que se referem ao início dos conflitos (Guerra Civil I,
7).
69
Segundo alguns pesquisadores, tais como H. Delbrück (1996, p. 32), não teria sido Antônio que leu
a carta de César, mas, sim, Curião. Além disso, a leitura teria ocorrido perante o Senado e não
abertamente, junto ao povo romano.
70
A suposta culpa de Pompeu também aparece em César XXXIII, 4, quando os cidadãos romanos o
acusam de ter permitido que Lêntulo insultasse César quando este último propunha soluções
pacíficas para a reconciliação.
Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 213

A batalha de Farsália é o encontro fulminante dos dois cidadãos romanos que


guerreavam entre si. Veléio (História Romana II, 51-52), Plutarco (César XLIV,
XLVII), Floro (Epítome de Tito Lívio XIII,18-57) e Dión Cássio (História Romana XLI,
47-63) concedem longo espaço ao relato desta importante disputa. No entanto,
Suetônio (O Divino Júlio XXXV,1) é brevíssimo em sua descrição, o que se constitui
em mais uma questão distintiva entre as obras de nossos autores. Para nós, isso
ocorre, pois, este autor se preocupa, acima de tudo, em evidenciar determinados
aspectos das ações cesarianas durante o conflito em detrimento dos aspectos
puramente militares. Assim, Suetônio tenta demonstrar como o caráter de César foi
característica fundamental para a sua vitória. Narra sua persistência à frente de
adversidades colocadas pelas batalhas, sua audácia e bravura (SUETÔNIO, O
Divino Júlio XXXVI, 1-2)
Em Patérculo e em Plutarco, os exemplos da coragem de César também são
profusos e espalham-se nos meios dos relatos sobre a última disputa entre César e
Pompeu, a batalha de Farsália. Neste momento, após inúmeros expoentes da
superioridade do comando de César, era evidente a sua vitória. Segundo Veléio:
“Então César se dirigiu com seu exército a Tessália, destinada à sua vitória (...). ”
(História Romana II,52).
Plutarco vai mais longe ao caracterizar a derrota pompeiana:

Pompeu, quando viu da outra ala os cavaleiros dispersos em fuga,


não foi mais o mesmo nem se lembrou de que era Pompeu Magno,
mas, completamente privado da razão por um deus, ou apavorado
por uma derrota de origem divina, afastou-se mudo para sua tenda,
sentou-se e esperou o que devia acontecer (...). (PLUTARCO, César
XLV,7.)

A vitória de César, no trecho acima arrolado, adquire caráter divino nas


acepções do biógrafo beociano. Desta maneira, ela parece ser legitimada através da
aceitação e determinação dos próprios deuses, que desde o princípio, avisavam o
desfecho do conflito e o general vitorioso.
De acordo com a narração veleiana, César demonstrou sua grande clemência
e benevolência quando, ao ver a situação em que se encontrava o exército
pompeiano, ofereceu aos sobreviventes um presente misericordioso, o perdão,
concedendo-lhes a alternativa de se juntarem aos vitoriosos (VELÉIO PATÉRCULO,
História Romana II, 52). Plutarco também deixa entrever mostras da suposta
Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 214

clemência cesariana quando o comandante adentra o reduto pompeiano e, ao se


deparar com as baixas no exército inimigo, demonstra profunda consternação
(PLUTARCO, César XLVI,1). O autor ainda corrobora a versão veleiana, onde aos
soldados pompeianos sobreviventes foi concedido seu perdão, sendo grande parte
destes incorporados ao exército vencedor. Dentre estes, estaria, inclusive, Bruto, um
de seus futuros assassinos (PLUTARCO, César XLVI, 4)71.
Através das exposições que até aqui fizemos, faz-se possível a compreensão,
segundo nosso entendimento, que as atitudes de César, de uma forma ou de outra,
são direcionadas nos relatos de nossos autores pelas ações de Pompeu contra sua
pessoa. Cria-se, portanto, certa idealização acerca da guerra civil, seus motivos,
suas explicações; idealização esta, onde César não aparece como seu principal
causador, mas sim como um cidadão que se envolve para defender seus partidários,
seus amigos, sua pátria. O mesmo podemos notar em anos posteriores, quando nos
deparamos com as narrações acerca dos conflitos civis entre o herdeiro de César e
Antônio.
A deflagração da guerra civil entre esses dois homens é, segundo nossos
autores, algo inevitável e, ao mesmo tempo, necessário. Inevitável pois os objetivos
de Augusto e Antônio eram, em seus cernes, muito distintos. Necessária porque
Roma estava sendo ameaçada por um de seus filhos, Antônio, o qual aliou-se ao um
povo inimigo – Cleópatra e os alexandrinos.
Para Veléio, o grande culpado pela conflagração civil é Antônio aliado ao seu
desregramento moral, o qual fez com que este declarasse guerra ao seu povo
(VELÉIO PATÉRCULO, História Romana II, 82). Aqui, César surge, mais uma vez,
como o defensor de Roma contra um inimigo, nesse caso Antônio e sua consorte do
Oriente. A vitória daquele a quem chama de partido júlio-claudiano mostra-se certa
desde o início do combate, quando grande é o número dos desertores das tropas de
Antônio, os quais enxergam nas causas de César motivos mais nobres para se
defender, sendo que este lutava pela salvação de Roma, enquanto Antônio por sua
destruição (História Romana II,84-85). Concepções semelhantes encontramos nas
linhas de nossos demais autores72.

71
Aqui os autores demonstram a benevolência que César teve, inclusive, com um de seus maiores
inimigos, aquele que viria a lhe desferir golpes mortais nos Idos de Março.
72 Sobre este ponto nos aprofundaremos no Capitulo IV.
Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 215

O embate final entre os dois homens ocorre em Áccio, ocasião em que o


futuro Augusto aparece como vitorioso. Tratou-se da vitória dos romanos contra um
território estrangeiro e não de uma vitória de um romano sobre um concidadão.
Intriga-nos aqui as coincidências entre os desfechos das duas guerras civis.
Tanto a de César e Pompeu, quanto a de Augusto e Antônio terminam em terras
alexandrinas. Antônio, sob o julgo de Cleópatra, suicida-se, estabelecendo assim
morada perpetua em Alexandria.
Pompeu, após a derrota em Farsália, foge para terras egípcias, onde, ao
persegui-lo, César o encontra assassinado. (VELÉIO PATÉRCULO, História
Romana II, 53; PLUTARCO, César XLVIII, 1; SUETÔNIO, O Divino Júlio XXXV, 1;
FLORO, Epítome de Tito Lívio XIII, 51-52; DIÓN CÁSSIO, História Romana XLII, 1-
5.). Ao abordar tal assunto, os autores são unânimes na demonstração da desolação
de César quando a cabeça de Pompeu lhe foi entregue por um súdito do governante
de Alexandria, o jovem Ptolomeu XIV. Porém, as discrepâncias começam a surgir no
momento que os escritores se ocupam em analisar a batalha que César travou neste
território.
Segundo Veléio, o confronto foi fruto das emboscadas armadas pelo
soberano alexandrino para César e seus soldados, como podemos notar em suas
linhas seguintes: “Pretendiam emboscá-lo durante sua chegada, e se atreveram,
depois, a persegui-lo com armas, mas pagaram merecidamente com a vida aos dois
supremos generais, a um, depois de morto, a outro, que seguia vivo. ” (História
Romana II, 54).
Para Floro:

No Egito, de fato, uma guerra eclodiu contra César, o qual não


possuía conexão alguma com nenhuma das partes em disputa.
Desde que Ptolomeu, rei de Alexandria, perpetuou a atrocidade final
da guerra civil selando um pacto de amizade com César através do
assassinato de Pompeu, o destino clamou por vingança perante a
sombra de tão ilustre vítima; e, a ocasião para tanto logo se fez
presente. (FLORO, Epítome de Tito Lívio XIII, 54-56.)

Nota-se que Floro coloca a Guerra de Alexandria como uma espécie de


vingança do destino contra César. Ainda, em sua visão, César erra por confiar
naquele responsável pelo assassinato de Pompeu. As consequências dos erros de
julgamento de César o levam a uma nova batalha.
Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 216

Plutarco e Suetônio, igualmente, dedicam parte de suas narrativas à


descrição da batalha de Alexandria, entretanto, inserem em seus relatos
personagens diferentes:

Quanto à guerra que aí mesmo ocorreu, uns dizem que ela não era
necessária, mas que, motivado pelo amor de Cleópatra, foi para
César inglória e cheia de riscos; outros acusam os servidores do rei e
sobretudo o eunuco Potino, que dispunha do maior poder e
recentemente tinha mandando matar Pompeu; tinha também
expulsado Cleópatra e tramado secretamente contra César.
(PLUTARCO, César XLIX, 5)

Ao saber-lhe que igualmente a ele o rei Ptolomeu preparava ciladas,


moveu-lhe uma guerra realmente duríssima, em posição e estação
adversas, no inverno e dentro das muralhas de um inimigo provido
de tudo e extremamente solerte, enquanto ele passava por toda sorte
de necessidade e encontrava-se despreparado. Vencedor, deixou o
reino do Egito a Cleópatra e a seu irmão mais novo, temendo
transformá-lo em província para que nas mãos de um governador
mais violento, não viesse a ser foco de revolução. (SUETÔNIO, O
Divino Júlio XXXV, 1-2)

Em escritos de autores antigos, os motivos do conflito em Alexandria e da


participação de César são constantemente indagados e discutidos. Muitos, tais
como Plutarco, enxergam por trás das ações cesarianas, motivos pessoais,
relacionados ao caso amoroso deste romano com a futura soberana egípcia,
Cleópatra VII.
De acordo com as linhas floreanas, Cleópatra também seria um dos motivos
da guerra em Alexandria: “Cleópatra, irmã do soberano, jogou-se aos pés de César
e clamou pela restauração de parte do reino. Ele foi movido pela beleza da jovem,
que foi ampliada pelo fato que, sendo justo, ela parecia ter sido injustiçada (...). ”
(FLORO, Epítome de Tito Lívio II, 13.). Logo, a guerra em Alexandria também teria
como pano de fundo a suposta beleza de Cleópatra.
Entretanto, é curioso notar que, neste momento, nem Veléio nem Suetônio
aludem a esse romance e, muito menos, atribuem culpa a ele pela Guerra de
Alexandria73.

73 Como veremos no decorrer do capítulo seguinte, Cleópatra VII será uma figura presente quando

tratarmos das referências a Marco Antônio.


Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 217

Suetônio irá, contudo, mencionar o romance entre a soberana egípcia e o


general romano em um momento posterior, quando tratar do seu pendor pelos
assuntos do sexo. Em suas palavras:

Foi também amante de rainhas, entre outras, Êunoe, esposa de


Bógude, da Mauritânia, concedendo a ela e ao marido inúmeros e
amplos favores, conforme Nasão escreveu; mas privilegiou
Cleópatra, cujos banquetes, muitas vezes, se estenderam até o
amanhecer (...). (SUETÔNIO, O Divino Júlio LII, 1-2)

Suetônio trata Cleópatra como mais uma das amantes de César, mesmo que
esta tenha recebido mais honras que as outras. O autor chega a, inclusive, salientar
que o general romano poderia ter permitido que a soberana nomeasse seu filho com
o seu nome. Porém, declara-o como filho de Cleópatra, deixando no ar dúvidas
sobre a possível paternidade cesariana. Sobre isso, chega a citar a reunião
senatorial onde Marco Antônio, após a morte de César, assegurava que era intenção
de seu general reconhecer o futuro soberano alexandrino. Contudo, chega a um
impasse quando ressalta a atitude de Caio Ópio, companheiro de armas e amigo de
César, quando este, veementemente e através da publicação de uma obra, nega a
paternidade cesariana do filho de Cleópatra (SUETÔNIO, O Divino Júlio LII, 2-4).
Dessa maneira, podemos notar que, em momento algum, há a afirmação de que
César teve mais do que um caso com Cleópatra74.
Plutarco, no entanto, afirma a paternidade de César na seguinte sentença:
“Deixando Cleópatra reinando no Egito e, pouco depois, tendo ela dado à luz um
filho seu, que os alexandrinos chamavam Cesarião, ele partiu para a Síria.” (César
XLIX, 10). Logo, destacamos aqui que Suetônio é mais brando ao citar a relação
entre Cleópatra e Júlio César, não fazendo afirmações. Todavia, essa relação não
impediu que o general retomasse seus afazeres na sociedade romana, ao contrário
do que podemos notar nas descrições em relação a Marco Antônio.
Dión Cássio estende-se um pouco mais em suas descrições sobre a relação
de César com a soberana egípcia. Para ele, César deixou-se seduzir pelos
encantamentos de Cleópatra:

74 Em nossas pesquisas no decorrer da Iniciação Científica, percebemos que tanto Júlio César quanto

Antônio estabelecem, para além de relações amorosas, relações políticas, militares e econômicas
com a soberana ptolomaica.
Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 218

Pois ela era uma mulher de surpreendente beleza, e, naquele tempo,


no auge de sua juventude, ela era ainda mais impressionante; ela
também possuía a mais charmosa voz e um conhecimento de como
tornar-se agradável para todos. Sendo brilhante para se olhar e para
se escutar, com o poder para subjugar qualquer um, mesmo um
chefe de estado mais velho, ela pensou que estaria dentro de suas
funções encontrar-se com César, repousando em sua beleza todas
as reivindicações para o trono. Ela pediu, previamente, para ser
admitida em sua presença e, obtendo permissão, embelezou-se e
adornou-se para aparecer frente a ele de forma majestosa e, ao
mesmo tempo, capaz de inspirar piedade. Quando ela estava pronta,
ela adentrou a cidade (estava vivendo fora dela), e, à noite, sem o
conhecimento de Ptolomeu, entrou no palácio. Cesar, após vê-la e
ouvi-la dizer poucas palavras, foi imediatamente e completamente
cativado a tal ponto que, antes do amanhecer, foi atrás de Ptolomeu
e tentou reconciliá-los, agindo como advogado da mesma mulher que
já tinha assumido ser o juiz. Por esta razão e porquê a visão de sua
irmã no palácio foi tão inesperada, o garoto foi tomado pela ira,
correndo para o povo proclamando que havia sido traído. (DIÓN
CÁSSIO, História Romana XLII, 34-35.)

Deparamo-nos, neste momento, com mais um ponto semelhante entre as


narrações de nossos autores. Mesmo que em ocasiões diferentes, todos destacam a
beleza de Cleópatra. Além disso, tanto Floro quanto Plutarco e Dión Cássio apontam
essa mesma beleza e a paixão de César por ela como motivadoras da Guerra de
Alexandria. César seria uma vítima da soberana, caindo em seus gracejos e
tomando decisões precipitadas por sua causa. Suas ações perante essa relação são
alvos de críticas.
Os tipos de relações estabelecidos entre Cleópatra e os governantes romanos
também se constituem em um ponto distintivo entre as imagens discursivas aqui
analisadas. Enquanto César e Antônio encantam-se pela soberana egípcia, o futuro
Augusto não cai em seu domínio, mesmo com todas as artimanhas da Rainha:

(...) a rainha jogou-se aos pés de César (futuro Augusto), tentando


atrair os seus olhares, porém em vão, pois sua beleza foi incapaz de
prevalecer acima de seu auto – controle. Seus esforços não eram
destinados a salvar sua vida, que tinha sido livremente oferecida a
ela, mas, sim, para obter uma porção de seu reino. (FLORO,
Epítome de Tito Lívio II, 21. Grifo nosso).

Ela preparou um esplêndido quarto para recebê-lo, com um sofá


confortável, no qual sentou, aparentando uma afetada negligência -
de fato, sua roupa matutina maravilhosamente tornou-se ela. Além
disso, ela dispôs muitas imagens de seu pai, de todos os tipos, e em
seu peito ela colocou todas as cartas que seu pai lhe enviou.
Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 219

Quando, depois disso, o jovem César entrou, ela saltou


graciosamente para seus pés e chorou (...). Proferiu palavras para
causar-lhe piedade, mas César nem as respondeu (...). (DIÓN
CÁSSIO, História Romana LI, 12-13.)

Devido as frustradas tentativas de seduzi-lo, Cleópatra suicidou-se. Aqui


encontram-se mais ações por parte do futuro Augusto que irão formar seu caráter,
sua virtus.
No desenrolar de suas narrativas, nossos autores passam a voltar suas
atenções para outros fatores. Após a morte de Pompeu e de Antônio, César e seu
herdeiro eram os únicos sobreviventes dos pactos governamentais formados anos
antes, o que, agora, colocava-os em pleno destaque em suas sociedades romanas.
As descrições de suas ações são direcionadas, a partir desse momento, para suas
novas funções e novos desempenhos perante o governo de Roma de seus períodos.
Veléio será, novamente, o autor mais breve nesse quesito. Narra, em poucas
linhas, a perseguição aos fugitivos da guerra civil, dando destaque, portanto, às
ações militares de César (VELÉIO PATÉRCULO, História Romana II, 55). Mais uma
vez, salientamos aqui que tais características são frutos tanto do estilo literário de
Veléio quanto de sua própria vivência, uma vez que desempenhou funções militares.
Plutarco, da mesma forma, traça os caminhos percorridos por César e seus
legados antes de retornarem a Roma. Segundo este autor, ao sair de terras
egípcias, dirigem-se à Ásia75, onde travam rápida e violenta batalha contra os
habitantes provincianos que se insurgiam contra Roma (PLUTARCO, César L,1 –
3.). Na concepção plutarqueana, teria sido neste momento que César proferiu uma
frase que iria se perpetuar por séculos: “Vim, vi, venci”. (César L,4)76. Sobre as
ações seguintes de César, Plutarco informa-nos que, no retorno a Roma, César foi
proclamado ditador pela segunda vez, algo inédito para os romanos, além de
assumir novamente o consulado. (PLUTARCO, César LI, 1-4). Em concordância
com tais afirmações, ainda encontramos as reflexões de Dión Cássio, que destacam
que César ainda recebeu os títulos de Liberator e, novamente, Imperator 77.(DIÓN

75 Trata-se aqui da província romana da Ásia, onde Fárnaces, filho de Mitridates, tentava aproveitar-
se da guerra civil e da instabilidade romana para restaurar o reino de seu pai. De acordo com Stefan
Weinstock (1971, p. 30), Júlio César dirige-se a essas terras por volta de 46 a.C.
76
Suetônio insere esse jargão em outro contexto, quando César já está em Roma, celebrando seus
triunfos. Para este autor, a frase faria referência não a uma batalha específica, mas a todas
(SUETÔNIO, O Divino Júlio XXXVII, 4).
77 Título, até então, de cunho militar e não político.
Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 220

CÁSSIO, História Romana XLIII, 44.). Por fim, Floro diz que César recebeu a
gratidão do povo em honrarias dignas de um Princeps. (FLORO, História Romana II,
13.).
As mesmas características podemos notar nas descrições posteriores acerca
das ações do herdeiro de César, o futuro Augusto. Na continuação da biografia de
Augusto, Suetônio ainda dá realce às ações deste governante em províncias
romanas, onde realizou construções para melhoras infraestruturais, além de ter
apaziguado pequenas revoltas e contendas (SUETÔNIO, O Divino Augusto XVIII, 2.;
XIX, 1-3).
Seguindo seu próprio ritmo narrativo, o autor destaca, por conseguinte, os
feitos militares desse governante, citando suas conquistas de terras estrangeiras,
tais como a Cantábria, a Aquitânia, a Panômia, a Dalmácia e toda a Ilíria (O Divino
Augusto XXI, 1-2).
A estabilidade trazida pelo futuro Augustoainda é avultada por Suetônio
quando este nos diz que, durante todo o seu governo, o templo de Jano Quirino78,
que até então só havia sido fechado por duas vezes desde a fundação de Roma, foi
fechado por três vezes, após estar estabelecida a paz por terra e por mar
(SUETÔNIO, O Divino Augusto XXII, 1).
Sobre os aspectos pacificadores do governo deste César, Veléio nos fala:
“Pôs fim às guerras civis após vinte anos, finalizando também as campanhas
exteriores, restabelecendo-se a paz e adormecendo por todos os lados a loucura
das armas (...)” (História Romana II, 89). Ou seja, para este autor, assim como para
Suetônio, César foi o responsável por reestabelecer a tão aguardada paz em Roma.
Contudo, esta concepção nos parece ser, mais uma vez, expoente de construções
especifícas sobre este governante e sobre o período de seu governo, criações que
pretendem transmitir apenas uma versão sobre os fatos do período. A
caracterização de paz romana que é atribuída ao período de Augusto, tanto por
escritores antigos quanto por pesquisadores contemporâneos, parece-nos
equivocada, uma vez que não podemos perceber um período de quebra na
expansão do território romano nem das disputas provenientes destas.

78O templo de Jano Quirino, em Roma, tinha suas portas fechadas somente quando não houvesse
grandes conflitos, em nenhuma região, que envolvesse romanos. Suetônio, ao citar que durante a
época de Augusto, esse templo permaneceu fechado por três vezes, tenta demonstrar o um caráter
pacificador desse governo.
Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 221

Os triunfos desempenhados por César frente a sociedade romana também


são extensivamente reportados por Plutarco e Dión e, brevemente, por Floro
(História Romana II, 13). Seriam estes os da Gália, do Egito, do Ponto e da Líbia,
sendo este último comemorado a respeito da vitória sobre Juba, governante ainda
criança, e não sobre Cipião, cidadão romano79 (PLUTARCO, César LV, 1-3; DIÓN
CÁSSIO, História Romana XLIII, 14-21.).
Patérculo, sempre ressaltando as atitudes nos campos militares de César,
também menciona os triunfos protagonizados por este durante seu retorno a Roma
após as deflagrações civis. Este autor faz questão de aludir às riquezas
apresentadas durante os cinco desfiles triunfais. Em suas palavras: “Teve cinco
triunfos: no da Gália, os ornamentos eram de madeira de cedro, no do Ponto, de
acanto, no de Alexandria, com incrustações de concha de tartaruga, no da África, de
marfim, e no da Espanha, de prata lisa. ” (VELÉIO PATÉRCULO, História Romana II,
56). Sobre o desempenho de César perante Roma, as sentenças deixadas por
Veléio são poucas e, nestas ele menciona, brevemente, o caráter clemente
demonstrado pelo general (História Romana II, 56). Aqui, notamos mais uma vez
que César se apresenta, para este autor, como detentor de umas das características
próprias de um bom governante e homem virtuoso.
A biografia suetoniana acerca da vida de César passa a se concentrar em
outras questões, questões estas que abarcam as ações e atitudes cesarianas dentro
da sociedade romana. Trata, assim, da realização dos desfiles triunfais, dos quais se
refere a cinco: o da Gália, de Alexandria, do Ponto, da África e, por último, o da
Hispânia; sempre abordando a grandiosidade das conquistas apresentadas por
César nessas ocasiões, assim como o faz Veléio (SUETÔNIO, O Divino Júlio
XXXVII, 1 – 4; DIÓN CÁSSIO, História Romana LI, 19-20).
Assim como Júlio César, seu herdeiro protagonizou muitos triunfos, sendo
alguns destes os de Filipos, da Sicília, o da Dalmácia, o de Áccio e o de Alexandria.
Dentre estes cinco, três foram triunfos curuis, aqueles realizados com grande luxo (O
Divino Augusto XXII). Aqui jaz uma notória diferenciação entre Júlio César, Antônio e
Augusto. Enquanto os generais julianos receberam a honra de desfiles triunfais,

79
Os triunfos realizados em detrimento de vitórias sobre cidadãos romanos por outros cidadão não
eram legitimados pelo Senado nem aclamados pelo povo. Por isso, César, nas palavras
plutarqueanas, realizou o desfile triunfal para festejar uma vitória sobre um rei estrangeiro, que era o
caso do pequeno Juba II, acusado de guerrear ao lado de Cipião. Nota-se que Juba, nesse momento,
contava apenas com cinco anos de idade, como nos apresenta Isís da Fonseca (2007, p. 236).
Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 222

Antônio, general que também possui grandes desempenhos e vitórias no campo


militar, nunca as teve ou, se isto aconteceu, em nenhum momento aparece em meio
as obras dos autores que aqui analisamos.
As informações que se seguem no relato suetoniano tratam das ações de
César na sociedade romana, uma vez que, agora, ele se colocava como o único
sobrevivente da guerra civil e, portanto, o único que restou do antigo pacto
governamental. As atitudes de César são extremamente expressivas para
compreendermos como este passa a se destacar em meio à sociedade romana pós
conflito civil. Suetônio, dentre nossos autores, é um dos que mais alude a essas
ações:

A título de despojo, deu a cada soldado da infantaria das antigas


legiões vinte e quatro mil sestércios, além dos dois mil pagos no
início da conflagração civil. Concedeu também lotes de terras, mas
não contíguos, para não desalojar nenhum possuidor. A população
doou, além dos dez módios de trigo e igual quantia de óleo, trezentos
sestércios por pessoa, prometidos anteriormente, mais outros cem
pelo atraso. Perdoou, por um ano, o aluguel de casa, que em Roma
chegava até dois mil sestércios e na Itália não ultrapassava
quinhentos. Acrescentou ainda um banquete e distribuição de carne
e, depois da vitória na Hispânia, duas refeições; pois, como a seu
juízo, a primeira tinha sido frugal e pouco condizente com sua
generosidade, ofertou, cinco dias depois, uma segunda fartissíma.
(SUETÔNIO, O Divino Júlio XXXVIII, 1-4)

O excerto acima citado descreve a figura de César como um homem, de certa


forma, caridoso e generoso, preocupado em cumprir com promessas feitas a seus
concidadãos e em retribuir o auxílio de seus companheiros de armas. Logo, todo
este trecho é constituído pela menção a prestação de bens de subsistência a estes
setores da sociedade romana. Em nossa concepção, esta menção é parte integrante
da idealização feita sobre César e suas atitudes, uma vez que também podemos
encontrar as mesmas referências na obra cassiana. (História Romana XLIII, 46 -
50.).
Também dentro desses parâmetros, Suetônio, Veléio e Dión Cássio, assim
como Plutarco o fez, salientam que César proporcionou espetáculos de diversos
tipos, tais como teatrais, gladiatórios, jogos circenses e batalhas navais, todos
voltados para o entretenimento e divertimento da sociedade romana (SUETÔNIO, O
Divino Júlio 39,1; VELÉIO PATÉRCULO, História Romana II, 56; DIÓN CÁSSIO,
História Romana XLIII, 49.). Segundo Veléio, os espetáculos foram de grande
Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 223

magnitude, contendo, inclusive, apresentações com elefantes oriundos da África


(História Romana II, 56). Suetônio ainda vai mais longe, ao colocar que César se
preocupa em realizar tais espetáculos em todos os bairros da cidade e em diversas
línguas, demonstrando uma visão de Roma cosmopolita, integradora de diferentes
culturas (O Divino Júlio XXXIX,2). Lembramos também que a realização de jogos
gladiatórios e espetáculos era de muita importância para os romanos, pois, além de
ser tarefa indispensável para aqueles que almejavam cargos políticos, era também
palcos de exposição das riquezas e da magnitude daqueles que os proporcionavam.
Após ater-se aos espetáculos, Suetônio e Dión Cássio passam a fazer
maiores referências às atitudes cesarianas direcionadas para a reorganização de
Roma após o caos instaurado pelas disputas civis. Citam, para tanto, as reformas
realizadas na organização do calendário por César que, ao fazê-las, deu fim ao
desequilíbrio que o antigo calendário, por falha dos pontifíces, proporcionava entre o
tempo do calendário e as estações climáticas (O Divino Júlio XL, 1 – 2; DIÓN
CÁSSIO, História Romana XXVI, 16.). Plutarco parece concordar com esta
afirmação, uma vez que nos diz que: “A reforma do calendário e a correção da
irregularidade no cálculo do tempo, cientificamente estudadas com habilidade por
ele, e levadas a cabo, trouxeram a mais alta utilidade. ” (PLUTARCO, César LIX,1).
O autor ainda é mais expressivo ao nos falar que, a partir das mudanças colocadas
por César, o povo romano passou a ser os que menos se enganavam com a medida
real do tempo (César LIX, 5).
As ações de César no período em que este esteve à frente do governo de
Roma ainda são bem profícuas e extensamente citadas por autores como Plutarco,
Suetônio e Dión Cássio80. O primeiro ressalta as marchas de César contra territórios
germânicos e cíticos, ampliando as terras sobre o domínio romano. Salienta também
as transformações proporcionadas por César em canais marítimos e fluviais que
possibilitaram o desenvolvimento de campos de cultivos, portos e pontos comerciais.
Ou seja, transformações benéficas economicamente a Roma (PLUTARCO, César
LVIII).

80
Veléio, após se ater em explicações sobre os triunfos e os espetáculos proporcionados por César a
Roma, direciona sua narrativa para a análise do assassinato do general durante os Idos de Março.
Sobre suas concepções sobre esse fato, trataremos posteriormente.
Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 224

Suetônio opta por destacar as modificações que César proporcionou


internamente em Roma, inclusive aquelas realizadas dentro de instituições
republicanas. Segundo este autor:

Completou o Senado, criou patrícios, ampliou o número dos pretores,


edis, questores e também das magistraturas inferiores; reabilitou
cidadãos cassados por decisão dos censores, ou condenados por
crime eleitoral em sentença judicial. (SUETÔNIO, O Divino Júlio
XLI,1)

O autor menciona que César completou o Senado, mesma versão que


também nos é transmitida por Dión Cássio. (História Romana XLIII, 26-28).
Suetônio ainda tece elogios a determinadas características da administração
de César, como podemos notar no trecho que se segue: “Administrou a justiça com
o maior zelo e a maior severidade. Chegou até a eliminar da classe senatorial
magistrados culpados de peculato. ” (SUETÔNIO, O Divino Júlio XLIII,1). Logo, para
o autor, a justiça de César aplicava-se a todos. Essa concepção é reafirmada pelo
mesmo escritor momentos depois, quanto trata do estabelecimento de taxas
alfandegárias e na aplicação de leis contra gastos suntuários (O Divino Júlio XLIII, 2-
3). A justiça aqui, novamente, aparece como um dos atributos do bom governante.
O autor romano ainda relata os inúmeros projetos elaborados por César. Em
suas linhas: “ A cada dia eram mais numerosos e mais ambiciosos seus projetos
para embelezar e prover a cidade para defender e estender os impérios. ”
(SUETÔNIO, O Divino Júlio XLIV,1). Dentre estes, cita a construção do templo de
Júpiter, assim como a construção de um teatro de grandes proporções81. Intentava,
segundo Suetônio, a condensação do disperso acervo de leis que tratavam dos
aspectos civis, além da criação de bibliotecas públicas, dotadas do maior acervo
possível de obras, gregas e latinas. Atitude que nos parece ter tom elogioso nas
palavras suetonianas, uma vez que o próprio autor foi parte integrante,
posteriormente, dos funcionários destas bibliotecas.
A administração de Augusto, as mudanças e transformações, também
aparecem em evidência nas obras de nossos autores. Segundo Suetônio, Augusto,
assim como Júlio César, edificou muitas obras públicas, sendo que umas atendiam
às solicitações dos cidadãos e outras serviam para o embelezamento da cidade

81 O qual só será determinado por Augusto e levará o nome de seu sobrinho, Marcelo.
Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 225

(SUETÔNIO, O Divino Augusto XXIX, 1-3). O governante incentivou que outros,


dentro da possibilidade de cada um, auxiliassem no adornamento da cidade com a
construção de novos monumentos, ou até mesmo através das reformas de antigos
(O Divino Augusto XXIX, 4).
Augusto também, de acordo com o autor supracitado, foi o responsável pela
nova divisão urbana de Roma, provocando mudanças infra estruturais que
possibilitaram o maior desenvolvimento da cidade, defendendo-a contra as
inundações, incêndios e facilitando o acesso a esta através da melhoria de suas vias
de acesso (O Divino Augusto XXIX, 1-4; XXX, 1-3). Por conseguinte, foi também o
responsável pela construção de novos templos e pela restauração dos antigos que
se encontravam desgastados pelas ações do tempo. Na ocasião de uma destas
construções, a do templo de Apolo em sua casa no Palatino, Suetônio descreve que
raios a atingiriam e que isto foi interpretado como uma declaração do deus, o qual
manifestava sua concordância com as ações do governante (O Divino Augusto
XXIX,2).
Suetônio, no desenrolar de sua narrativa, dá maiores exemplos das atitudes
de seu biografado que exprimem sua personalidade. Para esse autor, ele aparenta
ares de homem justo, uma vez que toma medidas para acabar com as tabuletas dos
antigos devedores do erário, sendo que estas se constituíam na principal causa de
acusações injustas e indevidas (O Divino Augusto XXXII,2-3). Ainda sobre a
administração da justiça no governo augusteano, Suetônio nos diz que:

Ele mesmo ministrou a justiça com assiduidade, algumas vezes noite


adentro; se não estivesse bem de saúde, desempenhava suas
funções com a liteira postada em frente ao tribunal ou até mesmo
deitado em sua casa. No exercício dessa função, não só agiu de
forma sumamente zelosa, mas também com brandura. (SUETÔNIO,
O Divino Augusto XXXIII, 1)

Suetônio atribuiu a Júlio César a mesma conceituação de homem obstinado,


zeloso, justo e brando que nota pertencer também a Augusto. Em nossa concepção,
aqui jaz mais um dos aspectos semelhantes entre os dois governantes. A
mencionada justiça aplicada pelo herdeiro de César também aparece na obra
veleiana, quando este autor cita que Augusto foi o responsável por colocar em novos
eixos a justiça que se encontrava, até então, em profunda instabilidade (História
Romana II, 89 – 90).
Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 226

Outro ponto em comum entre as obras de nossos autores é o desfecho da


trajetória de Júlio César. Segundo Plutarco:

O amor ardente pela dignidade real provocou contra César o ódio


mais declarado e que foi causa de sua morte; isso foi para o povo um
primeiro motivo de censura, e para aqueles que há muito tempo
procediam com dissimulação foi o mais especioso pretexto.
(PLUTARCO, César LX,1)

Para o beociano, a causa de seu assassinato estava na aspiração cesariana


à monarquia, algo que não era bem quisto pelos seus concidadãos. Porém, as linhas
plutarqueanas parecem nos expressar uma dualidade na ambição monárquica de
César. Ao mesmo tempo em que o autor acusa este romano de aspirar pelo trono,
ressalta, momentos antes, que suas ações sempre foram boníssimas e que o povo
romano passou a enxergar na monarquia a solução para o caos deixado pelas
guerras civis. Em suas próprias palavras: “Entretanto, como os romanos se
inclinaram diante da sorte desse homem e aceitaram o freio e como julgaram que a
monarquia fosse uma pausa após os males da guerra civil, nomearam-no ditador
vitalício (...)” (PLUTARCO, César LVII,1).
Veléio produz um relato um pouco mais apaixonado, por assim dizer, sobre a
conspiração contra César. Em sua visão;

Porém, a um homem de tal categoria e clemência em todas as suas


vitórias, não lhe durou a tranqüilidade do principado mais de cinco
meses. De fato, havia retornado no mês de outubro e foi assassinado
nos idos de março, sendo os promotores da conjuração Bruto e
Cássio. Não havia ganhado aquele com a promessa de consulado,
havia ofendido a Cássio retardando-o. E a esse acordo de morte
haviam se juntado seus colaboradores mais íntimos, Décimo Bruto,
Caio Trebônio e outros de nomes ilustres (...). (VELÉIO
PATÉRCULO, História Romana II, 56)

A culpa do assassinato de César, pelo que nos parece, na obra veleiana


estava na constante busca pelo poder de homens ambiciosos, como é o caso de
Bruto e Cássio. Aqui, a aspiração monárquica de César não é citada como
causadora de sua morte, mas sim o desagrado que causou a determinados
cidadãos. Porém, um fator bastante significativo é que Veléio denomina o período
em que César esteve à frente do governo em Roma como um Principado. Tal
Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 227

nomeação condiz com as acepções suetoniana e cassiana, onde os autores


caracterizam César como o primeiro imperador romano82.
A morte de César também é um assunto extensamente abordado nas linhas
suetonianas. Como Plutarco, esse autor também enxerga que as razões desse
assassinato estavam conectadas com a busca pelo poder de César (SUETÔNIO, O
Divino Júlio LXXVI). Para tanto, da mesma forma que o beócio, enumera inúmeros
acontecimentos onde César teria dado mostras de suas intenções monárquicas83.
Sobre a conspiração, o autor nos diz que mais de sessenta homens tiveram
participação nesta, sendo estes desde pessoas próximas ao general até seus mais
declarados inimigos (SUETÔNIO, O Divino Júlio LXXX, 7). Sobre os homens que
participaram dos planos para o assassinato, Plutarco também nos fala, relatando
que os principais conjuradores participavam do círculo de amizade e de confiança de
César (PLUTARCO, César LXII).
Dión é o autor que nos presenteia com a mais abrangente descrição da
conspiração contra César. Suas palavras nos levam a compreender desde o início
da trama, quando o assassinato ainda era cogitado. (História Romana XLIII, 45-51).
Perpassam pela decisão de Bruto de participar do assassinato, narrando, inclusive,
os diálogos sobre isto que manteve com sua esposa, Portia. (História Romana XLIV,
13.).
As semelhanças nas obras de nos cinco autores ainda estão alocadas no fato
de que todos citam os prodígios que já antecipavam a morte de César. Plutarco
destina todo o capítulo LXIII de sua obra à análise dos inúmeros sinais e presságios
que previam o assassinato. Destaca desde os clarões no céu, passando pelas
visões recebidas por adivinhos, chegando, inclusive aos alertas e avisos divinos
recebidos pelo próprio César e por sua esposa (PLUTARCO, César LXIII). Por sua
vez, Veléio, apesar de sua brevidade, também destaca tais pontos, como podemos
notar:
82 Dión Cássio, inclusive, no desenvolver de toda a sua narração, explicita várias vezes as questões
que cercam as diferenças entre os títulos durante a época republicana e imperial.
83
Dentre estes, estaria elencado o episódio ocorrido durante as festividades do Lupercais, onde
Marco Antônio, durante celebração, teria oferecido a César uma coroa de louros, item representativo
da monarquia. Esse, por sua vez, recusou-a parecendo ofendido, no entanto, para o povo, isso foi
uma pequena mostra das intenções cesarianas e de seus partidários (SUETÔNIO, O Divino Júlio
LXXIX, 3. PLUTARCO, César LXI, 1- 10). Em Veléio, a culpa deste episódio recai inteiramente a
Marco Antônio, homem caracterizado pelo autor como portador de má índole (VELÉIO PATÉRCULO,
História Romana II, 56).
Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 228

Esperando clemência, porque esta ele havia demonstrado,


desprevenido lhe surpreenderam os ingratos, apesar de que os
deuses lhe haviam oferecido muitos presságios e indícios do perigo
que lhe ameaçava. Depois, os auspícios lhe haviam advertido que
tivesse precaução durante os idos de março, e também sua esposa
Calpúrnia, aterrorizada por uma visão noturna, lhe rogava que
ficasse aquele dia em casa (...). (VELÉIO PATÉRCULO, História
Romana II, 57)

Para Floro, apesar de César ter sacrificado cerca de cem vítimas, não obteve,
em nenhum dos sacrifícios, bons presságios. A má sorte já enunciava os
acontecimentos funestos. (FLORO, Epítome de Tito Lívio, 13-14.).
Tanto nos escritos suetonianos quanto nos cassianos, onde presságios e
auspícios adquirem grande importância, sendo relatados em toda a extensão das
obras, muito se fala sobre os avisos enviados a César. Os autores dedicam vários
capítulos para descrevê-los, onde a imprudência cesariana de não os respeitar
aparece em grande evidência. (SUETÔNIO, O Divino Júlio LXXXI; DIÓN CÁSSIO,
História Romana XLIV, 16 – 18.). Parece-nos que, para esses autores, o descaso de
César com tais avisos é uma das causas de sua morte, uma vez que os próprios
deuses tentavam avisá-lo de seu destino.
Assim, apesar de estar ciente dos riscos à sua vida, César dirige-se para o
Senado nos Idos de Março. As narrações de Plutarco, Suetônio e Dión Cássio84,
nesse momento, são extremante ricas em detalhes. Relatam de forma
pormenorizada passo a passo do acontecimento, iniciando suas descrições com a
entrada de César no Senado, o início da conversa com Tílio Cimbro e o primeiro
golpe desferido por um dos irmãos Casca. Traçam, por conseguinte, a reação de
César e a perplexidade que se instaura na vítima e nos que assistem quando novos
golpes são desferidos (PLUTARCO, César LXVI,5 – 9; SUETÔNIO, O Divino Júlio
LXXXII,1, DIÓN CÁSSIO, História Romana XLIV, 19.).
O ápice do violento assassinato se dá quando César, percebendo quem está
no meio de seus assassinos, desiste de se defender. Nas palavras dos autores:

84
Veléio não se atém a descrever o assassinato em detalhes. Salienta apenas quem foram os
envolvidos e que ele aconteceu no Senado (VELÉIO PATÉRCULO, História Romana II, 57-58). O
mesmo o faz Floro, que meramente destaca que César foi atacado no Senado por seus colegas
senadores, tendo sido ferido em 23 lugares. (FLORO, Epítome de Tito Lívio II, 13-14).
Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 229

E, quando cada um dos que estavam preparados para o assassinato


mostrou a espada nua, César, cercado de todos os lados, e, para
qualquer ponto que voltasse o olhar, deparando com golpes de
armas de ferro dirigidos ao seu rosto e aos olhos, debatia-se
trespassado de lado a lado, como uma fera na mão de todos, pois
todos deviam participar do sacrifício e desfrutar do assassinato. Por
isso, também, Bruto lhe aplicou um golpe na virilha. Alguns dizem
que então, embora ele lutasse contra os outros, deslocando-se daqui
e dali e gritando, quando viu Bruto tirar seu punhal, puxou a toga
sobre a cabeça e deixou-se cair (...). (PLUTARCO, César LXVI, 10-
12)

E quando ele se dá conta de que é atacado de todos os lados com


punhais em riste, cobre com a toga a cabeça e com a mão esquerda
deixa cair até os pés a dobra superior dela, para que, tendo seu
corpo coberto também na parte de baixo, sua queda ocorresse com
bastante dignidade. Assim ele foi ferido com vinte e três punhaladas,
tendo dado um único gemido na primeira estocada, mas sem dizer
palavras, embora haja os que propaguem que, no momento em que
Bruto o atacava, ele lhe teria dito: “Até você, meu filho”. (SUETÔNIO,
O Divino Júlio LXXXII, 2-3).

Enquanto Trebônio conversava com Antônio, o restante cercou


César, que era de fácil acesso e tão amável quanto qualquer um
poderia ser; alguns conversavam com ele, ao mesmo tempo que
outros lhe apresentavam petições, de forma que pudesse afastar
qualquer suspeita de sua mente. E quando o momento certo chegou,
um dos conspiradores aproximou-se, como se fosse expressar seus
agradecimentos por algum favor, e puxou a toga de César de seus
ombros, dando então o sinal combinado. Logo a seguir, eles o
atacaram por vários lados de uma só vez, ferindo-o até a morte. Em
razão de seus participantes, César foi incapaz de dizer ou fazer algo,
assim, protegendo sua face, foi assassinado com muitos ferimentos.
Este é o relato mais autêntico, porém alguns adicionaram que a
Brutus, quando este o feriu com um poderoso golpe, ele disse: “Tu
também, meu filho? “. (DIÓN CÁSSIO, História Romana XLIV, 19).

Os autores relatam um ato de extrema violência, onde, mesmo ferido, César


de demonstrar seu caráter e dignidade. Mesmo na morte, a única coisa que,
segundo nossos autores, abalou a coragem e a determinação cesariana, foi a
traição daquele por quem nutria afeto e a quem tinha perdoado após a morte de
Pompeu.
Os momentos que se seguem ao assassinato são passados pelos autores
como sendo bastante confusos e exacerbados. Plutarco, Suetônio e Dión Cássio
passam a dar atenção aos eventos que se seguiram ao crime, tais como a fuga dos
assassinos, a desordem na cidade quando a notícia se espalha e a atitude do povo.
(SUETÔNIO, O Divino Júlio LXXXII, 3-5; PLUTARCO, César LXVII, 1; DIÓN
Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 230

CÁSSIO, História Romana XLIV, 20 - 53). O biógrafo beociano ainda destaca que:
“Antônio e Lépido, os principais amigos de César, fugiram secretamente e
refugiaram-se em casas alheias. ” (PLUTARCO, César LXVII, 1). Aqui, notamos uma
crítica direcionada à atitude de Antônio que, em meio ao caos ocasionado pela
morte de seu amigo, optou por esconder-se e resguardar sua vida. Críticas iguais a
estas ou ainda mais acentuadas a respeito da coragem de Antônio podemos
encontrar quando os autores tratam, mais prolixamente, deste personagem.
Outro fator de destaque nas obras de nossos dois autores é a reação do povo
diante ao assassinato de César. Plutarco e Suetônio são unânimes em afirmar o
estado de consternação do povo ao deparar-se com o cadáver de César. Tamanha
é a comoção popular que estes, ainda segundo nossos autores, não esperam que o
esquife seja depositado em seu leito fúnebre, incendiando-o durante o seu cortejo,
atirando-lhe todo o tipo de presentes que possuíam em mãos. Neste momento, os
autores relatam um aspecto mítico da morte de César, onde o espírito deste
ascende aos céus, em forma de estrela85. (PLUTARCO, César LXVIII, 1-7;
SUETÔNIO, O Divino Júlio LXXXIV). Para Dión Cássio, o povo estava mais
temeroso que transtornado pela morte de César. Nas ruas romanas, segundo este
autor, o sentimento que mais prevalecia frente ao assassinato de César era o medo
das consequências trazidas por tal ato. (DIÓN CÁSSIO, História Romana XLIV, 20.)
Para nós, o assassinato de César é fundamental para entendermos a
principal diferença entre as imagens de Júlio César e seu herdeiro. Primeiramente,
César é morto como consequência de seus atos, por ter gerado entre seus pares
romanos inveja e incompreensão, por aparentar ser desejoso do poder único,
monárquico. Erros, segundo nossos autores, não cometidos por seu sucessor. Em
todas as etapas de sua carreira política, seja como Otávio ou como Augusto, este
homem romano, apesar de concentrar em suas mãos poderes nunca antes detidos
por um só homem, fez de tudo para desvencilhar-se das características que lhe
atribuíram uma feição despótica, monárquica.
Dión vai ainda mais longe ao tentar esclarecer o governo augustano. Para ele,
este não poderia ser classificado como uma monarquia, mas também não era mais
apenas a Res Publica. Tratava-se de algo novo, uma fusão de características, uma

85 Podemos encontrar representações acerca deste elemento mítico em moedas do período


augusteano. Ver Anexo XII.
Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 231

resposta para as questões que a democracia não conseguia mais responder. (DIÓN
CÁSSIO, História Romana LIII – LI).
É também após o assassinato de Júlio César que o cenário político possibilita
a ascensão de Otávio. O jovem, até então ausente das funções políticas, militares e
sociais romanas, é citado por César, em seu testamento, como um de seus
herdeiros. A leitura deste testamento é narrada de forma pormenorizada por
Suetônio, que, desde o princípio, faz questão de ressaltar a escolha do herdeiro de
César: “Mas no último testamento instituiu herdeiros três netos de suas irmãs, Caio
Otávio, em três quartos, Lúcio Pinário e Quinto Pédio, na quarta parte restante; na
parte final do testamento adotou Caio Otávio e lhe deu seu nome (...)”. (SUETÔNIO,
O Divino Júlio LXXXIII,3. Grifo nosso). Dión Cássio também assinala a adoção de
Otávio por César, ressaltando também a satisfação do povo romano com isto. (DIÓN
CÁSSIO, História Romana XLIV, 35.). A menção a adoção de Otávio nos é de
grande importância pois, desde esse momento, Suetônio e Dión Cássio já começam
a construir e a legitimar a imagem deste jovem e futuro governante como o
verdadeiro herdeiro de César.
Sobre a adoção de Otávio, Veléio igualmente nos fala, ressaltando-a e
inserindo a participação do herdeiro de César na caça dos assassinos (VELÉIO
PATÉRCULO, História Romana II, 59). Plutarco aborda da mesma maneira a
participação de Otaviano na perseguição aos assassinos de César. Contudo, nesse
momento já passa a chamá-lo de César, denotando sua compreensão sobre a
adoção do jovem e do caráter que o nome irá levar deste momento adiante:
transformar-se-á, aos poucos, em uma titulação (PLUTARCO, César LXIX, 12). O
mesmo o faz Floro, que caracteriza Otávio como o salvador do povo romano.
(FLORO, Epítome de Tito Lívio II, 14-15).
Após essas considerações iniciais, os autores passam a centralizar suas
atenções para um momento posterior da vida deste personagem, em sua posição e
em seus atos perante a morte de César. Os três autores concordam que, neste
período, Otaviano encontrava-se em Apolônia, em detrimento de adquirir certa
instrução86 (VELÉIO PATÉRCULO, História Romana II, 59.; PLUTARCO, Antônio
XVI, 1.; (SUETÔNIO, O Divino Augusto VIII, 3.). Para Patérculo, ao saber do
assassinato de seu tio, passou a dirigir-se a Roma. No caminho, inteirou-se dos

86Sobre este ponto, pesquisadores atuais sobre o tema, tais como Gruen (2005, p. 38), parecem
concordar com a visão apresentada por Veléio, Plutarco e Suetônio.
Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 232

detalhes sobre o crime, assim como descobriu a respeito do testamento onde era
adotado como filho de César. Neste momento, segundo este autor, o jovem possuía
o apoio de legiões próximas, que estavam dispostas a defendê-lo (História Romana
II, 59). Contudo, as linhas mais expoentes são as seguintes, onde o autor nos relata
que:

“Um grande número de amigos o acudiram ao chegar em Roma e, no


momento em que estava prestes a adentrá-la, um arco íris em forma
de coroa ornamentou a fronte de um homem que mais tarde iria ser
tão importante.” (VELÉIO PATÉRCULO, História Romana II, 59)

Dessa forma, Veléio alude a alguns pontos de grande importância.


Primeiramente, o jovem Otávio, assim que se descobriu como herdeiro de César,
recebeu o apoio de algumas legiões, o que vem por legitimar, desde o princípio, o
seu direito de governo. A mesma intenção de legitimação encontramos na descrição
da manifestação de origem divina no momento em que o futuro governante chega a
Roma. Este, ao pisar na cidade, é coroado por fachos de luzes coloridas. Em outras
palavras, de acordo com nosso autor, até mesmo os deuses se manifestaram frente
à nova posição que o jovem herdeiro de César viria a ocupar.
Na obra suetoniana, podemos encontrar a mesma passagem, onde o autor
nos diz que:

Retornando de Apolônia após o assassinato de César, um círculo


semelhante ao arco íris rodeou repentinamente o sol enquanto
entrava em Roma e o céu estava límpido e sereno. Imediatamente
depois, o sepulcro de Júlia, a filha de César, foi atingido por um raio.
(SUETÔNIO, O Divino Augusto XCV, 1)

Logo, o herdeiro de César era legitimado até mesmo pelos deuses, que se
manifestaram assim que este colocou os pés em Roma.
Suetônio, por sua vez, também nos fala sobre este particular momento da
vida do futuro Augusto. Este autor apresenta uma versão igualmente distinta das de
Plutarco e Patérculo. De acordo com ele:

Quando soube do assassinato de César e de que era seu herdeiro,


por muito tempo hesitou se deveria apelar para as legiões próximas
e, na verdade, abandonou tal idéia como precipitada e imatura.
Tendo, contudo, retornado a Roma, reclamou o legado, apesar das
hesitações de sua mãe e das muitas tentativas de dissuadi-lo por
Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 233

parte de seu padrasto, Márcio Filipo, homem que já havia exercido o


consulado. (SUETÔNIO, O Divino Augusto VIII, 4).

Suetônio descreve um breve momento de hesitação por parte do herdeiro de


César, hesitação esta que era compartilhada por sua mãe e por seu padrasto, Filipo.
Sobre este ponto, também notamos certa concordância na obra veleiana, como
mostra o trecho que se segue:

A sua mãe Àtia e a seu padrastro Filipo, não lhes agradava que
herdasse o nome de César, cuja fortuna suscitava ódio, mas, a
salvação da Res Pública e de todos os outros lugares lhe
reclamavam como protetor de Roma. Por isso, seu elevado espírito
descartou os conselhos humanos, e assim se propôs a aspirar alto
sem temer os riscos, ao invés de limitar sua ambição para preservar
sua segurança. Preferiu confiar em seu tio e no nome de César mais
que em seu padrasto, dizendo repetidas vezes que não podia
permitir considerar-se indigno de um nome que César lhe havia
considerado digno. (VELÉIO PATÉRCULO, História Romana II, 60)

Para este autor, Otávio tomava o nome de César não só por si mesmo, mas
pelo bem de Roma e das demais regiões que dela dependiam. Assim, assume os
riscos em detrimento de sua própria segurança. Em nossa concepção, aqui há uma
aproximação realizada pelo autor entre César e seu herdeiro, uma vez que, em seu
relato, inúmeras vezes podemos notar que ele caracteriza César como uma espécie
de defensor da sociedade e dos valores romanos. Notamos assim, o uso da
memória de César como forma de legitimação de seu herdeiro, pois, ao adotar o
nome de seu pai adotivo, Otávio não estabelece apenas laços de parentesco, mas
apropria-se também da memória coletiva acerca desse cidadão.
Memória esta que é propagada inclusive no plano religioso, quando, o jovem
herdeiro, nomeia seu pai Divus Iulus, colocando-o como parte integrante do Panteão
Romano.
Contudo, nem em todos os aspectos, Augusto segue os passos de seu pai
adotivo, Júlio César. Podemos perceber, principalmente na narração suetoniana,
veleiana e cassiana, que o herdeiro tenta desvencilhar-se das principais atitudes que
fizeram com que César fosse tido por muitos como um líder autocrático, um
aspirante a monarquia. Para Veléio, Augusto negou-se a aceitar a titulação de
ditador, título este que César obtém e aceita, inclusive, aquela que o denominará
ditador vitalício (VELÉIO PATÉRCULO, História Romana II, 55, 56 e 89).
Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 234

Para Suetônio, as ações que distinguem Augusto de César se dão mais no


âmbito administrativo do que na aquisição de magistraturas e funções. Para este
autor, Augusto tomou algumas iniciativas que contradiziam com aquelas de seu pai,
anos antes. A princípio, revogou a lei cesariana que tornava as atas do Senado
públicas, circunscrevendo sua aparição apenas no interior dessa instituição (O
Divino Augusto XXXVI, 1). Por conseguinte, ele também provocou reformas que
aparentavam ser restauradoras das magistraturas e das funções republicanas, tais
como a criação de novos cargos direcionados à administração da cidade de Roma e
de suas províncias e a restituição das eleições para censores, as quais não ocorriam
desde os tempos de Júlio César. Aumentou ainda, como também nos fala Veléio, o
número de pretores, que passaram a desempenhar suas funções também em outros
âmbitos (História Romana II, 56). Em nossa visão, Augusto tentava se distanciar,
pelo menos de forma aparente, das atitudes cesarianas que ocasionaram a sua
morte. No entanto, ao mesmo tempo, colocava-se como detentor das mesmas
virtudes e valores morais, legitimando-se como seu herdeiro perante a sociedade
romana.
Floro e Dión Cássio, por conseguinte, também citam as ações divergentes
entre Augusto e seu antecessor. Para o último, estas estariam majoritariamente
alocadas nas relações que o governante manteve com as outras instâncias
romanas, tais como o Senado. (História Romana LV – LVI). Para nós, o fato é
profusamente destacado por esse autor pois ele mesmo pertencia a esse colegiado
romano, procurando constantemente afirmar a importância desse órgão em meio a
sociedade romana no decorrer dos diferentes governantes. Aqui deparamo-nos,
novamente, com a subjetividade do autor, que coloca questões pertinentes ao seu
contexto histórico na narrativa de outros tempos. Assim, chegamos a observação
que as imagens discursivas de Augusto, assim como as de César e de Antônio,
servem para legitimar não só estes personagens e seus tempos históricos, mas
também as sociedades de nossos próprios autores.
A personalidade de Augusto é composta, do mesmo modo, pelo respeito que
esse homem possuía pelos auspícios e presságios. De acordo com Suetônio,
Augusto, ao contrário de César, nunca deixou de dar importância aos avisos divinos
direcionados a sua pessoa, prodígios estes que lhe eram direcionados antes mesmo
de seu nascimento e que previam sua futura grandeza, assim como anunciaram sua
Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 235

morte. (O Divino Augusto XCI, 1-2; DIÓN CÁSSIO, História Romana XLV, 1-2; LIII,
20).
Para Suetônio, ao morrer, Augusto alcançou a condição divina. Ao contrário
de Júlio César e Marco Antônio, seu desvanecer foi tranquilo. Nas palavras do autor:
“Faleceu no mesmo quarto que seu pai, Otávio, durante o consulado dos dois
Sextos, Pompeu e Apuléio, no décimo quarto dia antes das Calendas de setembro,
na nona hora do dia e com setenta e seis anos de idade menos trinta e cinco dias. ”
(SUETÔNIO, O Divino Augusto C, 1).
Veléio Patérculo e Dión Cássio descrevem de forma similar o falecimento de
Augusto, situando-o em 14 d.C., em Nola, onde acompanhava seu filho adotivo e
futuro imperador Tibério. Segundo os autores, devolvia-se ao âmbito celestial o
espírito de homem que foi muito querido e muito amado pelos romanos e pelos
demais homens de bem. (VELÉIO PATÉRCULO, História Romana II, 124; DIÓN
CÁSSIO, História Romana LVI, 29-30).
Muitas foram as honras e homenagens prestadas a Augusto na ocasião de
sua morte segundo nossos autores. Nas linhas suetonianas:

Os decuriões dos municípios e colônias transportaram seu corpo de


Nola a Bovilas durante a noite em razão do clima, tendo sido ele
depositado durante o dia na basílica ou nos maiores templos de cada
cidade. De Bovilas, a ordem equestre recebeu-o, trouxe a Roma e
depositou no vestíbulo de sua casa. O senado mobilizou-se, com
emulação, em tão grande empenho para preparar seus funerais e
cultuar-lhe a memória (...). (SUETÔNIO, O Divino Augusto C, 1-2)

Na cremação dos restos mortais de Augusto, o autor ainda nos fala que não
teve um homem presente que não jurasse ter visto o espectro do morto ascender
aos céus (O Divino Augusto C, 3). Aqui, notamos mais uma aproximação realizada
com Júlio César, uma vez que segundo os relatos de nossos autores, o espírito
desse também ascende ao plano divino após sua morte.
Assim terminam os relatos sobre Júlio César e seu herdeiro, Augusto. As
informações que nos são passadas por Veléio, Suetônio, Plutarco, Floro e Dión
Cássio expõem inúmeras características semelhantes, evidenciando, desta maneira,
que os autores partilham de concepções similares, concepções estas que podem ser
frutos de construções próprias do período de transição entre a República e o
Principado Romano, onde as figuras de Júlio César, Marco Antônio e Augusto
Capítulo 3. Júlio César e Augusto... 236

aparecem em maior evidência e permeiam o imaginário político e social da


sociedade romana.
Percebemos assim que os autores realizam grandes aproximações entre as
imagens de Júlio César e Augusto, ao mesmo tempo em que distanciam esse último
dos erros e vícios cometidos por seu pai adotivo. Por outro lado, Augusto apresenta
as mesmas características que constituem um bom governante apresentadas por
César; características que se baseiam na tradição romana e que buscam legitimar
suas figuras como governantes, assim como legitimar o sistema político do
Principado romano. Logo, assim como César o foi, seu herdeiro seria detentor da
iustitia, prudentia, virtus, pietas e clementia, qualidades que o denominariam como
um bom governante.
CAPÍTULO IV

“ Uma vez que algo é conhecido, ele


nunca pode ser desconhecido. Ele pode
apenas ser esquecido.
E, de uma maneira que dobra-se o tempo,
enquanto for lembrado, irá indicar o futuro.
É sábio, em qualquer circunstância,
esquecer, cultivar a arte do esquecimento.
Lembrar é enfrentar o inimigo.
A verdade se encontra na lembrança”.

Anita Brookner
Capítulo 4. Marco Antônio e Augusto... 238

4. Marco Antônio e Augusto: Herdeiros de Roma, Inimigos Perpétuos

A figura de Marco Antônio configura-se em um ponto chave de inúmeras


investigações históricas. Romano por nascimento, militar por escolha, Antônio
ganhou grande visibilidade em sua sociedade a partir de seus desempenhos nos
campos de batalhas, além das relações que manteve com seus amigos e inimigos.
Ainda, o estabelecimento de laços amorosos e políticos com a soberana alexandrina
Cleópatra VII rendeu-lhe grande fama, tanto em sua época quanto nos dias de hoje.
Comumente, Antônio é apenas lembrado como par de Cleópatra, como seu amante.
Contudo, a sua importância social, política e militar, não se encontra atrelada
a este relacionamento. Marco Antônio figurou como personagem de destaque após
a morte de Júlio César, exercendo importantes cargos e funções como um dos
legatários cesarinos. Também, neste período, ocupou um dos principais postos em
meio a Roma: tornou-se triúnviro.
Entretanto, nada lhe rendeu mais fama que sua inimizade para com aquele
que um dia iria ser chamado de Augusto. Inimigos políticos, a disputa entre estes
dois homens, iniciada logo após a morte de César, moldou-os, transformando para
sempre suas imagens. Enquanto Otávio configurar-se-ia no símbolo do bom
governante, Antônio seria sua antítese. Criações imagéticas frutos de campanhas
propagandísticas da época, nem sempre verdadeiras e que tinham como intuito
denegrir a figura do outro.
Isto posto, percebemos que, para compreendermos a imagem de Augusto,
faz-se necessário o entendimento de figuras chaves de importantes homens
romanos que ajudaram a delinear as representações acerca do primeiro Imperador
romano.
Como procuramos demonstrar no Capítulo anterior, notamos nas obras de
nossos autores (Veléio, Plutarco, Suetônio, Floro e Dión Cássio.) como as imagens
de Júlio César e Augusto aproximam-se. Como as ações de César e de seu herdeiro
são narradas de formas muito semelhantes, quase idênticas, conferindo ao mais
novo as mesmas características boas de seu antecessor. Trata-se de uma forma de
legitimação de Otávio, legitimação não só através dos laços consanguíneos, mas,
sobretudo, nos aspectos políticos, sociais e, também, militares.
O mesmo não podemos perceber quando tratamos das figuras de Antônio e
Augusto. Isso ocorre, em nossa visão, por tais homens serem adversários políticos
Capítulo 4. Marco Antônio e Augusto... 239

em suas sociedades. Desta forma, procuraremos destacar, nesse capítulo, de que


forma os autores por nós selecionados criam as imagens discursivas em torno de
Antônio e como estas tendem a ser diferentes daquelas elaboradas para Augusto.
De maneira semelhante ao que fizemos no Terceiro Capítulo, destacaremos
como os autores introduzem Marco Antônio em seus relatos, citam suas referências
genealógicas e suas características morais e físicas (instrução, caráter, atitudes
militares, virtudes e caráter divino) e como estas se assemelham ou se distanciam
das atribuídas a Augusto.1
Os relatos2 sobre Marco Antônio são relativamente mais escassos quando os
comparamos com os de Júlio César ou Augusto. Dentre os autores aqui trabalhados,
Plutarco é o único que possui uma biografia própria deste personagem, dedicando a
ele vastas linhas. As informações existentes nos outros autores estão unidas aos
acontecimentos do período em que narram, nas descrições sobre a sociedade
romana em geral. Contudo, mesmo com informações mais parcas, acreditamos que
os autores nos passam importantes notícias sobre Antônio, sua vida, seu caráter,
suas virtudes e seus vícios.

Forma de incorporação no Relato e Referências Genealógicas sobre Marco Antônio


nas Obras Selecionadas

Nas obras de Veléio, Plutarco, Suetônio, Floro e Dión Cássio, a figura de


Antônio aparece em momentos distintos, porém sempre associada a um
personagem principal, como Júlio César ou Otávio3. Ao contrário do que acontece
com as descrições sobre estes dois homens, pouco ou quase nada se fala da
infância de Antônio, de sua família ou de seus antepassados.
As menções de Veléio a Antônio antes do assassinato de César são poucas.
Sua imagem aparece associada à figura de um militar, em meio a desempenhos no
campo de batalha, função que lhe cabia naquele momento (VELÉIO PATÉRCULO,
História Romana II, 47).

1 Ressalvamos que, para evitar repetições desnecessárias, não iremos citar na íntegra as passagens
sobre Augusto que já foram utilizadas no capítulo anterior.
2 Para uma maior compreensão sobre as datas dos acontecimentos narrados sobre Marco Antônio,

anexamos duas Árvores Genealógicas e uma Cronologia (ANEXOS VII, VIII e IX).
3 Como as maiores informações sobre certas características de Antônio estão presentes na obra

plutarqueana, a utilizá-la-emos para compor nossa pesquisa, sempre inserindo os comentários


presentes nas obras dos outros autores.
Capítulo 4. Marco Antônio e Augusto... 240

O mesmo acontece com a narrativa floreana, onde Antônio surge em meio as


descrições da Guerra Civil entre César e Pompeu, desempenhando, novamente,
suas funções militares. (FLORO, Epítome de Tito Lívio II, 13). 4
A primeira menção a Antônio feita por Suetônio ocorre, contudo, não
associada às funções militares, mas sim, ao desempenho da magistratura de tribuno
da plebe, quando este foge de Roma e vai ao encontro de César, no início da guerra
civil (SUETÔNIO, O Divino Júlio XXXI,1). Em nossa concepção, a citação mais tardia
de Antônio na obra de Suetônio acontece porque, até então, as ações sociais e
militares deste personagem não lhe atribuíam grande fama e repercussão na
sociedade romana.
Dión Cássio, por sua vez, também cita pela primeira vez Antônio da mesma
forma, enquanto tribuno da plebe, no decorrer do consulado de Cornélio Lêntulo e
Cláudio Marcelo5. Ainda, Dión nos diz que “ Agora, Antônio, pelos serviços que
prestou a Cesar nesta ocasião, estava destinado a ser retribuído e a ser elevado a
grandes honras. ” (História Romana XLI, 1.). Notamos, neste ponto, que o autor faz
duas colocações que irão direcionar o restante de seu relato. Primeiro, menciona
claramente a ligação entre Antônio e César. Segundo, atribuí a esta ligação e as
atividades que realizou através desta, todas as glórias recebidas por Antônio. Para
nós, parece que o autor tenta expor que é só a partir do elo com Júlio César que
Antônio consegue colocar-se em destaque perante a sociedade romana. Ainda, é
enquanto este vínculo permanece, que Antônio realizara as funções que lhe
atribuíram glória, ao contrário do que acontece após a morte de César.
Plutarco também cita Antônio em meio à sua descrição da vida de César. Da
mesma forma que Veléio, o beociano alude pela primeira vez ao nome de Antônio
durante o seu tribunato militar, quando lê, segundo o autor, uma carta de César ao
povo (PLUTARCO, César XXX,3). Contudo, é em sua biografia sobre este
personagem que sua vida é minuciosamente relatada.
Logo no início da biografia, são descritos os laços familiares e genealógicos
do personagem6. Segundo Plutarco:

4 Floro menciona no Livro I outro militar com o nome Antônio. Porém, não possuímos maiores
informações se este teria ou não laços de parentesco com o Marco Antônio por nós aqui analisado.
5 Segundo nossas pesquisas, estes homens foram cônsules no ano de 49 a.C.
6 Dentre nossos autores, Plutarco é o único que se refere à genealogia de Antônio.
Capítulo 4. Marco Antônio e Augusto... 241

O avô de Antônio foi o orador Antônio, que Mário mandou executar


porque aderira ao partido de Sila. Seu pai também se chamava
Antônio e ostentava a alcunha de Cretense; não fizera nome na
política, mas era um homem gentil e honesto, muito inclinado a
larguezas (...). (PLUTARCO, Antônio I,1-2)

O autor mostra-nos, assim, que a descendência de Antônio, ao contrário do


que acontecia com César, não era, de todo modo, ilustre. Da parte de seu pai, os
representantes de sua família não constituíram riquezas, nem desempenharam
grandes funções no meio político e social. No entanto, o autor destaca o caráter de
seu pai, o qual considera como gentil e possuidor de honestidade7.
Ao tratar das origens maternas e sobre a criação de Antônio, o autor nos
relata que:
Sua mulher era Júlia, da casa dos césares, e esta poderia rivalizar
com as mulheres mais nobres e mais discretas de seu tempo. Por
esta mãe, Antônio foi criado após a morte de seu pai, estando esta
casada com Cornélio Lêntulo, aquele a quem Cícero condenou a
morte por ser um dos conjurados da Catilina. (PLUTARCO, Antônio
II, 1)

Podemos notar que Plutarco ressalta a educação de Antônio por parte da


mãe, mulher que possivelmente possui ligação familiar com a família de César,
questão que o autor faz questão de apontar, como se intentasse demonstrar que
César e Antônio possuíam, de certa maneira, um tênue parentesco.

Aspectos Físicos de Marco Antônio e Augusto

Pouco conseguimos encontrar sobre as características físicas de Marco


Antônio. Plutarco é, novamente, quem nos dá maiores esclarecimentos sobre tal
ponto. Segundo seu relato, Antônio era portador de extrema beleza, principalmente
durante sua juventude (PLUTARCO, Antônio II,3). Em suas linhas biográficas, tem-
se que:

7 De acordo com Gurval (1995, p. 17), membro do Gens Antonia, Marco Antônio nasceu em Roma
por volta do ano 83 a.C. Seu pai era Marco Antônio Crépido, filho do orador Marco Antônio
assassinado por Mário, em 86 a.C. Sua mãe, Júlia Antônia, era uma prima distante de Caio Júlio
César. Tendo seu pai morrido novo, Marco Antônio e seus irmãos, Caio Antônio e Lúcio Antônio,
ficaram sobre os cuidados de sua mãe, que se casou com Públio Cornélio Lêntulo, um político que se
encontrava envolvido com a conspiração Catilina.
Capítulo 4. Marco Antônio e Augusto... 242

Ostentava grandes ares de dignidade: sua barba majestosa, sua


fronte larga e seu nariz aquilino, de modo que sua aparência parecia
se assemelhar ao aspecto viril representado por pintores e escultores
ao rosto de Hércules. Existia, de resto, uma antiga tradição onde a
família de Antônio era heráclidas, descendentes de Ânton, filho de
Hércules. Antônio procurou afirmar esta tradição tanto por sua
aparência física quanto pela forma com que se vestia. Alguns relatam
que, quando tinha que se mostrar em público, possuía a túnica
suspensa até as coxas, levando ao flanco uma enorme espada e
envergava um pesado manto. (PLUTARCO, Antônio IV, 1-2)

Na concepção do autor acima arrolado, Antônio, apesar de ser naturalmente


belo, usava desta beleza para outros fins, para legitimar uma antiga crença e
colocar-se como descendente de grandes heróis. Essa busca de legitimação,
através da ascendência divina e heroica, também podemos notar nas referências
sobre César e Augusto. Entretanto, ao tratar desse ponto, os autores aqui
analisados apresentam outro tom. Como já citamos, Veléio, Plutarco, Suetônio, Floro
e Dión Cássio aludem, de formas diversas, a descendência divina de César e
Augusto. Contudo, tais personagens, nas obras referendadas, não usam sua
constituição física para se legitimarem como herdeiros dos deuses. Essa legitimação
é feita através de suas ações, de suas características morais.
Ao contrário do que acontece com Antônio, o futuro Augusto é descrito como
alguém belo, mas pouco vaidoso. Essa característica o distancia tanto de César
quando de Antônio, homens que aparentam, nos relatos que aqui trabalhamos,
possuir uma preocupação demasiada com os aspectos físicos. A vaidade é algo
passível de crítica em nossos autores, críticas que não aparecem relacionadas a
Augusto.

A Fabricação de um Princeps: As Características Morais e Intelectuais de Antônio e


Augusto

As referências sobre estes aspectos são bem mais presentes nas obras de
nossos autores, tanto quando falam de Antônio, quanto de Augusto. Para nós, isso
ocorre em detrimento da necessidade que os autores enxergam em ressaltar tais
características, uma vez que estas são as principais formadoras do caráter e da
virtude dos homens.
Capítulo 4. Marco Antônio e Augusto... 243

A princípio, Veléio já nos deixa uma pista de como irá caracterizar a índole de
Antônio no percorrer de sua obra. Ao narrar a conspiração que se formava para o
assassinato de César, o autor diz que:

E a esse acordo de morte haviam se juntado seus colaboradores


mais íntimos, Décimo Bruto, Caio Trebônio e outros de nomes
ilustres depois que ascenderam, através da fortuna de seu partido,
às posições mais relevantes. Havia adquirido um grande ódio contra
César, seu colega no consulado, Marco Antônio, um homem capaz
de qualquer audácia, ao impor-lhe, quando presenciava as festas dos
Lupercais diante da tribuna rostral, um distintivo régio, ao qual
rejeitou como pôde para que isso não fosse interpretado como uma
ofensa. (VELÉIO PATÉRCULO, História Romana II, 56)

Através da sentença “um homem capaz de qualquer audácia”, Patérculo já


exprime a índole que pretende encontrar nas ações de Antônio. O fato de este ter
proposto a César um item que se referia diretamente à monarquia parece ter sido
visto pelo autor como algo de má fé, um ato de traição que intentava caracterizar
César como um homem em busca do poder monárquico, colocando-o em uma
posição delicada perante ao Senado e ao povo romano. Desta maneira, parte do
ódio direcionado a César tem sua culpa nas atitudes de Antônio.
A mesma referência a esse acontecimento podemos encontrar tanto em
Plutarco (César LXI, 1-6) quanto em Suetônio (O Divino Júlio LXXIX, 9), onde ambos
relatam a participação nada conveniente de Antônio nas festas dos Lupercais e a
tentativa deste de coroar César com uma coroa de louros, símbolo da monarquia.
Nos dois relatos, os autores também destacam que César repudiou a coroa,
encaminhando-a ao Capitólio, entretanto, o mal já havia sido causado, uma vez que
os presentes passaram a suspeitar das intenções cesarianas. Aqui, novamente, a
figura de Antônio aparece ligada a atos impróprios, que não condiziam nem com a
sua posição nem com a de César. Neste ponto, é importante ressaltarmos que,
segundo pesquisadores por nós aqui estudados, Cícero considera Marco Antônio
promotor indireto do assassinato de César, seja através de atitudes como aquelas
apresentadas nos lupercais, seja através de participação em conspirações para o
assassinato do general (CANFORA, 2002, p. 319; MACMULLEN, 1988, p. 514;
MENDONÇA, 2007, p. 112)
Podemos perceber que esta questão torna-se um divisor de águas nos relatos
sobre Antônio, pois todos os nossos autores, de maneiras próprias, aludem a tal
ocasião. Floro, apesar da brevidade de seu relato, nos diz que: “Finalmente – apesar
Capítulo 4. Marco Antônio e Augusto... 244

de ser duvidoso se foi por seu próprio desejo – Antônio lhe ofereceu, em frente a
Rostra, o símbolo da realeza. ” (Epítome de Tito Livio II, 13). Nesta curta passagem,
Floro expõe uma dúvida que deveria ainda prevalecer na sociedade de seu tempo:
César queria o Laurel ou as intenções de Antônio ao oferecê-lo era lhe causar mal?
Diferente de Veléio, Plutarco e Suetônio, a narrativa floreana não nos dá uma
solução para este enigma.
Dión Cássio, um pouco mais crítico ao tratar da figura cesariana, também nos
relata sua própria versão desta suposta coroação:

Outra coisa que aconteceu, não muito depois destes eventos, dá


provas mais claras que, apesar dele (César) tentar esquivar-se do
título real, em realidade desejava assumi-lo. Pois, quando ele entrou
no Fórum durante o festival de Lupercalia e estava sentado na rostra
em sua cadeira dourada, adornado com trajes reais e resplandecente
em sua coroa revestida com ouro, Antônio, juntamente com seus
companheiros sacerdotes, saudaram-no como a um rei e, trazendo
um diadema sobre sua cabeça, disse: ‘ O povo lhe oferece isto
através de mim’. E César respondeu: ‘ Júpiter sozinho é o rei dos
romanos”, e enviou o diadema para Júpiter no Capitólio; contudo, ele
não estava bravo, mas fez com que constasse nos registros que ele
se recusou a aceitar a realeza quando esta lhe foi oferecida pelo
povo através do cônsul. Suspeitou-se que tal ocasião foi
deliberadamente planejada e ele estava ansioso pelo título, porém
desejava parecer alguém compelido a isto; consequentemente, o
ódio contra ele intensificou-se. (DIÓN CÁSSIO, História Romana
XLIV, 12)

Podemos notar que Dión apresenta outra interpretação dos fatos. Para ele,
César estava ciente que Antônio iria lhe presentear com um laurel. Este teria sido
um acordo entre ambos para que César pudesse recusar o presente, afastando-se,
assim, das aspirações monárquicas que lhe eram atribuídas em seu tempo. Neste
ponto, encontramos uma certa divergência entre as obras de nossos autores. Veléio,
Plutarco e Suetônio atribuem a Antônio a tentativa de coroação cesariana. Floro e
Dión Cássio enxergam César como um dos possíveis culpados para tanto.
Sobre o caráter de Antônio, Plutarco, por conseguinte, também é bastante
expressivo. Desde a juventude, segundo este autor, Antônio dá indícios do trajeto
que sua vida percorrerá. Na obra plutarqueana, um desses indícios é encontrado na
relação que o ainda jovem estabelece com Curião, homem propenso a prazeres
vulgares e indecorosos, o qual induziu Antônio a uma vida regada a bebedeiras e a
libertinos prazeres sexuais. Foi nesse período que Antônio, entregando-se a atitudes
Capítulo 4. Marco Antônio e Augusto... 245

não condizentes com os valores e tradições romanas, teria contraído pesadas


dívidas, maculando, desde o início, sua imagem perante Roma (PLUTARCO,
Antônio II, 3).
Aqui, encontramos mais um ponto distintivo entre o caráter de César e o de
Antônio. Enquanto Plutarco fala sobre as relações indecorosas de Antônio que
permearam sua vida desde a juventude, ao retratar Júlio César, não cita relações
que viessem abalar sua imagem em meio à sociedade romana, o que, em nossa
leitura, possui o intento de demonstrar que este general não estabelecia laços com
homens de baixa moral e pouca virtude, uma vez que ele próprio não apresentava
tais defeitos8.
A mesma diferenciação podemos notar ao tratarmos de Marco Antônio e
Augusto. O futuro Princeps, mesmo quando ainda era tratado como Otaviano, não
estabelece, pelos menos segundo nossos autores, vínculos que lhe depreciariam. O
único laço passível de críticas é aquele que, anos mais tarde, forma o Segundo
Triunvirato. Em outras palavras, a união com Antônio é a única relação malquista
pelos autores na trajetória augustana. E, mesmo assim, esta só acontece, porque
Augusto tinha a necessidade de proteger Roma.
Posteriormente, outras ligações pesam na construção da imagem de Antônio
nas linhas de nossos autores. Rapidamente, Plutarco menciona o elo, quando
Antônio ainda estava na juventude, entre ele e Clódio. Em suas palavras: “Por um
curto período, Antônio esteve ligado a Clódio, o mais insolente, um dos mais
depravados demagogos de seu tempo, de uma audácia capaz de perturbar todos os
negócios públicos. ” (PLUTARCO, Antônio II,4). Igualmente, segundo o autor, ao
perceber que sua ligação com um homem de caráter dúbio era perigosa, Antônio
opta por afastar-se de Roma, evitando, desta forma, maiores comprometimentos de
sua imagem, até então já associada a homens detentores de má fama (PLUTARCO,
Antônio II,4-5).
Ao sair de Roma, ainda de acordo com o autor supracitado, Antônio teria
partido para a Grécia, em busca de instrução tanto nas artes militares quanto
naquelas pertencentes ao campo da retórica. Mesmo nesse ponto, o autor não deixa
de expressar críticas, uma vez que nos diz que: “Ele adotou o que era conhecido
como o estilo asiático de oratória, o qual estava no auge naqueles dias e que

8 Lembramos aqui que, ao contrário de Suetônio e Dión Cássio, Plutarco nada menciona sobre a
suposta ligação entre César e Nicomedes, rei da Bítinia.
Capítulo 4. Marco Antônio e Augusto... 246

possuía, aliás, uma forte semelhança com sua própria vida, orgulhosa e arrogante,
de ênfase vazia e caprichosa pretensão. ” (PLUTARCO, Antônio II, 5).
Para além das críticas ao estilo literário, o autor faz clara alusão ao estilo de
vida de Antônio, assim como a seu gosto por aquilo de origem estrangeira, como é o
caso da escolha de um estilo de oratória asiática. Plutarco, desde então, demonstra
que essa propensão pelos artífices estrangeiros está, basicamente, intrínseca a
Antônio e à sua vida. O mesmo o faz Dión que, em determinado ponto de sua
escrita, deixa-nos entrever que Antônio opta em adotar o estilo egípcio, tanto para se
vestir quanto para governar, em detrimento do romano. (História Romana XLVIII,
30). Aqui, mais uma vez, encontra-se uma dessemelhança com César e Augusto,
que são retratados pelos autores por nós estudados, como homens cultos, que
buscaram ensinamentos com professores de certa fama nos assuntos pertencentes
às técnicas da oratória e da retórica. Além disso, César, desde cedo, mostrava
prodigioso dom para a oratória e para eloquência, dom este que também é atribuído
a seu sobrinho neto.
Outras alusões aos costumes repreensíveis de Antônio são realizadas tanto
na biografia plutarqueana de César, quanto na de Antônio. Nas análises sobre o
general assassinado, Plutarco já dá indícios dá propensão de Antônio para festas e
bebedeiras, como é o caso do seguinte trecho: “(...)a bebedeira de Antônio, o qual
demoliu a casa de Pompeu e a reconstruiu, pois julgava não ser bastante grande
para ele. ” (PLUTARCO, César LI, 1-4). A mesma caracterização aparece na
biografia de Antônio, quando o autor nos fala que o romano possuía o ato de beber
grandes quantidades na frente de todos, além de possuir o espírito fanfarrão e
zombeteiro (PLUTARCO, Antônio IV, 4). Notamos, aqui, outro ponto distintivo entre
César e Antônio, enquanto o último não se priva do consumo de grande quantidade
de bebidas, César, como mostra Suetônio, apresenta sua sobriedade inclusive sobre
esse assunto: segundo o biógrafo, o general era extremamente moderado no
consumo de vinhos, característica elogiada tanto por Suetônio quanto por outros
autores de seu tempo, como é o caso de Catão (SUETÔNIO, O Divino Júlio LIII,1-2).
Por sua vez, a mesma parcimônia com a bebida é atribuída a Augusto pelo autor,
uma vez que o futuro governante não demonstra ser adepto das bebidas e, ainda,
possuía hábitos alimentares simples, consumindo, inclusive, alimentos considerados
de qualidade inferior. (O Divino Augusto LXXVI, 1-2; LXXVII, 1).
Capítulo 4. Marco Antônio e Augusto... 247

Sobre a disposição de Antônio frente ao consumo de bebidas, Veléio também


nos fala. Em meio à suas descrições, o autor chega a dizer que, ao se tratar de
atividades militares: “Antônio era melhor que muitos, quando estava sóbrio (...)”
(VELÉIO PATÉRCULO, História Romana II, 63). Em outras palavras, o gosto pela
bebida é, para nosso autor, um dos motivos que atrapalham o desempenho de
Antônio. Um relato parecido encontramos em Dión Cássio:

Quanto a Antônio, apesar dele se manter informado acerca de todas


essas operações, como sem dúvida ele fez sobre o que acontecia
em terras itálicas (ele não ignorava tais questões), ele ainda falhou,
em ambos os casos, para tomar medidas defensivas a tempo; ao
invés disso, ele estava tão submerso em sua paixão e em sua
bebedeira que nem pensou em seus aliados ou em seus inimigos.
(DIÓN CÁSSIO, História Romana XLVIII, 27)

Antônio aparece nas linhas cassianas da mesma forma que é citado pelos
outros autores: como um homem desvirtuado pela bebida e por suas paixões, vícios
que lhe tornam incapaz de desempenhar suas funções, de auxiliar seus aliados. Em
nossa visão, percebe-se, aqui, a base para a construção de uma imagem discursiva
de Antônio, representação elaborada com intenções certeiras, frutos da sociedade
em que os personagens se inseriram e disseminada através do tempo. Ao
encontramos narrativas semelhantes em autores de períodos diversos, conseguimos
entrever que esta imagem de Antônio, criada em um momento específico, é algo
presente no desenvolver da sociedade romana, sendo constantemente criada e re-
criada para exemplificar aspectos ainda presentes nos tempos de nossos autores.
Além disso, servem para legitimar, através do uso da memória, a posição de
Augusto e, por conseguinte, desacreditar seu opositor político, Antônio.
A demolição da casa de Pompeu, sob a justificativa de que essa não condizia
com a posição de Antônio também é algo conflitante com a imagem de César, já que
o próprio Plutarco relata sua simplicidade no modo de viver (PLUTARCO, César
XVII, 1-6). Floro igualmente salienta a utilização da casa pompeiana por Antônio,
que a comprou e a destruiu, uma vez que a mesma não seria digna de sua posição
política e social. (Epítome de Tito Livio II, 18). Desde então, observamos que,
mesmo quando não realizada de forma direta por nossos autores, suas obras são
expoentes de inúmeras dissemelhanças entre as imagens de César e de Antônio e,
consequentemente, entre as desse último e o herdeiro cesariano, Augusto. Para
nós, ao mesmo tempo em que os autores tentam construir uma imagem virtuosa de
Capítulo 4. Marco Antônio e Augusto... 248

César, denigrem a de Antônio, considerada a sua antítese, e, entre as similaridades


com uma e as discrepâncias com outra, criam a figura ímpar de Augusto.
Sobre o desempenho das funções militares de Antônio, os relatos também
são profusos9. Plutarco coloca que a primeira participação em campanhas militares
deste cidadão romano foi sob o comando do cônsul Aulo Gabínio10:

Quando Gabínio, um homem de dignidade consular, estava partindo


rumo a Síria, ele tentou persuadir Antônio a juntar-se à expedição.
Antônio, porém, recusou-se a ir na qualidade de simples particular,
mas, ao ser nomeado comandante da cavalaria, o acompanhou na
campanha. (PLUTARCO, Antônio III,1)

Em nossa interpretação, o autor, no trecho acima, deixa-nos entrever sinais


da personalidade de Antônio. A negação de agregar as tropas de Gabínio em uma
posição inferior é indicativa dos traços arrogantes e audaciosos já mencionados pelo
autor.
Integrando o comando de Gabínio, a primeira batalha travada por Antônio é
contra Aristóbulo11, de onde, após intensos e numerosos conflitos, sai vitorioso.
Neste ponto, ao tratar dos desempenhos no campo de batalha, Plutarco tece alguns
elogios a Antônio, que passa a se destacar no meio militar (PLUTARCO, Antônio III,
1-2).
Após os conflitos contra Aristóbulo e os subvergentes da guerra civil, Antônio,
segundo ainda Plutarco, parte para terras egípcias, onde, juntamente com Gabínio,
auxilia o soberano ptolomaico Ptolomeu a recuperar seu reino. Na visão
plutarqueana:

Nas muitas e importantes batalhas que então se travaram, realizou


audaciosas proezas e mostrou clarividência digna de um general,
sobretudo quando, envolvendo e atacando os adversários pela
retaguarda, garantiu o êxito dos que os acossavam de frente.
Recebeu o prêmio de valor e merecidas distinções. (PLUTARCO,
Antônio III,5)

9 Ressaltamos novamente que tanto Suetônio quanto Veléio irão destacar as ações de Antônio no
campo militar quando estas estiverem conectadas com as figuras de Júlio César ou Augusto.
Portanto, nesse momento, utilizaremos em maior quantidade os dados relegados por Plutarco.
10 Segundo Eleanor Huzar (1978, p. 21), Antônio parte para a Síria sobre o comando de Aulo Gabínio

entre 58 e 57 a.C..
11 Trata-se de Aristóbulo II, filho de Alexandre Janeu e Salomé Alexandra, pertencentes à dinastia dos

asmoneus. A participação de Antônio se dá quando esse território era assolado por inúmeras guerras
civis.
Capítulo 4. Marco Antônio e Augusto... 249

Tais ações atribuíram a Antônio certa glória perante os cidadãos


alexandrinos, assim como em meio às tropas romanas e a seus concidadãos.
Constata-se certa dualidade na obra plutarqueana. Apesar de o autor caracterizar a
personalidade do biografado com traços pouco benéficos e elogiosos, suas ações no
que se referem aos assuntos militares, nesse momento, são valorizadas e
ressaltadas.
É a partir desse bom desempenho nas tropas de Gabínio que Antônio passa a
se destacar, no que concerne aos assuntos militares, perante a sociedade romana.
O próximo passo na carreira deste militar é integrar o círculo de poder de outro
destacado cidadão romano, Caio Júlio César12. De acordo com Plutarco:

(...) E então Curião, que havia mudado de lado e estava agora


favorecendo a causa de César, trouxe consigo Antônio. Como Curião
possuía grande influência sobre a multidão devido a sua eloquência
e fazendo grande uso das somas fornecidas por César, conseguiu
nomear Antônio tribuno da plebe e, em seguida, um dos sacerdotes,
chamados de áugures13, que observam os vôos das aves. Assim que
Antônio assumiu suas novas funções, ele foi de grande assistência
para aqueles que se ocupavam da gestão dos assuntos de interesse
de César. (PLUTARCO, Antônio V, 1-2)

Plutarco destaca, deste modo, o primeiro cargo ocupado por Antônio: o


tribunato14. Além disso, ressalva, igualmente, a primeira função no meio religioso
romano: a nomeação como um áugure. Detectamos que tais desempenhos ocorrem
em um momento específico da história romana, quando se precipitavam os primeiros
eventos da guerra civil, fazendo com que a sociedade se dividisse entre Pompeu e
César, políticos em destaque no momento. Ao se colocar ao lado dos cesarianos,
Antônio passa a ser pertencente e defensor de uma ideologia política, aquela que se
ligava tanto a César quanto aos Populares.

12 De acordo com John Ramsey (2003:551), Antônio passa a desempenhar funções sobre o comando
de César em 54 a.C.
13 Os áugures são sacerdotes romanos que observavam os hábitos de animais em buscas de

presságios e auspícios
14 Antônio é eleito tribuno da plebe por volta de 50 a.C. Os tribunos são representantes das tribus. O

tribunato da plebe foi criado entre 494 e 493 a.C., quando é possível se verificar nos relatos antigos a
primeira secessão da plebe. Eram eleitos pelos concilia plebis, também conhecidos por comitia plebis
tribuna, ou seja, pela assembleia popular. Não eram magistrados porque não podiam consultar os
auspícios. Exerciam os ius auxilii (auxilium tribunicium) e tinham como principal função defender
pessoas e propriedades da plebe. Para tanto, podiam convocar e presidir comícios plebeus, editar
medidas e exercer o direito de voto. Seus poderes eram restritos a Roma e invioláveis. Seus poderes
modificaram-se com o passar do tempo, ampliando-se e configurando-se de acordo com os novos
moldes governamentais (AZEVEDO, 1999, p. 440).
Capítulo 4. Marco Antônio e Augusto... 250

A associação com César nesse período é citada tanto por Veléio quanto por
Floro, Suetônio e Dión Cássio. O primeiro põe em relevo as atitudes do tribuno da
plebe, no caso Antônio, quando este profere, frente ao Senado romano, a leitura das
condições de paz colocadas por César15 (VELÉIO PATÉRCULO, História Romana II,
47-48). Suetônio também alude a este fato, colocando que César era defendido no
Senado pela interseção do tribuno da plebe (SUETÔNIO, O Divino Júlio XXX,1).
Ainda mais expressiva é a visão do autor de que: “Diante da notícia de que a
intersecção dos tribunos tinha sido abolida e que eles tinham deixado a cidade,
César fez com que rapidamente algumas coortes tomassem a dianteira às ocultas
(...).”. (SUETÔNIO, O Divino Júlio XXXI,1). Logo, para ele, as primeiras
movimentações rumo ao conflito bélico da parte cesariana são originadas a partir da
fuga dos tribunos de Roma. Por conseguinte, o autor ainda ressalta que Antônio se
encontrava com César, passando a ser membro partícipe das batalhas da guerra
civil (SUETÔNIO, O Divino Júlio XXXIII,1-2). Floro e Dión Cássio, similarmente,
destacam o desempenho do tribunato por Antônio. Em suas descrições, ressalvam a
participação do tribuno da plebe na Guerra Civil entre Júlio César e Pompeu, sempre
avultando os laços com César. (FLORO, Epítome de Tito Lívio II, 13; DIÓN CÁSSIO,
História Romana XLI, 1.)
Plutarco, tanto nos escritos biográficos sobre César quanto nos relativos a
Antônio, dedica muitas linhas à descrição de tal atitude de Antônio, denotando a
grande importância desta no desenrolar dos acontecimentos futuros. De acordo com
o biógrafo:

Em primeiro lugar, quando o cônsul Marcelo propôs colocar sobre o


comando de Pompeu os soldados já recrutados, e ainda dar a este
poder para recrutar outros, Antônio lhe apresentou oposição ao
introduzir um decreto onde as forças já agrupadas deviam partir para
a Síria e auxiliar Bíbulo, que combatia os partos, enquanto as tropas
que Pompeu recrutava não deviam lhe pertencer. Em segundo lugar,
quando o Senado se recusou a receber as cartas de César, negando
também que estas fossem lidas, Antônio, cujo ofício dava-lhe o
poder, leu-as ele mesmo, e,desta forma, mudou a opinião de muitos,
que julgaram a partir das cartas de César, que ele estava fazendo
razoáveis e justas reivindicações. E finalmente, quando duas
questões foram apresentadas ao Senado, uma, questionando se
Pompeu devia licenciar suas tropas, e a outra, se César também
deveria fazê-lo, sendo que alguns foram a favor de Pompeu depô-
15Segundo J. Osgood (2006, p. 41), Antônio teria sido quem apresentou uma última carta de César
ao Senado, onde este salientava que manteria suas tropas pelo tempo que Pompeu mantivesse as
suas.
Capítulo 4. Marco Antônio e Augusto... 251

las, enquanto muitos desejavam que César o fizesse; Antônio


levantou-se e perguntou aos presentes se era de suas opiniões que
tanto César quanto Pompeu depusessem suas armas e
dispensassem suas tropas. A esta proposta, todos aceitaram com
entusiasmo e, com gritos de louvor para Antônio, eles exigiram que
ela fosse colocada em votação. Porém, os cônsules se opuseram, e,
novamente os partidários de César apresentaram propostas que
aparentavam ser bem moderadas. A estas, Catão se opôs e Lêntulo,
em sua capacidade de cônsul, expulsou Antônio do Senado.
(PLUTARCO, Antônio V, 2-4)

Antônio, na visão plutarqueana, é integrante fundamental nos eventos que


culminaram na guerra civil. Primeiramente, ele faz com que se tornem conhecidas as
reivindicações cesarianas. Posteriormente, é ator principal nos atos pacificadores
cesarianos que, através de medidas razoáveis, tenta evitar o conflito bélico. Sua
expulsão do Senado e sua consequente fuga de Roma, vestindo roupas de escravo
constituíam-se como uma desculpa ideal para que César desse início ao
posicionamento de suas tropas de modo a se preparar para o confronto no campo
de batalha (PLUTARCO, Antônio VI,1)
Faz-se necessário explicitar, nesse momento, que Plutarco discorda de
Cícero, o qual acusa Antônio de provocar a guerra civil 16. Para o escritor beociano,
César apenas faz uso da fuga do tribuno para estabelecer um motivo legítimo para
atacar Pompeu (PLUTARCO, Antônio VI, 1-3). Dión Cássio, em concordância com
as linhas plutarqueanas, também atribui a Júlio César e, consequentemente, a
Pompeu, as causas da guerra civil. Para este autor, a inveja de Pompeu e a
ambição de César ocasionaram a desavença17. (Dión Cássio, História Romana
XXXVII,54).
Entretanto, apesar de não ser o causador da guerra civil, Antônio não parece
isento de culpa na concentração de opiniões adversas referentes à pessoa de
César. Para o autor, ao ser responsabilizado por César a chefiar tropas no
resguardo de Roma, Antônio demonstrou atitudes e valores que não condiziam com
aqueles esperados de um homem em sua posição:

Antônio, imediatamente, ganhou o favor dos soldados ao partilhar


com estes seus exercícios, vivendo com eles a maior parte do tempo
e sendo generoso para com eles na medida em que podia; mas, para
todos os restantes, ele era odioso. Sua fácil disposição levou-o a

16 Cícero, nas Fílipicas, coloca na pessoa de Antônio a culpa de a disputa entre César e Pompeu ter
chegado a um conflito armado.
17 Tratamos sobre tal aspecto no capítulo anterior desta Tese.
Capítulo 4. Marco Antônio e Augusto... 252

negligenciar o injustiçado, tratou com irritabilidade aqueles que


vieram consulta-lo e adquiriu má reputação por sua conduta em
relação as mulheres de outros homens. Em breve, o poder de César,
que se fosse restringido apenas a este grande homem pareceria
muito diverso de uma tirania, tornou-se odioso por causa de seus
companheiros; dos quais, Antônio, que teve grande poder e parecia
ser o maior transgressor, foi o maior culpado. (PLUTARCO, Antônio
VI, 5-6)

Podemos observar nas descrições plutarqueanas que, quanto maior o nível


de poder que Antônio alcança, maiores são as manifestações de seu caráter e de
sua índole, manifestações que, na maioria das vezes, refletem uma péssima
imagem. O mesmo não ocorre nas obras que analisamos sobre César, onde este
aparece, inclusive após as guerras civis, como um homem generoso e atencioso,
preocupado com as questões que afligiam a sociedade romana. Plutarco chega a
mencionar que César, após configurar-se como o único governante em destaque,
apresenta um caráter irrepreensível (PLUTARCO, César LVIII, 4). Características
também atribuídas a seu herdeiro, o futuro Augusto. Da mesma maneira que César,
este também é descrito por nossa documentação como um homem justo, generoso
e sempre atento com as necessidades de Roma e de seus concidadãos. (VELÉIO
PATÉRCULO, História Romana II, 36; SUETÔNIO, O Divino Augusto X,4; DIÓN
CÁSSIO, História Romana LIII, 8.)
A falha cesariana, apresentada por Plutarco, foi confiar nos dons militares que
Antônio demonstrava. Realmente, segundo o autor, suas conquistas nos assuntos
militares eram grandes, apesar de suas virtudes não as acompanharem
(PLUTARCO, Antônio VII). Sobre este assunto, Suetônio também nos fala, uma vez
que o autor ressalta a importante participação de Antônio e das tropas sobre seu
comando no cerco das legiões pompeianas (SUETÔNIO, O Divino Júlio XXXIV, 35 e
36). Mais uma vez, notamos neste quesito outra diferença entre as narrações sobre
Marco Antônio e Augusto. Enquanto o primeiro apresenta um maior desvirtuamento
conforme assume cargos políticos de grande importância, o segundo apresenta-se
de forma oposta, aumentando as características benéficas de sua personalidade à
medida em que aumenta seu poder. Suas falhas, quando apresentadas, estão
interligadas com sua ingenuidade. Logo, a sabedoria augustana aumenta com o
tempo, ao contrário da de Antônio, que aparenta diminuir.
Capítulo 4. Marco Antônio e Augusto... 253

A grande desenvoltura de Antônio perante as adversidades dos campos de


batalhas, durante as conflagrações civis18, é algo extensamente analisado por
Plutarco. Em nossa concepção, é nesse quesito que o autor enxerga as melhores
qualidades do biografado, uma vez que ele não as apresenta frente a outros
assuntos, tais como aqueles conectados à administração romana. Assim, seu relato
aborda pequenos lances que atribuíram a Antônio a imagem de um bom soldado.
Para o autor, nos muitos combates enfrentados por César e por suas tropas, Antônio
nunca deixou de se distinguir, fato que lhe proporcionou, de certa maneira, a
admiração do general (PLUTARCO, Antônio VIII,1- 2). Mais uma vez, nos é evidente
as diferenças entre os caracteres atribuídos a Marco Antônio e Augusto. O primeiro
apresenta suas qualidades restringidas ao campo de batalha; já, o segundo,
manifestá-las-ia em todas as outras áreas, na educação, na política, na vida pública
e privada. Tais atributos, em nossa visão, seriam pertencentes a um bom Princeps,
àquele capaz de governar Roma sabiamente. Assim, enxergamos aqui mais uma
forma de legitimação da imagem augustana, uma maneira de validar seu poder em
detrimento de Antônio. Ao integrarem essas forças legitimatórias, nossos autores
fazem uso da Memória, e, por muitas vezes, do esquecimento para, deste modo,
criarem imagens discursivas sobre Augusto, Júlio César e Marco Antônio.
Consequentemente, a narração plutarqueana demonstra que o sucesso
obtido através das sucessivas vitórias militares, para além de arrematar a Antônio o
gracejo para com os soldados, angariou também a confiança de César, que passou
a atribuir-lhe novas funções. É assim, que, no momento da batalha de Farsália,
Antônio é direcionado ao comando da ala esquerda do exército cesariano, onde
aparenta elogiosa agilidade (PLUTARCO, Antônio VIII,3). Averiguamos, neste
momento, que o autor beociano denota certos elogios a Antônio.
Em decorrência da vitória cesariana, é da opinião deste biógrafo, que César
enviou Antônio, na função de chefe da cavalaria, de volta ao centro político,
econômico e social romano, onde este desempenhou funções administrativas,
enquanto César partia ao encalço de Pompeu, que fugiu na ocasião da derrota de

18
Para Kamm (2006, p. 43) e Goldsworthy (2006, p. 64), durante todas as disputas, Antônio lutou ao
lado dos cesarinos. Em 49 a.C., sob o comando de uma pequena parte das tropas de César,
apoderou-se de Sulmona, região italiana que, atualmente, localiza-se na província de Àquila. Em 48
a.C, desembarcou em Ninfeu, onde uniu suas forças às de César, preparando-se para a batalha
contra Pompeu. Logo, encontrava-se lutando por César quando este enfrentou Pompeu na planície
da Farsália.
Capítulo 4. Marco Antônio e Augusto... 254

suas tropas. O autor parece denotar grande valor a esta função, uma vez que na
ausência de César, o cargo ocupado por Antônio passava a lhe empregar grande
poder (PLUTARCO, Antônio VIII, 3). No desempenho desta função, novamente
Plutarco ressalta más condutas por parte de seu biografado. Neste momento, após
ser aconselhado por Asínio e Trebélio, Antônio negou seu apoio à proposta de lei
introduzida pelo tribuno Dolabella, a qual visava a abolição de dívidas. No desenrolar
dos acontecimentos, após repudiar sua esposa, a filha de Caio Antônio 19, da qual
suspeitava, Antônio teria travado disputa contra o tribuno que tentava impor a
aprovação de sua lei. Nesta disputa, muitas foram as baixas (PLUTARCO, Antônio
IX,1-2). Na visão plutarqueana, ela ocasionou um aumento da má reputação de
Antônio perante povo:

Este curso dos acontecimentos, naturalmente, o tornou odioso


perante a multidão, e aos homens de valor e retidão, ele não era
aceitável em detrimento de sua vida em geral, como Cícero20 diz, ele
era odiado por estes. Eles detestavam sua inoportuna embriaguez,
seus pesados gastos, o seu deboche com as mulheres, os seus dias
gastos dormindo ou vagando para curar a bebedeira; e, às noites em
folias ou em espetáculos teatrais, ou em festas nupciais de artistas e
bufões. (PLUTARCO, Antônio IX, 3)

Assim, podemos perceber, mais uma vez, o direcionamento da vida de


Antônio que nos é dado por Plutarco. Parece-nos que o autor tenta demonstrar que,
quanto maior é o cargo ou a função de Antônio, maiores se tornam seus vícios, suas
falhas de caráter e de valores morais.
Ressaltamos, novamente, que tal construção a respeito deste homem pode
ter seus objetivos próprios, sendo gerada com funções específicas, uma vez que
esta visão não é única na sociedade romana. Para nós, várias foram as concepções
acerca de Antônio e, os teores descritos nestas, visavam objetivos próprios.
Enquanto algumas valorizavam este personagem, destacando sua bravura e o amor
do povo para com ele, outras o denegriam, exaltando suas falhas e sua inaptidão
para o governo de Roma. Assim, encontraremos a criação das imagens de

19Seria esta sua segunda esposa, Antônia. Sobre os casamentos de Antônio, ver Anexo VI
20Segundo a tradutora e pesquisadora plutarqueana Perrin (1968, p. 159), Plutarco aqui se refere à
segunda parte das Filípicas, onde Cícero faz menções aos excessos de Antônio. Em nossa visão,
Plutarco muito alude a Cícero, quando trata de Antônio, o que pode direcionar sua narrativa à
ressalva de determinados pontos em detrimento de outros, uma vez que Antônio e este orador eram,
declaradamente, inimigos.
Capítulo 4. Marco Antônio e Augusto... 255

personagens especifícos realizadas tanto por seus opositores quanto por seus
partidários.
Em nossa visão, as descrições de nossos autores são claras nesse quesito.
Os autores descrevem César, Antônio e Augusto de modo a contrapô-los. Essa
contraposição fica ainda mais clara na obra de Plutarco, principalmente no trecho a
seguir, onde o autor nos revela que:

Era também revoltante que, enquanto o próprio César estivesse


hospedado sob o céu fora da Itália, extinguindo os resquícios da
guerra, trabalho fatigante e de grande perigo, seus adeptos, em
virtude de seus esforços, desfrutassem do luxo e zombasse de seus
cidadãos. (PLUTARCO, Antônio IX, 6)

Nas palavras do autor, parece-nos que ele tenta demonstrar que enquanto
César estava fora, sem luxo, sem conforto, em constante perigo, Antônio desfrutava
das glórias de seu general, em meio a atividades supérfluas e libertinas.
Tais atitudes de Antônio, ainda segundo Plutarco, são reprovadas por César
quando este retorna a Roma. Isto é demonstrado, para o autor, pelo fato de que
César não o escolhe como seu par no próximo consulado, optando por ter ao seu
lado Lépido (PLUTARCO, Antônio X, 1-2). A repreensão de César ter-lhe-ia levado a
repensar seus atos e a casar-se novamente, agora com Fúlvia, uma mulher
imponente, que levou Antônio sob seu julgo (PLUTARCO, Antônio X, 3-4.).
A mudança na vida de Antônio é demonstrada, mais uma vez, pela mudança
na atitude de César para com ele. Plutarco ressalta que, após as transformações
nas atitudes de Antônio, o general passa a denotar outras ações para com este
(PLUTARCO, Antônio XI, 1-2). Plutarco ressalva quando Antônio alcança o
consulado21 junto com César, que o recebe pela quinta vez (PLUTARCO, Antônio XI,
3). Veléio também nos fala do consulado exercido por Antônio, citando-o em meio a
outros acontecimentos. (VELÉIO PATÉRCULO, História Romana II, 58). Suetônio
aborda o assunto, referindo-se a Antônio como um cônsul na ocasião da morte de
César (SUETÔNIO, O Divino Júlio LXXXIV, 4).
É durante o desempenho dessa atribuição que ocorreram os funestos fatos
durante os Lupercais, sobre os quais já nos referimos no início desta seção. Neste
ponto, tanto Veléio quanto Suetônio atribuem a Antônio parte da culpa do

21A nomeação de Antônio como cônsul teria ocorrido, segundo Canfora (2002, p. 336), por volta de
45 e 44 a.C.
Capítulo 4. Marco Antônio e Augusto... 256

assassinato de César (VELÉIO PATÉRCULO, História Romana II, 56; SUETÔNIO,


O Divino Júlio LXXIX,9). Contudo, Plutarco, na biografia de Antônio, não lhe denota
a culpa por tais fatos, ao contrário do que faz na de César. Aqui, o autor parece
colocar que não foi um ato intencional de Antônio. Em suas linhas: “E foi Antônio
que, involuntariamente, forneceu aos conspiradores o mais especioso dos pretextos.
” (PLUTARCO, Antônio XII, 1). Floro, como já dito, deixa em suas linhas uma leve
dúvida sobre quem seria o culpado (Epítome de Tito Livio II, 13), enquanto Dión nos
parece convicto em afirmar que o próprio Júlio César teria arquitetado tão funesto
plano. (DIÓN CÁSSIO, História Romana XLIV, 12). Aqui está um ponto de
distanciamento entre nossos autores. Veléio e Suetônio atribuem parte da culpa do
assassinato de César a Antônio, Plutarco, Floro e Dión atribuem esta ao próprio
César, uma vez que suas atitudes caminhavam para a monarquia, mesmo que esse
não acolhesse os símbolos que o apresentassem com um monarca perante a
sociedade romana. Plutarco parece denotar certa ironia ao fato de César não ter
aceitado a coroa de louros em pessoa, mas ter destituído os tribunos de seu cargo
quando estes retiraram a coroa que tinha sido depositada sobre uma de suas
estátuas (PLUTARCO, Antônio XII,4). Dión, também irônico, nos diz que, mais uma
vez, César manipulou os acontecimentos a seu favor.
Entretanto, mesmo que a atitude de Antônio não fosse intencional, para o
beociano, além de ela acrescentar um motivo para o assassinato de César, ela
também ocasionou questionamentos sobre a lealdade do cônsul para com seu
general (PLUTARCO, Antônio XIII,1). São desconfianças que o próprio autor parece
demonstrar ao salientar que os conjurados pensavam em arrematá-lo para a
conjuração. As atitudes de Antônio diante disso são dúbias: “Antônio compreendera
muito bem, mas não se mostrava receptivo; todavia, não havia comunicado as
conversas a César, mantendo um fiel silêncio sobre o assunto. ” (PLUTARCO,
Antônio XIII, 1). O autor, por conseguinte, relata que Antônio, ao acompanhar César
ao Senado, foi parado por alguns dos conspiradores que temiam a força física de
Antônio (PLUTARCO, Antônio XIII,2)22.

22 Para Canfora (2002, p. 372), a suposta “docilidade” de Antônio, em um dia em que, como os
autores nos demonstram, os presságios e os auspícios eram profusos, é bastante expressiva, uma
vez que pode ser denotativa da participação, ou ao menos, do relativo conhecimento acerca da
violenta cena que iria ocorrer nos momentos seguintes dentro da instituição senatorial.
Capítulo 4. Marco Antônio e Augusto... 257

Encontramos na narrativa cassiana uma descrição pormenorizada deste


acontecimento, destacando, inclusive, o papel de Antônio em meio a este:

Agora, quando ele (César) finalmente chegou ao Senado, Trebônio


manteve Antônio ocupado a uma certa distância. Pois, apesar deles
terem planejado matar tanto ele quanto Lépido, eles temiam que o
número de pessoas que eles destruíssem poderiam torná-los
malignos (...). (DIÓN CÁSSIO, História Romana XLIV, 19)

Para este autor, Antônio não teria feito parte da trama mortífera, pelo
contrário, poderia ter sido uma de suas vítimas.
É após o assassinato de César, que as atitudes de Antônio parecem ser mais
expressivas. Ainda, é também a partir deste ponto que podemos estabelecer
comparações mais profusas entre Marco Antônio e o futuro Augusto.
Patérculo salienta a atitude conciliatória adquirida pelo cônsul neste
conturbado momento. Segundo seu relato:

Convocada uma reunião do Senado, Dolabela, a quem César havia


designado para lhe suceder no consulado, tomou a frente e as
insígnias consulares. Antônio, como negociador da paz, enviou seus
filhos como reféns ao Capitólio e ofereceu garantias de segurança
aos assassinos de César que ali comparecessem. E, como aquele
famoso exemplo do decreto dos atenienses, a partir da proposta de
Cícero, foi confirmada uma anistia pelos senadores. (VELÉIO
PATÉRCULO, História Romana II, 58)

Na descrição veleiana, Antônio aparece como um conciliador, um estrategista


político que foi capaz de, em uma ocasião de grande tensão, apaziguar os ânimos.
Esse caráter conciliatório de Antônio com a sociedade romana aparece
também em Plutarco, que é bem detalhista sobre este ponto:

Isso foi feito como o planejado, e César sucumbiu na câmara do


Senado. Rapidamente, Antônio vestiu-se com um traje de escravo e
escondeu-se. Porém, ao saber que os conspiradores não
empreendiam nada contra ninguém, estando apenas reunidos no
Capitólio, ele os persuadiu a descer dando-lhes seu próprio filho
como refém; além disso, ele mesmo entreteve Cássio, enquanto
Lépido entreteve Bruto. Em seguida, reuniu o Senado e falou em prol
de uma anistia e da atribuição de províncias a Cássio, Bruto e seus
cúmplices e o Senado ratificou essa proposta, decretando também
que não se mudaria nenhuma das decisões de César. Antônio
deixou o Senado como o mais ilustre dos homens; uma vez que
pensou-se que ele havia colocado um fim na guerra civil e por ter
lidado como um político prudente com questões que envolviam
grande dificuldade e extraordinária confusão. A partir de
Capítulo 4. Marco Antônio e Augusto... 258

considerações como estas, no entanto, a sua reputação junto a


multidão logo o abalou, e ele passou a ter esperanças que seria o
primeiro no Estado se abatesse Bruto. (PLUTARCO, Antônio XIV, 1-
3)

Novamente, Plutarco deixa entrever o fato de que a personalidade de Antônio


muda de acordo com sua posição frente a Roma e a seus cidadãos. Assim, o seu
caráter conciliatório transforma-se a partir do momento em que este percebe que
possui certa reputação em meio ao povo, fazendo-o mudar de planos para ascender
ainda mais ao poder.
Para Dión, Antônio não apresenta o mesmo temperamento neste momento:

Quanto a Antônio, apesar dele ter fugido imediatamente após a


morte de César, jogando fora o seu manto a fim de não ser detectado
e escondendo-se na noite, quando teve certeza que os assassinos
estavam no Capitólio e Lépido no Fórum, reuniu o restante do
Senado no recinto de Tellus e apresentou os acontecimentos no
momento da deliberação. (DIÓN CÁSSIO, História Romana XLIV,
22.)

Notamos que Antônio apresenta duas características nas linhas acima:


covardia e oportunismo. Torna-se um covarde quando foge de Roma por temer ser o
próximo a ser assassinado. Em contrapartida, figura como um oportunista quando
aproveita a ocasião e a ausência dos conspiradores para reunir o Senado na
surdina, forçando a deliberação dessa instância acerca dos acontecimentos
fatídicos.
É por tais determinações que, de acordo com Plutarco, Antônio profere o
elogio fúnebre de César, incitando a reação popular:

Vendo o povo singularmente comovido e enternecido, misturou aos


louvores, sua tristeza e indignação perante o ato terrível, e no
encerramento de seu discurso, balançou as vestes do morto,
sangrentas e perfuradas pelas espadas, chamando aqueles que
tinham realizado o ato de vilões e assassinos, inspirando seus
ouvintes com tamanha cólera que estes, amontoando mesas e
bancos, incineraram o corpo de César no Fórum e, então,
arrebatando da pira a lenha em chamas, correram para a casa dos
assassinos a fim de tomá-las de assalto. (PLUTARCO, Antônio XIV,
3-4)
Capítulo 4. Marco Antônio e Augusto... 259

Antônio aparece como um homem volúvel, capaz de modificar as conjunturas


para que estas lhe fossem favoráveis. Sobre este discurso, Suetônio também nos
fala, porém de forma um pouco distinta. Para este autor, na ocasião do elogio
fúnebre, Antônio fez divulgar, através de um empregado, tanto o decreto senatorial
que concedia a César as honras divinas, como também o juramento através do qual
os senadores se comprometiam em defendê-lo perante os riscos de morte. Segundo
o autor, a estas informações, o cônsul pouco acrescentou, no entanto, foi o
suficiente para arrancar do povo entristecido reações coléricas (SUETÔNIO, O
Divino Júlio LXXXIV, 4-5).
Floro nada nos diz acerca deste proferimento, ao contrário de Dión, que
relata, inclusive, parte do discurso. Para ele, Antônio aproveitou a excitação do povo,
que até então não estava consternado e, sim, temeroso, e proferiu um discurso logo
após levar o corpo de César até o Fórum, expondo as marcas da violência dos
conspiradores. Em sua fala, destacava os feitos de César e colocava-se como um
de seus herdeiros (DIÓN CÁSSIO, História Romana XLIV, 35 - 36).
Logo, é fazendo uso da morte de César, que, segundo nossos autores,
Antônio passa a colocar-se de outra maneira perante a sociedade. Plutarco ainda
enfatiza as ações deste homem após tais acontecimentos, quando este,
aproveitando-se da confiança depositada em si por Calpúrnia, viúva de César, e dos
partidários cesarianos, passa a fazer uso dos espólios de César e a alterar os
projetos e intenções que este havia deixado registrados em meio a seu testamento.
(PLUTARCO, Antônio XV, 1-3). Nesta oportuna ocasião, o beociano descreve que
as ações de Antônio condiziam com a de um senhor absoluto, alguém disposto a
ocupar o lugar principal nos assuntos concernentes a Roma (PLUTARCO, Antônio
XV,3).
Observamos que as ações de Antônio perante o assassinato de César
distanciam-se daquelas apresentadas pelo herdeiro cesariano. Para Veléio e
Suetônio:

A sua mãe Àtia e a seu padrastro Filipo, não agradava que herdasse
o nome de César, cuja fortuna suscitava ódio, mas, a salvação da
Res Pública e de todos os outros lugares lhe reclamavam como
protetor de Roma. Por isso, seu elevado espírito descartou os
conselhos humanos, e assim se propôs a aspirar alto sem temer os
riscos, ao invés de limitar sua ambição para preservar sua
segurança. Preferiu confiar em seu tio e no nome de César mais que
Capítulo 4. Marco Antônio e Augusto... 260

em seu padrasto, dizendo repetidas vezes que não podia permitir


considerar-se indigno de um nome que César lhe havia considerado
digno. (VELÉIO PATÉRCULO, História Romana II, 60)

Quando soube do assassinato de César e de que era seu herdeiro,


por muito tempo hesitou se deveria apelar para as legiões próximas
e, na verdade, abandonou tal ideia como precipitada e imatura.
Tendo, contudo, retornado a Roma, reclamou o legado, apesar das
hesitações de sua mãe e das muitas tentativas de dissuadi-lo por
parte de seu padrasto, Márcio Filipo, homem que já havia exercido o
consulado. (SUETÔNIO, O Divino Augusto VIII, 4).

Dión mostra uma visão semelhante ao dizer que:

Quando, no entanto, ele (Otávio) cruzou Brundisium, foi informado


sobre o testamento de César e das ações do povo, dirigindo-se a
Roma sem demoras, especialmente por que ele tinha a receber
grande soma de dinheiro, além dos soldados que foram colocados
sobre seu comando. Imediatamente assumiu o nome de César,
sucedendo-o e ocupando-se com os assuntos públicos. Naquele
tempo, ele parecia ter agido de forma imprudente e ousada, mas,
depois, graças a sua grande fortuna e ao grande sucesso que
atingiu, ele adquiriu, por este ato, a reputação de corajoso. (DIÓN
CÁSSIO, História Romana XLV, 3).

O jovem Otávio aparece em tais descrições como um homem corajoso, que,


apesar de temer por sua vida, não deixou de aceitar seu legado, retornando a Roma
e assumindo a sua posição de herdeiro.
Outras considerações acerca dos caráteres de Antônio e Otávio são
realizadas a partir do momento em que estes se encontram. Os relatos veleianos e
plutarqueanos são bastante significativos quando tratam deste encontro entre o
herdeiro político cesariano e aquele que intentava sê-lo. Para Veléio:

O cônsul Antônio o aceitou (Otaviano) de imediato, porém com


arrogância – não era apenas rejeição, mas sim temor – e, ao recebê-
lo nos jardins de Pompeu, tomou apenas um momento para falar
com ele, e depois começou a acusá-lo maliciosamente de ter
intentado contra ele, e isso foi uma evidência vergonhosa de sua
falsidade. (VELÉIO PATÉRCULO, História Romana II, 60. Grifo
nosso)

Assim, nas linhas veleianas, Antônio faz uso de artífices embaraçosos e


falsos para desacreditar o herdeiro de César, almejando, desta forma, alcançar a
sua posição. Plutarco e Floro parecem concordar com ele:
Capítulo 4. Marco Antônio e Augusto... 261

É neste estado das coisas que o jovem César23 chegou a Roma, um


filho da sobrinha do César falecido, como já dissemos, o qual
instituíra como herdeiro de sua fortuna. Encontrava-se em Apolônia
quando César foi assassinado. Logo ao chegar foi saudar a Antônio,
como a um amigo de seu pai, e o lembrou dos valores depositados
junto a ele. Pois era de sua obrigação dar a cada romano o valor de
setenta e cinco dracmas que César lhes legara em testamento. De
início, Antônio, desdenhando sua juventude, disse-lhe que seria uma
falta de bom julgamento, com a pouca capacidade e os amigos que
possuía, encarregar-se de fardo tão pesado quanto a sucessão a
César. E, quando o jovem recusou-se a dar ouvidos a isso, e
reclamou a soma, Antônio continuou falando e tomando inúmeras
atitudes para insultá-lo. (PLUTARCO, Antônio XVI, 1-2)

Olhando para Otávio, que contava com menos de dezoito anos,


como um rapaz de tenra idade e, por isso, uma fácil vítima de
injustiça, e para si mesmo, que tinha desfrutado todo o prestígio de
seu longo serviço ao lado de César, Antônio continuou a destruir sua
hereditariedade através de fraudes, a persegui-lo com insultos
pessoais e a tentar impedir sua adoção pela família do Júlios através
de todos os dispositivos em seu poder. (FLORO, Epítome de Tito
Lívio II, 15).

Floro, por conseguinte, não deixa de ressalvar os mesmos aspectos, nos


dizendo que: “ Antônio, instável como sempre, recusou-se a tolerar Otávio como o
sucessor de César (...).” (FLORO, Epítome de Tito Lívio II, 14.).
Tais atos do cônsul aparecem, inclusive, em Suetônio, o qual salienta que o
jovem herdeiro de César, inúmeras vezes, teve que lidar com as injúrias que Antônio
lhe atribuía (SUETÔNIO, O Divino Augusto IV, 3.; VII, 3). Dentre tais injúrias, a
narrativa suetoniana alude ao cognome Turino, citado por Antônio, quando este
refere-se ao jovem Otávio. Para o autor, esse cognome não possuí nada de
desonroso, mas pode indicar a origem dos ancestrais augustanos ou, até mesmo, o
sucesso de seu pai perante a contenção de escravos fugitivos desse local.
(SUETÔNIO, O Divino Augusto VII, 1-2).
A rejeição por parte de Antônio era atribuída a seu caráter, à sua índole. As
palavras cassianas parecem concordar com as visões de nossos outros autores:

Desta forma, ele, primeiramente chamado de Otávio, já conhecido


nesse momento como César e, depois, Augusto, tomou em suas
mãos os assuntos públicos. E ele gerenciou e lidou com estes mais
vigorosamente que qualquer outro homem em seu auge, mais
prudentemente que qualquer indivíduo mais velho. Em primeiro lugar,

23 Plutarco, aqui, já o trata por tal titulação. O mesmo acontece em Veléio, Floro e Dión Cássio.
Capítulo 4. Marco Antônio e Augusto... 262

ele adentrou a cidade como se seu único propósito fosse o de tomar


posse de sua herança, chegando como uma cidadão privado,
acompanhado apenas por alguns subordinados, sem qualquer
exibição. Novamente, ele não proferiu ameaças contra ninguém e
nãomostrou que estava descontente com o que aconteceu ou que
gostaria de vingar-se. De fato, tão longe de exigir de Antônio o
dinheiro que ele lhe havia tomado, ele, na realidade, cortejou-lhe,
mesmo apesar de este ter lhe insultado e injustiçado. Pois Antônio o
ofendeu tanto com palavras quanto com ações, particularmente
quando a lex curiata foi aplicada, tranferindo Otávio para a família de
César. (DIÓN CÁSSIO, História Romana XLV, 5.)

Assim, na visão apresentada pelos cinco autores aqui analisados, as ações


de Antônio perante Otaviano foram, desde o princípio, as principais causadoras do
confronto que se estabeleceria entre estes dois cidadãos romanos. Mostra-se, desta
maneira, que as narrações de Veléio, Plutarco, Suetônio, Floro e Dión Cássio
convergem-se neste ponto.
Plutarco e Dión Cássio são os que dão maiores informações sobre o
desenrolar dos acontecimentos. Segundo o autor beociano, Antônio e o jovem César
entraram em uma acirrada disputa24, em que o cônsul comportou-se como um
exímio militar e comandante. (PLUTARCO, Antônio XVII, 1-3). A sua desenvoltura no
campo de batalha atribuiu-lhe certa reputação perante seus soldados, mesmo entre
aqueles que integravam a tropa de Lépido, os quais se mostravam dispostos a lutar
ao seu lado da contenda (PLUTARCO, Antônio XVIII, 1-4).
Novamente, neste quesito, podemos mostrar a ambiguidade da biografia
plutarqueana de Antônio. Este homem apresentava os piores vícios e manifestações
de caráter, quando estava inserido em posições de poder em Roma, entretanto, no
campo de batalha, distinguia-se dos outros cidadãos, demonstrando suas virtudes,
como a coragem frente aos inúmeros perigos. Aqui, o militar aparenta também ter
aspectos de brandura com alguns de seus inimigos, assim como César o teve
(PLUTARCO, Antônio XVIII, 3).
Suetônio também relata a oposição que o futuro governante sofreu por parte
de Antônio. De acordo com suas interpretações, com o intuito de realizar maiores
ações em relação aos assassinos de seu pai adotivo, o agora Otaviano candidata-se

24De acordo com Corey Brennan (2004, p. 42), as disputas entre Otaviano e Antônio iniciam-se logo
após o assassinato de César, em 44 a.C., estendendo-se por um período de dois anos.
Capítulo 4. Marco Antônio e Augusto... 263

ao tribunato da plebe25 (SUETÔNIO, O Divino Augusto X, 2). Neste momento,


Antônio, a quem via como seu primeiro aliado, lhe oferece grande oposição
(SUETÔNIO, O Divino Augusto X, 3). Assim, passa a ser imbuído, por seus inimigos,
de várias desonras. Para o autor: “Marco Antônio disse que a adoção de seu tio fora
paga pelo estupro de que dele sofrera. (...)” (O Divino Augusto LXVIII,1). Mostra-se
assim, para o autor, uma tentativa de descrédito, da parte de Marco Antônio, àquele
que César havia designado como seu herdeiro.
É por esta oposição que, segundo o autor supracitado, ao ver que suas
intenções seriam frustradas, Otaviano estabelece alianças com integrantes dos
Optimates, em sua maioria, oponentes de Antônio (SUETÔNIO, O Divino Augusto
X,4). Ainda para o autor, suas ações nesse momento são voltadas: “(...) em seu
auxílio e no da República.” (SUETÔNIO, O Divino Augusto X,4).
Em meio às primeiras disputas contra Antônio que Otávio, novamente, dá
provas de sua coragem e desempenho nos campos de batalha, evidenciando, desta
maneira, mais uma das características que compartilhava com Júlio César.
(SUETÔNIO, O Divino Augusto X, 5). Atributo que, segundo Plutarco, também pode
ser visto, inúmeras vezes, na figura de Antônio.
Dión é um pouco mais prolixo ao narrar as disputas entre o herdeiro cesarino
e Marco Antônio. Estas, em sua visão, ocorreram, tanto no plano físico, com várias
altercações entre estes homens e seus exércitos, quanto no plano ideológico, onde
discursos difamatórios e imagens vexaminosas eram criados e proferidos por ambas
as partes. (DIÓN CÁSSIO, História Romana XLV – XLVI).
Sobre as batalhas entre o herdeiro de César e Antônio, Veléio e Floro
também nos passam algumas informações. Nesse aspecto, mostram Antônio como
um opressor:

A cidade estava sufocada pela opressão de Antônio. Todos sentiam


dor e indignação, porém, não possuíam força para lhe fazer frente,
quando Caio César, que iniciava o décimo nono ano de sua vida,
com a coragem para ações admiráveis e para a busca de objetivos
importantes por iniciativa própria, mostrou maior providência que o
Senado na proteção da República (...). (VELÉIO PATÉRCULO,
História Romana II, 61)

25Neste momento, o autor salienta que esta candidatura não condizia com a posição atual de
Otaviano, uma vez que era de origem patrícia e ainda não tinha exercido função na instituição
senatorial (SUETÔNIO, O Divino Augusto X, 2).
Capítulo 4. Marco Antônio e Augusto... 264

O povo romano, após os assassinatos de César e Pompeu, pareciam


ter retornado ao antigo estado de liberdade; e eles teriam feito isso
se Pompeu não tivesse filhos ou César nenhum herdeiro, ou, ainda
mais fatal do que estas circunstâncias, se Antônio, outrora colega de
César e, posteriormente, seu rival no poder, não tivesse sobrevivido
para causar incêndios e tempestades nos próximos anos. (...). Pois o
povo romano não podia encontrar salvação exceto refugiando-se na
subserviência. No entanto, foi um motivo de celebração que, em
meio grande agitação, o poder passou para as mãos que ninguém
mais que Otávio Augusto, que, através de sua sabedoria e
habilidade, restaurou a ordem no corpo do império (...). (FLORO,
Epítome de Tito Lívio II, 14.)

O jovem César aparece, desde este instante, nas obras destes escritores
como um protetor da Res Pública contra as ameaças de Antônio, sendo este último,
inclusive, declarado inimigo de Roma (VELÉIO PATÉRCULO, História Romana II,
63). Assim, reuniu parte das tropas de seu pai adotivo e sai em busca de Antônio,
cujo exército, ao deparar-se com “(...) as qualidades de um jovem de tamanho valor
(...)”. (História Romana II, 61), trocou de lado. Perante tal evento, o Senado honrou o
jovem César com uma estátua localizada em frente à tribuna rostral; honra que, em
trezentos anos, apenas Sila, Pompeu e Júlio César haviam recebido (VELÉIO
PATÉRCULO, História Romana II, 61). Em seguida, contando com apenas vinte
anos, o futuro governante vence uma violenta batalha em Módena, o que faz com
que Antônio, com uma escassez vergonhosa de recursos, fuja dos territórios itálicos
(VELÉIO PATÉRCULO, História Romana II, 61). Em nossa acepção, o autor, tenta
demonstrar como Otávio, desde a juventude, constituiu-se em um homem de
valores, de atributos que são demonstrados no campo de batalha, nos atos em
defesa de Roma e que, por isso, são reconhecidos tanto pelo Senado quanto por
seus inimigos. Tais descrições também podemos encontrar quando o autor trata de
Júlio César. Observamos aqui, toda uma construção ideológica em torno de César e
Augusto, que, a nosso ver, é representativa da tentativa de se legitimar o sistema
político do Principado romano.
É nesse momento também que Veléio nos fala sobre a oposição de Cícero a
Antônio:

Estes são os momentos em que Marco Túlio, em uma série de


discursos, gravou a fogo uma condenação imortal da memória de
Antônio. Tanto este com seu brilhante e divino discurso, quanto seu
partidário, o tribuno Canucio, atacavam com insistente cólera a
Capítulo 4. Marco Antônio e Augusto... 265

Antônio. A defesa da liberdade acabou para os dois com a morte.


(VELÉIO PATÉRCULO, História Romana II, 64)

Na visão veleiana, as marcas das acusações de Cícero a Antônio serão parte


integrante das memórias acerca deste homem. Maiores críticas à atitude de Antônio
serão realizadas por esse autor que, em um momento posterior, chega a dizer que
Cícero foi assassinado, mas, ao invés de Antônio conseguir com isso privá-lo de sua
fama, ele a aumentou, ampliando a glória de seus discursos (VELÉIO PATÉRCULO,
História Romana II, 64). Concordamos com este aspecto, uma vez que podemos
notar que muito autores antigos, dentre estes Dión Cássio, fazem uso dos discursos
proferidos por Cícero para descrever Antônio, sua personalidade, seus valores
morais e seus vícios. Contudo, temos em mente que tais descrições são parciais, já
que são originadas de uma concepção de um dos inimigos de Antônio e, por isso
mesmo, denotam a ele características ruins em detrimento daquelas que poderiam
ser analisadas como boas.
A formação do Segundo Triunvirato é muito destacada por nossos autores26.
Na obra suetoniana, ela aparece, de certa forma, diminuída, uma vez que o autor dá
destaque às ações de Otaviano durante esse período, mesmo que estas não lhe
fossem muito honrosas (SUETÔNIO, O Divino Júlio XIII, 1-4). É em detrimento desta
oposição que, segundo o autor, ao ver que suas intenções seriam frustradas,
Otaviano estabelece alianças com homens de índoles duvidosas (SUETÔNIO, O
Divino Augusto X,4). Ainda para o autor, suas ações nesse momento são voltadas:
“(...) em seu auxílio e no da República. ” (SUETÔNIO, O Divino Augusto X,4).
Plutarco é mais incisivo ao tratar da participação de Antônio. Na visão do
beociano, o jovem César é quem propõe o acordo de paz. Com o mesmo concorda
Patérculo (VELÉIO PATÉRCULO, História Romana II, 65), o qual destaca que foi o
herdeiro cesariano que propôs a paz entre os combatentes. Acordo que não é bem
quisto nem pelos cidadãos romanos nem pelo próprio autor, como ele nos deixa
abundantemente à mostra: “Não creio que tenha havido jamais coisa tão cruel e
selvagem como essa transação: barganhando crimes por crimes, assassinavam

26De acordo com Brennan (2004:43), a formação do Segundo Triunvirato se dá por volta de 42 a.C.
Como ressalta Grimal (1980: 90), Antônio, Otaviano e Lépido entram em acordo e, através da
aprovação da Lei Titia, em 27 de novembro, pela Assembleia Tributária, dividem o território romano.
Sobre a nova divisão territorial triunviral romana ver Anexo XIV.
Capítulo 4. Marco Antônio e Augusto... 266

igualmente as vítimas que lhes eram entregues e as que eles entregavam. ”


(PLUTARCO, Antônio XIX,3).
Para Floro:

Apesar de Antônio, por si mesmo, ser ameaça suficiente à paz e a


Res Publica romanas, Lépido uniu-se a ele e, por assim dizer,
adicionou fogo ao incêndio. O que poderia ser feito contra dois
cônsules e dois exércitos? César (futuro Augusto) foi forçado a
tornar-se parte deste pacto horrendo. Os três líderes eram distintos
tanto em seus objetivos quanto em suas personalidades. Lépido era
movido pelo desejo de riqueza, a qual esperava acumular através da
perturbação da Res Publica; Antônio desejava vingança contra
aqueles que o declararam inimigo; César era estimulado pelo
pensamento que a morte de seu pai permanecia impune e que a
sobrevivência de Bruto e Cássio era um insulto para o seu espírito. A
partir desses objetivos a paz foi estabelecida entre os três homens.
(FLORO, Epítome de Tito Lívio II, 16. Grifo nosso).

O herdeiro cesariano, segundo a narrativa floreana, estabeleceu os laços


triunvirais para a proteção de Roma, para salvaguardar o povo romano.
Em Dión Cássio, encontramos uma versão um tanto distinta dos outros
autores. Em suas linhas, o autor nos deixa entrever que o futuro Augusto possuía
interesses próprios no estabelecimento de tais laços de poder. Logo, o sucessor de
César seria cúmplice de tais atos. (DIÓN CÁSSIO, História Romana XLVI, 54).
As proscrições ocorridas nesse período também são destacadas nos escritos
dos autores por nós analisados. Veléio direciona intensas críticas a tais atos.
Contudo, sobre a participação do futuro Augusto nesses atos, o autor nos diz que:
“(...) apesar de César tentar evitá-lo, isso foi em vão contra a opinião dos outros
dois, assim se instaurou um mal do qual Sila havia dado o exemplo: as proscrições. ”
(VELÉIO PATÉRCULO, História Romana II, 66). O autor cita os proscritos por
Antônio e por Lépido, porém nada fala daqueles que o foram pelas mãos do jovem
César. Ao contrário de Veléio, Suetônio nos diz que:

Exerceu o triunvirato a fim de organizar a Res Publica por dez anos;


no exercício dessa função, lutou por algum tempo contra os colegas
para que não houvesse proscrição, mas, uma vez aprovada, usou
desse recurso mais duramente que um e que outro (SUETÔNIO, O
Divino Augusto XXVII,1).
Capítulo 4. Marco Antônio e Augusto... 267

A narrativa floreana, apesar de ser similarmente crítica, apresenta uma


concepção um tanto quanto diferente, como podemos verificar no trecho abaixo:

A formação do triunvirato seguiu um mau precedente e, com a


derrubada da constituição pelas armas, as proscrições de Sula
voltaram. O ato de maior atrocidade foi o assassinato de cento e
quarenta senadores. Mortes chocantes, brutais e lamentáveis
aguardavam aqueles que escaparam (...) Estes crimes foram o
resultado das listas de proscrições de Antônio e Lépido; César
(Otaviano) contentou-se em proscrever os assassinos de seu pai
(FLORO, Epítome de Tito Lívio II, 16.Grifo nosso)

Desta maneira, para Floro, Otaviano não teria participado dos assassinatos
cruéis cometidos por seus colegas triúnviros. Ele apenas teria utilizado as
proscrições para vingar o assassinato de seu pai adotivo, ao contrário de Antônio e
Lépido, que aproveitaram esta artimanha para eliminar, de uma vez por toda, seus
inimigos.
Com essa acepção, Dión Cássio parece concordar, uma vez que este nos
passa que:

Estes atos foram cometidos, principalmente, por Lépido e Antônio,


pois César os honrou por muitos anos e, como eles detiveram cargos
e governadorias também por um longo tempo, fizeram muitos
inimigos. Porém, César (Otaviano), parece ter participado destas
ações meramente porque eles dividiam a autoridade, desde que ele
mesmo não tinha necessidade nenhuma de assassinar um grande
número de pessoas; já que ele não era naturalmente cruel e havia
sido criado à maneira de seu pai. (...) Então, César salvou tantas
vidas quanto podia (...). (DIÓN CÁSSIO, História Romana XLVII, 7- 8.
Grifo nosso).

Logo, a culpa desses assassinatos não recairia em Otaviano, mas, sim, em


seus colegas triúnviros.
Por conseguinte, as ações dos triúnviros não são em nada elogiosas. No
relato plutarqueano, estes aparecem como homens ávidos por poder e por grandes
somas financeiras, algo que faz com que aumentem os valores dos impostos,
prejudicando, assim, a população romana em geral27. Porém, as ações de Antônio
são as que recebem a maior atenção. Nas palavras de Plutarco:

27Relembramos aqui que, tanto Veléio quanto Plutarco e Suetônio destacam as ações de César
nesse âmbito. Suetônio é o mais expressivo em afirmar que César repensou as questões acerca dos
impostos, chegando a, inclusive, perdoar dívidas por um longo período (SUETÔNIO, O Divino Júlio
XLI.).
Capítulo 4. Marco Antônio e Augusto... 268

Agora, na maior parte, o governo do triunvirato era odioso para os


romanos; e a Antônio cabe a maior parte da culpa, já que ele era
mais velho do que César, mais poderoso que Lépido, e que jogou-se
mais uma vez, tão logo livrou-se das angústias e problemas, em sua
antiga vida de prazeres e esbanjos. E a sua má-reputação somou-se
um grande ódio causado pela casa em que habitava. (PLUTARCO,
Antônio XXI, 1-2)

Antônio, como já salientamos anteriormente, ocupou a casa de Pompeu, na


qual, segundo autores como Plutarco, fez inúmeras mudanças por acreditar que
essa não condizia com a grandeza de seu novo habitante. A destruição do
patrimônio de um dos importantes líderes da Roma republicana, ou seja, a
devastação de parte de sua memória, pode não ter sido bem acolhida por alguns
dos cidadãos que buscavam por exemplos de bons e sóbrios governantes. Essa nos
parece ser uma das críticas realizadas por nosso autor beociano, uma vez que este,
na biografia sobre César, faz questão de destacar a simplicidade deste general tanto
ao morar quanto ao portar-se em meio ao público (PLUTARCO, César XVII, 1-8).
As atividades desempenhadas durante o governo triunviral são amplamente
referendadas pelos cinco autores. Estes, através de enfoques diferentes, dão
preferência em ressaltar a perseguição aos assassinos de César, assim como ao
desempenho dos governantes nos confrontos. Suetônio, de forma mais velada, cita
as ações de Otaviano e Antônio, deixando-nos a entender que a desenvoltura do
herdeiro de César perante as primeiras disputas, não foi das melhores (SUETÔNIO,
O Divino Augusto X, 3-4). Contudo, Plutarco, sobre esse assunto, é um pouco mais
pontual, citando que: “César nada fez de louvável, foi Antônio quem obteve todos os
êxitos e vitórias. ” (PLUTARCO, Antônio XXII, 2). Porém, tanto o autor beociano
quanto Veléio, Suetônio e Dión afirmam que, neste período, Otaviano encontrava-se
doente, o que pode ser a causa, para os autores aqui citados, de seu despreparo
(VELÉIO PATÉRCULO, História Romana II, 70.; PLUTARCO, Antônio XXII, 4.;
SUETÔNIO, O Divino Augusto XIII,1; DIÓN CÁSSIO, História Romana XLVII, 37).
Floro nos diz que o jovem César deixou de lutar pois encontrava-se adoecido,
enquanto Antônio, também ausente do campo de batalha, fugiu de forma
amedrontada e covarde. (História Romana II, 17). Em outras palavras, o herdeiro de
César não participou desta batalha por motivos que não dependiam de sua força de
vontade, ao contrário de Antônio que, deixando à mostra sua índole e seu caráter,
abandona seus soldados.
Capítulo 4. Marco Antônio e Augusto... 269

Após tais batalhas, Plutarco passa a se concentrar nas ações dos triúnviros.
Enquanto o jovem César dirigiu-se para Roma, com intuito de cuidar de sua saúde e
zelar pela segurança da cidade, Antônio viajou para terras estrangeiras 28, onde,
mais uma vez, entregou-se às suas paixões. (PLUTARCO, Antônio XXIV, 1-2). As
excentricidades do triúnviro em terras estrangeiras são extensamente relatadas pelo
autor, que a este ponto, dedica alguns capítulos de sua obra. Em meio a tais
descrições, o autor faz alusão a um componente do caráter de Antônio: a sua
simplicidade. Ou seja, parte do que era considerável negligência de Antônio, era,
para o autor supracitado, culpa da simplicidade deste homem que ainda se
apresentava, de certa forma, ingênuo perante determinados acontecimentos. Esta
mesma suposta ingenuidade, auferida por Plutarco, pode ser a culpada pela
inclinação que Antônio possuía para aceitar, de forma acrítica, os elogios e a
adulação de pessoas variadas, deixando-se, assim, iludir-se (PLUTARCO, Antônio
XXIV, 6-8).
É em detrimento desses traquejares de sua personalidade que Antônio passa
a se relacionar com mulheres de dúbio caráter, tal como a governante ptolomaica,
Cleópatra VII29. Ainda de acordo com as linhas plutarqueanas:

Tal, então, era a natureza de caráter de Antônio, que agora abismou-


se na desgraça pelo amor de Cleópatra, amor que despertou e
desencadeou nele inúmeras paixões adormecidas e sufocou o que,
apesar de tudo, podia ainda existir de bom e saudável em sua alma.
(PLUTARCO, Antônio XV, 1.)

A relação de Antônio com Cleópatra torna-se, a partir deste ponto, o eixo


central da narrativa plutarqueana. A vida do cidadão romano girará em torno de suas
ações sob o jugo desta estrangeira. Aqui, novamente, o autor beociano passa a
realizar um destacamento das atitudes do biografado que demonstram seu caráter,
suas virtudes e seus vícios.
Patérculo também enxerga na relação entre a governante egípcia e o triúnviro
romano as causas da derrocada de Antônio. Para este autor: “Mais tarde, ao
inflamar sua paixão por Cleópatra e como resultado de sua enorme degradação
moral, a qual sempre aumenta ao encontrar possibilidades (...). ” (VELÉIO

28 De acordo com Ramsay MacMullen (1988, p. 514), esta incursão de Antônio por terras estrangeiras
ocorreu por volta de 40 a.C., quando este se encontrava na faixa dos quarenta anos de idade e
estava casado com Fúlvia, sua terceira esposa.
29 A título de demonstração, colocamos a imagem de Cleópatra VII no Anexo XV.
Capítulo 4. Marco Antônio e Augusto... 270

PATÉRCULO, História Romana II, 82). Ou seja, para este autor, a união com a
soberana ptolomaica possibilita que Antônio aumente seus defeitos morais, o que,
futuramente, será a causa da guerra contra Otaviano.
Suetônio refere-se, igualmente, à relação entre Antônio e a herdeira
ptolomaica. No entanto, não se estende muito na descrição desta. O autor destaca a
manutenção destas relações e o que os frutos desta vieram a ocasionar na
sociedade romana: uma nova guerra civil (SUETÔNIO, O Divino Augusto XVII, 1-2).
A narrativa floreana também é bastante profusa sobre este ponto da vida de
Antônio, como podemos notar abaixo:

A loucura de Antônio, uma vez que esta não podia ser apaziguada
pela satisfação de sua ambição, foi trazida a um fim por seu luxo e
libertinagem. Após a expedição contra os partos, ele adquiriu uma
repugnância pela guerra, vivendo uma vida fácil e, escravo do amor
por Cleópatra, permaneceu em seus braços reais como se tudo
estivesse indo bem para ele. A mulher egípcia exigiu do general
bêbado, em troca de seus favores, o Império Romano; e, isto,
Antônio lhe prometeu (...). (FLORO, Epítome de Tito Lívio II, 21)

É nas linhas plutarqueanas e cassianas que aparecem as profusas descrições


do relacionamento estabelecido entre Antônio e Cleópatra. Plutarco aponta desde o
primeiro encontro onde, sabendo do gosto pela excentricidade de Antônio, a
ptolomaica dirige-se a ele em meio a uma gama de artífices luxuosos, que
pretendiam evidenciar a sua riqueza e seu poder. Antônio, que possuía como um de
seus vícios o gosto pela ostentação e por festins, teria ficado admirado, entregando-
se, desde o princípio a esta relação que não lhe seria de nada proveitosa
(PLUTARCO, Antônio XXV, XXVI e XXVII).
Dión Cássio, de forma mais contida, alude ao encontro dos futuros amantes:

Durante esse mesmo período, após a batalha de Filipi, Marco


Antônio viajou para a Ásia, onde arrecadou contribuições das
cidades e vendeu as posições de autoridade; algumas destas
províncias ele visitou pessoalmente e, para outras, enviou homens
de confiança. Enquanto isso, ele apaixonou-se por Cleópatra, que
tinha visto na Cilícia, e, depois disso, não pensou mais em sua honra
e tornou-se escravo da mulher egípcia, devotando seu tempo para
esta paixão. Isto levou-o a fazer muitas coisas ultrajantes (...). (DIÓN
CÁSSIO, História Romana XLVIII, 24.).
Capítulo 4. Marco Antônio e Augusto... 271

Mais uma vez, o amor por Cleópatra é corrosivo. Destrói Antônio, tira-lhe
tudo, inclusive o sentimento de ser romano.
Verifica-se mais um distanciamento realizado pelos autores entre Júlio César
e Antônio. Ambos mantiveram relações com Cleópatra VII, no entanto, César soube
se desvencilhar desta perigosa associação, tornando a se concentrar nos assuntos
pertencentes a Roma e a seus concidadãos. Ao contrário de seu amigo, Antônio não
o fez. Para Plutarco, assim como todos os outros autores, este se deixou levar,
esquecendo-se de seus princípios e de suas responsabilidades perante Roma,
dando mostras de sua personalidade, de suas falhas morais e desvirtuosas.
Na continuação de sua descrição, Plutarco elenca inúmeras atitudes de
Antônio que não condiziam com suas funções romanas:

Conquistou tão completamente Antônio que, no instante mesmo em


que sua mulher Fúlvia lutava em Roma contra César para resguardar
os interesses do marido; em que ele próprio era ameaçado por um
exército parto que pairava sobre a Mesopotâmia (nesta região, os
generais do rei tinham apontado Labieno como comandante chefe e
este já se preparava para invadir a Síria), ele deixou-se levar para
Alexandria. Ali, em meio a jogos e festins de um jovem homem de
lazer, desperdiçava com prazeres aquilo que Antifonte chamava de o
mais precioso dos bens, o tempo. (PLUTARCO, Antônio XXVIII, 1)

Para o beociano, Antônio teria ficado contra sua esposa, além de deixar de
cumprir suas funções para com Roma. Isso levou ao estremecimento das bases que
sustentavam o acordo triunviral com Otaviano e Lépido (PLUTARCO, Antônio XXIX;
XXX). O autor ressalta ainda que, a duras penas, o triúnviro romano acordou de seu
estupor, passando a correr atrás do tempo perdido e tentando, de certa forma,
remediar os funestos acontecimentos (PLUTARCO, Antônio XXX, 1-3). É assim que
novas negociações entre Otaviano, Antônio e Lépido acontecem para o autor,
reestabelecendo por mais anos os acordos políticos entre os três romanos
(PLUTARCO, Antônio XXXI, 1-2)30.
Veléio também destaca a realização desses novos arranjos entre os triúnviros
romanos, salientando o fortalecimento destes a partir do casamento de Antônio com
a irmã do jovem César, Otávia (VELÉIO PATÉRCULO, História Romana II, 76).

30 Em nossas análises, através da leitura da historiografia sobre o tema, percebemos que a


renovação do pacto triunviral ocorre por volta de 40 a.C. Neste momento, Antônio casa-se com a irmã
de Otaviano, Otávia.
Capítulo 4. Marco Antônio e Augusto... 272

Sobre este casamento, Plutarco também nos fala, evidenciando que todos
esperavam que Otávia, mulher inteligente e respeitada, colocasse Antônio nos eixos,
fazendo-o abandonar Cleópatra e seu pendor por atos que não condiziam com sua
posição, assegurando, por conseguinte, a harmonia entre os cidadãos romanos
(PLUTARCO, Antônio XXXI, 1-3). Aspectos semelhantes da vida de Antônio são
narradas por Dión:

Porém, pouco tempo depois eles trouxeram, para a cidade, os dois


governantes montados em cavalos como se estivessem em um
triunfo; concederam-lhes a vestimenta triunfal, permitindo que estes
assistissem o festival sentados em seus assentos governamentais e,
ofereceram a Antônio a irmã de César, Otávia, agora que seu marido
estava morto, apesar desta estar grávida; naquele tempo, no entanto,
eles mudaram seus comportamentos de forma notável. (DIÓN
CÁSSIO, História Romana XLVIII, 31)

Segundo os autores aqui analisados, por um curto período de tempo, os


acordos entre os triúnviros foram mantidos. Plutarco chega a destacar que Antônio
passou a desempenhar suas funções perante a sociedade romana com maior
afinco, chegando a participar, inclusive, de algumas campanhas militares
(PLUTARCO, Antônio XXXIV, 1-6).
Contudo, o período de estabilidade das relações entre Antônio, Otaviano e
Lépido rapidamente acaba. Segundo Patérculo, o jovem César rivaliza com Lépido,
o que vem por desestabilizar, principalmente após a morte deste segundo, os
arranjos políticos já estabelecidos (VELÉIO PATÉRCULO, História Romana II, 80).
Plutarco, em um tom diferente, dá maiores descrições sobre os
acontecimentos que levaram à ruptura das alianças. Para ele, Antônio tem, de início,
um leve descontentamento com César em virtude de certos comentários acerca de
sua pessoa. Otávia, que esperava o seu segundo filho com o esposo, intervém junto
a seu irmão, pelo bem de seu marido e, desta forma, evita que o conflito tome
proporções maiores, restabelecendo relações cordiais no encontro em Tarento
(PLUTARCO, Antônio XXXV, 1-3).
As palavras cassianas igualmente descrevem os novos conflitos entre os
triúnviros. Nestas, a culpa por estes desentendimentos é de Marco Antônio:
Capítulo 4. Marco Antônio e Augusto... 273

César promoveu jogos no Circo Máximo em honra deste evento,


configurando para Antônio uma carruagem em frente a Rostra e
estátuas no templo da Concórdia, dando-lhe, também, autoridade
para realizar banquetes junto a sua esposa e filhos, mesmo que
estes tenham sido votados a sua própria honra. Desta forma, ele
pretendia ainda ser amigo de Antônio e consolá-lo pelos desastres
infligidos pelos partos, e, desse modo, ele tentou curar a inveja que o
outro poderia sentir sobre suas próprias vitórias e decretos que a
seguiram. (DIÓN CÁSSIO, História Romana XLIX, 17.)

O herdeiro de César aparece, neste ponto, como aquele que tenta salvar os
laços com Antônio. Notamos que o autor atribuí a Antônio uma característica
importante: a inveja. Este mesmo sentimento é outorgado pelo mesmo autor a
Pompeu no período das deflagrações civis contra Júlio César. A inveja que tais
homens possuem acerca das vitórias e conquistas de seus pares triúnviros é a
responsável pelas disputas, pelo desvirtuamento apresentado por tais homens. Para
nós, fica evidente que ao imbuir tanto Pompeu quanto Antônio de tal sentimento,
este autor procura destacar as atitudes dos membros da família juliana. Em outras
palavras, as conquistas de Júlio César e seu herdeiro eram tão importantes e
magnificentes que despertavam a inveja e a cobiça daqueles que não conseguiam
se igualar a seus feitos.
Já para Plutarco, o desregramento de Antônio possuí outras raízes, outros
motivos:

Mas o terrível mal que havia estado adormecido por um longo tempo,
ou seja, sua paixão por Cleópatra, que os homens pensavam que
havia se afastado e substituído por melhores considerações, ardeu
novamente com renovado poder quando ele se aproximou da Síria.
(PLUTARCO, Antônio XXXVI, 1)

As falhas e os vícios de Antônio, uma vez mais, são os causadores de sua


derrocada. Ao voltar a se relacionar com Cleópatra, o romano dá as costas para sua
esposa Otávia e, com isso, para a pouca estabilidade que esse laço familiar lhe
proporcionava com seu irmão, Otaviano. Com esta visão concorda Floro:

Ele, no entanto, começou a almejar a soberania – não apenas para si


mesmo – e não secretamente; mas, esquecido de sua origem, de
seu nome, de sua toga e dos emblemas de seu cargo, ele, rápida e
completamente, degenerou-se em um monstro, tanto no sentimento
bem como em trajes e vestidos. Em sua mão estava um cetro
dourado, ao seu lado, uma cimitarra; ele usava um robe púrpuro
Capítulo 4. Marco Antônio e Augusto... 274

cravejado com enormes gemas; uma coroa era a única coisa que lhe
faltava para lhe tornar um rei que flertava com uma rainha. (FLORO,
Epítome de Tito Lívio II, 21)

Assim, Antônio era o único culpado por sua degeneração. Sua relação com
Cleópatra e, por conseguinte, seu pendor pelos artífices de um rei o transformaram
em um monstro. Curioso notar que Floro ressalva que Antônio buscava pelo poder
único e, não, o herdeiro de César, distanciando este último de qualquer
característica autoritária e despótica. Logo, mais um distanciamento é realizado por
este autor entre as imagens de Antônio e o futuro Augusto e, por conseguinte, entre
Antônio e César. Isso porque, parece-nos, que é Antônio que, nas vidas dos outros
dois personagens, estabelece laços com a Monarquia. Em relação a César, é ele,
enquanto cônsul, que lhe oferece o laurel; em um momento posterior, onde
desempenha funções de triúnviro, é ele que almeja tornar-se rei.
O autor beociano ainda enumera várias ações de Antônio que culminaram na
guerra contra Otaviano e, por conseguinte, contra a própria Roma. De início, as
honras prestadas a Cleópatra e o reconhecimento de seus filhos com esta
agravaram, para o autor, o descontentamento dos romanos para com esse cidadão
(PLUTARCO, Antônio XXXVI, 3-4). Para o autor, a relação com Cleópatra alterou,
até mesmo, o resultado das guerras travadas por Antônio, que, em decorrência de
sua ânsia por estar ao lado da soberana alexandrina, iniciou os conflitos em épocas
impróprias, além de fatigar suas tropas e arrecadar, desta forma, o desgosto de seus
soldados, mesmo entre aqueles que nutriam profundo respeito e admiração por seu
comandante (PLUTARCO, Antônio XXXVII , XXXVIII, XXXIX e XL).
Foi em meio a esse caos reinante na vida de Antônio que se estabeleceram
os primórdios de uma nova guerra civil31. Para Plutarco, o estopim é dado quando
Antônio passa a renegar Otávia, sua esposa romana, para estar com Cleópatra.
Segundo o beociano, isso é um dos principais motivos utilizados pelo jovem César
para declarar guerra a Antônio (PLUTARCO, Antônio LIII, 1-2.; LIV, 1-2). Faz-se
necessária a ressalva de que o autor atribuiu a Cleópatra grande parte da culpa por
esse conflito, uma vez que são suas atitudes dissimuladas que levam Antônio a
desamparar Otávia e a sociedade romana (PLUTARCO, Antônio LIII, 3-4).

31Segundo Huzar (1978, p. 98), as primeiras demosntrações de uma nova guerra civil tiveram início
por volta de 38 e 37 a.C., quando Otaviano levanta contra Lépido acusações de traição.
Capítulo 4. Marco Antônio e Augusto... 275

A deflagração civil entre Antônio e Otaviano é abordada pelos cinco autores.


Estes colocam em Antônio a maior parte da culpa, uma vez que seu desregramento
moral fez com que ele declarasse guerra à sua própria pátria (VELÉIO
PATÉRCULO, História Romana II, 82). Por sua vez, Dión Cássio é o autor que nos
apresenta os motivos alegados pelos combatentes:

As causas para a guerra e os pretextos que eles tinham são os que


se seguem. Antônio acusou César de ter removido Lépido de seu
cargo, e de ter tomado posse de seu território e das tropas tanto
deste quanto de Sexto, itens que deveriam ser de propriedade
comum entre ambos; ele demandou metade de tais propriedades
assim que metade dos soldados, os quais deveriam ser alocados
para as localidades itálicas que pertenciam aos dois. César acusou
Antônio de estar apropriando-se do Egito e de outros territórios que
não lhe foram atribuídos, além de ter matado Sexto (a quem, ele
mesmo, tinha a vontade de poupar) e de ter iludido, aprisionado e
acorrentado o rei armênio, o que atribuiu má reputação ao povo
romano. Ele, também, demandou metade dos espólios e, acima de
tudo, ele reprovou a sua relação com Cleópatra e o reconhecimento
de seus filhos com esta, os presentes dados a eles e,
particularmente, porque ele chamava o garoto de Cesarião e estava
inserindo-o na família de César. Estas eram as acusações que eles
fizeram um contra o outro de modo a justificar suas próprias
condutas (...). (DIÓN CÁSSIO, História Romana L,1).

Ao narrar tais questões, Dión estabelece uma diferença entre ele e os outros
autores. Dentre nossos cinco escritores selecionados, Dión Cássio é o único que
descreve os motivos apresentados por ambas as partes para a deflagração da
Guerra Civil. Contudo, as diferenças entre os relatos terminam por aí. O mesmo
autor, logo após descrever os pontos acima, também nos fala acerca dos traquejos
da índole de Antônio. Assim, relata o malquisto divórcio com Otávia (História
Romana L, 3.) e a abertura de seu testamento, onde reconhecia Cesarião como filho
de Cleópatra e Júlio César, além de seus próprios filhos com a soberana.
Consequentemente, doava a essas crianças territórios romanos, inserindo-os nesta
sociedade como seus herdeiros. Tais constatações, assim como o fato do romano
ter determinado que seus restos mortais deveriam ser enterrados em Alexandria,
atitudes que contradiziam os valores e tradições romanas, causaram grande
indignação na sociedade romana de seu tempo. (História Romana L, 3 - 4.)
Suetônio também ressalva o testamento de Antônio. Em suas palavras, o
futuro Augusto:
Capítulo 4. Marco Antônio e Augusto... 276

Finalmente rompeu a aliança sempre dúbia e incerta com Marco


Antônio, mal restabelecida por várias reconciliações, e, para que
pudesse melhor provar que ele tinha degenerado dos padrões de
comportamento civil, fez abrir e ler em público o testamento que ele
deixara em Roma e que também nomeava os filhos de Cleópatra
como seus herdeiros. (SUETÔNIO, O Divino Augusto XVII, 1)

Sobre esse aspecto, Plutarco igualmente nos fala, (PLUTARCO, Antônio


LVIII, 4), acrescentando a isto as cerimônias realizadas pelo próprio romano em
Alexandria, onde este proclamava seus filhos com a ptolomaica como os detentores
de honras divinas e de províncias romanas. Esta atitude, ainda de acordo com
Plutarco, atribuiu-lhe grande ódio e rancor em meio a seus concidadãos
(PLUTARCO, Antônio LIV, 3).
Tais atos geraram a acusação pública de Antônio realizada por César frente
ao Senado romano, o que intensificou a disputa, que, até este momento, ainda não
tinha sido direcionada para o campo de batalha (PLUTARCO, Antônio LV,1- 4; DIÓN
CÁSSIO, História Romana L, 4).
Sobre os embates das tropas, Veléio e Dión Cássio dedicam muitas linhas de
seus relatos. Para o primeiro, estava claro, desde o princípio, qual seria o lado
vencedor; utilizando, inclusive, a nomenclatura de Juliano ao tratar das forças do
herdeiro de César. (VELÉIO PATÉRCULO, História Romana II, 84). O autor,
igualmente, denota atenção ao fato do grande número de desertores das tropas de
Antônio que se uniam às causas de Otaviano (VELÉIO PATÉRCULO, História
Romana II, 84). Ainda sobre a batalha: “Logo chegou o dia mais decisivo, em que
César e Antônio combateram com as esquadras frente a frente, um pela salvação,
outro pela destruição da urbe” (VELÉIO PATÉRCULO, História Romana II, 85).
Logo, podemos notar que Veléio denota à guerra civil um objetivo: enquanto César
lutava para proteger Roma, Antônio, guerreando ao lado do inimigo, personificado
por sua relação com Cleópatra, lutava para destruí-la.
Suetônio, por sua vez, é mais rápido na descrição dos acontecimentos. De
forma sucinta, relata a ebulição do conflito, passando rapidamente aos
acontecimentos finais, tais como a morte de Antônio e Cleópatra e a vitória de
Otaviano (SUETÔNIO, O Divino Júlio XVII, 1-8).
Por sua vez, o autor beociano, que produziu uma biografia inteira de Antônio,
descreve as ações de forma pormenorizada. A princípio, cita as atitudes de Antônio
e Cleópatra perante a configuração hostil que se formava. Para o autor, a
Capítulo 4. Marco Antônio e Augusto... 277

participação da rainha e as ações do cidadão romano em sua presença, faziam com


que muitos dos valiosos apoios do exército de Antônio partissem em retirada,
passando a integrar as tropas de Otaviano (PLUTARCO, Antônio LVII e LVIII).
Interessante notar é que Plutarco e Dión Cássio ressalvam uma questão que
não aparece nas obras dos outros autores. Eis o que eles nos falam:

Quando César já contava com preparativos suficientes, votou-se


para que se decretasse guerra contra Cleópatra e para que se tirasse
de Antônio a autoridade a qual ele tinha rendido a uma mulher. A
isto, César adicionou que Antônio tinha sido enfeitiçado e que não
era mais senhor de si mesmo, e que os romanos guerreavam contra
o eunuco Madião, Potino, Iras, a dama de companhia de Cleópatra e
Charmian, justamente os encarregados por gerir os principais
assuntos do governo. (PLUTARCO, Antônio LX, 1)

Esta foi a razão pela qual eles votaram pela guerra contra Cleópatra,
porém eles não fizeram declaração igual contra Antônio, na realidade
sabendo, muito bem que ele iria se tornar um inimigo, uma vez que
não se voltaria contra ela e defenderia César, e eles desejavam ter
esta última acusação contra ele, onde ele teria voluntariamente
iniciado uma guerra ao lado da mulher egípcia contra seu próprio
povo (...). (DIÓN CÁSSIO, História Romana L, 6.)

Logo, o beociano expõe os motivos para a guerra alegados por Otaviano. Não
se tratava de uma guerra civil, uma vez que a disputa não era entre dois cidadãos
romanos. Antônio estava compelido por forças misteriosas, não era mais senhor de
si mesmo. A guerra era contra um reino e contra uma rainha estrangeiros, contra
Cleópatra e seus súditos. Para Dión, um pouco mais crítico, a guerra contra
Cleópatra configurava-se em um pretexto para desviar a atenção do verdadeiro
motivo: a guerra contra Antônio.
Por conseguinte, o beociano trata a respeito dos presságios que, desde o
princípio da batalha, anunciavam o vencedor. Segundo este autor, estes indicavam
grandes problemas para o lado de Antônio (PLUTARCO, Antônio LXI, 1-3).
Sobre o combate em si, tanto Veléio quanto Plutarco, Floro e Dión Cássio nos
informam. O primeiro é bastante profícuo ao relatar os passos da contenda, a qual
teve seu ápice em uma batalha naval, em Áccio 32 (VELÉIO PATÉRCULO, História
Romana II, 85-86). O desfecho da disputa, assim como a fuga de Antônio, é-nos
bastante expressiva, como podemos observar no trecho a seguir:

32 Noma Musco Mendes (2006, p. 26) e Canfora (2002, p. 380) situam a batalha de Áccio em 31 a.C..
Capítulo 4. Marco Antônio e Augusto... 278

Cleópatra foi a primeira a empreender a fuga, Antônio preferiu


acompanhar a rainha fugitiva que permanecer com seus soldados
em combate, e o general que deveria ter sido duro com seus
desertores, desertou de seu próprio exército. (VELÉIO PATÉRCULO,
História Romana II, 85)

O escritor militar dá vulto à fuga de Cleópatra e de Antônio, deixando claro


como enxerga esse ato. Salienta ainda como o exército deste general, apesar de ter
sido abandonado por seu principal comandante, continua bravamente a lutar,
mesmo sabendo que a vitória não poderá mais ser alcançada. O papel de César,
como um homem clemente e piedoso, que: “ (...) querendo render com as palavras
aqueles que podia vencer com a espada (...).” (História Romana II, 85), também é
muito destacado pelo autor, que torna a descrever as ações do herdeiro julio-
claudiano no intuito de resguardar as vidas dos cidadãos romanos, mesmo aqueles
que o combateram.
Em Floro, encontramos exposição semelhante, uma vez que este diz que: “ A
rainha liderou a retirada, colocando em mar aberto sua embarcação dourada com
velas púrpuras. Antônio rapidamente a seguiu; porém, César, logo partiu em seu
encalço.” (FLORO, Epítome de Tito Lívio II, 21)
Plutarco também analisa de forma pormenorizada a batalha de Áccio. Assim,
destaca a composição das tropas de Antônio e Cleópatra, seus aliados e sua
formação (PLUTARCO, Antônio LXI, 1-3). Para o autor, foi sob o jugo de Cleópatra
que Antônio, apesar de possuir grande superioridade em terra, opta por um
confronto naval. Os barcos de Antônio ostentavam luxo, exibiam as riquezas
alexandrinas; porém, os de César, apesar de serem mais simples, eram mais
rápidos e eficientes, além de possuírem todos os efetivos (PLUTARCO, Antônio
LXII, 1-2).
O beociano também cita o grande número de deserções que assolaram as
tropas de Antônio, desistências que foram ocasionadas tanto por Cleópatra quanto
pela derrocada da batalha que, ao invés de ser em solo firme, ocorria em águas
marítimas (PLUTARCO, Antônio LXIII, 1-2). É também em detrimento de Cleópatra,
que o próprio Antônio abandona suas tropas:

Foi então que Antônio demonstrou claramente que não estava sendo
dirigido nem pelo pensamento de um comandante nem pelo
pensamento de um bravo homem, nem ao menos pelo seu próprio,
mas, como alguém brincando certa vez afirmou que a alma de um
amante habita outro corpo, ele se viu arrastado por aquela mulher,
Capítulo 4. Marco Antônio e Augusto... 279

como se ambos fossem um só e ele tivesse que estar onde ela


estava. Tão logo viu a embarcação desta partindo, esqueceu-se de
tudo, traindo e abandonando aqueles que lutavam e morriam por sua
causa, subiu em um quinquerreme, acompanhado apenas pelo sírio
Alexas e por Esquélio, e apressou-se em acompanhar a mulher que
já havia lhe arruínado e agora tornaria esta ruína ainda mais
completa. (PLUTARCO, Antônio LXVI, 4-5)

O abandono do campo de batalha por Antônio parece ser motivo de crítica,


tanto de Plutarco quanto de Veléio. Neste evento, o beociano mostra-nos que,
apesar do abandono de Antônio, sua frota resistiu longamente ao assédio de César,
recusando-se a acreditar que o homem pelo qual lutavam havia os abandonado.
Somente após sete dias, quando a vitória já estava perdida, os soldados de Antônio
desistiram, passando para o lado de César (PLUTARCO, Antônio LXIII, 1-3).
Em Dión Cássio, o relato de tais acontecimento difere-se um pouco. De
acordo com este autor, Cleópatra havia sido informada do desfecho da batalha de
Áccio por presságios, ficando alarmada e preenchendo Antônio com temores. Eles
não desejavam bater em retirada da batalha secretamente ou, até mesmo,
publicamente. Sabiam que se permanecessem, infligiriam em seus inimigos medo,
ao mesmo tempo que ocasionariam a confiança em seus seguidores. Por isso,
teriam optado por permanecerem, mas sem deixarem de ter uma segunda opção,
que estaria no preenchimento de sua embarcação com todos seus itens mais
valiosos. (DIÓN CÁSSIO, História Romana L, 15.) A fuga se dá quando:

Cleópatra, montando âncora atrás dos combatentes, não conseguiu


suportar a longa e ansiosa espera até uma decisão ser alcançada,
mas, fiel à sua natureza de mulher egípcia, encontrava-se torturada
pela agonia do longo suspense e temerosa acerca dos possíveis
desfechos, repentinamente optou pela fuga (...). (DIÓN CÁSSIO,
História Romana L, 33.)

Antônio, ao ver que Cleópatra batia em retirada, confundiu-se, acreditando


que a decisão para a retirada tivesse sido tomada por seus seguidores, e, por este
motivo, abandona o campo de batalha. (DIÓN CÁSSIO, História Romana L, 33 –
34).
Os autores aqui selecionaods ainda nos falam que Antônio, após empreender
fuga, refugiou-se em Alexandria para aguardar o resultado final da batalha de Áccio.
Segundo as linhas plutarqueanas, ao saber que suas tropas e seu aliados haviam
debandado para o outro lado, o general pareceu sentir-se aliviado, voltando a
Capítulo 4. Marco Antônio e Augusto... 280

emergir nos festins, nas bebedeiras e nas libertinagens com Cleópatra (PLUTARCO,
Antônio LXXI, 1-2; FLORO, Epítome de Tito Lívio II, 21; DIÓN CÁSSIO, História
Romana LI, 1-5 ).
De acordo com o Plutarco, o jovem César chegou às terras alexandrinas,
montando o cerco a Antônio. Este, por sua vez, tentou defender-se. Aqui,
novamente deu provas de seu desempenho no campo de batalha (PLUTARCO,
Antônio LXXIV,2-4.; LXXV,1). Contudo, até mesmo o deus Dionísio, com o qual
Antônio procurava se assemelhar, abandonou -o (PLUTARCO, Antônio LXXV, 4).
Em seguida, o restante de suas tropas, as quais também eram formadas por
soldados alexandrinos, debandou-se para o lado cesarino (PLUTARCO, Antônio
LXXVI, 1-2).
Para Dión Cássio, a trama que envolveu Cleópatra e Marco Antônio após a
derrota em Áccio, é um pouco mais complexa. Em suas descrições, o autor deixa-
nos entrever que a soberana ptolomaica, ao perceber que a influência de Antônio
junto a Roma esvaia-se, dá início a novos planos. Estes, por sua vez, envolviam o
estabelecimento de relações diretas com o herdeiro cesarino em troca dos laços que
a mantinham conectada a Antônio. Por fim, Cleópatra estaria disposta a abandonar
aquele que deixou Roma por ela. (DIÓN CÁSSIO, História Romana LI, 6).
É através de seus ardis que Cleópatra, para este autor, leva Antônio para sua
morte. Dión nos diz que Antônio suspeitava que estava sendo enganado por sua
consorte, mas, a sua paixão pela mesma era maior que a que nutria por si mesmo.
Assim, acreditando que ela estava morta, o romano feriu-se com uma adaga. (DIÓN
CÁSSIO, História Romana LI, 10-11).
A morte de Antônio também é extensivamente narrada por Plutarco. Assim
como nas linhas cassianas, até mesmo nessa ocasião, a culpa pelo seu suícidio
recai sobre a rainha ptolomaica. Ele se mata por acreditar que ela estava morta
(PLUTARCO, Antônio LXXVI e LXXVII). A reação de César, ao saber da notícia do
suícidio é também referendada. Nas palavras do autor: “ Ante a notícia, César
retirou-se para os fundos da tenda e chorou por aquele que fora seu parente, seu
colega e companheiro em tantos combates e empreendimentos.” (PLUTARCO,
Antônio LXXVIII, 2).
Sobre os acontecimentos após a morte de Antônio, Dión e Floro igualmente
destacam que Cleópatra, percebendo a importância que o herdeiro de César
adquirira perante Roma, tenta persuadi-lo com os mesmos estratagemas que utilizou
Capítulo 4. Marco Antônio e Augusto... 281

com Júlio César e Antônio. Entretanto, os autores são unânimes em dizer que o
jovem César não sucumbiu em face das artimanhas da rainha. A beleza da
ptolomaica, assim como a sua fala cativante e inebriante, não eram páreos para o
autocontrole e a determinação daquele que um dia iria ser nomeado como Augusto.
(FLORO, Epítome de Tito Livio II, 21; DIÓN CÁSSIO, História Romana LI, 11-13).
No desenrolar da narrativa veleiana, podemos encontrar também referências
à atitude do jovem César perante sua vitória e na perseguição aos fugitivos, Antônio
e Cleópatra. Novamente, Veléio a descreve como clemente:

Antônio não tardou em suicidar-se, sendo que com sua morte expiou
seus numerosos crimes (consequências) de sua negligência. De sua
parte, Cleópatra, depois de burlar seus guardas, servindo-se de uma
áspide, sem sentir o temor próprio de uma mulher, morreu da picada.
E foi digno da fortuna e da clemência de César o fato de que nenhum
dos que haviam pegado em armas contra ele, fora morto por ele ou
por ordem dele. (VELÉIO PATÉRCULO, História Romana II, 87)

Em Suetônio, a descrição difere-se um pouco. Para este autor, parte da culpa


da morte de Antônio recai sobre César, uma vez que: “Certamente impeliu Antônio,
que tentava negociar a paz tarde demais, à morte, e viu-o morto.” (SUETÔNIO, O
Divino Augusto XVIII, 5). Ao mesmo tempo, o autor relata que este também tentou
impedir a morte de Cleópatra, pois esta lhe seria de muita utilidade em seu triunfo
(SUETÔNIO, O Divino Augusto XVIII, 6). Na mesma instância, matou um dos filhos
de Antônio com a soberana, assim como o com Fúlvia e o suposto filho de Caio Júlio
César, Cesarião33 (SUETÔNIO, O Divino Augusto XVIII, 7). Porém, o jovem futuro
governante romano demonstra seus ares de clemência quando concede a ambos,
Antônio e Cleópatra, a honra do sepultamento em conjunto, terminando a construção
do mausoléu que Cleópatra havia iniciado em Alexandria (SUETÔNIO, O Divino
Augusto XVIII, 6). Plutarco estende essa largueza de César às servas que morreram
junto a Cleópatra, prescrevendo-lhes cerimônias honrosas (PLUTARCO, Antônio
LXXXVI, 4)
Visão semelhante dos acontecimentos é apresentada por Dión. Em suas
linhas, descreve como Cleópatra, ao suicidar-se com uma áspide, causou profundo
pesar no governante romano, que pretendia exibi-la em seu triunfo. (DIÓN CÁSSIO,

33 Plutarco também relata o desejo de Otaviano de ter Cleópatra como prisioneira em seu desfile
triunfal (PLUTARCO, Antônio LXXXIV,1-2), assim como os assassinatos do filho da soberana com
Antônio e deste com Fúlvia (PLUTARCO, Antônio LXXXI, 1-3).
Capítulo 4. Marco Antônio e Augusto... 282

História Romana LI, 14-15). Apesar disto, o mesmo, vendo que não havia nada a
seu alcance que pudesse ressuscitar a soberana, demonstra certa admiração pela
coragem apresentada pela rainha em seus minutos finais. (DIÓN CÁSSIO, História
Romana LI, 15). Contudo, apesar desta semelhança entre as palavras de Dión e as
narrativas dos outros autores, encontramos um ponto destoante entre os mesmos.
Enquanto Suetônio e Plutarco relatam que os filhos de Antônio e, também os desse
com Cleópatra, foram perseguidos e assassinados, Dión defende que Antilo34 e
Cesarião35 foram mortos, mas Cleópatra, Alexandre e Ptolomeu36 tiveram suas vidas
poupadas. (DIÓN CÁSSIO, História Romana LI, 15).
Plutarco, no final de sua biografia, remete-se à construção genealógica dos
herdeiros de Antônio, sete filhos com três mulheres diferentes. Para o autor, Otávia,
após a morte de Antônio, criou todos como se fossem seus. Os herdeiros de Antônio
vieram a ocupar grandes cargos imperiais, sendo que dois foram nomeados
imperadores. Porém, até mesmo nestes, as reminiscências do caráter de Antônio
são prejudiciais. Para o autor, Nero Germânico era o quinto descendente de Antônio
e sobre este, informa-nos que: “(...) é aquele que reinou em nossa época, matou a
mãe e quase arruinou o império romano com suas loucuras. ” (PLUTARCO, Antônio
LXXXVII, 3).
A comparação que Plutarco faz entre Demétrio37 e Antônio, seus pares
biográficos, também é bastante expressiva. Segundo o autor, ambos
experimentaram grande poder e intensas mudanças da fortuna. O macedônico
herdou o império de seu pai, algo conquistado por sua família e ampliado durante o
seu governo. O romano, por sua vez, apesar de não nascer em meio a uma família
de grande reputação, ousou buscar o poder de César, poder este que não lhe era
direito e que, mesmo assim, tentou assumir. As intenções de Antônio, por sua vez,
também diferem daquelas de Demétrio. Em sua concepção, Antônio, de forma
despótica e violenta, tentou dar continuidade aos desejos de César, ou seja,
aspirava a uma monarquia. Demétrio, pelo contrário, lutou por libertar a Grécia das
garras de seus dominadores (PLUTARCO, Comparação entre Demétrio e Antônio I,
1-4). Ainda, segundo o autor: “Ambos cometeram excessos em tempos de
prosperidade, deixando-se levar aos deboches e prazeres. Não se pode, entretanto,

34 Marco Antônio Antilo, filho de Marco Antônio com Fúlvia.


35 Suposto filho de Júlio César com Cleópatra.
36 Filhos de Marco Antônio com Cleópatra.
37 Trata-se de Demétrio II, filho de Antígono, soberano da Macedônia.
Capítulo 4. Marco Antônio e Augusto... 283

dizer que Demétrio, até no auge das festas e orgias, tenha perdido ocasião de agir. ”
(PLUTARCO, Comparação entre Demétrio e Antônio III,1). Pelo contrário, Antônio
desvirtuou-se de seus empreendimentos inúmeras vezes, seja por culpa de seus
desejos íntimos, seja por culpa de Cleópatra. Renunciou, inclusive, à sua possível
vitória em Áccio, refugiando-se em meio a estrangeiros (PLUTARCO, Comparação
entre Demétrio e Antônio III, 3-4). Também, em oposição a Demétrio, que contraiu
inúmeros casamentos, mas foi respeitoso com todas as suas mulheres, o romano
chegou a ter duas esposas ao mesmo tempo, renegando sua consorte romana,
legítima e respeitosa, por uma estrangeira, a qual foi a origem da maioria de seus
males (PLUTARCO, Comparação entre Demétrio e Antônio IV, 1-3).
Antônio, para o nosso autor, não demonstrou respeito nem com sua família,
nem com seus amigos e aliados. Abandonou aqueles que lhe proporcionaram as
maiores e mais belas vitórias (PLUTARCO, Comparação entre Demétrio e Antônio
V). Por último, podemos notar um elogio da parte de Plutarco a Antônio. Em suas
palavras: “O fim de Antônio foi covarde, vergonhoso e digno de piedade, porém, ao
menos, antes que seu inimigo se tornasse mestre de sua vida. ” (PLUTARCO,
Comparação entre Demétrio e Antônio VII, 2).
Para Dión Cássio, Antônio e Cleópatra causaram muito mal, tanto aos
egípcios quanto aos romanos. De acordo com esse mesmo autor, Antônio mostrou-
se incapaz de compreender as funções e deveres que sua posição junto a Roma
exigiam, cometendo, assim, muitos atos insensatos. Apesar de algumas vezes o
mesmo se distinguir por sua bravura, a maioria de suas ações falhavam por sua
covardia. Ele demonstrou compaixão para muitos que não a mereciam, mas puniu
muitos outros injustamente. Em outras palavras, a cada virtude apresentada por tal
homem, somavam-se várias falhas. (DIÓN CÁSSIO, História Romana LI, 18). A
maior desta estava em sua constante oposição ao herdeiro de César, futuro
Augusto.
Opostas às imagens discursivas sobre Marco Antônio, deparamo-nos com as
construções sobre Augusto. Seu caráter, sua moral, são compostos de todas as
características que faltavam em seu inimigo político, Antônio. Assim, após a morte
deste último, a figura deste jovem romano irá resplandecer na Roma de seu tempo,
projetando-se, inclusive, em momentos posteriores.
Capítulo 4. Marco Antônio e Augusto... 284

As narrativas de Veléio e de Suetônio após as batalhas entre César e Antônio


direcionam-se para o mesmo ponto: para as descrições acerca das atitudes do novo
governante romano. De acordo com Patérculo:

(...) com que abundância e com que atitude favorável de todos os


cidadãos, de todas as idades e ordens sociais, foi recebido César em
seu retorno a Roma, que magnificiência teve seu triunfo, quantas
foram as recompensas, não se pode expressar de uma maneira que
seja suficiente entre os conteúdos de uma narração regular, ainda
mais na nossa tão limitada. Nada podem pedir os homens aos
deuses e nada podem conceder os deuses aos homens, nenhum
desejo conceber ou realizar felizmente que César após a sua volta a
Roma não apresentasse ao estado, ao povo romano e ao mundo.
(VELÉIO PATÉRCULO, História Romana II, 89)

Chama-nos a atenção, no trecho acima arrolado, o fato de que Veléio afirma


que o jovem César, após a guerra contra Antônio, contava com o apoio de todos os
cidadãos romanos. Em nossa acepção, encontramos aqui a construção da imagem
de bom governante em torno da figura do futuro Augusto, a qual vai referendar o
reflexo da imagem augustana dentro do sistema político do Principado Romano.
Suetônio e Dión Cássio igualmente abordam as realizações de César após
suas vitórias em Áccio e Alexandria. Nesse ponto de suas obras, em meio às
descrições das ações do governante, é que podemos encontrar a exposição de seu
caráter, virtudes e vícios. De início, a narrativa suetoniana salienta que, assim como
o fez seu pai adotivo, o herdeiro de César, ao estar em Alexandria, vai ao encontro
dos restos mortais de Alexandre, o Grande (SUETÔNIO, O Divino Augusto XVIII, 1).
É curioso notar como a figura deste macedônico se faz presente nas biografias tanto
de Plutarco quanto de Suetônio, sempre relacionadas a César e a Augusto. O
mesmo podemos encontrar em Veléio, que chega a comparar as qualidades de Júlio
César e Alexandre. Os governantes romanos são descritos como portadores de
grande admiração por aquele que, desde muito jovem, conquistou e governou
grande número de territórios. Seria como se Alexandre servisse como um exemplo a
ser seguido, admirado, contemplado. Como reflexo disso, encontramos na obra
suetoniana, a menção de que Augusto fez uso nos documentos oficiais, durante
certo período, de uma imagem de Alexandre Magno (O Divino Augusto L, 1).
Dión, apesar de não mencionar o encontro do jovem César com os restos
mortais de Alexandre, da mesma forma destaca como a índole deste personagem
lhe proporcionou boa fortuna. Assim, descreve como, em meio ao seu quinto
Capítulo 4. Marco Antônio e Augusto... 285

consulado, o jovem César foi proclamado Imperator. Nesse momento, é curioso


percebermos que o autor estabelece uma diferenciação entre este título republicano
e o que era recebido pelo governante. Segundo tais explanações, o herdeiro de
César já havia recebido o título militar, que fazia alusão às suas várias conquistas no
campo de batalha, muitas vezes antes. Contudo, nesta ocasião, a denominação
como Imperador recebe uma roupagem mais política, significando a posse do poder
supremo. (DIÓN CÁSSIO, História Romana LII, 41).
Este poder é ainda intensificado quando o mesmo homem recebe outro
importante título de origem republicana, o de Princeps. No período republicano, essa
titulação significava o primeiro dentre os homens do Senado, o primeiro entre iguais,
por isso, Princeps Senatus. Durante o governo do futuro Augusto, esta alcunha irá
modificar-se e, apesar de ainda apresentar suas características republicanas,
modifica-se com o passar do tempo, alterando, por conseguinte a posição do
homem que a recebe. Isso acontece pois aquele que é nomeado Princeps, detém
em sua mão outros poderes, outras atribuições que centralizam, de certa forma, o
comando em um só homem. Tem-se, de tal maneira, o início do que conhecemos
como Principado.
Os feitos militares desse governante, suas conquistas de terras estrangeiras,
tais como a Cantábria, a Aquitânia, a Panômia, a Dalmácia e toda a Ilíria são
avultadas por autores como Suetônio e Floro.( SUETÔNIO,O Divino Augusto XXI, 1-
2; FLORO, Epítome de Tito Lívio II, 22 - 34). Sobre isso, o primeiro nos fala ainda
que:

Não levou a guerra a povo algum sem causas justas ou necessárias,


e a tal ponto esteve alheio ao desejo de aumentar seu poder ou sua
glória militar, que obrigou os príncipes de algumas nações bárbaras a
jurarem no templo de Marte Vingador que lhe permaneciam leais e
dentro dos limites de paz que rogavam. (SUETÔNIO, O Divino
Augusto XXI, 3)

Nas linhas desse autor, o governante romano aparece como um homem justo,
o qual só guerreava por causas justas e necessárias. O mesmo autor, em um
momento posterior, fala-nos que o herdeiro de César possuía, tanto em Roma
quanto nas províncias e regiões estrangeiras, a fama de ser um homem valoroso e
moderado (SUETÔNIO, O Divino Augusto XXI, 5).
Capítulo 4. Marco Antônio e Augusto... 286

A suposta estabilidade trazida por este governante ainda é avultada por


Suetônio quando este nos diz que, como já citamos no capítulo anterior, durante os
longos anos de seu governo, o templo de Jano Quirino foi fechado por três vezes.
(SUETÔNIO, O Divino Augusto XXII, 1).
Ao assumir o Pontificado Máximo, ainda de acordo com Suetônio, o herdeiro
de César, aumentou o número e o prestígio dos sacerdotes, assim como seus
privilégios, principalmente o das vestais. Nessa mesma função, restaurou alguns dos
cerimoniais antigos, tais como os jogos seculares38 e compitais39 e as festividades
dos Lupercais (O Divino Augusto XXXI, 1-3). Sobre este quesito, como já
ressaltamos, Veléio também nos fala. Aqui, podemos encontrar, novamente,
algumas aproximações com Júlio César, uma vez que os autores destacaram as
mesmas funções desempenhadas por ele e por seu herdeiro.
Suetônio, no desenrolar de sua narrativa, dá maiores exemplos das atitudes
de seu biografado que exprimem sua personalidade. Para este autor, ele aparenta
ares de homem justo, uma vez que toma medidas para acabar com as tabuletas dos
antigos devedores do erário, sendo que estas se constituíam na principal causa de
acusações injustas e indevidas (O Divino Augusto XXXII,2-3). Ainda sobre a
administração da justiça no governo augustano, Suetônio nos diz que:

Ele mesmo ministrou a justiça com assiduidade, algumas vezes noite


adentro; se não estivesse bem de saúde, desempenhava suas
funções com a liteira postada em frente ao tribunal ou até mesmo
deitado em sua casa. No exercício dessa função, não só agiu de
forma sumamente zelosa, mas também com brandura. (SUETÔNIO,
O Divino Augusto XXXIII, 1)

Suetônio atribuiu a Júlio César a mesma conceituação de homem obstinado,


zeloso, justo e brando que nota pertencer também a Augusto, qualidades que não
aparecem nas descrições sobre Marco Antônio. Em nossa concepção, aqui jaz mais
um dos aspectos semelhantes entre os dois governantes da família dos Júlios. A
mencionada justiça aplicada pelo herdeiro de César também aparece na obra
veleiana, quando este autor cita que Augusto foi o responsável por colocar em novos
eixos a justiça que se encontrava, até então, em profunda instabilidade (História
Romana II, 89 – 90).

38 Eram jogos instituídos pelos livros Sibilinos, os quais se realizavam, em geral, a cada cem anos em
louvor de divindades como Apolo e Plutão.
39 Festividades realizadas em honra dos Lares Compitais, protetores das encruzilhadas.
Capítulo 4. Marco Antônio e Augusto... 287

Como ressaltamos anteriormente, o autor militar também destaca que o futuro


Augusto restabeleceu o Senado em sua “dignidade suprema” (História Romana II,
89). O mesmo podemos encontrar na obra suetoniana, como mostra o trecho a
seguir:

Fez tornar o grupo crescente de senadores, uma turba disforme e


confusa – pois eram mais de mil, alguns indigníssimos e aceitos
depois da morte de César por favor ou recompensa, a quem o povo
chamava de orcini40, - ao antigo número e honradez
(...).(SUETÔNIO, O Divino Augusto XXXV, 1).

Logo, o governante surge mais uma vez como um respeitador das tradições
republicanas, uma vez que restaura a glória de sua principal instituição política: o
Senado Romano. O respeito por essa instituição surge, inclusive, no tratamento do
governante a seus membros. Segundo o autor, este romano saudava a todos pelo
nome, os quais sabia de cor, e nunca se negou a participar das solenidades de cada
um (O Divino Júlio LIII, 3). Mais uma vez, tais aspectos distinguem este personagem
de seu opositor, Antônio. A este, inúmeras vezes, nas obras dos cinco autores
selecionados, foi conferida a aspiração pelo poder real. Este desejo era exposto
tanto por suas ações quanto pelas vestimentas e adornos que tal homem utilizava.
Outras atitudes do jovem César são comumente citadas tanto por Suetônio
quanto por Veléio. O primeiro, parece-nos, faz questão de salientar que este
governante, assim como fez seu pai adotivo, mostrou ser possuidor, em tempos
propícios de grande liberalidade para com seus concidadãos. Assim,
frequentemente fez doações ao povo romano, não se esquecendo nem mesmo das
crianças menores que, geralmente, não faziam parte da distribuição. Este “gesto de
bondade” estendeu-se, inclusive, durante as crises de abastecimento, onde este
homem distribuiu trigo para cada pessoa por valores irrisórios (O Divino Augusto XLI,
3). O apreço pelo povo surge também quando o mesmo governante passa a permitir
que esta parcela da população participe até das audiências comuns, mostrando-se,
portanto, sempre disposto a acolher os seus pedidos e súplicas (O Divino Augusto
LIII, 2).
Sobre as ações que caracterizam este personagem como um bom
governante, ainda encontramos inúmeros vestígios nos escritos de Suetônio. Como

40O nome orcini, dado a esses senadores, provém de Orcus, o deus da morte entre os romanos, em
alusão ao fato de que apenas foram admitidos à função após a morte de César.
Capítulo 4. Marco Antônio e Augusto... 288

já pontuamos no Terceiro Capítulo, a realização de espetáculos e de jogos


gladiatórios possui grande importância nos meios político e social romanos. Nesse
quesito, as ações do legatário cesarino também são de grande valor, uma vez que:
“Superou a todos pela frequência, variedade e magnificência dos espetáculos (...)”
(O Divino Augusto XLII, 1).
O autor cita ainda provas da benevolência deste personagem romano, não só
para com os cidadãos, estrangeiros e demais habitantes provincianos, como
também para com seus inimigos. De acordo com Suetônio, mesmo a estes últimos o
governante concedeu o perdão, permitindo que estes ocupassem cargos de grande
importância em Roma (O Divino Augusto LI, 1-3). Assim, notamos mais um
distanciamento entre Augusto e Antônio, sendo que este último foi caracterizado por
Plutarco como um homem que não era benevolente nem com seus amigos, nem
com os demais habitantes de Roma.
Para Floro e Dión Cássio, é como fruto de suas ações perante o povo e o
Senado, que o então César recebe o título de Augusto. (FLORO, Epítome de Tito
Lívio II, 33; DIÓN CÁSSIO, História Romana LIII, 16). De acordo com Suetônio:

O conjunto de cidadãos atribuiu-lhe o título de Pai da Pátria com


repentino e total consenso: primeiramente a plebe, por uma legação
enviada a Âncio; em seguida, porque não o aceitava, através de um
significativo número de pessoas coroadas de louro, durante certa
ocasião em que se dirigia aos espetáculos em Roma; logo depois,
recebeu-o na cúria senatorial, não por decreto ou aclamação, mas
através de Valério Messala. Esse homem disse em nome de todos:
“que o bem e a ventura estejam contigo e com tua família, ó César
Augusto!, pois, assim julgamos rogar eterna ventura e êxito para
essa república: o senado, em comum acordo com o povo romano,
saúda-te como Pai da Pátria”. Augusto respondeu-lhes entre
lágrimas com tais palavras – pois eu as cito literalmente, assim como
as de Messala – “realizados os meus votos, o que mais, ó
senadores, devo suplicar aos deuses imortais, a não ser que me seja
permitido manter esta vossa aprovação até o último dia de minha
vida?”. (Suetônio, O Divino Augusto LVIII, 1-2)

De acordo com Suetônio, a nomeação como Pai da Pátria é feita por todas as
instâncias da sociedade romana: pelo povo e pelo senado. Assim, a aclamação
adquire os ares de uma nomeação completa, sem oposição.
Ainda sobre as demonstrações de amor a este governante por seus
concidadãos, Suetônio ressalva as oriundas de reis e aliados estrangeiros, que
fundaram cidades com o nome de Caesarea para homenageá-lo (O Divino Augusto
Capítulo 4. Marco Antônio e Augusto... 289

LX, 1). Por conseguinte, salienta que até em meio a seus libertos foi nutrido de
grande estima (O Divino Augusto LXVII, 1).
É na ocasião de sua morte que, mais uma vez, o povo demonstra todo
respeito e estima que mantinha por aquele que chamavam de Augusto. Como já
destacamos, Augusto morre, de acordo com nossos autores, em Nola, no ano 14
d.C. Seus restos mortais são queimados em Roma, ocasião onde muitos dos
presentes afirmam ter visto o espectro do morto ascender ao céu. Ao contrário de
Júlio César e Antônio, a morte de Augusto é tranquila, quando este já contava com
idade avançada. Nossos autores deixam transparecer que isto é decorrente das
ações que praticou durante a sua vida que foi muito proveitosa, tanto para ele
quanto para aqueles que governava.
Assim, terminam os relatos acerca da vida de Antônio e de Augusto. Cada
autor à sua própria maneira, seguindo suas concepções e as formas de escritas por
eles selecionadas, descrevem e analisam as vidas destes importantes personagens
do republicano romano.
Antônio e suas ações aparecem como uma espécie de pano de fundo, na
maior parte da obra de nossos autores, sempre conectadas a Júlio César ou a
Otaviano. Isso pode ser fruto tanto da abordagem de tais autores que, como
salientamos, enfatizam suas descrições em torno de determinados personagens e
imperadores romanos; quanto ao papel que tais escritores atribuem a Antônio.
Plutarco já denota maior importância às ações deste romano perante Roma e aos
eventos do período. Para ele, cria uma biografia própria, algo que não podemos
encontrar em outros escritores do período. Nesta, suas ações são descritas de
forma pormenorizada, destacando-se seus vícios, suas virtudes, seu caráter e sua
moral.
Em um viés diferente, temos Augusto. Este se constitui como um tipo de
personagem principal, sendo constantemente retratado a partir de diversos pontos,
contudo, com uma imagem que parece prevalecer em todas as obras por nós
analisadas. Augusto é o retrato do bom governante, herdeiro de Júlio César e bom
Princeps, enquanto Marco Antônio é personificado como sua antítese.
Logo, mesmo com a constatação de diferenças nas obras de nossos autores,
chamam-nos a atenção as semelhanças que estão nas informações que tais autores
nos passam, nas descrições acerca de Antônio e na conceituação da personalidade
deste personagem. Descrições que, mais uma vez, utilizam-se da tradição romana
Capítulo 4. Marco Antônio e Augusto... 290

no intuito de legitimar tanto a figura de Princeps como o sistema político do


Principado Romano. Em nossa concepção, cada autor fala à sua própria maneira,
mas todos buscam legitimar o sistema político do Principado como um todo e, para
isso, fazem uso das descrições de Júlio César, Marco Antônio e Augusto.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

“ A questão, no contexto de Augusto,


não é apenas o mito da Idade de Ouro
em si, mas sim, o mito da Idade de
Ouro de Augusto. ”

Karl Galinsky
Considerações Finais 292

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir de tudo o que expusemos até agora, faz-se possível perceber


que no decorrer de nosso doutoramento analisamos as obras de cinco autores
inseridos em momentos distintos do arco cronológico do Principado Romano.
Veléio Patérculo viveu entre o século I a.C. e o I d.C.; Plutarco de Queronéia e
Caio Suetônio Tranquilo, entre os séculos I e II d.C; Floro, no século II d.C.; e,
por último Dión Cássio, inserido no século III d.C.
Constatamos que tais autores vivenciaram períodos distintos dessa
estrutura política, social, cultural e econômica conhecida como Principado.
Pertencentes a sociedades distintas, cada autor exerceu funções em meio ao
Império Romano. Tais vivências, por assim dizer, influíram nos relatos
apresentados por tais homens, da mesma forma em que instigaram maneiras
próprias para esta exposição, gêneros diversificados de escrita.
Assim, Patérculo, militar que vivenciou um período marcado por
transições, onde a República mesclava-se com o Principado, apresenta-nos um
peculiar estilo literário, onde a biografia, o panegírico e a escrita do gênero
História unem-se, criando um novo modo de escrita denominado transcursus.
Ainda, partindo do pressuposto que aquilo que cada autor escreve exprime em
suas linhas toda a sua subjetividade, verificamos nas linhas veleianas com
características próprias de seu contexto histórico. Logo, Veléio, que
desempenhou funções militares em campanhas sob o comando de Tibério,
sucessor de Augusto, aproxima as imagens desses dois Princeps, de modo a
provar os laços hereditários entre eles. Desta maneira, torna-se visível que ao
destacar os vínculos entre Júlio César e Otávio (futuro Augusto), tenta
estabelecer a mesma conexão entre Augusto e Tibério. Em outras palavras,
legitima as imagens dos dois primeiros para legitimar também o Principado em
que se inseria, o Tiberiano, uma vez que esse governante foi adotado por
Augusto da mesma maneira que este foi por César.
Plutarco e Suetônio escrevem biografias. No entanto, mesmo que
pertençam a um mesmo gênero de escrita, suas obras demonstram
composições diferentes. O beociano de Queronéia, em suas Vidas Paralelas,
biografa sempre a vida de um homem grego em comparação com um homem
Considerações Finais 293

romano. Os valores, as virtudes e os vícios são brevemente comparados no


final, demonstrando as diferenças entre os dois personagens, ao mesmo tempo
que salienta as suas similaridades. Ao comparar gregos e romanos, Plutarco
atesta todo o seu próprio hibridismo cultural, suas diversas experiências e
aprendizados. Cidadão beociano, ateniense e romano, este escritor, político e
sacerdote, compara a vida de homens ilustres de modo a destacar suas
diferenças e semelhanças, criando e recriando para tais personagens os
valores, vícios, qualidades e defeitos que julgava lhes pertencerem. Suas
linhas biográficas transportam-nos para paisagens múltiplas, gregas e
romanas, reais e ilusórias. Permitem-nos perceber as concepções de um
homem multifacetado, que viveu sobre o governo de muitos Césares, seja os
de seu próprio tempo, seja através das palavras que narra.
Suetônio é o autor de biografias imperiais. Nestas, concentra-se na
análise de doze césares, partindo do pressuposto de que Caio Júlio César foi o
primeiro imperador romano. Funcionário imperial, o desempenho de seus
cargos lhe possibilitou o contato com muitos documentos, inclusive
correspondências pertencentes aos Imperadores e ao círculo imperial. Assim,
suas biografias são ricas em dados minuciosos, compostos de maneira a
demonstrar as conexões entre as vidas pública e privada dos personagens
biografados. Apesar de receber a alcunha de alcoviteiro entre alguns de seus
pesquisadores, para nós, a obra suetoniana configura-se em um dos mais
importantes documentos para a compreensão tanto do período em que este
autor se insere quanto dos tempos históricos que apresenta ao narrar as
trajetórias de doze Césares.
Lúcio Annaeu Floro talvez seja um dos mais enigmáticos escritores que
compõem a nossa pesquisa. Sobre ele, como ressalvamos extensivamente,
pouco sabemos. Os detalhes sobre sua vida nos são bastante confusos e, por
inúmeras vezes, incertos. Através de seus relatos, conseguimos inseri-lo no
século II d.C., período em que o Principado ainda lutava para estabilizar-se.
Provavelmente um professor de retórica, de origem provincial, Floro é apontado
como o criador de uma obra também peculiar, da qual não sabemos ao certo o
próprio nome. Nomeada posteriormente como Epítome de Tito Lívio, sua
narrativa foi, de certo modo, marginalizada, deixada de lado como
Considerações Finais 294

documentação fundamental para a compreensão de tão rico período. Em nossa


visão, Floro não cria apenas uma Epítome. É o autor de algo novo, hibrido e
facetado, que aglomera em seu cerne características de uma epítome, mas
também de uma biografia, de um panegírico, de uma História.
Dión Cássio, nosso último autor, é também sobre o qual mais possuímos
informações. Originário da Nicéia, na Bitínia, a família cassiana era detentora
da cidadania romana, participando ativamente deste meio político e, inclusive,
pertencendo à ordem senatorial. Senador, Dión escreve uma História em cerca
de oitenta livros, onde narra desde os primórdios de Roma, até à sua própria
época, o governo dos Severos. A turbulência de seu período, representada
através da ascensão de uma dinastia de origem africana, é expressada por
toda obra. Filho de um Império em transição, Dión utiliza as figuras dos
personagens republicanos para criticar a sua época. É em meio a isto que nos
deparamos com as imagens que fabrica sobre Júlio César, Marco Antônio e
Augusto.
Logo, tratamos de cinco autores distintos, inseridos em momentos
diferentes do Principado Romano, que estabeleceram relações diversificadas
com o Império e que apresentam múltiplos estilos de escrita. No entanto,
intrigou-nos como, desde o princípio, mesmo entre todas as dessemelhanças,
faz-se possível encontrar inúmeras e destacadas similaridades que estão em
pontos diversificados.
Apesar de possuírem origens diferentes, todos exerceram funções junto
à administração imperial romana ou mantiveram níveis distintos de relações
com os Imperadores, suas famílias e importantes personagens do cenário
político romano. Formaram, desta maneira, redes de sociabilidades parecidas.
Assim, notamos, também, o pertencimento de nossos escritores a um
mesmo segmento desta sociedade, o qual podemos denominar como as elites
romanas. Tais caracteres de suas vidas nos são de grande importância, uma
vez que direcionam suas narrativas e suas concepções acerca dos
personagens e de suas tramas para um mesmo ponto, para as suas
semelhanças.
Para além disso, através do desempenho de tais funções por parte de
nossos autores, conseguimos perceber que todos, de maneiras distintas,
Considerações Finais 295

denotam possuir confluências culturais. Plutarco, Floro e Dión Cássio as


demonstram desde suas origens, sendo que estes nasceram fora do centro
político romano, contudo, em regiões sobre o domínio de Roma. Veléio e
Suetônio adquirem esse hibridismo, essa confluência cultural, através das
viagens que realizam em detrimento dos cargos que ocupam junto à
administração imperial. Suetônio ainda vai mais longe, uma vez que suas
funções como administrador de bibliotecas, como studiis do imperador e como
ab epitulis possibilitavam-lhe entrar em contato com diversas obras,
pertencentes a inúmeros campos do saber e oriundas de diferentes
sociedades. Cria-se, em sua própria coletânea de biografias, um hibridismo
cultural e literário.
Para nós, as principais diferenças entre nossos autores encontram-se,
desta forma, no período em que estes se inserem e, não, como muitos
acreditam, naquilo que estes relatam. Deste modo, apesar de utilizarem estilos
de escritas distintos, o que podemos atribuir às peculiaridades de cada autor
como indivíduos de seu próprio tempo, os conteúdos de seus relatos são,
incontestavelmente, semelhantes.
Estas similaridades encontram-se, principalmente, na maneira como
Veléio, Plutarco, Suetônio, Floro e Dión Cássio descrevem os personagens
republicanos Júlio César e Marco Antônio, usando tais figuras para criarem a
imagem daquele que seria o primeiro Imperador Romano, Augusto. Em outras
palavras, como tais autores criam imagens discursivas similares sobre tais
homens romanos.
As imagens discursivas são formadas em um discurso, o qual não está
isento das impressões de seu contexto de produção nem da subjetividade
daquele que o produz. Logo, concordamos com Bordieu (2004, p.45) que o
discurso deve ser enxergado como uma práxis, uma ação daquele que o cria
sobre o mundo em que vive. A linguagem, enquanto discurso, é interação e um
modo de produção social. Ela não é neutra, inocente ou impensada. Trata-se
do lugar privilegiado para a manifestação da ideologia do autor ou da
sociedade em que este se insere.
Portanto, espanta-nos como autores que apresentam características
pessoais diversificadas, elaboram, em momentos diferentes, representações
Considerações Finais 296

análogas sobre três personagens republicanos. Como estas imagens


discursivas presentes em nossos cinco autores apresentam informações
equivalentes sobre as vidas, os feitos, as virtudes e os vícios de Júlio César,
Marco Antônio e Augusto. Ainda, como as imagens de Augusto nestas obras
são criadas de modo a apresentar semelhanças com diversos aspectos
supostamente pertencentes a Júlio César e distanciamento com inúmeras
características pouco benéficas que os autores julgam pertencer a Marco
Antônio.
Os motivos para essa confluência entre os dados relatados pelos
autores aqui selecionados parece-nos serem múltiplos. Inicialmente,
deparamo-nos com a premissa que os cinco se encontram inseridos em
diversas etapas da estrutura política que conhecemos como Principado
Romano. Este, por sua vez, surgiu em um momento bastante específico da
história de Roma, onde a sociedade via-se submersa em turbulentas crises
políticas, sociais, militares e econômicas. Este cenário permitiu a ascensão de
líderes, os quais concentravam em suas mãos amplos e diversificados
poderes. O governo triunviral irrompe como uma tentativa de harmonizar as
necessidades de Roma com os poderes pessoais de destacados homens
romanos. Júlio César, Marco Antônio e Augusto figuram neste panorama.
Contudo, apesar dos acontecimentos e necessidades do período
tornarem possível a atividade de líderes autocráticos, estes ainda precisam
legitimar seu poder perante seus concidadãos. A legitimação política, tornar um
poder legítimo, utiliza-se de várias armas, dentre estas a propaganda, que é
divulgada através de obras literárias, construções arquitetônicas, relatos
autobiográficos, entre outros. São inseridas como formas de legitimação que
encontramos em determinadas representações sobre Júlio César, Marco
Antônio e Augusto. Este, como procuramos salientar no decorrer de nossa
Tese, na ocasião da morte de Júlio César, seu tio-avô, contava com dezoito
anos, não possuindo um papel relevante frente à sociedade romana. Contudo,
ao ser proclamado herdeiro cesariano, deparou-se com a necessidade de
autoafirmação, de legitimação de sua pessoa para que conseguisse o respaldo
do meio social e político romano. Assim, Otávio procurou, de todas as
maneiras, demonstrar os laços hereditários que possuía com o líder
Considerações Finais 297

assassinado. Ainda, procurou colocar-se como detentor das mesmas


qualidades que seu antecessor possuía, ao passo que se afastava dos
traquejos que culminaram em sua morte. Para tanto, fez uso de todos os
artífices que lhe foram dispostos. É em meio a tais constructos ideológicos que
encontramos determinadas representações de Júlio César, criações que
ressaltam determinados aspectos em detrimento do esquecimento de outros.
Augusto utiliza-se da memória de seu tio para legitimar-se politicamente.
Por conseguinte, é também como expoente de toda essa tentativa de
legitimação que encontramos construções específicas em torno da imagem de
outro importante personagem, Marco Antônio. Este último, na ocasião do
assassinato de César, já figura com maior proeminência no meio político e
social romano. Deste modo, Antônio constituíra-se em um forte adversário para
o herdeiro de César, uma vez que além de suas conquistas de ordem militar,
este homem, mais experiente, desempenhava importantes funções
administrativas, tais como o consulado. Sua posição era propícia para sua
ascensão, algo que Otávio fez questão de dificultar. Da mesma forma que fez
com a imagem de César, o futuro Augusto utiliza-se da mesma propaganda
para denegrir a figura de Antônio. Logo, as ações do militar recebem outras
roupagens, outras caracterizações que, ao nosso ver, são bem diferentes das
intenções de Antônio ao praticá-las. Passam a ser identificadas como coisas
pouco benéficas a Roma, como frutos da perversidade e da insensatez de um
homem em busca pelo poder monárquico. Marco Antônio é alvo de intensas
críticas, de elaborações propagandísticas adversas que usufruem dos
costumes, da tradição e da religião romana para atestar o desvirtuamento de
um de seus mais imponentes cidadãos. Além disso, estas mesmas
idealizações são empregadas para legitimar não só a figura de Augusto, sua
potestas, mas, igualmente, para legitimar a nova estrutura política e social que
surge com ele: o Principado.
Tais percepções, elaboradas junto a acontecimentos e a necessidades
específicas a um momento histórico, não se restringem a ele, nem ao menos
se tornam circunscritas em sua sociedade de origem. São divulgadas,
propagadas e assimiladas em diferentes períodos por sociedades diversas. É
desta forma que estas mesmas representações aparecem em obras variadas,
Considerações Finais 298

de contextos distintos, como as de Veléio, Plutarco, Suetônio, Floro e Dión


Cássio. Estes autores, apesar de suas diferenças, tornam-se perpetuadores de
imagens específicas, de construções singulares sobre determinados
personagens, como Augusto, César e Antônio. Por conseguinte, as obras dos
mesmos autores ainda se assemelham pelo uso que estes fazem das figuras
de Júlio César e Marco Antônio para compor a imagem de Augusto. Em outras
palavras, como compõem a imagem discursiva de Augusto de modo que esta
possua as características atribuídas a César, ao mesmo tempo que seja
ausente daquelas apresentadas por Antônio.
Em nossa visão, os autores utilizam a imagem de Augusto para legitimar
tanto a figura deste governante, quanto as daqueles que lhe sucederam. Ainda,
tentam explicar e legitimar a estrutura política sobre a qual ainda vivem, o
Principado Romano.
Em nossa interpretação sobre o tema, duvidamos acerca destas
construções a respeito de Júlio César, Marco Antônio e Augusto. Inicialmente,
partindo dos princípios de que os relatos são construções passionais e
passíveis de outras interpretações, duvidamos de que aquilo que nossos
autores transmitem sobre estes personagens seja a única versão existente
sobre tais importantes homens dos períodos republicano e imperial. Intriga-nos,
principalmente, os atributos e as características que são atribuídas por nossos
autores a Marco Antônio.
Em nossa acepção, Marco Antônio, essencialmente após a morte de
Júlio César, aparece em meio à sociedade romana como um político versátil,
detentor de habilidades que o caracterizaram como um bom governante. De
início, Antônio parece demonstrar grande habilidade política ao estabelecer a
concórdia entre aqueles que eram caracterizados como os assassinos de
César e aqueles que queriam a vingança. Ainda, Antônio demonstra grande
habilidade tanto no campo militar quanto no político e administrativo. Como
exemplo disso, notamos que é ele, e não seu companheiro triúnviro Otaviano,
que se aventura pelo Oriente, estabelecendo além de relações amorosas com
a soberana dessa região, também relações políticas, econômicas e militares
muito proveitosas para Roma. Características que, em nossa concepção,
Considerações Finais 299

determinariam a imagem de um bom governante, no entanto, isso não nos é


transmitido pelas obras de Veléio, Plutarco, Suetônio, Floro e Dión Cássio.
Desta maneira, concordamos com a pesquisadora Harriet Flower
quando destaca que Antônio é uma das primeiras vítimas imperiais da
damnatio memoriae.(2006, p. 42). A sanção de sua memória por Augusto é
ocasionada por todo o Império. Isto posto, o herdeiro de César parece
promover uma estratégia muito utilizada pelos romanos de seu tempo: a guerra
psicológica. Para tanto, divulga, constantemente, elementos propagandísticos
que induzem determinas acepções dentre seus concidadãos. Constrói
memórias especificas sobre Antônio, causando a sua deslegitimação e
proporcionado as bases necessárias para uma nova guerra civil. Neste
momento, as sanções de sua memória são aplicadas porque este é acusado
de traição. Interessante notar que, ao passo que as imagens de Antônio, assim
como as inscrições que continham seu nome são apagadas, as de Cleópatra,
tais como uma estátua de ouro localizada no Templo do Divino César ainda
permanecem. Para nós, isto demonstra que o legado de Antônio representava
uma competição constante com Augusto, que é vencida por este último não só
na batalha de Áccio, mas também, posteriormente, a partir da danação de sua
memória coletiva, do esquecimento que passa a ser instituído no Império.
Augusto legitima-se enquanto Imperador usufruindo da hereditariedade
de Júlio César e desestabilizando as bases para ascensão de Marco Antônio.
Entre tais aspectos, não só se coloca como o salvador da Res Publica, como
também encontra o suporte e a aceitação da nova estrutura política que surgia
em seu governo: O Principado Romano.
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Cambridge Ancient History: The High Empire, A.D. 70 - 192. vol. XI, 2008, p. 875
– 897.

WRIGHT, A. Velleius Paterculus and L. Munatius Plancus. In Classical Philology,


vol. 97, n°02, 2002, p. 178-184.

YATES, F. A. A arte da memória. Campinas: Unicamp, 2007.

YAVETZ, Z. Julius Caesar and His Public Image. London: Thames & Hudson,
1983.
______. La plebe et le Prince. Foule et vie politique sous le haute – empire
romain. Paris: Éditions la découvert, 1984.

ZANDONÁ, D. A Segunda Sofística: intelectuais, historiografia e poder político


na era dos Antoninos. In História & História, s/v, 2008, p. 01-18.

ZANKER, P. The Power of Imagens in the Age of Augustus. Michigan: University


of Michigan Press, 1988.

ZETZEL, J. C.Suetonius Tranquillus: De Grammaticis et Rhetoribus. In The


American Journal of Philology, vol.118, n° 03, 1997, p. 475 – 478.
ANEXOS
Anexos 327

ANEXO I

Cursus Honorum na República Romana


Minimum Age Magistracy Number Responsibilities
30 Quaestor 20 Financial administration in Rome
and the Provinces. Each Provincial
governor was given a quaestor as his
second-in-command. A quaestor was
automatically enrolled as a senator.
-- Tribune of the 10 Only open to plebeians and not
Plebs compulsory. Tribunes were
sacrosanct and charged with
protecting the people. They could
veto the act of any magistrate and
could presente legislation to the
Popular Assembly (Concilium
plebis).
36 Aedile 4 Optional office, two of which were
reserved for plebeians.
Administrative role in in Rome
including supervision of some
annual festivals, and overseeing the
grain suplly and public archives.
39 Praetor 8 Judicial and administrative functions
at Rome, where praetors presided
over all the major courts. After their
year of office usually sent as
governor (propraetor or often
consul) to a province.
42 Consul 2 Most senior executive officers of the
Republic. They remained in Rome
for their year of office, holding
precedence on alternative months.
Most presented legislation to the
Popular Assemblies. After their year
of office, they would normally
receive an importante province as
proconsuls.
-- Censor 2 every five Usually former consuls, this was a
years prestigious post charged with
overseeing the census of citizens and
their property, as well as reviewing
the senatorial roll.
Anexos 328

ANEXO II
Cursus
CursusHonorum
Honorumapós 1414
in AD d.C.

Minimum Age Magistracy Number Responsabilities

Late teens Vigintivirate 20 Minor administrative duties in Rome.

Early Twenties Military 24 One senior tribune from a senatorial family


tribune served in each legion except those
stationed in Egypt. For a while Augustus
also gave two such men joint command of a
cavalary ala.
25 Quaestor 20
Financial role reduced and now restricted
to provinces governed by senatorial
proconsuls. In Rome they assisted the
consuls in organising senatorial sessions.
Also oversaw public archives in Rome.
----- Aedile 6
Lost responsibilities for games, grain supply
and public archives. Continued to perform
other administrative functions. It was
compulsory for plebeians to hold either the
aedileship or tribunate. Patricians were
permitted to omit these offices.

----- Tribune of 10
Plebs These lost right of veto and of presenting
legislation to the Popular Assembly. They
continued to received appeals from citizens
and could become involved in legal cases.
30 12
Praetor Judicial role in charge of major courts. Now
also responsible for festivals and games.

---- 22
Legionary Command of each legion apart from those
legate stationed in Egypt.
---- 10
Proconsul Governor of one of the provinces overseen
by the Senate.
43 (33) 2
Consul Senior executive officers of the state able to
present legislation to the Popular Assembly
and to preside over meetings of the Senate.
The minimum age for this magistracy
impose by Sulla was 42, but, in pratice, the
lower limit of 33 appears often to have
----- 9 applied.
Provincial
Legate Governors of the Imperial provinces apart
from Egypt and minor provinces such as
Judea. Each was garrisoned by one or more
legions.
Anexos 329

ANEXO III

Mapa 01: Localização da Campânia

Fonte: website: http://www.ravello.com.

Imagem consultada no dia 03 de dezembro de 2015 às


21h40 min.
Anexos 330

ANEXO IV

Mapa 02 - Localização da Bitínia.

Fonte: website: http://www.wikiwand.com/es/Gemlik. Imagem


consultada no dia 03 de dezembro de 2015 às 21h30 min.
Anexos 331

Anexo V
Cronologia da Vida de Júlio César
Date Event
100 BC Birth of Julius Caesar

91 – 88 BC Social War
84 BC Julius Caesar gets married

Julius married the daughter of L. Cornelius Cinna. His bride's name was
Cornelia.
81 BC Caesar refuses Sulla’s order to divorce Cornelia and goes on the run. He is
subsequently pardoned following appeals from his mother’s relatives.
80 - 78 BC Caesar undergoes military servisse in Asia and win corona cívica at Mytilene.
77 BC Caesar apears in the courts at Rome, unsuccessfully prosecuting Dolabella.
75 BC Caesar travel to Rhodes to study and is captured by pirates.

74 BC Caesar goes to Asia, raises local troops and defeats na invasion or raid led by
one of King Mithridates’ commaders.
73 BC Julius Caesar is admitted to the college of pntiffs.
72 or 71 Caesar elected as military tribune and probably serves against Spartacus.
BC
69 BC Caesar elected as military tribune and serves in Further Spain. Death of his
aunt Julia and wife Cornelia.
67 BC Lex Gabinia. Caesar spoke in favour of the law. Around this time he married
Pompeia.
65 BC Caesar is curule aedile with Bibulus. He also gives gladiatorial gaes in honour
of his father.
63 BC Conspiracy of Catiline. Caesar elected Pontifex Maximus.
62 BC Caesar is praetor. Bona Dea scandal leads him to divorce Pompeia.
61 – 60 BC Caesar sent to govern Further Spain. Prospect of triumph. Stand for election
for the consulship.
59 BC Caesar consulship and the formation of the First Triumvirate between Caesar,
Pompey and Crassus. Pompey marries Caesar’s daughter, Julia. Caesar
marries Calpurnia.
58 BC Caesar takes command of his Province and defeats the migrating Hevetii at
Bibracte. Then he defeats the germânica King Ariovistus.
57 BC Caesar defeats the Belgic tribes.
55 BC Caesar bridges the Rhine for the first time and leads na expedition to Britain.
54 BC Second and larger invasion of Britain. Death of Julia and her infant child. Death
of Caesar’s mother Aurelia.
54 – 53 BC First major Gallic rebellion against Caesar. Caesar bridges the Rhine a second
time.
53 BC Crassus defeat and killed by Parthians.
52 BC Pompey appointed sole consul.
49 - 45 BC The Civil War starts when Caesar crosses the Rubicon.
48 BC Caesar is briefly dictator and consul for the second time. Defeats Pompey at
Pharsalus and chases him to Egypt. Pompey is murdered. Caesar place
Cleopatra on the throne.
48 – 47 BC The Alexandrian War
46 BC Caesar is consul for the third time. Caesar is given the dictatorship for tem
years.
45 BC Caesar’s forth consulship. He is granted the dictatorship for life.
44 BC Assassination of Caesar.
Anexos 332

Anexo VI
Cronologia de Augusto e sua Família
Year Date Event
63 BC Sept.23 Birth of Gaius Octavius, the later Augustus

c. 63 BC ----------- Birth of Agrippa

59 BC ---------- Deat of the father, Gaius Octavius

58 BC Jan.30 Birth of Livia

49 – 45 BC ----------- Civil Wars of Julius Caesar and Pompeus

48 BC Oct. 18 Octavius assumes the toga virilis

45 BC Sept./Oct. Octavius goes to Apollonia

44 BC ------------- Julius Caesar and Mark Antony are consuls

Jan./ Feb. Octavius is designated Magister equitum

March 15 Assassination of Julius Caesar; Caesar’s testament

will name Octavian as heir

End of March Octavian leaves Apollonia for Italy

April 18 Octavian in Puteoli

Early May Octavian arrives in Rome and is welcomed by a

rainbow

May 18 Antony in Rome; meeting with Octavian

May 8 Octavian formally accepts Caesar’s will

June 1 Antony exchanges Macedonia for Cisalpine Gaul

July 20 – 30 Games in honor of Caesar’s Victory; appearance of

the comet (soul of Caesar)

Sept. 2 Cicero delivers the first Philippic against Antony


Anexos 333

Oct. 5-6 Octavian’s alleged assassination attempt on Antony

Late Dec. D. Brutus refuses to yield Cisalpine Gaul to Antony;

besieged in Mutina.

43 BC Jan.2 Octavian becomes a member of the senate and

receives propaetorian imperium

Jan. 1-4 A. Hirtus and C.Pansa are consuls; Octavian

receives the imperium against Antony

Marc. 20 M. Lepidus and L. Plancus urge Peace with Antony

Apr. 21 Antony defeated at Mutina

Apr. 23 Octavian meets D. Brutus

Apr. 27 Antony is declared hostis; Sextus Pompeius and

Cassius given commands

May 29 Lepidus joins Antony

May - June Octavian try to negociate with Cicero the consulship.

He is not successful

June 30 Lepidus is declared hostis

Early July Octavian’s soldiers “demand consulship for him”

Aug.19 March on Rome. Octavian is made consul (first

consulship). Proclamation of the Lex Pedia against

Caesar’s murderers

Early Sept. Octavian proceeds to Gaul against Antony and

Lepidus.

Nov. 27 Beginning of Triumvirate of Antony, Lepidus, and


Anexos 334

Octavius. In the same time, the proscriptions

Dec. 7 started.

Dec. Death of Cicero

42 BC Sept. Sextus Pompeius arrives in Sicily

Antony and Octavian cross Adriatic sea. Octavian is

Early Oct./ Oct. detained at Epdamnus by illness

23 Battles of Philippi. Defeat and suicide of Brutus and

Nov.16 Cassius.

41 BC Jan. Birth of Tiberius

L. Antonius consul. Octavian returns to Rome. M.

Dec. Antony in East

40 BC Feb War over Octavian’s veteran settlements

Spring Defeat of L. Antonius and surrender of Perusia

Octavius married Scribonia, relative of Sextus

Summer Pompeius.

Lepidus departs for Africa. Antony besieges

Early Oct. Brundisium

Nov. Pact of Brundisium between Octavian and Antony

39 BC Summer Marriage of Antony and Octavia, Octavian’s sister.

Treaty of Misenum between Octavian, Antony and

------------- Sex. Pompeius.

------------- Birth of Julia, daughter of Octavian and Scribonia

38 BC Jan. 17 Divorce of Octavian and Scribonia

Marriage og Octavian and Livia


Anexos 335

38 – 36 BC ---------------

Octavian’s war against Sex. Pompeius

37 BC ---------

Autumn M. Agrippa’s preparations against Sex. Pompeius

Renewal of Triumvirate for five years (Treaty of

36 BC July 1 Tarentum); Antony returns to East

Octavian and Lepidus attack Sex. Pompeius in

Aug. Sicily. Octavian delayed by storm

Sept. 3 Agrippa defeats Pompeius fleet off Mylae

Battle of Naulochus. Defeat of Sextus Pompeius by

------- Agrippa. Pompeius leaves for East.

Nov. Lepidus attempts to take over Sicily and is deposed

35 BC -------- Octavian in Rome; promises return to normality

35-34 BC -------- Murder of Sextus Pompeius

34 BC Late in that year Octavian campaigns in Illyria

Increasing of the disagreements between Octavian

and Antony (We can note in this period the

32 BC ------------ beginning of propaganda war between Octavian and

----------- Antony)

31 BC Sept. 02 Antony divorces Octavia, sister of Octavian.

30 BC Aug.01-10 Declaration of war against Cleopatra

Battle of Actium. Defeat of Antony and Cleopatra

Defeat of Alexandria. Death of Antony and

29 BC Aug. 13 - 15 Cleopatra. Egypt becomes a Roman province.


Anexos 336

(Later, province of Augustus)

28 – 27 BC -------------- Octavian celebrates triple triumph (Actium, Egypt

and Dalmatia)

27 BC Jan. 13-16 First political settlement between Octavian and the

Senate

Senate meeting. The return to the ‘constitutional

27 – 24 BC ------------- government’ is confirmed. Octavian is proclamed

24 BC ------------ Augustus

Augustus in campaigns in Spain and Gaul

23 BC ----------- M. Claudius Marcellus marries Augustus’ daughter

Julia

Augustus became sick, almost dying.

------------ Reorganization of his powers (second political

sttlement): he receives tribunician power and

22 – 19 BC ------------- overrinding imperium.

21 BC ------------- Death of Marcellus, one of the possibles sucessors

20 BC of Augustus.

Augustus campaigns in Sicily and the east.

Agrippa marries Julia, daughter of Augustus

“Parthian Victory”: Augustus make a agreement with

the parthians and they returne Roman military

18 BC --------------- standards and roman soldiers captured in 53 BC. In

-------------- the same year, was born Gaius Cesar, a grandson

of Augustus
Anexos 337

Agrippa receives the tribunation power

17 BC May 24 Augustus announce the Julia Laws, also know as

“Moral Legislation”. A group of laws about marriage

May - June and adultery

16 – 13 BC --------------- Birth of Lucius Caesar. Augustus adopts both

15 BC --------------- grandsons (Gaius and Lucius).

12 BC ----------- Secular Games

Marc. 6 Augustus campaign in Gaul

---------- Birth of Germanicus

11 BC ------------ Death of Agrippa and birth of Agrippa Postumus

11 – 10 BC ----------- Augustus became Pontifex Maximus.

9 BC Jan. 30 Invasions of Germany begin under Nero Drusus

--------- Marriage of Tiberius and Julia

8 BC ---------- Augustus in Gaul

---------- Dedication of Ara Pacis

---------- Nero Drusus killed in Germany

6 BC --------- The Sextilis month received the name of Augustus.

Reorganization of the city of Rome into XIV

5 – 2 BC --------- Regions. Augustus in campaign in Gaul

2 BC Feb.5 Tiberius receives the tribunician power.Tiberius

--------- leaves Rome and moves to Rhodes

1 BC – AD 4 -------- Caius and Lucius Caesares enter public life

AD 2 --------- Augustus received the title of Pater Patriae.

Aug.20 Dedication by the Senate of Forum of Augustus.


Anexos 338

AD 4 Feb 21/22 C.Caesar in East

June 26/27 Tiberius returns from Rhodes.

Death of Lucius Caesar em rout for Spain

AD 6 ----------- Death of Gaius Caesar of wounds,

AD 6 – 9 ---------- Augustus adopte Tiberius following Tiberius’

AD 9 --------- adoption of Germanicus

Banishment of Agrippa Postumus

AD 10 – 12 ------- Rebellion in Pannonia put down by Tiberius

AD12 ------- Varus is defeated in Germany and three legions are

lost. Revision of the Marriage Laws.

AD 13 ------- Military campaigns of Tiberius in Germany

Germanicus Caesar consul. Tiberius receives equal

AD 14 Aug. 19 powers with Augustus

AD 14 Sept. 17 Year that, supposedly, Augustus writes his final will.

Germanicus campaign in Germany

Death of Augustus in Nola

AD 29 ----------- The Senate decrets Divus Augustus. Tiberius is

named sucessor of Augustus

Death of Livia
Anexos 339

Anexo VII

Árvore Genealógica de Marco Antônio (Casamentos Romanos)

MARCUS ANTONIUS

MARCUS JULIA CAIUS


ANTONIUS = ANTONIUS

MARCUS CAIUS LUCIUS


ANTONIUS ANTONIUS ANTONIUS

1º II 4º 3º
Antonia, daughter of
FADIA Caius Antonius

Antonia

Marcus Antonius
CHILDREN UNKNOWN Antillus
(Mentioned by Cicero) Fulvia

Antonia
Octavia Major
Iullus Antonius

Antonia
Minor
Anexos 340

Anexo VIII

Árvore Genealógica de Marco Antônio e Cleópatra

MARCUS ANTONIUS CLEOPATRA

ALEXANDER CLEOPATRA
PTOLOMY
HELIOS SELENE
PHILADELPHUS
Anexos 341

Anexo IX

Cronologia da Vida de Marco Antônio


Anexos 342
Anexos 343
Anexos 344

Fonte: HUZAR, E. Mark Antony: A Biography. Minnesota: University of


Minnesota, 1978.
CATÁLOGO
DE DOCUMENTAÇÕES
346

Considerações Iniciais

A fim de facilitar e organizar nossa pesquisa, criamos nosso Catálogo de


Documentação, o qual apresentamos nesse momento. As passagens
encontram-se traduzidas para a língua portuguesa e divididas por assunto. Por
exemplo, todas as passagens sobre Augusto e sua composição física estão
reunidas em um item, classificado pelo autor, enquanto as do mesmo assunto
sobre Júlio César.

CATÁLOGO

1. Referências sobre os Estilos de Escrita, Datação e Forma de Composição do


Relato:

1.1. Veléio Patérculo

VELÉIO PATÉRCULO. História Romana II. Trad. Maria Assunción Sánchez Manzano. Madrid:
Gredos, 2001.
História Romana I, 6 “Emilio Sura expõe em seus Anais do povo romano o seguinte: os
soberanos da Assíria dominaram todas as nações; depois os medos,
mais tarde os persas, e, depois destes, os macedônios. ”

VELÉIO PATÉRCULO. História Romana II. Trad. Maria Assunción Sánchez Manzano. Madrid:
Gredos, 2001.
História Romana II, 52 “A forma em que se compõe nosso relato nos permite narrar a batalha
de Farsália e aquele crudelíssimo dia para os romanos, a quantidade de
sangue derramada pelos dois exércitos, a colisão entre os dois
príncipes do Estado.”

VELÉIO PATÉRCULO. História Romana II. Trad. Maria Assunción Sánchez Manzano. Madrid:
Gredos, 2001.
História Romana II, 108 “Apesar do rápido avanço de nossa narrativa, não devemos deixar de
mencionar este homem. ”
347

VELÉIO PATÉRCULO. História Romana II. Trad. Maria Assunción Sánchez Manzano. Madrid:
Gredos, 2001.
História Romana I,6 “Alguns autores e, de maneira muito brilhante, Quinto Hortênsio em
seus Anais deram a conhecer suas virtudes (...)”

VELÉIO PATÉRCULO. História Romana II. Trad. Maria Assunción Sánchez Manzano. Madrid:
Gredos, 2001.
História Romana I,7 “Depois, alguns dizem que neste momento os etruscos fundaram
Cápua e Nola, há quase oitocentos e trinta anos. Estaria de acordo com
eles, mas quanto difere da visão de Marco Catão! Este chega a dizer
que Cápua foi fundada pelos os etruscos e depois Nola; porém Cápua
existia há cerca de duzentos e sessenta anos quando os romanos a
conquistaram. ”

VELÉIO PATÉRCULO. História Romana II. Trad. Maria Assunción Sánchez Manzano. Madrid:
Gredos, 2001.
História Romana II,76 “(...) cujo grupo havia sido simpático com uma amizade singular por
ele, como não podia acompanhá-los porque se encontrava envelhecido
e fisicamente desajeitado, suicidou-se, transpassando-se com uma
espada. ”

VELÉIO PATÉRCULO. História Romana II. Trad. Maria Assunción Sánchez Manzano. Madrid:
Gredos, 2001.
História Romana II, 104 “Nesta época, depois de ter desempenhado as funções de tribuno
militar, cumpri meu serviço no acampamento de Tibério César, porque
fui enviado com ele, imediatamente depois da adoção, à Germânia
como prefeito da cavalaria, sucedendo meu pai neste cargo; assim, fui
espectador e, no alcance de minha mediocridade, colaborador, na
qualidade de prefeito e de legado, de suas insuperáveis ações durante
nove anos seguidos.”

VELÉIO PATÉRCULO. História Romana II. Trad. Maria Assunción Sánchez Manzano. Madrid:
Gredos, 2001.
História Romana II, 113, “Escuta-me agora, Marco Vinício, de um grande homem (Tibério) tanto
Grifo Nosso na guerra quanto em tempos de paz (...)”.
348

VELÉIO PATÉRCULO. História Romana II. Trad. Maria Assunción Sánchez Manzano. Madrid:
Gredos, 2001.
História Romana II, 114, “Que atitude irrelevante para se relatar (a de Tibério), mas que
Grifo Nosso expressão máxima de uma virtude forte e autêntica e vantajosa,
experiência muito agradável e incomparável na humanidade (...)”

1.2. Caio Suetônio Tranquilo

SUENTONNIUS. The Lives of Caesars. Oxford: Oxford University Press, 2009.

O Divino Júlio LVI, 4 “Asínio Polião é de parecer que os apontamentos foram redigidos com
pouco rigor e pouco respeito à verdade total (...). ”

1.3. Lucio Annaeu Floro

FLORO. Epitome of Roman History. Introduction, Translation and Notes of Edward Seymor
Forster. Cambridge: Harvard University Press, 1984.
Epítome de Tito Lívio I, 2- “O povo romano realizou tantas ações em setecentos anos, do rei Rômulo a
3 César Augusto, em tempos de paz e em tempos de guerra, que, se
compararmos a grandeza do Império com o número de seus anos,
acreditaríamos que fosse mais velho. (...) Assim, como a história de Roma é
digna de estudo, ainda porque a sua vastidão dificulta a sua compreensão e a
diversidade de assuntos dispersa a atenção, eu pretendo fazer como aqueles
que descrevem a paisagem e realizar uma descrição completa de meu
assunto como se fosse uma pequena imagem. Eu espero, desta maneira,
contribuir para a admiração que este ilustre povo detém ao mostrar sua
grandeza de uma só vez, em uma única exibição. ”

FLORO. Epitome of Roman History. Introduction, Translation and Notes of Edward Seymor
Forster. Cambridge: Harvard University Press, 1984.
Epítome de Tito Lívio I, 8 “Desde os tempos de César Augusto até a nossa própria época, houve um
período de não muito menos que duzentos anos durante o qual, devido a
inatividade dos imperadores romanos, o povo romano, por assim dizer,
envelheceu e perdeu sua potência, salvo aqueles que agora, sob o governo
de Trajano, agitam seus braços novamente e, ao contrário da expectativa
geral, renovam seu vigor com juventude, uma vez que esta foi restaurada. ”
349

FLORO. Epitome of Roman History. Introduction, Translation and Notes of Edward Seymor
Forster. Cambridge: Harvard University Press, 1984.
Epítome de Tito Lívio I, 4 “Se alguém quiser contemplar o povo romano como se este fosse um único
indivíduo e relembrar toda a sua vida, como começou, como cresceu, como
amadureceu e chegou a idade adulta e, por fim, como atingiu a velhice, ele
irá descobrir que o povo romano passou por quatro estágios de progresso. ”

1.4. Dión Cássio

CASSIUS DIO COCCEIANUS. Roman History. Introduction, notes and english translation by
Earnest Cary. London: William Heinemann, 1961, vols. I - VIII
História Romana LXXV “Eu mesmo vi as paredes depois delas terem caído, olhando-as como se estas
12, 1 tivessem sido capturadas por qualquer outro povo além dos romanos. Eu
também os tinha visto em pé e tinha, inclusive, escutado eles conversarem
(...). ”

CASSIUS DIO COCCEIANUS. Roman History. Introduction, notes and english translation by
Earnest Cary. London: William Heinemann, 1961, vols. I - VIII
História Romana “Ele nos causou especial consternação por, constantemente, intitular-se
LXXVI 11, 3 como filho de Marco e irmão de Cômodo, concedendo a este último honras
divinas, mesmo tendo abusado dele recentemente (...). ”

CASSIUS DIO COCCEIANUS. Roman History. Introduction, notes and english translation by
Earnest Cary. London: William Heinemann, 1961, vols. I - VIII
História Romana XLVI “Eu considero ser a característica principal de uma mente perspicaz ser capaz
35, 1 de aplicar princípios racionais aos fatos históricos, demonstrado, assim, a
verdadeira natureza dos fatos e, também, ao organizar os fatos, mostrar os
seus princípios. ”

CASSIUS DIO COCCEIANUS. Roman History. Introduction, notes and english translation by
Earnest Cary. London: William Heinemann, 1961, vols. I - VIII
História Romana LXIX, “Ele (Adriano) conduziu quase todos os assuntos importantes em conjunção
7 , Grifo Nosso. com o Senado, e ele ouviu casos sobre os mais insignificantes assuntos,
algumas vezes no palácio, outras no Fórum ou no Panteão, ou, ainda, em
muitos outros lugares com uma plataforma levantada pois assim os
procedimentos seriam públicos. Ele também se unia aos cônsules quando
estes fossem julgar certos casos (...).”
350

CASSIUS DIO COCCEIANUS. Roman History. Introduction, notes and english translation by
Earnest Cary. London: William Heinemann, 1961, vols. I - VIII
História Romana LXII, “Como Thrasea e Soranus, que estavam entre as primeiras famílias, ricas, e
26 com todas as virtudes, encontraram sua morte, não porque eles foram
acusados de conspiração, mas porque eles eram quem eram. Contra Soranus,
Publius Celer, um filosófo, deu falso testemunhos. O acusado tinha dois
associados, Cassius Asclepiodotus de Nicéia e Ignatus de Berithus. Agora,
Asclepiodotus, longe de falar contra Soranus, deu testemunhos de suas
nobres qualidades, e por isso foi exilado na época, embora restaurado sob
Galba.”

CASSIUS DIO COCCEIANUS. Roman History. Introduction, notes and english translation by
Earnest Cary. London: William Heinemann, 1961, vols. I - VIII
História Romana “Muitas conspirações foram formuladas contra Commodus por várias
LXXII, 4 pessoas e ele matou muitas destas, tanto homens quanto mulheres, alguns
abertamente e outros através de venenos, secretamente (...) Afirmo estas e
os fatos que se seguem não como antes, através de relatos de outras
pessoas, mas através de minha própria observação.”

CASSIUS DIO COCCEIANUS. Roman History. Introduction, notes and english translation by
Earnest Cary. London: William Heinemann, 1961, vols. I - VIII

História Romana “E que ninguém sinta que eu estou maculando a dignidade da história por
LXXII,18, Grifo Nosso relatar tais ocorrências. Em grande parte dos casos, para ser justo, eu não
deveria ter me referido a tais exibições; mas, desde que estas foram dadas
pelo próprio imperador (Commodus) e desde que eu estava presente e
participei de tudo o que foi visto, ouvido e falado, pensei não ser adequado
suprimir nenhum destes detalhes (....) E, de fato, todos os outros eventos que
tiveram lugar durante a minha vida eu deverei escrever com maior exatidão e
detalhes que outras ocorrências, pela razão de que eu os presenciei e sei que
ninguém mais, entre aqueles que possuem a habilidade em escrever dignos
relatos de eventos, terá um conhecimento tão preciso sobre eles como eu.”

CASSIUS DIO COCCEIANUS. Roman History. Introduction, notes and english translation by
Earnest Cary. London: William Heinemann, 1961, vols. I - VIII

História Romana LXXII, “Este medo foi compartilhado por todos, por nós senadores assim como pelo
19, resto. E aqui está outra coisa que ele fez para nós, senadores, que nos deu
toda razão para acreditarmos em nossa morte. Tendo matado um avestruz e
cortado fora sua cabeça, ele veio até onde estávamos sentados, segurando-a
em sua mão esquerda, enquanto na direita trazia sua espada sangrenta (...). ”
351

CASSIUS DIO COCCEIANUS. Roman History. Introduction, notes and english translation by
Earnest Cary. London: William Heinemann, 1961, vols. I - VIII

História Romana LXXII, “Após isto ocorreram as mais violentas guerras e conflitos civis. Eu estava
23 inspirado a escrever um relato destas lutas após o seguinte incidente. Eu
havia escrito e publicado um pequeno livro acerca dos sonhos e presságios
que deram a Severo razões para esperar pelo poder imperial e, ele, após ler a
cópia que lhe enviei, escreveu-me um longo e cortês agradecimento. Esta
carta eu recebi ao cair da noite e, logo depois de adormecer, sonhei que o
poder divino me ordenava escrever história. Foi assim que comecei a
escrever a narrativa que agora apresento. E na medida que ganhou maior
aprovação, não apenas de outros, mas, em particular, do próprio Severo, eu
então concebi o desejo de compilar um registro de tudo mais que dizia
respeito aos romanos. Portanto, eu decidi deixar o primeiro tratado não mais
como uma composição separada, mas incorporá-lo nesta presente história,
de maneira que, em um único trabalho, eu poderia escrever e deixar para
trás um registro de tudo, do início até o ponto em que vemos o melhor da
Fortuna. ”

CASSIUS DIO COCCEIANUS. Roman History. Introduction, notes and english translation by
Earnest Cary. London: William Heinemann, 1961, vols. I - VIII

História Romana LXXV, “(...) toda a cidade havia sido enfeitada com guirlandas de flores e louros e
1 adornada com animais ricamente coloridos, ainda foi iluminada com tochas e
com a queima de incensos; os cidadãos vestiam branco e estavam radiantes,
proferindo brados de bons presságios; os soldados, também, surgiam
distintos em seus trajes enquanto se moviam como participantes de um
desfile triunfal; e, finalmente, nós [senadores] andávamos (...). ”

2. Referências genealógicas sobre Júlio César

2.1. Veléio Patérculo

VELÉIO PATÉRCULO. História Romana II. Trad. Maria Assunción Sánchez Manzano. Madrid:
Gredos, 2001.
História Romana II,41 “Descendente da nobríssima família do Júlios, segundo se sabe, muito
antiga, uma linhagem que procedia de Anquises e Vênus (...)”
352

VELÉIO PATÉRCULO. História Romana II. Trad. Maria Assunción Sánchez Manzano. Madrid:
Gredos, 2001.
História Romana II,41 “Estava extremamente unido a Caio Mário por parentesco e era genro
de Cina, cuja filha nenhuma pressão pode fazê-lo repudiar,
diferentemente do cônsul Marco Pisón que havia renegado Ania –
esposa anterior de Cina – para consagrar-se com Sila.”

2.2. Plutarco de Queroneia

PLUTARQUE. Vies Parallèles I. Traduction: J. Alexis Pierron. Revue et Corrigiée par Françoise
Frazier.Introduction, notices, notes, bibliographie et chronologie par Jean Sirinelli. Paris:
Flammarion, 1995.
César I, 1 – 2 “Quando Sila chegou ao poder, como não pôde, nem por esperanças ilusórias,
nem por medo, separar César de Cornélia, filha de Cina, o qual exercera de
maneira absoluta o poder, confiscou-lhe o dote. A causa da hostilidade de César
contra Sila era seu parentesco com Mário. Com efeito, Mário, o antigo, tinha
desposado Júlia, irmã do pai de César da qual nascera Mário, o Jovem, que era
assim primo-irmão de César.”

2.3. Caio Suetônio Tranquilo

SUENTONNIUS. The Lives of Caesars. Oxford: Oxford University Press, 2009.

O Divino Júlio I, 1 “Aos dezesseis anos perdeu o pai. Designado flâmine de Júpiter
durante o consulado seguinte, divorciou-se de Cossúcia, moça de
família eqüestre, mas particularmente rica, da qual ficara noivo em
tempo de pretexta. Casou-se com Cornélia, filha de Cina, por quatro
vezes cônsul, da qual dali a pouco lhe nasceu Júlia. De jeito algum o
ditador Sila conseguiu forçá-lo a que a repudiasse. Em vista disso teve
cassado o sacerdócio, o dote da esposa e as heranças familiares e foi
considerado do partido inimigo.”
353

SUENTONNIUS. The Lives of Caesars. Oxford: Oxford University Press, 2009.

O Divino Júlio VI, 2 “E no panegírico da tia disse o seguinte a respeito da ascendência


dupla dela e de seu próprio pai: “Do lado materno minha tia Júlia
descende de reis, e o paterno está ligado aos deuses imortais. Com
efeito, os Márcios Reis, e esse foi o nome de sua mãe, vêm de Anco
Márcio e de Vênus provêm os Júlios a cuja gente pertence nossa
família. Há, pois, no nosso sangue a sacralidade dos reis, que têm
grande poder entre os homens, e a santidade dos deuses, de cujo
poder depende os reis.”

2.4. Lucio Annaeu Floro

FLORO. Epitome of Roman History. Introduction, Translation and Notes of Edward Seymor
Forster. Cambridge: Harvard University Press, 1984.
Epítome de Tito Lívio I, 45 “A Ásia tendo sido subjugada pelo poder de Pompeu, a Fortuna entregou a
César tudo o que restava para ser conquistado. Aqueles que ainda restavam
eram os mais formidáveis de todas as raças, os Gauleses e os Germânicos, e
também os Britânicos (...). ”

2.5. Dión Cássio

CASSIUS DIO COCCEIANUS. Roman History. Introduction, notes and english translation by
Earnest Cary. London: William Heinemann, 1961, vols. I - VIII

História Romana XLIII, “Em geral, ele era absolutamente um devoto de Vênus e ansiava por
43 persuadir a todos que tinha recebido dela uma espécie de flor da juventude.”

3. Aspectos Físicos de Júlio César

3.1. Plutarco de Queroneia


354

PLUTARQUE. Vies Parallèles I. Traduction: J. Alexis Pierron. Revue et Corrigiée par Françoise
Frazier.Introduction, notices, notes, bibliographie et chronologie par Jean Sirinelli. Paris:
Flammarion, 1995.
César XVII, 2-3 “Não admiravam seu amor ao perigo, em virtude de sua ambição, mas o que
surpreendia era sua resistência às fadigas, pois que parecia ser forte além de sua
capacidade física; com efeito, mesmo sendo franzino de constituição, de pele
branca e delicada, achacado de dores de cabeça e sujeito a ataques epiléticos
(em Córdova pela primeira vez, como se diz, esse mal o atacou), não fez de sua
debilidade pretexto para a indolência, mas, ao contrário, de seu serviço militar
fez a cura de sua debilidade, visto que, por intermináveis marchas, por vida
sóbria, por dormir continuamente ao ar livre e por suportar a fadiga, combatia a
doença e mantinha seu corpo dificilmente sujeito a seus ataques.”

3.2. Caio Suetônio Tranquilo

SUENTONNIUS. The Lives of Caesars. Oxford: Oxford University Press, 2009.

O Divino Júlio XLV,1 “Diz-se que ele era de estatura alta, tez clara, membros bem
proporcionados, faces um pouco mais cheias, olhos negros e vivos, de
saúde privilegiada (...).”

SUENTONNIUS. The Lives of Caesars. Oxford: Oxford University Press, 2009.

O Divino Júlio XLV, 3-5 “Exigente com relação aos cuidados corporais, caprichava no corte de
cabelo e em raspar a barba, chegando até a se depilar, o que foi motivo
de críticas de alguns, mas amargurava-se com a própria calvície,
exposta amiúde às pilhérias de seus detratores. Por isso, costumava
puxar para a parte dianteira da cabeça seus raros cabelos, e de todas as
honras conferidas pelo Senado e o povo a nenhuma recebeu com mais
satisfação do que a que lhe dava o direito de portar permanentemente
a coroa de louro. E também se diz que se fazia notar pela elegância:
usava um laticlavo guarnecido de franjas até as mãos e sobre ele
passava o cinto (...).”

3.3. Dión Cássio


355

CASSIUS DIO COCCEIANUS. Roman History. Introduction, notes and english translation by
Earnest Cary. London: William Heinemann, 1961, vols. I - VIII

História Romana XLIII, “Ele tinha o hábito de aparecer perante os homens através de roupas
42 esvoaçantes e seus calçados eram, algumas vezes, altos e de cores
avermelhadas. ”

4. Qualidades Morais e Intelectuais de Júlio César

4.1. Veléio Patérculo

VELÉIO PATÉRCULO. História Romana II. Trad. Maria Assunción Sánchez Manzano. Madrid:
Gredos, 2001.
História Romana II, 41 “Destacou-se (César) por seu equilíbrio entre todos os cidadãos, de
grande solidez de caráter, muito generoso em munificência, de valentia
sobre humana, acima da natureza e do acreditável (...).”

VELÉIO PATÉRCULO. História Romana II. Trad. Maria Assunción Sánchez Manzano. Madrid:
Gredos, 2001.
História Romana II, 42 “Levaria muito tempo para falar de seus inúmeros ousados planos para
a punição dos piratas, ou como estes foram frustrados pelo magistrado
do povo romano que governava a província da Ásia; relatamos aqui,
portanto, aquilo que servirá como testemunho de sua grandeza futura.
Na noite seguinte ao dia em que foi resgatado com o dinheiro público
das cidades, porém não sem antes obrigar aos piratas a entregar reféns
a estas cidades, sem ordem expressa da autoridade, havendo
recrutado uma embarcação antecipadamente, se dirigiu ao lugar onde
se encontravam os piratas, pôs em retirada parte de seus barcos,
naufragou outra parte, e apreendeu alguns navios e muitos homens.
Satisfeito pelo triunfo da expedição noturna, retornou aos seus e,
prendendo os prisioneiros, se dirigiu a Bítinia, na presença do
procônsul Junco - pois haviam concedido a Ásia e esta província ao
mesmo – para solicitar que assumisse a responsabilidade de executar
os cativos. Apesar de sua negação e deste manifestar sua intenção de
vendê-los – certamente a inveja se somava a sua falta de zelo – César
tornou com incrível rapidez ao mar e, antes que se recebessem as
ordens do procônsul, crucificou a todos que havia capturado.”
356

VELÉIO PATÉRCULO. História Romana II. Trad. Maria Assunción Sánchez Manzano. Madrid:
Gredos, 2001.
História Romana II, 43, “(...) em uma atitude favorável da cidade para com ele (César), superior
Grifo Nosso a aquela que se teve com os acusados (...).”

VELÉIO PATÉRCULO. História Romana II. Trad. Maria Assunción Sánchez Manzano. Madrid:
Gredos, 2001.
História Romana II, 43 “ (...) mostrou admirável valor e zelo no exercício da pretura (...)”

VELÉIO PATÉRCULO. História Romana II. Trad. Maria Assunción Sánchez Manzano. Madrid:
Gredos, 2001.
História Romana II, 44 “Assim, sendo cônsul constituiu uma sociedade de poder entre Cneu
Pompeu e Marco Crasso e esta, que foi nefasta para Roma e para o
mundo, acarretou conseqüências não menos fatais a cada um em
momentos distintos. Ao apoiar esse projeto, Pompeu teve a intenção
de que sua conduta nas províncias do outro lado do mar, que muitos,
segundo dissemos, criticavam, fosse finalmente aprovada por
intermédio do cônsul César; de sua parte, César se dava conta de que
auxiliando na glória de Pompeu aumentaria a sua, e que desviando-se
para a partilha do poder, aumentaria suas possibilidades; Crasso,
como, de início, não havia conseguido sozinho o poder, tentava
alcançá-lo pela autoridade de Pompeu e pelos recursos de César.”

VELÉIO PATÉRCULO. História Romana II. Trad. Maria Assunción Sánchez Manzano. Madrid:
Gredos, 2001.
História Romana II, 44 “Também estabeleceu um parentesco por matrimônio entre César e
Pompeu, pois Cneu Magno se casou com a filha de César.”
357

VELÉIO PATÉRCULO. História Romana II. Trad. Maria Assunción Sánchez Manzano. Madrid:
Gredos, 2001.
História Romana II, 46 “César realizou depois na Gália coisas assombrosas que dificilmente
poderiam ser explicadas em muitos volumes, e não satisfeito com as
muitas e felizes vitórias, onde caíram e foram feitos prisioneiros
milhares de inimigos em números incalculáveis, transportou seu
exército para a Bretanha, buscando assim outro mundo, para nosso
poder e para o seu.”

VELÉIO PATÉRCULO. História Romana II. Trad. Maria Assunción Sánchez Manzano. Madrid:
Gredos, 2001.
História Romana II, 47 “Durante esses anos, os seguintes e aqueles que já fizemos referência
anteriormente, caíram durante as campanhas de Caio César
quatrocentos mil inimigos, e foi ainda maior o número de prisioneiros.
Lutou-se, muitas vezes, em ordem de batalha regular, muitas vezes em
colunas de avanço, muitas vezes fazendo incursões. (...). Durante um
total de nove verões, não houve praticamente nenhum sem um triunfo
justamente merecido. Porém, na batalha da Alésia, tantos foram os
feitos, que dificilmente um homem poderia enfrentar, realizar quase
nada, a não ser um deus.”

VELÉIO PATÉRCULO. História Romana II. Trad. Maria Assunción Sánchez Manzano. Madrid:
Gredos, 2001.
História Romana II, 47 “César estava a quase quatro anos na Gália quando morreu Júlia,
esposa de Magno, promessa da concórdia entre Cneu Pompeu e Caio
César, laço de união de um poder que possuía pouca coesão e muita
inveja. E também o filho pequeno de Pompeu, que havia tido com Júlia,
morreu pouco depois, rompendo toda fortuna da união entre dois
militares condenados a um combate tão decisivo.”
358

VELÉIO PATÉRCULO. História Romana II. Trad. Maria Assunción Sánchez Manzano. Madrid:
Gredos, 2001.
História Romana II, 48 “ (...) viu fracassar as condições de paz que César, com toda justiça,
pretendia (...).”

VELÉIO PATÉRCULO. História Romana II. Trad. Maria Assunción Sánchez Manzano. Madrid:
Gredos, 2001.
História Romana II, 54 “Pretendiam emboscá-lo durante sua chegada, e se atreveram, depois,
a persegui-lo com armas, mas pagaram merecidamente com a vida aos
dois supremos generais, a um, depois de morto, a outro, que seguia
vivo.”

VELÉIO PATÉRCULO. História Romana II. Trad. Maria Assunción Sánchez Manzano. Madrid:
Gredos, 2001.
História Romana II, 56 “Teve cinco triunfos: no da Gália, os ornamentos eram de madeira de
cidro, no do Ponto, de acanto, no de Alexandria, com incrustações de
concha de tartaruga, no da África, de marfim, e no da Espanha, de
prata lisa.”

VELÉIO PATÉRCULO. História Romana II. Trad. Maria Assunción Sánchez Manzano. Madrid:
Gredos, 2001.
História Romana II, 56 “Porém, a um homem de tal categoria e clemência em todas as suas
vitórias, não lhe durou a tranqüilidade do principado mais de cinco
meses. De fato, havia retornado no mês de outubro e foi assassinado
nos idos de março, sendo os promotores da conjuração Bruto e Cássio.
Não havia ganhado aquele com a promessa de consulado, havia
ofendido a Cássio retardando-o. E a esse acordo de morte haviam se
juntado seus colaboradores mais íntimos, Décimo Bruto, Caio Trebônio
e outros de nomes ilustres (...).”
359

VELÉIO PATÉRCULO. História Romana II. Trad. Maria Assunción Sánchez Manzano. Madrid:
Gredos, 2001.
História Romana II,57 “Esperando clemência, porque esta ele havia demonstrado,
desprevenido lhe surpreenderam os ingratos, apesar de que os deuses
lhe haviam oferecido muitos presságios e indícios do perigo que lhe
ameaçava. Depois, os auspícios lhe haviam advertido que tivesse
precaução durante os idos de março, e também sua esposa Calpúrnia,
aterrorizada por uma visão noturna, lhe rogava que ficasse aquele dia
em casa (...).”

4.2. Plutarco de Queroneia

PLUTARQUE. Vies Parallèles I. Traduction: J. Alexis Pierron. Revue et Corrigiée par Françoise
Frazier.Introduction, notices, notes, bibliographie et chronologie par Jean Sirinelli. Paris:
Flammarion, 1995.
César II, 5-7 “Quando seu resgate chegou de Mileto e ele foi libertado após pagá-lo,
imediatamente equipou navios e, partindo de Mileto, alcançou o alto mar em
direção aos corsários. Encontrou-os ainda ancorados na ilha e apoderou-se da
maioria deles. Roubou o dinheiro e, após ter lançado os homens na prisão, em
Pérgamo, foi em pessoa procurar o governador da Ásia, Junco , porquanto lhe
cabia como pretor punir os prisioneiros. Quando Junco lançou um olhar de
ambição sobre o dinheiro (pois não era pouco) e afirmou que sem pressa
examinaria atentamente os presos, César deixou-o e voltou a Pérgamo. Fez sair
da prisão os corsários e enforcou todos eles (...).”

PLUTARQUE. Vies Parallèles I. Traduction: J. Alexis Pierron. Revue et Corrigiée par Françoise
Frazier.Introduction, notices, notes, bibliographie et chronologie par Jean Sirinelli. Paris:
Flammarion, 1995.
César III,1 “(...) ele dirigiu-se a Rodes para estudar sob a direção de Apolônio, filho de
Mólon, de quem também Cícero tinha sido discípulo, uma vez que Apolônio era
brilhante professor de retórica e parecia ser de bom caráter.”

PLUTARQUE. Vies Parallèles I. Traduction: J. Alexis Pierron. Revue et Corrigiée par Françoise
Frazier.Introduction, notices, notes, bibliographie et chronologie par Jean Sirinelli. Paris:
Flammarion, 1995.
César III,2 “Diz também que César tinha uma disposição natural excelente para a oratória
política e cultivara essa disposição com muito ardor (...).”
360

PLUTARQUE. Vies Parallèles I. Traduction: J. Alexis Pierron. Revue et Corrigiée par Françoise
Frazier.Introduction, notices, notes, bibliographie et chronologie par Jean Sirinelli. Paris:
Flammarion, 1995.
César V,1 “César recebeu a primeira prova da benevolência do povo para com ele quando,
competindo com Caio Pompílio pela função de tribuno militar, foi proclamado
publicamente o primeiro”

PLUTARQUE. Vies Parallèles I. Traduction: J. Alexis Pierron. Revue et Corrigiée par Françoise
Frazier.Introduction, notices, notes, bibliographie et chronologie par Jean Sirinelli. Paris:
Flammarion, 1995.
César V, 2-5 “A segunda prova é mais evidente que a primeira, ele a recebeu quando, tendo
falecido a esposa de Mário, Júlia, de quem era sobrinho, pronunciou um
brilhante encômio no fórum, e, no préstito fúnebre, ousou exibir imagens de
Mário, que foram então vistas pela primeira vez depois do governo de Sila,
porque Mário e seus amigos tinham sido reconhecidos como inimigos públicos.
Neste ínterim, como alguns clamaram contra César, o povo respondeu em altos
brados, acolhendo-o com aplausos e olhando-o com admiração, como se
estivesse fazendo subir do Hades para a cidade, após muito tempo, as honrarias
de Mário. Pronunciar orações fúnebres para mulheres idosas era de fato
costume ancestral dos romanos, e, embora não fosse usual para as jovens, César
pela primeira vez proferiu tal discurso diante de sua própria esposa falecida. Isso
trouxe-lhe certo benefício, e, com seu infortúnio, levou o povo a amá-lo como
um homem afável e de muitas qualidades.”

PLUTARQUE. Vies Parallèles I. Traduction: J. Alexis Pierron. Revue et Corrigiée par Françoise
Frazier.Introduction, notices, notes, bibliographie et chronologie par Jean Sirinelli. Paris:
Flammarion, 1995.
César IV, 1-5 “Em Roma, irradiava-se de César uma grande sedução por causa de sua
eloquência nas defesas, e considerável estima vinha-lhe de seus concidadãos
pela amabilidade de seu acolhimento e de sua conversação, visto que era mais
obsequioso que os da sua idade. Ele tinha também certo poder político que
crescia graças aos festins, às refeições e, em geral, ao brilho de sua maneira de
viver.”
361

PLUTARQUE. Vies Parallèles I. Traduction: J. Alexis Pierron. Revue et Corrigiée par Françoise
Frazier.Introduction, notices, notes, bibliographie et chronologie par Jean Sirinelli. Paris:
Flammarion, 1995.
César VI,7 “Como César se defendeu dessa acusação e persuadiu o Senado, seus
admiradores exaltaram-se ainda mais e incitaram-no a não refrear seu orgulho
diante de ninguém, pois levaria vantagem sobre todos pela vontade do povo e
ocuparia o primeiro lugar.”

PLUTARQUE. Vies Parallèles I. Traduction: J. Alexis Pierron. Revue et Corrigiée par Françoise
Frazier.Introduction, notices, notes, bibliographie et chronologie par Jean Sirinelli. Paris:
Flammarion, 1995.
César XIII, 3-5 “Entrou na cidade e imediatamente assumiu uma política que enganou a todos,
exceto Catão. Essa política causou a reconciliação de Pompeu e Crasso, os mais
poderosos da cidade. César, levando esses homens de malquerença para a
amizade e concentrando em si a força de ambos, mudou disfarçadamente o
regime político com um ato que pretendia ter o nome de humano. De fato, não
foi, como a maioria crê, a desavença de César e Pompeu que causou as guerras
civis, mas sobretudo sua amizade, visto que se uniram primeiro para a queda da
aristocracia e só depois disso se indispuseram reciprocamente.”

PLUTARQUE. Vies Parallèles I. Traduction: J. Alexis Pierron. Revue et Corrigiée par Françoise
Frazier.Introduction, notices, notes, bibliographie et chronologie par Jean Sirinelli. Paris:
Flammarion, 1995.
César XIV, 7 “César procurava apoderar-se ainda mais da influência de Pompeu: ele tinha
uma filha, Júlia, que era noiva de Servílio Cépio; comprometeu-se a casá-la com
Pompeu e declarou que daria a Servílio a filha de Pompeu, que também não era
livre, mas tinha sido prometida a Fausto, filho de Sila.”

PLUTARQUE. Vies Parallèles I. Traduction: J. Alexis Pierron. Revue et Corrigiée par Françoise
Frazier.Introduction, notices, notes, bibliographie et chronologie par Jean Sirinelli. Paris:
Flammarion, 1995.
César XV, 2 – 5 “O período das guerras que fez em seguida e das expedições com as quais
subjugou a terra dos celtas mostrou que ele, como se tivesse tomado outro
ponto de partida e entrado numa trilha de vida diferente e de novas realizações,
não era como um guerreiro e comandante inferior a nenhum outro dos mais
admirados pelo comando e tornado os mais importantes; mas se compararmos a
homens como os Fábios, os Cipiões e os Metelos,e àqueles de seu tempo ou
362

àqueles pouco anteriores a ele, como Sila, Mário, os dois Luculos, ou ainda o
próprio Pompeu, cuja glória então florescia, elevando-se até o céu, em razão das
superiores qualidades de toda espécie em guerra, os empreendimentos de César
são superiores: ele supera um pela dificuldade dos lugares onde combateu;
outro, pela extensão do país conquistado; outro, pelo grande número e força do
inimigo vencido; este, pelos despropósitos e pela perfídia dos povos que ele
conciliou; aquele, pela moderação e pela brandura para com os prisioneiros;
este, por presentes e favores concedidos a seus companheiros de armas; e a
todos, por fazer o maior número de combates e por aniquilar a maior parte dos
inimigos. De fato, tendo combatido menos de dez anos nas Gálias, tomou à viva
força mais de oitocentas cidades, submeteu trezentos povos e, dispondo suas
tropas em diferentes ocasiões contra três milhões de homens, matou um milhão
lutando corpo a corpo e fez outros tantos prisioneiros.”

PLUTARQUE. Vies Parallèles I. Traduction: J. Alexis Pierron. Revue et Corrigiée par Françoise
Frazier.Introduction, notices, notes, bibliographie et chronologie par Jean Sirinelli. Paris:
Flammarion, 1995.
César XXVI, 3 “Mas César, nascido para fazer excelente uso de tudo que se refere à guerra, e
sobretudo do momento oportuno, logo que soube da revolta , levantou o
acampamento e partiu pelos mesmos caminhos que percorrera, e mostrou aos
bárbaros pelo vigor, pela rapidez da marcha através de tão duro inverno, que um
exército irresistível e invencível avançava contra eles.”

PLUTARQUE. Vies Parallèles I. Traduction: J. Alexis Pierron. Revue et Corrigiée par Françoise
Frazier.Introduction, notices, notes, bibliographie et chronologie par Jean Sirinelli. Paris:
Flammarion, 1995.
César XXI,1 “O Senado, sabendo desses acontecimentos, decretou que se fizessem sacrifícios
aos deuses e que se suspendesse o trabalho, festejando-se por quinze dias,
número tão grande como nenhuma outra vitória precedentemente motivara. E,
de fato, grande se mostrou o perigo, quando tantas nações ao mesmo tempo se
revoltaram; e, porque o vencedor era César, a benquerença do povo para com
ele tornava mais brilhante sua vitória.”
363

PLUTARQUE. Vies Parallèles I. Traduction: J. Alexis Pierron. Revue et Corrigiée par Françoise
Frazier.Introduction, notices, notes, bibliographie et chronologie par Jean Sirinelli. Paris:
Flammarion, 1995.
César XVI,1 “Desfrutou tão grande benevolência e zelo da parte dos soldados que mesmo
aqueles que absolutamente não se distinguiram dos outros nas campanhas
precedentes se lançavam a qualquer perigo, invencíveis e irresistíveis, pela glória
de César.”

PLUTARQUE. Vies Parallèles I. Traduction: J. Alexis Pierron. Revue et Corrigiée par Françoise
Frazier.Introduction, notices, notes, bibliographie et chronologie par Jean Sirinelli. Paris:
Flammarion, 1995.
César XXIII,5 “Quando estava prestes a fazer a travessia, chegaram a eles cartas dos amigos
de Roma, noticiando o falecimento de sua filha; morrera de parto na casa de
Pompeu. Grande dor dominou o próprio Pompeu, e grande dor também a César,
enquanto os amigos ficaram transtornados, porque o parentesco, que mantinha
em paz e concórdia o estado, já debilitado por outras razões, estava dissolvido;
e,de fato, a criança logo morreu, poucos dias tendo sobrevivido à mãe. Quanto a
Júlia, contra a vontade dos tribunos, o povo ergueu seu corpo e levou-o para o
campo de Marte, e aí jaz depois de ter recebido honras fúnebres.”

PLUTARQUE. Vies Parallèles I. Traduction: J. Alexis Pierron. Revue et Corrigiée par Françoise
Frazier.Introduction, notices, notes, bibliographie et chronologie par Jean Sirinelli. Paris:
Flammarion, 1995.
César XXVIII, “Muitos eram os que já ousavam dizer mesmo em público que o estado não
6-7 podia ser curado a não ser pela monarquia, e que era preciso aceitar esse
remédio, quando lhe oferecia o mais doce dos médicos, referindo-se a Pompeu.
Quando mesmo este, embora em palavras fingisse não querer, na realidade
acima de tudo levava a efeito o que resultaria em sua nomeação como ditador,
Catão e seus partidários, tendo a mesma opinião, persuadem o Senado a nomeá-
lo cônsul único (...).”
364

PLUTARQUE. Vies Parallèles I. Traduction: J. Alexis Pierron. Revue et Corrigiée par Françoise
Frazier.Introduction, notices, notes, bibliographie et chronologie par Jean Sirinelli. Paris:
Flammarion, 1995.
César XLV,7 “Pompeu, quando viu da outra ala os cavaleiros dispersos em fuga, não foi mais
o mesmo nem se lembrou de que era Pompeu Magno, mas, completamente
privado da razão por um deus, ou apavorado por uma derrota de origem divina,
afastou-se mudo para sua tenda, sentou-se e esperou o que devia acontecer
(...).”

PLUTARQUE. Vies Parallèles I. Traduction: J. Alexis Pierron. Revue et Corrigiée par Françoise
Frazier.Introduction, notices, notes, bibliographie et chronologie par Jean Sirinelli. Paris:
Flammarion, 1995.
César XLIX, 5 “Quanto à guerra que aí mesmo ocorreu, uns dizem que ela não era necessária,
mas que, motivado pelo amor de Cleópatra, foi para César inglória e cheia de
riscos; outros acusam os servidores do rei e sobretudo o eunuco Potino, que
dispunha do maior poder e recentemente tinha mandando matar Pompeu; tinha
também expulsado Cleópatra e tramado secretamente contra César.”

PLUTARQUE. Vies Parallèles I. Traduction: J. Alexis Pierron. Revue et Corrigiée par Françoise
Frazier.Introduction, notices, notes, bibliographie et chronologie par Jean Sirinelli. Paris:
Flammarion, 1995.
César LI, 1-4 “Depois disso, ele atravessou o mar para ir à Itália e subiu a Roma, quando
findava o ano para o qual tinha sido escolhido como ditador pela segunda vez,
embora esse cargo até então jamais tivesse sido anual. Foi proclamado cônsul
para o ano seguinte . Censuravam-no porque, depois que seus soldados se
tinham rebelado e matado dois pretorianos, Coscônio e Golba, infligiu-lhes
somente a pena de chamá-los ‘cidadãos’ em vez de ‘soldados’, e distribuiu a
cada um mil dracmas e ainda lhes atribuiu muitos lotes de terra na Itália.
Imputavam-lhe também a doidice de Dolabela , a ganância de Mácio, a
bebedeira de Antônio, o qual demoliu a casa de Pompeu e a reconstruiu, pois
julgava não ser bastante grande para ele. Os romanos irritavam-se com esses
fatos. Embora César não os ignorasse nem os aprovasse, por causa de seus
planos políticos era forçado a servir-se de tais auxiliares.”
365

PLUTARQUE. Vies Parallèles I. Traduction: J. Alexis Pierron. Revue et Corrigiée par Françoise
Frazier.Introduction, notices, notes, bibliographie et chronologie par Jean Sirinelli. Paris:
Flammarion, 1995.
César LIX,1 “A reforma do calendário e a correção da irregularidade no cálculo do tempo,
cientificamente estudadas com habilidade por ele, e levadas a cabo, trouxeram a
mais alta utilidade.”

PLUTARQUE. Vies Parallèles I. Traduction: J. Alexis Pierron. Revue et Corrigiée par Françoise
Frazier.Introduction, notices, notes, bibliographie et chronologie par Jean Sirinelli. Paris:
Flammarion, 1995.
César LX,1 “O amor ardente pela dignidade real provocou contra César o ódio mais
declarado e que foi causa de sua morte; isso foi para o povo um primeiro motivo
de censura, e para aqueles que há muito tempo procediam com dissimulação foi
o mais especioso pretexto.”

PLUTARQUE. Vies Parallèles I. Traduction: J. Alexis Pierron. Revue et Corrigiée par Françoise
Frazier.Introduction, notices, notes, bibliographie et chronologie par Jean Sirinelli. Paris:
Flammarion, 1995.
César LVII,1 “Entretanto, como os romanos se inclinaram diante da sorte desse homem e
aceitaram o freio e como julgaram que a monarquia fosse uma pausa após os
males da guerra civil, nomearam-no ditador vitalício (...)”

PLUTARQUE. Vies Parallèles I. Traduction: J. Alexis Pierron. Revue et Corrigiée par Françoise
Frazier.Introduction, notices, notes, bibliographie et chronologie par Jean Sirinelli. Paris:
Flammarion, 1995.
César LXVI, 10- “E, quando cada um dos que estavam preparados para o assassinato mostrou a
12 espada nua, César, cercado de todos os lados, e, para qualquer ponto que
voltasse o olhar, deparando com golpes de armas de ferro dirigidos ao seu rosto
e aos olhos, debatia-se trespassado de lado a lado, como uma fera na mão de
todos, pois todos deviam participar do sacrifício e desfrutar do assassinato. Por
isso, também Bruto lhe aplicou um golpe na virilha. Alguns dizem que então,
embora ele lutasse contra os outros, deslocando-se daqui e dali e gritando,
quando viu Bruto tirar seu punhal, puxou a toga sobre a cabeça e deixou-se cair
(...).”
366

4.3. Caio Suetônio Tranquilo

SUENTONNIUS. The Lives of Caesars. Oxford: Oxford University Press, 2009.

O Divino Júlio XLVI,1-2, “Morou (César) primeiro numa modesta casa do Subura ; depois, como
Grifo Nosso sumo pontífice, na Via Sacra, em edifício oficial. De acordo com
testemunho de muitas pessoas foi um apaixonado do requinte e da
suntuosidade (...).”

SUENTONNIUS. The Lives of Caesars. Oxford: Oxford University Press, 2009.

O Divino Júlio L, 1 “É por toda gente reconhecido seu pendor suntuoso pelos prazeres do
sexo, seduziu um grande número de mulheres ilustres (...).”

SUENTONNIUS. The Lives of Caesars. Oxford: Oxford University Press, 2009.

O Divino Júlio II, 1-2 “Iniciou o serviço militar na Ásia, no quartel–general do preto Marcos
Termo; enviado por ela à Bítinia para mobilizar uma esquadra, deixou-
se ficar na corte de Nicomedes, não sem que se espalhasse o boato de
ele ter-se prostituído ao rei, rumor aumentado quando logo a seguir
voltou a Bítinia sob a alegação de cobrar uma dívida de um liberto, seu
cliente. O resto da Campanha lhe valeu uma reputação mais favorável,
e Termo, na tomada de Mitilene, condecorou-o com a coroa cívica.”

SUENTONNIUS. The Lives of Caesars. Oxford: Oxford University Press, 2009.

O Divino Júlio XLIX,1 “Nada feriu sua dignidade viril a não ser a parceria com Nicomedes,
que lhe custou sério e permanente descrédito e o expôs ao ludíbrio
geral.”

SUENTONNIUS. The Lives of Caesars. Oxford: Oxford University Press, 2009.

O Divino Júlio IV,1 “(...) Logo após a contagem de 50 talentos e o desembarque na praia,
César não deixou passar um instante para sair ao encalço dos corsários;
lançou navios ao mar e deitando a mão neles, aplicou-lhes o suplício
que, em meio a troças, viviam a ameaçá-lo.”
367

SUENTONNIUS. The Lives of Caesars. Oxford: Oxford University Press, 2009.

O Divino Júlio LXXIV,1 “Até mesmo na vingança era por natureza de grande brandura, quando
teve em suas mãos os piratas que o haviam feito prisioneiro, ordenou
que primeiro fossem estrangulados e depois colocados na cruz, para
cumprir seu juramento de que nela os haveria de pendurar.”

SUENTONNIUS. The Lives of Caesars. Oxford: Oxford University Press, 2009.

O Divino Júlio IV,1 “(...) decidiu resguardar-se em Rodes para esquivar-se de represália e
para freqüentar, durante esse período de ócio e descanso, Apolônio
Molão, na época o mais ilustre mestre de eloquência.”

SUENTONNIUS. The Lives of Caesars. Oxford: Oxford University Press, 2009.

O Divino Júlio LV,1 “Como orador ou militar igualou ou superou a glória dos mais
eminentes. Depois do processo contra Dolabella foi
incontestavelmente incluído entre as maiores expressões dos
tribunais.”

SUENTONNIUS. The Lives of Caesars. Oxford: Oxford University Press, 2009.

O Divino Júlio LV, 4 “Diz-se que discursava com voz penetrante, com movimentos e gestos
incisivos e certo fascínio.”

SUENTONNIUS. The Lives of Caesars. Oxford: Oxford University Press, 2009.

O Divino Júlio V,1. “Durante seu tribunato militar, primeira magistratura que, ao regressar
a Roma, obteve por voto popular (...)”
368

SUENTONNIUS. The Lives of Caesars. Oxford: Oxford University Press, 2009.

O Divino Júlio X,1-2 “Como edil, ele embelezou, além do comício, do foro e das basílicas,
também o Capitólio com a construção de pórticos provisórios para ali
expor uma parte de seu tesouro constituído de grande quantidade de
peças. Proporcionou caçadas e jogos juntamente com seu colega.”

SUENTONNIUS. The Lives of Caesars. Oxford: Oxford University Press, 2009.

O Divino Júlio XVI, 3 “(...) Ademais, dois dias depois, como uma multidão num impulso
espontâneo batesse às portas e em alvoroço assegurasse sua
colaboração para preservar-lhe o cargo, ele a acalmou.”

SUENTONNIUS. The Lives of Caesars. Oxford: Oxford University Press, 2009.

O Divino Júlio XIV,1 “ (...) foi o único que propôs que, tendo seus bens confiscados, fossem
eles distribuídos por municípios e lá mantidos presos.”

SUENTONNIUS. The Lives of Caesars. Oxford: Oxford University Press, 2009.

O Divino Júlio XX,1 “Tão Logo tomou posse do cargo, foi dos romanos o primeiro a instituir
que se tornasse público o relatório escrito dos atos diários do Senado e
das assembleias populares”.

SUENTONNIUS. The Lives of Caesars. Oxford: Oxford University Press, 2009.

O Divino Júlio XXI,2 “(...) a partir desse novo parentesco passou a pedir o parecer de
Pompeu em primeiro lugar (...)”
369

SUENTONNIUS. The Lives of Caesars. Oxford: Oxford University Press, 2009.

O Divino Júlio XXIV, 3 “A partir de então, atacando, sem provocação, populações tanto
aliadas, como inimigas e ferozes, não se furtou a nenhuma ocasião de
guerra, mesmo injusta ou arriscada, a tal ponto que certa vez o Senado
decidiu enviar delegados para investigar a situação das Gálias, e alguns
senadores foram de parecer que fosse entregue aos inimigos. Dado,
porém, o bom sucesso de suas ações, obteve súplicas públicas mais
vezes e por mais dias que jamais obteve outro general.”

SUENTONNIUS. The Lives of Caesars. Oxford: Oxford University Press, 2009.

O Divino Júlio XXV,4 “E em meio a tantos sucessos não conheceu mais que três resultados
adversos: na Britânia a sua frota quase foi aniquilada por violenta
tempestade, na Gália uma legião destroçada diante da Gergóvia e no
território dos germanos seus legados Tintúrio e Aurunculéio foram
liquidados em uma emboscada.”

SUENTONNIUS. The Lives of Caesars. Oxford: Oxford University Press, 2009.

O Divino Júlio LXVIII,1 “ Em vista disso, ele os tornou (os soldados) totalmente dedicados a si
e extremamente corajosos.”

SUENTONNIUS. The Lives of Caesars. Oxford: Oxford University Press, 2009.

O Divino Júlio XXVI,1-2 “Num mesmo espaço de tempo, perdeu primeiro a mãe, a seguir a filha
e não muito depois, o neto. Nesse ínterim, encontrava-se o Estado
abalado (...).”
370

SUENTONNIUS. The Lives of Caesars. Oxford: Oxford University Press, 2009.

O Divino Júlio XXX, 1-4 “Mas como o Senado não se interpunha e os adversários recusavam
fazer qualquer acordo sobre os assuntos públicos, ele passou a Gália
citerior e, tendo administrado a justiça, se deteve em Ravena, pronto
para reagir com as armas, se decisões drásticas fossem tomadas pelos
Senados contra os tribunos da plebe, que, para defendê-lo, se valiam
do veto. É verdade que essa foi a alegação dele para a guerra civil, mas
pensa-se que os motivos foram outros. Cneu Pompeu vivia dizendo que
seu objetivo foi criar tumulto e confusão generalizada, porque não
conseguira terminar as obras que planejara nem satisfazer as
expectativas que despertara na população para o momento de seu
retorno. Outros afirmam que ele temia ser obrigado a dar conta das
irregularidades praticadas no primeiro consulado contra os auspícios,
as leis e as intercessões.”

SUENTONNIUS. The Lives of Caesars. Oxford: Oxford University Press, 2009.

O Divino Júlio XXXIII,1 “E aí então fez passar o exército; após acolher os tribunos da plebe,
que tinham vindo ter com ele depois da expulsão, reuniu a tropa e, aos
prantos e rasgando a roupa no peito, apelou para a lealdade dos
soldados”

SUENTONNIUS. The Lives of Caesars. Oxford: Oxford University Press, 2009.

O Divino Júlio XXXV, 1-2 Ao saber-lhe que igualmente a ele o rei Ptolomeu preparava ciladas,
moveu-lhe uma guerra realmente duríssima, em posição e estação
adversas, no inverno e dentro das muralhas de um inimigo provido de
tudo e extremamente solerte, enquanto ele passava por toda sorte de
necessidade e encontrava-se despreparado. Vencedor, deixou o reino
do Egito a Cleópatra e a seu irmão mais novo, temendo transformá-lo
em província para que nas mãos de um governador mais violento, não
viesse a ser foco de revolução.
371

SUENTONNIUS. The Lives of Caesars. Oxford: Oxford University Press, 2009.

O Divino Júlio LII, 1-2 “Foi também amante de rainhas, entre outras, Êunoe, esposa de
Bógude, da Mauritânia, concedendo a ela e ao marido inúmeros e
amplos favores, conforme Nasão escreveu; mas privilegiou Cleópatra,
cujos banquetes, muitas vezes, se estenderam até o amanhecer (...).”

SUENTONNIUS. The Lives of Caesars. Oxford: Oxford University Press, 2009.

O Divino Júlio LIII,1 “Que era muito parco no consumo de vinho, nem os inimigos o
contestam”.

SUENTONNIUS. The Lives of Caesars. Oxford: Oxford University Press, 2009.

O Divino Júlio XXXVI,1 “Em todas as guerras civis não sofreu qualquer derrota (...)”

SUENTONNIUS. The Lives of Caesars. Oxford: Oxford University Press, 2009.

O Divino Júlio XXXVI,2 “Sob seu comando, as batalhas foram sempre de êxito indiscutível e a
fortuna nem mesmo lhe foi ambígua (...)”

SUENTONNIUS. The Lives of Caesars. Oxford: Oxford University Press, 2009.

O Divino Júlio XXXVIII, 1- A título de despojo, deu a cada soldado da infantaria das antigas
4 legiões vinte e quatro mil sestércios, além dos dois mil pagos no início
da conflagração civil. Concedeu também lotes de terras, mas não
372

contíguos, para não desalojar nenhum possuidor. A população doou,


além dos dez módios de trigo e igual quantia de óleo, trezentos
sestércios por pessoa, prometidos anteriormente, mais outros cem
pelo atraso. Perdoou, por um ano, o aluguel de casa, que em Roma
chegava até dois mil sestércios e na Itália não ultrapassava quinhentos.
Acrescentou ainda um banquete e distribuição de carne e, depois da
vitória na Hispânia, duas refeições; pois, como a seu juízo, a primeira
tinha sido frugal e pouco condizente com sua generosidade, ofertou,
cinco dias depois, uma segunda fartissíma.

SUENTONNIUS. The Lives of Caesars. Oxford: Oxford University Press, 2009.

O Divino Júlio XLI,1 “Completou o Senado, criou patrícios, ampliou o número dos pretores,
edis, questores e também das magistraturas inferiores; reabilitou
cidadãos cassados por decisão dos censores, ou condenados por crime
eleitoral em sentença judicial.”

SUENTONNIUS. The Lives of Caesars. Oxford: Oxford University Press, 2009.

O Divino Júlio XLIII,1 “Administrou a justiça com o maior zelo e a maior severidade. Chegou
até a eliminar da classe senatorial magistrados culpados de peculato.”

SUENTONNIUS. The Lives of Caesars. Oxford: Oxford University Press, 2009.

O Divino Júlio XLIV,1 “ A cada dia eram mais numerosos e mais ambiciosos seus projetos
para embelezar e prover a cidade para defender e estender os
impérios.”

SUENTONNIUS. The Lives of Caesars. Oxford: Oxford University Press, 2009.

O Divino Júlio LXXV,1 “ Não apenas no transcorrer da guerra civil como também na vitória,
deu mostras de admirável moderação e clemência.”
373

SUENTONNIUS. The Lives of Caesars. Oxford: Oxford University Press, 2009.

O Divino Júlio LXXXII, 2-3 “E quando ele se dá conta de que é atacado de todos os lados com
punhais em riste, cobre com a toga a cabeça e com a mão esquerda
deixa cair até os pés a dobra superior dela, para que, tendo seu corpo
coberto também na parte de baixo, sua queda ocorresse com bastante
dignidade. Assim ele foi ferido com vinte e três punhaladas, tendo
dado um único gemido na primeira estocada, mas sem dizer palavras,
embora haja os que propaguem que, no momento em que Bruto o
atacava, ele lhe teria dito: “Até você, meu filho”.

SUENTONNIUS. The Lives of Caesars. Oxford: Oxford University Press, 2009.

O Divino Júlio LXXXV,2 “Aos pés dela, por longo tempo, continuou-se a oferecer sacrifício,
fazer promessas, solucionar litígios, jurando pelo nome de César.”

SUENTONNIUS. The Lives of Caesars. Oxford: Oxford University Press, 2009.

O Divino Júlio LXXXIV,8 “Em meio à maior tristeza do povo, uma multidão de estrangeiros, em
grupos, pranteou, cada um a sua maneira, principalmente os judeus,
que chegaram a visitar o local da pira durante noites seguintes.”

SUENTONNIUS. The Lives of Caesars. Oxford: Oxford University Press, 2009.

O Divino Júlio LXXXIII,3 “Mas no último testamento instituiu herdeiros três netos de suas
irmãs, Caio Otávio, em três quartos, Lúcio Pinário e Quinto Pédio, na
quarta parte restante; na parte final do testamento adotou Caio Otávio
e lhe deu seu nome (...)”

4.4. Lucio Annaeu Floro


374

FLORO. Epitome of Roman History. Introduction, Translation and Notes of Edward Seymor
Forster. Cambridge: Harvard University Press, 1984.
Epítome de Tito Lívio II,13 “ Seus concidadãos não eram ingratos e acumularam-lhe todo o tipo de
honras (...). ”

FLORO. Epitome of Roman History. Introduction, Translation and Notes of Edward Seymor
Forster. Cambridge: Harvard University Press, 1984.
Epítome de Tito Lívio II,13 “A fama de Caio César devido a sua eloquência e coragem foi agora realçada
pela detenção do consulado; porém, Pompeu ocupava uma posição mais
elevada que qualquer um deles. César, portanto, desejoso pela vitória, Crasso
de crescer e Pompeu para manter sua posição, e todos igualmente ansiosos
pelo poder, prontamente entraram em acordo para dividirem o governo.”

FLORO. Epitome of Roman History. Introduction, Translation and Notes of Edward Seymor
Forster. Cambridge: Harvard University Press, 1984.
Epítome de Tito Lívio II,13 “Júlia, que, como filha de César e esposa de Pompeu, através dos laços
matrimoniais, manteve as relações cordiais entre sogro e genro (...). ”

FLORO. Epitome of Roman History. Introduction, Translation and Notes of Edward Seymor
Forster. Cambridge: Harvard University Press, 1984.
Epítome de Tito Lívio II,13 “No Egito, de fato, uma guerra eclodiu contra César, o qual não possuía
conexão alguma com nenhuma das partes em disputa. Desde que Ptolomeu,
rei de Alexandria, perpetuou a atrocidade final da guerra civil selando um
pacto de amizade com César através do assassinato de Pompeu, o destino
clamou por vingança perante a sombra de tão ilustre vítima; e, a ocasião para
tanto logo se fez presente.”
375

4.5. Dión Cássio

CASSIUS DIO COCCEIANUS. Roman History. Introduction, notes and english translation by
Earnest Cary. London: William Heinemann, 1961, vols. I - VIII

História Romana XXXIX, “ O fato, porém, que a influência de César estava aumentando e que o povo
24 admirava tanto suas conquistas que, envoltos na esperança depositada no
general, solicitavam aos homens do Senado, supondo que as Gálias estavam
completamente subjugadas, pedidos para o envio à César de grandes
quantias de dinheiro (...). ”

CASSIUS DIO COCCEIANUS. Roman History. Introduction, notes and english translation by
Earnest Cary. London: William Heinemann, 1961, vols. I - VIII

História Romana “ Através destes meios César vinculou o povo a sua causa (...). ”
XXXVIII, 7

CASSIUS DIO COCCEIANUS. Roman History. Introduction, notes and english translation by
Earnest Cary. London: William Heinemann, 1961, vols. I - VIII

História Romana “Porém, temendo que Pompeu pudesse efetuar algumas mudanças durante
XXXVIII, 9 sua ausência, enquanto Aulus Gabinus deveria tornar-se cônsul, ele uniu-se
tanto com Pompeu quanto com Lúcio Piso por laços de parentesco: ao
primeiro ele concedeu sua filha, apesar desta estar noiva de outro homem,
ao mesmo tempo em que ele se casava com a filha de Piso.”

CASSIUS DIO COCCEIANUS. Roman History. Introduction, notes and english translation by
Earnest Cary. London: William Heinemann, 1961, vols. I - VIII

História Romana XXXIX, “Mas ele (Pompeu) tinha naquele momento duas coisas capazes de destruir a
26. amizade entre pessoas, medo e inveja, e estas não podem ser evitadas por
nada a não ser por proporções iguais de fama e força. Pelo tempo que as
pessoas possuírem a última em quantidades iguais, a sua amizade mantém-
se firme. Porém, quando um ou outro se sobressai, a parte inferior torna-se
ciumento e passa a nutrir ódio pelo superior (...). Com base neste raciocínio,
Pompeu começou a armar-se contra César.”

5. Referências Genealógicas sobre Augusto

5.1. Veléio Patérculo


376

VELÉIO PATÉRCULO. História Romana II. Trad. Maria Assunción Sánchez Manzano. Madrid:
Gredos, 2001.
História Romana II, 36 “O nascimento do Divino Augusto, que iria obscurecer a todos os
homens de todas as naturalidades com sua grandeza, há noventa e
dois anos atrás, acresceu de brilhantismo o consulado de Cícero .”

VELÉIO PATÉRCULO. História Romana II. Trad. Maria Assunción Sánchez Manzano. Madrid:
Gredos, 2001.
História Romana II, 59 “Depois, se abriu o testamento de César onde este adotava Caio
Otávio, neto de sua irmã Júlia.”

VELÉIO PATÉRCULO. História Romana II. Trad. Maria Assunción Sánchez Manzano. Madrid:
Gredos, 2001.
História Romana II, 59 “Seu pai, Caio Otávio, descendia de uma família que, embora não fosse
patrícia, era muito ilustre dentro da ordem dos eqüestres; um homem
severo, irrepreensível, honrado e rico. Obteve em primeiro lugar a
pretura junto com homens muito notáveis, depois que sua dignidade o
tornou merecedor do casamento com Átia, a filha de Júlia, terminou
essa magistratura, dirigindo-se a Macedônia, onde foi nomeado
general; porém, em sua volta a Roma para apresentar sua candidatura
ao consulado, morreu, deixando um filho de quatro anos.”

5.2. Caio Suetônio Tranquilo

SUENTONNIUS. The Lives of Caesars. Oxford: Oxford University Press, 2009.

O Divino Júlio LXXXIII, 3- “Mas no último testamento, instituiu herdeiros três netos de suas
4 irmãs, Caio Otávio, em três quartos, Lúcio Pinário e Quinto Pédio, na
quarta parte restante; na parte final do testamento adotou Caio Otávio
e lhe deu seu nome, tendo nomeado tutores dos filhos que lhe viessem
a nascer a maior parte dos que o apunhalaram; entre os herdeiros de
segundo lugar estava até mesmo Décimo Bruto. Legou ao povo,
coletivamente, os jardins do Tibre, e trezentos sestércios por pessoa”
377

SUENTONNIUS. The Lives of Caesars. Oxford: Oxford University Press, 2009.

O Divino Augusto I, 1 “Muitas evidências comprovam que a família Otávia foi, outrora, a
primeira de Velitras. De fato, o bairro localizado na parte mais
populosa da cidade já muito era chamado de Otávio, e aí se erguia um
altar consagrado a Otávio, que fora general em guerra contra povos
vizinhos.”

SUENTONNIUS. The Lives of Caesars. Oxford: Oxford University Press, 2009.

O Divino Augusto II, 1-3 “Seu pai, Caio Otávio, desde a juventude gozou de grande riqueza e
prestígio, de modo que certamente me admira sabê-lo arrolado por
alguns como banqueiro ou ainda entre os agentes e cabos eleitorais; de
fato, criado em meio à opulência, obteve magistratura com facilidade e
exerceu-as com distinção. Ao deixar o cargo de pretor coube a ele, por
um sorteio, a província da Macedônia e, no caminho, destruiu os
fugitivos que ocupavam o território de Túrio, bando restante de
Espártaco e de Catilina, em uma missão extraordinária confiada a ele
pelo Senado. Governou a província com não menos justiça do que
firmeza, pois, desbaratados os bessos e trácios numa grande batalha, de
tal modo tratou os aliados, que ainda restam cartas de Cícero nas quais
ele exorta e aconselha o irmão Quinto, que na mesma época
desempenhava o proconsulado da Ásia gozando de reputação pouco
favorável, a imitar seu próprio vizinho, Otávio, a fim de granjear
aliados.”

SUENTONNIUS. The Lives of Caesars. Oxford: Oxford University Press, 2009.

O Divino Augusto IV, 2 “Àtia foi gerada por Marco Átio Balbo e por Júlia, irmã de Caio César.
Balbo, um aricínio pelo lado paterno, com muitas figuras senatoriais na
família, era, pelo lado materno, parente muito próximo de Pompeu, o
Grande e, tendo exercido o cargo da pretura, dividiu, integrando a
comição dos vigintíviros, o território da Campânia entre a pleble de
acordo com a lei Júlia.”
378

5.3. Lucio Annaeu Floro

FLORO. Epitome of Roman History. Introduction, Translation and Notes of Edward Seymor
Forster. Cambridge: Harvard University Press, 1984.
Epítome de Tito Lívio I,1 “O povo romano, durante setecentos anos, desde o período do Rei Rômulo
até o de César Augusto, alcançou tanto em paz quanto em guerra que, se um
homem for comparar a grandeza deste Império com os seus anos, ele
consideraria seu tamanho desproporcional para sua idade.”

5.4. Dión Cássio

CASSIUS DIO COCCEIANUS. Roman History. Introduction, notes and english translation by
Earnest Cary. London: William Heinemann, 1961, vols. I - VIII

História Romana “Agora, eu não posso afirmar que este não tem qualquer influência nesta
XLIII,42, grifo nosso direção, ainda, não caberia mais a ele (Júlio César), mas ao neto de sua irmã,
Otávio; pois este último estava em campanha com ele e era destinado a
obter grande esplendor de seus trabalhos e perigos.”

CASSIUS DIO COCCEIANUS. Roman History. Introduction, notes and english translation by
Earnest Cary. London: William Heinemann, 1961, vols. I - VIII

História Romana XLV, 1 “Agora, Caio Otávio Caepia , como o filho da sobrinha de César, Áttia, foi
nomeado, era oriundo de Velitrae , cidade da região volsca; após ser privado
da companhia de seu pai Otávio, ele foi levado para a casa de sua mãe e de
seu marido, Lúcio Phillipo, porém, ao atingir a maturidade, viveu com César.
César, por não ter filhos, nutria grandes esperanças para ele, amando-o e
apreciando-o, intentando deixá-lo como um sucessor de seu nome, de sua
autoridade e de sua soberania. Ele foi amplamente influenciado pela
declaração enfática de Áttia de que o jovem teria sido gerado por Apolo,
pois, uma vez dormindo em seu templo, ela pensou ter tido relações com
uma serpente, e isto foi o que lhe causou, no final do tempo estipulado, dar à
luz a um filho.”
379

CASSIUS DIO COCCEIANUS. Roman History. Introduction, notes and english translation by
Earnest Cary. London: William Heinemann, 1961, vols. I - VIII

História Romana XLV, 1 “ (...) Octavius, que pelo motivo do nascimento de seu filho, encontrava-se
atrasado para a reunião da casa senatorial (...).

6. Aspectos físicos de Augusto

6.1. Caio Suetônio Tranquilo

SUENTONNIUS. The Lives of Caesars. Oxford: Oxford University Press, 2009.

O Divino Augusto XXXIX, “ Desfrutou de rara beleza e foi bastante atraente ao longo de toda sua
1-3 vida. Contudo, prescindiu de qualquer adorno e a tal ponto era
descuidado com os cabelos que se prestava às pressas e ao mesmo
tempo aos cuidados de vários barbeiros, e raspava ou aparava a barba
enquanto lia ou mesmo escrevia algo. Tinha as feições tão tranqüilas e
serenas quando falava ou se calava, que um dos nobres gauleses
declarou aos companheiros ter sido de tal modo inibido e abalado por
sua presença que, ao ter-se aproximado dele a pretexto de conversar,
não o lançou de um precipício durante a travessia dos Alpes como
determinara a fazer. Tinha os olhos claros e brilhantes: chegava mesmo
a desejar que se julgasse haver neles uma espécie de força divina, e
alegrava-se caso, a alguém que o olhasse mais fixamente, fizesse baixar
o rosto como que diante do brilho do sol.”

7. Qualidades Morais e Intelectuais de Augusto

7.1. Veléio Patérculo

VELÉIO PATÉRCULO. História Romana II. Trad. Maria Assunción Sánchez Manzano. Madrid:
Gredos, 2001.
História Romana II, 59 “Porém, seu tio avô, Caio César, quis a este, que havia sido educado na
casa de seu padrasto Filipo, como se fosse um filho seu, e, desde seus
dezoitos anos este o seguiu na campanha da Hispânia, o tendo como
um companheiro, alojando-se no mesmo lugar que ele e
compartilhando de seu carro; o honrou com o pontificado e com o
sacerdócio quando não era mais que um menino. Ao final da guerra
380

civil, o enviou a Apolônia, para que o espírito deste jovem singular se


instruísse nas disciplinas liberais, se bem que pretendia levá-lo como
companheiro de armas nas campanhas contra os dácios e, depois,
contra os partos.”

VELÉIO PATÉRCULO. História Romana II. Trad. Maria Assunción Sánchez Manzano. Madrid:
Gredos, 2001.
História Romana II,60 “O ódio aumentava entre dois homens de natureza tão distinta e com
diferentes interesses, e, por isso, o jovem Caio César sofria com o
assédio diário de Antônio. ”

VELÉIO PATÉRCULO. História Romana II. Trad. Maria Assunción Sánchez Manzano. Madrid:
Gredos, 2001.
História Romana II, 61 “A cidade estava sufocada pela opressão de Antônio. Todos sentiam
dor e indignação, porém, não possuíam força para lhe fazer frente,
quando Caio César, que iniciava o décimo nono ano de sua vida, com a
coragem para ações admiráveis e para a busca de objetivos
importantes por iniciativa própria, mostrou maior providência que o
Senado na proteção da República (...).”

VELÉIO PATÉRCULO. História Romana II. Trad. Maria Assunción Sánchez Manzano. Madrid:
Gredos, 2001.
História Romana II,61 “(...) as qualidades de um jovem de tamanho valor (...)”.

VELÉIO PATÉRCULO. História Romana II. Trad. Maria Assunción Sánchez Manzano. Madrid:
Gredos, 2001.
História Romana II, 59 “Um grande número de amigos o acudiram ao chegar em Roma e, no
momento em que estava prestes a adentrá-la, um arco íris em forma
de coroa ornamentou a fronte de um homem que mais tarde iria ser
381

tão importante.”

VELÉIO PATÉRCULO. História Romana II. Trad. Maria Assunción Sánchez Manzano. Madrid:
Gredos, 2001.
História Romana II,60 “A sua mãe Àtia e a seu padrastro Filipo, não lhes agradava que
herdasse o nome de César, cuja fortuna suscitava ódio, mas, a salvação
da Res Pública e de todos os outros lugares lhe reclamavam como
protetor de Roma. Por isso, seu elevado espírito descartou os
conselhos humanos, e assim se propôs a aspirar alto sem temer os
riscos, ao invés de limitar sua ambição para preservar sua segurança.
Preferiu confiar em seu tio e no nome de César mais que em seu
padrasto, dizendo repetidas vezes que não podia permitir considerar-
se indigno de um nome que César lhe havia considerado digno.”

VELÉIO PATÉRCULO. História Romana II. Trad. Maria Assunción Sánchez Manzano. Madrid:
Gredos, 2001.
História Romana II, 89 “(...) com que abundância e com que atitude favorável de todos os
cidadãos, de todas as idades e ordens sociais, foi recebido César em
seu retorno a Roma, que magnificiência teve seu triunfo, quantas
foram as recompensas, não se pode expressar de uma maneira que
seja suficiente entre os conteúdos de uma narração regular, ainda mais
na nossa tão limitada. Nada podem pedir os homens aos deuses e nada
podem conceder os deuses aos homens, nenhum desejo conceber ou
realizar felizmente que César após a sua volta a Roma não
apresentasse ao estado, ao povo romano e ao mundo.”

7.2. Plutarco de Queroneia

PLUTARQUE. Vies Parallèles I. Traduction: J. Alexis Pierron. Revue et Corrigiée par Françoise
Frazier.Introduction, notices, notes, bibliographie et chronologie par Jean Sirinelli. Paris:
Flammarion, 1995.
César XLIX, 5 “Quanto à guerra que aí mesmo ocorreu, uns dizem que ela não era necessária,
mas que, motivado pelo amor de Cleópatra, foi para César inglória e cheia de
riscos; outros acusam os servidores do rei e sobretudo o eunuco Potino, que
dispunha do maior poder e recentemente tinha mandando matar Pompeu; tinha
também expulsado Cleópatra e tramado secretamente contra César.”
382

7.3. Caio Suetônio Tranquilo

SUENTONNIUS. The Lives of Caesars. Oxford: Oxford University Press, 2009.

O Divino Augusto XCV, “Retornando de Apolônia após o assassinato de César, um círculo


1 semelhante ao arco íris rodeou repentinamente o sol enquanto entrava
em Roma e o céu estava límpido e sereno. Imediatamente depois, o
sepulcro de Júlia, a filha de César, foi atingido por um raio.”

SUENTONNIUS. The Lives of Caesars. Oxford: Oxford University Press, 2009.

O Divino Augusto “Ao saber-lhe que igualmente a ele o rei Ptolomeu preparava ciladas,
XXXV, 1-2 moveu-lhe uma guerra realmente duríssima, em posição e estação
adversas, no inverno e dentro das muralhas de um inimigo provido de
tudo e extremamente solerte, enquanto ele passava por toda sorte de
necessidade e encontrava-se despreparado. Vencedor, deixou o reino
do Egito a Cleópatra e a seu irmão mais novo, temendo transformá-lo
em província para que nas mãos de um governador mais violento, não
viesse a ser foco de revolução.”

SUENTONNIUS. The Lives of Caesars. Oxford: Oxford University Press, 2009.

O Divino Augusto VIII, “Quando soube do assassinato de César e de que era seu herdeiro, por
4 muito tempo hesitou se deveria apelar para as legiões próximas e, na
verdade, abandonou tal idéia como precipitada e imatura. Tendo,
contudo, retornado a Roma, reclamou o legado, apesar das hesitações
de sua mãe e das muitas tentativas de dissuadi-lo por parte de seu
padrasto, Márcio Filipo, homem que já havia exercido o consulado.”

SUENTONNIUS. The Lives of Caesars. Oxford: Oxford University Press, 2009.

O Divino Augusto XXI, 3 “Não levou a guerra a povo algum sem causas justas ou necessárias, e a
tal ponto esteve alheio ao desejo de aumentar seu poder ou sua glória
militar, que obrigou os príncipes de algumas nações bárbaras a jurarem
no templo de Marte Vingador que lhe permaneciam leais e dentro dos
limites de paz que rogavam.”
383

SUENTONNIUS. The Lives of Caesars. Oxford: Oxford University Press, 2009.

O Divino Augusto X,4 “(...) em seu auxílio e no da Res Publica. ”

SUENTONNIUS. The Lives of Caesars. Oxford: Oxford University Press, 2009.

O Divino Augusto “Exerceu o triunvirato a fim de organizar a Res Publica por dez anos; no
XXVII,1 exercício dessa função, lutou por algum tempo contra os colegas para
que não houvesse proscrição, mas, uma vez aprovada, usou desse
recurso mais duramente que um e que outro.”

SUENTONNIUS. The Lives of Caesars. Oxford: Oxford University Press, 2009.

O Divino Augusto “Ele mesmo ministrou a justiça com assiduidade, algumas vezes noite
XXXIII, 1 adentro; se não estivesse bem de saúde, desempenhava suas funções
com a liteira postada em frente ao tribunal ou até mesmo deitado em
sua casa. No exercício dessa função, não só agiu de forma sumamente
zelosa, mas também com brandura.”

SUENTONNIUS. The Lives of Caesars. Oxford: Oxford University Press, 2009.

O Divino Augusto C, 1- “Os decuriões dos municípios e colônias transportaram seu corpo de
2 Nola a Bovilas durante a noite em razão do clima, tendo sido ele
depositado durante o dia na basílica ou nos maiores templos de cada
cidade. De Bovilas, a ordem equestre recebeu-o, trouxe a Roma e
depositou no vestíbulo de sua casa. O senado mobilizou-se, com
emulação, em tão grande empenho para preparar seus funerais e
cultuar-lhe a memória (...).”
384

7.4. Lucio Annaeu Floro


FLORO. Epitome of Roman History. Introduction, Translation and Notes of Edward Seymor
Forster. Cambridge: Harvard University Press, 1984.
Epítome de Tito Lívio II,14 “Apesar de Antônio, por si mesmo, ser ameaça suficiente a paz e a Res
Publica romanas, Lépido uniu-se a ele e, por assim dizer, adicionou fogo ao
incêndio. O que poderia ser feito contra dois cônsules e dois exércitos? César
(futuro Augusto) foi forçado a tornar-se parte deste pacto horrendo. Os três
líderes eram distintos tanto em seus objetivos quanto em suas
personalidades. Lépido era movido pelo desejo de riqueza, a qual esperava
acumular através da perturbação da Res Publica; Antônio desejava vingança
contra aqueles que o declararam inimigo; César era estimulado pelo
pensamento que a morte de seu pai permanecia impune e que a
sobrevivência de Bruto e Cássio era um insulto para o seu espírito. A partir
desses objetivos a paz foi estabelecida entre os três homens.”

FLORO. Epitome of Roman History. Introduction, Translation and Notes of Edward Seymor
Forster. Cambridge: Harvard University Press, 1984.
Epítome de Tito Lívio II, 14 “No Egito, de fato, uma guerra eclodiu contra César, o qual não possuía
conexão alguma com nenhuma das partes em disputa. Desde que Ptolomeu,
rei de Alexandria, perpetuou a atrocidade final da guerra civil selando um
pacto de amizade com César através do assassinato de Pompeu, o destino
clamou por vingança perante a sombra de tão ilustre vítima; e, a ocasião para
tanto logo se fez presente.”

FLORO. Epitome of Roman History. Introduction, Translation and Notes of Edward Seymor
Forster. Cambridge: Harvard University Press, 1984.
Epítome de Tito Lívio II, “(...) a rainha jogou-se aos pés de César (futuro Augusto), tentando atrair os
21, Grifo Nosso seus olhares, porém em vão, pois sua beleza foi incapaz de prevalecer acima
de seu auto – controle. Seus esforços não eram destinados a salvar sua vida,
que tinha sido livremente oferecida a ela, mas, sim, para obter uma porção
de seu reino.”

FLORO. Epitome of Roman History. Introduction, Translation and Notes of Edward Seymor
Forster. Cambridge: Harvard University Press, 1984.
Epítome de Tito Lívio II,
385

FLORO. Epitome of Roman History. Introduction, Translation and Notes of Edward Seymor
Forster. Cambridge: Harvard University Press, 1984.
Epítome de Tito Lívio II,

7.5. Dión Cássio

CASSIUS DIO COCCEIANUS. Roman History. Introduction, notes and english translation by
Earnest Cary. London: William Heinemann, 1961, vols. I - VIII

História Romana XLVI, “Enquanto isso, os soldados de Antônio, evidentemente por este acordo,
54.Grifo Nosso recomendaram a César (Otaviano) a filha de Fúlvia, atual esposa de Antônio,
com Clódio, apesar de César estar noivo de outra mulher. No entanto, ele
não a recusou, uma vez que ele pensava que este casamento não o impediria
de colocar em prática os planos que tinha contra Antônio. Ainda, somado a
outras considerações, ele entendia que seu pai, César, não falhou em cumprir
todos os seus planos contra Pompeu mesmo possuindo laços de parentesco
com ele.”

CASSIUS DIO COCCEIANUS. Roman History. Introduction, notes and english translation by
Earnest Cary. London: William Heinemann, 1961, vols. I - VIII

História Romana XLV, 2 “Assim, ele era hábil em oratória, não apenas na língua romana, mas também
na grega, além de ser vigorosamente treinado para o serviço militar e
cuidadosamente instruído em política e na arte de governar. ”

CASSIUS DIO COCCEIANUS. Roman History. Introduction, notes and english translation by
Earnest Cary. London: William Heinemann, 1961, vols. I - VIII

História Romana LI, 12- “Ela preparou um esplêndido quarto para recebê-lo, com um sofá
13 confortável, no qual sentou, aparentando uma afetada negligência - de fato,
sua roupa matutina maravilhosamente tornou-se ela. Além disso, ela dispôs
muitas imagens de seu pai, de todos os tipos, e em seu peito ela colocou
todas as cartas que seu pai lhe enviou. Quando, depois disso, o jovem César
entrou, ela saltou graciosamente para seus pés e chorou (...). Proferiu
palavras para causar-lhe piedade, mas César nem as respondeu (...).”
386

CASSIUS DIO COCCEIANUS. Roman History. Introduction, notes and english translation by
Earnest Cary. London: William Heinemann, 1961, vols. I - VIII

História Romana LVI, “Se alguém relembrasse seus antigos erros durante as guerras civis, eles os
44.) atribuíam a pressão das circunstâncias e acreditavam ser justo buscar sua
real disposição em suas ações posteriores, quando encontrava-se de posse
indiscutível do poder supremo (...).”

8. Referências Genealógicas sobre Marco Antônio

8.1. Plutarco de Queroneia

PLUTARQUE. Vies Parallèles I. Traduction: J. Alexis Pierron. Revue et Corrigiée par Françoise
Frazier.Introduction, notices, notes, bibliographie et chronologie par Jean Sirinelli. Paris:
Flammarion, 1995.
Antônio I, 1-2 “O avô de Antônio foi o orador Antônio, que Mário mandou executar porque
aderira ao partido de Sila. Seu pai também se chamava Antônio e ostentava a
alcunha de Cretense; não fizera nome na política, mas era um homem gentil e
honesto, muito inclinado a larguezas (...).”

PLUTARQUE. Vies Parallèles I. Traduction: J. Alexis Pierron. Revue et Corrigiée par Françoise
Frazier.Introduction, notices, notes, bibliographie et chronologie par Jean Sirinelli. Paris:
Flammarion, 1995.
Antônio II,1 “Sua mulher era Júlia, da casa dos césares, e esta poderia rivalizar com as
mulheres mais nobres e mais discretas de seu tempo. Por esta mãe, Antônio foi
criado após a morte de seu pai, estando esta casada com Cornélio Lêntulo,
aquele a quem Cícero condenou a morte por ser um dos conjurados da Catilina.”

9. Aspectos Fisícos de Marco Antônio

9.1. Plutarco de Queroneia

PLUTARQUE. Vies Parallèles I. Traduction: J. Alexis Pierron. Revue et Corrigiée par Françoise
Frazier.Introduction, notices, notes, bibliographie et chronologie par Jean Sirinelli. Paris:
Flammarion, 1995.
Antônio “Ostentava grandes ares de dignidade: sua barba majestosa, sua fronte larga e
seu nariz aquilino, de modo que sua aparência parecia se assemelhar ao aspecto
viril representado por pintores e escultores ao rosto de Hércules. Existia, de
387

resto, uma antiga tradição onde a família de Antônio era heráclidas,


descendentes de Ânton, filho de Hércules. Antônio procurou afirmar esta
tradição tanto por sua aparência física quanto pela forma que se vestia. Alguns
relatam que, quando tinha que mostrar-se em público, possuía a túnica suspensa
até as coxas, levando ao flanco uma enorme espada e envergava um pesado
manto.”

10. As Características Morais e Intelectuais de Antônio

10.1. Veléio Patérculo

VELÉIO PATÉRCULO. História Romana II. Trad. Maria Assunción Sánchez Manzano. Madrid:
Gredos, 2001.
História Romana II, 56 “E a esse acordo de morte haviam se juntado seus colaboradores mais
íntimos, Décimo Bruto, Caio Trebônio e outros de nomes ilustres
depois que ascenderam, através da fortuna de seu partido, às posições
mais relevantes. Havia adquirido um grande ódio contra César seu
colega no consulado, Marco Antônio, um homem capaz de qualquer
audácia, ao impor-lhe, quando presenciava as festas dos Lupercais
diante da tribuna rostral, um distintivo régio, ao qual rejeitou como
pode para que isso não fosse interpretado como uma ofensa.”

VELÉIO PATÉRCULO. História Romana II. Trad. Maria Assunción Sánchez Manzano. Madrid:
Gredos, 2001.
História Romana II, 58 “Convocada uma reunião do Senado, Dolabela, a quem César havia designado
para lhe suceder no consulado, tomou a frente e as insígnias consulares.
Antônio, como negociador da paz, enviou seus filhos como reféns ao Capitólio
e ofereceu garantias de segurança aos assassinos de César que ali
comparecessem. E, como aquele famoso exemplo do decreto dos atenienses,
a partir da proposta de Cícero, foi confirmada uma anistia pelos senadores.”

VELÉIO PATÉRCULO. História Romana II. Trad. Maria Assunción Sánchez Manzano. Madrid:
Gredos, 2001.
História Romana II, 60 “O cônsul Antônio o aceitou (Otaviano) de imediato, porém com
arrogância – não era apenas rejeição, mas sim temor – e, ao recebê-lo
nos jardins de Pompeu, tomou apenas um momento para falar com
388

ele, e depois começou a acusá-lo maliciosamente de ter intentado


contra ele, e isso foi uma evidência vergonhosa de sua falsidade.”

VELÉIO PATÉRCULO. História Romana II. Trad. Maria Assunción Sánchez Manzano. Madrid:
Gredos, 2001.
História Romana II, 61 “A cidade estava sufocada pela opressão de Antônio. Todos sentiam
dor e indignação, porém, não possuíam força para lhe fazer frente,
quando Caio César, que iniciava o décimo nono ano de sua vida, com a
coragem para ações admiráveis e para a busca de objetivos
importantes por iniciativa própria, mostrou maior providência que o
Senado na proteção da República (...).”

VELÉIO PATÉRCULO. História Romana II. Trad. Maria Assunción Sánchez Manzano. Madrid:
Gredos, 2001.
História Romana II, 64 “Estes são os momentos em que Marco Túlio, em uma série de
discursos, gravou a fogo uma condenação imortal da memória de
Antônio. Tanto este com seu brilhante e divino discurso, quanto seu
partidário, o tribuno Canucio, atacavam com insistente cólera a
Antônio. A defesa da liberdade acabou para os dois com a morte.”

VELÉIO PATÉRCULO. História Romana II. Trad. Maria Assunción Sánchez Manzano. Madrid:
Gredos, 2001.
História Romana II, 82 “Mais tarde, ao inflamar sua paixão por Cleópatra e como resultado de
sua enorme degradação moral, a qual sempre aumenta ao encontrar
possibilidades (...). ”

VELÉIO PATÉRCULO. História Romana II. Trad. Maria Assunción Sánchez Manzano. Madrid:
Gredos, 2001.
História Romana II, 85 “Logo chegou o dia mais decisivo, em que César e Antônio combateram
com as esquadras frente a frente, um pela salvação, outro pela
destruição da urbe”
389

VELÉIO PATÉRCULO. História Romana II. Trad. Maria Assunción Sánchez Manzano. Madrid:
Gredos, 2001.
História Romana II, 85 “Cleópatra foi a primeira a empreender a fuga, Antônio preferiu
acompanhar a rainha fugitiva que permanecer com seus soldados em
combate, e o general que deveria ter sido duro com seus desertores,
desertou de seu próprio exército.”

VELÉIO PATÉRCULO. História Romana II. Trad. Maria Assunción Sánchez Manzano. Madrid:
Gredos, 2001.
História Romana II, 87 Antônio não tardou em suicidar-se, sendo que com sua morte expiou
seus numerosos crimes (consequências) de sua negligência. De sua
parte, Cleópatra, depois de burlar seus guardas, servindo-se de uma
áspide, sem sentir o temor próprio de uma mulher, morreu da picada.
E foi digno da fortuna e da clemência de César o fato de que nenhum
dos que haviam pegado em armas contra ele, fora morto por ele ou por
ordem dele.

VELÉIO PATÉRCULO. História Romana II. Trad. Maria Assunción Sánchez Manzano. Madrid:
Gredos, 2001.
História Romana II, 63 “Antônio era melhor que muitos, quando estava sóbrio (...)”

10.2. Plutarco de Queroneia

PLUTARQUE. Vies Parallèles I. Traduction: J. Alexis Pierron. Revue et Corrigiée par Françoise
Frazier.Introduction, notices, notes, bibliographie et chronologie par Jean Sirinelli. Paris:
Flammarion, 1995.
Antônio II,4 “Por um curto período, Antônio esteve ligado a Clódio, o mais insolente, um dos
mais depravados demagogos de seu tempo, de uma audácia capaz de perturbar
todos os negócios públicos. ”

PLUTARQUE. Vies Parallèles I. Traduction: J. Alexis Pierron. Revue et Corrigiée par Françoise
Frazier.Introduction, notices, notes, bibliographie et chronologie par Jean Sirinelli. Paris:
Flammarion, 1995.
390

Antônio II,5 “Ele adotou o que era conhecido como o estilo asiático de oratória, o qual estava
no auge naqueles dias e que possuía, aliás, uma forte semelhança com sua
própria vida, orgulhosa e arrogante, de ênfase vazia e caprichosa pretensão.”

PLUTARQUE. Vies Parallèles I. Traduction: J. Alexis Pierron. Revue et Corrigiée par Françoise
Frazier.Introduction, notices, notes, bibliographie et chronologie par Jean Sirinelli. Paris:
Flammarion, 1995.
César LI, 1-4 “(...)a bebedeira de Antônio, o qual demoliu a casa de Pompeu e a reconstruiu,
pois julgava não ser bastante grande para ele. ”

PLUTARQUE. Vies Parallèles I. Traduction: J. Alexis Pierron. Revue et Corrigiée par Françoise
Frazier.Introduction, notices, notes, bibliographie et chronologie par Jean Sirinelli. Paris:
Flammarion, 1995.
Antônio III,1 “Quando Gabínio, um homem de dignidade consular, estava partindo rumo a
Síria, ele tentou persuadir Antônio a juntar-se a expedição. Antônio, porém,
recusou-se a ir na qualidade de simples particular, mas, ao ser nomeado
comandante da cavalaria, o acompanhou na campanha.”

PLUTARQUE. Vies Parallèles I. Traduction: J. Alexis Pierron. Revue et Corrigiée par Françoise
Frazier.Introduction, notices, notes, bibliographie et chronologie par Jean Sirinelli. Paris:
Flammarion, 1995.
Antônio III, 5 “Nas muitas e importantes batalhas que então se travaram, realizou audaciosas
proezas e mostrou clarividência digna de um general, sobretudo quando,
envolvendo e atacando os adversários pela retaguarda, garantiu o êxito dos que
os acossavam de frente. Recebeu o prêmio de valor e merecidas distinções.”

PLUTARQUE. Vies Parallèles I. Traduction: J. Alexis Pierron. Revue et Corrigiée par Françoise
Frazier.Introduction, notices, notes, bibliographie et chronologie par Jean Sirinelli. Paris:
Flammarion, 1995.
Antônio V, 1-2 “(...) E então Curião, que havia mudado de lado e estava agora favorecendo a
causa de César, trouxe consigo Antônio. Como Curião possuía grande influência
sobre a multidão devido a sua eloquência e fazendo grande uso das somas
fornecidas por César, conseguiu nomear Antônio tribuno da plebe e, em seguida,
um dos sacerdotes, chamados de áugures , que observam os vôos das aves.
391

Assim que Antônio assumiu suas novas funções, ele foi de grande assistência
para aqueles que se ocupavam da gestão dos assuntos de interesse de César.”

PLUTARQUE. Vies Parallèles I. Traduction: J. Alexis Pierron. Revue et Corrigiée par Françoise
Frazier.Introduction, notices, notes, bibliographie et chronologie par Jean Sirinelli. Paris:
Flammarion, 1995.
Antônio V, 2-4 “Em primeiro lugar, quando o cônsul Marcelo propôs colocar sobre o comando
de Pompeu os soldados já recrutados, e ainda dar a este poder para recrutar
outros, Antônio lhe apresentou oposição ao introduzir um decreto onde as
forças já agrupadas deviam partir para a Síria e auxiliar Bíbulo, que combatia os
partos, enquanto as tropas que Pompeu recrutava não deviam lhe pertencer. Em
segundo lugar, quando o Senado se recusou a receber as cartas de César,
negando também que estas fossem lidas, Antônio, cujo o ofício dava-lhe o
poder, leu-as ele mesmo, e,desta forma, mudou a opinião de muitos, que
julgaram a partir das cartas de César, que ele estava fazendo razoáveis e justas
reivindicações. E finalmente, quando duas questões foram apresentadas ao
Senado, uma, questionando se Pompeu devia licenciar suas tropas, e a outra, se
César também deveria fazê-lo, sendo que alguns foram a favor de Pompeu depô-
las, enquanto muitos desejavam que César o fizesse; Antônio levantou-se e
perguntou aos presentes se era de suas opiniões que tanto César quanto
Pompeu depusessem suas armas e dispensassem suas tropas. A esta proposta,
todos aceitaram com entusiasmo e, com gritos de louvor para Antônio, eles
exigiram que ela fosse colocada em votação. Porém, os cônsules se opuseram, e,
novamente os partidários de César apresentaram propostas que aparentavam
ser bem moderadas. A estas, Catão se opôs e Lêntulo, em sua capacidade de
cônsul, expulsou Antônio do Senado.”

PLUTARQUE. Vies Parallèles I. Traduction: J. Alexis Pierron. Revue et Corrigiée par Françoise
Frazier.Introduction, notices, notes, bibliographie et chronologie par Jean Sirinelli. Paris:
Flammarion, 1995.
Antônio VI, 5-6 “Antônio, imediatamente, ganhou o favor dos soldados ao partilhar com estes
seus exercícios, vivendo com eles a maior parte do tempo e sendo generoso para
com eles na medida em que podia; mas, para todos os restantes, ele era odioso.
Sua fácil disposição levou-o a negligenciar o injustiçado, tratou com irritabilidade
aqueles que vieram lhe consultar e adquiriu má reputação por sua conduta em
relação as mulheres de outros homens. Em breve, o poder de César, que se fosse
restringido apenas a este grande homem pareceria muito diverso de uma tirania,
tornou-se odioso por causa de seus companheiros; dos quais, Antônio, que teve
392

grande poder e parecia ser o maior transgressor, foi o maior culpado.”

PLUTARQUE. Vies Parallèles I. Traduction: J. Alexis Pierron. Revue et Corrigiée par Françoise
Frazier.Introduction, notices, notes, bibliographie et chronologie par Jean Sirinelli. Paris:
Flammarion, 1995.
Antônio IX, 3 “Este curso dos acontecimentos, naturalmente, o tornou odioso perante a
multidão, e aos homens de valor e retidão, ele não era aceitável em detrimento
de sua vida em geral, como Cícero diz, ele era odiado por estes. Eles detestavam
sua inoportuna embriaguez, seus pesados gastos, o seu deboche com as
mulheres, os seus dias gastos dormindo ou vagando para curar a bebedeira; e, às
noites em folias ou em espetáculos teatrais, ou em festas nupciais de artistas e
bufões.”

PLUTARQUE. Vies Parallèles I. Traduction: J. Alexis Pierron. Revue et Corrigiée par Françoise
Frazier.Introduction, notices, notes, bibliographie et chronologie par Jean Sirinelli. Paris:
Flammarion, 1995.
Antônio IX, 6 “Era também revoltante que, enquanto o próprio César estivesse hospedado sob
o céu fora da Itália, extinguindo os resquícios da guerra, trabalho fatigante e de
grande perigo, seus adeptos, em virtude de seus esforços, desfrutassem do luxo
e zombasse de seus cidadãos.”

PLUTARQUE. Vies Parallèles I. Traduction: J. Alexis Pierron. Revue et Corrigiée par Françoise
Frazier.Introduction, notices, notes, bibliographie et chronologie par Jean Sirinelli. Paris:
Flammarion, 1995.
Antônio XII, 1 “E foi Antônio que, involuntariamente, forneceu aos conspiradores o mais
especioso dos pretextos. ”

PLUTARQUE. Vies Parallèles I. Traduction: J. Alexis Pierron. Revue et Corrigiée par Françoise
Frazier.Introduction, notices, notes, bibliographie et chronologie par Jean Sirinelli. Paris:
Flammarion, 1995.
393

Antônio XIII, 1 “Antônio compreendera muito bem, mas não se mostrava receptivo; todavia,
não havia comunicado as conversas a César, mantendo um fiel silêncio sobre o
assunto. ”

PLUTARQUE. Vies Parallèles I. Traduction: J. Alexis Pierron. Revue et Corrigiée par Françoise
Frazier.Introduction, notices, notes, bibliographie et chronologie par Jean Sirinelli. Paris:
Flammarion, 1995.
Antônio XIV, 1 “Isso foi feito como o planejado, e César sucumbiu na câmara do Senado.
Rapidamente, Antônio vestiu-se com um traje de escravo e escondeu-se. Porém,
ao saber que os conspiradores não empreendiam nada contra ninguém, estando
apenas reunidos no Capitólio, ele os persuadiu a descer dando-lhes seu próprio
filho como refém; além disso, ele mesmo entreteve Cássio, enquanto Lépido
entreteve Bruto. Em seguida, reuniu o Senado e falou em prol de uma anistia e
da atribuição de províncias a Cássio, Bruto e seus cúmplices e o Senado ratificou
essa proposta, decretando também que não se mudaria nenhuma das decisões
de César. Antônio deixou o Senado como o mais ilustre dos homens; uma vez
que pensou-se que ele havia colocado um fim na guerra civil e por ter lidado
como um político prudente com questões que envolviam grande dificuldade e
extraordinária confusão. A partir de considerações como estas, no entanto, a sua
reputação junto a multidão logo o abalou, e ele passou a ter esperanças que
seria o primeiro no Estado se abatesse Bruto.”

PLUTARQUE. Vies Parallèles I. Traduction: J. Alexis Pierron. Revue et Corrigiée par Françoise
Frazier.Introduction, notices, notes, bibliographie et chronologie par Jean Sirinelli. Paris:
Flammarion, 1995.
Antônio XIV, 3- “Vendo o povo singularmente comovido e enternecido, misturou aos louvores,
4 sua tristeza e indignação perante ao ato terrível, e no encerramento de seu
discurso, balançou as vestes do morto, sangrentas e perfuradas pelas espadas,
chamando aqueles que tinham realizado o ato de vilões e assassinos, inspirando
seus ouvintes com tamanha cólera que estes, amontoando mesas e bancos,
incineraram o corpo de César no Fórum e, então, arrebatando da pira a lenha em
chamas, correram para a casa dos assassinos a fim de tomá-las de assalto.”

PLUTARQUE. Vies Parallèles I. Traduction: J. Alexis Pierron. Revue et Corrigiée par Françoise
Frazier.Introduction, notices, notes, bibliographie et chronologie par Jean Sirinelli. Paris:
Flammarion, 1995.
394

Antônio XVI, 1- “É neste estado das coisas que o jovem César chegou a Roma, um filho da
2 sobrinha do César falecido, como já dissemos, o qual instituíra como herdeiro de
sua fortuna. Encontrava-se em Apolônia quando César foi assassinado. Logo ao
chegar foi saudar a Antônio, como a um amigo de seu pai, e o lembrou dos
valores depositados junto a ele. Pois era de sua obrigação dar a cada romano o
valor de setenta e cinco dracmas que César lhes legara em testamento. De início,
Antônio, desdenhando sua juventude, disse-lhe que seria uma falta de bom
julgamento, com a pouca capacidade e os amigos que possuía, encarregar-se de
fardo tão pesado quanto a sucessão a César. E, quando o jovem recusou-se a dar
ouvidos a isso, e reclamou a soma, Antônio continuou falando e tomando
inúmeras atitudes para insultá-lo.”

PLUTARQUE. Vies Parallèles I. Traduction: J. Alexis Pierron. Revue et Corrigiée par Françoise
Frazier.Introduction, notices, notes, bibliographie et chronologie par Jean Sirinelli. Paris:
Flammarion, 1995.
Antônio XXI, 1- “Agora, na maior parte, o governo do triunvirato era odioso para os romanos; e a
2 Antônio cabe a maior parte da culpa, já que ele era mais velho do que César,
mais poderoso que Lépido, e que jogou-se mais uma vez, tão logo livrou-se das
angústias e problemas, em sua antiga vida de prazeres e esbanjos. E a sua má-
reputação somou-se um grande ódio causado pela casa em que habitava.”

PLUTARQUE. Vies Parallèles I. Traduction: J. Alexis Pierron. Revue et Corrigiée par Françoise
Frazier.Introduction, notices, notes, bibliographie et chronologie par Jean Sirinelli. Paris:
Flammarion, 1995.
Antônio XV,1 “Tal, então, era a natureza de caráter de Antônio, que agora abismou-se na
desgraça pelo amor de Cleópatra, amor que despertou e desencadeou nele
inúmeras paixões adormecidas e sufocou o que, apesar de tudo, podia ainda
existir de bom e saudável em sua alma.”

PLUTARQUE. Vies Parallèles I. Traduction: J. Alexis Pierron. Revue et Corrigiée par Françoise
Frazier.Introduction, notices, notes, bibliographie et chronologie par Jean Sirinelli. Paris:
Flammarion, 1995.
Antônio “Conquistou tão completamente Antônio que, no instante mesmo em que sua
XXVIII, 1 mulher Fúlvia lutava em Roma contra César para resguardar os interesses do
marido; em que ele próprio era ameaçado por um exército parto que pairava
sobre a Mesopotâmia (nesta região, os generais do rei tinham apontado Labieno
como comandante chefe e este já se preparava para invadir a Síria), ele deixou-
se levar para Alexandria. Ali, em meio a jogos e festins de um jovem homem de
lazer, desperdiçava com prazeres aquilo que Antifonte chamava de o mais
395

precioso dos bens, o tempo.”

PLUTARQUE. Vies Parallèles I. Traduction: J. Alexis Pierron. Revue et Corrigiée par Françoise
Frazier.Introduction, notices, notes, bibliographie et chronologie par Jean Sirinelli. Paris:
Flammarion, 1995.
Antônio “Mas o terrível mal que havia estado adormecido por um longo tempo, ou seja,
XXXVI, 1 sua paixão por Cleópatra, que os homens pensavam que havia se afastado e
substituído por melhores considerações, ardeu novamente com renovado poder
quando ele se aproximou da Síria.”

PLUTARQUE. Vies Parallèles I. Traduction: J. Alexis Pierron. Revue et Corrigiée par Françoise
Frazier.Introduction, notices, notes, bibliographie et chronologie par Jean Sirinelli. Paris:
Flammarion, 1995.
Antônio LX, 1 “Quando César já contava com preparativos suficientes, votou-se para que se
decretasse guerra contra Cleópatra e para que se tirasse de Antônio a
autoridade a qual ele tinha rendido a uma mulher. A isto, César adicionou que
Antônio tinha sido enfeitiçado e que não era mais senhor de si mesmo, e que os
romanos guerreavam contra o eunuco Madião, Potino, Iras, a dama de
companhia de Cleópatra e Charmian, justamente os encarregados por gerir os
principais assuntos do governo.”

PLUTARQUE. Vies Parallèles I. Traduction: J. Alexis Pierron. Revue et Corrigiée par Françoise
Frazier.Introduction, notices, notes, bibliographie et chronologie par Jean Sirinelli. Paris:
Flammarion, 1995.
Antônio LXVI, “Foi então que Antônio demonstrou claramente que não estava sendo dirigido
4-5 nem pelo pensamento de um comandante nem pelo pensamento de um bravo
homem, nem ao menos pelo seu próprio, mas, como alguém brincando certa vez
afirmou que a alma de um amante habita outro corpo, ele se viu arrastado por
aquela mulher, como se ambos fossem um só e ele tivesse que estar onde ela
estava. Tão logo viu a embarcação desta partindo, esqueceu-se de tudo, traindo
e abandonando aqueles que lutavam e morriam por sua causa, subiu em um
quinquerreme, acompanhado apenas pelo sírio Alexas e por Esquélio, e
apressou-se em acompanhar a mulher que já havia lhe arruínado e agora
tornaria esta ruína ainda mais completa.”
396

PLUTARQUE. Vies Parallèles I. Traduction: J. Alexis Pierron. Revue et Corrigiée par Françoise
Frazier.Introduction, notices, notes, bibliographie et chronologie par Jean Sirinelli. Paris:
Flammarion, 1995.
Antônio comparação “Ambos cometeram excessos em tempos de prosperidade, deixando-se
entre Demétrio e levar aos deboches e prazeres. Não se pode, entretanto, dizer que
Antônio III,1 Demétrio, até no auge das festas e orgias, tenha perdido ocasião de agir. ”

PLUTARQUE. Vies Parallèles I. Traduction: J. Alexis Pierron. Revue et Corrigiée par Françoise
Frazier.Introduction, notices, notes, bibliographie et chronologie par Jean Sirinelli. Paris:
Flammarion, 1995.
Antônio “O fim de Antônio foi covarde, vergonhoso e digno de piedade, porém, ao
Comparação menos, antes que seu inimigo se tornasse mestre de sua vida. ”
entre Demétrio
e Antônio VII, 2

10.3. Caio Suetônio Tranquilo

SUENTONNIUS. The Lives of Caesars. Oxford: Oxford University Press, 2009.

O Divino Augusto “Marco Antônio disse que a adoção de seu tio fora paga pelo estupro
LXVIII,1 de que dele sofrera. (...)”

SUENTONNIUS. The Lives of Caesars. Oxford: Oxford University Press, 2009.

O Divino Augusto XVII, 1 “Finalmente rompeu a aliança sempre dúbia e incerta com Marco
Antônio, mal restabelecida por várias reconciliações, e, para que
pudesse melhor provar que ele tinha degenerado dos padrões de
comportamento civil, fez abrir e ler em público o testamento que ele
deixara em Roma e que também nomeava os filhos de Cleópatra como
397

seus herdeiros.”

10.4. Lucio Annaeu Floro

FLORO. Epitome of Roman History. Introduction, Translation and Notes of Edward Seymor
Forster. Cambridge: Harvard University Press, 1984.
Epítome de Tito Lívio II, 15 “Olhando para Otávio, que contava com menos de dezoito anos, como um
rapaz de tenra idade e, por isso, uma fácil vítima de injustiça, e para si
mesmo, que tinha desfrutado todo o prestígio de seu longo serviço ao lado
de César, Antônio continuou a destruir sua hereditariedade através de
fraudes, a persegui-lo com insultos pessoais e a tentar impedir sua adoção
pela família do Júlios através de todos os dispositivos em seu poder.”

FLORO. Epitome of Roman History. Introduction, Translation and Notes of Edward Seymor
Forster. Cambridge: Harvard University Press, 1984.
Epítome de Tito Lívio II, 14 “ Antônio, instável como sempre, recusou-se a tolerar Otávio como o
sucessor de César (...).”

FLORO. Epitome of Roman History. Introduction, Translation and Notes of Edward Seymor
Forster. Cambridge: Harvard University Press, 1984.
Epítome de Tito Lívio II, “O povo romano, após os assassinatos de César e Pompeu, pareciam ter
14 retornado ao antigo estado de liberdade; e eles teriam feito isso se Pompeu
não tivesse filhos ou César nenhum herdeiro, ou, ainda mais fatal do que
estas circunstâncias, se Antônio, outrora colega de César e, posteriormente,
seu rival no poder, não tivesse sobrevivido para causar incêndios e
tempestades nos próximos anos. (...). Pois o povo romano não podia
encontrar salvação exceto refugiando-se na subserviência. No entanto, foi
um motivo de celebração que, em meio grande agitação, o poder passou
para as mãos que ninguém mais que Otávio Augusto, que, através de sua
sabedoria e habilidade, restaurou a ordem no corpo do império (...).”

FLORO. Epitome of Roman History. Introduction, Translation and Notes of Edward Seymor
398

Forster. Cambridge: Harvard University Press, 1984.


Epítome de Tito Lívio II, 16 “Apesar de Antônio, por si mesmo, ser ameaça suficiente a paz e a Res
Publica romanas, Lépido uniu-se a ele e, por assim dizer, adicionou fogo ao
incêndio. O que poderia ser feito contra dois cônsules e dois exércitos? César
(futuro Augusto) foi forçado a tornar-se parte deste pacto horrendo. Os três
líderes eram distintos tanto em seus objetivos quanto em suas
personalidades. Lépido era movido pelo desejo de riqueza, a qual esperava
acumular através da perturbação da Res Publica; Antônio desejava vingança
contra aqueles que o declararam inimigo; César era estimulado pelo
pensamento que a morte de seu pai permanecia impune e que a
sobrevivência de Bruto e Cássio era um insulto para o seu espírito. A partir
desses objetivos a paz foi estabelecida entre os três homens.”

FLORO. Epitome of Roman History. Introduction, Translation and Notes of Edward Seymor
Forster. Cambridge: Harvard University Press, 1984.
Epítome de Tito Lívio II, “A formação do triunvirato seguiu um mau precedente e, com a derrubada
16 da constituição pelas armas, as proscrições de Sula voltaram. O ato de maior
atrocidade foi o assassinato de cento e quarenta senadores. Mortes
chocantes, brutais e lamentáveis aguardavam aqueles que escaparam (...)
Estes crimes foram o resultado das listas de proscrições de Antônio e Lépido;
César (Otaviano) contentou-se em proscrever os assassinos de seu pai.”

FLORO. Epitome of Roman History. Introduction, Translation and Notes of Edward Seymor
Forster. Cambridge: Harvard University Press, 1984.
Epítome de Tito Lívio II, 21 “A loucura de Antônio, uma vez que esta não podia ser apaziguada pela
satisfação de sua ambição, foi trazida a um fim por seu luxo e libertinagem.
Após a expedição contra os partos, ele adquiriu uma repugnância pela
guerra, vivendo uma vida fácil e, escravo do amor por Cleópatra, permaneceu
em seus braços reais como se tudo estivesse indo bem para ele. A mulher
egípcia exigiu do general bêbado, em troca de seus favores, o Império
Romano; e, isto, Antônio lhe prometeu (...).”

FLORO. Epitome of Roman History. Introduction, Translation and Notes of Edward Seymor
Forster. Cambridge: Harvard University Press, 1984.
Epítome de Tito Lívio II, 21 “Ele, no entanto, começou a almejar a soberania – não apenas para si mesmo
– e não secretamente; mas, esquecido de sua origem, de seu nome, de sua
toga e dos emblemas de seu cargo, ele, rapidamente e completamente,
degenerou-se em um monstro, tanto no sentimento bem como em trajes e
vestidos. Em sua mão estava um cetro dourado, ao seu lado, uma cimitarra;
ele usava um robe púrpuro cravejado com enormes gemas; uma coroa era a
única coisa que lhe faltava para lhe tornar um rei que flertava com uma
rainha.”
399

10.5. Dión Cássio

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Earnest Cary. London: William Heinemann, 1961, vols. I - VIII

História Romana XLI, 1 “ Agora, Antônio, pelos serviços que prestou a Cesar nesta ocasião, estava
destinado a ser retribuído e a ser elevado a grandes honras. ”

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Earnest Cary. London: William Heinemann, 1961, vols. I - VIII

História Romana XLIV, “Outra coisa que aconteceu, não muito depois destes eventos, dá provas
12 mais claras que, apesar dele (César) tentar esquivar-se do título real, em
realidade desejava assumi-lo. Pois, quando ele entrou no Fórum durante o
festival de Lupercalia e estava sentado na rostra em sua cadeira dourada,
adornado com trajes reais e resplandecente em sua coroa revestida com
ouro, Antônio, juntamente com seus companheiros sacerdotes, o saudaram
como a um rei e, trazendo um diadema sobre sua cabeça, disse: ‘ O povo lhe
oferece isto através de mim’. E César respondeu: ‘ Júpiter sozinho é o rei dos
romanos”, e enviou o diadema para Júpiter no Capitólio; contudo, ele não
estava bravo, mas fez com que constasse nos registros que ele se recusou a
aceitar a realeza quando esta lhe foi oferecida pelo povo através do cônsul.
Suspeitou-se que tal ocasião foi deliberadamente planejada e ele estava
ansioso pelo título, porém desejava parecer alguém compelido a isto;
consequentemente, o ódio contra ele intensificou-se.”

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História Romana XLVIII, “Quanto a Antônio, apesar dele se manter informado acerca de todas essas
27 operações, como sem dúvida ele fez sobre o que acontecia em terras itálicas
(ele não ignorava tais questões), ele ainda falhou, em ambos os casos, para
tomar medidas defensivas a tempo; ao invés disso, ele estava tão submerso
em sua paixão e em sua bebedeira que nem pensou em seus aliados ou em
seus inimigos.”

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História Romana XLIV, “Agora, quando ele (César) finalmente chegou ao Senado, Trebônio manteve
19 Antônio ocupado a uma certa distância. Pois, apesar deles terem planejado
matar tanto ele quanto Lépido, eles temiam que o número de pessoas que
eles destruíssem poderiam torná-los malignos (...).”
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História Romana XLIV, “Quanto a Antônio, apesar dele ter fugido imediatamente após a morte de
22. César, jogando fora o seu manto a fim de não ser detectado e escondendo-se
na noite, quando teve certeza que os assassinos estavam no Capitólio e
Lépido no Fórum, reuniu o restante do Senado no recinto de Tellus e
apresentou os acontecimentos no momento da deliberação.”

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História Romana XLV, 3 “Quando, no entanto, ele (Otávio) cruzou Brundisium, foi informado sobre o
testamento de César e das ações do povo, dirigindo-se a Roma sem demoras,
especialmente por que ele tinha a receber grande soma de dinheiro, além
dos soldados que foram colocados sobre seu comando. Imediatamente
assumiu o nome de César, sucedendo-o e ocupando-se com os assuntos
públicos. Naquele tempo, ele parecia ter agido de forma imprudente e
ousada, mas, depois, graças a sua grande fortuna e ao grande sucesso que
atingiu, ele adquiriu, por este ato, a reputação de corajoso.”

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História Romana XLV, 5 “Desta forma, ele, primeiramente chamado de Otávio, já conhecido nesse
momento como César e, depois, Augusto, tomou em suas mãos os assuntos
públicos. E ele gerenciou e lidou com estes mais vigorosamente que qualquer
outro homem em seu auge, mais prudentemente que qualquer indivíduo
mais velho. Em primeiro lugar, ele adentrou a cidade como se seu único
propósito fosse o de tomar posse de sua herança, chegando como uma
cidadão privado, acompanhado apenas por alguns subordinados, sem
qualquer exibição. Novamente, ele não proferiu ameaças contra ninguém e
nãomostrou que estava descontente com o que aconteceu ou que gostaria
de vingar-se. De fato, tão longe de exigir de Antônio o dinheiro que ele lhe
havia tomado, ele, na realidade, cortejou-lhe, mesmo apesar de este ter lhe
insultado e injustiçado. Pois Antônio lhe ofendeu tanto com palavras quanto
com ações, particularmente quando a lex curiata foi aplicada, tranferindo
Otávio para a família de César.”

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História Romana XLVII, “Estes atos foram cometidos, principalmente, por Lépido e Antônio, pois
7- 8. Grifo nosso César os honrou por muitos anos e, como eles detiveram cargos e
governadorias também por um longo tempo, fizeram muitos inimigos.
Porém, César (Otaviano), parece ter participado destas ações meramente por
que eles dividiam a autoridade, desde que ele mesmo não tinha necessidade
nenhuma de assassinar um grande número de pessoas; já que ele não era
naturalmente cruel e havia sido criado à maneira de seu pai. (...) Então, César
salvou tantas vidas quanto podia (...).”

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História Romana XLVIII, “Durante esse mesmo período, após a batalha de Filipi, Marco Antônio viajou
24 para a Ásia, onde arrecadou contribuições das cidades e vendeu as posições
de autoridade; algumas destas províncias ele visitou pessoalmente e, para
outras, enviou homens de confiança. Enquanto isso, ele apaixonou-se por
Cleópatra, que ele tinha visto na Cilícia, e, depois disso, não pensou mais em
sua honra e tornou-se escravo da mulher egípcia, devotando seu tempo para
esta paixão. Isto levou-o a fazer muitas coisas ultrajantes (...).”

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História Romana XLVIII, “Porém, pouco tempo depois eles trouxeram, para a cidade, os dois
31 governantes montados em cavalos como se estivessem em um triunfo;
concederam-lhes a vestimenta triunfal, permitindo que estes assistissem o
festival sentados em seus assentos governamentais e, ofereceram a Antônio
a irmã de César, Otávia, agora que seu marido estava morto, apesar desta
estar grávida; naquele tempo, no entanto, eles mudaram seus
comportamentos de forma notável.”

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História Romana XLIX, “César promoveu jogos no Circo Máximo em honra deste evento,
17 configurando para Antônio uma carruagem em frente a Rostra e estátuas no
templo da Concórdia, dando-lhe, também, autoridade para realizar
banquetes junto a sua esposa e filhos, mesmo que estes tenham sido votados
a sua própria honra. Desta forma, ele pretendia ainda ser amigo de Antônio e
consolá-lo pelos desastres infligidos pelos partos, e, desse modo, ele tentou
curar a inveja que o outro poderia sentir sobre suas próprias vitórias e
decretos que a seguiram.”
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História Romana L,1 “As causas para a guerra e os pretextos que eles tinham são os que se
seguem. Antônio acusou César de ter removido Lépido de seu cargo, e de ter
tomado posse de seu território e das tropas tanto deste quanto de Sexto,
itens que deveriam ser de propriedade comum entre ambos; ele demandou
metade de tais propriedades assim como que metade dos soldados, os quais
deveriam ser alocados para as localidades itálicas que pertenciam aos dois.
César acusou Antônio de estar apropriando-se do Egito e de outros territórios
que não lhe foram atribuídos, além de ter matado Sexto (a quem, ele mesmo,
tinha a vontade de poupar) e de ter iludido, aprisionado e acorrentado o rei
armênio, o que atribuiu má reputação ao povo romano. Ele, também,
demandou metade dos espólios e, acima de tudo, ele reprovou a sua relação
com Cleópatra e o reconhecimento de seus filhos com esta, os presentes
dados a eles e, particularmente, por que ele chamava o garoto de Cesarião e
estava inserindo-o na família de César. Estas eram as acusações que eles
fizeram um contra o outro de modo a justificar suas próprias condutas (...).”

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Earnest Cary. London: William Heinemann, 1961, vols. I - VIII

História Romana L, 6 “Esta foi a razão pela qual eles votaram pela guerra contra Cleópatra, porém,
eles não fizeram declaração igual contra Antônio, na realidade sabendo
muito bem que ele iria se tornar um inimigo, uma vez que não se voltaria
contra ela e defenderia César, e eles desejavam ter esta última acusação
contra ele, onde ele teria voluntariamente iniciado uma guerra ao lado da
mulher egípcia contra seu próprio povo (...).”

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História Romana L, 33 “Cleópatra, montando âncora atrás dos combatentes, não conseguiu
suportar a longa e ansiosa espera até uma decisão ser alcançada, mas, fiel à
sua natureza de mulher egípcia, encontrava-se torturada pela agonia do
longo suspense e temerosa acerca dos possíveis desfechos, repentinamente
optou pela fuga (...).”

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