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ITEPA FACULDADES
Bioética
No início desta aula, foi retomada a atividade Pensando através de tirinhas e dado
início ao conteúdo: introdução de alguns conceitos; visões antropológicas (o que é o ser humano
relacionado ao conceito de vida [humana e do todo]); situações de atentado contra a vida
humana e dos outros seres vivos.
1
2
PESSINI, Léo. Problemas atuais de bioética. São Paulo: Loyola, p. 18.
Faltava, contudo, um nome para esta disciplina. Uma construção cronológica do seu
surgimento e alguns conflitos ou escândalos que alimentam a discussão pode ser esta:
Em 1927, Fritz Jahr, teólogo alemão, empregou, pela primeira vez, o termo bioética
em seu clássico artigo na revista Kosmos, intitulado Bioética: uma revisão do relacionamento
ético dos humanos em relação aos animais e plantas. Por isso, é considerado como o precursor
da bioética mundial. Segundo ele, era imperativo que se “respeite cada ser vivo como princípio
e fim em si, e se possível trate-o como tal”. Expressa-se aí a compreensão de que a vida é um
valor intrínseco.
Em torno de 1969, Daniel Callahan criou um centro de estudo chamado de The
Hastings Center, cujo objetivo era discutir temas públicos. Um destes temas é qual a função do
bioeticista, considerando a necessidade de dominar os conceitos; as metodologias de ação (por
exemplo, com que critérios dispensar os tratamentos?); os procedimentos para tomadas de
decisão (linha casuística [cada caso é um caso], beneficência [não importa tanto o que o paciente
deseja, mas o benefício que lhe cabe]. Em síntese: conhecer os conceitos, critérios e estratégias
que lhe deem condições de orientar a ação a ser tomada.
Em 1970, Potter aplicou o termo no livro Bioética: uma ponte para o futuro, que
buscava a discutir uma visão mais humanista, e menos tecnicista, das ciências da saúde.
Em 1971, André Hellegers criou o Instituto Kennedy como resposta a uma pesquisa
realizada com homens negros infectados com sífilis, cujo objetivo era avaliar o avanço da
doença. Este experimento durou cerca de 30 anos e nunca tentou curar a doença, mas avaliar
seu avanço na pessoa infectada.
Em 1979, Beauchamp e Childress, publicaram Princípios de ética biomédica. Nele
estão os elementos e princípios fundantes da bioética, um por viés utilitarista, e outro,
deontológico.
Agora que se falou de princípios, é preciso considerar o seguinte: as bases do
paradigma principialista está em dois fatos de fundamental importância – o Relatório Belmont
e a obra Princípios de ética biomédica, recém mencionado.
O Relatório Belmont é uma resposta à pressão pública diante de alguns escândalos nas
pesquisas em seres humanos (em 1963, no Hospital Israelita de doenças crônicas de New York,
no qual foram injetas células cancerosas vivas em idosos doentes; entre os anos 1950 e 1970,
no hospital estatal de Willowbrook, no qual hepatite viral foi injetada em crianças com retardo
mental; e em 1972, quando se descobriu que desde os anos 40, no Estado do Alabama, foram
deixados sem tratamento quatrocentos negros sifilíticos para pesquisar a história natural da
doença, que foi feita referência anteriormente).
Esse Relatório é de fundamental importância porque tinha o objetivo de “levar a cabo
uma pesquisa e um estudo completo que identificassem os princípios éticos básicos que
deveriam nortear a experimentação em seres humanos nas ciências do comportamento e na
biomedicina”3. Nele, foram identificados três princípios: o respeito pelas pessoas, ou
autonomia, a beneficência e a justiça.
O respeito pela pessoa, ou autonomia, é entendido num sentido bem concreto: é a
capacidade de atuar com conhecimento de causa e sem coação externa. É o indivíduo capaz de
deliberar sobre seus objetivos pessoais e agir sob a orientação dessa deliberação. Aqueles que
não são capazes disso, devem ser protegidos. A beneficência vai muito além da ideia clássica
que a associa à caridade. Significa, em síntese, duas obrigações: não causar dano; e maximizar
os benefícios e minimizar os possíveis riscos. A justiça diz respeito à imparcialidade na
distribuição dos riscos e benefícios, de modo que os iguais devem ser tratados igualmente. O
Relatório, na compreensão de Pessini, deixa um tanto não claro essa questão.
De todo modo, estes três princípios foram retrabalhados por Beauchamp e Childress,
e se tornaram quatro. Estão presentes na obra Princípios de ética biomédica. Os princípios da
autonomia e da justiça permanecem, e a beneficência se desdobra em dois: beneficência e não
maledicência.
Outra obra magna nessa discussão é a Enciclopédia de Bioética, referida no início, que
tem três edições: 1978, 1994 e 2004.
Vê-se, então, que toda essa discussão se deu quase que exclusivamente nos Estados
Unidos. Essa discussão no Brasil é mais recente: em 1996, foi publicada a Resolução 196 do
Conselho Nacional de Saúde (CNS), sobre a Pesquisa com seres humanos; em 1997, a Instrução
Normativa 9, da CTNBio/1997 – Biossegurança; em 2012, a atual Resolução 460 do CNS; e
em 2016, a Resolução 510, sobre a Pesquisa em Ciências Humanas e Sociais. Estas normativas
têm a função de regular as pesquisas, os critérios e os riscos (físicos ou psicológicos) que se
pode ter, as metodologias e etc.
Ainda assim, permanecem dificuldades e desafios para aplicar os conceitos da bioética.
Por exemplo, mais de 40% das moradias no Brasil ainda não tem acesso ao saneamento básico.
Outra discussão é sobre as políticas públicas, que são fortemente marcadas pelo contexto socio-
político-econômico local. E isso incide diretamente sobre a fundamentação da bioética, de
modo que a reflexão estadunidense difere da brasileira na medida em que as preocupações sobre
aquilo que incide sobre a vida são diferentes.
3
Ibidem, p. 44.
A reflexão de Pessini busca também afirmar que a discussão e reflexão sobre a bioética
não é ideológica e nem propriedade de alguns grupos, sejam eles religiosos, políticos, ou de
uma ou outra área do saber. À base da investigação está como se correlacionam as diversas
posições, estas sim ideológicas, e convicções e como elas convergem em acordo. Um exemplo
para isso é a doação de órgãos, que mesmo que o paciente manifeste o desejo de ser doador, a
decisão final cabe aos seus familiares. Mas a questão não é tão simples. Como reagir diante da
possibilidade da venda de órgãos, da constituição de bancos de órgãos disponíveis à
comercialização?
Pessini sustenta que existem contribuições da teologia moral e da filosofia moral, cada
uma com seu método próprio. Isso implica no “tratamento” do paciente como pessoa e não
como um órgão, um simples número ou como um consumidor do serviço de saúde. Tanto a
teologia moral, quanto a filosofia moral, muito têm a contribuir no processo de humanização
das técnicas e dos procedimentos, mas também dos conhecimentos que deles decorrem ou que
lhes dão sustento.
Tudo isso não se restringe aos bioeticistas, mas também aos leigos. São situações que
dizem respeito a todos. Mesmo a bioética não é um conjunto de códigos ou orientações e é
difícil transitar entre os princípios, por exemplo, fazer o bem pode incorrer em malefícios, para
uns ou para outros. Os códigos ajudam a orientar, mas não são determinações a serem seguidas
“matematicamente”. Em situações complexas, como a necessidade de acesso a um tratamento
que não está disponível para todos, quais critérios são válidos: o maior bem para todos, ou
outros?
Mas há avanços. A Bioética é uma disciplina que é um movimento social. Apesar de
a tecnologia ser uma corrente um tanto irrefreável, ela pode ser humanizada, minimizando os
impactos. Além disso, em bioética não se pode haver uma única voz válida. Quando em rumo
à superficialidade da argumentação e da compreensão, é preciso recuperar a profundidade e
criticidade reflexivas.
Inicia-se, assim, a discussão sobre as visões antropológicas:
Quais verdades aceitamos para nós? Por um viés bioético, surgem diversos caminhos
para pensarmos sobre isso: quem somos nós?, de que nós falamos?, que é o homem? Há, de
modo geral, um esquecimento do humano, e a pergunta sobre quem o humano é ganha mais
importância ainda. A questão remete ao iluminismo e ao antropocentrismo. Mas será essa a
única visão? Alguns conceitos nos ajudam a compreender o ser humano: Pathos – emoções e
paixões; Ethos – traços e modos de comportamento; Daemon – voz da consciência/espírito;
Eros – força vital dos humanos; [eu diria ainda Politikon – vida social]. Tudo isso parece ter
sido reduzido ao Logos, à razão ou racionalidade. Existem diversas teorias que tentam
responder a essa questão e fazer o resgate do humano, ora pelo viés teocêntrico que tem Deus
como fim moral, ora antropocêntrico, com as ciências que colocam o homem como fim moral.
O fechamento no subjetivismo nestas questões, assim como o relativismo, obscurece
a investigação. É preciso identificar um conjunto de normas morais que discutam estas
questões. A teologia católica identifica, na tradição bíblica do Gênesis, o conceito de imago dei.
Nas teorias antropocêntricas, é a razão que assegura a centralidade do humano. E isso também
coloca o homem em perspectiva materialista e mecanicista. Outra ainda é a leitura da filosofia
behaviorista, que investiga os comportamentos humanos.