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Gestão Ambiental e Territorial

da Terra Indígena Alto Rio Guamá

Diagnóstico ETNoambiental e Etnozoneamento


Gestão Ambiental e Territorial
da Terra Indígena Alto Rio Guamá
Diagnóstico ETNoambiental e Etnozoneamento

Renata de Melo Valente


Claudia Maria Carneiro Kahwage
editores

Belém
IDEFLOR-Bio
2017
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Biblioteca da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade/PA)

Pará. Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade


Gestão Ambiental e Territorial da Terra Indígena Alto Rio Guamá : diagnóstico
etnoambiental e etnozoneamento / Instituto de Desenvolvimento Florestal e da
Biodiversidade .-- Belém: Ideflor-Bio, 2017.
380 p. : il.

ISBN 978-85-92612-04-7

1. Gestão ambiental - etnozoneamento. 2. Terra Indígena Alto Rio Guamá - TIARG.


3. Sociobiodiversidade. I. Título.

CDD 22. ed. 333.7


GOVERNO DO ESTADO DO PARÁ
INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO FLORESTAL E DA BIODIVERSIDADE
DIRETORIA DE GESTÃO DA BIODIVERSIDADE
GERÊNCIA DE SOCIOBIODIVERSIDADE

Simão Robison Oliveira Jatene


Governador do Estado do Pará

José da Cruz Marinho


Vice-Governador do Estado do Pará

Thiago Valente Novaes


Presidente do Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade

Crisomar Lobato
Diretor de Gestão da Biodiversidade

Claudia Maria Carneiro Kahwage


Gerente de Sociobiodiversidade

EQUIPE TÉCNICA Gerência de SocioBiodiversidade

Edson Pereira - Arte-Educador


Jalva Braga - Assistente Social
Jamilye Salles - Advogada
Gilberto Mendonça - Sociólogo
Renata Valente - Bióloga
Autoridades da Terra Indígena Alto Rio Guamá

Cacique Clementino Tembé Cacique Raimundo Malaquias Tembé


Aldeia Zawar Aldeia Bate Vento

Cacique Zé Grande Cacique Capitão Agostinho Tembé


Aldeia Tawari Aldeia Canindé

Cacique Zequinha Tembé Cacique Clóvis Tembé


Aldeia Frasqueira Aldeia Anoira

Cacique Antônio Tembé Cacique Maria De Fátima Tembé


Aldeia Pakotyw Aldeia Faveira

Cacique Kamirã Tembé Cacique Capitão Lourival Tembé


Aldeia São Pedro Aldeia Teko Haw

Cacique Neto Tembé Cacique Fátima Tembé


Aldeia Zakare Aldeia Floriano

Cacique Cláudio Tembé Cacique Benedito Tembé


Aldeia Pira Aldeia Araruna

Cacique Naldo Tembé Cacique Isac Timbira


Aldeia Sede Aldeia Sussuarana

Cacique Pedro Soares Cacique Isidorio Tembé


Aldeia Ituaçu Aldeia Cajueiro

Cacique Francisco Cruz Tembé Cacique Célia Tembé


Aldeia Ypihun Aldeia Ka'a Pite Pe Har

Cacique Antônio Pastana Cacique Raimundinho Tembé


Aldeia Yarape Ma'e Ywazu Aldeia WÀhutyw

Cacique Edivaldo Tembé Cacique Ezequiel Tembé


Aldeia Pinua Aldeia Três Furos

Cacique João Pedro Cacique Zeca Tembé


Aldeia Itahu Aldeia Pyahu

Cacique Indinho Tembé Cacique Sebastião Timbira


Aldeia Taraku'atyw Aldeia Ikatu
Cacique Emídio Tembé
Cacique Luizinho Tembé Aldeia Ka'a Kyr
Aldeia Cocalzinho
Cacique Pedro Teófilo
Aldeia Itaputyr
Créditos Técnicos e Institucionais

INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO FLORESTAL E Manifestações Culturais: KÀWI'U HAW e wyra'u


DA BIODIVERSIDADE/SECRETARIA DE ESTADO DE haw (Festa do Mingau e Festa do Moqueado)
MEIO AMBIENTE E SUSTENTABILIDADE DO PARÁ
Claudia Maria Carneiro Kahwage
pará rural / banco mundial Gilberto Bezerra Mendonça

Projeto Conservação da Biodiversidade em Meio Físico


Terras Indígenas do Pará Meline Cabral Machado
Edwilson Pordeus Campos
Claudia Maria Carneiro Kahwage Raimundo Ribeiro Reis Júnior
Coordenação Geral/Fiscal de Contrato Irakii Tembé
Glauber Júlio Andrade da Silva
Técnico em Gestão Ambiental - Assistente Vegetação
de Fiscal Alexandre de Souza Mesquita
Roberta Cabá Rildo Souza dos Anjos
Técnico em Gestão Ambiental Maurício Diego Sousa Costa
José Ribamar Carneiro Tembé
Jorge Sarmento Tembé Francisco dos Santos Nascimento
Auxiliar Administrativo
Ictiofauna
C o n s u lt o r i a pa r a e x e c u ç ã o d o Adna Almeida de Albuquerque
Etnozoneamento da Terra Indígena Alto Xavier Tembé
Rio Guamá - Contrato nº 14/2014 - Núcleo de Nilson Quirino Tembé
Gerenciamento do Programa PARá RURAL José Grande Tembé
e ECAM Gleison Tembé
EQUIPE DE CONSERVAÇÃO DA AMAZÔNIA – ECAM Avifauna
Vasco von Rosmalen Renata de Melo Valente
Presidente Éder Amoras Melo
Renata de Melo Valente
Coordenação Técnica Mastofauna
Pedro Manuel Ribeiro Simões dos Santos
Angela Amanakwa Kaxuyana Antônio Otávio Tembé
Coordenação de Relações com a Comunidade Valdevino Tembé
Indígena
Espécies Ameaçadas
José Hildeberto de Oliveira Lages
Coordenador de Logística Luciano Jorge Serejo dos Anjos
Renata de Melo Valente
Coordenadores Indígenas Luciana Alves de Souza
Pesquisa de Campo:
Jaqueline Puyr Tembé Glauber Júlio Andrade da Silva
Elivar Conceição Tembé Claudia Maria Carneiro Kahwage
Antônio Santana Dias Tembé
Raimundo Leonildo da Mata Tembé Monitoramento por Radar
Elaboração de Mapas Dirk H. Hoekman
Meline Cabral Machado Claudia Maria Carneiro Kahwage
Edwilson Pordeus Campos Tradução:
Luís Barbosa (Conservação Internacional) Renata de Melo Valente
Arte Gráfica e Diagramação
Equipe de Pesquisadores Indígenas e Não Edson Pereira
Indígenas
Revisão de Texto
História do Povo Tembé Renata de Melo Valente
Sérgio Meira Catalogação
Márcia Maria Campos
Socioeconomia
Foto da Capa
Claudia Maria Carneiro Kahwage Claudia Kahwage
Dodô Tembé
Irenilde Tembé Fotos:
José Félix de Souza Adna albuquerque, claudia kahwage, diogo
Kelé Tembé santos, edwilson pordeus, gilberto mendonça,
Silvio Tembé glauber júlio andrade, inocêncio gorayeb,
Tamires Curana Tembé kenavo junti, meline cabral, pedro santos,
Pesquisa de campo: renata valente
Rodrigo Gomes Lobo
Angela Amanakwa Kaxuyana
Elisangela Sales
Puyr Tembé
LISTA DE SIGLAS

ANA – Agência Nacional de Águas


CONAMA – Conselho Nacional de Meio Ambiente
DEAP – Diagnóstico Etnoambiental Participativo
DIAP – Diretoria de Áreas Protegidas (SEMAS-PA)
Ecam – Equipe de Conservação da amazônia
FUNAI – Fundação Nacional do Índio
GDEM – Global Digital Elevation Map
IDEFLOR-Bio – Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade
do Estado do Pará
INCRA – Instituto Nacional de COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA
INMET – Instituto Nacional de Meteorologia
MDE – Modelo Digital de Elevação
PAER – Protocolo de Avaliação Ecológica Rápida
pngati – Política nacional de gestão territorial e ambiental de terras
indígenas
SEMAS – Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará
spi – serviço de proteção ao índio
TIARG – Terra Indígena Alto Rio Guamá
9
APRESENTAÇÃO
Os trabalhos da Diretoria de Gestão
da Biodiversidade (DGBio) do Instituto de
Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade
do Estado do Pará (IDEFLOR-Bio) na Terra
Indígena Alto Rio Guamá – TIARG iniciaram em
2012, quando a equipe técnica da atual Gerência
de Sociobiodiversidade ainda estava no âmbito
da estrutura administrativa da Diretoria de Áreas
Protegidas da Secretaria de Estado de Meio Ambiente
do Pará (SEMA-PA).

Neste ano, lideranças indígenas Tembé e


representantes do Ministério Público Federal (MPF)
e da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) solicitaram
à SEMA-PA que continuasse fornecendo recursos
financeiros em forma de Bolsas Floresta para 150
famílias indígenas da região sul da TIARG, habitantes
de aldeias localizadas às margens do rio Gurupi, no
município de Paragominas. Estas famílias vivem
em situação de extrema pobreza, uma vez que não
possuem atividades de geração de renda ou não
estão incluídas em programas de assistência social
dos governos. Por consequência, estão vulneráveis
ao assédio constante da indústria ilegal de madeira,
que age com sucesso na região, aliciando os Tembé
em troca da exploração da floresta.
Foi referendando por todos os solicitantes do
benefício que o fornecimento das bolsas deveria
desestimular o envolvimento dos indígenas com
madeireiros e favorecer a diminuição do desmatamento
na região. Assim, os indígenas beneficiados
também se comprometeram a denunciar situações
de desmatamento provocadas por madeireiras. A
SEMA-PA passou, então, a fornecer às 150 famílias
indígenas da porção sul da TIARG a bolsa “Guardião
da Floresta”, no valor de 400 reais, como forma de
pagamento por serviços ambientais. Este benefício
foi concedido durante um ano, dando início a um
trabalho de conscientização ambiental realizado por
meio de oficinas ministradas nas principais aldeias
e de um estudo participativo sobre a ocorrência de
espécies ameaçadas de extinção na área florestada
da reserva. Atividades da Bolsa "Guardião da Floresta", executado
pela SEMA, em 2012.
O trabalho iniciou em janeiro de 2012 e teve
um desfecho trágico em outubro, quando diversos
indígenas, ao realizarem atividades de vigilância
territorial, entraram em conflito com madeireiros
que estavam explorando intensamente uma área
florestada na região do rio Coraci-Paraná, sudeste
da TIARG. Os indígenas acabaram por queimar todo
o maquinário pertencente aos criminosos, fato que
provocou um conflito armado envolvendo indígenas,
madeireiros e seus pistoleiros e representantes dos
órgãos governamentais responsáveis pela fiscalização
da reserva.
Apesar de ter favorecido a economia indígena
local, proporcionando poder de compra de mercadorias
não indígenas, a bolsa fornecida às famílias indígenas
carentes não foi capaz de deter o desmatamento
provocado pelas madeireiras, uma vez que não
cabe aos indígenas atuar sozinhos na proteção e
fiscalização de seu território. Mostra-se necessário,
portanto, um esforço integrado de órgãos de governo
nas esferas municipal, estadual e federal para deter
as atividades de desmatamento na TIARG.
O trabalho de fornecimento da bolsa “Guardião
da Floresta” foi importante, por outro lado, para que
nossa equipe técnica pudesse ter conhecimento
da situação da biodiversidade existente na TIARG,
bem como conhecer a realidade socioambiental
dos índios Tembé. Pudemos evidenciar, através de
pesquisas que contaram com a participação dos
indígenas, que a TIARG é um refúgio de várias
espécies ameaçadas de extinção que ali ocorrem em
abundância surpreendente. Neste livro, apresentamos
um capitulo que trata sobre o tema, resultado de um
estudo que contou com a participação das famílias
indígenas bolsistas. O trabalho junto aos indígenas
da região do rio Gurupi nos possibilitou evidenciar
a necessidade de realizar ações voltadas à gestão
ambiental e territorial da TIARG, no sentido de apoiar
a proteção da biodiversidade, não somente na região
das aldeias da margem do Gurupi, mas também das
aldeias que ficam na margem do rio Guamá, uma área
que já sofreu intensa atividade de desmatamento em
Extração ilegal de madeira ocorrida na TIARG função da invasão por não indígenas. Os indígenas
na ocasião da execução, pela SEMA, do
projeto Bolsa "Guardião da Floresta", em 2012.
das duas regiões possuem pouca comunicação entre si em virtude da área central da TIARG
encontrar-se ocupada por invasores não indígenas, o que também dificulta a questão da
governança indígena sobre o território e prejudica a gestão ambiental e territorial da reserva.
No ano de 2013 pudemos, então, realizar um árduo trabalho de captação de recursos
oriundos do Programa de Redução da Pobreza e Gestão dos Recursos Naturais do Estado
do Pará – Pará Rural, financiado pelo Banco Mundial, a fim de viabilizar ações de apoio à
gestão ambiental e territorial da TIARG, pois, apesar do que prevê a Constituição de 1988, que
as ações do Estado sobre os territórios indígenas devem se fundamentar em princípios que
considerem o respeito às diferenças culturais e a garantia do acesso aos recursos naturais, de
forma a assegurar a manutenção de suas próprias formas sociais, a TIARG vive uma situação
de fraca governança, tanto do ponto de vista ambiental quanto territorial, e de desrespeito aos
direitos culturais dos indígenas que lá vivem.
Este livro apresenta os resultados do Diagnóstico Etnoambiental Participativo e
Etnozoneamento da TIARG, um estudo construído conjuntamente com os indígenas, onde
foram enfocados aspectos da biodiversidade, da socioeconomia e da cultura do povo Tembé.
Os trabalhos de campo foram executados pela organização não governamental Equipe de
Conservação da Amazônia (ECAM), que foi contemplada, por meio de edital, com recursos
do Programa Pará Rural para realização do serviço de Etnozoneamento da TIARG, tendo a
supervisão da Gerência de Sociobiodiversidade do IDEFLOR-Bio.
Na atualidade, o IDEFLOR-Bio tem a competência de apoiar a implementação da Política
Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas – PNGATI, por meio de parceria
estratégica com a FUNAI e demais organismos e entidades competentes, incluindo ações de
proteção, recuperação, conservação e uso sustentável dos recursos naturais dos territórios
indígenas e unidades de conservação estaduais ocupadas por povos indígenas (Cap. II, Art. 2º,
§ XIX da Lei 8.096/2015). Almejamos que este trabalho, realizado com empenho por indígenas
e não indígenas, possa se tornar um instrumento capaz de auxiliar os Tembé na gestão
ambiental e territorial da TIARG, à medida que estabelece zonas criteriosas de uso de seu
território, definidas por eles próprios, com base no conhecimento tradicional e no conhecimento
científico gerado por este estudo, e que possa ser apresentado como subsídio para o diálogo
e para as estratégias de captação de recursos com os diversos atores governamentais e não
governamentais.
Esperamos, assim, que os indígenas da TIARG possam fazer uso deste livro como
ferramenta de fortalecimento das ações de gestão de seu território e de diálogo com as esferas
de governo, as quais também devem promover e apoiar a gestão desta terra indígena, que
aloja um importante patrimônio cultural e ambiental do Estado do Pará.

Claudia Kahwage
Gerente de Sociobiodiversidade
Diretoria de Gestão da Biodiversidade
Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade do Estado do Pará
SUMÁRIO
Introdução .................................................................................................................................15

Diagnóstico Etnoambiental Participativo e Etnozoneamento da Terra Indígena

Alto Rio guamá .......................................................................................................................... 20

Como Foram Feitos os Estudos ........................................................................................... 21

Capítulo 1 – Caracterização e Histórico da Terra Indígena Alto Rio Guamá...... 31

Capítulo 2 – História do Povo Tembé ................................................................................ 45

Capítulo 3 – Socioeconomia ................................................................................................. 53

Capítulo 4 – MANIFESTAÇÕES CULTURAIS: KÀWI'U HAW E WYRA'U HAW ( FESTA DO

MINGAU E FESTA .........................................................................................................................


DO MOQUEADO ) 95

Capítulo 5 – Meio Físico ......................................................................................................... 121

Capítulo 6 – Flora e Fauna ................................................................................................... 176

• Capítulo 6.1 – Vegetação .......................................................................................... 177

• Capítulo 6.2 – Ictiofauna .......................................................................................... 207

• Capítulo 6.3 – Avifauna ............................................................................................. 235

• Capítulo 6.4 – Mastofauna ...................................................................................... 267

Capítulo 7 – Espécies Ameaçadas na Terra Indígena Alto Rio Guamá: Uma

Área de Alta Importância para a Conservação da Biodiversidade na Amazônia ..... 307

Capítulo 8 – Monitoramento do Desmatamento por radar na Área Central

da TIARG ........................................................................................................................................ 327

Capítulo 9 - Etnozoneamento da Terra Indígena Alto Rio Guamá .......................... 347

Considerações Finais e Recomendações ......................................................................... 375


14
15

INTRODUÇÃO

Até meados da década de 1960, a política indigenista do estado brasileiro para a Amazônia
esteve pautada em ações “civilizatórias”, visando à transformação dos indígenas em trabalhadores
em prol da nação brasileira. Isso resultou no extermínio de diversos grupos indígenas e na
expropriação de seus territórios. O “movimento nacional indígena” começou a mudar esta
perspectiva a partir da década de 1970, quando os indígenas, inicialmente apoiados pelo
Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e, depois, por outros setores da sociedade, passaram a
se articular, pautados na valorização de suas tradições e na luta por seus direitos. A Constituição
Federal de 1988 foi um marco neste processo, com o reconhecimento de suas organizações
sociais, costumes, línguas, crenças e tradições, bem como dos direitos originários sobre
seus territórios. O foco na sustentabilidade dessas reservas, aliando a defesa pelos direitos
culturais com a conservação da natureza, ganhou força a partir da década de 1990, quando
passaram a surgir iniciativas de gestão territorial e ambiental em terras indígenas (PRINTES,
2012; OLIVEIRA, 2011).

Em 2012, o Brasil instituiu a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras


Indígenas – PNGATI (Decreto Presidencial No 7.747, de 05/06/2012), que menciona, em seu
artigo 1º:
O objetivo de garantir e promover a proteção, a recuperação, a conservação
e o uso sustentável dos recursos naturais das terras e territórios indígenas,
assegurando a integridade do patrimônio indígena, a melhoria da qualidade de
vida e as condições plenas de reprodução física e cultural das atuais e futuras
gerações dos povos indígenas, respeitando sua autonomia sociocultural, nos
termos da legislação vigente.

Para que se promova o fortalecimento da governança dos territórios indígenas e o


desenvolvimento econômico sustentável de suas comunidades, tanto do ponto de vista ambiental
quanto cultural, é necessário ampliar o conhecimento das potencialidades de suas terras,
valorizar suas culturas e planejar de forma participativa as ações que irão interferir em suas
relações sociais. No processo para se alcançar esses objetivos, busca-se fomentar espaços
públicos onde as comunidades indígenas possam interferir de forma mais participativa, com
condições legítimas de decidir o que é melhor para suas terras e para o seu povo (SANTOS,
2005 apud KANINDÉ, 2010).

A geração de conhecimento técnico-científico, aliada aos saberes dos indígenas acerca


do patrimônio ambiental e cultural de seus territórios, representa um caminho promissor para se
iniciar um processo de gestão ambiental e territorial mais qualificado para as terras indígenas.
Isso requer a capacitação e a promoção da participação das comunidades nas ações de proteção
e desenvolvimento sustentável de suas reservas. Duas metodologias são reconhecidas pela
PNGATI como ferramentas para a gestão territorial e ambiental de terras indígenas:
a) O Etnomapeamento, definido como o mapeamento participativo das áreas de
relevância ambiental, sociocultural e produtiva para os povos indígenas, com base em seus
16

conhecimentos e saberes;
b) O Etnozoneamento, instrumento de planejamento participativo que visa à categorização
de áreas de relevância ambiental, sociocultural e produtiva para os povos indígenas, desenvolvido
a partir do entnomapeamento.
O resultado desses processos é o estabelecimento de zonas de uso do território acordadas
entre os indígenas e que devem ser respeitadas por eles. Portanto, o Zoneamento é uma
ferramenta de gestão territorial e ambiental que prevê a definição, pelos próprios indígenas, de
áreas de uso do território com base em suas características culturais, práticas de subsistência,
perspectivas de desenvolvimento econômico sustentável e necessidades de conservação
ambiental e proteção territorial, bem como nas problemáticas enfrentadas. Assim, são definidas,
por exemplo, zonas de caça, de pesca, de produção, de preservação permanente, de recuperação,
de desintrusão, etc.
No ano de 2013, a então Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Pará – SEMA, por meio
de sua Diretoria de Áreas Protegidas/Gerência de Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais,
reconhecendo o histórico de invasões, de desrespeito aos direitos indígenas e de luta do povo
Tembé pela retomada de suas terras e tradições; e preocupada com a situação de constante
desmatamento e exploração madeireira na Terra Indígena Alto Rio Guamá (TIARG), que ameaça
a rica biodiversidade local e põe em risco a segurança dos indígenas, percebeu a necessidade
de realizar um diagnóstico ambiental, socioeconômico e cultural na área, pois o levantamento
de informações é extremante importante para que seja realizado um trabalho participativo de
Zoneamento do território indígena, capaz de promover uma gestão integrada da área. Nesse
contexto, foi executado o projeto “Diagnóstico Etnoambiental Participativo e Etnozoneamento
da TIARG”, que envolveu tanto pesquisadores não indígenas quanto pesquisadores indígenas
em todas as fases do processo de levantamento e análise de informações. Atuou-se por meio
de uma abordagem participativa de pesquisa, reflexão e tomada de decisão, respeitando o
tempo das comunidades e favorecendo o envolvimento e a integração do grupo social, a fim
de incentivar a espontaneidade e a criatividade, quebrar resistências e facilitar a compreensão
dos contextos apresentados para que, ao final, as diversas categorias de áreas de uso de seu
território fossem estabelecidas pelos próprios indígenas das TIARG.
Desta forma, foram realizadas diversas oficinas na terra indígena ao longo de todo
o trabalho do Etnozoneamento. Na primeira delas, a Oficina de Consulta Prévia, Livre e
Informada, foi apresentado aos indígenas o projeto do Diagnóstico Etnoambiental Participativo e
Etnozoneamento da TIARG (de agora em diante, chamado de Diagnóstico), quando as sugestões
propostas por eles puderam ser incorporadas ao documento (Figura 1). A aprovação ao projeto
e a permissão para a realização dos estudos em suas terras foi oficializada por meio de uma
carta redigida pelos indígenas e assinada por todas as lideranças da TIARG, ao final da Oficina.
Outras oficinas foram realizadas na TIARG no decorrer dos trabalhos: (a) a oficina para
apresentação e discussão, com os indígenas, da metodologia proposta e logística para os
trabalhos de campo do Diagnóstico; (b) a oficina para apresentação, pelos pesquisadores
não indígenas, dos resultados do Diagnóstico, seguida de sua validação pelos pesquisadores
indígenas e pelo restante da comunidade Tembé; e, por fim, (d) a oficina final de zoneamento
da TIARG, quando as zonas de uso do território foram estabelecidas pelos indígenas (Figura 2).
17

Figura 1 – Oficina de Consulta Prévia, Livre e Informada realizada na Aldeia Cajueiro, região do rio Gurupi. Foto: Kenavo Junti.

Figura 2 – A e B: I Oficina de Zoneamento da TIARG para discussão e definição da metodologia e da


logística para os trabalhos de campo, Aldeia Frasqueira, região do Guamá (Fotos: Renata Valente e
Pedro Santos); C: Oficina de Validação dos Resultados do Diagnóstico Etnoambiental Participativo,
Aldeia Sede, Região do Guamá (Foto: Claudia Kahwage); D e E: Oficina Final do Zoneamento da TIARG,
Aldeia Sede, região do Guamá (Fotos: Renata Valente).
18

A próxima seção deste livro trata dos métodos que foram aplicados para o Diagnóstico,
isto é, ela explica como foram feitos os trabalhos de campo dos estudos realizados na terra
indígena. Estes estudos constituem parte dos elementos que deram suporte para a realização
do Zoneamento Participativo da TIARG; a outra parte se dá pelo conhecimento dos próprios
indígenas sobre seu território.
No primeiro capítulo do Diagnóstico, Caracterização e Histórico da TIARG, são
apresentadas algumas informações básicas sobre a terra indígena, como localização, extensão,
população, etc., e é feito um apanhado sobre a história mais recente e sobre o cenário atual
da TIARG, incluindo as invasões que lá ocorreram e que dividiram seu território e seu povo,
culminando na perda de algumas de suas características culturais e na degradação ambiental
de boa parte da terra indígena.
O segundo capítulo, História do Povo Tembé, foi elaborado por um pesquisador linguista
e faz uma narrativa sobre o povo Tembé, desde sua origem até os dias atuais, com depoimentos
valiosos dados por indígenas mais idosos de algumas aldeias da TIARG.
Em seguida, é apresentado o capítulo da Socioeconomia, que abordou, através de
questionários aplicados aos indígenas, alguns aspectos relacionados à situação socioeconômica
da TIARG, com ênfase nas atividades produtivas tradicionais e na relação dos Tembé com o
mercado local.Também faz uma abordagem sobre a exploração dos recursos naturais pelos
indígenas, como o extrativismo vegetal e os principais animais caçados.
O capítulo seguinte, Manifestações Culturais: Kàwi'u Haw e Wyra'u Haw (Festa do
Mingau e Festa do Moqueado), procura descrever os diversos aspectos da única festividade
que pertence genuinamente à cultura dos indígenas da TIARG. De cunho cultural e religioso, a
festa se estende por vários dias e engloba os rituais de passagem de meninos e meninas para
a vida adulta. Neste capítulo, foi dado enfoque a aspectos relacionados com o uso de elementos
da biodiversidade local, seja para o preparo de comidas tradicionais servidas durante a festa
ou como símbolos específicos característicos dos cerimoniais ritualísticos, como é o caso do
macaco guariba, que passa por uma espécie de processo de mumificação e é enfeitado com
adornos, de forma semelhante às meninas indígenas.
O capítulo sobre o Meio Físico da TIARG descreve alguns aspectos relacionados ao
clima, ao terreno (hidrografia, geologia, pedologia, etc.) e ao uso da terra (aptidão agrícola),
objetivando conhecer melhor e analisar os recursos disponíveis, a fim de fortalecer ações
voltadas ao uso sustentável e proteção dos recursos naturais na terra indígena.
O capítulo da Flora e Fauna englobou os seguintes subcomponentes: Vegetação,
Ictiofauna (peixes), Avifauna (aves) e Mastofauna (mamíferos). Para esses grupos, foi feito
um levantamento de campo rápido e, por isso, preliminar sobre as espécies existentes na
TIARG, procurando, na medida do possível, avaliar o status de conservação e o uso dado a
elas pelos indígenas, com atenção especial às espécies ameaçadas de extinção. Os trabalhos
foram feitos com a participação dos indígenas, tanto na sua execução quanto no fornecimento
de informações acerca dos grupos estudados. Quando possível, foi apresentado o nome das
plantas e animais na língua Tembé.
O capítulo das Espécies Ameaçadas apresenta os resultados de um trabalho de
19

etnolevantamento realizado com os indígenas, a fim de obter informações sobre a ocorrência,


na TIARG, de espécies ameaçadas de extinção no Pará. Foram investigadas 41 espécies
que têm ocorrência prevista para a região do nordeste paraense, muitas delas restritas a
esta porção da Amazônia. O trabalho concluiu que boa parte das espécies investigadas está
presente na terra indígena, o que reforça a extrema importância que ela exerce na conservação
da biodiversidade do Pará e da Amazônia.
O capítulo seguinte apresenta os resultados de um estudo de Monitoramento por Radar
realizado através da análise de imagens adquiridas ao longo de todo o ano de 2014, que mediu
o desmatamento e a extração ilegal de madeira na área central da TIARG, ocupada por colonos
invasores. Este estudo evidencia a intensidade da atividade de exploração de madeira que vem
ocorrendo de forma continuada na TIARG, favorecida pela falta de fiscalização.

O capítulo do Etnozoneamento da TIARG mostra a definição de 11 zonas de uso do


território indígena. Essas zonas foram definidas, durante Oficina, pelos próprios Tembé, de acordo
com: suas atividades produtivas, extrativistas, de subsistência (caça e pesca) e ritualísticas;
necessidades de recuperação ambiental de parte do território que sofreu ação de invasores;
necessidade de desintrusão das áreas que ainda se encontram ocupadas; estratégias de uso
sustentável ou de conservação integral dos recursos naturais; e zonas sagradas.
Na última seção deste livro são feitas considerações sobre a situação atual e as perspectivas
para a TIARG, com recomendações que visam contribuir para o processo de gestão ambiental
e territorial da terra indígena.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
KANINDÉ - Associação de Defesa Etnoambiental. Metodologia de diagnóstico etnoambiental
participativo e etnozoneamento em terras indígenas. Porto Velho; Brasília: ACT-Brasil, 2010.

OLIVEIRA, A. R. de. Diálogos entre Estado e povos indígenas no Brasil: a participação


indígena no processo de construção da Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial de
Terras Indígenas – PNGATI. Brasília: FUNAI/GIZ, 2011. 78p.

PRINTES, R. B. Gestão territorial e ambiental: contribuições de um emergente debate para a


afirmação dos territórios sociais indígenas. Dissertação de Mestrado. Porto Alegre: Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, 2012. 250p.
SANTOS, A. D. Metodologias participativas: caminhos para o fortalecimento de espaços
públicos socioambientais. São Paulo, Peirópolis: IEB – Instituto Internacional de Educação do
Brasil, 2005.
20
DIAGNÓSTICO ETNOAMBIENTAL
PARTICIPATIVO E
ETNOZONEAMENTO DA TERRA
INDÍGENA ALTO RIO GUAMÁ
21

COMO FORAM FEITOS


OS ESTUDOS
22
23

1. COMPONENTES INVESTIGADOS

O Diagnóstico Etnoambiental Participativo da TIARG compreendeu a investigação dos


seguintes componentes:

• Caracterização e Histórico da TIARG


• História do Povo Tembé
• Socioeconomia
• Manifestações Culturais: Kàwi'u haw e Wyra'u haw (Festa do Mingau e
• Festa do Moqueado)
• Meio Físico
• Flora e Fauna
• Vegetação
• Ictiofauna
• Avifauna
• Mastofauna
• Espécies Ameaçadas de Extinção
• Monitoramento do Desmatamento por Radar
Nesta seção, será descrita principalmente a metodologia geral adotada para os trabalhos
de campo dos componentes inventariados em setembro/outubro de 2014, na região do rio Guamá
e do rio Gurupi. São eles: Socioeconomia; Meio Físico; e Flora e Fauna. A metodologia geral
aqui apresentada inclui a descrição da participação indígena na coleta de dados, o período e
os locais de amostragem. A descrição detalhada da metodologia de coleta de dados específica
para cada um desses grupos é fornecida nos capítulos correspondentes.
Para os componentes "Manifestações Culturais", “Espécies Ameaçadas de Extinção” e
“Monitoramento do Desmatamento por Radar”, cujos estudos foram realizados em momentos
distintos, descrevemos alguns aspectos da metodologia nesta seção. Porém, da mesma forma,
informações mais detalhadas são dadas nos capítulos correspondentes. Para o componente
“História do Povo Tembé”, a metodologia aplicada compreendeu pesquisa na literatura e
entrevistas com indígenas mais idosos que residem em aldeias localizadas na região do Gurupi.

2. PARTICIPAÇÃO DE PESQUISADORES INDÍGENAS


Os trabalhos de campo dos grupos temáticos da Socioeconomia, Meio Físico e Flora
e Fauna foram realizados no ano de 2014 e conduzidos por pesquisadores não indígenas
especialistas em sua área de atuação e por pesquisadores indígenas. Buscou-se, dessa
forma, aliar o conhecimento científico ao conhecimento tradicional e promover o intercâmbio
de informações entre esses pesquisadores, enriquecendo seus saberes.

A definição da metodologia de trabalho específica de cada grupo foi discutida e delineada


em conjunto pela comunidade indígena e pelos pesquisadores não indígenas durante a "I Oficina
do Zoneamento Participativo da TIARG", realizada em agosto de 2014 (Figura 3). Também neste
24

momento, a própria comunidade indicou os nomes dos pesquisadores indígenas que deveriam
compor a equipe de cada grupo temático, levando em consideração seus conhecimentos em
relação ao grupo a ser trabalhado.
Cada grupo temático contou com a colaboração de pelo menos dois pesquisadores
indígenas, um da região do rio Guamá e outro da região do rio Gurupi (Figura 4). Este modelo
foi adotado devido ao histórico de separação no interior da TIARG e à consequente limitação
do contato entre os indígenas do Guamá e do Gurupi, ocasionando, entre outras coisas, o
pouco conhecimento das peculiaridades das terras do Guamá por grande parte dos indígenas
do Gurupi, e vice-versa. Assim, como forma de estimular o intercâmbio entre os indígenas das
duas regiões e promover o maior conhecimento sobre a totalidade de suas terras, tanto os
pesquisadores indígenas que residem no Guamá quanto os que residem no Gurupi participaram
de todo o trabalho de campo, independente da região da TIARG em que o trabalho estivesse
sendo realizado. Este procedimento foi adotado seguindo sugestão dada pelos próprios indígenas
durante a I Oficina do Zoneamento Participativo.
Considerando a dinâmica necessária para a aplicação de questionários, seis indígenas
atuaram como pesquisadores no grupo da Socioeconomia. No caso da Ictiofauna, devido à
logística dos trabalhos de campo, quatro indígenas participaram como pesquisadores. Os
demais grupos contaram com a colaboração de dois pesquisadores indígenas. Assim, houve
um total de 20 pesquisadores indígenas atuando diretamente no levantamento de dados para
os grupos temáticos cujos estudos de campo foram realizados em 2014 (Socioeconomia, Meio
Físico e – dentro de Flora e Fauna – Vegetação, Ictiofauna, Avifauna e Mastofauna).
Em relação ao componente "História do Povo Tembé", os indígenas não atuaram como
pesquisadores, mas como informantes, concedendo entrevistas que foram gravadas pelo
pesquisador linguista (Figura 5). Da mesma forma, o levantamento de dados sobre o componente
“Espécies Ameaçadas de Extinção” foi feito principalmente através de questionários aplicados
aos indígenas, embora algumas informações tenham sido obtidas por observação direta dos
pesquisadores durante o período em que estiveram na área de estudo.

Figura 3 – Pesquisadores indígenas e não indígenas definindo locais para o estabelecimento de parcelas
para estudo da vegetação durante a I Oficina do Zoneamento Participativo. Foto: Renata Valente.
25

Figura 4 – A: Pesquisadores indígenas e não indígenas da equipe do componente “Vegetação”; B:


Pesquisador indígena fazendo medições para o estudo da vegetação na região do Gurupi.

Figura 5 – Pesquisador do componente "História do Povo Tembé" realizando entrevista com indígena
na região do Gurupi.

3. PERÍODO DE AMOSTRAGEM
Os trabalhos de campo para os componentes do Meio Físico, Socioeconomia e Flora e
Fauna foram conduzidos durante 20 dias, compreendendo o período de 17/09 a 12/10/2014,
sendo cerca de 10 dias de amostragem na região do rio Gurupi e 10 dias na região do rio Guamá.

Os estudos de campo do componente “Espécies Ameaçadas de Extinção” foram realizados


no ano de 2012 em duas expedições à região do Gurupi (26/09 a 06/10 e 12 a 18/11), onde as
matas encontram-se consideravelmente mais bem conservadas quando comparadas com as
matas do Guamá. Devido ao estado de degradação ambiental observado nesta última região,
as probabilidades de ocorrerem espécies ameaçadas de extinção são reduzidas e, por isso,
optou-se por concentrar os esforços na região do Gurupi.

Para o estudo do monitoramento do desmatamento na região central da TIARG, entre


os rios Piriá e Coraci-Paraná, como a área encontra-se ocupada por não indígenas optou-se
por não realizar estudos de campo e aplicar a metodologia de monitoramento por radar. As
imagens obtidas para análise cobriram todo o ano de 2014.
26

4. LOCAIS DE AMOSTRAGEM
Para dois componentes da fauna (avifauna e mastofauna), os trabalhos de campo foram
conduzidos principalmente em trilhas abertas no interior da floresta. Foram abertas quatro
trilhas de 4 km de extensão, sendo duas na região do Guamá e duas na região do Gurupi
(Figuras 6 e 7).

a) Trilha São Pedro, Guamá: localizada em área de floresta de terra firme alterada (pela
extração de madeira e/ou queimada) e floresta secundária;
b) Trilha Pinu’a, Guamá: localizada em área de floresta secundária;
c) Trilha Canindé, Gurupi: localizada em área de floresta de terra firme bem conservada;
d) Trilha, Akazu Iw, Gurupi: também localizada em área de floresta de terra firme, porém
um pouco mais alterada.
Os poucos remanescentes florestais existentes na região do Guamá e os acidentes
geográficos do terreno dificultaram a abertura de uma trilha de 4 km, em linha reta, que estivesse
compreendida, exclusivamente, na floresta de terra firme. Por isso, a trilha São Pedro apresentou
um desenho diferente das demais trilhas (Figura 6).
  Outras trilhas preexistentes na TIARG, com menor extensão e pouco utilizadas pelos
indígenas, também foram visitadas pelos pesquisadores da Avifauna e Mastofauna como forma
de amostrar outros ambientes. Em geral, estas foram áreas com maior grau de intervenção
humana no que se refere à estrutura da floresta, ou seja, matas com maior nível de alteração
quando comparadas com aquelas onde foram abertas as trilhas de 4 km.

Foto: Kenavo Junti.


27

Figura 6 – Trilhas de 4 km de extensão abertas na região do rio Guamá.


28

Figura 7 – Trilhas de 4 km de extensão abertas na região do rio Gurupi.


29

Além da amostragem nas trilhas, também foram coletados dados baseados em caminhadas
próximas às aldeias (normalmente em áreas abertas, estradas ou pastos); em saídas diurnas
ou noturnas utilizando embarcações para observar animais nas margens dos rios (Figura 8);
e em relatos ou evidências de caça.

Figura 8 – Alguns dos ambientes diferentes de florestas que foram visitados pelos pesquisadores
para a coleta de dados dos componentes da fauna (Avifauna e Mastofauna): margens de rios e
áreas abertas (estradas, pastos e área das aldeias). Fotos: Pedro Santos e Claudia Kahwage.

Quanto aos demais componentes da Flora e Fauna, o grupo da Vegetação conduziu


seus estudos em parcelas de 50 x 50 m, cujos locais foram previamente definidos com os
indígenas durante a I Oficina do Zoneamento Participativo. Para o componente da Ictiofauna,
os rios, igarapés e lagos que foram amostrados, tanto no Guamá quanto no Gurupi, também
30

foram definidos durante a Oficina, com algumas complementações durante o próprio trabalho
de campo.
Para o componente da Socioeconomia, como a metodologia incluía a aplicação de
questionários à comunidade indígena, os pesquisadores procuraram visitar o maior número
de aldeias possível, tanto no Guamá quanto no Gurupi.
O pesquisador do componente "História do Povo Tembé" limitou seu trabalho à região do
Gurupi e à pesquisa da literatura. O objetivo do estudo, conduzido por um linguista, foi narrar a
história do povo, contada pelos próprios indígenas, na língua Tembé-Tenetehara. Este desenho
foi aplicado pelo fato da maior parte dos indígenas que fala bem a língua Tembé residir na
região do Gurupi.
A base dos pesquisadores durante os trabalhos na região do Guamá foi a Aldeia São
Pedro (1° 50’ 41.78” S; 46° 58’ 53.16” W) (Figura 6), enquanto que no Gurupi as bases foram
as aldeias Canindé (2° 33’ 20.69” S; 46° 30’ 9.80” W) e Cajueiro (2° 44’ 34.68” S; 46° 41’ 47.34”
W) (Figura 7). A partir dessas aldeias, os pesquisadores se deslocavam diariamente para os
pontos de amostragem previamente definidos. Dependendo da proximidade desses pontos
em relação à aldeia base e do tipo de trabalho a ser executado, esse deslocamento poderia
ser feito a pé, de carro ou de barco. No Gurupi, a forma mais comum de transporte é feita
utilizando-se embarcações, pois não existem estradas interligando a maior parte das aldeias,
como existem no Guamá.
Além da pesquisa de campo realizada nos diversos ambientes visitados na TIARG, as
equipes de pesquisadores da fauna e da flora também procuraram realizar etnolevantamentos
por meio de conversas, entrevistas e questionários aplicados aos indígenas (Figura 9). Os
detalhes desse procedimento são explicados nos capítulos correspondentes a cada grupo.
A seguir, são apresentados os resultados do Diagnóstico Etnoambiental Participativo da
TIARG.

Figura 9 – Conversas formais e informais, com aplicação de questionários aos indígenas, como parte do
etnolevantamento de componentes da fauna da TIARG. Fotos: Pedro Santos e Adna Albuquerque.
31

CAPÍTULO 1
CARACTERIZAÇÃO E
HISTÓRICO DA TERRA
INDÍGENA ALTO RIO
GUAMÁ

Renata de Melo Valente


32
33

Neste capítulo, procuramos fazer uma caracterização geral da TIARG: sua localização,
extensão e vias de acesso; sua população; o histórico de criação e a ocupação irregular por
colonos e fazendeiros, chegando à situação fundiária atual. É dado destaque às invasões
ocorridas na terra indígena e suas consequências, bem como às atividades ilegais que até hoje
continuam sendo praticadas naquela área, principalmente a exploração seletiva de madeira,
que causa uma série de outros problemas, tanto socioculturais, quanto ambientais, ameaçando
a rica biodiversidade nesta parte da Amazônia.

1. LOCALIZAÇÃO, EXTENSÃO E ACESSO

A TIARG está localizada na mesorregião nordeste do Estado do Pará, entre a margem


direita do rio Guamá e a margem esquerda do rio Gurupi, na fronteira com o estado do
Maranhão. Seu território está inserido nos municípios de Nova Esperança do Piriá (cerca de
149 mil hectares; 53,4%), Paragominas (cerca de 93 mil hectares; 33,3%) e Santa Luzia do
Pará (cerca de 37 mil hectares; 13,3%), fazendo fronteira com os municípios de Garrafão do
Norte, Capitão Poço, Viseu e Cachoeira do Piriá, todos situados no Pará. Apenas em seu limite
sul faz fronteira com a Terra Indígena Alto Turiaçu, localizada no Maranhão (Figura 10). Forma
com esta e com a Terra Indígena Awá, a Terra Indígena Caru e a Reserva Biológica do Gurupi,
também no Maranhão, um mosaico de áreas oficialmente protegidas que somam cerca de 1,1
milhão de hectares, representando uma região de alta importância para a conservação cultural
e biológica do país (Figura 11).
Segundo dados oficiais, a TIARG possui uma área total de 279.897 ha (ISA - Instituto
Socioambiental – https://www.socioambiental.org/pt-br; Acesso: 02/08/2016). O acesso à
TIARG, partindo de Belém, capital do Estado do Pará, se dá pela BR-316, que conecta a
capital à região nordeste do estado, sendo uma via comum às regiões dos rios Guamá e
Gurupi. Para chegar ao alto rio Guamá, ao norte da terra indígena, segue-se até o município
de Santa Maria do Pará, na confluência com a BR-010. A partir desse ponto, deve-se seguir
pela rodovia estadual PA-263 até a cidade de Capitão Poço; ou se vai pela BR-316 até a PA-
263, via Ourém, e segue-se até Capitão Poço (cidade de referência para as aldeias da região
do Guamá) (DIAS, 2010) (Figura 12).
O acesso às aldeias da região do Gurupi, ao sul da terra indígena, é feito pela BR-010
(Belém Brasília) até a cidade de Paragominas, seguindo pela estrada estadual PA-125 até o
Projeto de assentamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA),
denominado Vila CAIP, acessando estradas vicinais e chegando à aldeia Cajueiro, localizada
às margens do rio Urain, afluente do rio Gurupi, cujas margens abrigam as demais aldeias da
porção sul da TIARG. O acesso a estas aldeias se dá principalmente por via fluvial a partir da
aldeia Cajueiro (DIAS, 2010) (Figura 12), sendo também possível por uma estrada recentemente
restaurada e alargada para servir de via à condução de luz elétrica a duas aldeias do Gurupi:
Teko Haw e Canindé.
34

Figura 10 – Municípios que compõe a TIARG e que fazem fronteira com esta terra indígena.
35

Figura 11 – Mosaico de áreas protegidas formado pela Terra Indígena Alto Rio Guamá,
no Pará, e outras áreas protegidas localizadas no Maranhão. Fonte: Modificado de
Almedia e Vieira (2010).
36

Figura 12 – Vias de acesso à TIARG.


37

2. POPULAÇÃO
Os dados oficiais mais recentes apontam um total de 1.727 indígenas vivendo na TIARG
(Fonte: Siasi/Sesai, 2014, via ISA - Instituto Socioambiental - https://www.socioambiental.org/pt-br;
Acesso: 05/05/2017), a grande maioria da etnia Tembé. Outras etnias presentes são Timbira,
Guajajara, Ka’apor, Mundurucu e, em menor número (um ou dois indivíduos), Wayãpi, Gavião
Parkatejê, Amanayé e Kayapó (para detalhes, ver capítulo da Socioeconomia, nesta publicação).
De acordo com o IBGE, em 2010 a população total da TIARG era composta por 3.748
pessoas (Fonte: ISA - Instituto Socioambiental - https://www.socioambiental.org/pt-br; Acesso:
25/02/2016). Entretanto, boa parte destes eram não índios que passaram a ocupar irregularmente
a terra indígena a partir de meados das décadas de 60-70. Há alguns anos, estimava-se a
presença de cerca de 1.000 famílias de não índios na TIARG, estabelecidos principalmente
na área central da reserva, os quais estariam a espera de um assentamento novo por parte
do INCRA (MITSCHEIN et al., 2012). Acredita-se que, hoje, este número seja menor, pois
muitas famílias teriam se retirado após a conclusão do processo de reintegração de posse de
uma área da terra indígena que havia sido ocupada pelo fazendeiro Mejer Kabacznik (BESSA,
2016; ver detalhes abaixo).

3. HISTÓRICO DE CRIAÇÃO, INVASÕES E SITUAÇÃO FUNDIÁRIA ATUAL DA


TERRA INDÍGENA

A TIARG foi criada por meio do Decreto no 307, de 21 de março de 1945, a título de
doação, como Reserva para os índios das etnias Tembé (em sua maioria), Ka’apor, Timbira e
Guajajara (ASSIS; DIAS, 2009; MORAES, 2008; NEVES; CARDOSO, 2015). Na época, era
chamada de Reserva Indígena Alto Rio Guamá (RIARG).
A denominação “Tembé” foi dada ao ramo ocidental dos índios Tenetehara que ocupavam
o Estado do Maranhão, na região dos rios Pindaré e Caru, e que teriam migrado para o Pará
e se espalhado pelas cabeceiras dos rios Gurupi (que divide o Pará e o Maranhão), Guamá,
Capim e Acará-Miri. Os Tenetehara que ficaram no Maranhão (ramo oriental) são chamados
de Guajajara. Entretanto, uma parte dos Tembé vive na margem direita do rio Gurupi, na Terra
Indígena Alto Turiaçu, no lado maranhense (ISA – Instituto Socioambiental - https://pib.socioambiental.
org/pt/povo/tembe/1023; Acesso: 02/08/2016).

No Pará, os Tembé da bacia do rio Acará vivem nas terras indígenas Tembé e Turé-
Mariquita I e II, no Município de Tomé-açu; os da bacia do rio Capim vivem na Terra Indígena
Maracaxi (situação jurídica “Declarada”), em Aurora do Pará; e os Tembé do rio Guamá e da
margem esquerda do rio Gurupi, objetos deste estudo, vivem na TIARG. Há ainda duas terras
no município de Santa Maria do Pará – Jeju e Areal – que abrigam poucas famílias da etnia e
que se encontram em processo de identificação (BELTRÃO; LOPES, 2014; FERNANDES, 2015;
LOPES, 2015). Para mais informações sobre os Tembé e a situação das terras que ocupam
no Pará, recomenda-se consultar: Instituto Socioambiental – ISA (https://pib.socioambiental.org/
pt/povo/tembe/1023) e Kahwage e Marinho (2011).
38

Na Amazônia, a região que compreende o nordeste do Pará – onde se situa a TIARG


– e o oeste do Maranhão foi uma das primeiras frentes de atividades produtivas, onde foram
construídas importantes rodovias federais e estaduais (KAHWAGE, MARINHO, 2011; MITSCHEIN
et al., 2012; SALES, 2000). Os indígenas que ali viviam foram alvo de constantes perseguições,
abusos e explorações a partir da segunda metade do século XIX até meados do século XX,
frutos da política indigenista “civilizatória” e de ações governamentais que incentivavam a
exploração da terra e dos recursos naturais e visavam à “integração nacional da Amazônia”,
através, principalmente, da colonização agrícola e da pecuária extensiva, alavancadas por
incentivos fiscais (para maiores detalhes, consultar: KAHWAGE; MARINHO, 2011; MITSCHEIN
et al., 2012; NEVES; CARDOSO, 2015; SALES, 2000).
Diante deste cenário, o governo federal se viu obrigado a estabelecer reservas com o
intuito de abrigar esses povos em locais onde as frentes econômicas eram menos intensas, de
forma a dirimir os conflitos entre os indígenas e as frentes de ocupação e liberar terras para a
implantação de colônias agrícolas, principalmente de nordestinos refugiados da seca (FREITAS;
ASSIS, 2012). Contudo, apesar de ter sido criada na década de 40, a demarcação da TIARG
começou apenas em 1972, tendo passado por diversas paralisações e gerado muitos conflitos,
até sua conclusão, em 1976. Parte do atraso neste processo aconteceu em decorrência das
invasões à reserva. No momento em que a demarcação foi concluída, diversas famílias de
colonos já estavam morando na área, sobretudo em sua porção central, assim como havia
fazendas instaladas e estradas abertas em seu interior. A principal delas, uma estrada de 24
km que atravessa a TIARG, foi aberta pelo fazendeiro Mejer Kabacznik para ligar sua fazenda,
Irmãos Coragem, a pequenos vilarejos no município de Nova Esperança do Piriá (ALONSO,
1999; NEVES; CARDOSO, 2015). Além desta, há também, na terra indígena, uma estrada que
liga a Rodovia BR-316 ao povoado Garrafão.
Outro fato marcante teria ocorrido com o aval da Funai, em 1970, quando a Companhia
Agropecuária do Pará invadiu 11 mil hectares da reserva (PAIXÃO, 2010; SALES, 2000). Esta
invasão e a abertura das vias de acesso no interior da terra indígena facilitaram e impulsionaram
novas invasões, que passaram a ocorrer em proporções maiores, resultando na formação de
vilas e povoados em uma grande área da região central da TIARG (FREITAS; ASSIS, 2012;
PAIXÃO; 2010) (Figura 13). As invasões ocorreram pelos limites norte, leste e oeste, ficando
resguardada apenas no limite sul, onde passa o rio Gurupi e onde se encontram as áreas de
floresta mais bem preservadas. Ao norte, foi invadida por posseiros que formaram povoados
e, a leste, por fazendeiros, destacando-se a fazenda do citado Mejer Kabacznik, que recebeu
autorização do INCRA para ocupar uma área limite à TIARG, mas avançou para o território
indígena em cerca de 9 mil hectares, na década de 70.
Além da retirada da cobertura original da floresta para a implantação de pastos, a
construção da estrada pelo fazendeiro facilitou a atividade ilegal de madeireiros, garimpeiros e
até mesmo traficantes de drogas, que chegaram a estabelecer plantações de maconha na área.
Todas essas atividades contribuíram para o desmatamento da terra indígena em sua região
central (Figura 14), palco de constantes conflitos entre colonos e indígenas. Estes teriam sido
impedidos pelo fazendeiro de circular próximo à área invadida, o que teria sido determinante
para a ocupação da região central da TIARG pelos colonos e pela divisão dos Tembé em dois
grupos isolados de aldeias: as aldeias do norte da terra indígena e as do sul.
39

Figura 13 – Ocupação da TIARG até meados do ano de 2014, mostrando pontos de localização
de invasores e de vilas e povoados na região central da terra indígena. A área laranja e tachada
delimita a região que foi ocupada irregularmente por Mejer Kabacznik, proprietário da fazenda
Irmãos Coragem, até o final de 2014. Fonte: Modificado de FUNAI (2010).
40

A presença de invasores na área central da TIARG impactou sobremaneira as relações


socioeconômicas e culturais entre os indígenas habitantes das aldeias do norte e do sul. A própria
territorialidade indígena foi impactada e prejudicada, uma vez que se tornou extremamente
difícil e perigosa a circulação dos indígenas de ambas as regiões pela totalidade do território
Tembé. O afastamento físico e territorial entre as aldeias do norte e do sul também acabou
por prejudicar a unidade cultural entre os Tembé, provocando diferenças socioambientais
marcantes entre as duas regiões, uma vez que as áreas territoriais dos indígenas do norte,
por terem sido invadidas por fazendeiros e pequenos agricultores, foram desmatadas para o
estabelecimento de pastagens, culminando com a perda de grande parte de sua cobertura
florestal, tão importante para a manutenção do modo de vida tradicional indígena.
Atualmente, a área central da TIARG, entre o igarapé Piriá e o rio Coraci-Paraná, ainda
se encontra ocupada por colonos, constituindo uma área de não domínio indígena. Devido à
separação ocorrida entre as aldeias do norte e do sul, os estudiosos têm se referido à existência
de dois subgrupos culturais entre os Tembé, os subgrupos do Guamá e do Gurupi, em referência
aos rios dessas regiões, que limitam os extremos norte e sul da terra indígena, respectivamente.

Figura 14 – Mapa de uso do solo da TIARG, evidenciando a presença de grandes áreas


desmatadas nas regiões norte e central da da terra indígena. Fonte: Conservação Internacional,
2016.
41

Devido à proximidade entre a cidade de Capitão Poço e as aldeias do Guamá, estas


se tornaram mais vulneráveis e acabaram por sofrer maiores influências culturais de centros
urbanos quando comparadas com as aldeias do Gurupi, que ficam um pouco mais distantes
da cidade de Paragominas. Enquanto os indígenas do Gurupi preservam muito de sua cultura
original, as influências sofridas pelas aldeias do Guamá impactaram de forma marcante suas
características culturais, incluindo a prática de rituais, como a pintura corporal e a realização de
festas tradicionais, bem como o domínio da língua Tembé, praticamente nulo entre os indígenas
do Guamá. Entretanto, estes estão sendo pouco a pouco retomados como parte da luta pela
união e identidade deste povo, cujo início se deu a partir da década de 90, em função dos
processos de unificação política que levaram os indígenas a se organizarem para reivindicar
a homologação da TIARG (ALONSO, 1996, 1999; NEVES; CARDOSO, 2015).
Somente após quase 20 anos de sua demarcação é que a Terra Indígena foi reconhecida,
com sua homologação, em 1993 (Decreto S/No de 04.10.1993 – DOU, 05/10/1993). Desde
então, se dá um longo processo de luta dos indígenas para desocupação de suas terras. No
mais expressivo dos processos, que se arrastou por mais de 35 anos (1979-2014), contra o
fazendeiro Mejer, os indígenas unificados da TIARG finalmente conseguiram que, em 2013,
a justiça federal decretasse a saída definitiva dos domínios da Fazenda Irmãos Coragem do
interior da TIARG e a reintegração da área aos Tembé. Porém, apenas em agosto de 2014,
mais de um ano depois, é que foi assinada a ordem de despejo.
Atualmente, os indígenas têm a posse integral da área da antiga fazenda (Figura 15) e
os colonos que ali viviam teriam sido reassentados no Município de Santa Luzia do Pará, no
assentamento Quintino da Silva Lira (C.M.C. KAHWAGE, com. pessoal). Por outro lado, um
número expressivo de colonos ainda ocupa a área central da TIARG. De acordo com Mitschein,
Rocha e Dias (2012), seriam 1.000 famílias de trabalhadores sem terra à espera da indicação
de um assentamento novo por parte do. Entretanto, BESSA (2016) menciona que, hoje, este
número seria bem menor, pois colonos que viviam em outras áreas da TIARG também teriam
deixado a terra indígena após a ordem de despejo dada ao proprietário da fazenda Mejer e
aos que lá viviam.
As invasões ocorridas na TIARG promoveram (e ainda promovem) uma avalanche
de outros problemas relacionais que trouxeram ameaças e levaram à exploração ilegal dos
recursos naturais da área, que, constitucionalmente, deve ser de uso exclusivo dos indígenas
que ali residem. Ainda hoje, as pressões sobre os recursos naturais da TIARG, principalmente
os recursos madeireiros, seguem com toda força. Estudos recentes identificaram que, entre
agosto de 2008 e julho de 2009, a exploração ilegal de madeira no Pará atingiu 5.286 hectares
de florestas em terras indígenas. A grande maioria (89%) dessa exploração ocorreu na TIARG
(MONTEIRO et al., 2010). Também foi a quarta área protegida (incluindo unidades de conservação
e terras indígenas) com maior perda absoluta de floresta original e a décima com maior média
de perda percentual entre 2009 e 2011 (MARTINS et al., 2012). Novos estudos demonstram
que a exploração madeireira continua ocorrendo na terra indígena, como será demonstrado
em capítulo específico neste livro.
Além do direito à reintegração de posse da área da fazenda Irmãos Coragem, os indígenas
da TIARG também ganharam na justiça, em última instância, o direito à indenização pelos danos
42

ambientais causados como consequência da construção da estrada e da invasão da reserva


pelo fazendeiro acima mencionado. Entretanto, o valor da indenização e a forma como esta
deverá ser paga ainda não foram definidos em sentença (BESSA, 2016). A discussão sobre o
pagamento e a forma como será aplicada em favor da terra indígena e seu povo é um ponto
importante a ser considerado pelos indígenas e pelos órgãos competentes no processo de
gestão territorial e ambiental da TIARG.
No próximo capítulo, será apresentada a história do povo Tembé de acordo com a
perspectiva e vivência de indígenas mais idosos da TIARG, tendo sido também consideradas
como fontes de informação as publicações disponíveis na literatura.

Figura 15 – Áreas que estão sob o domínio indígena na região do Guamá, incluindo aquela onde antes
se estendiam os domínios da Fazenda Irmãos Coragem, de Mejer Kabacznik.

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Belém e Xingu: configuração e espacialização do uso da terra e da cobertura vegetal. In:
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45

CAPÍTULO 2
HISTÓRIA DO POVO TEMBÉ

Sérgio Meira
46

Capitoa Verônica Tembé (in memorian).


Fonte: Ricardo (1985).
47

1. HISTÓRIA DO POVO TEMBÉ


Povo de contato antigo, a história Tembé se estende muito além da lembrança dos membros
mais velhos do grupo. Segundo Ricardo (1985), a história de contato dos Tenetehara, nome
genérico dos Tembé do Pará e dos Guajajara do Maranhão, tem quase 400 anos, remontando
talvez a 1615, quando uma expedição francesa encontrou os “Pinariens”, um possível grupo
Tenetehara, no alto rio Pindaré (afluente do Mearim), no que é hoje o Estado do Maranhão.
A catequese desse grupo foi iniciada já em 1653, com a chegada dos jesuítas ao Pindaré, e
continuada até a expulsão dos jesuítas em 1759.

Após a partida dos jesuítas, o controle da região do Pindaré passou, ao fim do século
XVIII, às mãos das autoridades civis, as quais, para atrair os índios, dividiram o território
Tenetehara em “Diretorias”, onde se fundariam “Colônias”. Esta abordagem, contudo, não teve
êxito: nenhum diretor foi nomeado e poucos índios foram atraídos para as “Colônias”. Além
disso, não índios foram-se estabelecendo na área Tenetehara, fundando povoados (Sapucaia,
Santa Cruz); alguns Tenetehara se aproximaram deles e começaram a colaborar na extração
de copaíba e borracha (GALVÃO, WAGLEY, 1961:23-25).

Por volta de 1850, alguns grupos Tenetehara deslocaram-se da região dos rios Pindaré e
Caru até a área dos rios Gurupi e Guamá, no Pará, onde se estabeleceram; estes grupos logo
passaram a ser conhecidos como Tembé1 (HURLEY, 1928). Em 1861, devido a conflitos com
os regatões que atuavam na região e exploravam o trabalho dos indígenas, alguns Tembé se
transferiram até o rio Capim, onde viviam os Turiwara, grupo tupi-guarani aparentado, o qual
foi lentamente absorvido pelos Tembé (BRUSQUE, 1862:15). A floresta dessas regiões dava
refúgio aos grupos indígenas, protegendo-os do contato com os brancos; lá viviam, além dos
Tembé e Turiwara, grupos Amanajé, Guajá, Ka’apor, Krên-Yê/Araparytiua e Timbira.

Nessa época, os Tembé já estavam envolvidos com a extração de óleo de copaíba como
atividade econômica, sob o controle dos regatões, que os exploravam sem dó nem piedade.
Como dizia Araújo Brusque (1862:12-13), Presidente da Província do Pará (citado em Moreira
Neto 1971, e em Ricardo 1985):

[...] o índio em vossa Província acolhe benigno no seio da sua maloca aqueles
que o procuram. Certos disso não faltam aventureiros, que [...] mediante o
adiantamento de alguns objetos, que o índio reputa de subido apreço, dentro
em pouco ganha império sobre a tribo, a qual governa a seu bel prazer. De
então em diante ninguém mais ali entra, e a vontade do regatão é lei [...] E
o pobre índio lhe obedece cegamente. [...] quando passados três ou quatro
meses de árduo trabalho, [o índio] regressa ao grêmio da aldeia, [o regatão]
lhe faz a conta de modo que o mísero índio lhe fica devendo ainda. [...] No
Gurupi um corte de calças de algodão ordinário, que custa nesta Cidade mil
réis, é dado ao índio em troca de um pote de óleo de copaíba, [...] que vale
por conseguinte neste mercado 20$000 [...] Ainda não é tudo. Rude, embora,

¹ Até hoje, os Tembé, bem como seus parentes Guajajara do Maranhão, chamam a si mesmos Tenetehara,
termo também usado para grupos indígenas em geral. O termo ‘Tembé’ ou ‘Timbé’, que Max Boudin
(1978:255) interpreta como derivado de tĩ-(m)be(b) ‘nariz chato’, foi provavelmente dado a este grupo
por habitantes locais ou regatões. O termo não parece ser Tembé (onde ‘nariz chato’ seria xi-pew, com i
não nasal e um w final), sendo provavelmente oriundo de variedades locais da língua geral (nheengatu),
ou talvez de outro idioma tupi-guarani vizinho.
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o índio ama a família e preza os tenros filhos [...] Pois bem, é o santuário da
família, é o regaço do amor-paternal o terreno, em que o regatão exerce às
vezes a sua mais brutal ferocidade. Quando não seduz a esposa, rapta a filha
e quase sempre arranco do grêmio da família tenras crianças que em seu
regresso ao povoado reparte entre seus comparsas [...] E o pobre índio desta
região sofre humilde este duro tratamento, e acolhe de novo no ano seguinte
o regatão, e continua seu credor e régulo da mesma aldeia [...]

As Diretorias Parciais implantadas nessa época destinavam-se a eliminar tais abusos


e atrocidades; na prática, contudo, aumentavam a submissão dos indígenas ao governo. Os
aldeamentos criados pelas Diretorias apenas facilitavam a difusão de epidemias e o trabalho
da frente de expansão extrativista, uma vez que concentravam as populações indígenas. As
atividades dos regatões continuaram impunes.
No começo do século XX já não havia contatos entre os Tembé do rio Gurupi e os do rio
Guamá. No Gurupi, o SPI (Serviço de Proteção ao Índio) criou postos de atração para pacificar
os Ka’apor, entre os quais o posto Felipe Camarão, em 1911. Parte dos Tembé se deslocou
de outros pontos do Gurupi até lá, onde alguns trabalharam no contato com os Ka’apor. Este
posto continuou existindo até 1960, quando foi extinto, sempre com moradores Tembé (95 em
1941) e contatos com os Ka’apor. Outro posto de atração do SPI, o Pedro Dantas, fundado
em 1927-29, na ilha Canindé-Assú, foi mais tarde transformado no Posto Indígena Canindé,
onde hoje se localiza a aldeia Tembé de mesmo nome.
Com a fundação destes e outros postos, os Tembé do Gurupi foram deixando suas
aldeias na cabeceira deste rio e migrando lentamente para o seu curso médio. Como narra um
dos Tembé de hoje, o Seu Mundico, com cerca de 70 anos de idade, da aldeia do Bate-Vento:

Antes de eu vir para aqui, nós morávamos na cabeceira desse rio Gurupi, numa
aldeia que se chamava Caju Apar [Akazu Apar, lit. ‘Caju Torto’]. Lá não tinha
Karaiwa, Karaiwa é como nós chamamos vocês, os não índios... Lá só tinha
índio. [...] Aí apareceu um Karaiwa, de nome Saul, que se agradou de uma
irmã que nós tínhamos, de nome Tereza, e ela também se agradou dele. [...]
E ele convidou a gente para vir tudo para cá, para o Kanindé. Aí nós viemos,
e aqui todo mundo se arrumou, e casou, e fez casa...

Os Tembé tornaram-se intermediários entre os brancos (“cristãos”) e os Ka’apor (“pagãos”),


servindo como guias, intérpretes, remeiros e trabalhadores de roças e casas de farinha. O SPI,
e posteriormente a FUNAI, incentivavam os índios a comercializarem com regatões (agora sob
o controle dos postos indígenas), já que não havia alternativa viável para o escoamento de
produtos locais (peles de onça, jabutis, aves, resinas diversas).

Ao findar a primeira metade do século XX, a população Tembé havia sofrido uma queda
muito acentuada: de cerca de 9.000 em 1872 (DODT, 1939:172-175), chegou-se a 1.068 em 1930
(Hurley 1932:37-39) e 350-400 em 1940 (SPI, em RIBEIRO, 1979:308), um decréscimo de mais
de 2.000%. A causa maior foram doenças, principalmente sarampo, que se espalharam devido
ao contato mais intenso com os brancos e afetaram a população local em surtos epidêmicos.
49

Seu Mundico narra a sua experiência com um dos últimos surtos:

Eu era rapazinho, né? [...] Aí morria muita gente... Chamavam a gente para
ir ver um parente que morreu, do sarampo, e a gente ia, só que no tempo da
viagem, até a gente chegar lá, já morriam mais dois, três... Eu via muita gente
morrendo. Eu pensava: talvez vou morrer também, não sei. Eu tinha medo. Mas
aí eu me disse: se for para eu morrer, eu morro, não é? Se não, eu continuo
vivendo. Aí eu fui continuando a viver...

Nos anos 1970 muitos homens Tembé foram levados pela FUNAI do Gurupi até a área
das obras da rodovia Transamazônica, onde trabalharam em frentes de atração para outros
grupos tupi-guarani (Asurini do Xingu, Parakanã, etc.). Tantos foram os homens levados à
Transamazôncia que a população local se viu debilitada de elementos masculinos, o que causou
escassez de alimentos proteicos (caça) e queda nas atividades rituais, até que os homens
voltaram, alguns anos depois. Em 1971, o governo tentou transferir os Tembé do Gurupi para
o Guamá, mas estes se recusaram, e permaneceram no Gurupi. De fato, só nos anos 1980
foram retomados contatos regulares entre os Tembé do Guamá e os do Gurupi.

Enquanto isso, os Tembé do Guamá permaneceram, durante toda a primeira metade do


século XX, sob a exploração dos regatões, dedicados, sobretudo, ao corte de madeira. Em
1940, os Tembé do Guamá já mantinham contatos regulares intensos com os brancos da região.
Só em 1945 foi estabelecido um posto do SPI na região (o Posto Indígena Guamá), orientado
principalmente para a produção econômica (lavoura, comércio com os brancos, cantinas sob
o controle do posto), o que o levou a tornar-se o centro das atividades econômicas dos Tembé
no Guamá. A presença branca teve também más consequências para a economia tradicional:
as atividades de caça e pesca decaíram nos anos 1940-1950, quando caçadores de peles
e madeireiros invadiram as matas do Guamá, e os rios se viram poluídos por carcaças de
gado. Quando, nos anos 1960, o chefe do posto começou a facilitar a entrada de regionais
da frente camponesa do município de Capitão Poço, no intuito de aumentar as lavouras e a
produção agrícola, a presença branca, já muito intensa, tornou-se preponderante: o número
de casamentos interétnicos aumentou; o português tornou-se a língua de uso diário em toda a
região, eliminando o que sobrava da língua Tembé; e a aculturação foi fortemente intensificada.
Com a retomada dos contatos com os Tembé do Gurupi, nos anos 1980, contudo, os Tembé do
Guamá começaram a interessar-se pela sua cultura tradicional e pela sua língua materna. Há,
atualmente, alguns falantes e professores de língua Tembé, oriundos do Gurupi, em atuação
no Guamá.

A Terra Indígena Alto Rio Guamá, de posse dos grupos Tembé do Guamá e do Gurupi,
tem uma história conturbada. Decretada em 27 de março de 1945 e homologada em várias
fases, entre 1999 e 2005 (ISA, 2014), a área viu-se progressivamente invadida por milhares de
camponeses, posseiros e madeireiros, bem como encravada em importantes litígios fundiários,
os quais afetavam a sua área central (a região entre os rios Piriá e Coraci-Paraná). Nos
anos 1970, fazendas limítrofes, entre as quais se destaca a do fazendeiro Mejer Kabacznik,
deslocaram os marcos, avançando sobre a área Tembé. Kabacznik também fez abrir uma
50

estrada de 24 km dentro da área indígena, a qual se tornou um caminho natural de penetração


de invasores. Em 1976, os proprietários de uma fazenda limítrofe (Fazenda Acatanaçu) obtêm
cerca de 11.000 ha da reserva, com uma ação baseada em erros na demarcação. A partir
desse ano, a população camponesa invasora começou a fixar-se no local, criando centros e
povoados. A FUNAI foi, em geral, omissa na defesa da Terra Indígena contra as invasões, o
que desmoralizou os índios e desencorajou a sua luta pela terra. Em meados da década de
1980, cerca de 6.000 brancos viviam no interior da reserva, número 20 vezes maior do que a
população Tembé (à época, cerca de 300).
Relatando o ponto de vista Tembé, fala João Soares (“Joca”), em depoimento ao CIMI
Norte II (15 de setembro de 1981, citado em Ricardo (1985)):

Sofremos problema de invasão desde 1970 e sabíamos que a reserva estava


sendo invadida por posseiros. Recorremos à FUNAI e a FUNAI disse que ia
tomar providência. Quando foi mais uns anos, três ou quatro anos que a reserva
estava sendo invadida pelos posseiros, a comunidade tomou uma iniciativa
de incendiar roçado, queimar casa. Daí a FUNAI chega e diz: ‘Os índios não
podem fazer isso, têm que parar. A FUNAI vai tomar providência. Brasília
vai resolver.” Passou tempo e nada. A comunidade tornou a se organizar e
tomar outra iniciativa, queimando roças, casas. A FUNAI chega e diz: “Não.
Tem que parar. Tem que ter calma. Quem tem que resolver este problema de
terra é a FUNAI, é Brasília. A FUNAI vai resolver os problemas dos índios.
Índio não pode brigar.” O tempo foi passando. Quando foi em setembro de
[19]80, a comunidade tomou outra decisão e pretendeu destruir uma ponte
que ficava dentro da reserva. A ponte era da estrada que ia para a fazenda
Mejer. A comunidade achou que devia destruir aquela ponte, porque a estrada
era que motivava os posseiros a invadir a reserva. A comunidade iniciou a
destruir a ponte. A FUNAI veio e disse: “Calma. A FUNAI tem que fazer isso. Vai
queimar a ponte. Já queimamos uma vez e vai queimar tantas vezes quantas
reconstruírem. A comunidade não tem que resolver nada. A FUNAI que vai
resolver. E passou tempo e nada resolvido.

Em 02/06/81 viemos oito Tembé até Belém fazer uma reunião com o delegado
Paulo Cezar. Falamos com o advogado e ele foi até o Guamá. Chegou lá e
alegou para nós que nós não era mais índio. Disse que nós estava querendo
brigar com FUNAI, que nós estava fazendo uma pista para ser emancipado
e daí a gente ficou assim e mandamos uma carta para o delegado, pedindo
que ele fosse lá. Foi no começo de junho. O Dr. Paulo chegou lá, dizendo que
tínhamos que fazer um acordo, que a gente devia aceitar a terra loteada, cada
família com 200 ha. A comunidade ficou assim e achou que não devia aceitar.
A comunidade achou que devia ficar com a área em conjunto, não loteada.
Segundo os índios velhos, acharam que não, porque nasceram e se criaram
sem viver assim no individual, mas em conjunto, comunitário.

A FUNAI disse que ia tirar a estrada do Mejer para cima para os posseiros
51

e da estrada para baixo para os índios. E a comunidade disse que não, que
aquilo era muito pouco. Daí a comunidade se reuniu, se organizou e viemos
até Belém falar com o Dr. Paulo [para] que a FUNAI tomasse providência e
expulsasse os posseiros, que estavam muito perto. A última aldeia, que fica
em cima, está com 300 metros de distância da invasão. Está muito encostado.
Então a gente pediu uma iniciativa com urgência da FUNAI. O delegado
falou que era difícil a FUNAI limpar toda a reserva. Ele podia limpar onde
eles programaram: da estrada do Mejer para cá. Da estrada do Mejer para lá
ficaria com os posseiros. Nós achamos pouca terra. A comunidade achou que
devia ser pelo menos do Piriá até o Guamá. E assim ficou que não resolveu.
O delegado falou com Brasília e Brasília respondeu que no dia 28 estaria em
Belém ou no Guamá para entrar em acordo com a gente, para saber como é
que vai ficar o problema da terra.

E agora a gente está enfrentando um problema muito sério. A FUNAI disse:


‘Vocês não são mais índio. Se vocês tivessem tomado uma iniciativa no começo
da invasão, já estava resolvido’. Mas agora eles dizem que tem muito posseiro
e a comunidade é 300 e poucos pessoas e o posseiro é muito. Eles falam
assim. Mas no início, quando a comunidade se organizava e queria tomar
uma iniciativa, a FUNAI chegava e dizia: ‘tem que ficar parado, não tem que
se meter, a FUNAI vai resolver’. Naquela época dizia assim, e agora falam
diferente. Aonde eles alegam: ‘Vocês não são mais índio. Eles dizem que tem
só 30 ou 40 índio e o resto é posseiro que veio viver no meio do índio.’ Nós
somos 300 e tantas pessoas e somos índios. Eles dizem que é pouco índio e
nós ficamos sem entender. Mas a comunidade decidiu que a FUNAI tem que
resolver ou do contrário não sabe o que vai ser.

Depois de um longo processo judicial, em 2013 foi concedida decisão favorável, em última
instância, aos indígenas da TIARG, restituindo-lhes o direito à área invadida pelo fazendeiro
Méjer Kabacznik, mas a ordem de despejo foi dada apenas em 2014. Embora os funcionários
que ainda ocupavam a área da fazenda já houvessem se retirado (não sem antes destruir todas
as benfeitorias que lá haviam sido construídas), durante a ação de retomada pelos indígenas
acabou ocorrendo conflito armado entre estes e posseiros instalados em suas proximidades,
resultando em alguns feridos, porém, sem gravidade. Para garantir a posse da área, os Tembé
têm estado presentes na área, que segue sob seu domínio. Contudo, embora em menor número,
toda a região central da terra indígena ainda se encontra ocupada por posseiros invasores e,
até o momento, não há perspectivas concretas para sua retirada.
52

2. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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23: Tembé). São Paulo: Centro Ecumênico de Documentação e Informação (CEDI), 1985.
53

CAPÍTULO 3
SOCIOECONOMIA

Claudia Maria Carneiro Kahwage


Dodô Tembé
Irenilde Tembé
José Félix de Souza
Kelé Tembé
Silvio Tembé
Tamires Curana Tembé
54
55

1. INTRODUÇÃO
A vasta malha hídrica da Terra Indígena Alto Rio Guamá (TIARG), que é banhada por
dois grandes rios principais, o Guamá, ao norte, e o Gurupi, ao Sul, somada à presença da
exuberante floresta tropical úmida de terra firme e dos solos predominantemente arenosos
de textura média e graúda, possibilitam que os Tembé ainda desenvolvam, como na maioria
das sociedades ancestrais e tradicionais da Amazônia, práticas produtivas tradicionais, que
combinam atividades de pesca, caça, agricultura itinerante e extrativismo vegetal. São estas
práticas que propiciam a inserção dos indígenas no mundo da natureza, fornecedora de sua
fonte de subsistência e onde a diversidade biológica da floresta e dos rios é magnânima. É por
meio dessas atividades que os indígenas incorporam e (re)estruturam constantemente estes
elementos naturais em seu universo cultural de tradições e costumes.
O avanço exponencial do desmatamento ao longo dos anos sobre este território indígena,
ocasionado, principalmente, pelo contato com as frentes de expansão agropecuária da sociedade
nacional envolvente, fomentou o desenvolvimento de atividades produtivas extremamente
danosas à conservação da diversidade biológica e da cultura local.
A pecuária extensiva de grande e pequeno porte, a extração legal e ilegal de madeira,
a pesca predatória e as monoculturas atuais, como soja, eucalipto, pimenta-do-reino e cacau,
dentre outras, realizadas no interior e no entorno do território indígena, são atividades de
grande ameaça às práticas produtivas tradicionais e à cultura agrícola e extrativista indígena,
tanto pela destruição dos habitats naturais das espécies animais e vegetais, quanto pelas
mudanças climáticas que toda a região do nordeste paraense vem sofrendo ao longo dos
anos (MACHADO-FILHO et al., 2016), uma vez que a falta da floresta altera sobremaneira
os índices pluviométricos locais (COEHN et al., 2007). A destruição dos hábitats naturais da
TIARG compromete o delicado equilíbrio da segurança alimentar e as mudanças no microclima
acarretam impactos diretos sobre todas as atividades produtivas realizadas pelos indígenas.
No verão de 2015, eles enfrentaram uma seca devastadora que provocou queimadas
na floresta e destruição da diversidade biológica associada, causando prejuízo para todas as
atividades produtivas indígenas. Os Tembé da região do Gurupi nos relataram a tristeza de,
ao entrarem na floresta, ver os animais que foram queimados vivos e os seus estoques de
açaizais completamente destruídos pelo fogo. Mesmo a produção de mudas dos açaizeiros
foi comprometida, afetando os indígenas no que se refere à sustentabilidade dos sistemas
produtivos desta palmeira, uma vez que não havia mudas disponíveis para que fosse realizado
o replantio das áreas onde se encontravam os açaizais.
De outro lado, a economia indígena também é afetada positiva e negativamente pelo
contato frequente que os indígenas mantêm com os centros citadinos locais, principalmente
as cidades de Capitão Poço e Paragominas, e pela consequente ampliação das necessidades
de consumo indígena. A situação de contato, que já se estende pelo menos desde o século 18
(SALES, 2000), a assimilação dos hábitos da sociedade envolvente e a insegurança alimentar
exponente, provocada pelo impacto socioeconômico das mudanças climáticas, faz com que
os indígenas, cada vez mais, venham dependendo e requerendo a compra de alimentos
industrializados, como arroz, açúcar, macarrão, bolachas, salgadinhos, refrigerantes, carne
bovina, dentre outros. Além disso, o anseio pela aquisição de equipamentos eletroeletrônicos,
56

como fogão, celulares, geladeiras, carros, televisão, etc., requer um poder potencial de compra
dos indígenas e, consequente, faz com que eles intensifiquem a produção agrícola e extrativista
para que o excedente seja vendido nos mercados próximos. Outro aspecto do anseio por bens
de consumo se reflete no envolvimento dos indígenas com outros tipos de atividades produtivas,
como a venda de sua mão de obra para fazendeiros, ou , ainda, em atividades ilícitas, como a
extração ilegal de madeira. De forma positiva, os indígenas também têm buscado a escolaridade
e o horizonte de formação no ensino superior, para que possam ter acesso a cargos públicos
no âmbito das aldeias e fora delas.
Neste artigo, procuramos, por meio de análise dos dados de questionários e de relatos
dos indígenas, expor aspectos da situação socioeconômica da TIARG, tecendo considerações
sobre as atividades produtivas tradicionais realizadas na terra indígena e sobre a relação dos
Tembé com o mercado local. A análise dos dados nos possibilitou fazer sugestões para o
melhoramento das atividades produtivas locais, tendo em vista o fortalecimento socioeconômico
e cultural indígena, conforme prerrogativas da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental
de Terras Indígenas (BAVARESCO, 2014).

2. SOBRE A COLETA DE DADOS


Foram visitadas aldeias na região do Guamá e do Gurupi para a aplicação de questionários
ligados à socioeconomia. Os questionários foram estruturados anteriormente ao trabalho
de campo, seguindo sugestões apontadas pelos próprios indígenas durante a I Oficina do
Zoneamento Participativo da TIARG, realizada na aldeia Frasqueira, em agosto de 2014. Ao
todo, foram obtidos dados estatísticos de 32 aldeias (Tabela 1).

Tabela 1 – Aldeias das regiões do Guamá e do Gurupi onde foram aplicados questionários para a coleta
de dados sobre a socioeconomia da TIARG.

Guamá Gurupi

Arape Ma'e Iwazu Anoira


Pinua (Bacaba) Araruna
Frasqueira Bate-Vento
Ypyhun Cacalzinho/Cocalzinho
Itaputyr Cajueiro
Itauaçu/Ituaçu Canindé
Wàhutyw Floriano
Zakare Igarapé Grande
Pakotyw Ikatu
Pira Ka’a kyr
São Pedro Mangueira
Sede Pyahu
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Guamá Gurupi

Tawari Sussuarana
Zawara/Zawarahu Teko Haw
Taraku'atyw Três Furos
Faveira
Ka’a Pite Pe Har

A maior parte das aldeias da TIARG foi visitada pela equipe de pesquisadores indígenas
e não indígenas. Estes manipulavam telefones celulares para coleta de dados no sistema ODK
(Open Date Kit). Alguns dados referentes a aldeias que, por motivos de escassez de tempo
ou outro contratempo, não puderam ser visitadas foram obtidos a partir de informações de
“parentes” que moram em alguma aldeia em que a equipe de pesquisa trabalhou coletando
informações (“parentes”: designação em português mais comum entre os indígenas para se
auto identificarem entre si). Também é importante destacar que, em algumas dessas aldeias,
devido a outras atividades do cotidiano indígena (roçado, caça, pesca, etc.), não foi possível
encontrar todos os moradores presentes e, portanto, não foi possível entrevistar todos os
“parentes”, como era desejado.
No total, 433 questionários foram aplicados da seguinte forma:
• Questionário sobre dados pessoais (individual): 245 aplicados;
• Questionário sobre família, abordando aspectos sobre a unidade básica da estrutura
social indígena (a saber: família extensa): 188 aplicados.
Neste livro, somente conseguimos analisar e publicar os dados sobre a produção
econômica indígena, uma vez que o pesquisador que estava responsável pela análise dos
dados socioeconômicos totais não pode entregar o seu relatório final na ocasião do término
dos trabalhos de campo. Para não deixarmos de publicar alguma informação sobre o assunto,
decidimos elaborar o texto sobre o sistema produtivo que segue abaixo.
O procedimento de pesquisa a respeito do questionário sobre família: os chefes de
família (ou pessoa adulta que soubesse fornecer os dados solicitados), após responderem
o questionário individual, também forneciam informações sobre aspectos mais gerais dos
moradores da casa em que habitam. Nas perguntas em que era possível o surgimento de
respostas não previstas pelas opções apresentadas, foi inserida a escolha “outra resposta”,
que permitia registrar respostas não previstas. Como não houve tempo para realizar uma
calibragem do questionário, essa foi a opção encontrada para amenizar erros muito graves.
Algumas das perguntas foram sugeridas pelos próprios indígenas, seguindo o espírito
da lógica participativa. A abrangência da cobertura dos dados variou conforme as lacunas que
ocorreram na coleta. Muitas dessas lacunas foram ocasionadas pela excessiva miniaturização
tecnológica das ferramentas disponibilizadas, a saber, nove aparelhos celulares. Alguns
integrantes da equipe reclamaram do tamanho das letras (o que ocasionava um grande cansaço
ao final de um dia inteiro de trabalho, o que, com certeza, diminuiu a qualidade da pesquisa)
58

e do mau funcionamento da tela touch screen em vários aparelhos. Por conta da dificuldade
de encontrar energia elétrica disponível em algumas aldeias, cabe alertar que a maioria dos
aparelhos chegou a campo com a bateria completamente descarregada. Outras dificuldades,
como a falta de embarcações exclusivas para o deslocamento fluvial da equipe, que utilizava
embarcações da própria comunidade, nem sempre disponíveis, também desarticulou, por
vezes, o trabalho coletivo, obrigando a equipe a se dividir.
Portanto, dependendo dos pequenos equívocos na coleta, os números de dados totais
apresentam variação. Além disso, cabe destacar que respeitamos a decisão individual de não
participação, caso a pessoa se recusasse a responder a pesquisa por inteiro ou se recusasse
a responder algumas das perguntas. A máxima cobertura de dados chegou a 1098 pessoas no
quesito referente a gênero: espantoso número, haja vista o curto período de tempo disponível
(20 dias), a reduzida (mas empenhada) equipe e os problemas técnicos e logísticos enfrentados.

3. RESULTADOS
3.1. Sistema de Produção Econômica

O sistema de produção econômica na TIARG é movimentado em torno de seis atividades


produtivas principais: a agricultura (cultivos anuais e perenes), a caça, a pesca, o extrativismo
de produtos da floresta, a criação de animais (domésticos e silvestres) e a produção de
artesanato. Estas atividades formam a base da economia local. Por meio delas, os indígenas
garantem acesso aos recursos naturais necessários à sua reprodução física e cultural e têm
condições, mesmo que precárias, de gerar excedente de produção agrícola e extrativista.
Assim, conseguem gerar renda através da comercialização dos produtos provenientes destas
atividades nos mercados das cidades mais próximas às aldeias: Paragominas e Capitão Poço.
A maioria das famílias da TIARG realiza todas as atividades produtivas deste sistema, como
veremos adiante. No entanto, nem todas estão empenhadas em realizar cotidianamente todas
as seis atividades produtivas no âmbito do sistema produtivo familiar e do grupo doméstico. Ao
longo do ano, os indígenas variam o empenho da sua força de trabalho em diferentes atividades
produtivas. Este ciclo do trabalho indígena está relacionado com os ciclos e calendários dos
produtos agrícolas e florestais e com os ciclos climáticos e biológicos de reprodução das
espécies da fauna e da flora.
Pela análise dos dados coletados junto às 188 famílias indígenas entrevistadas (97 da
região do rio Guamá e 91 do rio Gurupi), ficou evidente que a agricultura tem um papel primordial
em seu sistema produtivo e, claro, na questão da segurança alimentar, como na maioria dos
povos indígenas da Amazônia.
As famílias indígenas que fazem parte dos extensos grupos domésticos habitantes das
aldeias movimentam este sistema produtivo através da circulação de produtos numa complexa
rede de relações familiares, comunitárias e, por vezes, intercomunitárias. Cada aldeia é formada
por famílias nucleares extensas compostas por irmãos e, às vezes, primos (grupos domésticos).
Para sobreviver, seus membros realizam trocas de produtos, mercadorias e tarefas (terreno
para roça) entre eles.
59

O cotidiano familiar e do grupo doméstico como um todo é bastante movimentado em


busca da subsistência e, em alguns casos, da geração de excedente da produção, pois: fazem
o roçado anualmente, plantando cultivos temporários, como mandioca, milho, macaxeira, dentre
outros; realizam atividades de caça, pesca e extrativismo (coleta) de produtos florestais; se
empenham na criação de animais domésticos e silvestres; e tanto as mulheres como os homens
dispendem de seu tempo para produzir peças artesanais de expressiva beleza e valor artístico.
Na atualidade, as tarefas comunitárias não estão sendo muito praticadas entre os indígenas,
pois há a preferência pelas tarefas realizadas por unidade familiar. Os Tembé passam por
situações difíceis de conflito interno, provocadas pelo envolvimento de alguns indígenas com
o comércio ilegal da madeira. O assédio pelos pequenos madeireiros locais que vivem nas
imediações da reserva e o potencial aliciamento dos indígenas causam impactos profundos na
organização social geral dos indígenas e no capital social2 das aldeias, situação que também se
reflete nas relações familiares e dos grupos domésticos locais, incluindo as relações produtivas.
A desconfiança entre os comunitários é grande, uma vez que há acusações da venda de
madeira, que é um bem comum, por iniciativa individual. Como consequência, a capacidade
de articulação “intercomunitária” está baixa entre os Tembé, principalmente os do Gurupi.
Pudemos constatar que 45% das 188 famílias indígenas entrevistadas, englobando tanto
a região do Guamá quanto do Gurupi, realizam com afinco e destreza, durante o ano, todas
as atividades do sistema produtivo vigente, incluindo a agricultura, que é praticada por 94,1%
das famílias que entrevistamos (Figura 16).
Apenas 13% das famílias entrevistadas fazem roçado, coletam, pescam e criam animais,
mas não estão empenhadas na produção do artesanato, uma atividade cultural e econômica
importante para os Tembé. Seis por cento (6%) apenas plantam, coletam, caçam, pescam e
tem mais o artesanato como atividade produtiva, mas não criam animais. Outros 9% apenas
plantam, coletam, caçam e pescam, mas não realizam as atividades de artesanato ou criação
de animais. Somente 6% das famílias não realizam atividades de plantio, se empenhando
principalmente nas atividades de caça, pesca e coleta (Figura 16). Provavelmente estas famílias
estão inseridas em redes de apoio familiar, que lhes permite ter acesso aos produtos agrícolas.
A pesca também é uma atividade de grande importância no sistema produtivo familiar,
sendo praticada por 94,7% das famílias entrevistadas na região do Guamá e do Gurupi (Figura
16). Quarenta por cento (40%) das famílias realizam esta atividade com frequência superior a
uma vez por semana; 39% pescam uma vez por semana; 10% a cada 15 dias; 9% mensalmente;
e 2% menos de uma vez por mês.
A caça é realizada por 88,83% das famílias entrevistadas na TIARG (regiões do Guamá
e Gurupi), sendo que 33% praticam a atividade com uma frequência superior a uma vez por

²O Que é Capital Social?

As relações sociais podem constituir ativos econômicos para os indivíduos e para os


grupos sociais. Por isso, se fala em capital social. O capital social está relacionado com os
aspectos da organização social, como as ligações cooperativas entre as pessoas (redes sociais)
o estabelecimento de normas de convivência (instituições) e a confiança mútua, que facilitam
a ação, a cooperação e a ajuda entre os indivíduos e a coletividade (KAHWAGE, 2006).
60

semana; a maioria (42%) com frequência de apenas uma vez por semana; 13% a cada 15
dias; outros 13% uma vez por mês; e apenas 1% menos de uma vez por mês. A prática mais
significativa da caçada é realizada na região do rio Gurupi, uma vez que 95,6% das famílias
indígenas entrevistadas nesta região realizam a atividade (Figura 16), sendo a maioria (42%)
com frequência superior a uma vez por semana; 44% pelo menos uma vez por semana; 8%
a cada 15 dias; e apenas 5% uma vez por mês. A região do Gurupi ainda apresenta uma
porção significativa de seu território constituída por floresta tropical densa primária. Em áreas
florestadas a caça é facilitada pela maior variedade e abundância de animais, o que justifica
a frequência da atividade no Gurupi.

O extrativismo de produtos florestais (coleta) é uma atividade de significativo valor


cultural, nutricional e comercial para os indígenas, tanto na região do rio Guamá, quanto do rio
Gurupi, sendo realizada por 84,57% das famílias entrevistadas na TIARG. A criação de animais
domésticos e silvestres para consumo é realizada por 73,94% das famílias entrevistadas,
sendo mais significativa a prática da atividade na região do rio Gurupi, onde 78% das famílias
realizam esta atividade (Figura 16).
A produção do artesanato é realizada por 60% das famílias entrevistadas, sendo mais
significativa na região do rio Gurupi, onde 70,33% das famílias utilizam seu tempo para realizar
a produção de peças com vistas ao uso cultural e à comercialização. A atividade de comércio
de mercadorias industrializadas tem pouca expressão em ambas as regiões da TIARG: apenas
3,3% praticam a comercialização de produtos (Figura 16).

Figura 16 – Atividades produtivas desenvolvidas pelas famílias da TIARG


nas regiões do rio Guamá e do rio Gurupi.
61

3.1.1. Agricultura: Roçados Anuais e Fruticultura

Os Tembé são um povo de tradição agrícola longínqua. Sales (2000) cita que, em 1872,
o Ministério de Agricultura, Comércio e Obras Públicas contratou um engenheiro alemão para
trabalhar na região. Este propôs, em relatório técnico, a introdução da “lavoura racional” aos
Tembé habitantes da região do Gurupi, com o objetivo de combater o nomadismo típico deste
povo, consequência da tendência que possuíam de praticar a “lavoura rotineira”, que exigia
novos terrenos para produção, a cada ano.
Em 1930, tanto os Tembé do Guamá quanto do Gurupi já estavam assimilados à economia
regional e forneciam, por meio de força de trabalho escravo, produtos agrícolas e extrativos,
como mandioca, breu, cravo, fumo e óleos de andiroba e copaíba. Depois da década de 30,
com a economia monetizada, os índios também passaram a fornecer malva, castanha, madeira,
arroz e feijão (SALES, 2000).
A partir de 1945, após criação da reserva e instalação dos Postos Indígenas do Serviço
de Proteção ao Índio (SPI), os indígenas passaram a ser convidados a trabalhar nos Postos,
onde abriram grandes roçados. Eles passaram a ser impelidos de reunirem-se ao redor do
Posto, sendo introduzidos ao assalariamento, não só pagamentos para os trabalhos agrícolas,
mas também para a construção de uma estrada que uniria as regiões do Guamá e do Gurupi.
Isto teria modificado a relação dos Tembé com a terra e com outros grupos indígenas que
viviam na região (SALES, 2000).
Atualmente, a agricultura desenvolvida pelas famílias indígenas possui importância
fundamental no âmbito dos sistemas produtivos da TIARG. É ela que tem garantido parte
da segurança alimentar desses indígenas, sendo também a base de suas relações com o
mercado envolvente. O sistema de plantio dos roçados, que inclui culturas agrícolas anuais,
como feijão, milho, cará, mandioca e jerimum, é feito com base na agricultura de corte, queima
e pousio (agricultura itinerante). As roças são abertas quase que anualmente. No ano de 2014,
a maioria das famílias do Guamá e do Gurupi declarou ter aberto a área de roça nos anos de
2013 e 2014, de forma que as roças parecem estar sendo abertas anualmente, de acordo com
a finalização das safras produtivas. Naquele mesmo ano, o plantio nos roçados em áreas de
floresta secundária (capoeira) foi feito por 75% das 177 famílias entrevistadas (Figura 17). O
número de famílias que plantam em áreas de capoeira é bem mais expressivo na região do rio
Guamá, onde 94% dos indígenas realizam plantio na floresta secundária. Quatorze por cento
(14%) das famílias indígenas da TIARG fazem a abertura para o plantio da roça em área de
floresta primária (Figura 17). Essas famílias habitam a região do rio Gurupi, onde este tipo de
floresta ainda é presente. Como há pouquíssimos remanescentes de floresta primária na região
do rio Guamá, apenas uma família abriu roçado neste ambiente no ano de 2014.
62

Figura 17 – Tipos de ambientes utilizados para abertura de roçados nas regiões do rio
Guamá e do rio Gurupi.

Normalmente, cada família extensa faz sua roça e todos os integrantes do grupo são
envolvidos nas atividades produtivas, havendo uma divisão do trabalho de acordo com o
gênero. Para abertura das roças, os homens fazem a derrubada da floresta, seja ela primária
(mata) ou secundária (capoeira), e depois colocam fogo na área para que as cinzas das árvores
queimadas fertilizem o solo (Figura 18). As mulheres se encarregam do plantio.

Figura 18 – Áreas de roçado sendo preparadas, com atividades de corte e queima (A); e roças já em
produção, com cultivo dos principais produtos agrícolas na TIARG: mandioca (B) e milho (C). Fotos:
Claudia Kahwage.
63

Na aldeia Teko Haw, situada na margem esquerda do rio Gurupi, justamente na fronteira
do Pará com o Maranhão, várias famílias estão fazendo roças na margem direita do rio, em
áreas legalmente reservadas aos índios Kaapor, na Terra Indígena Alto Turiaçu, localizada em
território maranhense. Os indígenas da aldeia Teko Haw relataram que, no entorno da aldeia,
fica difícil fazer a abertura de roças, pois há uma família que cria gado numa área que não está
cercada e os animais acabam por destruir as plantações, situação que gera conflitos entre eles.
Por isso, pediram autorização aos Kaapor para fazer roçados na área da Terra Indígena Alto
Turiaçu, como forma de amenizar os conflitos relacionados à criação de gado.
As famílias indígenas da TIARG se empenham principalmente na produção agrícola de
15 produtos alimentícios de ciclo de plantio sazonal, dentro os quais se destacam a mandioca,
a banana, o milho, a melancia e a macaxeira, que são os mais plantados pelas 177 famílias
entrevistadas que realizam atividade de agricultura, tanto na região do Gurupi quanto na do
Guamá (Figura 19).
A mandioca, utilizada para fazer a farinha e outros produtos derivados, é o cultivo de
maior expressão produtiva no âmbito da agricultura familiar dos Tembé, sendo cultivada por
98,8% das famílias entrevistadas na TIARG (95,6% na região do Guamá e 90,4% na região
do Gurupi). Em seguida, vem o milho, a macaxeira, a melancia e a banana, que também são
culturas alimentares importantes no âmbito do sistema agrícola local, sendo produzidos por
93,4%, 92%, 87% e 87%, respectivamente, das famílias entrevistadas.
O cultivo tradicional da mandioca para a alimentação continua ocorrendo intensamente
entre os Tembé (Figura 20), proporcionando a tradicional produção da farinha e da goma de
mandioca, que são produtos de base da cultura alimentar indígena. A produção intensiva de
farinha lhes proporciona uma possibilidade de inserção no mercado, uma vez que este é um
produto que tem conquistado expressivo valor econômico em escala local, regional e nacional.

Figura 19 – Principais cultivos agrícolas anuais da TIARG.


64

O jerimum, o feijão, a cana-de-açúcar e a batata também são produtos alimentares


de expressivo valor produtivo e alimentar para os Tembé, uma vez que mais da metade das
famílias entrevistas os produzem (77,3%, 70%, 66% e 60,5%, respectivamente). O abacaxi e o
cará (Figura 20) são produzidos por 53,3% e 58% das famílias agricultoras, respectivamente,
constituindo fontes importantes de vitaminas para os indígenas.
O arroz é produzido por 50% do total de famílias entrevistadas que realizam cultivos
anuais na TIARG, sendo mais representativo na região do rio Gurupi, onde é plantado por 57%
das 83 famílias entrevistadas. Esta região concentra as maiores áreas de floresta primária na
TIARG, tipo de ambiente onde o cultivo se desenvolve melhor. No entanto, “o cultivo do arroz
em terras altas, após derrubada de vegetação nativa, tende a desaparecer em razão dos altos
impactos ambientais, como a mudança climática, a severa perda de biodiversidade e o alto
custo financeiro para conversão de sistemas naturais” (MARCOLAN et al., 2008). Na região
do Guamá, apenas 38% das 94 famílias entrevistadas fazem plantio desta cultura agrícola.

Figura 20 – Alguns cultivos agrícolas anuais da TIARG: A e B: mandioca; C e D: cará.

O quiabo é produzido por um pouco mais da metade (51,5%) das 177 famílias que
declararam realizar atividades de plantio agrícola na TIARG, enquanto menos da metade
das famílias entrevistadas declararam produzir pimenta-do-reino e jambu (37,1% e 26,4%,
respectivamente), mostrando que estes são cultivos de menor importância para a cultura
alimentar dos Tembé em comparação com outros produtos cultivados na TIARG.
As culturas agrícolas perenes são, em sua maioria, árvores frutíferas que são cultivadas
com grande intensidade pelos Tembé. Eles plantam pelo menos cinco espécies exóticas de
cultivo perene: café (Figura 21), laranja, limão, manga e caju. Também realizam plantio de
65

cacau, cupuaçu, goiaba e jaca. Incluímos na lista de perenes o algodão e a malva, pois os
Tembé se referiram a eles como produtos de cultivo (Figura 22).

Figura 21 – Café produzido na aldeia Teko Haw, região do rio Gurupi.

Ganha destaque o cultivo de cupuaçu (Theobroma grandiflorum), realizado por 78,4%


das famílias entrevistadas, sendo um pouco mais significativa na região do rio Gurupi, onde
81,9% das famílias declararam realizar atividade de colheita do fruto (Figuras 22 e 23). A
produção do caju fica em segundo lugar na lista de frutos que são produzidos e coletados,
sendo coletado por 74,9% das famílias entrevistadas, 65,9% na região do Guamá e 75,9% no
Gurupi. O cacau é cultivado por 64,1% das famílias indígenas entrevistadas. Sua produção é
mais significativa no Gurupi, onde é cultivado por 70% das 83 famílias que realizam atividades
agrícolas na TIARG. Já a laranja, o limão e a jaca são cultivados por 56,7%, 46,7% e 55,7%
dessas famílias, respectivamente.

Figura 22 – Cultivos agrícolas perenes nas regiões do rio Guamá e do rio


Gurupi.
66

De forma geral, as famílias indígenas da região do rio Gurupi têm produzido mais cultivos
perenes do que as famílias do Guamá, apesar de que estas produzem mais cultivos agrícolas
anuais. Aparentemente, é positiva a intensidade de produção e as combinações de alimentos
que são plantados e cultivados pelas famílias Tembé. O sistema praticado por eles garante uma
situação favorável à segurança alimentar, uma vez que os indígenas também complementam
sua alimentação com fontes proteicas provenientes da caça e da pesca e coletam frutos da
floresta, que constituem rica fonte de fibras, vitaminas e lipídios. No entanto, percebe-se que
são poucos os cultivos alimentares ancestrais (cultivos crioulos), havendo a necessidade de
viabilizar mais estudos sobre a agrobiodiversidade3 nas aldeias da TIARG.
É importante pensar em estratégias que garantam a recuperação e a conservação da
agrobiodiversidade na TIARG, uma vez que esta é fundamental para asegurança alimentar
indígena. A conservação da agrobiodiversidade nas aldeias está de acordo com o que postula
a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental em Terras Indígenas (PNGATI, 2012). No
eixo que trata da prevenção e recuperação de danos ambientais, a PNGATI orienta sobre a
identificação de espécies nativas de importância sociocultural em terras indígenas; sobre a
priorização de seu uso em sistemas agroflorestais e na recuperação de paisagens em áreas
degradadas; e sobre a promoção à recuperação e conservação da agrobiodiversidade e dos
demais recursos naturais essenciais à segurança alimentar indígena.

Figura 23 – Alguns frutos cultivados na aldeia Cajueiro, região do rio Gurupi. A: cajuí (Anacardium
sp.), uma espécie de caju nativo; B: cupuaçu (Theobroma grandiflorum).

3.1.2. Pesca

A pesca, juntamente com a agricultura, é a atividade produtiva mais representativa


entre os Tembé. Possui grande importância cultural, social e econômica para os indígenas e
pode ser realizada por homens e mulheres, crianças, adultos e idosos. Por meio da pescaria,
eles solidificam sua cultura de estreito contato com os rios, com sua geomorfologia e com os

³O Que é Agrobiodiversidade?
A agrobiodiversidade é o conjunto de espécies da biodiversidade utilizadas pelas
comunidades locais, povos indígenas e agricultores familiares para a agricultura e outras
atividades relacionadas.
67

elementos da biodiversidade aquática, que estão relacionados à cosmologia e espiritualidade


ancestral dos Tembé.
Os peixes pacu, mandi, piranha e surubim são os mais consumidos na TIARG, tendo
sido citados pela grande maioria (mais de 90%) das famílias indígenas entrevistadas (Figura
24). O aracu, o jeju, o mandubé e o tucunaré também possuem grande importância para os
indígenas, pois foram mencionados por mais de 80% das famílias. O tucunaré é pescado por
um número maior de famílias indígenas no Gurupi em comparação com o Guamá.

Figura 24 – Principais peixes consumidos pelas famílias indígenas da


TIARG.

O pintado é consumido por um pouco mais da metade das famílias entrevistadas (Figura
24). A pesca deste peixe também é mais significativa na região do rio Gurupi, que parece possuir
maior abundância de pescado.
O curimatã, o bagre e o dourado também são peixes que estão sendo consumidos
pelos Tembé, mas são espécies exóticas, que não ocorrem naturalmente na área, e que,
consequentemente, podem estar competindo por espaço e recursos com a fauna aquática
local, prejudicando-a. Este quadro deve ser considerado com preocupação e merece atenção
para que se pense em desenvolver medidas de controle populacional dessas espécies nas
bacias e sub-bacias hídricas da região. Maiores informações sobre as espécies exóticas e
sobre a biologia e ecologia de peixes, bem como sobre a pesca na TIARG, serão dadas no
capítulo que trata da Ictiofauna.

3.1.3. Extrativismo Florestal

O extrativismo dos produtos florestais, um sistema de exploração baseado na coleta e


extração dos recursos da floresta, principalmente frutos (Lei nº 9.985, de 18 de Julho de 2000),
68

é uma atividade de grande importância tanto para a cultura alimentar e material quanto para
a economia de mercado dos indígenas da TIARG.
O fruto da palmeira do açaí (Euterpe oleracea) é o principal produto do extrativismo florestal
dos Tembé tanto na região do rio Guamá quanto do rio Gurupi (Figura 25). Sua extração é
realizada pela grande maioria das famílias indígenas entrevistadas (98,1%). O vinho do açaí
é utilizado como uma das principais fontes alimentares das famílias indígenas e, nos últimos
anos, o fruto também vem se destacando como um dos principais itens produzidos pelos Tembé,
principalmente na região do Guamá, para comercialização no mercado externo, como veremos
adiante. Após sua coleta, o açaí é imerso em água quente para que a polpa amoleça, sendo
facilitado o trabalho de peneirar o fruto para extração do “vinho”. Pode ser comido puro ou com
farinha de mandioca e com peixe ou carne de caça, assados em brasa.
A coleta dos frutos da bacaba (Oenocarpus bacaba) e do piquiá-da-mata (Caryocar
villosum) também é uma atividade extrativista importante realizada pelos indígenas da TIARG
(92,45% das famílias entrevistadas) (Figura 25). Como o açaí, a bacaba também é fruto de
uma palmeira e sua polpa é utilizada no preparo do "vinho de bacaba". Para a obtenção da
bebida, procede-se da mesma forma empregada no preparo do açaí. Obtém-se, assim, um
líquido de cor parda, servido com farinha de tapioca ou farinha-d'água.
O fruto piquiá-da-mata passa por cozimento com água e sal para o consumo de sua polpa.
Tanto a árvore como as flores e frutos deste vegetal possuem um valor incomensurável para os
indígenas. As flores atraem muitas espécies de caça, especialmente paca, cotia, veado, quati
e tatu (SHANLEY; MEDINA, 2005). A madeira é de alta qualidade, compacta, pesada, não se
decompõe facilmente e fornece peças de grandes dimensões, muito utilizadas na construção
de barcos e na construção civil, possuindo grande importância para armação do fundo interno
das embarcações. Nas áreas rurais da Amazônia, o piquiazeiro é a árvore preferida para fazer
canoas, pois garante boa durabilidade, chegando aos 10 anos de uso. O óleo da fruta serve
para cozinhar, sendo muito bom para fritar peixes (Ibidem).

Figura 25 – Principais produtos do extrativismo vegetal utilizados


pelas famílias entrevistadas na TIARG.
69

O tucumã é o fruto de uma palmeira (Astrocaryum aculeatum) e é coletado por 77,98%


das famílias indígenas entrevistadas. Segundo Chaves (1947), a polpa do tucumã é grudenta
e riquíssima em vitamina A e possui alto teor de vitaminas B e C. Também possui alto valor
energético (247 calorias por 100 gramas), além de glicídios (19,1%), lipídios (16,6%) e protídeos
(3,5%), de forma que as famílias que estão consumindo esta fruta estão sendo beneficiadas
em termos nutricionais. Os indígenas também usam a folha da palmeira do tucumã para fazer
cordas de arco e o caroço do fruto é muito utilizado para produção de peças artesanais de uso
pessoal ou para comercialização, como colares e pulseiras.
O fruto do ingá (subfamília Mimosoideae, da família Fabaceae) também é bastante
apreciado pelos Tembé, sendo sua coleta realizada por 72,9% das famílias entrevistadas.
Segundo Cavalcante (1991), os frutos do ingá estão frequentemente disponíveis nos mercados
locais ao longo do ano, sugerindo diversos picos de produção. Esta espécie arbórea está
sendo muito utilizada em sistemas agroflorestais para sombrear cultivos econômicos, como
café, cacau, cupuaçu e outros (SALAZAR et al., 1993 apud FALCÃO; CLEMENTE, 2000), e
sua biomassa pode ser aproveitada como forragem e como adubo verde. A floração do ingá-
cipó atrai as abelhas melíferas, aumentando em muito a produção das colmeias (FONSECA,
1954 apud FALCÃO; CLEMENTE, 2000). Sua madeira branca é empregada em carpintaria
leve e na fabricação de caixas; sua lenha queima e dá excelente carvão (CORRÊA, 1926
apud FALCÃO; CLEMENTE, 2000). Da polpa do fruto pode-se preparar um xarope usado na
medicina tradicional contra bronquites. O cozimento da casca é realizado para cura de feridas
e diarreias e, por ser rica em tanino, a casca também serve para curtume (PRANCE; SILVA,
1975 apud FALCÃO; CLEMENTE, 2000). Nos questionários, não avançamos na pesquisa
sobre o uso medicinal das frutas.
Os frutos da palmeira inajá (Maximiliana maripa) são coletados por significativos 69,2%
das 159 famílias indígenas entrevistadas que realizam atividades extrativistas. A palmeira
tem grande importância econômica, ecológica e cultural para os indígenas, pois, além dos
frutos serem utilizados para alimentação e suas sementes servirem como matéria-prima para
produção de boa parte do artesanato Tembé, as folhas podem ser empregadas na construção
dos telhados das habitações. Os frutos do inajá também são bastante apreciados pelos animais
que são caçados pelos Tembé. Portanto, a manutenção das palmeiras nos arredores das
aldeias favorece o aparecimento de animais, como paca, tatu, veado-mateiro, dentre outros.
Outra forma de utilização dos frutos do inajá pelos Tembé poderia ser a produção de óleo, pois
seus frutos maduros são constituídos por 15% de óleo semelhante ao do babaçu, com sabor
picante e cor vermelho alaranjada, atraente para a culinária. Além disso, pode ser usado na
fabricação de um sabão de excelente qualidade (CYMERYS; FERREIRA, 2005).
A coleta do mel proveniente de abelhas silvestres é realizada por 67% das famílias
indígenas entrevistadas. Chama a atenção o fato de que a grande maioria (83,3%) das famílias
da região do rio Gurupi realiza a extração do mel, o que pode favorecer, no futuro, a implantação
de projetos de criação de abelhas silvestres, tendo o horizonte de geração de renda com base
na comercialização do mel. Para isso, um dos requisitos necessários será a realização de
estudos de campo para investigar quais são as espécies de abelhas Melipona sp. que ocorrem
naturalmente na TIARG.
A coleta do fruto do bacuri (Platonia insignis) é realizada por 54,7% das famílias
70

entrevistadas, a maioria na região do rio Gurupi. Segundo De Menezes et al. (2010), essa fruta
,pouco maior que uma laranja contém polpa agridoce rica em potássio, fósforo e cálcio, que é
consumida diretamente ou utilizada na cultura não indígena para produção de doces, sorvetes,
sucos, geleias, licores e outras iguarias. Por esta razão, o bacuri tem um alto valor comercial
no mercado. Sua casca também é aproveitada na culinária regional e o óleo extraído de suas
sementes é usado como anti-inflamatório e cicatrizante na medicina popular e na indústria de
cosméticos. Deve-se considerar o incentivo à comercialização da produção do bacuri como
uma possibilidade de geração de renda para famílias indígenas da região do rio Gurupi.
A castanha-de-caju (Anacardium occidentale) é coletada por 38,9% das famílias indígenas
entrevistadas, a grande maioria da região do rio Gurupi. Os cajueiros são abundantes nas aldeias
do Gurupi e provavelmente foram plantados por seus ancestrais. Os indígenas responderam
ao questionário se referindo a um produto extrativista, apesar de termos a hipótese de que
os cajueiros foram introduzidos em tempos longínquos. Optamos por deixá-lo no subtítulo do
extrativismo. Atualmente, a compra da semente de castanha-de-caju é feita na aldeia cajueiro
por atravessador indígena que tem sua mercearia situada na aldeia.
O uxi é o fruto da espécie Endopleura uchi, da família das Humiriáceas, nativa do Estado
do Pará. Este fruto é coletado por mais da metade (57,86%) das famílias indígenas que realizam
atividades de extrativismo na floresta. Segundo Lopez et al. (2008), além do alto valor nutritivo
do uxi para os humanos, a fruta também alimenta uma grande variedade de animais da floresta:
porcos-do-mato, pacas, veados, tatus e esquilos. O estudo realizado por esses autores numa
área de 200 hectares, onde foram mapeadas 24 árvores de uxi em período de frutificação,
revelou que os animais comeram 80% dos frutos. A casca do uxi também pode ser usada para
fazer um chá indicado para tratamento de artrite, diabete e colesterol alto. Além disso, a casca
dura que envolve a semente das frutas (conhecida como endocarpo) também pode ser usada
como um poderoso amuleto na indústria de bijuterias. Lopez et al. (2008) também comentam
que a polpa do uxi é rica em calorias e tem uma textura arenosa e oleosa. Essas são qualidades
especialmente desejáveis para os habitantes da floresta, que precisam de alimentos ricos em
energia para sustentar seu árduo trabalho. Além de produzir frutas nutritivas, as árvores de uxi
também fornecem madeira de alta qualidade e, por isso, são muito valorizadas pela indústria
madeireira.
Além desses produtos, poucas famílias fazem o extrativismo de outros itens florestais, como
o fruto do patauá, proveniente de uma palmeira (Oenocarpus bataua ou Jessenia bataua), que
foi mencionado apenas por uma família da região do rio Gurupi. Segundo Cavalcante (1991), o
fruto é aproveitado para extração do “vinho” e também de um o óleo de alta qualidade. Cavalcante
também comenta que, em 2008, no mercado de Belém, o óleo foi vendido a 40 reais o litro.
Alguns artesanatos feitos das sementes do patauá, como colares, brincos e pulseiras, custaram
entre três e dez reais. Em 2009, um paneiro de meio quilo do fruto foi vendido a quatro reais.
Hoje em dia, no Brasil, o comércio de “vinho” de patauá é maior que o de óleo. Durante
a Segunda Guerra Mundial, com a escassez de azeite de oliva, o Brasil exportou mais de 200
toneladas por ano de óleo de patauá. Com o fim da Segunda Guerra, as vendas brasileiras de
óleo caíram e hoje estão bem fracas. No Brasil, o óleo de patauá dificilmente é encontrado para
livre comercialização nos mercados, como acontece no Peru, onde o comércio é bastante forte.
Pode-se comprar óleo de patauá de comerciantes de ervas, entre cinco a seis reais o litro, mas
é raro encontrá-lo. Muitos animais, como a anta, o veado, o porcão, o quandu e vários tipos
71

de macacos, comem patauá. Uma pesquisa feita na Colômbia mostrou que o macaco-aranha
(Ateles belzebuth) depende muito do patauá para se alimentar. Aves grandes, como tucanos,
araras, jacus, maritacas e maracanãs, são as que mais gostam dessa fruta. Além das aves,
alguns animais, como o quandu e os macacos, ao se alimentarem de seus frutos, ajudam na
dispersão das sementes do patauá pela floresta (CAVALCANTE, 1991).
Apenas duas famílias, ambas da região do rio Gurupi, declararam explorar espécies
madeireiras, sendo que uma das famílias explora o jatobá e a outra, a maçaranduba e a
tatajuba. Da mesma forma, apenas duas famílias do Gurupi declararam fazer a extração do
óleo da andiroba (Carapa guianensis) tanto para consumo próprio quanto para comercialização
e nenhuma declarou produzir óleo de copaíba.
No início do século XX, os Tembé mantinham estreitas relações com o mercado, trocando,
com os regatões, os óleos da copaíba e da andiroba por produtos manufaturados, sendo o óleo
de copaíba o mais comercializado na época (CEDI, 1995; SALES, 2000). Segundo CEDI (1995),
os termos da troca eram tão desfavoráveis aos Tembé que os indígenas tinham que explorar
o recurso de uma forma bastante intensa, culminando em seu esgotamento. Esta colheita
predatória tornou-se tão generalizada que, em 1939, um antropólogo que estava preocupado
com a situação depauperante dos Tembé recomendou que o governo usasse "meios enérgicos
para parar a destruição completa das árvores de copaíba" (CEDI, 1995).
No final da década de 90, o pesquisador americano Campbell Plowden realizou estudos
para avaliação ecológica e do potencial socioeconômico de produção destes óleos e de outros
produtos não madeireiros, como resina de breu-branco (Protium hepytaphyllum) e cipó-titica
(Heteropsis flexuosa), espécie ameaçada de extinção (Figura 26). Ele observou áreas de alta
densidade de árvores de andiroba e copaíba nas imediações da aldeia Teko Haw. Em 2015,
obtivemos a informação de que as 55 andirobeiras inventariadas por Plowden (2004) foram
derrubadas para instalação de pastos para a pecuária, fato que expressa o desinteresse atual
dos indígenas por esta atividade. Hoje, são poucas as famílias que dominam a técnica de
produção dos óleos e, consequentemente, a perpetuação deste saber vem sendo perdida ao
longo do tempo (Figura 27).
Os Tembé realizam, de forma intensa, o extrativismo de produtos florestais não madeireiros
de significativo valor cultural, ecológico e comercial, ainda que este último esteja subvalorizado e
que o potencial cultural ainda não tenha sido inventariado, havendo a necessidade de resgaste
de saberes.

Figura 26 – Cipó-titica, espécie da flora ameaçada de extinção extraída da floresta na aldeia


Teko Haw.
72

Figura 27– Produção do óleo de andiroba na aldeia Bate-Vento, uma tradição que está sendo perdida pelos Tembé.

Os frutos de diversas árvores da floresta são bastante apreciados e utilizados na cultura


alimentar e material local. Alguns deles, como o açaí, constituem fonte de geração de renda
importante, via comercialização nos mercados locais, principalmente para as famílias da região
do rio Guamá, que, devido à localização mais estratégica das aldeias, próximas às sedes de
municípios da região, têm conseguido obter uma participação expressiva na comercialização
destes produtos. Isto tem dado condições para que os indígenas se envolvam menos em
atividades ilícitas e predatórias ao meio ambiente. Por outro lado, a entrada desses recursos
tem desfavorecido a conservação da cultural tradicional, pois, com acesso à renda, a atração
pelo consumo de produtos não indígenas é aumentada.
As aldeias do rio Gurupi possuem alto potencial de produção de produtos florestais não
madeireiros. No entanto, os indígenas não recebem incentivos governamentais que permitam
que eles organizem esta produção para fins de comercialização ou mesmo para uso cultural, o
que desfavorece a geração de renda e estimula sobremaneira seu envolvimento com a indústria
ilegal de madeira, em franca atividade na região e extremamente danosa à conservação da
biodiversidade local.
O pesquisador americano Plowden (2001) também concluiu que seria difícil encontrar,
na região do rio Gurupi, produtos florestais não madeireiros que reunissem todas as condições
(alta densidade, alto rendimento percentual, redução de perdas durante o processamento,
preço alto, renovação rápida dos recursos) para fazer a produção comercial valer à pena em
base contínua e, com isso, favorecer a obtenção de rendimentos financeiros pelas famílias
indígenas. No entanto, a produção e beneficiamento diversificado destes e outros produtos
florestais e agrícolas, pautados no calendário produtivo florestal, que deve ser estudado,
deverá favorecer a economia indígena. Qualquer atividade relacionada à exploração comercial
racional dos produtos florestais não madeireiros da TIARG será positiva frente à situação atual.
Atualmente, os indígenas paralisaram quase que completamente a produção dos óleos de
copaíba e andiroba, da resina de breu-branco e do cipó-titica, produtos que foram estudados
por Campbell, sendo necessário um incentivo à retomada destas atividades tradicionais de
importância cultural e econômica para os Tembé, assim como de outros produtos que possam
vir a ser produzidos.
A produção de óleos comestíveis e de óleos base de cosméticos provenientes do
beneficiamento de frutos florestais devem ser incentivados, tendo em vista que o extrativismo
ainda é realizado com intensidade nas aldeias de ambas as regiões da TIARG.
É necessário um investimento vantajoso na diversificação, beneficiamento e combinação
73

de exploração econômica e mercantil de produtos e subprodutos florestais, principalmente os


não madeireiros, que sejam disponibilizados para venda e para uso local.
A produção de mudas de espécies agrícolas e florestais é feita em baixa intensidade na
TIARG. Ao longo das visitas às aldeias indígenas nos anos de 2012, 2013 e 2014, pudemos
registrar apenas uma iniciativa individual na aldeia Teko Haw. Os indígenas contam que, no
passado, existiu um projeto desenvolvido por um órgão de governo federal que incentivou a
produção de mudas e a coleta de sementes florestais. Houve adesão de algumas famílias a
este projeto, que promoveu a capacitação e equipagem dos indígenas para coleta de sementes
e produção de mudas (Figura 28). As famílias conseguiram produzir as mudas desejadas, mas
houve dificuldade de venda e destinação da produção familiar, fazendo com que os indígenas
acabassem desestimulados, vindo a desistir de dar continuidade às atividades.

Figura 28 – Produção de mudas florestais na aldeia Teko Haw, um horizonte positivo para a geração
de renda indígena.

3.1.4. Caça
A caça é praticada pela maioria das famílias indígena entrevistadas, como comentamos
anteriormente. É uma atividade de grande importância e valor cultural para os indígenas. É por
meio dela que os indígenas mantêm uma relação densa com a biodiversidade da floresta e
reafirmam e conservam boa parte de suas tradições culturais, principalmente aquelas ligadas
ao universo masculino. A prática da caçada enseja rituais importantes para a vida social dos
homens, pois está ligada à afirmação de suas masculinidades e destrezas perante o grupo,
bem como a mudanças de status social, já que o menino indígena que sai para a floresta para
caçar com seu pai já alcançou um novo status perante o grupo. É por meio da caçada que os
homens têm o contato com seres imateriais que protegem a floresta e que os encantam em
punição a excessos de mortes de animais.
Em todas as aldeias, o tempo passado é referendado como um momento de fartura de
caça, principalmente no espaço doméstico (que circunda as aldeias), em função da maior
proximidade que havia com áreas florestadas, como nos informou o cacique Lourival, um dos
indígenas mais velhos da aldeia Teko Haw, localizada na margem do rio Gurupi:
74

A mata aqui perto da aldeia tinha muita fartura. Tinha caça: veado, caititu, anta,
mutum... A gente não ia longe pra fazer uma caçada. Chega uma hora dessas,
mais um pouco, tava lá (no local de caça). Agora tem que fazer caminhada.
Dez horas. Vai de barco, remando!"

A perda constante de áreas florestadas no território indígena e os consequentes impactos


negativos sobre a distribuição da fauna local é percebida pelos indígenas em seu cotidiano.
De acordo com as famílias entrevistadas, os animas mais caçados pertencem às classes dos
mamíferos e das aves, animais que ainda ocorrem em abundância na Terra Indígena como um
todo. Mamíferos de médio porte ocorrem não muito longe das aldeias e vários deles também
ocorrem em áreas de vegetação secundária, como aquelas que dominam a paisagem florestal
no norte da TIARG, na região do rio Guamá.
O veado (Mazama spp. espécies da família Cervidae) é caçado por 95% das 167 famílias
que declararam caçar na TIARG; a paca (Cuniculus paca), por 95,3%; o caititu (Pecari tajacu),
por 93%; a cotia (Dasyprocta spp.), por 93%; o tatu (espécies da família Dasypodidae), por
89,82%; e a capivara (Hydrochoerus hydrochaeris), por 79,6%. Esses são os mamíferos
caçados com maior frequência pela maioria das famílias entrevistadas, tanto no Guamá quanto
no Gurupi (Figura 29).
Um fato curioso observado pela análise dos questionários é que as famílias indígenas do
Guamá parecem caçar um pouco mais esses animais do que as famílias do Gurupi, mesmo que
no Gurupi existam mais áreas de floresta primária e no Guamá mais áreas de floresta secundária
(capoeira). As áreas de capoeira do Guamá devem estar em processo de recomposição positivo,
pois há presença desses animais em abundância, o que os disponibiliza a fazerem parte da
dieta dos Tembé. De outro lado, as famílias do Guamá costumam organizar expedições de
caça na região do Gurupi, principalmente em situações de festas, onde necessitam de maior
quantidade de carne, obtida dos mamíferos de grande porte, já não existentes nas florestas
do Guamá (ver capítulo da Mastofauna, neste livro).
O quati (Nasua nasua) e várias espécies de macacos são mamíferos de médio porte
caçados por 55% e 62%, respectivamente, das famílias indígenas que entrevistamos. Na
região do Guamá, o quati é caçado por 73,75% das famílias entrevistadas; no Gurupi, apenas
por 39,5%.
Na região do rio Guamá, os macacos são caçados por 72,5% das famílias que entrevistamos,
enquanto no Gurupi o percentual foi de 53%, de forma que os dados atestam que os indígenas
estão caçando mais macacos no norte da Terra Indígena do que no sul. Para melhores
informações sobre a caça praticada por indígenas ver o capítulo da Mastofauna.
As preguiças, também mamíferos de médio porte, são caçadas por 41% das famílias
entrevistadas na TIARG, sendo 70% na região do Guamá e somente 15,1% na região do
Gurupi. Os mamíferos de grande porte, como a anta e a onça, são caçados por 54% e 12%
respectivamente, das famílias indígenas (Figura 30). A carne da anta, geralmente preparada
assada, é muito apreciada por eles. Os Tembé também preparam linguiça a partir de suas
vísceras, uma comida típica da culinária indígena. A anta é um importante dispersor de sementes
(FRAGOSO, 2010; OLMOS, 1997), pois é um animal que evacua na água, o que faz com que
o padrão de dispersão também seja único (FRAGOSO, 2010; SALAS; FULER, 1996). Nesse
75

contexto, ela é um animal especialmente importante na manutenção das florestas de palmeiras


na América do Sul, principalmente dos buritizais na Amazônia e Cerrado.
Entre as aves, as espécies maiores são bastante caçadas pela maioria das famílias da
TIARG. Os mutuns, por exemplo, são caçados por 85% das famílias que entrevistamos na terra
indígena. Por região, foram 81,25% no Guamá e 89,5% no Gurupi. Duas espécies de mutum
ocorrem na TIARG. Porém, nos questionários, não foi feita distinção entre elas: o mutum-de-
penacho (Crax fasciolata pinima), que está ameaçado de extinção e, segundo os indígenas,
ocorre em abundância na região do Gurupi; e o mutum-cavalo (Pauxi tuberosa), que não está
ameaçado e possui carne muito apreciada pelos indígenas. O cujubim (Aburria cujubi) é outra
espécie de ave que também é bastante caçada pela maioria das famílias da TIARG.
Como os indígenas não costumam consumir a carne da onça e do gato-maracajá (caçados
por 16,2% das famílias indígenas entrevistadas), estes animais, em geral, são abatidos por
causarem prejuízos à criação de animais, como galinha e gado. No caso da onça, também é
caçada para prevenir possíveis ataques às residências dos indígenas nas aldeias.

Figura 29 – Principais animais caçados na TIARG.


76

Figura 30 – A: a carne de veado geralmente é assada na brasa e o couro muitas vezes é curtido ao sol
para aproveitamento em artesanato e outros usos; B: a carne de anta também costuma ser assada em
brasa e, de suas vísceras, os Tembé preparam linguiças, uma iguaria da culinária indígena.

3.1.5. Criação de Animais

Entre as famílias entrevistadas, 139 declararam criar algum tipo de animal. As criações
incluem aves domésticas e silvestres, jabutis, peixes, jacarés, porcos, gado e abelhas do tipo
africana (Figura 31). De maneira geral, as famílias indígenas da região do rio Guamá têm se
empenhado mais do que as do Gurupi em realizar a diversificação da criação de animais. Este
é um quadro esperado, já que no Gurupi ainda existe uma facilidade maior de abater animais
silvestres por meio da atividade de caça.
As aves domésticas, galinhas principalmente, são o destaque da criação de animais
pelas famílias entrevistadas, pois são criadas pela grande maioria (86%) das famílias indígenas
que declararam fazer algum tipo de criação. Pode-se dizer que os indígenas têm focado seu
esforço familiar na criação das aves domésticas, uma vez que os outros animais são criados
com menos intensidade. Foi declarada pelos entrevistados a criação de 2.627 galinhas.
Um percentual significativo, 17,3% das famílias entrevistadas, também está desenvolvendo
a criação de gado. No entanto, nos foi relatado que a criação, em algumas aldeias, é feita sem
manejo apropriado. O gado é deixado solto, sem que haja parcelamento do pasto ou qualquer
tipo de cerca, fato que propicia a invasão das roças familiares pelos animais, causando conflitos
entre moradores das aldeias. Foi declarado um rebanho de 432 cabeças de gado entre as 24
famílias que criam estes animais, sendo que uma família da região do rio Guamá cria, sozinha,
100 cabeças de gado. O restante tem uma média de 14,4 cabeças por família. A criação de
porcos domésticos é feita por 10,8% das famílias. No Gurupi, 20% das famílias que criam
animais declararam fazer a criação destes animais.
A criação de jabutis está sendo realizada por 10,1% das famílias que criam animais
na TIARG, sendo o maior percentual (14%) na região do rio Gurupi. Apenas 6% das famílias
entrevistadas do Guamá criam este animal. Foram declarados 132 jabutis sendo criados em
cativeiro pelas famílias entrevistadas na TIARG.
Na região do rio Guamá, as famílias também se organizam para fazer a criação de
abelhas africanas visando a venda do mel (Figura 32). No entanto, não possuem compradores
fixos, apesar da produção ser intensa em algumas épocas do ano. Foi declarada a existência
de 72 colmeias pelas famílias entrevistadas.
77

Figura 31 – Animais criados na TIARG.

Figura 32 – Criação de abelhas africanas na aldeia Sede, região do rio Guamá.

Animais silvestres, como jacaré, porcão e arara, são criados com menos intensidade
por algumas famílias da TIARG, principalmente aquelas da região do rio Gurupi. No total, os
indígenas declararam criar sete araras em cativeiro.
Entre as famílias entrevistadas que criam animais, a grande maioria (67%) o faz para
consumo próprio. Outros 31% criam animais visando tanto o consumo quanto a venda e apenas
2% exclusivamente a venda.

3.1.6. Arte e Artesanato


De acordo com as entrevistas, o artesanato é praticado com intensidade e frequência
pela grande maioria das famílias indígenas, tanto da região do Guamá quanto da região do
Gurupi. Ao que parece, é uma atividade econômica importante para a afirmação cultural e
para a geração de renda familiar. Os artesãos com os quais pudemos conversar comentaram
que o artesanato poderia ser uma fonte de renda eficiente, mas que, no entanto, não há uma
78

cadeia produtiva organizada nos mercados locais, nem compradores fixos nas sedes municipais
localizadas nas proximidades da terra indígena que se disponham a ir às aldeias. Isso dificulta
o processo de comercialização, já que o custo do transporte dos indígenas para as sedes dos
municípios, ou para outros mercados, se torna muito oneroso, considerando que os artesãos
possuem baixa renda familiar. De acordo com eles, há uma maior facilidade de venda de
artesanato indígena na cidade de Belém.
Dessa forma, a produção artesanal, apesar de intensa, é de difícil venda, gerando o
acúmulo de peças em estoque, pois há dificuldade em escoar os produtos, uma vez que poucos
indígenas têm a habilidade de se articular com mercados compradores mais longínquos, tanto
pela pouca experiência que possuem em lidar com processos administrativos de venda quanto
pela distância desses mercados. Também foi comentado pelos artesãos que, no passado, quando
a Fundação Nacional do Índio possuía a loja Arte Índia, a venda dos produtos do artesanato
Tembé era facilitada e gerava melhor renda, uma vez que escoavam a produção diretamente
para esta loja. No entanto, hoje, com o encerramento das atividades da Arte Índia, eles acabam
produzindo as peças sem que haja real expectativa de vendas.
Assim como em outros povos indígenas, há uma divisão sexual do trabalho que possibilita
a confecção das peças artesanais. Na maioria das vezes, são os homens que obtém, na floresta,
parte da matéria prima necessária para a produção artesanal, como palha, sementes, ossos
e penas de animais, para que as mulheres possam manufaturar com destreza e zelo artístico
as belas peças do artesanato Tembé.
Como as florestas estão cada vez mais distantes das aldeias, a busca por matéria prima
se torna mais penosa, requer maior tempo de trabalho e, em grande parte dos casos, custo
extra com combustível. Algumas matérias primas provenientes da floresta, como sementes,
só estão disponíveis em determinadas época do ano, pois estão relacionadas com os ciclos
sazonais de reprodução das árvores. Além disso, a estocagem das sementes se torna difícil,
pois, de acordo com os artesãos, sempre estão sujeitas ao ataque de insetos.
Há uma variedade incrível de tipos de peças artesanais. Cada tipo de peça requer
matéria prima e modo de confecção diferenciado (Tabela 2). Este saber indígena, relacionado
à habilidade de produzir peças artesanais, é parte da cultura ancestral Tembé, repassada de
geração em geração.
As peças que utilizam plumagens são confeccionadas de forma abundante e frequente
pelas mulheres indígenas. É comum vê-las expostas em grande quantidade nas paredes das
residências familiares. Há uma variedade de peças que utilizam plumagem, como colares,
braceletes, cocares, prendedores de cabelo e brincos (Figura 33). As índias usam bastante
essas peças em seu cotidiano e, sobretudo, durante os dias em que ocorre a “Festa da Menina
Moça” (Figura 34), que marca a iniciação dos meninos e meninas na vida adulta e é uma das
expressões culturais mais importantes e representativas da cultura Tembé, sendo composta
por dois momentos: a Festa do Mingau (Kàwi'u haw) e a Festa do Moqueado (Wyra'u haw).
79

Figura 33 – Arte plumária Tembé. A, B e C: peças artesanais estocadas nas paredes das casas. D, E e F:
prendedores de cabelo femininos.
80

O uso das peças plumárias pelos indígenas tem um papel marcante na afirmação da
identidade Tembé. Os cocares (masculinos e femininos) são acessórios culturais importantes
e, conforme o tipo, denotam diferenciação sexual e etária (Figura 34).

Figura 34 – Os adornos de cabeça (capacetes), confeccionados com penas de animais da floresta, são importantes
peças da cultura Tembé. Nas fotos, são representados os capacetes femininos, utilizados em rituais da cultura
Tembé, e os masculinos. Os homens utilizam capacetes com penas alongadas e os meninos, o de penas
pequenas, vermelhas e pretas.
81

Nas ocasiões festivas, os brincos e prendedores de cabelo também são muito usados para
o embelezamento das mulheres indígenas. Para preparação da Festa do Moqueado, há grande
produção de peças em arte plumária, principalmente os cocares das meninas, confeccionados
com penas coloridas de diversas espécies de aves (ver capítulo da Avifauna, neste livro). Eles
adornam a cabeça das moças como se fossem longos cabelos de penas que se estendem até
as pernas (Figura 34). Apesar da venda proibida por lei, o comércio dessas peças costuma ser
praticado e, segundo relatos, possuem bastante saída no mercado, principalmente os brincos
e prendedores de cabelo.
As cuias também são peças artesanais e artísticas importantes para a manutenção da
cultura Tembé. São feitas pelas mulheres a partir do fruto da cuieira, árvore de nome científico
Crescentia cujete, da família Bignoniacea. O fruto é cortado e posto para secar. Em sua parte
externa são feitos grafismos indígenas, representações relacionadas à cosmologia Tembé,
principalmente o formato de meia lua (Figura 35). As cuias são pintadas em suas partes internas
e externas com uma resina natural, retirada da casca de uma árvore de nome “cumatê”. Esta
resina suporta altas temperaturas e, por isso, quando a cuia é revestida com ela, é deixada
para secar ao sol durante pelo menos 12 horas.

Figura 35 – Diversidade de grafismos em cuias produzidas pelas mulheres indígenas da TIARG, região
do rio Gurupi.
82

As cuias são utilizadas para servir alimentos, principalmente os de consistência pastosa,


mas também líquida. Na atualidade, as mulheres as confeccionam em grande quantidade
tanto para venda esporádica quanto para serem usadas na cerimônia preliminar do ritual de
passagem da menina moça, a chamada “Festa do Mingau”, que celebra a primeira menstruação
das meninas e sua preparação para o enfretamento da vida adulta.
Os Tembé também confeccionam instrumentos musicais para venda, mas, principalmente,
para uso ritualístico. O principal instrumento confeccionado pelas mulheres é o maracá, também
produzido a partir do fruto da cuieira (Figura 36). No maracá, os grafismos indígenas são marcados
à faca e pintados com a resina de cumatê. Os maracás ritualísticos são adornados nas bases
superior e inferior com penas coloridas de aves da florestas. No entanto, as mulheres indígenas
estão fazendo maracás com adornos de sementes para venda, já que a comercialização de
artesanato com elementos da fauna silvestre é proibida.

Figura 36 – Instrumentos musicais produzidos na TIARG: maracás e paus de chuva.

O maracá é um elemento central da ritualística tradicional dos Tembé. As cantorias realizadas


pelo pajé e pelos cantadores que lhe seguem são sempre acompanhadas pelas marcações da
forte sonoridade deste instrumento. Ele é utilizado tanto na Festa do Mingau, quanto na Festa do
83

Moqueado. É esta sonoridade, emanada pelas dezenas de maracás que são tocados ao mesmo
tempo, e o ato de fumar o tabaco, feito com folhas da palmeira tauari, que leva o pajé e outros
indígenas participantes dos festejos a entrarem em transe e a incorporarem entidades do mundo
sobrenatural, vivenciando a espiritualidade que reforça sua identidade.
As índias e, por vezes, os índios, também confeccionam um instrumento musical chamado
“pau-de-chuva”, por simular o som de chuva (Figura 36). Na floresta, os homens coletam o
bambu, que servirá de base para o instrumento; as palhas de lu, que irão compor o trançado
que cobre o bambu; as cascas da árvore do macaxi, necessárias para fazer a tintura das
fibras; e as sementes de embaúba, que serão colocadas no interior do instrumento, para que
as índias possam confeccionar sua base. Em algumas aldeias, no lugar das sementes, são
utilizadas minúsculas pedras brancas coletadas no fundo de rios. Com o material coletado, as
índias realizam o tingimento natural da fibra e seu trançado de figuras geométricas que dará
o acabamento e a artística final ao instrumento.
As mulheres também usam de sua vigorosa imaginação para confeccionar uma infinidade
de tipos de pulseiras e colares que são feitos a partir de ossos de animais silvestres, como
a jiboia, além de sementes e frutos de várias árvores da floresta (Figura 37). Vale a pena
descrever a técnica de produção das belas pulseiras e colares feitos com ossos e frutos das
palmeiras tucumã (Astrocaryum aculeatum) e inajá (Maximiliana maripa), uma inovação da
artesania Tembé. Os artesãos contam que a cacique da Aldeia Teko Haw, Verônica Tembé,
já falecida, foi visitar os índios Munduruku e aprendeu a técnica de produção de pulseiras
utilizando as sementes dessas palmeiras. A partir daí, resolveu desenvolver a técnica em sua
aldeia, incorporando ossos de animais para ampliar o espectro de cores das peças. A técnica
foi aprendida por outros artesãos. Hoje, essas pulseiras reforçam a identidade indígena Tembé
e são peças de significativo valor artístico e comercial.
84

Figura 37 – A, B, C e D: pulseiras e colares confeccionados com sementes dos frutos de inajá e


tucumã; E: equipamento utilizado para furar as sementes; G e H: colares e pulseiras confeccionados
com ossos de jiboia.
85

São os homens que geralmente fazem a coleta dos frutos do tucumã e do inajá. Os
primeiros são colhidos no período de estiagem da chuva e o inajá é coletado no período chuvoso.
As indígenas acabam por estocar as sementes para realizar a confecção. Relatam que na
estocagem há o ataque de insetos e consequente perda de estoque. Os homens executam,
com o terçado, o primeiro corte das sementes. Em seguida, as mulheres utilizam uma faca
bem amolada para produzir as peças menores, tipo pequenas miçangas. Após o corte das
sementes e, se for o caso, dos ossos, as artesãs utilizam uma espécie de broca natural para
furar, uma a uma, cada pequena peça de miçanga natural (Figura 37). Depois, com um fio de
náilon, vão juntando as peças da pulseira, intercalando as miçangas naturais de inajá, de tucumã
e de osso, para que formem grafismos. O acabamento lateral da peça é feito com miçanga
preta industrializada, e o feixe com sementes. Este é um trabalho minucioso, de paciência e
dedicação, que pode dispender até 20 dias para a confecção de uma única pulseira.
As artesãs Tembé também confeccionam cordões e pulseiras feitos com miçangas sintéticas,
compradas em lojas, podendo ser também confeccionados com sementes florestais. As índias
dão a estas pulseiras e colares uma infinidade de formas, cores e grafismos, todas relacionadas
com uma iconografia da biodiversidade local (Figura 38). As miçangas industrializadas são
bastante desejadas pelas indígenas e são elementos importantes para produção do artesanato
Tembé.

Figura 38 – Cordões e pulseiras confeccionados com


miçangas e sementes, com destaque para a variedade
de formas, grafismo e cores.
86

Peças de vestuário também são confeccionadas pelas mulheres indígenas, sendo utilizadas
tanto para ocasiões festivas e ritualísticas quanto para venda (Figura 39). São confeccionadas
em palha ou bambu, este último tingido com pigmentos naturais e artificiais. A base de algumas
saias é confeccionada com fios de algodão tecidos a mão pelos indígenas.

Figura 39 – Peças artesanais do vestuário Tembé na Aldeia Ka'a Pitepehar. Fotos – Sergio Meira.

3.2. Comercialiação dos Produtos

Na TIARG, a comercialização de produtos agrícolas e florestais não madeireiros é feita


principalmente pelas famílias indígenas que moram na região do rio Guamá, uma vez que
apenas 18% das 91 famílias entrevistadas na região do rio Gurupi comercializam os produtos
provenientes da agricultura ou do extrativismo florestal. As famílias da região do Guamá possuem
uma dinâmica de comercialização de produtos muito mais intensa: 96 famílias entrevistadas (70%)
comercializam seus produtos, principalmente a farinha e o açaí (Figura 40). Isso provavelmente
se deve à proximidade das aldeias do rio Guamá com a cidade de Capitão Poço e pelo maior
envolvimento dos indígenas desta região com o mercado. As aldeias do Gurupi distam pelo menos
quatro a cinco horas de carro da cidade mais próxima, Paragominas, situação que dificulta o
escoamento da produção, pois os indígenas não têm condições de pagar o transporte até lá. Como
87

as comunidades rurais do entorno também são comunidades de pequenos agricultores familiares,


não há compradores significativos perto das aldeias. Este cenário desfavorece comercialmente os
indígenas que moram na região do rio Gurupi. De outro lado, a dinâmica de comercialização também
se reflete na ampliação de áreas plantadas e na pressão sobre as áreas de floresta secundária em
regeneração que existem na região do Guamá.
A farinha é o principal produto comercializado pelos Tembé (Figura 41), tanto no Guamá
quanto no Gurupi, seguida pelo açaí. Entre as famílias indígenas que comercializam produtos
na TIARG, 42% fazem a comercialização da farinha e 26% comercializam o açaí. Outro produto
importante é a banana, comercializada por 13% das famílias indígenas comerciantes.

Figura 40 – Principais produtos comercializados na TIARG.

Figura 41 – Produção de farinha na aldeia Cajueiro, região do Gurupi.


88

A comercialização do artesanato tem sido feita tanto pelas famílias do Guamá quanto do
Gurupi, mas principalmente do Gurupi. Nesta região também realizam, embora com pouquíssima
intensidade, a venda de produtos florestais como o bacuri (uma família) e a andiroba (também uma
família). Outros produtos que também foram mencionados em proporções bem menores foram:
o arroz (uma família no Guamá e uma no Gurupi), a castanha de caju (duas famílias no Guamá e
duas no Gurupi); o jerimum (uma família no Gurupi); a malva (duas famílias no Guamá); a melancia
(uma família no Guamá e uma no Gurupi); o milho (uma família no Guamá e uma no Gurupi); e a
pimenta-do-reino (duas famílias no Guamá). Percebe-se, portanto, que a comercialização de produtos
não ocorre de forma significativa como meio de geração de renda para as famílias indígenas da
TIARG, sendo apenas a farinha e o açaí produtos comercializados por um número significativo de
famílias, principalmente no Guamá.
Em relação ao destino da venda dos produtos, a maior parte é comercializada nas cidades,
diretamente pelos indígenas. Outra parte significativa das famílias comerciantes do Guamá também
vendem os produtos para atravessadores e apenas uma proporção bem pequena comercializa os
produtos nas aldeias (Figura 42).

Figura 42 – Destino da venda dos produtos na TIARG, regiões do rio Guamá e do rio Gurupi.
89

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em relação à agricultura realizada na TIARG, há variedade e intensidade de cultivos,
aspectos que são bastante favoráveis ao suporte da segurança alimentar das famílias indígenas
da região. No entanto, sugerimos que possam ser traçadas estratégias eficientes de recuperação,
conservação e valorização da agrobiodiversidade da terra indígena, com vistas à conservação
do património genético e cultural associado e à efetiva melhoria da segurança alimentar nas
aldeias, uma vez que boa parte dos cultivos agrícolas perenes e anuais que está sendo produzida
na TIARG não tem procedência local.
Segundo o Ministério do Meio Ambiente (2006), são várias as pressões e ameaças à
conservação e à sustentabilidade da agrobiodiversidade. Algumas atingem de forma direta
os próprios recursos genéticos (erosão genética) e outras recaem indiretamente sobre
práticas e saberes associados ao manejo e utilização tradicional desses recursos (erosão dos
conhecimentos), fatos observados também entre os Tembé. Estas perdas resultam no aumento
da dependência das comunidades tradicionais em relação aos modelos econômicos externos,
pautados em uma eficiência produtiva não compatível com a cultura local, que resulta na perda
da autonomia, na vulnerabilidade da segurança alimentar e no enfraquecimento cultural.
Pudemos perceber que os Tembé tanto do Guamá quanto do Gurupi almejam estar
conectados com a lógica e a competitividade produtiva dos mercados econômicos externos,
tendo a tendência ao desenvolvimento do uso de poucas variedades agrícolas, de base
genética estreita e de fraco cunho sociocultural. Esta situação viabiliza a tendência não positiva
à homogeneização de seus hábitos alimentares, à crescente extensão de um modelo cultural
de tipo urbano e à dificuldade de inserção de seus produtos agrícolas tradicionais no mercado.
É necessário aprofundar os conhecimentos sobre os produtos da sociobiodiversidade
da TIARG e incentivar o retorno das famílias indígenas às práticas e saberes de produção e
manejo dos produtos extrativistas, como óleos vegetais, que estão sendo perdidos.
Também será favorável incentivar a implantação e difusão de tecnologias sociais
(tecnologias de baixo custo e com alta adoção por comunidades) voltadas para o manejo,
beneficiamento e aproveitamento dos produtos florestais da TIARG, tendo em vista possibilitar
vantagens produtivas, como aumento da produção, conservação dos recursos e melhoria das
condições do trabalho indígena.
O mel silvestre proveniente de abelhas nativas sem ferrão também apareceu como um
produto da sociobiodiversidade da TIARG com potencial econômico para venda em mercados
externos. Sugere-se a possibilidade de implantação de projetos de meliponicultura nas aldeias
da TIARG, principalmente as do rio Gurupi, onde há maior intensidade de coleta, com vistas à
geração de renda familiar. A meliponicultura visa à produção e comercialização de colmeias (ou
parte delas), mel, pólen, resinas, própolis e outros substratos, como atrativos e ninhos-iscas.
Segundo o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), a criação
de abelhas nativas (melíponas) tem como vantagem o fato de existirem inúmeras espécies
nas diversas regiões do Brasil. O mel produzido tem um valor de mercado que chega a ser dez
vezes maior do que o mel tradicional, a depender da variedade. Além disso, a meliponicultura é
uma atividade sustentável, que não causa impacto ao meio ambiente, e é altamente adaptada
às comunidades tradicionais, assentamentos e cooperativas agrícolas.
90

Também é possível incentivar, entre os indígenas, a criação de animais silvestres em


cativeiro ou em áreas de manejo florestal. Os indígenas mostram ter bastante habilidade e
interesse neste tipo de criação no âmbito do espaço doméstico das aldeias. No entanto, é
necessário o repasse de informações e assistência técnica especializada. A criação de animais
silvestres em cativeiro é uma opção para a preservação das espécies na natureza, evitando
sua extinção, assim como sua prática pode favorecer a economia indígena e a segurança
alimentar na TIARG. A prática requer uma série de cuidados especiais por parte do criador. Esta
assistência técnica poderá vir de órgãos de governo, como a Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária e a Universidade Federal do Pará, que já têm ações técnicas e científicas
consolidadas nesta direção, como a implantação de projetos de criação da paca e do caititu.
Também há informações técnica disponíveis na internet sobre a criação de anta, jacaré e
quelônios, dentre outros animais.
É preciso estimular, no âmbito das aldeias, a produção de mudas e a coleta de sementes
de espécies florestais com vistas ao reflorestamento da TIARG na área que foi definida pelos
indígenas, durante a Oficina do Etnozoneamento, como Zona de Recuperação. Também é
preciso considerar a possibilidade de venda das mudas e sementes considerando-se a demanda
de mercado que deverá se formar frente à grave situação de passivo ambiental existente em
toda a região do nordeste paraense. A TIARG, por ser o último contínuo florestal do nordeste
do Pará legalmente protegido, é um banco genético de árvores matrizes e sementes florestais
e tem grande potencial para viabilizar a produção de mudas. Também será favorável incentivar
o fortalecimento da cadeia produtiva de sementes e mudas florestais provenientes da TIARG e
propiciar a capacitação indígena para o manejo florestal, a fim de viabilizar novas perspectivas
de geração de renda nas aldeias.
Será interessante a criação do selo indígena3 Tenetehara para estes produtos provenientes
da TIARG, com vistas a sua valorização, melhor precificação e inserção em redes de economia
solidária, para propiciar a geração de renda, mesmo que não seja contínua, aliada à valorização
cultural. Para os Tembé, principalmente os do Gurupi, a geração de renda provinda do manejo
de produtos florestais, mesmo descontínua, será positiva, face ao cenário econômico atual em
que estão inseridos os indígenas.
A cadeia produtiva do artesanato da TIARG também deve ser fortalecida, atentando-se
para a conservação florestal e cultural. Será positiva a viabilização do inventário completo e a
catalogação das peças artesanais produzidas na Terra Indígena, bem como a elaboração de
um plano de negócios para esta atividade. Entidades governamentais e não governamentais

³O que é o Selo Indígena?

O Selo "Indígenas do Brasil" é um mecanismo de identificação de origem da produção


agrícola e extrativista oriunda de terras indígenas. O selo será concedido pelo Ministério do
Desenvolvimento Social e Agrário a produtores, cooperativas e associações de produtores
indígenas que exerçam suas atividades em terras indígenas que estejam pelo menos delimitadas.
Este selo é importante para as comunidades indígenas porque certifica a procedência do produto
e garante a confiabilidade socioambiental aos compradores, agregando valor aos produtos.
A FUNAI publicou uma cartilha na internet onde explica os passos para a solicitação do selo. O
acesso é feito no endereço: http://www.funai.gov.br/arquivos/conteudo/cgetno/pdf/Cartilha%20
Selo%20Indigenas%20do%20Brasil.pdf
91

podem apoiar o melhoramento da produção do artesanato e viabilizar o fortalecimento das


organizações indígenas.
O desafio do melhoramento da produção e comercialização dos produtos indígena da TIARG
também passa pelo fortalecimento da organização social e política dos indígenas (Figura 43), como a
que, como comentamos anteriormente, tem sido impactada pela situação de contato dos indígenas com
madeireiros locais. A região do Guamá possui algumas associações indígenas, como a Associação
do Grupo Indígena Tembé das Aldeias Sede e Ituaçu e até uma cooperativa de venda dos produtos.
No entanto, será necessário, para o futuro, ter melhores conhecimentos sobre o funcionamento
dessas organizações e o estado da arte de suas ações. A região do rio Gurupi possui apenas uma
associação indígena criada no papel, ligada à aldeia Cajueiro, mas que não tem sido desenvolvida pelos
comunitários. Os indígenas desta região não têm experiência alguma com processos associativos.
De outro lado, os indígenas das duas regiões ainda não implantaram mecanismos eficazes
de governança e participação política e social de tomada de decisões que possam favorecer
ações articuladas de gestão ambiental e territorial entre as aldeias das duas regiões da TIARG.
O estabelecimento de mecanismos eficazes de governança da TIARG como a formação de
conselhos indígenas de mulheres, idosos e velhos, deverá ser um investimento positivo para
o fortalecimento social, econômico e cultural da Terra Indígena, com vistas ao melhoramento
das atividades de gestão ambiental e territorial.

Figura 43 – Cooperativa Agropecuária Indígena da região do rio Guamá: horizontes para a comercialização
dos produtos da agricultura indígena.
92

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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e Ambiental em Terras Indígenas. Brasília: GIZ/Projeto GATI/FUNAI, 2014.
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SHANLEY, P.; MEDINA, G. (eds.) Frutíferas e plantas úteis na vida amazônica. Belém:
CIFOR, Imazon, 2005.
94
95

CAPÍTULO 4
MANIFESTAÇÕES CULTURAIS:
KÀWI'U HAW E WYRA'U
HAW (FESTA DO MINGAU E
FESTA DO MOQUEADO)

Claudia Maria Carneiro Kahwage


Gilberto Bezerra Mendonça
96

1. INTRODUÇÃO
A conservação cultural, no que diz respeito à manutenção de rituais e costumes festivos do
povo Tembé-Tenetehara, é um dos grandes desafios aos jovens indígenas da Terra Indígena Alto
Rio Guamá (TIARG). A este desafio se somam, ainda, as dificuldades na luta pela sobrevivência
e pelo domínio de seu território e a necessidade de se conservar o patrimônio ambiental,
incluindo-se a rica biodiversidade, em aliança recíproca com o cultural.
Os rituais que fazem parte do patrimônio cultural de um povo são encenações das
histórias vividas pelos ancestrais: os mitos. Por meio da participação em rituais, indivíduos de
uma determinada sociedade são coagidos a assumirem condutas que normalmente regem
seus comportamentos e que os levam a reproduzir situações “estáticas” do seu meio social,
onde estão imersos regulamentos, instituições e coerções sociais que são reafirmados e
propagados perante os membros de um grupo no âmbito da celebração (SILVA; LUDORF,
2012). Na realização dos rituais afloram, por meio de encenações das histórias vividas pelos
ancestrais e suas práticas simbólicas, o acervo de saberes, as práticas culturais relacionadas
aos diversos temas da vida cotidiana e a visão ou a divisão de mundo de um povo. Os mitos
e rituais que possibilitam essas encenações estão relacionados com os temas que sempre
deram sustentação à vida humana, que construíram civilizações e informaram religiões através
dos séculos, além dos profundos problemas interiores que passa cada ser humano vivente e
dos profundos mistérios e limiares da travessia da vida humana. Estes são a herança valiosa
do conhecimento deixado pelas gerações ancestrais para serem o guia das trajetórias de um
indivíduo no mundo em que vive (CAMPBELL, 1990).
A celebração cerimonial das várias etapas dos rituais Kàwi'u haw, ou Festa do Mingau,
e Wyra'u haw, ou Festa do Moqueado, como são chamados atualmente, consiste num festejo
religioso, a única prática ritual festiva genuinamente ancestral que ainda persiste na TIARG. É
possível afirmar que estas festas são a mais importante manifestação cultural Tembé-Tenetehara
e ensejam todo um belo complexo de rituais de passagem e iniciação das meninas e meninos
para a vida adulta, ou o “formar-se Tembé”, que vem sendo reproduzido de maneira alegre
e comemorativa de geração em geração, tanto na região do rio Guamá quanto na região do
rio Gurupi. Não só a cultura e a identidade deste povo são reafirmadas a cada realização das
etapas destes rituais, mas também a sua religião ancestral e a própria compreensão de mundo
(cosmologia) vivida pelos indígenas e para os indígenas.
De acordo com os próprios Tembé, na ocasião destes festejos, que trazem em si revelações
de alegrias do ser indígena, os espíritos dos antepassados ou dos parentes já falecidos também
acabam por ser atraídos, manifestando-se e participando da “brincadeira” junto com seus entes
queridos que estão neste plano material, de forma que a Kàwi'u haw e a Wyra'u haw também
se configuram como “culto aos antepassados” (LINS, 2014), um momento especial de recepção
social de seus ensinamentos.
Lins (2014) também afirma que as celebrações festivas na cultura ancestral Tenetehara
estavam relacionadas com o agradecimento à divindade Maíra, responsável pela criação de
todas as coisas que existem no mundo, tudo que lhes foi concedido pela mãe terra, a mãe
natureza e os astros. No passado, por meio da realização de festejos como a Festa do Milho,
a Festa do Mel e outros rituais, os indígenas agradeciam anualmente pelas boas colheitas,
97

pela pescaria, as caçadas e os filhos com saúde. Hoje, estas festas já não são realizadas pelos
Tembé, talvez porque a fartura do passado já não exista mais, a caça está escassa e a floresta
e os rios ameaçados. No entanto, a realização do Kàwi'u haw e do Wyra'u haw ainda persiste
com toda a força e alegria do povo Tembé, de maneira que eles têm conseguido organizar e
possibilitar a reprodução de sua cultura.
Atualmente, os Tembé realizam outras festividades de influência não indígena. Lins
(2014) elencou várias festividades de influência da igreja católica realizadas na TIARG, como
a Festividade de São Raimundo Nonato, que geralmente ocorre no mês de setembro, na
aldeia São Pedro; a Festa/Festividade de São Benedito, que ocorre na região do rio Gurupi,
geralmente no mês de dezembro; e, mais recentemente, o 2º Círio de Nossa Senhora do
Perpétuo Socorro, que acontece no mês de novembro, na aldeia Sede, região do rio Guamá.
O pesquisador também pôde perceber a presença de manifestações sincréticas festivas de
influência afro-religiosa, como a Pajelança, a Umbanda, a Pena e o Maracá, realizadas na
região do Guamá, sendo que a festa principal se dá no dia 1º de maio, existindo outras festas
paralelas (LINS, 2014).
Neste capítulo, descrevemos, com o horizonte de influenciar seu fortalecimento constante
e sua vivacidade e realização ao longo das gerações indígenas futuras, alguns aspectos do
processo ritual festivo que fundamenta e dá alicerces à cultura do povo indígena Tembé, o
Kàwi haw e o Wyra'u haw, ou a Festa do Mingau e Festa do Moqueado. Temos, também, a
intenção de incentivar os órgãos governamentais e não governamentais municipais, estaduais
e federais a investir na realização desta importante festividade que faz parte do patrimônio
cultural do nosso país e que necessita ser reconhecida como tal.
Considerando a grande importância das práticas simbólicas e materiais existentes nestas
festas, achamos interessante apresentar todas as etapas deste complexo rito de passagem e
de iniciação das meninas e meninos para a vida adulta, pois seus símbolos e significados são
profunda e sagradamente cruciais na constituição do ser indígena Tembé e no seu processo
de afirmação e reconhecimento social.
Para escrever este artigo, pudemos participar parcialmente e fazer o registro audiovisual e
fotográfico da realização de quatro festejos: a Festa do Mingau, ano de 2014, na aldeia Cajueiro,
região do rio Gurupi; a Festa do Moqueado, aldeia Itaputyr, no ano de 2013, na região do rio
Guamá; e outras duas Festas do Moqueado realizadas na aldeia Teko Haw, região do Gurupi,
nos anos de 2012 e 2016. Recorremos, também, a leituras bibliográficas, principalmente da
excelente dissertação de mestrado em teologia do pesquisador Paulo Lins Dax Reis, defendida
em 2014, na Universidade do Estado do Pará, e as entrevistas filmadas com os seguintes
indígenas: Seu Moreira (pajé), Dona Brasilice Tembé, Dona Célia Tembé, Zeca Tembé e Seu
Lorival Munduruku.

2. FESTA E AFIRMAÇÃO DA IDENTIDADE ÉTNICA: CAMINHOS DA


CONSERVAÇÃO CULTURAL E DA BIODIVERSIDADE.
A realização dos festejos indígenas favorece o fortalecimento social de seu povo e reflete
a real necessidade de afirmação étnica perante seus membros e perante a sociedade não
98

indígena envolvente, que muitas vezes lhe é hostil e que lhes imprime constantes ameaças.
A preservação ou, ainda, a expansão desses ritos e costumes imersos em festividades são
identificados como processos de ação política desse povo indígena e como premissas primeiras
para a conservação da identidade étnica e sua relação com o domínio do território. Assim, Festa
da Menina Moça, como aspecto cultural do povo Tembé, ganha, na atualidade, significados
políticos importantes dentro dos processos de (re)organização e luta pelo domínio do território
indígena e também reafirma a necessidade de conservação da natureza e de retomada e
manutenção das manifestações culturais que são influenciadoras dos papéis sociais das jovens
mulheres e dos jovens homens indígenas.
Ao reconhecermos a presença de atores sociais não indígenas no território indígena,
sejam colonos, madeireiros ou pecuaristas, não podemos perder de vista a reconfiguração
cultural viabilizada pelo processo de relacionamento com a sociedade não indígena envolvente
e envolvedora. A transculturação (LINS, 2014) sofrida pelos indígenas da TIARG é um reflexo
da situação de ameaça à integridade de seu território e à conservação da floresta e de seus
elementos biológicos e, como tal, representa um sinal importante de alerta, uma vez que a
escassez de animais de caça e o desmatamento refletem negativamente na manutenção das
práticas culturais, incluindo as práticas festivas. Como diz Dona Célia Tembé:

Com o aumento, assim, da queimada, a gente já não se ouve mais o canto


da cigarra e elas nos avisavam quando a chuva tava para chegar. O tempo
já não é mais o mesmo como antigamente e os rios estão secos, dificultando
nossa pesca, nossa alimentação, nossa sobrevivência, sabe?

No caso da Festa da Menina Moça, processo ritual que dá ensejo à realização da Festa do
Mingau (Kàwi'u haw) e da Festa do Moqueado (Wyra'u haw), a representação da alimentação,
provinda como dádiva da relação dos indígenas com o mundo natural nos ritos e costumes
da festa, é enfraquecida pelo desmatamento persistente, que tem impacto sobre a fauna e
flora local e, consequentemente, sobre a alimentação dos indígenas. A garantia da realização
da festividade se dá pela garantia da alimentação dos convidados que, atualmente, não se
suporta mais somente com alimentos provenientes da natureza ou cultivados pelos indígenas,
pois os animais tipicamente caçados pelos indígenas já estão ficando escassos na mata e não
são suficientes para alimentar, por sete dias (período que dura uma das festas), os parentes
indígenas de várias aldeias ou mesmo os convidados de outras terras indígenas próximas.
Hoje em dia, a festa só pode acontecer pela inserção de alimentos não indígenas, como a
carne de boi comprada do vizinho fazendeiro, o arroz, o macarrão e o bolo, todos elementos
da cultural alimentar não indígena.
Os costumes praticados pelo povo Tembé ficam na memória de todos que presenciam, em
algum momento, essas práticas ritualísticas culturais engendradas de magias e sacralizações,
ligadas ao mundo sobrenatural. É por meio das convicções e vontades de perpetuar as tradições
do povo que os mestres da cultura indígena ainda cuidam da realização da festa e lutam por
sua manutenção. É pela resistência política de determinados indivíduos comprometidos que a
cultura indígena Tembé-Tenetehara é reproduzida e experimentada por todos que participam
desses rituais.
99

Sobre todos os esforços feitos pelas lideranças indígenas para proteger seu patrimônio
cultural e natural, é oportuno dizer que os indígenas que realmente estão resistindo e lutando
pela conservação da floresta, fazendo uso favorável dos elementos da natureza e contribuindo
para a preservação da diversidade biológica, são os mesmos que estão à frente da organização
e perpetuação das tradições culturais, dentre elas a Festa da Menina Moça. Estes são
verdadeiramente os mestres da cultura indígena Tembé-Tenetehara. Dentre eles, citamos,
com a maior admiração, o último pajé da região do rio Gurupi, Seu Moreira Tembé, habitante
da aldeia Teko Haw, conhecedor da sabedoria indígena, puxador dos cantos sagrados e figura
cerimonial imprescindível à liturgia da festa. O pajé é o elemento de ligação entre o mundo
natural e o mundo sobrenatural. Comprometido com sua ancestralidade, Seu Moreira, apesar
de idoso, é capaz de passar noites inteiras em transe, a entoar o canto poderoso dos Tembé e a
mediar a relação do mundo natural, onde estão inseridos os animais humanos e não humanos,
com o mundo sobrenatural da “biodiversidade de espíritos” (LINS, 2014).
A Dona Célia Tembé, cacique da aldeia Ka’a Pite Pe Har, sempre preocupada com a
manutenção de vários aspectos da cultura Tembé, incluindo a língua, está constantemente
engajada em ser uma das organizadoras da Festa da Menina Moça, ocupando o lugar de
“frenteira” da festa. Dona Brasilice Tembé, mestre e liderança da cultura ancestral Tenetehara,
também está sempre disposta a fazer acontecer a cerimônia festiva de iniciação das moças
e meninos.
Os mitos e, portanto, os ritos de uma sociedade, devem ser mantidos vivos, pois sua
perda significa a perda de saber acumulado por gerações. As pessoas capazes de realizar
a manutenção dos mitos são os artistas, de um tipo ou de outro. A função do artista é a
mitologização do meio ambiente e do mundo (CAMPBELL, 1990). É preciso, em primeira ordem,
que as políticas públicas possam viabilizar o reconhecimento e valorização de todos os artistas
mestres da cultura indígena Tembé-Tenetehara, incentivando-os moral e economicamente,
para possibilitar o fortalecimento e a conservação do patrimônio cultural material e imaterial
que perpassam por seus conhecimentos. As políticas públicas culturais dos municípios, do
Estado do Pará e da União devem favorecer esta resistência, de modo a garantir o que lhes é
de direito e o que lhes pertence, de acordo com o que está previsto na Constituição do Brasil.

Seu Moreira Tembé Dona Brasilice Tembé Dona Célia Tembé


100

Durante todo o cerimonial da Festa da Menina Moça, na dança, nos cantos, na pintura
corporal, na gastronomia, no cenário e nos adornos corporais, vamos observar a ligação profunda
que os Tembé constituem com a floresta e e com os elementos de sua biodiversidade. Os
elementos rituais da festa da moça tornam-se um instrumento de socialização e transmissão das
práticas e posturas que os indivíduos, tanto do sexo feminino quanto masculino, devem assumir
perante a vida adulta, de responsabilidades e compromissos sociais, numa demonstração da
crença e afirmação dos costumes e papéis de gênero do povo.
Segundo Wagley e Galvão (1961), nos idos da década de 1940 o povo Tenetehara ainda
chamava a cerimônia de Wyra'u haw, ou “Pequena Festa do Moqueado”. À época da pesquisa, os
antropólogos observaram que, “embora os homens cumprissem um papel importante na logística
e na liturgia da festa, esta era uma celebração dirigida pelas mulheres e para as mulheres”,
distinguidas, pelos pesquisadores, como figuras centrais na tarefa de gerar vidas saudáveis, de
constituir famílias e, assim, contribuir decisivamente com a continuidade de um povo e de sua
cultura, elemento que atualmente é importante “porque se agrega às reivindicações pelo direito
de permanecerem em determinado território e fazer uso de seus recursos” (PONTE; AQUINO,
2013). Na atualidade, os meninos também participam da liturgia da festa e são integrados de
maneira eficiente ao ritual de passagem das meninas. A comunidade toda mobiliza outras famílias
das terras indígenas num chamado que será mais um passo na manutenção da tradição dos
Tenetehara. Porém, são as meninas o centro de toda a celebração.
Célia Tembé também relatou que alguns anos atrás houve a iniciativa de realizar uma festa
Wyra'u haw direcionada especialmente às crianças. Esta era uma festa realizada com bastante
frequência no passado longínquo, na qual as famílias encomendavam às divindades proteção
para seus filhos contra as ameaças sobrenaturais da floresta, pois, segundo os indígenas,
ela abriga entidades que podem encantar, trazendo malefícios à saúde dos pequenos. A festa
Wyra'u haw das crianças atendia a todos os ritos antigos, como a pintura corporal, cantos e
tradições, e era realizada para que a criança pudesse comer determinados alimentos, andar
pela florestal em segurança e ser uma boa caçadora, com uma vida saudável (LINS, 2014).
Na atualidade, as crianças passam por uma preparação protetiva, mas não festiva. As
mães amarram aos cabelos de seus filhos, principalmente os bebês, uma pequena pena de
arara-vermelha, uma espécie de amuleto (purang) que os protege do “mau-olhado”, um feitiço
enviado intencionalmente por outra pessoa, provocando doenças repentinas nas crianças
(Figura 44). Para eles, o espirito da arara-vermelha irá proteger a criança dos malefícios.

Figura 44 – Crianças com amuletos feitos com penas de arara-vermelha, para proteção contra "mau-
olhado".
101

3. ETAPAS DO RITUAL
Os ritos da Festa da Menina Moça passam por três momentos importantes. Primeiramente,
é realizada uma cerimônia familiar para a primeira pintura corporal ritual das meninas. Estas
devem ficar confinadas numa espécie de cabana ou tocaia, onde ficam reclusas até o segundo
momento ritualístico e festivo, a cerimônia chamada de “Festa do Mingau” (Kàwi'u haw). Por
fim, é realizada a Festa do Moqueado (Wyra'u haw), a cerimônia principal, “o grande dia”.

3.1. Reclusão e Primeira Pintura Corporal: Purificação do Corpo

As atividades dos rituais de passagem começam na ocasião em que a menina tem sua
primeira menstruação (menarca) e, com ela, a possibilidade de gerar uma nova vida em seu
útero; a maneira como uma menina “se forma”, como se referem os indígenas, para ser mulher.
A ritualística, segundo Zeca Tembé, da aldeia Cajueiro:

Começa assim: quando a menina se forma pela primeira vez, né? Aí a mãe e
o pai coloca ela numa tocaia (confinada). Aí fica alguém lá com ela e levam
comida e água pra ela. Ela fica lá com alguém dormindo com ela. Daí, quando
ela fica “boa”, aí que vai fazer a festa do mingau, onde se reúne a mãe, os
avós e as comunidades, né? Aí vão buscar mandiocaba, buscar “macaxeira”
na roça pra fazer o mingau, ralar mandiocaba pra fazer o mingau e passam
o dia trabalhando a moça e à noite nós vamos cantar, todo mundo junto, e é
uma alegria, né? Uma alegria muito grande, onde ela vai começar a assumir
a responsabilidade da adolescência pra formar adulto. Aí ela faz o mingau
dela e a gente canta.

Para os meninos, a chegada da puberdade, referência para a passagem para a vida adulta, é
denunciada pela mudança na tonalidade de voz, prenunciando a necessidade da sua participação
no ritual de passagem. Por meio deste ritual, são instruídos de suas responsabilidades para
com as moças e vão fazer-lhes companhia durante todo o ritual. Eles também têm que seguir
as regras que lhes são impostas pelo pajé e outros orientadores da cerimônia e possuem papel
relevante nos rituais (LINS, 2014). No entanto, as meninas possuem um destaque especial e
principal nesta celebração, uma vez que é a elas atribuído o dom divino da reprodução da vida.
Após a menstruação, a menina é submetida à reclusão social e a proibições alimentares
que visam preservá-la dos perigos do mundo espiritual e, através de uma espécie de encenação,
possibilitar a preparação para uma nova vida de responsabilidades e também de sofrimentos,
um novo estágio de sua existência social.
Na ocasião, seu corpo é todo pintado com o sumo do fruto do jenipapo (Jenipa americana)
para que sua pele fique toda corada de negro por alguns dias e, assim, possa realizar um
processo de purificação (Figura 45), "o que garantirá efeito terapêutico de proteção contra
a ação dos espíritos errantes (espíritos dos mortos), do dono da água (Iwán) e da floresta
(Marana-ywa)” (PONTE; AQUINO, 2013). Como comenta Zeca Tembé:
102

"[...] pra fazer a brincadeira junto com ela, tem de resguardar esse período
todinho e aí ela não come anta, caça grande de jeito nenhum ela não come e
ela vai começar a comer aquelas comidas bem leves."

De acordo com Lins (2014), o estado de reclusão da menina-moça (Figura 46), a tocaia,
o ambiente escuro a que ela é submetida a permanecer durante dias e a pintura corporal,
também escura, representam o desafio que ela passará a enfrentar pela frente, como um
caminho de dificuldades da vida que terá sempre que aprender a encarar. O lado obscuro da
vida é apresentado simbolicamente a esta moça, onde melancolia, solidão, tristeza e paciência
são situações que terá que vivenciar e enfrentar para ter uma vida melhor. Ela também é
submetida, por sua mãe, ao aprendizado de práticas gastronômicas e de confecção de adornos
corporais, como cocares (capacetes, como chamam os Tembé) e colares, preparativos ao seu
embelezamento na Festa do Moqueado. A mãe também lhe ensina comportamentos que deve
adquirir para ser uma boa mulher indígena. Durante a reclusão, o algodão é utilizado como
um remédio. Ele é queimado e passado na sola dos pés da moça para que nenhum bicho –
espírito do chão, como cobra de duas cabeças, lagartas e outros que rastejam – se aproxime
e a moça fique encantada ou doente (LINS, 2014).

Figura 45 – O jenipapo (Jenipa americana) inteiro (à esquerda) e, depois de descascado, sendo ralado
para preparar a tintura que irá corar de negro a pele das meninas (à direita).

A menina sai da reclusão quando a tintura do jenipapo desaparece completamente de


seu corpo, situação que simboliza a sua purificação, ocorrendo, assim, a sua liberação para o
ritual da Festa do Mingau, quando será colocada a foco sua nova situação social. De acordo
com Brasilice Tembé:

A menina fica lá dentro (da tocaia). Aí eu pego o algodão e boto na peneira (nós
chama de Wyrupenitu) Aí ela vai descaroçar o algodão lá e com cinco dias ela
pode sair fora e a gente vai bate lá atrás da tocaia e ela corre e não volta mais,
não. Aí ela vai tomar um banho e depois a gente vai fazer o mingau, que é a
cachaça que nós chama da mandiocaba. A gente rala a mandiocaba pra tirar
a garapa dela, pra botar milho, pra fazer o mingau. Quando terminar o mingau,
aí de noite a gente vai cantar pra “inaugurar” ela, pra dizer que ficou moça e
todo mundo fica alegre, aí ela vai dar a cachaça dela para o pessoal na festa.
103

Figura 46 – Menina-moça em situação de reclusão na aldeia Suçuarana, em 2012.

Portanto, depois da reclusão, o próximo passo é a realização da Festa do Mingau (Kàwi'u


haw) ou a cachaça da menina. A Festa do Mingau é o momento de preparação para uma vida
saudável, de fertilidade e de boas vibrações, para chegar à vida adulta. O oferecimento do
mingau, que antecede a Festa do Moqueado, é importante para que a moça tenha sorte e
saúde para a próxima etapa de vida, a vida de mulher adulta, bem como para prepará-la para
ser cordial e hospitaleira com parentes convidados que receberá durante a festa e durante
sua vida de mulher indígena.
A partir do período da tocaia, a mãe da moça, em colaboração com seus familiares e
com a comunidade da aldeia, vai organizando a Festa do Mingau e confeccionando as cuias,
nas quais será servida a comida feita a partir da mandioca. A confecção das cuias é feita pela
mãe da menina durante seu tempo de reclusão. As cuieiras são geralmente plantadas no
entorno das casas. No entanto, nem todas as aldeias tem cuieiras em abundância. Por vezes,
é necessário se dirigir a outras aldeias para conseguir as cuias. Houve relatos de mães que
foram até aldeias indígenas do Maranhão, junto aos parentes Guajajara, para conseguir cuias
para impressão de grafismos, uma vez que não havia frutos maduros nas cuieiras da aldeia
na menina.
Considerando sua importância e presença em quase todos os momentos da vida deste
povo indígena, a simbologia representada nas cuias, principalmente em seus grafismos, é
sagrada. Os ciclos lunares, por exemplo, são representados nos grafismo das cuias e nas
pinturas corporais (LINS, 2014) e expressam saberes ancestrais importantes sobre os ciclos
da natureza contidos no ritual, uma vez que a pintura da lua é usada para marcar os momentos
de transição na vida cotidiana indígena (NEVES; CARDOSO, 2015). Os rituais de passagem
devem acontecer quando a lua está crescendo, para que sua energia dê sorte ao casal iniciado.
O grafismo das cuias e da pintura corporal não traz a representação da lua cheia, pois, segundo
a tradição ancestral, a vida se encarregará de completá-la (ibidem).
As cuias são usadas no cotidiano indígena como utensílio doméstico e também para
confecção do maracá, instrumento musical cuja sonoridade traz o diálogo com as divindades.
“A cuieira, uma árvore cujo fruto é a cuia, é considerada por alguns pajés o local de “morada de
espíritos”. O fruto da cuieira confeccionado, ornamentado e transformado em cultura material
recebe consagração das mãos de quem a confeccionou” (LINS, 2014). Os maracás são
instrumentos importantes da musicalidade Tembé e estão presentes em todos os momentos
festivos da Festa da Menina Moça.
104

Logo após o término do período de reclusão, a menina moça é apresentada ao menino que
irá lhe fazer companhia nas festas posteriores. As mulheres “frenteiras” reúnem os habitantes
da aldeia para fazer a programação da Festa do Mingau, que durará dois dias, normalmente
um final de semana. Marcam a data, combinam com o pajé e fazem os convites a parentes de
outras aldeias, que virão contribuir nas cantorias e nos outros preparativos da festa (LINS, 2014).

3.2. Festa do Mingau (Kàwi'u haw): Segunda Pintura Corporal, Servidão e Hospitalidade

A Festa do Mingau (Káwi'u haw) é voltada principalmente para as meninas, cuja participação
é cercada de preparações e proibições e enseja o início do processo de sua apresentação
social à vida adulta. Seu comportamento durante o ritual estará voltado à servidão, submissão
e hospitalidade aos convidados, estes vistos como valores primordiais do comportamento das
mulheres indígenas. Os meninos também participam do ritual, mas não estão submetidos à
mesma preparação.
As mulheres pintam o corpo e o rosto da menina-moça em homenagem aos espíritos
da mata que participam da festividade. Na língua Tembé, eles são conhecidos por Ka’azar
e são responsáveis, segundo os indígenas, pela proteção do povo e da mata (LINS, 2014).
No rosto, a menina recebe uma pintura que representa a onça, simbolizando que deverá se
tornar uma guerreira destemida e imbuída pelo espirito de coragem e audácia deste animal,
virtudes morais que a mulher indígena também deve constituir na vida adulta. São muitas as
associações e analogias com a biodiversidade florestal presentes nas pinturas corporais dos
Tembé. Segundo Lins (2014), a pintura da onça está ligada ao “mito da origem dos rituais”.
O corpo da menina moça é pintado com grafismos que representam a lua (zahy)
crescente, simbolizando o início de um ciclo de vida. Os Tembé, como outros povos indígenas,
utilizam o referencial das fases da lua para realizar suas práticas agrícolas, determinando, de
acordo com elas, a época de plantio e de colheita, bem como a época de realizar melhorias
na produção e o controle natural das pragas (AFONSO et al., 1999). O período da lua nova
é quando realizam com melhor efetividade atividades como caça, plantio e corte de madeira.
De acordo com os indígenas, durante a lua cheia, devido ao aumento da luminosidade, os
animais se tornam agitados, dificultando a caça (AFONSO et al., 1999). Fazia parte da tradição
dos antepassados o hábito milenar de estudar e guiar-se pelo céu, sendo que cada fase de

Figura 47 – Espaço das Ramadas.


105

Zahy representa a passagem de algo que pode ser feito na terra (LINS, 2014). De acordo
com os ensinamentos da astrologia, a fase da lua nova é ideal para a realização de rituais de
continuidade e crescimento.
A Festa do Mingau é realizada nas ramadas das aldeias, espaço construído para realização
de atividades coletivas (Figura 47). A menina-moça deve mexer o mingau continuamente, para
não queimá-lo. Sob o aspecto psicológico do desafio que é colocado a ela, deverá manter-se
em total equilíbrio emocional e isso deve ser posto em evidência durante os cuidados que
terá com o preparo do mingau. O domínio da situação deverá sinalizar que a menina está
em harmonia e paciência, estado de espíritos necessários aos deveres e compromissos que
deverá adquirir em sua vida adulta. Após o término do cozimento, como forma de simbolizar
purificação e proteção contra doenças, a menina deve abrir suas pernas sobre a panela de
mingau para vaporização de suas partes íntimas, chegando o vapor até seu rosto (LINS, 2014).
Na ocasião da organização da Festa do Mingau, a menina-moça é encarregada de fazer
e servir o mingau para os convidados, tendo o auxílio de toda a família durante a preparação
(Prancha de Fotos 1). A mandioca é lavada, descascada, ralada e depois cozida para o preparo
do mingau. Este é servido aos convidados, ao longo da noite, nas cuias ornamentadas. Os
indígenas de todas as aldeias, e também os não indígenas, são convidados a beber o mingau
e a celebrar, por meio de danças e cantos.
Durante a realização da Festa do Mingau, a menina deve ser submetida a provações
que irão lhe fortalecer enquanto mulher indígena. É obrigada a pisar e amaçar, com a planta
dos pés e calcanhares, pedaços quentes de mandioca, macaxeira ou jerimum cozidos e bem
moles. A menina não pode puxar os pés e deve aguentar a dor, conforme deve proceder nos
momentos do parto. A menina também deve chutar fortemente a quina da barraca onde está
sendo preparado o mingau e, na ocasião, ela não pode chorar ou demostrar que está sentido
dor. Deve aprender a conviver com a dor e com os infortúnios que surgirão ao longo de sua
vida. Também deve suportar, sem queixa, um beiju (espécie de pão indígena feito de amido
de mandioca) quente na cabeça, para se prevenir-se de cabelos brancos precoces (ibidem).
A cerimônia é embalada pelos cantos tradicionais que são conduzidos pelo pajé, na
língua Tembé. O pajé, que canta a noite toda, é auxiliado por um coro de vozes masculinas e
femininas, sendo que os homens tocam com afinco os maracás enquanto cantam a música e
as mulheres cantam o refrão, fazendo o coro de vozes femininas.
Os indígenas de várias idades, animados pela alegre cantoria, dançam geralmente em
pares, fazendo círculos ao redor da ramada. A dança é vigorosa e envolvente por seu aspecto
circular. A festa termina ao amanhecer do segundo dia, geralmente na segunda-feira, quando
o pajé, os cantores, os convidados e a comunidade indígena saem da ramada e celebram com
cantos o nascer do novo dia, agradecendo a presença do kwarahy (sol).
A Festa do Mingau é a parte inicial da celebração de iniciação da menina e do menino
na vida adulta. A passagem se completa somente após a realização da Festa do Moqueado,
outra festa importante e estrutural da cultura dos índios Tembé, que acontece alguns meses
após a realização da Festa do Mingau.
As festas, tanto do Mingau quanto do Moqueado, possuem um caráter fundamentalmente
106

Prancha de fotos 1 – Preparativos da Festa do Mingau, que envolve toda a família da menina-moça.
A pintura corporal da moça simboliza a pele da onça, preparando-a para ser uma mulher indígena tão
forte quanto este animal.
107

mágico-religioso, relacionado com a cosmologia dos Tembé, a forma como eles veem, sentem
e se relacionam com o mundo e o meio ambiente que os circunda. As meninas e meninos são
preparados para enfrentar a vida adulta, tendo contato e sendo iniciados também no mundo
sobrenatural, que deve ser vivenciado com crença, ritualística e seriedade pelos indígenas. Os
Tembé têm como elementos atuantes em sua vida social os espíritos e entidades que vivem
na floresta, bem como parentes queridos que já se foram desta vida material e hoje habitam
o universo sobrenatural dos encantados.
Após a realização da Festa do Mingau, seguem-se os preparativos para a realização da
Festa do Moqueado (Wyra'u haw). As mulheres “frenteiras”, responsáveis pela organização
da festa, e as mães das meninas se responsabilizam pela confecção dos adornos plumários
e vestimentas que embelezarão o corpo das meninas e dos meninos.
Fica sob responsabilidade dos homens das aldeias a busca pela caça que será usada para o
preparo do moqueado, servido durante a festa. Os homens ficam de 10 a 15 dias na floresta
caçando animais como porcão, nambu, macaco guariba e mutum, que são elementos significativos
da biodiversidade na tradição realizada por seus ancestrais. Daí vermos o quanto é importante
manter e cuidar da biodiversidade, não somente para as cerimônias religiosas, mas também
como forma de preservar as tradições culturais do povo Tenetehara.

3.3. Festa do Moqueado (Wyra'u haw): Terceira e Quarta Pintura Corporal e


Passagem para a Vida Adulta

Após a Festa do Mingau, começam, finalmente, os preparativos para o mais esperado


momento de todo o festejo, que completa a ritualística de passagem para vida adulta, onde as
meninas-moças e os meninos vão dar mais um passo em suas vidas e ao legado da cultura
Tenetehara, a Festa do Moqueado (Wyra'u haw). A festa é denominada desta maneira por ter
como alimento ritual oferecido aos iniciados e convidados animais específicos (mamíferos e
aves) que, depois de caçados, são submetidos ao processo de moquém para conservação
da carne, prática alimentar muito comum em locais em que não há meios de refrigeração.
As carnes são pré-assadas em uma grelha feita de galho de árvores e raízes úmidas que é
colocada sobre o fogo, algo igual ou semelhante à defumação.

3.3.1. Iniciação ao Culto e a Sacralização da Biodiversidade Local

A festa do moqueado tem duração de sete dias. Geralmente começa na segunda e termina
no domingo. Durante todos os dias da “brincadeira” são entoados cantos e são realizadas
práticas alimentares e festivas que fazem o culto e a reverência aos animais da floresta – como
a borboleta, o macaco guariba e uma diversidade de aves, como bacurau, arara e mutum –,
além de espíritos e divindades da floresta e dos rios. O maracá é o único instrumento musical
usado para dar a sonoridade a estes rituais.
Em diversos momentos da festa os animais são cultuados como símbolos sagrados,
adorados, como emblema ou uma espécie de talismã, amuleto ou purang (na língua Tembé)
pelos iniciados e pela comunidade indígena em geral, que os consideram protetores e provedores
de saberes e qualidade que irão ser úteis durantes toda a vida do individuo. Lins (2014) faz
108

referência à “biodiversidade espiritual” que é louvada pelos indígenas e que participa ativamente
desses festejos.
Neste ritual da cultura Tembé-Tenetehara são evidenciados elementos do totemismo,
uma crença religiosa que utiliza o totem (objeto de veneração e de culto entre um grupo) como
elemento espiritual de adoração e onde existe uma relação próxima e misteriosa entre um ser
humano e um ser natural. É compreensível e favorável à conservação da biodiversidade que
os animais e outros elementos da floresta estejam fortemente vinculados às práticas religiosas e
culturais dos Tembé, pois Campbell (1999), um dos grandes mitólogos da atualidade, assegura
que o meio ambiente tem um efeito importante na formação da história dos povos ancestrais,
caçadores, coletores, povos da floresta e agricultores, que estão integrados em suas paisagens,
fazendo parte de seu mundo cultural e se tornando sagrados a ele.
O agradecimento pelo sacrifício da vida, ou a dádiva oferecida pelos animais aos indígenas,
também é evidente e ritualizado neste festejo. No caso dos animais, que serão as caças
servidas na celebração, o pedido de permissão para caçadas deverá ser devidamente feito pelos
caçadores e, para isso, os indígenas demonstram todo o respeito pelos donos dos animais,
os seres imateriais que vivem na floresta e são seus protetores, como o Curupira, a Matinta
Pereira e os espíritos dos animais, entidades sobrenaturais que vivem na floresta e colaboram
para sua conservação e proteção.
Não é permitido caçar além do necessário para a Festa do Moqueado, sob pena dos
caçadores serem punidos pelas entidades presentes na natureza. No momento da caçada,
realizada previamente à Festa do Moqueado, não podem acontecer desperdícios de comida
e os animais serão caçados dentro das regras dos costumes e da tradição do povo Tembé.

Figura 48 – Preparação da farofa de nambu.

Ritos de passagem e sacrifícios estão presentes em muitas outras culturas, notadamente


dos povos da floresta, e a sacralização está presente, também, na literatura e cosmologia
indígena. O mutum e o nambu, por exemplo, são elementos da gastronomia da Festa do
Moqueado e serão cortados em pedaços e passados na forma de uma paçoca pelo corpo dos
meninos, numa demonstração de que a habilidade dos pássaros irá acompanhar os garotos
durante suas vidas (Figura 48).
É no espaço das ramadas que a cantoria e a dança seguem por sete dias e seis noites
consecutivas. O pajé também é responsável por reger uma orquestra de maracás tocados pelos
109

homens, que já devem ter passado pela iniciação. Além disso, os pajés sustentam a cantoria
da música dos ancestrais e guiam todos os aspectos comportamentais e protetivos necessários
para a boa realização da festa. As mulheres fazem a segunda voz na cantoria e repetem os
refrãos da música. Segundo o estudo realizado por Lins (2014), há músicas que só devem
ser cantadas durante o dia, pois fazem alusão aos pássaros e espíritos que participam nos
rituais diurnos, como papagaios, araras, nambus, ema, aracuã e outras. Pela parte da noite, a
maioria dos cantos é voltada à fauna e flora de hábitos noturnos, como urutaus, pypy (coruja),
bacuraus e outros, uma vez que existem também os cantos voltados a objetos inanimados,
aos espíritos dos antepassados, à capitoa (liderança feminina de uma aldeia) e muitos outros.
O pajé nos declarou que pode cantar a noite toda sem repetir uma única música.
De acordo com Brasilice Tembé, liderança da aldeia Suçuarana:

[...] tem diversas cantigas da noite e tem do dia também [...] é diferente do dia
com o da noite, falam do nome dos pássaros, eles botam versos pras senhoras,
eles botam assim um bocado de versos, dos pássaros, dos macacos, tudo
eles botam versos [...] A festa da moça pra mim é uma grande força que nós
tem dos indígenas, é a nossa cultura.

Ao iniciar a festa, o pajé, como líder espiritual e religioso, irá orientar as meninas e meninos
a respeito do comportamento especial que devem ter durante a realização da cerimônia, para
que não venham a ser contaminados por impurezas ou afetados maleficamente por espíritos
dos antepassados ou espíritos inanimados que vivem na floresta, os karuaras. Após a conversa
com o pajé, eles ficam sentados em um banco posicionado em uma das laterais da ramada.
Com a cantoria iniciada, o casal principal, formado por um menino e pela menina que menstruou
primeiro, é responsável por conduzir a dança, os demais casais e o cerimonial.
A primeira atitude para possibilitar o início do festejo é a defumação do espaço externo
e interno da ramada. Ao longo de toda a festa é realizada a defumação, feita com a resina da
árvore breu-branco (Protium hepytaphyllum) e a casca de outra árvore de nome jutaí ou jabobá
(Hymenaea courbaril), que são colocadas em defumadores feitos de lata. A defumação tem
como propósito afastar os espíritos de entidades brincantes que podem cometer excessos
e acabar por derrubar no chão as pessoas que os incorporam, situação que pode acontecer
durante toda a festividade. Muitas vezes, os próprios iniciados, principalmente as mulheres,
são incorporados por estes espíritos chamados de karuaras. Brasilice Tembé afirma:

A defumação é pra eles se afastarem mais. Se não tiver, aí fica, aí vai na


senhora assim [...] derruba aquele, derruba aquela, aí pronto, fica derrubando
todo mundo. Aí então a gente usa aquele breu pra afastar ele [...] pajé vai ajudar
a menina a tirar a Karuara dela pra ela poder brincar de novo.

O charuto feito da folha da palmeira tawari (Couratari guianensis) e a resina da árvore


breu-branco têm um papel importante para conduzir o rito e sua celebração, possibilitando
sua realização de forma harmônica e equilibrada. O pajé e outros cantadores utilizam, durante
toda a festividade, a fumaça do charuto tawari para espantar os maus espíritos da aldeia, da
mesma maneira que é utilizado para proteger os moradores e todos os convidados presentes
110

na festa, que irá se estender durante toda a semana. Os cantores também trazem consigo
flechas que os acompanham ao longo de toda a cerimônia, talvez simbolizando uma atitude de
proteção contra situações indesejadas. Nos dias da festa, os “espíritos dos mortos” também são
permitidos e convidados a participar deste momento em que os Tembé -Tenetehara celebram
o rito de passagem da moça.
Segundo Seu Moreira, pajé da aldeia Teko Haw (Gurupi), o tawari é usado para fazer
reverência aos que já se foram, mas de alguma maneira estão presentes durante a festividade,
participando através dos vivos. Relatou-nos que:

[...] muita gente eu já derrubei no Teko Haw e eu tenho medo até de cantar,
eu, tenho medo de cantar. É a cultura do meu pai, que era a cultura do meu
avô, a cultura do meu tio... Meu tio sabia cantar. Eu, desde pequenino eu fui
aprendendo com ele, sabe? (...). Eu era perigoso quando eu era novinho, e a
mulher não podia rir de mim que eu jogava a karuara nela e ela ficava gritando.
Aí os mais velhos tiravam ali de mim pra eu não matar ninguém, né? Então por
aí eu to, eu, tô até agora e me considero como pajé, eu, e eu sei de alguma
coisa e eu não sou só. A cantoria é isso.

Dona Brasilice Tembé também nos contou que:

O pajé traz energia e os karuaras, que é tipo uma sombra, é mais quem quer
brincar. Os espíritos que já morreram estão aí, eles gostavam daquelas festas
e é por isso que ele vem e se invoca, por exemplo. Aí quer brincar também! E
pronto! Eles têm mais força que eu. Aí eles me jogam no chão. Aí o pajé vai
e afasta ele e ele sai fora e eu fico bonzinho de novo, porque “eles” estão ali
por perto participando da brincadeira.

As mulheres ficam responsáveis pelo preparo do charuto do tawari, que é um elemento


imprescindível às celebrações (Figura 49). As folhas usadas para sua produção têm que ser
retiradas por pessoas experientes, para que a árvore não seja danificada. O tawari tem um
cheiro forte e seu uso pode afetar não só o plano real e material de vivência, mas também o
plano sobrenatural, pois é através do tawari que o pajé poderá ter certo controle para apaziguar
os karuaras nos momentos em que estiverem “empolgados”, derrubando os participantes que
possuem linha aberta com seus antepassados (LINS, 2014).

Figura 49 – Preparação do charuto do tawari, utilizado durante as celebrações da Festa do Moqueado.


111

Tanto os espíritos dos mortos quanto os espíritos dos seres inanimados da floresta são
convidados a participar da festa e trocar sensações e alegrias com o mundo dos vivos. Por isso,
o entorno da aldeia também tem suas limitações, pois é nesse entorno que muitos espíritos
estão presentes, na entrada da ramada, e, por isso, não deve haver muitas pessoas transitando
ali durante a celebração. O pajé poderá chamar as entidades para participar da festa. Ele tem
o poder de permitir suas participações. Segundo Célia Tembé:

[...] tem a cantiga do pajé que ele chama o bicho d’água, né? O pajé que
chama tanto o da água e chama o do mato né? O que chama a atenção é a
karuara, porque se não tiver a karuara assim, no meio da brincadeira, ela fica
assim, um pouco desanimada. Mas se tiver a karuara, aí anima, né? [...] É o
pajé que chama.

Com a realização dos procedimentos necessários à proteção dos presentes, os casais


de iniciados podem realizar a dança circular típica dos Tenetehara. Nos primeiros dias, o ritmo
da dança é lento, como se estivessem marchando. A partir do segundo dia, os casais aceleram
os passos, pulando em ritmos compassados e mais vigorosos pelos seis dias seguintes da
festa, numa estimativa de oito a nove horas diárias (LINS, 2014). A dança, nesta festividade,
tem um papel fundamental para sedimentar uma liturgia ancestral, favorecendo a ambiência
propícia para submeter as pessoas que participam do ritual a um estado de transe e euforia,
situação que colocará os mais sensíveis – os de linha aberta com os antepassados – diante
de um universo transcendental mágico, conectando-os à ancestralidade perdida.
De outro lado, vamos encontrar muitas reverências aos pássaros e outros bichos nos cantos,
na alimentação, na pintura e durante toda a festa da moça. A presença destas representações
e simbologias nos revela o quanto a ligação com a floresta e sua biodiversidade está presente
na vida e no imaginário ritualístico dos indígenas, desde as relações práticas com a natureza,
até as formas ritualísticas dos costumes inseridos na festa do Wyra'u haw.
Assim, esse belo ritual, dotado de uma linguagem simbólica própria, nos traz o valor e
a riqueza dos conhecimentos ancestrais relacionados com a biodiversidade e nos faz refletir
acerca da resistência cultural imbuída nele e na luta por sua conservação.
Lins (2014), ao entrevistar um pajé da região do rio Guamá, também afirma que as cantorias,
as palavras proferidas pelas músicas cantadas na língua Tenetehara, registram admiração e
respeito à “Mãe Natureza”. No Wyra'u haw tudo está interligado a ela, pois o cumprimento das
regras rituais que estão sendo passadas aos iniciados na cultura Tembé proporciona o canal
a sua conservação.
Seguem as letras de algumas músicas que foram cantadas por Seu Moreira Tembé e
depois transcritas e traduzidas pelo linguista e pesquisador do Museu Paraense Emílio Goeldi,
Dr. Sérgio Meira:

Uru Uru (pássaro)


Uzyty momomor pe wyra Ele (o uru) está mexendo,
uru he a ha hehe ciscando nos pauzinhos do chão
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Zaxiper wà As sobrinhas
Uzemupinim Elas se pintam
puràg hezaxiper wà muito bonito, as minhas sobrinhas

Kàwi Caldo (cauim)


Aroarogatu ze Estamos esperando
nekàwi ara o nosso caldo (cauim)

Ipeku Ipeku (Pica-pau)


Ma’e wyramiri Qual é o pássaro
wyra wexa-exak que está olhando o pau?
ipeku wyramiri à É o pica-pau.
aha hehe *o pica-pau primeiro fica olhando, andando ao
redor do pau, até escolher o lugar que vai bicar.

Kopokopok Kopokopok (sapo que faz kopo-kopok)


Nuze’eg kwaw Ele não vai coaxar
a'e à àmàn durante as chuvas (= o inverno),
kyr mehe mas durante o sol (= o verão)
kwarahy mehe ele coaxa, kopokopok...
kopokopok ze’eg ele coaxa mesmo, kopokopok...
kopokopok ze’eg a’e à

Izar wanupe Izar wanupe Para os donos (do mingau)


Azur teko nehe "Eu já estou chegando"
izar wanupe Para os donos (da festa),
uwiririzahe Tremendo,
upe wyra wà Disseram os pássaros.

Korokoro O pássaro corocoró


Wyra ka’i ka’i Os gravetinhos de pau
haity romo São o ninho dele,
haity O ninho dele,
korokoro Do pássaro corocoró
’y ri ’ar ’aromo Bem em cima da água
*O ninho dele é de graveto sobre a água

Uruwawa O pássaro uruauá


Ma’e ru’u aipo Quem são aqueles (pássaros)
uhapukaz ahe pà wá Que tão chamando, à toa?
uruwawa ahe É o uruauá,
uhapukaz oho pà wà O uruauá que vai chamando (cantando)

Aka’u putyr A flor do cacau


Ipiràpiràg win Está toda vermelha,
u’àm pe Está lá em pé,
aka’u putyr nerape rupi A flor de cacau, lá pelo teu caminho
ahe he hahe Ahe he hahe
113

Pànàm Pànàm (Borboleta)


Wiririz he u’àm win ara Ele está lá tremendo,
ma’e ru’u akwez Quem é ele,
pànàm apykawer No lugar onde a borboleta estava sentada

Maraza ’ywa Árvore do Marajá*


Pexak katu tue Preste atenção,
pezur ara Vocês vêm vindo,
maraza ’ywa pe Tem árvore de marajá
nape rupi No caminho de você(s)
(pra não se ferir, ela tem espinho)
*Palmeira espinhosa com coquinho pretinho.

Mainumy O beija-flor
Ma’e ru’u aipo O que será
wànowànog iko Que está fazendo barulho?
mainumy a’e ne É o beija-flor
naraz putyr rehe Na flor da laranjeira
a’e he he he A'e he he he

Izar wà Izar wà (os donos)


Ku’em à pe zazegar
Vamos cantar até o amanhecer
ku’em amo ru’u izar u’àm
Amanheceu, quem será o dono (da festa)?
ha he he
ha he he

Pytun Noite
Xi nuku’em tue zegara’i mono Nós amanhecemos cantando,
zanerytyk pytun oho pa E a noite nos deixou…

Tururi O pássaro sururina


Uzemuniz oho pà wà Eles vão fazer barulho
ku’ema pe wà De manhã,
tururi tururi à A sururina, a sururina,
a’e he ha he A'e he ha he

Parapa A árvore parapá


Ipiràpiràgahy
Bem vermelhinha,
ma’e putyr win ara
Qual será aquela flor?
uparapa putyr
É a flor do parapá
he ha he he he
Assim são os donos (da festa)
aipo zewe izar wà
zane ara aipo zewe zane ara Somos nós, assim somos nós (os donos)
*O parapa é uma árvore com folha que parece abacaxi, tem
espinhos.
114

Wakariràn O peixe uacarirã


Ezaky zo wakariràn a’e Não mexa com o uacarirã
aniga paapar Que dá muita coceira
ahe he ha ahe he ha

No intervalo de um canto a outro, as meninas servem em cuias uma bebida feita à base
de gengibre e limão para aliviar a garganta dos cantadores, que normalmente passam os sete
dias e seis noites em atividade e necessitam tomar a bebida para aliviar a tensão nas cordas
vocais (LINS, 2014).
À noite, os iniciados assistem aos cantos e danças de suas redes (Figura 50), uma vez
que ainda não estão aptos a enfrentar os perigos e mistérios noturnos. Só estarão preparados
para este desafio após o término das celebrações. Em alguns momentos, passam alho nas
mãos e pés para espantar karuaras e favorecer sua proteção (ibidem).

– Famílias passando a madrugada de sábado com as formandas.


Figura 50

O culto e a sacralização da biodiversidade florestal – incluindo a biodiversidade espiritual


(ibidem), já que os espíritos dos animais também participam do festejo –, observados em todo o
processo ritual do Wyra'u haw (tocaia, Festa do Mingau e Festa do Moqueado), aparecem em
destaque e nos fazem pensar a relação positiva travada entre a sociedade Tembé e a natureza
que a provém. Os ritos e festejos também são pensados como favorecedores da manutenção
da organização cultural e social Tembé, muito importantes para a inserção dos jovens na vida
adulta e para a formação do povo Tenetehara. Discutir e provocar o debate relacionado a
esse aspecto nos coloca o tamanho da responsabilidade que temos diante das problemáticas
socioambientais enfrentadas pelo povo Tembé, considerando que tanto o território quanto sua
floresta e suas histórias estão ameaçados pela intolerância e pela falta de políticas públicas
que protejam seu legado e sua memória.
No sábado, penúltimo dia da festividade, são realizados vários procedimentos rituais,
como pintura corporal, produção dos bolinhos de carne de nambu e cantos e danças que são
entoados a noite inteira pelos iniciados e demais participantes da festa. Nesta etapa, a cantoria
e as danças não podem ser paralisadas e o ritmo do festejo é bastante intenso e desgastante
para o pajé e para os cantadores.
115

Os meninos também são pintados com tinta de jenipapo pelas mulheres que auxiliam na
realização da festa (Figura 51). Metade de seus rostos recebem formas que simbolizam a boca
de um macaco; seus pés e mãos também são pintados inteiramente com a tinta, simbolizando
características deste animal, o que lhes faz adquirir qualidades de eficientes exploradores da
floresta. No corpo, recebem uma pintura rica em detalhes, realizada de forma meticulosa pelas
mulheres, onde veremos desenhos que simbolizam a lua, normalmente a lua minguante, feitos
com pedaço de taboca (uma planta oca em forma cilíndrica). De outra forma, os desenhos
também podem fazer alusão à cuia (se pintados para cima), em forma da letra U. Se juntarmos
duas partes cortadas no sentido inverso, teremos a figura da espinha da cobra jiboia, que é
utilizada pelos Tembés em colares e adereços (LINS, 2014).

Figura 51 – Meninos indígenas sendo pintados com a tinta do jenipapo pelas mulheres que auxiliam na
realização da festa.

Na manhã de sábado, as meninas recebem banho de tinta de jenipapo por todo o corpo
e ficam sobre o tupé, uma grande e bela esteira feita da tala da palmeira de guarimã (Mauritia
vinifera), normalmente usada para a realização de várias atividades domésticas. Sua utilização
durante o ritual da Festa do Moqueado é para que as meninas não tenham contato direto com
o chão e para que as impurezas físicas não fluam, contaminando a terra (LINS, 2014).
Esta é a segunda vez que a pintura realizada nas meninas cobre praticamente toda
a extensão de seus corpos (antes, foi realizada durante a fase de tocaia). Lins (2014), muito
sagazmente, comparou as meninas pintadas com uma cobra no momento em que ela realiza
a troca de pele (ecdise). O autor faz essa comparação em função da mudança da condição
social da menina, que passa de moça a mulher, preparada ritualisticamente para o início desta
nova etapa de vida, que é marcada pelo banho natural da floresta, aqui representado pelo
sumo do jenipapo.
O jenipapo irá escurecer toda a pele da menina, podendo simbolizar a plumagem escura
de determinados pássaros ou a pelagem de outros animais que vivem nas florestas da TIARG.
No domingo, as meninas já estarão com o corpo completamente escurecido pelo jenipapo e
podem dar continuidade ao ritual e ao encerramento dos festejos, marcando mais um ciclo que
se realiza na vida e na tradição do povo Tenetehara.
Várias mulheres indígenas dão apoio à realização da Festa ao longo dos dias em que
ela se estende. Elas confeccionam as saias que as meninas vestirão ao final da festividade;
116

preparam a alimentação ritualística e ordinária da festa; tecem e fiam penas para confeccionar
os cocares dos meninos e meninas; produzem colares de miçangas e sementes; ralam jenipapo
para extrair sua tinta; fazem as pinturas corporais; preparam cigarros de tawari; tomam conta
das crianças; defumam o barracão (atividade que também pode ser realizada pelos homens);
colocam lenha e tomam conta do moqueado; dentre outras atividades. Parte dos produtos
artesanais e gastronômicos confeccionados por estas mulheres apoiadoras vão ser usados
para adornar e embelezar as meninas-moças e os meninos neste último dia do cerimonial. A
comida ritual produzida por elas será distribuída aos iniciados e a todos os participantes da festa.
No domingo, as meninas-moças e os meninos passam por mais uma bateria de práticas
cerimoniais. As meninas são enfeitadas e embelezadas em cima do tupé, como era feito no
passado por seus ancestrais. Durantes vários anos de suas vidas as meninas deixaram de
cortar o cabelo e, por ocasião da Festa, são submetidas ao corte de uma franja, acima da
sobrancelha. Elas são, então, vestidas com uma longa saia branca (munehew) ornamentada
com uma fita vermelha, costurada à altura da metade de sua altura. A vestimenta branca
simboliza a cor do dia e a claridade e a fita vermelha poderá simbolizar sua fase passada de
menarca (LINS, 2014).
Após a menina ser vestida com a saia, o pajé passa, com um dedo, uma cola vegetal
extraída do cipó "canoinha" ou "cipó-de-macaco" sobre toda a porção superior de seu tórax,
acima dos seios e sobre toda a extensão de seus antebraços, formando uma espécie de blusa
em formato de M. Em seguida, são dispostas penugens de gavião-branco sobre o caminho
deixado pela cola, evidenciando o formato do M (Figura 52). A penugem branca sobre a pele
que foi enegrecida pela tintura de jenipapo dá um aspecto muito encantador às meninas, como
se elas realmente fossem seres mitológicos sobrenaturais.

Figura 52 – Meninas pintadas com a tinta do jenipapo e enfeitadas com penugem branca de gavião-branco.

Para o “embelezamento” do menino, o pajé põe em sua cabeça um cocar masculino


(àkàg rehe har) bastante diferenciado do das meninas, feito de penas coloridas e com aspecto
117

que lembra uma coroa. No momento da iniciação, o cocar é posto de cabeça para baixo,
simbolizando que o menino ainda não é um homem formado e não está pronto para assumir
este papel social e as responsabilidades impostas a ele. A partir do momento que ele passa
pela iniciação, o cocar deve ser colocado sempre voltado para cima.
Passada a etapa do “embelezamento” das meninas e meninos, o pajé e sua companheira
passam pedaços da carne de nambu moqueada em algumas partes do corpo das meninas,
geralmente aquelas que são usadas com mais frequência nos trabalhos que exigem força.
Depois, fazem com que as meninas comam a carne da ave que lhes fora passado no corpo.
É realizado o mesmo processo com os meninos, porém, é a carne do mutum, outra ave que
ocorre no sub-bosque da floresta, porém, é a carne do mutum, outra ave que ocorre no sub-
bosque da floresta, que lhes é passada no corpo e oferecida como alimento ritual, que lhes é
passada no corpo e oferecida como alimento ritual.
Após este processo, é oferecida às meninas e meninos uma cuia que contém várias
unidades de uma espécie de bolinho redondo que são preparados no pilão, socando a farinha
de mandioca e as partes que sobraram da carne do mutum e do nambu e depois moldados
pelas mãos das mulheres indígenas que apoiam a realização da festa. Segundo Lins (2014),
após o consumo da carne do nambu, as iniciadas estão aptas a comer qualquer outra carne
de animal de caça, pois nenhuma lhe trará malefício.
Na fase final do festejo, as mulheres apoiadoras socam, no pilão, com farinha de mandioca,
a carne moqueada dos diversos tipos de animais (aves e mamíferos) caçados, preparando
uma espécie de farofa que é logo servida aos iniciados e, em seguida, a todos os convidados
da festa (Figura 53). Depois que todos foram servidos com o alimento ritual e estão satisfeitos,
a festa é interrompida e segue-se um pequeno intervalo.

Figura 53 – Espécie de farofa feita da carne de diversas aves e mamíferos, após serem socadas no pilão.

Terminado o intervalo, todos retornam à ramada e voltam às atividades de canto e de


dança, que agora também contam com a presença ritual de um macaco guariba adulto que
foi moqueado de corpo inteiro e se assemelha a um animal empalhado. Ele é adornado com
vestimenta tradicional indígena – saia, colar e cocar de penas – e vai servir como uma espécie
de marionete que será manipulada pelos indígenas ao longo da dança (Figura 54).
O guariba é conduzido por vários brincantes indígenas, sendo, por vezes, passado de
mão em mão, inclusive pelas mãos dos meninos iniciados. Os indígenas que estão de posse
118

do macaco guariba, incluindo os meninos iniciados, devem dançar realizando brincadeiras,


tentando induzir o riso, principalmente nas meninas, que devem ficar, obrigatoriamente, sérias. A
brincadeira é uma forma de teste para afirmar a ingenuidade, pureza e seriedade das meninas
diante da figura zombeteira (irônica) e engraçada do macaco guariba. Caso a menina venha a
sorrir, ficará implícito que ela não possui estas qualidades e sofrerá advertência.

Figura 54 – Macaco guariba moqueado, vestido e manipulado pelos indígenas


durante o ritual de iniciação das meninas e meninos.

Finalizadas as danças e os cantos realizados com a presença do macaco guariba,


aproxima-se o momento final do Wyra'u haw, conhecido por Henu hem haw (cantoria: saída
da ramada para fora) (LINS, 2014), onde todos são convidados a sair da ramada e realizar a
dança que é chamada por alguns de rabo de arraia. A arraia é peixe que contém um esporão
em sua cauda e que pode ferir com alguma gravidade a pessoa que pisa nele, o que ocorre
com certa frequência nos rios e igarapés da TIARG. Segundo Lins (2014), a analogia desta
dança com o rabo de arraia se deve à configuração que os dançantes (iniciados e indígenas)
assumem em conjunto ao saírem da ramada, pois se dão os braços para formar uma espécie
de círculo, similar ao formato da arraia. Para o pesquisador, esta dança seria uma espécie de
homenagem a um espírito do rio. Nas diversas voltas que realizam na frente da ramada durante
a dança, os indígenas procuram constituir uma espécie de corrente humana dada pela união
dos braços, mas também realizam movimentos fortes capazes de descruzar os braços e assim
romper a corrente, o que raramente acontece.
119

Após algumas dezenas de minutos, é cessada a cantoria, a corrente é desfeita e o pajé


se direciona aos meninos, que podem escolher um refrão de música indígena qualquer que será
cantado por todos. Eles voltam a dar os braços e a circular, retomando a dança e procurando
tencionar os braços para quebrar a corrente. Ocorre, então, a segunda parada e repete-se o
mesmo processo, até que o último menino entoe seu refrão de música. A Wyra'u haw é, então,
finalizada aos sons de gritos e manifestações de euforia, um ciclo importante que se cumpre
nesse capítulo da história dos ritos de passagem dos jovens Tenetehara. Um verdadeiro braço
de força que se forma na corrente de dança, numa demonstração de fortalecimento da cultura,
que não pode ser quebrada nem perdida.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Convenção da Diversidade Biológica (CDB) reconhece que as comunidades indígenas
e tradicionais dependem dos recursos biológicos disponíveis em seus territórios e que os
conhecimentos ancestrais e tradicionais dessas comunidades, que fazem parte de seus
patrimônios culturais imateriais e materiais, podem contribuir tanto para a conservação quanto
para a utilização sustentável da diversidade biológica. Estes são dois dos objetivos principais
deste tratado internacional assinado, também, pelo Brasil.
A nação indígena Tembé-Teneteharaé detentora de conhecimentos ancestrais referentes
às mais diversas formas de manipulação dos ecossistemas e seus componentes, de onde
tiram condições práticas e simbólicas à sua subsistência física e cultural, como os saberes
relacionados à celebração dos rituais, às práticas curativas e aos usos e costumes ligados à
manipulação desses elementos da biodiversidade florestal e dos rios.
O ritual Wyra'u haw, que, como vimos, enseja vários festejos, como a Festa do Mingau e
a Festa do Moqueado, traz em si e perpassa de geração em geração um arsenal significativo do
conhecimento ancestral Tembé-Tenetehara, relacionado, principalmente, às condutas etárias e
de gênero que os indivíduos devem assumir para um melhor conduzir-se, tanto no meio social
quanto no natural, fonte de sua subsistência, destacando o fato de constituírem uma prática
cultural voltada para a conservação da biodiversidade. É impressionante que cada movimento
dessa celebração toma tempo significativo e possui importância singular na vida dos indígenas;
que cada detalhe da cultura material e imaterial desses festejos traz informações sobre a
diversidade biológica e “bioespiritual” local que são partes integrantes da vida e da cultura dos
indígenas que vivem na Terra Indígena Alto Rio Guamá.
Ao longo deste capítulo, comentamos a importância desses festejos para a manutenção
da cultura e da identidade indígena dos Tembé e também procuramos evidenciar como sua
realização é fundamental para manutenção das práticas simbólicas e culturais relacionas à
conservação da biodiversidade.
Pelo empenho que tivemos para elaborar este texto, percebemos a profunda necessidade
de avançar no reconhecimento deste ritual como patrimônio imaterial do nosso estado. É,
então, necessário que a comunidade indígena da TIARG possa ser informada dos benefícios
deste reconhecimento, bem como dos trâmites burocráticos que devem ser seguidos para que
ele seja efetivado.
120

Paralelamente à indicação do reconhecimento patrimonial do ritual Wyra'u haw, como


achamos mais prudente chamá-lo, indicamos que a União, o Estado do Pará e os municípios
possam valorizar e apoiar a realização destes festejos, pois as famílias indígenas sempre
encontram dificuldades materiais para realizá-los.
Também chamamos a atenção para a necessidade de que os órgãos de governo das
três esferas de poder que tratam da questão cultural valorizem, reconheçam e incentivem
financeiramente os mestres da cultura indígena Tembé-Tenetehara (pajés, mulheres “frenteiras”
e mulheres apoiadoras) que estão à frente destes e outros festejos mais sincréticos, pois, diante
do processo de transculturação que sofrem os Tembé, eles vêm perdendo seu prestígio na
comunidade e sua capacidade de difusão da cultura indígena. A aplicação destas medidas será
extremamente favorável para o fortalecimento cultural na TIARG e há formas já possibilitadas
de fazê-las referenciadas pelas politicas culturais.
De outro lado, também é necessário aprofundar de maneira melhorada o conhecimento e
o registro sobre os rituais e festejos existentes na TIARG, bem como provocar nos indígenas a
necessidade de resgaste dos festejos ancestrais que já não ocorrem mais, como a Festa do Mel
e a Festa do Milho, atitude que também pode ser benéfica para gerar renda às comunidades.
Ademais, é oportuno comentar que este trabalho, embora tenha investigado de forma
superficial uma faceta das tradições culturais dos Tembé, nos levou a ter uma admiração ainda
mais sólida por eles.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOFRÁFICAS
ALONSO, S. A disputa pelo sangue: reflexões sobre a constituição da identidade e "unidade
Tembé". Novos Cadernos NAEA, v. 2, n. 2, p. 33-56, 1999.
CAMPBELL, J. O poder do mito. São Paulo: Palas Athena, 1990.
CUNHA, C. M. Relações e dissenções entre saberes tradicionais e saber científico. Revista
USP, v. 75, p. 76-84, 2007.

LINS, P. D. R. Cultura e religião indígena Tembé-Tenetehara: uma análise da Wyra'u haw.


Dissertação de Mestrado. Belém: Universidade do Estado do Pará, 2014.

NEVES, I. S.; CARDOSO, A. S. P. Patrimônio Cultural Tembé-Tenetehara: Terra Indígena


Alto Rio Guamá. Belém: IPHAN-PA, 2015. 106 p.

PONTE, V. S.; AQUINO, M. J. S. Para ser mulher verdadeira! - os Tenetehara-Tembé: relações


entre ritual, direitos e estratégias de afirmação cultural em ações locais. Nuevo Mundo Mundos
Nuevos. https://nuevomundo.revues.org/66051. Acesso em: 15/02/2017.
SILVA, A. C.; LUDORF, S. M. A. GENNEP, A. V. Os ritos de passagem. 2. Ed. Trad. Mariano
Ferreira. Petrópolis: Vozes, 2011. Pensar a Prática, v. 15, n. 11, p. 821-113, 2012.
WAGLEY, C.; GALVÃO, E. Os Índios Tenetehara: uma cultura em transição. Rio de Janeiro:
Ministério da educação e Cultura, 1961.
ZANNONI, C. Conflito e coesão: o dinamismo Tenetehara. Brasília: Conselho Indigenista
121

CAPÍTULO 5
Missionário, 1999.

MEIO FÍSICO

Meline Cabral Machado


Edwilson Pordeus Campos
Raimundo Ribeiro Reis Júnior
Irakii Tembé
122
123

1. INTRODUÇÃO
O desenvolvimento da Amazônia, desde o período da colonização, esteve ligado aos
recursos da terra. Diversas foram as culturas de plantio. Inicialmente foram as “drogas do sertão”,
como cacau, copaíba e canela. Depois vieram o arroz, o café, o tabaco e o algodão (PEREIRA,
2000). Com as mudanças frequentes no mercado internacional interferindo na política interna
do Brasil, os produtos passaram a ser os mais variados possíveis, para responder às demandas
do mercado exterior, surgindo, então, a extração da borracha e a inserção de indústrias na
região. Na atualidade, a economia da Região Amazônica está voltada principalmente para
atividades pecuárias, madeireiras e para monoculturas. Entretanto, as características físicas
deste ambiente não proporcionam uma recuperação rápida dos recursos naturais após os
danos causados por essas atividades. A exuberância da floresta decorre da reciclagem dos
nutrientes, formando um sistema fechado que, quando rompido pelo desmatamento, revela a
pobreza dos solos, que contribuem com apenas 8% dos nutrientes minerais (CASTRO, 2007).

Dessa forma, a procura e a ocupação pelas terras da Amazônia não são decorrentes do
teor de riqueza dos solos, mas sim da riqueza de recursos hídricos que o bioma apresenta.
Diante da recente preocupação com o meio ambiente e os seus recursos naturais, a Amazônia
não perdeu a característica da sua riqueza natural, mas, hoje, essa riqueza surge com a
discussão de sustentabilidade ambiental, como uma forma de conciliar o desenvolvimento
econômico com a preservação do meio ambiente.
É nesse contexto que a comunidade da TIARG pretende implantar e fortalecer o plantio
de culturas em suas terras, tanto para a subsistência como para o comércio local. Além das
roças, outra preocupação constante é com a qualidade da água, mudanças climáticas, pressões
antrópicas, entre outras.
O levantamento do meio físico, dentro do Diagnóstico Etnoambiental Participativo na
TIARG, vem contribuir na avaliação das condições das roças atuais e futuras, dos rios e
igarapés de uso da comunidade, bem como na percepção da comunidade sobre o ambiente
geográfico da terra indígena.
Portanto, esse tipo de estudo surge para analisar os recursos existentes na TIARG, com
o objetivo de fortalecer projetos voltados ao planejamento do uso sustentável e à proteção dos
recursos naturais. Dessa forma, descreve e analisa as características físicas da terra indígena,
sendo elas: geologia, geomorfologia, hidrografia, pedologia, aptidão agrícola, climatologia e
pressão antrópica, estabelecendo relação entre o conhecimento científico e o tradicional.

2. OBJETIVOS

2.1. Objetivo Geral

Realizar o levantamento de aspectos físico-ambientais da TIARG, com ênfase na aptidão


agrícola das áreas de roças atuais e futuras, relacionando o conhecimento científico com o
conhecimento tradicional.
124

2.2. Objetivos Específicos

• Determinar o tipo de solo e as características das áreas de roça para aptidão agrícola;
• Mapear os igarapés que possuem importância de uso para a comunidade;
• Validar os dados meteorológicos de fontes secundárias, a partir do conhecimento da
comunidade sobre as cheias, secas, inverno e verão;
• Identificar a geologia e geomorfologia da região a partir de dados secundários e do
modelo digital do terreno;
• Identificar as áreas de pressão antrópica;
• Elaborar mapas temáticos voltados às áreas de estudo do meio físico;
• A partir de metodologia aplicada, estabelecer relação entre o conhecimento científico
e o tradicional.

3. METODOLOGIA
O trabalho de campo foi feito principalmente nas proximidades das aldeias do Guamá
e do Gurupi, com observações das roças, análise da hidrografia, geomorfologia, climatologia
e geologia.

O levantamento da pedologia voltado para aptidão agrícola foi realizado a partir de


observações de solo nas áreas de roça atuais e futuras da terra indígena.No momento da
observação, foi preenchida uma tabela por meio de questionamentos feitos aos pesquisadores
indígenas, os quais compuseram a equipe do Meio Físico e acompanharam as coletas de
informações relacionadas às características físicas da terra, como relevo, drenagem do local,
definições de cores e qualidade da terra (Figura 55). Cada questionário possui uma tabela
relacionada às suas características.

Figura 55 – Observação da roça e preenchimento da tabela morfológica. Fotos: Meline Machado


e Edwilson Pordeus.

Para a elaboração dos mapas temáticos de hidrografia e bacias hidrográficas utilizou-se


dos dados vetoriais da Agencia Nacional de Águas (ANA), disponíveis em: http://www.ana.gov.
br/bibliotecavirtual/solicitacaoBaseDados.asp.
125

O levantamento da hidrografia foi feito a partir do mapa preliminar de hidrografia levado


a campo, buscando identificar os principais rios e igarapés de uso da comunidade da TIARG,
seguido da nomenclatura dos rios e igarapés tanto em português como na língua Tembé.
A Resolução CONAMA nº 357/2005 determina a classificação dos corpos d’água por meio
de diversos parâmetros físicos e químicos. A avaliação rápida proporciona uma visão geral da
qualidade de um habitat físico, atribuindo pontos em uma tabela com base em observações
visuais (CONAMA, 2005). Portanto, além do trabalho em conjunto com a comunidade, também
foi aplicado o Protocolo de Avaliação Ecológica Rápida (PAER) de Qualidade de Águas em
Ambientes Lóticos: Aspectos Físicos e Químicos, segundo Callisto et al. (2002).
A aplicação de PAER de qualidade de água e biodiversidade aquática são ferramentas
importantes para estudos em áreas onde há escassez de conhecimentos ecológicos específicos
(CHERNOFF; ALONSO; HORTEGA et al., 1988) e tem como principal objetivo a redução de
custos na avaliação ambiental de um local ou grupos de locais, sem, no entanto, privar os
estudos de rigor técnico-científico (SILVEIRA, 2004).
Além da aplicação de PAER, foi considerada a descrição do uso dos corpos d’água
pelos pesquisadores indígenas. O resultado da pontuação dos parâmetros indica o nível de
preservação das condições ecológicas dos locais avaliados, onde: de 0 a 40 pontos representam
trechos impactados; 41 a 60 pontos representam trechos alterados; e acima de 61 pontos os
trechos são considerados naturais. O tempo necessário para a aplicação do protocolo nos
locais avaliados foi de cerca de 20 minutos para cada ponto de amostragem. Foram feitos oito
protocolos de avaliação da água com o objetivo de analisar a situação dos cursos d’água mais
utilizados pela comunidade: o rio Guamá e o rio Gurupi.
Para o levantamento da climatologia utilizou-se de dados de temperatura e precipitação
dos anos de 2011 a 2014, fornecidos pelo Instituto Nacional de Meteorologia (INMET, 2014) e
pelas Estações Meteorológicas Automáticas de Paragominas/PA, para a região do Gurupi, e de
Capitão Poço/PA, para a região do Guamá. O objetivo foi comparar esses dados com aqueles
obtidos por meio de entrevistas à comunidade indígena em relação aos meses mais quentes
e frios do ano na região, bem como os meses de cheias e secas.
Os dados foram obtidos através de coletas “in locu” em aldeias durante as Oficinas,
visando subsidiar informações sobre a percepção do clima e a qualidade de seus mananciais
pelo povo Tembé. Assim, foram gerados dados sintetizados sobre o calendário pluviométrico,
temperatura e avaliação ecológica rápida dos mananciais visitados.
O levantamento da geologia foi realizado a partir de bibliografia secundária relacionada
à região e com base na identificação de algumas rochas observadas ao longo da atividade
de campo.
O levantamento da geomorfologia foi realizado a partir de bibliografia e através da
identificação dos pontos mais altos da TIARG. Além disso, foi gerado um Modelo TIN (Triangular
Irregular Network – Rede Triangular Irregular), que consiste em diferenciar o terreno a partir dos
dados de altimetria. Nesse trabalho, foram utilizados os dados do Modelo Digital de Elevação
(MDE) das imagens de satélite Aster GDEM – Global Digital Elevation Map (2014), que mostram
a diferença de altimetria na TIARG. Duas imagens foram utilizadas para o MDE: ASTGTM2
S02W047 e ASTGTM2 S02W048. A resolução altimétrica dessas imagens é de 15 metros.
126

O levantamento da pressão antrópica foi realizado a partir da identificação, validação


e análise das consequências dos problemas enfrentados pelo povo Tembé, como áreas sem
vegetação, retirada ilegal de madeira e fazendas.
Para todas as áreas do levantamento físico foram gerados dados, como os mapas temáticos
de geologia, hidrografia, geomorfologia, etc. Os mapas possuem como fonte dados fornecidos
pelo Governo Federal, dados de Organizações não Governamentais e dados coletados em
campo por meio da autorização do povo Tembé.
Outros métodos também foram utilizados, como o Calendário Sazonal, que consiste na
elaboração participativa de um calendário, no qual se faz a distribuição e a concentração das
principais atividades desenvolvidas na comunidade ao longo do ano, como: produção, trabalho,
clima, entre outros (RUAS, 2006). Também se utilizou do calendário agrícola, que mostra as
estações agrícolas e as atividades produtivas da comunidade, e do calendário de atividades,
que amplia o calendário agrícola, trazendo informações que vão além da produção, como
informações sobre o papel do homem e da mulher nos trabalhos do cotidiano da comunidade
(VERDEJO, 2006).
Além dessas metodologias participativas, foram realizadas conversas com os pesquisadores
indígenas do meio físico e com a comunidade em geral, em especial com os mais velhos, a
fim de entender o tipo de cultivo dos antigos, comparar com as culturas das roças atuais e
compreender a relação do povo Tembé com os recursos naturais, como os rios, serras, etc.

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

4.1. Caracterização da Terra Indígena

No momento em que foram realizados os trabalhos de campo, a TIARG possuía 34 aldeias,


sendo 16 na região do Guamá e 18 na região do Gurupi (Tabela 2). As aldeias estão distribuídas
próximas a cursos d’água, como os rios Guamá e Gurupi, de importância fundamental para o
povo Tembé (Figura 56).
127

Tabela 2 – Coordenadas geográficas das aldeias da TIARG.

Nome da Aldeia Região Latitude Longitude Origem dos dados

Canindé Gurupi 2° 33’ 20.69” S 46° 30’ 9.80” W GPS


Araruna Gurupi 2° 40’ 26.14” S 46° 38’ 6.00” W GPS
Suçuarana Gurupi 2° 43’ 52.26” S 46° 41’ 5.06” W GPS
Três Furos Gurupi 2° 49’ 10.44” S 46° 36’ 0.65” W GPS
Wahutyw Gurupi 2° 48’ 24.67” S 46° 37’ 38.36” W GPS
Igarapé Grande Gurupi 2° 47’ 23.92” S 46° 38’ 21.90” W GPS
Cocalzinho Gurupi 2° 30’ 22.07” S 46° 26’ 13.26” W GPS
Bate Vento Gurupi 2° 31’ 59.85” S 46° 28’ 58.47” W GPS
Ikatu Gurupi 2° 36’ 56.33” S 46° 30’ 26.50” W GPS
Anoira Gurupi 2° 37’ 15.84” S 46° 32’ 6.27” W GPS
Teko Haw Gurupi 2° 37’ 33.29” S 46° 33’ 12.66” W GPS
Floriano Gurupi 2° 38’ 38.76” S 46° 36’ 5.20” W GPS
Pyahu Gurupi 2° 52’ 37.62” S 46° 40’ 37.66” W GPS
Mangueira Gurupi 2° 51’ 7.94” S 46° 38’ 28.90” W GPS
Ka’a Kyr Gurupi 2° 45’ 30.45” S 46° 42’ 46.26” W GPS
Cajueiro Gurupi 2° 44’ 34.68” S 46° 41’ 47.34” W GPS
Faveira Gurupi 2° 38’ 21.92” S 46° 35’ 12.95” W GPS
Ka’a Piterpehar Gurupi 2° 44’ 55.85” S 46° 41’ 48.09” W Apontamento
Pakotyw Guamá 1° 51’ 2.46” S 46° 58’ 59.24” W GPS
Frasqueira Guamá 1° 51’ 38.74” S 47° 0’ 6.49” W GPS
Itaputyr Guamá 1° 51’ 22.85” S 47° 0’ 25.32” W GPS
Zawara Guamá 1° 52’ 38.27” S 47° 0’ 20.22” W GPS
Tawari Guamá 1° 51’ 59.03” S 47° 0’ 41.84” W GPS
Ypydhon Guamá 1° 46’ 6.03” S 46° 57’ 20.22” W GPS
Yarape Iwazu Guamá 1° 46’ 3.83” S 46° 56’ 23.04” W GPS
Pinu’a Guamá 1° 49’ 12.49” S 46° 53’ 52.77” W GPS
Itahu Guamá 1° 57’ 42.28” S 46° 54’ 51.90” W GPS
Pirá Guamá 1° 48’ 49.63” S 46° 57’ 58.78” W GPS
Sede Guamá 1° 47’ 57.78” S 46° 58’ 32.66” W GPS
Itwaçu Guamá 1° 47’ 25.52” S 46° 58’ 0.74” W GPS
Jacaré Guamá 1° 49’ 29.52” S 46° 58’ 48.26” W GPS
São Pedro Guamá 1° 50’ 41.78” S 46° 58’ 53.16” W GPS
Tracuateua Guamá 1° 49’ 05.82” S 46° 55’ 33.11” W GPS
Indinho Guamá 1° 49’ 13.11” S 46° 55’ 30.11” W GPS
128

Figura 56 - Localização das aldeias da TIARG.


129

Durante as atividades de campo, foi possível encontrar algumas placas da FUNAI


demarcando o limite territorial da TIARG (Figura 57). Entretanto, não estavam presentes em
todos os acessos à terra. As terras indígenas se destacam dentre as demais áreas protegidas
pelo nível de conservação da cobertura florestal, apesar de estarem sofrendo constantes
ameaças aos recursos naturais de seus territórios, devido à prática de atividades ilegais. Existem
diversas fazendas nas áreas fronteiriças à TIARG, demonstrando a importância desse território
indígena para a preservação das florestas. Uma das vias de acesso à TIARG demonstra que
a área com cobertura florestal corresponde ao limite da terra indígena (Figura 58).

Figura 57 – Placa de limite da TIARG: principal Figura 58 – Via de acesso à TIARG, região do Gurupi,
acesso às aldeias do Guamá. Foto: Meline Machado. demonstrando que a faixa de cobertura florestal
corresponde ao limite da terra indígena. Foto: Edwilson
Pordeus.

4.2. Hidrografia

A América do Sul é subdividida em oito bacias hidrográficas, sendo elas: Bacia do rio
Amazonas; Bacia do rio Tocantins; Bacia do Atlântico, trecho norte/nordeste; Bacia do rio São
Francisco; Bacia do Atlântico, trecho leste; Bacia do rio Paraná; Bacia do rio Uruguai; e Bacia
do Atlântico, trecho sudeste (ANA, 2010).

A TIARG encontra-se na Bacia do Atlântico, trecho norte/nordeste, e na sub-bacia do


rio Gurupi (Figura 59). A Bacia do Atlântico Norte-Nordeste é composta por rios caudalosos e
perenes que banham grandes áreas dos estados do Rio Grande do Norte, Maranhão, Ceará,
Piauí e Amapá, além de parte dos estados de Alagoas, Pernambuco, Pará e Paraíba. Os rios
de grande porte que compõem o trecho norte-nordeste da bacia do Atlântico Sul são: Acaraú,
Capibaribe, Jaguaribe, Grajaú, Piranhas, Pindaré, Potengi, Mearim, Una, Itapecuru, Pajeú,
Turiaçu e Parnaíba (ANA, 2010).
A TIARG é banhada por quatro principais rios: o Guamá, como limite natural pelo lado
norte; o Gurupi, como limite pelo extremo sul, onde também faz limite com a Terra Indígena
Alto Turiaçu (na qual vivem indígenas das etnias Kaápor e Timbira); e dois rios que perpassam
o interior da TIARG e que também são importantes: o rio Piriá (que deságua no rio Gurupi) e
o rio Coaraci-Paraná. Além dos rios, diversos igarapés são considerados importantes devido
ao uso que a comunidade faz deles, como os igarapés Tawari, Água Preta e Igarapé Grande,
130

entre outros (SALES, 1999) (Tabela 3). Esses rios e igarapés de maior uso e importância para
a comunidade estão localizados mais próximos às aldeias (Figura 60), facilitando o acesso da
comunidade ao recurso.
Os usos desses recursos hídricos para a comunidade são variados, destacando-se o
uso para deslocamento, pesca de subsistência e tarefas domésticas com menor intensidade,
visto que a maioria das aldeias possui sistema de distribuição de água.
Especificamente relacionado ao deslocamento hidroviário, as aldeias localizadas próximas
ao rio Gurupi realizam essa atividade com maior intensidade e frequência, pois muitas aldeias
somente podem ser acessadas por rio e outras por ramais que estão sendo construídos. Já
para as aldeias localizadas no rio Guamá, a maior parte dos acessos é feita por estradas e/
ou ramais.
Os principais nomes dos cursos d’água da terra indígena foram descritos a partir do
trabalho de mapeamento junto à comunidade (Figura 61). A Figura 62 mostra os locais de
aplicação do Protocolo de Avaliação Ecológica Rápida (PAER) da qualidade da água.
131

Figura 59 – Localização da TIARG em relação às bacias hidrográficas.


132

Tabela 3 – Nome dos rios e igarapés de uso da comunidade indígena da TIARG.

Nome em Português Nome Tenetehara Nome em Português Nome Tenetehara

Igarapé Cajueiro Akazu'yw Igarapé Olhos-d’água Yarape Pupur


Igarapé Pau Laurado Wypànpàn Igarapé Sapucaia Zapukaz ’yw Yarape
Igarapé Murititica Yzywypo Igarapé da Mata Ka’a Yarape
Iagarapé Raizama Hapotyw Igarapé do Peixe Pira Yarape
Igarapé Pirueawa Kaw Renaw Igarapé do Ubim Uwi Yarape
Igarapé da Piriquita Yarape Tu’i Rio Coaraci Paraná Koarasí Pàrànà
Igarapé Repartimento Zemuza’ak Haw Igarapé Massaranduba Maxaran ’yw Yarape
Igarapé Piquiá Peke’a Igarapé Cocal Wàhutyw
Rio Piriá Piratyw Igarapé do Timbó Ximotyw
Igarapé Jacamim Zàkàmi Igarapé Ita Pew Ita Pew

Igarapé Cujubim Zakupixig Igarapé Grande de Baixo Yarapehu

Igarapé Guariba Wariw Igarapé Água Preta ‘Y Pyhun


Igarapé Cumprida Yarape Puku Igarapé de Pedra Yarape Itatyw
Igarapé Tipitinga Typixig Rio Uraim Yarapea’i
Igarapé Bacabal Pinua Igarapé Grande de Cima Yarapehu
Igarapé Água Suja Yarape Ky’a Igarapé Jararaca Mozàiw Yarape
Igarapé do Macaco Ka’i Yarape Igarapé do Poção Typywaz
Igarapé Rolinha Pyku’i Yarape Igarapé Igapozinho Yapoa’í
Igarapé Fundo Yarape Apyi Typy Iagarapé Tracuá Taraku'a Yarape
Igarapé Seca Yarape Xinig Igarapé Seringa Wyraiayk
Igarapé da Sepultura Tywypaw Igarapé Pimenteira Taz ’yw
Igarapé Castanheira Akazu Ràkwàz Igarapé Grande Yarapehu

Igarapé Gurupiúna Guruwi’un ou Igarapé Curupira Maranu ’yw


Yarape Pyhun
Igarapé Timbira Yarape Timbira Igarapé Água Clara 'Y Zypynixa
Igarapé do Inácio Yarape Inacio Igarapé Água Preta 'Y Pyhun
Lago dos Três Furos Ypaw Pàrànàràn Igarapé Pipiwa Zoromoapywtyw
Lago do Linhaú Ypaw Raity Rupaw Igarapé Água Branca 'Y Zypynixakatu
Rio Gurupi Pàrànà ete Rio Guamá Gwàmà
Igarapé Santo Antônio Tupàn Yarape - Hapotyw
- Waxa’ityw - Pirazar
- Wypànpàn - -
133

Figura 60 – Hidrografia da TIARG mostrando os príncipais rios e igarapés utilizados pela comunidade indígena.
134

Figura 61 – Mapeamento dos rios e igarapés da TIARG realizado de forma participativa com a comunidade
indígena. Fotos – Angela Kaxuyana e Edwilson Pordeus.
135

Figura 62 – Locais de aplicação do Protocolo de Avaliação Ecológica Rápida (PAER) da qualidade da água.
136

Seguem imagens dos pontos onde foi feita a aplicação do Protocolo de Avaliação
Ecológica Rápida (PAER) da qualidade da água:

Ponto 009 – Aldeia Cocalzinho (rio Gurupi). Coordenadas Ponto 023 – Aldeia Teko Haw (rio Gurupi). Coordenadas
geográficas: Lat: 2° 30’ 24.77” S, Long: 46° 26’ 10.83” W; geográficas: Lat: 2° 37’ 42.34” S, Long: 46° 33’ 7.45” W; data da
data da coleta: 25/09/2014; ponto de coleta com mata ciliar coleta: 27/09/2014; ponto de coleta com mata ciliar visualmente
visualmente preservada em torno da aldeia; hora de coleta: preservada em torno da aldeia; hora de coleta: 10h50; situação
10h54; situação do dia: ensolarado; largura média: 100 m; do dia: ensolarado; largura média: 80 m; profundidade média:
profundidade média: 15 m. Foto: Meline Machado. 20 m. Foto: Edwilson Pordeus.

Ponto 035 – Aldeia Sussuarana (rio Gurupi). Coordenadas Ponto 041 – Aldeia Igarapé Grande (rio Gurupi). Coordenadas
geográficas: Lat: 2° 43’ 56.75” S, Long: 46° 41’ 9.63” W; data da geográficas: Lat: 2° 47’ 27.26” S, Long: 46° 38’ 18.03” W; data da
coleta: 01/10/2014; ponto de coleta com mata ciliar visualmente coleta: 01/10/2014; ponto de coleta com mata ciliar visualmente
preservada em torno da aldeia; hora de coleta: 10h30; situação preservada em torno da aldeia; hora de coleta: 15h10, situação
do dia: nublado; largura média: 35 m; profundidade média: 4 do dia: ensolarado; largura média: 50 m; profundidade média:
m. Foto: Meline Machado. 6 m. Foto: Edwilson Pordeus.

Ponto 048 – Aldeia Sede (rio Guamá). Coordenadas Ponto 055 – Aldeia Ypydhon (rio Guamá). Coordenadas
geográficas: Lat: 1° 47’ 59.04” S, Long: 46° 58’ 35.25” W; data da geográficas: Lat: 1° 46’ 10.63” S, Long: 46° 57’ 25.11” W; data da
coleta: 07/10/2014; ponto de coleta com mata ciliar visualmente coleta: 08/10/2014; ponto de coleta com mata ciliar visualmente
preservada em torno da aldeia; hora de coleta: 16h52; situação preservada em torno da aldeia; hora de coleta: 13h50; situação
do dia: ensolarado; largura média: 80 m; profundidade média: do dia: ensolarado; largura média: 80 m; profundidade média:
3 m Foto: Edwilson Pordeus. 1,50 m. Foto: Meline Machado.
137

Ponto 056 – Aldeia Tawari (rio Guamá). Coordenadas Ponto 064 – Aldeia Pakotiw (rio Guamá). Coordenadas
geográficas: Lat: 1° 52’ 4.21” S, Long: 47° 0’ 46.39” W; data da geográficas: Lat: 1° 47’ 59.04” S, Long: 46° 58’ 35.25” W; data
coleta: 08/10/2014; ponto de coleta com mata ciliar visualmente da coleta: 08/10/2014; ponto de coleta com mata ciliar visualmente
preservada em torno da aldeia; hora de coleta: 15h15; situação preservada em torno da aldeia hora de coleta: 16h52; situação
do dia: nublado; largura média: 15 m; profundidade média: 1,50 do dia: ensolarado; largura média 80 m; profundidade média:
m. Foto: Meline Machado. 3,00 m. Foto: Edwilson Pordeus.

Com os pontos e as informações sobre os rios visitados para a avaliação da qualidade da


água, foi possível gerar, de acordo com a metodologia do protocolo, uma tabela com resultados
sobre a situação atual dos rios analisados na TIARG (Tabela 4).

Tabela 4 – Resultados dos parâmetros avaliados na análise de qualidade da água dos trechos de rios
analisados na TIARG.
Pontos
Parâmetros
009 023 035 041 048 055 056
Tipo de ocupação das mar-
1 gens do corpo d’água (princi- 04 04 04 04 04 04 04 04
pal atividade)
Erosão próxima e/ou nas
2 margens do rio e assorea- 04 04 04 02 04 04 04 02
mento em seu leito
3 Alterações antrópicas 04 04 04 04 04 04 04 04
Cobertura vegetal do leito do
4 02 02 02 02 04 02 02 04
rio
5 Odor da água 04 04 04 04 04 04 04 04
6 Oleosidade da água 04 04 04 04 04 04 04 04
7 Transparência da água 02 02 02 02 03 02 02 02
8 Odor do sedimento (fundo) 04 04 04 04 04 04 04 04
9 Oleosidade do fundo 04 04 04 04 04 04 04 04
10 Tipo de fundo 04 02 02 02 04 04 02 04
11 Tipo de fundo 05 05 05 05 05 05 05 05
12 Extensão de rápidos 02 02 02 02 02 03 03 05
138

Pontos
Parâmetros
009 023 035 041 048 055 056 064
13 Frequência de rápidos 02 02 02 02 02 03 03 05
14 Tipos de substrato 03 02 02 02 03 05 05 05
15 Deposição de lama 05 05 05 05 05 05 05 05
16 Depósitos sedimentares 05 05 05 05 05 05 05 05
17 Alteração no canal do rio 05 05 05 05 05 05 05 05
Características do fluxo das
18 05 05 05 05 05 05 05 05
águas
19 Presença de mata ciliar 05 05 05 05 05 05 05 05
20 Estabilidade das margens 05 05 05 05 05 05 05 05
21 Extensão de mata ciliar 05 05 05 05 05 03 05 05
Presença de plantas aquáti-
22 02 00 00 00 00 00 00 00
cas
Resultado 85 80 80 78 86 85 85 91
Avaliação 1
N N N N N N N N

1
N – rios naturais. Outras categorias seriam: A – rios alterados; I – rios impactados.

O índice pluviométrico influencia diretamente o volume dos corpos de água de uma


determina região, dividindo-se em período de seca e cheia. De acordo com o povo Tembé, os
períodos de seca e de chuva e os períodos de teraturas elevadas e baixas correspondem a
meses específicos (Tabela 5).

Tabela 5 – Calendário pluviométrico e de temperatura na TIARG, de acordo com o povo Tembé.

Mês
Clima / Tempo
Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
Chuva x x x x x x x x²

Cheia x x

Seca x¹ x x x

Temperatura ºC alta x x x

Temperatura ºC baixa x x
x¹: fim das chuvas, início da seca; x²: fim da seca, início das chuvas.

A ferramenta aplicada mostrou que os corpos d´água analisados estão preservados,


pois os resultados obtidos estão acima dos valores recomendados no Protocolo de Avaliação
139

Ecológica Rápida (PAER), conforme metodologia aplicada. Ressalta-se que, durante as Oficinas
realizadas na terra indígena, não houve relatos de impactos significativos em sua hidrografia.
Quanto ao calendário pluviométrico e de temperatura elaborados pela comunidade, podemos
afirmar, ao relacionar com os dados científicos constados no tópico 4.3, que sua percepção
está coerente com as informações processadas pelo Instituto Nacional de Meteorologia.
Os resultados apresentados demonstram a importância do conhecimento tradicional para
as comunidades, principalmente por influenciar diretamente na produção agrícola, refletindo
na segurança alimentar, no deslocamento fluvial e na permanência das comunidades em seu
território.

4.3. Clima

O Brasil possui uma extensa variedade de tipologias climáticas. Isso ocorre devido a
diversos fatores, como: configuração geográfica, maritimidade ou continentalidade, altitude,
extensão territorial, relevo e dinâmica das massas de ar. Este último é o fator de maior importância,
pois atua diretamente sobre a temperatura e a pluviosidade. As massas de ar que interferem
mais diretamente no Brasil são: a Equatorial (Continental e Atlântica), a Tropical (Atlântica e
Continental) e a Polar Atlântica (GONÇALVES; MONTE; CÂMARA, 1993).
A Região Norte do país é classificada como de clima equatorial úmido, possuindo a maior
extensão de floresta quente e úmida do planeta. Essas características climáticas ocorrem devido
a alta incidência de energia solar e a pouca variância na topografia da região, o que permite a
influência dos sistemas de circulação na Amazônia.
Os aspectos que mais caracterizam o clima na maior parte da região amazônica são:
a isotermia, a alta umidade atmosférica, as precipitações abundantes e um alto índice de
nebulosidade (MMA, 2001).
São quatro os sistemas de articulação atmosférica que atuam na região. O primeiro sistema
é responsável pelos períodos de estabilidade do tempo e corresponde ao sistema de ventos de
Nordeste (N) a Leste (E) dos anticiclones subtropicais do Atlântico Sul e dos Açores. Os outros
três sistemas são responsáveis pela instabilidade e pelas chuvas (GONÇALVES; MONTE;
CÂMARA, 1993), sendo eles: o sistema de ventos de Norte da Convergência Intertropical (CIT),
o sistema de ventos de Sul do Anticiclone Polar e o sistema de ventos de Oeste da massa
equatorial continental (mEc).
As classificações climáticas surgem para agrupar características semelhantes da atmosfera
terrestre a partir das condições médias de determinada região. De acordo com a classificação
de Köppen, existem cinco climas principais: Equatorial, Árido, Temperado, Continental e Glacial.
Enquadram-se, também, na classificação os subtipos climáticos, definidos pelas características
de temperatura e precipitação das regiões.
De acordo com a classificação de Köppen, a TIARG está inserida no subtipo climático
“Am”, caracterizado como clima tropical úmido ou subúmido (KÖPPEN, 1948) (Figura 63).
140

Figura 63 – Mapa da classificação climática de Köppen, mostrando a localização da TIARG.


141

O tipo climático “Am” é um clima de monção, com pequena estação seca (de um a
três meses). Ocorre em boa parte da Amazônia Oriental, apresentando chuvas no verão e
temperaturas elevadas (KÖPPEN, 1948).
Além dos dados da classificação climática de Köppen, o componente de climatologia
contou com análises geradas a partir de dados climáticos de duas estações meteorológicas
próximas à TIARG: a Estação Meteorológica Automática de Capitão Poço/PA e a Estação
Meteorológica Automática de Paragominas/PA, contando com os dados de temperatura e de
precipitação da região. Os dados gerados foram os índices de chuva e temperatura, com uma
temporalidade de cinco anos (2011 a 2014), conforme os gráficos de precipitação (Figuras 64
a 67), de temperatura máxima (Figuras 68 a 71) e de temperatura mínima (Figuras 72 a 75).

Figura 64 – Índices de precipitação mensal (mm) de 2011 a 2014, às 00h00 - Estação


Capitão Poço, Pará.

Figura 65 – Índices de precipitação mensal (mm) de 2011 a 2014, às 12h00 - Estação


Capitão Poço, Pará.
142

Figura 66 – Índices de precipitação mensal (mm) de 2011 a 2014, às 00h00 - Estação


Paragominas, Pará.

Figura 67 – Índices de precipitação mensal (mm) de 2011 a 2014, às 12h00 - Estação


Paragominas, Pará.

Figura 68 – Índices de temperatura máxima (°C) de 2011 a 2014, às 00h00 - Estação


Capitão Poço, Pará.
143

Figura 69 – Índices de temperatura máxima (°C) de 2011 a 2014, às 12h00 - Estação


Capitão Poço, Pará.

Figura 70 – Índices de temperatura máxima (°C) de 2011 a 2014, às 00h00 - Estação


Paragominas, Pará.

Figura 71 – Índices de temperatura máxima (°C) de 2011 a 2014, às 12h00 - Estação


Paragominas, Pará.
144

Figura 72 – Índices de temperatura mínima (°C) de 2011 a 2014, às 00h00 - Estação


Capitão Poço, Pará.

Figura 73 – Índices de temperatura mínima (°C) de 2011 a 2014, às 12h00 - Estação


Capitão Poço, Pará.

Figura 74 – Índices de temperatura mínima (°C) de 2011 a 2014, às 00h00 - Estação


Paragominas, Pará.
145

Figura 75 – Índices de temperatura mínima (°C) de 2011 a 2014, às 12h00 - Estação


Paragominas, Pará.

Durante a etapa de diagnóstico, foram levantadas, junto à comunidade indígena,


informações sobre precipitação e temperatura mensais, com o objetivo de comparação com
os dados fornecidos pelo INMET. Os dados relatados pela comunidade podem ser vistos na
Tabela 5, nos campos de temperatura (T ºC alta e T ºC baixa) e demonstram a concordância
entre a observação da comunidade e os dados do INMET.
Os dados apresentados em bibliografia sobre a região Amazônica estão de acordo com os
dados coletados pelo INMET e que são demonstrados nos gráficos. As principais características
do clima na TIARG são as chuvas frequentes e as altas temperaturas. Os maiores índices de
precipitação estão concentrados no mês de abril e as maiores temperaturas no mês de novembro.
Os dados bibliográficos, institucionais (INMET) e os dados relatados pela comunidade
estão significativamente no mesmo padrão de informações. Apesar dessa coerência, é possível
observar relatos de extensas secas na região amazônica, com destaque para os anos de 2005
e 2010, de acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).
Um dos fatores responsáveis por essas secas foi a intensificação do fenômeno El Niño,
um processo natural de aquecimento das águas do Oceano Pacífico. Outros processos também
podem contribuir para esses cenários de secas não tão características da região. O uso do
fogo e a retirada de vegetação estão entre esses fatores.

O povo Tembé depende dos recursos naturais de seu território, como os rios para
a pesca e as roças para os plantios de subsistência. As alterações climáticas interferem no
uso desses recursos, já que os indígenas não podem contar com um processo mecânico de
irrigação e nem com a manutenção de peixes em tanques de piscicultura, apesar deste ser um
dos intuitos da comunidade, visando garantir a disponibilidade do recurso independentemente
dos fatores de mudanças climáticas, sejam eles naturais e/ou antrópicos.

4.4. Geologia

Geologia é a ciência que estuda a composição, a estrutura, as propriedades físicas, a história


e os processos que dão forma à Terra. Segundo estudos geológicos, o Brasil está totalmente contido
146

na Plataforma Sul-Americana ou porção continental emersa da Placa Sul-Americana, nas quais as


unidades geotectônicas são a Plataforma Sul-Americana e a Cadeia Andina (ALMEIDA et al., 1981).

O Cráton Amazônico é uma das principais unidades tectônicas da Plataforma Sul-


Americana, constituído pelos escudos das Guianas e Brasil Central, separados pela expressiva
faixa sedimentar das bacias do Amazonas e Solimões. Cobre uma área de aproximadamente
4.500.000 km2, que inclui a parte norte do Brasil, a Guiana Francesa, a Guiana, o Suriname, a
Venezuela, a Colômbia e a Bolívia (SCHOBBENHAUS; BRITO NEVES, 2003).
Segundo Santos (2003), os crátons são divididos em províncias, situando-se duas na
região nordeste do estado do Pará: a província Parnaíba, com os Fragmentos Cratônico São
Luís e Cinturão Gurupi; e a província Tocantins, com Fragmento Cratônico Cinturão Araguaia,
ambos de domínios pré-cambrianos.
A TIARG está posicionada geograficamente na Província Estrutural Parnaíba, com os
fragmentos Cratônicos São Luís e Cinturão Gurupi, abrangida pelas bacias sedimentares
Bragança-Viseu e Parnaíba. Sua formação litológica está representada na Figura 76.
A Província Estrutural Parnaíba localiza-se ao longo do limite entre as regiões norte e
nordeste do Brasil e engloba parte dos estados do Pará, Maranhão, Piauí e Tocantins (ALMEIDA
et al., 1977; HASUI et al., 1984). É uma das províncias estruturais brasileiras em que predominam
rochas sedimentares e vulcânicas não deformadas, depositadas em bacias sedimentares
fanerozóicas. Rochas pré-cambrianas afloram como janelas erosivas e tectônicas em meio
a essa cobertura sedimentar e constituem parte dos orógenos conhecidos como Fragmento
Cratônico São Luís e Cinturão Gurupi, nos quais intrusões de granitos ricos em alumínio são
formas comuns. Estes plutonitos estão expostos atualmente tanto no cinturão quanto no cráton
(ALMEIDA et al., 1977).
A Província Estrutural Tocantins, localizada na região central do país, nos estados do
Pará, Tocantins e Goiás, é uma entidade tectônica formada por um sistema de orógenos
essencialmente neoproterozóicos, denominados faixas Brasília, Paraguai e Araguaia, e Arco
Magmático de Goiás (ALMEIDA et al.,1977).
No estado do Pará, ela está representada pelo Cinturão Araguaia (ALMEIDA et al., 1981),
que margeia a borda oriental do Cráton Amazônico e que corresponde ao segmento norte do
Cinturão Paraguai-Araguaia (ALMEIDA et al., 1981).
As bacias sedimentares que abrangem a porção nordeste do Pará são Parnaíba e
Bragança-Viseu. A bacia Parnaíba representa os segmentos da Província Borborema, do
Cráton São Francisco, do Fragmento Cratônico São Luís e dos cinturões Araguaia e Gurupi,
ocupando cerca de 600.000 km2 da região norte e nordeste do Brasil (GÓES; FEIJÓ, 1994;
BRITO NEVES, 2002).
A Bacia Bragança-Viseu abrange cerca de 5.000 km2 no nordeste do Pará, sendo limitada
ao sul e a leste pelo embasamento pré-cambriano (Cinturão Gurupi e Fragmento Cratônico
São Luís), ao norte pela Plataforma Ilha de Santana e a oeste pela Plataforma Bragantina.
A formação geológica está atrelada ao tipo litológico das rochas. A TIARG tem sua litologia
composta por arenitos, xistos e rochas tonalíticas (Figura 76).
147

Figura 76 – Geologia da TIARG.


148

4.5. Geomorfologia

Geomorfologia é o estudo das formas de relevo, o qual é notado pelo homem no conjunto
de componentes da natureza pela sua beleza, imponência ou forma. É antiga a convivência
do homem com o relevo, no sentido de lhe conferir grande importância em muitas situações
do seu dia-a-dia, como para assentar moradia, estabelecer melhores caminhos de locomoção,
localizar seus cultivos, criar seus rebanhos ou definir os limites dos seus domínios (GUERRA;
BAPTISTA, 1995).

A Geomorfologia da Amazônia é caracterizada como uma região de planícies e alguns


planaltos. As planícies formam diques fluviais recobertos por florestas aluviais que margeiam o
leito do rio. Encontram-se nessas áreas extensos trechos baixos e planos, onde se observa maior
permanência da água de inundações, com vegetação de gramínea. Os planaltos residuais sul-
americanos são formados a partir de intrusões graníticas e de áreas de coberturas sedimentares
antigas, além de ter sofrido também o processo de intrusões e dobramentos com metamorfismo.
Todo esse processo descontínuo de relevos residuais e intrusões é interpenetrado por uma
superfície mais baixa e aplainada, representada pela depressão marginal sul-americana (ROSS,
1996).
O relevo na planície Amazônica tem como principal característica a presença de uma
superfície pediplanizada, localmente interrompida por colinas de topo plano. No limite entre
estes dois tipos de relevo desenvolve-se uma zona de transição, a Depressão Marginal Sul
Amazônica, esculpida sobre os terrenos do embasamento cristalino, caracterizada por colinas,
superfícies tabulares e formas de relevo residual (inselbergs).
De acordo com dados do RADAMBRASIL (1981), a TIARG é dividida em acumulação de
planície fluvial e duas dissecações: convexa e tabular (Figura 77). Possui um relevo basicamente
plano, possuindo apenas alguns pontos de maior elevação do terreno (Figura 78).
149

Figura 77 – Geomorfologia da TIARG.


150

Figura 78 – Pontos elevados daTIARG. Fotos: Meline Machado e Edwilson Pordeus.

Para perceber como o relevo da TIARG se comporta, gerou-se um Modelo TIN (Triangular
Irregular Network – Rede Triangular Irregular), a partir do Modelo Digital de Elevação (MDE),
com os dados da Aster GDEM (2014). O MDE, a partir da imagem Aster GDEM, mostra os
diferentes valores altimétricos da região, com resolução altimétrica de 15 metros.
Como o relevo da TIARG é, em sua maioria, plano, com suaves ondulações, o Modelo
TIN (Figura 79), mostra os dados do MDE com a sobreposição de alguns pontos elevados
que foram coletados em campo. A elevação é dada na variação das cores da imagem, onde
os tons variam na escala do verde: quanto mais escura, maior a elevação; quanto mais clara,
menor a elevação.

4.6. Pedologia

Pedologia é a ciência que estuda as características e a formação dos solos. O solo é um


material mineral e/ou orgânico consolidado na superfície da terra, que serve como meio natural
para o crescimento e desenvolvimento de plantas terrestres (IBGE, 2007).

Para o estudo de formação dos solos, foi criado, pela Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária (EMBRAPA), o Sistema Brasileiro de Classificação de Solos (SIBCS), que em
2006 teve sua segunda edição. De acordo com o SIBCS, existem 13 principais ordens de
solos no Brasil: Argissolos, Cambissolos, Chernossolos, Espodossolos, Gleissolos, Latossolos,
Luvissolos, Neossolos, Nitossolos, Organossolos, Planossolos, Plintossolos e Vertissolos, que
possuem suas subordens, grandes grupos e subgrupos (IBGE, 2007).
151

Figura 79 – Modelo Digital de Elevação – MDE gerado para a TIARG, mostrando os valores altimétricos para a área.
152

Nas principais ordens existentes na Amazônia, os solos são considerados pobres em


nutrientes, ácidos e com baixa capacidade de troca de cátions (VIEIRA; SANTOS, 1987). Mesmo
com essas características, o solo da região consegue – a partir de um sistema fechado, onde
a camada mais superficial é rica em matéria orgânica originária da decomposição de folhas,
galhos, frutos e animais – manter a vegetação exuberante e de grande porte.
Com a finalidade de verificar a fertilidade dos solos da TIARG, surge a necessidade de
analisar seus aspectos físico-químicos. De acordo com a EMBRAPA, existem quatro tipos de
solos na terra indígena: o Latossolo Amarelo, o Plintossolo, o Argissolo Vermelho-Amarelo
(antigo podzólico) e os Neossolos (antigos solos aluviais) (Figura 80).
Os Argissolos possuem profundidade variável e apresentam, como característica marcante,
um aumento de argila do Horizonte A para o B, geralmente acompanhado de boa diferenciação
de cores. As cores do horizonte B variam de acinzentadas a avermelhadas, enquanto que as
do horizonte A são mais escurecidas.
Os Latossolos em geral são muito intemperizados, profundos, de boa drenagem, além de
caracterizar uma grande homogeneidade ao longo do perfil (IBGE, 2007). Também apresentam
uma formação de argila de baixa atividade, capacidade catiônica (CTC) baixa, cores vivas,
boa agregação e estrutura comumente granular. São ácidos, porosos e de textura comumente
argilosa (CUNHA; GUERRA, 2003).
Os Neossolos Litólicos são solos pouco profundos e, muitas vezes, cascalhentos. Estes
são solos jovens e possuem minerais primários e altos teores de silte, até mesmo nos horizontes
superficiais. O alto teor de silte e a pouca profundidade fazem com que estes solos tenham
permeabilidade muito baixa.
Já os Plintossolos são solos minerais, formados sob condições de restrição à percolação
da água e sujeitos ao efeito temporário de excesso de umidade. São, de maneira geral,
imperfeitamente ou mal drenados (IBGE, 2007).
Uma das atividades relacionadas ao tipo de solo e de culturas de roças foi a identificação
do cultivo dos antigos (o que se plantava, em que tipo de terra se plantava, etc.) comparada
com o cultivo atual. Na TIARG, a comunidade relatou que tanto os antigos como o povo Tembé
de hoje praticam os mesmos tipos de cultura e no mesmo tipo de solo (Tabela 6).
153

Figura 80 – Tipos de solos existentes na TIARG.


154

Tabela 6 – Comparação entre o cultivo atual e dos antigos nos plantios da TIARG (caminhada transversal;
RUAS (2006), VERDEJO (2006)).

Antigos Hoje

Tipo de solo Terra preta Terra preta


Terra amarela Terra amarela
Terra branca Terra branca

Mandioca Mandioca
Macaxeira Macaxeira
Mandiocaba Mandiocaba
Banana Banana
Milho Milho
Arroz Arroz
Fava Fava
Feijão Feijão
Cará Cará
Cultura
Batata doce Batata doce
Jerimum Jerimum
Melancia Melancia
Cunambi Cunambi
Tabaco Tabaco
Timbó Timbó
Malva Malva
- Açaí
- Pimenta-do-reino

A partir da visita às roças, foi possível estabelecer a relação entre as terras de boa
produção apontadas pelos indígenas e a quantidade de matéria orgânica presente no solo,
demonstrando o conhecimento da comunidade para melhores níveis de produção.

4.6.1. Observações das Roças e seus Tipos de Solos

A alimentação da comunidade na TIARG provém, em parte, das roças. Por isso, o


levantamento do meio físico teve um foco maior nessas áreas. Com o objetivo de identificar as
características das roças do povo Tembé, foram feitas visitas para observar o tipo de plantio,
a coloração da terra e os problemas enfrentados. Foram priorizadas roças problemáticas e
futuras roças, a fim de propor soluções e sugestões para aprimorar o plantio das culturas
produzidas pela comunidade.
No total, foram 40 os pontos de amostragem de observações de solo, entre 34 roças
atuais e seis futuras roças distribuídas pelas trinta aldeias da TIARG (Figura 81).
155

Figura 81 – Pontos de observação das roças na TIARG.


156

A variação de cor das amostras de solo depende do material de origem e da quantidade


de matéria orgânica no mesmo. Quanto mais escuro for o solo, maior é a quantidade de matéria
orgânica presente. Também existe uma forte relação da cor do solo com a fertilidade, sendo
os solos com tons mais escuros mais propícios à plantação. Além da quantidade de matéria
orgânica e da origem do material do solo, a quantidade de água é outra característica que
diferencia os solos e influencia em sua fertilidade.
De acordo com a EMBRAPA, existem quatro tipos de solos na TIARG: o Latossolo Amarelo
(identificado por meio do mapa nas coletas 27 e 28); o Plintossolo (coletas 3, 4, 5, 9 e 11 a 26);
o Argissolo Vermelho-Amarelo (coletas 1, 2, 6, 7, 8 e 10); e os Neossolos (coletas 29 a 40).
A análise das colorações dos solos na TIARG e de sua relação com a matéria orgânica e a
fertilidade (Apêndice 1) mostra que, na região do Gurupi, a maioria das roças: (1) está localizada
em solos do tipo Plintossolos e Argissolos Vermelho-Amarelo; e (2) se caracteriza por roças
produtivas, que têm apresentado poucos problemas relacionados às suas culturas, apesar de
grande parte estar inserida em solos mal drenados. Os principais plantios dessas roças são a
mandioca e a macaxeira. Estas são produzidas em pequena escala (para subsistência), o que
justifica sua produção, apesar da tipologia de solo não tão propícia; Já na região do Guamá, as
roças estão localizadas em solos do tipo Neossolos e Latossolos Amarelos. Também têm sua
maior produção no cultivo de mandioca e macaxeira. Esses plantios ocorrem sem problemas,
pois as roças estão localizadas em solos arenosos e bem drenados.
Os problemas encontrados nas roças da TIARG não estão diretamente relacionados ao tipo
de solo e suas características, mas a fatores externos, como a presença de pragas e doenças.

4.6.2. Características das Roças da TIARG

Foram identificadas as seguintes culturas nas roças da TIARG: mandioca, macaxeira,


mandiocaba, banana, milho, arroz, fava, feijão, cará, batata-doce e jerimum; Na aldeia Cajueiro,
foram criadas as representações em forma de desenho dos tipos de cultura que a comunidade
cultiva ou pretende cultivar (Figuras 82 e 83).

Figura 82 – Atividade de desenho dos tipos de cultura que a comunidade cultiva ou pretende cultivar na
TIARG.
157

Figura 82 – Representação, de acordo com a comunidade indígena, das culturas cultivadas


na TIARG.

Todas essas culturas fazem parte da base alimentar do povo Tembé, tendo maior destaque
a mandiocaba, que, além de base alimentar, também estabelece forte identidade com a cultura
tradicional, sendo usada em uma das principais festas da comunidade, chamada Festa da
Menina-moça.
São diversos os tipos de cultura das roças da TIARG, tendo cada uma delas um calendário
de produção que define o período do preparo da terra, do plantio e da colheita (Tabela 7).
158

Tabela 7 – Calendário agrícola da TIARG.

Tipo de Cultura Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez

Mandiocaba, mandioca,
cará, batata doce e P P C C R R R P
jerimum
Melancia C C R R R P
Arroz e milho P P C C R R R P
Feijão R/P C C C
Banana C R/C R/C R/C P/C
Fava P P C R R/C R/C P
Pimenta-do-reino* P P C R R R P
Açaí* P P C R R R P
Malva P P C R/C R R P
R – Preparação da terra; P – Plantio; C – Colheita. *A colheita da pimenta-do-reino ocorre após três a quatro
anos e do açaí, após quatro anos.

Como outros povos indígenas, o povo Tembé apresenta uma divisão de tarefas entre
homens e mulheres no que se refere à produção, sendo a maior parte das atividades exercidas
pelos homens (Tabela 8).

Tabela 8 – Divisão de tarefas relacionadas à produção na TIARG.

Atividade Quem?

Preparação da terra Homem


Plantio Mulher e homem
Colheita Mulher e homem
Caça Homem
Preparação da festa Mulher

É interessante observar como o povo Tembé entende seu território. Para compreender essa
dinâmica, foi realizada uma atividade de elaboração de mapas mentais, demonstrando o olhar da
comunidade sobre os aspectos geográficos e físicos de seu território. Essa atividade foi realizada
na aldeia São Pedro e contou com a participação dos pesquisadores indígenas e de membros
da comunidade (Figura 83).
159

Figura 83 – Construindo o mapa mental dos recursos do meio físico da TIARG. Fotos: Edwilson Pordeus.

4.6.3. Aptidão Agrícola

Durante a atividade de campo do levantamento do meio físico foram relatados problemas


relacionados à produção, como culturas que não desenvolvem ou que desenvolvem, mas
apresentam problemas, como doenças e pragas que atingem a produção.

Dentre as problemáticas observadas nas roças da TIARG, foram encontrados casos de


plantações que, quando estão próximas à data da colheita, passam a secar e não vingar a
produção, como é o caso de algumas bananeiras encontradas na aldeia Bate-Vento (Figura
84). Também ocorrem problemas como: a presença de saúvas que estragam a plantação;
pequenos roedores que comem a produção das roças; e tipos de cultivo que estragam antes
do período ideal de colheita.

A avaliação da aptidão agrícola consiste na interpretação das qualidades do ecossistema


por meio da estimativa das limitações das terras para uso agrícola e das possibilidades de
correção ou redução dessas limitações, de acordo com diferentes níveis de manejo (SOUZA,
1993).
160

Os níveis de manejo são divididos em três classes, de acordo com o IBGE (2007):
1. Nível de manejo A (Primitivo) – baseado em práticas agrícolas que refletem um
baixo nível técnico;
2. Nível de manejo B (Pouco desenvolvido) – caracterizado pela adoção de práticas
agrícolas que refletem um nível tecnológico intermediário;
3. Nível de manejo C (Desenvolvido) – baseado em práticas agrícolas que refletem
um alto nível tecnológico.
Além dos níveis de aptidão agrícola, existem também os grupos e as classes. Os grupos
identificam o tipo de utilização mais intensivo das terras, ou seja, sua melhor aptidão. Já as
classes expressam a aptidão agrícola das terras para um determinado tipo de utilização. São
definidas quatro classes de aptidão: Boa, Regular, Restrita e Inapta (IBGE, 2007).
Diante dessa classificação dos níveis de manejo, a TIARG se enquadra no nível A, onde
as técnicas agrícolas desenvolvidas são pouco utilizadas. O uso intensivo dessas técnicas
não se adéqua ao contexto de uso do território dos Tembé, onde a produção é voltada para a
subsistência da comunidade e a produção excedente, quando existe, é destinada ao comércio
nas cidades próximas. Em relação às classes, a TIARG se enquadra em uma boa aptidão
agrícola. Entretanto, para aumentar o nível produtivo das roças, são dadas algumas sugestões
voltadas para o aumento de matéria orgânica nas roças.

4.6.3.1. Sugestões Gerais para Melhoramento da Produção

Na produção orgânica, o enfoque das adubações está direcionado não só aos aspectos
químicos do solo, mas também aos componentes físico-químicos e biológicos, bem como
aos efeitos de longo prazo do manejo da matéria orgânica. Dessa forma, aspectos centrais
do manejo da fertilidade são a utilização de dejetos animais, a rotação de culturas (incluindo
gramíneas e leguminosas) e o sistema de preparo de solo (SOUZA, 2006).

Compostagem

A compostagem é uma técnica simples que visa à transformação de sobras de materiais


vegetais em compostos ricos em nutrientes, através da adição de estercos de qualquer
origem. Esses compostos são utilizados para adubação das culturas e são resultado da ação
de inúmeros organismos, variando desde aqueles que podem ser vistos a olho nu (aranhas,
formigas, minhocas, besouros, centopeias) até microrganismos (fungos, bactérias, leveduras,
algas e actinomicetos), que são os mais efetivos e importantes para o processo. A matéria
orgânica é uma fonte importante de nutrientes para as plantas, como nitrogênio, fósforo,
enxofre e micronutrientes, que são liberados pelos microrganismos introduzidos no solo pela
compostagem, durante os processos de decomposição (SOUZA, 2006).

A compostagem é indicada para aumentar os teores de matéria orgânica do solo,


enriquecendo-os com componentes orgânicos que existem na própria terra, por meio de
recomendações indicadas pelas “Instruções práticas para produção de composto orgânico em
161

pequenas propriedades” (Comunicado Técnico/05, 2008).

Preparo do composto
Material: capim/folhagem, restos de animais mortos, cinzas, esterco de aves/boi/porco, restos
de vegetais (mandioca brava/cará/batata-doce/feijão/talos de banana) e água.
Ferramentas: pá, garfo, rastelo.
Escolha do local e marcação da área: o local deve ser protegido de ventos e da insolação
direta, deve ter boa drenagem, estar levemente inclinado e a pilha não deve ficar encostada
em paredes. Quando possível, deve-se utilizar galpões ou locais cobertos com piso de cimento
para melhorar a eficiência da compostagem e, principalmente, reduzir perdas de nutrientes.
Para facilitar a montagem do composto, deve-se marcar a área da pilha com o auxílio de fios
de arame ou barbante. É fundamental que o processo de compostagem seja realizado próximo
a uma fonte de água, pois, tanto durante a montagem das pilhas quanto nas reviragens, faz-
se necessário molhar o composto. Recomenda-se utilizar pilhas com 10 m de comprimento
por 1,0 m de largura e 1,5 m de altura. Estas dimensões facilitam tanto a reviragem das pilhas
como o próprio processo de compostagem (Tabela 9).

Tabela 9 – Preparo do composto orgânico para compostagem.


Material para compostagem Espessura (cm)
capim/folhagem 30
1 Camada
a
restos de animais e cinzas 05
esterco 15
restos de vegetais 15
capim/folhagem 30
restos de animais e cinzas 05
2 Camada
a
esterco 15
restos de vegetais 15
capim/folhagem 30
restos de animais e cinzas 05
esterco 15
3a Camada
restos de vegetais 15
capim/folhagem 30

Reviragem

São realizadas quatro reviragens da pilha para acelerar o processo de compostagem. A


primeira reviragem deve ser realizada15 dias após a preparação do composto orgânico, sendo
o intervalo entre uma reviragem e outra de 15 dias. Após a última reviragem, há um período
de descanso de 30 dias antes da utilização do composto orgânico. Se necessário, deve-se
adicionar água após cada camada revirada, levando-se em conta o mesmo critério de umidade
observado na montagem da meda.
A reviragem consiste em homogeneizar a pilha de composto, invertendo a ordem dos
162

materiais e colocando todo o material das bordas para o centro e do centro para as bordas da
pilha. Da mesma forma, todo o material de cima da pilha é colocado para baixo e vice-versa.
Esta operação permite que os materiais que estão na superfície da meda sejam incorporados
e entrem no processo de decomposição, tornando a compostagem mais rápida e eficiente. O
ato de revirar proporciona maior aeração na pilha, introduzindo oxigênio, reduzindo os níveis
de gás carbônico e estimulando a ação dos microrganismos decompositores. Em condições
anaeróbicas (sem oxigênio) a decomposição é mais lenta e, associada ao excesso de umidade,
pode levar ao apodrecimento e aparecimento de cheiro ruim.

Dicas importantes para aumentar a eficiência da compostagem:

Temperatura
Os microrganismos que fazem a decomposição da matéria orgânica produzem calor (em
torno de 50ºC e 65ºC). A temperatura pode ser avaliada com as próprias mãos:
• Temperatura boa: quente, mas se consegue ficar com a mão no meio da pilha;
• Temperatura alta: muito quente, não se consegue manter a mão no meio da pilha;
• Temperatura baixa: devemos revolver o composto para ativar a decomposição.

Umidade
A umidade adequada deve estar na faixa de 55% a 65%. Para verificar a umidade do
composto, deve-se apertar a massa entre os dedos:
• Umidade baixa: a massa esfarela-se com facilidade;
• Umidade adequada: consegue-se moldar a massa com as mãos;
• Umidade alta: escorre água por entre os dedos quando a massa é apertada.
• Ao final do processo, o composto adquire coloração escura e cheiro característico
de terra. Aproximadamente 80 a 90 dias após a montagem da pilha, a temperatura
reduz para cerca de 30ºC. Com estas características, o composto estará pronto para
ser usado.

Rendimento
Uma pilha com as dimensões de 1,0 x 1,5 x 10,0 m resultará em cerca de 1.900 kg de
composto pronto, suficiente para adubar de 650 a 2.000 m2 de canteiros. Ou seja, recomenda-se
usar entre 1 e 3 kg/m2 de composto; É importante destacar que essas sugestões de melhoramento
do solo a partir de produtos orgânicos disponíveis na TIARG possibilitam uma maior produtividade
das roças em longo prazo.

Uso
Com a compostagem pronta para ser usada, existem duas maneiras de enriquecer o solo com
esse composto orgânico. Um dos processos consiste em adicionar a compostagem diretamente
163

em covas individuais junto com a cultura a ser plantada, em porções de aproximadamente


250 g. Outro processo seria a aragem de toda a área de roça, homogeneizando o composto
orgânico com o solo da roça em sua totalidade. Visto que esse processo de aragem demanda
maior tempo, maquinário adequado e esforço humano em maior número, recomenda-se o
primeiro processo, no qual o composto seja acrescido em covas individuais.

Rotação de Culturas

A rotação de culturas é uma técnica agrícola que consiste em alternar, anualmente,


espécies vegetais, numa mesma área agrícola. As espécies escolhidas devem ter, ao mesmo
tempo, propósito comercial ou de subsistência e de recuperação do solo. Em sua escolha devem
ser consideradas, também, espécies que possam gerar grande quantidade de biomassa e,
preferencialmente, que fixem nitrogênio no solo, como as gramíneas e leguminosas, promovendo
a reciclagem de nutrientes.

Além de proporcionar a produção diversificada de alimentos e outros produtos agrícolas,


se adotada e conduzida de modo adequado e por um período suficientemente longo, essa
prática melhora as características físicas, químicas e biológicas do solo, auxiliando no controle
de plantas daninhas, doenças e pragas, repondo matéria orgânica, protegendo o solo da ação
dos agentes climáticos e ajudando na viabilização do Sistema de Semeadura Direta e dos seus
efeitos benéficos sobre a produção agropecuária e sobre o ambiente como um todo.
A rotação de cultura, em geral, é feita em uma área de plantio que contemple todas as
culturas em rotação. Ou seja, essa área é dividida em parcelas, onde em cada parcela existe
uma cultura diferente que será plantada e cultivada por dois anos seguidos e que, logo após
esse período, o próximo plantio entrará em sistema de rotação entre glebas e culturas existentes,
repetindo o mesmo período.
Para a rotação de culturas recomenda-se, ainda, conciliar o plantio de leguminosas
com outras culturas, pois as leguminosas são consideradas plantas recuperadoras do solo,
atuando de forma a reduzir a erosão, aumentar a matéria orgânica e recuperar a vida, estrutura
e fertilidades dos solos.
As leguminosas são pouco exigentes em nutrientes. Por isso, podem ser semeadas sem
fertilizantes e ficar nas áreas a serem recuperadas até o período de cultivo de outras culturas;
Seguem algumas vantagens da rotação de culturas:

• Aumento da matéria orgânica;


• Proteção do solo durante todo o ano;
• Diminuição dos parasitas;
• Manutenção da umidade do solo;
• Transporte dos nutrientes das camadas mais profundas para a superfície (reciclagem
de nutrientes);
• Diminuição das plantas inços;
164

• Melhor aproveitamento da mão-de-obra e máquinas no decorrer do ano;


• Maior rendimento das culturas.

Recomendações para Pragas

Sabe-se que existem diferentes defensivos agrícolas para o combate às pragas nos plantios,
mas também existem consequências para o ambiente ao usar esses produtos, principalmente
para o solo e para os rios. Dessa forma, são feitas aqui algumas recomendações de uso de
materiais orgânicos ou de baixo impacto ao meio ambiente empregados para diminuir ou acabar
com as pragas, de acordo com Paulus, Muller e Barcellos (2000):

• Leite ou soro de leite: o leite tem efeito positivo sobre o desenvolvimento das plantas,
como redução de doenças e eliminação de ácaros. Misturar em água na proporção de
1 litro de leite para 10 litros de água. Já o soro não deve ter sal e pode ser utilizado
desde puro até misturado com água a 50%.
• Placas e bacias coloridas: colocar placas pintadas de amarelo-ouro e azul logo
acima da cultura, embebidas em óleo de cárter novo. Manter sempre umedecida.
Outra opção: bacias de cor amarela ou azul intensa, contendo uma mistura de água
e detergente. Mosca minadora, mosca branca, pulgão, vaquinha e cigarrinha são
atraídas pela cor amarela, enquanto o trips, pela cor azul. Pousam e grudam nas
placas ou se afogam nas bacias.
• Urina de vaca: tem sido usada como fungicida. A urina de vaca prenhe é coletada,
armazenada em local fresco por sete a 10 dias, diluída em água a 1% (um litro de
urina para 100 litros de água) e, então, pulverizada sobre as plantas, Macerados de
plantas: fumo, arruda, cinamomo, urtiga, cipó e outras plantas têm efeito inseticida.
Coletar as folhas, picar, misturar com álcool, deixar em repouso por 48 horas, coar
e diluir em água até, no máximo, 10%. Como atrativo de Diabrotica spp. (vaquinha
ou cascudinho verde-amarelo), pode-se espalhar iscas com cipó tayuyá (PAULUS;
MULLER; BARCELOS, 2000).

4.7. Pressão Antrópica

A Região Amazônica ainda sofre as consequências de uma colonização não planejada.


Diversos foram os planos de incentivo ao desenvolvimento econômico da região, nos quais
obras de infraestrutura estavam entre as principais metas a serem atingidas. A construção de
estradas foi uma estratégia criada para facilitar o escoamento da produção e a locomoção dos
migrantes que vinham para a região, mas também trouxe inúmeros problemas, como a retirada
intensa de vegetação natural para ocupação de novas áreas nas proximidades dessas estradas
e a facilidade de acesso a áreas legalmente protegidas, que, sem a fiscalização necessária,
tornam-se alvos constantes de criminosos e invasores ilegais.

O fácil acesso às terras indígenas traz diversas problemáticas. Na TIARG, as principais


delas estão relacionadas às invasões irregulares por não índios e aos desmatamentos crescentes
165

que vêm comprometendo a sobrevivência do povo Tembé. No ano de 2010 foi elaborado,
pela FUNAI, um mapa com as pressões e ameaças à TIARG (ver Figura 13, Capítulo 1 deste
livro); Como pode ser observado no referido mapa, existe uma grande área central que não está
ocupada pelos indígenas, mas por colonos que invadiram a TIARG a partir do final da década de 70,
estimulados, principalmente, pela construção de uma estrada irregular em seu interior.

Problemas sérios enfrentados pelos indígenas da TIARG, como as invasões, as atividades ilegais
realizadas em seu interior e a forte pressão antrópica que ocorre em decorrência das fazendas, vilas e
cidades situadas em áreas fronteiriças, têm causado a intensificação da supressão da camada vegetal
da terra indígena, além de consequências socioambientais graves para as comunidades envolvidas.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A TIARG é caracterizada por diferentes tipologias ambientais, que refletem uma grande
riqueza em termos de biodiversidade. O conhecimento tradicional é de extrema importância
para a identidade de um povo. Tal conhecimento é repassado por gerações durante milhares de
anos e está intimamente ligado a sua terra. A terra não significa apenas uma dimensão física,
mas antes de tudo é um espaço comum, ancestral, de todos que têm o registro da história, da
experiência pessoal e coletiva do seu povo, enfim, uma instância do trabalho concreto e das
vivências do passado e do presente (ANJOS, 2006).

Nas atividades do Diagnóstico Etnoambiental Participativo da TIARG foram identificados


alguns aspectos desse conhecimento relativos ao meio físico através de conversas com os
pesquisadores indígenas e com a comunidade, bem como através da revisão bibliográfica e
das metodologias participativas. Durante o levantamento do meio físico, o componente de
aptidão agrícola teve destaque por estar totalmente relacionado com a prática do cotidiano da
comunidade, sendo uma atividade de suma importância para a base alimentar e cultural do
povo Tembé.
O conhecimento que o povo Tembé tem de seu território demonstra a importância dos
recursos naturais para a sobrevivência e manutenção dos costumes tradicionais desse povo.
Esse conhecimento foi refletido em todos os componentes do meio físico apresentados neste
diagnóstico. Os dados governamentais, como os do INMET sobre o clima, estão em concordância
com o calendário sazonal construído pela comunidade e é importante que ela acompanhe a
construção e a coleta desses dados e que fique atenta para as mudanças que possam ocorrer
sobre os índices de chuva e temperatura da região. A floresta amazônica é responsável pela
manutenção do ciclo hidrológico da região e as alterações climáticas já evidenciadas na área
mostram o nível de interferências (antrópicas ou naturais) às quais ela está submetida. Isso
atinge diretamente as comunidades que vivem nas áreas de floresta do bioma, que, no caso
do nordeste paraense, estão principalmente concentradas na TIARG, já que ela é o maior
contínuo florestal desta porção da Amazônia.
O povo Tembé possui estreita relação de sobrevivência e subsistência com os recursos
naturais de seu território. Por isso, as estratégias políticas devem ser formuladas e executadas
para garantir a disponibilidade e a qualidade desses recursos. A discussão sobre a gestão territorial
166

e ambiental da TIARG torna-se, então, fundamental para a manutenção e o fortalecimento


cultural, social e ambiental do povo Tembé.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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168

Apêndice 1 –Aspectos das roças atuais e futuras amostradas na TIARG, com imagens dos tipos de solo.
APÊNDICES:

Observação 001
Localização: Aldeia Canindé
Nome do dono da roça: Reginaldo Tembé
Data: 24/09/2014
Coordenadas: Lat: 2° 33’ 6.28” S; Long: 46° 30’ 30.07” W
Uso atual: futura roça Tamanho: 50 x 50 m
Cultura agrícola: milho, arroz, mandioca e banana.
Relevo local: plano, mal drenado, sem erosão, sem pedregosidade.
9HJHWDomRÀRUHVWD
Estrutura do solo: areia, pouco cascalhenta tipo maciça, friável, solta, ligeiramente
plástico e ligeiramente pegajoso.
Cor do solo: marrom claro

Observação 002
Localização: Aldeia Canindé
Nome do dono da roça: Edilson Tembé
Data: 24/09/2014
Coordenadas: Lat: 2° 33’ 23.58” S; Long: 46° 30’ 13.76” W
Uso atual: roça atual Tamanho: 50 x 50 m
Cultura agrícola: macaxeira, banana, caju e cupuaçu.
Relevo local: suavemente ondulado, bem drenado, sem erosão, sem pedregosidade.
Vegetação: campinarana
Estrutura do solo: areia franca, pouco cascalhento tipo maciça, umidamente solta,
ligeiramente plástico e ligeiramente pegajoso.

ETNOZONEAMENTO DA TERRA INDÍGENA ALTO RIO GUAMÁ 163


Cor do solo: Marrom escuro

Observação 003
Localização: Aldeia Cocalzinho
Nome do dono da roça: Luís Ferreira
Data: 25/09/2014
Coordenadas: Lat: 2° 30’ 33.86” S; Long: 46° 26’ 19.65” W
Uso atual: futura roça Tamanho: 75 x 75 m
Cultura agrícola: mandioca e melancia
Relevo local: suavemente ondulado, bem drenado, sem erosão, sem pedregosidade.
9HJHWDomRÀRUHVWD
Estrutura do solo: areia, pouco cascalhenta tipo maciça, umidamente solta,
ligeiramente plástico e ligeiramente pegajoso.
Cor do solo: marrom claro

Observação 004
Localização: Aldeia Cocalzinho
Nome do dono da roça: Luís Ferreira
Data: 25/09/2014
Coordenadas: Lat: 2° 30’ 32.69” S; Long: 46° 26’ 19.62” W
Uso atual: roça atual Tamanho: 150 x 150 m
Cultura agrícola: mandioca e macaxeira.
Relevo local: suavemente ondulado, bem drenado, sem erosão, sem pedregosidade.
9HJHWDomRÀRUHVWD
Estrutura do solo: areia, pouco cascalhenta tipo maciça, umidamente solta,
ligeiramente plástico e ligeiramente pegajoso.
Cor do solo: marrom claro

Observação 005
Localização: Aldeia Cocalzinho
Nome do dono da roça: Luís Ferreira
Data: 25/09/2014
Coordenadas: Lat: 2° 30’ 17.56” S; Long: 46° 26’ 9.45” W
Uso atual: roça atual Tamanho: 250 x 250 m
Cultura agrícola: arroz, banana, mandioca e milho.
Relevo local: Suavemente ondulado, bem drenado, sem erosão, sem pedregosidade.
9HJHWDomRÀRUHVWD
(VWUXWXUDGRVRORDUJLORDUHQRVDFDVFDOKHQWDWLSRJUmRVLPSOHVXPLGDPHQWH¿UPH
não plástico e ligeiramente pegajoso.
Cor do solo: marrom alaranjado

Observação 006
Localização: Aldeia Bate Vento
Nome do dono da roça: Diego Tembé
Data: 25/09/2014
Coordenadas: Lat: 2° 31’ 52.46” S; Long: 46° 28’ 54.51” W
Uso atual: roça atual Tamanho: 250 x 250 m
Cultura agrícola: mandioca, banana, milho e arroz.
Relevo local: suavemente ondulado, bem drenado, sem erosão, ligeiramente
pedregoso.
9HJHWDomRÀRUHVWD
Estrutura do solo: argiloarenosa, pouco cascalhenta tipo grão simples, seco e
solto, ligeiramente plástico e ligeiramente pegajoso.
Cor do solo: marrom alaranjado
170
171
172
173
174
175
176

CAPÍTULO 6
FLORA E FAUNA
177

6.1 – VEGETAÇÃO

Alexandre de Souza Mesquita


Rildo Souza dos Anjos
Maurício Diego Sousa Costa
José Ribamar Carneiro Tembé
Francisco dos Santos Nascimento
178

1. INTRODUÇÃO
A Amazônia possui a maior e mais rica floresta tropical do planeta. Abrange nove países
da América do Sul, com seis milhões de quilômetros quadrados (RYLANDS et al., 2002) e
abriga 11.752 espécies de plantas, distribuídas em 197 famílias botânicas, sendo que 2.540
angiospermas endêmicas ocorrem nesse domínio fitogeográfico (REFLORA, 2014).

A vegetação da TIARG é um conjunto vegetacional particular em termos de Amazônia


por ser um dos poucos remanescentes e o maior contínuo florestal ainda existente no Centro
de Endemismo de Belém. Apesar de sua importância ecológica, este ecossistema encontra-se
fortemente ameaçado pelo desmatamento e pela extração seletiva de madeira que ocorrem
de forma clandestina no interior da terra indígena. Os efeitos dessas ações são as alterações
do microclima dentro e ao redor do remanescente florestal e o isolamento de espécies da
flora e da fauna (CAMARGO; KAPOS, 1995; VIANA; TABANEZ, 1996). Esse impacto tem por
consequência a redução da diversidade biológica da flora e fauna local e mudanças no regime
hídrico e climático, os quais afetam diretamente a qualidade de vida da população (VIANA;
TABANEZ, 1996).

A cobertura florestal da TIARG é formada pela Floresta Ombrófila Densa. Esse tipo de
vegetação é classificado em: Floresta Ombrófila Densa Aluvial; Floresta Ombrófila Densa
Submontana; e Floresta Ombrófila Densa de Terras Baixas, além das áreas de uso da terra,
segundo o mapa da vegetação (IBGE, 2012).
As Florestas Ombrófilas Densas Aluviais são as formações florestais inundadas pelas
águas dos rios (VELOSO; RANGEL-FILHO; LIMA, 1991). Na Amazônia, são denominadas de
várzeas ou igapós, dependendo da cor das águas que as inundam. A floresta de várzea é uma
vegetação periodicamente inundada por rios de água branca e a floresta de igapó, por rios de
água preta ou clara (PIRES; PRANCE, 1985).
A Floresta Ombrófila Densa das Terras Baixas e a Submontana são formações que ocupam,
em geral, as planícies costeiras, capeadas por tabuleiros pliopleiscênicos do Grupo Barreiras.
O uso da terra na TIARG foi classificado em áreas de pastagem, vegetação secundária
e uma extensa área sem informação da tipologia florestal, segundo dados geográficos do
RADAMBRASIL (1974; atualização do Projeto SIVAM, 2002).
Por se tratar do primeiro registro da riqueza de espécies da flora na terra indígena, o
estudo relacionado à caracterização da vegetação é de fundamental importância para as
políticas públicas de conservação da biodiversidade e cultura indígena da TIARG.

2. OBJETIVOS
2.1. Objetivo Geral

O estudo visou avaliar a composição florística e a fitossociologia nas formações florestais


da TIARG, indicando também as espécies utilizadas no extrativismo e na medicina tradicional,
de forma a contribuir para o processo de gestão ambiental e territorial da área.
179

2.2. Objetivos Específicos

• Obter a lista preliminar das espécies da flora, incluindo as ameaçadas, raras e endêmicas
(incluindo o nome científico e o nome dado pelos indígenas);
• Caracterizar as fitofisionomias;
• Elaborar um mapa da vegetação;
• Descrever o uso da vegetação pela comunidade indígena;
• Indicar as relações do povo indígena com a floresta, identificando as espécies utilizadas
pela comunidade e o tipo de uso dado a elas (sagrado, alimento, medicina tradicional, etc.).

3. METODOLOGIA

3.1. Coleta de Dados

O levantamento florístico e fitossociológico foi realizado através de amostragens da


população florestal, destacando-se a presença de espécies mais representativas da flora, além
da identificação de comunidades ou populações singulares (espécies ameaçadas, endêmicas,
raras e de distribuição restrita).

O inventário florístico foi desenhado de forma a coletar informações sobre a ocorrência de


espécies vegetais nas principais fitofisionomias florestais da TIARG. Os dados foram coletados
em 14 parcelas de 50 x 50 m, sendo que seis unidades amostrais foram instaladas no Guamá
e oito no Gurupi, amostrando uma área total de 3,5 hectares (Apêndice 2). Os locais para
instalação das parcelas foram definidos durante a I Oficina do Zoneamento Participativo da
TIARG, realizada na aldeia Frasqueira (região do rio Guamá), em agosto de 2014, considerando
como critério os tipos de vegetação definidas pelo RADAMBRASIL (1974; atualização do Projeto
SIVAM, 2002). Esta etapa contou com a participação essencial da comunidade indígena, que
contribuiu, com seu conhecimento sobre a área, de forma determinante para a definição dos
locais de estudo.
Com o auxílio de GPS (Global Position System), foram coletadas informações sobre as
coordenadas geográficas para cada parcela. Para a definição dos parâmetros fitossociológicos, foi
realizado o levantamento dentrométrico e dentrológico das árvores e palmeiras com Circunferência
à Altura do Peito (CAP) ≥ 30 cm (FILGUEIRAS, et al., 1994).
A coleta de dados da vegetação em estágio inicial de sucessão (juquira) seguiu o método
de caminhamento, que consiste no reconhecimento da vegetação e identificação das espécies
mais representativas (FILGUEIRAS, et al., 1994).

3.2. Análise da Estrutura e Composição Florística

Os indivíduos vegetais foram classificados quanto à forma de vida em: árvore, arvoreta,
palmeira, arbusto, subarbusto, herbáceo (terrestre, saprófita e aquática), hepífita e hemiepífita,
180

liana (incluindo herbáceas e lenhosas) e hemiparasita (VIDAL; VIDAL, 2003). Para a classificação
em nível taxonômico de família, gênero e espécie adotou-se o sistema APG III (ANGIOSPERM
PHYLOGENY GROUP, 2009).

3.3. Análise Fitossociológica

Os parâmetros fitossociológicos seguiram os métodos adotados por Garcia e Lobo-Faria


(2014), como: cálculo de Densidade, Frequência, Dominância Absoluta e Relativa, Índices de
Valor de Cobertura (IVC) e Importância (IVI). Além desses, também foi calculada a importância
ecológica das famílias no ecossistema, a partir do Índice de Valor de Importância Ampliado (IVIA).

3.4. Estudo Etnobotânico

A identificação das principais espécies da flora utilizadas pela comunidades indígenas


e a avaliação do status de conservação das formações florestais estudadas foram realizadas
através de entrevistas semiestruturais (LIMA, 2004) aplicadas aos pesquisadores indígenas.
O objetivo foi levantar dados sobre o estado da floresta e quais são as espécies utilizadas na
construção de casas, na medicina, na produção de artesanato e na alimentação.

4. RESULTADOS
4.1. Caracterização das Fitofisionomias

A unidade de paisagem da TIARG é a Floresta Ombrófila Densa, com: vegetação aluvial


a noroeste e nas margens do rio Piriá; terras baixas no centro; e submontana a sudeste. A
paisagem também se caracteriza pela presença de vegetação secundária com e sem palmeira
e de uma área predominante sem informação sobre o tipo de vegetação, no sul da TIARG.
Quanto ao uso da terra, a pastagem sobressai, com predominância de vegetação herbácea
(IBGE, 2012).

O reconhecimento e definição das unidades da paisagem tiveram origem a partir


do levantamento de campo, que permitiu caracterizar as sete fitofisionomias descritas pelo
RADAMBRASIL (1974; atualização do Projeto SIVAM, 2002), sendo possível identificar a Floresta
de Terra Firme, a Mata Ciliar, a Floresta Secundária Avançada e a Pastagem. O resultado do
estudo da flora possibilitou gerar o mapa atualizado da vegetação da TIARG (Apêndice 2).

4.1.1. Floresta de Terra Firme

Segundo Araújo, Jordy-Filho e Fonseca (1984), a floresta de terra firme é o ecossistema


florestal com maior expressão e de grande complexidade no que se refere à composição,
densidade e distribuição das espécies.

Na TIARG, a floresta de terra firme ocorre: nas regiões mais internas e altas das vegetações
dos tipos submontana e aluvial; nas áreas consideradas sem informação da tipologia; e na
181

formação secundária sem palmeira, sobre solo argiloso úmido (Apêndice 2). A estrutura do
sub-bosque é bem visível, com vários indivíduos arbóreos no estrato inferior. O dossel é aberto,
com diversas árvores emergentes de até 29 m de altura (Figura 84).
A vegetação dessa floresta é constituída por arbustos, árvores, palmeiras, ervas, epífitas e
lianas. As árvores predominam na estrutura horizontal, com diâmetros entre 10 a 130 cm. A área
basal encontrada para esse ambiente é de 52,94 m², considerando árvores e palmeiras, com
densidade de 595,3 indivíduos por hectare. Eschweilera coriacea (DC.) S.A. Mori (matamatá-
branco), Apeiba echinata Gaertn. (pente-de-macaco) e Inga thibaudiana DC. (ingá-branco) são
as espécies mais frequentes.

Figura 84 – Floresta de terra firme localizada nas proximidades da aldeia


Bate-Vento, região do rio Gurupi, porção sul da TIARG. Foto: Maurício Diego.

4.1.2. Mata Ciliar


O estudo nas margens dos rios foi realizado: na formação que, segundo o IBGE (2012),
está sem informação; na Floresta Ombrófila Densa de Terras Baixas; e na Aluvial (Figura
85). A tipologia (ou unidade de paisagem) de Terras Baixas é uma formação que ocupa as
planícies costeiras, normalmente capeadas por tabuleiros pliopleiscênicos do Grupo Barreiras.
A denominação Aluvial designa uma formação ribeirinha ou floresta ciliar que incide ao longo
dos cursos d'água, ocupando os terraços antigos das planícies quaternárias (IBGE, 2012).

Figura 85 – Mata ciliar localizada nas proximidades da aldeia Frasqueira, região


do rio Guamá, porção norte da TIARG.
182

A riqueza e a diversidade de espécies na Mata Ciliar são menores em relação à Floresta


de Terra Firme. As árvores alcançam até 22 m de altura, o sub-bosque é bem aberto com
espécies no estrato inferior, porém, com maior número de indivíduos nas primeiras classes de
diâmetro. Uma menor diversidade ocorre neste ambiente porque poucas espécies desenvolvem
mecanismos morfofisiológicos para se adaptar ao ritmo sazonal de inundação (SILVA et al.,
1992).
As espécies com maior densidade são Pithecelobium corymbosum Benth (pracaxi-
vermelho) e Euterpe oleracea Mart. (açaizeiro). Estas também foram as mais importantes quando
se considera a estrutura da floresta. As mais frequentes são Virola venosa (ucuúba-branca) e
Gustavia augusta L. (geniparana). As outras espécies que só ocorreram nas margens dos rios,
como Symphonia globulifera L.f. (anani) e Socratea exorrhiza (Mart.) H.Wendl. (paxiúba), foram
citadas por Carim et al. (2008) para uma várzea no município de Mazagão, no Amapá, e por
Ferreira et al. (2005) e Almeida e Thales (2003) para a floresta de igapó de Melgaço, no Pará.

4.1.3. Floresta Secundária

A vegetação secundária é predominante na TIARG, sendo também a menos rica,


apresentando baixa diversidade da flora. Ocorre nas fisionomias de terras baixas, nas florestas
secundárias com palmeiras e nas áreas sem informação, segundo classificação do IBGE (2012).

O sub-bosque é denso, com muitas árvores nas menores classes de diâmetro, totalizando
520 árv.ha-1 para todas as classes. A fisionomia é caracterizada pelas árvores de dossel aberto,
com diâmetro médio de 34,42 cm e altura máxima de 20 m (Figura 86). A sucessão florestal
é o resultado dos impactos das diversas atividades antrópicas sobre a floresta primária, os
quais, na maioria das vezes, originam a floresta secundária (VIEIRA et. al,1996; ALMEIDA;
THALES, 2014).

Figura 86 – Floresta Secundária localizada nas proximidades da aldeia Cajueiro,


região do Gurupi. Foto: Maurício Diego.
183

Observaram-se, no interior dessa tipologia, indicadores de vegetação queimada, evidenciando que a


floresta original sofreu este tipo de intervenção para o estabelecimento de práticas agrícolas ou pecuárias; Os
capoeirões são matas em estágio avançado de regeneração, com mais de 20 anos. Apresentam
altura média superior a 10 m e diâmetro maior que 11 cm, com árvores que crescem no sub-
bosque e ultrapassam o dossel da floresta (climáticas), dos gêneros Ocotea e Eschweileira,
das famílias Lauraceae e Lecythidaceae, respectivamente (VIEIRA; PROCTOR, 2007).
Fabaceae é a família com maior percentual de indivíduos (23%) e de riqueza (22%).
Juntamente com as famílias Anacardiaceae, Hypericaceae e Tiliaceae, somam 54% da densidade.
A segunda família mais rica foi Lecythidaceae.
O processo de sucessão é bastante avançado. As famílias botânicas mais representativas
quanto à riqueza, abundância de indivíduos e área basal são Flacourtiaceae, Clusiaceae,
Lacistemaceae e Melastomataceae. Segundo Oliveira e Jardim (1998), estas famílias são de
início de sucessão secundária e comuns em capoeiras de até 30 anos.

4.1.4. Pastagem

As áreas de pastagens são dominadas por vegetação em estágio inicial de sucessão


(juquiras) que se estabelece nas pastagens ou espaços agrícolas abandonados. Essa vegetação
normalmente tem cinco anos, podendo chegar aos 10 anos. Há predomínio de árvores pioneiras,
como os lacres (Vismia sp.), embaúbas (Cecropia sp.) e jurubebas (Solanum sp.), com altura
média de 6 m e diâmetro médio de 7 cm (SALOMÃO et al., 2012).

É importante destacar que não foram instaladas parcelas para amostragem da população
nas pastagens. O levantamento foi esporádico, por observação, resultando no levantamento
de árvores, arbustos, ervas e lianas, com freqência de Vismia guianensis (Aubl.) Pers. (lacre),
Gustavia augusta L. (geniparana) e dominância de Brachiaria sp. (Figura 87).

Figura 87 – Floresta secundária em estágio inicial de sucessão ecológica


nas proximidades da aldeia Itahu, região do Guamá. Foto: Maurício Diego.
184

Grande parte dessa vegetação encontra-se abandonada. Foram identificadas árvores


de Inga gracilifolia Ducke. e Inga heterophylla Willd. (ingá-xixica e ingá) com até 5 m de altura
e 5 cm de diâmetro, bem como ervas e lianas, como Ischnosiphon obliquus (Rudge) Körn.
(guarumã) e Doliocarpus dentatus (Aubl.) Standl. (cipó-de-fogo), caracterizando uma floresta
secundária em processo inicial de sucessão ecológica.

4.2. Florística

Durante o levantamento florístico, foram registrados 1.988 indivíduos distribuídos em


221 espécies, pertencentes a 160 gêneros e 50 famílias. Das espécies amostradas, foram
identificadas 10 de ervas, 11 de lianas, sete de palmeiras, sete de arbustos e 186 de árvores
(Apêndice 3). Vinte indivíduos amostrados foram identificados somente pelo nome comum. É
importante destacar que esses indivíduos foram nomeados pelos pesquisadores indígenas. Dois
indivíduos amostrados não foram identificados pelos pesquisadores indígenas e não indígenas.

Considerando-se todos os ambientes amostrados na TIARG, as famílias Fabaceae,


Sapoteceae, Lecythidaceae, Moraceae, Annonaceae, Chrysobalanaceae, Arecaceae, Buceraceae
e Malvaceae mostraram as maiores riquezas (Apêndice 4). As famílias Fabaceae, Lecythidaceae,
Burseraceae, Arecaceae e Urticaceae são as mais abundantes, com 49% do total de indivíduos.
Vinte famílias estiveram representadas por apenas uma espécie. As Fabaceae, como árvores,
arbustos, ervas e lianas, somam 25% de todos os táxons levantados.
A floresta de terra firme é rica em espécies das famílias Fabeceae, Sapotaceae,
Lecythidaceae, Moraceae, Chrysobalanaceae, Annonaceae e Urticaceae. A primeira família
botânica citada é a mais rica, com 25,3% das espécies, e a mais abundante, com 18% dos
indivíduos amostrados (Apêndice 4), sendo representada principalmente pelo gênero Inga.
As Fabeceae, Lecythidaceae, Chrysobalanaceae e Annonaceae representam 40% da
riqueza presente na Floresta Secundária da TIARG (Apêndice 4). Inga alba (ingá-vermelho),
Inga thibaudiana (ingá-branca), Inga gracilifolia (ingá-xixica), Inga heterophylla (ingá) e Inga
sp (ingá-folha-grande) predominam na área, somando 41% das Fabaceae em processo de
sucessão florestal.
A Mata Ciliar é caracterizada por espécies comuns de floresta inundável, representada
pela abundância de Pithecelobium corymbosum (pracaxi-vermelho) e Pentaclethra macroloba
(pracaxi-preto), ambas da família Fabaceae, que é a mais rica entre as 33 famílias catalogadas
nas margens dos rios da TIARG (Apêndice 4). Lecythidaceae é a segunda família em número de
espécies, com destaque para o gênero Eschweilera, que soma cinco espécies e 95 indivíduos.
Arecaceae é abundante nas margens dos rios, onde foram levantadas 84 touceiras de Euterpe
oleracea (açaizeiro). Também é comum encontrar indivíduos de Socratea exorrhiza (paxiúba).
O levantamento da formação secundária inicial (juquira) resultou na amostragem de
apenas 39 espécies, distribuídas em 24 famílias. As famílias mais representativas em riqueza
foram Fabaceae, Poaceae, Lecythidaceae e Annonaceae (Apêndice 6).
185

4.2.1. Ocorrência das Espécies nasTipologias Florestais

Avaliando a frequência das espécies que ocorrem na Floresta de Terra Firme, na Floresta
Secundária e na Mata Ciliar da TIARG, e considerando a riqueza da flora nas três tipologias,
foi evidenciada uma distinção em relação à composição florística.

Constatou-se que 47 espécies são comuns aos três ambientes, equivalendo a 24% do
total identificado no levantamento. Outras 114 espécies ocorrem em pelo menos dois dos
ambientes, sendo 51 na Floresta de Terra Firme, 24 na Floresta Secundária e 39 espécies na
Mata Ciliar. Foram catalogadas 91 espécies que ocorreram em apenas um dos três ambientes
analisados, estando 53 exclusivamente na Floresta de Terra Firme, 13 na Floresta Secundária
e 25 na Mata Ciliar (Figura 88).

Figura 88 – Ocorrência e distribuição das espécies nos três ambientes analisados


na TIARG.

4.3. Fitossociologia da Vegetação

Os parâmetros que caracterizam a estrutura horizontal das florestas da TIARG determinaram


uma densidade média de 1147,73 ind.ha-1. As espécies Tapirira guianesis (tatapiririca), Eschweilera
coriacea (matamatá-branco), Euterpe oleracea (açaizeiro), Apeiba echinata (pente-de-macaco),
Inga thibaudiana (ingá-braco), Guatteria poeppigiana (envira-preta), Pithecelombium corymbosum
(pracaxi-vermelho) e Visma latifolia (lacre-brancom) somam 505 ind.ha-1.

Eschweilera coriacea é a mais importante das espécies na estrutura das florestas, com
valor de importância - IVI de 13,36%. Esse mesmo valor de importância foi encontrado por
Almeida et al. (2010) para E. coriacea, nos fragmentos florestais do Centro de Endemismo Belém.

As espécies levantadas nas três tipologias florestais (Floresta de Terra Firme, Floresta
Secundária e Mata Ciliar) são importantes para a estrutura da floresta, porém 15 espécies se
destacaram quanto ao IVI, valor que expressa numericamente a importância de uma determinada
espécie dentre as árvores de uma comunidade florestal (Tabela 10).
186

Tabela 10 - Parâmetros fitossociológicos de 15 espécies da flora levantadas nas três tipologias florestais
da TIARG. DR% -Densidade relativa; FR% - Frequência Relativa; DoR% - Dominância Relativa; IVC%
- Índice de Valor de Cobertura; IVI% - Índice de Valor de Importância.

Espécie Nome vulgar DR% FR% DoR% IVC% IVI%

Eschweilera coriacea matamatá-branco 4,88 1,68 6,80 11,68 13,36


Pithecelobium corymbosum pracaxi-vermelho 3,29 0,51 6,80 10,08 10,59
Tapirira guianensis tatapiririca 4,26 1,68 2,84 7,10 8,78
Protium altsonii breu-mescla 3,08 1,18 3,47 6,55 7,72
Apeiba echinata pente-de-macaco 3,29 1,85 2,14 5,43 7,28
Goupia glabra cupiúba 2,31 1,01 3,87 6,18 7,20
Inga alba ingá-vermelho 2,36 1,68 2,94 5,30 6,98
Cecropia membranacea imbaúba 3,08 1,35 2,51 5,59 6,94
Guatteria poeppigiana envira-preta 3,34 1,52 1,61 4,94 6,46
Euterpe oleracea açaizeiro 3,95 1,01 0,95 4,90 5,92
Jacaranda copaia parapará 1,80 1,01 2,98 4,78 5,79
Inga thibaudiana ingá-branco 3,23 1,52 1,01 4,24 5,75
Eschweilera sagotiana envira-de-caçador 2,57 1,01 1,93 4,50 5,51
Cordia tetrandra chapéu-de-sol 1,85 1,18 1,56 3,41 4,58
Eschweilera ovata matamatá-preto 1,44 1,18 1,59 3,03 4,21
Subtotal - 45 19 43 88 107
Demais Espécies - 55 81 57 112 193
Total - 100 100 100 200 300

4.3.1. Índices de Diversidade

Segundo Knight (1975), o índice de Shannon-Wiener normalmente varia de 3,83 a 5,85


para florestas tropicais, valores considerados altos para qualquer tipo de vegetação. O índice
de Shannon envolvendo todos os ambientes foi de 4,5, significando que a área estudada possui
grande diversidade. O valor encontrado na TIARG é próximo ao valor de 5,1 nats.indivíduo-¹,
que foi observado por Oliveira e Amaral (2005) no sub-bosque da Floresta de Terra Firme da
Amazônia Central, e similar ao valor de 4,0, encontrado por Carim et al. (2007) em uma floresta
secundária na região de Bragança, no estado do Pará.

O grau de equabilidade de Pielou estimado neste estudo (J’= 0,81) indica alta uniformidade
nas proporções indivíduos/espécies dentro da comunidade vegetal. Esse índice de equabilidade
pertence ao intervalo [0,1], onde 1 representa a máxima diversidade, ou seja, todas as espécies
são igualmente abundantes. Em função desses elevados índices de diversidade e equabilidade
apresentados pelas comunidades estudadas, pode-se considerá-las estáveis e independentes,
pois todas as espécies estudadas possuem a mesma abundância.
187

4.3.2. Estrutura da Floresta

As florestas da TIARG são remanescentes de floresta primaria, com alterações na


estrutura, possibilitando o processo de sucessão florestal nas áreas onde houve exploração
de madeira. Considerando a análise fitossociológica e florística das tipologias estudadas, a
floresta da TIARG encontra-se em procedimento de conservação.

Os indivíduos arbóreos da floresta do Gurupi são de maior porte, tanto em diâmetro


quanto em altura. O dossel florestal é mais fechado e o sub-bosque menos denso. Isso indica
que o status de conservação na região do Gurupi é mais avançado quando comparado com a
floresta do Guamá. Nesta, observou-se um sub-bosque mais denso, com várias árvores com
diâmetro menor que 10 cm e poucas espécies distribuídas nas maiores classes diamétrica,
significando maior intervenção humana na estrutura florestal.

4.3.2.1. Altura Média

A altura média dos indivíduos, considerando-se todos os ambientes e DAP ≥ 10 cm, foi
de 16 metros. A Floresta de Terra Firme apresenta indivíduos arbóreos mais altos entre os
três ambientes, podendo alcançar a altura de 6 a 10 m no estrato inferior, 11 a 14 m no estrato
médio e 15 a 30 m no estrato superior. As árvores e palmeiras existentes nas margens dos rios
(Mata Ciliar) apresentam altura entre 6 e 20 m. As florestas secundárias variam em altura de
6 a 20 m (Figura 89). A altura foi estimada com destaque para a floresta de terra firme, onde
há indivíduos de maior porte.

Figura 89 – Altura estimada das espécies nas três tipologias florestais da TIARG.

4.3.2.2. Distribuição Diamétrica

A distribuição diamétrica de todas as tipologias demonstra uma maior diversidade nas


menores classes de diâmetro, significando que a floresta está com sua dinâmica normal
(Figura 90), delineando uma curva decrescente do tipo “J” invertido, seguindo, portanto, o
188

comportamento de muitas florestas nativas da Amazônia (JARDIM; HOSOKAWA, 1986/1987;


JARDIM, 1995; AMARAL; MATOS; LIMA, 2000; OLIVEIRA et al., 2008; OLIVEIRA; AMARAL,
2004). Segundo Rabelo et al. (2002) e Santana (2002), essa característica da floresta também
é encontrada em florestas secundárias ou em florestas no início da sucessão. Isso significa
que houve exploração de espécies arbóreas na floresta da TIARG.

Figura 90 – Distribuição dos indivíduos com diâmetro ≥10 cm, por classe diamétrica,
nas três tipologias florestais da TIARG.

4.4. Espécies Ameaçadas e Endêmicas

Almeida et al. (2010) identificaram as seguintes espécies ameaçadas no Centro de


Endemismo Belém, de acordo com a lista de espécies ameaçadas do estado do Pará (SEMA,
2008): Aspidosperma desmanthum Benth. ex Müll. Arg. (araracanga), Manilkara huberi (Ducke)
Chevalier (maçaranduba), Mezilaurus itauba (Meisn.) Taub. ex Mez (itaúba) e Tabebuia
impetiginosa (Mart. ex DC.) Standl. (ipê-roxo). Dessas quatro espécies, somente as duas
primeiras foram amostradas no presente estudo, ambas classificadas na categoria “Vulnerável”
de ameaça (SEMA, 2008). Isso não significa que as duas últimas não ocorram na área, pois o
levantamento pode não ter sido suficiente para amostrá-las. Essas espécies ocorrem no interior
da floresta, sendo que não foram catalogadas nas parcelas. Portanto, seria necessário realizar
uma amostragem maior da população florestal para tentar registrá-las.

Outra espécie considerada vulnerável à extinção no Pará (SEMA, 2008) e que foi catalogada
nas florestas da TIARG é Heteropsis flexuosa (cipó-titica), que também é considerada vulnerável
pela IUCN (2013) (Tabela 11).
As demais espécies registradas na TIARG não foram enquadradas em nenhuma categoria
de ameaça. No entanto, Guatteria poeppigiana Mart. é a única espécie endêmica à área,
segundo consulta à Lista de Espécies da Flora Brasileira (2013).
As espécies consideradas raras são aquelas que ocorrem na amostragem com apenas
um indivíduo (OLIVEIRA et al., 2008). Entretanto, neste estudo, não se pode afirmar que as
espécies levantadas com um indivíduo são raras, devido a amostragem da população ter
coberto áreas pontuais em cada ambiente estudado.
189

Tabela 11 – Lista de espécies da flora enquadradas em categorias de ameaça e que foram registradas na TIARG.

Categoria de Ameaça
Nome Científico Local SEMA
MMA (2008) IUCN (2013)
(2008)
Aspidosperma desmanthum
Gurupi Fora de Perigo Vulnerável Fora de Perigo
Benth. ex Müll. Arg.
Manilkara huberi (Ducke)
Gurupi/Guamá Fora de Perigo Vulnerável Fora de Perigo
Chevalier
Heteropsis flexuosa (Kunth)
Gurupi/Guamá Deficiência de Dados Vulnerável Vulnerável
G.S.Bunting

4.5. Estudo Etnobotânico

A relação homem-planta é estudada pela etnobotânica, em dimensões antropológicas,


botânicas e ecológicas (BERMEJO, 1991). Essa ciência permite o resgate do conhecimento
popular e contribui para a conservação de espécies (VIEIRA; MARTINS, 1996).

Objetivando contribuir com o conhecimento da biodiversidade da flora da TIARG, foi


realizado o registro dos tipos de usos que os indígenas fazem dos recursos vegetais. A obtenção
de informações a respeito da relação da cultura indígena com a flora foi possível devido ao
conhecimento dos indígenas pesquisadores, que contribuíram com a pesquisa etnobotânica.
Durante a pesquisa sobre a relação dos indígenas com a flora, foram citadas 53 espécies
(identificadas pelo nome popular indígena) e suas categorias de uso. Destas, 20 espécies não
ocorreram nas parcelas amostradas. Logo, o levantamento para tentar catalogar tais espécies
deveria incluir mais unidades amostrais. Não foi possível classificar quatro indivíduos quanto
ao nome científico, gênero ou família botânica (Apêndice 5).
As espécies estudadas são utilizadas principalmente na alimentação, artesanato, medicina
tradicional e para construção. Foi possível fazer uma classificação com essas categorias de
usos. O uso da flora na medicina tradicional indígena obteve maior percentual, seguida da
utilização da flora para construção (Figura 91).

Figura 91 – Tipos de uso das espécies vegetais da TIARG.


190

5. CONCLUSÕES
A vegetação da TIARG é um remanescente de floresta primária, com processo de sucessão
florestal nas áreas onde ocorreu exploração de madeira ou queimada da floresta. Isso é bem
visível na Floresta de Terra Firme, na Floresta Secundária e na Mata Ciliar tanto na região
do rio Guamá quanto na região do rio Gurupi. A pressão sobre essas tipologias é diferente
nos dois locais. As florestas do Guamá são as mais alteradas, status que se comprova pela
maior concentração de indivíduos de menor porte e diâmetro, observados no sub-bosque. No
entanto, as árvores com maior diâmetros e altura são abundantes no Gurupi, o que indica pouca
interferência na floresta. Por isso, é um lugar que pode ser considerado bastante ameaçado
pela extração ilegal de madeira.

A exploração e a queimada da floresta, evidenciados pelos ramais de arraste de madeira


e troncos cortados ou carbonizados observados no interior da floresta, podem trazer, como
consequência, o desaparecimento das espécies vulneráveis à extinção, além de Guatteria
poeppigiana, a única espécie endêmica identificada no levantamento de campo.
A vegetação secundária cresceu nos locais onde foi praticada a agricultura ou pecuária
com a queima da vegetação para o preparo do solo, fator observado em campo, onde foram
encontrados pedaços de troncos queimados no interior da floresta.
A pesquisa etnobotânica comprovou que a população indígena não perdeu a tradição de
utilizar os produtos não madeireiros para o tratamento de doenças, alimentação, construção e
produção de artesanato. Dentre as categorias de uso da vegetação, a maior parte das espécies
utilizadas está relacionada com a medicina tradicional indígena.
Por fim, a flora da TIARG é formada por um conjunto de fitofisionomias e tipologias florestais
com espécies pouco estudadas sobre o ponto de vista botânico, apesar de eestarem presentes
no centro de endemismo mais ameaçado da Amazônia, sugerindo a importância de se realizar
um maior e mais avançado estudo da flora, que possibilite amostras em áreas mais extensas.

6. RECOMENDAÇÕES PARA RECUPERAÇÃO DE ÁREAS ALTERADAS OU


DEGRADADAS
Grande parte da vegetação florestal na região do rio Guamá encontra-se alterada ou em
processo de sucessão inicial. Para essa área, recomenda-se, como ação de recuperação, a
regeneração natural da floresta. Isso deve ser feito através do pousio florestal, que consiste na
proibição do corte e/ou queima das florestas secundárias e juquiras para produção agrícola.

É importante implantar o sistema agroflorestal - SAFs nas pastagens sem uso e nas áreas
onde houve a queima da vegetação para práticas agrícolas e posteriormente abandono do
solo. O SAFs é uma técnica de recuperação da terra em propriedades com agricultura familiar,
na qual se utiliza espécies florestais (madeireiras e/ou frutíferas) conjuntamente com cultivos
agrícolas, de forma intercalada ou simultânea. Recomenda-se a utilização de espécies agrícolas,
como o feijão, e as produtoras de óleo, como a castanha-do-pará, a copaíba e a andiroba. As
vantagens desse sistema são o baixo custo dos investimentos, a fácil recuperação da fertilidade
191

do solo e a geração de renda com a venda de frutos e óleos, entre outros benefícios.

Um dos objetivos de recuperar a floresta é criar um corredor ecológico para conectar os


fragmentos florestais do Guamá até a região do Gurupi, possibilitando o fluxo de genes e a
movimentação da fauna, que contribuirá com a dispersão de sementes e a recolonização das
florestas alteradas ou degradadas.

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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VIANA, V. M.; TABANEZ, A. J. Biology and conservation of forest fragments in brazilian atlantic
moist florest. In: SCHELHAS, J.; GREENBERG, R. (eds). Forest patches in tropical landscapes.
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VIDAL, V. N.; VIDAL, M. R. R. Botânica-organografia: quadros cinóticos ilustrados de


fanerógamas, 4° Ed. Viçosa: UFV, 2003, 120 p.

VIEIRA, R. F.; MARTINS, M. V. de M. Estudos etnobotânicos de espécies medicinais de uso


popular no cerrado. In: Anais of International Symposium on Tropical Savanas, 1 – Simpósio
Nacional Cerrados, 8. Brasília Planaltina: EMBRAPA-CPAC. p. 169-171, 1996.

VIEIRA, I. C. G.; PROCTOR, J. Mechanisms of plant regeneration during succession after


shifting cultivation in eastern Amazonia. Plant Ecology, v. 192, n. 2, p. 303-315, 2007.
195

Apêndice 2 - Mapa da vegetação da Terra Indígena Alto Rio Guamá com localização das
parcelas onde foi realizado o levantamento florístico e fitossociológico.
196

Apêndice 3 – Lista de espécies da flora da Terra Indígena Alto Rio Guamá. A ordem e a classificação
taxonômica seguem a APG III.

Hábito Local
Família Botânica e Espécie Nome comum
Vegetativo de Amostragem
ANACARDIACEAE
Anacardium giganteum W.Hancock ex Engl. cajuí árvore Guamá/Gurupi
Astronium lecointei Ducke muiracatiara árvore Gurupi
Spondias mombin L. taperebá árvore Guamá
Tapirira guianensis Aubl. tatapiririca árvore Guamá/Gurupi
ANNONACEAE
Duguetia cadaverica Huber canição árvore Gurupi
Duguetia cauliflora R.E. Fries envira-surucucu árvore Gurupi
Duguetia quitarensis Benth. envira-canição árvore Gurupi
Guatteria poeppigiana Mart. envira-preta árvore Guamá/Gurupi
Onychopetalum amazonicum R.E. Fr. envirão árvore Gurupi
Rollinia fendleri R. E. Fries ata-do-mato árvore Guamá
Xylopia nitida Dunal envira-cana árvore Guamá/Gurupi
Xylopia ochrantha Mart. envira árvore Guamá/Gurupi
APOCYNACEAE
Aspidosperma auriculatum Markgr. carapanaúba árvore Guamá
Aspidosperma desmanthum Benth. ex Müll.
araracanga árvore Gurupi
Arg.
Geissospermum sericeum Benth. & Hook. f.
quinarana árvore Guamá
ex Miers
Himatanthus articulatus (Vahl) Woods. janaúba árvore Guamá/Gurupi
Himatanthus sucuuba (Spruce) Wood. sucuuba árvore Guamá/Gurupi
Tabernaemontana undulata Pierre pau-de-colher árvore Guamá/Gurupi
ARACEAE
Heteropsis flexuosa (Kunth) G.S.Bunting cipó-titica liana Guamá/Gurupi
Philodendron brevispathum Schott ambé erva Gurupi
ARALIACEAE
Schefflera morototoni (Aubl.) Maguire et al. morototó árvore Guamá/Gurupi
ARECACEAE
Astrocaryum aculeatum G. Mey. tucumã palmeira Guamá
Astrocaryum mumbaca Mart. mumbaca palmeira Guamá
Attalea maripa (Aubl.) Mart. inajá palmeira Gurupi
Attalea speciosa Mart. ex Spreng. babaçu palmeira Gurupi
Euterpe oleracea Mart. açaizeiro palmeira Guamá/Gurupi
Oenocarpus bacaba Mart. bacabeira palmeira Guamá/Gurupi
Socratea exorrhiza (Mart.) H.Wendl. paxiúba palmeira Guamá
BIGNONIACEAE
Jacaranda copaia (Aubl.) D. Don parapará árvore Guamá/Gurupi
Tabebuia serratifolia (Vahl) Nichols. ipê-amarelo árvore Gurupi
BORAGINACEAE
Cordia tetrandra Aubl. chapéu-de-sol árvore Guamá/Gurupi
BURSERACEAE
Protium altsonii Sandwith breu-mescla árvore Gurupi
197

Hábito Local
Família Botânica e Espécie Nome comum
Vegetativo de Amostragem
Protium apiculatum Swart breu árvore Guamá
Protium pallidum Cuatr. breu-branco árvore Guamá/Gurupi
Protium sp. breu-sarara árvore Gurupi
Protium tenuifolium Engl. breu-vermelho árvore Guamá/Gurupi
Tetragastris panamensis (Engl.) Kuntze. breu-barrote árvore Guamá/Gurupi
Trattinnickia rhoifolia Willd. breu-sucuruba árvore Guamá
CALOPHYLLACEAE
Caraipa densifolia Mart. tamaquaré árvore Guamá/Gurupi
CANNABACEAE
Trema micrantha Blume chumbinho árvore Guamá
CARYOCARACEAE
Caryocar glabrum (Aubl.) Pers. piquiarana árvore Guamá/Gurupi
Caryocar villosum Aubl. piquiá árvore Gurupi
CELASTRACEAE
Goupia glabra Aubl. cupiúba árvore Guamá/Gurupi
CHRYSOBALANACEAE
Licania canescens Benoist pintadinho árvore Guamá/Gurupi
Licania guianensis (Aubl.) Griseb. macucu árvore Guamá/Gurupi
Licania latifolia Benth. macucu-vermelho árvore Gurupi
Licania macrophylla Benth. caripé árvore Guamá
Licania oblongifolia Standl. macucu-chiador árvore Guamá/Gurupi
macucu-barba-de-
Licania sp. árvore Gurupi
lontra
Licania unguiculata Prance casca-seca árvore Guamá/Gurupi
Licania macrophylla Benth. anoerá árvore Guamá/Gurupi
CLUSIACEAE
Calophyllum brasiliense Cambess. jacareúba árvore Guamá
Garcinia madruno (Kunth in H.B.K.) Hammel bacuri-panan árvore Guamá/Gurupi
Symphonia globulifera L.f. anani árvore Guamá
COMBRETACEAE
Terminalia amazonia (J.F. Gmel.) Exell tanibuca árvore Guamá/Gurupi
Thiloa sp. cipó-vermelho liana Guamá
DILLENIACEAE
Doliocarpus dentatus (Aubl.) Standl. cipó-de-fogo liana Guamá/Gurupi
EUPHORBIACEAE
Hevea brasiliensis (Wild. ex A.Juss.) Müll.Arg. seringueira árvore Guamá
Jatropha gossypiifolia L. pião-roxo arbusto Guamá
Mabea angustifolia Spruce ex Benth. taquari árvore Guamá/Gurupi
FABACEAE
Apuleia leiocarpa (Voegl) J.F.Macrb. amarelão árvore Gurupi
Balizia pedicellaris (DC.) Barneby & J.W. fava-macapuxi árvore Guamá
Bauhinia guianensis Aubl. cipó-escada-de-jabuti liana Guamá/Gurupi
Bocoa racemulosa (Huber) R.S. Cowan muira-jiboia árvore Gurupi
Clitoria sp. cipó-flor-lilás liana Guamá
198

Hábito Local
Família Botânica e Espécie Nome comum
Vegetativo de Amostragem
Copaifera reticulata Ducke copaíba árvore Gurupi
Dalbergia riedelii (Benth.) Sandwith cipó-verônica liana Guamá/Gurupi
Deguelia negrensis (Benth.) Taub. cipó-timborana liana Gurupi
Derris floribunda (Benth.) Ducke cipó-cururu liana Gurupi
Deguelia scandens Aubl. cipó-timbó liana Gurupi
Deguelia utilis  (A.C.Sm.) A.M.G.Azevedo cipó-timboaçu liana Gurupi
Dinizia excelsa Ducke angelim-pedra árvore Guamá
Diplotropis martiusii Benth sucupira-preta árvore Guamá
Diplotropis purpurea (Rich.) Amshoff sucupira-babona árvore Guamá
Diplotropis triloba Gleason sucupira-vermelha árvore Gurupi
Dipteryx odorata (Aubl.) Willd. cumaru árvore Gurupi
Dipteryx polyphylla Huber cumarurana árvore Gurupi
Dipteryx punctata (Blake) Amshoff cumaru-do-brejo árvore Guamá/Gurupi
Hymenaea courbaril L. jatobá árvore Guamá/Gurupi
Hymenaea intermedia Ducke jutaí-vermelho árvore Gurupi
Hymenaea reticulata Duck jutaí árvore Gurupi
Hymenolobium flavum Kleinh. favinha árvore Guamá/Gurupi
Hymenolobium sp. fava-pipoca árvore Gurupi
Inga alba (Sw.) Willd. ingá-vermelho árvore Guamá/Gurupi
Inga gracilifolia Ducke. ingá-xixica árvore Guamá/Gurupi
Inga heterophylla Willd. ingá árvore Guamá/Gurupi
Inga paraensis Ducke ingarana árvore Gurupi
Inga sp. ingá-de-morcego árvore Guamá/Gurupi
ingá-folha-grande/
Inga sp. árvore Guamá/Gurupi
danta
Inga thibaudiana DC. ingá-branco árvore Guamá/Gurupi
Marmaroxylom racemosum Ducke Rec. angelim-rajado árvore Gurupi
Martiodendron elatum (Ducke) Gleason jutaí-cacé árvore Guamá
Mimosa pudica L. mimosa erva Guamá
Ormosia excelsa Benth. buiuçu árvore Guamá/Gurupi
Ormosia flava (Ducke) Rudol sucupira-tento árvore Guamá
Ormosia paraensis Ducke tento árvore Guamá/Gurupi
Parkia decussata Ducke faveira-branca árvore Guamá/Gurupi
Parkia paraensis Duck faveira-vermelha árvore Guamá/Gurupi
Parkia pendula (Willd.) Benth. ex Walp. fava-bolota árvore Gurupi
Parkia sp. fava-de-capoeira árvore Guamá
Parkia sp. faveira árvore Gurupi
Pentaclethra macroloba Kuntze pracaxi-preto árvore Guamá
Piptadenia suaveolens Miq. timborana árvore Guamá/Gurupi
Pithecelobium corymbosum Benth. pracaxi-vermelho árvore Guamá
Poecilanthe effusa (Huber) Ducke gema-de-ovo árvore Guamá
Pterocarpus rohrii Vahl mututi-branco árvore Guamá
Sclerolobium melinonii Harms tachi-branco árvore Guamá
Senna latifolia (G.Mey.) H.S.Irwin & Barneby feijão-bravo arbusto Guamá
199

Hábito Local
Família Botânica e Espécie Nome comum
Vegetativo de Amostragem
Stryphnodendron adstringens (Mart.) Coville barbatimão árvore Gurupi
Stryphnodendron polystachyum Kleinn. tachirana árvore Gurupi
Stryphnodendron pulcherrimum (Willd.) Hochr. paricazinho árvore Guamá
Stryphnodendron paniculatum Poepp. louro-tamaquaré árvore Gurupi
Swartzia polyphylla DC. pitaica árvore Guamá
Tachigali myrmecophila (Ducke) Ducke tachi-preto árvore Guamá/Gurupi
Vatairea sericea (Ducke) Ducke faveira-amargosa árvore Gurupi
FLACOURTIACEAE
Laetia procera (Poepp.) Eichler pau-jacaré árvore Guamá/Gurupi
HUMIRIACEAE
Endopleura uchi (Huber) Cuatr uchi árvore Gurupi
Vantanea guianensis Aubl uchirana árvore Guamá/Gurupi
Vantanea parviflora Lam. paruru árvore Guamá
HYPERICACEAE
Vismia cayennensis (Jacq.) Pers. lacrão árvore Guamá/Gurupi
Vismia guianensis (Aubl.) Pers. lacre árvore Guamá
Vismia latifolia (Aubl.) Choisy lacre-branco árvore Guamá
ICACINACEAE
Emmotum fagifolium Desv. ex Ham. mara-chibé árvore Guamá
LACISTEMACEAE
Lacistema pubescens Mart. pau-de-pico árvore Guamá/Gurupi
LAURACEAE
Aniba burchellii Kosterm. louro árvore Gurupi
Aniba fragrans Ducke louro-rosa árvore Guamá/Gurupi
Aniba guianensis Aubl. louro-amarelo árvore Guamá/Gurupi
Ocotea caudata (Nees) Mez louro-preto árvore Gurupi
Ocotea douradensis VATT. louro-abacate árvore Guamá
Ocotea rubra Mez louro-vermelho árvore Gurupi
LECYTHIDACEAE
Couratari guianensis Aubl. tauari-branco árvore Guamá/Gurupi
Eschweilera amazonica Knuth matamatá-vermelho árvore Guamá/Gurupi
Eschweilera coriacea (DC.) S.A. Mori matamatá-branco árvore Guamá/Gurupi
Eschweilera micrantha (O. Berg) Miers ripeiro árvore Gurupi
Eschweilera ovata (Cambess.) Miers matamatá-preto árvore Guamá/Gurupi
Eschweilera pedicellata (Rich.) S.A. Mori matamatá árvore Guamá/Gurupi
Eschweilera sagotiana Miers envira-de-caçador árvore Guamá/Gurupi
Eschweilera sp. matamatá-roxo árvore Guamá
Gustavia augusta L. jeniparana árvore Guamá/Gurupi
Holopyxidium latifolium (Ducke) R. Knuth jaranaçu árvore Guamá
Lecythis lurida (Miers) Mori jarana árvore Gurupi
Lecythis pisonis Cambess. sapucaia árvore Guamá/Gurupi
MALPIGHIACEAE
Byrsonima crispa A. Juss. muruci árvore Guamá
200

Hábito Local
Família Botânica e Espécie Nome comum
Vegetativo de Amostragem
MALVACEAE
Bombax globosum Aubl. mamorana árvore Guamá
Ceiba pentandra (L.) Gaertn. sumaúma árvore Guamá
mamorana-folha-
Pachira nitida Kunth árvore Guamá
pequena
Pachira paraensis (Ducke) W.S.Alverson mamorana-terra-firme árvore Gurupi
Sterculia speciosa K. Schum. capoteiro árvore Guamá/Gurupi
Theobroma speciosum Willd. ex Spreng. cacauí árvore Guamá/Gurupi
Theobroma subincanum Mart. cupuí árvore Guamá
MARANTHACEAE
Ischnosiphon obliquus (Rudge) Körn. guarumã erva Guamá
Calathea sp. sororoca erva Guamá
MELASTOMATACEAE
Bellucia grossularioides (L.) Triana goiaba-de-anta árvore Guamá
Miconia alata (Aubl.) DC. tinteiro árvore Guamá/Gurupi
Mouriri brachyanthera Ducke meraúba árvore Guamá/Gurupi
MELIACEAE
Carapa guianensis Aubl. andiroba árvore Guamá/Gurupi
Guarea guidonia (L.) Sleumer andiroba-jaúba árvore Guamá
MONIMIACEAE
Siparuna amazonica Mart capitiú árvore
MORACEAE
Bagassa guianensis Aubl. tatajuba árvore Guamá/Gurupi
Brosimum lactescens (S.Moore) C.C.Berg leiteira árvore Gurupi
Brosimum parinarioides Ducke amapá árvore Gurupi
Brosimum potabile Ducke amapá-doce árvore Gurupi
Brosimum guianense Huber amapá-amargoso árvore Guamá/Gurupi
Clarisia racemosa Ruiz & Pav. guariúba árvore Guamá
Eperua bijuga Mart. & Benth. muirapiranga árvore Guamá/Gurupi
Ficus amazonica (Miq.) Miq. ficus árvore Guamá
Ficus guianensis Desv. ex Ham. apuí árvore Guamá/Gurupi
Helicostylis scabra (J.F. Macbr.) C.C. Berg inharé árvore Guamá/Gurupi
Maquira sclerophylla (Ducke) CC Berg muiratinga árvore Guamá/Gurupi
Pseudolmedia murure Standl. mururé árvore Guamá/Gurupi
MYRISTICACEAE
Iryanthera juruensis Warb. ucuu-barana árvore Guamá/Gurupi
Virola michelii Heckel ucuuba-preta árvore Guamá
Virola multinervia Ducke ucuuba-de-sangue árvore Guamá/Gurupi
Virola venosa (Benth,) Warb. ucuuba-branca árvore Guamá/Gurupi
MYRTACEAE
Eugenia ramiflora Desv. ex Ham. goiabinha árvore Gurupi
Myrcia fallax (Rich.) DC. murtinha arbusto Guamá
Myrcia splendens (Sw.) DC. goiabarana árvore Gurupi
Myrciaria floribunda Berg araçá árvore Guamá/Gurupi
201

Hábito Local
Família Botânica e Espécie Nome comum
Vegetativo de Amostragem
Psidium guajava Linn. goiaba árvore Guamá
NYCTAGINACEAE
Neea floribunda Poepp. & Endl. joão-mole arbusto Guamá/Gurupi
OLACACEAE
Minquartia guianensis Aubl. quariquara árvore Guamá/Gurupi
PHYLLANTHACEAE
Phyllanthus niruri L. quebra-pedra erva Guamá
PIPERACEAE
Piper reticulatum L. pimenta-longa arbusto Guamá
POACEAE
Andropogon bicornis L. capim-rabo-de-raposa erva Guamá
Brachiaria sp. capim-braquearia erva Guamá
Olyra sp. olira erva Guamá
Pennisetum clandestinum  Hochst. ex Chiov. capim-quicuia erva Guamá
QUIINACEAE
Touroulia guianensis Aubl. papo-de-mutum árvore Guamá/Gurupi
RUBIACEAE
Alibertia edulis A. Rich. marmelada árvore Gurupi
Amaioua guianensis Aubl. canela-de-veado árvore Guamá
Borreria latifoilia (Aubl.) K.Scwn vassoura-de-botão erva Guamá
Chimarrhis turbinata DC. pau-de-rego/remo árvore Gurupi
Palicourea amapaensis Steyerm. erva-de-rato árvore Guamá
Uncaria tomentosa (Willd. ex Roem. & Schult.)
cipó-unha-de-gato liana Guamá
DC.
RUTACEAE
Zanthoxylum acreanum Krase tamanqueira árvore Gurupi
SAPOTACEAE
Chrysophyllum acreanum A.C. Smith guajará árvore Gurupi
Ecclinusa ramiflora Mart. balatinha árvore Gurupi
Manilkara amazonica (Huber) A. Chev. maparajuba árvore Gurupi
Manilkara huberi (Ducke) Chevalier maçaranduba árvore Guamá/Gurupi
Micropholis egensis (A. DC.) Pierre mangaba árvore Guamá
Micropholis guyanensis (A. DC.) Pierre caramuchi árvore Guamá/Gurupi
Micropholis venulosa (Mart. & Eichler) Pierre currupixa árvore Gurupi
guajarazinho/
Pouteria gongrijpii Eyma árvore Gurupi
abiu-casca-fina
Pouteria guianensis Aubl. abiu árvore Guamá
Pouteria januarisensis Pierre abiurana árvore Guamá/Gurupi
Pouteria pachycarpa Pires goiabão árvore Guamá/Gurupi
Pouteria opposita (Ducke) TDPenn abiu-caramuri árvore Guamá/Gurupi
Sprucella cyrtobotry Pierre balata-rosadinha árvore Gurupi
SIMAROUBACEAE
pau-de-gafanhoto/
Simaba cedron Planch. árvore Guamá/Gurupi
pau-pra-tudo
Simarouba amara Aubl. marupá árvore Guamá/Gurupi
202

Hábito Local
Família Botânica e Espécie Nome comum
Vegetativo de Amostragem
SOLANACEAE
Solanum subinerme Jacq. jurubeba arbusto Guamá
TILIACEAE
Apeiba echinata Gaertn. pente-de-macaco árvore Guamá/Gurupi
URTICACEAE
Cecropia distachya Huber imbaúba-vermelha árvore Gurupi
Cecropia membranacea Trécul imbaúba árvore Guamá/Gurupi
Cecropia palmata Willd imbaúba-branca árvore Gurupi
Pourouma bicolor Mart. envira-danta árvore Guamá/Gurupi
Pourouma guianensis Aubl. imbaúba-vick árvore Guamá
Pourouma mollis Trec. imbaubarana árvore Guamá
VERBENACEAE
Lantana camara L. cidreira-brava arbusto Guamá
VOCHYSIACEAE
Qualea acuminata Spruce ex Warm. quarubarana árvore Gurupi
Vochysia vismiaefolia Spruce quaruba árvore Guamá

Apêndice 4 – Principais famílias botânicas identificadas na TIARG, mostrando o número total de espécies/
indivíduos registrados em cada um dos ambientes investigados. As famílias estão ordenadas em ordem
decrescente de riqueza com base no número total de espécies registradas.

Formação
Floresta de Floresta
Família Mata Ciliar Secundária Total
Terra Firme Secundária Inicial1
Fabaceae 38/164 18/91 22/131 6/7 55/393
Sapotaceae 12/46 4/6 1/19 - 13/71
Lecythidaceae 10/104 6/24 8/124 3/3 12/255
Moraceae 10/21 - 8/11 - 12/32
Annonaceae 5/60 4/20 3/11 2/2 8/93
Chrysobalanaceae 7/31 5/12 6/41 - 8/84
Arecaceae 3/19 4/7 4/82 2/2 7/110
Burseraceae 4/73 4/12 5/26 1/1 7/112
Malvaceae 4/12 1/1 4/25 1/1 7/39
Apocynaceae 4/12 3/16 3/6 1/1 6/35
Lauraceae 4/18 2/4 5/7 - 6/29
Rubiaceae 2/3 2/3 1/1 2/2 6/9
Urticaceae 5/67 4/20 3/14 1/1 6/102
Myrtaceae 2/3 1/2 - 2/2 5/14
Anacardiaceae 2/23 3/57 2/11 - 4/91
Myristicaceae 4/13 1/2 2/26 - 4/41
Poaceae - - - 4/4 4/4
Clusiaceae 1/5 1/1 3/11 - 3/17
Euphorbiaceae 2/10 1/15 1/1 1/1 3/27
203

Formação
Floresta de Floresta
Família Mata Ciliar Secundária Total
Terra Firme Secundária Inicial1
Humiriaceae 3/6 - 1/10 - 3/16
Hypericaceae 2/20 3/38 - 1/1 3/59
Melastomataceae 3/23 - 3/6 - 3/29
Araceae 1/6 1/2 2/9 - 2/17
Bignoniaceae 1/29 1/3 1/3 1/1 2/36
Caryocaraceae 1/4 2/3 1/1 - 2/8
Combretaceae - 2/2 - 1/1 2/3
Maranthaceae - - - 2/2 2/2
Meliaceae 2/7 - 1/4 - 2/11
Simaroubaceae 2/8 2/7 2/5 1/1 2/21
Vochysiaceae 1/1 - 1/9 - 2/10
Araliaceae 1/2 1/2 1/1 - 1/5
Boraginaceae 1/23 1/7 1/6 - 1/36
Calophyllaceae 1/3 - - - 1/3
Cannabaceae - - - 1/1 1/1
Celastraceae 1/23 1/3 1/19 - 1/45
Dilleniaceae 1/1 1/1 1/1 1/1 1/4
Flacourtiaceae 1/17 - 1/1 - 1/18
Icacinaceae 1/2 - - - 1/2
Lacistemaceae 1/4 1/5 1/4 1/1 1/14
Malpighiaceae 1/1 - - - 1/1
Monimiaceae 1/2 - - - 1/2
Nyctaginaceae 1/8 1/2 - - 1/10
Olacaceae 1/2 1/1 - - 1/3
Phyllanthaceae - - - 1/1 1/1
Piperaceae - - - 1/1 1/1
Quiinaceae 1/3 - - - 1/3
Rutaceae 1/3 - - - 1/3
Solanaceae - - - 1/1 1/1
Tiliaceae 1/28 1/26 1/10 - 1/64
Verbenaceae - - - 1/1 1/1
1
Área de pastagem, com juquira.
204

Apêndice 5 - Lista das espécies da flora utilizadas pelos indígenas na Terra Indígena Alto Rio Guamá.

Categoria
Nome Científico Nome comum Família Hábito
de Uso
Oenocarpus minor Mart. abacabeira* Arecaceae palmeira alimentação
Persea americana Mill. abacateiro* Lauraceae árvore medicinal
Euterpe oleracea Mart. açaizeiro Arecaceae palmeira alimentação/artesanato
Brosimum guianense Huber amapá-amargoso Moraceae árvore medicinal
Carapa guianensis Aubl. andiroba Meliaceae árvore medicinal/construção
medicial/construção/
Licania macrophylla Benth. anoerá Chrysobalanaceae árvore
artesanato
Stryphnodendron adstringens (Mart.) Coville barbatimão Fabaceae árvore medicinal
Theobroma speciosum Willd. ex Spreng. cacauí Malvaceae árvore alimentação
Anacardium tenuifolium Ducke cajuí Anacardiaceae árvore alimentação/medicinal
Siparuna amazonica Mart capitiú Monimiaceae árvore medicinal
Cabralea canjerana (Vell.) Mart. cedro* Meliaceae árvore medicinal/construção
NI3** cipó-boto (roxo) medicinal
NI1** cipó-coelho* liana medicinal
Mansoa alliacea (Lam.) A.H. Gentry cipó-d'alho* Bignoniaceae liana medicinal
Bauhinia guianensis Aubl. cipó-escada-de-jabuti Fabaceae liana medicinal
Dalbergia riedelii (Benth.) Sandwith cipó-verônica Fabaceae liana medicinal
Copaifera reticulata Ducke copaíba Fabaceae árvore medicinal
Goupia glabra Aubl. cupiúba Celastraceae árvore construção
Theobroma subincanum Mart. cupuí Malvaceae árvore alimentação
Eschweilera sagotiana Miers envira-de-caçador Lecythidaceae árvore construção
NI** favacão* medicinal
Parkia sp. faveira Fabaceae árvore medicinal
NI4** frecha* construção
Genipa americana L. jenipapo* Rubiaceae árvore medicinal/construção
Psidium guajava Linn. goiaba* Myrtaceae árvore medicinal
Clarisia racemosa Ruiz & Pav. guariúba Moraceae árvore construção
Categoria
Nome Científico Nome comum Família Hábito
de Uso
Tabebuia impetiginosa (Mart.) Standl. ipê-roxo* Bignoniaceae árvore construção
Hymenaea courbaril L. jatobá Fabaceae árvore alimentação/construção
Gustavia augusta L. jeniparana Lecythidaceae árvore medicinal
NI2** joãobrandir* erva medicinal
Hymenaea reticulata Duck jutaí Fabaceae árvore alimentação/construção
Vismia cayennensis (Jacq.) Pers. lacrão Hypericaceae árvore construção
Vismia guianensis (Aubl.) Pers. lacre Hypericaceae árvore construção
Citrus sp. laranjeira Rutaceae árvore medicinal
Aniba burchellii Kosterm. louro Lauraceae árvore construção
Passiflora sp. maracujá* Passifloraceae liana medicinal
Passiflora glandulosa Cav. maracujá-do-mato* Passifloraceae liana alimentação
Eschweilera ovata Mart. matamatá-tiriba* Lecythidaceae árvore medicinal/construção
Ptychopetalum olacoides Benth. muirapuama* Olacaceae árvore medicinal
Fridericia chica (Humb. & Bonpl.) L. Lohmann pariri Bignoniaceae liana medicinal
Caryocar villosum Aubl. piquiá Caryocaraceae árvore alimentação
Bactris sp. pupunheira* Arecaceae palmeira alimentação/medicinal
Minquartia guianensis Aubl. quariquara Olacaceae árvore construção
medicinal/alimentação/
Lecythis pisonis Cambess. sapucaia Lecythidaceae árvore
construção
Bagassa guianensis Aubl. tatajuba Moraceae árvore construção
Piptadenia suaveolens Miq. timborana Fabaceae árvore medicinal/construção
Ormosia paraensis Ducke tento-vermelho Fabaceae árvore artesanato
Attalea maripa (Aubl.) Mart. inajá Arecaceae palmeira artesanato/costrução
Astrocaryum aculeatum G. Mey. tucumã Arecaceae palmeira artesanato
Ischnosiphon obliquus (Rudge) Körn. guarumã Maranthaceae erva artesanato
Schefflera morototoni (Aubl.) Maguire et al. morototó Araliaceae árvore artesanato
Attalea speciosa Mart. ex Spreng. babaçu Arecaceae palmeira artesanato
Crescentia cujete L. cuieira* Bignoniaceae liana artesanato
*Espécies não amostradas nas parcelas; **NI – Espécies não identificadas cientificamente.
205
206
207

6.2 – ICTIOFAUNA

Adna Almeida de Albuquerque


Xavier Tembé
Nilson Quirino Tembé
José Grande Tembé
Gleison Tembé
208
209

1. INTRODUÇÃO

Os recursos da biodiversidade são fundamentais para o desenvolvimento econômico,


social e cultural das sociedades humanas. Segundo Alves et al., (2008), os modos como os
recursos naturais são utilizados pelas populações humanas são extremamente relevantes para
a definição de estratégias conservacionistas.
Os peixes são os organismos vertebrados mais abundantes nas águas amazônicas,
possuindo um papel decisivo como mantenedores da riqueza e da estabilidade do sistema.
Participam da base da cadeia alimentar de predadores, atuam como dispersores de sementes
e como enriquecedores naturais do sistema aquático (CASTRO; DOURADO, 2011).
A ictiofauna da Amazônia vem sendo estudada em algumas regiões da bacia amazônica,
com pesquisas de longo prazo e utilização de uma variedade de técnicas de amostragem,
as quais produziram listas extensas de espécies de peixes, refletindo a alta diversidade local
(SANTOS, 1984). Nas bacias hidrográficas do Centro de Endemismo Belém, foram realizados
estudos no rio Tocantins, onde foi levantada uma lista de 300 espécies, e no rio Gurupi, com
uma lista de 109 espécies (MARTINS; OLIVEIRA, 2011).
O levantamento de informações sobre a fauna de peixes pode contribuir para a elaboração
de hipóteses e medidas de manejo e conservação da ictiofauna. Os estudos etnobiológicos,
em geral, incluem o levantamento de espécies e “etnoespécies” e têm contribuído para planos
de manejo e conservação de ecossistemas, através de modelos de gerenciamento de recursos
naturais por povos nativos (BEGOSSI et al., 1999). Estudos com comunidades e ambientes
levam em conta dois principais componentes inter-relacionados e interdependentes: as
situações práticas de vida da comunidade estudada, atentando para a cultura e a tradição
local; e a utilização sustentável dos recursos naturais (PANDEY; VERMA; GOVINDRAO,
1998).
Estudos sobre a ictiofauna são importantes para a avaliação de impactos ambientais,
visto que algumas espécies fornecem informações ecológicas importantes sobre o estado de
conservação dos ecossistemas aquáticos. Dessa forma, os resultados do levantamento dos
recursos pesqueiros apresentados neste capítulo, como parte do Diagnóstico Etnoambiental
Participativo da TIARG, além de contribuírem para o conhecimento da ictiofauna e de sua
utilização pela comunidade Tembé, nos dão um indício significativo sobre a situação atual de
conservação deste grupo de vertebrados e dos ambientes a que eles estão relacionados na
terra indígena.

2. OBJETIVOS

2.1. Objetivo Geral

Realizar o levantamento preliminar e participativo da Ictiofauna da TIARG, propondo


medidas para a conservação e o manejo sustentável das espécies de peixes da área.
210

2.1. Objetivos Específicos

• Elaborar uma lista preliminar das espécies de peixes registradas na área, identificando-
as tanto com o nome científico quanto com o nome na língua indígena Tembé-
Tenetehara, quando possível;
• Identificar os hábitos alimentares e reprodutivos dos peixes;
• Identificar os tipos de uso dados aos recursos pesqueiros pela comunidade indígena
(sagrado, medicinal, alimentação e ornamento);
• Reportar as formas de detecção dos peixes e o status de conservação da ictiofauna
na área.

3. METODOLOGIA

3.1. Área de Estudo

A TIARG está localizada entre as bacias dos rios Guamá e Gurupi. É banhada por quatro
rios: o rio Guamá é o limite natural pelo lado norte; o Gurupi é o limite no extremo sul e também
o limite com a Terra Indígena Alto Turiaçu, no Maranhão, onde vivem os Ka’apor; e os rios Piriá
e Coaraci-Paraná, que atravessam a TIARG. Além dos rios principais, encontram-se igarapés
e lagos que compõe a paisagem hídrica da terra indígena. Muitos desses igarapés e lagos são
utilizados como pontos de pesca pelos indígenas, como o igarapé Tawari, no rio Guamá, e o
igarapé do Tamanduá, no Gurupi.
Ao longo das margens do rio Gurupi encontram-se florestas ciliares ombrófilas densas e
florestas secundárias ou capoeiras (Figura 92); O rio Gurupi possui águas claras e é formado
pela união dos rios Açailândia e Itinga. Corre sobre um leito de rochas cristalinas com várias
cachoeiras, como a cachoeira do Canindé-Açu (Figura 93).

Figura 92 – Floresta secundária na margem do rio Gurupi. Foto: Adna Albuquerque.


211

O rio Gurupi possui águas claras e formado pela união dos rios Açailândia e Itinga. Corre
sobre um leito de rochas cristalinas com várias cachoeiras, como a cachoeira do Canindé-Açu
(Figura 94).

Figura 93 – Cachoeira do Canindé-Açu, no rio Gurupi. Foto: Adna Albuquerque.

O rio Guamá possui águas pouco transparentes, com grande quantidade de material
em suspensão, proveniente das atividades erosivas de suas margens. Ao longo do rio
Guamá encontram-se florestas de formação ciliar, chamadas de Floresta Ombrófila Densa, e,
principalmente, considerável área de florestas secundárias ou capoeiras; O leito do rio Guamá é
predominantemente arenoso e praticamente sem pedregulhos, havendo, apenas, e raramente,
alguns conglomerados com seixo fino rolado. As margens do rio, no trecho inferior, são baixas
e alagadiças. A erosão das margens fornece o sedimento do leito, criando pequenos bancos
de areia (Figura 94).

Figura 94 – Vista do rio Guamá, na TIARG. Foto: Renata Valente.


212

3.2. Coleta de Dados

A presente pesquisa foi precedida de levantamento de dados bibliográficos. Em seguida,


foram coletados dados ambientais e ecológicos relacionados à região estudada, diretamente
no campo.

3.2.1. Etnolevantamento de dados

Foram utilizados métodos de abordagem qualitativa e quantitativa, como observação


participante, conversas informais, entrevistas abertas e fechadas e listagem livre com informantes-
chave nas aldeias (Figura 95). Foram abordadas questões como: principais áreas de pesca
e técnicas de pesca utilizadas pelos indígenas; identificação e caracterização biológica das
espécies; e tipos de uso, pelos indígenas, das principais espécies de peixes encontradas na
região.

Trabalhou-se, ainda, a metodologia de apresentação de pranchas com imagens e fotos,


a fim de auxiliar os indígenas na identificação das espécies de peixes que podem ocorrer na
região. Para a confirmação taxonômica das espécies da ictiofauna citadas pelos entrevistados,
utilizou-se de consulta à literatura específica para a região.
Os locais de pesca da TIARG são frequentados por indígenas de diferentes aldeias. O
mapeamento das áreas de pesca foi construído de forma coletiva com os indígenas. Aqueles
que participaram do mapeamento encontravam-se nas aldeias São Pedro e Sede, no rio Guamá,
e Canindé e Cajueiro, no rio Gurupi.
Nas pesquisas de campo, o mapeamento de áreas de reprodução, dispersão e uso dos
recursos-alvo foi realizado a partir da percepção e desenho destes elementos por parte dos
próprios indígenas, com o auxílio de mapas impressos.

3.2.2. Pescarias Experimentais

Para complementar o estudo da ictiofauna da TIARG, além do trabalho de etnolevantamento,


foram realizadas pescarias experimentais e pescarias tradicionais utilizadas pelos índios Tembé.
A pesquisa toda foi realizada no período de 20 dias, sendo 10 dias no rio Guamá e 10 dias
no rio Gurupi. Dos 10 dias em cada região da TIARG, cinco foram divididos para pescarias
experimentais e cinco para etnolevantamentos de informações.
As pescarias experimentais foram realizadas em diferentes corpos d’água dos rios Guamá
e Gurupi (rios, igarapés, lagos, praias e corredeiras), nos principais pontos de pesca utilizados
pelos indígenas. Os espécimes coletados foram devolvidos ao ambiente natural ou entregues
à comunidade indígena para alimentação.
Os apetrechos utilizados para as pescarias experimentais foram: (a) redes de malhar
(malhadeiras) com diferentes tamanhos de malhas (20, 30, 40, 50 e 60 mm entre nós opostos)
e com 10 m de comprimento. As redes foram instaladas ao longo dos igarapés e expostas ao
ambiente no período de alvorada e retiradas no dia seguinte, ficando na água por 12 horas em
213

cada ponto de coleta. O período em que as redes ficaram expostas corresponde ao período
de máxima eficiência para a captura de espécimes de peixes com redes de espera (UIEDA;
CASTRO, 1999, p.122); (b) tarrafas de 3 m de comprimento, com malha de 30 mm entre nós
opostos; e (c) caniços (Figura 95). As pescarias foram realizadas por meio de transporte de
rabetas e voadeiras (Motor 15 HP).

Figura 95 – Metodologias utilizadas para levantamento de informações sobre a ictiofauna


da TIARG (A: Entrevista com os indígenas; B: Pescaria com rede malhadeira no rio; C:
Pescaria de caniço em corredeira; D: Pescaria com tarrafa em praia).

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO
4.1. Composição das Espécies

Foram identificadas 74 espécies de peixes pertencentes a sete ordens, distribuídas


em 21 famílias e 53 gêneros. Desse total, 11 foram identificadas no nível de gênero e 63
identificadas no nível de espécie. Algumas espécies estão identificadas na língua indígena
Tembé-Tenetehara; outras não possuem tradução na língua, por terem aparecido recentemente
na região (Apêndice 6).
As espécies mais citadas pelos indígenas, por ordem de importância, foram: aracu-cabeça-
gorda (Leporinus friderici), cará-do-papo-amarelo (Geophagus sp.), surubim (Pseudoplatystoma
fasciatum), pacu (Myleus spp.), mandi-cabeça-de-ferro (Pimelodus blochii), pirandirá (Rhaphiodon
vulpinus), pirapucu (Boulengerella cuvieri), piranha (Serrasalmus spp.), tucunaré (Cichla spp.),
mandubé (Ageneiosus brevis) e traíra (Hoplias malabaricus). Este grupo de espécies foi citado
por todos os indígenas informantes (Figura 96).
214

De acordo com Lowe-McConnell (1999), os ambientes neotropicais apresentam


dominância de Characiformes, Perciformes e Siluriformes. Na TIARG, esse padrão também
foi observado (Figura 97).

Figura 96 – Principais espécies de peixes citadas pelos indígenas


no etnolevantamento da TIARG (A: aracu-cabeça-gorda; B: cará-
do-papo-amarelo; C: surubim; D: pacu-piranga; E: mandi-cabeça-
de-ferro; F: pirapupu; G: traíra; H: piranha-preta; I: tucunaré (Cichla
spp.); J: mandubé (Ageneiosus brevi).

Figura 97 – Número de famílias de peixes citadas pelos indígenas da


TIARG, distribuídos de acordo com a Ordem taxonômica.
215

Com relação à riqueza por família, Characidae foi mais representativa, com 19 gêneros/
espécies, seguida das famílias Cichlidae e Pimelodidae. Todas essas famílias estão representadas
por espécies de importância alimentar, como pacus, piranhas, bagres e carás (Figura 98). Nas
coletas experimentais houve alta incidência de espécies das famílias Characidae e Cichlidae,
devido à presença das etnoespécies carás, piranhas e pacus.

Figura 98 – Números de espécies de peixes citadas pelos indígenas da


TIARG, por família.

As espécies de peixes mais representativas da TIARG, com maior número de exemplares


capturados, foram o cará-do-papo-amarelo (Geophagus sp.), o aracu-cabeça-gorda (Leporinus
friderici) e a piranha-preta (Serrasalmus rhombeus). Cabe destacar que o tambaqui (Colossoma
macropomum) foi uma das espécies mais citadas pelos indígenas. Porém, como espécie invasora
e predadora das espécies nativas. A maior parte dos indígenas considera que a diminuição de
peixes nos rios também é causada pela introdução do tambaqui na região.
Observou-se maior variedade de espécies no rio Guamá, para o qual foram citadas
70 etnoespécies, enquanto que no rio Gurupi foram citadas 55 etnoespécies. Segundo os
indígenas, algumas espécies de peixes que ocorrem no rio Guamá não ocorrem no rio Gurupi,
como o mandi-açu (Pimelodus sp.), as arraias (Potamotrigon spp.) e o poraquê (Electrophorus
electricus). Por outro lado, observou-se maior quantidade de peixes no rio Gurupi do que no
rio Guamá. Este fato foi comprovado tanto por pescarias experimentais quanto por conversas
informais e entrevistas. Do total de 128 espécimes capturados, 86 (67%) foram capturados
no rio Gurupi e 42 (33%), no rio Guamá. Todas as espécies de peixes capturadas durante as
pescarias experimentais foram também citadas pelos indígenas. O grupo taxonômico “cará”
foi o que apresentou maior número de etnoespécies (9) identificadas pelos indígenas.

4.2. Espécies Ameaçadas de Extinção

Durante as coletas de campo não foi coletado nenhum exemplar de espécies de peixes
consideradas ameaçadas de extinção ou criticamente em perigo, de acordo com as listas oficiais
216

do IBAMA (MMA, 2003) e da Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Pará (SEMA, 2008). As
espécies ameaçadas presentes nessas listas são, em sua maioria, marinhas, e, portanto, não
ocorrem na área de estudo. Por outro lado, as espécies de água doce que são consideradas
ameaçadas nacionalmente e no estado do Pará não ocorrem no Centro de Endemismo Belém.

4.3. Espécies Raras

No período hidrológico da seca, durante o qual foi realizado este trabalho, não foram
encontradas espécies de peixes consideradas raras pela literatura científica.

4.4. Espécies Invasoras

No total, foram citadas pelos indígenas cinco espécies que teriam sido introduzidas
na área. Nas aldeias do rio Gurupi foram citados o tambaqui (Colossoma macropomum), o
curimatã (Prochilodus nigricans), o dourado (Salminus sp.), a tilápia (Tilapia rendalli) e a sarda
(Pellona spp.). No rio Guamá, foram citadas como espécies invasoras o tambaqui e a sarda.
De acordo com os indígenas, essas espécies vieram de criadouros de aquicultura localizados
em municípios próximos às aldeias. Para eles, tais espécies seriam causadoras de diminuição
dos recursos pesqueiros na TIARG, por competirem com as espécies nativas ou por predarem
seus alevinos.

4.5. Espécies Migradoras

As espécies de peixes migradoras podem ser divididas em dois grupos principais: as


espécies migradoras de curta distância, que se movimentam entre rios e lagos, percorrendo até
centenas de quilômetros; e as de longa distância, que percorrem milhares de quilômetros entre
o estuário Amazônico e o sopé dos Andes (BARTHEM; GOULDING, 2007, p.32). Das espécies
citadas pelos indígenas da TIARG, as espécies migradoras de curta distância são: o tambaqui
(Colossoma macropomum), o curimatã (Prochilodus nigricans) e os pacus (Myleus spp. e
Mylossoma spp.); as espécies migradoras de longa distância são: a dourada (Brachyplatystoma
rousseauxii), o surubim (Pseudoplatystoma fasciatum) e o filhote (B. filamentosum). Portanto,
o manejo das espécies migradoras de longa e curta distância deve considerar toda a bacia
Amazônica.

4.6. Uso da Ictiofauna

O conhecimento local sobre os recursos naturais engloba tanto ambientes aquáticos


como terrestres. Os indígenas dependem da fauna e da vegetação local. A dependência dos
recursos da ictiofauna é refletida no uso de peixes, principalmente para subsistência (Figura 99).

Com o tempo, as escolhas alimentares dos indígenas da TIARG vêm sofrendo mudanças.
217

Eles afirmam que tais mudanças são derivadas de alterações nas condições ecológicas,
variações sazonais ou migrações. Poucas espécies (6) foram citadas para uso medicinal e
artesanal (Tabela 12).

Figura 99 – Categorias citadas pelos indígenas da TIARG sobre o uso


da ictiofauna.

Tabela 12 – Principais espécies de peixes de uso medicinal e artesanal relatadas pelos indígenas da TIARG.

Espécie Parte do corpo Uso Função

traíra banha medicinal circulação e contusões


surubim banha medicinal Inflamações em carne crescida nos olhos
surubim vértebras artesanato confecção de colares
pacu-rodero banha medicinal contusões
jeju banha medicinal dor de ouvido
piranha dentes artesanato confecção de colares
arraia vértebras artesanato confecção de colares

4.7. Tabus ou Espécies Reimosas

O termo “reimoso” deriva de uma expressão antiga, que está ligada à sabedoria popular,
se referindo a alimentos que podem provocar inflamação. Os animais reimosos (ou remosos)
são evitados por aqueles que apresentam feridas, erupções cutâneas e doenças inflamatórias,
ou ainda pelas mulheres nos períodos de menstruação, gravidez ou pós-parto (resguardo).
Segundo Maués (1990), os animais reimosos representam categorias sigulares, tanto pelas
características morfológicas quanto comportamentais. No caso dos peixes, a reima é associada:
à dieta carnívora (“come outro tipo de peixe”), como as piranhas e os peixes lisos; à dieta
218

onívora (“peixe que come todo tipo de comida”); ao sabor do peixe (“carne mais forte, outro
gosto”); ao comportamento (comportamento agressivo); ou, ainda, às características físicas
do animal, como tipo de coloração, presença de esporão, quantidade de gordura, entre outros.

Begossi (1992) constata que as razões para os tabus segmentares de certas espécies de
peixes incluem formato, aparência, cheiro ruim, comportamento agressivo, dentes conspícuos,
ausência de escamas, carne forte ou “carregada”, hábito de comer lodo e presença de sangue.
Critérios como comportamento agressivo e presença de dentes são associados aos hábitos
carnívoros, enquanto o comportamento de comer lodo relaciona-se à alimentação detritívora.
O pacu-piranga (Metynnis sp.) e os peixes lisos, ou peixes sem escamas (pimelodídeos),
constituem o grupo mais citado como reimoso pelos indígenas da TIARG (90% das citações).
Exemplos de peixes lisos incluem o surubim (Pseudoplatystoma fasciatum) e o mandi (Pimelodus
spp.), os quais são considerados reimosos pela presença de “esporão”, que provoca dores
nos ferimentos. O comportamento de não consumir estes tipos de peixes em determinadas
situações seria para evitar a ingestão de substâncias tóxicas presentes nos animais do topo
da cadeia alimentar (BEGOSSI et al., 2004).
Com relação às aversões alimentares, os indígenas apontaram as arraias. Isso se deve
ao “cheiro ruim” de urina, consequência das altas concentrações de amônia na carne desses
animais, que se deteriora muito rapidamente.

4.8. Pesca

A atividade pesqueira faz parte das mais antigas tradições dos habitantes da Amazônia,
que mantiveram sua riqueza cultural nas formas de exploração dos recursos naturais, mesmo
com a introdução das transformações socioculturais impostas pelo desenvolvimento econômico
na região (ISAAC et al., 2008).

Os índios da TIARG praticam somente a pesca artesanal de pequena escala, para


subsistência. As técnicas de pesca utilizadas são repassadas por gerações e o aprendizado se
inicia com os filhos acompanhando seus pais, o que ocorre, muitas vezes, a partir dos oito anos
de idade. A pesca é uma atividade masculina, mas há mulheres que a praticam. É considerada
uma atividade comum no dia-a-dia, principalmente no rio Gurupi, onde os recursos pesqueiros
estão mais abundantes.

4.8.1. Locais de Pesca, Apetrechos Utilizados e Tipos de Pescaria

Os locais de pesca utilizados pelos indígenas da TIARG normalmente estão localizados


próximos às aldeias. As pescarias são realizadas nos principais biótipos aquáticos habitados
pela ictiofauna, como o leito dos rios, os lagos, igarapés, vegetação aquática e corredeiras
(estas últimas, no rio Gurupi).

A pesca realizada nos lagos e igarapés ocorre principalmente durante o inverno amazônico
219

(estação chuvosa), quando as águas estão altas e os peixes migradores e sedentários entram
para desovar. Os principais apetrechos utilizados para a pescaria na TIARG são as redes
malhadeiras, a tarrafa e o caniço. Outros apetrechos também são utilizados, como zagaia ou
fisga, espinhel ou isca, flecha, linha ou linhavão, camina e pesca com paneiro de guarimã.
Estes instrumentos de pesca capturam uma diversidade de espécies de peixes nos diferentes
ambientes da TIARG (Tabela 13).

Tabela 13 – Apetrechos de pesca e táxons capturadas nos diferentes ambientes e períodos do ano na TIARG.

Nome Científico Nome popular Armadilha Estação1 Ambiente

Pellona spp. sarda/apapá linhavão ano todo rio


Acestrorhynchus spp. peixe-cachorro caniço/rede ano todo rio/lago
Leporinus friderici aracu-cabeça-gorda rede/zagaia ano todo rio/igarapé
Schizodon vittatus cuanã rede/zagaia ano todo rio/igarapé
Leporinus fasciatus aracu-pinim rede/zagaia/conambi ano todo rio/igarapé
Boulengerella cuvieri pirapucu rede/caniço/linha ano todo rio
Serrasalmus spp. piranha tarrafa/rede ano todo rio/igarapé
Serrasalmus rhombeus piranha-preta tarrafa/rede ano todo rio/lago
Serrasalmus altispinis piranha-papa-isca rede/caniço/linha/zagaia ano todo rio/igarapé
Myleus spp. pacu rede/caniço/tarrafa ano todo rio/igarapé
Colossoma macroporum tambaqui linhavão ano todo rio
Cichlidae2 cará caniço/rede/linha/tarrafa ano todo rio/igarapé/lago
Cichla spp. tucunaré linha/caniço/tarrafa/rede/zagaia ano todo rio/igarapé/lago
Hydrolicus scomberoides pirandirá linha/rede ano todo rio
Rhaphiodon vulpinus pirandirá linha/rede ano todo rio
Hoplerythrinus unitaeniatus jeju linha/caniço verão lago
Hoplosternum littorale tamoatá rede/mão/paneiro de guarimã verão lago
Hoplias malabaricus traíra rede/linha/zagaia/caniço inverno lago
Pseudoplatystoma fasciatum surubim caniço/linha/espera ano todo rio/igarapé

Crenicichla reticulata jacundá linha/zagaia ano todo rio/igarapé/lago

Lipossarcus pardalis acari rede/pegar com a mão verão rio


Squaliforma emarginata acari rede/pegar com a mão verão rio
Ageneiosus brevis mandubé rede/tarrafa/linha verão rio/igarapé
Potamotrygonidae3 arraia linha/caniço/zagaia ano todo rio/igarapé

Electrophorus electricus poraquê linha ano todo rio/igarapé/lago


1
Verão – Verão amazônico (estação seca); Inverno – Inverno amazônico (estação chuvosa);
2
Refer-se às espécies de cará (nome comum) da família Cichlidae registradas na TIARG (ver Apêndice 6);
3
Refer-se às espécies de arraia (nome comum) da família Potamotrygonidae registradas na TIARG (ver
Apêndice 6).
220

As redes malhadeiras podem ser de dois tipos: as feitas de fios de náilon multifilamentar,
chamados de “fios de algodão”, cuja panagem pode ser tecida pelos próprios indígenas e seus
familiares ou compradas; e as feitas de fios de náilon monofilamentar, chamados de “fibras
de náilon”, que são compradas. Apresentam comprimentos e malhas de tamanhos variados,
podendo chegar a 200 m (conforme a largura do corpo d’agua onde será empregada). Podem
ter até 4 metros de altura. O tamanho da malha varia entre 25 a 40 mm entre nós opostos,
dependendo da espécie alvo.
As redes são utilizadas de quatro formas, denominadas de: pescaria de cerco, de batição, de
espera e de arrasto. Na pescaria de cerco, as redes malhadeiras são estendidas de forma a bloquear
o canal do igarapé ou lago, evitando a fuga dos peixes. Na pescaria de batição, as redes malhadeiras
são dispostas da mesma forma que na pescaria de cerco, porém, dois ou três pescadores posicionados
um pouco mais adiante, todos de dentro d’água, vão se aproximando da rede e fazendo a ‘batição’,
quando batem varas compridas na água, para espantar os peixes para a rede (Figura 100); Essas
varas podem ser de bambu, madeira ou ferro. Em seguida, uma das extremidades da rede é
puxada para a margem do rio, onde a canoa está posicionada para a despesca.

Figura 100 – Pescaria de batição realizada pelos indígenas da TIARG.


Foto: Renata Valente.

Na pescaria de espera, após a escolha do local, a malhadeira é estendida, se possível,


de margem a margem, ou acompanhando a margem do rio (Figura 101). Esta técnica pode
ser empregada durante o ano todo, tanto na seca quanto na cheia, durante o dia e a noite,
sob quaisquer condições ambientais. Já a pescaria de arrasto é realizada principalmente na
estação seca, nos rios, lagos, furos e igarapés, quando as águas estão rasas o suficiente para
que pelo menos dois pescadores arrastem as redes de dentro d’água.
Quando utilizadas como redes de cerco ou de arrasto, as redes de fibra comumente
medem aproximadamente de 40 a 100 m de comprimento e de 1,5 a 2 m de altura. As malhas
mais utilizadas são de 30 a 35 mm entre nós adjacentes.
221

Figura 101 – Rede de espera sendo colocada na margem do rio.


Foto: Adna Albuquerque.

As tarrafas são redes circulares, orladas de chumbos. As que são utilizadas na região
da TIARG possuem 4 m de diâmetro e malha de 25 a 30 mm entre nós opostos, podendo
ser manufaturadas industrialmente ou confeccionadas pelos próprios pescadores indígenas
(Figura 102). São utilizadas o ano inteiro, mas, principalmente na estação seca. As espécies
mais capturadas com a tarrafa são, além do tamoatá (Hoplosternum littorale), a traíra (Hoplias
malabaricus), os aracus (Anostomidae), o jeju (Erythrinidae) e o anujá (Auchenipteridae).

Figura 102 – Pescaria com tarrafa em ambiente de praia e corredeira, no rio Gurupi (A: Pescaria
com tarrafa em praia; B: Pescaria com tarrafa em corredeira). Fotos: Renata Valente.

O uso direcionado de apetrechos, como caniço, fisga e linhavão, são voltados para peixes
de maior tamanho, ou quando se quer diversificar o tipo de peixe a ser capturado (Figura 103).
A camina é uma espécie de armadilha, um tipo de paneiro triangular que fica submerso
sob a água e pendurado por uma corda que é amarrada no galho de uma árvore. O peixe,
ao tentar pegar as iscas que são colocadas dentro da camina, não consegue sair, ficando o
peixe de cabeça para baixo. Quando o peixe cai na armadilha, o galho balança e a camina
é retirada da água pelos indígenas (Figura 103 A e C). As iscas utilizadas para pescaria com
camina podem ser de carne de peixes menores para capturar peixes carnívoros, ou de frutas
e mandioca, para peixes onívoros.
A pescaria de isca consiste em pôr uma isca de traíra num anzol e amarrar a linha
222

numa vara, na beira do rio. Algumas horas depois, a armadilha é verificada e a isca é trocada.
A isca de traíra atrai principalmente o surubim (Pseudoplatystoma fasciatum) e, portando, é
uma pescaria voltada para essa espécie (Figura 103 G e H).
O paneiro de guarimã é utilizado para a pescaria em lagos, principalmente para a
captura do tamoatá (Hoplosternum littorale) na estação do verão (seca). A pescaria se baseia
no comportamento detritívoro da espécie alvo, que fica no fundo de rios e lagos. No verão, os
lagos estão rasos e, ao se efetuar o arrasto do paneiro no fundo, o peixe entra e é capturado
(Figura 103 D e E). As pescarias de flecha e zagaia são frequentemente utilizadas para capturar
peixes que ficam próximos à superfície da água, na beira do rio, igarapés, lagos ou, ainda, em
pedras (Figura 103 F e I).
Além dos equipamentos de pesca, os indígenas utilizam, ainda, canoas para a pescaria
(Figura
g 104). Esta é a embarcação
h principal utilizada pelosi indígenas da TIARG, sendo
geralmente motorizadas. A maior delas mede aproximadamente 7 metros de comprimento,
1,80 m de largura e 90 cm de profundidade. As canoas menores são movidas a remo, sendo
conduzidas por um ou dois pescadores.

Figura 103 – Apetrechos de pesca utilizados pelos indígenas da TIARG (A: Armadilha
camina; B: Pescaria com caniço; C: Representação de peixa na camina; D: Paneiro
de guarimã; E: Modo de uso do p. de guarimã; F: Pescaria com zagaia; G: Pescaria
de isca ou espinhel; H: Pescaria de isca ou espinhel; I: flecha com ponta de ferro).
Fotos – A: Pedro Santos; B e C: Adna Albuquerque; D: Renata Valente.
223

Figura 104 – Tipo de canoa utilizada durante as pescarias na TIARG. Foto: Adna Albuquerque.

Alguns indígenas afirmam que, na TIARG, ainda se pratica a pesca com timbó (Paullinia
pinnata L. Sapindaceae), cipó venenoso que, ao ser introduzido nos rios, narcotiza os peixes,
fazendo-os virem à superfície, tontos, o que facilita a sua captura. Também relatam a pesca com
conambi (há duas plantas ictiotóxicas com este nome: Phyllanthus conami (Aubl.) Muell. Arg.
(Euphorbiaceae) e Libadium surinamensis L. (Compositae). Este tipo de pescaria consiste em
preparar iscas de conambi com pirão de farinha de mandioca. Quando os peixes as ingerem,
ficam dopados e sobem à superfície d’água, facilitando a sua captura.
Estas pescarias são extremamente prejudiciais ao meio ambiente. O timbó é um cipó
que contém uma toxina capaz de impedir a respiração dos peixes. O principal problema
ocasionado pela sua utilização é que, além dos efeitos nocivos ainda desconhecidos, muitos
peixes intoxicados afundam, não podendo ser capturados em águas profundas. Dessa maneira,
milhares de peixes morrem e aparecem boiando já no estado de decomposição.
De acordo com os indígenas, a ictiofauna da TIARG está sofrendo sobrepesca,
principalmente no rio Guamá. A sobrepesca ocorre quando se realiza grande esforço de pesca e
acaba-se retirando do meio ambiente mais do que ele consegue repor, diminuindo a população
de peixes, e mesmo de plantas, do ecossistema. Este fato ocorre concomitantemente com as
práticas de pesca predatória. Segundo os indígenas, a pesca predatória é realizada tanto pelos
indígenas quanto pelos invasores brancos. É altamente agressiva ao meio ambiente, podendo
limitar a reprodução dos peixes e causar impactos, tanto do ponto de vista socioeconômico
quanto biológico, comprometendo o equilíbrio ecológico na área.
Exemplos de pesca predatória na TIARG são:
(1) As pescarias com malhadeiras e tarrafas com malhas de tamanho inadequado, que
capturam espécies ainda na fase juvenil, limitando a sua multiplicação;
(2) A pesca intensiva na época da piracema, que ocorre principalmente em lagos e
igarapés ao logo dos rios Guamá e Gurupi. É apontada pelos indígenas como um
dos principais fatores de diminuição da ictiofauna;
224

(3) Pescaria de mergulho praticada pelos invasores ou colonos;


(4) Pescaria de arrasto em lagos e igarapés, na época do verão amazônico (estação
seca).
A TIARG sofre a pressão de invasores que consomem e vendem seus recursos naturais. As
aldeias do rio Guamá estão localizadas mais próximas de vilas e municípios quando comparadas
com as aldeias do rio Gurupi. Consequentemente, aquela parte da TIARG está mais vulnerável
às invasões. Os lagos e igarapés localizados ao longo do rio Guamá, que são utilizados como
principais pontos de pesca, são também os locais de desova de muitas espécies de peixes
da região. De acordo com os indígenas da TIARG, eles mesmos não estariam respeitando a
época da piracema e capturam o máximo de peixes que conseguem nesta época.
As espécies que desovam ao longo dos rios da TIARG e que foram mais citadas pelos
indígenas são: aracus (Anostomidae), jejus (Erythrinidae), anujás (Auchenipteridae), surubim
(Pseudoplatystoma fasciatum), traíra(Hoplias malabaricus), acari (Loricaridae), pacus (Myleus
spp.) e carás (Cichlidae). No rio Gurupi, a maior parte dos pontos de pesca não está localizada
onde ocorre desova das espécies locais, podendo este também ser um motivo pelo qual a
abundância de peixes no rio Gurupi é maior.

4.9. Áreas de Uso dos Recursos Naturais

Os mapeamentos participativos vêm sendo utilizados como ferramenta metodológica para


incentivar a discussão acerca dos recursos naturais e uso do território por populações tradicionais
e indígenas, visto que estes podem contribuir e participar de forma ativa no delineamento e
execução de planos de gestão ambiental e territorial de suas áreas.

Os conhecimentos tradicionais ambientais foram abordados a partir do universo das


etnociências, com especial ênfase na etnoecologia. Esses conhecimentos, que emergiram no
processo de construção dos mapas de uso, pelos indígenas, das aldeias visitadas, nos permitem
compreender melhor as relações de seus autores com o meio em que vivem, possibilitando
sua participação na tomada de decisões voltadas à conservação da biodiversidade local.
Os mapas das áreas de uso dos recursos naturais pesqueiros foram construídos de forma
coletiva com os indígenas da TIARG. Os mapas base eram imagens de satélite, onde estavam
indicadas as aldeias, os limites da terra indígena e os corpos d’água. Foram nomeados por eles
os principais pontos de pesca utilizados e os pontos de reprodução das espécies capturadas,
que são chamados pelos indígenas de locais de Piracema ou locais de “cema” (Figura 105). Vale
ressaltar que no rio Guamá foi identificada maior quantidade de pontos de pesca coincidentes
com pontos de desova das espécies locais em comparação com o rio Gurupi.
A imagem de satélite permitiu que fossem reconhecidos os espaços aquáticos e, a partir
desses espaços, os indígenas começaram a delinear os demais elementos, como lagos, igarapés,
áreas de campo, áreas de praia e principais pontos de coleta dos recursos naturais pesqueiros.
Os mapas das áreas de uso foram construídos por indígenas das aldeias Canindé e
Cajueiro, no rio Gurupi, e aldeias Sede, São Pedro e Frasqueira, no rio Guamá (Figura 106).
225

Figura 105 – Principais pontos de pesca e de desova de peixes na TIARG.


226

Figura 106 – Pontos de pesca próximos à aldeia Canindé, no Gurupi, delineados pelos próprios indígenas
da TIARG. Desenho: Jailton Tembé.

5. CONSIDERAÇÕES E RECOMENDAÇÕES
Os peixes são umas das principais fontes de proteína para os indígenas da TIARG e a
ictiofauna da área é composta por uma variedade de espécies. Os Indígenas praticam a pesca
de subsistência e os peixes são utilizados principalmente para a alimentação.

Muitos indígenas relataram o aparecimento de espécies invasoras na TIARG. A introdução


de espécies de peixes em um determinado ambiente onde ela não é nativa pode gerar diversos
impactos. Espécies invasoras, em geral, se adaptam bem ao ambiente e podem se reproduzir
e dispersar, causando a extinção de animais e plantas nativos e a modificação do habitat, entre
outros impactos.

Os impactos ambientais variam de acordo com as características biológicas de cada


espécie, pois estas definem a capacidade de adaptação às condições físicas e biológicas locais
do ambiente no qual ela foi introduzida. O impacto mais frequente decorre da dominância do
meio invadido pela espécie invasora, o que implica na expulsão de espécies nativas e redução
de populações naturais, por vezes com risco de extinções locais. Também podem ocasionar
a quebra de cadeias tróficas e a alteração de ciclos naturais, de características químicas ou
físicas de solos e do equilíbrio hídrico (ZILLER; GALVÃO, 2002). De acordo com o Ministério
do Meio Ambiente (MMA, 2014), para resolver este problema é necessário aprofundar estudos
para que se possam elaborar planos de ação para controle de espécies invasoras na terra
indígena. Esses estudos consistem em levantamentos de processos de invasão ocorrentes
227

na área. São recomendados estudos taxonômicos da biodiversidade local, bem como o


monitoramento para detecção precoce de novas espécies exóticas invasoras. O monitoramento
deveria incluir estudos específicos e gerais, bem como se beneficiar da participação de outros
setores, incluindo as comunidades locais.
Além de identificar as espécies invasoras, os estudos devem incluir em suas investigações:
(a) a história e as características ecológicas da invasão (origens, rotas e períodos); (b) as
características biológicas da espécie exótica invasora; (c) os impactos no ecossistema e nas
espécies nativas; (d) os impactos sociais e econômicos para as populações locais; e, por fim,
(e) as modificações desses aspectos ao longo do tempo. Também é necessário buscar meios
para conservar a diversidade nativa ou, ainda, praticar o repovoamento de espécies de peixes
que estão desaparecendo.
A presença constante de invasores na TIARG contribuiu para o aumento das ocorrências
de pesca predatória e sobrepesca dos recursos pesqueiros da área. Para fortalecer e recuperar a
ictiofauna nativa é essencial que a época da desova seja respeitada. De acordo com a Instrução
Normativa MMA n° 46/2005, que trata do período de piracema para as bacias hidrográficas
dos rios Tocantins e Gurupi, o período de piracema vai de 1º de novembro a 28 de fevereiro.
Nesta época, a pesca só é permitida mediante a utilização de: linha de mão ou vara; linha e
anzol; molinete ou carretilha; e caniço. Não são permitidas: a captura direta com armadilhas
(como redes, tarrafas, entre outros.), a pesca elétrica e a utilização de plantas tóxicas na época
da piracema. Além disso, cada pescador poderá capturar, por dia, no máximo cinco quilos de
peixes para subsistência de sua família.
Observa-se que, mesmo não havendo indícios de espécies ameaçadas de extinção na
área, há grande necessidade de gestão e planejamento ambiental para a TIARG, de forma a
garantir a conservação dos ambientes aquáticos e terrestres, garantindo, também, a conservação
da ictiofauna.
Esta pesquisa confirma a importância do conhecimento que os indígenas possuem
sobre a biologia das espécies locais. Este conhecimento deve ser utilizado para a obtenção
de dados biológicos complementares aos estudos científicos. O saber tradicional indígena
pode contribuir para o planejamento e execução de estratégias de conservação, manejo e
monitoramento contínuo do ambiente e das espécies biológicas, frente aos impactos causados
pelas modificações resultantes da pesca excessiva e devastação da vegetação local.
Os recursos da ictiofauna são essenciais para a segurança alimentar dos indígenas da
TIARG. Em todas as aldeias visitadas as comunidades demonstraram preocupação com a
diminuição das espécies de peixe e com a segurança alimentar, reconhecendo a importância
da conservação e do manejo da ictiofauna e do meio ambiente.
Planos de conservação e manejo para a TIARG são urgentemente necessários, em
virtude de seu território encontrar-se extremamente impactado. As constantes invasões de
caçadores, pescadores e madeireiros e a diminuição dos recursos naturais da fauna e da flora,
estão gerando insegurança alimentar e perda de conhecimentos tradicionais dos indígenas.
228

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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remanescente e desafios para a conservação da biodiversidade e restauração ecológica.
REU, Sorocaba-SP v. 36, n. 3, p. 95-111, 2010.

ALVES, R. R. N.; VIEIRA, W. L. S.; SANTANA, G. G. Reptiles used in traditional folk medicine:
conservation implications. Biodiversity Cons. v. 17, p. 2037-2049, 2008.

BARTHEM, R. B.; GOULDING, M. Um ecossistema inesperado: a Amazônia revelada pela


pesca. Amazon Conservation Association (ACA), Sociedade Civil Mamirauá, 2007.

BEGOSSI, A. “Food taboos at Búzios island (Brazil): their significance and relation to folk
medicine”, J. Ethnobiol., vol. 12, n. 1, p.117-39, 1992.

BEGOSSI, A.; SILVANO, R. A. M.; AMARAL, B.; OYAKAWA, O. Uses of fish and game by
inhabitants of an extractive reserve (upper Juruá, Acre, Brazil). Environment, Development
and Sustainability, v. 1, p. 1-21, 1999.

BEGOSSI, A.; HANAZAKI, N.; RAMOS, R. “Food Chain and the reasons for fish taboos among
Amazonian and Atlantic Forest sishers (Brazil)”. Ecological Applications, v. 14, n. 5, p. 334-
343, 2004.

CASTRO, C. L.; DOURADO, E. C. S. Ictiofauna da Amazônia Oriental brasileira: um panorama


das regiões maranhenses. In: MARTINS, M. B.; OLIVEIRA, T. G. Amazônia Maranhense:
diversidade e conservação. Belém: MPEG, 2011.

ISAAC, V. J.; ESPIRITO-SANTO, R. V.; NUNES, J. L. A estatística pesqueira no litoral do Pará:


resultados divergentes. Pan-American Journal of Aquatic Sciences, v. 3, p. 205-213, 2008.

LOWE-MCCONNELL, R. Estudos Ecológicos de Comunidades de Peixes Tropicais. São


Paulo, Edusp. 1999.

MAUÉS, R. H. A Ilha Encantada: medicina e xamanismo numa comunidade de pescadores.


Belém, EDUFPA, Coleção Igarapé, 1990.

MARTINS, M. B.; OLIVEIRA, T. G. Amazônia Maranhense: diversidade e conservação. Belém:


MPEG, 2011.

MMA - Ministério do Meio Ambiente. Lista nacional das espécies da fauna brasileira ameaçadas
de extinção. Instrução Normativa n° 03, de 27 de maio de 2003. Brasília, DF, 2003.

MMA - Ministério do Meio Ambiente. Espécies exóticas Invasoras. Disponível em: <http://
www.mma.gov.br/biodiversidade/biosseguranca/especies-exoticas-invasoras> Acesso em:
29/10/2014.

PANDEY, M.; VERMA, B.; GOVINDRAO, K. Ethnobiology and conservation of biodiversity.


Journal Employment news, v. 22, n. 51, p. 1-4, 1998.
229

SANTOS, G. M; MICHEL, J.; BERNARD, M. Catálogo de peixes comerciais do baixo rio


Tocantins: Projeto Tucuruí. Manaus: Eletronornete/CNPQ/Inpa, 1984.

SEMA – Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Pará. Lista das espécies da flora e da
fauna ameaçadas de extinção do estado do Pará. Decreto nº 802 de 20/02/2008. Belém, 2008.

ZILLER, S. R.; GALVÃO, F. A degradação da estepe gramíneo-lenhosa no Paraná por


contaminação biológica de Pinus elliottii e P. taeda. Revista Floresta, v. 32, n. 1, p. 41-47, 2002.

UIEDA, V. S.; CASTRO, R. M. C. Coleta e Fixação de peixes de riachos. Série O ecologia


Brasilienses, Vol. VI, PPGE-UFRJ, Rio de Janeiro, 1999.
230

Apêndice 6 - Lista de espécies de peixes citadas pelos indígenas ou capturadas na TIARG, com tradução, quando possível, para a língua Tembé-Tenetehara.

Nome comum
Ordem/Família Espécie Nome Comum (Guamá) Nome Tembé
(Gurupi)
CLUPEIFORMES
Pristigasteridae Pellona castelnaeana (Valenciennes, 1847) apapá/sarda apapá/sarda -
Pristigasteridae Pellona flavipinnis (Valenciennes, 1847) - apapá/sarda -
CHARACIFORMES
Acestrorhynchidae Acestrorhynchus falcatus (Bloch, 1794) oeua/cachorra oeua/cachorra apanare
Acestrorhynchidae Acestrorhynchus falcirostris (Cuvier, 1819) oeua/cachorra oeua/cachorra apanare
aracu-do-igarapé/
Anostomidae Leporinus fasciatus (Bloch 1794) - waraku pinim
aracu-pinim
Anostomidae Leporinus friderici (Bloch, 1794) aracu-cabeça-gorda - waraku
Anostomidae Rhythiodus microlepis (Kner, 1859) aracu-lambe-pau aracu-lambe-pau waraku
cuanã/piau-vara/
Anostomidae Schizodon fasciatus (Agassiz, 1829) aracu-tainha waraku iwira
aracu-pau
Anostomidae Schizodon vittatus (Valenciennes, 1849) - aracu/cuanã waraku/Kw’anà
Characidae Triportheus albus (Cope, 1872) piaba - mamiri
Characidae Triportheus angulatus (Spix & Agassiz, 1829) piaba-facão/sardinha - mamiri tikyhe
Characidae Triportheus elongatus (Gunther, 1864) piaba-comprida tiquira mamiri puku
Characidae Catoprion mento (Cuvier, 1819) piranha-branca piranha pira’i
mamiri anira/
Characidae Roeboides myersii (Gill, 1870) piaba-morcego piaba-nariz-de morcego
Amira pira
Characidae Colossoma macropomum (Cuvier, 1818) tambaqui tambaqui -
Characidae Myleus sp. pacu-branco pacu-branco paku’ai
Characidae Myleus sp. 1 - pacu-bandeira -
Characidae Myleus sp. 2 pacu-rodero pacu-rodero paku’ai
Characidae Metynnis sp. pacu-piranga pacu-piranga -
pacu-do-lago/
Characidae Metynnis argenteus (Ahl, 1923) pacuzinho/pacuí/ pacuzinho-do-lago/pacu-pintado paku’ai
paboca
Characidae Metynnis hypsauchen (Muller & Troschel, 1844) pacu pacu/paboca/pacu-branco paku’ai
Nome comum
Ordem/Família Espécie Nome Comum (Guamá) Nome Tembé
(Gurupi)
pacu-rodero/ pacu-
Characidae Mylossoma duriventre (Cuvier, 1817) pacu paku’ai
do-lago
Characidae Piaractus brachypomus (Cuvier, 1818) pirapitinga pirapitinga pirapiting
Characidae Pristobrycon calmoni (Steindachner, 1908) - piranha-papa-isca pira’i

Characidae Serrasalmus altispinis (Merckx, Jégu & Santos, 2000) piranha-papa-isca piranha-papa-isca/pirambeba pira’i za’yr

Characidae Serrasalmus sp. piranha-pintada piranha-pintada pira’i pinim


Characidae Serrasalmus rhombeus (Linnaeus, 1766) piranha-preta piranha-preta pira’i pihum
Characidae Serrasalmus spilopleura (Kner, 1860) piranha-cara-chata piranha pira’i

Curimatidae Curimata ocellata (Eigenmann & Eigenmann, 1889) tainha sardinha -

Cynodontidae Curimata vittata (Kner, 1858) - cuaca paru


Cynodontidae Hydrolycus scomberoides (Cuvier, 1816) - pirandirá -
Cynodontidae Rhaphiodon vulpinus (Spix & Spix, 1829) pirandirá pirandirá -
Erythrynidae Erythrinus erythrinus (Bloch & Schneider, 1801) jeju-do-igarapé aracapurí teharai
Erythrynidae Hoplerythrinus unitaeniatus (Spix, 1829) jeju jeju zezu
Erythrynidae Hoplias malabaricus (Bloch, 1794) traíra traíra tari’ir
Hemiodontidae Hemiodus immaculatus (Kner, 1858). tainha tainha -
Hemiodontidae Hemiodus unimaculatus (Bloch, 1794). bari bari mari mari
Prochilodontidae Prochilodus nigricans (Agassiz, 1829). curimatá curimatá -
Ctenoluciidae Boulengerella cuvieri (Spix & Agassiz, 1829) pirapucu/bicudo pirapucu/bicudo piraximuku
SILURIFORMES
Auchenipteridae Trachelyopterus galeatus (Linnaeus, 1766) anujá/capadinho anujá nuza
tamatá/tamatá-cupim/ tamatá/tamatá-cambeua/tamatá-
Callichthydae Hoplosternum littorale (Hancock, 1828) zahyr
cascudo verdadeiro
Loricaridae Liposarcus pardalis (Castelnau, 1855) acari/bodó/acari-bodó acari/bodó/acari-bodó wakari
Loricaridae Squaliforma emarginata (Valenciennes, 1840) acari/bodó/acari-bodó acari/bodó/acari-bodó wacari
Loricaridae Loricaria sp - caximbau -
231
232

Nome comum
Ordem/Família Espécie Nome Comum (Guamá) Nome Tembé
(Gurupi)
Loricaridae Rineloricaria sp. - caximbau -

Pimelodidae Phractocephalus hemioliopterus (Bloch & Schneider, 1801) - pirarara -

Pimelodidae Pimelodus sp. - mandi-açu mani’i

Pimelodidae Brachyplatystoma filamentosum (Lichtenstein, 1819) - filhote -

Pimelodidae Brachyplatystoma rousseauxii (Castelnau, 1855) - dourada -


mandi-cabeça-de-
Pimelodidae Pimelodus blochii (Valenciennes, 1840) mandi-cabeça-de-ferro mani’i kàgnata
ferro
Pimelodidae Pseudoplatystoma fasciatum (Linnaeus, 1766) surubim surubim uruwi
Pimelodidae Pseudoplatystoma tigrinum (Valenciennes, 1840) - surubim uruwi
Ageneiosidae Ageneiosus brevis Steindachner, 1881 mandubé mandubé -
Ageneiosidae Aequidens tetramerus (Heckel, 1840) cará-bola cará-bola akara pu’a
PERCIFORMES
Akara ximuku/
Cichlidae Acarichthys heckellii (Muller & Troschel, 1849) cará-mijão cará-amarelo
akará tawa

Cichlidae Chaetobranchopsis orbicularis (Steindachner, 1875) cará-bola/cará-ponga cará-ponga akara pu’a

Cichlidae Chaetobranchus flavescens (Heckel, 1840) cará-do-lago cará-do-lago akara


tucunaré/tucunaré-
Cichlidae Cichla monoculus (Spix & Agassiz, 1831) tucunaré/tucunaré-amarelo tukunare
amarelo
tucunaré/tucunaré-
Cichlidae Cichla ocellaris (Schneider, 1801) tucunaré tukunare
pintado
Cichlidae Cichla temensis (Humboldt, 1821) - tucunaré-paca tukunare

Cichlidae Cichlasoma amazonarum (Kullander, 1983) cará-bola cará-ponga akara pu’a

cará-do-papo-
Cichlidae Geophagus sp. cará-amarelo akara tawa
amarelo
cará-do-igarapé/cará- cará-mereré-preto/cará-mereré/
Cichlidae Heros severus (Heckel, 1840) akara
mereré cará-roxo
Nome comum
Ordem/Família Espécie Nome Comum (Guamá) Nome Tembé
(Gurupi)
Cichlidae Satanoperca acuticeps (Heckel, 1840) cará-boca-de-pote cará/cará-branco akara
Cichlidae Satanoperca jurupari (Heckel, 1840) cará-pintado cará-branco akara
Cichlidae Crenicichla reticulata (Heckel, 1840) jacundá jacundá -
Sciaenidae Plagioscion squamosissimus (Heckel, 1840) pescada-branca pescada-branca -
RAJIFORMES
Potamotrygonidae Potamotrygon sp. - arraia-nari-nari zawiwir
Potamotrygonidae Plesiotrygon sp. - arraia zawiwir

GIMNOTIFORMES

Gymnotidae Electrophorus electricus (Linnaeus, 1766) - poraquê -


Gymnotidae Sternopygus macrurus (Bloch & Schneider, 1801) sarapó-do-igarapé sarapó arapo
Gymnotidae Gymnotus sp. Hoedeman, 1962 tobiu sarapó arapo
Rhamphichthyidae Rhamphichthys rostratus (Linnaeus, 1766) - ituí-teçado arapoí
BATRACHOIDIFORMES

Batrachoididae Batrachoides surinamensis (Bloch and Schneider, 1801) - pacamon pacamão

SYNBRANCHIFORMES

Synbranchidae Synbranchus marmoratus  Bloch, 1795 - muçum -


233
234
235

6.3 - AVIFAUNA

Renata de Melo Valente


Éder Amoras Melo
236
237

1. INTRODUÇÃO
A Terra Indígena Alto Rio Guamá (TIARG) está localizada no leste do Estado do Pará,
numa região que faz parte do chamado Centro de Endemismo Belém (CEB). O CEB possui
florestas consideradas altamente prioritárias para a conservação de aves e outros grupos de
animais e plantas, pois abrigam um grande número de espécies que só ocorrem nesta parte
da Amazônia (espécies endêmicas) e que também figuram entre as mais ameaçadas de
todo o bioma, em decorrência da carência dramática de florestas com extensão e integridade
satisfatórias para as exigências ecológicas e espaciais de várias delas (PORTES et al., 2011).
Esta região faz parte da porção leste do arco do desmatamento, encontrando-se em acelerado
processo de devastação e alteração de sua cobertura florestal original, devido às frentes de
colonização e à atuação intensiva e devastadora de atividades agropecuárias e de extração
de madeira. Além disso, seus remanescentes florestais estão pouco representados em áreas
protegidas (unidades de conservação e terras indígenas), principalmente na porção paraense
do CEB, aumentando ainda mais o grau de ameaça ao ecossistema desta região (PORTES
et al., 2011; VALENTE, 2008).

As aves são um grupo bastante sensível à degradação ambiental e, não à toa, mais
da metade das espécies de aves ameaçadas de extinção no Pará (SEMA, 2008) possuem
distribuição geográfica que abrange a área do CEB. Dos 31 táxons de aves ameaçados no
Estado, 20 (64,5%) têm área de ocorrência compreendida neste centro de endemismo, alguns
deles exclusivamente na área, como Crax fasciolata pinima (mutum-de-penacho) e Psophia
obscura (jacamim-de-costas-escuras). Levantamentos recentes da avifauna têm sido conduzidos
em fragmentos florestais localizados no CEB, mostrando que muitas espécies, inclusive as mais
ameaçadas de extinção, ainda resistem às pressões humanas, o que reforça a importância
de conservá-los (LEES et al., 2012; PORTES et al., 2011; SILVEIRA, 2004, 2006; VALENTE,
2008). É sabido que as terras indígenas são áreas de vital importância para a conservação
de espécies e ecossistemas na Amazônia (ARIMA et al., 2007; FERREIRA; VENTICINQUE;
ALMEIDA, 2005; ISA, 2009; MARTINS, et al., 2012; NEPSTAD et al., 2006; SOARES-FILHO,
2010). Elas oferecem uma resistência ao avanço do desmatamento, principalmente na região
do arco do desmatamento, onde possuem papel ainda mais destacado na conservação da
floresta (NEPSTAD et al., 2006; SCHWARTZMAN; ZIMMERMAN, 2005).
Com base no estudo preliminar aqui apresentado, pode-se afirmar que a TIARG conserva
uma parcela bastante significativa da avifauna nativa desta porção da Amazônia, principalmente
na região da bacia do rio Gurupi, ao sul da terra indígena, onde a mata encontra-se em melhor
estado de conservação em relação à região da bacia do rio Guamá, ao norte. A participação
indígena e a ação conjunta de setores governamentais e não governamentais são fundamentais
para garantir o manejo e a proteção das espécies de aves no longo prazo, não apenas para o
equilíbrio ecológico da região, mas também para a preservação da identidade cultural do povo
Tembé, pois muitas dessas aves, inclusive algumas ameaçadas, constituem fontes importantes
para sua alimentação e possuem partes, como penas e ossos, utilizadas no artesanato e
cerimoniais indígenas.
238

2. OBJETIVO
Este estudo teve como objetivo inventariar preliminarmente a comunidade de aves da
TIARG e fazer uma abordagem sobre seu estado de conservação e sobre sua utilização pelos
Tembé, dando atenção especial às espécies ameaçadas de extinção no Estado do Pará.

3. METODOLOGIA
3.1. Área de Estudo

O inventário da avifauna foi realizado na porção norte (região do rio Guamá) e sul (região
do rio Gurupi) da TIARG. Nestas áreas, foram inventariadas, principalmente, quatro trilhas que
foram abertas para a realização dos estudos de diagnóstico da terra indígena, sendo duas
trilhas no Guamá e duas trilhas no Gurupi, cada uma com 4 km de extensão (ver a seção
Como Foram Feitos os Estudos, pg. 25). Além disso, também foram realizadas amostragens
fora dessas trilhas, a fim de cobrir outros tipos de ambiente, como florestas secundárias, áreas
abertas e beira de rio. A área central da TIARG não foi inventariada, já que a região encontra-se
ocupada por colonos invasores. A seguir, são descritas as áreas amostradas.

Região do rio Gurupi, sul da TIARG


Foram amostradas as áreas localizadas nas proximidades de duas aldeias: Canindé e
Cajueiro. Em cada uma dessas áreas foi previamente aberta uma trilha de 4 km de extensão
no interior da floresta. Estas trilhas foram preferencialmente percorridas para a amostragem
da avifauna.

Aldeia Canindé
Na região da aldeia Canindé, o rio Gurupi apresenta muitas corredeiras, com grandes
pedras expostas durante a estação seca, quando foi realizado o trabalho de campo deste estudo
(Figura 106). Ele separa, geograficamente, duas etnias indígenas nesta área: os Tembé da
TIARG, do lado paraense, e os Ka’apor da Terra Indígena Alto Turiaçu, no lado maranhense.
De acordo com depoimentos colhidos durante conversas informais com os Tembé, a floresta
do lado maranhense estaria mais impactada em comparação com a floresta onde foi realizado
este estudo, no Pará.
Trilha Canindé: esta trilha foi aberta para os estudos do Diagnóstico Etnoambiental Participativo
da TIARG. (4 km). As matas das proximidades da aldeia Canindé apresentam-se como um mosaico
de florestas secundárias e de áreas de florestas mais conservadas, ricas em palmeiras de babaçu.
São exaustivamente visitadas pela comunidade indígena, principalmente para a caça e o extrativismo,
apresentando inúmeras trilhas pequenas. A floresta inventariada ao longo da Trilha Canindé
apresentava-se sensivelmente em melhor estado de conservação do que a floresta inventariada
na área da aldeia Cajueiro (descrita a seguir), com maior contingente de árvores de grande porte,
dossel mais fechado e sub-bosque relativamente aberto (Figura 107). A trilha iniciava-se nas
proximidades das habitações da aldeia, às margens do rio Gurupi, e seguia em direção à floresta,
estando adjacente a uma mata de capoeira. Nesta capoeira também foi feito um levantamento da
239

Figura 106 – Corredeiras características de um trecho do rio Gurupi, nas proximidades da Aldeia Canindé,
mostrando as grandes pedras expostas durante a estação seca. Foto: Renata Valente.

avifauna. Tratava-se de uma mata bastante utilizada para deslocamento dos indígenas, inclusive
com uso de motocicletas. Talvez, por isso, tenha apresentado um baixo contingente de aves.

Aldeia Cajueiro
Trilha Akazu Iw: esta trilha também foi aberta para o estudo de diagnóstico do
Etnozoneamento (4 km), tendo o ponto de início localizado próximo à margem do rio Gurupi.
A mata apresentava sub-bosque mais fechado do que a mata inventariada na aldeia Canindé,
com poucas árvores de grande porte, distribuídas de forma que não chegavam a formar um
dossel contínuo, como em matas mais preservadas. Possuía muitas árvores jovens e pouco
espessas e grande quantidade de tiriricas e imbaúbas (Figura 107).
Trilha do Cocal: trilha já existente na área, provavelmente foi aberta para retirada de
madeira, pois mostrava evidências de utilização de trator para sua abertura (grande largura e
marcas de pneus no solo). Além disso, encontramos alguns troncos cortados e abandonados.
Apresentava mata com sub-bosque bastante denso e predomínio de árvores jovens, entre as
quais havia algumas árvores adultas e, raramente, árvores de grande porte.
240

Na aldeia Cajueiro, também foi visitada uma área de pasto localizada ao longo de uma
estrada que se estende desde a entrada da terra indígena até a aldeia.

Região do rio Guamá, norte da TIARG

Nas matas do Guamá a influência antrópica é claramente mais acentuada do que no


Gurupi. No Guamá houve maior quantidade de queimadas para o estabelecimento de roças,
bem como intensa exploração para extração de madeira, contribuindo para que as matas
apresentassem um grau de alteração bem maior quando comparadas com as matas do Gurupi.
As florestas mais preservadas do Guamá apresentavam-se como fragmentos pequenos em
meio a um mosaico de florestas secundárias jovens e antigas. Possuíam árvores de diferentes
idades esparsamente distribuídas.

Aldeia São Pedro


Trilha São Pedro: esta trilha foi aberta para o estudo do Diagnóstico Etnoambiental
Participativo da TIARG. (4 km). A mata ao longo desta trilha era bastante alterada, apresentando
sub-bosque predominantemente fechado, com grande quantidade de emaranhados de cipós
que dificultavam a visualização das aves, mesmo a pouca distância. Em alguns trechos o sub-
bosque era mais aberto, apresentando grandes árvores distribuídas esparsamente, dando a
impressão de uma mata mais preservada. Porém, o dossel era bastante rarefeito, com muitas
clareiras e apenas copas de árvores isoladas em vários trechos.
Capoeira/pasto: possuía o aspecto geral de área aberta; provavelmente era um pasto
antigo que se encontrava em processo de recuperação, pois apresentava alguns arbustos,
muitos cipós e pequenas “ilhas” com capim alto. Em alguns trechos ainda servia como pasto,
onde visualizamos a presença de gado. Possuía pouquíssimas árvores jovens e certo número
de árvores de grande porte que, apesar de estarem de pé, já estavam mortas. As observações
foram feitas ao longo de uma estrada que corta esta área e através da qual é possível chegar
até a Trilha São Pedro (descrita acima).

Aldeia Pinu’a
Trilha Pinu’a: trilha também aberta para o estudo do Diagnóstico Etnoambiental Participativo
da TIARG (4 km). Localizava-se em área relativamente distante das aldeias do Guamá, sendo
a aldeia Pinu’a a mais próxima(ver a seção Como Foram Feitos os Estudos, pg. 25).Ao longo
da trilha, a mata era tipicamente uma floresta secundária, apresentando vegetação fechada e
densa, muitos arbustos e poucas árvores maiores, não chegando a formar dossel fechado, mas
com presença de muitas árvores jovens. Em vários pontos havia grandes clareiras, aparentando
serem ambientes de áreas abertas com arbustos.
241

Figura 107 – Aspectos da Trilha Canindé (A) e da Trilha Akazu Iw (B), ambas na região do rio Gurupi,
ao sul da TIARG. Fotos: Éder Melo.

3.2. Coleta de Dados

Os trabalhos de campo foram realizados de 21 de setembro a 13 de Outubro de 2014.


Devido ao curto período de amostragem, optou-se pelo levantamento qualitativo da avifauna.

As trilhas de 4 km de extensão foram percorridas geralmente pela manhã, entre os horários


de 6h00 às 10h00, e à tarde, de 15h30 às 18h00. À noite, os trabalhos foram realizados das
18h00 às 22h30, aproximadamente. Além do pesquisador não indígena, a equipe da avifauna
estava composta por dois pesquisadores indígenas – um residente na região do Guamá e outro
na região do Gurupi (Figura 108). Considerando a experiência que os indígenas possuem no
convívio com a floresta, sua participação garantiu maior aproveitamento do tempo e maior
celeridade na identificação das espécies de aves.
Foram feitos registros visuais e auditivos para tentar identificar as espécies ao longo das
trilhas e de outras áreas percorridas durante o estudo na TIARG. Os registros visuais foram
feitos com auxílio de binóculos (Celestron UpClose 7x50, Mod.71302; Celestron UpClose 8x40,
Mod.71142; e Bushnell 8x40). O registro das vozes foi feito com um smartphone Samsung
Galaxy S4 Mini Duos GTI9192, utilizando-se os aplicativos Smart Voice Recorder e HD Audio
242

Record para simples identificação dos cantos. Para as vocalizações que não puderam ser
identificadas imediatamente no campo, foram consultadas bibliotecas disponíveis na web
(Xeno-canto; Macaulay Library do Laboratório de Ornitologia da Universidade de Cornell; Wiki
Aves) e Laboratório de Ornitologia e Bioacústica (LOBIO) da Universidade Federal do Pará
(UFPA). Um grande número de espécies foi reconhecido através da audição de cantos das
bibliotecas acima citadas. Evidências indiretas, como penas, indivíduos caçados, etc., também
foram utilizadas para identificar as espécies.
Para a coleta de dados da avifauna também foi acessado o saber indígena, procurando-
se realizar um etnodiagnóstico (informal) da avifauna da TIARG. Assim, os pesquisadores
indígenas também identificavam espécies pelo canto ou visualmente durante o trabalho nas
trilhas. Além disso, foram realizadas pequenas reuniões, principalmente na aldeia Canindé, nas
quais os cantos gravados eram reproduzidos, na tentativa de que fossem identificados pelos
índios presentes (Figura 4). Na ocasião, informações sobre a utilização de algumas espécies
de aves e o conhecimento indígena sobre a avifauna também eram coletadas. Também
eram apresentadas aos indígenas pranchas do livro “Guia de Campo: Aves da Amazônia
Brasileira” (SIGRIST, 2008), para que pudessem apontar espécies presentes na área. Tanto
para as vocalizações quanto para as espécies apontadas em pranchas, só foram consideradas
ocorrências confirmadas as espécies reconhecidas em consenso. Este recurso só não rendeu
um resultado mais robusto devido ao pouco tempo disponível e certa carência de informantes
realmente conhecedores das aves que estivessem livres para atender todas as equipes em
campo. De qualquer forma, o reconhecimento do canto das aves pelos indígenas, aliado à
aplicação das entrevistas, reuniões ou conversas informais, revelou-se um surpreendente e
poderoso auxilio na identificação de varias espécies de aves presentes na TIARG.

Figura 108 – Equipe de pesquisadores Figura 109 – Reunião informal realizada com os indígenas para
da avifauna. Foto: Pedro Alexandre confirmação da ocorrência de espécies de aves na TIARG. Foto:
Sampaio. Pedro Alexandre Sampaio.
243

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Durante os cerca de 20 dias de levantamentos de campo, foram registradas 214 espécies
de aves distribuídas em 61 famílias. Um trabalho anterior realizado em fragmentos florestais
contíguos à TIARG, na área da Fazenda Méjer (VALENTE, 2011), identificou 40 espécies que
não foram registradas no presente estudo, mas que podem ser potencialmente incluídas na
lista de aves da TIARG, aumentando para 254 o número total de espécies registradas até o
momento na reserva (Apêndice 7).
Levantamentos mais completos, que compreenderam um período maior de amostragem
e englobaram diversas metodologia, realizados em localidades próximas à TIARG, no CEB,
registraram número maior de espécies de aves. VALENTE (2008) compilou os resultados de
inventários realizados em fragmentos florestais pertencentes ao Grupo Agropalma, no Município
de Tailândia-PA, chegando ao número de 389 espécies de aves, o que representa 73,5% das
espécies cuja ocorrência é esperada para toda a área do leste do Pará, que corresponde à
porção paraense do CEB (ROMA, 1996). Em outro estudo, Lees et al., (2012) registraram 440
espécies num inventário realizado em várias localidades no Município de Paragominas.
É importante ressaltar que o número de espécies registrado no presente estudo representa
apenas uma estimativa preliminar sobre a avifauna da TIARG, já que foram amostradas áreas
pontuais em um curto intervalo de tempo, de acordo com o objetivo de realizar um diagnóstico
rápido da área da reserva. Portanto, novos estudos devem ser realizados futuramente, a fim de
ampliar o conhecimento sobre a terra indígena e melhor direcionar os esforços de conservação.
Tal como foi demonstrado para os fragmentos inventariados em Tailândia, a TIARG certamente
abriga um número bem mais expressivo de espécies da avifauna, ainda mais quando se
considera que a reserva possui uma área consideravelmente maior de contínuo florestal quando
comparada com os fragmentos do Grupo Agropalma.
O melhor estado de conservação das matas da região do Gurupi em comparação com o
Guamá foi confirmado em relação à composição das espécies de aves. Durante as entrevistas,
os indígenas informaram que mutuns, gaviões de grande porte e araras não ocorrem mais no
Guamá. Considerando-se os estudos de campo realizados durante este trabalho nas florestas
da TIARG, no Gurupi foram registradas espécies indicadoras da qualidade ambiental que não
foram registradas no Guamá, como inhambus (C. strigulosus), mutuns (Pauxi tuberosa, Crax
fasciolata pinima), jacus (Penelope pileata), jacamins (Psophia obscura), araras (Ara chloropterus,
Guarouba guaruba) e seguidores de formigas de correição (Pyriglena leuconota, Phlegopsis
nigromaculata paraensis). A estrutura da floresta da Trilha Canindé, no Gurupi, com muitas
árvores de grande porte, dossel mais fechado e sub-bosque mais aberto, garante as condições
indispensáveis à sobrevivência de inúmeras espécies de aves sensíveis a perturbações. A
presença de muitas palmeiras de babaçu na mata da Trilha Canindé talvez possa explicar a
alta incidência de animais observados na região de maior contingência dessas palmeiras, pois
estávamos na época de amadurecimento de seus frutos. Registramos papagaios, tucanos,
macacos, cotias e porco do mato (porcão). Estudos mais completos devem ser conduzidos
para confirmar se os animais citados de fato alimentam-se dos frutos da referida palmeira.
Durante o estudo foram registradas oito espécies ameaçadas de extinção (Apêndice 7)
de acordo com a lista do Estado do Pará (SEMA, 2008), representando 40% das espécies de
244

aves ameaçadas esperadas para ocorrer no CEB. Se incluirmos as duas espécies registradas
por Valente (2011) nos fragmentos contíguos à TIARG (Apêndice 7), temos 50% das espécies
ameaçadas registradas por pesquisadores na reserva. Deve-se considerar que os levantamentos
foram feitos em períodos bastante curtos e que investigações mais prolongadas devem retornar
o registro de espécies adicionais incluídas em categorias de ameaça na lista do Pará, como: o
araçari-de-pescoço-vermelho (Pteroglossus bitorquatus bitorquatus, Ramphastidae); o pica-pau-
dourado-escuro (Piculus paraensis, Picidae – referido como Piculus chrysochloros paraensis
na lista do Pará (SEMA, 2008), mas recentemente elevado ao status de espécie (DEL-RIO
et al., 2013; PIACENTINI et al., 2015); o pica-pau-de-coleira (Celeus torquatus pieteroyensi,
Picidae); o arapaçu-rabudo (Deconychura longicauda zimmeri, Dendrocolaptidae); o arapaçu-
canela-de-belém (Dendrexetastes rufigula paraensis, Dendrocolaptidae); o papinho-amarelo
(Piprites chloris griseicens, Pipritidae); o bico-chato-da-copa (Tolmomyas assimilis paraensis,
Tyrannidae); e a saíra-diamante (Tangara velia signata, Thraupidae).
Estudos prévios sobre a ocorrência de espécies da fauna ameaçada de extinção na
TIARG, evidenciadas, principalmente, com base na informação dos próprios indígenas da
região do Gurupi, indicam que as 20 espécies de aves ameaçadas de extinção esperadas
para ocorrer no CEB podem estar presentes na área da reserva, o que reforça sua importância
como prioritária para ações de conservação no Pará (Ver Capítulo 7). Como mencionado acima,
o presente estudo confirmou a ocorrência de pelo menos 10 espécies ameaçadas. Outros
estudos de campo devem ser conduzidos por especialistas da avifauna a fim de: confirmar o
registro das demais espécies ameaçadas com probabilidade de ocorrer na TIARG e avaliar
seu status de conservação; identificar as principais pressões e ameaças a essas espécies,
como a caça e a pesca por invasores ilegais e o desmatamento e a exploração de madeira; a
frequência e os tipos de uso feitos pelos indígenas (alimento, ornamento, artesanato, animais
de estimação), bem como se eles próprios já realizam alguma iniciativa de monitoramento
das espécies utilizadas. Ao final, podem ser propostos projetos para monitoramento dessas
espécies, de forma a garantir sua sobrevivência na reserva e o uso sustentável de algumas
delas pelos indígenas, respeitando seus costumes e tradições.
Das espécies ameaçadas registradas na TIARG, duas estão classificadas na categoria
“Em perigo” (o segundo maior grau de ameaça), de acordo com a SEMA (2008): Crax fasciolata
pinima e Psophia obscura. Entretanto, na lista nacional (MMA, 2014), elas já constam como
criticamente ameaçadas, o mais alto grau de ameaça. As demais espécies estão classificadas
na categoria "Vulnerável" de acordo com a SEMA (2008). Todas as espécies ameaçadas foram
registradas na região do Gurupi, que apresenta suas florestas bem mais preservadas quando
comparadas com a região do Guamá.
A seguir, são feitas algumas considerações sobre as aves ameaçadas de extinção
registradas durante este estudo.

Mutum-de-penacho (Crax fasciolata pinima)


A equipe que realizava levantamento de mamíferos, a qual também incluía pesquisadores
indígenas, registrou um indivíduo vocalizando próximo à Trilha Cajueiro. Este exemplar seria
um macho adulto, de acordo com os indígenas. Penas e ossos de C. fasciolata pinima são
amplamente utilizadas na confecção de ornamentos e vertes usados pelos Tembé em dias de
245

festa e em cerimonias importantes (Figura 5). Também é caçado pelos indígenas para servir
como fonte alimentar. Registros de um espécime capturado pelos Tembé foram feitos pela
equipe da Gerência de Sociobiodiversidade/Diretoria de Áreas Protegidas da SEMA-PA em
2013, durante os trabalhos iniciais de mobilização para o projeto de Etnozoneamento (Figura
110) Penas também foram registradas pela equipe da SEMA em 2012, durante um trabalho
de levantamento de espécies ameaçadas na TIARG (Ver Capítulo 7).
Crax fasciolata pinima é um táxon endêmico do CEB e um dos mais raros do Brasil, com
muito pouca informação disponível sobre seus hábitos ou ecologia (SILVEIRA, 2006). Não era
documentado na natureza desde 1978 (SILVEIRA; STRAUBE, 2008). Silveira (2004) obteve
apenas o indício de sua presença em fragmentos florestais da área do Grupo Agropalma,
obtido através da informação de terceiros, e reforça que a presença deste táxon e do jacamim-
de-costas-escuras (Psophia obscura), também raro e igualmente registrado na TIARG (ver a
seguir), coloca suas áreas de ocorrência entre as mais importantes de toda a região amazônica
para a conservação de aves ameaçadas de extinção. Silveira e Straube (2008) supõem que a
espécie talvez pudesse ocorrer na Reserva Biológica (Rebio) do Gurupi ou poderia estar extinta
na natureza. Lima, Martinez e Raices (2014) realizaram inventário avifaunístico sistemático na
Rebio e não encontraram o mutum-pinima, apesar do relato de sua ocorrência pelos moradores
locais. O registro da presença desta espécie na TIARG eleva de forma marcante a importância da
terra indígena como área de extrema importância para a conservação de espécies ameaçadas.
Crax f. pinima está classificado na categoria “Em perigo” de ameaça de extinção no Estado
do Pará (SEMA, 2008) e como “Criticamente Ameaçado” na lista nacional (MMA, 2014) e na da
IUCN (2017). Sugere-se que, ao ser realizada revisão na lista do Pará, o táxon também seja
classificado como “Criticamente Ameaçado”, que é o mais alto grau de ameaça. O declínio de
Crax f. pinima se deve principalmente à perda de habitat ocasionada pela redução marcante
das áreas de florestas nativas do CEB e pela pressão de caça, pois, como outros mutuns,
é uma espécie de grande porte bastante apreciada por caçadores que atuam ilegamente
na área. É recomendado que os próprios indígenas desenvolvam ou sejam orientados a
desenvolver sistemas de manejo no uso da espécie, de forma a garantir sua permanência na
área e contribuir para sua sobrevivência na natureza. Coibir a prática de atividades ilegais de
caça, desmatamento e exploração madeireira observadas na reserva também é fundamental
para a sobrevivência desta e de outras espécies endêmicas do CEB. Pesquisas de campo são
importantes e devem ser desenvolvidas com urgência, a fim de: avaliar o status de conservação
da espécie na TIARG; levantar as formas e a frequência de utilização da espécie pelos Tembé;
de utilização pelos Tembé; estimar seu tamanho populacional na área; e avaliar a possibilidade
de manejo e reprodução de espécimes em cativeiro, caso seja necessário pensar em programas
de reintrodução e recuperação das populaçõe na TIARG. Silveira e Straube (2008) também
recomendam que sejam realizadas pesquisas taxonômicas para verificar se C. f. pinima pode
ser validado como táxon independente dos outros que compõem o complexo Crax fasciolata.
Para tanto, é necessário que sejam coletadas amostras de tecido de aves pertencentes ao
ao táxon. A TIARG pode ser um local onde a coleta dessas amostras pode vir a ser realizada
como parte de projetos de pesquisa devidamente autorizados pelos órgãos competentes e
pelos próprios Tembé.
246

Figura 109 – Penas (pretas e brancas) do mutum-pinima (Crax fasciolata pinima) utilizadas no artesanato
Tembé. Fotos: Claudia Kahwage.

Figura 110 – Cabeça, penas e penacho de um exemplar do mutum-pinima (Crax fasciolata pinima) capturado
pelos indígenas na aldeia Teko Haw, região do rio Gurupi.

Jacamim-de-costas-escuras (Psophia obscura)

Foi registrado um grupo de no mínimo três indivíduos próximo à trilha, dispersando-se


através da copa das árvores, na mata da aldeia Canindé. Estas aves normalmente ocupam o
chão da floresta, mas podem subir ao alto das árvores quando são afugentadas.
O jacamim-de-costas-escuras é uma espécie de ave bastante exigente quanto ao estado
de conservação e à extensão de floresta primária para que persista na natureza (PORTES et
al., 2011). É considerado “Em perigo” de acordo com a lista de espécies ameaçadas do Pará
(2008) e “Criticamente Ameaçado” de acordo com a lista nacional (MMA, 2014) e da IUCN (2017).
Embora ainda tratado como Psophia viridis obscura na lista do Pará, foi elevado ao status de
espécie posteriormente à sua publicação (OPPENHEIMER; SILVEIRA, 2009; PIACENTINI et al.,
2015; RIBAS et al., 2012). Da mesma forma que C. fasciolata pinima, também se recomenda
sua elevação ao status de “Criticamente Ameaçada”.
A caça, a redução e a perturbação na integridade de áreas florestadas estão entre
247

as principais causas do desaparecimento desta espécie em diversas áreas onde ocorria


previamente (SILVEIRA, 2006). Populações viáveis são encontradas somente em grandes
reservas protegidas e em áreas que sofreram o mínimo de intervenção humana (SILVEIRA;
STRAUBE 2008). Suas penas são bastante utilizadas nos rituais dos Tembé. Da mesma forma
que a espécie anterior, por ser uma espécie de grande porte, que ocupa territórios amplos,
possui baixa densidade populacional e é exigente em relação à integridade de seu hábitat, é
recomendado que os indígenas utilizem a espécie de forma sustentável, procurando manejar
sua captura na natureza. Ações de vigilância e fiscalização contra caçadores e exploradores
ilegais de madeira devem ser conduzidas de forma efetiva pelos órgãos responsáveis, de forma
a coibir a destruição do habitat e a captura ilegal desta espécie na natureza.

Balança-rabo-de-garganta-preta (Threnetes leucurus medianus)


Um indivíduo foi facilmente atraído através de playback na manhã do dia 24 de setembro
na trilha da mata da aldeia Canindé, aproximadamente às 9h15min, quando realizou vários
rasantes próximos à equipe, devido ao seu comportamento fortemente territorialista. Este táxon
ocorre apenas no CEB e está classificado na categoria “Em Perigo” de acordo com a lista das
espécies ameaçadas de extinção no Estado do Pará (SEMA, 2008). Ocupa o sub-bosque de
matas de terra-firme e de várzea bem preservadas (SICK, 2001). É um táxon que aparenta
ser raro em sua área de ocorrência, pois não foi registrado nos levantamentos recentes
efetuados na área (LEES et al., 2012; PORTES et al., 2011). A manutenção da integridade dos
ambientes florestais é essencial para a permanência desta espécie na TIARG, ressaltando-se
sua importância na cadeia trófica e seu papel como polinizador, característico dos beija-flores.

Ararajuba (Guaruba guarouba)


Alguns grupos da ararajuba foram observados em voo, em grupos de seis a 12 indivíduos,
tanto nas matas próximas à aldeia Canindé quanto na aldeia Cajueiro, na região do Gurupi,
onde as florestas estão mais preservadas. Na aldeia Cajueiro, foi observado um exemplar
domesticado, criado como animal de estimação pelo menos desde 2013, quando também foi
registrado pela equipe da SEMA-PA (ver Capítulo 7). As penas da ararajuba são utilizadas pelos
Tembé na ornamentação e vertes cerimoniais, bem como no artesanato indígena. É endêmica
da Amazônia Brasileira, ocorrendo do oeste do Maranhão ao sudeste do Estado do Amazonas,
embora existam registros pontuais mais antigos em outras localidades, mas sempre ao sul do
rio Amazonas. Está classificada na categoria "Vulnerável" de ameaça tanto na lista do Pará
quanto na lista nacional (MMA, 2014) e da IUCN (2017).
Apesar de seu status de ameaça, há poucos estudos realizados sobre os hábitos e a
ecologia da ararajuba (LARANJEIRAS, 2011; LARANJEIRAS; CONH-HAFT, 2009). Sabe-se
que, apesar de nidificarem em ocos de árvores localizados em áreas abertas próximas à mata,
estas aves são altamente dependentes de florestas extensas e preservadas para conseguir
alimento (LARANJEIRAS, 2011). Os relatos dos indígenas, confirmados pela ausência de
registros durante este estudo, são de que a espécie não ocorre mais na região do Guamá, onde
as florestas estão bastante alteradas e fragmentadas. A recomendação também é que seja
realizado algum tipo de manejo para captura e utilização da espécie pelos indígenas no Gurupi,
além da elaboração de planos de monitoramento da espécie e de vigilância contra atividades
ilegais de caça, desmatamento e exploração de madeira. Programas de reflorestamento e
248

de enriquecimento da área com espécies nativas também podem ser empregados em áreas
mais alteradas, para estimular o retorno desses animais para locais onde já não são mais
encontrados na TIARG.

Choca-lisa (Thamnophilus aethiops incertus)


Foi realizado registro visual e auditivo de um casal da choca-lisa no dia 8 de outubro de
2014. O casal estava próximo ao chão, na borda da mata da aldeia São Pedro, no Guamá.
Este táxon ocorre exclusivamente no CEB e parece ser relativamente comum nas matas
primárias e secundárias deste centro de endemismo, aparentando possuir certa tolerância à
degradação e fragmentação florestal (PORTES et al., 2011). De qualquer forma, ações voltadas
à manutenção da integridade de ambientes florestais continuam sendo importantes para garantir
a permanência desta e de outras espécies de aves nas matas do CEB.

Mãe-de-taoca (Phlegopsis nigromaculata paraensis)


Phlegopsis nigromaculata paraensis ocorre apenas no CEB e costuma ser comumente
observado no sub-bosque de florestas primárias, podendo ser encontrado também em florestas
secundárias, dependendo de seu grau de alteração. Durante os estudos, a mãe-de-taoca
foi vista e ouvida em todas as trilhas de mata visitadas, exceto na trilha Pinu’a, na região do
Guamá. A mãe-de-taoca é especialista em seguir formigas de correição, aproveitando para se
alimentar dos artrópodes afugentados por elas durante seus deslocamentos na mata. As aves
seguidoras de formigas são indicadoras de qualidade ambiental e, portanto, a ausência de
registros deste táxon na referida trilha confirma o estado de degradação da mata em questão.
Está classificada na categoria “Em Perigo” de acordo com a lista estadual (SEMA, 2008) e
como “Vulnerável” na lista nacional (MMA, 2014).

Arapaçu-da-taoca (Dendrocincla merula badia)


O arapaçu-da-taoca, assim como outras aves especialistas em seguir formigas de correição,
também é um bom indicador da integridade florestal das matas onde ocorre, pois normalmente
é encontrado apenas em matas ou fragmentos florestais mais extensos e em bom estado de
conservação (PORTES et al., 2011). Dendrocincla m. badia é um táxon endêmico do CEB,
habitando o sub-bosque de florestas ombrófilas densas de terra-firme (PORTES et al., 2011).
Foi registrado algumas vezes, visual e auditivamente, na trilha Canindé, compondo bandos de
várias espécies que seguiam formigas de correição. Está ameaçado de extinção de acordo
com a lista do Estado do Pará, na categoria "Em Perigo" (SEMA, 2008) e com a lista nacional
na categoria “Vulnerável” (MMA, 2014).

Arapaçu-barrado-do-leste (Dendrocolaptes medius)


Um indivíduo do arapaçu-barrado-do-leste foi observado subindo no tronco de uma árvore
no sub-bosque da mata primária próxima à trilha Canindé, na região do Gurupi. Na ocasião,
também pôde ser identificado com base em sua vocalização. Este táxon foi recentemente
separado de Dendrocolaptes certhia, complexo do qual fazia parte como a subespécie D.
certhia medius (BATISTA et al., 2013; PIACENTINI et al., 2015). Encontrado no sub-bosque de
249

florestas de terra-firme primárias e secundárias do CEB, este pássaro também possui populações
isoladas nos estados de Alagoas e Pernambuco (BATISTA et al., 2013). Está classificado na
categoria “Em Perigo” de acordo com a lista do Pará (SEMA, 2008), onde ainda aparece como
D. c. medius – e como “Vulnerável” na lista nacional (MMA, 2014). A conservação desta e de
outras aves insetívoras ameaçadas que foram registradas na TIARG e que são características
do sub-bosque de florestas ombrófilas do CEB (como T. aethiops incertus, D. merula badia e
P. nigromaculata paraensis) depende da manutenção da integridade desses hábitats.
O bicudo (Sporophila maximiliani), classificado como “Criticamente Ameaçado” na lista
do Pará (SEMA, 2008) e na lista nacional (MMA, 2014) e como Vulnerável na lista da IUCN
(2017), também tem ocorrência esperada para o CEB. Entretanto, com base em conversas
informais com membros das aldeias, aparenta ser uma espécie que não é avistada há bastante
tempo, o que sugere uma extinção na área de estudo ou que, talvez, a TIARG não faça parte
da área de ocorrência da espécie.
Algumas espécies registradas na área, embora não estejam listadas como ameaçadas
para o Estado do Pará, encontram-se ameaçadas em algum grau de acordo com a lista nacional
(MMA, 2014) e/ou da IUCN (2017) (Tabela 14). Essas espécies, todas de médio e grande porte,
estão enquadradas em algum nível de ameaça por terem suas populações em declínio, como
consequência da caça e da perda de seus hábitat naturais (IUCN, 2017).

Tabela 14 – Espécies de aves que não estão listadas como ameaçadas na lista do Estado do Pará
(SEMA, 2008), mas que são classificadas em algum nível de ameaça de acordo com a Lista Nacional
(MMA, 2014) e/ou da IUCN (2017).

Nome Local (TIARG) Nome Científico1 Família2 LN2 IUCN3

nhambu-tona Tinamus tao Tinamidae VU4 VU


jacuaçu Penelope pileata Cracidade VU VU
Harpia harpyja Accipitridae VU NT5
pomba-trocal Patagioenas subvinacea Columbidae VU
tucano-do-peito-branco Ramphastos tucanus Ramphastidae - VU
tucano-de-peito-amarelo Ramphastos vitellinus Ramphastidae - VU
- Lepidothrix iris Pipridae - VU
1
PIACENTINI (2015); ²LN: Lista Nacional das Espécies da Fauna Brasileira Ameaçadas de Extinção
(MMA, 2014); ³IUCN: International Union for Conservation of Nature (2017); ⁴VU: Vulnerável; ⁵NT: do
inglês, “Near threatened” (quase ameaçada).

Algumas aves são criadas como animais de estimação pelos Tembé. Temos o registro
de do jacamim (Psophia obscura) e dois psitacídeos criados em aldeias da região do Gurupi:
Guaruba guarouba (aldeia Cajueiro) e Psittacara leucophthalmus (aldeia Canindé) (Figura 111),
além de Ara chloropterus e A. macao. Durante os trabalhos de campo, também registramos
algumas aves sendo capturadas para a alimentação dos indígenas, como inhambu (sururina –
250

Crypturellus soui), jacu (Penelope sp.) e saracura (Aramides cajaneus) (Figura 7). As sururinas
e a saracura foram capturadas na aldeia Canindé, utilizando armadilha simples, de chão, feita
com gravetos (Figura 112).

Figura 111 – Aves criadas como animais de estimação na TIARG. A: ararajuba (Guaruba guarouba); B:
maracanãzinha (Pisittacara leucophthalmus); e C: jacamim (Psophia obscura). Fotos: A – Renata Valente;
B – Pedro Santos: C – Claudia Kahwage.

Figura 112 – Aves capturadas pelos indígenas da TIARG por meio de armadilha. A:
sururina (Crypturellus soui); B: saracura (Aramides cajaneus). C: Armadilha utilizada
para captura das aves. Fotos: A e B – Pedro Alexandre Sampaio; C – Éder Melo.
251

Penas de diversas espécies são utilizadas no artesanato Tembé para a confecção de


cocares, braceletes, pulseiras, brincos, colares, maracas, etc., os quais são usados principalmente
durante as festividades e outras manifestações culturais do povo Tembé. Araras, papagaios,
periquitos, mutuns, jacamins e tucanos estão entre as aves mais utilizadas (Figuras 113 e
114). Algumas espécies identificadas são (nome local e nome científico): sururina (Crypturellus
soui); pato-do-mato (Cairina moschata); cujubi (Aburria cujubi); mutum-fava (Pauxi tuberosa);
mutum-pinima (Crax fasciolata pinima), jacamim (Psophia obscura), tucano-do-peito-branco
(Ramphastos tucanus), tucano-do-peito-amarelo (Ramphastos vitellinus), arari (Ara macao),
arara-vermelha (Ara chloropterus), ararajuba (Guaruba guarouba), maracanãzinha (Psittacara
leucophtalmus) e Cotinga cayana. Também podem utilizar, eventualmente, penas iridescentes
de beija-flores, principalmente para a confecção de brincos. Porém, não são todos os indígenas
que gostam de caçá-los (Pytàwà Tembé, com. pess.).

Figura 113 – A, B, C e D: Arte plumária Tembé, onde foram utilizadas penas de arara-vermelha (penas
vermelhas, azuis e amarelas), papagaio ou periquito (verdes), tucano (amarela), pato-do-mato (branca). Para
as penas pretas costumam ser utilizados jacamins, mutuns, jacus e patos-do-mato. Penas brancas também
são retiradas de jacus e mutuns. E: Pele de Cotinga cayana, cujas penas normalmente são utilizadas para
a confecção de brincos. Fotos: A, B, C e D – Claudia Kahwage; E – Pedro Santos.
252

Figura 114 – Penas de um exemplar do cujubi (Aburria cujubi), espécie de jacu, sendo retiradas para
uso no artesanato Tembé. Foto: Claudia Kahwage.

As aves utilizadas no artesanato indígena também costumam servir de alimento para o


povo Tembé, com exceção dos beija-flores. Como a comercialização de produtos que empregam
partes de animais silvestres (penas, ossos, dentes) constitui crime ambiental (Lei 9.605 de
1998), os adornos que utilizam penas de aves só podem ser utilizados como objetos pessoais
pelos próprios indígenas, considerando o respeito à sua cultura.
É importante que sejam aplicados sistemas de manejo para o uso sustentável das espécies
de aves, tanto no Guamá quanto no Gurupi, pois os animais já não são mais abundantes como
no passado também na região do Gurupi, onde as florestas são mais conservadas quando
comparadas com o Guamá (Waldeci Tembé, com. pess.). Dessa forma, espera-se que se
restabeleça (nas áreas mais alteradas) ou que se mantenha (nas áreas menos alteradas) o
equilíbrio ecológico na TIARG, para que estes recursos (penas para o artesanato e carne das
aves para alimentação) estejam disponíveis de forma abundante para as futuras gerações,
garantindo a preservação da identidade cultural do povo Tembé e promovendo a segurança
alimentar da comunidade indígena.

5. RECOMENDAÇÕES
A seguir, são listadas algumas recomendações específicas relacionadas à avifauna da
TIARG, as quais julgamos importantes para que as espécies de aves se mantenham na área ao
longo do tempo, cumprindo seu papel ecológico e servindo como fonte de recurso aos indígenas:

(1) Implantação de programas de monitoramento para as espécies ameaçadas de extinção


que são citadas na lista do Pará, na lista nacional e na lista da IUCN. Para as ameaçadas
que são utilizadas no artesanato e na alimentação dos Tembé (como jacuaçu, cujubi,
mutum-pinima, jacamim e ararajuba), sugere-se sua substituição por outras espécies não
ameaçadas e mais abundantes na área, até que suas populações sejam restabelecidas;
253

(2) Atenção especial e medidas urgentes devem ser aplicadas ao mutum-pinima (Crax
fasciolata pinima) e ao jacamim (Psophia obscura), pois são espécies que se encontram
em situação crítica de ameaça e que costumam ser bastante utilizadas pelo povo Tembé.
Considerando-se a importância cultural do uso dessas espécies para os indígenas da
TIARG, recomenda-se que sejam realizadas pesquisas para avaliar o status atual de
conservação na área da TIARG e, assim, propor medidas mais realistas e eficazes para
garantir o seu uso sustentável pelos Tembé;
(3) Considerando que as espécies ameaçadas que são utilizadas pelos Tembé ocorrem,
atualmente, apenas na região do Gurupi, sugere-se que sejam implantados projetos de
enriquecimento florestal com espécies nativas na área do Guamá, a fim de que as aves
possam retornar ao Guamá, vindas de áreas próximas, onde as espécies ainda ocorrem;
(4) Implantação de programas de manejo para as demais espécies de aves (não ameaçadas)
utilizadas para o artesanato e para a alimentação, para que continuem cumprindo seu
papel ecológico e constituindo recursos abundantes para os Tembé;
(5) Aplicação de medidas urgentes e eficazes para que se coíba a caça ilegal e predatória.
Da mesma forma, deve-se atuar contra o desmatamento e a exploração ilegal de madeira
na terra indígena, os quais são responsáveis pela perda de hábitat das espécies de aves
e de outros animais, causando a diminuição de suas populações na área e ameaçando
o equilíbrio ecológico e a segurança alimentar dos indígenas da TIARG.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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GIZ, 2011.
256

Apêndice 7 – Lista das espécies de aves registradas durante expedição à Terra Indígena Alto Rio Guamá (TIARG).
Ordenação taxonômica, nomes científicos e em português estão de acordo com o CBRO (PIACENTINI et al., 2015).
Os nomes indígenas seguem denominação e escrita referida pelos próprios indígenas da TIARG.

Nome Local de
Classificação Taxonômica Nome Comum Nome Local Registro Hábitat
Indígena Observação

TINAMIFORMES
TINAMIDAE
Tinamus tao azulona nhambu-tona inamu-ete E f1
Tinamus guttatus inambu-galinha I, RV f1
Crypturellus cinereus inambu-pixuna nhambu-preta inamuun A, E f1, f2 cn1, cn2
Crypturellus soui tururim sururina tururi A, E f1, f2 cn1, cj1
Crypturellus strigulosus inambu-relógio nhambu-relógio i. xarakai à A, E f1 cn1
Crypturellus variegatus inambu-anhangá A, E f1 cn1
ANSERIFORMES
ANATIDAE
Cairina moschata pato-do-mato V, C r cj
Amazonetta brasiliensis ananaí RV r
GALLIFORMES
CRACIDAE
aracuã-de-
Ortalis superciliaris A f1, a cj3, sp2
sobrancelhas
Penelope superciliaris jacupemba E f1
Penelope pileata jacupiranga jacuaçu zakuhu A, E f1 cn1
Aburria cujubi cujubi cujubi zaku pixig E f1
Pauxi tuberosa mutum-cavalo mutum-fava mytu-ete E f1
Crax fasciolata pinima EN¹ mutum-de-penacho mutum-pinima E f1 cj1
CICONIIFORMES
ODONTOPHORIDAE
Odontophorus gujanensis uru-corcovado uru V f1, f2 cn1, cj1, cj2, sp1
SULIFORMES
PHALACROCORACIDAE
Nannopterum brasilianus biguá V r RGu
ANHINGIDAE
Anhinga anhinga biguatinga V r RGu
PELECANIFORMES
ARDEIDAE
Tigrisoma lineatum socó-boi V r cn
Butorides striata socozinho V r RGu
Bubulcus ibis garça-vaqueira V r RGu
Ardea alba garça-branca V r RGu
garça-branca-
Egretta thula V r RGu
pequena
THRESKIORNITHIDAE
Mesembrinibis cayennensis coró-coró coró-coró korokoro V r RGu, cj1
CATHARTIFORMES
CATHARTIDAE
urubu-de-cabeça- f1, f2, cn1, cn2, cj1, cj3,
Cathartes aura V
vermelha a, r sp2, RGu
257

Nome Local de
Classificação Taxonômica Nome Comum Nome Local Registro Habitat
Indígena Observação

urubu-de-cabeça-
Cathartes burrovianus V f1 cn1, cj1
amarela
Cathartes melambrotus urubu-da-mata V f1 cn1
Coragyps atratus urubu V f2, a cn2, cj3, sp2
ACCIPITRIFORMES
PANDIONIDAE
Pandion haliaetus águia-pescadora E r
ACCIPITRIDAE
Leptodon cayanensis gavião-gato V f1 cn1
Elanoides forficatus gavião-tesoura gavião-tesoura V r RGu
Gampsonyx swainsonii gaviãozinho V f1, f2 cj1, sp1
Accipiter poliogaster tauató-pintado tauató zawato E f1
Busarellus nigricollis gavião-belo RV a
Rostrhamus sociabilis gavião-caramujeiro RV a
Heterospizias meridionalis gavião-caboclo V a cj3
cn1, cj1, cj3, sp1,
Rupornis magnirostris gavião-carijó V f1, f2, a
frq
Harpia harpyja gavião-real gavião-real wyràhu E f1
Spizaetus tyrannus gavião-pega-macaco dapucanim zapukàni A f2 cn2
Spizaetus ornatus gavião-de-penacho E f1
EURYPYGIFORMES
EURYPYGIDAE
Eurypyga helias pavãozinho-do-pará E r
GRUIFORMES
ARAMIDAE
Aramus guarauna carão E r
PSOPHIIDAE
jacamim-de-costas-
Psophia obscura² EM jacamim zàkàmi V f1 cn1
escuras
RALLIDAE
Aramides cajaneus
saracura-três-potes E r

Laterallus viridis sanã-castanha V f1 cj1


HELIORNITHIDAE
Heliornis fulica picaparra V r RGu
CHARADRIIFORMES
CHARADRIIDAE
Vanellus chilensis quero-quero V f2, a, r cj3, sp2
SCOLOPACIDAE
Calidris minutilla maçariquinho V r RGu
JACANIDAE
Jacana jacana jaçanã V f2, r sp2
COLUMBIFORMES
COLUMBIDAE
Columbina talpacoti rolinha V f2, a cn2, cj3, sp2
Columbina squammata fogo-apagou V, A f2, a cn1, cj3
258

Nome Local de
Classificação Taxonômica Nome Comum Nome Local Registro Habitat
Indígena Observação

Columba livia pombo-doméstico V a sp


Patagioenas speciosa pomba-trocal pomba-trocal E f1, f2
Patagioenas cayennensis pomba-galega V, A f2, a cn1, cj1, cj3,
Patagioenas plumbea pomba-amargosa RV f1, f2
Patagioenas subvinacea pomba-botafogo pomba-amarga pykahuro E, RV f1, f2
zuruxi,
Leptotila rufaxilla juriti-de-testa-branca juriti-verdadeira E f1, f2
zeruxi
zuruxi pitàg
Geotrygon montana pariri pitanga E, RV f1
zeruxi pitàg
OPISTHOCOMIFORMES
OPISTHOCOMIDAE
Opisthocomus hoazin cigana cigana I r
CUCULIFORMES
CUCULIDAE
Coccycua minuta chincoã-pequeno I f2, r
Piaya cayana alma-de-gato chicoã xigahu E f1, f2, a
Crotophaga major anu-coroca V r RGu
Crotophaga ani anu-preto V f2, a cn2
Guira guira anu-branco V, A f2, a cn2, cj3, sp2
Tapera naevia saci E f2, a
Dromococcyx pavoninus peixe-frito-pavonino E f1
STRIGIFORMES
TYTONIDAE
Tyto furcata suindara A, E f2, a cn1, sp2
STRIGIDAE
Megascops choliba corujinha-do-mato A f1, f2 cn1, cj, sp
Megascops usta corujinha-relógio A f2 sp
Lophostrix cristata coruja-de-crista corujão pypyhu V, A f1, f2 cj2
Pulsatrix perspicillata murucututu A f1, f2 cn1, sp2
Strix huhula coruja-preta A f1, f2, a sp2
Glaucidium hardyi caburé-da-amazônia A f1, f2 cn1, sp
Glaucidium brasilianum caburé A f1, f2 cn1, sp2
NYCTIBIIFORMES
NYCTIBIDAE
Nyctibius grandis urutau-grande urutau urutaw E f1, f2, a
Nyctibius griseus urutau mãe-da-lua E f2, a
CAPRIMULGIFORMES
CAPRIMULGIDAE
Nyctidromus albicollis bacurau bacurau V, A f2, a cn2, sp2
APODIFORMES
APODIDAE
andorinhão-de-sobre-
Chaetura spinicaudus V f1, f2, a cj1, cj3, frq
branco
andorinhão-de-rabo-
Chaetura brachyura V f1, f2, a cj1, cj3, frq
curto
Tachornis squamata andorinhão-do-buriti V f2, a cn1, frq
259

Nome Local de
Classificação Taxonômica Nome Comum Nome Local Registro Habitat
Indígena Observação

TROCHILIDAE
balança-rabo-de-
Glaucis hirsutus V, A f1, f2, a cj3
bico-torto
Threnetes leucurus balança-rabo-de-
V, A f1 cn1
medianus EN garganta-preta
cn1, cj1, cj2, sp1,
Phaethornis ruber rabo-branco-rubro V, A f1, f2
sp2, frq
rabo-branco-de-
Phaethornis superciliosus V f1, f2 cn1, cj1, sp1
bigodes
beija-flor-de-veste-
Anthracothorax nigricollis V f2, a cj3
preta
beija-flor-de-
Chlorestes notata V f1 cj3
garganta-azul
beija-flor-tesoura-
Thalurania furcata V f1, f2 cn1
verde
Hylocharis sapphirina beija-flor-safira V f1, f2 cn2, cj1
Hylocharis cyanus beija-flor-roxo V f2, a cj3
beija-flor-de-
Amazilia fimbriata V f2, a cn1, cj1
garganta-verde
TROGONIFORMES
TROGONIDAE
surucuá-grande-de- uruku’a
Trogon viridis V, A f1, f2 cn1, cj1, sp1
barriga-amarela tawa
surucuá-de-cauda- uruku’a
Trogon melanurus E f1, f2
preta piràg
CORACIIFORMES
ALCEDINIDAE
martim-pescador-
Megaceryle torquata RV r
grande
martim-pescador-
Chloroceryle amazona V r RGu
verde
martim-pescador-
Chloroceryle americana V r RGu
pequeno
MOMOTIDAE
Momotus momota udu V, E f1, f2 cn1
GALBULIFORMES
GALBULIDAE
Galbula cyanicollis ariramba-da-mata V, A f1 cn1
BUCCONIDAE
Monasa nigrifrons chora-chuva-preto zàwàni V f2 RGu
chora-chuva-de-cara-
Monasa morphoeus V f1, f2 cn1
branca
Chelidoptera tenebrosa urubuzinho V, A f2, r RGu
PICIFORMES
RAMPHASTIDAE
tucano-grande-de- tucano-do-peito cn1, cn2, cj1, cj2,
Ramphastos tucanus V, A f1, f2
papo-branco branco cj3, sp1, sp2, frq
tucano-do-peito-
Ramphastos vitellinus tucano-de-bico-preto V, A f1, f2 cn2, sp1, sp2
amarelo
260

Nome Local de
Classificação Taxonômica Nome Comum Nome Local Registro Habitat
Indígena Observação

araçari-de-bico-
Pteroglossus inscriptus V, A f1, f2 sp2
riscado
araçari-de-bico-
Pteroglossus aracari araçari V, A f1 cn1, cj1, sp1
branco
PICIDAE
benedito-de-testa-
Melanerpes cruentatus V, A f1, f2 sp2
vermelha
Piculus flavigula pica-pau-bufador V, A f1, f2 cj3
pica-pau-verde-
Colaptes melanochloros V, A a cj3
barrado
Celeus undatus pica-pau-chocolate RV f1, f2
pica-pau-de-banda-
Dryocopus lineatus V f1, f2, a cn1, sp2
branca
pica-pau-de-barriga-
Campephilus rubricollis V f1, f2 cn1, sp2
vermelha
pica-pau-de-topete-
Campephilus melanoleucos V f2, a sp2
vermelho
FALCONIFORMES
FALCONIDAE
tapi’ir
Daptrius ater gavião-de-anta gavião-da-anta V r cn1
remaw
Ibycter americanus cancão cancão kàkà V, A f1 cn1
Caracara plancus carcará V a cn1, cj1
Milvago chimachima carrapateiro V a cn1, cj1
Herpetotheres cachinnans acauã V f2, a cj2, sp2
Micrastur ruficollis falcão-caburé RV f1
Micrastur mintoni falcão-críptico RV f1
Micrastur semitorquatus falcão-relógio A, E f1, f2 sp2
Falco rufigularis cauré V a sp
PSITTACIFORMES
PSITTACIDAE
Ara macao araracanga arari arari E f1
arara-vermelha-
Ara chloropterus ararakàg V, A f1 cn1, cn2
grande
Orthopsittaca manilatus maracanã-do-buriti V, A f2 sp2
Guaruba guarouba VU ararajuba ararajuba wyrazu V, A f1, f2 cj
Psittacara leucophthalmus periquitão maracanãzinha V f2, a cn
Aratinga jandaya jandaia V f2, a cj3, sp2
Pyrrhura coerulescens³ EN tiriba-pérola RV f1, f2
Forpus xanthopterygius tuim E f2, a
periquito-de-asa-
Brotogeris chrysoptera V, A f1, f2 cj1, cj2, sp2
dourada
apuim-de-asa-
Touit huetii RV f1, f2
vermelha
marianinha-de- piripiri,
Pionites leucogaster piriquito-danta V, A f1, f2 cj3, sp2
cabeça-amarela piripiria’i
Pionus fuscus maitaca-roxa curica-roxa E f1, f2
maitaca-de-cabeça-
Pionus menstruus V, A f1, f2, a cj3, sp2
azul
261

Nome Local de
Classificação Taxonômica Nome Comum Nome Local Registro Habitat
Indígena Observação

Amazona ochrocephala papagaio-campeiro curau azuru’i V, A f1, f2 cj3


Amazona amazonica curica V, A f1, f2 cj3
Amazona farinosa papagaio-moleiro azuruhu E f1
Deroptyus accipitrinus anacã A f1 cn1
PASSERIFORMES
THAMNOPHILIDAE
Pygiptila stellaris choca-cantadora RV f1
choquinha-de-flanco-
Myrmotherula axillaris V f1 cn1
branco
choquinha-de-asa-
Myrmotherula longipennis V, A f1 cn1
comprida
choquinha-de-
Myrmotherula menetriesii RV f1
garganta-cinza
choquinha-de-
Isleria hauxwelli V, A f1, f2 cn1, cj2, frq
garganta-clara
Formicivora grisea papa-formiga-pardo V, A f2 sp2
papa-formiga-
Formicivora rufa V, A f2 cj2
vermelho
Thamnomanes caesius ipecuá V, A f1 cn1, cj1
Herpsilochmus chorozinho-de-asa-
RV f1
rufimarginatus vermelha
cn1, cn2, cj1, cj2,
Thamnophilus palliatus choca-listrada A f1, f2, a
cj3
choca-de-olho-
Thamnophilus schistaceus RV f1
vermelho
Thamnophilus aethiops
choca-lisa V, A f1 sp1
incertus EN
Taraba major choró-boi V, A f2, a cj3
Hypocnemoides
solta-asa RV f1, r
maculicauda
Pyriglena leuconota papa-taoca V, A f1, f2 cn1, cn2
Cercomacra cinerascens chororó-pocuá A f1, f2 cn1, cj3, frq
Cercomacra laeta chororó-didi A f1, f2 cn1, cj1, frq
Willisornis poecilinotus rendadinho RV f1
Phlegopsis nigromaculata
mãe-de-taoca V, A f1, f2 cn1, cj1, sp2
paraensis EN
GRALLARIIDAE
Hylopezus macularius torom-carijó A f1 cn1
FORMICARIIDAE
Formicarius colma galinha-do-mato V, A f1 cn1
pinto-do-mato-de-
Formicarius analis V f1, f2 cn1, cn2, cj1
cara-preta
SCLERURIDAE
vira-folha-de-peito-
Sclerurus macconnelli RV f1
vermelho
DENDROCOLAPTIDAE
Dendrocincla fuliginosa arapaçu-pardo RV f1, f2
Dendrocincla merula badia
arapaçu-da-taoca V, A f1 cn1
EN
262

Nome Local de
Classificação Taxonômica Nome Comum Nome Local Registro Habitat
Indígena Observação

arapaçu-de-bico-de- cn1, cn2, cj1, cj2,


Glyphorynchus spirurus V, A f1, f2
cunha sp1, frq
Dendrocolaptes medius⁴
arapaçu-barrado V, A f1 cn1
EN
Xiphorhynchus spixii arapaçu-de-spix RV f1
Xiphorhynchus obsoletus arapaçu-riscado V f1 cn1, cj1
arapaçu-de-garganta-
Xiphorhynchus guttatus RV f1, f2
amarela
arapaçu-de-bico-
Dendroplex picus V f1, f2 cn1, sp1
branco
XENOPIDAE
Xenops minutus bico-virado-miúdo RV f1, f2
FURNARIIDAE
Automolus paraensis barranqueiro-do-pará RV f1
Synallaxis rutilans omissa joão-teneném-
RV f1
EN castanho
PIPRIDAE
Tyranneutes stolzmanni uirapuruzinho A f1 cn1, cj1, sp1
Ceratopipra rubrocapilla cabeça-encarnada A f1, f2 cj1, cj2, frq
Manacus manacus rendeira V, A f2 cn2
Dixiphia pipra cabeça-branca RV f1
Chiroxiphia pareola tangará-príncipe A f2 cn2, cj2, frq
TITYRIDAE
Schiffornis turdina flautim-marrom RV f1,f2
anambé-branco-de-
Tityra inquisitor V f2 sp2
bochecha-parda
anambé-branco-de-
Tityra cayana V, A f1 cn1
rabo-preto
Pachyramphus
caneleiro-preto V f2 sp2
polychopterus
Pachyramphus marginatus caneleiro-bordado RV f1
COTINGIDAE
Phoenicircus carnifex saurá RV f1
Querula purpurata anambé-una RV f1
Lipaugus vociferans cricrió A f1 cn1, cj1, sp1
Cotinga cayana anambé-azul V a cj3
PLATYRINCHIDAE
patinho-de-coroa-
Platyrinchus platyrhynchos RV f1
branca
RHYNCHOCYCLIDAE
Mionectes macconnelli abre-asa-da-mata RV f1
Tolmomyias assimilis bico-chato-da-copa RV f1
bico-chato-de-
Tolmomyias poliocephalus RV f1
cabeça-cinza
Tolmomyias flaviventris bico-chato-amarelo V, A f2 cn2, cj2, sp2
Todirostrum maculatum ferreirinho-estriado V, A f2 cj2, sp1
TYRANNIDAE
poiaeiro-de-
Ornithion inerme V f2 sp2
sobrancelha
263

Nome Local de
Classificação Taxonômica Nome Comum Nome Local Registro Habitat
Indígena Observação

guaracava-de-
Elaenia flavogaster V, A f2, a cj3, sp2
barriga-amarela
Tyrannulus elatus maria-te-viu V a cj3
capitão-de-saíra-
Attila spadiceus V f2 sp2
amarelo
Legatus leucophaius bem-te-vi-pirata V a cj3
bico-chato-de-rabo-
Ramphotrigon ruficauda RV f1
vermelho
Myiarchus ferox maria-cavaleira V f2 sp2
Rhytipterna simplex vissiá RV f1, f2
Pitangus sulphuratus bem-te-vi pitàwà V, A f2, a cn2, cj2, cj3, sp1
Myiodynastes maculatus bem-te-vi-rajado V, A f2, a cn2, cj2, cj3, sp1
bentevizinho-de-asa-
Myiozetetes cayanensis V, A f2 cn2
ferrugínea
bentevizinho-de-
Myiozetetes similis V, A f2, a cj2, cj3
penacho-vermelho
cn2, cj2, cj3, sp2,
Tyrannus melancholicus suiriri V, A f2, a
frq
Sublegatus obscurior sertanejo-escuro V f2 cj2, sp2
papa-moscas-
Contopus cinereus V a cj3
cinzento
Megarynchus pitangua neinei V, A f2 cn2, cj2, sp2
VIREONIDAE
Cyclarhis gujanensis pitiguari V f2 cj2, sp2
HIRUNDINIDAE
Progne tapera andorinha-do-campo RV a
Progne chalybea andorinha-grande RV a
Tachycineta albiventer andorinha-do-rio V r RGu
andorinha-do-
Riparia riparia V, A r RGu
barranco
Stelgidopteryx ruficollis andorinha-serradora V, A r RGu
TROGLODYTIDAE
Microcerculus marginatus uirapuru-veado RV f1
Troglodytes musculus corruíra V, A f2 cn2, cj2, sp2
cn1, cn2, cj2, cj3,
Pheugopedius genibarbis garrinchão-pai-avô V, A f1, f2, a
sp1, sp2
garrinchão-de-
Cantorchilus leucotis RV f1, r
barriga-vermelha
TURDIDAE
cn1, cj1, cj3, sp2,
Turdus leucomelas sabiá-barranco hawiza V, A f1, f2, a
frq
Turdus albicollis sabiá-coleira V f1 cn1
PASSERELLIDAE
Ammodramus aurifrons cigarrinha-do-campo RV a
Arremon taciturnus tico-tico-de-bico-preto pai-pedro V, A f1, f2 cn1, cj1, sp1
PALURIDAE
Geothlypis aequinoctialis pia-cobra V, A a cj3
ICTERIDAE
Psarocolius viridis japu-verde japó V, A f2 cn2
264

Nome Local de
Classificação Taxonômica Nome Comum Nome Local Registro Habitat
Indígena Observação

Psarocolius decumanus japu japó V, A f1, f2 cn2, sp1, frq


iraúna-de-bico-
Procacicus solitarius RV f1, f2, a
branco
Cacicus haemorrhous guaxe V f1 cn1
Cacicus cela xexéu V, A f1, f2 cn1, cj1, frq
Icterus jamacaii corrupião E f1 cn
Molothrus oryzivorus iraúna-grande V a cj3
Molothrus bonariensis chupim V f2, a cn2, cj3, sp2
polícia-inglesa-do-
Sturnella militaris V a cj3
norte
THRAUPIDAE
Paroaria dominicana cardeal-da-amazônia V r cj
sanhaço-da- cn1, cn2, cj1, cj2,
Tangara episcopus ipirazu hai’i V, A f1, f2, a
amazônia cj3, sp1, sp2, frq
cn1, cn2, cj1, cj2,
Tangara palmarum sanhaço-do-coqueiro V, A f1, f2, a
cj3, sp1, sp2, frq
Tangara mexicana saíra-de-bando V, A f2, a cj2, cj3, sp2
Volatinia jacarina tiziu V a cj3
Coryphospingus cucullatus tico-tico-rei V f2 sp2
Tachyphonus cristatus tiê-galo V a cj3
Tachyphonus rufus pipira-preta V f2, a cn2, cj3, sp2
Ramphocelus carbo pipira-vermelha àkàpin V, A f2, a cn2, cj2, cj3, sp2
Cyanerpes caeruleus saí-de-perna-amarela V, A f2 sp2
Cyanerpes cyaneus saíra-beija-flor V, A f2 sp2
cn2, cj2, cj3, sp2,
Coereba flaveola cambacica V, A f2, a
frq
Sporophila plumbea patativa I sp
Sporophila schistacea cigarrinha-do-norte V a sp2
Sporophila americana coleiro-do-norte V a cj3, sp2
Sporophila lineola bigodinho V a cj3, sp2
Sporophila caerulescens coleirinho V a cj3
Sporophila angolensis curió curió xi'i V a cj3
Saltator grossus bico-encarnado V f2 sp2
Saltator maximus tempera-viola V, A f1, f2 cn1, sp1, frq
CARDINALIDAE
Caryothraustes canadensis furriel V f2 frq
FRINGILIDAE
tykena’i,
Euphonia chlorotica fim-fim V a cj1, cj2, sp1, frq
tekena'i
tykena'i,
Euphonia violacea gaturamo V f2, a cn2
tekena’i
PASSERIDAE
Passer domesticus pardal V f2 cj2, frq
265

Habitat: f1 – floresta primária; f2 – borda de floresta ou floresta secundária; a – área aberta; r – ambientes
de rios, lagos e igarapés.
Registro: V – registro visual; A – registro auditivo; C – capturado pelos indígenas durante o trabalho
de campo; EM – registro da Equipe da Mastofauna; RV – registro de Renata Valente em fragmentos
florestais contíguos à TIARG (VALENTE, 2011), indicando que a espécie provavelmente ocorre na terra
indígena; E – entrevista com indígenas; I – informante fora das entrevistas (indígenas e não indígenas).
Local de Observação: na aldeia Canindé (cn1 – floresta primária, cn2 – floresta secundária); na aldeia
Cajueiro (cj1 – f. primária, cj2 – f. secundária, cj3 – área aberta); na aldeia São Pedro (sp1 – f. primária,
sp2 – f. secundária); na aldeia Frasqueira (frq – floresta secundária com árvores remanescentes); RGu
– rio Gurupi. Quando grafado somente as letras, sem número, indica que foi observado fora da trilha,
porém nas proximidades da aldeia (ex.: cn – aldeia Canindé).
1
Categoria de ameaça (SEMA, 2008): CR – criticamente ameaçada; EN – em perigo; VU – vulnerável.
²Ainda aparece como Psophia viridis obscura (jacamim-de-costas-verdes) na Lista de Espécies Ameaçadas
do Pará (SEMA, 2008). Foi elevado ao status de espécie em 2009 (OPPENHEIMER; SILVEIRA, 2009).
³Ainda aparece como Pyrrhura perlata lepida na Lista de Espécies Ameaçadas do Pará (SEMA, 2008).
Foi elevado ao status de espécie em 2015 (SOMENZARI; SILVEIRA, 2015).
⁴Ainda aparece como Dendorcolaptes certhia medius na Lista de Espécies Ameaçadas do Pará (SEMA,
2008). Foi elevado ao status de espécie em 2013 (BATISTA et al., 2013; PIACENTINI et al., 2015).
266
267

6.4 - MASTOFAUNA

Pedro Manuel Ribeiro Simões dos Santos


Antônio Otávio Tembé
Valdevino Tembé
268
269

1. INTRODUÇÃO

1.1. Diversidade e Classificação de Mamíferos

Mastofauna é o conjunto de taxa, ou táxones (agrupamentos de seres vivos estabelecidos


segundo critérios científicos), de mamíferos (Classe Mammalia) de uma região. As ordens de
mamíferos Didelphimorphia (marsupiais, mucuras), Sirenia (peixes-boi), Cingulata (tatus), Pilosa
(preguiças, tamanduás), Primates (macacos), Rodentia (coatipurus, ratos, ratazanas, catitas,
porcos-espinho, preás e capivaras, pacas e pacaranas, cutias, cutiaras), Lagomorpha (coelhos/
tapitis), Chiroptera (morcegos), Carnivora (cachorros-do-mato, onças, gatos e maracajás,
lontras, ariranhas, doninhas e furões, coatis, juparás e guaxinins), Perissodactyla (antas),
Artiodactyla (queixadas, catitus, veados) e Cetacea (botos e tucuxis) estão representadas na
Amazônia brasileira.
Em pesquisa científica, é corrente dividir os mamíferos em terrestres e aquáticos. Os
mamíferos aquáticos dos ecossistemas continentais da Amazônia são o peixe-boi-da-Amazônia,
o boto e o tucuxi. Os mamíferos terrestres da Amazônia podem ser considerados em três ou
quatro grandes grupos. Um deles é o dos mamíferos voadores (morcegos), que por vezes
são considerados um grupo à parte. Outro é o dos pequenos mamíferos, ou micromamíferos,
geralmente compreendendo os pequenos marsupiais e pequenos roedores. Roedores, morcegos
e marsupiais são, de longe, as ordens de mamíferos mais diversas na Amazônia e em quase
todos, se não todos, os demais ecossistemas e biomas do planeta em que ocorrem conjuntamente.
O terceiro grande grupo de mamíferos terrestres da Amazônia é o dos grandes mamíferos, por
vezes também designados por macromamíferos (p. ex., ALVAREZ et al., 1985), que agrupa a
maioria dos animais das ordens restantes da classe Mammalia. É costume reunir neste grupo
mamíferos de grande e médio porte, mas há também quem considere estes últimos um quarto
grupo de mamíferos terrestres, os mesomamíferos, integrando membros de várias ordens. Os
mamíferos de hábitos semiaquáticos e, na Amazônia, em particular, a lontra e a ariranha (Ordem
Carnivora, Família Mustelidae), podem ser considerados mamíferos terrestres, aquáticos, ou
um grupo separado.
Estes são agrupamentos informais, práticos, e distintos autores divergem e adaptam-nos
livremente às suas opiniões e propósitos. Na realidade, mais do que a sistemática biológica,
eles refletem a metodologia de estudo dos distintos organismos; por isso, a delimitação das
categorias referidas varia também (por exemplo, FONS et al., 1980; NORES, 1986).
As sociedades tradicionais têm seus próprios sistemas de classificação, nomenclatura
e identificação do mundo vivo, estudados pela etnobiologia. A etnobiologia e seus ramos
(etnozoologia, etnobotânica), e também a etnoecologia, serve-se da linguística para pesquisar
a percepção do meio ambiente pelas pessoas, assumindo que ela as afeta e influencia o
comportamento humano em relação ao meio ambiente.
270

1.2. Métodos em Biogeografia e Bioecologia de Mamíferos

Pelo seu tamanho, microambientes que ocupam, comportamento discreto e hábitos


geralmente noturnos, a observação de pequenos mamíferos em campo é bastante difícil e,
por isso, normalmente são usadas armadilhas para capturar estes animais em estudos da
mastofauna. Porém, o enorme esforço requerido para obter resultados representativos da
riqueza das assembleias destes animais implica em importante gasto de tempo, verba e esforço
físico, pelo peso e volume do equipamento. Assim, normalmente é necessário o envolvimento
de diversas pessoas e o emprego de um grande número de armadilhas (p.ex., DA SILVA et
al., 2007; PATTON et al., 2000). Além disso, dado que o número de indivíduos capturados
para cada espécie é quase sempre baixo, estimativas da abundância populacional, ainda que
apenas relativa, dificilmente são conseguidas.

O conhecimento taxonômico dos médios e grandes mamíferos terrestres da Amazônia


é melhor que o dos pequenos mamíferos, o que, em conjunto com suas dimensões e hábitos
frequentemente diurnos, não obriga a observá-los de perto (logo, não requer sua captura). Para
a amostragem daqueles animais, utilizam-se várias técnicas, entre as quais, quadrados de
areia para registro de pegadas, estações de cheiro e, cada vez mais, armadilhas fotográficas.
No entanto, o método mais aplicado baseia-se na detecção visual (geralmente, precedida da
detecção auditiva) de animais durante caminhadas ao longo de trilhas, o que resulta não apenas
em listas de espécies, como também em estimativas de abundância populacional. Dados
indiretos provenientes da detecção de vestígios podem ser usados complementarmente. O
método é direto, simples e barato se comparado com aqueles usados para pequenos mamíferos
e proporciona identificações confiáveis no campo e estimativas de abundância robustas sem
exigir o sacrifício ou sequer a manipulação de qualquer animal, desde que: algumas diretrizes
sejam observadas no planejamento e estabelecimento das trilhas; os preceitos básicos da
coleta de dados sejam seguidos; e o comportamento do(s) observador(es) seja adequado
(BUCKLAND et al., 2004).
As principais dificuldades consistem, talvez, na necessidade de planejar, abrir, sinalizar e
manter as trilhas e de coletar uma quantidade de dados suficiente para a confecção de listas de
espécies razoavelmente completas e para a obtenção de estimativas de abundância confiáveis,
quando desejado. Cumprir ambos estes objetivos pode ser dispendioso e exige esforço físico
e amostral elevado. Porém, em muitos casos, as vantagens superam as desvantagens,
especialmente em estudos multidisciplinares, pois um bom sistema de trilhas subsidia uma
variedade de pesquisas de outros componentes bióticos e abióticos do ecossistema (p.ex.,
OLIVEIRA et al., 2011).
Conversas, entrevistas e questionários aplicados junto à população humana habitante
dos locais de interesse também podem constituir ricas fontes de informação, em especial
quanto a espécies de tamanho médio a grande, já que, em geral, são as mais conspícuas
e importantes para ela (SANTOS, 1996; VOSS; EMMONS, 1996). Estas técnicas também
permitem adicionar as designações utilizadas por etnias locais aos nomes científicos e outros
nomes vernáculos das espécies. Mapas cognitivos produzidos pelas populações tradicionais
também são cada vez mais utilizados para entender a distribuição e o uso espaço-temporal
dos recursos, a etnoconservação (incorporação do conhecimento tradicional dos recursos
271

naturais locais nas práticas de manejo e conservação das populações tradicionais, incluindo
os mecanismos sociais; BERKES; FOLKE, 2000) e sua contribuição para o etnozoneamento
(CARDOZO; DO VALE JR, 2012; KANINDÉ, 2010).

1.3. Componentes da Mastofauna Estudados na TIARG

A comparação de listas de espécies e abundâncias populacionais é uma das formas mais


utilizadas para avaliar o impacto humano na fauna de mamíferos (ROBINSON; REDFORD,
1991). Em levantamentos de curta duração, realizados por muito poucas pessoas, como foi
aquele descrito neste texto, tentar amostrar exaustivamente todos os grupos de mamíferos
pode levar a resultados pobres. Considera-se que os vertebrados de grande porte, sobretudo
os que são alvos de caça, indicam o estado de conservação de uma região, não apenas
porque são diretamente atingidos pelos principais tipos de impactos adversos, mas também
porque necessitam grandes extensões territoriais e frequentemente têm fraca capacidade de
repor suas populações pela reprodução (poucas gestações por ano e poucas crias de cada
vez, requerendo grandes cuidados parentais; ROBINSON; REDFORD, 1991). Entre eles, na
mastofauna amazônica, os carnívoros, as antas e os primatas são particularmente vulneráveis
(BODMER; ROBINSON, 2004). Em geral, considera-se que, se o ambiente de conservação for
favorável a estas espécies, também o será para as restantes (TERBORGH et al., 1999; 2001).

Dado que: passamos apenas três semanas em campo; se pretendia conferir peso elevado
à pesquisa etnozoológica e aplicar mais alguns métodos complementares (ver a seção de
Metodologia); na Amazônia, pode-se esperar que o conhecimento da mastofauna terrestre de
grande e médio porte gere resultados mais úteis para o zoneamento, enfocamos o esforço
neste componente da mastofauna, aplicando diversos tipos de métodos, a fim de avaliar a
riqueza da assembleia e a abundância populacional das espécies e inferir sua diversidade
como combinação de ambas (MAGURRAN, 2004).

2. OBJETIVOS
• Realizar um levantamento da mastofauna da TIARG, produzindo uma lista de espécies
com nomenclatura científica e vernácula nas línguas portuguesa e Tembé-Tenetehara,
avaliando variações regionais na composição qualitativa e quantitativa da fauna;
• Avaliar o uso e a importância da mastofauna para a comunidade indígena da TIARG;
• Avaliar o impacto causado pela população humana sobre a mastofauna da TIARG;
• Fornecer bases para o Etnozoneamento e o Plano de Gestão da TIARG, dedicando
atenção especial às espécies ameaçadas de extinção.

3. METODOLOGIA
Todo o trabalho realizado na TIARG foi planejado e executado conjuntamente entre
o pesquisador não-indígena e pesquisadores indígenas residentes na área, salvo desvios
pontuais acertados de comum acordo. A seguir, são descritos os procedimentos adotados
para este estudo.
272

3.1. Estudo de Exemplares de Coleções Museológicas

A fim de avaliar a variação morfológica e geográfica das espécies existentes na TIARG


e dirimir dúvidas de identificação, foram estudados exemplares de mamíferos não-voadores
depositados na Coleção de Mamíferos do Museu Paraense Emílio Goeldi.

3.2. Levantamentos Biológicos

Foram gastos, aproximadamente, dez dias de coleta de dados no extremo norte (região
do Guamá) e dez dias no extremo sul (região do Gurupi) da TIARG. A metodologia empregada
para o levantamento da mastofauna é descrita a seguir.

3.2.1. Percursos

Dois ou três pesquisadores da equipe realizaram percursos diurnos e noturnos, registrando,


com o auxílio de binóculos, animais ou grupos de animais, vocalizações e outros sons e vestígios
(pelos, marcas produzidas por dentes, garras e chifres em árvores, pegadas, rastros, trilhas e
veredas, tocas e abrigos, excrementos e outros indícios de alimentação), anotando, sempre
que possível:
• data e hora; espécie e tipo de detecção (visual, auditiva; (tipo de) vestígio);
• para grupos: número de indivíduos, composição etária e sexual;
• em trilhas: localização ao longo da trilha (distância do início do percurso; em regra,
o início da trilha) e distância perpendicularmente a ela;
• outras informações consideradas relevantes.

3.2.2. As Trilhas Abertas na TIARG

Quatro trilhas de 4 km de comprimento, seguindo linhas retas, foram abertas, medidas


com trena e sinalizadas a cada 50 m em porções de floresta densa no setor Guamá, perto
das aldeias São Pedro e Pinu’a, e no setor Gurupi, perto das aldeias Cajueiro e Canindé, por
equipes de moradores da TIARG nas semanas que precederam a pesquisa (ver a seção Como
Foram Feitos os Estudos, pg. 25, neste livro) (Figura 115).

Apesar de um grupo de pesquisadores especialistas ter se dedicado ao estudo da vegetação


da TIARG durante os trabalhos do diagnóstico, descrevemos aqui, sucintamente, a estrutura
da vegetação nas trilhas, a fim de facilitar a interpretação dos resultados dos levantamentos
faunísticos, ainda que a limitada amostragem das florestas da TIARG permita apenas tecer
algumas considerações gerais, de caráter qualitativo.
273

Figura 115 – Aspectos de trilhas amostradas na TIARG. Fotos: Pedro Santos.

No Gurupi, as florestas que visitamos tendem a ter baixa altura. Desenvolvem-se sobre
terras planas, baixas, e são sazonalmente invadidas por inundações (igapós). Durante a estação
mais chuvosa, que é a época da cheia, a água cobre grandes extensões do território, deixando
apenas ilhas de floresta a descoberto. Nessa época, enquanto a fauna estritamente terrestre
fica isolada nas porções que escapam à inundação, as populações das espécies se expandem
para aproveitar o pico de frutificação da maioria das árvores, que ocorre concomitantemente
com a estação chuvosa. É a época do ingá, farta para a generalidade dos macacos e outros
frugívoros. Nas semanas em que visitamos a TIARG, a época era de seca, encontrando-se a
enchente apenas no início; por isso, tivemos acesso irrestrito à mata, a pé.
No Guamá, o terreno tende a ser mais elevado e, potencialmente, a floresta é mais alta
que no Gurupi. Para o Sr. Lourival Tembé, um dos entrevistados nesta pesquisa, os trechos bem
conservados do Guamá são tão bonitos quanto as florestas do Gurupi. A trilha São Pedro corta
um terreno ondulante e declivoso, e a fisionomia da floresta não esconde um longo convívio
com o homem. Mesmo assim, em algumas partes, sobretudo de desnível, a floresta está pouco
alterada, é alta e nela vegetam imponentes exemplares de madeira de lei. A vegetação que
envolve a trilha Pinu’a assemelha-se a um capoeirão em estado avançado de regeneração
da floresta original. Grandes extensões são ocupadas por mata baixa e, em alguns trechos
propensos a alagação, muito baixa, com copado de dez metros de altura média, ou menos.
Já quase chegando aos 2.000 m, depara-se com mangueiras e goiabeiras integradas à mata,
testemunhos de uma época em que havia um sítio de colonos por ali.
As florestas da TIARG são bem providas de recursos alimentares importantes para a fauna
cinegética. Em todas as que visitamos, encontramos abundância de palmeiras produtoras de
274

cocos apreciados por diversas espécies herbívoras e onívoras de médio e grande porte, com
destaque para o babaçu, inajá, tucum, bacaba e açaí. A castanheira não foi observada, mas
há riqueza e abundância de diversas outras árvores produtoras de sementes e polpas que
agradam à fauna, como a jarana e o piquiá, do qual há belos representantes, mesmo na trilha
São Pedro. Flores e restos dos frutos produzidos, roídos ou quebrados pela fauna, podem ser
encontrados na área inteira (Figura 116).

Figura 116 - Flor de jarana (A) e frutos da mata apreciados pela fauna silvestre:
gameleira (B), babaçu (C), murumuru e tucum (D). Fotos: Pedro Santos.

Se os recursos alimentares parecem não faltar, o mesmo pode ser dito dos recursos
hídricos (os igarapés abundam na TIARG) e espaciais, cruciais para o refúgio e criação de
proles, pois a floresta é complexa e heterogênea (AUGUST, 1983), não apenas acima do
solo, mas também abaixo dele. O terreno possui muitas covas abertas por tatus, as quais são
aproveitadas por outras formas de vida, incluindo mamíferos.
A impressão geral com que se fica das florestas da TIARG é de ambientes mais ou menos
alterados, mas em recuperação, que oferecem requisitos ecológicos suficientes à persistência
da mastofauna nativa potencial.

3.2.3. Percursos a Pé, em Trilhas

Percursos em trilhas, realizados à velocidade de 1,0-1,5 km/h, constituíram a base do


levantamento biológico da mastofauna. Em trabalhos de pequena duração, dificilmente o número
de detecções de mamíferos obtido permite o cálculo de estimativas de abundância populacional
275

confiáveis, a menos que se dedique praticamente o tempo inteiro ao levantamento em trilhas,


o que não se pretendia. Ainda assim, respeitamos os preceitos e coletamos os tipos de dados
necessários para a aplicação do método de amostragem de distâncias (“distance sampling”;
BUCKLAND et al., 2004), baseado na coleção de medidas da distância perpendicular entre as
posições dos (grupos de) animais detectados e as transecções.

As trilhas foram percorridas de dia (6:00-18:00 h) e de noite (18:00-6:00 h), respeitando-


se, entre ida e volta, um período de pausa, frequentemente aproveitado para descanso. Para
evitar incorrer demasiadamente em pseudorreplicação (HURLBERT, 1984), ou seja, para que
os resultados que obtivéssemos guardassem a menor interdependência possível e, assim,
pudessem refletir a variabilidade ambiental, evitou-se percorrer a mesma trilha em dias sucessivos.

3.2.4. Percursos a Pé, Fora de Trilhas

Foram realizados em caminhos que dão acesso às trilhas e em caminhos e estradas na


vizinhança das aldeias da TIARG.

3.2.5. Percursos em Embarcações

Ocorreram em rios e igarapés na vizinhança das aldeias, em canoas de madeira e metal


providas de motor fora-de-borda (voadeiras), em momentos dedicados especificamente a esta
atividade e durante o deslocamento entre aldeias e entre aldeias e trilhas.

3.2.6. Percursos de Carro

Foram feitos em estradas de macadame (terra), dentro e fora da TIARG (não mais
distantes dela que os trevos da Vila CAIP, no Guamá, e da Vila Nova, no Gurupi). Ocorreram
durante o deslocamento entre aldeias, entre aldeias e trilhas e entre a TIARG e as cidades de
Capitão Poço (Guamá) e Paragominas (Gurupi).

3.2.7. Armadilhas Fotográficas

Foram instaladas algumas armadilhas fotográficas digitais da marca Cuddeback, Modelo


Capture 1125, nas trilhas e caminhos próximos a elas, em locais que evidenciavam a passagem
de mamíferos, como trilhas de animais e pegadas na imediação de árvores em frutificação
(Figura 117). Por motivos logísticos, não instalamos armadilhas na trilha São Pedro, no Guamá.

3.2.8. Entrevistas

Entrevistas e conversas foram realizadas com a população indígena do Gurupi e do Guamá,


especialmente com caçadores e outras pessoas dotadas de extenso conhecimento da fauna
276

existente na região, tanto na atualidade quanto no passado, e, sempre que possível, fluentes
nas línguas portuguesa e Tembé-Tenetehara. Como em outros estudos etnoecológicos (p. ex.,
PEDROSO, 2002), as entrevistas foram conduzidas de forma que fosse possível manter um
diálogo enfocado nos conhecimentos e otimizar o tempo reduzido de permanência na TIARG.
As questões foram abertas (não restritivas) para dar liberdade para que o interlocutor exprimisse
plenamente os aspectos que lhe parecessem relevantes e para que fosse possível captar, da
melhor forma possível, o universo fenomenológico-conceitual e, em especial, as categorias
perceptivas (cognitivas) do indivíduo e da comunidade. A ponte entre a sistemática biológica
étnica e científica foi facilitada pela exibição de ilustrações de mamíferos da Amazônia em
guias de campo como os de Emmons e Feer (1997), Hunter e Barrett (2011) e van Roosmalen
(2014) (Figura 118).

Figura 117 – Armadilha fotográfica instalada em trilha da TIARG.


Foto: Pedro Santos.

Figura 118 – Entrevistas realizadas com a comunidade indígena para coletar informações sobre
a mastofauna da TIARG.
277

Os principais tipos de dados registrados foram:


• Mastofauna da região (com ênfase em espécies ameaçadas de extinção, raras e endêmicas):
• espécies conhecidas (incluindo espécies extintas localmente);
• nomes locais;
• abundância;
• ecologia e comportamento; distribuição geográfica; uso e importância; ameaças e
impactos antrópicos;
• tendência populacional atual e histórica.
• Atividade cinegética e outros tipos de uso e relevância da mastofauna:
• espécies caçadas e preferidas;
• métodos de caça/captura;
• locais de caça/captura;
• sazonalidade da atividade;
• caracterização dos caçadores;
• relação com a bioecologia da fauna, socioeconomia, cultura e espiritualidade;
• abordagem destes aspectos em perspectiva histórica.
• Espécies com interesse cultural e sagrado.

4. RESULTADOS
4.1. Composição da Mastofauna

Uma lista da mastofauna potencial da TIARG foi elaborada a partir de uma pesquisa
bibliográfica, com destaque para Emmons e Feer (1997) e IUCN (2014), sobre a distribuição
geográfica regional das espécies de mamíferos do Pará (MUSEU GOELDI, 2014). Desta lista, as
espécies que foram confirmadas para a TIARG em levantamentos de campo foram destacadas,
bem como aquelas que não foram, mas cuja presença foi apontada por moradores da TIARG,
em entrevista (Apêndice 8). Pelos motivos expostos na Introdução, apenas os mamíferos
terrestres de grande e médio porte são listados, estando ausentes espécies terrestres de
pequeno porte, voadoras e aquáticas, sendo que a distinção entre estas categorias informais
possui alguma subjetividade, como referido na Introdução.

No total, foram despendidas 24h25’ de entrevistas na região do Gurupi e 13h20’ na


região do Guamá, totalizando 37h45’. Com exceção de Mustela africana, todas as espécies
potencialmente existentes na TIARG são conhecidas por pelo menos alguns moradores da
terra indígena, apesar de não ter sido possível registrar o nome vernáculo português de Puma
yagouaroundi. Um estudo mais profundo desta nomenclatura deve ser feito. Alguns moradores
ainda referiram o tatu-bola (Tolypeutes tricinctus), espécie típica do semiárido nordestino que
teria existido, mas teria sido extinta, na TIARG.
278

Recentemente, algumas formas biológicas reconhecidas pelas populações tradicionais


vêm sendo reconhecidas como espécies válidas pela ciência, especialmente, ungulados (antas,
porcos, veados). Porém, esta análise não foi feita aqui; limitamo-nos a apontar as espécies
da literatura científica que consistentemente são desmembradas em formas distintas pela
população da TIARG.
A Tabela 15 informa o esforço de amostragem despendido em levantamentos diurnos e
noturnos realizados nas trilhas em percursos a pé e usando armadilhas fotográficas.

Tabela 15 - Esforço de amostragem de mamíferos terrestres de grande e médio porte despendido nas
trilhas da TIARG em percursos a pé; e esforço de amostragem usando armadilhas fotográficas em trilhas
e suas imediações (D: levantamento diurno (6:00-18:00); N: levantamento noturno (18:00-6:00); T: total).

Percursos a Pé
Local Duração (hh:mm) Distância Percorrida (m)
T D N T D N
Região do Gurupi 26:58 6:54 20:04 13.200 5.050 8.150
Região do Guamá 18:36 10:47 7:49 12.082 9.545 2.537
Total TIARG 45:34 17:41 27:53 25.282 14.595 10.687
Armadilhas Fotográficas
(armadilhas/hora; hh:mm)*
T D N
Região do Gurupi 280:30 136:30 144:00
Região do Guamá 253:00 120:30 132:30
Total TIARG 533:30 257:00 276:30
*Em cada intervalo, o número de armadilhas/hora equivale ao número de armadilhas ativas multiplicado
pelo tempo de funcionamento. O esforço indicado não corresponde ao esforço real (ver texto).

Por apresentarem aparente defeito de funcionamento no momento da instalação, nem


todas as armadilhas fotográficas levadas para a TIARG foram dispostas no campo. O defeito
mais frequentemente detectado foi a demora ou falha do “flash” em disparar. Esta suspeita foi
confirmada mesmo para os aparelhos que foram instalados na floresta, pela observação de
pegadas recentes em frente a alguns deles, que não registraram os animais. Assim, consideramos
que a aplicação desta técnica foi mal sucedida na TIARG e o esforço de amostragem relatado
não corresponde ao esforço real que, no entanto, não é possível quantificar. Apenas na última
trilha visitada foram registradas algumas cutias e uma paca (Figura 119).
A Tabela 16 informa o esforço de amostragem despendido em levantamentos realizados:
durante percursos a pé, em lugares na TIARG que não as trilhas; de carro, em estradas,
dentro e fora da TIARG; navegando em rios e igarapés na TIARG. Além desses métodos, e
das entrevistas já referidas anteriormente, foram gastas cerca de seis horas acompanhando
indígenas em caçadas (Tabela 17).
279

Figura 119 – Cutia (akuxi, Dasyprocta prymnolopha) e paca (pak, Cuniculus paca) capturadas
por armadilhas fotográficas na trilha Pinu’a, região do rio Guamá.

Tabela 16 – Esforço de amostragem de mamíferos terrestres de grande e médio porte despendido em


percursos a pé em lugares diferentes das trilhas; de carro, em estradas, dentro e fora da TIARG; e
navegando em rios e igarapés (D: levantamento diurno (6:00-18:00); N: levantamento noturno (18:00-
6:00); T: total).

Levantamentos Fora das Trilhas

A pé
Local
Caminhos Mata em geral
(duração - hh:mm) (duração - hh:mm)
T D N T D N
Região do Gurupi 7:13 6:39 0:34 0:55 0:55 0:00
Região do Guamá 6:30 5:50 0:40 - - -
Total TIARG 13:43 12:29 1:14 0:55 0:55 0:00
De carro
Local Estradas dentro da TIARG Estradas fora da TIARG
(duração - hh:mm) (duração - hh:mm)
T D N T D N
Região do Gurupi 2:10 0:00 2:10 0:38 0:13 0:25
Região do Guamá 7:07 5:28 1:39 0:40 0:40 0:00
Total TIARG 9:17 5:28 3:49 1:18 0:53 0:25

De barco – rios e igarapés


Local
(duração - hh:mm)

T D N
Região do Gurupi 10:33 3:39 6:54
Região do Guamá 0:00 0:00 0:00
Total TIARG 10:33 3:39 6:54

Apesar do esforço reduzido que foi possível investir na amostragem das assembleias de
mamíferos da TIARG, alguns padrões saltam à vista. O porte médio das espécies que frequentam
as florestas do Gurupi é superior ao do Guamá. Isto é patente, sobretudo, nos primatas, grupo
dentro do qual a única espécie corpulenta encontrada no Guamá é o generalista macaco-prego,
280

Tabela 17 – Acompanhamento de caçadas realizadas por indígenas da TIARG.

Acompanhamento de caçadas

Caçada oportunística a jacaré-tinga (Caiman crocodilus)

Duração Com No de
Data Aldeia Local No Sexo Idade Arma Técnica
(hh:mm) cachorro Disparos
encontro
Igarapé acidental
26/09/2014 Canindé 19:55 - 22:00 1 - - espingarda não 1
Gurupiuna ao navegar
na canoa

Caçada a porcão (Tayassu pecari)*

Com wNo de
Data Aldeia Local Duração No Sexo Idade Arma Técnica
Cachorro Disparos

Igarapé Canindé,
próx. do caminho c1. 17:00 -
27/09/2014 Canindé 1 M adulto espingarda não perseguição 2
para a trilha, próx. - c. 18:00
à aldeia

*Alguns homens foram atrás dos porcões restantes do bando, sem sucesso. Ninguém se preocupou: "Amanhã, a gente acha eles!" Com efeito, no dia
seguinte, dois animais foram abatidos.
1c – aproximadamente.
281

ao passo que, no Gurupi, deparamos com guaribas e cuxiús, que são também algumas das
espécies mais ameaçadas na TIARG (ver adiante). A assembleia de felinos também parece
estar depauperada no Guamá, onde, por outro lado, o quati, classificado cientificamente como
carnívoro, mas de hábitos onívoros, é frequente em bandos grandes.
As matas do Gurupi são mais ricas em espécies, e esta sugestão, que é dada pelo exame
dos resultados da fauna nas trilhas, é reforçada pelas observações ocasionais de mamíferos e
seus vestígios em outros lugares (Tabela18). Esta tabela revela, ainda, uma distinção que as
trilhas, todas instaladas em floresta fechada, não revelaram: fora delas, nenhuma das espécies
encontradas no Gurupi foi encontrada no Guamá, e vice-versa. As primeiras são espécies de
mata densa; as segundas, a raposa e o tapiti, privilegiam áreas mais abertas e ambientes
alterados, indicando que nos encontramos na proximidade de zonas de vegetação mais rala,
no caso da TIARG, alterada por ação humana.
As abundâncias populacionais parecem indicar uma tendência em sentido oposto: as
espécies que ocorrem no Guamá são relativamente abundantes. Em especial, a frequência de
encontros com cutias foi enorme: na tarde de 7/outubro, na trilha Pinu’a (Guamá), avistamos ou
ouvimos 10 animais em 1.460 m de trilha percorrida, o que resulta em uma taxa de detecção
linear de mais de um (01) animal por 150 m, muito superior à que obtivemos no Gurupi.
Combinando o número de espécies (riqueza da assembleia) e suas abundâncias
populacionais (mais espécies em menor abundância no Gurupi; menos e mais abundantes no
Guamá), resulta uma imagem de diversidade das assembleias de mamíferos bastante superior
nas matas do sul da TIARG, que, como seria de esperar, em face destes resultados, também
apresentam distribuição mais harmônica das espécies por tamanho corporal.
282

Tabela 18 - Mamíferos terrestres de grande e médio porte detectados na TIARG, por região (Guamá, ao
norte, e Gurupi, ao sul) através dos diversos métodos de levantamento biológico aplicados neste estudo.
Ocorrência registrada em: T – levantamentos em trilhas; FT – levantamentos fora de trilhas; O – outras
atividades; U – dados de uso da mastofauna (Seção 4.3). A cor verde indica registro de ocorrência.

Classificação Português usado GURUPI GUAMÁ


Taxonômica na TIARG
Canindé Cajueiro Pinu’a São Pedro
DIDELPHIMORPHIA mucuras        
Didelphidae        
Didelphis marsupialis mucura       T
CINGULATA tatus
Dasypodidae
Dasypus kappleri tatu-quinze-quilos   T    
Dasypus novemcinctus tatu-branco   T    
Euphractus sexcinctus tatu-peba   T    
PILOSA tatus
Myrmecophagidae tamanduás        
Tamandua tetradactyla jaleco       T
PRIMATES macacos
Callitrichidae        
Saguinus niger choim       T
Cebidae        
Sapajus apella macaco-prego T     T
Saimiri collinsi mão-de-ouro T     T
Pitheciidae        
Chiropotes satanas cuxiú T      
Atelidae        
Alouatta belzebul guariba T      
RODENTIA roedores
Dasyproctidae  
Dasyprocta prymnolopha cotia U T T  
Dasyprocta sp. cotia   T T T
Caviidae        
Hydrochoerus    
capivara   FT
hydrochaeris
Cuniculidae        
Cuniculus paca paca   T; FT T  
LAGOMORPHA coelhos
Leporidae
Sylvilagus brasiliensis coelho     FT  
CARNIVORA carnívoros
Felidae
Leopardus pardalis maracajá-açu   T    
Puma concolor/ suçuarana/onça-    
  T; FT
Panthera onca pintada, onça-preta
283

Classificação Português usado GURUPI GUAMÁ


Taxonômica na TIARG
Canindé Cajueiro Pinu’a São Pedro
onça-pintada/    
Panthera onca T  
onça-preta
Canidae
Cerdocyon thous raposa     FT FT
Mustelidae
Lontra longicaudis lontra   FT    
Eira barbara irara FT      
Procyonidae
Nasua nasua quati T   T  
PERISSODACTYLA antas
Tapiridae
Tapirus terrestris anta T T; FT    
ARTIODACTYLA porcos e veados
Tayassuidae
Pecari tajacu catitu   T T  
Tayassu pecari porcão O FT    
Cervidae
Mazama americana veado-vermelho T T T  
Mazama gouazoubira veado-branco     T T

4.2. Espécies em Perigo de Extinção

A União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN) publica
avaliações do estado de ameaça de extinção das espécies biológicas do mundo inteiro (por exemplo,
IUCN (2016)). De acordo com o estado de conservação na natureza, as espécies são classificadas
em: Criticamente em Perigo (em inglês, “Critically Endangered”), o estado mais grave, das espécies
que enfrentam risco de extinção na natureza extremamente elevado; Em Perigo (“Endangered”), o
segundo estado mais grave, das espécies que, provavelmente, serão extintas em um futuro próximo;
Vulnerável (“Vulnerable”), o terceiro estado mais grave, das espécies que enfrentam elevado risco
de extinção na natureza em um futuro próximo, a menos que as circunstâncias que ameaçam a
sua sobrevivência e reprodução (geralmente, destruição ou degradação dos tipos de ambiente em
que vivem) melhorem. O Brasil e o Pará também têm suas listas oficiais, que, geralmente, usam
as categorias de ameça da IUCN (Brasil (2014); Pará (2008)).
Criticamente ameaçados de extinção a nível estadual, nacional e internacional, o caiarara
(Cebus kaapori) e o cuxiú (Chiropotes satanas), primatas endêmicos, ou quase endêmicos,
do Centro de Endemismo Belém (CEB), são os mamíferos com status de conservação mais
desfavorável na TIARG (Tabela 19). O primeiro desapareceu mesmo da porção mais a norte
(Guamá) e o segundo é raro. Rara também no Guamá é a guariba (Alouatta belzebul) que,
contudo, goza de distribuição nacional mais extensa, tal como o choim (Saguinus niger),
geralmente percebido como abundante na região. Ambos estes primatas recebem o status de
284

ameaça menos grave em nível nacional e internacional e não são considerados ameaçados
no estado.
O tatu-bola (Tolypeutes tricinctus) é ameaçado em nível nacional. Marcadamente
nordestino, parece encontrar, na transição para a Amazônia, o limite ocidental da sua distribuição
(OLIVEIRA; GERUDE; SILVA-JÚNIOR, 2007). O tatu-canastra (Priodontes maximus) e o
tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla) são tidos como vulneráveis à extinção em nível
estadual, nacional e internacional. Parecem ser pouco abundantes no norte da TIARG, mas
são considerados comuns no sul.
Todos os felídeos e canídeos da TIARG são listados como ameaçados de extinção;
porém, na sua maioria, na categoria menos grave. Em geral, os carnívoros não são referidos
como raros pelos habitantes da TIARG e vestígios da atividade de algumas espécies foram
encontrados no Gurupi. A onça-pintada (Panthera onca) e a ariranha (Pteronura brasiliensis)
são consideradas mais abundantes nessa região e alguns carnívoros são reconhecidamente
escassos, mal conhecidos, ou mesmo desconhecidos por alguns Tembé (caso do maracajá-
peludinho (Leopardus tigrinus) e da doninha-amazônica (Mustela africana), o que é natural
tratando-se de predadores, animais de hábitos discretos e situados no topo das pirâmides tróficas.
Em termos de severidade da ameaça à sua conservação, além dos primatas, o grupo de mamíferos
que mais se destaca é o dos ungulados, mais especificamente, a anta e o porcão. O Pará não os lista
como ameaçados, presumivelmente porque as grandes extensões florestais remanescentes do estado
ainda lhes permitem a permanência. No entanto, a vulnerabilidade das suas populações à extinção,
reconhecida nacional e internacionalmente, foi constatada no norte da TIARG, região de onde estas
espécies foram localmente extintas.
285

Tabela 19 – Abundância percebida neste estudo para a Região do Guamá e estado de conservação
oficial dos grandes e médios mamíferos ameaçados que ocorrem na TIARG.

Classificação Taxonômica Estado de Conservação

Abundância
Global Brasil Pará
no Guamá1
CINGULATA
Dasypodidae
Priodontes maximus ? VU VU VU
Tolypeutes tricinctus ausente VU EN VU
PILOSA
Myrmecophagidae
Myrmecophaga tridactyla ? VU VU VU
PRIMATES
Callitrichidae
Saguinus niger abundante VU VU -----
Cebidae
Cebus kaapori ausente CR CR CR
Pitheciidae
Chiropotes satanas raro CR CR CR
Atelidae
Alouatta belzebul
raro VU VU -----
(ver Nota no Apêndice 8)
CARNIVORA
Felidae
Leopardus tigrinus abundante VU EN -----
Leopardus wiedii abundante ----- VU -----
Puma concolor ? ----- VU VU
Puma yagouaroundi ? ----- VU -----
Panthera onca presente ----- VU VU
Canidae
Atelocynus microtis raro ----- VU -----
Speothos venaticus presente ----- VU -----
Mustelidae
Pteronura brasiliensis presente EN VU VU
PERISSODACTYLA
Tapiridae
Tapirus terrestris raro VU VU -----
ARTIODACTYLA
Tayassuidae
Tayassu pecari ausente VU VU -----
1
Abundância na Região do Guamá: localizada no norte da TIARG. Fonte – moradores da TIARG
(apenas a região do Guamá é referida, já que todas as espécies que ocorrem na TIARG parecem ocorrer
no Gurupi, região sul da TIARG).
Estado de conservação: CR – Criticamente em Perigo; EN – Em perigo; VU – Vulnerável. Âmbito
geográfico - Global: IUCN (2016); Nacional: Brasil (2014); Estadual: Pará (2008).
286

4.3. Uso da Mastofauna

Dois usos da mastofauna se destacam na TIARG: caça de subsistência (para alimentação


e troca com parentes) e uso como animais de estimação. Uma grande diversidade de espécies
é utilizada com ambos os fins (Apêndice 9; Figura 120). Os Tembé têm aplicações medicinais
para partes de diversas espécies de mamíferos e, quando pegam filhotes para criar, não os
abatem depois. Em adultos, alguns dos animais retirados da natureza chegam a ir para a mata
de dia e voltar para a casa do captor de noite. Mesmo animais domésticos, como galinhas,
raramente são mortos; muitas vezes, criam-nos para usar alguns produtos, como ovos, e
alegrar o terreiro.

Figura 120 – Mamíferos silvestres mantidos em cativeiro como animais de estimação pelos Tembé
(Cajueiro, Gurupi, TIARG): veados branco e vermelho (mahaw, Mazama gouazoubira; e arapuha piràg,
M. americana); quati (kwaxi, Nasua nasua); e guariba (wariw, Alouatta belzebul).

Os Tembé consideram que os tatus, a paca, a anta, o catitu, o veado-de-chifre-encoirado e


o veado-de-canela-roxa são animais reimosos (ver Ictiofauna: 4.7 – Tabus ou Espécies Reimosas,
pg. 217). Segundo eles, quem está doente, com feridas ou foi operado recentemente não deve
comer a carne destes animais. Como em relação a quase todos os aspectos restantes da
bioecologia da mastofauna, há crenças extraordinárias entre os indígenas, como a de que os
tatus são muito reimosos porque foram feitos a partir de pedaços de carne de outros animais
de caça. Por isso, quando se prepara um tatu para cozinhar, vê-se um pedaço de carne de
jacaré, outro de anta, paca, etc.
Outros animais são considerados “panema”: trazem azar ao caçador que os mata, ou o
fato dele os abater indica que está azarado. O veado-branco e o veado-sapopema encontram-
se nesta categoria.

4.4. A Caça entre os Tembé

A arma de caça mais usada pelos Tembé é a espingarda, de vários calibres. Também
usam flecha, sobretudo os mais velhos e também os mais novos, quando a munição falta.
Qualquer um dos tipos de arma pode matar qualquer tipo de caça.
Mesmo que não nos tenhamos dedicado sistematicamente ao registro da chegada de
animais caçados nas aldeias (também por estarmos ausentes a maior parte do dia, envolvidos
em outras atividades), testemunhamos, todos os dias, pelo menos um evento de caça, fosse
287

pelo avistamento de algum animal abatido, ou por relatos, ou por algum outro motivo. Disparos
de espingarda também pontuaram os dias.
A caça pode ser de dois tipos: (1) planejada, como a caça de espera em “amoitá”, debaixo
de árvores em frutificação, e a caça de perseguição com cachorro; e (2) oportunística, como a
caçada ao porcão e o abate de jacaré que tivemos a oportunidade de acompanhar, a poucas
centenas de metros da aldeia Canindé (Figura 121).

Figura 121 – Porcão (Tayassu pecari) abatido na vizinhança da aldeia


Canindé, 27-28/setembro/2014.

Quando os Tembé falam de caça, pensam em mamíferos. Os alvos favoritos são ungulados
e roedores grandes, em especial, anta, porcão, veados e paca, como é comum em outras partes
da Amazônia. No entanto, mesmo animais menores, como aves e quatipurus (Guerlinguetus,
Sciuridae), podem ser caçados e consumidos (Apêndice 10). Gostam de variar a caça: “Queremos
comer veado, vamos matar um veado; queremos comer macaco, vamos atrás de macaco;
queremos comer peixe, vamos atrás de peixe. Os brancos não gostam de variar de comida e
de restaurante? Nós também!”.
Segundo os habitantes da aldeia Canindé e cercanias, quase todas as espécies de grandes
e médios mamíferos ocorrem não muito longe do povoado. Tatus, cutias, pacas e veados
surgem frequentemente perto das casas (Figura 122). Nesta pesquisa, houve a oportunidade
de constatar isso por observações na trilha e no Igarapé do Gurupiuna, bem como durante a
participação na caçada ao porcão (Tabela 20) e durante as refeições compostas por caça. No
entanto, para encontrar anta, por exemplo, é necessário se afastar cada vez mais das aldeias,
de acordo com os indígenas.
288

Figura 122 – Mapa conceitual e detalhe da região marginal do rio Gurupi, no seu trecho mais
oriental dentro da TIARG, incluindo a aldeia Canindé, marcos geográficos e fauna cinegética
existentes nas imediações. Artista: Jailton Carneiro Tembé (Canindé, 2014).

A fauna cinegética parece ser mais escassa na região da aldeia Cajueiro, ainda no setor
Gurupi, mas, mesmo lá, observamos diversos vestígios de anta e obtivemos relatos de abate de
animais desta espécie perto da aldeia. Todos os dias, ou quase, chegou caça, se não sempre
anta ou porcão, pelo menos, alguma paca, veado, ou catitu. No primeiro dia em Cajueiro, uma
voadeira com alguns homens e espingardas a bordo saía para o rio. Indagados, disseram que
iam caçar jacaré e não precisariam ir muito longe.
A escassez de peças de caça valorizadas é certamente o caso na região do Guamá,
ao norte da terra indígena. Aqui, a anta praticamente desapareceu; é tão rara, que diversas
pessoas referiram que um dado animal (provavelmente, o mesmo indivíduo) tinha sido detectado
na metade deste ano. Se a anta é escassa, o porcão foi mesmo extinto do norte da TIARG.

4.5. Breve História da Mastofauna e do Homem na TIARG e na Região

O Sr. Lourival Tembé, Cacique Geral da TIARG, tem hoje 75 anos de idade e é referência
quanto ao conhecimento da biodiversidade, usos, costumes e história da região. Conta que, em
criança, não havia invasões. Já o pesquisador indígena da Mastofauna, Otávio, tem 42 anos
e convive com invasões desde que se entende por gente. Podemos, assim, tentativamente,
situar no terceiro quarto do século passado o momento em que os primeiros marreteiros
chegaram de barco e se estabeleceram na região. Segundo o Sr. Lourival, os coureiros, ou
gateiros, caçadores que matavam todo o tipo de animais, indiscriminadamente, para iscar
armadilhas para felinos, chegaram depois, o que concorda com o fato conhecido de que foi
também no terceiro quarto do século que a atividade dos coureiros atingiu proporções tais que,
alegadamente, levou à promulgação da Lei de Proteção à Fauna (BRASIL, 1967), que passou
a coibir praticamente todos os usos da fauna silvestre no Brasil (OJASTI, 1984; SMITH, 1976,
1978). Após isso, vieram madeireiros, brancos (karaiw) oriundos sobretudo da região de Viseu,
explorando cedro (cedreiros). Invadiram todas as regiões da TIARG e deram ao rio Kurupir
Ziwa (braço do Curupira) o nome de Coraci-Paraná.

A terra envolvente do Kurupir Ziwa era habitada por índios Ka’apor que moravam em
aldeias e conviviam pacificamente com os Tembé. Foram morrendo com doenças de branco
289

(sarampo, catapora), ficaram receosos e mudaram para o Maranhão, onde hoje fica a Terra
Indígena Alto Turiaçu. À medida que os Ka’apor iam saindo, os brancos iam se fixando cada
vez mais, e, ainda hoje, moram lá, vivendo num modo de subsistência. Cortaram a mata toda,
extinguiram comercialmente o ipê/pau-d’arco, e hoje praticamente só existe pastagem. Quando
Lourival era criança, a área que atualmente corresponde à TIARG era revestida apenas por
mata. A caça e a pesca eram igualmente abundantes e os Tembé matavam só um ou outro
animal para comer. Caçavam unicamente com flecha. Apenas quando Lourival tinha por volta
de 20 anos, começaram a usar espingarda:

“Antes, víamos anta brincando e o mutum-pinima (Crax fasciolata pinima,


ave endêmica do CEB e ameaçada de extinção) parecia urubu. Onça ficava
só olhando para a gente na beira do rio, na praia, deitada. Porcão, também.”

Diversas espécies cinegéticas diminuíram ou desapareceram do Guamá no tempo das


invasões. Otávio conta que, até há uns dez a quinze anos, havia mais colonos que índios na
terra da trilha do Pinu’a. O que não era mato, era pastagem. Caçavam tanto que, em criança,
não se via qualquer animal no mato. Raimundo Leonildo da Mota Tembé opina que algumas
aldeias que surgiram na parte norte da TIARG contribuíram para “espalhar” a caça.
Com a proteção legal à fauna silvestre e a criação de terras indígenas e unidades de
conservação na região, todos os tipos de mamíferos e outros animais de caça estão voltando.
Desde então, a riqueza e abundância de fauna aumentou muito. O que vimos na trilha confirmou
o que Otávio havia dito que iríamos ver no início da manhã: os vestígios de animais de caça
que encontramos foram apenas de cutia e catitu, e uma armadilha fotográfica capturou uma
paca. Mas continua a haver veados na floresta, menos suscetíveis à pressão de caça que o
porcão e a anta, pelo que a mata (já) não se encontra totalmente desprovida de animais de
grande porte.
Aparentemente, a parte sul (Gurupi) da TIARG foi relativamente poupada da devastação
ambiental ocorrida com o advento dos colonos, sendo a terra que separa o Canindé do Coraci-
Paraná a região com maior fartura de caça, segundo Raimundo Leonildo.

5. DISCUSSÃO
5.1. A Mastofauna da TIARG no Contexto Regional

A TIARG insere-se em um contexto paisagístico e biogeográfico especial. Mesmo a floresta


encontrando-se, hoje, fragmentada, com a paisagem exterior aos seus limites consistindo de
um mosaico de grandes extensões de pastagens ativas e em diversas fases de abandono,
bem como de capoeira em distintos estágios de formação em decorrência desse abandono, e
blocos menores de floresta, o meio ambiente da TIARG é marcadamente amazônico. Ao longo
de uma linha reta imaginária de escassos quilômetros de comprimento, traçada na fronteira
da TIARG com a matriz envolvente, perpendicularmente a ela, de forma a que comece em um
dos ambientes e termine no outro, podemos encontrar assembleias de mamíferos compostas
por diversas espécies de primatas, felinos e a anta, último remanescente da megafauna
sulamericana; e outras, de composição totalmente distinta, compreendendo raposas, tapitis e
290

preás (Galea spixii, informação de Jailton Tembé). Certamente, o desmatamento terá moldado
estas paisagens contrastantes, mas a aproximação do limite oriental da floresta contínua (ou
quase) amazônica também poderá estar exercendo sua influência.

5.2. O Conhecimento dos Tembé sobre a Mastofauna Silvestre

As informações obtidas em entrevistas a moradores complementaram crucialmente aquelas


registradas em levantamentos biológicos, sendo as primeiras tão importantes quanto as segundas,
em grande medida porque permitiram conhecer a dinâmica demográfica das populações
humanas e de animais silvestres na TIARG e contextualizar historicamente os ensinamentos
obtidos na floresta. As informações dos entrevistados revelaram uma consistência notável, o
que permite depositar grande confiança na sua fidedignidade e no profundo conhecimento do
ambiente de muitos dos habitantes da TIARG.

Como era esperado, os Tembé reconhecem mais formas e atribuem mais nomes diferentes
a animais grandes, que conhecem melhor e são mais importantes para eles, por lhes serem úteis
ou prejudiciais, pelo menos, potencialmente. Assim, geralmente, referem tipos distintos, como
acertadamente é costume que lhes chamem, de ungulados e grandes felinos, desdobrando
os nomes científicos em diversos nomes comuns, mas diferenciam poucos tipos de morcegos,
pequenos roedores e marsupiais, juntando uma miríade de espécies cientificamente válidas
em alguns poucos grupos. Admitimos que, em alguns casos, a ciência venha a validar aquelas
designações, como vem sucedendo nos últimos anos. Em outros casos, parecem quebrar a
variação morfológica, etária e sexual normal das espécies científicas em tipos distintos, e é
nestes casos que a consistência nomenclatural diminui. Por exemplo, há quem diga que há
duas guaribas (uma, toda preta, outra, com partes ruivas), enquanto que outros afirmam que
o mesmo tipo de guariba inclui indivíduos negros e outros avermelhados.

5.3. Impacto das Atividades Humanas sobre as Assembleias de Grandes e Médios


Mamíferos da TIARG

Apesar de pescarem bastante, sobretudo com rede malhadeira, os Tembé são um povo
de caçadores. Muitos caçam todos os dias e a espingarda a tiracolo é uma visão e companhia
onipresente na TIARG. Não há dia em que não se ouça alguns tiros, na aldeia, no rio ou na
mata, ou algum animal grande ou pequeno não seja abatido. Jailton e Otávio mostraram
armadilhas para tatu, cutia e paca que fazem dispondo espingardas sem coronha no caminho
dos animais, a poucos minutos da aldeia, no inverno.
A mastofauna silvestre é de suma importância para a subsistência e cultura dos Tembé e é
de esperar que a população humana exerça e, talvez, sobretudo, tenha exercido, num passado
recente, um impacto moderado a forte sobre ela. No entanto, pelo que pudemos perceber, os
principais danos à mastofauna têm sido causados por pessoas estranhas às tradições da etnia.
Esse impacto é evidente no Guamá, que nos apresenta uma fauna empobrecida em
mamíferos de grande e médio porte, dominada por espécies generalistas. Mesmo assim, conta
291

com diversos ungulados e grandes roedores, que são espécies valorizadas pela população da
TIARG e da Amazônia em geral. A pobreza em espécies encontra contrapartida na abundância
daquelas que, por terem taxa reprodutiva elevada, tempos de gestação curtos e serem onívoras,
entre outros aspectos da sua bioecologia, se adaptaram à destruição e descaracterização das
florestas da parte norte da TIARG e à pressão de caça exercida no passado. Estas espécies,
que hoje habitam estes ambientes alterados, aparentemente, ocuparam partes dos nichos
ecológicos potenciais das restantes, num processo de substituição ecológica e desestruturação
trófica da assembleia de mamíferos, possivelmente promovida pela escassez de felinos e outros
predadores, de que não encontramos vestígios (TERBORGH et al., 2001). Estas espécies
adaptáveis são as cutias, os morós, os catitus e, podemos arriscar incluir no grupo também, a
paca e os veados, pelo menos o branco. Todas são apreciadas ou, pelo menos, aceitáveis para
consumo e de abate relativamente fácil. A caça ainda acontece com relativa facilidade, apesar de
ser necessário o deslocamento a áreas cada vez mais distantes para encontrá-la, como, aliás,
também acontece em trechos do Gurupi para espécies mais sensíveis, nomeadamente, a anta.
No Gurupi, a mata apresenta maior integridade. Aqui, o impacto humano revela-se baixo
e deve-se, sobretudo, aos próprios Tembé, que exploram a floresta desde tempos imemoriais e
sabem como fazê-lo. Ainda é possível encontrar espécies criticamente ameaçadas de extinção
(ver adiante) na vizinhança imediata das aldeias (Tabela 21), mesmo apesar de, ocasionalmente,
essas espécies poderem sofrer a ação direta das pessoas, nomeadamente, através da caça
(Apêndice 10, linhas 2 e 10). A persistência de espécies de mamíferos silvestres vulneráveis à
pressão de caça, como primatas e a anta, perto de comunidades humanas, por si só, já indica
que, aos níveis em que está sendo praticada, o seu impacto não é muito preocupante.
Como acontece de forma frequente na TIARG, o impacto mais preocupante é o decorrente
da atividade madeireira, que, ao contrário da caça, não subtrai da floresta um ou outro indivíduo
de diversas espécies, mas destrói ou degrada o habitat da comunidade ecológica inteira. Na
floresta amazônica, as populações humanas tendem a concentrar-se nas margens dos cursos
de água e, mais recentemente, na beira das estradas. As enormes extensões de floresta
contínua, ou quase, funcionam como uma fonte geradora de fauna que, ao dispersar, pode
ser aproveitada pelas comunidades humanas sem afetar as populações de fauna silvestre das
regiões mais remotas, podendo, até, fomentar o seu crescimento (PULLIAM, 1988). É possível
que o centro da porção sul da TIARG possa ainda estar funcionando como tal fonte, mas,
numa paisagem fragmentada, poderá deixar de sê-lo se a atividade madeireira se embrenhar
no centro da mata cada vez mais. Felizmente, a tendência parece ser outra.

5.4. Espécies Ameaçadas de Extinção

Seis primatas ameaçados de extinção ocorrem predominantemente no Pará, estendendo-


se apenas a partes do Mato Grosso − o coatá-da-testa-branca (Ateles marginatus) e o cuxiú-
de-cara-preta (Chiropotes utahickae) − ou do Maranhão − o choim (Saguinus niger), o caiarara
(Cebus kaapori), o cuxiú (Chiropotes satanas) e a guariba (Alouatta belzebul), que parece
ocupar também o norte do Tocantins e, segundo o tratamento taxonômico que seguimos aqui,
alguns estados do nordeste (ver Nota ao Apêndice 8). A todos se aplica alguma categoria
292

de ameaça a nível nacional e internacional e, com excepção do sagui e da guariba, também


estadual (Tabela 19). Nenhuma das duas espécies que ocorrem no Mato Grosso está presente
na TIARG, mas todas as quatro que ocorrem no Maranhão estão.

O caiarara e o cuxiú são endêmicos do Centro de Endemismo Belém (CEB), onde a


TIARG se localiza, ou dele e sua adjacência imediata (ALMEIDA; VIEIRA, 2010; KIERULFF;
DE OLIVEIRA; KIERULFF, 2008; VEIGA; SILVA-JÚNIOR; FERRARI; RYLANDS, 2008), e
detêm o estatuto de conservação mais precário entre todos os mamíferos de médio e grande
porte da TIARG, sendo considerados criticamente em perigo de extinção em todos os níveis
(internacional, nacional e estadual).
Na região do Gurupi não era costume comer macaco, a não ser em ocasiões festivas,
como a Festa do Moqueado ou da Menina Moça, em que um esforço de caça superior ao normal
é realizado para receber visitantes vindos de outras aldeias. Para a festa, matam alguns cuxiús
ou guaribas, sobretudo estas últimas, que se revestem de um simbolismo especial. Porém,
é comum que capivaras e outras espécies corpulentas, relativamente abundantes e que não
são abatidas com frequência, abasteçam de carne as festividades e outras reuniões, não
aparentando que estas ocasiões possam afetar sobremaneira a saúde das suas populações.
A situação parece ter-se alterado com a ida de pessoas do Guamá para a aldeia Teko
Haw e outras aldeias do Gurupi, talvez por necessidade, face ao convívio continuado com uma
mastofauna empobrecida no norte da TIARG. Fato é que começaram a caçar diversos tipos
de primatas e outras espécies que não eram frequentemente caçadas.
Mesmo assim, a guariba parece ser relativamente abundante e nós encontramos um grupo
enquanto percorríamos um caminho a poucas centenas de metros de Canindé. Aproximadamente
no mesmo local também haviam sido abatidos dois cuxiús. Esta espécie, que avistamos na
trilha adjacente à mesma aldeia, é tida como um dos primatas mais abundantes na região,
juntamente com o macaco-mão-de-ouro e o macaco-prego. Cuxiús são visita frequente à
vizinhança de casas e sítios nas proximidades de outras aldeias do Gurupi, podendo ser vistos
desde as habitações, mesmo alguns sendo abatidos ocasionalmente. Relatos informam que
na aldeia Pinu’a (Guamá) também se avista cuxiú, apesar de pouco frequentemente.
Na TIARG, a guariba e o cuxiú não parecem, pelo menos por enquanto, estar em situação
crítica quando comparada a outras espécies cinegéticas. No caso do cuxiú, talvez isto reflita
a nível regional a evolução que o grau de ameaça que lhe tem sido atribuído vem sofrendo
internacionalmente. Desde o ano 2000, o Grupo de Especialistas em Primatas da IUCN
publica regularmente listas das 25 espécies mais ameaçadas no planeta. Apesar de nunca
ter sido incluída em qualquer lista, a espécie chegou a ser proposta para as duas penúltimas
(MITTERMEIER et al., 2012; SCHWITZER et al., 2014), mas deixou de o ser para a mais
recente (SCHWITZER et al., 2015). Ainda assim é imperioso monitorar as populações de ambas
as espécies, em especial, do cuxiú, oficializada que é a situação de conservação crítica em
que se encontra em outras partes do estado e no país, como já referido.
A situação do caiarara parece ser bastante distinta. Desde 2014, ou seja, nas suas duas
últimas edições, vem integrando a lista de 25 espécies da IUCN, que também o aponta como
um dos cinco primatas mais ameaçados das Américas e um dos dois mais ameaçados do
293

Brasil. Descrito cientificamente há pouco mais de vinte anos, não há registros históricos de sua
ocorrência e os contatos de pesquisadores com ele são muito escassos (José de Souza e Silva
Jr., com. pess., 2014). A sua bioecologia é extremamente mal conhecida e a informação da sua
preferência por ambientes alagadiços que nos foi referida na TIARG contrasta diametralmente
com os poucos dados da literatura (SILVA-JÚNIOR; QUEIROZ, 2008), se bem que ambas as
fontes concordem em outros aspectos, como a sua frequente associação com o macaco-prego.
Dos primatas diurnos que ocorrem na TIARG, o caiarara é o único que nós não detectamos
em campo; restam poucas dúvidas de que seja raro na TIARG. No Guamá, Otávio Tembé,
pesquisador indígena da mastofauna que reside na região, só viu alguns indivíduos quando era
mais novo; Pyahu Tembé, morador da Sede, mais jovem que Otávio e que nos acompanhou
num percurso na trilha Pinu’a, tendo revelado ser bom conhecedor da mata, nunca viu caiararas.
Mesmo no Gurupi, aparece pouco na região do Cajueiro e mesmo na de Canindé, onde,
alegadamente, antes se via perto das aldeias e na beira dos rios. Se bem que o Cacique de
Canindé, Valdevino Tembé, assegure que aparece nas imediações do caminho que leva à trilha,
perto da aldeia. Jaílton especula que os animais possam ter ficado mais ariscos e procurado
refúgio em regiões mais centrais da mata. Julgamos até possível que a referida discordância
entre algumas informações prestadas pelos Tembé e a literatura científica sobre os ambientes
ocupados pela espécie resulte de eventuais alterações das suas preferências de habitat em
resposta a pressão antrópica, direta ou indireta.
Os entrevistados afirmam que, tradicionalmente, o caiarara nunca é caçado, mas restaram
dúvidas sobre se isso se deve a alguma decisão consciente ou à sua escassez, “timidez” e/
ou confinamento a ambientes muito específicos, possivelmente agravado pela expansão da
população humana. A caça tradicional pode não o afetar, mas alguns dos moradores que
chegaram à parte sul da TIARG nas últimas décadas caçam-no, pelo menos, oportunisticamente.
Considerações acerca da sua abundância à parte, todos os primatas ameaçados da
TIARG comungam o fato de ter distribuição geográfica reduzida, sobretudo, o caiarara e o cuxiú.
Por si só, este fato já suscita preocupação, ainda mais sabendo que as taxas de destruição e
degradação da floresta mais alarmantes da Amazônia ocorrem aqui.
Não se encontrando particularmente ameaçados de extinção a nível nacional e internacional,
a anta (Tapirus terrestris) e o porcão (Tayassu pecari) são muito sensíveis à pressão de caça,
sobretudo em cenário de descaracterização da paisagem e degradação ambiental. Tal como
o cairara, o cuxiú e a guariba, parecem ter sido total ou praticamente extintos na região norte
da TIARG.
O tatu-canastra (Priodontes maximus) e o tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla)
não são caça apreciada pelos Tembé. O tatu-bola (Tolypeutes tricinctus), típico da caatinga,
tem sido encontrado no cerrado maranhense em anos recentes (OLIVEIRA; GERUDE; SILVA-
JÚNIOR, 2007), podendo, ao mesmo tempo, sofrer com alterações do habitat e se beneficiar
do desmatamento em diferentes locais das paisagens altamente fragmentadas da Amazônia
oriental, assim expandindo e contraindo, simultaneamente, sua área de distribuição regional,
com a consequente percepção de processos de extinção e ressurgimento local pelos Tembé.
Os carnívoros são, talvez, os vertebrados que sofrem o efeito de maior número de fatores
adversos à continuidade da presença nos ambientes naturais, seja diretamente − já não pela
294

caça comercial, amplamente reduzida nas últimas décadas, mas por conflitos com o homem,
resultantes da percepção de ameaça à sua segurança e dos seus animais domésticos − ou
indiretamente, pela fragmentação do habitat e redução das populações das suas presas.
Quase todos os carnívoros da TIARG são ameaçados ou, pelo menos, vulneráveis à extinção.
A ariranha (Pteronura brasiliensis) é considerada a espécie mais ameaçada (Tabela 19).
Diurna, gregária, ruidosa e de pelagem outrora muito cobiçada, sofreu forte declínio no tempo
dos coureiros, mas atualmente repovoa diversas regiões da Amazônia. Não a avistamos, mas
não houve oportunidade de lhe dedicar esforço especial. Alegadamente, ainda é abundante
no Gurupi e seria mais escassa, ou estaria mesmo ausente, no Guamá. Tal como em relação
à maioria dos carnívoros restantes, não é costume dos Tembé molestar estes animais, apesar
do fato de, por vezes, rasgarem malhadeiras de pescadores.
As melhores oportunidades de promover a conservação dos grandes mamíferos podem
ser encontradas no designado Corredor Ecológico do Vale do Gurupi, de que a TIARG faz
parte (ALMEIDA; VIEIRA, 2010). Diversos moradores da TIARG opinam que a Terra Indígena
Alto Turiaçu, contígua à TIARG, localizada no Maranhão, é mais abundante em fauna, em
especial, primatas, e abriga maiores populações de caiarara. Silva-Júnior e Queiroz (2008)
não mencionam o Turiaçu, mas as Terras Indígenas recebem pouca atenção no livro em que
o seu artigo foi publicado, mais dedicado à ocorrência em Unidades de Conservação.
A TIARG é a área protegida mais setentrional do Corredor Ecológico do Vale do Gurupi. Pela
sua forma e paisagem e pressões circundantes, é muito vulnerável às ameaças à conservação da
biodiversidade. No entanto, se a gestão ambiental for favorável, pode constituir uma importante
ponta de lança para a dispersão e consolidação da mastofauna ameaçada de extinção. Além
disso, é a única área do Corredor instalada no estado do Pará, o que lhe confere relevância
estratégica, já que pode constituir um refúgio para esta e outras espécies, especialmente,
endêmicas, em face de eventuais decisões e tendências políticas desfavoráveis à conservação
da biodiversidade no estado vizinho.

6. RECOMENDAÇÕES DE GESTÃO

Há bons indícios de que a fauna em geral, e a mastofauna em particular, comece a recuperar


de décadas de declínio no setor Guamá da TIARG. Espécies generalistas, cujos números foram
drasticamente reduzidos na região, estão, hoje, abundantemente representadas. Outras, mais
suscetíveis aos impactos das atividades humanas e, em especial, ao desmatamento, e que
foram extintas localmente, timidamente começam a ressurgir na estreita faixa de floresta fechada
que acompanha o limite norte da TIARG. Já se ouve a guariba urrar com maior frequência e
uma ou outra anta é assinalada. As matas do Guamá contêm tatajuba, alimento preferido da
espécie, e, aparentemente, apresentam condições ambientais minimamente adequadas para
hospedar a generalidade da fauna silvestre nativa.

O maior desafio à expansão da fauna e, em especial, das espécies mais tímidas, parece
ser conseguir atravessar a matriz menos florestada do centro da TIARG para ganhar as matas do
Guamá. Apesar dos contratempos, os Tembé parecem estar retomando o controle de extensões
progressivamente maiores do seu território. A recente retomada da Fazenda Piriá, do Grupo
295

Mejer Agroflorestal, poderá constituir uma oportunidade soberana para a reconquista do Guamá
pela mastofauna. Imagens de satélite da TIARG revelam manchas (“ilhas”) de floresta fechada
em meio à pastagem na região onde a fazenda se insere, aparentemente tão densa quanto as
porções melhor conservadas do Gurupi. Moradores da TIARG afirmam que, pelo menos uma
delas, abriga uma população saudável de anta e “todos os outros animais”, alguns dos quais
são tão importantes como dispersores de sementes e agentes de outros processos ecológicos
e para a subsistência das populações humanas. Se essas manchas de floresta passarem a ser
controladas pelos Tembé, eles poderão gerir a paisagem de formas que propiciem a migração
desses animais de dentro desses blocos e sua movimentação interna na TIARG, criando ou
promovendo o surgimento de corredores de vegetação densa. Seria como que um Corredor
Ecológico do Vale do Gurupi em miniatura, mais facilmente gerenciável.
A retomada da fazenda referida é apenas um exemplo importante e urgente da principal
recomendação de gestão: a promoção da conectividade entre as manchas de floresta densa que
facilite: a mistura da fauna das diversas regiões da TIARG; a dispersão das espécies em risco
de extinção e de outras espécies sensíveis à caça e às alterações ambientais, principalmente,
os primatas e a anta; o retorno de outras que percebem o ambiente em grande escala, em
especial, o porcão.
Propomos que, enquanto a floresta regenera, os Tembé se abstenham de caçar animais
destas espécies no Guamá e na metade norte da TIARG, onde a pressão humana é maior e a
vegetação se encontra mais degradada. Se não o fizerem, estarão subtraindo indivíduos das
populações que pretendem restaurar e afugentando outros, dificultando o estabelecimento de
um número de indivíduos reprodutores adequado na área em recuperação.

7. RECOMENDAÇÕES DE MONITORAMENTO E PESQUISA

Não consideramos que a caça, aos níveis em que ocorre na atualidade na TIARG, esteja
afetando as populações de mastofauna silvestre gravemente. Porém, esses níveis devem ser
monitorados, e as populações faunísticas, também, concomitantemente. Avaliar a saúde das
populações de mastofauna é tão complexo que mais que um indicador e, de preferência, mais
que um método, deve ser aplicado (ROBINSON; REDFORD, 1991). Nos últimos anos, diversas
iniciativas de monitoramento de fauna por populações tradicionais têm sido implementadas. Um
técnico em ecologia e manejo de fauna silvestre poderia treinar e acompanhar os pesquisadores
indígenas da mastofauna ou outras pessoas na execução desta tarefa.

A retomada da governança da TIARG pelos Tembé oferece, também, oportunidades de


pesquisa fascinantes, principalmente aquelas que averiguem o modo como as populações das
diversas espécies de mamíferos responderão à gestão a ser exercida pela população indígena
e, reciprocamente, como esta responderá àquela.
Pesquisas detalhadas da distribuição geográfica, bioecologia, importância para a população
humana e impacto desta nas espécies ameaçadas de extinção devem ser realizadas. De
preferência, devem ser estendidas e estar integradas com as demais Terras Indígenas e a
Unidade de Conservação que constituem o Corredor Ecológico do Vale do Gurupi e outras
áreas protegidas do CEB.
296

8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Apêndice 8 – Mamíferos terrestres de grande e médio porte que potencialmente ocorrem na TIARG, com base em pesquisa bibliográfica, e que foram registrados na
TIARG em levantamento de campo e entrevistas realizadas com moradores. Esta lista foi adaptada da lista de espécies de mamíferos do Pará (MUSEU GOELDI,
2014), sendo que o arranjo taxonômico dos primatas segue Museu Goeldi (2014) e o dos demais grupos segue National Museum of Natural History (2014). Os
nomes comuns em português e na língua Tembé-Teneteharaforam informados por moradores da TIARG durante as entrevistas.

Classificação Taxonômica Nome em Português usado na TIARG Nome na Língua Tembé-Tenetehara Local / Tipo de Registro*

MAMMALIA mamíferos / animais de caça miar rer


DIDELPHIMORPHIA mucuras mykur
Didelphidae
Caluromys philander Bibliogr/Entr
Chironectes minimus mucura-branca, mucura-d'água mykur xig, m. pe har, 'y pe har m. Bibliogr/Entr
Didelphis marsupialis mucura mykur, mykuruhu Gua/SPe (T-Vis-Noite) 1
Metachirus nudicaudatus mykura'i, mykur a'i Bibliogr/Entr
CINGULATA** tatus tatu
Dasypodidae
Dasypus kappleri tatu-quinze-quilos Gur/Caj (T-Vis-Noite) 1
Dasypus novemcinctus tatu-branco tatu xig Gur/Caj (T-Vis-Noite) 1
Dasypus septemcinctus Bibliogr/Entr
Euphractus sexcinctus tatu-peba, tatu-peludo Gur/Caj (T-Vis-Noite) 1
Cabassous unicinctus tatu-rabo-de-couro tatu apar(a) Bibliogr/Entr
Priodontes maximus tatu-canastra tatuhu, tàtuhu Bibliogr/Entr
Tolypeutes tricinctus tatu-bola tatu apar Entr
PILOSA preguiças e tamanduás
Bradypodidae preguiças a'i, a'y
Bradypus variegatus*** a'i com malha na costa Bibliogr/Entr
Megalonychidae preguiças a'i, a'y
Choloepus didactylus preguiça-real a'ihu, a'yhu Bibliogr/Entr
Cyclopedidae tamanduás tamanua, tàmànua
Cyclopes didactylus tamanduaí tamanua'i, tàmànua'i, wamegua'i Bibliogr/Entr
Myrmecophagidae tamanduás tamanua, tàmànua
299
300

Classificação Taxonômica Nome em Português usado na TIARG Nome na Língua Tembé-Tenetehara Local / Tipo de Registro*

Myrmecophaga tridactyla tamanduá-bandeira tamanuahu, tàmànua, tamanwa Bibliogr/Entr


Tamandua tetradactyla jaleco, mambira, tamanduá "mesmo" tamanua, t.'i Gua/SPe (T-Vis-Noite) 1
PRIMATES macacos
Callitrichidae
Saguinus niger choim, soim tamari, tamaria'i Gua/SPe (T-Vis-Dia) (c3)
Cebidae
Sapajus apella*** macaco-prego ka'i hu, ka'i puun Gur/Can (T-Vis-Dia) (c4);
(T-Vis-Noite) (n); (FT-Est)
Gua/SPe (T-Vis-Dia) (c8)
Cebus kaapori caiarara ka'i arar Bibliogr/Entr
Saimiri collinsi macaco-mão-de-ouro, mão-de-ouro ka'i pozu Gur/Can (T-Vis-Dia) (>20)
Gua/SPe (T-Aud-Noite) (n)
Aotidae
Aotus infulatus jupari-quatro-olhos, jupati, q.-olhos tupaxi Bibliogr/Entr
Pitheciidae
Chiropotes satanas cuxiú kuxihu Gur/Can (T-Vis-Dia) (c10)
Atelidae
Alouatta belzebul*** guariba wariw Gur/Can (T-Vis-Dia) (c6);
(T-Aud-Noite) (n); (FT-Est) Gur
(FT-Vis-Dia) n
RODENTIA
Erethizontidae
Coendou prehensilis*** coandu, porco-espinho kwanu/kwànu; grande: k./k. hu; pequeno: Bibliogr/Ent
kwanua’i
Caviidae
Hydrochoerus hydrochaeris capivara kapiwar Gur (FT-Vest-Dia) c2p
Dasyproctidae
Classificação Taxonômica Nome em Português usado na TIARG Nome na Língua Tembé-Tenetehara Local / Tipo de Registro*

Dasyprocta sp*** cotia, cutia, lebre akuxi Gur/Caj (T-Vis-Dia) 1; (T-Vest-


Dia) b; (T-Aud-Noite) 1
Gua/Pin (T-Vis-Dia) 2; (T-Aud-
Dia) 12
Gua/SPe (T-Aud-Noite) 1
Dasyprocta prymnolopha*** cotia, cutia, lebre akuxi Gur/Caj (T-Vis-Dia) 1 Gua/Pin
(T-Vis-Dia) 2; (T-Vest-Dia) pl;
(T-AF-Dia) 4; (T-AF-Noite) 1
Cuniculidae
Cuniculus paca*** paca pak Gur/Caj (T-Vis-Noite) 1 Gua/
Pin (T-AF-Noite) 1 Gur (FT-
Vest-Dia) t
LAGOMORPHA coelhos
Leporidae
Sylvilagus brasiliensis coelho, tapiti tapixi, un tapixi Gua (FT-Vis-Noite) 1
CHIROPTERA morcegos anira/anyra; grandes: a./a. hu; pequenos:
(grupo não detalhado neste trabalho) a./a.’i
CARNIVORA carnívoros
Felidae
Leopardus pardalis maracajá-açu, gato-açu marakaza hu Gur/Caj (T-Vest-Dia) r
Leopardus tigrinus maracajá-peludinho marakaza'i, m. i Bibliogr/Entr
Leopardus wiedii maracajá-peludinho, maracajá-peludo marakaza'i, m. i Bibliogr/Entr
Puma concolor*** suçuarana, onça-vermelha, maçaroca zawar pitàg, iwiwàràn, z. p. iwàhuàràn Gur/Caj (T-Vest-Dia) m1
Puma yagouaroundi ? pixàn pihun ka'a rupi har, zawaruni Bibliogr/Entr
Panthera onca*** onça-pintada, canguçu, marajoíra, onça- zawar, z. etè; onça-pintada, canguçu; Gur/Can (T-Vest-Noite)p;
preta marajoíra: z. pinim; o.-preta: z. (p.) pihun Gur/Caj (T-Vest-Dia) m1
Canidae
Atelocynus microtis cachorro/cachorrinho-do-mato awara, zawar ka'a rupihar Bibliogr/Entr
Cerdocyon thous raposa awar, awara Gua (FT-Vis-Dia/Noite) 2
301
302

Classificação Taxonômica Nome em Português usado na TIARG Nome na Língua Tembé-Tenetehara Local / Tipo de Registro*

Speothos venaticus cachorro/cachorrinho-do-mato zawar ka'a rupihar, zawanem, zawar Bibliogr/Entr


nem, hàihàia'i, hàihài a'i
Mustelidae
Lontra longicaudis lontra, lontrinha zawakak, zawakaka'i Gur (FT-Vest-Dia) t
Pteronura brasiliensis ariranha zawakak uhu Bibliogr/Entr
Eira barbara irara, papa-mel hairar Gur (FT-Vis-Dia) 1
Galictis vittata ma'e kàxig Bibliogr/Entr
Mustela africana Bibliogr
Procyonidae
Nasua nasua*** coati, quati, coatimundé, quatim, moró kwaxi; coatimundé, quatim.: kwaxi hu Gur/Can (T-Vis-Noite) (c10);
(FT-Est)
Gur/Caj (FT-Est)
Gua/Pin (T-Vis-Dia) (2; 15; 3);
(T-Vest-Dia) rev
Potos flavus macaco-da-noite zupaxi Bibliogr/Entr
Procyon cancrivorus guaxinim àkàxig, kwaxi zawara'i Bibliogr/Entr
PERISSODACTYLA antas tapi'ir, tapi'ir ka'a rupihar
Tapiridae
Tapirus terrestris*** anta-rozilha; anta-preta, anta-xuré anta-rozilha: tapi'ir nàmixig; a.-xuré: t. ra'i Gur/Can (T-Vest-Dia) r
Gur/Caj (T-Vest-Dia) m
Gur (FT-Vest-Dia) v, v, v (rios,
igarapés)
Gur (FT-Vest-Dia) al, f, r (mata
em geral)
ARTIODACTYLA porcos e veados
Tayassuidae
Pecari tajacu*** catitu: catitu-pequeno; catitu-grande ymàtà; catitu-pequeno: y. parawa'i; Gur/Caj (T-Vest-Dia) 1p
catitu-grande: y. hu Gua/Pin (T-Aud-Dia) (n; 2-3)
Gua/SPe (FT-Est)
Classificação Taxonômica Nome em Português usado na TIARG Nome na Língua Tembé-Tenetehara Local / Tipo de Registro*

Tayassu pecari*** porcão: porcão, porcão-de-queixo-branco, queixada: tazahu hu, t. pihun, mutàg ixig; Gur (FT-Vest-Dia) v; r; (FT-
porco-do-mato, queixada; porcão-tiririca porcão-tiririca: t. kamutàg, kamutag’i Cat)
Cervidae
Mazama americana*** veado-vermelho/mateiro/capoeira: v.-v.- veado-vermelho: arapuha piràg, a. pong; Gur/Can (T-Aud-Noite) 1
embaúba; v.-v.-da-canela-preta; veado- v.-v.-embaúba: a. p., ama’iw / ha ma yw; Gur/Caj (T-Vest-Dia) r; (FT-
galheiro/-do-chifre-encoirado; veado- v..-v.-da-canela-preta: a. p. tymà pihun; Cat)
vermelho-”mesmo” (“verdadeiro”) v.-galheiro: arapuha hu; v.-v. “mesmo” Gua/Pin (T-Vest-Dia) 1p
(“verdadeiro”): a. p. ahi/ate
Mazama gouazoubira*** veado-branco: veado-branco apenas; mahaw Gua/Pin (T-Vis-Dia) 1; (T-Vest-
veado-da-cara-pintada Dia) m
Gua/SPed (T-Vis-Noite) 1;
(T-Aud-Noite) 1
Gur/Caj (FT/Cat) n
Mazama nemorivaga veado-sapopema mahaw xapupem, wirapupem Bibliogr/Entr

*Todas as espécies da lista foram apontadas como presentes na TIARG por pelo menos um morador da reserva, com exceção de Mustela africana. Espécies cuja
coluna de Tipo de Registro indica apenas “Bibliogr” e/ou “Entr” não foram observadas durante os trabalhos de campo realizados neste estudo; **A atribuição de
nomes comuns Tembé às espécies de tatu não foi consistente entre os entrevistados; ***Percebido como um conjunto de formas distintas pelos entrevistados: pode
corresponder a mais de uma espécie biológica em escrutínio científico no presente ou no futuro; neste trabalho, tratamos todas as guaribas da TIARG como A.
belzebul, que consideramos ser a mesma forma biológica do nordeste do Brasil (VEIGA; KIERULFF; DE OLIVEIRA, 2008; ver também: de Oliveira e Kieruff ( 2008)).
1
Pode ser vestígio de Puma concolor ou Panthera onca;
Gua – região do Guamá, ao norte da TIARG; Gur – região do Gurupi, ao sul da TIARG; Pin – aldeia Pinu'a; SPe – aldeia São Pedro; Can – aldeia Canindé; Caj – aldeia
Cajueiro; T – registro obtido nas trilhas abertas para este estudo nas matas da TIARG; FT – registro obtido fora das trilhas (caminhos nas aldeias; rios e igarapés;
estradas; outras matas); Vis – detecção visual de (grupos de) animais; Aud – detecção auditiva de (grupos de) animais; AF – detecção por armadilha fotográfica;
Vest – detecção de vestígios da atividade de (grupos de) animais: m – marca produzida por dentes, garras ou chifres em árvore; p – pegada; pl – pelo; r – rastro
(conjunto de pegadas); rev – solo revirado; f – fezes; b – buraco usado para esconder alimentos; al – resto de alimentos; v – vereda; Est – espécies criadas como
animais de estimação; Cat – espécies mantidas em cativeiro; Números – número total de detecções de animais individuais; números entre parênteses – tamanhos
de grupos; c – número estimado; n – número indeterminado. Bibliog – espécie que não foi observada na TIARG, mas que possui ocorrência potencial para a área
da TIARG, de acordo com pesquisa bibliográfica (EMMONS; FEER; 1997; IUCN, 2014); Entr – espécie que não foi observada na TIARG, mas que possui ocorrência
potencial para a área da TIARG, com base em entrevistas realizadas com os moradores da reserva.
303
304

Apêndice 9 – Animais mantidos em cativeiro ou que são usados com fins medicinais na TIARG (cf.: a confirmar; M:
macho; estimação: animal de estimação).

Espécie Espécie
Local Número/ Tipo de Forma Parte Tipo de
(nome (nome Sexo/ Idade¹ uso de uso usada registro
(Aldeia)
científico) comum)

Canindé Nasua nasua quati 2 adultos estimação fica em casa - observação

Lontra
longicaudis/
Canindé lontra/ariranha 1 pesca trabalho - relato
Pteronura
brasiliensis¹

Leopardus
Canindé maracajá 1 estimação - - relato
pardalis/wiedii¹

Canindé Mazama sp. veado estimação - - relato

Canindé Cuniculus paca paca jovem estimação - - relato

fica no
Canindé Sapajus apella macaco-prego 1 jovem estimação - observação
terreiro

Mazama veado- fica no


Cajueiro 1 M jovem estimação - observação
americana vermelho terreiro

Mazama fica no
Cajueiro veado-branco 1 M jovem estimação - observação
gouazoubira terreiro

fica no
Cajueiro Nasua nasua coati 1 jovem estimação - observação
terreiro
Alouatta fica no
Cajueiro guariba 1 M jovem estimação - observação
belzebul terreiro
fica no
Cajueiro Tayassu pecari porcão 2 jovens estimação - observação
terreiro

Sede Saguinus niger choim 1 jovem estimação - - relato; foto

São fica no
Pecari tajacu catitu 1 adulto cf. estimação - observação
Pedro cercado

Myrmecophaga tamanduá- couro/ observação


Canindé - medicinal defumação
tridactyla bandeira pelo do couro/pelo
Procyon couro/
Canindé guaxinim - medicinal defumação relato
cancrivorus pelo
pedaço
Procyon
Canindé guaxinim - amuleto guardado couro relato
cancrivorus
em bolsa
¹A identidade da espécie não ficou clara pelo relato.
Apêndice 10 – Alguns animais capturados para consumo na TIARG (c.: perto de; cf.: a confirmar; Ig.: Igarapé; F: fêmea; M: macho; esp.: espingarda).

Local Número/ Parte Tipo de Forma


Nome Científico Nome Comum Local Técnica Arma
(Aldeia) Sexo/Idade usada uso de uso
músculo/ assado,
Ikatu Tapirus terrestris anta-rozilha 1 esp. cf. osso/ alimento moqueado,
vísceras linguiça
c. caminho músculo/
Canindé Chiropotes satanas cuxiú 2 esp. cf. alimento cozido
trilha Canindé osso
músculo/
amoitá em
Canindé Mazama americana veado-vermelho 1 F adulta Ig. Gurupiuna esp. osso/ alimento
fruteira
vísceras
encontro
Ig. Gurupiuna,
Canindé Tapirus terrestris anta 1 adulto acidental esp. alimento
em vereda
em canoa

Canindé Leopardus pardalis maracajá-açu 1 adulto cf. couro enfeite exposição

Myrmecophapa tamanduá- cauda


Canindé 1 adulto medicinal defumação
tridactyla bandeira (pelos)
Ig. Canindé, músculo/
Canindé Tayassu pecari porcão 1 M adulto c. caminho perseguição esp. osso/ alimento cozido
trilha, c. aldeia vísceras
músculo/
Canindé Tayassu pecari porcão 2 adultos perseguição esp. osso/ alimento cozido
vísceras
Canindé Dasyprocta sp. cutia, lebre 1 adulto perseguição esp. músculo alimento
Cajueiro Chiropotes satanas cuxiú 1 adulto esp. cauda doméstico espanador
Cajueiro Panthera onca onça-pintada 1 adulto couro enfeite exposição
Cajueiro Cuniculus paca paca 1 jovem esp. músculo alimento
Cajueiro Alouatta belzebul guariba dentes artesanato colar
Cajueiro Cuniculus paca paca 4 músculo alimento
c. 25
Pira Pecari tajacu catitu mandíbulas músculo alimento
guardadas
Pira Panthera onca onça-pintada 1 adulto dente artesanato colares
305
306
307

CAPÍTULO 7
ESPÉCIES AMEAÇADAS NA TERRA
INDÍGENA ALTO RIO GUAMÁ: UMA
ÁREA DE ALTA IMPORTÂNCIA
PARA A CONSERVAÇÃO DA
BIODIVERSIDADE NA AMAZÔNIA

Luciano Jorge Serejo dos Anjos


Renata de Melo Valente
Luciana Alves de Souza
308
309

1. INTRODUÇÃO
A perda de habitat causada por atividades humanas, tais como desmatamento, queimadas,
extração seletiva de madeira, etc., é a principal ameaça à biodiversidade na Amazônia. Uma
das estratégias mais eficazes para conter a devastação ambiental e a perda de biodiversidade,
protegendo espécies e seus habitats, é a criação e gestão de áreas protegidas: as unidades de
conservação e as terras indígenas. No caso das terras indígenas, o objetivo básico é assegurar
a sobrevivência de povos tradicionais e de seu modo de vida para as atuais e futuras gerações.
Na prática, elas também desempenham um papel importante na conservação das florestas.
Vários estudos apontam estas áreas como espaços eficazes na contenção da destruição e/ou
degradação de habitats florestais na Amazônia (NEPSTAD et al., 2006; MARTINS et al., 2012).
A Terra Indígena Alto Rio Guamá (TIARG), objeto do presente estudo, localiza-se na
mesorregião nordeste do Estado do Pará, uma das mais devastadas de toda a Amazônia. Esta
região integra, juntamente com a porção oeste do estado do Maranhão, o chamado Centro de
Endemismo Belém (CEB). Mais precisamente, o CEB compreende 243.753,18 km2 que têm
seus limites sul e oriental coincidindo com o bioma amazônico; o oceano atlântico, ao norte;
os rios Araguaia e Tocantins ao sul e sudoeste; e a baía de Marajó a noroeste (ANJOS, 2010).
Os centros de endemismo da Amazônia podem ser definidos como “unidades operacionais”
estabelecidas com base em estudos sobre a distribuição das espécies e, em geral, seguem a
configuração delineada pelos grandes rios da região (SILVA et al., 2005). Apesar de estarem
inseridos no grande bioma amazônico, os centros de endemismo distinguem-se uns dos outros
por concentrarem um grande número de espécies com distribuições restritas (só ocorrem naquela
área específica), indicando que apresentam características biogeográficas peculiares e distintas.
Portanto, possuem alta importância científica e são considerados a base para a formulação de
hipóteses sobre os processos que levaram à formação da biota da região Amazônica (ALMEIDA
et al., 2014; CRACRAFT, 1985; 1994; MORRONE, 1994; MORRONE; CRISCI, 1995, apud
SILVA et al., 2005) e, como tal, devem ser considerados espaços geográficos prioritários para o
planejamento e implantação de ações de conservação (SILVA et al., 2005; GARDA et al., 2010).
Oito centros de endemismo foram definidos para a Amazônia (SILVA et al., 2005). Dentre
eles, o CEB é o que se encontra mais ameaçado devido ao histórico de ocupação das frentes
pioneiras na região (ver Capítulo 1 deste livro). Cerca de 70% de sua cobertura florestal original
já foram desmatados (ALMEIDA et al., 2014), contribuindo para a formação de um cenário
onde se observa um conjunto de fragmentos florestais de diferentes tamanhos isolados entre
si por grandes áreas degradadas (Figura 123). O pouco que resta da biodiversidade de floresta
primária se concentra, justamente, nas poucas unidades de conservação e terras indígenas
(cerca de 20% do território), além das áreas de reserva legal das numerosas propriedades
privadas da região.
310

Figura 123 – Localização da Terra Indígena Alto Rio Guamá no Centro de Endemismo Belém,
com a classificação do uso da terra e da cobertura vegetal.

Ainda que a TIARG possa ser considerada uma área relativamente bem preservada
quando comparada com o restante da região nordeste do estado do Pará, observa-se que
toda a sua porção setentrional e boa parte da porção central apresentam grande incidência
de áreas desmatadas (Figura 123; ver também Figura 14, Capítulo 1) e com possibilidade de
estarem degradadas em decorrência das invasões ocorridas na área e das atividades ilegais
a elas relacionadas, principalmente abertura de estradas; queimadas para estabelecimento
de plantios, pastos e edificações; exploração de madeira; e captura de animais silvestres para
o tráfico e para a venda de carne em mercados clandestinos. Além disso, mesmo na região
mais preservada, ao sul da terra indígena, a exploração de madeira e a caça têm sido intensos,
havendo relatos recentes de que os animais usualmente caçados pelos indígenas já não são
tão abundantes na área quanto antes (Waldeci Tembé, com. pess.).
Em 2008, o Governo do Pará reconheceu, por meio do Decreto nº 802 de 20/02/2008, a
“Lista das Espécies da Fauna e Flora Silvestres Ameaçadas de Extinção no Estado do Pará”
(SEMA, 2008). A primeira Lista Vermelha da região amazônica identificou um total de 181
311

espécies ameaçadas, classificadas em três categorias, do mais alto para o mais baixo grau
de ameaça: Criticamente em Perigo (CR – 13 espécies); Em Perigo (EM – 47 espécies); e
Vulnerável (VU – 121 espécies).
Embora o CEB seja o menor dentre os oito centros de endemismo da Amazônia, seu
estado de conservação é tão crítico que boa parte das espécies da lista vermelha do Pará tem
sua área de ocorrência compreendida, em parte ou exclusivamente, no CEB. É o caso, por
exemplo, de duas espécies de macacos classificadas na categoria de criticamente ameaçadas:
o macaco-caiarara (Cebus kaapori) e o cuxiú-preto (Chiropotes satanas), que ocorrem apenas
na região do CEB. Ambos, entre outras espécies ameaçadas, foram registrados por especialistas
na TIARG (ver Capítulo “Flora e Fauna”, subcapítulos Aves e Mamíferos, neste livro).
Considerando: (1) o cenário de devastação do CEB; (2) as florestas relativamente bem
preservadas ainda existentes na região sul da TIARG e a biodiversidade a elas associadas; (3)
as espécies ameaçadas que foram registradas ou que possuem ocorrência esperada para a
terra indígena; e (4) o grau de ameaça (pressões antrópicas) existente sobre a área, a TIARG é
apontada como prioritária para a implantação de ações de conservação, tanto em nível estadual
(ALBERNAZ; ÁVILA-PIRES, 2009), como em nível nacional, sendo considerada pelo Ministério
do Meio Ambiente como área de prioridade “Extremamente Alta” (MMA, 2007; Figura 124).

Figura 124 – Recorte do mapa “Áreas prioritárias para a biodiversidade –


Bioma Amazônia” (MMA, 2007). Destacada, a Terra indígena Alto Rio Guamá
(TIARG), classificada na categoria de prioridade Extremamente Alta. Fonte:
Modificado de MMA (2007).
312

Com o intuito de estabelecer ações para a proteção e conservação das espécies listadas
em categorias de ameaça no Estado, a então Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Pará
(SEMA-PA) criou, em 2009, o projeto “Proteção das Espécies da Flora e Fauna Ameaçadas
de Extinção no Estado do Pará”, direcionando esforços deste projeto sobre a TIARG, cujos
resultados são apresentados neste capítulo.
Muitas atividades inerentes à cultura indígena envolvem o uso de recursos provenientes da
fauna ameaçada, como a caça de subsistência, o artesanato, os rituais e atividades recreativas,
dentre outras. Estas atividades, quando realizadas de forma manejada e monitorada, não devem
constituir risco real à fauna ameaçada que, no caso do CEB, possui ocorrência restrita aos
poucos fragmentos florestais da região. Portanto, todas as propostas de manejo relacionadas
a espécies devem priorizar o respeito à cultura e às tradições indígenas e, ao mesmo tempo,
utilizar de diálogo para que os indígenas sejam parceiros e protagonistas nas ações voltadas
à sua conservação. Assim, deve-se, também, levar em conta formas de manejo intrínsecas à
cultura indígena que porventura possam estar sendo praticadas de forma tradicional, buscando
alternativas para os casos em que as espécies estejam correndo risco real de desaparecer
na área, sempre visando à sustentabilidade desses recursos, ou seja, à garantia de sua
disponibilidade para as gerações presentes e futuras.
Considerando a dificuldade em realizar levantamentos de campo detalhados na
Amazônia, que envolvam pesquisadores especialistas nos diversos grupos da fauna e da flora
e, principalmente, como forma de valorizar o saber indígena, sensibilizando-os e aproximando-
os das questões relativas à conservação de suas terras, os etnolevantamentos tornam-se
instrumentos importantes para coleta de dados junto aos povos indígenas, tendo sido aplicado
no presente estudo.

2. OBJETIVO GERAL
O objetivo geral deste estudo foi realizar um levantamento etnobiológico junto aos
indígenas da TIARG, a fim de obter a indicação de ocorrência, na terra indígena, de espécies
da fauna que se encontram ameaçadas de extinção de acordo com a lista do Estado do Pará
(SEMA, 2008), principalmente para aquelas que ainda não foram registradas em estudos de
campo realizados na área ou em seu entorno.

2.1. Objetivos Específicos

• Investigar a ocorrência de 41 espécies ameaçadas de extinção no Estado do Pará


(SEMA, 2008) que possuem área de distribuição que compreende, no todo ou em parte,
o CEB;
• Capacitar indígenas para a aplicação, junto à comunidade, de formulários contendo
perguntas específicas sobre a ocorrência dessas espécies ameaçadas na terra indígena;
• Realizar, sempre que possível, durante os trabalhos de campo, observações sobre as
313

espécies em questão, incluindo: registro visual e auditivo em seus habitats naturais ou


com base em evidências indiretas (fezes, pegadas, penas, etc.); registro de animais ou
partes de animais caçados pelos indígenas para servir à alimentação, artesanato e outros
usos; e registro de exemplares criados como animais de estimação pelos indígenas;
• Iniciar um trabalho de sensibilização junto aos Tembé com relação às ameaças à fauna,
com vistas a torná-los parceiros nas ações voltadas a evitar sua extinção;
• Recomendar estratégias de conservação para as espécies ameaçadas presentes na
TIARG.

3. METODOLOGIA
3.1. Seleção das Espécies Alvo

Inicialmente, foi feito um levantamento bibliográfico a fim de compilar informações


publicadas sobre: o CEB e a TIARG; a metodologia para aplicação de estudos etnobiológicos
em terras indígenas; e as espécies ameaçadas de extinção com probabilidade de ocorrer na
área. No caso do levantamento sobre o CEB e a TIARG, foram considerados os trabalhos
que disponibilizavam informações sobre as características gerais da área estudada e, mais
especificamente, sobre a cobertura vegetal e sobre a fauna terrestre (artrópodes, herpetofauna,
mastofauna e avifauna) e aquática (peixes e mamíferos aquáticos ou semiaquáticos) registrada
ou esperada para ocorrer na área e que, obrigatoriamente, faça parte da Lista Vermelha do
Pará (SEMA, 2008).

A ocorrência das espécies ameaçadas no CEB foi prevista com base em mapas de
distribuição das espécies ameaçadas no Pará, contidos em Albernaz e Ávila-Pires (2009). No
total, foram investigadas 41 espécies, sendo que três encontram-se “Criticamente em Perigo”
(7,3%), 22 (53,7%) “Em Perigo” e 16 (39%) espécies estão na categoria “Vulnerável”. Entre
essas espécies, estão incluídas aranhas, borboletas, anfíbios, répteis, aves e mamíferos. No
caso dos peixes, ausentes na investigação, há apenas seis espécies ameaçadas de água
doce, com área de distribuição na bacia do rio Tocantins, limite leste do CEB. Porém, elas
estão restritas a esta bacia (SILVEIRA; STRAUBE, 2008), não havendo registros em outras
partes deste centro de endemismo. Portanto, não têm ocorrência prevista para a sub-bacia
hidrográfica do rio Gurupi, onde a TIARG está inserida, e não foram incluídas na análise. São
elas: Aguarunichthys tocantinsensis, Sartor tucuruiense, Crenicichla cyclostoma, Crenicichla
jegui, Teleocichla cinderella e Mylesinus paucisquamatus. O peixe-boi-amazônico (Trichecus
inunguis), mamífero aquático de água doce, ocorre no CEB, mas não tem ocorrência esperada
para os rios que abastecem a TIARG. Contudo, mantivemos esta espécie na investigação a fim
de testar a sensibilidade dos indígenas na indicação da ocorrência das espécies ameaçadas
na terra indígena.
314

3.2. Coleta de Dados na TIARG

Os trabalhos de campo para coleta de dados foram realizados entre os dias 26/09 e
06/10/2012 e entre 12 e 18/11/2012. Como a região do rio Gurupi, ao sul da TIARG, é a
que concentra as florestas mais preservadas da terra indígena, o levantamento de campo foi
realizado apenas junto às comunidades desta porção da terra indígena, já que, devido ao grau
de degradação ambiental observado ao norte da TIARG, na região do Guamá, presume-se
que a maior parte das espécies ameaçadas já esteja localmente extinta. Foram entrevistados
informantes indígenas, a maioria com idade superior a 30 anos, residentes nas seguintes
aldeias da região do Gurupi: Wahutyw, Cajueiro, Suçuarana, Teko Haw, Anoirá, Ikatu, Canindé
e Cocalzinho (ver Figura 56, Capítulo 5 - Meio Físico).

3.3. Capacitação dos Pesquisadores Indígenas

Durante o período em que a equipe esteve na TIARG, foram realizadas três oficinas
direcionadas aos indígenas, a fim de capacitá-los para a realização do etnolevantamento
das espécies ameaçadas. Todas as oficinas apresentaram conteúdo teórico e prático: (1)
Oficina de Introdução à Cartografia; (2) Oficina para Elaboração do Mapa das Árvores e da
Fauna Ameaçada; e (3) Oficina sobre Espécies Ameaçadas e Treinamento para Aplicação
de Questionários por Pesquisadores Indígenas. As oficinas foram abertas aos indígenas que
manifestassem interesse em participar, sendo especialmente focadas nas famílias que recebiam
a “Bolsa Guardiões da Floresta”, fornecida pela SEMA-PA no ano de 2013. As oficinas foram
organizadas em três ciclos e realizadas em três aldeias da região sul da TIARG (Cajueiro, Teko
Haw e Canindé), contando, também, com a participação de indígenas de aldeias próximas.
No “Polo” Cajueiro, participaram representantes das aldeias Cajueiro, Suçuarana, Wahutyw e
Piahú; no “Polo” Teko Haw, representantes das aldeias Teko Haw, Faveiro e Anoirá; e no “Polo”
Canindé, representantes das aldeias Canindé, Cocalzinho, Ikatu e Bate Vento.

3.4. Seleção dos Pesquisadores Indígenas e Aplicação dos Questionários

A seleção dos pesquisadores indígenas que iriam aplicar os questionários foi feita
com base no critério de escolaridade, sendo necessário, no mínimo, o ensino fundamental
completo. Os questionários consistiam em perguntas relacionadas às 41 espécies ameaçadas
de extinção que possuem área de ocorrência prevista para o CEB (ALBERNAZ; ÁVILA-PIRES,
2009) e, portanto, possível ocorrência na TIARG. Buscou-se levantar, com base na experiência
individual dos entrevistados, a indicação de ocorrência das espécies ameaçadas, assim como
parâmetros populacionais que permitissem inferir sobre os processos de ameaça e persistência
das espécies na área de estudo.

Cada questionário foi aplicado pelo entrevistador a um entrevistado. As perguntas impressas


foram entregues aos entrevistadores juntamente com pranchas coloridas contendo imagens das
espécies ameaçadas com ocorrência prevista para o CEB. Foi recomendado aos entrevistadores
315

que selecionassem entrevistados que possuíssem bastante experiência e vivência em atividades


relacionadas à fauna, como a caça de subsistência. Outra recomendação foi que evitassem
entrevistar parentes próximos ou da mesma família, a fim de reduzir o viés dos questionários
por força da autocorrelação parental, ou seja, a tendência, entre familiares, de compartilhar
experiências pessoais de maneira mais frequente do que o esperado ao acaso.

3.5. Registros Fotográficos e Evidências Diretas e Indiretas

A fim de complementar as informações obtidas através dos questionários, procuramos,


sempre que possível, investigar outras formas de evidências diretas e indiretas sobre a presença
das espécies ameaças na área de estudo: observação aleatória em diferentes ambientes,
utilizando binóculo; captura de imagens fotográficas de exemplares da fauna ameaçada ou de
seus vestígios, utilizando câmera fotográfica digital; registro de espécies caçadas diariamente
para a subsistência dos indígenas nas aldeias onde a equipe ficou alojada (“aldeias-polo”);
registro de evidências indiretas da presença de espécies ameaçadas, como pegadas, fezes,
penas, pelos, carcaças, etc., os quais foram identificados com auxílio de literatura especializada
(BECKER; DALPONTE, 1999). Estes dados foram utilizados apenas como forma de reforçar o
registro da presença das espécies na área, mas não foram utilizados nas análises estatísticas.

3.6. Análises Estatísticas

Todas as informações dos questionários foram sumarizadas em uma matriz de presença/


ausência de espécies, na qual as linhas correspondiam aos entrevistados (unidades amostrais)
e as colunas às espécies ameaçadas. Foi calculada a prevalência das espécies, ou seja,
quantas vezes elas foram citadas como presentes dentro do universo amostral, dividido pelo
número total de entrevistados. O valor da prevalência foi assumido como variável resposta de
todas as análises que se seguiram. Aceitou-se o pressuposto de que esses valores possuem
um padrão e estes se desviam significativamente de um resultado esperado ao acaso.

Para uma análise exploratória inicial, foram reunidos os valores de prevalência de todas as
espécies ameaçadas e calculou-se a frequência com que eles apareceram. Assim, foi possível
ter uma ideia geral da variação da prevalência sobre o conjunto das espécies.

Foi realizada uma Análise de Variância com aplicação do teste não paramétrico de Kruskal-
Wallis a fim de testar se os diferentes grupos biológicos aos quais pertencem as espécies
ameaçadas investigadas (invertebrados; anfíbios e répteis; aves; e mamíferos) são capazes
de predizer os diferentes valores de prevalência. Da mesma forma, o teste foi aplicado para
comparar as categorias de ameaça: Vulnerável, Em Perigo e Criticamente Ameaçada. Para
ambas as análises, quando p<0,05, complementou-se o teste com o exame das diferenças
entre as médias amostrais, utilizando o método de Dunn.
316

4. RESULTADOS
4.1. Estatísticas dos Questionários

A maioria das 41 espécies da fauna ameaçada investigadas neste estudo apresentou


altos valores de prevalência entre os entrevistados, indicando uma grande probabilidade de
ocorrerem na área da TIARG. Vinte e quatro espécies (58,5%) apresentaram valores entre
0.9 e 1.0. Se acrescentarmos as espécies com valor de prevalência entre 0.8 e 0.9, temos
33 espécies (80,5%) representadas (Figura 125; Apêndice 11). Este é um resultado bastante
expressivo, já que o grupo amostral de entrevistados é bastante heterogêneo.

Embora os entrevistados residam na mesma terra indígena, a probabilidade dos valores


de alta prevalência serem fruto do acaso é muito pequena, de modo que assumimos que cada
indivíduo possui experiências e vivências únicas de contatos com esses animais ameaçados de
extinção. Na prática, isso significa que tais espécies possuem uma grande chance de ocorrer ou
ter ocorrido na área, assumindo, ainda, o pressuposto de que as respostas dos entrevistados
são independentes entre si.

30

25
Frequência Absoluta

20

15

10

0
0 0.1 0.2 0.3 0.4 0.5 0.6 0.7 0.8 0.9 1

Prevalência

Figura 125 – Histograma de prevalência, entre os entrevistados, da presença de


todas as espécies ameaçadas de extinção com ocorrência potencial para a TIARG.

Quando as amostras foram classificadas de acordo com o grupo taxonômico (Figura 126),
a variância entre os tratamentos foi estatisticamente significativa (H=9.1206; p=0.0277), havendo
diferença entre o grupo dos invertebrados e o de aves (p<0,05). O grupo de Invertebrados
apresentou, conjuntamente, os maiores valores de prevalência, com o menor nível de variação.
Isso poderia ser explicado pela possibilidade dos entrevistados confundirem as espécies no
momento da identificação (e.g. diferentes espécies de aracnídeos são caracterizados apenas
como “aranhas”). Por outro lado, o grupo de aves incluiu algumas espécies com índices de
prevalência mais baixos e outras que não foram reconhecidas pela maioria dos indígenas
entrevistados, como a arara-azul (Anodorhynchus hyacinthinus), o mineirinho (Caritospiza
317

eucosma) e o joão-teneném-castanho (Synallaxis rutilans omissa), muito embora esta última


possua grande probabilidade de ocorrer na terra indígena (ver adiante). Considerando-se a
relação entre os valores de prevalência e as três categorias de ameaça (Criticamente Ameaçada,
Em Perigo e Vulnerável), não há diferença significativa entre os tratamentos (H=0.0; p=1.000).

CR EN VU

Figura 126 – Valores de prevalência em função do grupo taxonômico (gráfico à esquerda), com indicação
das categorias de ameaça das espécies (gráfico à direita). INV: Invertebrados; PEI: Peixes; ANF/REP:
Anfíbios e Répteis; AVE: Aves; MAM: Mamíferos. A: Invertebrados; B: Anfíbio e Répteis; C: Aves; D:
Mamíferos. CR: Criticamente Ameaçado; EN: Em Perigo; VU: Vulnerável.

Entre as espécies que apresentaram os menores índices de prevalência, observa-se que


apenas cinco (12,2%) apresentaram valores abaixo de 0,4:

1) salamandra (Bolitoglossa paraensis; valor de prevalência - 0,152): é endêmica do


bioma Amazônia, cujos registros, embora localmente comuns, estão restritos a
três fragmentos inseridos em uma matriz de área muito desmatada, situada a leste
da cidade de Belém, capital do estado do Pará, também localizada no CEB. Sua
extensão de ocorrência restrita, calculada em apenas 373,2 km² (ICMBio, 2014),
aliada ao baixo valor de prevalência entre os indígenas, nos permite afirmar que
ela muito provavelmente não ocorra na TIARG. A área de distribuição confirmada
para a espécie sofre declínio contínuo da qualidade de hábitat em decorrência do
desmatamento e, por essa razão, B. paraensis foi categorizada como Em perigo na
lista de espécies ameaçadas do MMA (2014). Na lista do Pará (SEMA, 2008) ainda
é tratada como Vulnerável e, por isso, sugere-se a revisão no status de ameaça da
espécie, elevando a sua categoria de acordo com a lista nacional.

2) arara-azul (Anodorhynchus hyacinthinus; valor de prevalência - 0,217): espécie que


possui um único registro histórico no CEB, no ano de 1870, numa mata de terra
firme localizada nos arredores de Belém (MOURA et al., 2014). Foi apontada como
presente na TIARG apenas pelos indígenas mais idosos. Não se pode afirmar se,
no passado, ela de fato existiu na área da terra indígena ou se a referência que os
indígenas têm dela são de outras partes da Amazônia;
318

3) joão-teneném-castanho (Synallaxis rutilans omissa; valor de prevalência - 0,370): é


um pássaro pequeno, de plumagem escura e inconspícua, que habita o estrato baixo
do sub-bosque de matas densas. Sua ocorrência foi confirmada por especialistas
numa mata contígua à TIARG (VALENTE, 2011; ver também o capítulo da Avifaiuna,
neste livro) e, portanto, provavelmente também ocorre na terra indígena, já que tem
distribuição geográfica que compreende todo o CEB (ALBERNAZ; ÁVILA-PIRES,
2009). A baixa prevalência entre os entrevistados deve estar relacionada com o
comportamento “reservado” da espécie, com sua plumagem pouco chamativa e com
o tipo de hábitat que ocupa. Além disso, não é uma das espécies utilizadas pelos
indígenas na alimentação, rituais ou artesanato;

4) mineirinho (Charitospiza eucosma; valor de prevalência - 0,370): esta espécie habita


áreas abertas e possui características da plumagem que, teoricamente, poderiam
diferenciá-la mais facilmente de outras espécies. De acordo com a literatura científica,
não há espécies similares que também ocorram em sua área de distribuição (RIDGELY;
TUDOR, 1989). Porém, é possível que os poucos indígenas que a apontaram como
existente na TIARG tenham relacionado a imagem apresentada nas pranchas com
alguma outra espécie que lhes seja familiar, já que, até o momento, seus registros de
ocorrência não incluem a TIARG ou áreas próximas, localizadas no CEB (PORTES
et al., 2011; VALENTE, 2011; LEES et al., 2012);

5) peixe-boi-amazônico (Trichechus inunguis; valor de prevalência - 0,152): é uma


espécie familiar para a maioria dos indígenas da TIARG, mas não tem ocorrência
prevista para os rios que abastecem a Terra Indígena, embora ocorra em outras
bacias hidrográficas do CEB. A baixa prevalência entre os entrevistados confirma sua
ausência na TIARG e nos dá um indicativo de que o método de investigação pode
ter sido eficiente, pois, embora seja conhecida dos indígenas, poucos deles (sete de
um universo de 45) apontaram sua ocorrência para a área em estudo.

Cabe destacar duas espécies de aves que apresentaram valores intermediários de


prevalência entre os indígenas (acima de 0,4 e abaixo de 0,7):

• O arapaçu-canela-de-Belém (Dendrexetastes rufigula paraensis), é um dos maiores


representantes da família Dendrocolaptidae (cerca de 27 cm) e possui distribuição restrita
ao CEB, mas deixou de ser registrado em levantamentos científicos realizados em diversas
localidades deste centro de endemismo entre os anos de 1959 e 2005, quando foi registrado
na margem esquerda do rio Tocantins, próximo ao reservatório da usina de Tucuruí, por S.
Dantas (PORTES et al., 2011). Mais recentemente, Lees et al. (2012) fizeram vários registros
da espécie em matas primárias localizadas no município de Paragominas. Por isso, embora
não tenha sido documentada no levantamento rápido feito por ornitólogos na TIARG (ver
Capítulo 6.3 - Avifauna, neste livro), é possível que a espécie de fato ocorra nesta área. Quanto
à identificação feita pelos indígenas que a apontaram como presente na TIARG, deve-se
considerar que D. rufigula paraensis possui plumagem e hábitos muito semelhantes a outros
arapaçus ameaçados investigados neste estudo (Dendrocincla merula badia, Deconychura
longicauda zimmeri e Dendrocolaptes medius), sendo difícil a distinção entre as espécies por
319

meio de pranchas, como na metodologia aqui utilizada. Isto não quer dizer que as espécies
não ocorram na área, mas as sutis diferenças entre elas podem não ter sido suficientemente
evidenciadas nas pranchas que compuseram os questionários e, portanto, é possível que os
indígenas, ao apontarem a presença desses arapaçus na TIARG, não estivessem distinguindo
uma a uma as espécies, mas identificando todas como “arapaçu”. De qualquer maneira,
cumpre ressaltar que justamente D. rufigula paraensis foi o arapaçu que teve o menor valor
de prevalência entre os entrevistados (as demais tiveram valores entre 0,8 e 0,9);

• O papinho-amarelo (Piprites chloris griseicens), assim como os arapaçus investigados


neste trabalho, é característico do sub-bosque de florestas densas, possui plumagem e hábitos
inconspícuos e não costuma ser utilizado no dia a dia dos indígenas. Essas peculiaridades
podem ter contribuído para o fato da espécie ter tido um valor de prevalência intermediário
entre os indígenas.
Considerando que a identificação de espécies foi baseada principalmente na observação
de pranchas, é importante que sejam empreendidos esforços para realizar levantamentos de
campo na TIARG, a fim de confirmar a ocorrência de algumas espécies que não costumam ser
utilizadas pelos indígenas e que, embora apresentem um valor de prevalência alto entre eles
e tenham ocorrência prevista para o CEB, não foram registradas em levantamentos científicos
realizados em localidades próximas à terra indígena, principalmente aquelas que podem ser
mais facilmente confundidas, como é o caso do lagarto Colobosaura modesta. As espécies de
invertebrados, principalmente de aranhas, também precisam ser mais bem investigadas, pois
podem ser facilmente confundidas.

4.2. Registros de Ocorrência e Evidências Indiretas

Durante as campanhas de campo foram registradas diversas espécies que foram caçadas
pelos indígenas ou que estavam sendo criadas como animais de estimação. Entre estas últimas,
foram observadas algumas ameaçadas de extinção, como um indivíduo jovem de cuxiú-preto,
Chiropotes satanas (criticamente ameaçado), na aldeia Suçuarana; e um exemplar da ararajuba,
Guarouba guarouba (Vulnerável), na aldeia Cajueiro (Figura 127).
Na Aldeia Anoirá foi registrado um espécime de jacamim-de-costas-escuras (Psophia
obscura), criado para servir à alimentação dos indígenas, além de penas do mutum-de-penacho,
Crax fasciolata pinima, utilizadas na fabricação de flechas (Figura 127). Ambas as espécies
estão classificadas na categoria “Em Perigo” de ameaça de acordo com a lista do Pará (SEMA,
2008). Porém, passaram a ser tratadas como criticamente ameaçadas na lista nacional (MMA,
2014), o que reforça a necessidade de haver uma revisão da lista estadual.
Além dessas espécies, também foram visualizadas pegadas da onça-pintada (Panthera
onca) nas proximidades da aldeia Teko Haw. Outras duas espécies que não estão na Lista
Vermelha do Pará, mas que estão enquadradas na categoria “Vulnerável” da lista nacional são
comumente caçadas pelos indígenas: o porco-queixada ou porcão (Tayassu pecari), do qual
observamos a carne de um animal que havia sido recentemente abatido pelos indígenas, bem
como um casal de filhotes domesticados na aldeia Cajueiro; e a anta (Tapirus terrestris), da
qual também observamos a carne de um animal caçado pelos indígenas.
320

Figura 127 – Espécies ameaçadas de extinção criadas como animais de estimação na TIARG: A:
indivíduo jovem do cuxiú-preto (Chiropotes satanas), criticamente ameaçado; B: exemplar da ararajuba
(Guaruba guarouba), classificada na categoria “Vulnerável” de ameaça; C: exemplar do jacamim-de-
costas-escuras (Psophia obscura), classificado como “Em Perigo”. D: penas do mutum-de-penacho
(Crax fasciolata pinima) utilizadas na fabricação de flechas, também classificado como “Em Perigo”.

5. CONCLUSÕES
• Com base em estudos de campo e na análise das informações disponíveis na literatura
científica, presume-se que, das 41 espécies investigadas neste estudo, pelo menos
quatro não ocorrem na TIARG (Bolitoglossa paraensis, Anodorhynchus hyacinthinus,
Caritospiza eucosma e Trichechus inunguis). Estas espécies também tiveram valores
de prevalência mais baixos entre os indígenas entrevistados. Por outro lado, outras 37
espécies ameaçadas no Estado do Pará possivelmente ocorrem na Terra Indígena,
algumas delas já confirmadas para a área. Pode-se afirmar, com base em levantamentos
rápidos realizados na TIARG, cujos resultados são apresentados em capítulos deste
livro, que sete espécies de aves e quatro de mamíferos ameaçados de extinção, de
acordo com a lista do Pará (SEMA, 2008), foram registrados direta ou indiretamente
por especialistas (excluindo-se os registros obtidos com base em estrevistas com
indígenas) e, portanto, possuem ocorrência confirmada para a TIARG. Além disso,
uma espécie de réptil (Stenocercus dumerilii) e 11 espécies de aves têm registros
confirmados para a área de entorno, indicando que provavelmente também ocorrem
na TIARG. Três espécies de mamíferos possuem distribuição ampla no CEB e
receberam valores de prevalência superior a 0,9 entre os indígenas, indicando que
321

também devem ocorrer na terra indígena: o tamanduá-bandeira (Myrmecophaga


tridactyla), o tatu-canastra (Priodontes maximus) e a suçuarana (Puma concolor).
Esta indicação foi confirmada pelo estudo da mastofauna (ver o próximo capítulo).
As espécies ameaçadas do grupo de invertebrados e de anfíbios/répteis precisam
ser mais bem estudadas para que se possa confirmar sua presença na TIARG.
• De fato, apenas trabalhos de campo mais extensos e detalhados podem fornecer
argumentos seguros sobre a presença de espécies ameaçadas de extinção que ainda
não foram registradas na área da TIARG, mas o etnolevantamento realizado dá um
indicativo sobre a presença de um número considerável de espécies ameaçadas de
extinção, sendo que mais de 80% das espécies investigadas apresentaram alto valor
de prevalência entre os indígenas, entre 0,8 e 0,9.
• A presença confirmada de espécies criticamente ameaçadas na terra indígena, como
os macacos caiarara (Cebus kaapori) e o cuxiú (Chiropotes satanas), e de outras
que provavelmente terão seu status de conservação alterado para criticamente
ameaçadas após realização da revisão na lista do Pará, como o mutum-de-penacho
(Crax fasciolata pinima) e o jacamim-de-costas-escuras (Psophia obscura), reforça
a extrema importância que as florestas remanescentes da região do Gurupi exercem
para a conservação da biodiversidade no CEB e a urgência de implementar medidas
protetivas que visem coibir as atividades ilegais de exploração de madeira e de caça
e pesca por invasores, que continuam ocorrendo de forma intensiva na área.
• Embora a TIARG sofra com grande pressão antrópica, ocasionada, principalmente,
pelo desmatamento e exploração ilegal de madeira, ela ainda possui papel chave em
um contexto regional, pois é um dos poucos remanescentes florestais existentes no
CEB a abrigar populações potencialmente viáveis de espécies ameaçadas de extinção.

6. RECOMENDAÇÕES
São recomendadas as seguintes ações para a TIARG:
• Realizar levantamentos de campo conduzidos por especialistas nos diversos grupos
da fauna para identificação e confirmação da presença das espécies ameaçadas que
ainda não tenham sido registradas em estudos anteriores realizados na terra indígena;
• Incluir, entre os grupos a serem inventariados na TIARG, invertebrados, peixes e
répteis, a fim de investigar a presença de espécies ameaçadas entre esses grupos;
• Realizar estudos que avaliem o status de conservação das espécies ameaçadas que
ocorrem na TIARG e investigar os tipos de uso que os indígenas dão a elas;
• Identificar e reforçar possíveis estratégias de manejo de espécies aplicadas pelos
próprios indígenas na TIARG e propor medidas complementares;
• Desenvolver programas de monitoramento e manejo sustentável das espécies animais
utilizadas pelos indígenas;
• Estabelecer parcerias entre as instituições governamentais e não governamentais
322

e as representações indígenas da TIARG, a fim de planejar e pôr em prática ações


que assegurem a conservação das espécies ameaçadas existentes na área, como:
• Realização de projetos de pesquisa por instituições especializadas para estudos
populacionais e ecológicos sobre as espécies ameaçadas existentes na área;
• Implementação de projetos de reflorestamento de áreas degradadas existentes na
TIARG, resultado de ações ilegais de madeireiros, pecuaristas, agricultores e posseiros;
• Implementar a criação de um Mosaico de Áreas Protegidas que inclui cinco terras
indígenas e uma unidade de conservação de proteção integral situadas na divisa do
Pará com o Maranhão, formando o único grande contínuo florestal existente no CEB.
Esta ação é uma medida estratégica necessária para favorecer a proteção e a gestão
integrada dessas áreas que se encontram sob forte ameaça, tanto cultural quanto
ambiental, e deve ser conduzida pelo Governo Federal, em parceria com instituições
governamentais e de pesquisa no Pará e no Maranhão.

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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in the Belém area of endemism, with notes on some range extensions and the conservation
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RIDGELY, R.S.; TUDOR, G. The birds of South America. The Oscines Passerines. Austin:
University of Texas, v. 1, 1989. 596p.
SEMA – Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Pará. Lista das espécies da flora e da
fauna ameaçadas de extinção do estado do Pará. Decreto nº 802, de 20/02/2008. Belém,
PA, 2008.
SILVA, J. M. C.; RYLANDS, A. B.; FONSECA, G. A. B. O destino das áreas de endemismo na
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SILVEIRA, L. F.; STRAUBE, F. C. Aves ameaçadas de extinção no Brasil. In: MACHADO, M.
A. B.; DRUMMOND, M.; PAGLIA, A. P. (Eds.). Livro vermelho da fauna brasileira ameaçada
de extinção. Vol. II., 1. ed. Brasília, DF: MMA; Belo Horizonte, MG: Fundação Biodiversitas,
2008. 1420 p.
VALENTE, R.M. Diagnóstico da integridade ecológica de fragmentos florestais localizados
no entorno da Terra Indígena Alto Rio Guamá, município de Viseu, nordeste do Pará:
Avaliação para a criação de uma unidade de conservação. Relatório Técnico. Belém: SEMA/
GIZ, 2011.
324

Apêndice 11– Lista de espécies ameaçadas de extinção do Estado do Pará (SEMA, 2008) que possuem área de distribuição que abrange o Centro de Endemismo Belém
(CEB); suas categorias de ameaça; e índices de prevalência entre os indígenas entrevistados.

Categoria de Valor de
Grupo Espécie Nome Comum Prevalência Registros na TIARG ou entorno
Ameaça

Arachinida Avicularia ancylochira aranha-caranguejeira EN 0,978 -

Arachinida Taczanowskia trilobata aranha-boleadeira VU 0,870 -

Arachinida Rubrepeira rubronigra aranha-rubro-negra VU 0,935 -

Arachinida Abapeba echinus aranhuta, aranha VU 0,978 -

Lepidoptera Parides klagesi borboleta EN 0,978 -

Lepidoptera Parides panthonus aglaope borboleta VU 0,957 -


Lepidoptera Agrias claudina borboleta EN 0,978 -
rg. apenas nos arredores de Belém: (Fonte: ICMBio.
Anfibia Bolitoglossa paraensis salamandra VU 0,152 Disponível em: http://www.icmbio.gov.br/portal/
faunabrasileira/lista-de-especies)

rg. no entorno (Fonte: ICMBio. Disponível em: http://www.


Reptilia Stenocercus dumerilii lagarto EN 0,978
icmbio.gov.br/portal/faunabrasileira/lista-de-especies)

Reptilia Colobosaura modesta lagarto VU 0,957 -


Reptilia Uromacerina ricardinii cobra-cipó VU 0,957 -
cf. na TIARG: (1) penas das asas, penacho e bico de
Aves Crax fasciolata pinima mutum-de-penacho EN 0,957 animais caçados; (2) canto (capítulo da Avifauna, neste
livro)
jacamim-de-costas- cf. na TIARG: (1) animal de estimação; (2) canto (capítulo
Aves Psophia obscura⁴ EN 0,935
escuras da Avifauna, neste livro)
Threnetes leucurus balança-rabo-de- cf. na TIARG: observação e canto (capítulo da avifauna,
Aves EN 0,957
medianus garganta-preta neste livro)
Pteroglossus bitorquatus araçari-de-pescoço-
Aves EN 0,957 rg. no entorno: LEES et al., 2012; PORTES et al., 2011
bitorquatus vermelho
pica-pau-dourado-de-
Aves Piculus paraensis⁷ EN 0,870 rg. no entorno: LEES et al., 2012; PORTES et al., 2011
Belém
Categoria de Valor de
Grupo Espécie Nome Comum Prevalência Registros na TIARG ou entorno
Ameaça
Celeus torquatus
Aves pica-pau-de-coleira EN 0,891 rg. no entorno: LEES et al., 2012; PORTES et al., 2011
pieteroyensi
Anodorhynchus
Aves arara-azul VU 0,217 -
hyacinthinus
Aves Primolius maracana⁵ maracanã VU 0,957 -
cf. na TIARG: observação, canto e animal de estimação
Aves Guaruba guarouba ararajuba VU 0,978
(capítulo da avifauna, neste livro)

rg. em mata contígua à TIARG: observação e canto


Aves Pyrrhura coerulescens6 tiriba-pérola EN 0,935
(capítulo da avifauna, neste livro; VALENTE, 2011)

Thamnophilus aethiops cf. na TIARG: observação e canto (capítulo da avifauna,


Aves choca-lisa EN 0,717
incertus neste livro)

Phlegopsis nigromaculata mãe-de-taoca- rg. em mata contígua à TIARG: canto (capítulo da avifauna,
Aves EN 0,826
paraensis pintada neste livro; VALENTE, 2011)
cf. na TIARG: observação e canto (capítulo da avifauna,
Aves Dendrocincla merula badia arapaçu-da-taoca EN 0,826
neste livro)
Deconychura longicauda
Aves arapaçu-rabudo EN 0,826 rg. no entorno: LEES et al., 2012; PORTES et al., 2011
zimmeri
Dendrexetastes rufigula arapaçu-canela-de-
Aves EN 0,696 rg. no entorno: LEES et al., 2012
paraensis Belém

arapaçu-barrado-do- cf. na TIARG: observação e canto (capítulo da avifauna,


Aves Dendrocolaptes medius8 EN 0,870
leste neste livro)

joão-tenenem- rg. em mata contígua à TIARG: canto (capítulo da avifauna,


Aves Synallaxis rutilans omissa EN 0,370
castanho neste livro)
rg. no entorno: LEES et al., 2012; PORTES et al., 2011
Aves Piprites chloris griseicens papinho-amarelo EN 0,609
Tolmomyias assimilis bico-chato-da-copa-
Aves EN 0,957 rg. no entorno: LEES et al., 2012; PORTES et al., 2011
paraensis paraense
Aves Tangara velia signata saíra-diamante EN 0,913 rg. no entorno: LEES et al., 2012; PORTES et al., 2011

Aves Charitospiza eucosma mineirinho VU 0,370 -


325
326

Categoria de Valor de
Grupo Espécie Nome Comum Prevalência Registros na TIARG ou entorno
Ameaça

Aves Sporophila maximiliani bicudo-verdadeiro CR 0,826 -

Mammalia Myrmecophaga tridactyla tamanduá-bandeira VU 0,935 ampla distribuição no CEB10 (IUCN11)

cf. na TIARG: animal de estimação (este estudo); (2)


Mammalia Chiropotes satanas cuxiú-preto CR 0,978
observação (capítulo da Mastofauna, neste livro)

cf. na TIARG: animal de estimação (equipe da SEMA –


Mammalia Cebus kaapori macaco-caiarara CR 0,870
2013)

Mammalia Priodontes maximus tatu-canastra VU 0,957 ampla distribuição no CEB10 (IUCN11)

Mammalia Trichechus inunguis peixe-boi-amazônico EN 0,152 -

Mammalia Puma concolor suçuarana VU 0,957 ampla distribuição no CEB10 (IUCN11)

cf. na TIARG: pegadas (este estudo); marcas em árvores


Mammalia Panthera onca onça-pintada VU 0,978
(capítulo da mastofauna, neste livro)

Mammalia Pteronura brasiliensis ariranha VU 0,978 -

¹Os nomes de espécie e os nomes comuns seguem a Lista de Espécies Ameaçadas de Extinção do Estado do Pará (SEMA, 2008), com exceção dos táxons de aves
que foram elevadas ao status de espécie, que seguem o CBRO (2015).
²Categoria de ameaça de acordo com SEMA (2008): CR – Criticamente Ameaçada; EN – Em Perigo; VU – Vulnerável.
³O Valor de Prevalência representa o número de vezes em que a espécie foi apontada pelos indígenas como presente na TIARG, calculado com base na relação entre
o número de indígenas que a apontaram e o número total de indígenas entrevistados (45);
⁴Ainda tratado como Psophia viridis obscura na lista do Pará (SEMA, 2008). Foi elevado ao status de espécie (OPPENHEIMER; SILVEIRA, 2009; RIBAS et al., 2012;
PIACENTINI et al., 2015).
⁵Ainda tratado como Propyrrhura maracana na lista do Pará (SEMA, 2008). Foi elevado ao status de espécie .
⁶Ainda tratado como Pyrrhura perlata lepida na lista do Pará (SEMA, 2008). Foi elevado ao status de espécie.
⁷Ainda tratado como Piculus chrysochloros paraensis na lista do Pará (SEMA, 2008). Foi elevado ao status de espécie (Del-Rio et al., 2013; CBRO, 2015).
⁸Ainda tratado como Dendrocolaptes certhia medius na lista do Pará (SEMA, 2008). Foi elevado ao status de espécies (CBRO 2015; complementar com outra referência)
⁹Ainda tratado como Oryzoborus maximiliani na lista do Pará (SEMA, 2008). Alterado para Sporophila maximiliani de acordo com o CBRO, 2015.
10
CEB = Centro de Endemismo Belém
11
Disponível em: http://www.iucnredlist.org/. Acesso em: 03/11/2016.
327

CAPÍTULO 8
MONITORAMENTO
POR RADAR DO
DESMATAMENTO NA
ÁREA CENTRAL DA TIARG

Dirk H. Hoekman
Claudia Maria Carneiro Kahwage
328
329

1. INTRODUÇÃO
A Terra Indígena Alto Rio Guamá é uma das dez áreas protegidas no Brasil com maior
perda percentual e absoluta de florestas originais e também está entre aquelas onde mais ocorre
a atividade ilegal de exploração de madeira (CARNEIRO FILHO; BRAGA, 2009; VERÍSSIMO
et al., 2011; 2012). Em função do histórico de invasões ocorridas na reserva, seu território
apresenta uma grande área central, entre os rios Piriá e Coraci-Paraná, que não se encontra
sobre o domínio dos indígenas (ver Figura 14, Capítulo 1 deste livro), estando ocupada por
colonos invasores que formaram vilas e povoados na região a partir da década de 70.
Uma pequena parte desta área foi reocupada pelos Tembé ao final de 2014, após a ordem
de despejo dada pela Justiça ao proprietário da Fazenda Irmãos Coragem, também conhecida
por Fazenda Mejer, instalada originalmente ao lado da TIARG, mas cujos domínios foram
expandidos irregularmente, em 9 mil hectares, para seu interior. A construção de uma estrada
por este fazendeiro intensificou a devastação na área, ocasionada tanto pelos invasores como
pela atividade ilegal de madeireiros, garimpeiros e até mesmo traficantes de drogas. Todas
essas atividades contribuíram para o desmatamento da terra indígena em sua região central.
Considerando a retomada da área da fazenda Mejer pelos indígenas, estes a apontaram,
durante a Oficina de Etnozoneamento da TIARG, como uma área a ser destinada à proteção
integral (Capítulo 9 – Etnozoneamento da TIARG).
Pela situação de grave conflito existente entre índios e invasores, que por vezes é armado,
não foi possível realizar a pesquisa de campo necessária ao zoneamento participativo na área
central da TIARG. Como alternativa, optou-se por realizar um monitoramento da situação do
desmatamento pela extração ilegal de madeira através da utilização da tecnologia de Radar, a
fim de obter informações mais precisas sobre sua situação atual e sobre os danos ambientais
causados pelos invasores.
Esta é a primeira iniciativa de monitoramento por Radar realizada em uma terra indígena
no Pará, talvez até mesmo na Amazônia. Esta tecnologia é bastante promissora para detectar
com precisão e eficácia atividades de desmatamento, degradação florestal e extração ilegal de
madeira, de modo que achamos oportuno e necessário oferecer, neste capítulo, uma seção com
informações precisas sobre as características do uso do radar e os principais sistemas usados
atualmente no planeta. Em outra seção elucidamos como funciona o sistema de monitoramento
de florestas por radar e descrevemos os mapas gerados sobre a TIARG. Na seção seguinte,
são discutidos alguns resultados do monitoramento por radar realizado na TIARG no ano de
2014, incluindo a comparação com mapas gerados pela utilização do sistema óptico. Por fim,
na última seção, apresentamos algumas perspectivas para a implementação operacional do
monitoramento por radar em grande escala no estado do Pará.

2. USO DO RADAR PARA MONITORAMENTO DO DESMATAMENTO E DA


DEGRADAÇÃO FLORESTAL
A detecção rápida do corte seletivo de madeira é essencial para combater o desmatamento
ilegal de florestas, bem como para inspecionar a exploração madeireira sustentável ou de
impacto reduzido. Governos, gestores florestais e outras partes interessadas precisam ter
330

acesso a informações precisas e detalhadas sobre as alterações florestais, as quais devem


ser disponibilizadas de forma rápida e confiável. Para que se possa implementar projetos de
Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD+) são necessários
sistemas que possam quantificar com precisão o desmatamento e a degradação das florestas.
O desmatamento é normalmente definido como a retirada permanente ou em longo prazo
da cobertura florestal e sua conversão para outra categoria não florestal de uso do solo, seja ela
intencional ou acidental (IPCC, 2000; GOFC-GOLD, 2015). Os critérios quantitativos para medir
a degradação florestal ainda se encontram em fase de discussão. Eles são definidos como a
perda, em longo prazo, dos estoques de carbono e dos valores florestais sem mudança no uso
da terra (IPCC). O desmatamento ilegal, as invasões e o desmatamento legal (sustentável) são
os principais fatores relacionados à degradação florestal. Esses processos são bem detectados
através de imagens de radar TerraSAR-X StripMap.
Há duas razões técnicas importantes para se optar pelo Radar. A primeira está relacionada
com a rápida penetração através das nuvens e com a independência em relação à luz do
dia. Apenas o radar garante que as informações sejam captadas em intervalos regulares pré-
definidos, principalmente em áreas com cobertura persistente de nuvens, como na maioria das
florestas tropicais. A segunda razão é a grande capacidade para detecção de mudanças. Nas
imagens de radar, os locais (assinaturas) das árvores cortadas permanecem detectáveis por
longos períodos de tempo, enquanto os mesmos locais nas imagens ópticas desaparecem
dentro de alguns meses devido ao crescimento da floresta.
As aplicações do sensoriamento orbital remoto por radar evoluíram bastante nas últimas
décadas. Isto pode ser atribuído à evolução de seus sensores, bem como às tecnologias espaciais,
à capacidade computacional, às técnicas de processamento de imagens e à compreensão
física da interação de ondas de radar com o terreno.
Em 1978, a NASA lançou o SEASAT, equipado com o primeiro sistema de Radar de
Abertura Sintética – SAR. Este radar usou o comprimento de onda em banda L de ± 25 cm.
Os comprimentos de onda de radares são muito maiores do que aqueles usados por sistemas
ópticos e possuem a capacidade de penetrar em nuvens, névoas e tempestades. Além do mais,
o radar é um sistema ativo, o que significa que ele possui sua própria fonte de iluminação e
não depende da luz solar. Isto resulta na capacidade única da imagem de radar (ou SAR) de
fazer observações a qualquer dia do ano, 24 horas por dia.
Além do radar em banda L, existem outros sistemas de radar com comprimentos de onda
menores, como os radares em banda C e banda X (Tabela 20). Quanto maior o comprimento
de onda, mais profundamente elas penetram no dossel da floresta. A reflectância do radar em
banda L é causada principalmente por troncos e galhos maiores, enquanto nos radares em
banda C e X, por folhas do dossel superior. Os sistemas de radar com comprimento de ondas
menores possuem resolução espacial maior. Portanto, o radar em banda L é mais adequado
para o monitoramento da cobertura florestal e da biomassa da floresta, enquanto o radar em
banda X detecta melhor as alterações no dossel da floresta no nível das árvores. Os sistemas
de radar também diferem quanto à polarização das ondas usadas. Existem sistemas com
polarização single, dual ou full (quad). Quanto mais polarizações, melhor a distinção entre
diferentes tipos de cobertura florestal.
331

Os satélites radar são projetados para certas aplicações pré-definidas. Algumas missões
principais dos satélites atualmente disponíveis são listadas na Tabela 20. Os sistemas japoneses
de radar em banda L PALSAR-1 e PALSAR-2 cobrem o planeta inteiro sistematicamente,
disponibilizando, assim, grandes arquivos para estudos da mudança da cobertura florestal
em escala continental e para estudos da dinâmica de zonas úmidas. Por exemplo, o estado
do Pará é coberto 3-6 vezes por ano numa resolução de 10 m. Esta resolução não é alta o
suficiente para detectar mudanças no nível das árvores e, portanto, a frequência de observação
não pode ser ampliada para alertas de monitoramento. A missão europeia Sentinal-1 utiliza
dois satélites idênticos para oferecer dados gratuitos com resolução de 25 m. Atualmente, a
Europa faz aquisições sistemáticas com um intervalo de observação de 12 dias. Este intervalo
será diminuído num futuro próximo para seis dias. Para a maioria dos demais locais do planeta,
a frequência de observação é muito menor, mas isto também deve melhorar nos próximos
anos. Os satélites em banda X TerraSAR-X e COSMO-SkyMed podem oferecer imagens com
resolução muito maior. Porém, cobrem áreas menores. Tais imagens são normalmente usadas
para cobrir áreas de interesse onde resoluções altas ou muito altas são exigidas.
Outras informações introdutórias sobre o uso dos radares para aplicações florestais
podem ser acessadas em GFOI, 2013; GOFC-GOLD, 2015; e LUCAS et al., 2012.

Tabela 20 – Sumário dos principais radares de Abertura Sintética (Synthetic Aperture Radar – SAR)
(anteriores, atuais e programados) e suas características.

Resolução Repetição
Satélites/ Período de
País Banda Comp. de Espacial Orbital
sensores Operação Espectral Onda1 (cm) Polarização (m) (dias)

ALOS/ Single, Dual,


Japão 2006-2011 L 23.6 10-100 46
PALSAR Quad

ALOS-2/ Single, Dual,


Japão 2014 L 23.8 1-100 14
PALSAR-2 Quad

Single, Dual,
Sentinel-1 Europa 2014 C 5.6 5-20 12
Quad

TerraSAR-X Alemanha 2007-2010 X 3.1 Single, Dual 1-16 11


TanDEM-X

COSMO- Itália 2007 X 3.1 Single, Dual 1-100 16


SkyMed

Programado
PAZ Espanha X 3.1 Single, Dual 1-16 11
2016

1
Comprimento de onda.

3. SISTEMA DE MONITORAMENTO DA TIARG BASEADO NO TERRASAR-X


3.1. A Escolha pelo Sistema TerraSAR-X

Para as aplicações que exigem alertas ao nível de árvore, como é o caso da TIARG, é
necessário que sejam utilizados radares de alta resolução. Além disso, aquisições repetitivas a
curtos intervalos e com custos acessíveis, devem ser possíveis. Isto limita a escolha a alguns
332

modos de operação específicos do TerraSAR-X e do COSMO-SkyMed. Para o TerraSAR-X


alemão, trata-se do modo ‘StripMap’ com polarização single (HH ou VV), que possui uma
resolução espacial de 3 m. Esta resolução é satisfatória e, ademais, grandes áreas de 30 km
de largura e comprimento acima de 1.650 km podem ser cobertas numa única imagem. Para
o sistema COSMO-SkyMed italiano, trata-se do modo Himage com polarização single (HH ou
VV), que também possui uma resolução espacial de 3 m. As imagens de radar adquiridas no
modo Himage cobrem uma área de 40 x 40 km.

O TerraSAR-X é operado em conjunto com os satélites idênticos TanDEM-X e PAZ (o


último será lançado em 2016). O COSMO-SkyMed é uma constelação de quatro satélites
idênticos. Com um total de sete satélites é possível cobrir, com frequência, áreas muito grandes
e, ao mesmo tempo, garantir o uso operacional e a continuidade em casos em que um desses
satélites venha a falhar

3.2. Método de Processamento e Mapeamento

Foi desenvolvida uma cadeia de processamento automatizada para séries temporais de


dados TerraSAR-X StripMap de polarização single. Cada vez que uma nova imagem TerraSAR-X
fica disponível, as alterações em relação às imagens anteriores são avaliadas e o sistema gera
dois novos produtos: produto Mapa de “Vigilância” e produto Mapa de “Degradação”, ambos
com um tamanho de pixel de 5 m. O Mapa de “Vigilância” pode ser usado para monitoramento
de alertas. Ele mostra assinaturas de árvores recentemente cortadas como grupos de pontos
vermelhos e turquesa. Os pontos vermelhos representam copas de árvores que desapareceram;
pontos turquesa as sombras de copas que desapareceram (Figuras 128). O produto “Degradação”
mostra o nível acumulado de perda de dossel (ou perda de árvore) para unidades de um hectare
desde o início da série histórica. Eles aparecem como quadrados em cinco cores diferentes,
indicando o nível de perturbação (Tabela 21; Figura 129). Ambos os tipos de mapas mostram
floresta e não floresta no início da série temporal, bem como novas áreas de clareiras. O
sistema corrige automaticamente as alterações no retroespalhamento da floresta que tenham
sido causadas por padrões de umidade e de atenuação de chuvas locais.
333

Figura 128 – A: as áreas verdes estão na linha de visão do radar e são iluminadas por ondas do radar.
As respostas (ou ecos do radar) geradas a partir dessas áreas iluminadas são gravadas por projeção na
direção de alcance (cinza claro). O intervalo de células sem áreas iluminadas mostram sombras do radar
(preto).B: a remoção de árvores muda o padrão das áreas iluminadas e das áreas de sombra do radar.
A remoção de uma copa de árvore geralmente provoca uma área de diminuição do retroespalhamento
(vermelho), enquanto a iluminação de uma área por trás da copa de uma árvore que anteriormente não
estava iluminada (área de sombra do radar) provoca aumento do retroespalhamento (turquesa).

3.3. Descrição dos 20 Mapas Gerados para a TIARG

As imagens podem ser adquiridas em intervalos pré-definidos. Como o ciclo de repetição


da órbita dos satélites é de 11 dias, esses intervalos devem ser múltiplos de 11. Para a área
da TIARG foram feitas 12 aquisições com intervalos de 33 dias. Assim, o ano de 2014 foi
inteiramente coberto (Tabela 22). As duas primeiras aquisições serviram para fazer um bom
mapa base do tipo floresta/não floresta e as outras 10 imagens para gerar mapas de alterações,
resultando em 10 mapas de Vigilância e 10 mapas de Degradação (Tabela 21).

Tabela 21 – Legenda dos mapas de Vigilância (V) e Degradação (D).

Mapas de Vigilância Mapas de Degradação


Floresta e Não Floresta
Não Floresta
Novos desmatamentos acumulados
Floresta
Mudanças no nível de árvore (a par-
Degradação acumulada por hectare
tir da aquisição anterior)
Remoção de árvores Nenhuma ou muito baixa
Desaparecimento de sombra de árvore
Baixa
devido à remoção da árvore
Média
Alta
Muito alta
334

Tabela 22 – Visão geral dos mapas e das séries de dados de radar da TIARG. Doze imagens de radar
foram adquiridas para o período de 16/12/2016 a 05/01/2015, resultando em 10 produtos de mudança
florestal no formato de Mapas de Vigilância e 10 produtos de mudança florestal no formato de Mapas
de Degradação.

Número da Imagem de Número do Mapa de Número do Mapa


Data de Aquisição TSX
Radar Vigilância de Degradação
R-1 16/12/2013 - -
R0 09/02/2014 - -
R1 14/03/2014 V1 D1
R2 16/04/2014 V2 D2
R3 19/05/2014 V3 D3
R4 21/06/2014 V4 D4
R5 24/07/2014 V5 D5
R6 26/08/2014 V6 D6
R7 28/09/2014 V7 D7
R8 31/10/2014 V8 D8
R9 03/12/2014 V9 D9
R10 05/01/2015 V10 D10

Como exemplo, quando os mapas V9 e V10 são comparados, fica claro que existe
exploração seletiva de madeira e que esta atividade avança para áreas adjacentes (Figura
129).O mapa de degradação mostra a perda acumulada de copa das árvores ocorrida durante
o período total de observação (isto é, desde 16/12/2016).

Figura 129 – Detalhes de mapas da TIARG. A: Mapa de Vigilância no V9 (03/12/2014); B: Mapa de


Vigilância no V10 (05/01/2015); e C: Mapa de Degradação no D10 (05/01/2015).

3.4. Aplicação em outras Áreas e Problemas de Precisão

Este tipo de análise também pode ser aplicado em outras áreas de floresta tropical. Uma
das áreas testadas foi a Concessão Harapan, na Sumatra, Indonésia. Um consórcio entre a
BirdLife Indonésia, a BirdLife International e a Inglesa Royal Society for the Protection of Birds
335

(RSPB) adquiriu os direitos para gerir a Floresta Harapan como um modelo para a restauração
florestal, a conservação da vida selvagem e o desenvolvimento local sustentável. Numa tentativa
de diminuir as invasões e a exploração madeireira ilegal, a RSPB decidiu usar o monitoramento
por satélite para alertas. Desde 2012 mais de 30 imagens TerraSAR-X foram adquiridas em
conjunto com dados óticos de satélite. A comparação entre os mapas floresta/não floresta
obtidos através dos dados RapidEye e LandSat permitiram a validação dos mapas TerraSAR-X.
Em áreas de alterações em grande escala, o Terra-SAR-X detecta 95,5% da nova área de não
floresta. Sessenta por cento das áreas que não são detectadas como novas não florestas são
classificadas como áreas degradadas pelo sistema de monitoramento TerraSAR-X. As pequenas
divergências encontradas normalmente desaparecem quando imagens TerraSAR-X adicionais
se tornam disponíveis. Em Harapan, o sistema de corte e queima ilegal é comum e, portanto, a
natureza da degradação é diferente da TIARG, onde a degradação está principalmente ligada
à exploração ilegal de madeira. Contudo, a ótima validação dos resultados de Harapan pode
ser um bom indicativo da alta precisão dos mapas também para a TIARG. Os resultados da
validação serão apresentados em breve (HOEKMAN et al., in prep.).

4. RESULTADOS DO MONITORAMENTO DA ÁREA CENTRAL DA TIARG NO


ANO DE 2014
4.1. Exploração Madeireira na Área Central da TIARG

A área central da TIARG está sujeita a uma exploração ilegal de mad­­eira em larga escala.
Isto pode ser claramente visualizado nos 10 mapas de Vigilância gerados para o ano de 2014
(Tabela 122). Um exemplo de área “hot-spot” é apresentado na Figura 130. Agrupamentos de
pontos vermelhos e turquesa podem ser delineados como áreas ativas de exploração ilegal de
madeira.Esses mapas de vigilância podem ser analisados automaticamente por meio de um
algoritmo para detectar assinaturas de corte de árvores e para estimar o número de árvores
cortadas (Tabela 23).

Figura 130. A: Detalhe do mapa de Vigilância V9: área de 4 x 3 km, localizada ao sul do rio Coraci-
Paraná. Não foi evidenciada exploração madeireira nesta área nos 33 dias de intervalo anteriores a
03/12/2014. B : Detalhe do mapa de Vigilância V10: a mesma área mostrada em “A” apresentou
exploração madeireira intensa nos 33 dias de intervalo anteriores a 05/01/2015.
336

Tabela 23 – Número de assinaturas de árvores cortadas na série de mapas de vigilância da TIARG. O


corte de árvores é mais intenso durante a estação seca (mapas V1-V2 e V7-V10) em comparação com
a estação chuvosa (mapas V3 a V6).

Mapa Árvores cortadas Estação

V1 1079 Seca
V2 600 Seca
V3 385 Chuvosa
V4 423 Chuvosa
V5 785 Chuvosa
V6 803 Chuvosa
V7 1150 Seca
V8 1435 Seca
V9 1520 Seca
V10 1552 Seca
Total 9731 -

No total, foram contabilizadas 9.731 árvores cortadas. A maior parte da atividade ocorreu
durante a estação seca. Na Figura 131, o número de árvores cortadas que foram detectadas
dentro de cada intervalo de tempo em unidades de 500 x 500 m são mostradas para os mapas
V1 (1.079 árvores cortadas, exibidas em vermelho), V8 (1.435, em verde), e V10 (1.552, em azul)
Figura 131 – Padrão espaço-temporal de atividade de exploração madeireira na área central da TIARG,
entre o rio Piriá e o rio Coraci-Paraná. Mapa V1 (vermelho, 14/03/2014), mapa V8 (verde; 31/10/2014)
e mapa V10 (azul, 05/01/2015). Os três pontos azuis na elipse correspondem à atividade madeireira
mostrada na Figura 129 B.

4.2. Mapa de Degradação da Área Central da TIARG

Os últimos mapas de vigilância (V10) e de degradação (D10) feitos para a TIARG


(05/01/2015) são mostrados nas figuras 132 e 133, respectivamente. O mapa de degradação
fornece uma visão geral de novas clareiras e novas degradações florestais para o ano de 2014.
A degradação florestal pode ser interpretada como o efeito cumulativo da exploração seletiva
de madeira.
338

Figura 132 – O último de uma série de 10 Mapas de Vigilância (Mapa V10) da TIARG.
339

Figura 133 – O último de uma série de 10 Mapas de Degradação (Mapa D10) da TIARG.
340

5. CONSIDERAÇÕES SOBRE O USO DO RADAR NAS ÁREAS PROTEGIDAS


DO PARÁ
O sistema de monitoramento por radar desenvolvido para a TIARG pode ser estendido
para outras áreas de interesse no estado do Pará. Para a implementação operacional, vários
fatores devem ser considerados, como automação, aquisição de dados de satélite, soluções
alternativas e custos.

5.1. Automação

O sistema end-to-end já possui um alto grau de automação. Quando o satélite TerraSAR-X


adquire uma nova imagem de radar, ela é entregue ao cliente através do software “File Transfer
Protocol” (FTP) dentro de 5 dias ou, mediante o pagamento de uma taxa adicional, dentro de um
único dia. Assim que a nova imagem fica disponível, o software de processamento de imagem
pode gerar novos mapas (de vigilância, degradação e exploração madeireira) em poucas
horas num modo completamente automatizado. Consequentemente, a nova informação fica
disponível para os interessados em poucos dias e as ações, quando requeridas, podem ser
planejadas sem demora. Esta característica pode ser a chave para ações bem sucedidas, como
no combate à exploração madeireira ilegal. O alto grau de automação, sem a necessidade de
interpretações humanas subjetivas, também garante a produção de mapas com transparência
e qualidade constante.

5.2. Aquisição de Dados Espaciais

A simulação da aquisição de dados de radar pode ser realizada pelas agências para
diferentes cenários. Um exemplo fornecido pela Airbus é mostrado na Figura 134. No Pará, as
concessões florestais devem ser monitoradas para que se avalie a intensidade da exploração
seletiva legal de madeira. Neste exemplo, todas as concessões são monitoradas num intervalo
de 66 dias. Isto requer coberturas com 100 imagens (a serem repetidas de cinco a seis vezes ao
ano) com os satélites TerraSAR-X, TanDEM-X e/ou PAZ, usando uma combinação de passagens
ascendentes e descendentes e uma série de feixes de ângulos de incidência. Esta simulação
particular mostra que é tecnicamente possível monitorar áreas extensas de forma intensiva.
341

Figura 134 – Cenário de aquisição para concessões florestais no estado do Pará utilizando os satélites
Terra-SAR-X, DEM-X ou PAZ. A área de interesse pode ser capturada em 100 cenas; as observações são
repetidas cinco a seis vezes; e as passagens ascendentes e descendentes dos satélites são combinadas.

5.3. Soluções Alternativas

Dados de satélite com resolução espacial alta ou muito alta (5 m ou mais) são necessários
para detectar o corte de árvores individuais. Obviamente, os sistemas de radar discutidos aqui
são capazes de alcançar estas resoluções. Sistemas ópticos, como RapidEye ou SPOT-6,
podem oferecer uma solução alternativa. Contudo, esses sistemas podem falhar por dois motivos
interligados: para os sistemas ópticos, o período de detectabilidade de novas árvores cortadas
de forma seletiva é muito menor. Nas imagens de radar, devido aos princípios das imagens de
radar (veja Figura 128), as assinaturas das árvores cortadas ainda são bem visíveis mesmo
depois de um ano (pois leva um grande tempo para que as lacunas no dossel superior sejam
preenchidas), enquanto nas imagens ópticas a visibilidade das lacunas pode desaparecer em
poucos meses devido ao rebrotamento (no chão da floresta). Consequentemente, quando
as imagens ópticas são usadas, estas sempre devem ser adquiridas a curtos intervalos (dois
meses ou menos). Porém, isto pode ser muito difícil devido à persistente cobertura vegetal,
como no caso do Estado do Pará.

5.4. Custos

Para determinar os custos totais dos sistemas de monitoramento, vários fatores devem
ser considerados, como os custos por quilômetro quadrado; área mínima por imagem;
número de imagens necessárias por ano; e custos com a programação dos satélites e com
o processamento de imagens. Todos esses fatores são favoráveis ao radar, como será
discutido mais à frente.

5.4.1. Custos de Dados, Área Mínima e Programação dos Satélites

Os custos dos dados por quilômetro quadrado são menores para o TerraSAR-X (pacote
de dados StripMap InSAR) em comparação com os dados do tipo SPOT-6 e RapidEye com
342

resolução espacial suficiente. Além disso, a área mínima para uma imagem TerraSAR-X é
de 900 km2, enquanto para as SPOT-6 e RapidEye é de 3.500 km2. Áreas mínimas menores
permitem uma melhor cobertura da área em estudo sem a necessidade de incluir grandes
áreas que não são de interesse. Além disso, para os satélites SPOT-6, são cobrados custos
adicionais de programação para fazer novas aquisições. Todos esses fatores podem ser
verificados em catálogos e listas de preços (versões de dezembro/2015) postadas na Internet
pelos fornecedores de dados por satélite.

5.4.2. Número Necessário de Imagens por Ano

O radar permite a detecção de corte de árvores em intervalos longos. Em princípio, uma


imagem por ano poderia ser suficiente. Contudo, alertas necessitam de intervalos menores.
Os intervalos podem ser múltiplos de 11 dias (para o TerraSAR-X). Para reduzir os custos, os
intervalos podem ser de 33 ou 66 dias, ou mesmo intervalos maiores. No caso de ser necessária
mais informação, por exemplo, antes de uma ação de intervenção em grande escala, intervalos
mais curtos poderiam ser considerados temporariamente. Esta flexibilidade não está disponível
para sistemas ópticos, pois a maioria falharia em períodos persistentes de cobertura de nuvens.

5.4.3. Custos de Processamento de Imagens

Uma vez que os dados do radar são sempre adquiridos na mesma geometria de visualização
(visada lateral, em ângulos de incidência idênticos) e com efeitos atmosféricos muito menos
proeminentes, a detecção de mudanças é tecnicamente mais fácil, permitindo a automação
completa. Esta automação resulta em custos muito baixos de processamento de imagens
para radar.

Considerando-se todas essas questões, pode-se afirmar que o sistema de radar oferece
uma solução versátil com custo relativamente baixo, mesmo quando implementado em grandes
áreas. A capacidade única de penetrar nas nuvens e a independência da luz do dia fazem do
radar uma ferramenta ideal para alertas e para o monitoramento da degradação ambiental em
alta resolução (no nível de árvore).

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar do importante papel que as áreas protegidas desempenham contra o avanço
do desmatamento na Amazônia brasileira (ARIMA et al., 2007; SOARES-FILHO, et al., 2010),
estudos recentes mostram que, até 2011, o desmatamento em áreas protegidas já correspondia
a 7% de todo o desmatamento registrado na Amazônia Legal. A forte pressão exercida pelas
atividades ilegais de exploração madeireira no nordeste do Pará, aliada à falta de governança
na reserva, têm colocado a TIARG como uma das áreas que contribuem fortemente para os
índices de desmatamento em áreas protegidas, estando seu patrimônio ambiental e cultural
em constante ameaça.

Os resultados do presente estudo confirmam que o desmatamento na TIARG continua


ocorrendo em grandes proporções. Além disso, equipes da Gerência de Sociobiodiversidade
343

do IDEFLOR-Bio que estiveram em campo durante os trabalhos do Diagnóstico Etnoambiental


Participativo confirmam a observação de caminhões carregados com toras de madeira extraídas
da TIARG se deslocando nas estradas adjacentes à terra indígena, na região de Paragominas.
É incomensurável o impacto ecológico e socioeconômico da extração ilegal de madeira
na área central da TIARG, localizada principalmente no município de Nova Esperança do
Piriá. A retirada de quase 10.000 árvores da floresta densa na área central da reserva em
2014, que muito provavelmente são de espécies madeireiras, pode ter causado um profundo
impacto na fauna local, sobretudo para mamíferos e aves, que podem necessitar dos recursos
alimentares de várias destas árvores. De outro lado, todo o ecossistema delicado da floresta
tropical é abalado, pois a extração ilegal de madeira, realizada sem o uso mínimo de técnicas
de manejo florestal adequadas, é agressivo e devastador para os microecossistemas existentes
nas árvores de grande porte, sem contar o efeito de borda resultante do corte das árvores.
Considerando que o estudo foi realizado em 2014 e que a exploração madeireira deve ter
prosseguido desde então, pois medidas para conter a atividade não têm sido tomadas, pode-
se prever que os danos sejam ainda maiores. As populações da flora e da fauna impactadas
podem desabastecer a região da TIARG que está sob o domínio indígena ao sul da reserva,
onde a caça ainda é abundante. Desta forma, a economia local e a segurança alimentar dos
indígenas também são prejudicadas.
A floresta da TIARG tem um valor incomensurável, pois serve como refúgio para várias
espécies que estão ameaçadas de extinção, de modo que a destruição de seus habitas é
seguramente um modo eficaz de provocar seu desaparecimento do planeta.
Quando as florestas são destruídas e os recursos de produtos florestais não madeireiros
são perdidos, os povos da floresta são prejudicados duplamente. Primeiro, eles perdem uma
fonte direta de alimentos e outros materiais que passam a ter de comprar, e, segundo, no
processo de perda da floresta, eles também perdem muitos dos recursos que lhes permitiriam
ganhar algum dinheiro (DA SILVA, 2012). Os danos socioambientais provocados pela indústria
local de extração ilegal de madeira não podem ser mensurados em funções que levem em
conta o preço da devastação. Os indígenas devem ser compensados, de alguma forma, pela
destruição do patrimônio ambiental de seu território, uma vez que os impactos sobre suas vidas
são sentidos em seus cotidianos.
Os órgãos de governo que têm a competência legal de proteção e fiscalização das
terras indígenas devem promover o fortalecimento da governança local, a fim de proteger
este patrimônio que não é apenas ambiental, mas também cultural, uma vez que, destruída a
floresta, a cultura indígena local fatalmente será ameaçada.
O monitoramento da cobertura florestal por radar se mostrou bastante eficiente e positivo
para ser usado como forma de combater a extração ilegal de madeira e outros ilícitos ambientais
que ocorrem na TIARG e em outras terras indígenas da Amazônia. Para que se tenha uma ideia
da precisão oferecida pelo uso da tecnologia de Radar, os mapas publicados pela SEMA no ano
de 2014 sobre áreas de ocorrência de extração ilegal de madeira no estado não detectaram
nenhum foco de desmatamento desta natureza no âmbito no território da TIARG (Figura 135).
344

Figura 135 – Comparação do monitoramento da exploração madeireira na área central da TIARG


utilizando o sistema óptico (SEMA) e o sistema por radar aplicado neste trabalho.
345

No entanto, por meio dos estudos da Universidade de Wageningen utilizando a tecnologia de


monitoramento por radar foi possível detectar neste mesmo ano dezenas de foco de desmatamento
e ainda pudemos quantificar com precisão o número de árvores que foram retiradas da área.
Esta tecnologia poderá prover os indígenas de todo o Estado com um sistema eficaz e oportuno
para monitoramento de seus territórios e recursos florestais. No caso da TIARG, por décadas a
extração ilegal de madeira tem causado profundos danos ambientais, socioeconômicos e culturais
aos indígenas. Esperamos que a publicação destes dados possa sensibilizar as autoridades
competentes da necessidade urgente de realizar a desintrução desta área e que, a partir deste
trabalho, se possa viabilizar a articulação de órgãos federais, estaduais e municipais para que
possam trabalhar em parceria com indígenas, de forma a garantir a efetiva proteção ambiental
e territorial da TIARG.

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DA SILVA, M. R. Estratégias de sobrevivência dos índios Tembé da Terra Indígena Alto


Rio Guamá (TIARG), Estado do Pará, Brasil, na era dos créditos de carbono. Tese de
Doutorado. Portugal: Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, 2012.

IPCC. Land use, land-use change and forestry. WATSON, R. T.; NOBLE, I. R.; BOLIN, B.;
RAVINDRANATH, N. H.; VERARDO, D. J.; DOKKEN, D. J. (Eds.). Cambridge University Press,
UK. pp 375, 2000.

GFOI, 2013. Integrating remote-sensing and ground-based observations for estimation of


emissions and removals of greenhouse gases in forests: Methods and Guidance from the
Global Forest Observations Initiative: Pub: Group on Earth Observations, Geneva, Switzerland,
2014. ISBN 978-92-990047-4-6. (146 pages). http://www.wmo.int/pages/prog/gcos/documents/
Mitigation_GFOI_methodology_guidance.pdf

GOFC-GOLD, Chapter 2.10.4: Forest monitoring using Synthetic Aperture Radar (SAR)
observations. In: GOFC-GOLD, 2015, A sourcebook of methods and procedures for monitoring and
reporting anthropogenic greenhouse gas emissions and removals associated with deforestation,
gains and losses of carbon stocks in forests remaining forests, and forestation. GOFC-GOLD
Report version COP21-1 (GOFC-GOLD Land Cover Project Office, Wageningen University,
The Netherlands). 2015. http://www.gofcgold.wur.nl/redd/sourcebook/GOFC-GOLD_Sourcebook.pdf

HOEKMAN et al. TerraSAR-X time series for tropical forest degradation evaluation and early
warning, Remote Sensing of Environment (in preparation), 2016.

IMAZON; ISA. Protected areas in the Brazilian Amazon: challenges and opportunities.
ROLLA, A.; VERÍSSIMO, A.; VEDOVETO, M.; FUTADA, S. M (Orgs.). Belém-PA: Imazon; São
Paulo-SP: Instituto Socioambiental, 2011.

ISA. Atlas de pressões e ameaças às terras indígenas na Amazônia brasileira. CARNEIRO


FILHO, A.; SOUZA, O. B (Orgs). São Paulo: Instituto Socioambiental, 2009.

LUCAS, R.; ROSENQVIST, A.; KELLNDORFER, J.; HOEKMAN, D.; SHIMADA, M.; CLEWLEY,
D.; WALKER, W.; NAVARRO DE MESQUITA JUNIOR, H. Global forest monitoring with radar
(SAR) data. In: Global Forest Monitoring from Earth Observation. Achard, F.; Hansen, M.
C. CRC Press, Taylor & Francis Group, 2012.

MARTINS, H.; VEDOVETO, M.; ARAÚJO, E.; BARRETO, P.; BAIMA, S.;SOUZA, JR, C.;
VERÍSSIMO, A. Áreas protegidas críticas na Amazônia Legal. Belém: Imazon, 2012.
346
347

CAPÍTULO 9
ETNOZONEAMENTO
DA TERRA INDÍGENA
ALTO RIO GUAMÁ
348

1. INTRODUÇÃO
Durante os dias 29 e 30 de novembro de 2014, após a Oficina de Validação dos resultados
do DEAP, foi realizada a Oficina de Etnozoneamento da TIARG. Na ocasião, foram apresentados
aos Tembé os tipos de zonas que costumam ser utilizadas em terras indígenas (KANINDÉ, 2007),
sempre deixando claro que outras zonas poderiam ser criadas de acordo com as necessidades
apontadas por eles e com as características inerentes à TIARG.

Assim, foi realizado o trabalho de Zoneamento Participativo da TIARG, no qual os


indígenas estabeleceram 11 zonas para seu território, dentre zonas de uso e zonas sagradas,
de modo a garantir a conservação ambiental e cultural e o desenvolvimento sustentável da
terra indígena (Figura 136). As zonas estabelecidas foram: (1) Zona de Pesca; (2) Zona de
Reserva e Abastecimento de Peixes; (3) Zona de Caça; (4) Zona de Caça para Festividades;
(5) Zona de Produção; (6) Zona de Extrativismo; (7) Zona Nativa; (8) Zona de Proteção Integral;
(9) Zona de Recuperação; (10) Zona de Desintrusão; e (11) Zona Sagrada. Para cada zona
foram estabelecidas: descrição, objetivos, resultados esperados, indicadores e regras de uso.

Algumas zonas, por refletirem realidades distintas dos indígenas que habitam a TIARG,
foram trabalhadas em dois grupos – do Guamá e do Gurupi –, como as zonas de pesca, de caça,
de produção, de extrativismo e as zonas sagradas. Outras foram trabalhadas conjuntamente,
como as zonas nativas, de proteção integral, de recuperação e de desintrusão. Este arranjo
foi feito naturalmente pelos próprios indígenas durante a Oficina. As zonas definidas pelos
indígenas são apresentadas a seguir.
349

Figura 136 – Mapa do Etnozoneamento da Terra Indígena Alto Rio Guamá, apresentando as zonas de
uso e zonas sagradas definidas pelos indígenas.
ZONEAMENTO PARTICIPATIVO DA TIARG

ZONA DE PESCA (YARAPE PIRA WAZEHU


HAW)
Descrição
• Área destinada para atividades de pesca da comunidade (Figura 137).

Objetivo Geral
• Garantir o recurso pesqueiro para o consumo das comunidades, utilizando técnicas de
pesca sustentáveis.

Objetivos Específicos
• Servir como fonte de subsistência; utilizar os recursos pesqueiros para as festas e reuniões
da comunidade; aumentar a quantidade de peixes nos rios da TIARG; garantir a preservação
das espécies.

Resultados Esperados
• Recursos pesqueiros em abundância; retorno de espécies de peixes que não são mais
encontradas; maior variedade e quantidade de peixes nos rios.

Normas gerais (de uso) para a Zona

• É permitida a pescaria pela comunidade indígena utilizando as seguintes técnicas:

• Caniço, camina, malhadeiras com malhas não muito pequenas (utilizar apenas
malha acima de 50 mm);

• Não é permitido utilizar técnicas predatórias de pescaria (timbó, conambi, tarrafa, pesca
de visor, malhadeiras com malha menor que 50 mm);

• Não é permitido pescar na época da Piracema.


351

Figura 137 – Zona de Pesca da TIARG.


ZONA DE RESERVA E ABASTECIMENTO
DE PEIXES (WANEKO HAW)
Descrição:
• Zona no rio Coaraci-Paraná e no igarapé Piriá onde se observa a presença de invasores
(pescadores ilegais que praticam a pesca predatória) (Figura 138).

Objetivo Geral:
• Proteger a área para garantir o abastecimento de peixes nos principais rios da TIARG.

Objetivos Específicos:
• Garantir o alimento para as atuais e futuras gerações; garantir a quantidade dos recursos
pesqueiros; garantir a manutenção das espécies; garantir o equilíbrio do ambiente, incluindo
os demais animais que se alimentam dos peixes; realizar a vigilância para evitar a presença
de invasores (pescadores ilegais).

Resultados Esperados:
• Recurso pesqueiro garantido para as gerações; variedade e abundância de espécies mantida.

Indicadores:
• Maior variedade e quantidade de peixes nos rios.

Normas gerais (de uso) para a Zona:


• Pode ser realizada visita dos indígenas para fazer a vigilância da área e, neste momento,
pode ser praticada a pesca de subsistência (utilizando apenas caniço);

• Quando o indígena estiver de passagem, também pode praticar a pesca de subsistência;

• Não pode ser utilizada malhadeira de qualquer malha, bem como técnicas de pesca
predatória pelos indígenas (timbó, conambi, tarrafa, pesca de visor);

• Não pode ser utilizado nenhum tipo de pesca por invasores.


353

Figura 138 – Zona de Reserva e Abastecimento de Peixes da TIARG.


ZONA DE CAÇA (KA'AMONO HAW)

Descrição:
• Zona destinada à captura de animais pelos indígenas da TIARG, obedecidas as regras
estabelecidas (Figura 139).

Objetivo Geral:
• Garantir as fontes de alimento do dia-a-dia da comunidade.

Objetivos Específicos:
• Realizar a caça sustentável (não predatória) para garantir fontes de alimento e artesanato,
mantendo o equilíbrio da floresta na TIARG; aproveitar as partes dos animais que foram
caçados para a alimentação nas atividades de artesanato e na medicina tradicional indígena.

Resultados Esperados:
• Garantia de caça abundante e variada ao longo do tempo.

Indicadores:
• Retorno de animais que não eram mais encontrados; quantidade e variedade de animais
caçados e avistados.

Normas gerais (de uso) para a Zona:


• Evitar ou deixar de caçar espécies que estão sob risco de desaparecer na TIARG, para
que as populações possam se recuperar;

• No Guamá: evitar ou deixar de caçar cuxiú, caiarara, guariba, anta, porcão, ariranha,
ararajuba, mutum-pinima, cujubim, jacamim, araras, jabuti e jacaré;

• No Gurupi: evitar ou deixar de caçar cuxiú, caiarara, ariranha, ararajuba, mutum-pinima,


e araras;

• Para os locais em que a caça ainda é abundante, caçar de forma sustentável, para que as
populações se mantenham.
355

Figura 139 – Zona de Caça da TIARG.


ZONA DE CAÇA PARA FESTAS TRADICIONAIS
( KA'AMONO HAW WYRA'U HAW PE)

Descrição:
• Zona destinada à caça apenas para as festividades tradicionais da TIARG (Figura 140).

Objetivo Geral:
• Garantir a caça de animais específicos que são utilizados nas festas tradicionais.

Resultados Esperados:
• Ter o alimento garantido para as festividades.

Indicadores:
• Quantidade e variedade de animais caçados para as festas.

Normas gerais (de uso) para a Zona:


• Só podem ser caçados animais pelos indígenas e somente durante a época das festividades.
357

Figura 140 – Zona de Caça para Festas Tradicionais da TIARG.


ZONA DE PRODUÇÃO (KA'A IAKYPY RÀM)

Descrição:
• Zona destinada às atividades produtivas da comunidade indígena da TIARG, relacionadas
à roça (Figura 141).

Objetivo Geral:
• Garantir o cultivo de alimentos para a subsistência (alimentação) das famílias, bem como
para a venda para a comunidade e para os municípios próximos.

Objetivos Específicos:
• Buscar parcerias para o melhoramento das técnicas de plantio; aumentar a produção para
vender o alimento que sobrar.

Resultados Esperados:
• Alimentos garantidos para a família; aumento da produção e da venda para a comunidade
e para os municípios.

Indicadores:
• Plantações sem doenças e pragas; produção extra vendida.

Normas gerais (de uso) para a Zona:

• Não podem ser usados venenos que causem danos ao solo e aos rios, como agrotóxicos
em geral;

• Podem ser abertas novas roças apenas dentro da Zona de Produção;

• Podem ser realizadas atividades de caça e extrativismo vegetal.


359

Figura 141 – Zona de Produção da TIARG.


ZONA DE EXTRATIVISMO
(KA'A MA'E YWA I'OK HAW)
Descrição:
• Zona com presença de açaizais nativos ou plantados, destinada ao extrativismo dos frutos
do açaí para a alimentação e para possíveis atividades econômicas futuras que sejam
sustentáveis (Figura 142).

Objetivo Geral:
• Realizar o extrativismo sustentável do açaí, tanto para subsistência quanto para atividades
econômicas futuras.

Resultados Esperados:
• Colheita do açaí em abundância para as atuais e futuras gerações.

Indicadores:
• Alimento disponível para a comunidade ao longo do tempo.

Normas Gerais (de uso) para a Zona:


• Pode ser realizado o extrativismo sustentável do açaí, respeitando as formas e períodos
de colheita adequados, para que o recurso se mantenha ao longo do tempo;

• Não pode fazer derrubada dos pés de açaí;

• Não pode desmatar ou queimar a floresta ao redor e nas proximidades dos açaizais;

• Para as áreas que se sobrepões a outras zonas, como as zonas de caça, de pesca e
de produção, as atividades relacionadas a elas podem ser realizadas, respeitando-se as
normas de uso estabelecidas para cada zona.
361

Figura 142 – Zona de Extrativismo da TIARG.


ZONA NATIVA (KA’A TE)
Descrição:
• Zona contendo áreas de floresta que se encontram em bom estado de conservação por
manterem características originais. Não são visitadas com frequência pela comunidade
indígena e não se registra a presença de invasores (Figura 143).

Objetivo Geral:
• Manter áreas de floresta bem conservadas, realizando apenas atividades sustentáveis de
exploração dos recursos naturais, garantindo a preservação das plantas e dos animais.

Objetivos Específicos:
• Preservar as plantas medicinais; explorar racionalmente os recursos naturais; realizar
expedições de monitoramento.

Resultados Esperados:
• Estado de conservação da floresta mantido.

Indicadores:
• Floresta bem conservada; animais encontrados em variedade e em boa quantidade.

Normas Gerais (de uso) para a Zona:


• Podem ser realizadas atividades de caça e pesca eventuais;

• Não podem ser construídas aldeias, fazer roça e queimadas, construir estradas, etc;

• Pode ser realizada pesquisa e monitoramento pelos indígenas. Os não indígenas só podem
adentrar desde que autorizados e devidamente acompanhados pelos indígenas.
363

Figura 143 – Zona Nativa da TIARG.


ZONA DE PROTEÇÃO INTEGRAL
(KA’A IAKY YM MA’E)

Descrição:
• Zona destinada à proteção total da floresta, dos rios e de todos os seus recursos (Figura
144). Inclui a área de três fragmentos florestais no Guamá que faziam parte da ocupação
ilegal da Fazenda Mejer e que foram recentemente reintegrados à TIARG, por decisão
judicial. Estes fragmentos são contíguos a outros fragmentos florestais localizados fora da
TIARG, nos quais estudos apontaram indícios da ocorrência de espécies ameaçadas de
extinção e outras importantes para a conservação (VALENTE, 2011).

Objetivo Geral:
• Criar uma área que sirva como poupança dos recursos naturais (animais e plantas).

Objetivos Específicos:
• Garantir a reprodução dos animais dentro da zona; repovoar outras zonas mais alteradas
a partir da zona de proteção integral.

Resultados Esperados:
• Floresta e seus recursos protegidos.

Indicadores:
• Aumento do número de animais nas demais zonas; ausência de alterações florestais na área.

Normas Gerais (de uso) para a Zona:


• Não pode ser realizada nenhuma atividade que explore ou cause danos aos recursos
naturais (caça, pesca, queimada, roça, extrativismo, derrubada de árvores, construção de
aldeias, estradas, etc.);

• Pode ser realizada pesquisa e monitoramento pelos indígenas. Os não indígenas só podem
adentrar desde que autorizados e devidamente acompanhados pelos indígenas.
365

Figura 144 – Zona de Proteção Integral da TIARG.


ZONA DE RECUPERAÇÃO
(YWY IMUZYWYRPY RÀM)
Descrição:
• Zona destinada ao reflorestamento ou ao crescimento natural (regeneração) da floresta
nas áreas que foram desmatadas (Figura 145).

Objetivo Geral:

• Recuperar as áreas perturbadas (ainda possuem algum tipo de vegetação) e degradadas


(pasto ou solo exposto) da TIARG.

Objetivos Específicos:
• Identificar as áreas em que deve ser feito o replantio (áreas degradadas) e outras em que
a floresta pode se recuperar naturalmente (áreas perturbadas); fazer o plantio de espécies
que atraem caça e outros animais, como as frutíferas, utilizando Sistema Agroflorestal
(SAF); fazer o replantio de espécies nativas que existiam na região; fazer o replantio de
leguminosas em áreas degradadas.

Resultados Esperados:
• Floresta recuperada e animais retornando para a área; futuramente, depois de recuperada,
aplicar ações para proteger a floresta e seus recursos;

Indicadores:
• Áreas de floresta recuperadas (hectares); Observação de animais que não existiam mais
na área, incluindo animais de caça.

Normas Gerais (de uso) para a Zona


• Não pode fazer roça, derrubar a floresta e fazer queimadas (que não sejam orientadas para
o crescimento mais rápido da floresta);
• Podem ser realizadas atividades de extrativismo vegetal que não causem impactos na
floresta que está se recuperando, como a coleta de açaí;
• A caça pode ser realizada, mas de forma que seja sustentável e não caçando as espécies
ameaçadas (como os macacos cuxiú e caiarara, os jacamins, os mutuns, as ararajubas, etc.)
e as espécies que não são mais vistas ou que são vistas raramente na área (como a anta
e o porcão ou queixada). Ou seja, podem ser caçadas as espécies que já são abundantes,
como cotia, caititu, veado-branco, etc.).
367

Figura 145 – Zona de Recuperação da TIARG.


ZONA DE DESINTRUSÃO
(YWY KARAIW WA'OKAWPY RÀM)

Descrição:
• Zona entre o rio Piriá e o rio Coaraci-Paraná, que se encontra ocupada por colonos invasores
(Figura 146).

Objetivo Geral:
• Reocupação total da área pela comunidade indígena.

Objetivos Específicos:
• Acompanhar as ações das instituições governamentais para a retirada dos invasores;
após a desocupação, realizar a vigilância da área, com o acompanhamento de instituições
governamentais, para que os invasores não retornem.

Resultados Esperados:
• Desocupação total da área pelos colonos; construção de novas aldeias na área; recuperação
das áreas que foram alteradas ou degradadas.

Indicadores:
• Área reocupada pela comunidade indígena.

Normas gerais (de uso) para a Zona:

• Depois de reocupada, realizar vigilância permanente para evitar outras invasões;


• Outras normas serão pensadas e estabelecidas após a reocupação.
369

Figura 146 – Zona de Desintrusão da TIARG.


ZONA SAGRADA
(YWÀN WANEKO HAW)

Descrição:
• Zona (ou pontos) onde se encontram locais considerados sagrados pela comunidade.
Podem ser cemitérios antigos ou atuais e áreas onde há a evidência da presença de
espíritos da floresta, cujas histórias são contadas por membros da comunidade (Figura 147).

Objetivo Geral:
• Garantir o respeito e a identidade cultural das comunidades da TIARG.

Resultados Esperados:
• Manutenção das áreas sagradas.

Indicadores:
• Histórias repassadas de geração para geração.

Normas Gerais (de uso) para a Zona:

• Não pode destruir ou degradar a área e arredores;

• Podem ser realizadas visitas pelos indígenas, exceto nos horários de 12:00 e 18:00 h;

• Nos horários permitidos, deve-se pedir autorização aos espíritos da floresta;

• Não pode levar crianças.


371

Figura 147 – Zona Sagrada da TIARG.


372

2. DISCUSSÃO
O Diagnóstico Etnoambiental Participativo realizado na TIARG foi um dos instrumentos
utilizados como fonte de dados para a definição das zonas e elaboração dos mapas do
Etnozonamento da terra indígena. Outra fonte de informação foram os próprios indígenas que
estiveram presentes durante a Oficina do Etnozoneamento, considerando o conhecimento que
estes detêm sobre suas terras.
O processo histórico de ocupação e invasão da TIARG se reflete no resultado do
Etnozoneamento, que aponta uma grande zona de desintrusão de colonos invasores e outra
grande zona destinada à recuperação e regeneração da floresta, bastante alterada ou degradada,
como fruto da atividade de várias espécies de invasores, sejam eles madeireiros, fazendeiros,
colonos, caçadores e pescadores ilegais, ou mesmo traficante de drogas.
A recente decisão da justiça em favor dos indígenas, garantindo a reintegração de
posse de uma área de 9 mil hectares, que era ocupada por propriedades do fazendeiro Mejer
Kabacznic, não colocaram fim aos conflitos na área. Reflexo disso foi o confronto ocorrido no
início dezembro de 2014, entre índios e colonos invasores que permanecem na TIARG, durante
uma ação de reocupação da área reintegrada. Ações governamentais que visem à resolução
dos conflitos e total retirada dos invasores da terra indígena se fazem urgentes, como forma de
evitar novos conflitos, garantir o direito constitucional dos indígenas às suas terras e promover o
respeito ao povo Tembé, à sua cultura e aos direitos de gestão ambiental e territorial da TIARG.
Apesar das grandes intervenções humanas ocorridas na área, a TIARG representa,
ainda, uma grande reserva de biodiversidade relativamente bem conservada no Centro de
Endemismo Belém (CEB). Abriga espécies da fauna e flora ameaçadas de extinção, tanto em
nível estadual quanto nacional, bem como muitas outras de interesse para a conservação.
Grande parte das espécies ameaçadas de extinção no Pará está localizada no CEB. A TIARG
representa a maior área de florestas legalmente protegidas localizadas na porção paraense
do CEB, o que eleva a sua importância para a conservação da biodiversidade e a necessidade
de que sejam implementados planos de gestão territorial e ambiental para a área, de forma a
garantir o seu desenvolvimento sustentável e a qualidade de vida do povo Tembé.
Embora tenha ocorrido uma maior reaproximação nos últimos anos, os indígenas da
TIARG encontram-se, de certa forma, divididos entre as comunidades do Guamá, ao norte
da terra indígena, e do Gurupi, ao sul, justamente devido à ocupação da porção central da
TIARG por invasores. O presente estudo também apontou que existem diferenças no estado de
conservação das duas áreas, apresentando, o Gurupi, um melhor estado de conservação em
relação ao Guamá. Isso se reflete tanto na cobertura florestal quanto na variedade de espécies
animais e vegetais encontradas nas duas áreas. Espécies maiores e mais ameaçadas, como
o macaco caiarara, o cuxiú, a anta, a queixada (porcão), a onça, a ararajuba, araras e mutuns,
não são mais vistos pela comunidade indígena ou são considerados raros no Guamá.
As invasões e a proximidade com a população dos municípios de entorno na área do
Guamá certamente são os principais responsáveis por este quadro, que também se reflete na
preservação das características culturais do povo Tembé. No Gurupi, por exemplo, existem
mais pessoas que falam a língua Tembé-Teneteharado que no Guamá, embora exista um
movimento dos próprios indígenas pela retomada da cultura e da língua Tembé nesta região.
Os esforços e investimentos para a gestão da TIARG, sejam através de iniciativas
373

governamentais e/ou de instituições parceiras, devem levar em consideração este perfil da


terra indígena, com ações e medidas que visem à total retomada das terras pelos indígenas;
à recuperação das áreas que foram degradadas ou alteradas, principalmente no Guamá; à
proteção das espécies ameaçadas; e à valorização da cultura e dos costumes do povo Tembé,
de forma a promover a total reintegração entre as comunidades indígenas do Guamá e do
Gurupi e garantir o fluxo gênico de animais e plantas entre essas duas áreas.

3. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
KANINDÉ – Associação de Defesa Etnoambiental. Metodologia de diagnóstico etnoambiental
participativo e etnozoneamento em terras indígenas. Porto Velho; Brasília: ACT Brasil, 2010.

VALENTE, R. M. Diagnóstico da integridade ecológica de fragmentos florestais localizados


no entorno da Terra Indígena Alto Rio Guamá, município de Viseu, nordeste do Pará:
avaliação para a criação de uma unidade de conservação. Relatório Técnico. Belém: SEMA/
GIZ, 2011.
374
375

CONSIDERAÇÕES FINAIS
E RECOMENDAÇÕES
376

CONSIDERAÇÕES FINAIS E RECOMENDAÇÕES

O diagnóstico etnoambiental participativo da TIARG, realizado com a colaboração dos


indígenas, reafirma a importância da reserva para a conservação da biodiversidade nesta região
da Amazônia. Apesar da pressão de várias frentes econômicas e de atividades ilegais sobre
a terra indígena, esta área continua abrigando espécies ameaçadas que ficaram isoladas em
ilhas de fragmentos florestais existentes no Centro de Endemismo Belém. Ainda é possível
observar espécies de macacos criticamente ameaçados – o cuxiú e o caiarara –, entre outros
mamíferos enquadrados em categorias distintas de ameaça. Da mesma forma, aves raras e
ameaçadas foram registradas na área (como o jacamim, Psophia obscura, e o mutum-pinima,
Crax fasciolata pinima) e, assim como os mamíferos ameaçados, são espécies comumente
utilizadas pelo povo Tembé, seja para a alimentação, para a confecção de vestes e artefatos
ou como animais de estimação. A utilização destas espécies faz parte do modo de vida
tradicional e da cultura Tembé e, como tal, deve ser respeitada. Contudo, para que o recurso
esteja disponível na área ao longo do tempo e para que possa ser usufruído pelas gerações
futuras, garantindo a elas qualidade de vida e o direito de vivenciar as tradições culturais de
seu povo, é necessário que se tenha a consciência de que constituem fontes naturais limitadas,
que podem ser exauridas caso não sejam tomadas medidas preventivas e reparatórias para
evitar a extinção ou decréscimo marcante de suas populações na área.
Embora a TIARG seja o maior contínuo florestal protegido legalmente na região nordeste
do Estado do Pará, confirma-se o empobrecimento de espécies de plantas e de animais (peixes,
anfíbios, répteis, aves e mamíferos) na região norte da terra indígena (Guamá), sobretudo de
peixes e de mamíferos e aves de grande porte e/ou dependentes de ambientes florestais mais
íntegros. Espécies de répteis bastante utilizadas pelos indígenas, como o jabuti, também já
são pouco encontradas nesta região. A proximidade com a sede dos municípios na região ao
norte da TIARG e a influência de não indígenas impulsionaram fortemente ações de devastação
ambiental e a perda de elementos significativos da identidade cultural dos Tembé residentes
na região do Guamá.
Se por um lado o diagnóstico confirma as alterações ambientais e culturais ocorridas no
Guamá, também chama a atenção para a região ao sul da TIARG (Gurupi), onde as pressões
de invasores (caçadores e pescadores ilegais) e de exploradores ilegais de madeira também se
intensificam. Embora as florestas nesta região estejam representadas por contínuos florestais
maiores e mais íntegros, já se observa alterações ambientais representativas, as quais foram
mencionadas pelos próprios indígenas ao indicarem que as espécies animais já não são mais
tão abundantes nesta área quanto no passado.
É importante que os indígenas reforcem a consciência de que a captura de espécies
precisa ser realizada de forma manejada, já que os recursos podem ser exauridos num tempo
relativamente curto, caso não haja esta conscientização. É preciso considerar que a paisagem
no entorno da TIARG encontra-se cada vez mais degradada e que não existe a perspectiva,
em curto prazo, de aporte de novos indivíduos da fauna oriundos de áreas contíguas à terra
indígena para o interior da reserva.
377

A área central da TIARG também vem sendo devastada em decorrência da ação dos
colonos invasores e da atividade intensa de exploração de madeira. De acordo com os próprios
indígenas, toda a madeira que é vista, com frequência, sendo transportada em caminhões
clandestinos pelas estradas da região, vem do interior da TIARG, pois não há outro local nas
proximidades de onde se possa retirar madeira. Ainda de acordo com eles, já existiriam poucas
“toras de madeira boa” na área central da TIARG.
Algumas ações são vistas aqui como essenciais para a garantia da recuperação e
manutenção da integridade ambiental e cultural da TIARG e de seu povo ao longo do tempo:

1. Vigilância e fiscalização contra a exploração ilegal de madeira, sobretudo nas áreas


central e sul da terra indígena;
2. Adoção urgente de medidas legais por parte dos órgãos responsáveis para a retirada dos
colonos invasores que ainda residem na área central da reserva e apoio à sua ocupação
pelos indígenas, através da construção de novos aldeamentos;
3. Adoção, pelos indígenas, de estratégias sustentáveis ou programas de manejo para as
espécies da fauna que são utilizadas por eles na alimentação, artesanato, cerimoniais e
medicina tradicional, a fim de garantir sua disponibilidade ao longo do tempo e manter o
equilíbrio ecológico, preservando seu modo de vida tradicional;
4. Desenvolvimento de projetos de monitoramento para as espécies ameaçadas, essenciais
para o equilíbrio ecológico da cadeia trófica, identificando e valorizando as práticas que
podem já estar sendo empregadas pelos indígenas;
5. Recuperação florestal de áreas desmatadas e degradadas utilizando espécies nativas,
com ênfase àquelas que tenham importância sociocultural para os Tembé, bem como
aquelas que podem atrair espécies da fauna, como as frutíferas;
6. Apoio a ações que visem integrar os indígenas do Guamá e do Gurupi e que promovam o
resgate da língua e da cultura Tembé, principalmente na região do Guamá, onde ocorreu
maior influência da sociedade não indígena que reside ao norte da TIARG;
7. Incentivo e apoio aos indígenas para que respeitem o Zoneamento definido por eles
próprios para a TIARG;
8. Estudo mais aprofundado sobre os produtos da sociobiodiversiade que podem servir
como fonte de renda sustentável aos indígenas da TIARG, valorizando suas tradições,
crenças e saberes;
9. Elaboração de um plano de gestão territorial e ambiental para a terra indígena a partir
dos resultados do Diagnóstico Etnoambiental Participativo e Etnozoneamento da TIARG,
apresentados neste livro.
378

Em Memória de Augustinho Tembé e Leucádia Tembé


379
380

O Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade do Pará publica, neste


livro, os resultados de um trabalho pioneiro de apoio à Política Nacional de Gestão Ambiental
e Territorial de Terra Indígenas, realizado na Terra Indígena Alto Rio Guamá (TIARG),
uma das áreas prioritárias para a conservação da biodiversidade do Estado. Apesar de
vir sofrendo, historicamente, pressões e ameaças socioambientais severas, relacionadas ao
comércio ilegal de madeira e invasões por populações não indígenas, a TIARG constitui o
último grande fragmento florestal do nordeste paraense e, como tal, representa um refúgio
para a maioria das espécies da fauna e flora ameaçadas de extinção no Pará. Buscamos
realizar, em parceria com os indígenas, o diagnóstico participativo sobre a situação
socioeconômica, ambiental e cultural
desta Terra Indígena, além de fazer
um apanhado histórico sobre o povo
Tembé, principal etnia dos indígenas
que ali vivem. Apresentamos, ainda,
os resultados do Etnozoneamento – a
definição de zonas de uso do território,
realizada pelos próprios indígenas, de
acordo com a realidade e as necessidades
de seu povo –, cujo objetivo é auxiliá-
los nos processos de gestão ambiental
e territorial e dar subsídios aos órgãos
governamentais e não governamentais
na elaboração de estratégias que
possam garantir a sustentabilidade
das futuras gerações indígenas que
vivem neste território ancestral.

Realização:

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