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Belém
IDEFLOR-Bio
2017
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Biblioteca da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade/PA)
ISBN 978-85-92612-04-7
Crisomar Lobato
Diretor de Gestão da Biodiversidade
Claudia Kahwage
Gerente de Sociobiodiversidade
Diretoria de Gestão da Biodiversidade
Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade do Estado do Pará
SUMÁRIO
Introdução .................................................................................................................................15
INTRODUÇÃO
Até meados da década de 1960, a política indigenista do estado brasileiro para a Amazônia
esteve pautada em ações “civilizatórias”, visando à transformação dos indígenas em trabalhadores
em prol da nação brasileira. Isso resultou no extermínio de diversos grupos indígenas e na
expropriação de seus territórios. O “movimento nacional indígena” começou a mudar esta
perspectiva a partir da década de 1970, quando os indígenas, inicialmente apoiados pelo
Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e, depois, por outros setores da sociedade, passaram a
se articular, pautados na valorização de suas tradições e na luta por seus direitos. A Constituição
Federal de 1988 foi um marco neste processo, com o reconhecimento de suas organizações
sociais, costumes, línguas, crenças e tradições, bem como dos direitos originários sobre
seus territórios. O foco na sustentabilidade dessas reservas, aliando a defesa pelos direitos
culturais com a conservação da natureza, ganhou força a partir da década de 1990, quando
passaram a surgir iniciativas de gestão territorial e ambiental em terras indígenas (PRINTES,
2012; OLIVEIRA, 2011).
conhecimentos e saberes;
b) O Etnozoneamento, instrumento de planejamento participativo que visa à categorização
de áreas de relevância ambiental, sociocultural e produtiva para os povos indígenas, desenvolvido
a partir do entnomapeamento.
O resultado desses processos é o estabelecimento de zonas de uso do território acordadas
entre os indígenas e que devem ser respeitadas por eles. Portanto, o Zoneamento é uma
ferramenta de gestão territorial e ambiental que prevê a definição, pelos próprios indígenas, de
áreas de uso do território com base em suas características culturais, práticas de subsistência,
perspectivas de desenvolvimento econômico sustentável e necessidades de conservação
ambiental e proteção territorial, bem como nas problemáticas enfrentadas. Assim, são definidas,
por exemplo, zonas de caça, de pesca, de produção, de preservação permanente, de recuperação,
de desintrusão, etc.
No ano de 2013, a então Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Pará – SEMA, por meio
de sua Diretoria de Áreas Protegidas/Gerência de Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais,
reconhecendo o histórico de invasões, de desrespeito aos direitos indígenas e de luta do povo
Tembé pela retomada de suas terras e tradições; e preocupada com a situação de constante
desmatamento e exploração madeireira na Terra Indígena Alto Rio Guamá (TIARG), que ameaça
a rica biodiversidade local e põe em risco a segurança dos indígenas, percebeu a necessidade
de realizar um diagnóstico ambiental, socioeconômico e cultural na área, pois o levantamento
de informações é extremante importante para que seja realizado um trabalho participativo de
Zoneamento do território indígena, capaz de promover uma gestão integrada da área. Nesse
contexto, foi executado o projeto “Diagnóstico Etnoambiental Participativo e Etnozoneamento
da TIARG”, que envolveu tanto pesquisadores não indígenas quanto pesquisadores indígenas
em todas as fases do processo de levantamento e análise de informações. Atuou-se por meio
de uma abordagem participativa de pesquisa, reflexão e tomada de decisão, respeitando o
tempo das comunidades e favorecendo o envolvimento e a integração do grupo social, a fim
de incentivar a espontaneidade e a criatividade, quebrar resistências e facilitar a compreensão
dos contextos apresentados para que, ao final, as diversas categorias de áreas de uso de seu
território fossem estabelecidas pelos próprios indígenas das TIARG.
Desta forma, foram realizadas diversas oficinas na terra indígena ao longo de todo
o trabalho do Etnozoneamento. Na primeira delas, a Oficina de Consulta Prévia, Livre e
Informada, foi apresentado aos indígenas o projeto do Diagnóstico Etnoambiental Participativo e
Etnozoneamento da TIARG (de agora em diante, chamado de Diagnóstico), quando as sugestões
propostas por eles puderam ser incorporadas ao documento (Figura 1). A aprovação ao projeto
e a permissão para a realização dos estudos em suas terras foi oficializada por meio de uma
carta redigida pelos indígenas e assinada por todas as lideranças da TIARG, ao final da Oficina.
Outras oficinas foram realizadas na TIARG no decorrer dos trabalhos: (a) a oficina para
apresentação e discussão, com os indígenas, da metodologia proposta e logística para os
trabalhos de campo do Diagnóstico; (b) a oficina para apresentação, pelos pesquisadores
não indígenas, dos resultados do Diagnóstico, seguida de sua validação pelos pesquisadores
indígenas e pelo restante da comunidade Tembé; e, por fim, (d) a oficina final de zoneamento
da TIARG, quando as zonas de uso do território foram estabelecidas pelos indígenas (Figura 2).
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Figura 1 – Oficina de Consulta Prévia, Livre e Informada realizada na Aldeia Cajueiro, região do rio Gurupi. Foto: Kenavo Junti.
A próxima seção deste livro trata dos métodos que foram aplicados para o Diagnóstico,
isto é, ela explica como foram feitos os trabalhos de campo dos estudos realizados na terra
indígena. Estes estudos constituem parte dos elementos que deram suporte para a realização
do Zoneamento Participativo da TIARG; a outra parte se dá pelo conhecimento dos próprios
indígenas sobre seu território.
No primeiro capítulo do Diagnóstico, Caracterização e Histórico da TIARG, são
apresentadas algumas informações básicas sobre a terra indígena, como localização, extensão,
população, etc., e é feito um apanhado sobre a história mais recente e sobre o cenário atual
da TIARG, incluindo as invasões que lá ocorreram e que dividiram seu território e seu povo,
culminando na perda de algumas de suas características culturais e na degradação ambiental
de boa parte da terra indígena.
O segundo capítulo, História do Povo Tembé, foi elaborado por um pesquisador linguista
e faz uma narrativa sobre o povo Tembé, desde sua origem até os dias atuais, com depoimentos
valiosos dados por indígenas mais idosos de algumas aldeias da TIARG.
Em seguida, é apresentado o capítulo da Socioeconomia, que abordou, através de
questionários aplicados aos indígenas, alguns aspectos relacionados à situação socioeconômica
da TIARG, com ênfase nas atividades produtivas tradicionais e na relação dos Tembé com o
mercado local.Também faz uma abordagem sobre a exploração dos recursos naturais pelos
indígenas, como o extrativismo vegetal e os principais animais caçados.
O capítulo seguinte, Manifestações Culturais: Kàwi'u Haw e Wyra'u Haw (Festa do
Mingau e Festa do Moqueado), procura descrever os diversos aspectos da única festividade
que pertence genuinamente à cultura dos indígenas da TIARG. De cunho cultural e religioso, a
festa se estende por vários dias e engloba os rituais de passagem de meninos e meninas para
a vida adulta. Neste capítulo, foi dado enfoque a aspectos relacionados com o uso de elementos
da biodiversidade local, seja para o preparo de comidas tradicionais servidas durante a festa
ou como símbolos específicos característicos dos cerimoniais ritualísticos, como é o caso do
macaco guariba, que passa por uma espécie de processo de mumificação e é enfeitado com
adornos, de forma semelhante às meninas indígenas.
O capítulo sobre o Meio Físico da TIARG descreve alguns aspectos relacionados ao
clima, ao terreno (hidrografia, geologia, pedologia, etc.) e ao uso da terra (aptidão agrícola),
objetivando conhecer melhor e analisar os recursos disponíveis, a fim de fortalecer ações
voltadas ao uso sustentável e proteção dos recursos naturais na terra indígena.
O capítulo da Flora e Fauna englobou os seguintes subcomponentes: Vegetação,
Ictiofauna (peixes), Avifauna (aves) e Mastofauna (mamíferos). Para esses grupos, foi feito
um levantamento de campo rápido e, por isso, preliminar sobre as espécies existentes na
TIARG, procurando, na medida do possível, avaliar o status de conservação e o uso dado a
elas pelos indígenas, com atenção especial às espécies ameaçadas de extinção. Os trabalhos
foram feitos com a participação dos indígenas, tanto na sua execução quanto no fornecimento
de informações acerca dos grupos estudados. Quando possível, foi apresentado o nome das
plantas e animais na língua Tembé.
O capítulo das Espécies Ameaçadas apresenta os resultados de um trabalho de
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
KANINDÉ - Associação de Defesa Etnoambiental. Metodologia de diagnóstico etnoambiental
participativo e etnozoneamento em terras indígenas. Porto Velho; Brasília: ACT-Brasil, 2010.
1. COMPONENTES INVESTIGADOS
momento, a própria comunidade indicou os nomes dos pesquisadores indígenas que deveriam
compor a equipe de cada grupo temático, levando em consideração seus conhecimentos em
relação ao grupo a ser trabalhado.
Cada grupo temático contou com a colaboração de pelo menos dois pesquisadores
indígenas, um da região do rio Guamá e outro da região do rio Gurupi (Figura 4). Este modelo
foi adotado devido ao histórico de separação no interior da TIARG e à consequente limitação
do contato entre os indígenas do Guamá e do Gurupi, ocasionando, entre outras coisas, o
pouco conhecimento das peculiaridades das terras do Guamá por grande parte dos indígenas
do Gurupi, e vice-versa. Assim, como forma de estimular o intercâmbio entre os indígenas das
duas regiões e promover o maior conhecimento sobre a totalidade de suas terras, tanto os
pesquisadores indígenas que residem no Guamá quanto os que residem no Gurupi participaram
de todo o trabalho de campo, independente da região da TIARG em que o trabalho estivesse
sendo realizado. Este procedimento foi adotado seguindo sugestão dada pelos próprios indígenas
durante a I Oficina do Zoneamento Participativo.
Considerando a dinâmica necessária para a aplicação de questionários, seis indígenas
atuaram como pesquisadores no grupo da Socioeconomia. No caso da Ictiofauna, devido à
logística dos trabalhos de campo, quatro indígenas participaram como pesquisadores. Os
demais grupos contaram com a colaboração de dois pesquisadores indígenas. Assim, houve
um total de 20 pesquisadores indígenas atuando diretamente no levantamento de dados para
os grupos temáticos cujos estudos de campo foram realizados em 2014 (Socioeconomia, Meio
Físico e – dentro de Flora e Fauna – Vegetação, Ictiofauna, Avifauna e Mastofauna).
Em relação ao componente "História do Povo Tembé", os indígenas não atuaram como
pesquisadores, mas como informantes, concedendo entrevistas que foram gravadas pelo
pesquisador linguista (Figura 5). Da mesma forma, o levantamento de dados sobre o componente
“Espécies Ameaçadas de Extinção” foi feito principalmente através de questionários aplicados
aos indígenas, embora algumas informações tenham sido obtidas por observação direta dos
pesquisadores durante o período em que estiveram na área de estudo.
Figura 3 – Pesquisadores indígenas e não indígenas definindo locais para o estabelecimento de parcelas
para estudo da vegetação durante a I Oficina do Zoneamento Participativo. Foto: Renata Valente.
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Figura 5 – Pesquisador do componente "História do Povo Tembé" realizando entrevista com indígena
na região do Gurupi.
3. PERÍODO DE AMOSTRAGEM
Os trabalhos de campo para os componentes do Meio Físico, Socioeconomia e Flora e
Fauna foram conduzidos durante 20 dias, compreendendo o período de 17/09 a 12/10/2014,
sendo cerca de 10 dias de amostragem na região do rio Gurupi e 10 dias na região do rio Guamá.
4. LOCAIS DE AMOSTRAGEM
Para dois componentes da fauna (avifauna e mastofauna), os trabalhos de campo foram
conduzidos principalmente em trilhas abertas no interior da floresta. Foram abertas quatro
trilhas de 4 km de extensão, sendo duas na região do Guamá e duas na região do Gurupi
(Figuras 6 e 7).
a) Trilha São Pedro, Guamá: localizada em área de floresta de terra firme alterada (pela
extração de madeira e/ou queimada) e floresta secundária;
b) Trilha Pinu’a, Guamá: localizada em área de floresta secundária;
c) Trilha Canindé, Gurupi: localizada em área de floresta de terra firme bem conservada;
d) Trilha, Akazu Iw, Gurupi: também localizada em área de floresta de terra firme, porém
um pouco mais alterada.
Os poucos remanescentes florestais existentes na região do Guamá e os acidentes
geográficos do terreno dificultaram a abertura de uma trilha de 4 km, em linha reta, que estivesse
compreendida, exclusivamente, na floresta de terra firme. Por isso, a trilha São Pedro apresentou
um desenho diferente das demais trilhas (Figura 6).
Outras trilhas preexistentes na TIARG, com menor extensão e pouco utilizadas pelos
indígenas, também foram visitadas pelos pesquisadores da Avifauna e Mastofauna como forma
de amostrar outros ambientes. Em geral, estas foram áreas com maior grau de intervenção
humana no que se refere à estrutura da floresta, ou seja, matas com maior nível de alteração
quando comparadas com aquelas onde foram abertas as trilhas de 4 km.
Além da amostragem nas trilhas, também foram coletados dados baseados em caminhadas
próximas às aldeias (normalmente em áreas abertas, estradas ou pastos); em saídas diurnas
ou noturnas utilizando embarcações para observar animais nas margens dos rios (Figura 8);
e em relatos ou evidências de caça.
Figura 8 – Alguns dos ambientes diferentes de florestas que foram visitados pelos pesquisadores
para a coleta de dados dos componentes da fauna (Avifauna e Mastofauna): margens de rios e
áreas abertas (estradas, pastos e área das aldeias). Fotos: Pedro Santos e Claudia Kahwage.
foram definidos durante a Oficina, com algumas complementações durante o próprio trabalho
de campo.
Para o componente da Socioeconomia, como a metodologia incluía a aplicação de
questionários à comunidade indígena, os pesquisadores procuraram visitar o maior número
de aldeias possível, tanto no Guamá quanto no Gurupi.
O pesquisador do componente "História do Povo Tembé" limitou seu trabalho à região do
Gurupi e à pesquisa da literatura. O objetivo do estudo, conduzido por um linguista, foi narrar a
história do povo, contada pelos próprios indígenas, na língua Tembé-Tenetehara. Este desenho
foi aplicado pelo fato da maior parte dos indígenas que fala bem a língua Tembé residir na
região do Gurupi.
A base dos pesquisadores durante os trabalhos na região do Guamá foi a Aldeia São
Pedro (1° 50’ 41.78” S; 46° 58’ 53.16” W) (Figura 6), enquanto que no Gurupi as bases foram
as aldeias Canindé (2° 33’ 20.69” S; 46° 30’ 9.80” W) e Cajueiro (2° 44’ 34.68” S; 46° 41’ 47.34”
W) (Figura 7). A partir dessas aldeias, os pesquisadores se deslocavam diariamente para os
pontos de amostragem previamente definidos. Dependendo da proximidade desses pontos
em relação à aldeia base e do tipo de trabalho a ser executado, esse deslocamento poderia
ser feito a pé, de carro ou de barco. No Gurupi, a forma mais comum de transporte é feita
utilizando-se embarcações, pois não existem estradas interligando a maior parte das aldeias,
como existem no Guamá.
Além da pesquisa de campo realizada nos diversos ambientes visitados na TIARG, as
equipes de pesquisadores da fauna e da flora também procuraram realizar etnolevantamentos
por meio de conversas, entrevistas e questionários aplicados aos indígenas (Figura 9). Os
detalhes desse procedimento são explicados nos capítulos correspondentes a cada grupo.
A seguir, são apresentados os resultados do Diagnóstico Etnoambiental Participativo da
TIARG.
Figura 9 – Conversas formais e informais, com aplicação de questionários aos indígenas, como parte do
etnolevantamento de componentes da fauna da TIARG. Fotos: Pedro Santos e Adna Albuquerque.
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CAPÍTULO 1
CARACTERIZAÇÃO E
HISTÓRICO DA TERRA
INDÍGENA ALTO RIO
GUAMÁ
Neste capítulo, procuramos fazer uma caracterização geral da TIARG: sua localização,
extensão e vias de acesso; sua população; o histórico de criação e a ocupação irregular por
colonos e fazendeiros, chegando à situação fundiária atual. É dado destaque às invasões
ocorridas na terra indígena e suas consequências, bem como às atividades ilegais que até hoje
continuam sendo praticadas naquela área, principalmente a exploração seletiva de madeira,
que causa uma série de outros problemas, tanto socioculturais, quanto ambientais, ameaçando
a rica biodiversidade nesta parte da Amazônia.
Figura 10 – Municípios que compõe a TIARG e que fazem fronteira com esta terra indígena.
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Figura 11 – Mosaico de áreas protegidas formado pela Terra Indígena Alto Rio Guamá,
no Pará, e outras áreas protegidas localizadas no Maranhão. Fonte: Modificado de
Almedia e Vieira (2010).
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2. POPULAÇÃO
Os dados oficiais mais recentes apontam um total de 1.727 indígenas vivendo na TIARG
(Fonte: Siasi/Sesai, 2014, via ISA - Instituto Socioambiental - https://www.socioambiental.org/pt-br;
Acesso: 05/05/2017), a grande maioria da etnia Tembé. Outras etnias presentes são Timbira,
Guajajara, Ka’apor, Mundurucu e, em menor número (um ou dois indivíduos), Wayãpi, Gavião
Parkatejê, Amanayé e Kayapó (para detalhes, ver capítulo da Socioeconomia, nesta publicação).
De acordo com o IBGE, em 2010 a população total da TIARG era composta por 3.748
pessoas (Fonte: ISA - Instituto Socioambiental - https://www.socioambiental.org/pt-br; Acesso:
25/02/2016). Entretanto, boa parte destes eram não índios que passaram a ocupar irregularmente
a terra indígena a partir de meados das décadas de 60-70. Há alguns anos, estimava-se a
presença de cerca de 1.000 famílias de não índios na TIARG, estabelecidos principalmente
na área central da reserva, os quais estariam a espera de um assentamento novo por parte
do INCRA (MITSCHEIN et al., 2012). Acredita-se que, hoje, este número seja menor, pois
muitas famílias teriam se retirado após a conclusão do processo de reintegração de posse de
uma área da terra indígena que havia sido ocupada pelo fazendeiro Mejer Kabacznik (BESSA,
2016; ver detalhes abaixo).
A TIARG foi criada por meio do Decreto no 307, de 21 de março de 1945, a título de
doação, como Reserva para os índios das etnias Tembé (em sua maioria), Ka’apor, Timbira e
Guajajara (ASSIS; DIAS, 2009; MORAES, 2008; NEVES; CARDOSO, 2015). Na época, era
chamada de Reserva Indígena Alto Rio Guamá (RIARG).
A denominação “Tembé” foi dada ao ramo ocidental dos índios Tenetehara que ocupavam
o Estado do Maranhão, na região dos rios Pindaré e Caru, e que teriam migrado para o Pará
e se espalhado pelas cabeceiras dos rios Gurupi (que divide o Pará e o Maranhão), Guamá,
Capim e Acará-Miri. Os Tenetehara que ficaram no Maranhão (ramo oriental) são chamados
de Guajajara. Entretanto, uma parte dos Tembé vive na margem direita do rio Gurupi, na Terra
Indígena Alto Turiaçu, no lado maranhense (ISA – Instituto Socioambiental - https://pib.socioambiental.
org/pt/povo/tembe/1023; Acesso: 02/08/2016).
No Pará, os Tembé da bacia do rio Acará vivem nas terras indígenas Tembé e Turé-
Mariquita I e II, no Município de Tomé-açu; os da bacia do rio Capim vivem na Terra Indígena
Maracaxi (situação jurídica “Declarada”), em Aurora do Pará; e os Tembé do rio Guamá e da
margem esquerda do rio Gurupi, objetos deste estudo, vivem na TIARG. Há ainda duas terras
no município de Santa Maria do Pará – Jeju e Areal – que abrigam poucas famílias da etnia e
que se encontram em processo de identificação (BELTRÃO; LOPES, 2014; FERNANDES, 2015;
LOPES, 2015). Para mais informações sobre os Tembé e a situação das terras que ocupam
no Pará, recomenda-se consultar: Instituto Socioambiental – ISA (https://pib.socioambiental.org/
pt/povo/tembe/1023) e Kahwage e Marinho (2011).
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Figura 13 – Ocupação da TIARG até meados do ano de 2014, mostrando pontos de localização
de invasores e de vilas e povoados na região central da terra indígena. A área laranja e tachada
delimita a região que foi ocupada irregularmente por Mejer Kabacznik, proprietário da fazenda
Irmãos Coragem, até o final de 2014. Fonte: Modificado de FUNAI (2010).
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Figura 15 – Áreas que estão sob o domínio indígena na região do Guamá, incluindo aquela onde antes
se estendiam os domínios da Fazenda Irmãos Coragem, de Mejer Kabacznik.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALBERNAZ, A. L. K. M.; ÁVILA-PIRES, T. C. S. Espécies ameaçadas de extinção e áreas
críticas para a biodiversidade no Pará. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi/Conservação
Internacional, 2009, 56 p.
CAPÍTULO 2
HISTÓRIA DO POVO TEMBÉ
Sérgio Meira
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Após a partida dos jesuítas, o controle da região do Pindaré passou, ao fim do século
XVIII, às mãos das autoridades civis, as quais, para atrair os índios, dividiram o território
Tenetehara em “Diretorias”, onde se fundariam “Colônias”. Esta abordagem, contudo, não teve
êxito: nenhum diretor foi nomeado e poucos índios foram atraídos para as “Colônias”. Além
disso, não índios foram-se estabelecendo na área Tenetehara, fundando povoados (Sapucaia,
Santa Cruz); alguns Tenetehara se aproximaram deles e começaram a colaborar na extração
de copaíba e borracha (GALVÃO, WAGLEY, 1961:23-25).
Por volta de 1850, alguns grupos Tenetehara deslocaram-se da região dos rios Pindaré e
Caru até a área dos rios Gurupi e Guamá, no Pará, onde se estabeleceram; estes grupos logo
passaram a ser conhecidos como Tembé1 (HURLEY, 1928). Em 1861, devido a conflitos com
os regatões que atuavam na região e exploravam o trabalho dos indígenas, alguns Tembé se
transferiram até o rio Capim, onde viviam os Turiwara, grupo tupi-guarani aparentado, o qual
foi lentamente absorvido pelos Tembé (BRUSQUE, 1862:15). A floresta dessas regiões dava
refúgio aos grupos indígenas, protegendo-os do contato com os brancos; lá viviam, além dos
Tembé e Turiwara, grupos Amanajé, Guajá, Ka’apor, Krên-Yê/Araparytiua e Timbira.
Nessa época, os Tembé já estavam envolvidos com a extração de óleo de copaíba como
atividade econômica, sob o controle dos regatões, que os exploravam sem dó nem piedade.
Como dizia Araújo Brusque (1862:12-13), Presidente da Província do Pará (citado em Moreira
Neto 1971, e em Ricardo 1985):
[...] o índio em vossa Província acolhe benigno no seio da sua maloca aqueles
que o procuram. Certos disso não faltam aventureiros, que [...] mediante o
adiantamento de alguns objetos, que o índio reputa de subido apreço, dentro
em pouco ganha império sobre a tribo, a qual governa a seu bel prazer. De
então em diante ninguém mais ali entra, e a vontade do regatão é lei [...] E
o pobre índio lhe obedece cegamente. [...] quando passados três ou quatro
meses de árduo trabalho, [o índio] regressa ao grêmio da aldeia, [o regatão]
lhe faz a conta de modo que o mísero índio lhe fica devendo ainda. [...] No
Gurupi um corte de calças de algodão ordinário, que custa nesta Cidade mil
réis, é dado ao índio em troca de um pote de óleo de copaíba, [...] que vale
por conseguinte neste mercado 20$000 [...] Ainda não é tudo. Rude, embora,
¹ Até hoje, os Tembé, bem como seus parentes Guajajara do Maranhão, chamam a si mesmos Tenetehara,
termo também usado para grupos indígenas em geral. O termo ‘Tembé’ ou ‘Timbé’, que Max Boudin
(1978:255) interpreta como derivado de tĩ-(m)be(b) ‘nariz chato’, foi provavelmente dado a este grupo
por habitantes locais ou regatões. O termo não parece ser Tembé (onde ‘nariz chato’ seria xi-pew, com i
não nasal e um w final), sendo provavelmente oriundo de variedades locais da língua geral (nheengatu),
ou talvez de outro idioma tupi-guarani vizinho.
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o índio ama a família e preza os tenros filhos [...] Pois bem, é o santuário da
família, é o regaço do amor-paternal o terreno, em que o regatão exerce às
vezes a sua mais brutal ferocidade. Quando não seduz a esposa, rapta a filha
e quase sempre arranco do grêmio da família tenras crianças que em seu
regresso ao povoado reparte entre seus comparsas [...] E o pobre índio desta
região sofre humilde este duro tratamento, e acolhe de novo no ano seguinte
o regatão, e continua seu credor e régulo da mesma aldeia [...]
Antes de eu vir para aqui, nós morávamos na cabeceira desse rio Gurupi, numa
aldeia que se chamava Caju Apar [Akazu Apar, lit. ‘Caju Torto’]. Lá não tinha
Karaiwa, Karaiwa é como nós chamamos vocês, os não índios... Lá só tinha
índio. [...] Aí apareceu um Karaiwa, de nome Saul, que se agradou de uma
irmã que nós tínhamos, de nome Tereza, e ela também se agradou dele. [...]
E ele convidou a gente para vir tudo para cá, para o Kanindé. Aí nós viemos,
e aqui todo mundo se arrumou, e casou, e fez casa...
Ao findar a primeira metade do século XX, a população Tembé havia sofrido uma queda
muito acentuada: de cerca de 9.000 em 1872 (DODT, 1939:172-175), chegou-se a 1.068 em 1930
(Hurley 1932:37-39) e 350-400 em 1940 (SPI, em RIBEIRO, 1979:308), um decréscimo de mais
de 2.000%. A causa maior foram doenças, principalmente sarampo, que se espalharam devido
ao contato mais intenso com os brancos e afetaram a população local em surtos epidêmicos.
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Eu era rapazinho, né? [...] Aí morria muita gente... Chamavam a gente para
ir ver um parente que morreu, do sarampo, e a gente ia, só que no tempo da
viagem, até a gente chegar lá, já morriam mais dois, três... Eu via muita gente
morrendo. Eu pensava: talvez vou morrer também, não sei. Eu tinha medo. Mas
aí eu me disse: se for para eu morrer, eu morro, não é? Se não, eu continuo
vivendo. Aí eu fui continuando a viver...
Nos anos 1970 muitos homens Tembé foram levados pela FUNAI do Gurupi até a área
das obras da rodovia Transamazônica, onde trabalharam em frentes de atração para outros
grupos tupi-guarani (Asurini do Xingu, Parakanã, etc.). Tantos foram os homens levados à
Transamazôncia que a população local se viu debilitada de elementos masculinos, o que causou
escassez de alimentos proteicos (caça) e queda nas atividades rituais, até que os homens
voltaram, alguns anos depois. Em 1971, o governo tentou transferir os Tembé do Gurupi para
o Guamá, mas estes se recusaram, e permaneceram no Gurupi. De fato, só nos anos 1980
foram retomados contatos regulares entre os Tembé do Guamá e os do Gurupi.
A Terra Indígena Alto Rio Guamá, de posse dos grupos Tembé do Guamá e do Gurupi,
tem uma história conturbada. Decretada em 27 de março de 1945 e homologada em várias
fases, entre 1999 e 2005 (ISA, 2014), a área viu-se progressivamente invadida por milhares de
camponeses, posseiros e madeireiros, bem como encravada em importantes litígios fundiários,
os quais afetavam a sua área central (a região entre os rios Piriá e Coraci-Paraná). Nos
anos 1970, fazendas limítrofes, entre as quais se destaca a do fazendeiro Mejer Kabacznik,
deslocaram os marcos, avançando sobre a área Tembé. Kabacznik também fez abrir uma
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Em 02/06/81 viemos oito Tembé até Belém fazer uma reunião com o delegado
Paulo Cezar. Falamos com o advogado e ele foi até o Guamá. Chegou lá e
alegou para nós que nós não era mais índio. Disse que nós estava querendo
brigar com FUNAI, que nós estava fazendo uma pista para ser emancipado
e daí a gente ficou assim e mandamos uma carta para o delegado, pedindo
que ele fosse lá. Foi no começo de junho. O Dr. Paulo chegou lá, dizendo que
tínhamos que fazer um acordo, que a gente devia aceitar a terra loteada, cada
família com 200 ha. A comunidade ficou assim e achou que não devia aceitar.
A comunidade achou que devia ficar com a área em conjunto, não loteada.
Segundo os índios velhos, acharam que não, porque nasceram e se criaram
sem viver assim no individual, mas em conjunto, comunitário.
A FUNAI disse que ia tirar a estrada do Mejer para cima para os posseiros
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e da estrada para baixo para os índios. E a comunidade disse que não, que
aquilo era muito pouco. Daí a comunidade se reuniu, se organizou e viemos
até Belém falar com o Dr. Paulo [para] que a FUNAI tomasse providência e
expulsasse os posseiros, que estavam muito perto. A última aldeia, que fica
em cima, está com 300 metros de distância da invasão. Está muito encostado.
Então a gente pediu uma iniciativa com urgência da FUNAI. O delegado
falou que era difícil a FUNAI limpar toda a reserva. Ele podia limpar onde
eles programaram: da estrada do Mejer para cá. Da estrada do Mejer para lá
ficaria com os posseiros. Nós achamos pouca terra. A comunidade achou que
devia ser pelo menos do Piriá até o Guamá. E assim ficou que não resolveu.
O delegado falou com Brasília e Brasília respondeu que no dia 28 estaria em
Belém ou no Guamá para entrar em acordo com a gente, para saber como é
que vai ficar o problema da terra.
Depois de um longo processo judicial, em 2013 foi concedida decisão favorável, em última
instância, aos indígenas da TIARG, restituindo-lhes o direito à área invadida pelo fazendeiro
Méjer Kabacznik, mas a ordem de despejo foi dada apenas em 2014. Embora os funcionários
que ainda ocupavam a área da fazenda já houvessem se retirado (não sem antes destruir todas
as benfeitorias que lá haviam sido construídas), durante a ação de retomada pelos indígenas
acabou ocorrendo conflito armado entre estes e posseiros instalados em suas proximidades,
resultando em alguns feridos, porém, sem gravidade. Para garantir a posse da área, os Tembé
têm estado presentes na área, que segue sob seu domínio. Contudo, embora em menor número,
toda a região central da terra indígena ainda se encontra ocupada por posseiros invasores e,
até o momento, não há perspectivas concretas para sua retirada.
52
2. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOUDIN, M. H. Dicionário de tupi moderno: dialeto tembé-ténêtéhar do alto Rio Gurupi, vol.
1. São Paulo: Conselho Estadual de Artes e Ciências Humanas, 1978.
DODT, G. Descrição dos rios Parnayba e Gurupi (1873). São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1939.
GALVÃO, E.; WAGLEY, C. Os índios Tenetehara. Col. Vida Brasileira. Rio de Janeiro: Serviço
de Documentação do MEC, 1961.
MOREIRA NETO, C. A. A política indigenista brasileira durante o século XIX. Rio Claro,
2 vols., 1971.
CAPÍTULO 3
SOCIOECONOMIA
1. INTRODUÇÃO
A vasta malha hídrica da Terra Indígena Alto Rio Guamá (TIARG), que é banhada por
dois grandes rios principais, o Guamá, ao norte, e o Gurupi, ao Sul, somada à presença da
exuberante floresta tropical úmida de terra firme e dos solos predominantemente arenosos
de textura média e graúda, possibilitam que os Tembé ainda desenvolvam, como na maioria
das sociedades ancestrais e tradicionais da Amazônia, práticas produtivas tradicionais, que
combinam atividades de pesca, caça, agricultura itinerante e extrativismo vegetal. São estas
práticas que propiciam a inserção dos indígenas no mundo da natureza, fornecedora de sua
fonte de subsistência e onde a diversidade biológica da floresta e dos rios é magnânima. É por
meio dessas atividades que os indígenas incorporam e (re)estruturam constantemente estes
elementos naturais em seu universo cultural de tradições e costumes.
O avanço exponencial do desmatamento ao longo dos anos sobre este território indígena,
ocasionado, principalmente, pelo contato com as frentes de expansão agropecuária da sociedade
nacional envolvente, fomentou o desenvolvimento de atividades produtivas extremamente
danosas à conservação da diversidade biológica e da cultura local.
A pecuária extensiva de grande e pequeno porte, a extração legal e ilegal de madeira,
a pesca predatória e as monoculturas atuais, como soja, eucalipto, pimenta-do-reino e cacau,
dentre outras, realizadas no interior e no entorno do território indígena, são atividades de
grande ameaça às práticas produtivas tradicionais e à cultura agrícola e extrativista indígena,
tanto pela destruição dos habitats naturais das espécies animais e vegetais, quanto pelas
mudanças climáticas que toda a região do nordeste paraense vem sofrendo ao longo dos
anos (MACHADO-FILHO et al., 2016), uma vez que a falta da floresta altera sobremaneira
os índices pluviométricos locais (COEHN et al., 2007). A destruição dos hábitats naturais da
TIARG compromete o delicado equilíbrio da segurança alimentar e as mudanças no microclima
acarretam impactos diretos sobre todas as atividades produtivas realizadas pelos indígenas.
No verão de 2015, eles enfrentaram uma seca devastadora que provocou queimadas
na floresta e destruição da diversidade biológica associada, causando prejuízo para todas as
atividades produtivas indígenas. Os Tembé da região do Gurupi nos relataram a tristeza de,
ao entrarem na floresta, ver os animais que foram queimados vivos e os seus estoques de
açaizais completamente destruídos pelo fogo. Mesmo a produção de mudas dos açaizeiros
foi comprometida, afetando os indígenas no que se refere à sustentabilidade dos sistemas
produtivos desta palmeira, uma vez que não havia mudas disponíveis para que fosse realizado
o replantio das áreas onde se encontravam os açaizais.
De outro lado, a economia indígena também é afetada positiva e negativamente pelo
contato frequente que os indígenas mantêm com os centros citadinos locais, principalmente
as cidades de Capitão Poço e Paragominas, e pela consequente ampliação das necessidades
de consumo indígena. A situação de contato, que já se estende pelo menos desde o século 18
(SALES, 2000), a assimilação dos hábitos da sociedade envolvente e a insegurança alimentar
exponente, provocada pelo impacto socioeconômico das mudanças climáticas, faz com que
os indígenas, cada vez mais, venham dependendo e requerendo a compra de alimentos
industrializados, como arroz, açúcar, macarrão, bolachas, salgadinhos, refrigerantes, carne
bovina, dentre outros. Além disso, o anseio pela aquisição de equipamentos eletroeletrônicos,
56
como fogão, celulares, geladeiras, carros, televisão, etc., requer um poder potencial de compra
dos indígenas e, consequente, faz com que eles intensifiquem a produção agrícola e extrativista
para que o excedente seja vendido nos mercados próximos. Outro aspecto do anseio por bens
de consumo se reflete no envolvimento dos indígenas com outros tipos de atividades produtivas,
como a venda de sua mão de obra para fazendeiros, ou , ainda, em atividades ilícitas, como a
extração ilegal de madeira. De forma positiva, os indígenas também têm buscado a escolaridade
e o horizonte de formação no ensino superior, para que possam ter acesso a cargos públicos
no âmbito das aldeias e fora delas.
Neste artigo, procuramos, por meio de análise dos dados de questionários e de relatos
dos indígenas, expor aspectos da situação socioeconômica da TIARG, tecendo considerações
sobre as atividades produtivas tradicionais realizadas na terra indígena e sobre a relação dos
Tembé com o mercado local. A análise dos dados nos possibilitou fazer sugestões para o
melhoramento das atividades produtivas locais, tendo em vista o fortalecimento socioeconômico
e cultural indígena, conforme prerrogativas da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental
de Terras Indígenas (BAVARESCO, 2014).
Tabela 1 – Aldeias das regiões do Guamá e do Gurupi onde foram aplicados questionários para a coleta
de dados sobre a socioeconomia da TIARG.
Guamá Gurupi
Guamá Gurupi
Tawari Sussuarana
Zawara/Zawarahu Teko Haw
Taraku'atyw Três Furos
Faveira
Ka’a Pite Pe Har
A maior parte das aldeias da TIARG foi visitada pela equipe de pesquisadores indígenas
e não indígenas. Estes manipulavam telefones celulares para coleta de dados no sistema ODK
(Open Date Kit). Alguns dados referentes a aldeias que, por motivos de escassez de tempo
ou outro contratempo, não puderam ser visitadas foram obtidos a partir de informações de
“parentes” que moram em alguma aldeia em que a equipe de pesquisa trabalhou coletando
informações (“parentes”: designação em português mais comum entre os indígenas para se
auto identificarem entre si). Também é importante destacar que, em algumas dessas aldeias,
devido a outras atividades do cotidiano indígena (roçado, caça, pesca, etc.), não foi possível
encontrar todos os moradores presentes e, portanto, não foi possível entrevistar todos os
“parentes”, como era desejado.
No total, 433 questionários foram aplicados da seguinte forma:
• Questionário sobre dados pessoais (individual): 245 aplicados;
• Questionário sobre família, abordando aspectos sobre a unidade básica da estrutura
social indígena (a saber: família extensa): 188 aplicados.
Neste livro, somente conseguimos analisar e publicar os dados sobre a produção
econômica indígena, uma vez que o pesquisador que estava responsável pela análise dos
dados socioeconômicos totais não pode entregar o seu relatório final na ocasião do término
dos trabalhos de campo. Para não deixarmos de publicar alguma informação sobre o assunto,
decidimos elaborar o texto sobre o sistema produtivo que segue abaixo.
O procedimento de pesquisa a respeito do questionário sobre família: os chefes de
família (ou pessoa adulta que soubesse fornecer os dados solicitados), após responderem
o questionário individual, também forneciam informações sobre aspectos mais gerais dos
moradores da casa em que habitam. Nas perguntas em que era possível o surgimento de
respostas não previstas pelas opções apresentadas, foi inserida a escolha “outra resposta”,
que permitia registrar respostas não previstas. Como não houve tempo para realizar uma
calibragem do questionário, essa foi a opção encontrada para amenizar erros muito graves.
Algumas das perguntas foram sugeridas pelos próprios indígenas, seguindo o espírito
da lógica participativa. A abrangência da cobertura dos dados variou conforme as lacunas que
ocorreram na coleta. Muitas dessas lacunas foram ocasionadas pela excessiva miniaturização
tecnológica das ferramentas disponibilizadas, a saber, nove aparelhos celulares. Alguns
integrantes da equipe reclamaram do tamanho das letras (o que ocasionava um grande cansaço
ao final de um dia inteiro de trabalho, o que, com certeza, diminuiu a qualidade da pesquisa)
58
e do mau funcionamento da tela touch screen em vários aparelhos. Por conta da dificuldade
de encontrar energia elétrica disponível em algumas aldeias, cabe alertar que a maioria dos
aparelhos chegou a campo com a bateria completamente descarregada. Outras dificuldades,
como a falta de embarcações exclusivas para o deslocamento fluvial da equipe, que utilizava
embarcações da própria comunidade, nem sempre disponíveis, também desarticulou, por
vezes, o trabalho coletivo, obrigando a equipe a se dividir.
Portanto, dependendo dos pequenos equívocos na coleta, os números de dados totais
apresentam variação. Além disso, cabe destacar que respeitamos a decisão individual de não
participação, caso a pessoa se recusasse a responder a pesquisa por inteiro ou se recusasse
a responder algumas das perguntas. A máxima cobertura de dados chegou a 1098 pessoas no
quesito referente a gênero: espantoso número, haja vista o curto período de tempo disponível
(20 dias), a reduzida (mas empenhada) equipe e os problemas técnicos e logísticos enfrentados.
3. RESULTADOS
3.1. Sistema de Produção Econômica
semana; a maioria (42%) com frequência de apenas uma vez por semana; 13% a cada 15
dias; outros 13% uma vez por mês; e apenas 1% menos de uma vez por mês. A prática mais
significativa da caçada é realizada na região do rio Gurupi, uma vez que 95,6% das famílias
indígenas entrevistadas nesta região realizam a atividade (Figura 16), sendo a maioria (42%)
com frequência superior a uma vez por semana; 44% pelo menos uma vez por semana; 8%
a cada 15 dias; e apenas 5% uma vez por mês. A região do Gurupi ainda apresenta uma
porção significativa de seu território constituída por floresta tropical densa primária. Em áreas
florestadas a caça é facilitada pela maior variedade e abundância de animais, o que justifica
a frequência da atividade no Gurupi.
Os Tembé são um povo de tradição agrícola longínqua. Sales (2000) cita que, em 1872,
o Ministério de Agricultura, Comércio e Obras Públicas contratou um engenheiro alemão para
trabalhar na região. Este propôs, em relatório técnico, a introdução da “lavoura racional” aos
Tembé habitantes da região do Gurupi, com o objetivo de combater o nomadismo típico deste
povo, consequência da tendência que possuíam de praticar a “lavoura rotineira”, que exigia
novos terrenos para produção, a cada ano.
Em 1930, tanto os Tembé do Guamá quanto do Gurupi já estavam assimilados à economia
regional e forneciam, por meio de força de trabalho escravo, produtos agrícolas e extrativos,
como mandioca, breu, cravo, fumo e óleos de andiroba e copaíba. Depois da década de 30,
com a economia monetizada, os índios também passaram a fornecer malva, castanha, madeira,
arroz e feijão (SALES, 2000).
A partir de 1945, após criação da reserva e instalação dos Postos Indígenas do Serviço
de Proteção ao Índio (SPI), os indígenas passaram a ser convidados a trabalhar nos Postos,
onde abriram grandes roçados. Eles passaram a ser impelidos de reunirem-se ao redor do
Posto, sendo introduzidos ao assalariamento, não só pagamentos para os trabalhos agrícolas,
mas também para a construção de uma estrada que uniria as regiões do Guamá e do Gurupi.
Isto teria modificado a relação dos Tembé com a terra e com outros grupos indígenas que
viviam na região (SALES, 2000).
Atualmente, a agricultura desenvolvida pelas famílias indígenas possui importância
fundamental no âmbito dos sistemas produtivos da TIARG. É ela que tem garantido parte
da segurança alimentar desses indígenas, sendo também a base de suas relações com o
mercado envolvente. O sistema de plantio dos roçados, que inclui culturas agrícolas anuais,
como feijão, milho, cará, mandioca e jerimum, é feito com base na agricultura de corte, queima
e pousio (agricultura itinerante). As roças são abertas quase que anualmente. No ano de 2014,
a maioria das famílias do Guamá e do Gurupi declarou ter aberto a área de roça nos anos de
2013 e 2014, de forma que as roças parecem estar sendo abertas anualmente, de acordo com
a finalização das safras produtivas. Naquele mesmo ano, o plantio nos roçados em áreas de
floresta secundária (capoeira) foi feito por 75% das 177 famílias entrevistadas (Figura 17). O
número de famílias que plantam em áreas de capoeira é bem mais expressivo na região do rio
Guamá, onde 94% dos indígenas realizam plantio na floresta secundária. Quatorze por cento
(14%) das famílias indígenas da TIARG fazem a abertura para o plantio da roça em área de
floresta primária (Figura 17). Essas famílias habitam a região do rio Gurupi, onde este tipo de
floresta ainda é presente. Como há pouquíssimos remanescentes de floresta primária na região
do rio Guamá, apenas uma família abriu roçado neste ambiente no ano de 2014.
62
Figura 17 – Tipos de ambientes utilizados para abertura de roçados nas regiões do rio
Guamá e do rio Gurupi.
Normalmente, cada família extensa faz sua roça e todos os integrantes do grupo são
envolvidos nas atividades produtivas, havendo uma divisão do trabalho de acordo com o
gênero. Para abertura das roças, os homens fazem a derrubada da floresta, seja ela primária
(mata) ou secundária (capoeira), e depois colocam fogo na área para que as cinzas das árvores
queimadas fertilizem o solo (Figura 18). As mulheres se encarregam do plantio.
Figura 18 – Áreas de roçado sendo preparadas, com atividades de corte e queima (A); e roças já em
produção, com cultivo dos principais produtos agrícolas na TIARG: mandioca (B) e milho (C). Fotos:
Claudia Kahwage.
63
Na aldeia Teko Haw, situada na margem esquerda do rio Gurupi, justamente na fronteira
do Pará com o Maranhão, várias famílias estão fazendo roças na margem direita do rio, em
áreas legalmente reservadas aos índios Kaapor, na Terra Indígena Alto Turiaçu, localizada em
território maranhense. Os indígenas da aldeia Teko Haw relataram que, no entorno da aldeia,
fica difícil fazer a abertura de roças, pois há uma família que cria gado numa área que não está
cercada e os animais acabam por destruir as plantações, situação que gera conflitos entre eles.
Por isso, pediram autorização aos Kaapor para fazer roçados na área da Terra Indígena Alto
Turiaçu, como forma de amenizar os conflitos relacionados à criação de gado.
As famílias indígenas da TIARG se empenham principalmente na produção agrícola de
15 produtos alimentícios de ciclo de plantio sazonal, dentro os quais se destacam a mandioca,
a banana, o milho, a melancia e a macaxeira, que são os mais plantados pelas 177 famílias
entrevistadas que realizam atividade de agricultura, tanto na região do Gurupi quanto na do
Guamá (Figura 19).
A mandioca, utilizada para fazer a farinha e outros produtos derivados, é o cultivo de
maior expressão produtiva no âmbito da agricultura familiar dos Tembé, sendo cultivada por
98,8% das famílias entrevistadas na TIARG (95,6% na região do Guamá e 90,4% na região
do Gurupi). Em seguida, vem o milho, a macaxeira, a melancia e a banana, que também são
culturas alimentares importantes no âmbito do sistema agrícola local, sendo produzidos por
93,4%, 92%, 87% e 87%, respectivamente, das famílias entrevistadas.
O cultivo tradicional da mandioca para a alimentação continua ocorrendo intensamente
entre os Tembé (Figura 20), proporcionando a tradicional produção da farinha e da goma de
mandioca, que são produtos de base da cultura alimentar indígena. A produção intensiva de
farinha lhes proporciona uma possibilidade de inserção no mercado, uma vez que este é um
produto que tem conquistado expressivo valor econômico em escala local, regional e nacional.
O quiabo é produzido por um pouco mais da metade (51,5%) das 177 famílias que
declararam realizar atividades de plantio agrícola na TIARG, enquanto menos da metade
das famílias entrevistadas declararam produzir pimenta-do-reino e jambu (37,1% e 26,4%,
respectivamente), mostrando que estes são cultivos de menor importância para a cultura
alimentar dos Tembé em comparação com outros produtos cultivados na TIARG.
As culturas agrícolas perenes são, em sua maioria, árvores frutíferas que são cultivadas
com grande intensidade pelos Tembé. Eles plantam pelo menos cinco espécies exóticas de
cultivo perene: café (Figura 21), laranja, limão, manga e caju. Também realizam plantio de
65
cacau, cupuaçu, goiaba e jaca. Incluímos na lista de perenes o algodão e a malva, pois os
Tembé se referiram a eles como produtos de cultivo (Figura 22).
De forma geral, as famílias indígenas da região do rio Gurupi têm produzido mais cultivos
perenes do que as famílias do Guamá, apesar de que estas produzem mais cultivos agrícolas
anuais. Aparentemente, é positiva a intensidade de produção e as combinações de alimentos
que são plantados e cultivados pelas famílias Tembé. O sistema praticado por eles garante uma
situação favorável à segurança alimentar, uma vez que os indígenas também complementam
sua alimentação com fontes proteicas provenientes da caça e da pesca e coletam frutos da
floresta, que constituem rica fonte de fibras, vitaminas e lipídios. No entanto, percebe-se que
são poucos os cultivos alimentares ancestrais (cultivos crioulos), havendo a necessidade de
viabilizar mais estudos sobre a agrobiodiversidade3 nas aldeias da TIARG.
É importante pensar em estratégias que garantam a recuperação e a conservação da
agrobiodiversidade na TIARG, uma vez que esta é fundamental para asegurança alimentar
indígena. A conservação da agrobiodiversidade nas aldeias está de acordo com o que postula
a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental em Terras Indígenas (PNGATI, 2012). No
eixo que trata da prevenção e recuperação de danos ambientais, a PNGATI orienta sobre a
identificação de espécies nativas de importância sociocultural em terras indígenas; sobre a
priorização de seu uso em sistemas agroflorestais e na recuperação de paisagens em áreas
degradadas; e sobre a promoção à recuperação e conservação da agrobiodiversidade e dos
demais recursos naturais essenciais à segurança alimentar indígena.
Figura 23 – Alguns frutos cultivados na aldeia Cajueiro, região do rio Gurupi. A: cajuí (Anacardium
sp.), uma espécie de caju nativo; B: cupuaçu (Theobroma grandiflorum).
3.1.2. Pesca
³O Que é Agrobiodiversidade?
A agrobiodiversidade é o conjunto de espécies da biodiversidade utilizadas pelas
comunidades locais, povos indígenas e agricultores familiares para a agricultura e outras
atividades relacionadas.
67
O pintado é consumido por um pouco mais da metade das famílias entrevistadas (Figura
24). A pesca deste peixe também é mais significativa na região do rio Gurupi, que parece possuir
maior abundância de pescado.
O curimatã, o bagre e o dourado também são peixes que estão sendo consumidos
pelos Tembé, mas são espécies exóticas, que não ocorrem naturalmente na área, e que,
consequentemente, podem estar competindo por espaço e recursos com a fauna aquática
local, prejudicando-a. Este quadro deve ser considerado com preocupação e merece atenção
para que se pense em desenvolver medidas de controle populacional dessas espécies nas
bacias e sub-bacias hídricas da região. Maiores informações sobre as espécies exóticas e
sobre a biologia e ecologia de peixes, bem como sobre a pesca na TIARG, serão dadas no
capítulo que trata da Ictiofauna.
é uma atividade de grande importância tanto para a cultura alimentar e material quanto para
a economia de mercado dos indígenas da TIARG.
O fruto da palmeira do açaí (Euterpe oleracea) é o principal produto do extrativismo florestal
dos Tembé tanto na região do rio Guamá quanto do rio Gurupi (Figura 25). Sua extração é
realizada pela grande maioria das famílias indígenas entrevistadas (98,1%). O vinho do açaí
é utilizado como uma das principais fontes alimentares das famílias indígenas e, nos últimos
anos, o fruto também vem se destacando como um dos principais itens produzidos pelos Tembé,
principalmente na região do Guamá, para comercialização no mercado externo, como veremos
adiante. Após sua coleta, o açaí é imerso em água quente para que a polpa amoleça, sendo
facilitado o trabalho de peneirar o fruto para extração do “vinho”. Pode ser comido puro ou com
farinha de mandioca e com peixe ou carne de caça, assados em brasa.
A coleta dos frutos da bacaba (Oenocarpus bacaba) e do piquiá-da-mata (Caryocar
villosum) também é uma atividade extrativista importante realizada pelos indígenas da TIARG
(92,45% das famílias entrevistadas) (Figura 25). Como o açaí, a bacaba também é fruto de
uma palmeira e sua polpa é utilizada no preparo do "vinho de bacaba". Para a obtenção da
bebida, procede-se da mesma forma empregada no preparo do açaí. Obtém-se, assim, um
líquido de cor parda, servido com farinha de tapioca ou farinha-d'água.
O fruto piquiá-da-mata passa por cozimento com água e sal para o consumo de sua polpa.
Tanto a árvore como as flores e frutos deste vegetal possuem um valor incomensurável para os
indígenas. As flores atraem muitas espécies de caça, especialmente paca, cotia, veado, quati
e tatu (SHANLEY; MEDINA, 2005). A madeira é de alta qualidade, compacta, pesada, não se
decompõe facilmente e fornece peças de grandes dimensões, muito utilizadas na construção
de barcos e na construção civil, possuindo grande importância para armação do fundo interno
das embarcações. Nas áreas rurais da Amazônia, o piquiazeiro é a árvore preferida para fazer
canoas, pois garante boa durabilidade, chegando aos 10 anos de uso. O óleo da fruta serve
para cozinhar, sendo muito bom para fritar peixes (Ibidem).
entrevistadas, a maioria na região do rio Gurupi. Segundo De Menezes et al. (2010), essa fruta
,pouco maior que uma laranja contém polpa agridoce rica em potássio, fósforo e cálcio, que é
consumida diretamente ou utilizada na cultura não indígena para produção de doces, sorvetes,
sucos, geleias, licores e outras iguarias. Por esta razão, o bacuri tem um alto valor comercial
no mercado. Sua casca também é aproveitada na culinária regional e o óleo extraído de suas
sementes é usado como anti-inflamatório e cicatrizante na medicina popular e na indústria de
cosméticos. Deve-se considerar o incentivo à comercialização da produção do bacuri como
uma possibilidade de geração de renda para famílias indígenas da região do rio Gurupi.
A castanha-de-caju (Anacardium occidentale) é coletada por 38,9% das famílias indígenas
entrevistadas, a grande maioria da região do rio Gurupi. Os cajueiros são abundantes nas aldeias
do Gurupi e provavelmente foram plantados por seus ancestrais. Os indígenas responderam
ao questionário se referindo a um produto extrativista, apesar de termos a hipótese de que
os cajueiros foram introduzidos em tempos longínquos. Optamos por deixá-lo no subtítulo do
extrativismo. Atualmente, a compra da semente de castanha-de-caju é feita na aldeia cajueiro
por atravessador indígena que tem sua mercearia situada na aldeia.
O uxi é o fruto da espécie Endopleura uchi, da família das Humiriáceas, nativa do Estado
do Pará. Este fruto é coletado por mais da metade (57,86%) das famílias indígenas que realizam
atividades de extrativismo na floresta. Segundo Lopez et al. (2008), além do alto valor nutritivo
do uxi para os humanos, a fruta também alimenta uma grande variedade de animais da floresta:
porcos-do-mato, pacas, veados, tatus e esquilos. O estudo realizado por esses autores numa
área de 200 hectares, onde foram mapeadas 24 árvores de uxi em período de frutificação,
revelou que os animais comeram 80% dos frutos. A casca do uxi também pode ser usada para
fazer um chá indicado para tratamento de artrite, diabete e colesterol alto. Além disso, a casca
dura que envolve a semente das frutas (conhecida como endocarpo) também pode ser usada
como um poderoso amuleto na indústria de bijuterias. Lopez et al. (2008) também comentam
que a polpa do uxi é rica em calorias e tem uma textura arenosa e oleosa. Essas são qualidades
especialmente desejáveis para os habitantes da floresta, que precisam de alimentos ricos em
energia para sustentar seu árduo trabalho. Além de produzir frutas nutritivas, as árvores de uxi
também fornecem madeira de alta qualidade e, por isso, são muito valorizadas pela indústria
madeireira.
Além desses produtos, poucas famílias fazem o extrativismo de outros itens florestais, como
o fruto do patauá, proveniente de uma palmeira (Oenocarpus bataua ou Jessenia bataua), que
foi mencionado apenas por uma família da região do rio Gurupi. Segundo Cavalcante (1991), o
fruto é aproveitado para extração do “vinho” e também de um o óleo de alta qualidade. Cavalcante
também comenta que, em 2008, no mercado de Belém, o óleo foi vendido a 40 reais o litro.
Alguns artesanatos feitos das sementes do patauá, como colares, brincos e pulseiras, custaram
entre três e dez reais. Em 2009, um paneiro de meio quilo do fruto foi vendido a quatro reais.
Hoje em dia, no Brasil, o comércio de “vinho” de patauá é maior que o de óleo. Durante
a Segunda Guerra Mundial, com a escassez de azeite de oliva, o Brasil exportou mais de 200
toneladas por ano de óleo de patauá. Com o fim da Segunda Guerra, as vendas brasileiras de
óleo caíram e hoje estão bem fracas. No Brasil, o óleo de patauá dificilmente é encontrado para
livre comercialização nos mercados, como acontece no Peru, onde o comércio é bastante forte.
Pode-se comprar óleo de patauá de comerciantes de ervas, entre cinco a seis reais o litro, mas
é raro encontrá-lo. Muitos animais, como a anta, o veado, o porcão, o quandu e vários tipos
71
de macacos, comem patauá. Uma pesquisa feita na Colômbia mostrou que o macaco-aranha
(Ateles belzebuth) depende muito do patauá para se alimentar. Aves grandes, como tucanos,
araras, jacus, maritacas e maracanãs, são as que mais gostam dessa fruta. Além das aves,
alguns animais, como o quandu e os macacos, ao se alimentarem de seus frutos, ajudam na
dispersão das sementes do patauá pela floresta (CAVALCANTE, 1991).
Apenas duas famílias, ambas da região do rio Gurupi, declararam explorar espécies
madeireiras, sendo que uma das famílias explora o jatobá e a outra, a maçaranduba e a
tatajuba. Da mesma forma, apenas duas famílias do Gurupi declararam fazer a extração do
óleo da andiroba (Carapa guianensis) tanto para consumo próprio quanto para comercialização
e nenhuma declarou produzir óleo de copaíba.
No início do século XX, os Tembé mantinham estreitas relações com o mercado, trocando,
com os regatões, os óleos da copaíba e da andiroba por produtos manufaturados, sendo o óleo
de copaíba o mais comercializado na época (CEDI, 1995; SALES, 2000). Segundo CEDI (1995),
os termos da troca eram tão desfavoráveis aos Tembé que os indígenas tinham que explorar
o recurso de uma forma bastante intensa, culminando em seu esgotamento. Esta colheita
predatória tornou-se tão generalizada que, em 1939, um antropólogo que estava preocupado
com a situação depauperante dos Tembé recomendou que o governo usasse "meios enérgicos
para parar a destruição completa das árvores de copaíba" (CEDI, 1995).
No final da década de 90, o pesquisador americano Campbell Plowden realizou estudos
para avaliação ecológica e do potencial socioeconômico de produção destes óleos e de outros
produtos não madeireiros, como resina de breu-branco (Protium hepytaphyllum) e cipó-titica
(Heteropsis flexuosa), espécie ameaçada de extinção (Figura 26). Ele observou áreas de alta
densidade de árvores de andiroba e copaíba nas imediações da aldeia Teko Haw. Em 2015,
obtivemos a informação de que as 55 andirobeiras inventariadas por Plowden (2004) foram
derrubadas para instalação de pastos para a pecuária, fato que expressa o desinteresse atual
dos indígenas por esta atividade. Hoje, são poucas as famílias que dominam a técnica de
produção dos óleos e, consequentemente, a perpetuação deste saber vem sendo perdida ao
longo do tempo (Figura 27).
Os Tembé realizam, de forma intensa, o extrativismo de produtos florestais não madeireiros
de significativo valor cultural, ecológico e comercial, ainda que este último esteja subvalorizado e
que o potencial cultural ainda não tenha sido inventariado, havendo a necessidade de resgaste
de saberes.
Figura 27– Produção do óleo de andiroba na aldeia Bate-Vento, uma tradição que está sendo perdida pelos Tembé.
Figura 28 – Produção de mudas florestais na aldeia Teko Haw, um horizonte positivo para a geração
de renda indígena.
3.1.4. Caça
A caça é praticada pela maioria das famílias indígena entrevistadas, como comentamos
anteriormente. É uma atividade de grande importância e valor cultural para os indígenas. É por
meio dela que os indígenas mantêm uma relação densa com a biodiversidade da floresta e
reafirmam e conservam boa parte de suas tradições culturais, principalmente aquelas ligadas
ao universo masculino. A prática da caçada enseja rituais importantes para a vida social dos
homens, pois está ligada à afirmação de suas masculinidades e destrezas perante o grupo,
bem como a mudanças de status social, já que o menino indígena que sai para a floresta para
caçar com seu pai já alcançou um novo status perante o grupo. É por meio da caçada que os
homens têm o contato com seres imateriais que protegem a floresta e que os encantam em
punição a excessos de mortes de animais.
Em todas as aldeias, o tempo passado é referendado como um momento de fartura de
caça, principalmente no espaço doméstico (que circunda as aldeias), em função da maior
proximidade que havia com áreas florestadas, como nos informou o cacique Lourival, um dos
indígenas mais velhos da aldeia Teko Haw, localizada na margem do rio Gurupi:
74
A mata aqui perto da aldeia tinha muita fartura. Tinha caça: veado, caititu, anta,
mutum... A gente não ia longe pra fazer uma caçada. Chega uma hora dessas,
mais um pouco, tava lá (no local de caça). Agora tem que fazer caminhada.
Dez horas. Vai de barco, remando!"
Figura 30 – A: a carne de veado geralmente é assada na brasa e o couro muitas vezes é curtido ao sol
para aproveitamento em artesanato e outros usos; B: a carne de anta também costuma ser assada em
brasa e, de suas vísceras, os Tembé preparam linguiças, uma iguaria da culinária indígena.
Entre as famílias entrevistadas, 139 declararam criar algum tipo de animal. As criações
incluem aves domésticas e silvestres, jabutis, peixes, jacarés, porcos, gado e abelhas do tipo
africana (Figura 31). De maneira geral, as famílias indígenas da região do rio Guamá têm se
empenhado mais do que as do Gurupi em realizar a diversificação da criação de animais. Este
é um quadro esperado, já que no Gurupi ainda existe uma facilidade maior de abater animais
silvestres por meio da atividade de caça.
As aves domésticas, galinhas principalmente, são o destaque da criação de animais
pelas famílias entrevistadas, pois são criadas pela grande maioria (86%) das famílias indígenas
que declararam fazer algum tipo de criação. Pode-se dizer que os indígenas têm focado seu
esforço familiar na criação das aves domésticas, uma vez que os outros animais são criados
com menos intensidade. Foi declarada pelos entrevistados a criação de 2.627 galinhas.
Um percentual significativo, 17,3% das famílias entrevistadas, também está desenvolvendo
a criação de gado. No entanto, nos foi relatado que a criação, em algumas aldeias, é feita sem
manejo apropriado. O gado é deixado solto, sem que haja parcelamento do pasto ou qualquer
tipo de cerca, fato que propicia a invasão das roças familiares pelos animais, causando conflitos
entre moradores das aldeias. Foi declarado um rebanho de 432 cabeças de gado entre as 24
famílias que criam estes animais, sendo que uma família da região do rio Guamá cria, sozinha,
100 cabeças de gado. O restante tem uma média de 14,4 cabeças por família. A criação de
porcos domésticos é feita por 10,8% das famílias. No Gurupi, 20% das famílias que criam
animais declararam fazer a criação destes animais.
A criação de jabutis está sendo realizada por 10,1% das famílias que criam animais
na TIARG, sendo o maior percentual (14%) na região do rio Gurupi. Apenas 6% das famílias
entrevistadas do Guamá criam este animal. Foram declarados 132 jabutis sendo criados em
cativeiro pelas famílias entrevistadas na TIARG.
Na região do rio Guamá, as famílias também se organizam para fazer a criação de
abelhas africanas visando a venda do mel (Figura 32). No entanto, não possuem compradores
fixos, apesar da produção ser intensa em algumas épocas do ano. Foi declarada a existência
de 72 colmeias pelas famílias entrevistadas.
77
Animais silvestres, como jacaré, porcão e arara, são criados com menos intensidade
por algumas famílias da TIARG, principalmente aquelas da região do rio Gurupi. No total, os
indígenas declararam criar sete araras em cativeiro.
Entre as famílias entrevistadas que criam animais, a grande maioria (67%) o faz para
consumo próprio. Outros 31% criam animais visando tanto o consumo quanto a venda e apenas
2% exclusivamente a venda.
cadeia produtiva organizada nos mercados locais, nem compradores fixos nas sedes municipais
localizadas nas proximidades da terra indígena que se disponham a ir às aldeias. Isso dificulta
o processo de comercialização, já que o custo do transporte dos indígenas para as sedes dos
municípios, ou para outros mercados, se torna muito oneroso, considerando que os artesãos
possuem baixa renda familiar. De acordo com eles, há uma maior facilidade de venda de
artesanato indígena na cidade de Belém.
Dessa forma, a produção artesanal, apesar de intensa, é de difícil venda, gerando o
acúmulo de peças em estoque, pois há dificuldade em escoar os produtos, uma vez que poucos
indígenas têm a habilidade de se articular com mercados compradores mais longínquos, tanto
pela pouca experiência que possuem em lidar com processos administrativos de venda quanto
pela distância desses mercados. Também foi comentado pelos artesãos que, no passado, quando
a Fundação Nacional do Índio possuía a loja Arte Índia, a venda dos produtos do artesanato
Tembé era facilitada e gerava melhor renda, uma vez que escoavam a produção diretamente
para esta loja. No entanto, hoje, com o encerramento das atividades da Arte Índia, eles acabam
produzindo as peças sem que haja real expectativa de vendas.
Assim como em outros povos indígenas, há uma divisão sexual do trabalho que possibilita
a confecção das peças artesanais. Na maioria das vezes, são os homens que obtém, na floresta,
parte da matéria prima necessária para a produção artesanal, como palha, sementes, ossos
e penas de animais, para que as mulheres possam manufaturar com destreza e zelo artístico
as belas peças do artesanato Tembé.
Como as florestas estão cada vez mais distantes das aldeias, a busca por matéria prima
se torna mais penosa, requer maior tempo de trabalho e, em grande parte dos casos, custo
extra com combustível. Algumas matérias primas provenientes da floresta, como sementes,
só estão disponíveis em determinadas época do ano, pois estão relacionadas com os ciclos
sazonais de reprodução das árvores. Além disso, a estocagem das sementes se torna difícil,
pois, de acordo com os artesãos, sempre estão sujeitas ao ataque de insetos.
Há uma variedade incrível de tipos de peças artesanais. Cada tipo de peça requer
matéria prima e modo de confecção diferenciado (Tabela 2). Este saber indígena, relacionado
à habilidade de produzir peças artesanais, é parte da cultura ancestral Tembé, repassada de
geração em geração.
As peças que utilizam plumagens são confeccionadas de forma abundante e frequente
pelas mulheres indígenas. É comum vê-las expostas em grande quantidade nas paredes das
residências familiares. Há uma variedade de peças que utilizam plumagem, como colares,
braceletes, cocares, prendedores de cabelo e brincos (Figura 33). As índias usam bastante
essas peças em seu cotidiano e, sobretudo, durante os dias em que ocorre a “Festa da Menina
Moça” (Figura 34), que marca a iniciação dos meninos e meninas na vida adulta e é uma das
expressões culturais mais importantes e representativas da cultura Tembé, sendo composta
por dois momentos: a Festa do Mingau (Kàwi'u haw) e a Festa do Moqueado (Wyra'u haw).
79
Figura 33 – Arte plumária Tembé. A, B e C: peças artesanais estocadas nas paredes das casas. D, E e F:
prendedores de cabelo femininos.
80
O uso das peças plumárias pelos indígenas tem um papel marcante na afirmação da
identidade Tembé. Os cocares (masculinos e femininos) são acessórios culturais importantes
e, conforme o tipo, denotam diferenciação sexual e etária (Figura 34).
Figura 34 – Os adornos de cabeça (capacetes), confeccionados com penas de animais da floresta, são importantes
peças da cultura Tembé. Nas fotos, são representados os capacetes femininos, utilizados em rituais da cultura
Tembé, e os masculinos. Os homens utilizam capacetes com penas alongadas e os meninos, o de penas
pequenas, vermelhas e pretas.
81
Nas ocasiões festivas, os brincos e prendedores de cabelo também são muito usados para
o embelezamento das mulheres indígenas. Para preparação da Festa do Moqueado, há grande
produção de peças em arte plumária, principalmente os cocares das meninas, confeccionados
com penas coloridas de diversas espécies de aves (ver capítulo da Avifauna, neste livro). Eles
adornam a cabeça das moças como se fossem longos cabelos de penas que se estendem até
as pernas (Figura 34). Apesar da venda proibida por lei, o comércio dessas peças costuma ser
praticado e, segundo relatos, possuem bastante saída no mercado, principalmente os brincos
e prendedores de cabelo.
As cuias também são peças artesanais e artísticas importantes para a manutenção da
cultura Tembé. São feitas pelas mulheres a partir do fruto da cuieira, árvore de nome científico
Crescentia cujete, da família Bignoniacea. O fruto é cortado e posto para secar. Em sua parte
externa são feitos grafismos indígenas, representações relacionadas à cosmologia Tembé,
principalmente o formato de meia lua (Figura 35). As cuias são pintadas em suas partes internas
e externas com uma resina natural, retirada da casca de uma árvore de nome “cumatê”. Esta
resina suporta altas temperaturas e, por isso, quando a cuia é revestida com ela, é deixada
para secar ao sol durante pelo menos 12 horas.
Figura 35 – Diversidade de grafismos em cuias produzidas pelas mulheres indígenas da TIARG, região
do rio Gurupi.
82
Moqueado. É esta sonoridade, emanada pelas dezenas de maracás que são tocados ao mesmo
tempo, e o ato de fumar o tabaco, feito com folhas da palmeira tauari, que leva o pajé e outros
indígenas participantes dos festejos a entrarem em transe e a incorporarem entidades do mundo
sobrenatural, vivenciando a espiritualidade que reforça sua identidade.
As índias e, por vezes, os índios, também confeccionam um instrumento musical chamado
“pau-de-chuva”, por simular o som de chuva (Figura 36). Na floresta, os homens coletam o
bambu, que servirá de base para o instrumento; as palhas de lu, que irão compor o trançado
que cobre o bambu; as cascas da árvore do macaxi, necessárias para fazer a tintura das
fibras; e as sementes de embaúba, que serão colocadas no interior do instrumento, para que
as índias possam confeccionar sua base. Em algumas aldeias, no lugar das sementes, são
utilizadas minúsculas pedras brancas coletadas no fundo de rios. Com o material coletado, as
índias realizam o tingimento natural da fibra e seu trançado de figuras geométricas que dará
o acabamento e a artística final ao instrumento.
As mulheres também usam de sua vigorosa imaginação para confeccionar uma infinidade
de tipos de pulseiras e colares que são feitos a partir de ossos de animais silvestres, como
a jiboia, além de sementes e frutos de várias árvores da floresta (Figura 37). Vale a pena
descrever a técnica de produção das belas pulseiras e colares feitos com ossos e frutos das
palmeiras tucumã (Astrocaryum aculeatum) e inajá (Maximiliana maripa), uma inovação da
artesania Tembé. Os artesãos contam que a cacique da Aldeia Teko Haw, Verônica Tembé,
já falecida, foi visitar os índios Munduruku e aprendeu a técnica de produção de pulseiras
utilizando as sementes dessas palmeiras. A partir daí, resolveu desenvolver a técnica em sua
aldeia, incorporando ossos de animais para ampliar o espectro de cores das peças. A técnica
foi aprendida por outros artesãos. Hoje, essas pulseiras reforçam a identidade indígena Tembé
e são peças de significativo valor artístico e comercial.
84
São os homens que geralmente fazem a coleta dos frutos do tucumã e do inajá. Os
primeiros são colhidos no período de estiagem da chuva e o inajá é coletado no período chuvoso.
As indígenas acabam por estocar as sementes para realizar a confecção. Relatam que na
estocagem há o ataque de insetos e consequente perda de estoque. Os homens executam,
com o terçado, o primeiro corte das sementes. Em seguida, as mulheres utilizam uma faca
bem amolada para produzir as peças menores, tipo pequenas miçangas. Após o corte das
sementes e, se for o caso, dos ossos, as artesãs utilizam uma espécie de broca natural para
furar, uma a uma, cada pequena peça de miçanga natural (Figura 37). Depois, com um fio de
náilon, vão juntando as peças da pulseira, intercalando as miçangas naturais de inajá, de tucumã
e de osso, para que formem grafismos. O acabamento lateral da peça é feito com miçanga
preta industrializada, e o feixe com sementes. Este é um trabalho minucioso, de paciência e
dedicação, que pode dispender até 20 dias para a confecção de uma única pulseira.
As artesãs Tembé também confeccionam cordões e pulseiras feitos com miçangas sintéticas,
compradas em lojas, podendo ser também confeccionados com sementes florestais. As índias
dão a estas pulseiras e colares uma infinidade de formas, cores e grafismos, todas relacionadas
com uma iconografia da biodiversidade local (Figura 38). As miçangas industrializadas são
bastante desejadas pelas indígenas e são elementos importantes para produção do artesanato
Tembé.
Peças de vestuário também são confeccionadas pelas mulheres indígenas, sendo utilizadas
tanto para ocasiões festivas e ritualísticas quanto para venda (Figura 39). São confeccionadas
em palha ou bambu, este último tingido com pigmentos naturais e artificiais. A base de algumas
saias é confeccionada com fios de algodão tecidos a mão pelos indígenas.
Figura 39 – Peças artesanais do vestuário Tembé na Aldeia Ka'a Pitepehar. Fotos – Sergio Meira.
A comercialização do artesanato tem sido feita tanto pelas famílias do Guamá quanto do
Gurupi, mas principalmente do Gurupi. Nesta região também realizam, embora com pouquíssima
intensidade, a venda de produtos florestais como o bacuri (uma família) e a andiroba (também uma
família). Outros produtos que também foram mencionados em proporções bem menores foram:
o arroz (uma família no Guamá e uma no Gurupi), a castanha de caju (duas famílias no Guamá e
duas no Gurupi); o jerimum (uma família no Gurupi); a malva (duas famílias no Guamá); a melancia
(uma família no Guamá e uma no Gurupi); o milho (uma família no Guamá e uma no Gurupi); e a
pimenta-do-reino (duas famílias no Guamá). Percebe-se, portanto, que a comercialização de produtos
não ocorre de forma significativa como meio de geração de renda para as famílias indígenas da
TIARG, sendo apenas a farinha e o açaí produtos comercializados por um número significativo de
famílias, principalmente no Guamá.
Em relação ao destino da venda dos produtos, a maior parte é comercializada nas cidades,
diretamente pelos indígenas. Outra parte significativa das famílias comerciantes do Guamá também
vendem os produtos para atravessadores e apenas uma proporção bem pequena comercializa os
produtos nas aldeias (Figura 42).
Figura 42 – Destino da venda dos produtos na TIARG, regiões do rio Guamá e do rio Gurupi.
89
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em relação à agricultura realizada na TIARG, há variedade e intensidade de cultivos,
aspectos que são bastante favoráveis ao suporte da segurança alimentar das famílias indígenas
da região. No entanto, sugerimos que possam ser traçadas estratégias eficientes de recuperação,
conservação e valorização da agrobiodiversidade da terra indígena, com vistas à conservação
do património genético e cultural associado e à efetiva melhoria da segurança alimentar nas
aldeias, uma vez que boa parte dos cultivos agrícolas perenes e anuais que está sendo produzida
na TIARG não tem procedência local.
Segundo o Ministério do Meio Ambiente (2006), são várias as pressões e ameaças à
conservação e à sustentabilidade da agrobiodiversidade. Algumas atingem de forma direta
os próprios recursos genéticos (erosão genética) e outras recaem indiretamente sobre
práticas e saberes associados ao manejo e utilização tradicional desses recursos (erosão dos
conhecimentos), fatos observados também entre os Tembé. Estas perdas resultam no aumento
da dependência das comunidades tradicionais em relação aos modelos econômicos externos,
pautados em uma eficiência produtiva não compatível com a cultura local, que resulta na perda
da autonomia, na vulnerabilidade da segurança alimentar e no enfraquecimento cultural.
Pudemos perceber que os Tembé tanto do Guamá quanto do Gurupi almejam estar
conectados com a lógica e a competitividade produtiva dos mercados econômicos externos,
tendo a tendência ao desenvolvimento do uso de poucas variedades agrícolas, de base
genética estreita e de fraco cunho sociocultural. Esta situação viabiliza a tendência não positiva
à homogeneização de seus hábitos alimentares, à crescente extensão de um modelo cultural
de tipo urbano e à dificuldade de inserção de seus produtos agrícolas tradicionais no mercado.
É necessário aprofundar os conhecimentos sobre os produtos da sociobiodiversidade
da TIARG e incentivar o retorno das famílias indígenas às práticas e saberes de produção e
manejo dos produtos extrativistas, como óleos vegetais, que estão sendo perdidos.
Também será favorável incentivar a implantação e difusão de tecnologias sociais
(tecnologias de baixo custo e com alta adoção por comunidades) voltadas para o manejo,
beneficiamento e aproveitamento dos produtos florestais da TIARG, tendo em vista possibilitar
vantagens produtivas, como aumento da produção, conservação dos recursos e melhoria das
condições do trabalho indígena.
O mel silvestre proveniente de abelhas nativas sem ferrão também apareceu como um
produto da sociobiodiversidade da TIARG com potencial econômico para venda em mercados
externos. Sugere-se a possibilidade de implantação de projetos de meliponicultura nas aldeias
da TIARG, principalmente as do rio Gurupi, onde há maior intensidade de coleta, com vistas à
geração de renda familiar. A meliponicultura visa à produção e comercialização de colmeias (ou
parte delas), mel, pólen, resinas, própolis e outros substratos, como atrativos e ninhos-iscas.
Segundo o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), a criação
de abelhas nativas (melíponas) tem como vantagem o fato de existirem inúmeras espécies
nas diversas regiões do Brasil. O mel produzido tem um valor de mercado que chega a ser dez
vezes maior do que o mel tradicional, a depender da variedade. Além disso, a meliponicultura é
uma atividade sustentável, que não causa impacto ao meio ambiente, e é altamente adaptada
às comunidades tradicionais, assentamentos e cooperativas agrícolas.
90
Figura 43 – Cooperativa Agropecuária Indígena da região do rio Guamá: horizontes para a comercialização
dos produtos da agricultura indígena.
92
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
OLMOS, F. Tapirs as seed dispersers and predators. In: BROOKS, D. M.; BODMER, R.; MATOLA,
S. (Eds.). Tapirs: status survey and action plan for conservation. IUCN, Gland, Switzerland, 1997.
PLOWDEN, C. The ecology, management and marketing of non-timber forest products in
the Alto Rio Guamá indigenous reserve (Eastern Brazilian Amazon). Tese de Doutorado.
Pennsylvania: Pennsylvania State University, University Park, PA, 2001.
PLOWDEN, C. The ecology and harvest of andiroba seeds for oil production in the Brazilian
Amazon. Conservation & Society, v. 2, p. 251-272, 2004.
SALES, N. P. 2000. Pressão e resistência: os índios Tembé-Tenetehara do Alto Rio Guamá
e a relação com o território. Belém: UNAMA – Universidade da Amazônia, 2000. 89 p.
SHANLEY, P.; MEDINA, G. (eds.) Frutíferas e plantas úteis na vida amazônica. Belém:
CIFOR, Imazon, 2005.
94
95
CAPÍTULO 4
MANIFESTAÇÕES CULTURAIS:
KÀWI'U HAW E WYRA'U
HAW (FESTA DO MINGAU E
FESTA DO MOQUEADO)
1. INTRODUÇÃO
A conservação cultural, no que diz respeito à manutenção de rituais e costumes festivos do
povo Tembé-Tenetehara, é um dos grandes desafios aos jovens indígenas da Terra Indígena Alto
Rio Guamá (TIARG). A este desafio se somam, ainda, as dificuldades na luta pela sobrevivência
e pelo domínio de seu território e a necessidade de se conservar o patrimônio ambiental,
incluindo-se a rica biodiversidade, em aliança recíproca com o cultural.
Os rituais que fazem parte do patrimônio cultural de um povo são encenações das
histórias vividas pelos ancestrais: os mitos. Por meio da participação em rituais, indivíduos de
uma determinada sociedade são coagidos a assumirem condutas que normalmente regem
seus comportamentos e que os levam a reproduzir situações “estáticas” do seu meio social,
onde estão imersos regulamentos, instituições e coerções sociais que são reafirmados e
propagados perante os membros de um grupo no âmbito da celebração (SILVA; LUDORF,
2012). Na realização dos rituais afloram, por meio de encenações das histórias vividas pelos
ancestrais e suas práticas simbólicas, o acervo de saberes, as práticas culturais relacionadas
aos diversos temas da vida cotidiana e a visão ou a divisão de mundo de um povo. Os mitos
e rituais que possibilitam essas encenações estão relacionados com os temas que sempre
deram sustentação à vida humana, que construíram civilizações e informaram religiões através
dos séculos, além dos profundos problemas interiores que passa cada ser humano vivente e
dos profundos mistérios e limiares da travessia da vida humana. Estes são a herança valiosa
do conhecimento deixado pelas gerações ancestrais para serem o guia das trajetórias de um
indivíduo no mundo em que vive (CAMPBELL, 1990).
A celebração cerimonial das várias etapas dos rituais Kàwi'u haw, ou Festa do Mingau,
e Wyra'u haw, ou Festa do Moqueado, como são chamados atualmente, consiste num festejo
religioso, a única prática ritual festiva genuinamente ancestral que ainda persiste na TIARG. É
possível afirmar que estas festas são a mais importante manifestação cultural Tembé-Tenetehara
e ensejam todo um belo complexo de rituais de passagem e iniciação das meninas e meninos
para a vida adulta, ou o “formar-se Tembé”, que vem sendo reproduzido de maneira alegre
e comemorativa de geração em geração, tanto na região do rio Guamá quanto na região do
rio Gurupi. Não só a cultura e a identidade deste povo são reafirmadas a cada realização das
etapas destes rituais, mas também a sua religião ancestral e a própria compreensão de mundo
(cosmologia) vivida pelos indígenas e para os indígenas.
De acordo com os próprios Tembé, na ocasião destes festejos, que trazem em si revelações
de alegrias do ser indígena, os espíritos dos antepassados ou dos parentes já falecidos também
acabam por ser atraídos, manifestando-se e participando da “brincadeira” junto com seus entes
queridos que estão neste plano material, de forma que a Kàwi'u haw e a Wyra'u haw também
se configuram como “culto aos antepassados” (LINS, 2014), um momento especial de recepção
social de seus ensinamentos.
Lins (2014) também afirma que as celebrações festivas na cultura ancestral Tenetehara
estavam relacionadas com o agradecimento à divindade Maíra, responsável pela criação de
todas as coisas que existem no mundo, tudo que lhes foi concedido pela mãe terra, a mãe
natureza e os astros. No passado, por meio da realização de festejos como a Festa do Milho,
a Festa do Mel e outros rituais, os indígenas agradeciam anualmente pelas boas colheitas,
97
pela pescaria, as caçadas e os filhos com saúde. Hoje, estas festas já não são realizadas pelos
Tembé, talvez porque a fartura do passado já não exista mais, a caça está escassa e a floresta
e os rios ameaçados. No entanto, a realização do Kàwi'u haw e do Wyra'u haw ainda persiste
com toda a força e alegria do povo Tembé, de maneira que eles têm conseguido organizar e
possibilitar a reprodução de sua cultura.
Atualmente, os Tembé realizam outras festividades de influência não indígena. Lins
(2014) elencou várias festividades de influência da igreja católica realizadas na TIARG, como
a Festividade de São Raimundo Nonato, que geralmente ocorre no mês de setembro, na
aldeia São Pedro; a Festa/Festividade de São Benedito, que ocorre na região do rio Gurupi,
geralmente no mês de dezembro; e, mais recentemente, o 2º Círio de Nossa Senhora do
Perpétuo Socorro, que acontece no mês de novembro, na aldeia Sede, região do rio Guamá.
O pesquisador também pôde perceber a presença de manifestações sincréticas festivas de
influência afro-religiosa, como a Pajelança, a Umbanda, a Pena e o Maracá, realizadas na
região do Guamá, sendo que a festa principal se dá no dia 1º de maio, existindo outras festas
paralelas (LINS, 2014).
Neste capítulo, descrevemos, com o horizonte de influenciar seu fortalecimento constante
e sua vivacidade e realização ao longo das gerações indígenas futuras, alguns aspectos do
processo ritual festivo que fundamenta e dá alicerces à cultura do povo indígena Tembé, o
Kàwi haw e o Wyra'u haw, ou a Festa do Mingau e Festa do Moqueado. Temos, também, a
intenção de incentivar os órgãos governamentais e não governamentais municipais, estaduais
e federais a investir na realização desta importante festividade que faz parte do patrimônio
cultural do nosso país e que necessita ser reconhecida como tal.
Considerando a grande importância das práticas simbólicas e materiais existentes nestas
festas, achamos interessante apresentar todas as etapas deste complexo rito de passagem e
de iniciação das meninas e meninos para a vida adulta, pois seus símbolos e significados são
profunda e sagradamente cruciais na constituição do ser indígena Tembé e no seu processo
de afirmação e reconhecimento social.
Para escrever este artigo, pudemos participar parcialmente e fazer o registro audiovisual e
fotográfico da realização de quatro festejos: a Festa do Mingau, ano de 2014, na aldeia Cajueiro,
região do rio Gurupi; a Festa do Moqueado, aldeia Itaputyr, no ano de 2013, na região do rio
Guamá; e outras duas Festas do Moqueado realizadas na aldeia Teko Haw, região do Gurupi,
nos anos de 2012 e 2016. Recorremos, também, a leituras bibliográficas, principalmente da
excelente dissertação de mestrado em teologia do pesquisador Paulo Lins Dax Reis, defendida
em 2014, na Universidade do Estado do Pará, e as entrevistas filmadas com os seguintes
indígenas: Seu Moreira (pajé), Dona Brasilice Tembé, Dona Célia Tembé, Zeca Tembé e Seu
Lorival Munduruku.
indígena envolvente, que muitas vezes lhe é hostil e que lhes imprime constantes ameaças.
A preservação ou, ainda, a expansão desses ritos e costumes imersos em festividades são
identificados como processos de ação política desse povo indígena e como premissas primeiras
para a conservação da identidade étnica e sua relação com o domínio do território. Assim, Festa
da Menina Moça, como aspecto cultural do povo Tembé, ganha, na atualidade, significados
políticos importantes dentro dos processos de (re)organização e luta pelo domínio do território
indígena e também reafirma a necessidade de conservação da natureza e de retomada e
manutenção das manifestações culturais que são influenciadoras dos papéis sociais das jovens
mulheres e dos jovens homens indígenas.
Ao reconhecermos a presença de atores sociais não indígenas no território indígena,
sejam colonos, madeireiros ou pecuaristas, não podemos perder de vista a reconfiguração
cultural viabilizada pelo processo de relacionamento com a sociedade não indígena envolvente
e envolvedora. A transculturação (LINS, 2014) sofrida pelos indígenas da TIARG é um reflexo
da situação de ameaça à integridade de seu território e à conservação da floresta e de seus
elementos biológicos e, como tal, representa um sinal importante de alerta, uma vez que a
escassez de animais de caça e o desmatamento refletem negativamente na manutenção das
práticas culturais, incluindo as práticas festivas. Como diz Dona Célia Tembé:
No caso da Festa da Menina Moça, processo ritual que dá ensejo à realização da Festa do
Mingau (Kàwi'u haw) e da Festa do Moqueado (Wyra'u haw), a representação da alimentação,
provinda como dádiva da relação dos indígenas com o mundo natural nos ritos e costumes
da festa, é enfraquecida pelo desmatamento persistente, que tem impacto sobre a fauna e
flora local e, consequentemente, sobre a alimentação dos indígenas. A garantia da realização
da festividade se dá pela garantia da alimentação dos convidados que, atualmente, não se
suporta mais somente com alimentos provenientes da natureza ou cultivados pelos indígenas,
pois os animais tipicamente caçados pelos indígenas já estão ficando escassos na mata e não
são suficientes para alimentar, por sete dias (período que dura uma das festas), os parentes
indígenas de várias aldeias ou mesmo os convidados de outras terras indígenas próximas.
Hoje em dia, a festa só pode acontecer pela inserção de alimentos não indígenas, como a
carne de boi comprada do vizinho fazendeiro, o arroz, o macarrão e o bolo, todos elementos
da cultural alimentar não indígena.
Os costumes praticados pelo povo Tembé ficam na memória de todos que presenciam, em
algum momento, essas práticas ritualísticas culturais engendradas de magias e sacralizações,
ligadas ao mundo sobrenatural. É por meio das convicções e vontades de perpetuar as tradições
do povo que os mestres da cultura indígena ainda cuidam da realização da festa e lutam por
sua manutenção. É pela resistência política de determinados indivíduos comprometidos que a
cultura indígena Tembé-Tenetehara é reproduzida e experimentada por todos que participam
desses rituais.
99
Sobre todos os esforços feitos pelas lideranças indígenas para proteger seu patrimônio
cultural e natural, é oportuno dizer que os indígenas que realmente estão resistindo e lutando
pela conservação da floresta, fazendo uso favorável dos elementos da natureza e contribuindo
para a preservação da diversidade biológica, são os mesmos que estão à frente da organização
e perpetuação das tradições culturais, dentre elas a Festa da Menina Moça. Estes são
verdadeiramente os mestres da cultura indígena Tembé-Tenetehara. Dentre eles, citamos,
com a maior admiração, o último pajé da região do rio Gurupi, Seu Moreira Tembé, habitante
da aldeia Teko Haw, conhecedor da sabedoria indígena, puxador dos cantos sagrados e figura
cerimonial imprescindível à liturgia da festa. O pajé é o elemento de ligação entre o mundo
natural e o mundo sobrenatural. Comprometido com sua ancestralidade, Seu Moreira, apesar
de idoso, é capaz de passar noites inteiras em transe, a entoar o canto poderoso dos Tembé e a
mediar a relação do mundo natural, onde estão inseridos os animais humanos e não humanos,
com o mundo sobrenatural da “biodiversidade de espíritos” (LINS, 2014).
A Dona Célia Tembé, cacique da aldeia Ka’a Pite Pe Har, sempre preocupada com a
manutenção de vários aspectos da cultura Tembé, incluindo a língua, está constantemente
engajada em ser uma das organizadoras da Festa da Menina Moça, ocupando o lugar de
“frenteira” da festa. Dona Brasilice Tembé, mestre e liderança da cultura ancestral Tenetehara,
também está sempre disposta a fazer acontecer a cerimônia festiva de iniciação das moças
e meninos.
Os mitos e, portanto, os ritos de uma sociedade, devem ser mantidos vivos, pois sua
perda significa a perda de saber acumulado por gerações. As pessoas capazes de realizar
a manutenção dos mitos são os artistas, de um tipo ou de outro. A função do artista é a
mitologização do meio ambiente e do mundo (CAMPBELL, 1990). É preciso, em primeira ordem,
que as políticas públicas possam viabilizar o reconhecimento e valorização de todos os artistas
mestres da cultura indígena Tembé-Tenetehara, incentivando-os moral e economicamente,
para possibilitar o fortalecimento e a conservação do patrimônio cultural material e imaterial
que perpassam por seus conhecimentos. As políticas públicas culturais dos municípios, do
Estado do Pará e da União devem favorecer esta resistência, de modo a garantir o que lhes é
de direito e o que lhes pertence, de acordo com o que está previsto na Constituição do Brasil.
Durante todo o cerimonial da Festa da Menina Moça, na dança, nos cantos, na pintura
corporal, na gastronomia, no cenário e nos adornos corporais, vamos observar a ligação profunda
que os Tembé constituem com a floresta e e com os elementos de sua biodiversidade. Os
elementos rituais da festa da moça tornam-se um instrumento de socialização e transmissão das
práticas e posturas que os indivíduos, tanto do sexo feminino quanto masculino, devem assumir
perante a vida adulta, de responsabilidades e compromissos sociais, numa demonstração da
crença e afirmação dos costumes e papéis de gênero do povo.
Segundo Wagley e Galvão (1961), nos idos da década de 1940 o povo Tenetehara ainda
chamava a cerimônia de Wyra'u haw, ou “Pequena Festa do Moqueado”. À época da pesquisa, os
antropólogos observaram que, “embora os homens cumprissem um papel importante na logística
e na liturgia da festa, esta era uma celebração dirigida pelas mulheres e para as mulheres”,
distinguidas, pelos pesquisadores, como figuras centrais na tarefa de gerar vidas saudáveis, de
constituir famílias e, assim, contribuir decisivamente com a continuidade de um povo e de sua
cultura, elemento que atualmente é importante “porque se agrega às reivindicações pelo direito
de permanecerem em determinado território e fazer uso de seus recursos” (PONTE; AQUINO,
2013). Na atualidade, os meninos também participam da liturgia da festa e são integrados de
maneira eficiente ao ritual de passagem das meninas. A comunidade toda mobiliza outras famílias
das terras indígenas num chamado que será mais um passo na manutenção da tradição dos
Tenetehara. Porém, são as meninas o centro de toda a celebração.
Célia Tembé também relatou que alguns anos atrás houve a iniciativa de realizar uma festa
Wyra'u haw direcionada especialmente às crianças. Esta era uma festa realizada com bastante
frequência no passado longínquo, na qual as famílias encomendavam às divindades proteção
para seus filhos contra as ameaças sobrenaturais da floresta, pois, segundo os indígenas,
ela abriga entidades que podem encantar, trazendo malefícios à saúde dos pequenos. A festa
Wyra'u haw das crianças atendia a todos os ritos antigos, como a pintura corporal, cantos e
tradições, e era realizada para que a criança pudesse comer determinados alimentos, andar
pela florestal em segurança e ser uma boa caçadora, com uma vida saudável (LINS, 2014).
Na atualidade, as crianças passam por uma preparação protetiva, mas não festiva. As
mães amarram aos cabelos de seus filhos, principalmente os bebês, uma pequena pena de
arara-vermelha, uma espécie de amuleto (purang) que os protege do “mau-olhado”, um feitiço
enviado intencionalmente por outra pessoa, provocando doenças repentinas nas crianças
(Figura 44). Para eles, o espirito da arara-vermelha irá proteger a criança dos malefícios.
Figura 44 – Crianças com amuletos feitos com penas de arara-vermelha, para proteção contra "mau-
olhado".
101
3. ETAPAS DO RITUAL
Os ritos da Festa da Menina Moça passam por três momentos importantes. Primeiramente,
é realizada uma cerimônia familiar para a primeira pintura corporal ritual das meninas. Estas
devem ficar confinadas numa espécie de cabana ou tocaia, onde ficam reclusas até o segundo
momento ritualístico e festivo, a cerimônia chamada de “Festa do Mingau” (Kàwi'u haw). Por
fim, é realizada a Festa do Moqueado (Wyra'u haw), a cerimônia principal, “o grande dia”.
As atividades dos rituais de passagem começam na ocasião em que a menina tem sua
primeira menstruação (menarca) e, com ela, a possibilidade de gerar uma nova vida em seu
útero; a maneira como uma menina “se forma”, como se referem os indígenas, para ser mulher.
A ritualística, segundo Zeca Tembé, da aldeia Cajueiro:
Começa assim: quando a menina se forma pela primeira vez, né? Aí a mãe e
o pai coloca ela numa tocaia (confinada). Aí fica alguém lá com ela e levam
comida e água pra ela. Ela fica lá com alguém dormindo com ela. Daí, quando
ela fica “boa”, aí que vai fazer a festa do mingau, onde se reúne a mãe, os
avós e as comunidades, né? Aí vão buscar mandiocaba, buscar “macaxeira”
na roça pra fazer o mingau, ralar mandiocaba pra fazer o mingau e passam
o dia trabalhando a moça e à noite nós vamos cantar, todo mundo junto, e é
uma alegria, né? Uma alegria muito grande, onde ela vai começar a assumir
a responsabilidade da adolescência pra formar adulto. Aí ela faz o mingau
dela e a gente canta.
Para os meninos, a chegada da puberdade, referência para a passagem para a vida adulta, é
denunciada pela mudança na tonalidade de voz, prenunciando a necessidade da sua participação
no ritual de passagem. Por meio deste ritual, são instruídos de suas responsabilidades para
com as moças e vão fazer-lhes companhia durante todo o ritual. Eles também têm que seguir
as regras que lhes são impostas pelo pajé e outros orientadores da cerimônia e possuem papel
relevante nos rituais (LINS, 2014). No entanto, as meninas possuem um destaque especial e
principal nesta celebração, uma vez que é a elas atribuído o dom divino da reprodução da vida.
Após a menstruação, a menina é submetida à reclusão social e a proibições alimentares
que visam preservá-la dos perigos do mundo espiritual e, através de uma espécie de encenação,
possibilitar a preparação para uma nova vida de responsabilidades e também de sofrimentos,
um novo estágio de sua existência social.
Na ocasião, seu corpo é todo pintado com o sumo do fruto do jenipapo (Jenipa americana)
para que sua pele fique toda corada de negro por alguns dias e, assim, possa realizar um
processo de purificação (Figura 45), "o que garantirá efeito terapêutico de proteção contra
a ação dos espíritos errantes (espíritos dos mortos), do dono da água (Iwán) e da floresta
(Marana-ywa)” (PONTE; AQUINO, 2013). Como comenta Zeca Tembé:
102
"[...] pra fazer a brincadeira junto com ela, tem de resguardar esse período
todinho e aí ela não come anta, caça grande de jeito nenhum ela não come e
ela vai começar a comer aquelas comidas bem leves."
De acordo com Lins (2014), o estado de reclusão da menina-moça (Figura 46), a tocaia,
o ambiente escuro a que ela é submetida a permanecer durante dias e a pintura corporal,
também escura, representam o desafio que ela passará a enfrentar pela frente, como um
caminho de dificuldades da vida que terá sempre que aprender a encarar. O lado obscuro da
vida é apresentado simbolicamente a esta moça, onde melancolia, solidão, tristeza e paciência
são situações que terá que vivenciar e enfrentar para ter uma vida melhor. Ela também é
submetida, por sua mãe, ao aprendizado de práticas gastronômicas e de confecção de adornos
corporais, como cocares (capacetes, como chamam os Tembé) e colares, preparativos ao seu
embelezamento na Festa do Moqueado. A mãe também lhe ensina comportamentos que deve
adquirir para ser uma boa mulher indígena. Durante a reclusão, o algodão é utilizado como
um remédio. Ele é queimado e passado na sola dos pés da moça para que nenhum bicho –
espírito do chão, como cobra de duas cabeças, lagartas e outros que rastejam – se aproxime
e a moça fique encantada ou doente (LINS, 2014).
Figura 45 – O jenipapo (Jenipa americana) inteiro (à esquerda) e, depois de descascado, sendo ralado
para preparar a tintura que irá corar de negro a pele das meninas (à direita).
A menina fica lá dentro (da tocaia). Aí eu pego o algodão e boto na peneira (nós
chama de Wyrupenitu) Aí ela vai descaroçar o algodão lá e com cinco dias ela
pode sair fora e a gente vai bate lá atrás da tocaia e ela corre e não volta mais,
não. Aí ela vai tomar um banho e depois a gente vai fazer o mingau, que é a
cachaça que nós chama da mandiocaba. A gente rala a mandiocaba pra tirar
a garapa dela, pra botar milho, pra fazer o mingau. Quando terminar o mingau,
aí de noite a gente vai cantar pra “inaugurar” ela, pra dizer que ficou moça e
todo mundo fica alegre, aí ela vai dar a cachaça dela para o pessoal na festa.
103
Logo após o término do período de reclusão, a menina moça é apresentada ao menino que
irá lhe fazer companhia nas festas posteriores. As mulheres “frenteiras” reúnem os habitantes
da aldeia para fazer a programação da Festa do Mingau, que durará dois dias, normalmente
um final de semana. Marcam a data, combinam com o pajé e fazem os convites a parentes de
outras aldeias, que virão contribuir nas cantorias e nos outros preparativos da festa (LINS, 2014).
3.2. Festa do Mingau (Kàwi'u haw): Segunda Pintura Corporal, Servidão e Hospitalidade
A Festa do Mingau (Káwi'u haw) é voltada principalmente para as meninas, cuja participação
é cercada de preparações e proibições e enseja o início do processo de sua apresentação
social à vida adulta. Seu comportamento durante o ritual estará voltado à servidão, submissão
e hospitalidade aos convidados, estes vistos como valores primordiais do comportamento das
mulheres indígenas. Os meninos também participam do ritual, mas não estão submetidos à
mesma preparação.
As mulheres pintam o corpo e o rosto da menina-moça em homenagem aos espíritos
da mata que participam da festividade. Na língua Tembé, eles são conhecidos por Ka’azar
e são responsáveis, segundo os indígenas, pela proteção do povo e da mata (LINS, 2014).
No rosto, a menina recebe uma pintura que representa a onça, simbolizando que deverá se
tornar uma guerreira destemida e imbuída pelo espirito de coragem e audácia deste animal,
virtudes morais que a mulher indígena também deve constituir na vida adulta. São muitas as
associações e analogias com a biodiversidade florestal presentes nas pinturas corporais dos
Tembé. Segundo Lins (2014), a pintura da onça está ligada ao “mito da origem dos rituais”.
O corpo da menina moça é pintado com grafismos que representam a lua (zahy)
crescente, simbolizando o início de um ciclo de vida. Os Tembé, como outros povos indígenas,
utilizam o referencial das fases da lua para realizar suas práticas agrícolas, determinando, de
acordo com elas, a época de plantio e de colheita, bem como a época de realizar melhorias
na produção e o controle natural das pragas (AFONSO et al., 1999). O período da lua nova
é quando realizam com melhor efetividade atividades como caça, plantio e corte de madeira.
De acordo com os indígenas, durante a lua cheia, devido ao aumento da luminosidade, os
animais se tornam agitados, dificultando a caça (AFONSO et al., 1999). Fazia parte da tradição
dos antepassados o hábito milenar de estudar e guiar-se pelo céu, sendo que cada fase de
Zahy representa a passagem de algo que pode ser feito na terra (LINS, 2014). De acordo
com os ensinamentos da astrologia, a fase da lua nova é ideal para a realização de rituais de
continuidade e crescimento.
A Festa do Mingau é realizada nas ramadas das aldeias, espaço construído para realização
de atividades coletivas (Figura 47). A menina-moça deve mexer o mingau continuamente, para
não queimá-lo. Sob o aspecto psicológico do desafio que é colocado a ela, deverá manter-se
em total equilíbrio emocional e isso deve ser posto em evidência durante os cuidados que
terá com o preparo do mingau. O domínio da situação deverá sinalizar que a menina está
em harmonia e paciência, estado de espíritos necessários aos deveres e compromissos que
deverá adquirir em sua vida adulta. Após o término do cozimento, como forma de simbolizar
purificação e proteção contra doenças, a menina deve abrir suas pernas sobre a panela de
mingau para vaporização de suas partes íntimas, chegando o vapor até seu rosto (LINS, 2014).
Na ocasião da organização da Festa do Mingau, a menina-moça é encarregada de fazer
e servir o mingau para os convidados, tendo o auxílio de toda a família durante a preparação
(Prancha de Fotos 1). A mandioca é lavada, descascada, ralada e depois cozida para o preparo
do mingau. Este é servido aos convidados, ao longo da noite, nas cuias ornamentadas. Os
indígenas de todas as aldeias, e também os não indígenas, são convidados a beber o mingau
e a celebrar, por meio de danças e cantos.
Durante a realização da Festa do Mingau, a menina deve ser submetida a provações
que irão lhe fortalecer enquanto mulher indígena. É obrigada a pisar e amaçar, com a planta
dos pés e calcanhares, pedaços quentes de mandioca, macaxeira ou jerimum cozidos e bem
moles. A menina não pode puxar os pés e deve aguentar a dor, conforme deve proceder nos
momentos do parto. A menina também deve chutar fortemente a quina da barraca onde está
sendo preparado o mingau e, na ocasião, ela não pode chorar ou demostrar que está sentido
dor. Deve aprender a conviver com a dor e com os infortúnios que surgirão ao longo de sua
vida. Também deve suportar, sem queixa, um beiju (espécie de pão indígena feito de amido
de mandioca) quente na cabeça, para se prevenir-se de cabelos brancos precoces (ibidem).
A cerimônia é embalada pelos cantos tradicionais que são conduzidos pelo pajé, na
língua Tembé. O pajé, que canta a noite toda, é auxiliado por um coro de vozes masculinas e
femininas, sendo que os homens tocam com afinco os maracás enquanto cantam a música e
as mulheres cantam o refrão, fazendo o coro de vozes femininas.
Os indígenas de várias idades, animados pela alegre cantoria, dançam geralmente em
pares, fazendo círculos ao redor da ramada. A dança é vigorosa e envolvente por seu aspecto
circular. A festa termina ao amanhecer do segundo dia, geralmente na segunda-feira, quando
o pajé, os cantores, os convidados e a comunidade indígena saem da ramada e celebram com
cantos o nascer do novo dia, agradecendo a presença do kwarahy (sol).
A Festa do Mingau é a parte inicial da celebração de iniciação da menina e do menino
na vida adulta. A passagem se completa somente após a realização da Festa do Moqueado,
outra festa importante e estrutural da cultura dos índios Tembé, que acontece alguns meses
após a realização da Festa do Mingau.
As festas, tanto do Mingau quanto do Moqueado, possuem um caráter fundamentalmente
106
Prancha de fotos 1 – Preparativos da Festa do Mingau, que envolve toda a família da menina-moça.
A pintura corporal da moça simboliza a pele da onça, preparando-a para ser uma mulher indígena tão
forte quanto este animal.
107
mágico-religioso, relacionado com a cosmologia dos Tembé, a forma como eles veem, sentem
e se relacionam com o mundo e o meio ambiente que os circunda. As meninas e meninos são
preparados para enfrentar a vida adulta, tendo contato e sendo iniciados também no mundo
sobrenatural, que deve ser vivenciado com crença, ritualística e seriedade pelos indígenas. Os
Tembé têm como elementos atuantes em sua vida social os espíritos e entidades que vivem
na floresta, bem como parentes queridos que já se foram desta vida material e hoje habitam
o universo sobrenatural dos encantados.
Após a realização da Festa do Mingau, seguem-se os preparativos para a realização da
Festa do Moqueado (Wyra'u haw). As mulheres “frenteiras”, responsáveis pela organização
da festa, e as mães das meninas se responsabilizam pela confecção dos adornos plumários
e vestimentas que embelezarão o corpo das meninas e dos meninos.
Fica sob responsabilidade dos homens das aldeias a busca pela caça que será usada para o
preparo do moqueado, servido durante a festa. Os homens ficam de 10 a 15 dias na floresta
caçando animais como porcão, nambu, macaco guariba e mutum, que são elementos significativos
da biodiversidade na tradição realizada por seus ancestrais. Daí vermos o quanto é importante
manter e cuidar da biodiversidade, não somente para as cerimônias religiosas, mas também
como forma de preservar as tradições culturais do povo Tenetehara.
A festa do moqueado tem duração de sete dias. Geralmente começa na segunda e termina
no domingo. Durante todos os dias da “brincadeira” são entoados cantos e são realizadas
práticas alimentares e festivas que fazem o culto e a reverência aos animais da floresta – como
a borboleta, o macaco guariba e uma diversidade de aves, como bacurau, arara e mutum –,
além de espíritos e divindades da floresta e dos rios. O maracá é o único instrumento musical
usado para dar a sonoridade a estes rituais.
Em diversos momentos da festa os animais são cultuados como símbolos sagrados,
adorados, como emblema ou uma espécie de talismã, amuleto ou purang (na língua Tembé)
pelos iniciados e pela comunidade indígena em geral, que os consideram protetores e provedores
de saberes e qualidade que irão ser úteis durantes toda a vida do individuo. Lins (2014) faz
108
referência à “biodiversidade espiritual” que é louvada pelos indígenas e que participa ativamente
desses festejos.
Neste ritual da cultura Tembé-Tenetehara são evidenciados elementos do totemismo,
uma crença religiosa que utiliza o totem (objeto de veneração e de culto entre um grupo) como
elemento espiritual de adoração e onde existe uma relação próxima e misteriosa entre um ser
humano e um ser natural. É compreensível e favorável à conservação da biodiversidade que
os animais e outros elementos da floresta estejam fortemente vinculados às práticas religiosas e
culturais dos Tembé, pois Campbell (1999), um dos grandes mitólogos da atualidade, assegura
que o meio ambiente tem um efeito importante na formação da história dos povos ancestrais,
caçadores, coletores, povos da floresta e agricultores, que estão integrados em suas paisagens,
fazendo parte de seu mundo cultural e se tornando sagrados a ele.
O agradecimento pelo sacrifício da vida, ou a dádiva oferecida pelos animais aos indígenas,
também é evidente e ritualizado neste festejo. No caso dos animais, que serão as caças
servidas na celebração, o pedido de permissão para caçadas deverá ser devidamente feito pelos
caçadores e, para isso, os indígenas demonstram todo o respeito pelos donos dos animais,
os seres imateriais que vivem na floresta e são seus protetores, como o Curupira, a Matinta
Pereira e os espíritos dos animais, entidades sobrenaturais que vivem na floresta e colaboram
para sua conservação e proteção.
Não é permitido caçar além do necessário para a Festa do Moqueado, sob pena dos
caçadores serem punidos pelas entidades presentes na natureza. No momento da caçada,
realizada previamente à Festa do Moqueado, não podem acontecer desperdícios de comida
e os animais serão caçados dentro das regras dos costumes e da tradição do povo Tembé.
homens, que já devem ter passado pela iniciação. Além disso, os pajés sustentam a cantoria
da música dos ancestrais e guiam todos os aspectos comportamentais e protetivos necessários
para a boa realização da festa. As mulheres fazem a segunda voz na cantoria e repetem os
refrãos da música. Segundo o estudo realizado por Lins (2014), há músicas que só devem
ser cantadas durante o dia, pois fazem alusão aos pássaros e espíritos que participam nos
rituais diurnos, como papagaios, araras, nambus, ema, aracuã e outras. Pela parte da noite, a
maioria dos cantos é voltada à fauna e flora de hábitos noturnos, como urutaus, pypy (coruja),
bacuraus e outros, uma vez que existem também os cantos voltados a objetos inanimados,
aos espíritos dos antepassados, à capitoa (liderança feminina de uma aldeia) e muitos outros.
O pajé nos declarou que pode cantar a noite toda sem repetir uma única música.
De acordo com Brasilice Tembé, liderança da aldeia Suçuarana:
[...] tem diversas cantigas da noite e tem do dia também [...] é diferente do dia
com o da noite, falam do nome dos pássaros, eles botam versos pras senhoras,
eles botam assim um bocado de versos, dos pássaros, dos macacos, tudo
eles botam versos [...] A festa da moça pra mim é uma grande força que nós
tem dos indígenas, é a nossa cultura.
Ao iniciar a festa, o pajé, como líder espiritual e religioso, irá orientar as meninas e meninos
a respeito do comportamento especial que devem ter durante a realização da cerimônia, para
que não venham a ser contaminados por impurezas ou afetados maleficamente por espíritos
dos antepassados ou espíritos inanimados que vivem na floresta, os karuaras. Após a conversa
com o pajé, eles ficam sentados em um banco posicionado em uma das laterais da ramada.
Com a cantoria iniciada, o casal principal, formado por um menino e pela menina que menstruou
primeiro, é responsável por conduzir a dança, os demais casais e o cerimonial.
A primeira atitude para possibilitar o início do festejo é a defumação do espaço externo
e interno da ramada. Ao longo de toda a festa é realizada a defumação, feita com a resina da
árvore breu-branco (Protium hepytaphyllum) e a casca de outra árvore de nome jutaí ou jabobá
(Hymenaea courbaril), que são colocadas em defumadores feitos de lata. A defumação tem
como propósito afastar os espíritos de entidades brincantes que podem cometer excessos
e acabar por derrubar no chão as pessoas que os incorporam, situação que pode acontecer
durante toda a festividade. Muitas vezes, os próprios iniciados, principalmente as mulheres,
são incorporados por estes espíritos chamados de karuaras. Brasilice Tembé afirma:
na festa, que irá se estender durante toda a semana. Os cantores também trazem consigo
flechas que os acompanham ao longo de toda a cerimônia, talvez simbolizando uma atitude de
proteção contra situações indesejadas. Nos dias da festa, os “espíritos dos mortos” também são
permitidos e convidados a participar deste momento em que os Tembé -Tenetehara celebram
o rito de passagem da moça.
Segundo Seu Moreira, pajé da aldeia Teko Haw (Gurupi), o tawari é usado para fazer
reverência aos que já se foram, mas de alguma maneira estão presentes durante a festividade,
participando através dos vivos. Relatou-nos que:
[...] muita gente eu já derrubei no Teko Haw e eu tenho medo até de cantar,
eu, tenho medo de cantar. É a cultura do meu pai, que era a cultura do meu
avô, a cultura do meu tio... Meu tio sabia cantar. Eu, desde pequenino eu fui
aprendendo com ele, sabe? (...). Eu era perigoso quando eu era novinho, e a
mulher não podia rir de mim que eu jogava a karuara nela e ela ficava gritando.
Aí os mais velhos tiravam ali de mim pra eu não matar ninguém, né? Então por
aí eu to, eu, tô até agora e me considero como pajé, eu, e eu sei de alguma
coisa e eu não sou só. A cantoria é isso.
O pajé traz energia e os karuaras, que é tipo uma sombra, é mais quem quer
brincar. Os espíritos que já morreram estão aí, eles gostavam daquelas festas
e é por isso que ele vem e se invoca, por exemplo. Aí quer brincar também! E
pronto! Eles têm mais força que eu. Aí eles me jogam no chão. Aí o pajé vai
e afasta ele e ele sai fora e eu fico bonzinho de novo, porque “eles” estão ali
por perto participando da brincadeira.
Tanto os espíritos dos mortos quanto os espíritos dos seres inanimados da floresta são
convidados a participar da festa e trocar sensações e alegrias com o mundo dos vivos. Por isso,
o entorno da aldeia também tem suas limitações, pois é nesse entorno que muitos espíritos
estão presentes, na entrada da ramada, e, por isso, não deve haver muitas pessoas transitando
ali durante a celebração. O pajé poderá chamar as entidades para participar da festa. Ele tem
o poder de permitir suas participações. Segundo Célia Tembé:
[...] tem a cantiga do pajé que ele chama o bicho d’água, né? O pajé que
chama tanto o da água e chama o do mato né? O que chama a atenção é a
karuara, porque se não tiver a karuara assim, no meio da brincadeira, ela fica
assim, um pouco desanimada. Mas se tiver a karuara, aí anima, né? [...] É o
pajé que chama.
Zaxiper wà As sobrinhas
Uzemupinim Elas se pintam
puràg hezaxiper wà muito bonito, as minhas sobrinhas
Mainumy O beija-flor
Ma’e ru’u aipo O que será
wànowànog iko Que está fazendo barulho?
mainumy a’e ne É o beija-flor
naraz putyr rehe Na flor da laranjeira
a’e he he he A'e he he he
Pytun Noite
Xi nuku’em tue zegara’i mono Nós amanhecemos cantando,
zanerytyk pytun oho pa E a noite nos deixou…
No intervalo de um canto a outro, as meninas servem em cuias uma bebida feita à base
de gengibre e limão para aliviar a garganta dos cantadores, que normalmente passam os sete
dias e seis noites em atividade e necessitam tomar a bebida para aliviar a tensão nas cordas
vocais (LINS, 2014).
À noite, os iniciados assistem aos cantos e danças de suas redes (Figura 50), uma vez
que ainda não estão aptos a enfrentar os perigos e mistérios noturnos. Só estarão preparados
para este desafio após o término das celebrações. Em alguns momentos, passam alho nas
mãos e pés para espantar karuaras e favorecer sua proteção (ibidem).
Os meninos também são pintados com tinta de jenipapo pelas mulheres que auxiliam na
realização da festa (Figura 51). Metade de seus rostos recebem formas que simbolizam a boca
de um macaco; seus pés e mãos também são pintados inteiramente com a tinta, simbolizando
características deste animal, o que lhes faz adquirir qualidades de eficientes exploradores da
floresta. No corpo, recebem uma pintura rica em detalhes, realizada de forma meticulosa pelas
mulheres, onde veremos desenhos que simbolizam a lua, normalmente a lua minguante, feitos
com pedaço de taboca (uma planta oca em forma cilíndrica). De outra forma, os desenhos
também podem fazer alusão à cuia (se pintados para cima), em forma da letra U. Se juntarmos
duas partes cortadas no sentido inverso, teremos a figura da espinha da cobra jiboia, que é
utilizada pelos Tembés em colares e adereços (LINS, 2014).
Figura 51 – Meninos indígenas sendo pintados com a tinta do jenipapo pelas mulheres que auxiliam na
realização da festa.
Na manhã de sábado, as meninas recebem banho de tinta de jenipapo por todo o corpo
e ficam sobre o tupé, uma grande e bela esteira feita da tala da palmeira de guarimã (Mauritia
vinifera), normalmente usada para a realização de várias atividades domésticas. Sua utilização
durante o ritual da Festa do Moqueado é para que as meninas não tenham contato direto com
o chão e para que as impurezas físicas não fluam, contaminando a terra (LINS, 2014).
Esta é a segunda vez que a pintura realizada nas meninas cobre praticamente toda
a extensão de seus corpos (antes, foi realizada durante a fase de tocaia). Lins (2014), muito
sagazmente, comparou as meninas pintadas com uma cobra no momento em que ela realiza
a troca de pele (ecdise). O autor faz essa comparação em função da mudança da condição
social da menina, que passa de moça a mulher, preparada ritualisticamente para o início desta
nova etapa de vida, que é marcada pelo banho natural da floresta, aqui representado pelo
sumo do jenipapo.
O jenipapo irá escurecer toda a pele da menina, podendo simbolizar a plumagem escura
de determinados pássaros ou a pelagem de outros animais que vivem nas florestas da TIARG.
No domingo, as meninas já estarão com o corpo completamente escurecido pelo jenipapo e
podem dar continuidade ao ritual e ao encerramento dos festejos, marcando mais um ciclo que
se realiza na vida e na tradição do povo Tenetehara.
Várias mulheres indígenas dão apoio à realização da Festa ao longo dos dias em que
ela se estende. Elas confeccionam as saias que as meninas vestirão ao final da festividade;
116
preparam a alimentação ritualística e ordinária da festa; tecem e fiam penas para confeccionar
os cocares dos meninos e meninas; produzem colares de miçangas e sementes; ralam jenipapo
para extrair sua tinta; fazem as pinturas corporais; preparam cigarros de tawari; tomam conta
das crianças; defumam o barracão (atividade que também pode ser realizada pelos homens);
colocam lenha e tomam conta do moqueado; dentre outras atividades. Parte dos produtos
artesanais e gastronômicos confeccionados por estas mulheres apoiadoras vão ser usados
para adornar e embelezar as meninas-moças e os meninos neste último dia do cerimonial. A
comida ritual produzida por elas será distribuída aos iniciados e a todos os participantes da festa.
No domingo, as meninas-moças e os meninos passam por mais uma bateria de práticas
cerimoniais. As meninas são enfeitadas e embelezadas em cima do tupé, como era feito no
passado por seus ancestrais. Durantes vários anos de suas vidas as meninas deixaram de
cortar o cabelo e, por ocasião da Festa, são submetidas ao corte de uma franja, acima da
sobrancelha. Elas são, então, vestidas com uma longa saia branca (munehew) ornamentada
com uma fita vermelha, costurada à altura da metade de sua altura. A vestimenta branca
simboliza a cor do dia e a claridade e a fita vermelha poderá simbolizar sua fase passada de
menarca (LINS, 2014).
Após a menina ser vestida com a saia, o pajé passa, com um dedo, uma cola vegetal
extraída do cipó "canoinha" ou "cipó-de-macaco" sobre toda a porção superior de seu tórax,
acima dos seios e sobre toda a extensão de seus antebraços, formando uma espécie de blusa
em formato de M. Em seguida, são dispostas penugens de gavião-branco sobre o caminho
deixado pela cola, evidenciando o formato do M (Figura 52). A penugem branca sobre a pele
que foi enegrecida pela tintura de jenipapo dá um aspecto muito encantador às meninas, como
se elas realmente fossem seres mitológicos sobrenaturais.
Figura 52 – Meninas pintadas com a tinta do jenipapo e enfeitadas com penugem branca de gavião-branco.
que lembra uma coroa. No momento da iniciação, o cocar é posto de cabeça para baixo,
simbolizando que o menino ainda não é um homem formado e não está pronto para assumir
este papel social e as responsabilidades impostas a ele. A partir do momento que ele passa
pela iniciação, o cocar deve ser colocado sempre voltado para cima.
Passada a etapa do “embelezamento” das meninas e meninos, o pajé e sua companheira
passam pedaços da carne de nambu moqueada em algumas partes do corpo das meninas,
geralmente aquelas que são usadas com mais frequência nos trabalhos que exigem força.
Depois, fazem com que as meninas comam a carne da ave que lhes fora passado no corpo.
É realizado o mesmo processo com os meninos, porém, é a carne do mutum, outra ave que
ocorre no sub-bosque da floresta, porém, é a carne do mutum, outra ave que ocorre no sub-
bosque da floresta, que lhes é passada no corpo e oferecida como alimento ritual, que lhes é
passada no corpo e oferecida como alimento ritual.
Após este processo, é oferecida às meninas e meninos uma cuia que contém várias
unidades de uma espécie de bolinho redondo que são preparados no pilão, socando a farinha
de mandioca e as partes que sobraram da carne do mutum e do nambu e depois moldados
pelas mãos das mulheres indígenas que apoiam a realização da festa. Segundo Lins (2014),
após o consumo da carne do nambu, as iniciadas estão aptas a comer qualquer outra carne
de animal de caça, pois nenhuma lhe trará malefício.
Na fase final do festejo, as mulheres apoiadoras socam, no pilão, com farinha de mandioca,
a carne moqueada dos diversos tipos de animais (aves e mamíferos) caçados, preparando
uma espécie de farofa que é logo servida aos iniciados e, em seguida, a todos os convidados
da festa (Figura 53). Depois que todos foram servidos com o alimento ritual e estão satisfeitos,
a festa é interrompida e segue-se um pequeno intervalo.
Figura 53 – Espécie de farofa feita da carne de diversas aves e mamíferos, após serem socadas no pilão.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Convenção da Diversidade Biológica (CDB) reconhece que as comunidades indígenas
e tradicionais dependem dos recursos biológicos disponíveis em seus territórios e que os
conhecimentos ancestrais e tradicionais dessas comunidades, que fazem parte de seus
patrimônios culturais imateriais e materiais, podem contribuir tanto para a conservação quanto
para a utilização sustentável da diversidade biológica. Estes são dois dos objetivos principais
deste tratado internacional assinado, também, pelo Brasil.
A nação indígena Tembé-Teneteharaé detentora de conhecimentos ancestrais referentes
às mais diversas formas de manipulação dos ecossistemas e seus componentes, de onde
tiram condições práticas e simbólicas à sua subsistência física e cultural, como os saberes
relacionados à celebração dos rituais, às práticas curativas e aos usos e costumes ligados à
manipulação desses elementos da biodiversidade florestal e dos rios.
O ritual Wyra'u haw, que, como vimos, enseja vários festejos, como a Festa do Mingau e
a Festa do Moqueado, traz em si e perpassa de geração em geração um arsenal significativo do
conhecimento ancestral Tembé-Tenetehara, relacionado, principalmente, às condutas etárias e
de gênero que os indivíduos devem assumir para um melhor conduzir-se, tanto no meio social
quanto no natural, fonte de sua subsistência, destacando o fato de constituírem uma prática
cultural voltada para a conservação da biodiversidade. É impressionante que cada movimento
dessa celebração toma tempo significativo e possui importância singular na vida dos indígenas;
que cada detalhe da cultura material e imaterial desses festejos traz informações sobre a
diversidade biológica e “bioespiritual” local que são partes integrantes da vida e da cultura dos
indígenas que vivem na Terra Indígena Alto Rio Guamá.
Ao longo deste capítulo, comentamos a importância desses festejos para a manutenção
da cultura e da identidade indígena dos Tembé e também procuramos evidenciar como sua
realização é fundamental para manutenção das práticas simbólicas e culturais relacionas à
conservação da biodiversidade.
Pelo empenho que tivemos para elaborar este texto, percebemos a profunda necessidade
de avançar no reconhecimento deste ritual como patrimônio imaterial do nosso estado. É,
então, necessário que a comunidade indígena da TIARG possa ser informada dos benefícios
deste reconhecimento, bem como dos trâmites burocráticos que devem ser seguidos para que
ele seja efetivado.
120
5. REFERÊNCIAS BIBLIOFRÁFICAS
ALONSO, S. A disputa pelo sangue: reflexões sobre a constituição da identidade e "unidade
Tembé". Novos Cadernos NAEA, v. 2, n. 2, p. 33-56, 1999.
CAMPBELL, J. O poder do mito. São Paulo: Palas Athena, 1990.
CUNHA, C. M. Relações e dissenções entre saberes tradicionais e saber científico. Revista
USP, v. 75, p. 76-84, 2007.
CAPÍTULO 5
Missionário, 1999.
MEIO FÍSICO
1. INTRODUÇÃO
O desenvolvimento da Amazônia, desde o período da colonização, esteve ligado aos
recursos da terra. Diversas foram as culturas de plantio. Inicialmente foram as “drogas do sertão”,
como cacau, copaíba e canela. Depois vieram o arroz, o café, o tabaco e o algodão (PEREIRA,
2000). Com as mudanças frequentes no mercado internacional interferindo na política interna
do Brasil, os produtos passaram a ser os mais variados possíveis, para responder às demandas
do mercado exterior, surgindo, então, a extração da borracha e a inserção de indústrias na
região. Na atualidade, a economia da Região Amazônica está voltada principalmente para
atividades pecuárias, madeireiras e para monoculturas. Entretanto, as características físicas
deste ambiente não proporcionam uma recuperação rápida dos recursos naturais após os
danos causados por essas atividades. A exuberância da floresta decorre da reciclagem dos
nutrientes, formando um sistema fechado que, quando rompido pelo desmatamento, revela a
pobreza dos solos, que contribuem com apenas 8% dos nutrientes minerais (CASTRO, 2007).
Dessa forma, a procura e a ocupação pelas terras da Amazônia não são decorrentes do
teor de riqueza dos solos, mas sim da riqueza de recursos hídricos que o bioma apresenta.
Diante da recente preocupação com o meio ambiente e os seus recursos naturais, a Amazônia
não perdeu a característica da sua riqueza natural, mas, hoje, essa riqueza surge com a
discussão de sustentabilidade ambiental, como uma forma de conciliar o desenvolvimento
econômico com a preservação do meio ambiente.
É nesse contexto que a comunidade da TIARG pretende implantar e fortalecer o plantio
de culturas em suas terras, tanto para a subsistência como para o comércio local. Além das
roças, outra preocupação constante é com a qualidade da água, mudanças climáticas, pressões
antrópicas, entre outras.
O levantamento do meio físico, dentro do Diagnóstico Etnoambiental Participativo na
TIARG, vem contribuir na avaliação das condições das roças atuais e futuras, dos rios e
igarapés de uso da comunidade, bem como na percepção da comunidade sobre o ambiente
geográfico da terra indígena.
Portanto, esse tipo de estudo surge para analisar os recursos existentes na TIARG, com
o objetivo de fortalecer projetos voltados ao planejamento do uso sustentável e à proteção dos
recursos naturais. Dessa forma, descreve e analisa as características físicas da terra indígena,
sendo elas: geologia, geomorfologia, hidrografia, pedologia, aptidão agrícola, climatologia e
pressão antrópica, estabelecendo relação entre o conhecimento científico e o tradicional.
2. OBJETIVOS
• Determinar o tipo de solo e as características das áreas de roça para aptidão agrícola;
• Mapear os igarapés que possuem importância de uso para a comunidade;
• Validar os dados meteorológicos de fontes secundárias, a partir do conhecimento da
comunidade sobre as cheias, secas, inverno e verão;
• Identificar a geologia e geomorfologia da região a partir de dados secundários e do
modelo digital do terreno;
• Identificar as áreas de pressão antrópica;
• Elaborar mapas temáticos voltados às áreas de estudo do meio físico;
• A partir de metodologia aplicada, estabelecer relação entre o conhecimento científico
e o tradicional.
3. METODOLOGIA
O trabalho de campo foi feito principalmente nas proximidades das aldeias do Guamá
e do Gurupi, com observações das roças, análise da hidrografia, geomorfologia, climatologia
e geologia.
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Figura 57 – Placa de limite da TIARG: principal Figura 58 – Via de acesso à TIARG, região do Gurupi,
acesso às aldeias do Guamá. Foto: Meline Machado. demonstrando que a faixa de cobertura florestal
corresponde ao limite da terra indígena. Foto: Edwilson
Pordeus.
4.2. Hidrografia
A América do Sul é subdividida em oito bacias hidrográficas, sendo elas: Bacia do rio
Amazonas; Bacia do rio Tocantins; Bacia do Atlântico, trecho norte/nordeste; Bacia do rio São
Francisco; Bacia do Atlântico, trecho leste; Bacia do rio Paraná; Bacia do rio Uruguai; e Bacia
do Atlântico, trecho sudeste (ANA, 2010).
entre outros (SALES, 1999) (Tabela 3). Esses rios e igarapés de maior uso e importância para
a comunidade estão localizados mais próximos às aldeias (Figura 60), facilitando o acesso da
comunidade ao recurso.
Os usos desses recursos hídricos para a comunidade são variados, destacando-se o
uso para deslocamento, pesca de subsistência e tarefas domésticas com menor intensidade,
visto que a maioria das aldeias possui sistema de distribuição de água.
Especificamente relacionado ao deslocamento hidroviário, as aldeias localizadas próximas
ao rio Gurupi realizam essa atividade com maior intensidade e frequência, pois muitas aldeias
somente podem ser acessadas por rio e outras por ramais que estão sendo construídos. Já
para as aldeias localizadas no rio Guamá, a maior parte dos acessos é feita por estradas e/
ou ramais.
Os principais nomes dos cursos d’água da terra indígena foram descritos a partir do
trabalho de mapeamento junto à comunidade (Figura 61). A Figura 62 mostra os locais de
aplicação do Protocolo de Avaliação Ecológica Rápida (PAER) da qualidade da água.
131
Figura 60 – Hidrografia da TIARG mostrando os príncipais rios e igarapés utilizados pela comunidade indígena.
134
Figura 61 – Mapeamento dos rios e igarapés da TIARG realizado de forma participativa com a comunidade
indígena. Fotos – Angela Kaxuyana e Edwilson Pordeus.
135
Figura 62 – Locais de aplicação do Protocolo de Avaliação Ecológica Rápida (PAER) da qualidade da água.
136
Seguem imagens dos pontos onde foi feita a aplicação do Protocolo de Avaliação
Ecológica Rápida (PAER) da qualidade da água:
Ponto 009 – Aldeia Cocalzinho (rio Gurupi). Coordenadas Ponto 023 – Aldeia Teko Haw (rio Gurupi). Coordenadas
geográficas: Lat: 2° 30’ 24.77” S, Long: 46° 26’ 10.83” W; geográficas: Lat: 2° 37’ 42.34” S, Long: 46° 33’ 7.45” W; data da
data da coleta: 25/09/2014; ponto de coleta com mata ciliar coleta: 27/09/2014; ponto de coleta com mata ciliar visualmente
visualmente preservada em torno da aldeia; hora de coleta: preservada em torno da aldeia; hora de coleta: 10h50; situação
10h54; situação do dia: ensolarado; largura média: 100 m; do dia: ensolarado; largura média: 80 m; profundidade média:
profundidade média: 15 m. Foto: Meline Machado. 20 m. Foto: Edwilson Pordeus.
Ponto 035 – Aldeia Sussuarana (rio Gurupi). Coordenadas Ponto 041 – Aldeia Igarapé Grande (rio Gurupi). Coordenadas
geográficas: Lat: 2° 43’ 56.75” S, Long: 46° 41’ 9.63” W; data da geográficas: Lat: 2° 47’ 27.26” S, Long: 46° 38’ 18.03” W; data da
coleta: 01/10/2014; ponto de coleta com mata ciliar visualmente coleta: 01/10/2014; ponto de coleta com mata ciliar visualmente
preservada em torno da aldeia; hora de coleta: 10h30; situação preservada em torno da aldeia; hora de coleta: 15h10, situação
do dia: nublado; largura média: 35 m; profundidade média: 4 do dia: ensolarado; largura média: 50 m; profundidade média:
m. Foto: Meline Machado. 6 m. Foto: Edwilson Pordeus.
Ponto 048 – Aldeia Sede (rio Guamá). Coordenadas Ponto 055 – Aldeia Ypydhon (rio Guamá). Coordenadas
geográficas: Lat: 1° 47’ 59.04” S, Long: 46° 58’ 35.25” W; data da geográficas: Lat: 1° 46’ 10.63” S, Long: 46° 57’ 25.11” W; data da
coleta: 07/10/2014; ponto de coleta com mata ciliar visualmente coleta: 08/10/2014; ponto de coleta com mata ciliar visualmente
preservada em torno da aldeia; hora de coleta: 16h52; situação preservada em torno da aldeia; hora de coleta: 13h50; situação
do dia: ensolarado; largura média: 80 m; profundidade média: do dia: ensolarado; largura média: 80 m; profundidade média:
3 m Foto: Edwilson Pordeus. 1,50 m. Foto: Meline Machado.
137
Ponto 056 – Aldeia Tawari (rio Guamá). Coordenadas Ponto 064 – Aldeia Pakotiw (rio Guamá). Coordenadas
geográficas: Lat: 1° 52’ 4.21” S, Long: 47° 0’ 46.39” W; data da geográficas: Lat: 1° 47’ 59.04” S, Long: 46° 58’ 35.25” W; data
coleta: 08/10/2014; ponto de coleta com mata ciliar visualmente da coleta: 08/10/2014; ponto de coleta com mata ciliar visualmente
preservada em torno da aldeia; hora de coleta: 15h15; situação preservada em torno da aldeia hora de coleta: 16h52; situação
do dia: nublado; largura média: 15 m; profundidade média: 1,50 do dia: ensolarado; largura média 80 m; profundidade média:
m. Foto: Meline Machado. 3,00 m. Foto: Edwilson Pordeus.
Tabela 4 – Resultados dos parâmetros avaliados na análise de qualidade da água dos trechos de rios
analisados na TIARG.
Pontos
Parâmetros
009 023 035 041 048 055 056
Tipo de ocupação das mar-
1 gens do corpo d’água (princi- 04 04 04 04 04 04 04 04
pal atividade)
Erosão próxima e/ou nas
2 margens do rio e assorea- 04 04 04 02 04 04 04 02
mento em seu leito
3 Alterações antrópicas 04 04 04 04 04 04 04 04
Cobertura vegetal do leito do
4 02 02 02 02 04 02 02 04
rio
5 Odor da água 04 04 04 04 04 04 04 04
6 Oleosidade da água 04 04 04 04 04 04 04 04
7 Transparência da água 02 02 02 02 03 02 02 02
8 Odor do sedimento (fundo) 04 04 04 04 04 04 04 04
9 Oleosidade do fundo 04 04 04 04 04 04 04 04
10 Tipo de fundo 04 02 02 02 04 04 02 04
11 Tipo de fundo 05 05 05 05 05 05 05 05
12 Extensão de rápidos 02 02 02 02 02 03 03 05
138
Pontos
Parâmetros
009 023 035 041 048 055 056 064
13 Frequência de rápidos 02 02 02 02 02 03 03 05
14 Tipos de substrato 03 02 02 02 03 05 05 05
15 Deposição de lama 05 05 05 05 05 05 05 05
16 Depósitos sedimentares 05 05 05 05 05 05 05 05
17 Alteração no canal do rio 05 05 05 05 05 05 05 05
Características do fluxo das
18 05 05 05 05 05 05 05 05
águas
19 Presença de mata ciliar 05 05 05 05 05 05 05 05
20 Estabilidade das margens 05 05 05 05 05 05 05 05
21 Extensão de mata ciliar 05 05 05 05 05 03 05 05
Presença de plantas aquáti-
22 02 00 00 00 00 00 00 00
cas
Resultado 85 80 80 78 86 85 85 91
Avaliação 1
N N N N N N N N
1
N – rios naturais. Outras categorias seriam: A – rios alterados; I – rios impactados.
Mês
Clima / Tempo
Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
Chuva x x x x x x x x²
Cheia x x
Seca x¹ x x x
Temperatura ºC alta x x x
Temperatura ºC baixa x x
x¹: fim das chuvas, início da seca; x²: fim da seca, início das chuvas.
Ecológica Rápida (PAER), conforme metodologia aplicada. Ressalta-se que, durante as Oficinas
realizadas na terra indígena, não houve relatos de impactos significativos em sua hidrografia.
Quanto ao calendário pluviométrico e de temperatura elaborados pela comunidade, podemos
afirmar, ao relacionar com os dados científicos constados no tópico 4.3, que sua percepção
está coerente com as informações processadas pelo Instituto Nacional de Meteorologia.
Os resultados apresentados demonstram a importância do conhecimento tradicional para
as comunidades, principalmente por influenciar diretamente na produção agrícola, refletindo
na segurança alimentar, no deslocamento fluvial e na permanência das comunidades em seu
território.
4.3. Clima
O Brasil possui uma extensa variedade de tipologias climáticas. Isso ocorre devido a
diversos fatores, como: configuração geográfica, maritimidade ou continentalidade, altitude,
extensão territorial, relevo e dinâmica das massas de ar. Este último é o fator de maior importância,
pois atua diretamente sobre a temperatura e a pluviosidade. As massas de ar que interferem
mais diretamente no Brasil são: a Equatorial (Continental e Atlântica), a Tropical (Atlântica e
Continental) e a Polar Atlântica (GONÇALVES; MONTE; CÂMARA, 1993).
A Região Norte do país é classificada como de clima equatorial úmido, possuindo a maior
extensão de floresta quente e úmida do planeta. Essas características climáticas ocorrem devido
a alta incidência de energia solar e a pouca variância na topografia da região, o que permite a
influência dos sistemas de circulação na Amazônia.
Os aspectos que mais caracterizam o clima na maior parte da região amazônica são:
a isotermia, a alta umidade atmosférica, as precipitações abundantes e um alto índice de
nebulosidade (MMA, 2001).
São quatro os sistemas de articulação atmosférica que atuam na região. O primeiro sistema
é responsável pelos períodos de estabilidade do tempo e corresponde ao sistema de ventos de
Nordeste (N) a Leste (E) dos anticiclones subtropicais do Atlântico Sul e dos Açores. Os outros
três sistemas são responsáveis pela instabilidade e pelas chuvas (GONÇALVES; MONTE;
CÂMARA, 1993), sendo eles: o sistema de ventos de Norte da Convergência Intertropical (CIT),
o sistema de ventos de Sul do Anticiclone Polar e o sistema de ventos de Oeste da massa
equatorial continental (mEc).
As classificações climáticas surgem para agrupar características semelhantes da atmosfera
terrestre a partir das condições médias de determinada região. De acordo com a classificação
de Köppen, existem cinco climas principais: Equatorial, Árido, Temperado, Continental e Glacial.
Enquadram-se, também, na classificação os subtipos climáticos, definidos pelas características
de temperatura e precipitação das regiões.
De acordo com a classificação de Köppen, a TIARG está inserida no subtipo climático
“Am”, caracterizado como clima tropical úmido ou subúmido (KÖPPEN, 1948) (Figura 63).
140
O tipo climático “Am” é um clima de monção, com pequena estação seca (de um a
três meses). Ocorre em boa parte da Amazônia Oriental, apresentando chuvas no verão e
temperaturas elevadas (KÖPPEN, 1948).
Além dos dados da classificação climática de Köppen, o componente de climatologia
contou com análises geradas a partir de dados climáticos de duas estações meteorológicas
próximas à TIARG: a Estação Meteorológica Automática de Capitão Poço/PA e a Estação
Meteorológica Automática de Paragominas/PA, contando com os dados de temperatura e de
precipitação da região. Os dados gerados foram os índices de chuva e temperatura, com uma
temporalidade de cinco anos (2011 a 2014), conforme os gráficos de precipitação (Figuras 64
a 67), de temperatura máxima (Figuras 68 a 71) e de temperatura mínima (Figuras 72 a 75).
O povo Tembé depende dos recursos naturais de seu território, como os rios para
a pesca e as roças para os plantios de subsistência. As alterações climáticas interferem no
uso desses recursos, já que os indígenas não podem contar com um processo mecânico de
irrigação e nem com a manutenção de peixes em tanques de piscicultura, apesar deste ser um
dos intuitos da comunidade, visando garantir a disponibilidade do recurso independentemente
dos fatores de mudanças climáticas, sejam eles naturais e/ou antrópicos.
4.4. Geologia
4.5. Geomorfologia
Geomorfologia é o estudo das formas de relevo, o qual é notado pelo homem no conjunto
de componentes da natureza pela sua beleza, imponência ou forma. É antiga a convivência
do homem com o relevo, no sentido de lhe conferir grande importância em muitas situações
do seu dia-a-dia, como para assentar moradia, estabelecer melhores caminhos de locomoção,
localizar seus cultivos, criar seus rebanhos ou definir os limites dos seus domínios (GUERRA;
BAPTISTA, 1995).
Para perceber como o relevo da TIARG se comporta, gerou-se um Modelo TIN (Triangular
Irregular Network – Rede Triangular Irregular), a partir do Modelo Digital de Elevação (MDE),
com os dados da Aster GDEM (2014). O MDE, a partir da imagem Aster GDEM, mostra os
diferentes valores altimétricos da região, com resolução altimétrica de 15 metros.
Como o relevo da TIARG é, em sua maioria, plano, com suaves ondulações, o Modelo
TIN (Figura 79), mostra os dados do MDE com a sobreposição de alguns pontos elevados
que foram coletados em campo. A elevação é dada na variação das cores da imagem, onde
os tons variam na escala do verde: quanto mais escura, maior a elevação; quanto mais clara,
menor a elevação.
4.6. Pedologia
Para o estudo de formação dos solos, foi criado, pela Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária (EMBRAPA), o Sistema Brasileiro de Classificação de Solos (SIBCS), que em
2006 teve sua segunda edição. De acordo com o SIBCS, existem 13 principais ordens de
solos no Brasil: Argissolos, Cambissolos, Chernossolos, Espodossolos, Gleissolos, Latossolos,
Luvissolos, Neossolos, Nitossolos, Organossolos, Planossolos, Plintossolos e Vertissolos, que
possuem suas subordens, grandes grupos e subgrupos (IBGE, 2007).
151
Figura 79 – Modelo Digital de Elevação – MDE gerado para a TIARG, mostrando os valores altimétricos para a área.
152
Tabela 6 – Comparação entre o cultivo atual e dos antigos nos plantios da TIARG (caminhada transversal;
RUAS (2006), VERDEJO (2006)).
Antigos Hoje
Mandioca Mandioca
Macaxeira Macaxeira
Mandiocaba Mandiocaba
Banana Banana
Milho Milho
Arroz Arroz
Fava Fava
Feijão Feijão
Cará Cará
Cultura
Batata doce Batata doce
Jerimum Jerimum
Melancia Melancia
Cunambi Cunambi
Tabaco Tabaco
Timbó Timbó
Malva Malva
- Açaí
- Pimenta-do-reino
A partir da visita às roças, foi possível estabelecer a relação entre as terras de boa
produção apontadas pelos indígenas e a quantidade de matéria orgânica presente no solo,
demonstrando o conhecimento da comunidade para melhores níveis de produção.
Figura 82 – Atividade de desenho dos tipos de cultura que a comunidade cultiva ou pretende cultivar na
TIARG.
157
Todas essas culturas fazem parte da base alimentar do povo Tembé, tendo maior destaque
a mandiocaba, que, além de base alimentar, também estabelece forte identidade com a cultura
tradicional, sendo usada em uma das principais festas da comunidade, chamada Festa da
Menina-moça.
São diversos os tipos de cultura das roças da TIARG, tendo cada uma delas um calendário
de produção que define o período do preparo da terra, do plantio e da colheita (Tabela 7).
158
Tipo de Cultura Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
Mandiocaba, mandioca,
cará, batata doce e P P C C R R R P
jerimum
Melancia C C R R R P
Arroz e milho P P C C R R R P
Feijão R/P C C C
Banana C R/C R/C R/C P/C
Fava P P C R R/C R/C P
Pimenta-do-reino* P P C R R R P
Açaí* P P C R R R P
Malva P P C R/C R R P
R – Preparação da terra; P – Plantio; C – Colheita. *A colheita da pimenta-do-reino ocorre após três a quatro
anos e do açaí, após quatro anos.
Como outros povos indígenas, o povo Tembé apresenta uma divisão de tarefas entre
homens e mulheres no que se refere à produção, sendo a maior parte das atividades exercidas
pelos homens (Tabela 8).
Atividade Quem?
É interessante observar como o povo Tembé entende seu território. Para compreender essa
dinâmica, foi realizada uma atividade de elaboração de mapas mentais, demonstrando o olhar da
comunidade sobre os aspectos geográficos e físicos de seu território. Essa atividade foi realizada
na aldeia São Pedro e contou com a participação dos pesquisadores indígenas e de membros
da comunidade (Figura 83).
159
Figura 83 – Construindo o mapa mental dos recursos do meio físico da TIARG. Fotos: Edwilson Pordeus.
Os níveis de manejo são divididos em três classes, de acordo com o IBGE (2007):
1. Nível de manejo A (Primitivo) – baseado em práticas agrícolas que refletem um
baixo nível técnico;
2. Nível de manejo B (Pouco desenvolvido) – caracterizado pela adoção de práticas
agrícolas que refletem um nível tecnológico intermediário;
3. Nível de manejo C (Desenvolvido) – baseado em práticas agrícolas que refletem
um alto nível tecnológico.
Além dos níveis de aptidão agrícola, existem também os grupos e as classes. Os grupos
identificam o tipo de utilização mais intensivo das terras, ou seja, sua melhor aptidão. Já as
classes expressam a aptidão agrícola das terras para um determinado tipo de utilização. São
definidas quatro classes de aptidão: Boa, Regular, Restrita e Inapta (IBGE, 2007).
Diante dessa classificação dos níveis de manejo, a TIARG se enquadra no nível A, onde
as técnicas agrícolas desenvolvidas são pouco utilizadas. O uso intensivo dessas técnicas
não se adéqua ao contexto de uso do território dos Tembé, onde a produção é voltada para a
subsistência da comunidade e a produção excedente, quando existe, é destinada ao comércio
nas cidades próximas. Em relação às classes, a TIARG se enquadra em uma boa aptidão
agrícola. Entretanto, para aumentar o nível produtivo das roças, são dadas algumas sugestões
voltadas para o aumento de matéria orgânica nas roças.
Na produção orgânica, o enfoque das adubações está direcionado não só aos aspectos
químicos do solo, mas também aos componentes físico-químicos e biológicos, bem como
aos efeitos de longo prazo do manejo da matéria orgânica. Dessa forma, aspectos centrais
do manejo da fertilidade são a utilização de dejetos animais, a rotação de culturas (incluindo
gramíneas e leguminosas) e o sistema de preparo de solo (SOUZA, 2006).
Compostagem
Preparo do composto
Material: capim/folhagem, restos de animais mortos, cinzas, esterco de aves/boi/porco, restos
de vegetais (mandioca brava/cará/batata-doce/feijão/talos de banana) e água.
Ferramentas: pá, garfo, rastelo.
Escolha do local e marcação da área: o local deve ser protegido de ventos e da insolação
direta, deve ter boa drenagem, estar levemente inclinado e a pilha não deve ficar encostada
em paredes. Quando possível, deve-se utilizar galpões ou locais cobertos com piso de cimento
para melhorar a eficiência da compostagem e, principalmente, reduzir perdas de nutrientes.
Para facilitar a montagem do composto, deve-se marcar a área da pilha com o auxílio de fios
de arame ou barbante. É fundamental que o processo de compostagem seja realizado próximo
a uma fonte de água, pois, tanto durante a montagem das pilhas quanto nas reviragens, faz-
se necessário molhar o composto. Recomenda-se utilizar pilhas com 10 m de comprimento
por 1,0 m de largura e 1,5 m de altura. Estas dimensões facilitam tanto a reviragem das pilhas
como o próprio processo de compostagem (Tabela 9).
Reviragem
materiais e colocando todo o material das bordas para o centro e do centro para as bordas da
pilha. Da mesma forma, todo o material de cima da pilha é colocado para baixo e vice-versa.
Esta operação permite que os materiais que estão na superfície da meda sejam incorporados
e entrem no processo de decomposição, tornando a compostagem mais rápida e eficiente. O
ato de revirar proporciona maior aeração na pilha, introduzindo oxigênio, reduzindo os níveis
de gás carbônico e estimulando a ação dos microrganismos decompositores. Em condições
anaeróbicas (sem oxigênio) a decomposição é mais lenta e, associada ao excesso de umidade,
pode levar ao apodrecimento e aparecimento de cheiro ruim.
Temperatura
Os microrganismos que fazem a decomposição da matéria orgânica produzem calor (em
torno de 50ºC e 65ºC). A temperatura pode ser avaliada com as próprias mãos:
• Temperatura boa: quente, mas se consegue ficar com a mão no meio da pilha;
• Temperatura alta: muito quente, não se consegue manter a mão no meio da pilha;
• Temperatura baixa: devemos revolver o composto para ativar a decomposição.
Umidade
A umidade adequada deve estar na faixa de 55% a 65%. Para verificar a umidade do
composto, deve-se apertar a massa entre os dedos:
• Umidade baixa: a massa esfarela-se com facilidade;
• Umidade adequada: consegue-se moldar a massa com as mãos;
• Umidade alta: escorre água por entre os dedos quando a massa é apertada.
• Ao final do processo, o composto adquire coloração escura e cheiro característico
de terra. Aproximadamente 80 a 90 dias após a montagem da pilha, a temperatura
reduz para cerca de 30ºC. Com estas características, o composto estará pronto para
ser usado.
Rendimento
Uma pilha com as dimensões de 1,0 x 1,5 x 10,0 m resultará em cerca de 1.900 kg de
composto pronto, suficiente para adubar de 650 a 2.000 m2 de canteiros. Ou seja, recomenda-se
usar entre 1 e 3 kg/m2 de composto; É importante destacar que essas sugestões de melhoramento
do solo a partir de produtos orgânicos disponíveis na TIARG possibilitam uma maior produtividade
das roças em longo prazo.
Uso
Com a compostagem pronta para ser usada, existem duas maneiras de enriquecer o solo com
esse composto orgânico. Um dos processos consiste em adicionar a compostagem diretamente
163
Rotação de Culturas
Sabe-se que existem diferentes defensivos agrícolas para o combate às pragas nos plantios,
mas também existem consequências para o ambiente ao usar esses produtos, principalmente
para o solo e para os rios. Dessa forma, são feitas aqui algumas recomendações de uso de
materiais orgânicos ou de baixo impacto ao meio ambiente empregados para diminuir ou acabar
com as pragas, de acordo com Paulus, Muller e Barcellos (2000):
• Leite ou soro de leite: o leite tem efeito positivo sobre o desenvolvimento das plantas,
como redução de doenças e eliminação de ácaros. Misturar em água na proporção de
1 litro de leite para 10 litros de água. Já o soro não deve ter sal e pode ser utilizado
desde puro até misturado com água a 50%.
• Placas e bacias coloridas: colocar placas pintadas de amarelo-ouro e azul logo
acima da cultura, embebidas em óleo de cárter novo. Manter sempre umedecida.
Outra opção: bacias de cor amarela ou azul intensa, contendo uma mistura de água
e detergente. Mosca minadora, mosca branca, pulgão, vaquinha e cigarrinha são
atraídas pela cor amarela, enquanto o trips, pela cor azul. Pousam e grudam nas
placas ou se afogam nas bacias.
• Urina de vaca: tem sido usada como fungicida. A urina de vaca prenhe é coletada,
armazenada em local fresco por sete a 10 dias, diluída em água a 1% (um litro de
urina para 100 litros de água) e, então, pulverizada sobre as plantas, Macerados de
plantas: fumo, arruda, cinamomo, urtiga, cipó e outras plantas têm efeito inseticida.
Coletar as folhas, picar, misturar com álcool, deixar em repouso por 48 horas, coar
e diluir em água até, no máximo, 10%. Como atrativo de Diabrotica spp. (vaquinha
ou cascudinho verde-amarelo), pode-se espalhar iscas com cipó tayuyá (PAULUS;
MULLER; BARCELOS, 2000).
que vêm comprometendo a sobrevivência do povo Tembé. No ano de 2010 foi elaborado,
pela FUNAI, um mapa com as pressões e ameaças à TIARG (ver Figura 13, Capítulo 1 deste
livro); Como pode ser observado no referido mapa, existe uma grande área central que não está
ocupada pelos indígenas, mas por colonos que invadiram a TIARG a partir do final da década de 70,
estimulados, principalmente, pela construção de uma estrada irregular em seu interior.
Problemas sérios enfrentados pelos indígenas da TIARG, como as invasões, as atividades ilegais
realizadas em seu interior e a forte pressão antrópica que ocorre em decorrência das fazendas, vilas e
cidades situadas em áreas fronteiriças, têm causado a intensificação da supressão da camada vegetal
da terra indígena, além de consequências socioambientais graves para as comunidades envolvidas.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A TIARG é caracterizada por diferentes tipologias ambientais, que refletem uma grande
riqueza em termos de biodiversidade. O conhecimento tradicional é de extrema importância
para a identidade de um povo. Tal conhecimento é repassado por gerações durante milhares de
anos e está intimamente ligado a sua terra. A terra não significa apenas uma dimensão física,
mas antes de tudo é um espaço comum, ancestral, de todos que têm o registro da história, da
experiência pessoal e coletiva do seu povo, enfim, uma instância do trabalho concreto e das
vivências do passado e do presente (ANJOS, 2006).
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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VERDEJO, M. E. Diagnóstico Participativo: guia prático/DRP. Brasília: MDA/Secretaria da Agricultura
Familiar, 2006.
VIEIRA, L. S.; SANTOS, P. C. T. C. Amazônia: seus solos e outros recursos naturais. São Paulo:
Ceres, 1987.
168
Apêndice 1 –Aspectos das roças atuais e futuras amostradas na TIARG, com imagens dos tipos de solo.
APÊNDICES:
Observação 001
Localização: Aldeia Canindé
Nome do dono da roça: Reginaldo Tembé
Data: 24/09/2014
Coordenadas: Lat: 2° 33’ 6.28” S; Long: 46° 30’ 30.07” W
Uso atual: futura roça Tamanho: 50 x 50 m
Cultura agrícola: milho, arroz, mandioca e banana.
Relevo local: plano, mal drenado, sem erosão, sem pedregosidade.
9HJHWDomRÀRUHVWD
Estrutura do solo: areia, pouco cascalhenta tipo maciça, friável, solta, ligeiramente
plástico e ligeiramente pegajoso.
Cor do solo: marrom claro
Observação 002
Localização: Aldeia Canindé
Nome do dono da roça: Edilson Tembé
Data: 24/09/2014
Coordenadas: Lat: 2° 33’ 23.58” S; Long: 46° 30’ 13.76” W
Uso atual: roça atual Tamanho: 50 x 50 m
Cultura agrícola: macaxeira, banana, caju e cupuaçu.
Relevo local: suavemente ondulado, bem drenado, sem erosão, sem pedregosidade.
Vegetação: campinarana
Estrutura do solo: areia franca, pouco cascalhento tipo maciça, umidamente solta,
ligeiramente plástico e ligeiramente pegajoso.
Observação 003
Localização: Aldeia Cocalzinho
Nome do dono da roça: Luís Ferreira
Data: 25/09/2014
Coordenadas: Lat: 2° 30’ 33.86” S; Long: 46° 26’ 19.65” W
Uso atual: futura roça Tamanho: 75 x 75 m
Cultura agrícola: mandioca e melancia
Relevo local: suavemente ondulado, bem drenado, sem erosão, sem pedregosidade.
9HJHWDomRÀRUHVWD
Estrutura do solo: areia, pouco cascalhenta tipo maciça, umidamente solta,
ligeiramente plástico e ligeiramente pegajoso.
Cor do solo: marrom claro
Observação 004
Localização: Aldeia Cocalzinho
Nome do dono da roça: Luís Ferreira
Data: 25/09/2014
Coordenadas: Lat: 2° 30’ 32.69” S; Long: 46° 26’ 19.62” W
Uso atual: roça atual Tamanho: 150 x 150 m
Cultura agrícola: mandioca e macaxeira.
Relevo local: suavemente ondulado, bem drenado, sem erosão, sem pedregosidade.
9HJHWDomRÀRUHVWD
Estrutura do solo: areia, pouco cascalhenta tipo maciça, umidamente solta,
ligeiramente plástico e ligeiramente pegajoso.
Cor do solo: marrom claro
Observação 005
Localização: Aldeia Cocalzinho
Nome do dono da roça: Luís Ferreira
Data: 25/09/2014
Coordenadas: Lat: 2° 30’ 17.56” S; Long: 46° 26’ 9.45” W
Uso atual: roça atual Tamanho: 250 x 250 m
Cultura agrícola: arroz, banana, mandioca e milho.
Relevo local: Suavemente ondulado, bem drenado, sem erosão, sem pedregosidade.
9HJHWDomRÀRUHVWD
(VWUXWXUDGRVRORDUJLORDUHQRVDFDVFDOKHQWDWLSRJUmRVLPSOHVXPLGDPHQWH¿UPH
não plástico e ligeiramente pegajoso.
Cor do solo: marrom alaranjado
Observação 006
Localização: Aldeia Bate Vento
Nome do dono da roça: Diego Tembé
Data: 25/09/2014
Coordenadas: Lat: 2° 31’ 52.46” S; Long: 46° 28’ 54.51” W
Uso atual: roça atual Tamanho: 250 x 250 m
Cultura agrícola: mandioca, banana, milho e arroz.
Relevo local: suavemente ondulado, bem drenado, sem erosão, ligeiramente
pedregoso.
9HJHWDomRÀRUHVWD
Estrutura do solo: argiloarenosa, pouco cascalhenta tipo grão simples, seco e
solto, ligeiramente plástico e ligeiramente pegajoso.
Cor do solo: marrom alaranjado
170
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176
CAPÍTULO 6
FLORA E FAUNA
177
6.1 – VEGETAÇÃO
1. INTRODUÇÃO
A Amazônia possui a maior e mais rica floresta tropical do planeta. Abrange nove países
da América do Sul, com seis milhões de quilômetros quadrados (RYLANDS et al., 2002) e
abriga 11.752 espécies de plantas, distribuídas em 197 famílias botânicas, sendo que 2.540
angiospermas endêmicas ocorrem nesse domínio fitogeográfico (REFLORA, 2014).
A cobertura florestal da TIARG é formada pela Floresta Ombrófila Densa. Esse tipo de
vegetação é classificado em: Floresta Ombrófila Densa Aluvial; Floresta Ombrófila Densa
Submontana; e Floresta Ombrófila Densa de Terras Baixas, além das áreas de uso da terra,
segundo o mapa da vegetação (IBGE, 2012).
As Florestas Ombrófilas Densas Aluviais são as formações florestais inundadas pelas
águas dos rios (VELOSO; RANGEL-FILHO; LIMA, 1991). Na Amazônia, são denominadas de
várzeas ou igapós, dependendo da cor das águas que as inundam. A floresta de várzea é uma
vegetação periodicamente inundada por rios de água branca e a floresta de igapó, por rios de
água preta ou clara (PIRES; PRANCE, 1985).
A Floresta Ombrófila Densa das Terras Baixas e a Submontana são formações que ocupam,
em geral, as planícies costeiras, capeadas por tabuleiros pliopleiscênicos do Grupo Barreiras.
O uso da terra na TIARG foi classificado em áreas de pastagem, vegetação secundária
e uma extensa área sem informação da tipologia florestal, segundo dados geográficos do
RADAMBRASIL (1974; atualização do Projeto SIVAM, 2002).
Por se tratar do primeiro registro da riqueza de espécies da flora na terra indígena, o
estudo relacionado à caracterização da vegetação é de fundamental importância para as
políticas públicas de conservação da biodiversidade e cultura indígena da TIARG.
2. OBJETIVOS
2.1. Objetivo Geral
• Obter a lista preliminar das espécies da flora, incluindo as ameaçadas, raras e endêmicas
(incluindo o nome científico e o nome dado pelos indígenas);
• Caracterizar as fitofisionomias;
• Elaborar um mapa da vegetação;
• Descrever o uso da vegetação pela comunidade indígena;
• Indicar as relações do povo indígena com a floresta, identificando as espécies utilizadas
pela comunidade e o tipo de uso dado a elas (sagrado, alimento, medicina tradicional, etc.).
3. METODOLOGIA
Os indivíduos vegetais foram classificados quanto à forma de vida em: árvore, arvoreta,
palmeira, arbusto, subarbusto, herbáceo (terrestre, saprófita e aquática), hepífita e hemiepífita,
180
liana (incluindo herbáceas e lenhosas) e hemiparasita (VIDAL; VIDAL, 2003). Para a classificação
em nível taxonômico de família, gênero e espécie adotou-se o sistema APG III (ANGIOSPERM
PHYLOGENY GROUP, 2009).
4. RESULTADOS
4.1. Caracterização das Fitofisionomias
Na TIARG, a floresta de terra firme ocorre: nas regiões mais internas e altas das vegetações
dos tipos submontana e aluvial; nas áreas consideradas sem informação da tipologia; e na
181
formação secundária sem palmeira, sobre solo argiloso úmido (Apêndice 2). A estrutura do
sub-bosque é bem visível, com vários indivíduos arbóreos no estrato inferior. O dossel é aberto,
com diversas árvores emergentes de até 29 m de altura (Figura 84).
A vegetação dessa floresta é constituída por arbustos, árvores, palmeiras, ervas, epífitas e
lianas. As árvores predominam na estrutura horizontal, com diâmetros entre 10 a 130 cm. A área
basal encontrada para esse ambiente é de 52,94 m², considerando árvores e palmeiras, com
densidade de 595,3 indivíduos por hectare. Eschweilera coriacea (DC.) S.A. Mori (matamatá-
branco), Apeiba echinata Gaertn. (pente-de-macaco) e Inga thibaudiana DC. (ingá-branco) são
as espécies mais frequentes.
O sub-bosque é denso, com muitas árvores nas menores classes de diâmetro, totalizando
520 árv.ha-1 para todas as classes. A fisionomia é caracterizada pelas árvores de dossel aberto,
com diâmetro médio de 34,42 cm e altura máxima de 20 m (Figura 86). A sucessão florestal
é o resultado dos impactos das diversas atividades antrópicas sobre a floresta primária, os
quais, na maioria das vezes, originam a floresta secundária (VIEIRA et. al,1996; ALMEIDA;
THALES, 2014).
4.1.4. Pastagem
É importante destacar que não foram instaladas parcelas para amostragem da população
nas pastagens. O levantamento foi esporádico, por observação, resultando no levantamento
de árvores, arbustos, ervas e lianas, com freqência de Vismia guianensis (Aubl.) Pers. (lacre),
Gustavia augusta L. (geniparana) e dominância de Brachiaria sp. (Figura 87).
4.2. Florística
Avaliando a frequência das espécies que ocorrem na Floresta de Terra Firme, na Floresta
Secundária e na Mata Ciliar da TIARG, e considerando a riqueza da flora nas três tipologias,
foi evidenciada uma distinção em relação à composição florística.
Constatou-se que 47 espécies são comuns aos três ambientes, equivalendo a 24% do
total identificado no levantamento. Outras 114 espécies ocorrem em pelo menos dois dos
ambientes, sendo 51 na Floresta de Terra Firme, 24 na Floresta Secundária e 39 espécies na
Mata Ciliar. Foram catalogadas 91 espécies que ocorreram em apenas um dos três ambientes
analisados, estando 53 exclusivamente na Floresta de Terra Firme, 13 na Floresta Secundária
e 25 na Mata Ciliar (Figura 88).
Eschweilera coriacea é a mais importante das espécies na estrutura das florestas, com
valor de importância - IVI de 13,36%. Esse mesmo valor de importância foi encontrado por
Almeida et al. (2010) para E. coriacea, nos fragmentos florestais do Centro de Endemismo Belém.
As espécies levantadas nas três tipologias florestais (Floresta de Terra Firme, Floresta
Secundária e Mata Ciliar) são importantes para a estrutura da floresta, porém 15 espécies se
destacaram quanto ao IVI, valor que expressa numericamente a importância de uma determinada
espécie dentre as árvores de uma comunidade florestal (Tabela 10).
186
Tabela 10 - Parâmetros fitossociológicos de 15 espécies da flora levantadas nas três tipologias florestais
da TIARG. DR% -Densidade relativa; FR% - Frequência Relativa; DoR% - Dominância Relativa; IVC%
- Índice de Valor de Cobertura; IVI% - Índice de Valor de Importância.
O grau de equabilidade de Pielou estimado neste estudo (J’= 0,81) indica alta uniformidade
nas proporções indivíduos/espécies dentro da comunidade vegetal. Esse índice de equabilidade
pertence ao intervalo [0,1], onde 1 representa a máxima diversidade, ou seja, todas as espécies
são igualmente abundantes. Em função desses elevados índices de diversidade e equabilidade
apresentados pelas comunidades estudadas, pode-se considerá-las estáveis e independentes,
pois todas as espécies estudadas possuem a mesma abundância.
187
A altura média dos indivíduos, considerando-se todos os ambientes e DAP ≥ 10 cm, foi
de 16 metros. A Floresta de Terra Firme apresenta indivíduos arbóreos mais altos entre os
três ambientes, podendo alcançar a altura de 6 a 10 m no estrato inferior, 11 a 14 m no estrato
médio e 15 a 30 m no estrato superior. As árvores e palmeiras existentes nas margens dos rios
(Mata Ciliar) apresentam altura entre 6 e 20 m. As florestas secundárias variam em altura de
6 a 20 m (Figura 89). A altura foi estimada com destaque para a floresta de terra firme, onde
há indivíduos de maior porte.
Figura 89 – Altura estimada das espécies nas três tipologias florestais da TIARG.
Figura 90 – Distribuição dos indivíduos com diâmetro ≥10 cm, por classe diamétrica,
nas três tipologias florestais da TIARG.
Outra espécie considerada vulnerável à extinção no Pará (SEMA, 2008) e que foi catalogada
nas florestas da TIARG é Heteropsis flexuosa (cipó-titica), que também é considerada vulnerável
pela IUCN (2013) (Tabela 11).
As demais espécies registradas na TIARG não foram enquadradas em nenhuma categoria
de ameaça. No entanto, Guatteria poeppigiana Mart. é a única espécie endêmica à área,
segundo consulta à Lista de Espécies da Flora Brasileira (2013).
As espécies consideradas raras são aquelas que ocorrem na amostragem com apenas
um indivíduo (OLIVEIRA et al., 2008). Entretanto, neste estudo, não se pode afirmar que as
espécies levantadas com um indivíduo são raras, devido a amostragem da população ter
coberto áreas pontuais em cada ambiente estudado.
189
Tabela 11 – Lista de espécies da flora enquadradas em categorias de ameaça e que foram registradas na TIARG.
Categoria de Ameaça
Nome Científico Local SEMA
MMA (2008) IUCN (2013)
(2008)
Aspidosperma desmanthum
Gurupi Fora de Perigo Vulnerável Fora de Perigo
Benth. ex Müll. Arg.
Manilkara huberi (Ducke)
Gurupi/Guamá Fora de Perigo Vulnerável Fora de Perigo
Chevalier
Heteropsis flexuosa (Kunth)
Gurupi/Guamá Deficiência de Dados Vulnerável Vulnerável
G.S.Bunting
5. CONCLUSÕES
A vegetação da TIARG é um remanescente de floresta primária, com processo de sucessão
florestal nas áreas onde ocorreu exploração de madeira ou queimada da floresta. Isso é bem
visível na Floresta de Terra Firme, na Floresta Secundária e na Mata Ciliar tanto na região
do rio Guamá quanto na região do rio Gurupi. A pressão sobre essas tipologias é diferente
nos dois locais. As florestas do Guamá são as mais alteradas, status que se comprova pela
maior concentração de indivíduos de menor porte e diâmetro, observados no sub-bosque. No
entanto, as árvores com maior diâmetros e altura são abundantes no Gurupi, o que indica pouca
interferência na floresta. Por isso, é um lugar que pode ser considerado bastante ameaçado
pela extração ilegal de madeira.
É importante implantar o sistema agroflorestal - SAFs nas pastagens sem uso e nas áreas
onde houve a queima da vegetação para práticas agrícolas e posteriormente abandono do
solo. O SAFs é uma técnica de recuperação da terra em propriedades com agricultura familiar,
na qual se utiliza espécies florestais (madeireiras e/ou frutíferas) conjuntamente com cultivos
agrícolas, de forma intercalada ou simultânea. Recomenda-se a utilização de espécies agrícolas,
como o feijão, e as produtoras de óleo, como a castanha-do-pará, a copaíba e a andiroba. As
vantagens desse sistema são o baixo custo dos investimentos, a fácil recuperação da fertilidade
191
do solo e a geração de renda com a venda de frutos e óleos, entre outros benefícios.
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Apêndice 2 - Mapa da vegetação da Terra Indígena Alto Rio Guamá com localização das
parcelas onde foi realizado o levantamento florístico e fitossociológico.
196
Apêndice 3 – Lista de espécies da flora da Terra Indígena Alto Rio Guamá. A ordem e a classificação
taxonômica seguem a APG III.
Hábito Local
Família Botânica e Espécie Nome comum
Vegetativo de Amostragem
ANACARDIACEAE
Anacardium giganteum W.Hancock ex Engl. cajuí árvore Guamá/Gurupi
Astronium lecointei Ducke muiracatiara árvore Gurupi
Spondias mombin L. taperebá árvore Guamá
Tapirira guianensis Aubl. tatapiririca árvore Guamá/Gurupi
ANNONACEAE
Duguetia cadaverica Huber canição árvore Gurupi
Duguetia cauliflora R.E. Fries envira-surucucu árvore Gurupi
Duguetia quitarensis Benth. envira-canição árvore Gurupi
Guatteria poeppigiana Mart. envira-preta árvore Guamá/Gurupi
Onychopetalum amazonicum R.E. Fr. envirão árvore Gurupi
Rollinia fendleri R. E. Fries ata-do-mato árvore Guamá
Xylopia nitida Dunal envira-cana árvore Guamá/Gurupi
Xylopia ochrantha Mart. envira árvore Guamá/Gurupi
APOCYNACEAE
Aspidosperma auriculatum Markgr. carapanaúba árvore Guamá
Aspidosperma desmanthum Benth. ex Müll.
araracanga árvore Gurupi
Arg.
Geissospermum sericeum Benth. & Hook. f.
quinarana árvore Guamá
ex Miers
Himatanthus articulatus (Vahl) Woods. janaúba árvore Guamá/Gurupi
Himatanthus sucuuba (Spruce) Wood. sucuuba árvore Guamá/Gurupi
Tabernaemontana undulata Pierre pau-de-colher árvore Guamá/Gurupi
ARACEAE
Heteropsis flexuosa (Kunth) G.S.Bunting cipó-titica liana Guamá/Gurupi
Philodendron brevispathum Schott ambé erva Gurupi
ARALIACEAE
Schefflera morototoni (Aubl.) Maguire et al. morototó árvore Guamá/Gurupi
ARECACEAE
Astrocaryum aculeatum G. Mey. tucumã palmeira Guamá
Astrocaryum mumbaca Mart. mumbaca palmeira Guamá
Attalea maripa (Aubl.) Mart. inajá palmeira Gurupi
Attalea speciosa Mart. ex Spreng. babaçu palmeira Gurupi
Euterpe oleracea Mart. açaizeiro palmeira Guamá/Gurupi
Oenocarpus bacaba Mart. bacabeira palmeira Guamá/Gurupi
Socratea exorrhiza (Mart.) H.Wendl. paxiúba palmeira Guamá
BIGNONIACEAE
Jacaranda copaia (Aubl.) D. Don parapará árvore Guamá/Gurupi
Tabebuia serratifolia (Vahl) Nichols. ipê-amarelo árvore Gurupi
BORAGINACEAE
Cordia tetrandra Aubl. chapéu-de-sol árvore Guamá/Gurupi
BURSERACEAE
Protium altsonii Sandwith breu-mescla árvore Gurupi
197
Hábito Local
Família Botânica e Espécie Nome comum
Vegetativo de Amostragem
Protium apiculatum Swart breu árvore Guamá
Protium pallidum Cuatr. breu-branco árvore Guamá/Gurupi
Protium sp. breu-sarara árvore Gurupi
Protium tenuifolium Engl. breu-vermelho árvore Guamá/Gurupi
Tetragastris panamensis (Engl.) Kuntze. breu-barrote árvore Guamá/Gurupi
Trattinnickia rhoifolia Willd. breu-sucuruba árvore Guamá
CALOPHYLLACEAE
Caraipa densifolia Mart. tamaquaré árvore Guamá/Gurupi
CANNABACEAE
Trema micrantha Blume chumbinho árvore Guamá
CARYOCARACEAE
Caryocar glabrum (Aubl.) Pers. piquiarana árvore Guamá/Gurupi
Caryocar villosum Aubl. piquiá árvore Gurupi
CELASTRACEAE
Goupia glabra Aubl. cupiúba árvore Guamá/Gurupi
CHRYSOBALANACEAE
Licania canescens Benoist pintadinho árvore Guamá/Gurupi
Licania guianensis (Aubl.) Griseb. macucu árvore Guamá/Gurupi
Licania latifolia Benth. macucu-vermelho árvore Gurupi
Licania macrophylla Benth. caripé árvore Guamá
Licania oblongifolia Standl. macucu-chiador árvore Guamá/Gurupi
macucu-barba-de-
Licania sp. árvore Gurupi
lontra
Licania unguiculata Prance casca-seca árvore Guamá/Gurupi
Licania macrophylla Benth. anoerá árvore Guamá/Gurupi
CLUSIACEAE
Calophyllum brasiliense Cambess. jacareúba árvore Guamá
Garcinia madruno (Kunth in H.B.K.) Hammel bacuri-panan árvore Guamá/Gurupi
Symphonia globulifera L.f. anani árvore Guamá
COMBRETACEAE
Terminalia amazonia (J.F. Gmel.) Exell tanibuca árvore Guamá/Gurupi
Thiloa sp. cipó-vermelho liana Guamá
DILLENIACEAE
Doliocarpus dentatus (Aubl.) Standl. cipó-de-fogo liana Guamá/Gurupi
EUPHORBIACEAE
Hevea brasiliensis (Wild. ex A.Juss.) Müll.Arg. seringueira árvore Guamá
Jatropha gossypiifolia L. pião-roxo arbusto Guamá
Mabea angustifolia Spruce ex Benth. taquari árvore Guamá/Gurupi
FABACEAE
Apuleia leiocarpa (Voegl) J.F.Macrb. amarelão árvore Gurupi
Balizia pedicellaris (DC.) Barneby & J.W. fava-macapuxi árvore Guamá
Bauhinia guianensis Aubl. cipó-escada-de-jabuti liana Guamá/Gurupi
Bocoa racemulosa (Huber) R.S. Cowan muira-jiboia árvore Gurupi
Clitoria sp. cipó-flor-lilás liana Guamá
198
Hábito Local
Família Botânica e Espécie Nome comum
Vegetativo de Amostragem
Copaifera reticulata Ducke copaíba árvore Gurupi
Dalbergia riedelii (Benth.) Sandwith cipó-verônica liana Guamá/Gurupi
Deguelia negrensis (Benth.) Taub. cipó-timborana liana Gurupi
Derris floribunda (Benth.) Ducke cipó-cururu liana Gurupi
Deguelia scandens Aubl. cipó-timbó liana Gurupi
Deguelia utilis (A.C.Sm.) A.M.G.Azevedo cipó-timboaçu liana Gurupi
Dinizia excelsa Ducke angelim-pedra árvore Guamá
Diplotropis martiusii Benth sucupira-preta árvore Guamá
Diplotropis purpurea (Rich.) Amshoff sucupira-babona árvore Guamá
Diplotropis triloba Gleason sucupira-vermelha árvore Gurupi
Dipteryx odorata (Aubl.) Willd. cumaru árvore Gurupi
Dipteryx polyphylla Huber cumarurana árvore Gurupi
Dipteryx punctata (Blake) Amshoff cumaru-do-brejo árvore Guamá/Gurupi
Hymenaea courbaril L. jatobá árvore Guamá/Gurupi
Hymenaea intermedia Ducke jutaí-vermelho árvore Gurupi
Hymenaea reticulata Duck jutaí árvore Gurupi
Hymenolobium flavum Kleinh. favinha árvore Guamá/Gurupi
Hymenolobium sp. fava-pipoca árvore Gurupi
Inga alba (Sw.) Willd. ingá-vermelho árvore Guamá/Gurupi
Inga gracilifolia Ducke. ingá-xixica árvore Guamá/Gurupi
Inga heterophylla Willd. ingá árvore Guamá/Gurupi
Inga paraensis Ducke ingarana árvore Gurupi
Inga sp. ingá-de-morcego árvore Guamá/Gurupi
ingá-folha-grande/
Inga sp. árvore Guamá/Gurupi
danta
Inga thibaudiana DC. ingá-branco árvore Guamá/Gurupi
Marmaroxylom racemosum Ducke Rec. angelim-rajado árvore Gurupi
Martiodendron elatum (Ducke) Gleason jutaí-cacé árvore Guamá
Mimosa pudica L. mimosa erva Guamá
Ormosia excelsa Benth. buiuçu árvore Guamá/Gurupi
Ormosia flava (Ducke) Rudol sucupira-tento árvore Guamá
Ormosia paraensis Ducke tento árvore Guamá/Gurupi
Parkia decussata Ducke faveira-branca árvore Guamá/Gurupi
Parkia paraensis Duck faveira-vermelha árvore Guamá/Gurupi
Parkia pendula (Willd.) Benth. ex Walp. fava-bolota árvore Gurupi
Parkia sp. fava-de-capoeira árvore Guamá
Parkia sp. faveira árvore Gurupi
Pentaclethra macroloba Kuntze pracaxi-preto árvore Guamá
Piptadenia suaveolens Miq. timborana árvore Guamá/Gurupi
Pithecelobium corymbosum Benth. pracaxi-vermelho árvore Guamá
Poecilanthe effusa (Huber) Ducke gema-de-ovo árvore Guamá
Pterocarpus rohrii Vahl mututi-branco árvore Guamá
Sclerolobium melinonii Harms tachi-branco árvore Guamá
Senna latifolia (G.Mey.) H.S.Irwin & Barneby feijão-bravo arbusto Guamá
199
Hábito Local
Família Botânica e Espécie Nome comum
Vegetativo de Amostragem
Stryphnodendron adstringens (Mart.) Coville barbatimão árvore Gurupi
Stryphnodendron polystachyum Kleinn. tachirana árvore Gurupi
Stryphnodendron pulcherrimum (Willd.) Hochr. paricazinho árvore Guamá
Stryphnodendron paniculatum Poepp. louro-tamaquaré árvore Gurupi
Swartzia polyphylla DC. pitaica árvore Guamá
Tachigali myrmecophila (Ducke) Ducke tachi-preto árvore Guamá/Gurupi
Vatairea sericea (Ducke) Ducke faveira-amargosa árvore Gurupi
FLACOURTIACEAE
Laetia procera (Poepp.) Eichler pau-jacaré árvore Guamá/Gurupi
HUMIRIACEAE
Endopleura uchi (Huber) Cuatr uchi árvore Gurupi
Vantanea guianensis Aubl uchirana árvore Guamá/Gurupi
Vantanea parviflora Lam. paruru árvore Guamá
HYPERICACEAE
Vismia cayennensis (Jacq.) Pers. lacrão árvore Guamá/Gurupi
Vismia guianensis (Aubl.) Pers. lacre árvore Guamá
Vismia latifolia (Aubl.) Choisy lacre-branco árvore Guamá
ICACINACEAE
Emmotum fagifolium Desv. ex Ham. mara-chibé árvore Guamá
LACISTEMACEAE
Lacistema pubescens Mart. pau-de-pico árvore Guamá/Gurupi
LAURACEAE
Aniba burchellii Kosterm. louro árvore Gurupi
Aniba fragrans Ducke louro-rosa árvore Guamá/Gurupi
Aniba guianensis Aubl. louro-amarelo árvore Guamá/Gurupi
Ocotea caudata (Nees) Mez louro-preto árvore Gurupi
Ocotea douradensis VATT. louro-abacate árvore Guamá
Ocotea rubra Mez louro-vermelho árvore Gurupi
LECYTHIDACEAE
Couratari guianensis Aubl. tauari-branco árvore Guamá/Gurupi
Eschweilera amazonica Knuth matamatá-vermelho árvore Guamá/Gurupi
Eschweilera coriacea (DC.) S.A. Mori matamatá-branco árvore Guamá/Gurupi
Eschweilera micrantha (O. Berg) Miers ripeiro árvore Gurupi
Eschweilera ovata (Cambess.) Miers matamatá-preto árvore Guamá/Gurupi
Eschweilera pedicellata (Rich.) S.A. Mori matamatá árvore Guamá/Gurupi
Eschweilera sagotiana Miers envira-de-caçador árvore Guamá/Gurupi
Eschweilera sp. matamatá-roxo árvore Guamá
Gustavia augusta L. jeniparana árvore Guamá/Gurupi
Holopyxidium latifolium (Ducke) R. Knuth jaranaçu árvore Guamá
Lecythis lurida (Miers) Mori jarana árvore Gurupi
Lecythis pisonis Cambess. sapucaia árvore Guamá/Gurupi
MALPIGHIACEAE
Byrsonima crispa A. Juss. muruci árvore Guamá
200
Hábito Local
Família Botânica e Espécie Nome comum
Vegetativo de Amostragem
MALVACEAE
Bombax globosum Aubl. mamorana árvore Guamá
Ceiba pentandra (L.) Gaertn. sumaúma árvore Guamá
mamorana-folha-
Pachira nitida Kunth árvore Guamá
pequena
Pachira paraensis (Ducke) W.S.Alverson mamorana-terra-firme árvore Gurupi
Sterculia speciosa K. Schum. capoteiro árvore Guamá/Gurupi
Theobroma speciosum Willd. ex Spreng. cacauí árvore Guamá/Gurupi
Theobroma subincanum Mart. cupuí árvore Guamá
MARANTHACEAE
Ischnosiphon obliquus (Rudge) Körn. guarumã erva Guamá
Calathea sp. sororoca erva Guamá
MELASTOMATACEAE
Bellucia grossularioides (L.) Triana goiaba-de-anta árvore Guamá
Miconia alata (Aubl.) DC. tinteiro árvore Guamá/Gurupi
Mouriri brachyanthera Ducke meraúba árvore Guamá/Gurupi
MELIACEAE
Carapa guianensis Aubl. andiroba árvore Guamá/Gurupi
Guarea guidonia (L.) Sleumer andiroba-jaúba árvore Guamá
MONIMIACEAE
Siparuna amazonica Mart capitiú árvore
MORACEAE
Bagassa guianensis Aubl. tatajuba árvore Guamá/Gurupi
Brosimum lactescens (S.Moore) C.C.Berg leiteira árvore Gurupi
Brosimum parinarioides Ducke amapá árvore Gurupi
Brosimum potabile Ducke amapá-doce árvore Gurupi
Brosimum guianense Huber amapá-amargoso árvore Guamá/Gurupi
Clarisia racemosa Ruiz & Pav. guariúba árvore Guamá
Eperua bijuga Mart. & Benth. muirapiranga árvore Guamá/Gurupi
Ficus amazonica (Miq.) Miq. ficus árvore Guamá
Ficus guianensis Desv. ex Ham. apuí árvore Guamá/Gurupi
Helicostylis scabra (J.F. Macbr.) C.C. Berg inharé árvore Guamá/Gurupi
Maquira sclerophylla (Ducke) CC Berg muiratinga árvore Guamá/Gurupi
Pseudolmedia murure Standl. mururé árvore Guamá/Gurupi
MYRISTICACEAE
Iryanthera juruensis Warb. ucuu-barana árvore Guamá/Gurupi
Virola michelii Heckel ucuuba-preta árvore Guamá
Virola multinervia Ducke ucuuba-de-sangue árvore Guamá/Gurupi
Virola venosa (Benth,) Warb. ucuuba-branca árvore Guamá/Gurupi
MYRTACEAE
Eugenia ramiflora Desv. ex Ham. goiabinha árvore Gurupi
Myrcia fallax (Rich.) DC. murtinha arbusto Guamá
Myrcia splendens (Sw.) DC. goiabarana árvore Gurupi
Myrciaria floribunda Berg araçá árvore Guamá/Gurupi
201
Hábito Local
Família Botânica e Espécie Nome comum
Vegetativo de Amostragem
Psidium guajava Linn. goiaba árvore Guamá
NYCTAGINACEAE
Neea floribunda Poepp. & Endl. joão-mole arbusto Guamá/Gurupi
OLACACEAE
Minquartia guianensis Aubl. quariquara árvore Guamá/Gurupi
PHYLLANTHACEAE
Phyllanthus niruri L. quebra-pedra erva Guamá
PIPERACEAE
Piper reticulatum L. pimenta-longa arbusto Guamá
POACEAE
Andropogon bicornis L. capim-rabo-de-raposa erva Guamá
Brachiaria sp. capim-braquearia erva Guamá
Olyra sp. olira erva Guamá
Pennisetum clandestinum Hochst. ex Chiov. capim-quicuia erva Guamá
QUIINACEAE
Touroulia guianensis Aubl. papo-de-mutum árvore Guamá/Gurupi
RUBIACEAE
Alibertia edulis A. Rich. marmelada árvore Gurupi
Amaioua guianensis Aubl. canela-de-veado árvore Guamá
Borreria latifoilia (Aubl.) K.Scwn vassoura-de-botão erva Guamá
Chimarrhis turbinata DC. pau-de-rego/remo árvore Gurupi
Palicourea amapaensis Steyerm. erva-de-rato árvore Guamá
Uncaria tomentosa (Willd. ex Roem. & Schult.)
cipó-unha-de-gato liana Guamá
DC.
RUTACEAE
Zanthoxylum acreanum Krase tamanqueira árvore Gurupi
SAPOTACEAE
Chrysophyllum acreanum A.C. Smith guajará árvore Gurupi
Ecclinusa ramiflora Mart. balatinha árvore Gurupi
Manilkara amazonica (Huber) A. Chev. maparajuba árvore Gurupi
Manilkara huberi (Ducke) Chevalier maçaranduba árvore Guamá/Gurupi
Micropholis egensis (A. DC.) Pierre mangaba árvore Guamá
Micropholis guyanensis (A. DC.) Pierre caramuchi árvore Guamá/Gurupi
Micropholis venulosa (Mart. & Eichler) Pierre currupixa árvore Gurupi
guajarazinho/
Pouteria gongrijpii Eyma árvore Gurupi
abiu-casca-fina
Pouteria guianensis Aubl. abiu árvore Guamá
Pouteria januarisensis Pierre abiurana árvore Guamá/Gurupi
Pouteria pachycarpa Pires goiabão árvore Guamá/Gurupi
Pouteria opposita (Ducke) TDPenn abiu-caramuri árvore Guamá/Gurupi
Sprucella cyrtobotry Pierre balata-rosadinha árvore Gurupi
SIMAROUBACEAE
pau-de-gafanhoto/
Simaba cedron Planch. árvore Guamá/Gurupi
pau-pra-tudo
Simarouba amara Aubl. marupá árvore Guamá/Gurupi
202
Hábito Local
Família Botânica e Espécie Nome comum
Vegetativo de Amostragem
SOLANACEAE
Solanum subinerme Jacq. jurubeba arbusto Guamá
TILIACEAE
Apeiba echinata Gaertn. pente-de-macaco árvore Guamá/Gurupi
URTICACEAE
Cecropia distachya Huber imbaúba-vermelha árvore Gurupi
Cecropia membranacea Trécul imbaúba árvore Guamá/Gurupi
Cecropia palmata Willd imbaúba-branca árvore Gurupi
Pourouma bicolor Mart. envira-danta árvore Guamá/Gurupi
Pourouma guianensis Aubl. imbaúba-vick árvore Guamá
Pourouma mollis Trec. imbaubarana árvore Guamá
VERBENACEAE
Lantana camara L. cidreira-brava arbusto Guamá
VOCHYSIACEAE
Qualea acuminata Spruce ex Warm. quarubarana árvore Gurupi
Vochysia vismiaefolia Spruce quaruba árvore Guamá
Apêndice 4 – Principais famílias botânicas identificadas na TIARG, mostrando o número total de espécies/
indivíduos registrados em cada um dos ambientes investigados. As famílias estão ordenadas em ordem
decrescente de riqueza com base no número total de espécies registradas.
Formação
Floresta de Floresta
Família Mata Ciliar Secundária Total
Terra Firme Secundária Inicial1
Fabaceae 38/164 18/91 22/131 6/7 55/393
Sapotaceae 12/46 4/6 1/19 - 13/71
Lecythidaceae 10/104 6/24 8/124 3/3 12/255
Moraceae 10/21 - 8/11 - 12/32
Annonaceae 5/60 4/20 3/11 2/2 8/93
Chrysobalanaceae 7/31 5/12 6/41 - 8/84
Arecaceae 3/19 4/7 4/82 2/2 7/110
Burseraceae 4/73 4/12 5/26 1/1 7/112
Malvaceae 4/12 1/1 4/25 1/1 7/39
Apocynaceae 4/12 3/16 3/6 1/1 6/35
Lauraceae 4/18 2/4 5/7 - 6/29
Rubiaceae 2/3 2/3 1/1 2/2 6/9
Urticaceae 5/67 4/20 3/14 1/1 6/102
Myrtaceae 2/3 1/2 - 2/2 5/14
Anacardiaceae 2/23 3/57 2/11 - 4/91
Myristicaceae 4/13 1/2 2/26 - 4/41
Poaceae - - - 4/4 4/4
Clusiaceae 1/5 1/1 3/11 - 3/17
Euphorbiaceae 2/10 1/15 1/1 1/1 3/27
203
Formação
Floresta de Floresta
Família Mata Ciliar Secundária Total
Terra Firme Secundária Inicial1
Humiriaceae 3/6 - 1/10 - 3/16
Hypericaceae 2/20 3/38 - 1/1 3/59
Melastomataceae 3/23 - 3/6 - 3/29
Araceae 1/6 1/2 2/9 - 2/17
Bignoniaceae 1/29 1/3 1/3 1/1 2/36
Caryocaraceae 1/4 2/3 1/1 - 2/8
Combretaceae - 2/2 - 1/1 2/3
Maranthaceae - - - 2/2 2/2
Meliaceae 2/7 - 1/4 - 2/11
Simaroubaceae 2/8 2/7 2/5 1/1 2/21
Vochysiaceae 1/1 - 1/9 - 2/10
Araliaceae 1/2 1/2 1/1 - 1/5
Boraginaceae 1/23 1/7 1/6 - 1/36
Calophyllaceae 1/3 - - - 1/3
Cannabaceae - - - 1/1 1/1
Celastraceae 1/23 1/3 1/19 - 1/45
Dilleniaceae 1/1 1/1 1/1 1/1 1/4
Flacourtiaceae 1/17 - 1/1 - 1/18
Icacinaceae 1/2 - - - 1/2
Lacistemaceae 1/4 1/5 1/4 1/1 1/14
Malpighiaceae 1/1 - - - 1/1
Monimiaceae 1/2 - - - 1/2
Nyctaginaceae 1/8 1/2 - - 1/10
Olacaceae 1/2 1/1 - - 1/3
Phyllanthaceae - - - 1/1 1/1
Piperaceae - - - 1/1 1/1
Quiinaceae 1/3 - - - 1/3
Rutaceae 1/3 - - - 1/3
Solanaceae - - - 1/1 1/1
Tiliaceae 1/28 1/26 1/10 - 1/64
Verbenaceae - - - 1/1 1/1
1
Área de pastagem, com juquira.
204
Apêndice 5 - Lista das espécies da flora utilizadas pelos indígenas na Terra Indígena Alto Rio Guamá.
Categoria
Nome Científico Nome comum Família Hábito
de Uso
Oenocarpus minor Mart. abacabeira* Arecaceae palmeira alimentação
Persea americana Mill. abacateiro* Lauraceae árvore medicinal
Euterpe oleracea Mart. açaizeiro Arecaceae palmeira alimentação/artesanato
Brosimum guianense Huber amapá-amargoso Moraceae árvore medicinal
Carapa guianensis Aubl. andiroba Meliaceae árvore medicinal/construção
medicial/construção/
Licania macrophylla Benth. anoerá Chrysobalanaceae árvore
artesanato
Stryphnodendron adstringens (Mart.) Coville barbatimão Fabaceae árvore medicinal
Theobroma speciosum Willd. ex Spreng. cacauí Malvaceae árvore alimentação
Anacardium tenuifolium Ducke cajuí Anacardiaceae árvore alimentação/medicinal
Siparuna amazonica Mart capitiú Monimiaceae árvore medicinal
Cabralea canjerana (Vell.) Mart. cedro* Meliaceae árvore medicinal/construção
NI3** cipó-boto (roxo) medicinal
NI1** cipó-coelho* liana medicinal
Mansoa alliacea (Lam.) A.H. Gentry cipó-d'alho* Bignoniaceae liana medicinal
Bauhinia guianensis Aubl. cipó-escada-de-jabuti Fabaceae liana medicinal
Dalbergia riedelii (Benth.) Sandwith cipó-verônica Fabaceae liana medicinal
Copaifera reticulata Ducke copaíba Fabaceae árvore medicinal
Goupia glabra Aubl. cupiúba Celastraceae árvore construção
Theobroma subincanum Mart. cupuí Malvaceae árvore alimentação
Eschweilera sagotiana Miers envira-de-caçador Lecythidaceae árvore construção
NI** favacão* medicinal
Parkia sp. faveira Fabaceae árvore medicinal
NI4** frecha* construção
Genipa americana L. jenipapo* Rubiaceae árvore medicinal/construção
Psidium guajava Linn. goiaba* Myrtaceae árvore medicinal
Clarisia racemosa Ruiz & Pav. guariúba Moraceae árvore construção
Categoria
Nome Científico Nome comum Família Hábito
de Uso
Tabebuia impetiginosa (Mart.) Standl. ipê-roxo* Bignoniaceae árvore construção
Hymenaea courbaril L. jatobá Fabaceae árvore alimentação/construção
Gustavia augusta L. jeniparana Lecythidaceae árvore medicinal
NI2** joãobrandir* erva medicinal
Hymenaea reticulata Duck jutaí Fabaceae árvore alimentação/construção
Vismia cayennensis (Jacq.) Pers. lacrão Hypericaceae árvore construção
Vismia guianensis (Aubl.) Pers. lacre Hypericaceae árvore construção
Citrus sp. laranjeira Rutaceae árvore medicinal
Aniba burchellii Kosterm. louro Lauraceae árvore construção
Passiflora sp. maracujá* Passifloraceae liana medicinal
Passiflora glandulosa Cav. maracujá-do-mato* Passifloraceae liana alimentação
Eschweilera ovata Mart. matamatá-tiriba* Lecythidaceae árvore medicinal/construção
Ptychopetalum olacoides Benth. muirapuama* Olacaceae árvore medicinal
Fridericia chica (Humb. & Bonpl.) L. Lohmann pariri Bignoniaceae liana medicinal
Caryocar villosum Aubl. piquiá Caryocaraceae árvore alimentação
Bactris sp. pupunheira* Arecaceae palmeira alimentação/medicinal
Minquartia guianensis Aubl. quariquara Olacaceae árvore construção
medicinal/alimentação/
Lecythis pisonis Cambess. sapucaia Lecythidaceae árvore
construção
Bagassa guianensis Aubl. tatajuba Moraceae árvore construção
Piptadenia suaveolens Miq. timborana Fabaceae árvore medicinal/construção
Ormosia paraensis Ducke tento-vermelho Fabaceae árvore artesanato
Attalea maripa (Aubl.) Mart. inajá Arecaceae palmeira artesanato/costrução
Astrocaryum aculeatum G. Mey. tucumã Arecaceae palmeira artesanato
Ischnosiphon obliquus (Rudge) Körn. guarumã Maranthaceae erva artesanato
Schefflera morototoni (Aubl.) Maguire et al. morototó Araliaceae árvore artesanato
Attalea speciosa Mart. ex Spreng. babaçu Arecaceae palmeira artesanato
Crescentia cujete L. cuieira* Bignoniaceae liana artesanato
*Espécies não amostradas nas parcelas; **NI – Espécies não identificadas cientificamente.
205
206
207
6.2 – ICTIOFAUNA
1. INTRODUÇÃO
2. OBJETIVOS
• Elaborar uma lista preliminar das espécies de peixes registradas na área, identificando-
as tanto com o nome científico quanto com o nome na língua indígena Tembé-
Tenetehara, quando possível;
• Identificar os hábitos alimentares e reprodutivos dos peixes;
• Identificar os tipos de uso dados aos recursos pesqueiros pela comunidade indígena
(sagrado, medicinal, alimentação e ornamento);
• Reportar as formas de detecção dos peixes e o status de conservação da ictiofauna
na área.
3. METODOLOGIA
A TIARG está localizada entre as bacias dos rios Guamá e Gurupi. É banhada por quatro
rios: o rio Guamá é o limite natural pelo lado norte; o Gurupi é o limite no extremo sul e também
o limite com a Terra Indígena Alto Turiaçu, no Maranhão, onde vivem os Ka’apor; e os rios Piriá
e Coaraci-Paraná, que atravessam a TIARG. Além dos rios principais, encontram-se igarapés
e lagos que compõe a paisagem hídrica da terra indígena. Muitos desses igarapés e lagos são
utilizados como pontos de pesca pelos indígenas, como o igarapé Tawari, no rio Guamá, e o
igarapé do Tamanduá, no Gurupi.
Ao longo das margens do rio Gurupi encontram-se florestas ciliares ombrófilas densas e
florestas secundárias ou capoeiras (Figura 92); O rio Gurupi possui águas claras e é formado
pela união dos rios Açailândia e Itinga. Corre sobre um leito de rochas cristalinas com várias
cachoeiras, como a cachoeira do Canindé-Açu (Figura 93).
O rio Gurupi possui águas claras e formado pela união dos rios Açailândia e Itinga. Corre
sobre um leito de rochas cristalinas com várias cachoeiras, como a cachoeira do Canindé-Açu
(Figura 94).
O rio Guamá possui águas pouco transparentes, com grande quantidade de material
em suspensão, proveniente das atividades erosivas de suas margens. Ao longo do rio
Guamá encontram-se florestas de formação ciliar, chamadas de Floresta Ombrófila Densa, e,
principalmente, considerável área de florestas secundárias ou capoeiras; O leito do rio Guamá é
predominantemente arenoso e praticamente sem pedregulhos, havendo, apenas, e raramente,
alguns conglomerados com seixo fino rolado. As margens do rio, no trecho inferior, são baixas
e alagadiças. A erosão das margens fornece o sedimento do leito, criando pequenos bancos
de areia (Figura 94).
cada ponto de coleta. O período em que as redes ficaram expostas corresponde ao período
de máxima eficiência para a captura de espécimes de peixes com redes de espera (UIEDA;
CASTRO, 1999, p.122); (b) tarrafas de 3 m de comprimento, com malha de 30 mm entre nós
opostos; e (c) caniços (Figura 95). As pescarias foram realizadas por meio de transporte de
rabetas e voadeiras (Motor 15 HP).
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO
4.1. Composição das Espécies
Com relação à riqueza por família, Characidae foi mais representativa, com 19 gêneros/
espécies, seguida das famílias Cichlidae e Pimelodidae. Todas essas famílias estão representadas
por espécies de importância alimentar, como pacus, piranhas, bagres e carás (Figura 98). Nas
coletas experimentais houve alta incidência de espécies das famílias Characidae e Cichlidae,
devido à presença das etnoespécies carás, piranhas e pacus.
Durante as coletas de campo não foi coletado nenhum exemplar de espécies de peixes
consideradas ameaçadas de extinção ou criticamente em perigo, de acordo com as listas oficiais
216
do IBAMA (MMA, 2003) e da Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Pará (SEMA, 2008). As
espécies ameaçadas presentes nessas listas são, em sua maioria, marinhas, e, portanto, não
ocorrem na área de estudo. Por outro lado, as espécies de água doce que são consideradas
ameaçadas nacionalmente e no estado do Pará não ocorrem no Centro de Endemismo Belém.
No período hidrológico da seca, durante o qual foi realizado este trabalho, não foram
encontradas espécies de peixes consideradas raras pela literatura científica.
No total, foram citadas pelos indígenas cinco espécies que teriam sido introduzidas
na área. Nas aldeias do rio Gurupi foram citados o tambaqui (Colossoma macropomum), o
curimatã (Prochilodus nigricans), o dourado (Salminus sp.), a tilápia (Tilapia rendalli) e a sarda
(Pellona spp.). No rio Guamá, foram citadas como espécies invasoras o tambaqui e a sarda.
De acordo com os indígenas, essas espécies vieram de criadouros de aquicultura localizados
em municípios próximos às aldeias. Para eles, tais espécies seriam causadoras de diminuição
dos recursos pesqueiros na TIARG, por competirem com as espécies nativas ou por predarem
seus alevinos.
Com o tempo, as escolhas alimentares dos indígenas da TIARG vêm sofrendo mudanças.
217
Eles afirmam que tais mudanças são derivadas de alterações nas condições ecológicas,
variações sazonais ou migrações. Poucas espécies (6) foram citadas para uso medicinal e
artesanal (Tabela 12).
Tabela 12 – Principais espécies de peixes de uso medicinal e artesanal relatadas pelos indígenas da TIARG.
O termo “reimoso” deriva de uma expressão antiga, que está ligada à sabedoria popular,
se referindo a alimentos que podem provocar inflamação. Os animais reimosos (ou remosos)
são evitados por aqueles que apresentam feridas, erupções cutâneas e doenças inflamatórias,
ou ainda pelas mulheres nos períodos de menstruação, gravidez ou pós-parto (resguardo).
Segundo Maués (1990), os animais reimosos representam categorias sigulares, tanto pelas
características morfológicas quanto comportamentais. No caso dos peixes, a reima é associada:
à dieta carnívora (“come outro tipo de peixe”), como as piranhas e os peixes lisos; à dieta
218
onívora (“peixe que come todo tipo de comida”); ao sabor do peixe (“carne mais forte, outro
gosto”); ao comportamento (comportamento agressivo); ou, ainda, às características físicas
do animal, como tipo de coloração, presença de esporão, quantidade de gordura, entre outros.
Begossi (1992) constata que as razões para os tabus segmentares de certas espécies de
peixes incluem formato, aparência, cheiro ruim, comportamento agressivo, dentes conspícuos,
ausência de escamas, carne forte ou “carregada”, hábito de comer lodo e presença de sangue.
Critérios como comportamento agressivo e presença de dentes são associados aos hábitos
carnívoros, enquanto o comportamento de comer lodo relaciona-se à alimentação detritívora.
O pacu-piranga (Metynnis sp.) e os peixes lisos, ou peixes sem escamas (pimelodídeos),
constituem o grupo mais citado como reimoso pelos indígenas da TIARG (90% das citações).
Exemplos de peixes lisos incluem o surubim (Pseudoplatystoma fasciatum) e o mandi (Pimelodus
spp.), os quais são considerados reimosos pela presença de “esporão”, que provoca dores
nos ferimentos. O comportamento de não consumir estes tipos de peixes em determinadas
situações seria para evitar a ingestão de substâncias tóxicas presentes nos animais do topo
da cadeia alimentar (BEGOSSI et al., 2004).
Com relação às aversões alimentares, os indígenas apontaram as arraias. Isso se deve
ao “cheiro ruim” de urina, consequência das altas concentrações de amônia na carne desses
animais, que se deteriora muito rapidamente.
4.8. Pesca
A atividade pesqueira faz parte das mais antigas tradições dos habitantes da Amazônia,
que mantiveram sua riqueza cultural nas formas de exploração dos recursos naturais, mesmo
com a introdução das transformações socioculturais impostas pelo desenvolvimento econômico
na região (ISAAC et al., 2008).
A pesca realizada nos lagos e igarapés ocorre principalmente durante o inverno amazônico
219
(estação chuvosa), quando as águas estão altas e os peixes migradores e sedentários entram
para desovar. Os principais apetrechos utilizados para a pescaria na TIARG são as redes
malhadeiras, a tarrafa e o caniço. Outros apetrechos também são utilizados, como zagaia ou
fisga, espinhel ou isca, flecha, linha ou linhavão, camina e pesca com paneiro de guarimã.
Estes instrumentos de pesca capturam uma diversidade de espécies de peixes nos diferentes
ambientes da TIARG (Tabela 13).
Tabela 13 – Apetrechos de pesca e táxons capturadas nos diferentes ambientes e períodos do ano na TIARG.
As redes malhadeiras podem ser de dois tipos: as feitas de fios de náilon multifilamentar,
chamados de “fios de algodão”, cuja panagem pode ser tecida pelos próprios indígenas e seus
familiares ou compradas; e as feitas de fios de náilon monofilamentar, chamados de “fibras
de náilon”, que são compradas. Apresentam comprimentos e malhas de tamanhos variados,
podendo chegar a 200 m (conforme a largura do corpo d’agua onde será empregada). Podem
ter até 4 metros de altura. O tamanho da malha varia entre 25 a 40 mm entre nós opostos,
dependendo da espécie alvo.
As redes são utilizadas de quatro formas, denominadas de: pescaria de cerco, de batição, de
espera e de arrasto. Na pescaria de cerco, as redes malhadeiras são estendidas de forma a bloquear
o canal do igarapé ou lago, evitando a fuga dos peixes. Na pescaria de batição, as redes malhadeiras
são dispostas da mesma forma que na pescaria de cerco, porém, dois ou três pescadores posicionados
um pouco mais adiante, todos de dentro d’água, vão se aproximando da rede e fazendo a ‘batição’,
quando batem varas compridas na água, para espantar os peixes para a rede (Figura 100); Essas
varas podem ser de bambu, madeira ou ferro. Em seguida, uma das extremidades da rede é
puxada para a margem do rio, onde a canoa está posicionada para a despesca.
As tarrafas são redes circulares, orladas de chumbos. As que são utilizadas na região
da TIARG possuem 4 m de diâmetro e malha de 25 a 30 mm entre nós opostos, podendo
ser manufaturadas industrialmente ou confeccionadas pelos próprios pescadores indígenas
(Figura 102). São utilizadas o ano inteiro, mas, principalmente na estação seca. As espécies
mais capturadas com a tarrafa são, além do tamoatá (Hoplosternum littorale), a traíra (Hoplias
malabaricus), os aracus (Anostomidae), o jeju (Erythrinidae) e o anujá (Auchenipteridae).
Figura 102 – Pescaria com tarrafa em ambiente de praia e corredeira, no rio Gurupi (A: Pescaria
com tarrafa em praia; B: Pescaria com tarrafa em corredeira). Fotos: Renata Valente.
O uso direcionado de apetrechos, como caniço, fisga e linhavão, são voltados para peixes
de maior tamanho, ou quando se quer diversificar o tipo de peixe a ser capturado (Figura 103).
A camina é uma espécie de armadilha, um tipo de paneiro triangular que fica submerso
sob a água e pendurado por uma corda que é amarrada no galho de uma árvore. O peixe,
ao tentar pegar as iscas que são colocadas dentro da camina, não consegue sair, ficando o
peixe de cabeça para baixo. Quando o peixe cai na armadilha, o galho balança e a camina
é retirada da água pelos indígenas (Figura 103 A e C). As iscas utilizadas para pescaria com
camina podem ser de carne de peixes menores para capturar peixes carnívoros, ou de frutas
e mandioca, para peixes onívoros.
A pescaria de isca consiste em pôr uma isca de traíra num anzol e amarrar a linha
222
numa vara, na beira do rio. Algumas horas depois, a armadilha é verificada e a isca é trocada.
A isca de traíra atrai principalmente o surubim (Pseudoplatystoma fasciatum) e, portando, é
uma pescaria voltada para essa espécie (Figura 103 G e H).
O paneiro de guarimã é utilizado para a pescaria em lagos, principalmente para a
captura do tamoatá (Hoplosternum littorale) na estação do verão (seca). A pescaria se baseia
no comportamento detritívoro da espécie alvo, que fica no fundo de rios e lagos. No verão, os
lagos estão rasos e, ao se efetuar o arrasto do paneiro no fundo, o peixe entra e é capturado
(Figura 103 D e E). As pescarias de flecha e zagaia são frequentemente utilizadas para capturar
peixes que ficam próximos à superfície da água, na beira do rio, igarapés, lagos ou, ainda, em
pedras (Figura 103 F e I).
Além dos equipamentos de pesca, os indígenas utilizam, ainda, canoas para a pescaria
(Figura
g 104). Esta é a embarcação
h principal utilizada pelosi indígenas da TIARG, sendo
geralmente motorizadas. A maior delas mede aproximadamente 7 metros de comprimento,
1,80 m de largura e 90 cm de profundidade. As canoas menores são movidas a remo, sendo
conduzidas por um ou dois pescadores.
Figura 103 – Apetrechos de pesca utilizados pelos indígenas da TIARG (A: Armadilha
camina; B: Pescaria com caniço; C: Representação de peixa na camina; D: Paneiro
de guarimã; E: Modo de uso do p. de guarimã; F: Pescaria com zagaia; G: Pescaria
de isca ou espinhel; H: Pescaria de isca ou espinhel; I: flecha com ponta de ferro).
Fotos – A: Pedro Santos; B e C: Adna Albuquerque; D: Renata Valente.
223
Figura 104 – Tipo de canoa utilizada durante as pescarias na TIARG. Foto: Adna Albuquerque.
Alguns indígenas afirmam que, na TIARG, ainda se pratica a pesca com timbó (Paullinia
pinnata L. Sapindaceae), cipó venenoso que, ao ser introduzido nos rios, narcotiza os peixes,
fazendo-os virem à superfície, tontos, o que facilita a sua captura. Também relatam a pesca com
conambi (há duas plantas ictiotóxicas com este nome: Phyllanthus conami (Aubl.) Muell. Arg.
(Euphorbiaceae) e Libadium surinamensis L. (Compositae). Este tipo de pescaria consiste em
preparar iscas de conambi com pirão de farinha de mandioca. Quando os peixes as ingerem,
ficam dopados e sobem à superfície d’água, facilitando a sua captura.
Estas pescarias são extremamente prejudiciais ao meio ambiente. O timbó é um cipó
que contém uma toxina capaz de impedir a respiração dos peixes. O principal problema
ocasionado pela sua utilização é que, além dos efeitos nocivos ainda desconhecidos, muitos
peixes intoxicados afundam, não podendo ser capturados em águas profundas. Dessa maneira,
milhares de peixes morrem e aparecem boiando já no estado de decomposição.
De acordo com os indígenas, a ictiofauna da TIARG está sofrendo sobrepesca,
principalmente no rio Guamá. A sobrepesca ocorre quando se realiza grande esforço de pesca e
acaba-se retirando do meio ambiente mais do que ele consegue repor, diminuindo a população
de peixes, e mesmo de plantas, do ecossistema. Este fato ocorre concomitantemente com as
práticas de pesca predatória. Segundo os indígenas, a pesca predatória é realizada tanto pelos
indígenas quanto pelos invasores brancos. É altamente agressiva ao meio ambiente, podendo
limitar a reprodução dos peixes e causar impactos, tanto do ponto de vista socioeconômico
quanto biológico, comprometendo o equilíbrio ecológico na área.
Exemplos de pesca predatória na TIARG são:
(1) As pescarias com malhadeiras e tarrafas com malhas de tamanho inadequado, que
capturam espécies ainda na fase juvenil, limitando a sua multiplicação;
(2) A pesca intensiva na época da piracema, que ocorre principalmente em lagos e
igarapés ao logo dos rios Guamá e Gurupi. É apontada pelos indígenas como um
dos principais fatores de diminuição da ictiofauna;
224
Figura 106 – Pontos de pesca próximos à aldeia Canindé, no Gurupi, delineados pelos próprios indígenas
da TIARG. Desenho: Jailton Tembé.
5. CONSIDERAÇÕES E RECOMENDAÇÕES
Os peixes são umas das principais fontes de proteína para os indígenas da TIARG e a
ictiofauna da área é composta por uma variedade de espécies. Os Indígenas praticam a pesca
de subsistência e os peixes são utilizados principalmente para a alimentação.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, A. S.; VIEIRA, I. C. G. Centro de Endemismo Belém: status da vegetação
remanescente e desafios para a conservação da biodiversidade e restauração ecológica.
REU, Sorocaba-SP v. 36, n. 3, p. 95-111, 2010.
ALVES, R. R. N.; VIEIRA, W. L. S.; SANTANA, G. G. Reptiles used in traditional folk medicine:
conservation implications. Biodiversity Cons. v. 17, p. 2037-2049, 2008.
BEGOSSI, A. “Food taboos at Búzios island (Brazil): their significance and relation to folk
medicine”, J. Ethnobiol., vol. 12, n. 1, p.117-39, 1992.
BEGOSSI, A.; SILVANO, R. A. M.; AMARAL, B.; OYAKAWA, O. Uses of fish and game by
inhabitants of an extractive reserve (upper Juruá, Acre, Brazil). Environment, Development
and Sustainability, v. 1, p. 1-21, 1999.
BEGOSSI, A.; HANAZAKI, N.; RAMOS, R. “Food Chain and the reasons for fish taboos among
Amazonian and Atlantic Forest sishers (Brazil)”. Ecological Applications, v. 14, n. 5, p. 334-
343, 2004.
MMA - Ministério do Meio Ambiente. Lista nacional das espécies da fauna brasileira ameaçadas
de extinção. Instrução Normativa n° 03, de 27 de maio de 2003. Brasília, DF, 2003.
MMA - Ministério do Meio Ambiente. Espécies exóticas Invasoras. Disponível em: <http://
www.mma.gov.br/biodiversidade/biosseguranca/especies-exoticas-invasoras> Acesso em:
29/10/2014.
SEMA – Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Pará. Lista das espécies da flora e da
fauna ameaçadas de extinção do estado do Pará. Decreto nº 802 de 20/02/2008. Belém, 2008.
Apêndice 6 - Lista de espécies de peixes citadas pelos indígenas ou capturadas na TIARG, com tradução, quando possível, para a língua Tembé-Tenetehara.
Nome comum
Ordem/Família Espécie Nome Comum (Guamá) Nome Tembé
(Gurupi)
CLUPEIFORMES
Pristigasteridae Pellona castelnaeana (Valenciennes, 1847) apapá/sarda apapá/sarda -
Pristigasteridae Pellona flavipinnis (Valenciennes, 1847) - apapá/sarda -
CHARACIFORMES
Acestrorhynchidae Acestrorhynchus falcatus (Bloch, 1794) oeua/cachorra oeua/cachorra apanare
Acestrorhynchidae Acestrorhynchus falcirostris (Cuvier, 1819) oeua/cachorra oeua/cachorra apanare
aracu-do-igarapé/
Anostomidae Leporinus fasciatus (Bloch 1794) - waraku pinim
aracu-pinim
Anostomidae Leporinus friderici (Bloch, 1794) aracu-cabeça-gorda - waraku
Anostomidae Rhythiodus microlepis (Kner, 1859) aracu-lambe-pau aracu-lambe-pau waraku
cuanã/piau-vara/
Anostomidae Schizodon fasciatus (Agassiz, 1829) aracu-tainha waraku iwira
aracu-pau
Anostomidae Schizodon vittatus (Valenciennes, 1849) - aracu/cuanã waraku/Kw’anà
Characidae Triportheus albus (Cope, 1872) piaba - mamiri
Characidae Triportheus angulatus (Spix & Agassiz, 1829) piaba-facão/sardinha - mamiri tikyhe
Characidae Triportheus elongatus (Gunther, 1864) piaba-comprida tiquira mamiri puku
Characidae Catoprion mento (Cuvier, 1819) piranha-branca piranha pira’i
mamiri anira/
Characidae Roeboides myersii (Gill, 1870) piaba-morcego piaba-nariz-de morcego
Amira pira
Characidae Colossoma macropomum (Cuvier, 1818) tambaqui tambaqui -
Characidae Myleus sp. pacu-branco pacu-branco paku’ai
Characidae Myleus sp. 1 - pacu-bandeira -
Characidae Myleus sp. 2 pacu-rodero pacu-rodero paku’ai
Characidae Metynnis sp. pacu-piranga pacu-piranga -
pacu-do-lago/
Characidae Metynnis argenteus (Ahl, 1923) pacuzinho/pacuí/ pacuzinho-do-lago/pacu-pintado paku’ai
paboca
Characidae Metynnis hypsauchen (Muller & Troschel, 1844) pacu pacu/paboca/pacu-branco paku’ai
Nome comum
Ordem/Família Espécie Nome Comum (Guamá) Nome Tembé
(Gurupi)
pacu-rodero/ pacu-
Characidae Mylossoma duriventre (Cuvier, 1817) pacu paku’ai
do-lago
Characidae Piaractus brachypomus (Cuvier, 1818) pirapitinga pirapitinga pirapiting
Characidae Pristobrycon calmoni (Steindachner, 1908) - piranha-papa-isca pira’i
Characidae Serrasalmus altispinis (Merckx, Jégu & Santos, 2000) piranha-papa-isca piranha-papa-isca/pirambeba pira’i za’yr
Nome comum
Ordem/Família Espécie Nome Comum (Guamá) Nome Tembé
(Gurupi)
Loricaridae Rineloricaria sp. - caximbau -
cará-do-papo-
Cichlidae Geophagus sp. cará-amarelo akara tawa
amarelo
cará-do-igarapé/cará- cará-mereré-preto/cará-mereré/
Cichlidae Heros severus (Heckel, 1840) akara
mereré cará-roxo
Nome comum
Ordem/Família Espécie Nome Comum (Guamá) Nome Tembé
(Gurupi)
Cichlidae Satanoperca acuticeps (Heckel, 1840) cará-boca-de-pote cará/cará-branco akara
Cichlidae Satanoperca jurupari (Heckel, 1840) cará-pintado cará-branco akara
Cichlidae Crenicichla reticulata (Heckel, 1840) jacundá jacundá -
Sciaenidae Plagioscion squamosissimus (Heckel, 1840) pescada-branca pescada-branca -
RAJIFORMES
Potamotrygonidae Potamotrygon sp. - arraia-nari-nari zawiwir
Potamotrygonidae Plesiotrygon sp. - arraia zawiwir
GIMNOTIFORMES
SYNBRANCHIFORMES
6.3 - AVIFAUNA
1. INTRODUÇÃO
A Terra Indígena Alto Rio Guamá (TIARG) está localizada no leste do Estado do Pará,
numa região que faz parte do chamado Centro de Endemismo Belém (CEB). O CEB possui
florestas consideradas altamente prioritárias para a conservação de aves e outros grupos de
animais e plantas, pois abrigam um grande número de espécies que só ocorrem nesta parte
da Amazônia (espécies endêmicas) e que também figuram entre as mais ameaçadas de
todo o bioma, em decorrência da carência dramática de florestas com extensão e integridade
satisfatórias para as exigências ecológicas e espaciais de várias delas (PORTES et al., 2011).
Esta região faz parte da porção leste do arco do desmatamento, encontrando-se em acelerado
processo de devastação e alteração de sua cobertura florestal original, devido às frentes de
colonização e à atuação intensiva e devastadora de atividades agropecuárias e de extração
de madeira. Além disso, seus remanescentes florestais estão pouco representados em áreas
protegidas (unidades de conservação e terras indígenas), principalmente na porção paraense
do CEB, aumentando ainda mais o grau de ameaça ao ecossistema desta região (PORTES
et al., 2011; VALENTE, 2008).
As aves são um grupo bastante sensível à degradação ambiental e, não à toa, mais
da metade das espécies de aves ameaçadas de extinção no Pará (SEMA, 2008) possuem
distribuição geográfica que abrange a área do CEB. Dos 31 táxons de aves ameaçados no
Estado, 20 (64,5%) têm área de ocorrência compreendida neste centro de endemismo, alguns
deles exclusivamente na área, como Crax fasciolata pinima (mutum-de-penacho) e Psophia
obscura (jacamim-de-costas-escuras). Levantamentos recentes da avifauna têm sido conduzidos
em fragmentos florestais localizados no CEB, mostrando que muitas espécies, inclusive as mais
ameaçadas de extinção, ainda resistem às pressões humanas, o que reforça a importância
de conservá-los (LEES et al., 2012; PORTES et al., 2011; SILVEIRA, 2004, 2006; VALENTE,
2008). É sabido que as terras indígenas são áreas de vital importância para a conservação
de espécies e ecossistemas na Amazônia (ARIMA et al., 2007; FERREIRA; VENTICINQUE;
ALMEIDA, 2005; ISA, 2009; MARTINS, et al., 2012; NEPSTAD et al., 2006; SOARES-FILHO,
2010). Elas oferecem uma resistência ao avanço do desmatamento, principalmente na região
do arco do desmatamento, onde possuem papel ainda mais destacado na conservação da
floresta (NEPSTAD et al., 2006; SCHWARTZMAN; ZIMMERMAN, 2005).
Com base no estudo preliminar aqui apresentado, pode-se afirmar que a TIARG conserva
uma parcela bastante significativa da avifauna nativa desta porção da Amazônia, principalmente
na região da bacia do rio Gurupi, ao sul da terra indígena, onde a mata encontra-se em melhor
estado de conservação em relação à região da bacia do rio Guamá, ao norte. A participação
indígena e a ação conjunta de setores governamentais e não governamentais são fundamentais
para garantir o manejo e a proteção das espécies de aves no longo prazo, não apenas para o
equilíbrio ecológico da região, mas também para a preservação da identidade cultural do povo
Tembé, pois muitas dessas aves, inclusive algumas ameaçadas, constituem fontes importantes
para sua alimentação e possuem partes, como penas e ossos, utilizadas no artesanato e
cerimoniais indígenas.
238
2. OBJETIVO
Este estudo teve como objetivo inventariar preliminarmente a comunidade de aves da
TIARG e fazer uma abordagem sobre seu estado de conservação e sobre sua utilização pelos
Tembé, dando atenção especial às espécies ameaçadas de extinção no Estado do Pará.
3. METODOLOGIA
3.1. Área de Estudo
O inventário da avifauna foi realizado na porção norte (região do rio Guamá) e sul (região
do rio Gurupi) da TIARG. Nestas áreas, foram inventariadas, principalmente, quatro trilhas que
foram abertas para a realização dos estudos de diagnóstico da terra indígena, sendo duas
trilhas no Guamá e duas trilhas no Gurupi, cada uma com 4 km de extensão (ver a seção
Como Foram Feitos os Estudos, pg. 25). Além disso, também foram realizadas amostragens
fora dessas trilhas, a fim de cobrir outros tipos de ambiente, como florestas secundárias, áreas
abertas e beira de rio. A área central da TIARG não foi inventariada, já que a região encontra-se
ocupada por colonos invasores. A seguir, são descritas as áreas amostradas.
Aldeia Canindé
Na região da aldeia Canindé, o rio Gurupi apresenta muitas corredeiras, com grandes
pedras expostas durante a estação seca, quando foi realizado o trabalho de campo deste estudo
(Figura 106). Ele separa, geograficamente, duas etnias indígenas nesta área: os Tembé da
TIARG, do lado paraense, e os Ka’apor da Terra Indígena Alto Turiaçu, no lado maranhense.
De acordo com depoimentos colhidos durante conversas informais com os Tembé, a floresta
do lado maranhense estaria mais impactada em comparação com a floresta onde foi realizado
este estudo, no Pará.
Trilha Canindé: esta trilha foi aberta para os estudos do Diagnóstico Etnoambiental Participativo
da TIARG. (4 km). As matas das proximidades da aldeia Canindé apresentam-se como um mosaico
de florestas secundárias e de áreas de florestas mais conservadas, ricas em palmeiras de babaçu.
São exaustivamente visitadas pela comunidade indígena, principalmente para a caça e o extrativismo,
apresentando inúmeras trilhas pequenas. A floresta inventariada ao longo da Trilha Canindé
apresentava-se sensivelmente em melhor estado de conservação do que a floresta inventariada
na área da aldeia Cajueiro (descrita a seguir), com maior contingente de árvores de grande porte,
dossel mais fechado e sub-bosque relativamente aberto (Figura 107). A trilha iniciava-se nas
proximidades das habitações da aldeia, às margens do rio Gurupi, e seguia em direção à floresta,
estando adjacente a uma mata de capoeira. Nesta capoeira também foi feito um levantamento da
239
Figura 106 – Corredeiras características de um trecho do rio Gurupi, nas proximidades da Aldeia Canindé,
mostrando as grandes pedras expostas durante a estação seca. Foto: Renata Valente.
avifauna. Tratava-se de uma mata bastante utilizada para deslocamento dos indígenas, inclusive
com uso de motocicletas. Talvez, por isso, tenha apresentado um baixo contingente de aves.
Aldeia Cajueiro
Trilha Akazu Iw: esta trilha também foi aberta para o estudo de diagnóstico do
Etnozoneamento (4 km), tendo o ponto de início localizado próximo à margem do rio Gurupi.
A mata apresentava sub-bosque mais fechado do que a mata inventariada na aldeia Canindé,
com poucas árvores de grande porte, distribuídas de forma que não chegavam a formar um
dossel contínuo, como em matas mais preservadas. Possuía muitas árvores jovens e pouco
espessas e grande quantidade de tiriricas e imbaúbas (Figura 107).
Trilha do Cocal: trilha já existente na área, provavelmente foi aberta para retirada de
madeira, pois mostrava evidências de utilização de trator para sua abertura (grande largura e
marcas de pneus no solo). Além disso, encontramos alguns troncos cortados e abandonados.
Apresentava mata com sub-bosque bastante denso e predomínio de árvores jovens, entre as
quais havia algumas árvores adultas e, raramente, árvores de grande porte.
240
Na aldeia Cajueiro, também foi visitada uma área de pasto localizada ao longo de uma
estrada que se estende desde a entrada da terra indígena até a aldeia.
Aldeia Pinu’a
Trilha Pinu’a: trilha também aberta para o estudo do Diagnóstico Etnoambiental Participativo
da TIARG (4 km). Localizava-se em área relativamente distante das aldeias do Guamá, sendo
a aldeia Pinu’a a mais próxima(ver a seção Como Foram Feitos os Estudos, pg. 25).Ao longo
da trilha, a mata era tipicamente uma floresta secundária, apresentando vegetação fechada e
densa, muitos arbustos e poucas árvores maiores, não chegando a formar dossel fechado, mas
com presença de muitas árvores jovens. Em vários pontos havia grandes clareiras, aparentando
serem ambientes de áreas abertas com arbustos.
241
Figura 107 – Aspectos da Trilha Canindé (A) e da Trilha Akazu Iw (B), ambas na região do rio Gurupi,
ao sul da TIARG. Fotos: Éder Melo.
Record para simples identificação dos cantos. Para as vocalizações que não puderam ser
identificadas imediatamente no campo, foram consultadas bibliotecas disponíveis na web
(Xeno-canto; Macaulay Library do Laboratório de Ornitologia da Universidade de Cornell; Wiki
Aves) e Laboratório de Ornitologia e Bioacústica (LOBIO) da Universidade Federal do Pará
(UFPA). Um grande número de espécies foi reconhecido através da audição de cantos das
bibliotecas acima citadas. Evidências indiretas, como penas, indivíduos caçados, etc., também
foram utilizadas para identificar as espécies.
Para a coleta de dados da avifauna também foi acessado o saber indígena, procurando-
se realizar um etnodiagnóstico (informal) da avifauna da TIARG. Assim, os pesquisadores
indígenas também identificavam espécies pelo canto ou visualmente durante o trabalho nas
trilhas. Além disso, foram realizadas pequenas reuniões, principalmente na aldeia Canindé, nas
quais os cantos gravados eram reproduzidos, na tentativa de que fossem identificados pelos
índios presentes (Figura 4). Na ocasião, informações sobre a utilização de algumas espécies
de aves e o conhecimento indígena sobre a avifauna também eram coletadas. Também
eram apresentadas aos indígenas pranchas do livro “Guia de Campo: Aves da Amazônia
Brasileira” (SIGRIST, 2008), para que pudessem apontar espécies presentes na área. Tanto
para as vocalizações quanto para as espécies apontadas em pranchas, só foram consideradas
ocorrências confirmadas as espécies reconhecidas em consenso. Este recurso só não rendeu
um resultado mais robusto devido ao pouco tempo disponível e certa carência de informantes
realmente conhecedores das aves que estivessem livres para atender todas as equipes em
campo. De qualquer forma, o reconhecimento do canto das aves pelos indígenas, aliado à
aplicação das entrevistas, reuniões ou conversas informais, revelou-se um surpreendente e
poderoso auxilio na identificação de varias espécies de aves presentes na TIARG.
Figura 108 – Equipe de pesquisadores Figura 109 – Reunião informal realizada com os indígenas para
da avifauna. Foto: Pedro Alexandre confirmação da ocorrência de espécies de aves na TIARG. Foto:
Sampaio. Pedro Alexandre Sampaio.
243
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Durante os cerca de 20 dias de levantamentos de campo, foram registradas 214 espécies
de aves distribuídas em 61 famílias. Um trabalho anterior realizado em fragmentos florestais
contíguos à TIARG, na área da Fazenda Méjer (VALENTE, 2011), identificou 40 espécies que
não foram registradas no presente estudo, mas que podem ser potencialmente incluídas na
lista de aves da TIARG, aumentando para 254 o número total de espécies registradas até o
momento na reserva (Apêndice 7).
Levantamentos mais completos, que compreenderam um período maior de amostragem
e englobaram diversas metodologia, realizados em localidades próximas à TIARG, no CEB,
registraram número maior de espécies de aves. VALENTE (2008) compilou os resultados de
inventários realizados em fragmentos florestais pertencentes ao Grupo Agropalma, no Município
de Tailândia-PA, chegando ao número de 389 espécies de aves, o que representa 73,5% das
espécies cuja ocorrência é esperada para toda a área do leste do Pará, que corresponde à
porção paraense do CEB (ROMA, 1996). Em outro estudo, Lees et al., (2012) registraram 440
espécies num inventário realizado em várias localidades no Município de Paragominas.
É importante ressaltar que o número de espécies registrado no presente estudo representa
apenas uma estimativa preliminar sobre a avifauna da TIARG, já que foram amostradas áreas
pontuais em um curto intervalo de tempo, de acordo com o objetivo de realizar um diagnóstico
rápido da área da reserva. Portanto, novos estudos devem ser realizados futuramente, a fim de
ampliar o conhecimento sobre a terra indígena e melhor direcionar os esforços de conservação.
Tal como foi demonstrado para os fragmentos inventariados em Tailândia, a TIARG certamente
abriga um número bem mais expressivo de espécies da avifauna, ainda mais quando se
considera que a reserva possui uma área consideravelmente maior de contínuo florestal quando
comparada com os fragmentos do Grupo Agropalma.
O melhor estado de conservação das matas da região do Gurupi em comparação com o
Guamá foi confirmado em relação à composição das espécies de aves. Durante as entrevistas,
os indígenas informaram que mutuns, gaviões de grande porte e araras não ocorrem mais no
Guamá. Considerando-se os estudos de campo realizados durante este trabalho nas florestas
da TIARG, no Gurupi foram registradas espécies indicadoras da qualidade ambiental que não
foram registradas no Guamá, como inhambus (C. strigulosus), mutuns (Pauxi tuberosa, Crax
fasciolata pinima), jacus (Penelope pileata), jacamins (Psophia obscura), araras (Ara chloropterus,
Guarouba guaruba) e seguidores de formigas de correição (Pyriglena leuconota, Phlegopsis
nigromaculata paraensis). A estrutura da floresta da Trilha Canindé, no Gurupi, com muitas
árvores de grande porte, dossel mais fechado e sub-bosque mais aberto, garante as condições
indispensáveis à sobrevivência de inúmeras espécies de aves sensíveis a perturbações. A
presença de muitas palmeiras de babaçu na mata da Trilha Canindé talvez possa explicar a
alta incidência de animais observados na região de maior contingência dessas palmeiras, pois
estávamos na época de amadurecimento de seus frutos. Registramos papagaios, tucanos,
macacos, cotias e porco do mato (porcão). Estudos mais completos devem ser conduzidos
para confirmar se os animais citados de fato alimentam-se dos frutos da referida palmeira.
Durante o estudo foram registradas oito espécies ameaçadas de extinção (Apêndice 7)
de acordo com a lista do Estado do Pará (SEMA, 2008), representando 40% das espécies de
244
aves ameaçadas esperadas para ocorrer no CEB. Se incluirmos as duas espécies registradas
por Valente (2011) nos fragmentos contíguos à TIARG (Apêndice 7), temos 50% das espécies
ameaçadas registradas por pesquisadores na reserva. Deve-se considerar que os levantamentos
foram feitos em períodos bastante curtos e que investigações mais prolongadas devem retornar
o registro de espécies adicionais incluídas em categorias de ameaça na lista do Pará, como: o
araçari-de-pescoço-vermelho (Pteroglossus bitorquatus bitorquatus, Ramphastidae); o pica-pau-
dourado-escuro (Piculus paraensis, Picidae – referido como Piculus chrysochloros paraensis
na lista do Pará (SEMA, 2008), mas recentemente elevado ao status de espécie (DEL-RIO
et al., 2013; PIACENTINI et al., 2015); o pica-pau-de-coleira (Celeus torquatus pieteroyensi,
Picidae); o arapaçu-rabudo (Deconychura longicauda zimmeri, Dendrocolaptidae); o arapaçu-
canela-de-belém (Dendrexetastes rufigula paraensis, Dendrocolaptidae); o papinho-amarelo
(Piprites chloris griseicens, Pipritidae); o bico-chato-da-copa (Tolmomyas assimilis paraensis,
Tyrannidae); e a saíra-diamante (Tangara velia signata, Thraupidae).
Estudos prévios sobre a ocorrência de espécies da fauna ameaçada de extinção na
TIARG, evidenciadas, principalmente, com base na informação dos próprios indígenas da
região do Gurupi, indicam que as 20 espécies de aves ameaçadas de extinção esperadas
para ocorrer no CEB podem estar presentes na área da reserva, o que reforça sua importância
como prioritária para ações de conservação no Pará (Ver Capítulo 7). Como mencionado acima,
o presente estudo confirmou a ocorrência de pelo menos 10 espécies ameaçadas. Outros
estudos de campo devem ser conduzidos por especialistas da avifauna a fim de: confirmar o
registro das demais espécies ameaçadas com probabilidade de ocorrer na TIARG e avaliar
seu status de conservação; identificar as principais pressões e ameaças a essas espécies,
como a caça e a pesca por invasores ilegais e o desmatamento e a exploração de madeira; a
frequência e os tipos de uso feitos pelos indígenas (alimento, ornamento, artesanato, animais
de estimação), bem como se eles próprios já realizam alguma iniciativa de monitoramento
das espécies utilizadas. Ao final, podem ser propostos projetos para monitoramento dessas
espécies, de forma a garantir sua sobrevivência na reserva e o uso sustentável de algumas
delas pelos indígenas, respeitando seus costumes e tradições.
Das espécies ameaçadas registradas na TIARG, duas estão classificadas na categoria
“Em perigo” (o segundo maior grau de ameaça), de acordo com a SEMA (2008): Crax fasciolata
pinima e Psophia obscura. Entretanto, na lista nacional (MMA, 2014), elas já constam como
criticamente ameaçadas, o mais alto grau de ameaça. As demais espécies estão classificadas
na categoria "Vulnerável" de acordo com a SEMA (2008). Todas as espécies ameaçadas foram
registradas na região do Gurupi, que apresenta suas florestas bem mais preservadas quando
comparadas com a região do Guamá.
A seguir, são feitas algumas considerações sobre as aves ameaçadas de extinção
registradas durante este estudo.
festa e em cerimonias importantes (Figura 5). Também é caçado pelos indígenas para servir
como fonte alimentar. Registros de um espécime capturado pelos Tembé foram feitos pela
equipe da Gerência de Sociobiodiversidade/Diretoria de Áreas Protegidas da SEMA-PA em
2013, durante os trabalhos iniciais de mobilização para o projeto de Etnozoneamento (Figura
110) Penas também foram registradas pela equipe da SEMA em 2012, durante um trabalho
de levantamento de espécies ameaçadas na TIARG (Ver Capítulo 7).
Crax fasciolata pinima é um táxon endêmico do CEB e um dos mais raros do Brasil, com
muito pouca informação disponível sobre seus hábitos ou ecologia (SILVEIRA, 2006). Não era
documentado na natureza desde 1978 (SILVEIRA; STRAUBE, 2008). Silveira (2004) obteve
apenas o indício de sua presença em fragmentos florestais da área do Grupo Agropalma,
obtido através da informação de terceiros, e reforça que a presença deste táxon e do jacamim-
de-costas-escuras (Psophia obscura), também raro e igualmente registrado na TIARG (ver a
seguir), coloca suas áreas de ocorrência entre as mais importantes de toda a região amazônica
para a conservação de aves ameaçadas de extinção. Silveira e Straube (2008) supõem que a
espécie talvez pudesse ocorrer na Reserva Biológica (Rebio) do Gurupi ou poderia estar extinta
na natureza. Lima, Martinez e Raices (2014) realizaram inventário avifaunístico sistemático na
Rebio e não encontraram o mutum-pinima, apesar do relato de sua ocorrência pelos moradores
locais. O registro da presença desta espécie na TIARG eleva de forma marcante a importância da
terra indígena como área de extrema importância para a conservação de espécies ameaçadas.
Crax f. pinima está classificado na categoria “Em perigo” de ameaça de extinção no Estado
do Pará (SEMA, 2008) e como “Criticamente Ameaçado” na lista nacional (MMA, 2014) e na da
IUCN (2017). Sugere-se que, ao ser realizada revisão na lista do Pará, o táxon também seja
classificado como “Criticamente Ameaçado”, que é o mais alto grau de ameaça. O declínio de
Crax f. pinima se deve principalmente à perda de habitat ocasionada pela redução marcante
das áreas de florestas nativas do CEB e pela pressão de caça, pois, como outros mutuns,
é uma espécie de grande porte bastante apreciada por caçadores que atuam ilegamente
na área. É recomendado que os próprios indígenas desenvolvam ou sejam orientados a
desenvolver sistemas de manejo no uso da espécie, de forma a garantir sua permanência na
área e contribuir para sua sobrevivência na natureza. Coibir a prática de atividades ilegais de
caça, desmatamento e exploração madeireira observadas na reserva também é fundamental
para a sobrevivência desta e de outras espécies endêmicas do CEB. Pesquisas de campo são
importantes e devem ser desenvolvidas com urgência, a fim de: avaliar o status de conservação
da espécie na TIARG; levantar as formas e a frequência de utilização da espécie pelos Tembé;
de utilização pelos Tembé; estimar seu tamanho populacional na área; e avaliar a possibilidade
de manejo e reprodução de espécimes em cativeiro, caso seja necessário pensar em programas
de reintrodução e recuperação das populaçõe na TIARG. Silveira e Straube (2008) também
recomendam que sejam realizadas pesquisas taxonômicas para verificar se C. f. pinima pode
ser validado como táxon independente dos outros que compõem o complexo Crax fasciolata.
Para tanto, é necessário que sejam coletadas amostras de tecido de aves pertencentes ao
ao táxon. A TIARG pode ser um local onde a coleta dessas amostras pode vir a ser realizada
como parte de projetos de pesquisa devidamente autorizados pelos órgãos competentes e
pelos próprios Tembé.
246
Figura 109 – Penas (pretas e brancas) do mutum-pinima (Crax fasciolata pinima) utilizadas no artesanato
Tembé. Fotos: Claudia Kahwage.
Figura 110 – Cabeça, penas e penacho de um exemplar do mutum-pinima (Crax fasciolata pinima) capturado
pelos indígenas na aldeia Teko Haw, região do rio Gurupi.
de enriquecimento da área com espécies nativas também podem ser empregados em áreas
mais alteradas, para estimular o retorno desses animais para locais onde já não são mais
encontrados na TIARG.
florestas de terra-firme primárias e secundárias do CEB, este pássaro também possui populações
isoladas nos estados de Alagoas e Pernambuco (BATISTA et al., 2013). Está classificado na
categoria “Em Perigo” de acordo com a lista do Pará (SEMA, 2008), onde ainda aparece como
D. c. medius – e como “Vulnerável” na lista nacional (MMA, 2014). A conservação desta e de
outras aves insetívoras ameaçadas que foram registradas na TIARG e que são características
do sub-bosque de florestas ombrófilas do CEB (como T. aethiops incertus, D. merula badia e
P. nigromaculata paraensis) depende da manutenção da integridade desses hábitats.
O bicudo (Sporophila maximiliani), classificado como “Criticamente Ameaçado” na lista
do Pará (SEMA, 2008) e na lista nacional (MMA, 2014) e como Vulnerável na lista da IUCN
(2017), também tem ocorrência esperada para o CEB. Entretanto, com base em conversas
informais com membros das aldeias, aparenta ser uma espécie que não é avistada há bastante
tempo, o que sugere uma extinção na área de estudo ou que, talvez, a TIARG não faça parte
da área de ocorrência da espécie.
Algumas espécies registradas na área, embora não estejam listadas como ameaçadas
para o Estado do Pará, encontram-se ameaçadas em algum grau de acordo com a lista nacional
(MMA, 2014) e/ou da IUCN (2017) (Tabela 14). Essas espécies, todas de médio e grande porte,
estão enquadradas em algum nível de ameaça por terem suas populações em declínio, como
consequência da caça e da perda de seus hábitat naturais (IUCN, 2017).
Tabela 14 – Espécies de aves que não estão listadas como ameaçadas na lista do Estado do Pará
(SEMA, 2008), mas que são classificadas em algum nível de ameaça de acordo com a Lista Nacional
(MMA, 2014) e/ou da IUCN (2017).
Algumas aves são criadas como animais de estimação pelos Tembé. Temos o registro
de do jacamim (Psophia obscura) e dois psitacídeos criados em aldeias da região do Gurupi:
Guaruba guarouba (aldeia Cajueiro) e Psittacara leucophthalmus (aldeia Canindé) (Figura 111),
além de Ara chloropterus e A. macao. Durante os trabalhos de campo, também registramos
algumas aves sendo capturadas para a alimentação dos indígenas, como inhambu (sururina –
250
Crypturellus soui), jacu (Penelope sp.) e saracura (Aramides cajaneus) (Figura 7). As sururinas
e a saracura foram capturadas na aldeia Canindé, utilizando armadilha simples, de chão, feita
com gravetos (Figura 112).
Figura 111 – Aves criadas como animais de estimação na TIARG. A: ararajuba (Guaruba guarouba); B:
maracanãzinha (Pisittacara leucophthalmus); e C: jacamim (Psophia obscura). Fotos: A – Renata Valente;
B – Pedro Santos: C – Claudia Kahwage.
Figura 112 – Aves capturadas pelos indígenas da TIARG por meio de armadilha. A:
sururina (Crypturellus soui); B: saracura (Aramides cajaneus). C: Armadilha utilizada
para captura das aves. Fotos: A e B – Pedro Alexandre Sampaio; C – Éder Melo.
251
Figura 113 – A, B, C e D: Arte plumária Tembé, onde foram utilizadas penas de arara-vermelha (penas
vermelhas, azuis e amarelas), papagaio ou periquito (verdes), tucano (amarela), pato-do-mato (branca). Para
as penas pretas costumam ser utilizados jacamins, mutuns, jacus e patos-do-mato. Penas brancas também
são retiradas de jacus e mutuns. E: Pele de Cotinga cayana, cujas penas normalmente são utilizadas para
a confecção de brincos. Fotos: A, B, C e D – Claudia Kahwage; E – Pedro Santos.
252
Figura 114 – Penas de um exemplar do cujubi (Aburria cujubi), espécie de jacu, sendo retiradas para
uso no artesanato Tembé. Foto: Claudia Kahwage.
5. RECOMENDAÇÕES
A seguir, são listadas algumas recomendações específicas relacionadas à avifauna da
TIARG, as quais julgamos importantes para que as espécies de aves se mantenham na área ao
longo do tempo, cumprindo seu papel ecológico e servindo como fonte de recurso aos indígenas:
(2) Atenção especial e medidas urgentes devem ser aplicadas ao mutum-pinima (Crax
fasciolata pinima) e ao jacamim (Psophia obscura), pois são espécies que se encontram
em situação crítica de ameaça e que costumam ser bastante utilizadas pelo povo Tembé.
Considerando-se a importância cultural do uso dessas espécies para os indígenas da
TIARG, recomenda-se que sejam realizadas pesquisas para avaliar o status atual de
conservação na área da TIARG e, assim, propor medidas mais realistas e eficazes para
garantir o seu uso sustentável pelos Tembé;
(3) Considerando que as espécies ameaçadas que são utilizadas pelos Tembé ocorrem,
atualmente, apenas na região do Gurupi, sugere-se que sejam implantados projetos de
enriquecimento florestal com espécies nativas na área do Guamá, a fim de que as aves
possam retornar ao Guamá, vindas de áreas próximas, onde as espécies ainda ocorrem;
(4) Implantação de programas de manejo para as demais espécies de aves (não ameaçadas)
utilizadas para o artesanato e para a alimentação, para que continuem cumprindo seu
papel ecológico e constituindo recursos abundantes para os Tembé;
(5) Aplicação de medidas urgentes e eficazes para que se coíba a caça ilegal e predatória.
Da mesma forma, deve-se atuar contra o desmatamento e a exploração ilegal de madeira
na terra indígena, os quais são responsáveis pela perda de hábitat das espécies de aves
e de outros animais, causando a diminuição de suas populações na área e ameaçando
o equilíbrio ecológico e a segurança alimentar dos indígenas da TIARG.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Apêndice 7 – Lista das espécies de aves registradas durante expedição à Terra Indígena Alto Rio Guamá (TIARG).
Ordenação taxonômica, nomes científicos e em português estão de acordo com o CBRO (PIACENTINI et al., 2015).
Os nomes indígenas seguem denominação e escrita referida pelos próprios indígenas da TIARG.
Nome Local de
Classificação Taxonômica Nome Comum Nome Local Registro Hábitat
Indígena Observação
TINAMIFORMES
TINAMIDAE
Tinamus tao azulona nhambu-tona inamu-ete E f1
Tinamus guttatus inambu-galinha I, RV f1
Crypturellus cinereus inambu-pixuna nhambu-preta inamuun A, E f1, f2 cn1, cn2
Crypturellus soui tururim sururina tururi A, E f1, f2 cn1, cj1
Crypturellus strigulosus inambu-relógio nhambu-relógio i. xarakai à A, E f1 cn1
Crypturellus variegatus inambu-anhangá A, E f1 cn1
ANSERIFORMES
ANATIDAE
Cairina moschata pato-do-mato V, C r cj
Amazonetta brasiliensis ananaí RV r
GALLIFORMES
CRACIDAE
aracuã-de-
Ortalis superciliaris A f1, a cj3, sp2
sobrancelhas
Penelope superciliaris jacupemba E f1
Penelope pileata jacupiranga jacuaçu zakuhu A, E f1 cn1
Aburria cujubi cujubi cujubi zaku pixig E f1
Pauxi tuberosa mutum-cavalo mutum-fava mytu-ete E f1
Crax fasciolata pinima EN¹ mutum-de-penacho mutum-pinima E f1 cj1
CICONIIFORMES
ODONTOPHORIDAE
Odontophorus gujanensis uru-corcovado uru V f1, f2 cn1, cj1, cj2, sp1
SULIFORMES
PHALACROCORACIDAE
Nannopterum brasilianus biguá V r RGu
ANHINGIDAE
Anhinga anhinga biguatinga V r RGu
PELECANIFORMES
ARDEIDAE
Tigrisoma lineatum socó-boi V r cn
Butorides striata socozinho V r RGu
Bubulcus ibis garça-vaqueira V r RGu
Ardea alba garça-branca V r RGu
garça-branca-
Egretta thula V r RGu
pequena
THRESKIORNITHIDAE
Mesembrinibis cayennensis coró-coró coró-coró korokoro V r RGu, cj1
CATHARTIFORMES
CATHARTIDAE
urubu-de-cabeça- f1, f2, cn1, cn2, cj1, cj3,
Cathartes aura V
vermelha a, r sp2, RGu
257
Nome Local de
Classificação Taxonômica Nome Comum Nome Local Registro Habitat
Indígena Observação
urubu-de-cabeça-
Cathartes burrovianus V f1 cn1, cj1
amarela
Cathartes melambrotus urubu-da-mata V f1 cn1
Coragyps atratus urubu V f2, a cn2, cj3, sp2
ACCIPITRIFORMES
PANDIONIDAE
Pandion haliaetus águia-pescadora E r
ACCIPITRIDAE
Leptodon cayanensis gavião-gato V f1 cn1
Elanoides forficatus gavião-tesoura gavião-tesoura V r RGu
Gampsonyx swainsonii gaviãozinho V f1, f2 cj1, sp1
Accipiter poliogaster tauató-pintado tauató zawato E f1
Busarellus nigricollis gavião-belo RV a
Rostrhamus sociabilis gavião-caramujeiro RV a
Heterospizias meridionalis gavião-caboclo V a cj3
cn1, cj1, cj3, sp1,
Rupornis magnirostris gavião-carijó V f1, f2, a
frq
Harpia harpyja gavião-real gavião-real wyràhu E f1
Spizaetus tyrannus gavião-pega-macaco dapucanim zapukàni A f2 cn2
Spizaetus ornatus gavião-de-penacho E f1
EURYPYGIFORMES
EURYPYGIDAE
Eurypyga helias pavãozinho-do-pará E r
GRUIFORMES
ARAMIDAE
Aramus guarauna carão E r
PSOPHIIDAE
jacamim-de-costas-
Psophia obscura² EM jacamim zàkàmi V f1 cn1
escuras
RALLIDAE
Aramides cajaneus
saracura-três-potes E r
Nome Local de
Classificação Taxonômica Nome Comum Nome Local Registro Habitat
Indígena Observação
Nome Local de
Classificação Taxonômica Nome Comum Nome Local Registro Habitat
Indígena Observação
TROCHILIDAE
balança-rabo-de-
Glaucis hirsutus V, A f1, f2, a cj3
bico-torto
Threnetes leucurus balança-rabo-de-
V, A f1 cn1
medianus EN garganta-preta
cn1, cj1, cj2, sp1,
Phaethornis ruber rabo-branco-rubro V, A f1, f2
sp2, frq
rabo-branco-de-
Phaethornis superciliosus V f1, f2 cn1, cj1, sp1
bigodes
beija-flor-de-veste-
Anthracothorax nigricollis V f2, a cj3
preta
beija-flor-de-
Chlorestes notata V f1 cj3
garganta-azul
beija-flor-tesoura-
Thalurania furcata V f1, f2 cn1
verde
Hylocharis sapphirina beija-flor-safira V f1, f2 cn2, cj1
Hylocharis cyanus beija-flor-roxo V f2, a cj3
beija-flor-de-
Amazilia fimbriata V f2, a cn1, cj1
garganta-verde
TROGONIFORMES
TROGONIDAE
surucuá-grande-de- uruku’a
Trogon viridis V, A f1, f2 cn1, cj1, sp1
barriga-amarela tawa
surucuá-de-cauda- uruku’a
Trogon melanurus E f1, f2
preta piràg
CORACIIFORMES
ALCEDINIDAE
martim-pescador-
Megaceryle torquata RV r
grande
martim-pescador-
Chloroceryle amazona V r RGu
verde
martim-pescador-
Chloroceryle americana V r RGu
pequeno
MOMOTIDAE
Momotus momota udu V, E f1, f2 cn1
GALBULIFORMES
GALBULIDAE
Galbula cyanicollis ariramba-da-mata V, A f1 cn1
BUCCONIDAE
Monasa nigrifrons chora-chuva-preto zàwàni V f2 RGu
chora-chuva-de-cara-
Monasa morphoeus V f1, f2 cn1
branca
Chelidoptera tenebrosa urubuzinho V, A f2, r RGu
PICIFORMES
RAMPHASTIDAE
tucano-grande-de- tucano-do-peito cn1, cn2, cj1, cj2,
Ramphastos tucanus V, A f1, f2
papo-branco branco cj3, sp1, sp2, frq
tucano-do-peito-
Ramphastos vitellinus tucano-de-bico-preto V, A f1, f2 cn2, sp1, sp2
amarelo
260
Nome Local de
Classificação Taxonômica Nome Comum Nome Local Registro Habitat
Indígena Observação
araçari-de-bico-
Pteroglossus inscriptus V, A f1, f2 sp2
riscado
araçari-de-bico-
Pteroglossus aracari araçari V, A f1 cn1, cj1, sp1
branco
PICIDAE
benedito-de-testa-
Melanerpes cruentatus V, A f1, f2 sp2
vermelha
Piculus flavigula pica-pau-bufador V, A f1, f2 cj3
pica-pau-verde-
Colaptes melanochloros V, A a cj3
barrado
Celeus undatus pica-pau-chocolate RV f1, f2
pica-pau-de-banda-
Dryocopus lineatus V f1, f2, a cn1, sp2
branca
pica-pau-de-barriga-
Campephilus rubricollis V f1, f2 cn1, sp2
vermelha
pica-pau-de-topete-
Campephilus melanoleucos V f2, a sp2
vermelho
FALCONIFORMES
FALCONIDAE
tapi’ir
Daptrius ater gavião-de-anta gavião-da-anta V r cn1
remaw
Ibycter americanus cancão cancão kàkà V, A f1 cn1
Caracara plancus carcará V a cn1, cj1
Milvago chimachima carrapateiro V a cn1, cj1
Herpetotheres cachinnans acauã V f2, a cj2, sp2
Micrastur ruficollis falcão-caburé RV f1
Micrastur mintoni falcão-críptico RV f1
Micrastur semitorquatus falcão-relógio A, E f1, f2 sp2
Falco rufigularis cauré V a sp
PSITTACIFORMES
PSITTACIDAE
Ara macao araracanga arari arari E f1
arara-vermelha-
Ara chloropterus ararakàg V, A f1 cn1, cn2
grande
Orthopsittaca manilatus maracanã-do-buriti V, A f2 sp2
Guaruba guarouba VU ararajuba ararajuba wyrazu V, A f1, f2 cj
Psittacara leucophthalmus periquitão maracanãzinha V f2, a cn
Aratinga jandaya jandaia V f2, a cj3, sp2
Pyrrhura coerulescens³ EN tiriba-pérola RV f1, f2
Forpus xanthopterygius tuim E f2, a
periquito-de-asa-
Brotogeris chrysoptera V, A f1, f2 cj1, cj2, sp2
dourada
apuim-de-asa-
Touit huetii RV f1, f2
vermelha
marianinha-de- piripiri,
Pionites leucogaster piriquito-danta V, A f1, f2 cj3, sp2
cabeça-amarela piripiria’i
Pionus fuscus maitaca-roxa curica-roxa E f1, f2
maitaca-de-cabeça-
Pionus menstruus V, A f1, f2, a cj3, sp2
azul
261
Nome Local de
Classificação Taxonômica Nome Comum Nome Local Registro Habitat
Indígena Observação
Nome Local de
Classificação Taxonômica Nome Comum Nome Local Registro Habitat
Indígena Observação
Nome Local de
Classificação Taxonômica Nome Comum Nome Local Registro Habitat
Indígena Observação
guaracava-de-
Elaenia flavogaster V, A f2, a cj3, sp2
barriga-amarela
Tyrannulus elatus maria-te-viu V a cj3
capitão-de-saíra-
Attila spadiceus V f2 sp2
amarelo
Legatus leucophaius bem-te-vi-pirata V a cj3
bico-chato-de-rabo-
Ramphotrigon ruficauda RV f1
vermelho
Myiarchus ferox maria-cavaleira V f2 sp2
Rhytipterna simplex vissiá RV f1, f2
Pitangus sulphuratus bem-te-vi pitàwà V, A f2, a cn2, cj2, cj3, sp1
Myiodynastes maculatus bem-te-vi-rajado V, A f2, a cn2, cj2, cj3, sp1
bentevizinho-de-asa-
Myiozetetes cayanensis V, A f2 cn2
ferrugínea
bentevizinho-de-
Myiozetetes similis V, A f2, a cj2, cj3
penacho-vermelho
cn2, cj2, cj3, sp2,
Tyrannus melancholicus suiriri V, A f2, a
frq
Sublegatus obscurior sertanejo-escuro V f2 cj2, sp2
papa-moscas-
Contopus cinereus V a cj3
cinzento
Megarynchus pitangua neinei V, A f2 cn2, cj2, sp2
VIREONIDAE
Cyclarhis gujanensis pitiguari V f2 cj2, sp2
HIRUNDINIDAE
Progne tapera andorinha-do-campo RV a
Progne chalybea andorinha-grande RV a
Tachycineta albiventer andorinha-do-rio V r RGu
andorinha-do-
Riparia riparia V, A r RGu
barranco
Stelgidopteryx ruficollis andorinha-serradora V, A r RGu
TROGLODYTIDAE
Microcerculus marginatus uirapuru-veado RV f1
Troglodytes musculus corruíra V, A f2 cn2, cj2, sp2
cn1, cn2, cj2, cj3,
Pheugopedius genibarbis garrinchão-pai-avô V, A f1, f2, a
sp1, sp2
garrinchão-de-
Cantorchilus leucotis RV f1, r
barriga-vermelha
TURDIDAE
cn1, cj1, cj3, sp2,
Turdus leucomelas sabiá-barranco hawiza V, A f1, f2, a
frq
Turdus albicollis sabiá-coleira V f1 cn1
PASSERELLIDAE
Ammodramus aurifrons cigarrinha-do-campo RV a
Arremon taciturnus tico-tico-de-bico-preto pai-pedro V, A f1, f2 cn1, cj1, sp1
PALURIDAE
Geothlypis aequinoctialis pia-cobra V, A a cj3
ICTERIDAE
Psarocolius viridis japu-verde japó V, A f2 cn2
264
Nome Local de
Classificação Taxonômica Nome Comum Nome Local Registro Habitat
Indígena Observação
Habitat: f1 – floresta primária; f2 – borda de floresta ou floresta secundária; a – área aberta; r – ambientes
de rios, lagos e igarapés.
Registro: V – registro visual; A – registro auditivo; C – capturado pelos indígenas durante o trabalho
de campo; EM – registro da Equipe da Mastofauna; RV – registro de Renata Valente em fragmentos
florestais contíguos à TIARG (VALENTE, 2011), indicando que a espécie provavelmente ocorre na terra
indígena; E – entrevista com indígenas; I – informante fora das entrevistas (indígenas e não indígenas).
Local de Observação: na aldeia Canindé (cn1 – floresta primária, cn2 – floresta secundária); na aldeia
Cajueiro (cj1 – f. primária, cj2 – f. secundária, cj3 – área aberta); na aldeia São Pedro (sp1 – f. primária,
sp2 – f. secundária); na aldeia Frasqueira (frq – floresta secundária com árvores remanescentes); RGu
– rio Gurupi. Quando grafado somente as letras, sem número, indica que foi observado fora da trilha,
porém nas proximidades da aldeia (ex.: cn – aldeia Canindé).
1
Categoria de ameaça (SEMA, 2008): CR – criticamente ameaçada; EN – em perigo; VU – vulnerável.
²Ainda aparece como Psophia viridis obscura (jacamim-de-costas-verdes) na Lista de Espécies Ameaçadas
do Pará (SEMA, 2008). Foi elevado ao status de espécie em 2009 (OPPENHEIMER; SILVEIRA, 2009).
³Ainda aparece como Pyrrhura perlata lepida na Lista de Espécies Ameaçadas do Pará (SEMA, 2008).
Foi elevado ao status de espécie em 2015 (SOMENZARI; SILVEIRA, 2015).
⁴Ainda aparece como Dendorcolaptes certhia medius na Lista de Espécies Ameaçadas do Pará (SEMA,
2008). Foi elevado ao status de espécie em 2013 (BATISTA et al., 2013; PIACENTINI et al., 2015).
266
267
6.4 - MASTOFAUNA
1. INTRODUÇÃO
naturais locais nas práticas de manejo e conservação das populações tradicionais, incluindo
os mecanismos sociais; BERKES; FOLKE, 2000) e sua contribuição para o etnozoneamento
(CARDOZO; DO VALE JR, 2012; KANINDÉ, 2010).
Dado que: passamos apenas três semanas em campo; se pretendia conferir peso elevado
à pesquisa etnozoológica e aplicar mais alguns métodos complementares (ver a seção de
Metodologia); na Amazônia, pode-se esperar que o conhecimento da mastofauna terrestre de
grande e médio porte gere resultados mais úteis para o zoneamento, enfocamos o esforço
neste componente da mastofauna, aplicando diversos tipos de métodos, a fim de avaliar a
riqueza da assembleia e a abundância populacional das espécies e inferir sua diversidade
como combinação de ambas (MAGURRAN, 2004).
2. OBJETIVOS
• Realizar um levantamento da mastofauna da TIARG, produzindo uma lista de espécies
com nomenclatura científica e vernácula nas línguas portuguesa e Tembé-Tenetehara,
avaliando variações regionais na composição qualitativa e quantitativa da fauna;
• Avaliar o uso e a importância da mastofauna para a comunidade indígena da TIARG;
• Avaliar o impacto causado pela população humana sobre a mastofauna da TIARG;
• Fornecer bases para o Etnozoneamento e o Plano de Gestão da TIARG, dedicando
atenção especial às espécies ameaçadas de extinção.
3. METODOLOGIA
Todo o trabalho realizado na TIARG foi planejado e executado conjuntamente entre
o pesquisador não-indígena e pesquisadores indígenas residentes na área, salvo desvios
pontuais acertados de comum acordo. A seguir, são descritos os procedimentos adotados
para este estudo.
272
Foram gastos, aproximadamente, dez dias de coleta de dados no extremo norte (região
do Guamá) e dez dias no extremo sul (região do Gurupi) da TIARG. A metodologia empregada
para o levantamento da mastofauna é descrita a seguir.
3.2.1. Percursos
No Gurupi, as florestas que visitamos tendem a ter baixa altura. Desenvolvem-se sobre
terras planas, baixas, e são sazonalmente invadidas por inundações (igapós). Durante a estação
mais chuvosa, que é a época da cheia, a água cobre grandes extensões do território, deixando
apenas ilhas de floresta a descoberto. Nessa época, enquanto a fauna estritamente terrestre
fica isolada nas porções que escapam à inundação, as populações das espécies se expandem
para aproveitar o pico de frutificação da maioria das árvores, que ocorre concomitantemente
com a estação chuvosa. É a época do ingá, farta para a generalidade dos macacos e outros
frugívoros. Nas semanas em que visitamos a TIARG, a época era de seca, encontrando-se a
enchente apenas no início; por isso, tivemos acesso irrestrito à mata, a pé.
No Guamá, o terreno tende a ser mais elevado e, potencialmente, a floresta é mais alta
que no Gurupi. Para o Sr. Lourival Tembé, um dos entrevistados nesta pesquisa, os trechos bem
conservados do Guamá são tão bonitos quanto as florestas do Gurupi. A trilha São Pedro corta
um terreno ondulante e declivoso, e a fisionomia da floresta não esconde um longo convívio
com o homem. Mesmo assim, em algumas partes, sobretudo de desnível, a floresta está pouco
alterada, é alta e nela vegetam imponentes exemplares de madeira de lei. A vegetação que
envolve a trilha Pinu’a assemelha-se a um capoeirão em estado avançado de regeneração
da floresta original. Grandes extensões são ocupadas por mata baixa e, em alguns trechos
propensos a alagação, muito baixa, com copado de dez metros de altura média, ou menos.
Já quase chegando aos 2.000 m, depara-se com mangueiras e goiabeiras integradas à mata,
testemunhos de uma época em que havia um sítio de colonos por ali.
As florestas da TIARG são bem providas de recursos alimentares importantes para a fauna
cinegética. Em todas as que visitamos, encontramos abundância de palmeiras produtoras de
274
cocos apreciados por diversas espécies herbívoras e onívoras de médio e grande porte, com
destaque para o babaçu, inajá, tucum, bacaba e açaí. A castanheira não foi observada, mas
há riqueza e abundância de diversas outras árvores produtoras de sementes e polpas que
agradam à fauna, como a jarana e o piquiá, do qual há belos representantes, mesmo na trilha
São Pedro. Flores e restos dos frutos produzidos, roídos ou quebrados pela fauna, podem ser
encontrados na área inteira (Figura 116).
Figura 116 - Flor de jarana (A) e frutos da mata apreciados pela fauna silvestre:
gameleira (B), babaçu (C), murumuru e tucum (D). Fotos: Pedro Santos.
Se os recursos alimentares parecem não faltar, o mesmo pode ser dito dos recursos
hídricos (os igarapés abundam na TIARG) e espaciais, cruciais para o refúgio e criação de
proles, pois a floresta é complexa e heterogênea (AUGUST, 1983), não apenas acima do
solo, mas também abaixo dele. O terreno possui muitas covas abertas por tatus, as quais são
aproveitadas por outras formas de vida, incluindo mamíferos.
A impressão geral com que se fica das florestas da TIARG é de ambientes mais ou menos
alterados, mas em recuperação, que oferecem requisitos ecológicos suficientes à persistência
da mastofauna nativa potencial.
Foram feitos em estradas de macadame (terra), dentro e fora da TIARG (não mais
distantes dela que os trevos da Vila CAIP, no Guamá, e da Vila Nova, no Gurupi). Ocorreram
durante o deslocamento entre aldeias, entre aldeias e trilhas e entre a TIARG e as cidades de
Capitão Poço (Guamá) e Paragominas (Gurupi).
3.2.8. Entrevistas
existente na região, tanto na atualidade quanto no passado, e, sempre que possível, fluentes
nas línguas portuguesa e Tembé-Tenetehara. Como em outros estudos etnoecológicos (p. ex.,
PEDROSO, 2002), as entrevistas foram conduzidas de forma que fosse possível manter um
diálogo enfocado nos conhecimentos e otimizar o tempo reduzido de permanência na TIARG.
As questões foram abertas (não restritivas) para dar liberdade para que o interlocutor exprimisse
plenamente os aspectos que lhe parecessem relevantes e para que fosse possível captar, da
melhor forma possível, o universo fenomenológico-conceitual e, em especial, as categorias
perceptivas (cognitivas) do indivíduo e da comunidade. A ponte entre a sistemática biológica
étnica e científica foi facilitada pela exibição de ilustrações de mamíferos da Amazônia em
guias de campo como os de Emmons e Feer (1997), Hunter e Barrett (2011) e van Roosmalen
(2014) (Figura 118).
Figura 118 – Entrevistas realizadas com a comunidade indígena para coletar informações sobre
a mastofauna da TIARG.
277
4. RESULTADOS
4.1. Composição da Mastofauna
Uma lista da mastofauna potencial da TIARG foi elaborada a partir de uma pesquisa
bibliográfica, com destaque para Emmons e Feer (1997) e IUCN (2014), sobre a distribuição
geográfica regional das espécies de mamíferos do Pará (MUSEU GOELDI, 2014). Desta lista, as
espécies que foram confirmadas para a TIARG em levantamentos de campo foram destacadas,
bem como aquelas que não foram, mas cuja presença foi apontada por moradores da TIARG,
em entrevista (Apêndice 8). Pelos motivos expostos na Introdução, apenas os mamíferos
terrestres de grande e médio porte são listados, estando ausentes espécies terrestres de
pequeno porte, voadoras e aquáticas, sendo que a distinção entre estas categorias informais
possui alguma subjetividade, como referido na Introdução.
Tabela 15 - Esforço de amostragem de mamíferos terrestres de grande e médio porte despendido nas
trilhas da TIARG em percursos a pé; e esforço de amostragem usando armadilhas fotográficas em trilhas
e suas imediações (D: levantamento diurno (6:00-18:00); N: levantamento noturno (18:00-6:00); T: total).
Percursos a Pé
Local Duração (hh:mm) Distância Percorrida (m)
T D N T D N
Região do Gurupi 26:58 6:54 20:04 13.200 5.050 8.150
Região do Guamá 18:36 10:47 7:49 12.082 9.545 2.537
Total TIARG 45:34 17:41 27:53 25.282 14.595 10.687
Armadilhas Fotográficas
(armadilhas/hora; hh:mm)*
T D N
Região do Gurupi 280:30 136:30 144:00
Região do Guamá 253:00 120:30 132:30
Total TIARG 533:30 257:00 276:30
*Em cada intervalo, o número de armadilhas/hora equivale ao número de armadilhas ativas multiplicado
pelo tempo de funcionamento. O esforço indicado não corresponde ao esforço real (ver texto).
Figura 119 – Cutia (akuxi, Dasyprocta prymnolopha) e paca (pak, Cuniculus paca) capturadas
por armadilhas fotográficas na trilha Pinu’a, região do rio Guamá.
A pé
Local
Caminhos Mata em geral
(duração - hh:mm) (duração - hh:mm)
T D N T D N
Região do Gurupi 7:13 6:39 0:34 0:55 0:55 0:00
Região do Guamá 6:30 5:50 0:40 - - -
Total TIARG 13:43 12:29 1:14 0:55 0:55 0:00
De carro
Local Estradas dentro da TIARG Estradas fora da TIARG
(duração - hh:mm) (duração - hh:mm)
T D N T D N
Região do Gurupi 2:10 0:00 2:10 0:38 0:13 0:25
Região do Guamá 7:07 5:28 1:39 0:40 0:40 0:00
Total TIARG 9:17 5:28 3:49 1:18 0:53 0:25
T D N
Região do Gurupi 10:33 3:39 6:54
Região do Guamá 0:00 0:00 0:00
Total TIARG 10:33 3:39 6:54
Apesar do esforço reduzido que foi possível investir na amostragem das assembleias de
mamíferos da TIARG, alguns padrões saltam à vista. O porte médio das espécies que frequentam
as florestas do Gurupi é superior ao do Guamá. Isto é patente, sobretudo, nos primatas, grupo
dentro do qual a única espécie corpulenta encontrada no Guamá é o generalista macaco-prego,
280
Acompanhamento de caçadas
Duração Com No de
Data Aldeia Local No Sexo Idade Arma Técnica
(hh:mm) cachorro Disparos
encontro
Igarapé acidental
26/09/2014 Canindé 19:55 - 22:00 1 - - espingarda não 1
Gurupiuna ao navegar
na canoa
Com wNo de
Data Aldeia Local Duração No Sexo Idade Arma Técnica
Cachorro Disparos
Igarapé Canindé,
próx. do caminho c1. 17:00 -
27/09/2014 Canindé 1 M adulto espingarda não perseguição 2
para a trilha, próx. - c. 18:00
à aldeia
*Alguns homens foram atrás dos porcões restantes do bando, sem sucesso. Ninguém se preocupou: "Amanhã, a gente acha eles!" Com efeito, no dia
seguinte, dois animais foram abatidos.
1c – aproximadamente.
281
ao passo que, no Gurupi, deparamos com guaribas e cuxiús, que são também algumas das
espécies mais ameaçadas na TIARG (ver adiante). A assembleia de felinos também parece
estar depauperada no Guamá, onde, por outro lado, o quati, classificado cientificamente como
carnívoro, mas de hábitos onívoros, é frequente em bandos grandes.
As matas do Gurupi são mais ricas em espécies, e esta sugestão, que é dada pelo exame
dos resultados da fauna nas trilhas, é reforçada pelas observações ocasionais de mamíferos e
seus vestígios em outros lugares (Tabela18). Esta tabela revela, ainda, uma distinção que as
trilhas, todas instaladas em floresta fechada, não revelaram: fora delas, nenhuma das espécies
encontradas no Gurupi foi encontrada no Guamá, e vice-versa. As primeiras são espécies de
mata densa; as segundas, a raposa e o tapiti, privilegiam áreas mais abertas e ambientes
alterados, indicando que nos encontramos na proximidade de zonas de vegetação mais rala,
no caso da TIARG, alterada por ação humana.
As abundâncias populacionais parecem indicar uma tendência em sentido oposto: as
espécies que ocorrem no Guamá são relativamente abundantes. Em especial, a frequência de
encontros com cutias foi enorme: na tarde de 7/outubro, na trilha Pinu’a (Guamá), avistamos ou
ouvimos 10 animais em 1.460 m de trilha percorrida, o que resulta em uma taxa de detecção
linear de mais de um (01) animal por 150 m, muito superior à que obtivemos no Gurupi.
Combinando o número de espécies (riqueza da assembleia) e suas abundâncias
populacionais (mais espécies em menor abundância no Gurupi; menos e mais abundantes no
Guamá), resulta uma imagem de diversidade das assembleias de mamíferos bastante superior
nas matas do sul da TIARG, que, como seria de esperar, em face destes resultados, também
apresentam distribuição mais harmônica das espécies por tamanho corporal.
282
Tabela 18 - Mamíferos terrestres de grande e médio porte detectados na TIARG, por região (Guamá, ao
norte, e Gurupi, ao sul) através dos diversos métodos de levantamento biológico aplicados neste estudo.
Ocorrência registrada em: T – levantamentos em trilhas; FT – levantamentos fora de trilhas; O – outras
atividades; U – dados de uso da mastofauna (Seção 4.3). A cor verde indica registro de ocorrência.
A União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN) publica
avaliações do estado de ameaça de extinção das espécies biológicas do mundo inteiro (por exemplo,
IUCN (2016)). De acordo com o estado de conservação na natureza, as espécies são classificadas
em: Criticamente em Perigo (em inglês, “Critically Endangered”), o estado mais grave, das espécies
que enfrentam risco de extinção na natureza extremamente elevado; Em Perigo (“Endangered”), o
segundo estado mais grave, das espécies que, provavelmente, serão extintas em um futuro próximo;
Vulnerável (“Vulnerable”), o terceiro estado mais grave, das espécies que enfrentam elevado risco
de extinção na natureza em um futuro próximo, a menos que as circunstâncias que ameaçam a
sua sobrevivência e reprodução (geralmente, destruição ou degradação dos tipos de ambiente em
que vivem) melhorem. O Brasil e o Pará também têm suas listas oficiais, que, geralmente, usam
as categorias de ameça da IUCN (Brasil (2014); Pará (2008)).
Criticamente ameaçados de extinção a nível estadual, nacional e internacional, o caiarara
(Cebus kaapori) e o cuxiú (Chiropotes satanas), primatas endêmicos, ou quase endêmicos,
do Centro de Endemismo Belém (CEB), são os mamíferos com status de conservação mais
desfavorável na TIARG (Tabela 19). O primeiro desapareceu mesmo da porção mais a norte
(Guamá) e o segundo é raro. Rara também no Guamá é a guariba (Alouatta belzebul) que,
contudo, goza de distribuição nacional mais extensa, tal como o choim (Saguinus niger),
geralmente percebido como abundante na região. Ambos estes primatas recebem o status de
284
ameaça menos grave em nível nacional e internacional e não são considerados ameaçados
no estado.
O tatu-bola (Tolypeutes tricinctus) é ameaçado em nível nacional. Marcadamente
nordestino, parece encontrar, na transição para a Amazônia, o limite ocidental da sua distribuição
(OLIVEIRA; GERUDE; SILVA-JÚNIOR, 2007). O tatu-canastra (Priodontes maximus) e o
tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla) são tidos como vulneráveis à extinção em nível
estadual, nacional e internacional. Parecem ser pouco abundantes no norte da TIARG, mas
são considerados comuns no sul.
Todos os felídeos e canídeos da TIARG são listados como ameaçados de extinção;
porém, na sua maioria, na categoria menos grave. Em geral, os carnívoros não são referidos
como raros pelos habitantes da TIARG e vestígios da atividade de algumas espécies foram
encontrados no Gurupi. A onça-pintada (Panthera onca) e a ariranha (Pteronura brasiliensis)
são consideradas mais abundantes nessa região e alguns carnívoros são reconhecidamente
escassos, mal conhecidos, ou mesmo desconhecidos por alguns Tembé (caso do maracajá-
peludinho (Leopardus tigrinus) e da doninha-amazônica (Mustela africana), o que é natural
tratando-se de predadores, animais de hábitos discretos e situados no topo das pirâmides tróficas.
Em termos de severidade da ameaça à sua conservação, além dos primatas, o grupo de mamíferos
que mais se destaca é o dos ungulados, mais especificamente, a anta e o porcão. O Pará não os lista
como ameaçados, presumivelmente porque as grandes extensões florestais remanescentes do estado
ainda lhes permitem a permanência. No entanto, a vulnerabilidade das suas populações à extinção,
reconhecida nacional e internacionalmente, foi constatada no norte da TIARG, região de onde estas
espécies foram localmente extintas.
285
Tabela 19 – Abundância percebida neste estudo para a Região do Guamá e estado de conservação
oficial dos grandes e médios mamíferos ameaçados que ocorrem na TIARG.
Abundância
Global Brasil Pará
no Guamá1
CINGULATA
Dasypodidae
Priodontes maximus ? VU VU VU
Tolypeutes tricinctus ausente VU EN VU
PILOSA
Myrmecophagidae
Myrmecophaga tridactyla ? VU VU VU
PRIMATES
Callitrichidae
Saguinus niger abundante VU VU -----
Cebidae
Cebus kaapori ausente CR CR CR
Pitheciidae
Chiropotes satanas raro CR CR CR
Atelidae
Alouatta belzebul
raro VU VU -----
(ver Nota no Apêndice 8)
CARNIVORA
Felidae
Leopardus tigrinus abundante VU EN -----
Leopardus wiedii abundante ----- VU -----
Puma concolor ? ----- VU VU
Puma yagouaroundi ? ----- VU -----
Panthera onca presente ----- VU VU
Canidae
Atelocynus microtis raro ----- VU -----
Speothos venaticus presente ----- VU -----
Mustelidae
Pteronura brasiliensis presente EN VU VU
PERISSODACTYLA
Tapiridae
Tapirus terrestris raro VU VU -----
ARTIODACTYLA
Tayassuidae
Tayassu pecari ausente VU VU -----
1
Abundância na Região do Guamá: localizada no norte da TIARG. Fonte – moradores da TIARG
(apenas a região do Guamá é referida, já que todas as espécies que ocorrem na TIARG parecem ocorrer
no Gurupi, região sul da TIARG).
Estado de conservação: CR – Criticamente em Perigo; EN – Em perigo; VU – Vulnerável. Âmbito
geográfico - Global: IUCN (2016); Nacional: Brasil (2014); Estadual: Pará (2008).
286
Figura 120 – Mamíferos silvestres mantidos em cativeiro como animais de estimação pelos Tembé
(Cajueiro, Gurupi, TIARG): veados branco e vermelho (mahaw, Mazama gouazoubira; e arapuha piràg,
M. americana); quati (kwaxi, Nasua nasua); e guariba (wariw, Alouatta belzebul).
A arma de caça mais usada pelos Tembé é a espingarda, de vários calibres. Também
usam flecha, sobretudo os mais velhos e também os mais novos, quando a munição falta.
Qualquer um dos tipos de arma pode matar qualquer tipo de caça.
Mesmo que não nos tenhamos dedicado sistematicamente ao registro da chegada de
animais caçados nas aldeias (também por estarmos ausentes a maior parte do dia, envolvidos
em outras atividades), testemunhamos, todos os dias, pelo menos um evento de caça, fosse
287
pelo avistamento de algum animal abatido, ou por relatos, ou por algum outro motivo. Disparos
de espingarda também pontuaram os dias.
A caça pode ser de dois tipos: (1) planejada, como a caça de espera em “amoitá”, debaixo
de árvores em frutificação, e a caça de perseguição com cachorro; e (2) oportunística, como a
caçada ao porcão e o abate de jacaré que tivemos a oportunidade de acompanhar, a poucas
centenas de metros da aldeia Canindé (Figura 121).
Quando os Tembé falam de caça, pensam em mamíferos. Os alvos favoritos são ungulados
e roedores grandes, em especial, anta, porcão, veados e paca, como é comum em outras partes
da Amazônia. No entanto, mesmo animais menores, como aves e quatipurus (Guerlinguetus,
Sciuridae), podem ser caçados e consumidos (Apêndice 10). Gostam de variar a caça: “Queremos
comer veado, vamos matar um veado; queremos comer macaco, vamos atrás de macaco;
queremos comer peixe, vamos atrás de peixe. Os brancos não gostam de variar de comida e
de restaurante? Nós também!”.
Segundo os habitantes da aldeia Canindé e cercanias, quase todas as espécies de grandes
e médios mamíferos ocorrem não muito longe do povoado. Tatus, cutias, pacas e veados
surgem frequentemente perto das casas (Figura 122). Nesta pesquisa, houve a oportunidade
de constatar isso por observações na trilha e no Igarapé do Gurupiuna, bem como durante a
participação na caçada ao porcão (Tabela 20) e durante as refeições compostas por caça. No
entanto, para encontrar anta, por exemplo, é necessário se afastar cada vez mais das aldeias,
de acordo com os indígenas.
288
Figura 122 – Mapa conceitual e detalhe da região marginal do rio Gurupi, no seu trecho mais
oriental dentro da TIARG, incluindo a aldeia Canindé, marcos geográficos e fauna cinegética
existentes nas imediações. Artista: Jailton Carneiro Tembé (Canindé, 2014).
A fauna cinegética parece ser mais escassa na região da aldeia Cajueiro, ainda no setor
Gurupi, mas, mesmo lá, observamos diversos vestígios de anta e obtivemos relatos de abate de
animais desta espécie perto da aldeia. Todos os dias, ou quase, chegou caça, se não sempre
anta ou porcão, pelo menos, alguma paca, veado, ou catitu. No primeiro dia em Cajueiro, uma
voadeira com alguns homens e espingardas a bordo saía para o rio. Indagados, disseram que
iam caçar jacaré e não precisariam ir muito longe.
A escassez de peças de caça valorizadas é certamente o caso na região do Guamá,
ao norte da terra indígena. Aqui, a anta praticamente desapareceu; é tão rara, que diversas
pessoas referiram que um dado animal (provavelmente, o mesmo indivíduo) tinha sido detectado
na metade deste ano. Se a anta é escassa, o porcão foi mesmo extinto do norte da TIARG.
O Sr. Lourival Tembé, Cacique Geral da TIARG, tem hoje 75 anos de idade e é referência
quanto ao conhecimento da biodiversidade, usos, costumes e história da região. Conta que, em
criança, não havia invasões. Já o pesquisador indígena da Mastofauna, Otávio, tem 42 anos
e convive com invasões desde que se entende por gente. Podemos, assim, tentativamente,
situar no terceiro quarto do século passado o momento em que os primeiros marreteiros
chegaram de barco e se estabeleceram na região. Segundo o Sr. Lourival, os coureiros, ou
gateiros, caçadores que matavam todo o tipo de animais, indiscriminadamente, para iscar
armadilhas para felinos, chegaram depois, o que concorda com o fato conhecido de que foi
também no terceiro quarto do século que a atividade dos coureiros atingiu proporções tais que,
alegadamente, levou à promulgação da Lei de Proteção à Fauna (BRASIL, 1967), que passou
a coibir praticamente todos os usos da fauna silvestre no Brasil (OJASTI, 1984; SMITH, 1976,
1978). Após isso, vieram madeireiros, brancos (karaiw) oriundos sobretudo da região de Viseu,
explorando cedro (cedreiros). Invadiram todas as regiões da TIARG e deram ao rio Kurupir
Ziwa (braço do Curupira) o nome de Coraci-Paraná.
A terra envolvente do Kurupir Ziwa era habitada por índios Ka’apor que moravam em
aldeias e conviviam pacificamente com os Tembé. Foram morrendo com doenças de branco
289
(sarampo, catapora), ficaram receosos e mudaram para o Maranhão, onde hoje fica a Terra
Indígena Alto Turiaçu. À medida que os Ka’apor iam saindo, os brancos iam se fixando cada
vez mais, e, ainda hoje, moram lá, vivendo num modo de subsistência. Cortaram a mata toda,
extinguiram comercialmente o ipê/pau-d’arco, e hoje praticamente só existe pastagem. Quando
Lourival era criança, a área que atualmente corresponde à TIARG era revestida apenas por
mata. A caça e a pesca eram igualmente abundantes e os Tembé matavam só um ou outro
animal para comer. Caçavam unicamente com flecha. Apenas quando Lourival tinha por volta
de 20 anos, começaram a usar espingarda:
5. DISCUSSÃO
5.1. A Mastofauna da TIARG no Contexto Regional
preás (Galea spixii, informação de Jailton Tembé). Certamente, o desmatamento terá moldado
estas paisagens contrastantes, mas a aproximação do limite oriental da floresta contínua (ou
quase) amazônica também poderá estar exercendo sua influência.
Como era esperado, os Tembé reconhecem mais formas e atribuem mais nomes diferentes
a animais grandes, que conhecem melhor e são mais importantes para eles, por lhes serem úteis
ou prejudiciais, pelo menos, potencialmente. Assim, geralmente, referem tipos distintos, como
acertadamente é costume que lhes chamem, de ungulados e grandes felinos, desdobrando
os nomes científicos em diversos nomes comuns, mas diferenciam poucos tipos de morcegos,
pequenos roedores e marsupiais, juntando uma miríade de espécies cientificamente válidas
em alguns poucos grupos. Admitimos que, em alguns casos, a ciência venha a validar aquelas
designações, como vem sucedendo nos últimos anos. Em outros casos, parecem quebrar a
variação morfológica, etária e sexual normal das espécies científicas em tipos distintos, e é
nestes casos que a consistência nomenclatural diminui. Por exemplo, há quem diga que há
duas guaribas (uma, toda preta, outra, com partes ruivas), enquanto que outros afirmam que
o mesmo tipo de guariba inclui indivíduos negros e outros avermelhados.
Apesar de pescarem bastante, sobretudo com rede malhadeira, os Tembé são um povo
de caçadores. Muitos caçam todos os dias e a espingarda a tiracolo é uma visão e companhia
onipresente na TIARG. Não há dia em que não se ouça alguns tiros, na aldeia, no rio ou na
mata, ou algum animal grande ou pequeno não seja abatido. Jailton e Otávio mostraram
armadilhas para tatu, cutia e paca que fazem dispondo espingardas sem coronha no caminho
dos animais, a poucos minutos da aldeia, no inverno.
A mastofauna silvestre é de suma importância para a subsistência e cultura dos Tembé e é
de esperar que a população humana exerça e, talvez, sobretudo, tenha exercido, num passado
recente, um impacto moderado a forte sobre ela. No entanto, pelo que pudemos perceber, os
principais danos à mastofauna têm sido causados por pessoas estranhas às tradições da etnia.
Esse impacto é evidente no Guamá, que nos apresenta uma fauna empobrecida em
mamíferos de grande e médio porte, dominada por espécies generalistas. Mesmo assim, conta
291
com diversos ungulados e grandes roedores, que são espécies valorizadas pela população da
TIARG e da Amazônia em geral. A pobreza em espécies encontra contrapartida na abundância
daquelas que, por terem taxa reprodutiva elevada, tempos de gestação curtos e serem onívoras,
entre outros aspectos da sua bioecologia, se adaptaram à destruição e descaracterização das
florestas da parte norte da TIARG e à pressão de caça exercida no passado. Estas espécies,
que hoje habitam estes ambientes alterados, aparentemente, ocuparam partes dos nichos
ecológicos potenciais das restantes, num processo de substituição ecológica e desestruturação
trófica da assembleia de mamíferos, possivelmente promovida pela escassez de felinos e outros
predadores, de que não encontramos vestígios (TERBORGH et al., 2001). Estas espécies
adaptáveis são as cutias, os morós, os catitus e, podemos arriscar incluir no grupo também, a
paca e os veados, pelo menos o branco. Todas são apreciadas ou, pelo menos, aceitáveis para
consumo e de abate relativamente fácil. A caça ainda acontece com relativa facilidade, apesar de
ser necessário o deslocamento a áreas cada vez mais distantes para encontrá-la, como, aliás,
também acontece em trechos do Gurupi para espécies mais sensíveis, nomeadamente, a anta.
No Gurupi, a mata apresenta maior integridade. Aqui, o impacto humano revela-se baixo
e deve-se, sobretudo, aos próprios Tembé, que exploram a floresta desde tempos imemoriais e
sabem como fazê-lo. Ainda é possível encontrar espécies criticamente ameaçadas de extinção
(ver adiante) na vizinhança imediata das aldeias (Tabela 21), mesmo apesar de, ocasionalmente,
essas espécies poderem sofrer a ação direta das pessoas, nomeadamente, através da caça
(Apêndice 10, linhas 2 e 10). A persistência de espécies de mamíferos silvestres vulneráveis à
pressão de caça, como primatas e a anta, perto de comunidades humanas, por si só, já indica
que, aos níveis em que está sendo praticada, o seu impacto não é muito preocupante.
Como acontece de forma frequente na TIARG, o impacto mais preocupante é o decorrente
da atividade madeireira, que, ao contrário da caça, não subtrai da floresta um ou outro indivíduo
de diversas espécies, mas destrói ou degrada o habitat da comunidade ecológica inteira. Na
floresta amazônica, as populações humanas tendem a concentrar-se nas margens dos cursos
de água e, mais recentemente, na beira das estradas. As enormes extensões de floresta
contínua, ou quase, funcionam como uma fonte geradora de fauna que, ao dispersar, pode
ser aproveitada pelas comunidades humanas sem afetar as populações de fauna silvestre das
regiões mais remotas, podendo, até, fomentar o seu crescimento (PULLIAM, 1988). É possível
que o centro da porção sul da TIARG possa ainda estar funcionando como tal fonte, mas,
numa paisagem fragmentada, poderá deixar de sê-lo se a atividade madeireira se embrenhar
no centro da mata cada vez mais. Felizmente, a tendência parece ser outra.
Brasil. Descrito cientificamente há pouco mais de vinte anos, não há registros históricos de sua
ocorrência e os contatos de pesquisadores com ele são muito escassos (José de Souza e Silva
Jr., com. pess., 2014). A sua bioecologia é extremamente mal conhecida e a informação da sua
preferência por ambientes alagadiços que nos foi referida na TIARG contrasta diametralmente
com os poucos dados da literatura (SILVA-JÚNIOR; QUEIROZ, 2008), se bem que ambas as
fontes concordem em outros aspectos, como a sua frequente associação com o macaco-prego.
Dos primatas diurnos que ocorrem na TIARG, o caiarara é o único que nós não detectamos
em campo; restam poucas dúvidas de que seja raro na TIARG. No Guamá, Otávio Tembé,
pesquisador indígena da mastofauna que reside na região, só viu alguns indivíduos quando era
mais novo; Pyahu Tembé, morador da Sede, mais jovem que Otávio e que nos acompanhou
num percurso na trilha Pinu’a, tendo revelado ser bom conhecedor da mata, nunca viu caiararas.
Mesmo no Gurupi, aparece pouco na região do Cajueiro e mesmo na de Canindé, onde,
alegadamente, antes se via perto das aldeias e na beira dos rios. Se bem que o Cacique de
Canindé, Valdevino Tembé, assegure que aparece nas imediações do caminho que leva à trilha,
perto da aldeia. Jaílton especula que os animais possam ter ficado mais ariscos e procurado
refúgio em regiões mais centrais da mata. Julgamos até possível que a referida discordância
entre algumas informações prestadas pelos Tembé e a literatura científica sobre os ambientes
ocupados pela espécie resulte de eventuais alterações das suas preferências de habitat em
resposta a pressão antrópica, direta ou indireta.
Os entrevistados afirmam que, tradicionalmente, o caiarara nunca é caçado, mas restaram
dúvidas sobre se isso se deve a alguma decisão consciente ou à sua escassez, “timidez” e/
ou confinamento a ambientes muito específicos, possivelmente agravado pela expansão da
população humana. A caça tradicional pode não o afetar, mas alguns dos moradores que
chegaram à parte sul da TIARG nas últimas décadas caçam-no, pelo menos, oportunisticamente.
Considerações acerca da sua abundância à parte, todos os primatas ameaçados da
TIARG comungam o fato de ter distribuição geográfica reduzida, sobretudo, o caiarara e o cuxiú.
Por si só, este fato já suscita preocupação, ainda mais sabendo que as taxas de destruição e
degradação da floresta mais alarmantes da Amazônia ocorrem aqui.
Não se encontrando particularmente ameaçados de extinção a nível nacional e internacional,
a anta (Tapirus terrestris) e o porcão (Tayassu pecari) são muito sensíveis à pressão de caça,
sobretudo em cenário de descaracterização da paisagem e degradação ambiental. Tal como
o cairara, o cuxiú e a guariba, parecem ter sido total ou praticamente extintos na região norte
da TIARG.
O tatu-canastra (Priodontes maximus) e o tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla)
não são caça apreciada pelos Tembé. O tatu-bola (Tolypeutes tricinctus), típico da caatinga,
tem sido encontrado no cerrado maranhense em anos recentes (OLIVEIRA; GERUDE; SILVA-
JÚNIOR, 2007), podendo, ao mesmo tempo, sofrer com alterações do habitat e se beneficiar
do desmatamento em diferentes locais das paisagens altamente fragmentadas da Amazônia
oriental, assim expandindo e contraindo, simultaneamente, sua área de distribuição regional,
com a consequente percepção de processos de extinção e ressurgimento local pelos Tembé.
Os carnívoros são, talvez, os vertebrados que sofrem o efeito de maior número de fatores
adversos à continuidade da presença nos ambientes naturais, seja diretamente − já não pela
294
caça comercial, amplamente reduzida nas últimas décadas, mas por conflitos com o homem,
resultantes da percepção de ameaça à sua segurança e dos seus animais domésticos − ou
indiretamente, pela fragmentação do habitat e redução das populações das suas presas.
Quase todos os carnívoros da TIARG são ameaçados ou, pelo menos, vulneráveis à extinção.
A ariranha (Pteronura brasiliensis) é considerada a espécie mais ameaçada (Tabela 19).
Diurna, gregária, ruidosa e de pelagem outrora muito cobiçada, sofreu forte declínio no tempo
dos coureiros, mas atualmente repovoa diversas regiões da Amazônia. Não a avistamos, mas
não houve oportunidade de lhe dedicar esforço especial. Alegadamente, ainda é abundante
no Gurupi e seria mais escassa, ou estaria mesmo ausente, no Guamá. Tal como em relação
à maioria dos carnívoros restantes, não é costume dos Tembé molestar estes animais, apesar
do fato de, por vezes, rasgarem malhadeiras de pescadores.
As melhores oportunidades de promover a conservação dos grandes mamíferos podem
ser encontradas no designado Corredor Ecológico do Vale do Gurupi, de que a TIARG faz
parte (ALMEIDA; VIEIRA, 2010). Diversos moradores da TIARG opinam que a Terra Indígena
Alto Turiaçu, contígua à TIARG, localizada no Maranhão, é mais abundante em fauna, em
especial, primatas, e abriga maiores populações de caiarara. Silva-Júnior e Queiroz (2008)
não mencionam o Turiaçu, mas as Terras Indígenas recebem pouca atenção no livro em que
o seu artigo foi publicado, mais dedicado à ocorrência em Unidades de Conservação.
A TIARG é a área protegida mais setentrional do Corredor Ecológico do Vale do Gurupi. Pela
sua forma e paisagem e pressões circundantes, é muito vulnerável às ameaças à conservação da
biodiversidade. No entanto, se a gestão ambiental for favorável, pode constituir uma importante
ponta de lança para a dispersão e consolidação da mastofauna ameaçada de extinção. Além
disso, é a única área do Corredor instalada no estado do Pará, o que lhe confere relevância
estratégica, já que pode constituir um refúgio para esta e outras espécies, especialmente,
endêmicas, em face de eventuais decisões e tendências políticas desfavoráveis à conservação
da biodiversidade no estado vizinho.
6. RECOMENDAÇÕES DE GESTÃO
O maior desafio à expansão da fauna e, em especial, das espécies mais tímidas, parece
ser conseguir atravessar a matriz menos florestada do centro da TIARG para ganhar as matas do
Guamá. Apesar dos contratempos, os Tembé parecem estar retomando o controle de extensões
progressivamente maiores do seu território. A recente retomada da Fazenda Piriá, do Grupo
295
Mejer Agroflorestal, poderá constituir uma oportunidade soberana para a reconquista do Guamá
pela mastofauna. Imagens de satélite da TIARG revelam manchas (“ilhas”) de floresta fechada
em meio à pastagem na região onde a fazenda se insere, aparentemente tão densa quanto as
porções melhor conservadas do Gurupi. Moradores da TIARG afirmam que, pelo menos uma
delas, abriga uma população saudável de anta e “todos os outros animais”, alguns dos quais
são tão importantes como dispersores de sementes e agentes de outros processos ecológicos
e para a subsistência das populações humanas. Se essas manchas de floresta passarem a ser
controladas pelos Tembé, eles poderão gerir a paisagem de formas que propiciem a migração
desses animais de dentro desses blocos e sua movimentação interna na TIARG, criando ou
promovendo o surgimento de corredores de vegetação densa. Seria como que um Corredor
Ecológico do Vale do Gurupi em miniatura, mais facilmente gerenciável.
A retomada da fazenda referida é apenas um exemplo importante e urgente da principal
recomendação de gestão: a promoção da conectividade entre as manchas de floresta densa que
facilite: a mistura da fauna das diversas regiões da TIARG; a dispersão das espécies em risco
de extinção e de outras espécies sensíveis à caça e às alterações ambientais, principalmente,
os primatas e a anta; o retorno de outras que percebem o ambiente em grande escala, em
especial, o porcão.
Propomos que, enquanto a floresta regenera, os Tembé se abstenham de caçar animais
destas espécies no Guamá e na metade norte da TIARG, onde a pressão humana é maior e a
vegetação se encontra mais degradada. Se não o fizerem, estarão subtraindo indivíduos das
populações que pretendem restaurar e afugentando outros, dificultando o estabelecimento de
um número de indivíduos reprodutores adequado na área em recuperação.
Não consideramos que a caça, aos níveis em que ocorre na atualidade na TIARG, esteja
afetando as populações de mastofauna silvestre gravemente. Porém, esses níveis devem ser
monitorados, e as populações faunísticas, também, concomitantemente. Avaliar a saúde das
populações de mastofauna é tão complexo que mais que um indicador e, de preferência, mais
que um método, deve ser aplicado (ROBINSON; REDFORD, 1991). Nos últimos anos, diversas
iniciativas de monitoramento de fauna por populações tradicionais têm sido implementadas. Um
técnico em ecologia e manejo de fauna silvestre poderia treinar e acompanhar os pesquisadores
indígenas da mastofauna ou outras pessoas na execução desta tarefa.
8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Apêndice 8 – Mamíferos terrestres de grande e médio porte que potencialmente ocorrem na TIARG, com base em pesquisa bibliográfica, e que foram registrados na
TIARG em levantamento de campo e entrevistas realizadas com moradores. Esta lista foi adaptada da lista de espécies de mamíferos do Pará (MUSEU GOELDI,
2014), sendo que o arranjo taxonômico dos primatas segue Museu Goeldi (2014) e o dos demais grupos segue National Museum of Natural History (2014). Os
nomes comuns em português e na língua Tembé-Teneteharaforam informados por moradores da TIARG durante as entrevistas.
Classificação Taxonômica Nome em Português usado na TIARG Nome na Língua Tembé-Tenetehara Local / Tipo de Registro*
Classificação Taxonômica Nome em Português usado na TIARG Nome na Língua Tembé-Tenetehara Local / Tipo de Registro*
Classificação Taxonômica Nome em Português usado na TIARG Nome na Língua Tembé-Tenetehara Local / Tipo de Registro*
Tayassu pecari*** porcão: porcão, porcão-de-queixo-branco, queixada: tazahu hu, t. pihun, mutàg ixig; Gur (FT-Vest-Dia) v; r; (FT-
porco-do-mato, queixada; porcão-tiririca porcão-tiririca: t. kamutàg, kamutag’i Cat)
Cervidae
Mazama americana*** veado-vermelho/mateiro/capoeira: v.-v.- veado-vermelho: arapuha piràg, a. pong; Gur/Can (T-Aud-Noite) 1
embaúba; v.-v.-da-canela-preta; veado- v.-v.-embaúba: a. p., ama’iw / ha ma yw; Gur/Caj (T-Vest-Dia) r; (FT-
galheiro/-do-chifre-encoirado; veado- v..-v.-da-canela-preta: a. p. tymà pihun; Cat)
vermelho-”mesmo” (“verdadeiro”) v.-galheiro: arapuha hu; v.-v. “mesmo” Gua/Pin (T-Vest-Dia) 1p
(“verdadeiro”): a. p. ahi/ate
Mazama gouazoubira*** veado-branco: veado-branco apenas; mahaw Gua/Pin (T-Vis-Dia) 1; (T-Vest-
veado-da-cara-pintada Dia) m
Gua/SPed (T-Vis-Noite) 1;
(T-Aud-Noite) 1
Gur/Caj (FT/Cat) n
Mazama nemorivaga veado-sapopema mahaw xapupem, wirapupem Bibliogr/Entr
*Todas as espécies da lista foram apontadas como presentes na TIARG por pelo menos um morador da reserva, com exceção de Mustela africana. Espécies cuja
coluna de Tipo de Registro indica apenas “Bibliogr” e/ou “Entr” não foram observadas durante os trabalhos de campo realizados neste estudo; **A atribuição de
nomes comuns Tembé às espécies de tatu não foi consistente entre os entrevistados; ***Percebido como um conjunto de formas distintas pelos entrevistados: pode
corresponder a mais de uma espécie biológica em escrutínio científico no presente ou no futuro; neste trabalho, tratamos todas as guaribas da TIARG como A.
belzebul, que consideramos ser a mesma forma biológica do nordeste do Brasil (VEIGA; KIERULFF; DE OLIVEIRA, 2008; ver também: de Oliveira e Kieruff ( 2008)).
1
Pode ser vestígio de Puma concolor ou Panthera onca;
Gua – região do Guamá, ao norte da TIARG; Gur – região do Gurupi, ao sul da TIARG; Pin – aldeia Pinu'a; SPe – aldeia São Pedro; Can – aldeia Canindé; Caj – aldeia
Cajueiro; T – registro obtido nas trilhas abertas para este estudo nas matas da TIARG; FT – registro obtido fora das trilhas (caminhos nas aldeias; rios e igarapés;
estradas; outras matas); Vis – detecção visual de (grupos de) animais; Aud – detecção auditiva de (grupos de) animais; AF – detecção por armadilha fotográfica;
Vest – detecção de vestígios da atividade de (grupos de) animais: m – marca produzida por dentes, garras ou chifres em árvore; p – pegada; pl – pelo; r – rastro
(conjunto de pegadas); rev – solo revirado; f – fezes; b – buraco usado para esconder alimentos; al – resto de alimentos; v – vereda; Est – espécies criadas como
animais de estimação; Cat – espécies mantidas em cativeiro; Números – número total de detecções de animais individuais; números entre parênteses – tamanhos
de grupos; c – número estimado; n – número indeterminado. Bibliog – espécie que não foi observada na TIARG, mas que possui ocorrência potencial para a área
da TIARG, de acordo com pesquisa bibliográfica (EMMONS; FEER; 1997; IUCN, 2014); Entr – espécie que não foi observada na TIARG, mas que possui ocorrência
potencial para a área da TIARG, com base em entrevistas realizadas com os moradores da reserva.
303
304
Apêndice 9 – Animais mantidos em cativeiro ou que são usados com fins medicinais na TIARG (cf.: a confirmar; M:
macho; estimação: animal de estimação).
Espécie Espécie
Local Número/ Tipo de Forma Parte Tipo de
(nome (nome Sexo/ Idade¹ uso de uso usada registro
(Aldeia)
científico) comum)
Lontra
longicaudis/
Canindé lontra/ariranha 1 pesca trabalho - relato
Pteronura
brasiliensis¹
Leopardus
Canindé maracajá 1 estimação - - relato
pardalis/wiedii¹
fica no
Canindé Sapajus apella macaco-prego 1 jovem estimação - observação
terreiro
Mazama fica no
Cajueiro veado-branco 1 M jovem estimação - observação
gouazoubira terreiro
fica no
Cajueiro Nasua nasua coati 1 jovem estimação - observação
terreiro
Alouatta fica no
Cajueiro guariba 1 M jovem estimação - observação
belzebul terreiro
fica no
Cajueiro Tayassu pecari porcão 2 jovens estimação - observação
terreiro
São fica no
Pecari tajacu catitu 1 adulto cf. estimação - observação
Pedro cercado
CAPÍTULO 7
ESPÉCIES AMEAÇADAS NA TERRA
INDÍGENA ALTO RIO GUAMÁ: UMA
ÁREA DE ALTA IMPORTÂNCIA
PARA A CONSERVAÇÃO DA
BIODIVERSIDADE NA AMAZÔNIA
1. INTRODUÇÃO
A perda de habitat causada por atividades humanas, tais como desmatamento, queimadas,
extração seletiva de madeira, etc., é a principal ameaça à biodiversidade na Amazônia. Uma
das estratégias mais eficazes para conter a devastação ambiental e a perda de biodiversidade,
protegendo espécies e seus habitats, é a criação e gestão de áreas protegidas: as unidades de
conservação e as terras indígenas. No caso das terras indígenas, o objetivo básico é assegurar
a sobrevivência de povos tradicionais e de seu modo de vida para as atuais e futuras gerações.
Na prática, elas também desempenham um papel importante na conservação das florestas.
Vários estudos apontam estas áreas como espaços eficazes na contenção da destruição e/ou
degradação de habitats florestais na Amazônia (NEPSTAD et al., 2006; MARTINS et al., 2012).
A Terra Indígena Alto Rio Guamá (TIARG), objeto do presente estudo, localiza-se na
mesorregião nordeste do Estado do Pará, uma das mais devastadas de toda a Amazônia. Esta
região integra, juntamente com a porção oeste do estado do Maranhão, o chamado Centro de
Endemismo Belém (CEB). Mais precisamente, o CEB compreende 243.753,18 km2 que têm
seus limites sul e oriental coincidindo com o bioma amazônico; o oceano atlântico, ao norte;
os rios Araguaia e Tocantins ao sul e sudoeste; e a baía de Marajó a noroeste (ANJOS, 2010).
Os centros de endemismo da Amazônia podem ser definidos como “unidades operacionais”
estabelecidas com base em estudos sobre a distribuição das espécies e, em geral, seguem a
configuração delineada pelos grandes rios da região (SILVA et al., 2005). Apesar de estarem
inseridos no grande bioma amazônico, os centros de endemismo distinguem-se uns dos outros
por concentrarem um grande número de espécies com distribuições restritas (só ocorrem naquela
área específica), indicando que apresentam características biogeográficas peculiares e distintas.
Portanto, possuem alta importância científica e são considerados a base para a formulação de
hipóteses sobre os processos que levaram à formação da biota da região Amazônica (ALMEIDA
et al., 2014; CRACRAFT, 1985; 1994; MORRONE, 1994; MORRONE; CRISCI, 1995, apud
SILVA et al., 2005) e, como tal, devem ser considerados espaços geográficos prioritários para o
planejamento e implantação de ações de conservação (SILVA et al., 2005; GARDA et al., 2010).
Oito centros de endemismo foram definidos para a Amazônia (SILVA et al., 2005). Dentre
eles, o CEB é o que se encontra mais ameaçado devido ao histórico de ocupação das frentes
pioneiras na região (ver Capítulo 1 deste livro). Cerca de 70% de sua cobertura florestal original
já foram desmatados (ALMEIDA et al., 2014), contribuindo para a formação de um cenário
onde se observa um conjunto de fragmentos florestais de diferentes tamanhos isolados entre
si por grandes áreas degradadas (Figura 123). O pouco que resta da biodiversidade de floresta
primária se concentra, justamente, nas poucas unidades de conservação e terras indígenas
(cerca de 20% do território), além das áreas de reserva legal das numerosas propriedades
privadas da região.
310
Figura 123 – Localização da Terra Indígena Alto Rio Guamá no Centro de Endemismo Belém,
com a classificação do uso da terra e da cobertura vegetal.
Ainda que a TIARG possa ser considerada uma área relativamente bem preservada
quando comparada com o restante da região nordeste do estado do Pará, observa-se que
toda a sua porção setentrional e boa parte da porção central apresentam grande incidência
de áreas desmatadas (Figura 123; ver também Figura 14, Capítulo 1) e com possibilidade de
estarem degradadas em decorrência das invasões ocorridas na área e das atividades ilegais
a elas relacionadas, principalmente abertura de estradas; queimadas para estabelecimento
de plantios, pastos e edificações; exploração de madeira; e captura de animais silvestres para
o tráfico e para a venda de carne em mercados clandestinos. Além disso, mesmo na região
mais preservada, ao sul da terra indígena, a exploração de madeira e a caça têm sido intensos,
havendo relatos recentes de que os animais usualmente caçados pelos indígenas já não são
tão abundantes na área quanto antes (Waldeci Tembé, com. pess.).
Em 2008, o Governo do Pará reconheceu, por meio do Decreto nº 802 de 20/02/2008, a
“Lista das Espécies da Fauna e Flora Silvestres Ameaçadas de Extinção no Estado do Pará”
(SEMA, 2008). A primeira Lista Vermelha da região amazônica identificou um total de 181
311
espécies ameaçadas, classificadas em três categorias, do mais alto para o mais baixo grau
de ameaça: Criticamente em Perigo (CR – 13 espécies); Em Perigo (EM – 47 espécies); e
Vulnerável (VU – 121 espécies).
Embora o CEB seja o menor dentre os oito centros de endemismo da Amazônia, seu
estado de conservação é tão crítico que boa parte das espécies da lista vermelha do Pará tem
sua área de ocorrência compreendida, em parte ou exclusivamente, no CEB. É o caso, por
exemplo, de duas espécies de macacos classificadas na categoria de criticamente ameaçadas:
o macaco-caiarara (Cebus kaapori) e o cuxiú-preto (Chiropotes satanas), que ocorrem apenas
na região do CEB. Ambos, entre outras espécies ameaçadas, foram registrados por especialistas
na TIARG (ver Capítulo “Flora e Fauna”, subcapítulos Aves e Mamíferos, neste livro).
Considerando: (1) o cenário de devastação do CEB; (2) as florestas relativamente bem
preservadas ainda existentes na região sul da TIARG e a biodiversidade a elas associadas; (3)
as espécies ameaçadas que foram registradas ou que possuem ocorrência esperada para a
terra indígena; e (4) o grau de ameaça (pressões antrópicas) existente sobre a área, a TIARG é
apontada como prioritária para a implantação de ações de conservação, tanto em nível estadual
(ALBERNAZ; ÁVILA-PIRES, 2009), como em nível nacional, sendo considerada pelo Ministério
do Meio Ambiente como área de prioridade “Extremamente Alta” (MMA, 2007; Figura 124).
Com o intuito de estabelecer ações para a proteção e conservação das espécies listadas
em categorias de ameaça no Estado, a então Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Pará
(SEMA-PA) criou, em 2009, o projeto “Proteção das Espécies da Flora e Fauna Ameaçadas
de Extinção no Estado do Pará”, direcionando esforços deste projeto sobre a TIARG, cujos
resultados são apresentados neste capítulo.
Muitas atividades inerentes à cultura indígena envolvem o uso de recursos provenientes da
fauna ameaçada, como a caça de subsistência, o artesanato, os rituais e atividades recreativas,
dentre outras. Estas atividades, quando realizadas de forma manejada e monitorada, não devem
constituir risco real à fauna ameaçada que, no caso do CEB, possui ocorrência restrita aos
poucos fragmentos florestais da região. Portanto, todas as propostas de manejo relacionadas
a espécies devem priorizar o respeito à cultura e às tradições indígenas e, ao mesmo tempo,
utilizar de diálogo para que os indígenas sejam parceiros e protagonistas nas ações voltadas
à sua conservação. Assim, deve-se, também, levar em conta formas de manejo intrínsecas à
cultura indígena que porventura possam estar sendo praticadas de forma tradicional, buscando
alternativas para os casos em que as espécies estejam correndo risco real de desaparecer
na área, sempre visando à sustentabilidade desses recursos, ou seja, à garantia de sua
disponibilidade para as gerações presentes e futuras.
Considerando a dificuldade em realizar levantamentos de campo detalhados na
Amazônia, que envolvam pesquisadores especialistas nos diversos grupos da fauna e da flora
e, principalmente, como forma de valorizar o saber indígena, sensibilizando-os e aproximando-
os das questões relativas à conservação de suas terras, os etnolevantamentos tornam-se
instrumentos importantes para coleta de dados junto aos povos indígenas, tendo sido aplicado
no presente estudo.
2. OBJETIVO GERAL
O objetivo geral deste estudo foi realizar um levantamento etnobiológico junto aos
indígenas da TIARG, a fim de obter a indicação de ocorrência, na terra indígena, de espécies
da fauna que se encontram ameaçadas de extinção de acordo com a lista do Estado do Pará
(SEMA, 2008), principalmente para aquelas que ainda não foram registradas em estudos de
campo realizados na área ou em seu entorno.
3. METODOLOGIA
3.1. Seleção das Espécies Alvo
A ocorrência das espécies ameaçadas no CEB foi prevista com base em mapas de
distribuição das espécies ameaçadas no Pará, contidos em Albernaz e Ávila-Pires (2009). No
total, foram investigadas 41 espécies, sendo que três encontram-se “Criticamente em Perigo”
(7,3%), 22 (53,7%) “Em Perigo” e 16 (39%) espécies estão na categoria “Vulnerável”. Entre
essas espécies, estão incluídas aranhas, borboletas, anfíbios, répteis, aves e mamíferos. No
caso dos peixes, ausentes na investigação, há apenas seis espécies ameaçadas de água
doce, com área de distribuição na bacia do rio Tocantins, limite leste do CEB. Porém, elas
estão restritas a esta bacia (SILVEIRA; STRAUBE, 2008), não havendo registros em outras
partes deste centro de endemismo. Portanto, não têm ocorrência prevista para a sub-bacia
hidrográfica do rio Gurupi, onde a TIARG está inserida, e não foram incluídas na análise. São
elas: Aguarunichthys tocantinsensis, Sartor tucuruiense, Crenicichla cyclostoma, Crenicichla
jegui, Teleocichla cinderella e Mylesinus paucisquamatus. O peixe-boi-amazônico (Trichecus
inunguis), mamífero aquático de água doce, ocorre no CEB, mas não tem ocorrência esperada
para os rios que abastecem a TIARG. Contudo, mantivemos esta espécie na investigação a fim
de testar a sensibilidade dos indígenas na indicação da ocorrência das espécies ameaçadas
na terra indígena.
314
Os trabalhos de campo para coleta de dados foram realizados entre os dias 26/09 e
06/10/2012 e entre 12 e 18/11/2012. Como a região do rio Gurupi, ao sul da TIARG, é a
que concentra as florestas mais preservadas da terra indígena, o levantamento de campo foi
realizado apenas junto às comunidades desta porção da terra indígena, já que, devido ao grau
de degradação ambiental observado ao norte da TIARG, na região do Guamá, presume-se
que a maior parte das espécies ameaçadas já esteja localmente extinta. Foram entrevistados
informantes indígenas, a maioria com idade superior a 30 anos, residentes nas seguintes
aldeias da região do Gurupi: Wahutyw, Cajueiro, Suçuarana, Teko Haw, Anoirá, Ikatu, Canindé
e Cocalzinho (ver Figura 56, Capítulo 5 - Meio Físico).
Durante o período em que a equipe esteve na TIARG, foram realizadas três oficinas
direcionadas aos indígenas, a fim de capacitá-los para a realização do etnolevantamento
das espécies ameaçadas. Todas as oficinas apresentaram conteúdo teórico e prático: (1)
Oficina de Introdução à Cartografia; (2) Oficina para Elaboração do Mapa das Árvores e da
Fauna Ameaçada; e (3) Oficina sobre Espécies Ameaçadas e Treinamento para Aplicação
de Questionários por Pesquisadores Indígenas. As oficinas foram abertas aos indígenas que
manifestassem interesse em participar, sendo especialmente focadas nas famílias que recebiam
a “Bolsa Guardiões da Floresta”, fornecida pela SEMA-PA no ano de 2013. As oficinas foram
organizadas em três ciclos e realizadas em três aldeias da região sul da TIARG (Cajueiro, Teko
Haw e Canindé), contando, também, com a participação de indígenas de aldeias próximas.
No “Polo” Cajueiro, participaram representantes das aldeias Cajueiro, Suçuarana, Wahutyw e
Piahú; no “Polo” Teko Haw, representantes das aldeias Teko Haw, Faveiro e Anoirá; e no “Polo”
Canindé, representantes das aldeias Canindé, Cocalzinho, Ikatu e Bate Vento.
A seleção dos pesquisadores indígenas que iriam aplicar os questionários foi feita
com base no critério de escolaridade, sendo necessário, no mínimo, o ensino fundamental
completo. Os questionários consistiam em perguntas relacionadas às 41 espécies ameaçadas
de extinção que possuem área de ocorrência prevista para o CEB (ALBERNAZ; ÁVILA-PIRES,
2009) e, portanto, possível ocorrência na TIARG. Buscou-se levantar, com base na experiência
individual dos entrevistados, a indicação de ocorrência das espécies ameaçadas, assim como
parâmetros populacionais que permitissem inferir sobre os processos de ameaça e persistência
das espécies na área de estudo.
Para uma análise exploratória inicial, foram reunidos os valores de prevalência de todas as
espécies ameaçadas e calculou-se a frequência com que eles apareceram. Assim, foi possível
ter uma ideia geral da variação da prevalência sobre o conjunto das espécies.
Foi realizada uma Análise de Variância com aplicação do teste não paramétrico de Kruskal-
Wallis a fim de testar se os diferentes grupos biológicos aos quais pertencem as espécies
ameaçadas investigadas (invertebrados; anfíbios e répteis; aves; e mamíferos) são capazes
de predizer os diferentes valores de prevalência. Da mesma forma, o teste foi aplicado para
comparar as categorias de ameaça: Vulnerável, Em Perigo e Criticamente Ameaçada. Para
ambas as análises, quando p<0,05, complementou-se o teste com o exame das diferenças
entre as médias amostrais, utilizando o método de Dunn.
316
4. RESULTADOS
4.1. Estatísticas dos Questionários
30
25
Frequência Absoluta
20
15
10
0
0 0.1 0.2 0.3 0.4 0.5 0.6 0.7 0.8 0.9 1
Prevalência
Quando as amostras foram classificadas de acordo com o grupo taxonômico (Figura 126),
a variância entre os tratamentos foi estatisticamente significativa (H=9.1206; p=0.0277), havendo
diferença entre o grupo dos invertebrados e o de aves (p<0,05). O grupo de Invertebrados
apresentou, conjuntamente, os maiores valores de prevalência, com o menor nível de variação.
Isso poderia ser explicado pela possibilidade dos entrevistados confundirem as espécies no
momento da identificação (e.g. diferentes espécies de aracnídeos são caracterizados apenas
como “aranhas”). Por outro lado, o grupo de aves incluiu algumas espécies com índices de
prevalência mais baixos e outras que não foram reconhecidas pela maioria dos indígenas
entrevistados, como a arara-azul (Anodorhynchus hyacinthinus), o mineirinho (Caritospiza
317
CR EN VU
Figura 126 – Valores de prevalência em função do grupo taxonômico (gráfico à esquerda), com indicação
das categorias de ameaça das espécies (gráfico à direita). INV: Invertebrados; PEI: Peixes; ANF/REP:
Anfíbios e Répteis; AVE: Aves; MAM: Mamíferos. A: Invertebrados; B: Anfíbio e Répteis; C: Aves; D:
Mamíferos. CR: Criticamente Ameaçado; EN: Em Perigo; VU: Vulnerável.
meio de pranchas, como na metodologia aqui utilizada. Isto não quer dizer que as espécies
não ocorram na área, mas as sutis diferenças entre elas podem não ter sido suficientemente
evidenciadas nas pranchas que compuseram os questionários e, portanto, é possível que os
indígenas, ao apontarem a presença desses arapaçus na TIARG, não estivessem distinguindo
uma a uma as espécies, mas identificando todas como “arapaçu”. De qualquer maneira,
cumpre ressaltar que justamente D. rufigula paraensis foi o arapaçu que teve o menor valor
de prevalência entre os entrevistados (as demais tiveram valores entre 0,8 e 0,9);
Durante as campanhas de campo foram registradas diversas espécies que foram caçadas
pelos indígenas ou que estavam sendo criadas como animais de estimação. Entre estas últimas,
foram observadas algumas ameaçadas de extinção, como um indivíduo jovem de cuxiú-preto,
Chiropotes satanas (criticamente ameaçado), na aldeia Suçuarana; e um exemplar da ararajuba,
Guarouba guarouba (Vulnerável), na aldeia Cajueiro (Figura 127).
Na Aldeia Anoirá foi registrado um espécime de jacamim-de-costas-escuras (Psophia
obscura), criado para servir à alimentação dos indígenas, além de penas do mutum-de-penacho,
Crax fasciolata pinima, utilizadas na fabricação de flechas (Figura 127). Ambas as espécies
estão classificadas na categoria “Em Perigo” de ameaça de acordo com a lista do Pará (SEMA,
2008). Porém, passaram a ser tratadas como criticamente ameaçadas na lista nacional (MMA,
2014), o que reforça a necessidade de haver uma revisão da lista estadual.
Além dessas espécies, também foram visualizadas pegadas da onça-pintada (Panthera
onca) nas proximidades da aldeia Teko Haw. Outras duas espécies que não estão na Lista
Vermelha do Pará, mas que estão enquadradas na categoria “Vulnerável” da lista nacional são
comumente caçadas pelos indígenas: o porco-queixada ou porcão (Tayassu pecari), do qual
observamos a carne de um animal que havia sido recentemente abatido pelos indígenas, bem
como um casal de filhotes domesticados na aldeia Cajueiro; e a anta (Tapirus terrestris), da
qual também observamos a carne de um animal caçado pelos indígenas.
320
Figura 127 – Espécies ameaçadas de extinção criadas como animais de estimação na TIARG: A:
indivíduo jovem do cuxiú-preto (Chiropotes satanas), criticamente ameaçado; B: exemplar da ararajuba
(Guaruba guarouba), classificada na categoria “Vulnerável” de ameaça; C: exemplar do jacamim-de-
costas-escuras (Psophia obscura), classificado como “Em Perigo”. D: penas do mutum-de-penacho
(Crax fasciolata pinima) utilizadas na fabricação de flechas, também classificado como “Em Perigo”.
5. CONCLUSÕES
• Com base em estudos de campo e na análise das informações disponíveis na literatura
científica, presume-se que, das 41 espécies investigadas neste estudo, pelo menos
quatro não ocorrem na TIARG (Bolitoglossa paraensis, Anodorhynchus hyacinthinus,
Caritospiza eucosma e Trichechus inunguis). Estas espécies também tiveram valores
de prevalência mais baixos entre os indígenas entrevistados. Por outro lado, outras 37
espécies ameaçadas no Estado do Pará possivelmente ocorrem na Terra Indígena,
algumas delas já confirmadas para a área. Pode-se afirmar, com base em levantamentos
rápidos realizados na TIARG, cujos resultados são apresentados em capítulos deste
livro, que sete espécies de aves e quatro de mamíferos ameaçados de extinção, de
acordo com a lista do Pará (SEMA, 2008), foram registrados direta ou indiretamente
por especialistas (excluindo-se os registros obtidos com base em estrevistas com
indígenas) e, portanto, possuem ocorrência confirmada para a TIARG. Além disso,
uma espécie de réptil (Stenocercus dumerilii) e 11 espécies de aves têm registros
confirmados para a área de entorno, indicando que provavelmente também ocorrem
na TIARG. Três espécies de mamíferos possuem distribuição ampla no CEB e
receberam valores de prevalência superior a 0,9 entre os indígenas, indicando que
321
6. RECOMENDAÇÕES
São recomendadas as seguintes ações para a TIARG:
• Realizar levantamentos de campo conduzidos por especialistas nos diversos grupos
da fauna para identificação e confirmação da presença das espécies ameaçadas que
ainda não tenham sido registradas em estudos anteriores realizados na terra indígena;
• Incluir, entre os grupos a serem inventariados na TIARG, invertebrados, peixes e
répteis, a fim de investigar a presença de espécies ameaçadas entre esses grupos;
• Realizar estudos que avaliem o status de conservação das espécies ameaçadas que
ocorrem na TIARG e investigar os tipos de uso que os indígenas dão a elas;
• Identificar e reforçar possíveis estratégias de manejo de espécies aplicadas pelos
próprios indígenas na TIARG e propor medidas complementares;
• Desenvolver programas de monitoramento e manejo sustentável das espécies animais
utilizadas pelos indígenas;
• Estabelecer parcerias entre as instituições governamentais e não governamentais
322
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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2008. 1420 p.
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no entorno da Terra Indígena Alto Rio Guamá, município de Viseu, nordeste do Pará:
Avaliação para a criação de uma unidade de conservação. Relatório Técnico. Belém: SEMA/
GIZ, 2011.
324
Apêndice 11– Lista de espécies ameaçadas de extinção do Estado do Pará (SEMA, 2008) que possuem área de distribuição que abrange o Centro de Endemismo Belém
(CEB); suas categorias de ameaça; e índices de prevalência entre os indígenas entrevistados.
Categoria de Valor de
Grupo Espécie Nome Comum Prevalência Registros na TIARG ou entorno
Ameaça
Phlegopsis nigromaculata mãe-de-taoca- rg. em mata contígua à TIARG: canto (capítulo da avifauna,
Aves EN 0,826
paraensis pintada neste livro; VALENTE, 2011)
cf. na TIARG: observação e canto (capítulo da avifauna,
Aves Dendrocincla merula badia arapaçu-da-taoca EN 0,826
neste livro)
Deconychura longicauda
Aves arapaçu-rabudo EN 0,826 rg. no entorno: LEES et al., 2012; PORTES et al., 2011
zimmeri
Dendrexetastes rufigula arapaçu-canela-de-
Aves EN 0,696 rg. no entorno: LEES et al., 2012
paraensis Belém
Categoria de Valor de
Grupo Espécie Nome Comum Prevalência Registros na TIARG ou entorno
Ameaça
¹Os nomes de espécie e os nomes comuns seguem a Lista de Espécies Ameaçadas de Extinção do Estado do Pará (SEMA, 2008), com exceção dos táxons de aves
que foram elevadas ao status de espécie, que seguem o CBRO (2015).
²Categoria de ameaça de acordo com SEMA (2008): CR – Criticamente Ameaçada; EN – Em Perigo; VU – Vulnerável.
³O Valor de Prevalência representa o número de vezes em que a espécie foi apontada pelos indígenas como presente na TIARG, calculado com base na relação entre
o número de indígenas que a apontaram e o número total de indígenas entrevistados (45);
⁴Ainda tratado como Psophia viridis obscura na lista do Pará (SEMA, 2008). Foi elevado ao status de espécie (OPPENHEIMER; SILVEIRA, 2009; RIBAS et al., 2012;
PIACENTINI et al., 2015).
⁵Ainda tratado como Propyrrhura maracana na lista do Pará (SEMA, 2008). Foi elevado ao status de espécie .
⁶Ainda tratado como Pyrrhura perlata lepida na lista do Pará (SEMA, 2008). Foi elevado ao status de espécie.
⁷Ainda tratado como Piculus chrysochloros paraensis na lista do Pará (SEMA, 2008). Foi elevado ao status de espécie (Del-Rio et al., 2013; CBRO, 2015).
⁸Ainda tratado como Dendrocolaptes certhia medius na lista do Pará (SEMA, 2008). Foi elevado ao status de espécies (CBRO 2015; complementar com outra referência)
⁹Ainda tratado como Oryzoborus maximiliani na lista do Pará (SEMA, 2008). Alterado para Sporophila maximiliani de acordo com o CBRO, 2015.
10
CEB = Centro de Endemismo Belém
11
Disponível em: http://www.iucnredlist.org/. Acesso em: 03/11/2016.
327
CAPÍTULO 8
MONITORAMENTO
POR RADAR DO
DESMATAMENTO NA
ÁREA CENTRAL DA TIARG
Dirk H. Hoekman
Claudia Maria Carneiro Kahwage
328
329
1. INTRODUÇÃO
A Terra Indígena Alto Rio Guamá é uma das dez áreas protegidas no Brasil com maior
perda percentual e absoluta de florestas originais e também está entre aquelas onde mais ocorre
a atividade ilegal de exploração de madeira (CARNEIRO FILHO; BRAGA, 2009; VERÍSSIMO
et al., 2011; 2012). Em função do histórico de invasões ocorridas na reserva, seu território
apresenta uma grande área central, entre os rios Piriá e Coraci-Paraná, que não se encontra
sobre o domínio dos indígenas (ver Figura 14, Capítulo 1 deste livro), estando ocupada por
colonos invasores que formaram vilas e povoados na região a partir da década de 70.
Uma pequena parte desta área foi reocupada pelos Tembé ao final de 2014, após a ordem
de despejo dada pela Justiça ao proprietário da Fazenda Irmãos Coragem, também conhecida
por Fazenda Mejer, instalada originalmente ao lado da TIARG, mas cujos domínios foram
expandidos irregularmente, em 9 mil hectares, para seu interior. A construção de uma estrada
por este fazendeiro intensificou a devastação na área, ocasionada tanto pelos invasores como
pela atividade ilegal de madeireiros, garimpeiros e até mesmo traficantes de drogas. Todas
essas atividades contribuíram para o desmatamento da terra indígena em sua região central.
Considerando a retomada da área da fazenda Mejer pelos indígenas, estes a apontaram,
durante a Oficina de Etnozoneamento da TIARG, como uma área a ser destinada à proteção
integral (Capítulo 9 – Etnozoneamento da TIARG).
Pela situação de grave conflito existente entre índios e invasores, que por vezes é armado,
não foi possível realizar a pesquisa de campo necessária ao zoneamento participativo na área
central da TIARG. Como alternativa, optou-se por realizar um monitoramento da situação do
desmatamento pela extração ilegal de madeira através da utilização da tecnologia de Radar, a
fim de obter informações mais precisas sobre sua situação atual e sobre os danos ambientais
causados pelos invasores.
Esta é a primeira iniciativa de monitoramento por Radar realizada em uma terra indígena
no Pará, talvez até mesmo na Amazônia. Esta tecnologia é bastante promissora para detectar
com precisão e eficácia atividades de desmatamento, degradação florestal e extração ilegal de
madeira, de modo que achamos oportuno e necessário oferecer, neste capítulo, uma seção com
informações precisas sobre as características do uso do radar e os principais sistemas usados
atualmente no planeta. Em outra seção elucidamos como funciona o sistema de monitoramento
de florestas por radar e descrevemos os mapas gerados sobre a TIARG. Na seção seguinte,
são discutidos alguns resultados do monitoramento por radar realizado na TIARG no ano de
2014, incluindo a comparação com mapas gerados pela utilização do sistema óptico. Por fim,
na última seção, apresentamos algumas perspectivas para a implementação operacional do
monitoramento por radar em grande escala no estado do Pará.
Os satélites radar são projetados para certas aplicações pré-definidas. Algumas missões
principais dos satélites atualmente disponíveis são listadas na Tabela 20. Os sistemas japoneses
de radar em banda L PALSAR-1 e PALSAR-2 cobrem o planeta inteiro sistematicamente,
disponibilizando, assim, grandes arquivos para estudos da mudança da cobertura florestal
em escala continental e para estudos da dinâmica de zonas úmidas. Por exemplo, o estado
do Pará é coberto 3-6 vezes por ano numa resolução de 10 m. Esta resolução não é alta o
suficiente para detectar mudanças no nível das árvores e, portanto, a frequência de observação
não pode ser ampliada para alertas de monitoramento. A missão europeia Sentinal-1 utiliza
dois satélites idênticos para oferecer dados gratuitos com resolução de 25 m. Atualmente, a
Europa faz aquisições sistemáticas com um intervalo de observação de 12 dias. Este intervalo
será diminuído num futuro próximo para seis dias. Para a maioria dos demais locais do planeta,
a frequência de observação é muito menor, mas isto também deve melhorar nos próximos
anos. Os satélites em banda X TerraSAR-X e COSMO-SkyMed podem oferecer imagens com
resolução muito maior. Porém, cobrem áreas menores. Tais imagens são normalmente usadas
para cobrir áreas de interesse onde resoluções altas ou muito altas são exigidas.
Outras informações introdutórias sobre o uso dos radares para aplicações florestais
podem ser acessadas em GFOI, 2013; GOFC-GOLD, 2015; e LUCAS et al., 2012.
Tabela 20 – Sumário dos principais radares de Abertura Sintética (Synthetic Aperture Radar – SAR)
(anteriores, atuais e programados) e suas características.
Resolução Repetição
Satélites/ Período de
País Banda Comp. de Espacial Orbital
sensores Operação Espectral Onda1 (cm) Polarização (m) (dias)
Single, Dual,
Sentinel-1 Europa 2014 C 5.6 5-20 12
Quad
Programado
PAZ Espanha X 3.1 Single, Dual 1-16 11
2016
1
Comprimento de onda.
Para as aplicações que exigem alertas ao nível de árvore, como é o caso da TIARG, é
necessário que sejam utilizados radares de alta resolução. Além disso, aquisições repetitivas a
curtos intervalos e com custos acessíveis, devem ser possíveis. Isto limita a escolha a alguns
332
Figura 128 – A: as áreas verdes estão na linha de visão do radar e são iluminadas por ondas do radar.
As respostas (ou ecos do radar) geradas a partir dessas áreas iluminadas são gravadas por projeção na
direção de alcance (cinza claro). O intervalo de células sem áreas iluminadas mostram sombras do radar
(preto).B: a remoção de árvores muda o padrão das áreas iluminadas e das áreas de sombra do radar.
A remoção de uma copa de árvore geralmente provoca uma área de diminuição do retroespalhamento
(vermelho), enquanto a iluminação de uma área por trás da copa de uma árvore que anteriormente não
estava iluminada (área de sombra do radar) provoca aumento do retroespalhamento (turquesa).
Tabela 22 – Visão geral dos mapas e das séries de dados de radar da TIARG. Doze imagens de radar
foram adquiridas para o período de 16/12/2016 a 05/01/2015, resultando em 10 produtos de mudança
florestal no formato de Mapas de Vigilância e 10 produtos de mudança florestal no formato de Mapas
de Degradação.
Como exemplo, quando os mapas V9 e V10 são comparados, fica claro que existe
exploração seletiva de madeira e que esta atividade avança para áreas adjacentes (Figura
129).O mapa de degradação mostra a perda acumulada de copa das árvores ocorrida durante
o período total de observação (isto é, desde 16/12/2016).
Este tipo de análise também pode ser aplicado em outras áreas de floresta tropical. Uma
das áreas testadas foi a Concessão Harapan, na Sumatra, Indonésia. Um consórcio entre a
BirdLife Indonésia, a BirdLife International e a Inglesa Royal Society for the Protection of Birds
335
(RSPB) adquiriu os direitos para gerir a Floresta Harapan como um modelo para a restauração
florestal, a conservação da vida selvagem e o desenvolvimento local sustentável. Numa tentativa
de diminuir as invasões e a exploração madeireira ilegal, a RSPB decidiu usar o monitoramento
por satélite para alertas. Desde 2012 mais de 30 imagens TerraSAR-X foram adquiridas em
conjunto com dados óticos de satélite. A comparação entre os mapas floresta/não floresta
obtidos através dos dados RapidEye e LandSat permitiram a validação dos mapas TerraSAR-X.
Em áreas de alterações em grande escala, o Terra-SAR-X detecta 95,5% da nova área de não
floresta. Sessenta por cento das áreas que não são detectadas como novas não florestas são
classificadas como áreas degradadas pelo sistema de monitoramento TerraSAR-X. As pequenas
divergências encontradas normalmente desaparecem quando imagens TerraSAR-X adicionais
se tornam disponíveis. Em Harapan, o sistema de corte e queima ilegal é comum e, portanto, a
natureza da degradação é diferente da TIARG, onde a degradação está principalmente ligada
à exploração ilegal de madeira. Contudo, a ótima validação dos resultados de Harapan pode
ser um bom indicativo da alta precisão dos mapas também para a TIARG. Os resultados da
validação serão apresentados em breve (HOEKMAN et al., in prep.).
A área central da TIARG está sujeita a uma exploração ilegal de madeira em larga escala.
Isto pode ser claramente visualizado nos 10 mapas de Vigilância gerados para o ano de 2014
(Tabela 122). Um exemplo de área “hot-spot” é apresentado na Figura 130. Agrupamentos de
pontos vermelhos e turquesa podem ser delineados como áreas ativas de exploração ilegal de
madeira.Esses mapas de vigilância podem ser analisados automaticamente por meio de um
algoritmo para detectar assinaturas de corte de árvores e para estimar o número de árvores
cortadas (Tabela 23).
Figura 130. A: Detalhe do mapa de Vigilância V9: área de 4 x 3 km, localizada ao sul do rio Coraci-
Paraná. Não foi evidenciada exploração madeireira nesta área nos 33 dias de intervalo anteriores a
03/12/2014. B : Detalhe do mapa de Vigilância V10: a mesma área mostrada em “A” apresentou
exploração madeireira intensa nos 33 dias de intervalo anteriores a 05/01/2015.
336
V1 1079 Seca
V2 600 Seca
V3 385 Chuvosa
V4 423 Chuvosa
V5 785 Chuvosa
V6 803 Chuvosa
V7 1150 Seca
V8 1435 Seca
V9 1520 Seca
V10 1552 Seca
Total 9731 -
No total, foram contabilizadas 9.731 árvores cortadas. A maior parte da atividade ocorreu
durante a estação seca. Na Figura 131, o número de árvores cortadas que foram detectadas
dentro de cada intervalo de tempo em unidades de 500 x 500 m são mostradas para os mapas
V1 (1.079 árvores cortadas, exibidas em vermelho), V8 (1.435, em verde), e V10 (1.552, em azul)
Figura 131 – Padrão espaço-temporal de atividade de exploração madeireira na área central da TIARG,
entre o rio Piriá e o rio Coraci-Paraná. Mapa V1 (vermelho, 14/03/2014), mapa V8 (verde; 31/10/2014)
e mapa V10 (azul, 05/01/2015). Os três pontos azuis na elipse correspondem à atividade madeireira
mostrada na Figura 129 B.
Figura 132 – O último de uma série de 10 Mapas de Vigilância (Mapa V10) da TIARG.
339
Figura 133 – O último de uma série de 10 Mapas de Degradação (Mapa D10) da TIARG.
340
5.1. Automação
A simulação da aquisição de dados de radar pode ser realizada pelas agências para
diferentes cenários. Um exemplo fornecido pela Airbus é mostrado na Figura 134. No Pará, as
concessões florestais devem ser monitoradas para que se avalie a intensidade da exploração
seletiva legal de madeira. Neste exemplo, todas as concessões são monitoradas num intervalo
de 66 dias. Isto requer coberturas com 100 imagens (a serem repetidas de cinco a seis vezes ao
ano) com os satélites TerraSAR-X, TanDEM-X e/ou PAZ, usando uma combinação de passagens
ascendentes e descendentes e uma série de feixes de ângulos de incidência. Esta simulação
particular mostra que é tecnicamente possível monitorar áreas extensas de forma intensiva.
341
Figura 134 – Cenário de aquisição para concessões florestais no estado do Pará utilizando os satélites
Terra-SAR-X, DEM-X ou PAZ. A área de interesse pode ser capturada em 100 cenas; as observações são
repetidas cinco a seis vezes; e as passagens ascendentes e descendentes dos satélites são combinadas.
Dados de satélite com resolução espacial alta ou muito alta (5 m ou mais) são necessários
para detectar o corte de árvores individuais. Obviamente, os sistemas de radar discutidos aqui
são capazes de alcançar estas resoluções. Sistemas ópticos, como RapidEye ou SPOT-6,
podem oferecer uma solução alternativa. Contudo, esses sistemas podem falhar por dois motivos
interligados: para os sistemas ópticos, o período de detectabilidade de novas árvores cortadas
de forma seletiva é muito menor. Nas imagens de radar, devido aos princípios das imagens de
radar (veja Figura 128), as assinaturas das árvores cortadas ainda são bem visíveis mesmo
depois de um ano (pois leva um grande tempo para que as lacunas no dossel superior sejam
preenchidas), enquanto nas imagens ópticas a visibilidade das lacunas pode desaparecer em
poucos meses devido ao rebrotamento (no chão da floresta). Consequentemente, quando
as imagens ópticas são usadas, estas sempre devem ser adquiridas a curtos intervalos (dois
meses ou menos). Porém, isto pode ser muito difícil devido à persistente cobertura vegetal,
como no caso do Estado do Pará.
5.4. Custos
Para determinar os custos totais dos sistemas de monitoramento, vários fatores devem
ser considerados, como os custos por quilômetro quadrado; área mínima por imagem;
número de imagens necessárias por ano; e custos com a programação dos satélites e com
o processamento de imagens. Todos esses fatores são favoráveis ao radar, como será
discutido mais à frente.
Os custos dos dados por quilômetro quadrado são menores para o TerraSAR-X (pacote
de dados StripMap InSAR) em comparação com os dados do tipo SPOT-6 e RapidEye com
342
resolução espacial suficiente. Além disso, a área mínima para uma imagem TerraSAR-X é
de 900 km2, enquanto para as SPOT-6 e RapidEye é de 3.500 km2. Áreas mínimas menores
permitem uma melhor cobertura da área em estudo sem a necessidade de incluir grandes
áreas que não são de interesse. Além disso, para os satélites SPOT-6, são cobrados custos
adicionais de programação para fazer novas aquisições. Todos esses fatores podem ser
verificados em catálogos e listas de preços (versões de dezembro/2015) postadas na Internet
pelos fornecedores de dados por satélite.
Uma vez que os dados do radar são sempre adquiridos na mesma geometria de visualização
(visada lateral, em ângulos de incidência idênticos) e com efeitos atmosféricos muito menos
proeminentes, a detecção de mudanças é tecnicamente mais fácil, permitindo a automação
completa. Esta automação resulta em custos muito baixos de processamento de imagens
para radar.
Considerando-se todas essas questões, pode-se afirmar que o sistema de radar oferece
uma solução versátil com custo relativamente baixo, mesmo quando implementado em grandes
áreas. A capacidade única de penetrar nas nuvens e a independência da luz do dia fazem do
radar uma ferramenta ideal para alertas e para o monitoramento da degradação ambiental em
alta resolução (no nível de árvore).
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar do importante papel que as áreas protegidas desempenham contra o avanço
do desmatamento na Amazônia brasileira (ARIMA et al., 2007; SOARES-FILHO, et al., 2010),
estudos recentes mostram que, até 2011, o desmatamento em áreas protegidas já correspondia
a 7% de todo o desmatamento registrado na Amazônia Legal. A forte pressão exercida pelas
atividades ilegais de exploração madeireira no nordeste do Pará, aliada à falta de governança
na reserva, têm colocado a TIARG como uma das áreas que contribuem fortemente para os
índices de desmatamento em áreas protegidas, estando seu patrimônio ambiental e cultural
em constante ameaça.
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
IPCC. Land use, land-use change and forestry. WATSON, R. T.; NOBLE, I. R.; BOLIN, B.;
RAVINDRANATH, N. H.; VERARDO, D. J.; DOKKEN, D. J. (Eds.). Cambridge University Press,
UK. pp 375, 2000.
GOFC-GOLD, Chapter 2.10.4: Forest monitoring using Synthetic Aperture Radar (SAR)
observations. In: GOFC-GOLD, 2015, A sourcebook of methods and procedures for monitoring and
reporting anthropogenic greenhouse gas emissions and removals associated with deforestation,
gains and losses of carbon stocks in forests remaining forests, and forestation. GOFC-GOLD
Report version COP21-1 (GOFC-GOLD Land Cover Project Office, Wageningen University,
The Netherlands). 2015. http://www.gofcgold.wur.nl/redd/sourcebook/GOFC-GOLD_Sourcebook.pdf
HOEKMAN et al. TerraSAR-X time series for tropical forest degradation evaluation and early
warning, Remote Sensing of Environment (in preparation), 2016.
IMAZON; ISA. Protected areas in the Brazilian Amazon: challenges and opportunities.
ROLLA, A.; VERÍSSIMO, A.; VEDOVETO, M.; FUTADA, S. M (Orgs.). Belém-PA: Imazon; São
Paulo-SP: Instituto Socioambiental, 2011.
LUCAS, R.; ROSENQVIST, A.; KELLNDORFER, J.; HOEKMAN, D.; SHIMADA, M.; CLEWLEY,
D.; WALKER, W.; NAVARRO DE MESQUITA JUNIOR, H. Global forest monitoring with radar
(SAR) data. In: Global Forest Monitoring from Earth Observation. Achard, F.; Hansen, M.
C. CRC Press, Taylor & Francis Group, 2012.
MARTINS, H.; VEDOVETO, M.; ARAÚJO, E.; BARRETO, P.; BAIMA, S.;SOUZA, JR, C.;
VERÍSSIMO, A. Áreas protegidas críticas na Amazônia Legal. Belém: Imazon, 2012.
346
347
CAPÍTULO 9
ETNOZONEAMENTO
DA TERRA INDÍGENA
ALTO RIO GUAMÁ
348
1. INTRODUÇÃO
Durante os dias 29 e 30 de novembro de 2014, após a Oficina de Validação dos resultados
do DEAP, foi realizada a Oficina de Etnozoneamento da TIARG. Na ocasião, foram apresentados
aos Tembé os tipos de zonas que costumam ser utilizadas em terras indígenas (KANINDÉ, 2007),
sempre deixando claro que outras zonas poderiam ser criadas de acordo com as necessidades
apontadas por eles e com as características inerentes à TIARG.
Algumas zonas, por refletirem realidades distintas dos indígenas que habitam a TIARG,
foram trabalhadas em dois grupos – do Guamá e do Gurupi –, como as zonas de pesca, de caça,
de produção, de extrativismo e as zonas sagradas. Outras foram trabalhadas conjuntamente,
como as zonas nativas, de proteção integral, de recuperação e de desintrusão. Este arranjo
foi feito naturalmente pelos próprios indígenas durante a Oficina. As zonas definidas pelos
indígenas são apresentadas a seguir.
349
Figura 136 – Mapa do Etnozoneamento da Terra Indígena Alto Rio Guamá, apresentando as zonas de
uso e zonas sagradas definidas pelos indígenas.
ZONEAMENTO PARTICIPATIVO DA TIARG
Objetivo Geral
• Garantir o recurso pesqueiro para o consumo das comunidades, utilizando técnicas de
pesca sustentáveis.
Objetivos Específicos
• Servir como fonte de subsistência; utilizar os recursos pesqueiros para as festas e reuniões
da comunidade; aumentar a quantidade de peixes nos rios da TIARG; garantir a preservação
das espécies.
Resultados Esperados
• Recursos pesqueiros em abundância; retorno de espécies de peixes que não são mais
encontradas; maior variedade e quantidade de peixes nos rios.
• Caniço, camina, malhadeiras com malhas não muito pequenas (utilizar apenas
malha acima de 50 mm);
• Não é permitido utilizar técnicas predatórias de pescaria (timbó, conambi, tarrafa, pesca
de visor, malhadeiras com malha menor que 50 mm);
Objetivo Geral:
• Proteger a área para garantir o abastecimento de peixes nos principais rios da TIARG.
Objetivos Específicos:
• Garantir o alimento para as atuais e futuras gerações; garantir a quantidade dos recursos
pesqueiros; garantir a manutenção das espécies; garantir o equilíbrio do ambiente, incluindo
os demais animais que se alimentam dos peixes; realizar a vigilância para evitar a presença
de invasores (pescadores ilegais).
Resultados Esperados:
• Recurso pesqueiro garantido para as gerações; variedade e abundância de espécies mantida.
Indicadores:
• Maior variedade e quantidade de peixes nos rios.
• Não pode ser utilizada malhadeira de qualquer malha, bem como técnicas de pesca
predatória pelos indígenas (timbó, conambi, tarrafa, pesca de visor);
Descrição:
• Zona destinada à captura de animais pelos indígenas da TIARG, obedecidas as regras
estabelecidas (Figura 139).
Objetivo Geral:
• Garantir as fontes de alimento do dia-a-dia da comunidade.
Objetivos Específicos:
• Realizar a caça sustentável (não predatória) para garantir fontes de alimento e artesanato,
mantendo o equilíbrio da floresta na TIARG; aproveitar as partes dos animais que foram
caçados para a alimentação nas atividades de artesanato e na medicina tradicional indígena.
Resultados Esperados:
• Garantia de caça abundante e variada ao longo do tempo.
Indicadores:
• Retorno de animais que não eram mais encontrados; quantidade e variedade de animais
caçados e avistados.
• No Guamá: evitar ou deixar de caçar cuxiú, caiarara, guariba, anta, porcão, ariranha,
ararajuba, mutum-pinima, cujubim, jacamim, araras, jabuti e jacaré;
• Para os locais em que a caça ainda é abundante, caçar de forma sustentável, para que as
populações se mantenham.
355
Descrição:
• Zona destinada à caça apenas para as festividades tradicionais da TIARG (Figura 140).
Objetivo Geral:
• Garantir a caça de animais específicos que são utilizados nas festas tradicionais.
Resultados Esperados:
• Ter o alimento garantido para as festividades.
Indicadores:
• Quantidade e variedade de animais caçados para as festas.
Descrição:
• Zona destinada às atividades produtivas da comunidade indígena da TIARG, relacionadas
à roça (Figura 141).
Objetivo Geral:
• Garantir o cultivo de alimentos para a subsistência (alimentação) das famílias, bem como
para a venda para a comunidade e para os municípios próximos.
Objetivos Específicos:
• Buscar parcerias para o melhoramento das técnicas de plantio; aumentar a produção para
vender o alimento que sobrar.
Resultados Esperados:
• Alimentos garantidos para a família; aumento da produção e da venda para a comunidade
e para os municípios.
Indicadores:
• Plantações sem doenças e pragas; produção extra vendida.
• Não podem ser usados venenos que causem danos ao solo e aos rios, como agrotóxicos
em geral;
Objetivo Geral:
• Realizar o extrativismo sustentável do açaí, tanto para subsistência quanto para atividades
econômicas futuras.
Resultados Esperados:
• Colheita do açaí em abundância para as atuais e futuras gerações.
Indicadores:
• Alimento disponível para a comunidade ao longo do tempo.
• Não pode desmatar ou queimar a floresta ao redor e nas proximidades dos açaizais;
• Para as áreas que se sobrepões a outras zonas, como as zonas de caça, de pesca e
de produção, as atividades relacionadas a elas podem ser realizadas, respeitando-se as
normas de uso estabelecidas para cada zona.
361
Objetivo Geral:
• Manter áreas de floresta bem conservadas, realizando apenas atividades sustentáveis de
exploração dos recursos naturais, garantindo a preservação das plantas e dos animais.
Objetivos Específicos:
• Preservar as plantas medicinais; explorar racionalmente os recursos naturais; realizar
expedições de monitoramento.
Resultados Esperados:
• Estado de conservação da floresta mantido.
Indicadores:
• Floresta bem conservada; animais encontrados em variedade e em boa quantidade.
• Não podem ser construídas aldeias, fazer roça e queimadas, construir estradas, etc;
• Pode ser realizada pesquisa e monitoramento pelos indígenas. Os não indígenas só podem
adentrar desde que autorizados e devidamente acompanhados pelos indígenas.
363
Descrição:
• Zona destinada à proteção total da floresta, dos rios e de todos os seus recursos (Figura
144). Inclui a área de três fragmentos florestais no Guamá que faziam parte da ocupação
ilegal da Fazenda Mejer e que foram recentemente reintegrados à TIARG, por decisão
judicial. Estes fragmentos são contíguos a outros fragmentos florestais localizados fora da
TIARG, nos quais estudos apontaram indícios da ocorrência de espécies ameaçadas de
extinção e outras importantes para a conservação (VALENTE, 2011).
Objetivo Geral:
• Criar uma área que sirva como poupança dos recursos naturais (animais e plantas).
Objetivos Específicos:
• Garantir a reprodução dos animais dentro da zona; repovoar outras zonas mais alteradas
a partir da zona de proteção integral.
Resultados Esperados:
• Floresta e seus recursos protegidos.
Indicadores:
• Aumento do número de animais nas demais zonas; ausência de alterações florestais na área.
• Pode ser realizada pesquisa e monitoramento pelos indígenas. Os não indígenas só podem
adentrar desde que autorizados e devidamente acompanhados pelos indígenas.
365
Objetivo Geral:
Objetivos Específicos:
• Identificar as áreas em que deve ser feito o replantio (áreas degradadas) e outras em que
a floresta pode se recuperar naturalmente (áreas perturbadas); fazer o plantio de espécies
que atraem caça e outros animais, como as frutíferas, utilizando Sistema Agroflorestal
(SAF); fazer o replantio de espécies nativas que existiam na região; fazer o replantio de
leguminosas em áreas degradadas.
Resultados Esperados:
• Floresta recuperada e animais retornando para a área; futuramente, depois de recuperada,
aplicar ações para proteger a floresta e seus recursos;
Indicadores:
• Áreas de floresta recuperadas (hectares); Observação de animais que não existiam mais
na área, incluindo animais de caça.
Descrição:
• Zona entre o rio Piriá e o rio Coaraci-Paraná, que se encontra ocupada por colonos invasores
(Figura 146).
Objetivo Geral:
• Reocupação total da área pela comunidade indígena.
Objetivos Específicos:
• Acompanhar as ações das instituições governamentais para a retirada dos invasores;
após a desocupação, realizar a vigilância da área, com o acompanhamento de instituições
governamentais, para que os invasores não retornem.
Resultados Esperados:
• Desocupação total da área pelos colonos; construção de novas aldeias na área; recuperação
das áreas que foram alteradas ou degradadas.
Indicadores:
• Área reocupada pela comunidade indígena.
Descrição:
• Zona (ou pontos) onde se encontram locais considerados sagrados pela comunidade.
Podem ser cemitérios antigos ou atuais e áreas onde há a evidência da presença de
espíritos da floresta, cujas histórias são contadas por membros da comunidade (Figura 147).
Objetivo Geral:
• Garantir o respeito e a identidade cultural das comunidades da TIARG.
Resultados Esperados:
• Manutenção das áreas sagradas.
Indicadores:
• Histórias repassadas de geração para geração.
• Podem ser realizadas visitas pelos indígenas, exceto nos horários de 12:00 e 18:00 h;
2. DISCUSSÃO
O Diagnóstico Etnoambiental Participativo realizado na TIARG foi um dos instrumentos
utilizados como fonte de dados para a definição das zonas e elaboração dos mapas do
Etnozonamento da terra indígena. Outra fonte de informação foram os próprios indígenas que
estiveram presentes durante a Oficina do Etnozoneamento, considerando o conhecimento que
estes detêm sobre suas terras.
O processo histórico de ocupação e invasão da TIARG se reflete no resultado do
Etnozoneamento, que aponta uma grande zona de desintrusão de colonos invasores e outra
grande zona destinada à recuperação e regeneração da floresta, bastante alterada ou degradada,
como fruto da atividade de várias espécies de invasores, sejam eles madeireiros, fazendeiros,
colonos, caçadores e pescadores ilegais, ou mesmo traficante de drogas.
A recente decisão da justiça em favor dos indígenas, garantindo a reintegração de
posse de uma área de 9 mil hectares, que era ocupada por propriedades do fazendeiro Mejer
Kabacznic, não colocaram fim aos conflitos na área. Reflexo disso foi o confronto ocorrido no
início dezembro de 2014, entre índios e colonos invasores que permanecem na TIARG, durante
uma ação de reocupação da área reintegrada. Ações governamentais que visem à resolução
dos conflitos e total retirada dos invasores da terra indígena se fazem urgentes, como forma de
evitar novos conflitos, garantir o direito constitucional dos indígenas às suas terras e promover o
respeito ao povo Tembé, à sua cultura e aos direitos de gestão ambiental e territorial da TIARG.
Apesar das grandes intervenções humanas ocorridas na área, a TIARG representa,
ainda, uma grande reserva de biodiversidade relativamente bem conservada no Centro de
Endemismo Belém (CEB). Abriga espécies da fauna e flora ameaçadas de extinção, tanto em
nível estadual quanto nacional, bem como muitas outras de interesse para a conservação.
Grande parte das espécies ameaçadas de extinção no Pará está localizada no CEB. A TIARG
representa a maior área de florestas legalmente protegidas localizadas na porção paraense
do CEB, o que eleva a sua importância para a conservação da biodiversidade e a necessidade
de que sejam implementados planos de gestão territorial e ambiental para a área, de forma a
garantir o seu desenvolvimento sustentável e a qualidade de vida do povo Tembé.
Embora tenha ocorrido uma maior reaproximação nos últimos anos, os indígenas da
TIARG encontram-se, de certa forma, divididos entre as comunidades do Guamá, ao norte
da terra indígena, e do Gurupi, ao sul, justamente devido à ocupação da porção central da
TIARG por invasores. O presente estudo também apontou que existem diferenças no estado de
conservação das duas áreas, apresentando, o Gurupi, um melhor estado de conservação em
relação ao Guamá. Isso se reflete tanto na cobertura florestal quanto na variedade de espécies
animais e vegetais encontradas nas duas áreas. Espécies maiores e mais ameaçadas, como
o macaco caiarara, o cuxiú, a anta, a queixada (porcão), a onça, a ararajuba, araras e mutuns,
não são mais vistos pela comunidade indígena ou são considerados raros no Guamá.
As invasões e a proximidade com a população dos municípios de entorno na área do
Guamá certamente são os principais responsáveis por este quadro, que também se reflete na
preservação das características culturais do povo Tembé. No Gurupi, por exemplo, existem
mais pessoas que falam a língua Tembé-Teneteharado que no Guamá, embora exista um
movimento dos próprios indígenas pela retomada da cultura e da língua Tembé nesta região.
Os esforços e investimentos para a gestão da TIARG, sejam através de iniciativas
373
3. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
KANINDÉ – Associação de Defesa Etnoambiental. Metodologia de diagnóstico etnoambiental
participativo e etnozoneamento em terras indígenas. Porto Velho; Brasília: ACT Brasil, 2010.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
E RECOMENDAÇÕES
376
A área central da TIARG também vem sendo devastada em decorrência da ação dos
colonos invasores e da atividade intensa de exploração de madeira. De acordo com os próprios
indígenas, toda a madeira que é vista, com frequência, sendo transportada em caminhões
clandestinos pelas estradas da região, vem do interior da TIARG, pois não há outro local nas
proximidades de onde se possa retirar madeira. Ainda de acordo com eles, já existiriam poucas
“toras de madeira boa” na área central da TIARG.
Algumas ações são vistas aqui como essenciais para a garantia da recuperação e
manutenção da integridade ambiental e cultural da TIARG e de seu povo ao longo do tempo:
Realização: