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Detecção Sistemática de Eventos Adversos


em Fármacos Comercializados
Jerry Avorn

Introdução Avaliação de Risco


Caso Questões no Delineamento e na Interpretação do Estudo
Desafios na Avaliação da Segurança dos Fármacos Averiguação de Exposição ao Fármaco e Desfechos
Tamanho e Generalização do Estudo Confundimento por Indicação
Critérios de Avaliação Substitutos e Comparadores Viés de Seleção
Duração e Estudos Pós-Aprovação
O Efeito “Usuário Saudável”
Farmacoepidemiologia
Interpretação do Significado Estatístico
Fontes de Dados sobre Farmacoepidemiologia
Relatos Espontâneos Efeitos Adversos dos Fármacos e o Sistema de Atenção à Saúde
Bancos de Dados Automatizados Equilíbrio entre Benefícios e Riscos
Registros de Pacientes O Papel da FDA
Estudos Ad Hoc Questões Legais e Éticas
Estratégias de Estudo Conclusão e Perspectivas Futuras
Estudos de Coorte e Caso-Controle Leituras Sugeridas

dos efeitos do fármaco em grandes populações de pacientes


INTRODUÇÃO do “mundo real”. Os avanços da informática e das técnicas de
análise nesse campo prometem melhorar o conhecimento dos
A ação dos medicamentos se deve à interferência em um ou riscos freqüentemente inevitáveis dos fármacos para que sejam
mais aspectos da função molecular e celular. Raramente, ou mais bem compreendidos e, depois, empregados para usar os
nunca, isso é possível sem que também haja um efeito inde- benefícios de um fármaco em um contexto apropriado e orientar
sejado, causado por essa perturbação ou por outra ação, talvez as decisões clínicas e regulamentações.
inesperada, do fármaco. Como todos os fármacos têm riscos,
o objetivo da farmacoterapia não pode ser a prescrição sem
risco, mas sim assegurar que os riscos do tratamento sejam n Caso
os mais baixos possíveis e adequados ao benefício clínico do
medicamento. Edna C. tem 42 anos e diabetes tipo II grave. Ela teve dificuldade
Alguns efeitos adversos de um fármaco são notados durante em aderir ao uso de insulina, e nas últimas consultas os níveis
o início de seu desenvolvimento e costumam ser provocados de hemoglobina A1c estavam elevados demais. O médico tomou
exatamente pelo mesmo mecanismo responsável pelo efei- conhecimento de uma novidade no tratamento do diabetes, uma
to terapêutico (por ex., quimioterapia citotóxica do câncer). nova classe de medicamentos conhecidos como tiazolidinedionas
Mesmo nessas situações, porém, é preciso saber como esses (TZD). Esses fármacos não influenciam a secreção de insulina, mas
efeitos adversos esperados manifestar-se-ão quando o fármaco aumentam sua ação nos tecidos-alvo. Entusiasmado para experi-
for usado em larga escala — em termos de freqüência e inten- mentar e tratar a Sra. C. com esse método, o médico prescreve
sidade. Após a aprovação de um fármaco para uso clínico, o o primeiro fármaco dessa classe a ser aprovado para uso clínico,
objetivo passa a ser a detecção e a quantificação dos riscos do a troglitazona (Rezulin). Logo, os níveis sangüíneos de glicose e
modo mais rápido e rigoroso possível. hemoglobina A1c voltam ao normal e há diminuição da poliúria
Recentemente, eventos adversos graves ou com risco de e da fadiga.
vida levaram à retirada do mercado de fármacos muito usa- Três meses após o início da troglitazona, a Sra. C. queixa-se de
dos. Esse fato aumentou a sensibilidade de clínicos e pacientes sintomas semelhantes aos da gripe, náusea e perda de apetite. Logo
ao emergente campo da farmacoepidemiologia — a avaliação depois, seu marido nota que sua pele está “amarelada”. Cinco dias
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depois, ela apresenta letargia e icterícia visível. O nível de bilirrubina a taxa de ocorrência é muito maior nos participantes do estudo
total é de 10,7 mg/dL (normal, 0,0 a 1,0 mg/dL), e os níveis séricos do que nos controles. Um em 1.000 pode parecer um evento
de transaminase estão 30 vezes acima do limite superior normal. raro, mas se 10 milhões de pessoas usarem o fármaco a cada ano,
Em uma semana ela encontra-se comatosa e os médicos diagnos- haveria 10.000 ocorrências anuais do evento adverso. No caso de
ticam necrose hepática aguda fulminante, provavelmente causada um efeito adverso que pode ser fatal, como a hepatotoxicidade
pela troglitazona. Após se encontrar um doador compatível, a Sr. C. fulminante, isso pode ter conseqüências importantes do ponto de
é submetida com sucesso a um transplante de fígado. vista clínico e de saúde pública.
Depois de algumas semanas, relatos de casos semelhantes Os participantes dos ensaios clínicos de novos fármacos são
levam os fabricantes ou as autoridades reguladoras a suspender quase sempre voluntários — indivíduos que se ofereceram para
o uso da troglitazona na maioria dos países. O fármaco continua participar da pesquisa médica e deram seu consentimento livre
sendo comercializado nos Estados Unidos, onde seus defensores e esclarecido. Há muitas evidências de que esses indivíduos
afirmam que os benefícios para a saúde pública da possibilidade tendem a ser diferentes dos pacientes típicos que receberão
de melhor controle do diabetes superam os casos relativamente o fármaco em seu uso rotineiro; os participantes de estudos
raros de hepatotoxicidade que o novo medicamento pode causar. tendem a ser mais jovens, mais saudáveis, mais bem educados
Durante esse período, foram descritos dezenas de outros casos de e a ter melhor situação socioeconômica. Às vezes isso ocorre
insuficiência hepática induzida pela troglitazona; dois anos depois o por causa da natureza dos voluntários em pesquisas médicas,
fármaco também foi retirado do mercado norte-americano. mas muitas vezes decorre dos critérios de exclusão dos proto-
Novos agentes da mesma classe (pioglitazona, rosiglitazona) colos de estudo. Alguns protocolos proíbem a participação de
foram introduzidos após a retirada da troglitazona. Embora a estru- pacientes acima de uma determinada idade (como 65 ou 70
tura e o mecanismo de ação dessas substâncias sejam semelhantes anos), mesmo que seja esperado maior uso do fármaco por ido-
aos da primeira, não parece haver o mesmo risco de lesão hepática, sos. Os critérios de ingresso freqüentemente excluem pacientes
e elas continuam sendo usadas em larga escala. A Sra. C. está bem que têm co-morbidades importantes além da doença estudada
com o fígado transplantado, mas é necessário o uso permanente (assim excluindo aqueles que usam vários outros medicamen-
de imunossupressores. O diabetes está muito bem controlado com tos). Embora essa possa ser a forma “mais limpa” de testar a
o uso de insulina e metformina. eficácia de um novo agente, há preocupação crescente de que os
dados assim gerados tenham limitado a possibilidade de gene-
ralização para as populações que mais tarde usarão esses pro-
QUESTÕES dutos. Outros são excluídos por razões éticas inquestionáveis,
n 1. Como são verificados os riscos dos fármacos antes da apro- como não permitir a participação de gestantes ou crianças na
vação pela FDA e quais são os pontos positivos e negativos maioria dos ensaios pré-aprovação. No entanto, depois, quando
do processo? esses pacientes usam os fármacos nos cuidados de rotina, há
n 2. Como os médicos e os pacientes tomam conhecimento da poucas informações para orientar o seu uso.
freqüência e da intensidade dos efeitos adversos após a Por definição, os ensaios clínicos são realizados por médicos
aprovação? e por equipe de apoio com experiência em pesquisa clínica e em
n 3. Como é monitorado o perfil de risco-benefício de um fár- circunstâncias em que essas atividades são comuns. Suas atitudes
maco após o início do uso clínico em larga escala? são guiadas pelos protocolos do estudo que exigem o acompa-
n 4. Considerando-se que todos os medicamentos causam nhamento dos efeitos adversos e da eficácia, garantindo que os
algum efeito adverso, o que é considerado “suficientemente pacientes tomem o produto prescrito conforme a orientação. Isso
seguro” em relação aos benefícios do fármaco? também é muito diferente da rotina em circunstâncias típicas,
nas quais a adesão costuma ser bem inferior e a vigilância para
detecção precoce de eventos adversos é muito menor.

DESAFIOS NA AVALIAÇÃO DA SEGURANÇA


CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO SUBSTITUTOS E
DOS FÁRMACOS
COMPARADORES
O ensaio clínico controlado randomizado (ECR) é o paradigma Seria difícil adiar a aprovação de todos os novos fármacos anti-
para determinar a eficácia de um fármaco e é o único critério hipertensivos até que fosse comprovada a redução das taxas de
usado pelas agências reguladoras, como a U.S. Food and Drug acidente vascular cerebral, ou não permitir a comercialização
Administration (FDA), para decidir sobre a aprovação do uso de um novo fármaco hipolipemiante até que seja demonstrada
de um novo medicamento. Mas esse valioso instrumento tam- a prevenção de infartos do miocárdio. Essa exigência atrasaria
bém tem limites, e é importante compreendê-los ao se avali- a disponibilidade de novas terapias que talvez fossem úteis,
arem os benefícios e os riscos de um determinado agente. além de aumentar ainda mais o seu custo. Conseqüentemente,
os novos produtos podem ser aprovados com base no efeito
TAMANHO E GENERALIZAÇÃO DO ESTUDO em “critérios de avaliação substitutos”, como a pressão arte-
rial no caso dos anti-hipertensivos, níveis séricos de LDL para
Em comparação com o número de pacientes que usarão o fárma- as estatinas, pressão intra-ocular no caso de fármacos usados
co, o número de participantes de ensaios clínicos que respaldam no tratamento do glaucoma, ou biomarcadores de crescimento
a sua aprovação é relativamente pequeno. Em geral, as decisões tumoral nos fármacos usados em oncologia. Embora esse cri-
sobre a aprovação são tomadas com base em ensaios que incluem tério possa ser útil para tornar a aprovação de fármacos mais
2.000 a 4.000 participantes, ou menos no caso de distúrbios raros. rápida e mais eficiente, depende da associação entre o indica-
Se um evento adverso específico ocorre apenas uma vez em cada dor substituto e o desfecho clínico de interesse. Estes podem ter
1.000 pacientes, pode não ocorrer durante os ensaios clínicos. boa correlação, mas nem sempre isso acontece. Por exemplo,
Quando esse evento ocorre, é difícil ou impossível determinar se os antiarrítmicos encanida e flecanida reduziram o critério de
Detecção Sistemática de Eventos Adversos em Fármacos Comercializados | 821

avaliação indireto de ectopia ventricular após infarto do miocár- Às vezes, para aprovar um novo fármaco para uso em larga
dio. No entanto, um estudo maior (o ensaio CAST) mostrou que escala, a FDA pede ao fabricante que realize outros estudos
na verdade eles aumentaram a mortalidade nesses pacientes, pós-comercialização (às vezes chamados de estudos de fase
apesar do sucesso no “tratamento” do indicador substituto. IV) para avaliar questões que não foram resolvidas pelos dados
Sempre que possível, os placebos são o tratamento de com- apresentados antes da aprovação. Às vezes, são obtidos novos
paração preferido por fabricantes e pela FDA. Se for impossível, dados úteis sobre os benefícios e riscos de um fármaco dessa
do ponto de vista ético ou prático, realizar ensaios controlados forma. Mas a agência tem pouca autoridade para obrigar o res-
por placebo (por ex., com um novo fármaco para AIDS ou ponsável por um fármaco a concluir esses estudos, já que seu
para o alívio prolongado da dor), usa-se uma substância ati- principal poder regulador, após a aprovação do fármaco, está
va para comparação. As comparações entre fármaco e placebo limitado à “opção extrema” de ameaçar retirá-lo do mercado
produzem os contrastes mais nítidos e a análise estatística mais — uma medida que muitas vezes não é possível sem outros
direta, e não há possibilidade de confusão provocada por even- dados. Todos os anos, a agência faz um relatório informan-
tos terapêuticos ou adversos causados por um agente ativo no do como os fabricantes estão honrando esses “compromissos
grupo de controle. O controle com placebo também permite pós-comercialização”. Um relatório recente do Government
aprovar novos produtos cuja eficácia seja semelhante à dos fár- Accountability Office notou que até metade dos estudos de
macos existentes; a realização de estudos de “equivalência” ou segurança pós-comercialização “obrigatórios” solicitados pela
de “não-inferioridade” contra tratamentos ativos requer maior agência não havia sido iniciada, mesmo anos após o início do
número de pacientes e é mais difícil estatisticamente. uso do fármaco em larga escala.
No entanto, enquanto a comparação “melhor que placebo”
pode ser suficiente para que um fabricante atenda às exigên-
cias legais da FDA para aprovação do fármaco, os dados apre- FARMACOEPIDEMIOLOGIA
sentados costumam não atender às expectativas do clínico,
do paciente ou do financiador sobre a segurança ou a eficácia Farmacoepidemiologia é o estudo dos desfechos de um fármaco
comparativa de um novo fármaco. Um novo fármaco pode ter em grandes populações de pacientes. Para compreender a meto-
ação melhor do que o placebo, mas é melhor do que um outro dologia é preciso pensar nos efeitos do fármaco sob aspectos
tratamento já existente que o médico poderia escolher? Ou é diferentes da farmacologia convencional (Quadro 50.1). Essa
pelo menos igual? O novo fármaco pode causar mais efeitos perspectiva considera a população como o sistema experimental
adversos (por ex., rabdomiólise no caso de uma estatina), mas estudado. Os medicamentos são introduzidos no sistema como
a incidência é maior do que a observada em tratamentos anti- poderiam ser estudados em cultura tecidual, em um paciente
gos? E ainda que seja, o novo fármaco também proporciona ou em um preparado de células isoladas. As diferenças são que
maior prevenção de eventos cardíacos isquêmicos? Em caso nas populações geralmente não há randomização, os desfechos
afirmativo, a troca pode ser aceitável; caso contrário, não seria; são medidos em termos de probabilidades (ou taxas) de even-
mas se não houver dados comparativos, não é possível sequer tos, as decisões interpostas e o comportamento de médicos e
avaliar a questão. pacientes podem modificar o efeito do fármaco, e as escalas
usadas na análise são muito maiores do que as empregadas na
DURAÇÃO E ESTUDOS PÓS-APROVAÇÃO farmacologia convencional, alcançando milhões de pacientes
e anos de exposição.
A duração dos ensaios de eficácia de alguns novos fármacos A importância da farmacoepidemiologia é ressaltada pela
pode levar apenas 8 a 16 semanas. Embora os critérios de interrupção da comercialização de diversos fármacos proemi-
avaliação substitutos ou desfechos indiretos possam ser sufi- nentes nos últimos anos. Cada uma dessas interrupções foi pre-
cientes para atender a uma definição legal de eficácia, esses cedida por efeitos adversos graves, ou até mesmo fatais, que
ensaios de curta duração podem fornecer poucas informações não foram reconhecidos ou que foram subestimados por ocasião
úteis sobre os benefícios e os riscos depois desse período. Além da aprovação (Quadro 50.2). Empregando os recursos da far-
disso, a FDA requer teste de segurança durante no mínimo 6 macoepidemiologia, é possível identificar efeitos adversos que
meses para um novo fármaco destinado ao uso crônico (sendo podem ser negligenciados em ensaios randomizados em razão
crônico definido como qualquer período maior que 6 meses). de serem raros, representarem aumento de um risco inicial já
No entanto, mesmo essa duração do teste de segurança pode elevado (por ex., duplicação do risco de infarto do miocárdio
ser relativamente curta para um medicamento de administração ou acidente vascular cerebral em pacientes idosos), ocorrerem
crônica que pode ser usado durante vários anos. principalmente em grupos de pacientes sub-representados nos

QUADRO 50.1 Farmacologia Convencional versus Farmacoepidemiologia


FARMACOLOGIA CONVENCIONAL FARMACOEPIDEMIOLOGIA
Número pequeno de pacientes estudados Populações de pacientes estudados
Relações dose-resposta diretas Definir probabilidades de benefício e risco
Foco na biologia Foco no comportamento dos profissionais que prescrevem e dos pacientes
Desfechos a curto prazo Estudo mais prolongado
Eventos raros são difíceis de estudar Capacidade de identificar eventos raros
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ensaios clínicos (por ex., idosos, crianças, gestantes), levarem associada ao uso de um fármaco e de outros membros da mes-
muitos meses ou anos para se desenvolver, surgirem basicamen- ma classe. Os dados clínicos limitados sobre o caso descrito
te durante a coadministração de outros fármacos específicos também podem prejudicar a tentativa de avaliar os fatores de
e/ou ocorrerem principalmente em pacientes que tenham uma confundimento (ver discussão adiante) que podem distorcer a
co-morbidade ou um genótipo específico. relação fármaco-desfecho.

FONTES DE DADOS SOBRE Bancos de Dados Automatizados


FARMACOEPIDEMIOLOGIA Os bancos de dados automatizados de utilização dos serviços
de saúde tornaram-se cada vez mais importantes para definir
Quando um fármaco já é usado rotineiramente, as informa- associações entre medicamentos e efeitos adversos. Cada vez
ções sobre seus efeitos adversos podem vir de várias fontes. mais, os medicamentos adquiridos pelos pacientes são registra-
Estas incluem (1) relatórios espontâneos apresentados à FDA dos em um banco de dados computadorizado, com freqüência
ou ao fabricante por médicos, outros profissionais de saúde ou para faturamento. Contatos clínicos individuais (por ex., con-
pacientes; (2) análise de grandes conjuntos de dados reunidos
sultas ao médico, hospitalizações, procedimentos, exames diag-
por HMO (organizações mantenedoras de saúde), programas de
nósticos) são registrados pelo mesmo motivo, geralmente com
governo ou seguradoras privadas no processo de reembolso dos
um ou mais diagnósticos associados. Mesmo quando não há
medicamentos e dos serviços clínicos; (3) registros em anda-
coordenação desses serviços (como na maioria dos pacientes do
mento de pacientes que usam um medicamento específico; e (4)
Medicare ou Medicaid), o rastro de dados produzidos permite
estudos ad hoc destinados a responder uma questão específica.
Cada método tem seus pontos positivos e negativos, que devem avaliar a freqüência de uso de um determinado fármaco em
ser considerados na avaliação da qualidade dos dados obtidos uma população definida de pacientes, bem como a freqüência
de uma determinada fonte. de desfechos específicos (desejados ou indesejados) em usuários
desses fármacos. Se uma população é relativamente bem definida
e estável (como pode ocorrer em uma organização mantenedora
Relatos Espontâneos de saúde, ao menos para um subgrupo de pacientes), é possível
Normalmente, os relatos espontâneos são uma das fontes de avaliar exposições e desfechos em uma população relativamente
informações mais usadas pela FDA no acompanhamento dos fechada e bem caracterizada. Caso haja informações clínicas nos
efeitos adversos dos fármacos comercializados. Esses relatos dados dos pedidos de reembolso (por ex., diagnósticos, número e
são enviados por profissionais ou pacientes aos fabricantes ou duração das hospitalizações por motivos específicos), é possível
à FDA, descrevendo um evento adverso, observado em um realizar estudos rigorosos de relações fármaco-desfecho espe-
paciente, que pode estar associado ao fármaco. Um ponto posi- cíficas, conforme descrito adiante. Uma limitação importante
tivo dos relatos espontâneos é que muitas vezes são o primeiro desses bancos de dados baseados em utilização foi a natureza
sinal de um efeito inesperado (por ex., valvulopatia cardíaca limitada, e muitas vezes não validada, das informações diagnósti-
em pacientes que usam inibidores de apetite do tipo da fen- cas, sobretudo de pacientes ambulatoriais. No entanto, quando a
fluramina). quantidade e a qualidade dessas informações aumentarem, essa
Embora esses relatos possam ser úteis para gerar novas hipó- limitação diminuirá.
teses, têm limitações importantes. Em primeiro lugar, a maioria
(90% a 99%) das doenças induzidas por fármacos nunca é rela-
tada; isso ocorre mesmo em relação aos efeitos adversos graves,
Registros de Pacientes
antes desconhecidos. A taxa de relatos é muito influenciada pela No caso de alguns fármacos, a FDA solicita que o fabricante
novidade de um fármaco, por notícias na literatura médica e acompanhe todos os pacientes (ou uma amostra bem definida de
na imprensa, além de outros fatores. Como esses relatos têm todos os pacientes) que usam o fármaco. Essa solicitação pode
origem em populações indefinidas de usuários, é difícil saber ser feita tanto para definir quanto para evitar efeitos adversos
muito sobre sua freqüência — uma questão importante ao se perigosos específicos (por ex., a agranulocitose que pode ser
tentar comparar a incidência de um determinado efeito adverso provocada pela clozapina, um medicamento antipsicótico).

QUADRO 50.2 Importantes Retiradas do Mercado de Fármacos Muito Usados


NOME COMERCIAL NOME GENÉRICO RAZÃO DA SUSPENSÃO
Duract Bronfenaco Hepatotoxicidade
Posicor Mibefradil Hipotensão, bradicardia
Fen-phen Fenfluramina/fentermina Hipertensão pulmonar, valvulopatia cardíaca
Rezulin Troglitazona Hepatotoxicidade
Baycol Cerivastatina Rabdomiólise
PPA Fenilpropanolamina Hemorragia intracerebral
Vioxx Rofecoxib Infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral
Bextra Valdecoxib Síndrome de Stevens-Johnson, infarto do
miocárdio
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Estudos Ad Hoc Avaliação de Risco


Muitas questões importantes em farmacoepidemiologia não No nível mais básico, os estudos de coorte e caso-controle ofe-
podem ser resolvidas por esses métodos e, em vez disso, devem recem dados que formam uma tabela 2 ⫻ 2, definida pela pre-
ser respondidas pela coleta de dados de novo sobre grupos sença ou ausência de exposição ao fármaco de interesse, bem
específicos de pacientes que têm uma determinada doença ou como pela presença ou ausência do desfecho adverso. Os dados
usam uma classe específica de medicamentos. Um exemplo é a podem ser organizados em quatro células, como mostra a Fig.
definição de sonolência súbita incontrolável (por vezes chama- 50.2: pacientes que usaram o fármaco de interesse e tiveram o
da de “crises de sono”) em pacientes com doença de Parkinson desfecho (A); pacientes que usaram o fármaco, mas não tiveram
(DP) tratados com agonistas da dopamina. Esses eventos não o desfecho (B); pacientes que não usaram o fármaco, mas mesmo
foram documentados sistematicamente na maioria dos grandes assim tiveram o desfecho (C), e pacientes que não usaram o
ensaios clínicos desses fármacos nem tendem a ser registrados fármaco nem tiveram o desfecho de interesse (D).
como um novo diagnóstico na consulta, e, para determinar se As células A e D são concordantes para a relação fármaco-
estão mais associados a alguns fármacos do que a outros, seria desfecho e as células B e C são discordantes para essa associação.
preciso entrevistar uma grande amostra de pacientes com DP Em termos simples, o produto A ⫻ D dividido pelo produto B ⫻
que usassem diferentes classes de medicamentos. C reflete a importância dessa associação. Nos estudos de coorte,
isso é denominado risco relativo; nos estudos de caso-controle
(quando o desfecho do caso não é comum), é conhecido como
ESTRATÉGIAS DE ESTUDO razão de chances. Um risco relativo (ou razão de chances) igual
Após a identificação de uma fonte de dados farmacoepidemi- a 2 significa que os pacientes que usam o fármaco são duas vezes
ológicos, usam-se métodos estatísticos para avaliar esses dados
e chegar a conclusões sobre as associações entre um fármaco
e os possíveis efeitos adversos. A maioria dos dados colhidos
Estudo de caso-controle
para esse fim é de observação, e os dois tipos mais comuns de
análises usadas para avaliá-los são estudos de coorte e estudos
de caso-controle. Esses estudos destinam-se a avaliar estatisti-
camente o risco associado à exposição a um fármaco específico
Casos
ou a um desfecho adverso particular. (por ex.,
= aquisição do fármaco X infarto do
Estudos de Coorte e Caso-Controle miocárdio)

Em estudos de coortes, identifica-se um grupo de pacientes expos-


tos a um determinado fármaco (por ex., pacientes com artrite
tratada com um AINE específico) e outro grupo de pacientes,
Controles
o mais semelhante possível ao grupo exposto, que não usou o (sem infarto
fármaco de interesse (por ex., pacientes com artrite de grau com- Tempo do miocárdio)
parável tratada com outro AINE). Em seguida, os dois grupos
são acompanhados para determinar quantos pacientes de cada
um apresenta um efeito adverso de interesse (por ex., infarto do Estudo de coorte (seguimento)
miocárdio; Fig. 50.1). Embora isso possa ser feito em tempo real,
na maioria das vezes define-se a exposição (ou não-exposição)
vários anos antes a partir de um banco de dados, de modo que os
eventos subseqüentes possam ser analisados retrospectivamente, Expostos
sem necessidade de espera para o acompanhamento. Os estudos (em uso do
fármaco X) = desfecho (por ex.,
de coortes são preferidos quando se deseja medir as taxas de
infarto do miocárdio)
incidência real (isto é, a probabilidade de um determinado des-
fecho após o uso de um fármaco específico).
Em estudos de caso-controle, especifica-se o desfecho que defi-
ne o caso (por ex., infarto do miocárdio) e identifica-se um grupo
Não expostos
de pacientes em uma população que já tenha apresentado aquele (que não usam
evento. Estes são os casos. Os controles são pacientes da mesma o fármaco X)
população, o mais semelhantes aos casos possível, mas que não Tempo
apresentaram o desfecho de interesse (por ex., pacientes de idade
e sexo semelhantes, com fatores de risco cardíaco semelhantes, Fig. 50.1 Esquema de estudos de caso-controle e coorte. Em cima. Em
que não tiveram infarto do miocárdio). Em seguida, faz-se a aná- um estudo de caso-controle, os casos são identificados como um grupo de
lise retrospectiva, revendo todos os medicamentos usados pelos pacientes em uma população que teve o evento definidor do caso (por ex.,
infarto do miocárdio) e os controles são pacientes da mesma população, o
casos e pelos controles, para determinar se o uso do fármaco foi mais semelhantes aos casos possível, mas que não tiveram o desfecho de
maior entre os casos que entre os controles (Fig. 50.1). É mais interesse. Todos os medicamentos usados pelos casos e pelos controles são
difícil avaliar as taxas de incidência em um estudo de caso-con- revistos retrospectivamente para determinar se o uso do fármaco foi maior
trole do que em um estudo de coorte. No entanto, o modelo de entre os casos que entre os controles. Embaixo. Em um estudo de coorte,
caso-controle é mais eficiente se o desfecho de interesse for raro são identificados dois grupos de pacientes — um grupo que foi exposto a
um determinado fármaco e outro grupo, o mais semelhante possível ao
e for preciso entrevistar todos os participantes do estudo, porque é grupo exposto, mas que não usa o fármaco de interesse. Os dois grupos são
possível concentrar-se em um grupo selecionado de pacientes que acompanhados para determinar quantos pacientes em cada um apresenta um
de antemão se sabe que têm o desfecho de interesse. desfecho de interesse específico (por ex., infarto do miocárdio).
824 | Capítulo Cinqüenta

vacional, porém, o uso do fármaco deve ser determinado por


Desfecho Ausência de outros meios. Um dos recursos mais importantes para verificar
adverso desfecho adverso o uso de fármacos é a análise dos registros eletrônicos criados
quando um paciente adquire um medicamento prescrito. No caso
A B
Exposição + Exposição +
de pacientes com seguro-saúde, como Medicaid, cobertura de
Exposição organização mantenedora de saúde, ou talvez Medicare, esses
ao fármaco Desfecho + Desfecho –
registros podem ser reunidos para oferecer um quadro completo e
confiável de todos os medicamentos adquiridos pelo paciente.
C D Os arquivos computadorizados de uso dos serviços de saúde
Ausência de Exposição – Exposição – também podem ser empregados para avaliar desfechos, como
exposição
Desfecho + Desfecho – fratura do quadril, infarto do miocárdio ou embolia pulmonar.
ao fármaco Essas avaliações podem ser feitas com grande competência,
pois esses diagnósticos também são registrados rotineiramente
no decorrer da administração e do pagamento por serviços no
sistema de saúde. Deve haver muito cuidado ao avaliar essas
Fig. 50.2 Análise básica de dados de estudos de caso-controle e coorte. informações diagnósticas. Enquanto a aquisição de um supri-
A tabela 2 ⫻ 2 é definida pela presença ou ausência de exposição ao fármaco mento de sinvastatina, 30 mg, para 30 dias é especificada sem
de interesse e também pela presença ou ausência do desfecho de interesse.
As células de A a D incluem, respectivamente, pacientes que usaram o fármaco ambigüidades no arquivo de farmácia, a presença (ou ausência)
de interesse e tiveram o desfecho (A), pacientes que usaram o fármaco, mas de um código indicativo de depressão, alergia ao fármaco ou
não tiveram o desfecho (B), pacientes que não usaram o fármaco, mas mesmo insuficiência cardíaca pode representar uma variedade muito
assim tiveram o desfecho (C) e pacientes que não usaram o fármaco nem maior de diagnósticos. Alguns diagnósticos podem ser feitos
tiveram o desfecho de interesse (D). Em termos simples, o produto A ⫻ D
dividido pelo produto B ⫻ C reflete a potência dessa associação fármaco- com certeza a partir de dados computadorizados de solicitação
desfecho. Nos estudos de caso-controle (visto que o desfecho do caso não de reembolso, como o reparo cirúrgico de uma fratura de qua-
é comum), essa razão é conhecida como razão de chances; nos estudos de dril ou uma hospitalização por infarto do miocárdio. Outros
coorte, essa razão é chamada de risco relativo. podem exigir a validação de um diagnóstico computadorizado
por revisão do prontuário médico. Esse problema diminuirá à
medida que mais informações clínicas forem registradas eletro-
nicamente e for possível o acesso direto ao “prontuário médi-
mais propensos a apresentar o desfecho que os pacientes que co primário” no computador. Essas questões também causam
não usam aquele fármaco; um risco relativo ou razão de chances menos problemas nos estudos farmacoepidemiológicos basea-
igual a 0,5 significa que o risco daquele desfecho nos usuários do dos principalmente na revisão do prontuário médico.
fármaco corresponde à metade do risco dos não-usuários (isto é,
o fármaco tem efeito protetor contra aquele desfecho). Confundimento por Indicação
Em um ensaio randomizado, o tratamento dos participantes é
QUESTÕES NO DELINEAMENTO E designado aleatoriamente. Se o estudo for grande o suficiente
NA INTERPRETAÇÃO DO ESTUDO e a randomização adequada, é provável que as diferenças nos
desfechos entre participantes nos diferentes braços de estudo
Epidemiologistas e estatísticos criaram várias estratégias para sejam resultantes dos diferentes tratamentos recebidos, porque
corrigir os problemas inerentes aos estudos observacionais. Para eles eram (por definição) semelhantes em todos os outros aspec-
evitar a maioria das formas de confundimento, os pesquisadores tos. Por outro lado, em um estudo observacional, o pesquisador
tentam obter o maior número possível de informações sobre as é obrigado a analisar desfechos em pacientes para os quais o
características de pacientes que usam cada fármaco estudado. Os médico já decidiu prescrever o Fármaco A, o Fármaco B ou
pacientes que receberam um fármaco eram mais velhos do que nenhum fármaco. Portanto, é preciso ir além da simples for-
os pacientes tratados com um fármaco comparador? Ou estavam mulação 2 ⫻ 2 já descrita para ajustar as relações observadas
mais enfermos? Ou havia maior probabilidade do uso (ou não uso) e controlar essas diferenças — que podem ter existido antes de
de outros medicamentos que poderiam influenciar a probabilidade os pacientes usarem os fármacos estudados.
de um desfecho? Por exemplo, em um estudo que compara as Por exemplo, um grupo de indivíduos que usam anti-hiperten-
taxas de infarto do miocárdio nos pacientes em uso de rofecoxib sivos tende a apresentar maior incidência de doença cardiovascular
(Vioxx) e em pacientes que usavam celecoxib (Celebrex), ibu- do que um grupo de indivíduos da mesma comunidade, com idade
profeno (Motrin) ou que não usavam AINE, é desejável saber o e sexo equivalentes, que não usam anti-hipertensivos. Sem dúvida,
máximo possível sobre a história de doença cardiovascular dos isso não ocorre porque os medicamentos para controle da pressão
pacientes e também sobre fatores de risco cardíacos. Se essas carac- arterial causam doença cardíaca. Sabe-se que os anti-hipertensivos
terísticas estiverem bem equilibradas nos “grupos” de usuários de reduzem o risco de doença cardiovascular (inclusive insuficiência
diferentes fármacos, não devem causar problema. No entanto, em cardíaca, infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral) em
caso contrário (por exemplo, se entre os usuários de rofecoxib pacientes com hipertensão arterial. Esses medicamentos reduzem
houver maior número de fumantes, ou menos usuários de doses o risco de doença cardíaca, mas não o eliminam por completo.
profiláticas de aspirina, do que entre aqueles que usam celecoxib), Além disso, muitos pacientes hipertensos iniciam o tratamento em
seria preciso ajustar isso na análise. uma idade mais avançada ou não seguem adequadamente o pro-
grama prescrito. Conseqüentemente, os usuários de medicamentos
anti-hipertensivos têm uma maior incidência de doença cardíaca
Averiguação de Exposição ao Fármaco e Desfechos do que indivíduos idênticos do ponto de vista demográfico que
Em um ensaio clínico, o fármaco usado pelo paciente é conhe- não usam medicamentos para controle da pressão arterial. Esse
cido, porque é parte de um protocolo. Em um estudo obser- problema é conhecido como “confundimento por indicação”.
Detecção Sistemática de Eventos Adversos em Fármacos Comercializados | 825

Viés de Seleção mais propensos a apresentar melhores desfechos clínicos, sem


considerar o efeito terapêutico de um fármaco específico no
Outro problema é causado pelo fato de que, em estudos epide- seu programa. Para resolver essa questão em estudos observa-
miológicos, o uso de fármacos pelos pacientes é determinado cionais, alguns grupos de pesquisa começaram a usar apenas
pelos médicos e não pelo observador. Por exemplo, quando a “controles ativos” como grupos de comparação — comparan-
fluoxetina (Prozac) introduziu os antidepressivos da classe de do pacientes que aderiram ao uso de estatina aos pacientes
inibidores seletivos da recaptação de serotonina (SSRI) no final que usavam outros fármacos profiláticos — em vez de apenas
da década de 1980, surgiram relatos de que os pacientes tratados comparar esses pacientes com outros que não são usuários de
com o novo fármaco eram mais propensos a cometer suicí- estatinas.
dio do que os pacientes que usavam antidepressivos antigos,
como os antidepressivos tricíclicos (amitriptilina, nortripti-
lina, desipramina). Na verdade, ainda existe a preocupação Interpretação do Significado Estatístico
(baseada em ensaios randomizados controlados por placebo) de Na avaliação dos resultados de estudos observacionais e ensaios
que os SSRI possam precipitar idéias ou tentativas de suicídio randomizados, costuma-se usar um valor de p de 0,05 como
em alguns pacientes, sobretudo em adolescentes e crianças. limiar ou referência de significado estatístico. Muitas vezes,
No entanto, os relatos iniciais de aumento do risco tornam esse critério é erroneamente interpretado como indicativo de
claro que o viés de seleção poderia ser outra explicação para o que um achado é “real” se a diferença entre os grupos for
suicídio em usuários de fluoxetina. Pacientes que estivessem menor que esse valor e “não-real” se estiver acima. No entan-
apresentando bons resultados com os antidepressivos antigos to, leitores mais sofisticados compreendem que esse ponto de
seriam menos propensos a trocá-los pelo novo fármaco quando corte é arbitrário (comparado, por exemplo, a um valor de p de
entrou no mercado. O ensaio de um novo medicamento teria um 0,03 a 0,07), e que também se deve dar atenção à magnitude
número muito maior de pacientes deprimidos que não tinham da diferença. Por exemplo, uma diferença de p < 0,05 entre
bons resultados — talvez aqueles que continuavam a pensar um novo fármaco e o placebo pode ser clinicamente insig-
em suicídio. Além disso, a DL50 para os fármacos antigos é nificante se houver apenas uma diferença de 2% na amplitude
baixa por causa de sua toxicidade cardiovascular, ao passo que do efeito. Pode ser necessário, para fins reguladores (como a
é muito mais difícil ingerir um SSRI em quantidade sufici- aprovação de um novo fármaco pela FDA), ter um nível de refe-
ente para que haja uma superdosagem fatal. Assim, o médico rência consensual de significado na comparação dos critérios
preferiria que um paciente potencialmente suicida tivesse em de avaliação de eficácia, mas deve-se compreender os limites
casa um suprimento de fluoxetina do que um suprimento de desse recurso.
antidepressivos tricíclicos. Qualquer que seja o risco de suicídio A situação é ainda mais crítica na avaliação do significado
causado por um desses fármacos, esses fatores isolados seriam estatístico de dados sobre eventos adversos, seja em um ensaio
combinados para criar um perfil de maiores índices de suicídio randomizado ou em uma análise observacional. É útil lembrar
em usuários de fluoxetina em comparação com os usuários de que o valor de p é determinado pelo tamanho da amostra e pela
antidepressivos tricíclicos em um estudo observacional. magnitude de uma diferença observada. A maioria dos ensaios
clínicos tem poder suficiente para detectar a diferença entre um
O Efeito “Usuário Saudável” fármaco em estudo e seu comparador na produção de um des-
fecho clínico relativamente comum (por ex., redução da pres-
Diversos estudos epidemiológicos de uso e desfechos de fárma- são arterial ou do nível de LDL). Conseqüentemente, porém,
cos definiram relações que não foram confirmadas em ensaios esses estudos não tendem a ter poder estatístico adequado para
controlados randomizados (por ex., diminuição das taxas de encontrar uma diferença “significativa” entre os grupos acerca
doença cardíaca, incontinência e depressão em mulheres que dos desfechos que são muito mais raros (por ex., redução da
usam estrógeno após a menopausa; redução das taxas de câncer função renal). A adesão a um padrão “p < 0,05” para efeitos
e doença de Alzheimer em pacientes que usam estatinas). Mui- adversos raros pode levar à rejeição de riscos importantes que
tas vezes esses estudos parecem ser comprometidos pelo que um estudo pode não ter o poder de detectar.
pode ser chamado de “efeito do usuário saudável”. Os pacientes A solução não é incluir todas as diferenças nas taxas de
que são usuários regulares de qualquer medicação preventiva efeitos adversos sem levar em conta suas propriedades estatís-
parecem ser diferentes daqueles que não exibem esse compor- ticas, mas sim avaliar atentamente essas diferenças e procurar
tamento: são mais propensos a procurar o médico em busca outros dados para esclarecer relações preocupantes, mesmo que
de tratamento preventivo, ou pelo menos estão mais abertos não sejam “significantes” em termos de valor de p. Por exem-
a recebê-lo, e seus médicos costumam ser suficientemente plo, quando a FDA estava avaliando o risco de pensamentos e
interessados na prevenção para fazer tal prescrição. Talvez atitudes suicidas em adolescentes e crianças que usavam anti-
o mais importante seja que os pacientes que adquirem várias depressivos do tipo SSRI em ensaios controlados por placebo,
vezes um medicamento de forma regular e prolongada formam as taxas desses resultados relativamente raros costumavam ser
claramente uma minoria. É provável que também sejam mais maiores nos pacientes tratados do que no grupo que recebia
propensos a ter outros comportamentos promotores da saúde, placebo. Cada estudo individual não considerou um p < 0,05
como não fumar, controlar o peso, praticar exercícios físicos e significante para essas diferenças. Entretanto, quando a FDA
seguir as outras farmacoterapias prescritas. reuniu os dados de todos esses ensaios (em alguns casos, anos
Alguns grandes ensaios randomizados comprovaram um após a conclusão dos estudos), ficou claro que a diferença em
ponto semelhante: os pacientes que usam placebo e aderem ao todos os estudos era clara e constante (e também atendia o nível
programa do estudo têm menos eventos cardíacos do que os de p < 0,05 convencional).
pacientes do grupo que recebe placebo e não aderem ao pro- Observa-se o problema inverso quando se analisa o signifi-
grama. Como o conteúdo do placebo não poderia ter causado cado estatístico de dados de grandes estudos epidemiológicos
esse efeito, os achados são sinais claros de que os pacientes populacionais. Aqui, o tamanho da amostra (poder) não é uma
que têm um comportamento regular de promoção da saúde são limitação, sobretudo quando os estudos usam dados sobre cen-
826 | Capítulo Cinqüenta

tenas de milhares de pacientes mediante o emprego de um ban- fármacos desde que se descobriu, em 1961, que a talidomida
co de dados automatizado de solicitações de reembolso. Uma causava grandes malformações fetais. A tragédia da talidomida
diferença de 4 ou 5% nas taxas de um determinado efeito (seja ajudara a desencadear uma onda de reformas das regulamenta-
terapêutico ou adverso) pode atingir um valor de p de 0,001, ções dos fármacos que deu à FDA nova autoridade para exigir
apenas devido ao enorme tamanho da população estudada. Mas comprovação da eficácia antes da aprovação de um fármaco.
aqui, mesmo que o achado pareça ter significado estatístico, (Essa exigência não existia antes.) A suspensão das vendas do
uma diferença de magnitude tão pequena pode ter pouca ou Vioxx também estimulou pedidos de uma reforma reguladora,
nenhuma importância clínica. sobretudo no modo de detecção e acompanhamento de eventos
adversos, mas a resposta política foi muito menor. Uma questão
muito discutida foi a falta de autoridade clara da FDA para
exigir estudos dos riscos do fármaco após o início da com-
EFEITOS ADVERSOS DOS FÁRMACOS E ercialização. Embora a agência tenha grande influência sobre
O SISTEMA DE ATENÇÃO À SAÚDE os fabricantes durante o processo inicial de aprovação do fár-
maco, seu poder é pequeno para exigir outros estudos de um
A série de retiradas do mercado de fármacos freqüentemente fármaco que já esteja no mercado. As revisões governamentais
usados na década de 1990 e no início da década de 2000 demonstraram que, mesmo quando os estudos de segurança
renovou o interesse no desenvolvimento de técnicas para evi- pós-venda são exigidos por ocasião da aprovação, muitas vezes
tar esses problemas, ou pelo menos para limitar o número de não são concluídos ou sequer iniciados. Isso ajuda a explicar o
pacientes expostos ao risco identificando mais cedo os efeitos atraso na detecção e na solução de importantes efeitos adversos.
adversos. Conseqüentemente, o conceito de “gestão de risco” A racionalização da resposta nacional a esse problema ainda é
tornou-se um tema importante no desenvolvimento e na regu- um objetivo primordial da política pública.
lação dos fármacos.
QUESTÕES LEGAIS E ÉTICAS
EQUILÍBRIO ENTRE BENEFÍCIOS E RISCOS Os eventos adversos dos últimos anos fizeram com que muitas
Como observado acima, os novos produtos não costumam pessoas da área médica, do governo e da população em geral
ser comparados às opções existentes durante a avaliação para perguntassem como deve ser distribuída a responsabilidade pela
aprovação, e esses estudos também não costumam ser rea- descoberta e pelas providências relativas aos efeitos adversos
lizados após a aprovação. Portanto, no caso de fármacos com importantes. Na maioria das vezes, a indústria e os funcionários
riscos conhecidos é difícil saber se um efeito adverso é mais da FDA afirmaram que as leis atuais são satisfatórias e que é
comum com um novo fármaco do que com outro da mesma adequado que uma empresa cumpra as exigências de apresentar
classe (por ex., hemorragia gastrointestinal com AINE ou rab- relatórios espontâneos de eventos adversos à agência. No entanto,
domiólise com estatinas). Uma maior taxa de um determinado o fracasso desse sistema em alertar precocemente sobre os riscos
evento adverso poderia ser aceitável com um fármaco especí- dos fármacos apresentados no Quadro 50.2, que agora estão fora
fico se estivesse associada a aumento significativo da eficácia. do mercado, levou à solicitação de um padrão mais rigoroso. Há
Nesse caso, porém, a ausência de ensaios clínicos pareados sugestões de que a indústria deve servir como “supervisora de sua
dificulta a avaliação. Assim, na maioria dos casos, o clínico molécula”, responsável pela pesquisa proativa de possíveis danos
precisa tomar decisões terapêuticas sem os dados necessários além do mínimo exigido por lei. Jurados e tribunais concordaram
para fazer essas opções com rigor. com essa idéia; as indenizações judiciais ultrapassaram a casa
Os 30 bilhões de dólares gastos anualmente pela indústria de um bilhão de dólares no caso da cerivastatina (Baycol) e de
farmacêutica para vender seus produtos costumam ser concen- 21 bilhões de dólares no caso da fenfluramina e da dexfenflu-
trados na “fase inicial”, com desembolso de grandes quantias ramina (Redux), mesmo sem condenações criminais.
logo após o lançamento para maximizar as vendas durante o
maior número possível de anos enquanto a patente ainda for n Conclusão e Perspectivas Futuras
válida. Ironicamente, isso significa que a maior promoção de Um ingrediente necessário para responder às questões levan-
um medicamento ocorre no período em que há menor expe- tadas neste capítulo é a disponibilidade de dados rigorosos e
riência com seu uso e efeitos na população como um todo. amplos sobre riscos e benefícios em grandes populações de
Por ocasião da aprovação pode não haver muitas (ou mesmo pacientes típicos. Esses dados são necessários para permitir que
nenhuma) informações na literatura revista por pares sobre a as decisões — tanto tomadas à beira do leito quanto políticas
eficácia e a segurança de um fármaco, assim muitas vezes as — sejam baseadas na ciência e não em palpites, temores ou
fontes promocionais de informação são o principal recurso dos modas. Foram propostas várias direções para resolver a “lacuna
médicos para conhecerem os novos produtos. Os críticos da de dados” relativa aos efeitos adversos dos fármacos. Esses
indústria afirmaram que esses materiais costumam enfatizar avanços podem ser divididos em três domínios distintos: bio-
mais os benefícios terapêuticos, de forma persuasiva, do que logia, epidemiologia e política.
alertar para os riscos. Do ponto de vista biológico, a detecção sistemática de
efeitos adversos será beneficiada pelo desenvolvimento de
O PAPEL DA FDA instrumentos de pesquisa biomédicos para prever com mais
precisão a toxicidade de novos compostos e para indicá-los para
Depois de 5 anos no mercado e do uso por cerca de 20 milhões supervisão intensiva após o início da venda de um fármaco. A
de pessoas, o rofecoxib (Vioxx) teve sua venda suspensa em farmacogenômica (ver Cap. 52) está enfocando muitas dessas
2004, quando se constatou que duplicava o risco de infarto questões a partir do ponto de vista de diferenças hereditárias
do miocárdio e acidente vascular cerebral. Esse acontecimento no metabolismo dos fármacos (farmacocinética) e nas respostas
chamou a atenção do público como nenhuma outra crise com aos fármacos (farmacodinâmica).
Detecção Sistemática de Eventos Adversos em Fármacos Comercializados | 827

Na disciplina de epidemiologia, estudos em larga escala n Leituras Sugeridas


serão facilitados pela maior disponibilidade de grandes bancos
Avorn J. Powerful Medicines: the Benefits, Risks, and Costs of Pres-
de dados automatizados de uso de fármacos e registros clíni-
cription Drugs. New York: Knopf; 2005. (Exame das inter-relações
cos, como aqueles encontrados em organizações mantenedoras
entre as companhias farmacêuticas, a FDA e os profissionais que
de saúde ou programas de seguro governamental. Esses dados
prescrevem medicamentos.)
serão ainda mais úteis com a crescente sofisticação de técnicas
metodológicas avançadas, como escores de propensão e variá- Ray WA, Stein CM. Reform of drug regulation—beyond an indepen-
veis instrumentais para melhorar o controle do confundimento dent drug safety board. N Engl J Med 2006;354:194–201. (Propos-
em estudos observacionais. ta de regulamentação que inclua centros de aprovação de novas
Por fim, serão necessárias modificações na política para substâncias, estudos pós-comercialização e informações sobre as
garantir a vigilância na detecção de eventos adversos. As alte- substâncias.)
rações propostas incluem uma “tarifa de segurança” de alguns Schneeweiss S, Avorn J. A review of uses of health care utilization
centavos por medicamento vendido para apoiar estudos com databases for epidemiologic research on therapeutics. J Clin Epide-
financiamento público sobre os riscos dos medicamentos comer- miol 2005;58:323–337. (Revisão dos pontos fortes, das limitações e
cializados; um novo órgão governamental para financiar pesqui- das aplicações dos bancos de dados de assistência de saúde.)
sas sobre a segurança de fármacos e ensaios comparativos de Strom B. Pharmacoepidemiology. New York: John Wiley & Sons;
produtos semelhantes; um análogo do National Transportation 2005. (Livro abrangente sobre farmacoepidemiologia.)
Safety Board (NTSB) para estudar “acidentes com medicamen- U. S. Government Accountability Office. Drug safety: improvement
tos” assim como o NTSB estuda acidentes de avião ou de trem needed in FDAʼs postmarket decision-making and oversight pro-
— como o NTSB, esse órgão seria independente da agência fede- cess. March 2006. (Aborda o debate recente sobre a vigilância
ral e das companhias relacionadas à rotina daquele setor; novos pós-comercialização.)
poderes reguladores para a FDA que permitiriam que a agência Wood AJ. A proposal for radical changes in the drug-approval process.
exigisse dos fabricantes a conclusão dos estudos de segurança N Engl J Med 2006;355:618–623. (Proposta de incentivos econô-
necessários; além da reavaliação obrigatória de todos os novos micos para melhorar os dados sobre segurança a longo prazo,
fármacos após 2 ou 3 anos de uso em larga escala, para verificar vigilância pós-comercialização, uso de pontos terminais e desen-
a verdadeira taxa de efeitos adversos na prática. volvimento de substâncias com alto risco comercial.)

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