Академический Документы
Профессиональный Документы
Культура Документы
CENTRO DE HUMANIDADES
FORTALEZA
2015
REBECA MATOS FREIRE
FORTALEZA
2015
REBECA MATOS FREIRE
BANCA EXAMINADORA
________________________________________
Profa. Dra. Lea Carvalho Rodrigues (Orientadora)
Universidade Federal do Ceará (UFC)
_________________________________________
Profa. Dra. Cristina Maria da Silva
Universidade Federal do Ceará (UFC)
_________________________________________
Profa. Dra. Mariana Mont'Alverne Barreto Lima
Universidade Federal do Ceará (UFC)
AGRADECIMENTOS
Às minhas irmãs, Cibele e Jessica, por todo o amor e irmandade que nós
partilhamos, mesmo na distância. Que nossa união prevaleça, sempre.
Aos meus amigos de graduação, Glauco, Bruna e Lívia, por terem sido tão
companheiros no período em que estivemos juntos. Que a vida nos proporcione
mais encontros.
Ao Cristiano, por dividir as angústias e alegrias que a vida acadêmica
proporciona. Pela cumplicidade que partilhamos na nossa amizade, muito obrigada.
Por fim, mas não menos importante, aos moradores de Jericoacoara que, por
meio das conversas formais e informais, proporcionaram esta experiência tão rica e
cheia de significados para mim. Muito obrigada.
RESUMO
1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 11
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 84
ANEXOS ................................................................................................................... 88
1. INTRODUÇÃO
1
Rodrigues se vale do conceito de transnacionalidade por meio do artigo de Gustavo Lins Ribeiro, em
“A condição da transnacionalidade” (1997), e Ulf Hannerz, no livro “Conexiones transnacionales:
cultura, gente, lugares” (1998). Segundo a autora, Ribeiro “considera transnacionalidade os
fenômenos – sociais, políticos, econômicos e culturais – que ultrapassam as fronteiras geográficas
do Estado-Nação, expressando a complexidade contemporânea de „representar pertencimento a
unidades sócio-culturais‟.” (RODRIGUES, 2014, p.1). A autora diz que Hannerz considera o
entendimento da noção de cultura necessário para entender os processos transnacionais, porque o
que caracteriza o transnacional é a dificuldade de tratar com exatidão a abrangência da cultura no
espaço social. Para ela, esse conceito se desenvolve fortemente vinculado aos estudos sobre
migração e a conceitos emergentes como o de transmigrante, de Nina Glick Schiller, no livro
“Transnacioality” (2007).
12
Jericoacoara, com uma duração mínima de três dias e máxima de dez dias. No total,
permaneci 34 dias na localidade.
As motivações que me levaram a estudar Jericoacoara são oriundas da
experiência da pesquisa, com orientações e leituras relacionadas ao tema e de
minha proximidade com espaços turísticos antes de ingressar na universidade. Para
falar sobre a minha experiência anterior com locais turísticos, é interessante também
abordar a metodologia do trabalho, tendo a etnografia como a base que consolidou e
construiu todo o processo, que iniciou na primeira viagem de campo, até a escrita da
última página desta monografia. Ela será um tópico a parte desta introdução.
Para trazer mais solidez e informações pertinentes que justifiquem a
importância desta pesquisa, apresentarei, a seguir, o turismo como tema de estudo
no âmbito das ciências sociais.
A temática do turismo possui um caráter interdisciplinar, uma vez que ele
perpassa diversas áreas de estudo, como a geografia, história, economia, sociologia
e antropologia, sendo que nas duas últimas, em âmbito internacional, já há um corpo
consolidado de conhecimento que forma a sociologia e a antropologia do turismo.
Rodrigues (2015a) e Barretto (2003) ressaltam a importância do turismo como tema
de estudo na antropologia, mas também apresentam outras áreas do conhecimento
que desenvolveram trabalhos cuja temática do turismo era central. Nelson Graburn
diz que a geografia foi a primeira área do conhecimento que explorou o turismo
como pesquisa de campo, nos anos 1950 e 1960, focalizando os impactos
econômicos e sociais. Segundo o autor, Valene Smith foi pioneira em enxergar o
turismo como tema de estudo e Rodrigues (2015a) cita a geógrafa (que se tornou
antropóloga posteriormente) e seu livro “Hosts and Guests”, considerado um
clássico. Barretto (2003) diz que as ciências econômicas detém o maior número de
trabalhos acadêmicos sobre turismo, analisando a movimentação econômica de
capital através da indústria turística, ou seja, pelos negócios ligados ao turismo.
Porém, Barretto ressalta que esta é apenas uma das partes que são investigadas na
atividade turística. Para ela, analisar o fenômeno do turismo apenas pela dimensão
econômica faz esquecer a dimensão socioantropológica, uma vez que a dimensão
econômica estuda o fluxo de dinheiro e enxerga o turista como um simples portador
de moeda. Por outro lado, considera que tratar o turismo apenas na dimensão
socioantropológica e ambiental pode constituir uma visão romantizada, deslocada
das condições históricas. Portanto, diz ela, é importante que o turismo seja estudado
14
de forma abrangente. No que diz respeito aos estudos sobre o turismo pelas
ciências sociais, Rodrigues (2015a) mostra que houve uma resistência dessa área
em reconhecer o turismo como tema de estudo. A autora elenca três aspectos que
mostram a forma como o turismo foi inserido nas ciências sociais, do ponto de vista
dos intelectuais da área: i) ultrapassagem de barreiras internas do campo disciplinar
para aceitação do tema; ii) abordagem periférica do tema; iii) estudo sistemático à
medida que o turismo se coloca como importante atividade na economia mundial
contemporânea. Rodrigues sugere que uma das dificuldades de aceitar o campo do
turismo dentro dos estudos das ciências sociais está no fato do turismo ter um
vínculo direto com o lazer e o ócio, e as ciências sociais, que se desenvolveram sob
o signo do progresso e desenvolvimento da sociedade capitalista, que tem como
principal foco analítico o trabalho e a sociedade industrial. Portanto, o lazer, ligado
ao turismo, situa a pesquisa num campo oposto ao campo do trabalho. Outro fator
que Rodrigues apresenta como dificuldade é a confusão que se faz entre
pesquisador e turista, fazendo com que o pesquisador não fosse levado muito a
sério, uma vez que haveria uma mistura entre o campo do trabalho e o campo do
ócio.
Ela toma como referência para essas reflexões Dennison Nash, com o
livro “Anthropology of Tourism” e ainda diz que sobre a antropologia, em particular,
ainda há outra razão para a dificuldade de incorporação da temática do turismo.
Tendo Nash como referência, a autora diz que para os antropólogos as viagens de
campo implicavam em entrar em contato com sociedades diferentes, em um
ambiente estranho e hostil, para conhecê-las e compartilhar esse conhecimento. De
acordo com ela:
2
Barretto diz que Heloísa Bruhns não é cientista social, mas ela tem contribuído nos estudos,
primordialmente dentro das ciências sociais aplicadas ao turismo.
19
CAMINHOS METODOLÓGICOS
O fato de esta monografia ter como recorte empírico uma área litorânea
talvez não seja apenas coincidência ou oportunidade. A chance que me foi dada de
participar de uma pesquisa de cunho antropológico me fez refletir, posteriormente,
de onde veio o interesse em realizar esta pesquisa. Acredito que as ciências sociais
nos permitem fazer ligações e pontes com diversas situações, seja como
experiências de vida ou experiências no campo, que contribuam para nosso
exercício enquanto cientistas sociais. Na antropologia, em particular, a sensibilidade
me foi fundamental para compreender o que me motivou, antes mesmo das leituras
sobre a temática do turismo.
Minha trajetória de vida foi marcada pela proximidade com o mar. Alguns
familiares residem em uma pequena cidade litorânea, próxima a capital Fortaleza,
chamada Paracuru. Durante alguns períodos do ano, eu ia até essa cidade passar
alguns dias, especialmente nos feriados. Na infância, eu ouvia que o mar “curava”
algumas enfermidades respiratórias e eu era acometida de algumas delas, como
asma e alergias. Minha mãe tinha um cuidado especial de me levar para banhos de
mar, sempre que íamos a Paracuru. Ainda hoje, quando vou à praia, sinto que serei
curada de algo. Que as enfermidades do corpo, um pouco cansado, vão embora
junto com as ondas. É uma sensação muito boa e foi interessante reviver esses
momentos enquanto refletia sobre minhas motivações. Talvez o banho de mar não
tenha me ligado a pesquisa desta monografia, mas despertou a origem da minha
proximidade com a praia, nunca percebida antes. É particularmente bonito relembrar
esses fatos. No entanto, a mesma lembrança me remete a outras que acredito
serem importantes de destacar. Nos feriados de Paracuru, a mudança no ritmo de
vida da cidade era notória e gerava algumas alterações. Ruas eram fechadas para
facilitar o trânsito de pessoas, e os mercados não conseguiam suprir a necessidade
dos que iam comprar alimentos e bebidas. Eu me incomodava com as praias lotadas
e a música alta que estourava sempre que vinha um feriado no calendário. Eu não
residia próximo ao centro da cidade, mas me perguntava como seria viver próximo a
essas localidades nesses momentos de efervescência e sentia desagrado ao
imaginar tanto movimento e dificuldade de locomoção próxima a uma residência,
20
ainda que por alguns dias. Vale ressaltar que eram pensamentos aleatórios, nada
baseados em pressupostos teóricos ou metodológicos.
Na universidade, aprendi que devemos ter o rigor científico para atender
às metodologias e dar conta das teorias discutidas e pensadas por tantos estudiosos
e pesquisadores. No entanto, o que me encanta na antropologia é poder encontrar
ligações com o que antes não imaginava ser possível, desenvolvendo uma
sensibilidade que tem me surpreendido na trajetória acadêmica. E esta disciplina
tem me proporcionado essas reflexões. Esse trecho da minha trajetória de vida
serviu de pano de fundo para um evento que, definitivamente, despertou os sentidos
para “ver” o turismo como um “problema” de pesquisa. Antes de ingressar no curso
de ciências sociais, cursei história em outra instituição. A turma de alunos realizou
uma viagem com o professor de uma disciplina, para conhecer cidades históricas do
Ceará. O destino, na época, era o litoral leste, até a cidade de Aracati e algumas
localidades próximas. Pude conhecer a praia do Canto Verde, na cidade de
Beberibe, e o turismo comunitário que é praticado na área. No entanto, o que me
chamou a atenção foi a praia de Canoa Quebrada, no litoral de Aracati. Agradeço ao
professor que conduziu a pequena excursão, foi por meio dele que descobri os
conflitos fundiários que envolviam a localidade e soube da luta das famílias locais
para manterem-se na comunidade.
A praia passou a ser vista com outros olhos por mim, e Canoa Quebrada
foi uma experiência que me apresentou o turismo como um sistema que se
desdobrava em vários âmbitos, ainda nebulosos para meu entendimento. Os
caminhos me levaram até o curso que estou concluindo, felizmente. Por meio da
bolsa de Iniciação Científica (PIBIC/CNPq), pude participar do projeto que realiza
pesquisas em Jericoacoara e, através dessa experiência, desenvolver esta
monografia. Minha pesquisa está vinculada a este projeto maior, que atualmente
realiza um estudo etnográfico em Jericoacoara, acompanhando as políticas de
expansão do turismo e questões ambientais que envolvem a localidade. As
articulações que elaborei com a experiência de campo e as experiências pessoais
me remetem ao que Goldman (2003) diz em seu artigo, sobre ser “afetado” pela
pesquisa, através da experiência de campo. Eu havia sido “afetada” antes de iniciar
esta pesquisa, mas a experiência de campo foi importante para perceber essa
sensibilidade e desenvolvê-la ao longo do trabalho.
21
Após apresentar este lado não tão técnico para a pesquisa (mas
fundamental), pretendo apresentar algumas considerações sobre a etnografia.
Leituras que foram primordiais para que eu me posicionasse como cientista, mas
sem ignorar minha posição como sujeito social que interage, continuamente, com o
meio pesquisado. Geertz (1989) foi uma referência para o entendimento da
etnografia como a base para desenvolver a monografia. A contribuição dele foi do
incentivo em deter maior atenção às observações em campo, às ações operadas no
meio. Geertz discute o papel da etnografia e a descrição densa como uma prática
que aperfeiçoa a pesquisa em campo. O etnógrafo relata, observa e transcreve os
fatos acompanhados por ele. Ele defende que a etnografia não deve apenas se
prender ao relato, a observação, mas sim a uma interpretação do local, do
comportamento, ou seja, é necessário um esforço intelectual numa tentativa de
descrever melhor a ação relatada, portanto, uma descrição etnográfica densa.
Mariza Peirano (2014) considera a etnografia como a base da
antropologia, não havendo antropologia sem pesquisa empírica. Da empiria, o
antropólogo consegue não apenas dados, mas questionamentos, o que ela chama
de “fatos etnográficos”. Outras áreas das ciências sociais, como a sociologia, são
críticas em relação à empiria realizada pela antropologia, propondo uma separação
entre teoria e a pesquisa empírica. A autora diz que atualmente não se faz mais a
oposição teoria/empiria e apresenta que através das leituras de monografias
clássicas foi possível perceber que a história da antropologia representa a fonte
teórica. É na pesquisa de campo que o refinamento da disciplina aconteceu (e ainda
acontece) e não num espaço fechado, virtual. A própria teoria se aprimora ao
confrontar-se com novos dados, com novas experiências de campo. Portanto, ela
acredita que o antropólogo reinventa e repensa a disciplina dentro da pesquisa e
que as etnografias não se reduzem a retratos fiéis da realidade estudada, mas sim a
estudos que trazem contribuições no campo teórico da disciplina.
Quanto às monografias, tópico especial que a autora descreve, elas são
resultado de formulações teórico-etnográficas. Para ela, toda etnografia é também
teoria e aponta os benefícios das leituras de monografia clássicas. Dentre os
benefícios, destaco que as monografias nos permitem perceber que a etnografia é
parte do empreendimento teórico da antropologia. A etnografia, dentro de um
questionamento, já possui um caráter teórico, porque a indagação etnográfica é o
que nos faz questionar os pressupostos vigentes. A etnografia, portanto, não entra
22
como detalhe metodológico, mas como a base sólida para o exercício da pesquisa
de campo. Boas etnografias, segundo a autora, respondem três condições:
consideram o contexto da situação, transformam o que foi vivido no campo,
transformando experiência em texto e detecta a eficácia simbólica das ações de
forma analítica. Uma boa etnografia deve ultrapassar o senso comum quanto ao uso
da linguagem, de que é apenas referencial, de “dizer” e “descrever” uma palavra ou
coisa. As palavras trazem consequências, realizam tarefas, comunicam e produzem
resultados. É dessa forma que a pesquisa de campo é escrita, através dos diálogos
vividos. (Peirano, 2014)
Para dar coro às pertinentes explicações de Peirano, tomo como
referencial de leitura e reflexão Cardoso de Oliveira (2000), que nos fala sobre a
dinâmica da tríade mais emblemática do exercício etnográfico: olhar, ouvir e
escrever. As faculdades do entendimento, percepção e pensamento, associam-se
com o olhar, o ouvir e o escrever para ampliar o espectro cognitivo que envolve as
ciências sociais, elaborando o conhecimento próprio das disciplinas sociais. Uma
vez que construímos o saber, as faculdades aparecem para nos prover de um
caráter particular. Assim, enquanto no olhar e no ouvir “disciplinados” (isto é, dentro
da disciplina antropológica) realiza-se a percepção, é no escrever que haverá o
exercício do pensamento.
Segundo o autor, a partir do momento em que nos sentimos prontos para
iniciar a pesquisa empírica, e conseguimos delimitar o objeto de estudo, ele sofre
uma alteração pelo nosso modo de visualizá-lo, ou seja, há um esquema conceitual
que apreendemos no percurso acadêmico (daí o nome de “disciplina”) que forma
nossa maneira de ver a realidade. O objeto, portanto, não está isento de sofrer uma
“refração” por meio desse esquema conceitual, e tal fenômeno acontece em outros
atos cognitivos, mas no olhar ele é mais compreendido.
Entretanto, para dar conta da natureza das relações sociais, apenas o
exercício do olhar não é suficiente, é preciso ouvir para obter mais dados. Como o
ouvir também é pré-concebido (como o olhar), ele elimina ruídos que não façam
sentido dentro do escopo teórico no qual o pesquisador foi treinado. Dentro dos
saberes do ouvir está a entrevista, que pode ser entendida como um “ouvir
especial”. É nas entrevistas que o antropólogo compreende os sentidos para os
sujeitos da pesquisa e da significação que ele construirá por meio do pensamento
antropológico. Cardoso de Oliveira também propõe que se modifique a relação entre
23
3
Além das referências anteriores que dizem que o termo Jericoacoara era encontrado em
documentos históricos do século XVII em diante, Galvão (1995) também diz que o “Jericoacoara”
aparece em mapas da costa brasileira desde o século XVI, em sua forma indígena ou na tradução
portuguesa.
31
embarcações que chegavam à costa da vila (NUGA, 1985). Da década de 1960 até
o fim da década de 1970, Olavo Vasconcelos controlou a pesca no local, de acordo
com NUGA (1985); fato também ressaltado por Fonteles (2000), que diz que a pesca
em Jericoacoara teve um momento de grande desenvolvimento entre 1965 e 1973.
Neste período, havia cinco barcos e sessenta canoas e ali foi instalada uma fábrica
de conserva de peixe. Após a morte de Olavo Vasconcelos, que dominava a pesca
local sendo o dono das lanchas e principal comercializador da produção, essa
atividade começou a declinar em Jericoacoara. Essa informação também pode ser
confirmada atualmente. Nas entrevistas que realizei durante a pesquisa de campo,
um dos interlocutores mencionou esse quadro de ascensão e declínio da pesca,
citando Olavo como um dos principais produtores locais no passado. Um dado
importante trazido por Clerc-Renaud (2002) apresenta que os primeiros turistas que
conheceram Jericoacoara chegaram em 1979 e, de acordo com os moradores que
foram entrevistados, eram estudantes de Fortaleza que vinham em pequenos
grupos.
Por fim é importante destacar alguns detalhes que Rodrigues (2015b)
apresenta. De acordo com ela, até a década de 1970, Jericoacoara era uma
comunidade cujas atividades resumiam-se a pesca e agricultura, tendo prioridade
para a primeira, dado que também foi possível registrar nos relatos dos outros
autores. A infraestrutura da pequena localidade era precária, não havia farmácias,
posto de saúde, escola, posto policial, ou qualquer outro indício da presença do
poder público.
Do período que se estende da década de 1980 até os dias atuais é
possível apresentar dados mais detalhados da localidade e algumas mudanças. Em
1985 a vila passou a pertencer ao município de Cruz; alguns anos depois, Jijoca de
Jericoacoara foi elevada à categoria de município em 1991 e a vila tornou-se distrito
de Jijoca pela Lei nº 11.796, de 06 de março de 1991 (Molina, 2007; Lima; Silva,
2004). No que diz respeito à população de Jericoacoara, as informações recolhidas
datam da década de 1980 em diante. Fonteles (2000) e Galvão (1995) dizem que
Jericoacoara contava com 731 habitantes (354 homens e 377 mulheres) até os anos
1980. De acordo com levantamento feito pelo NUGA (1985), em 1984 este número
reduziu a 580, sendo 48,8% na faixa etária de 0 a 15 anos. No ano de 1989, Galvão
atestou que havia 650 moradores na vila e Molina (2007) apresenta em sua
pesquisa um levantamento que atesta 1650 habitantes na vila em 2003, tendo
32
medidas, o turismo entra como uma atividade que deve ser controlada, mas que
deve ser objeto de desenvolvimento e investimento em infraestrutura, como
pousadas, dentro das condições locais. Esse ponto apresentado pela pesquisa do
NUGA reforça a informação de que naquela época já havia uma movimentação do
fluxo turístico que fez com que a equipe que estudou da localidade destacasse o
turismo como uma atividade econômica importante.
Nesse período que estamos tratando, da década de 1980 e da instituição
da APA, também houve a divulgação da localidade na mídia internacional. De
acordo com Rodrigues (2015b) e Silva, Lopes e Costa (2010) na década de 1980
uma reportagem do jornal americano The Washington Post, indicou Jericoacoara
como uma das mais belas praias do mundo; após a veiculação dessa notícia, a
movimentação para conhecer a vila intensificou e as primeiras pousadas começaram
a se instalar. O crescimento da população local e o aumento no fluxo de turistas na
vila acarretaram na construção de hotéis de grande porte, juntamente com o
desenvolvimento das atividades voltadas ao turismo. Como destaca Rodrigues
(2015b) as atividades turísticas estão articuladas a infraestrutura do modo de vida
local, as ruas não têm calçamento e algumas práticas tradicionais foram mantidas. O
turismo que era praticado naquele momento ainda estava em consonância com o
modo de vida local, tratando-se de um turismo voltado a conhecer as paisagens
naturais da localidade. Outra informação importante diz respeito à criação do
Conselho Comunitário de Jericoacoara, criado em 1989 por nativos da localidade.
De acordo com Fonteles (2000), o objetivo inicial era defender a APA de
Jericoacoara e era formada apenas por nativos. Com o passar do tempo, moradores
da vila que vieram de fora também puderam se associar desde que atendessem a
condição de serem residentes de Jericoacoara por, no mínimo, cinco anos.
Atualmente o Conselho continua ativo e apresenta algumas informações importantes
que serão apresentadas no decorrer desta monografia.
Dando continuidade à apresentação dos fatos importantes sobre
Jericoacoara, a regularização fundiária que ocorreu quando a região ainda era uma
Área de Proteção Ambiental também é um fato relevante a explicar. A Lei 12.760/97
de 04 de dezembro de 1997, regulamentada pelo Decreto 24.881/98 de 24 de abril
de 1998 (ver Anexo B), determinou o registro das terras em nome do Estado do
Ceará, com a criação de uma comissão especial composta pelo Instituto de
Desenvolvimento Agrário do Ceará (IDACE) e pela Superintendência do Meio
34
Fonte: ICMBio
36
A primeira vez que visitei Jericoacoara foi em junho de 2011, como turista.
Viajei acompanhada e fui ao local passar o final de semana. O trajeto de Fortaleza
até Jijoca de Jericoacoara, município do qual a vila é distrito, dura em torno de sete
horas. A distância entre as cidades é de 320 quilômetros. Depois de chegar à cidade
de Jijoca de Jericoacoara, os passageiros pegam uma condução para chegar até a
vila. Lembro-me que eu estava muito animada. Nunca tinha viajado dessa forma, os
carros que levavam os turistas de Jijoca a Jericoacoara eram carros D20 adaptados
para levar mais pessoas e também havia caminhões menores que foram adaptados
para levar muitos passageiros de uma vez. Não parecia seguro, mas era divertido,
despertava um sentido de aventura. O trajeto dura quase uma hora. Passamos por
uma parte da zona rural de Jijoca, até atravessarmos uma das entradas do Parna
Jericoacoara e entrarmos numa região repleta de árvores grandes, pequenas e um
areal imenso. O caminho entre as árvores era de difícil de tráfego, em razão da areia
fina. Se o motorista não fosse experiente, facilmente atolaria ali. Depois de passar
por esse trecho arborizado, desembocamos numa parte aberta de muitas dunas e
ventos fortes. A praia que surgiu ao lado das dunas era belíssima, conhecida como
praia do Preá. Muitas pessoas, inclusive eu, tentavam tirar fotos da paisagem,
mesmo com o balançar da condução. Algumas vezes pensei que fosse cair, mas
pouca gente manifestava medo, a maioria estava se divertindo bastante. Na
condução também viajava um grupo animado de turistas e todos estavam
empolgados, falando sobre um festival que aconteceria na vila. Eu e minha
companhia não sabíamos desse festival, mas depois descobrimos ser um evento de
música e moda, que tornou a vila bem movimentada.
37
mínima de três dias e máxima de dez dias. O que apresentarei daqui em diante diz
respeito àqueles detalhes que deixei passar despercebidos e informações relevantes
sobre a vila, que contribuam para a descrição do lugar e que permitam ao leitor uma
melhor compreensão do ambiente pesquisado. Na primeira vez que visitei
Jericoacoara, nenhum guia mencionou que transitávamos pelo parque nacional que
circunda a vila. Como mencionei anteriormente, o comércio em Jericoacoara é
diversificado e se concentra na região central da vila, e oferece opções de consumo
para quase todas as condições financeiras. Lá existem desde hotéis luxuosos
pertencentes a empresas internacionais de turismo, como também existem
pousadas mais simples; lojas de grife e comuns; restaurantes refinados e
lanchonetes. A diferença dessa área em relação às áreas mais afastadas é
percebida na estrutura física. A área central, onde circulam o maior número de
turistas, é bem iluminada, as ruas são paralelas e possuem sinalização para que as
pessoas possam se localizar facilmente. Na região mais afastada quase não existe
luz à noite, pela ausência de lojas e mercados que funcionem nesse horário, o que
torna essa área escura à noite. Em Jericoacoara não há iluminação pública, apesar
de existirem geradores da Companhia Energética do Ceará (COELCE). Portanto, a
iluminação das ruas é pela luz externa das casas e estabelecimentos comerciais. As
ruas dessa área da vila também são sinuosas e algumas não têm saída. Quando
viajei a título de pesquisa, a equipe ficou hospedada nessa área mais afastada do
centro e pude ter essa experiência de ficar longe da agitação e do “brilho” do
comércio. Nós ficamos hospedados em uma área que consistia de residências
simples, pouca infraestrutura comercial e onde ficava uma parcela dos moradores
que trabalhavam prestando serviços ao comércio local. Pareceu-me com a
configuração de uma periferia, ainda que pequena, mas grande para as proporções
de Jericoacoara. Existe uma área que é ainda mais afastada do centro, que chega
aos limites da vila com o parque nacional. As casas são mais humildes e quase não
existe comércio, seja mercados pequenos ou bodegas. Essa é a área que mais
contrasta com a zona central da vila, e só é observada por aqueles que voltam seus
olhos para o “escuro”. Os carros de passeio trafegam rapidamente por ali, porque é
necessário para chegar ao “brilho” que a vila oferece.
Nas pesquisas de campo, pude conversar com alguns moradores da vila
e eles mencionaram essa área periférica, a mais afastada, chamada “Nova Jeri”.
39
Também pude constatar essa mesma denominação nas leituras. Lima e Silva (2004)
apresentam essa região como “Nova Jeri”, e dizem que:
Fonte: Google
Urry (2001) avalia que cerca de 40% do tempo livre das pessoas é
ocupado em viagens. Ele destaca que a viagem é uma marca de status, faz parte da
vida moderna como um elemento crucial sentir que a viagem e as férias são
necessárias.
Atualmente, os dados comprovam a força da atividade turística e
continuidade do seu crescimento. Lançado em 2015, o último relatório anual da
UNWTO diz que o turismo internacional cresceu 4,4% em 2014, que significa 48
milhões a mais de turistas em relação a 2013. A previsão de crescimento esperada
era de 3,8% por ano. A organização também afirma que, apesar da crise mundial
iniciada em 2009, é o quinto ano consecutivo que o setor está acima da média. As
receitas do turismo internacional cresceram 3,7% chegando a um valor estimado de
US$ 1.245 bilhões em 2014.
Os dados apresentados pela UNWTO mostram que o turismo, de fato,
gera lucros vultosos. Contudo, existem outros dados que mostram efeitos sobre as
localidades que investem fortemente nessa atividade. Os efeitos desse tipo de
investimento são relatados por Rodrigues (2014), que discorre sobre o caráter
excludente desse modelo de desenvolvimento vigente, porque centraliza os ganhos
da atividade turística e reduz as perspectivas de inclusão por parte das populações
receptoras, no que diz respeito à divisão de ganhos. Um dos primeiros fatos
levantados pela autora é de que o desenvolvimento do turismo em países de terceiro
mundo vem favorecendo grandes investidores estrangeiros. Para exemplificar esse
investimento como não sendo totalmente benéfico, ela saliente que apesar das
aparentes melhorias nos meios de transporte, energia, saneamento básico e
estradas nas localidades “investidas”, muitas vezes a população fica às margens
dessas melhorias, uma vez que ocorrem casos em que os grandes hotéis negociam
com o governo local para construírem sua própria estação elétrica, de tratamento de
água, dentre outras obras de infraestrutura básica.
Outro ponto importante abordado pela autora diz respeito ao investimento
maciço no turismo que tem uma geração de emprego grande e acaba
redirecionando a mão de obra barata, causando um deslocamento de trabalhadores
das áreas rurais para as cidades com atrativos turísticos e “inchando” essas cidades
ao mesmo tempo em que esvazia o campo. Rodrigues diz que a grande geração de
43
6
Atualmente, a sigla referencia ao Instituto Brasileiro de Turismo, segundo a autora.
46
7
Para mais informações sobre o PNT, consultar Rodrigues (2014) e Rodrigues (2015a)
47
Ceará e financiado pelo BIRD, tendo como órgão executor o Banco do Nordeste
(BNB). Esse programa tinha como objetivo melhorar a infraestrutura básica
(saneamento, transporte, energia), implantar projetos de proteção ambiental e
realizar o planejamento dos territórios turísticos, ao longo do prazo. Por meio desse
programa foi feito um zoneamento territorial no Ceará.
O PRODETURIS foi o antecessor do Programa de Desenvolvimento do
Turismo na Região Nordeste (PRODETUR-NE), que deu continuidade aos
planejamentos e ações anteriores. Criado em 1991, o programa é fruto de um
contrato entre o governo federal e o BIRD, tendo como agente financiador o Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Silva, Lopes e Costa
(2010) dizem que o planejamento previu o investimento de US$ 800 milhões ao
turismo no Nordeste. Lima e Silva (2004) dizem que o Programa de
Desenvolvimento do Turismo no Ceará (PRODETUR-CE) é um desdobramento do
PRODETURIS com um programa nacional já existente; o programa concentrou a
atenção na região litorânea, assim como o PRODETUR-NE, considerando as
características e possíveis investimentos. Uma das ações realizadas foi a
implantação da rodovia CE-085, que percorre todo o litoral Oeste do estado, ligando
a capital Fortaleza a cidade de Camocim.
No que diz respeito ao turismo no estado do Ceará, especificamente,
Silva, Lopes e Costa (2010) dizem que o desenvolvimento ocorreu em três etapas:
início dos anos 1970, divulgação do turismo de sol e praia nos anos 1980-1990 e
sua efetivação nos anos 1990-2000. Na década de 1970 houve um pequeno
estímulo. Devido ao período da ditadura militar, que incentivava a indústria como
principal atividade econômica, a implantação do turismo não foi muito difundida. Na
década de 1980, observa-se a atenção ao turismo no “Governo das Mudanças”,
liderado por Tasso Jereissati8. Em 1991, a autora nos diz que no governo de Ciro
Gomes houve o “Pacto da Cooperação”, uma continuação das políticas de incentivo
ao turismo que firmava um movimento informal entre Estado e iniciativa privada.
Essas movimentações ocorriam juntamente aos programas que citei anteriormente.
Em 1995 foi criada a Secretaria de Turismo do Ceará (SETUR-CE). Por fim, a autora
coloca que na década de 1990 ocorreram maiores modificações dos espaços,
8
Segundo Gondim (1995), o “governo das mudanças” foi um novo modelo de gestão implantado por
um grupo liderado por Tasso Jereissati, então eleito governador do estado do Ceará, em 1986.
Rodrigues (2015b) também coloca que a ascensão de um grupo político formado por elites
industriais, na década de 1990, iniciou um investimento massivo no turismo.
48
duas abordagens: o sentido ético (dado pelo pesquisador) e o sentido êmico (dado
pelos sujeitos da pesquisa) dos termos “nativo” e “estrangeiro”. Isto se deu em razão
de um censo que realizei no comércio local, interessada em saber a origem dos
proprietários dos negócios turísticos, e também se residiam na localidade e se o
imóvel comercial era próprio ou alugado. Essas informações básicas me
proporcionaram a compreensão de algumas falas dos interlocutores que entrevistei
como também me permitiu ter uma visão ampla, mas incompleta, de como está
conformado o comércio em Jericoacoara. Ampla porque, a partir das categorias que
estabeleci para compreender a composição do comércio, obtive alguns dados
importantes. Incompleta, porque foi necessário que eu reduzisse a diversidade de
concepções do que é considerado nativo e estrangeiro em Jericoacoara.
“Nativo” e “estrangeiro”, como acima anunciado, serão tratados de duas
perspectivas: a ética e a êmica. A primeira será usada na apresentação e
interpretação dos dados coletados no censo. A outra, mais importante para o
objetivo desta monografia, será tratada por meio das falas dos interlocutores, no
trato do material das entrevistas, que dizem sobre como eles se relacionam, se
denominam e denominam os outros. Para isso, será necessário trazer a noção de
identidade. Contudo, antes de apresentar esse conceito muito analisado nas
ciências sociais (como em outras áreas do conhecimento), irei apresentar a primeira
forma de conceituar nativo e estrangeiro, a forma adotada pelo pesquisador.
Como “nativo”, considero todo o indivíduo que nasce/nasceu na
localidade, portanto, estou me valendo do sentido ético do termo, na referência ao
indivíduo original da localidade. Ao longo do capítulo, o leitor perceberá as diversas
concepções que surgirão sobre o que e quem é nativo, o sentido êmico do termo,
que diz respeito à interpretação que os agentes locais fazem sobre o que eles
consideram nativo, e isto está intimamente ligado à noção de identidade, que será
apresentada brevemente.
No que diz respeito à categoria “estrangeiro”, utilizo como referência
conceitual George Simmel e a pesquisa de Genlizzie Garibay Munguía, sendo que
esta última escreveu uma dissertação em antropologia sobre o turismo em Zipolite,
no México.
Simmel (1983) propõe uma concepção de estrangeiro que se refere a um
indivíduo que tem a capacidade de mobilidade e fixação, unidas num mesmo
cenário. Para o autor, as relações humanas organizam-se num regime de
51
sentido êmico dado aos termos nativo e estrangeiro, a forma como os agentes
denominam esses dois tipos e também como dentro dessa tipologia eles se
diferenciam e se classificam. Portanto, é importante que o leitor lembre-se dos dois
sentidos que serão utilizados na explicação e análise dos dados: no sentido ético,
nativo é todo aquele que nasce/nasceu na localidade, e estrangeiro é todo o
indivíduo que vem de fora, não importando a nacionalidade. No sentido êmico, eles
serão denominados segundo a diversidade de interpretações sobre o que é
considerado nativo e estrangeiro, que será analisado nas falas dos interlocutores.
Para chegar a esta apreensão de múltiplas formas de identificação, foi
necessário conhecer a noção de identidade, de forma que eu conseguisse
compreender como as relações são estabelecidas na localidade entre os sujeitos
que compõem a cadeia produtiva do turismo. Em vários momentos eu ressalto a
questão do comércio e da prestação de serviços, porque existem outras
possibilidades empíricas para estudar nativos e estrangeiros em Jericoacoara. É
importante colocar que não descarto a existência de estrangeiros que morem em
Jericoacoara e não tenham nenhuma relação com o comércio e serviços turísticos,
como também pode haver nativos na mesma situação.
A fim de deixar a leitura mais esclarecedora no que diz respeito ao
conhecimento sobre a noção de identidade, mostrarei brevemente como o conceito
se configura nas ciências sociais, na antropologia em particular, a partir de autores
brasileiros como Roberto Cardoso de Oliveira, Manuela Carneiro da Cunha, Suely
Kofes e outros.
Segundo Guillermo Ruben (1988), no âmbito das ciências sociais
contemporâneas, não há um consenso acerca do significado da noção de
identidade. Já Suely Kofes (2001) expõe como a noção clássica de identidade não
dava conta da diversidade e multiplicidade de situações que surgiram nas
pesquisas, com o passar do tempo. De acordo com ela:
9
Como também nos estudos de classificação social, segundo a autora.
54
NATIVO 50 18%
ESTRANGEIRO 224 81%
MISTOS 04 1%
Dos 278 pontos comércios, 18% são administrados por casais, dos quais
6% são nativos e 86% são estrangeiros. No que diz respeito aos mistos (8%), eles
estão nessa categoria exatamente por serem propriedade de um casal, a união de
um estrangeiro e de um nativo, no sentido ético adotado. As famílias compõem 4%
dos comércios turísticos, sendo dez famílias de nativos e dez famílias de
estrangeiros. É importante destacar que no quesito grupo familiar, também incluí os
negócios que são administrados apenas por irmãos e primos. Os homens detém a
maior parte dos estabelecimentos na vila, que correspondem a 36% do total. Dentre
os 99 homens, 12 são nativos (12%) e 87 são estrangeiros (88%). Dentro do total de
estrangeiros (224), eles também são maioria (39%). As mulheres administram 34%
das atividades, sendo 66 estrangeiras e 28 nativas. Um dado interessante quanto a
este ponto é que dentro da categoria nativo, composta por 50 pessoas, as mulheres
compõem mais da metade (56%). Por fim, os empreendimentos em sociedade
representam 9% do total, sendo duas sociedades realizadas entre nativos e 22
58
E é gente do mundo todo que tá aqui dentro hoje, sabe. Não é só a região,
né... muita gente de fora, a maioria das pousadas aqui, tudo é de gringo.
Jericoacoara quase toda é de italiano. Outro dia nós estávamos falando
aqui com os meninos, eles diziam assim: eu não sei se eu tô no Ceará, ou
se eu tô em outro país, porque só fala gringo. [...] Então, nós estamos no
meio deles aqui. [...] Porque nativo nessa parte aqui tem pouco, e o resto só
são eles. Mas aqui tu vai, tu conta no dedo os nativos que tem (Sabrina,
nativa, dona de restaurante de pequeno porte).
61
[...] É verdade que o estrangeiro chegou pra cá, no começo...dá trabalho pra
todo mundo, botou dinheiro pra todo mundo, a fazer conhecer esse
lugar...mas também explora muito as pessoas, muito. Aqui paga muito
pouco, você trabalha muitas horas, algumas dessas as pessoas não ficam
tratando bem os funcionários... eu sei disso (Emília, italiana, trabalha em
hospedagem de estrangeiro).
Por outro lado, existem falas que mostram uma concepção diferente no
que diz respeito às concessões de emprego aos moradores da localidade,
especialmente aos nativos:
10
Segundo Rodrigues (2015b), a intenção do governo é conceder à iniciativa privada a gerência do
Parna Jericoacoara para manter a infraestrutura e serviços, posto que o ICMBio, órgão gestor do
parque, alegou não ter recursos financeiros e humanos para gerenciar a área. Alguns pontos
polêmicos do projeto previam a cobrança de uma taxa para entrar no parque e também a
construção de um hotel e restaurante em áreas do parque proibidas para construção, segundo a lei.
Para mais detalhes sobre o caso, consultar Rodrigues (2015b).
63
11
Na pesquisa de campo e também por meio do acompanhamento de notícias referentes a
Jericoacoara, a questão do lixo foi um problema percebido pela equipe de pesquisa e muitos
interlocutores deram depoimentos sobre o acúmulo do lixo na vila. Disponível em:
<http://www.opovo.com.br/app/ceara/jijocadejericoacoara/2014/11/11/notjijocadejericoacoara,33464
88/moradores-denunciam-acumulo-de-lixo-em-jericoacoara.shtml>. Acesso em: 31 jan. 2016.
64
Então tem gente que tem bastante dinheiro... não precisava depender dos
outros pra fazer mutirão pra limpar. Então, tem umas coisas... vamos fazer
na periferia lá, mais afastado que é aqueles nativos „xuco‟, que é uma zona
né...é uma coisa. Mas fazer aqui que é centro da cidade, pessoal que tem
dinheiro, e eles mesmos nem se mexem. [...] Eu colaboro no que dá. Não
vou fechar minha loja pra fazer mutirão, sabe, não... dinheiro, dependendo
do que tem pra empregar... tô a fim de colaborar, mas engajar não. Não...
tem umas coisas que eu sou contra. [...]... mas eu acho muito válido, já que
infelizmente os políticos aí não fazem nada mesmo...então a gente tem que
se reunir, conversar pelo menos (Emerson, brasileiro, dono de loja de roupa
de pequeno porte).
TEMPORADA - - - 17 8% 100% - - - 17 6%
SEM
01 2% 100% - - - - - - 01 0%
INFORMAÇÃO
TOTAL 50 100% - 224 100% - 04 100% - 278 100%
Fonte: elaboração própria
[...] constroem campos sociais transnacionais. São pessoas que fazem mais
do que manter ligações sentimentais: tomam decisões cotidianas, mantêm
relações familiares, praticam atividades religiosas, tratam de assuntos
67
E você percebe que no começo é assim, você acha que todo mundo é
amigo, que aqui tem liberdade absoluta de todo mundo, você pode chegar
na rua sem colocar nada demais, sem sapato, sabe... Acho que essa coisa
que num primeiro momento você... Pra mim, que sou estrangeira, tem um
impacto muito forte. Tem um sentido de liberdade, liberdade grande que
você tem aqui... [...] Quando você vai na praia, no pôr-do-sol, você olha todo
mundo que brinca...porque é como se a praia fosse o lugar da vida desse
lugar [...] E a gente não tá acostumada... Você chega aqui, olha tudo isso,
fica: Uau! Acho que isso não é só pra mim, é pra todo o estrangeiro (Emília,
italiana, trabalha em hospedagem).
68
Me parece que aqui... tem que haver qualquer coisa aqui, porque as
pessoas que vem pra cá, elas também se alheiam dos problemas, da
cidade, de tudo e aqui ela esquece um pouquinho de tudo. Já vem porque é
longe, pela tranquilidade, pela beleza natural. E talvez alguma coisa atraia
essas pessoas pra cá. É... tá ficando grande a cidade, me parece que
também pode acontecer que isso possa perder um pouco dessa aura que tá
em volta da cidade, mas eu acho que continua, pelo menos eu continuo a
sentir essa tranquilidade e a vontade de morar pra cá (Luan, português,
aluga casas para turistas).
que as viagens são importantes para os indivíduos, uma vez que as viagens
reconstituem, trazem forças vitais e sentido à vida.
É interessante perceber que os donos de estabelecimentos e prestadores
de serviços que decidiram morar na mesma localidade em que foram passar as
férias agora têm aquela localidade como o seu cotidiano. Eles buscaram um modo
de vida diferente do anterior e as falas refletem essa visão:
[...] aqui tá muito bom, mas acontece as coisas.... porque entra muita gente
que você não conhece, entende? [...] Eu gosto muito do meu lugar gente.
Gosto. Eu não saio daqui pra morar em outro canto. Eu vou conhecer, mas
morar só aqui mesmo (Beatriz, nativa, trabalha em restaurante de pequeno
porte).
Naquela época era mais fácil a relação com os nativos, sabe. Dez anos
atrás, porque não tinha tanto essa energia do dinheiro. Hoje o estrangeiro
que chega é... é dinheiro né. É o primeiro que o pessoal quando olha pra
mim, pensa em grana, assim né, que lucro a vila te dá (Catarina, argentina,
dona de loja de pequeno porte).
relacionar com os nativos, mas compreende como sendo uma ação que também
parte dos estrangeiros:
Tem muito estrangeiro que critica nativo... tem muito, que mora aqui, que
comprou aqui barato, eles criticam. Tem sim, tu sabe que o estrangeiro, tem
uns cariocas né, que vêm aqui... nós somos nordestinos, cearense... eles
discriminam (Beatriz, nativa, trabalha em restaurante de pequeno porte).
Essa é a coisa de Jeri... gente quer só ganhar... não importa pra aqueles
que são donos de tudo... ele fica mal, pega um carro e vai pra Fortaleza...
mas e os nativos que não tem dinheiro? Eu, meu filho, que não posso pegar
um carro e ir... não dá... agora... que vai fazer? Eu tenho uma prioridade,
mas se pra você não é prioridade... mas eu vou no posto de saúde quando
precisa, eu vejo aí quantos nativos ficam com crianças em atendimento, eu
não vou pra Fortaleza (Emília, italiana, trabalha em hospedagem).
interesses em comum. Apesar dos relatos dizerem que existem boas relações entre
os agentes da pesquisa, percebe-se conflitos e turbulências nas relações dentro da
localidade. Nativos e estrangeiros aproximam-se em determinadas situações sociais
e também se diferenciam, assim como existem estrangeiros que se diferenciam de
outros estrangeiros.
Até onde pude compreender, a classificação que eles estabelecem está
além de origem de nascimento, é algo bem mais complexo e profundo. Tem a ver
com o envolvimento no cotidiano, nas lutas por melhorias na vila, interesses em
comum, a convivência entre eles. Isso também remete ao modo como alguns
moradores se concebem nativos sem terem nascido na localidade, por exemplo. Em
algumas entrevistas, e também na pesquisa de campo, a equipe de pesquisa ouvia
que, passado algum tempo de estadia na vila, muitas pessoas se consideravam
nativos. Quando realizei o preenchimento das fichas correspondentes a cada
estabelecimento, houve casos em que o proprietário se considerou nativo, mas não
era da localidade. Esses aspectos remetem ao pensamento de George Marcus
(1991), quando este menciona os diversos contextos sociais nos quais a identidade
de um indivíduo se forma:
informações sobre a origem dos locadores foi conseguida durante a aplicação das
fichas, e foram fornecidas pelos próprios respondentes.
O que eu percebi é que parece que eles se sentem roubados, parece que
12
invadiram uma área que é deles. Isso... existe o „Mural de Jericoacoara‟ ,
agora que tá tranquilo, mas direto no „Mural de Jericoacoara‟, tinha várias
agressões. Na verdade nós somos chamados de „os de fora‟. „Os de fora
que chegam aqui pra tirar a nossa terra, pra tirar aquilo que é nosso‟, existe
uma revolta muito grande. Tem muitos que são esclarecidos, mas a grande
maioria olha pra gente com olho muito ruim... de não querer a gente aqui.
[...] Agora o fato é que ninguém chegou invadindo a terra de ninguém. Eles
eram os donos da terra, se um dia eles não têm essa terra é porque eles
venderam, trocaram. Não sabiam o valor que tinha e trocou, ou deu de
graça (Adolfo, brasileiro, dono de loja e hospedagem de médio porte).
[...] eles saíram daqui porque aqui começou a ficar um negócio difícil. Não
tinha óleo pra comprar, não tinha água, a cacimba que tinha era longe.
Jericoacoara era uma vila de sete, oito casas. [...] Então, todo mundo
começou a vender, sair, abandonar, ir embora... Porque se tem um lugar
onde você não tem uma lata de óleo pra você comprar, porque o nativo não
tinha mais de onde tirar o dinheiro. Começaram a fazer as trocas, de pesca
por tapioca, por tudo... Pessoal do Mangue Seco, pessoal do Guriú... Então,
12
O “Mural de Jericoacoara” é um grupo criado na rede social Facebook, onde os turistas colocam
depoimentos do que vivenciaram em Jericoacoara. Os moradores também utilizam a página para
divulgar produtos dos seus negócios e falar sobre assuntos concernentes a vila, como eventos em
Jericoacoara e até assuntos mais sérios, como roubos e furtos de objetos. Tornou-se um espaço de
interação entre moradores, pessoas que visitaram o local e outras que têm interesse em conhecer
Jericoacoara.
76
Não existe êxodo aqui, não existe. Só tem pessoas chegando, gente
embora... Acho que conheço três famílias que trocaram a vida de
Jericoacoara por Jijoca, por Preá, mas poucas, poucas. E os nativos, eles
venderam muitas terras sim, mas muitos também não venderam. Então tem
muitos, muitos na cidade que... que pertencem aos nativos. Eles estão
trabalhando com turismo, os filhos estão estudando. Tem muita gente daqui
estudando em Sobral, na faculdade. O nativo daqui ele não quer ser
empregado. Ou você tem aquele que não quer fazer nada, né, o porco, o
sujo, o ignorante e ele não quer evoluir, e ele não evoluiria em qualquer
lugar porque ele não quer mesmo, né? Ele vendeu a terra dele porque ele
foi ser... ficar à margem, gastou o dinheiro, bebeu tudo. Ele não quer nada
com nada, que é um tipo de gente mesmo. E tem o outro que correu atrás e
tá aí (Íris, brasileira, dona de restaurante e hospedagem de pequeno porte).
A maioria dos nativos, que eram poucos, venderam tudo o que tinha e hoje
Jericoacoara na verdade tá na mão de pessoas que não são daqui. Os
nativos já não têm voz, vamos dizer assim, tá tudo afastado ali próximo do
estacionamento, uns de aluguel outros de casa própria, mas... Vamos dizer,
perderam o que tinha, hoje trabalham pros outros, na verdade não havia
essa necessidade. Eles deveriam hoje ter seus imóveis alugados ou vice-
versa e viver melhor do que vivem hoje. Não quer dizer que vivem pior do
que antes, por que hoje tem mais...mais possibilidade, a renda é realmente
distribuída para todos, mas por nativo mesmo, eu acho que perdeu bastante
pelo o que Jericoacoara é hoje, deveria ser melhor pra eles do que pras
pessoas que vieram pra cá (Luís, nativo, dono de hospedagem de médio
porte).
fato de que a maioria dos negócios turísticos está nas mãos de estrangeiros. Como
dito anteriormente, a maior parte dos imóveis comerciais em Jericoacoara está em
mãos de nativos (ver Tabela 8). Entretanto, os estrangeiros detêm 81% dos
negócios turísticos na localidade. Mesmo que a maior parte dos imóveis seja de
nativos, que ganham com o aluguel, são os estrangeiros que movimentam o local,
em termos da circulação de dinheiro e empregabilidade, possuindo um maior
controle sobre a geração de empregos e sobre o comércio, de modo geral.
A diversidade de informações e interpretações que os sujeitos
apresentaram nas entrevistas e nas conversas informais me remeteu a Goldman
(2003) quando ele diz que o etnógrafo deve articular os diferentes discursos e
práticas que observa, sem jamais atingir uma totalização ou síntese completa. No
caso desta monografia, o saber de quem realizou a pesquisa e agora escreve um
texto que expõe os resultados não é mais verdadeiro do que os discursos que foram
surgindo no trabalho de campo.
As interpretações que os agentes do comércio dão para as situações
discutidas mostra claramente a diversidade de composições que surgem nos
arranjos efetuados pelos moradores locais. Alguns discursos procuram legitimar
fortemente que os nativos são filhos da terra, atribuindo a propriedade da localidade
a eles, e outros discursos criticam essa tentativa de legitimação, como os
estrangeiros que defenderam a concepção de que as terras não foram retiradas dos
nativos, mas que eles venderam porque quiseram, ou seja, é uma interpretação
diferente do pensamento retratado pelos nativos, mas se referem a acontecimentos
constatados pela pesquisa. Isso foi um aspecto de diferenciação entre nativos e
estrangeiros, bem como outros depoimentos que relataram a dificuldade de
aceitação dos estrangeiros por parte de nativos, bem como nas interações que se
seguiram.
No entanto, houve contextos em que eles se aproximaram, quando
abordei as relações com o poder público, onde a maioria dos entrevistados é
insatisfeita com a administração da Prefeitura de Jijoca de Jericoacoara, município
ao qual a vila pertence. Encontramos casos de estrangeiros residentes que se
aproximam da realidade de muitos moradores, que não são empresários e vivem “à
margem” no local, com péssima assistência por parte do poder público e que
reivindicam melhorias quanto a esse aspecto. Também encontramos diferenciações
entre os estrangeiros, no que diz respeito ao engajamento em movimentos de cunho
78
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
economia e a política local, mas muitos também discursam sobre as interações que
são turbulentas em alguns momentos e harmoniosas em outros.
Após ter apresentado a noção de identidade e dizer, no fim do capítulo
três, que não é possível fechar em grupos a diversidade que Jericoacoara detém no
que diz respeito aos sujeitos da pesquisa, não cabe mais apresentar as relações
partindo de estrangeiros e nativos. Eles são interlocutores que interagem,
reivindicam causas e levantam bandeiras que os une e os separa, em vários
momentos. Assim, é possível perceber que eles se mostram preocupados com a
política local e são muito críticos em relação à administração do poder público
municipal. No entanto, os movimentos que alguns realizam para cumprir
responsabilidades que são do poder público não seduzem todos a se unirem e
participarem.
Alguns são descrentes que a criação de associações poderá funcionar,
alegando que não seja possível gerenciar as práticas em benefício de todos, e de
que há conflitos internos que atrapalham o bom funcionamento de uma entidade.
Outros já consideram que a atitude é válida e merece ser continuada e alguns são
indiferentes a isso. O que pude perceber é que há uma preocupação na forma como
a vila é administrada pelo poder público porque isso pode trazer efeitos negativos
para a atividade turística. É importante destacar, neste ponto, que para a população
residente, inclusive os comerciantes e prestadores de serviços, a infraestrutura
básica, que é responsabilidade do Estado, não tem melhorias significativas.
Portanto, o que foi possível identificar nesta pesquisa é que, para muitos
entrevistados, existe a urgência do turismo como o primeiro item a ser beneficiado
com as melhorias para o local. No entanto, outras questões que afligem os
interlocutores como a violência, o tráfico de drogas e a saúde também são
percebidas nas falas. Nos discursos de alguns interlocutores, é mais importante
pensar na qualidade de vida em Jericoacoara, do que pensar no turismo e nos
lucros advindos com a atividade. São ideias que perpassam o discurso de vários
sujeitos, não é algo isolado. Muitos dos entrevistados são engajados e preocupados
com o quadro que Jericoacoara apresenta atualmente, como um local que não tem a
atenção do Estado, no sentido de que não há uma boa administração pública, e
onde transitam muitas pessoas. O discurso favorável sobre a parceria público-
privada parte dos que acreditam que este projeto beneficiará a qualidade de vida
dos moradores, não diretamente ao turismo.
81
presença estrangeira no local e as falas entravam choque, por cada um ter uma
posição em defesa de seus interesses na configuração local do turismo. As falas têm
valor, como diz Goldman (2003), e a partir desse posicionamento apresentado pelos
sujeitos da pesquisa, a questão da propriedade da terra foi um aspecto que me
chamou a atenção. Como eu tratei apenas da propriedade do imóvel comercial, falta
voltar os olhos para as residências, para a constituição dos terrenos na vila.
No início da monografia, eu havia mencionado sobre a regularização
fundiária pelo IDACE, momento que a área foi dividida em lotes e se concedeu a
terra aos posseiros. No documento oficial que regulariza essas terras (ver Anexo B),
foram estabelecidas regras para que a distribuição dos lotes fosse realizada. No
período em que a regularização aconteceu, o turismo já era praticado em
Jericoacoara e estrangeiros residiam na localidade. Portanto, surgiu a questão de
como se constituiu a propriedade da terra na vila, uma vez que não foram apenas
nativos que adquiriram os lotes por direito. Quem são os sujeitos que detêm as
terras? Há concentração de terras nas mãos de nativos? Por meio dos discursos
que revelam um sentimento de pertencimento forte em relação ao local, indago,
ainda, como outros nativos se sentem em relação a esse aspecto, os nativos que
não estão inclusos no circuito produtivo do turismo.
Outra questão que surgiu ao longo da pesquisa de campo refere-se às
relações de trabalho na localidade. Nesta monografia, pude abordar brevemente
algumas falas que apresentavam uma “relação empregatícia”, mas é um tema que
pode ser aprofundado. Os interlocutores falam, em algumas entrevistas, sobre o
trabalho informal que existe nos estabelecimentos da vila e que o Ministério do
Trabalho não consegue realizar a efetiva fiscalização. É importante ressaltar neste
ponto Rodrigues (2014), que ao falar sobre a geração de empregos em espaços
turísticos, diz que a maioria dos empregos ligados à prestação de serviços na quase
totalidade dos países ditos em desenvolvimento quando destinada à população
local, diz respeito a atividades de baixa qualificação e remuneração. Por fim,
gostaria de ressaltar uma referência comum que encontrei em várias entrevistas, o
“sítio do Papai Noel”, uma casa localizada numa área de coqueirais da vila, onde
morava um senhor vindo da Espanha, que comprou o lote. O interessante disso é
que vários entrevistados mencionaram o sujeito, disseram que já moraram no sítio
ou que já trabalharam no local. Nas entrevistas, eu não atentei para esse ponto, mas
na análise das falas percebi que se tratava da mesma pessoa. Interessou-me saber
83
mais sobre esta pessoa, qual posição ela ocupa/ocupava na vila e qual era a relação
que tinha com a localidade.
Estes foram alguns dos indicativos e questões que surgiram no decorrer
da pesquisa, e que talvez seja interessante retomá-las e aprofundá-las futuramente.
Para findar este trabalho e a etnografia que se construiu por esse caminho marcado
por viagens, pensamentos e escritas, é interessante perceber que houve um
processo de desconstrução da imagem de Jericoacoara para mim, que se constitui
como um local transnacional, onde circulam pessoas, ideias, culturas e esses
elementos ultrapassam as fronteiras geográficas. Ela não deixou de ter os seus
encantos, mas passei a vê-la com outros olhos, mais críticos e atentos aos
acontecimentos, posturas e problemáticas.
Por fim, finalizo este trabalho com a certeza de que é preciso traçar um
longo caminho para compreender e assimilar a profundidade com o que a
antropologia trata os fenômenos socioculturais, apresentando um trecho que reflete
bem esse sentimento, de autoria de Mariza Peirano:
REFERÊNCIAS
______ O trabalho do antropólogo. 2 ed. Brasília: Paralelo 15; São Paulo Editora
UNESP, 2000.
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC S.A., 1989.
LIMA, Luiz Cruz; SILVA, Ângela M. Falcão da. O local globalizado pelo turismo:
Jeri e Canoa no final do século XX. Fortaleza: EDUECE, 2004.
SAHLINS, Marshall. Cultura e razão prática. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.
SILVA, Débora Raquel Freitas da; LOPES, Jéssica Girão; COSTA, Maria Clélia
Lustosa. As contradições na vila de Jericoacoara no processo de formação da
87
SIMMEL, George. O estrangeiro. In: Moraes Filho, Evaristo (org.), Simmel. São
Paulo: Ática, 1983.
ANEXOS
ORIGEM/ TEMPO DE
NOME SEXO IDADE PROFISSÃO
RESIDÊNCIA NA VILA
Luís homem 36 Dono de hospedagem de médio porte Jericoacoara/ 36 anos
Sabrina mulher 52 Dona da restaurante de pequeno porte Jericoacoara/ 52 anos
Abelardo homem 42 Dono de hospedagem de pequeno Brasil/ 25 anos
porte
Emerson homem Não Dono de loja de roupa de pequeno Brasil/ 2 anos
informado porte
Adolfo homem Não Dono de loja e hospedagem de médio Brasil/ 6 anos
informado porte
Catarina mulher 31 Dona de loja de pequeno porte Argentina/ 10 anos
Luan homem Não Aluga casas para turistas Portugal/ 16 anos
informado
Íris mulher 49 Dona de hospedagem e restaurante Brasil/ 23 anos
Beatriz mulher 32 Trabalha em restaurante de pequeno Jericoacoara/ 32 anos
porte
Emília mulher Não Trabalha em hospedagem de grande Itália/ 4 anos
informado porte
89
Estabelecimento: ________________________
Residência:__________
__