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Introdução:
- “Apesar de compor o pequeno grupo das cinco potências do concerto europeu, até
meados do século XI.X a Rússia ainda era uma sociedade baseada na servidão feudal '
com um Estado absolutista sustentado por uma aristocracia reacionária e por uma
burguesia extremamente débil em termos políticos. [...]Num cenário de mudanças
revolucionárias, enquanto em diversos lugares o absolutismo era enfraquecido ou mesmo
derrubado e o Estado deixava de se limitar à sociedade política, com o avanço da
sociedade civil, na Rússia o caráter autocrático do Estado era reforçado, com o czar
concentrando o poder ainda mais em suas mãos; a aristocracia consolidando sua condição
de burocracia vocacionada para o serviço do Estado e este assumindo definitivamente o
controle da Igreja e da educação” (Pág. 2)
- “O primeiro passo neste sentido se deu com a abolição da servidão feudal, cm 1861.
Decretada pelo czar Alexandre II, a abolição da servidão tornou os camponeses homens
livres, permitindo-lhes a compra da terra, porém não os livrou de diversos condicionantes,
nem de um conjunto de obrigações típicas da servidão. Em primeiro lugar, as terras
disponibilizadas eram menores do que aquelas que eles tradicionalmente poderiam
utilizar por meio do direito de uso, portanto, expropriando-os, reduzindo seu acesso à
terra e aumentando as terras sob controle absoluto da aristocracia. Em segundo lugar, a
maior parte das terras seria comprada sob a mediação das comunas rurais, o mir, ou seja,
as comunas adquiririam as terras e as distribuiriam entre os camponeses periodicamente
de acordo com critérios como número de homens na família, totalidade dos membros da
família e/ou capacidade de investimento; a propriedade individual absoluta sobre a terra
só se generalizaria bem mais tarde. Em terceiro lugar, os nobres deveriam ser indenizados
pela cessão das terras, com o pagamento de parcelas pelos camponeses por 49 anos,
quando então teriam o direito à propriedade absoluta de seus lotes” (Pág. 4)
- “Em relação à aristocracia, a abolição da servidão foi plenamente positiva, pois lhes
permitiu avançar sobre áreas de uso comum ou servil, conquistar um controle mais estrito
sobre a terra, por meio da propriedade absoluta, ter a maior parte do pagamento devido
pelos camponeses adiantado pelo Estado e ainda preservar seus privilégios e diversas
formas de exações feudais. No entanto, ao invés de estimular a "junkerização" da
aristocracia, com sua adesão à agricultura mercantil, à melhoria dos métodos de produção
visando o aumento da produtividade e às relações capitalistas de produção, a reforma de
1861 estimulou ainda mais uma postura parasitária e absenteísta, reforçando sua
vinculação ao Estado como burocracia. Esta postura impediu que a aristocracia não só
buscasse alternativas econômicas para a desagregação progressiva da economia feudal,
bem como se autonomizasse politicamente do absolutismo russo, propugnando sua
reforma em direção a uma monarquia constitucional.” (Pág. 4)
- “A abolição da servidão não aboliu o feudalismo totalmente porque transformou a
corvéia cm formas variadas de exações feudais adiantadas pelo Estado à aristocracia e
cobradas por este dos camponeses. Também manteve a preponderância aristocrática no
controle da terra, métodos de produção tradicionais e a solidariedade camponesa em tomo
da comuna rural, o que a fortaleceu como instrumento de resistência camponesa.” (Pág.
5)
- “Em outras palavras, a aristocracia russa não era a aristocracia alemã. Esta contradição
evidencia os limites do projeto de modernização da agricultura russa, tornando a transição
à agricultura mercantil bastante lenta e oscilante nos primeiros anos após a abolição da
servidão. Em 1 917, a economia agrária russa ainda era predominantemente feudal” (Pág.
6)
- “Porém apesar destes limites, a "Era das Reformas" iniciada em 186l favoreceu a
transição para o capitalismo na economia russa, permitindo o avanço das relações de
produção e propriedade capitalistas no campo, principalmente no sul, com o crescimento
das relações assalariadas e da propriedade individual sobre a propriedade comunal.
Também fortaleceu os kulaks, camponeses ricos que possuiam maiores terras e tomaram-
se capazes de explorar o trabalho de outros camponeses; além dos investimentos dos
capitalistas urbanos no campo, com a compra de terras da aristocracia por comerciantes,
banqueiros e industriais, e o crescimento vertiginoso da agricultura de exportação.” (Pág.
7)
- “Por isto, grande impulso no sentido do avanço do capitalismo também foi dado pelo
processo de arrancada da indústria, desencadeado a partir dos anos de 1860 e acelerado
nos anos 90. Nas áreas em que a especialização agrícola era menor, pois a produção era
mais voltada para a subsistência e o mercado local, era muito comum os camponeses
complementarem sua renda desenvolvendo atividades artesanais ou se empregando
sazonalmente nas indústrias locais, o que favorecia o avanço da atividade industrial como
alternativa econômica à agricultura. Parte dos capitais investidos na indústria vinha dos
setores comercial e bancário, que captavam parte da renda da terra por meio do
endividamento da aristocracia. Porém, a principal alavanca para o processo de
industrialização russa foi o impulso dado pelo Estado, principalmente por razões militares
e expansionistas.” (Pág. 7)
- “O caráter absolutista do Estado russo fez com que predominasse uma perspectiva
estatista em que as indústrias eram financiadas pelo Estado ou eram de sua propriedade
direta. A contraparte deste estatismo era o endividamento externo, a busca por dividendos
obtidos por meio das exportações agrícolas e o arrocho fiscal imposto sobre o
campesinato. Daí a relação ao mesmo tempo contraditória e complementar entre a
estrutura semi-feudal da agricultura e o capitalismo nascente na indústria e nas cidades”
(Pág. 8)
- “Mais uma vez a trajetória da indústria está vinculada à questão militar, pois a primazia
francesa se deve fundamentalmente à aliança militar franco-russa, estabelecida em 1892
após o colapso definitivo da aliança dos três imperadores (Rússia, Áustria• e Prússia).
Assim, o capitalismo russo que se toma predominante na formação social russa no final
do século XIX tinha no Estado e no capital externo seus prmc1pa1s agentes, revelando
uma burguesia nativa economicamente fraca e politicamente omissa. Este é um
componente importante para se avaliar o caráter da revolução passiva desencadeada no
império russo a partir de 1861 pois a classe burguesa é uma força fundamentalmente
passiva no processo. Paralelamente o avanço industrial gera um crescimento vertiginoso
do proletariado, concentrando-o cm grandes cidades.” (Pág. 8)
- “Após a Revolução de 1905, que abalou o czarismo, mas não foi capaz de derrubá-lo, o
governo adotou um conjunto de novas reformas, com vistas a desarmar a "bomba relógio"
no campo e favorecer o avanço definitivo do capitalismo na agricultura. As reformas de
Stolypin (1906-1911), verdadeira política de "cercamentos" no campo russo, estimularam
a desintegração da comuna com o avanço da propriedade absoluta e hereditária da terra e
a colonização da Sibéria. Daí em diante os camponeses poderiam adquirir
individualmente a terra, sem a mediação da comuna rural e a ameaça de redistribuições
periódicas, além de poderem concentrar suas posses numa única área contígua, superando
o sistema de lotes parcelados em áreas distintas. O objetivo era fortalecer a classe dos
kulaks, que serviriam como base de massa de apoio à aristocracia e ao governo no
campo.” (Pág. 9)
- “Resulta daí uma revolução passiva burguesa " falhada", quando comparada com outros
processos como os casos alemão ou italiano, que criou uma formação social compósita,
sob predomínio capitalista na economia urbana e industrial e em parte da agricultura,
porém com sobrevivências feudais importantes no campo, emperrando o pleno
desenvolvimento de um mercado consumidor interno e do próprio capitalismo agrário.
Esta combinação criou um capitalismo francamente dependente do estatismo e do capital
externo, com uma burguesia débil politicamente e um Estado feudal absolutista dominado
política e burocraticamente pela aristocracia e que preservou sua integridade, mantendo-
se imune às formas políticas burguesas representadas pelo constitucionalismo e pelo
parlamentarismo.” (Pág. 10)
- “Porém, o caso russo guarda peculiaridades que o afastam bastante do caso clássico da
revolução passiva, particularmente daquele representado pela Alemanha e, em menor
grau, pela Itália. Em primeiro lugar, salta aos olhos a fraqueza da burguesia russa não só
do ponto de vista político, mas também do ponto de vista econômico. O desenvolvimento
industrial foi muito mais fruto da ação do Estado e do capital externo do que propriamente
da burguesia russa. Ao contrário da burguesia alemã, que consegue impor a livre
circulação de mercadorias e mão de obra no interior da federação alemã antes mesmo do
abalo de 1848 e se torna a principal credora do Estado prussiano, além de conquistar
espaço político no Parlamento e em instâncias de poder locais, a burguesia russa só
consegue a liberdade de movimentação da mão de obra muito tardiamente e ainda assim
de maneira parcial.” (Pág. 12)
- “Em terceiro lugar, a autocracia czarista e a burguesia russa nunca foram capazes de
desenvolver um movimento transformista bem sucedido em favor de sua perspectiva de
revolução passiva sobre seus adversários. As tentativas de transformar a comuna rural
num bastião em defesa do czarismo fracassaram completamente, como evidenciam seu
papel nos levantes camponeses e na defesa dos seus interesses contra o Estado e a
aristocracia.” (Pág. 12)
- “Ao contrário do que se dá nas revoluções passivas bem sucedidas, a revolução passiva
russa não só não afastou a ameaça da revolução social, como a tornou mais necessária à
medida que as contradições devidas ao caráter compósito de sua formação social se
acirravam. (Pág. 13)
- “Uma revolução permanente na Rússia era a aposta de Trotsky desde 1906, quando,
avaliando a experiência da Revolução de 1905 e a própria história da Rússia, conclui pela
impossibilidade de uma revolução burguesa que não fosse dirigida pela classe operária e
conduzida por um governo operário, pois a burguesia russa era demasiado débil
politicamente para operar tal tarefa histórica. Conclui ainda pela impossibilidade da classe
operária no poder se limitar a realizar uma revolução burguesa, devendo concatená-la
com as tarefas de uma revolução socialista, sob o risco de tornar o seu poder provisório e
ser vítima de uma reação implacável.” (Pág. 16)
“A revolução permanente também se tornou a aposta de Lênin mais tarde, quando a partir
da eclosão da Primeira Guerra Mundial passa a conceber a possibilidade da guerra
patriótica se transformar numa guerra civil, abrindo caminho para uma revolução de
caráter mundial que estouraria primeiramente no elo mais fraco da cadeia imperialista, a
Rússia.” (Pág. 16)
- “Apesar dos bolcheviques terem proclamado a divisão igualitária da terra entre os que
nela trabalhavam, prevaleceu a ocupação e distribuição das terras da aristocracia, da
burguesia e dos kulaks entre os camponeses médios e pobres pelas comunas rurais e
cooperativas, prevalecendo a pequena propriedade individual e a produção de
subsistência.” (Pág. 20)
- “na medida em que a revolução mundial era derrotada e deslocada do horizonte político,
permitindo a salvação do sistema imperialista e abortando a perspectiva de auxilio externo
por parte de uma revolução socialista vitoriosa num país desenvolvido; em que o atraso
econômico-social mostrou-se mais sólido e renitente que o ideário da mudança social e
cultural, cobrando um preço econômico gigantesco; em que o cerco internacional e a
guerra civil impunham uma situação dramática, dizimando física e socialmente a classe
operária russa e forçando a criação de uma economia de guerra, prevalecem sobre a
perspectiva socialista a composição com as forças sociais da velha ordem, o privatismo e
as tendências centralizadoras e burocráticas, esvaziando o horizonte socialista da
revolução.” (Pág. 21)
- “No setor industrial e da economia urbana a NEP favoreceu mais a pequena indústria,
produtora de bens de consumo, particularmente aquela localizada na zona rural, do que a
grande indústria do setor de bens de produção, para garantir o abastecimento do campo e
estimular a produção de excedente agrícola. Também limitou o processo de
nacionalização/estatização, devolvendo diversas empresas à iniciativa privada, inclusive
aos ex-proprietários; além de abrir a economia russa à investimentos estrangeiros,
estimular as práticas comerciais e a busca do lucro.” (Pág. 22)
- “Assim, ao restabelecer o avanço da iniciativa privada, mesmo que sob controle estatal,
atraindo investimentos de capitalistas nacionais e estrangeiros, os nepmen; fortalecer os
kulaks no campo, apesar da manutenção da comuna rural, e restabelecer o livre-mercado,
o governo bolchevique solapou o controle operário e o papel político dos soviets, base
política para qualquer perspectiva socialista efetiva.” (Pág. 24)
- “No entanto, após a derrota definitiva da Oposição Unificada, em 1927, os ataques aos
privilégios conferidos aos camponeses se intensificam e a “guerra aos kulaks” é
anunciada; além da defesa do planejamento econômico e do apoio à indústria pesada
como medidas estrategicamente necessárias à sobrevivência da URSS. A partir daí a
aliança entre Stálin e Bukharin em torno da defesa da NEP se rompe progressivamente e
este passa a constituir a chamada “Oposição de Direita” (Bukharin, Rikov e Tomsky),
derrotada a seguir.” (Pág. 25)
- “Em função da proposta da industrialização acelerada, que tem como eixo fundamental
o apoio integral à indústria de bens de capital, e de guerra aos kulaks e à iniciativa privada
no campo, o governo passa a instituir a planificação econômica, com a definição de
prioridades, fontes de financiamento e metas de produção e distribuição.” (Pág. 25)
- “Com a planificação ocorre o controle político da distribuição dos produtos e dos preços
em geral, além do avanço acelerado da estatização das empresas, principalmente nas
grandes empresas, com a propriedade privada tornando-se cada vez mais restrita e
limitada às pequenas indústrias até o seu desaparecimento.” (Pág. 26)
- “Quanto mais a perspectiva da guerra se fortalecia, mais Stálin buscou eliminar toda e
qualquer alternativa política à sua liderança, mobilizando a máquina do Terror até mesmo
contra seus mais próximos colaboradores. Na configuração da nova ordem política
destacam-se o centralismo burocrático, que estabeleceu o esvaziamento definitivo das
instâncias independentes e autônomas de organização dos trabalhadores, como os soviets
e sindicatos; o controle da sociedade civil, que cresceu e se ampliou, mas voltou a ser
rigidamente controlada pelo Estado; e uma ideologia legitimadora baseada no culto à
personalidade, no nacionalismo russo travestido de teoria do “socialismo num só país” e
na transformação do materialismo histórico numa ideologia estatolatra denominada
“marxismo-leninismo”, que passou a justificar com ares de cientificidade e
inevitabilidade histórica a realpolitik do Estado soviético. Assim, o stalinismo reviveu
sob o manto do socialismo as tradições e práticas autocráticas do czarismo russo.” (Pág.
28)