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O nosso meio cultural cartesiano, onde está instituído o dualismo corpo-mente, não

define em absoluto o que podemos pensar e conceber. Contudo, ele começa logo a
limitar-nos a um nível mais elementar, onde operam a percepção e a imaginação, e assim
vai influindo nos valores reais que regem a nossa conduta. Os últimos séculos registaram
o triunfo da vida mundana sobre a vida supra-mundana, e mesmo quando existe alguma
vontade de restaurar a antiga vivência, este impulso é falho em verdadeira inspiração
religiosa e atende apenas a critérios utilitaristas, estando também frequentemente
afectado de mentalidade moderna. No mundo medieval a presença dos milagres, quer os
de Deus, quer os demoníacos, era constante. Quando nos concentramos apenas no mundo
material, o mundo espiritual acaba também por se retirar. Mas não podemos fugir ao
cristianismo visto como criação cultural entrando numa autoflagelação moral, isto só
pode resultar em neurose. Para recuperarmos um pouco desta vivência cristã temos de
nos aproximar dos lugares e circunstâncias onde o milagre se encontra presente (ver 2.7
Moral e Religião) e daquelas experiências que nos aproximam da consciência de
imortalidade.

Toda a nossa percepção da realidade física é fragmentária, e também a nossa memória é


descontínua. Mas nós sabemos que a realidade é contínua apesar de só termos dela uma
visão fragmentária. A nossa percepção física do universo depende de uma confiança que
temos numa continuidade e numa unidade que não nos são perceptíveis de maneira
alguma, mas que sem elas nem conseguiríamos ter a percepção fragmentária. Este senso
de unidade e continuidade não é uma questão de fé porque a fé é algo que podemos ter ou
não, mas nunca nenhum ser humano teve a opção de descrer da continuidade e unidade
do real. Este é um senso que não é conteúdo consciente – pode estar sempre inconsciente
–; é algo que nos impõe o meio, algo que vem do conhecimento por presença, que não
precisa de subir à consciência porque é antes a consciência que se constrói em cima dele.
É impossível a mente dar ordem ao conjunto dos fragmentos que nos chegam, como
pensava Kant, porque seria necessário o cérebro ter a capacidade de construir um
universo inteiro, abrangendo o visível e o invisível, assim como o sabido e o não sabido,
e o cérebro não é capaz de unificar informações que não tem.

Descartes procura uma prova da existência no pensamento porque já está totalmente


inseguro e perdeu de vista a evidência directa, sem perceber que a prova é apenas uma
coisa que fazemos na vida. Além disso, o pensamento não prova a existência de ninguém
mas apenas a existência do seu próprio pensamento. No começo da modernidade surgiu a
ideia de que tudo o que não for provado deve ser colocado em dúvida. A prova é algo
essencialmente para os outros, é um esquema de pensamento que fazemos para
fundamentar um conhecimento que temos. A prova, que realmente é apenas um
complemento do conhecimento, é dispensável quando temos evidência directa, mas
acabou por se sobrepor a esta, criando um vício mental que afectou até as inteligências
mais prodigiosas. A prova faz parte do “eu social”, por isso não pode haver prova de que
“eu sou eu mesmo”, que é uma evidência que temos da própria experiência. O “eu
permanente”, abrangendo todos os momentos da nossa existência, não pode existir
apenas temporalmente, porque lhe faltaria passado e futuro. Então, a estrutura do “eu
substancial” tem que abarcar passado, presente e futuro, Além disso, como já vimos, é
capaz ainda de ter visão remota e não depende da presença corporal, que é uma sua
manifestação específica, pelo que a nossa existência transcende necessariamente a nossa
presença terrestre. Sem a consciência de imortalidade, não vamos compreender a nossa
modalidade de existência ante a presença do ser. Santo Agostinho tem isso em conta, o
que é uma raridade na maior parte das filosofias, e para ele a História terrestre só existe
efectivamente no plano celeste. Mas apesar da dimensão de imortalidade reduzir bastante
a dimensão histórica, sempre continua existindo alguma temporalidade, ainda
continuamos a ter uma dimensão cognitiva, pelo que ainda se mantém algum tipo de
estrutura narrativa. Somente a consciência de imortalidade pode nos dar a escala de
tempo em que os acontecimentos terrestres podem ser medidos. Todo o processo
civilizacional será para a alma imortal apenas uma percepção imortal, já que ela abarca o
processo inteiro. Se perdemos esta noção de vista, a História terrestre ganha um peso
desmesurado e torna-se na única dimensão que conseguimos conceber, quando ela é
apenas um ente de razão na cabeça dos historiadores.

Consciência de imortalidade e religião: Na medida em que tomamos consciência da


alma imortal, vamos orientar a nossa vida de outra maneira. Mas não é uma consciência
que se possa ter em permanência, e já Hugo de São Vitor sabia disso e tinha de estar
sempre a falar do sentido da leitura, da meditação, etc. O Exercício do Testemunho (2.2)
fala precisamente do contraste entre os momentos em que tudo faz sentido e outros, logo
de seguida, em que nos esquecemos dos primeiros e começamos a agir segundo outros
critérios. O importante é recuperar os primeiros momentos até nos identificarmos
novamente com a nossa figura ideal, que representa a nossa alma imortal. Temos que
seguir os exemplos das figuras bíblicas, que não eram perfeitas mas estavam sempre a
preparar-se para a morte. O próprio Cristo disse que a única coisa necessária é estar
sempre indo na direcção do Eterno, por mais que erremos. Amar a Deus acima de todas
as coisas é desejá-Lo. A substância da nossa alma imortal é Ele. A ascensão que fazemos
é do corpo para a alma imortal e, só depois, da alma imortal para Deus. A abertura para a
imortalidade modifica todo o nosso senso da moralidade. O julgamento no plano da
moralidade material é substituído pelas considerações sobre as implicações eternas, o que
muda muito a nossa responsabilidade. Depois disto, acima de nós só está Deus, ninguém
manda em nós, nem há ninguém para nos proteger, existem apenas circunstâncias sociais
com validade limitada a efeitos práticos momentâneos. O ser humano é uma espécie de
paradoxo: por um lado, é quase um anjo, por outro, pergunta o salmista: “O que é o
homem para que Deus olhe para ele?” Isto impele-nos à busca de Deus, mas também
pode conduzir-nos a uma tragédia metafísica porque o acesso à alma imortal pode se ter
dado por maneiras indevidas (práticas ocultistas, mágicas, etc.) e então vamos nos tomar
como fonte e origem de tudo. A consciência de imortalidade, quando acompanhada do
conhecimento de que não existimos por nós mesmos – existe um poder que nos abrange,
que nos constitui por dentro e nos mantém na existência –, acaba por nos dar a noção de
que pertencemos ao Corpo de Cristo. O “eu profundo” tem uma força criadora sobre o
mundo e é a fonte de todas as curas psíquicas. Cristo sempre falou para a alma imortal
das pessoas, às vezes mais explicitamente, como quando disse “vós sois deuses” ou
“aquilo que você tiver fé, você vai obter de qualquer maneira”, referindo-se a uma fé que
surja da consciência permanente da alma imortal. Sem esta vivência, não adiante ter fé. O
plano da salvação da alma coloca-se aqui, e quando estivermos neste estado há duas
coisas que podemos pedir sempre, independentemente daquilo que mais tarde tenhamos a
fé segura o suficiente para pedir: pedimos perdão pelos nossos pecados e pedimos a Deus
para estar junto a Ele por toda a eternidade. Pedimos isto porque a nossa natureza é esta.
Se a alma imortal crer sinceramente nisto, ela vai tê-lo, pois é nela que reside a
verdadeira fé. Percebermos que somos um acto de gratuidade divina pode até fazer com
que não queiramos mais nada, mas sempre podemos pedir para que outras pessoas
tenham acesso à mesma experiência.

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