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Naira Ciotti
Vicente Martos Moreira
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
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Naira Ciotti
Vicente Martos Moreira
O samba não se aprende no colégio dá a possibilidade de certas visualidades
Sambar é chorar de alegria apagadas ao poderem ser novamente
É sorrir de nostalgia
Dentro da melodia presentes e poderem contar suas histórias.
(Noel Rosa)1 Mostrar as primeiras performances realizadas
em sala de aula agencia paradigmas não
O lugar de fala deste artigo é o estabelecidos, sem centralidade, atua nas
LabPERFORMANCE Laboratório de fronteiras do paradigma teatral e pedagógico
Performance e Teatro Performativo vinculado pois propõe micro-revoluções. Saskia Sassen
ao Departamento de Arte da Universidade levanta tais perguntas para discutir os
Federal do Rio Grande do Norte; isto significa processos de expulsão e apagamento cultural
que ele ecoa e também evoca diferentes (SASSEN, 2017). Essas perguntas podem
vozes. Uma parte foi baseada na conferência também ser feitas para as imagens dos
"Sobrevivência nas Artes Cênicas", processos: o que eu não vejo nelas se eu
apresentada por Naira Ciotti na VIII Jornada de invocar uma categoria muito poderosa? Sugiro
Pesquisa em Artes Cênicas - Edição que ao vê-las possamos nos perguntar sobre o
Internacional, e cuja temática/provocação foi: que nós não estamos vendo (ainda).
Sobrevivências em Artes Cênicas –
Articulação de conhecimentos e práticas O artigo finaliza de maneira a buscar uma
[im]possíveis, realizada em 2 de Novembro de interação com o leitor, quando levantamos um
2017, a convite do Departamento de Artes diálogo sobre a emergência dos conteúdos
Cênicas - DAC / Universidade Federal da autobiográficos na arte e a sua importância
Paraíba, e que pretendia discutir as relações política a partir da construção de referências
entre a prática de professor e a prática de fronteiras mais ambíguas, propondo a
artística. Esse assunto pode ser compreendido ocupação intelectual nas fronteiras sistêmicas
como eixo fundamental deste texto, que busca entre a arte e a política. O que não vemos ao
relacionar a polaridade entre o professor e o se construir e manifestar biografias pessoais,
artista. visões de mundo e formas de vida.
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O giz da escola da performance
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Na segunda expedição da coroa portuguesa seguida da frase “Brasil 500 anos. João
ao Brasil, foram enviados os padres jesuítas Ramalho, o europeu à deriva”.
para catequização dos povos nativos. Ao
chegarem, esses mesmos padres
encontraram, nas novas terras, portugueses e
tupis convivendo em harmonia. Isso não foi
muito bem aceito e então, após resolução da
Coroa, a fundação da cidade orignal tornou-se
uma espécie de proibição, pois o Pelourinho foi
enviado para a vila de Santa Cruz, onde
permanece até os dias de hoje em exposição4.
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conta da complexidade teórica dos estudos entre “arte pura” e “arte engajada” não
da Performance, porém sem abrir mão de passa de mal entendido. Toda arte, se
for arte, é pura no ato. E toda arte, se
insistir nos processos e conteúdos for arte, é engajada no efeito do ato. A
emergentes. política é o resultado não pretendido,
mas necessário, da arte. (FLUSSER,
É notável que o estado atual do ensino da 1972, p. 87)
performance, ou ao menos da preocupação
das escolas de arte do Brasil com esse Na atualidade, quando falamos de
assunto, só tem aumentado. Cada dia é performance estamos falando em
possível perceber mais pessoas, profissionais, intervenção urbana, “em dançar na cidade”,
artistas ou alunos interessados em em manifestações políticas, em ações
performance. A performance, por sua vez, pedagógicas, em direção a paradigmas
assim como as outras linguagens artísticas sociais e estéticos. Um dos entendimentos
contemporâneas, evoluiu ao longo desse do conceito de paradigma é de que trata-se
tempo, o que significa que essa linguagem não de uma constelação de crenças, valores,
estagnou-se em conceitos originais que técnicas etc., partilhada pelos membros de
guiaram artistas como Joseph Beuys, Hélio uma comunidade determinada. O
Oiticica e Lygia Clark. paradigma é um lugar onde esta ideia pode
ser compartilhada por uma comunidade
Performance é um termo amplo, também
científica. Segundo o seu criador, Thomas
se transformou ao longo deste nosso novo
Kuhn (2011, p. 249), não é um objeto de
século. Após a revolução das redes de
estudo, mas uma constelação de pessoas
comunicação a palavra, que remetia a uma
praticantes de uma ciência, uma inscrição
linguagem das Artes do Corpo, passou a
disciplinar. Nesse sentido, vive-se uma
significar experiências de hibridação de
mudança de paradigma em relação a arte
meios com ênfases em explorações
da performance e, consequentemente, do
conceituais.
seu estudo e pesquisa. Os artistas que
No limiar do século XXI, a performance foi trabalham com conteúdos autobiográficos,
atravessada pela tecnologia. Daí pra frente na atualidade, relacionam-se ao mesmo
todo o nosso cotidiano contém traços de tempo com motivações políticas, respostas
performance. Nas conexões com as à circuitações afetivas provenientes de
máquinas, na produção de imagens. O diversas fontes.
teatro, a literatura e a dança consumiram-
se nas virtualidades e possibilidades de Havia antes uma relação entre arte e
política, sempre houve, mas ela não
interação, intervenção e compartilhamento
era profundamente discutida nem
de afecções subjetivas. profundamente investigada,
principalmente por quem trabalhava
Sobre Performance, Arte e Política com relatos autobiográficos, com
histórias de vida, com questões
A obra é, queira eu conscientemente pessoais. Sempre foi uma questão
ou não, “ para o outro”. Portanto, a meio paralela: todo mundo tinha as
aparente e tão discutida oposição suas posições políticas mas não
necessariamente isso entrava na
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ação, na sala de ensaio ou no muitas dinâmicas pedagógicas alteradas
espetáculo que a gente estava nesse momento, fazendo eclodir encontros
montando. (Informação verbal CIOTTI,
2017) e práticas de compartilhamento entre
docentes e discentes, instaurando novas
Depois de 2016 - num processo que na ordens no campo do ensino e também do
verdade pode ter se iniciado como uma ensino de arte5.
tendência que veio de 2013, mas que mais
Em Natal, de tempos em tempos, reunimos
recentemente se configurou de forma mais
no Laboratório de Pesquisa em
clara, tornou-se impossível, do nosso ponto
Performance e Teatro Performativo os
de vista, separar arte e política. Não existe
pesquisadores de pós-graduação e alunos
mais possibilidades em se falar de arte no
da graduação interessados em discutir
Brasil, e em muitos lugares do mundo, sem
alguns temas ou inquietações que temos
falar de política. O artista, à medida em que
percebido serem importantes campos de
investiga a própria biografia em relação
reflexão para o trabalho artístico. Dentro
com a coletividade, a universalidade,
dessa busca encontramos a ideia de
enraiza-se cada vez mais nas suas
“expulsão”, apresentada por Saskia Sassen
circunstâncias sociais e políticas.
em seus estudos6. Nosso desejo aqui não
Este estudo compreende e propõe a é fazer uma explanação complexa dos
importância da uma melhor elaboração conceitos levantados por essa autora, mas
científica e artística acerca do tema traçar um paralelo entre seus
“sobrevivência” nas Artes Cênicas porque apontamentos e possíveis práticas que
sobreviver tem se tornado uma questão temos investigado no campo da
bastante recorrente na produção dos performance em interface com a educação.
artistas da performance. O que é pensar na expulsão? O que é
pensar em uma desigualdade social que
Assim como a Arte, a Educação pública
não pára de crescer e que acaba por
vem sofrendo recorrentes ataques
expulsar as pessoas dos seus lugares, seja
orçamentários, congelamentos de
ele o país, o emprego, a sala de aula, a
investimentos e privatizações. Tivemos, em
cidade propriamente dita, as suas casas.
2016, as manifestações estudantis dos
alunos secundaristas com a ocupação de Se a desigualdade (global) continuar
mais de cem escolas de ensino crescendo, em algum momento
fundamental e médio, seguida sempre de poderá ser descrita, mais
precisamente, como uma forma de
forte repressão pelos Estados. No segundo
expulsão. Para aqueles que estão na
semestre do mesmo ano, após o anúncio
da Proposta de Emenda Constitucional
5
PEC 241, estudantes e docentes das Em 2016, em paralelo à ocupação da reitoria da UFRN pelos
coletivos de resistência estudantis contra a PEC 241, alunos de
Universidades Federais em todo território Licenciatura em Teatro, pesquisadores do Laboratório de
Pesquisa em Performance e Teatro Performativo e artistas
nacional ocuparam as reitorias e outros convidados realizaram a primeira edição do evento Reperformar
espaços das instituições. As aulas, o Afeto, maiores informações e demais conteúdos relacionados
podem ser obitidos no endereço:
transferidas para esses locais, tiveram suas <http://vicentemartos.wixsite.com/reperformaroafeto >.
6 Ver “Expulsões”, de Sassia Sasken, 2017
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social. Mas também era um meio de Essas expulsões ocorrem numa lógica
promover o interesse público, de fazer de apagamento que acontece na
aumentar uma prosperidade que seria ordem do visual e também do material;
compartilhada por muitos, embora elites econômicas tornam-se o norte
muito mais por alguns do que por visual - assim como seus modos de
outros. Em comparação, hoje nossas vida. E as populações que não
instituições e nossos pressupostos correspondem às dinâmicas
estão cada vez mais a serviço do econômicas das cidades
crescimento econômico corporativo. contemporâneas passam a ocupar um
Essa é a nova lógica sistêmica. Talvez estado de invisibilidade e,
não todas, mas um número suficiente consequentemente, de expulsão (...)
de empresas procurou se libertar de São indivíduos que constam em
quaisquer restrições, incluindo as de números estatísticos - a quantidade de
interesse público local, que interfiram desempregados no Brasil no último
na sua busca de lucro. Qualquer coisa ano, a quantidade de pessoas
ou qualquer pessoa, seja uma lei ou desabrigadas pela guerra no Oriente
um esforço cívico, que dificulte a Médio, a quantidade de refugiados que
obtenção de lucro corre o risco de ser a Alemanha recebeu em seu território
posta de lado, de ser expulsa nos últimos anos. Esses indivíduos
(SASSEN, 2016, p. 253) não fazem parte do norte ideológico,
aquele que compõe a lista dos desejos
O que interessa para a performance num permeantes, das prioridades em
estudo minucioso sobre dados financeiros nossas sociedades. (Informação
verbal CIOTTI, 2017)
e situações econômicas em torno do globo
terrestre é que essas expulsões, quando se Um exemplo apresentado por Saskia
trata de gente, se transformam em Sassen para ilustrar o absurdo de certos
apagamentos de arquivos, apagamentos sistemas neoliberais de expulsão é o fato
de histórias de vida, apagamentos de de que, até 2017, existem ao todo noventa
propostas vanguardistas de educação, e três pessoas no mundo sem nenhuma
apagamentos de experiências de identidade de estado e que não poderão
intervenção e, novamente, de dançar na voltar a tê-la. Essas pessoas perderam o
cidade. As populações e os seus país!
deslocamentos, geográficos ou culturais,
vão se apagando para se transformar em Em uma outra imagem que trazemos de
estatística. É sério? É. Os performers têm nossos estudos, da mesma disciplina de
que pensar nisso? Têm. Estudos da Performance, o aluno Bruno
Silva está fazendo um trabalho que de
Surge assim um norte visual com seus alguma forma dialoga com essa ideia do
modos de vida, e aqueles que não apagamento, de mostrar-se, de querer
correspondem à esse norte visual tornam- deixar de ser uma identidade não
se os excluídos, os refugiados, os representada.
imigrantes, os que ocuparam os prédios
abandonados, os que estão reivindicando
seus direitos perdidos sem nenhuma
esperança.
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poder, funciona da mesma maneira. Dentro do
conjunto de configurações: “Em sua
coletividade, os afetos configuram corpos
políticos, ou seja, massas de corpos que
representam determinados discursos e se
movem através deles, podendo por eles ser
expressos com uma noção arbitrária de
individualidade” (CIOTTI e MOREIRA, 2017, p.
17).
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políticos, quem eu sou? Ou ainda: eu tenho O samba, a Arte, não se aprendem no colégio,
certeza de quem eu sou? é uma atividade emocional, que o colégio não
pode acessar. Nossa ideia de performance
As outras perguntas seriam: o que existe
vem da senzala da escravidão brasileira, vem
na política além de acusações? É possível
dos terreiros, partiu do samba e seus afetos. A
trabalharmos com as derrotas e as
performance também veio dos estudos sobre
performances, as manifestações contra a
as atividades humanas mais amplas e
Dilma, contra o PT, contra o Temer,
espontâneas. No teatro e suas teorias
desconstruindo arte-política do teatro, das
contemporâneas a performance expõe a
mídias e dos seus dispositivos?
condição reflexiva de sujeitos fragmentados e
O performer hoje pode contar sua biografia os corpos por eles engendrados: mutantes,
ultrapassando a sua vida pessoal? Ou transformers, performeros, artivistas,
como perguntou Rabih Mroué9: onde você tatuadores, produções de semiose e a-
estava quando estava acontecendo o semiose (GUATTARI, 2011). A performance
impeachment de Dilma Roussef? Ele fez escancara as subjetividades através das
essa pergunta para um grupo de mais ou estéticas do sul, latinidades, a descida
menos vinte performers que participavam antropofágica de Viveiros de Castro. Neste
de um workshop que ministrou na Mostra momento o século XX e XXI entram em
Internacional de Teatro de São Paulo10. As conexão, a performance entra no colégio pelas
respostas dos performers foram, em geral portas da Universidade. “Houve sim, uma
que: um tinha ido para casa da tia, o outro virada educativa no Brasil, que está em curso,
tinha ido para o metrô e ficou preso lá, nos somos resultado disso, a Unicamp, a
outro acompanhou manifestações pela UFRN a PUC todos temos a ver com este
internet ou até ao vivo, presencialmente investimento em abrir o campo das Artes para
nas ruas. O diretor apontava para o fato de os não especialistas e para a formação de
que essas histórias nunca são contadas, platéias e novos artistas” (informação verbal
esses pontos de vista seguem apagados. CIOTTI, 2017).
De uma forma bem brasileira, agora que
formamos diversos novos professores, a
9 Rabih Mroué é um dos proeminentes nomes das artes visuais e política de educação parece mudar
da performance no Líbano, participou das últimas edições da
Documenta, entre outros é fundador do Beirut Art Center. A drasticamente. Estamos atravessando o
narrativa de Mroué aproxima fatos reais e fantasiados com a contraponto disso, que pode encaminhar estas
mesma credibilidade. O trabalho dele se liga à trágica história do
período de conflitos políticos no Lìbano sem recorrer à iniciativas para o abismo. Como uma tática
reivindicação sentimental das vítimas ou a representação visceral para a sobrevivência nas Artes Cênicas e no
da violência, segundo Inti Guerrero, Rabih Mroué tem habilidade
para conectar histórias pessoais à história. Informações coletadas Ensino de Arte, precisamos nos indagar: como
no site http://site.videobrasil.org.br/news/1784545 construir uma ponte de professores híbridos?
10 Participei do Workshop BRASIL EM PIXELS, com Rabih
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Referências Bibliográficas Referências Orais:
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