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ESTADO DE CHOQUE DE HERÓI A PERSEGUIDO ENTREVISTA MARCELO D2
DESAPARECIMENTO COMO O INDOMÁVEL PACÍFICO, SIM.
TECNOLOGIA DE PODER JULIAN ASSANGE PACATO, NUNCA
POR FÁBIO ARAÚJO POR JUAN BRANCO POR GUILHERME HENRIQUE
00142
BRASIL
diplomatique
O BRASIL TEM MUITO DINHEIRO
2 Le Monde Diplomatique Brasil MAIO 2019
inte e quatro de março de 2019: outras; é possível, mas eu não sei”. Nu-
tres repetiam um após o outro, encan- moestadora: New York Times, The Eco-
tados, o termo russo kompromat. nomist e Washington Post; as redes
Desde o início de 2017, o chamado CNN, MSNBC, mas também Arte e
Russiagate fez borbulhar as caldeiras BBC; sem mencionar Libération, Le
editoriais das publicações mais presti- Monde e Guardian. Em suma, os jor-
giosas do planeta.1 nalistas que têm por clientes as cama-
“Não se poderia excluir a possibili- terpretou cada uma das decisões de pa a um conjunto de bonecas russas das sociais mais educadas, refinadas e
dade de o presidente dos Estados Uni- Trump – o anúncio de uma retirada que, por encaixes sucessivos, levava do poderosas. E a mídia que, desde 2016,
dos ser o agente, consciente ou não, de das tropas do Afeganistão ou da Síria, presidente norte-americano a seu ho- do Brexit e da eleição de Trump, coloca
uma potência estrangeira hostil”, ex- as negociações com a Coreia do Norte mólogo do Kremlin. “Todos os homens a denúncia das fake news no centro de
plicou, por exemplo, o especialista etc. – como mais uma prova de sua do czar: como os oligarcas de Putin se seu projeto editorial. Ao isentar Trump
Michael Fuchs em US News and World submissão às ordens do Kremlin. Pou- infiltraram na equipe de Trump” (1º da suspeita de conluio com os russos,
Report (28 dez. 2017). Seis meses de- co depois da Cúpula de Helsinque, ela out. 2018). E, na rede ABC (12 abr. 2018), o relatório Mueller detonou a narrativa
pois, a New York Magazine (9 jul. 2018) convidava a considerar “a possibilida- James Comey, ex-diretor do FBI demi- principal que lhes permitira não ape-
descreveu a reunião de cúpula de Pu- de de alguém ter chegado à presidên- tido por Trump, adiantou uma hipóte- nas reconstruir para eles uma legiti-
tin e Trump em Helsinque como o cia dos Estados Unidos para servir aos se que fez a intelectualidade norte-a- midade diante das novas mídias, mas
“encontro entre um recruta dos servi- interesses de outro país que não o mericana dar pulos de alegria: “Não sei também – particularmente nos Esta-
ços secretos russos e seu cliente”. No nosso” (16 jul. 2018). se o atual presidente dos Estados Uni- dos Unidos – ganhar muito dinheiro.
canal “de esquerda” MSNBC, a popu- Com uma imaginação impressio- dos esteve em 2013 em Moscou com Aqui está, portanto, o rabo abana-
lar apresentadora Rachel Maddow in- nante, a revista Time dedicou uma ca- prostitutas que urinavam umas nas do e encarregado de encenar seu desa-
MAIO 2019 Le Monde Diplomatique Brasil 3
pontamento. Em qualquer outra cir- que o horrorizava e que ele nem sem- cem ser lidos do New York Times tira das ligações de Moscou com a extrema
cunstância, o escândalo teria sido glo- pre se mostrara sincero nem necessa- desse episódio uma conclusão oposta. direita. Para não ficar para trás, o La
bal – afinal, a luta contra as notícias riamente delicado. Um tanto de con- Ross Douthat observou que todo o pes- Croix (15 abr. 2019) lançou um cerco às
falsas está entre as prioridades oficiais clusões que não exigiam dois anos de soal – político, da mídia, judicial, da se- “falsas informações susceptíveis de
das democracias liberais. investigação e todo esse alarido. gurança – que participa do equilíbrio influenciar a eleição” europeia de 26
Na França, duas palavras caracteri- dos poderes “devotou sua energia a es- de maio. Primeiros suspeitos, de acor-
zaram a cobertura do relatório Mueller: se tipo de realidade alternativa conspi- do com o jornal: “os russos”.
discrição e desvio. Na France Inter, rá- ratória contra a qual imaginava resis- E assim, como se nada tivesse
Enquanto os dio pública destacada na luta contra as tir” (26 mar. 2019). Enquanto os acontecido, as mil declinações do te-
conspiracionistas nas fake news, a especialista em mídia So- conspiracionistas nas profundezas da ma “Moscou, capital do império do
profundezas da internet nia Devillers não dedicou à debandada internet são o assunto de todas as zom- mal” foram retomadas. No dia 2 de
de seus colegas nem um de seus edito- barias, o “centro paranoico” age com abril, o título da edição internacional
são o assunto de todas as riais diários nem um episódio de seu as armas do poder, sua legitimidade, do New York Times era: “Por que a Rús-
zombarias, o “centro programa L’instant M [Momento M]. seus intelectuais, sua autoridade. Ele sia teria ordenado o assassinato de um
paranoico” age com as Por outro lado, ela tratou de assuntos ameaça, portanto, a vida pública das eletricista ucraniano?”. No dia seguin-
armas do poder certamente mais importantes, como a democracias com o mesmo intuito da te, sempre na primeira página, foi na
história do “Club Dorothée” (4 abr.) e, direita nacionalista que alega comba- Venezuela que Moscou espalhou sua
mais de acordo com as inclinações edi- ter: “Na medida em que o centro acre- teia e multiplicou as fraudes. Outras 24
toriais da emissora, “O ódio dos jorna- dita na bondade inata das instituições horas e mudamos de continente: “A as-
Então, como a mídia informou so- listas” (19 abr.), “A mídia para o mal na norte-americanas e ocidentais, na sa- censão da Rússia na África alerta o
bre as conclusões do promotor Muel- Hungria” (12 abr.) ou “A fábrica da men- bedoria fundamental e no patriotismo Ocidente”. Moscou vende armas ali,
ler? Ela reconheceu que uma onda de tira” (5 abr.), uma série de documentá- daqueles que as representam, sua per- provavelmente menos suaves que as
paranoia havia contaminado suas rios “superbem elaborados” realizados cepção da ameaça é sempre sensível nossas e, horror inimaginável sob nos-
prestigiosas redações? Além de um pela France 5 sobre fake news – aqueles aos grandes inimigos do estrangeiro e sos céus clementes, dá seu apoio a...
punhado de franco-atiradores de es- produzidos pelos partidários de Trump aos radicais de dentro. E ele teme aci- “autocratas” de lá!
querda, como Glenn Greenwald e Matt e pelas direitas nacionalistas... ma de tudo que esses dois grupos este- Coube, no entanto, à célebre revis-
Taibbi, que denunciam desde 2016 as Ainda na France Inter, Pierre Has- jam trabalhando de comum acordo”. ta Time (15 abr. 2019) resumir em um
fake news (oficiais) do Russiagate,2 al- ki, responsável pela coluna “Geopolíti- título (acompanhado de um longo tex-
guns jornalistas norte-americanos ca” desde que seu antecessor, Bernard to) o próximo Graal editorial da im-
conservadores se deram conta de que Guetta, se tornou candidato do poder prensa liberal. Já que a obsessão de um
sua profissão acabava de sucumbir a nas eleições europeias, também não Mídia que, mau acordo entre Trump e Putin se es-
uma “alucinação coletiva que destruiu pareceu inspirado pelo fiasco do Rus- desde 2016, vaziou, damos lugar a... “O outro com-
o que restava de crédito para a im- siagate: três semanas após a deflagra- plô russo”.
prensa americana” (Lee Smith, Tablet, ção do 24 de março, o evento ainda do Brexit e da eleição
27 mar. 2019). Ou, mais sobriamente, não tinha merecido que ele o mencio- de Trump, coloca a *Serge Halimi é diretor e Pierre Rimbert é
que “tudo isso não valia a pena” (The nasse para seus ouvintes. Haski, no denúncia das fake news da direção do Le Monde Diplomatique.
Wall Street Journal, 18 abr. 2019). entanto, preside a associação Repórte- no centro de seu
A maioria dos outros, porém, prefe- res Sem Fronteiras.
riu negar seu fracasso. “Sabemos que a Por seu lado, o Le Monde (26 mar.
projeto editorial 1 Ler Serge Halimi, “Marionnettes russes” [Fanto-
ches russos], e Aaron Maté, “Ingérence russe, de
carta [do ministro da Justiça resumin- 2019) reservou sua manchete de pri- l’obsession à la paranoïa” [Interferência russa, da
do o relatório Mueller] não tem ne- meira página para o evento: “Trump obsessão à paranoia], Le Monde Diplomatique,
nhum significado. É absolutamente... triunfa após as primeiras conclusões Quando o vício é muito forte, a sa- respectivamente jan. 2017 e dez. 2017.
2 Glenn Greenwald, “Robert Mueller did not merely
Isso não significa nada”, apregoou o da ‘investigação russa’”. No entanto, o bedoria é impotente... Nos dois lados reject the Trump-Russia conspiracy theories. He
apresentador da MSNBC Joe Scarbo- editorial publicado no dia seguinte fez do Atlântico, as direções editoriais fo- obliterated them” [Robert Mueller realmente não
rough (29 mar. 2019). Uma vez publi- um balanço singular de três anos de ram rápidas em confirmar a pertinên- rejeitou as teorias da conspiração Trump-Rússia.
Ele as destruiu], The Intercept, 18 abr. 2019. Dis-
cado o relatório Mueller, os perpetra- uma vida pública norte-americana cia do diagnóstico de Douthat. Oito ponível em: <https://theintercept.com>; Matt Tai-
dores de um complô imaginário gangrenada por uma gigantesca para- dias depois desse Chernobyl midiáti- bbi, “It’s official: Russiagate is this generation’s
preferiram lembrar que Trump às ve- noia: “As instituições do país funcio- co, o Le Monde publicou “uma série so- WMD” [É oficial: Russiagate são as armas de des-
truição em massa desta geração”], Hate Inc., 23
zes fora tentado a abusar de sua autori- nam”. Nos Estados Unidos, um dos bre a influência e as redes da Rússia no mar. 2019. Disponível em: <https://taibbi.subs-
dade para impedir uma investigação únicos editorialistas que ainda mere- exterior”, cujo artigo principal tratava tack.com>.
EDITORIAL
Enfrentar o luto
POR SILVIO CACCIA BAVA
recisamos enfrentar o luto e, se elegeu agora com 73% dos votos, as- São tempos de rupturas. Para o igualitários e de solidariedade, mas
da Ucrânia, que decidiu em janeiro, super-ricos detêm a riqueza que cor- contrar bodes expiatórios entre os ou- 2 Nancy Fraser, “El final del neoliberalismo ‘progre-
sista’”, Sinpermiso, 12 jan. 2017. Disponível em:
sem um partido político estruturado, responde ao que possui a metade mais tros”.1 Isso signiica não só fazer a <www.sinpermiso.info/textos/el-final-del-neolibe-
concorrer à presidência de seu país e pobre da humanidade. disputa pelos direitos e por valores ralismo-progresista>.
MAIO 2019 Le Monde Diplomatique Brasil 5
CAPA
© Daniel Kondo
“I
ntroduza um pouco de anarquia. aprovada a reforma da Previdência, o facilitar a comparação e mostrar as al- programas de refinanciamento de dí-
Perturbe a ordem vigente, e tudo se país quebra”! Essa “bala de prata”, res- ternativas disponíveis com a “mesma vidas, conhecidos como Refis.
torna o caos. Eu sou um agente do saltam, é nossa única, e derradeira, moeda” do governo, utilizaremos esse Há uma percepção geral de que as
caos.” Com essas palavras, o perso- solução para o caos. Não há alternati- número como referência. Essa será benesses fiscais podem ser úteis para
nagem Coringa, em Batman: o Cava- vas, elas gritam. nossa “régua”. alcançar certos objetivos de interesse
leiro das Trevas, anuncia seu lema e Mas isso é mentira! Há alternativas O artigo 165 da Constituição Fede- público, mas também de que precisam
conclui: “e sabe qual é a chave do caos? viáveis. Mas estas não interessam à ral estabelece a obrigação de o Poder ser utilizadas com equilíbrio, o que
O medo”. nossa velha elite sanguessuga. Executivo apresentar demonstrativos traz à baila algumas questões impor-
Não é fácil, no Brasil atual, nomi- das receitas e despesas decorrentes de tantes: quanto custa e quem são os be-
nar quem é o agente do caos. Não por- isenções, anistias, remissões, subsí- neficiários dessa opção política? Qual
que não o conheçamos, mas porque dios e benefícios de natureza tributá- é o impacto dessas renúncias na eco-
são muitos e difusos, ao menos desde A crise econômica ria, financeira e creditícia. Proponho nomia e nas contas públicas? É possí-
que a não aceitação do resultado das brasileira não dá sinais usarmos a denominação benesses fis- vel reduzi-las?
eleições presidenciais de 2014 “pertur- de esgotamento cais para consolidar a totalidade des- Tentemos perscrutar alguns nú-
bou a ordem vigente”. Desde então, te- imediato – agravada ses benefícios. meros para buscar as respostas.
mos muitos Coringas à solta, espa- As benesses financeiras, também Em maio de 2018, a Secretaria de
lhando o medo. por uma ordem denominadas subsídios explícitos (por Acompanhamento Fiscal, Energia e Lo-
A crise econômica brasileira não política abalada por serem apresentados explicitamente no teria (Sefel), do Ministério da Fazenda,
dá sinais de esgotamento imediato – sucessivas crises orçamento), referem-se a desembol- divulgou o 2º Orçamento de Subsídios
agravada por uma ordem política aba- sos efetivos realizados por meio das da União: Relatório do Governo Fede-
lada por sucessivas crises, justamente equalizações de preços e juros e à as- ral, apresentando os gastos tributários
por conta do caos instalado pela rup- sunção de dívidas. As benesses credití- e os benefícios financeiros e creditícios
tura democrática do impeachment –, BENESSES FISCAIS X REFORMA DA PREVIDÊNCIA: cias, denominadas subsídios implíci- no período de 2003 a 2017. Os dados
e, enquanto não surge o Batman (um VAMOS COMPARAR? tos, são os gastos decorrentes de mostram que, em 2017, o total de benes-
salvador) a quem recorrer, a alterna- O governo escolheu um número programas oficiais de crédito, opera- ses somente do governo federal (União)
tiva para enfrentar esse caos passa a simbólico para “vender” a reforma da cionalizados à taxa de juros inferior ao alcançou R$ 354,7 bilhões, sendo R$
ser algum ato de salvação. Para o Previdência: 1 trilhão de reais. A ima- custo de captação do governo federal. 84,3 bilhões de benefícios financeiros e
atual governo, o único ato possível de gem é “bonita”: R$ 1.000.000.000.000,00. Já as benesses tributárias (ou gastos creditícios, e R$ 270,4 bilhões de gastos
nos libertar desse caos é a reforma da Essa seria a economia em dez anos. tributários, no jargão oficial) são gas- tributários. Junte-se a elas a perda
Previdência. Para um país com renda média men- tos indiretos do governo realizados anual de R$ 18,6 bilhões por ano com os
Não por acaso, as manchetes da sal inferior a R$ 1.400, esse é um nú- por meio do sistema tributário. Além 25 programas de refinanciamento das
grande mídia repetem o mantra dog- mero assustador (e inalcançável para a desses, temos as anistias tributárias, dívidas com a União que foram criados
mático de nossa salvação: “Se não for maioria dos brasileiros). Então, para representadas principalmente pelos ou reabertos no país de 2000 até 2017 e
temos o montante anual de benesses Os dados da Receita Federal mos- COMPOSIÇÃO DO GASTO TRIBUTÁRIO POR TRIBUTO (2019)
fiscais: R$ 373,3 bilhões. tram ainda que a Contribuição para o
Utilizando nossa “régua”, consta- Financiamento da Seguridade Social
tamos que a economia pretendida (Cofins) e a Contribuição Previden-
com a draconiana reforma da Previ- ciária são os tributos que concentram Cofins
dência em dez anos é menor do que o a maior parte dessas benesses tributá-
Receita previdenciária
total dessas benesses em apenas três rias: 22% e 21% do total (ver gráfico).
anos. Ou, ainda, para não passarmos a Não soa estranho que mais de 50% IRPF
ideia de que é possível acabar com to- das benesses tributárias estejam con- IRPJ
das essas benesses, algumas justas, se centradas justamente nos tributos que
reduzíssemos em 30% seu montante, financiam a Seguridade Social (Cofins, IPI Interno
teríamos uma economia equivalente a PIS/Pasep, CSLL e Receitas Previden- Pis/Pasep
“uma reforma da Previdência”. ciárias), entre elas a Previdência, acu-
CSLL
Analisando os dados oficiais, é sada de ser a causa de todos os males?
possível ver uma tendência de cresci- Quem, sendo proponente de ajustes
mento das benesses da União, que fiscais, defenderia abrir mão de recei- Fonte: Receita Federal.
quase duplicaram: de 3% do PIB em tas que justamente tornariam susten-
2003 para 5,4% do PIB em 2017. A desa- táveis as despesas com saúde, previ-
gregação por modalidade mostra que dência e assistência? tribuição de lucros e dividendos, que que a renda das famílias cresce. Como
as benesses tributárias atingiram Não lhes parece haver algo mal em 2016, último ano divulgado pela resultado, tais benesses beneficiam os
4,1% do PIB em 2017, ante 2% em 2003; contado nessa história? Quem estaria Receita Federal, somaram R$ 269,4 bi- mais ricos.
e os subsídios financeiros e creditícios se beneficiando dessa omissão? lhões e, se fossem tributados identica- Parece óbvio, agora, porque não se
se ampliaram de 1% em 2003 para Para estimar os gastos tributários, mente aos rendimentos do trabalho, atacam tais benesses em vez de aposta-
1,3% do PIB em 2017. Ou seja, se sim- a Receita Federal utiliza um sistema poderiam resultar numa arrecadação rem numa cruel reforma da Previdên-
plesmente retornássemos aos padrões tributário de referência, segundo ela, de mais de R$ 70 bilhões, equivalente, cia: os gastos tributários favorecem os
de 2003, economizaríamos 2,4% do “baseado na legislação tributária vi- em dez anos, a 70% do que a reforma mais ricos, que exercem grande poder
PIB ao ano, ou 24% do PIB em dez gente, em normas contábeis, em prin- da Previdência pretende economizar. de influência sobre os que concedem as
anos, o equivalente a R$ 1,6 trilhão em cípios econômicos, em princípios tri- Outra benesse tributária pouco renúncias tributárias. E os ricos brasi-
2018, um valor 60% superior ao apre- butários e na doutrina especializada”. questionada são as renúncias com a leiros, quando ameaçados em seus cas-
sentado pelo governo para “vender” Trata-se, obviamente, de uma escolha saúde, que se concentram basicamen- telos, utilizam o medo para instalar o
sua reforma da Previdência. Se focás- discricionária e sujeita às deficiências te em subsídios destinados à oferta caos e manter seus privilégios.
semos somente as benesses tributá- dessa subjetividade. Só para ficarmos (indústria farmacêutica e hospitais) e E, assim, retomando o Coringa,
rias, seu retorno aos padrões de 2003 num exemplo dessa discricionarieda- em gastos com planos de saúde, profis- quando se instala o medo, é fácil con-
já implicariam uma arrecadação de de, a Receita Federal classifica como sionais de saúde, clínicas e hospitais. vencer os que vão perder, e sempre per-
R$ 1,36 trilhão em dez anos. gasto tributário renúncias relaciona- Tais benesses, que provocaram uma deram, de que não há alternativas a não
Mas por que tal alternativa nem se- das ao Simples Nacional, apesar de renúncia de R$ 41,3 bilhões em 2019, ser a supressão de seus direitos. Nesse
quer é cogitada? A quem interessa esse existir expressa previsão constitucio- são de difícil redução, pois os princi- “filme”, os que acreditarem no terroris-
silêncio sobre essa fonte importante nal de tratamento favorecido para as pais beneficiários são a “classe média”, mo do problema da Previdência vão
de recursos? Por que apostar numa re- pequenas e médias empresas (Art. que financia seus planos privados, e as perceber, talvez tarde demais, que ape-
forma cuja conta será paga apenas pe- 170, IX). Por outro lado, não considera operadoras de planos de saúde, as clí- nas foram usados pelo Coringa e que já
los mais pobres? que a isenção da distribuição de lu- nicas e hospitais privados e os profis- não há “Batmans” para salvá-los.
cros e dividendos, inserida em nosso sionais de saúde, que são os destinatá- O que nos resta então? Precisamos
BENESSES TRIBUTÁRIAS: ordenamento jurídico somente em rios finais dessa renúncia. mostrar à sociedade o que está por trás
A QUEM SERÁ QUE SE DESTINAM? 1996, seja um gasto tributário, embora Além disso, as principais pesqui- de tudo isso. Quem é o Coringa. E con-
A Receita Federal divulgou recente- configure claramente uma exceção à sas na área indicam um efeito negati- vencê-la de que não há como debelar o
mente os dados dos gastos tributários regra geral da tributação da renda. vo dos gastos tributários em saúde so- caos senão destruindo “o agente do
em bases efetivas até 2015 e as proje- Essa é uma questão importante, bre a redução da desigualdade, alguns caos”, o “nosso” Coringa!
ções até 2020. As projeções para 2018 a pois isso significa que não está incluí- dos quais com efeitos regressivos, isto
2020 indicam certa estabilidade no ní- do no montante das benesses tributá- é, que aumentam o nível de desigual- *Marcelo Lettieri é doutor em Economia e
vel dos gastos em cerca de 4,1% do PIB. rias o total da renúncia relativa à dis- dade, pois seu valor se eleva à medida diretor técnico do Instituto Justiça Fiscal.
CAPA
A sonegação
(in)conveniente
O perfil predominante dos sonegadores determina os efeitos
da sonegação. Sua concentração entre os mais ricos torna
o sistema tributário mais regressivo do que já é, ou seja, a
sonegação contribui para aumentar as desigualdades sociais
POR DÃO REAL PEREIRA DOS SANTOS*
© Daniel Kondo
m tempos de crise fiscal, déficits entanto, são apenas no sentido de cor- ções, e, agora, apressam-se para apro- ser denunciados à justiça. Ou seja, so-
GRÁFICO 1 – EVOLUÇÃO DAS RECEITAS E GASTOS DO GOVERNO FEDERAL – 2018 PROCESSOS REFERENTES A CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS DA UNIÃO
Resultado primário do Tesouro Nacional Faixa de valores Quantidade Valor total % da % do valor
de processos quantidade
14000000
Dados em milhares de R$
(IPCA - dez/18) – 13,3 Menos de 15 mil R$ 82.158.053.192,07 97,23% 14,49%
13000000
117.711
12000000
Taxa real de crescimento (média anual: 1997 – 2013)
11000000 De 15 mil a 100 mil R$ 91.920.138.126,93 2,17% 16,21%
2.629
10000000
Receita líquida: 6,67% • Despesa toal: 6,27
9000000 De 100 mil a 1 bilhão R$ 167.876.759.990,48 0,54% 29,60%
649
8000000
7000000 Mais de 1 bilhão R$ 225.191.826.176,58 0,07% 39,71%
80
6000000
1998
1989
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
2016
2017
2018
Receita líquida Despesa Total Um exemplo são as manipulações pólios econômicos, pela concorrência
de preços em operações de comércio in- desleal, ou a produzir sonegação endê-
Fonte: Elaboração de Marcelo Lettieri Siqueira, com dados da Secretaria do Tesouro Nacional.
ternacional entre empresas vinculadas, mica, quando todos os agentes pas-
Disponível em: <http://bit.ly/2IErWZ8>.
com a finalidade de transferir lucros pa- sam a sonegar da mesma forma.
ra paraísos fiscais. Nas Ilhas Virgens Por fim, sem exaurir todas as possi-
Britânicas, por exemplo, o número de bilidades para garantir o financiamen-
GRÁFICO 2 – REDUÇÃO DA PARTICIPAÇÃO DO ICMS NO CONSUMO companhias registradas é mais de to dos direitos sociais, nenhum gover-
quinze vezes superior ao de habitantes no que jurou cumprir a Constituição
locais. São mais de 500 mil empresas poderia propor medidas que a inviabi-
0,095 para menos de 30 mil habitantes,9 a lizem. O combate eficaz à sonegação e
Participação do ICMS no consumo total maioria delas fictícias, que servem ape- a revisão dos principais benefícios fis-
nas para intermediar operações de co- cais concedidos são ações necessárias
Valor do ICMS/ consumo total
0,09
mércio de bens e serviços, permitindo e, em tempos de crise, absolutamente
que os lucros tributáveis fiquem escon- imprescindíveis.
0,085 didos e sem tributação nesses locais.
A Global Financial Integrity (GFI – *Dão Real Pereira dos Santos é diretor do
2014)10 estima que, de 2010 a 2012, o Instituto Justiça Fiscal e membro do Coletivo
0,08 Brasil tenha perdido, em fluxos finan- Auditores Fiscais pela Democracia.
ceiros ilícitos, cerca de US$ 33 bilhões
ao ano. Outro estudo produzido pelo
0,075 Instituto Justiça Fiscal e pela Latinda- 1 Tratamos sonegação em seu sentido amplo, e não
dd (2017)11 revelou que, entre 2009 e em seu sentido jurídico de crime contra a ordem
2014, o setor de exportação de minério tributária. Assim, quando dizemos sonegação, esta-
0,07 mos nos referindo às fraudes tributárias e também a
2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
de ferro teria produzido uma perda outras formas de evitar o pagamento dos tributos.
anual de recursos de US$ 5,6 bilhões 2 Eduardo Fagnani e Pedro Rossi, “Desenvolvimen-
Linha do tempo ao ano, totalizando, no período, US$ to, desigualdade e reforma tributária no Brasil”. In:
Vários autores, A reforma tributária necessária:
39 bilhões de evasão de divisas, o que diagnósticos e premissas, Anfip/Fenafisco, 2018,
Fonte: Elaboração própria, com dados do IBGE Contas Nacionais e RFB CTB/2017. representa cerca de US$ 13,3 bilhões p.141-161.
em sonegação de tributos. 3 O governo estima uma economia de R$ 1 trilhão
em dez anos com a reforma da Previdência.
Outro mecanismo utilizado com 4 Mais conhecido como Conselho de Contribuintes,
O elevado valor de contencioso é Uma das formas mais tradicionais bastante frequência é a apropriação que julga, em segunda instância, recursos contra
coerente com o alto nível de sonega- de sonegação se dá pela venda sem nota indevida do ágio interno em reorgani- lançamentos de tributos não pagos, lavrados pelos
auditores fiscais da Receita Federal do Brasil.
ção. Segundo a Tax Justice Network, fiscal ou pelas famosas notas calçadas,8 zações patrimoniais das companhias. 5 Relevante observar que a unidade de controle são
utilizando dados do Banco Mundial esta última dificultada hoje em dia pela Com a Lei n. 9.935, de 1997, a amortiza- processos administrativos. Para facilitar a análise
de 2011, o Brasil ocupa a segunda posi- nota fiscal eletrônica. Tendo em vista ção do ágio constituiu um incentivo estamos considerando que cada processo se refe-
re a uma empresa autuada. Pode haver situações
ção no mundo entre os países com que mais de 50% da carga tributária fiscal criado no âmbito do programa de uma mesma empresa estar discutindo mais de
maior sonegação, perdendo apenas provém do consumo, os artifícios utili- de privatizações.12 No entanto, essa le- um lançamento.
para a Rússia.7 zados para não emitir notas fiscais po- gislação continuou sendo usada por 6 Bernard Appy e Loreine Messias, “Litigiosidade
tributária no Brasil”, O Estado de S. Paulo, 17 mar.
É difícil estabelecer todas as for- dem representar volumes bastante ex- grandes grupos econômicos nacionais 2014.
mas possíveis de sonegação, mas di- pressivos de sonegação, que são e internacionais na aquisição de em- 7 “No mundo, Brasil só perde para Rússia em sone-
versos relatos e notícias de autuações apropriados como lucros dos comer- presas no país, ou simplesmente em gação fiscal, diz estudo”, Valor Econômico, 9 nov.
2013.
fiscais permitem definir algumas ca- ciantes. Quando se compara o valor ar- processos de reorganizações societá- 8 Prática comum na época das notas em várias vias.
racterísticas que se repetem. Muitas recadado de ICMS com a participação rias intragrupo, como parte de plane- A via destinada ao fisco apresentava um valor bem
medidas têm sido adotadas com vistas do consumo total nas contas nacionais, jamentos tributários agressivos. Notí- menor do que a via do comprador.
9 Organização Pan-Americana da Saúde, “Ilhas Vir-
a limitar os espaços para sonegação percebe-se uma tendência de queda, cias recentes dão conta de que o Banco gens Britânicas”, Saúde nas Américas, 2012.
em algumas situações, mas a maioria que pode ser explicada por muitos fato- BTG Pactual perdeu uma disputa no 10 Dev Kar, “Brasil: fuga de capitais, os fluxos ilícitos,
atua apenas sobre pequenos e médios res, inclusive pela sonegação (Gráfico 2). Carf de quase R$ 2 bilhões, referente e as crises macroeconômicas, 1960-2012”, Global
Financial Integrity, 2014.
contribuintes. Por exemplo, a retenção Embora essa seja uma forma tradi- ao uso indevido do ágio.13 11 Instituto Justiça Fiscal, “Subfaturação no setor de
do IRPF sobre o pagamento de salários cional de sonegação, os maiores volu- O combate à sonegação é impor- mineração no Brasil evade US$ bilhões do orça-
dificulta a possibilidade de os traba- mes são representados mais por plane- tante não apenas para garantir recur- mento público”, 17 jul. 2017.
12 Clair Hickmann et al., “Tributação da renda da pes-
lhadores virem a sonegar. Também a jamentos tributários abusivos, que sos para as políticas públicas, mas soa jurídica: instrumento da guerra fiscal interna-
substituição tributária prevista na le- consistem em simular operações des- também para promover justiça e pro- cional ou do desenvolvimento?”. In: Vários autores,
gislação do ICMS cria dificuldades pa- conectadas de substância econômica, teger a concorrência. Não há dúvida de A reforma tributária necessária: diagnóstico e pre-
missas, p.303.
ra a sonegação dos comerciantes na para se aproveitar de brechas existen- que as vantagens obtidas pelos sone- 13 Beatriz Olivon, “BTG perde disputa bilionária sobre
revenda dos produtos. tes da legislação. gadores tendem a possibilitar mono- uso de ágio no Carf”, Valor Econômico, 23 jan. 2019.
MAIO 2019 Le Monde Diplomatique Brasil 9
CAPA
© Daniel Kondo
omo o comum dos mortais, vo- que hoje chamamos de rentismo, que A reação dos chamados “merca- rentistas subiu para R$ 251 bilhões. A
INCÊNDIO EM PARIS
INCÊNDIO EM PARIS
Nos dias de sol, vou procurar a tros de segurança deviam se estender mente, a prefeitura fechou diversas maça desaparecia. Mas fiquei em esta-
sombra na Praça Jean-XXIII, maravi- sem limites, e a autoridade se mostrar, entradas da Praça Jean-XXIII: tratava- do de choque, tomado pelo cataclismo
lhoso jardim acomodado sob os arcos de fuzil na mão. Ainda recentemente, -se de lutar contra os batedores de que atingia tão perto de mim o cora-
de pedra que descem em espirais na minha rua inteira foi fechada por cau- carteira dos turistas, que utilizam es- ção de Paris.
beira da catedral. As folhagens garan- sa de um pacote suspeito, muito longe, sa passagem para fugir. Consequente- Nos dias seguintes, enquanto o
tem em pleno verão um frescor deli- no pátio. E, como eu tentava negociar mente, os moradores foram punidos e drama passava repetidamente na mí-
cioso – decorado pelo barulho da fonte para chegar ao meu prédio, logo atrás eu atravesso esse jardim com menos dia, a Île de la Cité se transformou num
medieval. E às vezes, no coreto, uma da barreira, uma jovem policial me frequência. A prefeitura, inclusive, campo entrincheirado, acessível ape-
fanfarra sueca ou da Marinha france- respondeu sem amenidades: “Se você deixou de cuidar da fonte do jardim, nas com uma carteira de identidade.
sa faz um recital, aumentando ainda não gosta, mude de bairro”. Mas essas quase sempre seca. As estações de metrô fecharam e os
mais o prazer que experimentamos, medidas também valem para as visi- No começo de abril, observei a fle- menores deslocamentos se tornaram
entre o lado direito e o esquerdo do rio, tas de pessoas importantes, como Mi- cha rodeada de grandes andaimes e extraordinariamente difíceis. A exten-
no cruzamento dos braços do Sena, chelle Obama, de passagem com suas pensei, um pouco triste, que não a ve- são do perímetro de segurança, pas-
nesta pura beleza urbana. filhas, tanto que tive, nessa vez tam- ria por muito tempo... mas que, sem sando muito longe das beiras da Notre-
As coisas mudaram, no entanto, ao bém, de esperar que ela fosse embora dúvida, os especialistas e os computa- -Dame, provocou nas duas margens do
longo dos anos, transformando cada para entrar no meu prédio. dores tinham feito uma boa escolha ao rio engarrafamentos gigantes, como se
vez mais este bairro em um bastião da assegurarem o frágil monumento a autoridade quisesse tomar medidas
indústria turística. Primeiro foi a re- plantado lá há 150 anos. Enfim, na se- do tamanho do acontecimento. Quan-
conversão acelerada das últimas lojas gunda-feira, dia 15, pelas 7 horas da do a Prefeitura de Paris e o ministro do
em lojinhas de suvenir e restaurantes Vivendo noite, saindo da estreita Rua de Bièvre Interior foram visitar o local, meus vi-
falsamente típicos; depois, a chegada na Île de la Cité com algumas compras, cheguei ao zinhos tiveram de esperar fora da ilha
dos VTC [espécie de táxi que opera so- Cais da Tournelle e percebi centenas antes de poder voltar para casa. Eu
mente por meio de reservas], os táxis-
há trinta anos, de turistas balançando celulares para pensei, então, que vivíamos num mun-
-bicicleta e os ônibus de dois andares, sempre tive a tirar fotos da Ponte do Archevêché. Me do estranho, onde a obsessão pela se-
propondo, em inglês, a travessia de impressão de morar espantei com essa multidão, mesmo se gurança não impede que uma estrutu-
Paris. Cada vez mais numerosas, as no “bairro da tratando de um dos pontos de vista ra de oito séculos vire fumaça e onde os
asiáticas em vestido de noiva vinham mais famosos do mundo. De repente, turistas nunca foram tão numerosos a
tirar fotos na Ponte do Archevêché,
Notre-Dame” ao virar a cabeça, descobri as grandes se espremer nos cais para fotografar a
cultivando uma visão kitsch do “ro- chamas que subiam os andaimes. O catedral calcinada, cuja simples visão
mantismo” parisiense – no entanto, incêndio começava a se propagar, ati- aperta meu coração.
degradado pelos cadeados presos às Em 2017, François Hollande e Anne çado pelo vento, e eu senti uma angús- Reconforto-me imaginando que
grades da passarela: curioso símbolo Hidalgo apresentaram um projeto de tia terrível, que não tinha a ver com o esse incêndio terrível parece ter pou-
do amor que obrigou a prefeitura a renovação da Île de la Cité. Ele visa perigo, mas com a violência desse ata- pado o grande órgão, que espero ouvir
substituir os antigos parapeitos. transformar o bairro em uma grande que do fogo sobre o monumento ra- novamente. Depois volto para a Notre-
A verdadeira mudança, no entanto, base turística e comercial com a parti- diante, nesse céu azul do fim de tarde. -Dame pela pequena Rua Massillon,
tanto para os moradores do bairro da do Palais de Justice, da Préfecture Afobado, perguntei-me como os bom- onde a muralha medieval permanece
quanto para muitos franceses, aconte- de Police e das atividades hospitalares beiros chegariam lá em cima, depois de pé com suas gárgulas, como se na-
ceu após diversos atentados, que pro- do Hôtel-Dieu. Cogitam, por exemplo, acelerei o passo, motivado pela expe- da tivesse mudado. Mais um consolo:
vocaram um controle sistemático dos construir uma cobertura de vidro no riência: “Preciso ir para casa logo, eles durante esses dias em que a ilha estava
visitantes da Notre-Dame. A entrada lindo mercado de flores para desen- vão fechar o bairro”. De fato, a polícia fechada, salvo aos residentes, dois ou
rápida e fluida pelo portão acabou pa- volver atividades ali. No mesmo mo- chegou uma hora depois ao meu pré- três cafés de turistas abriram seus ter-
ra sempre dando lugar a uma longa fila mento, a comerciante da Rua de Arco- dio – que, no entanto, fica bem longe raços para os vizinhos e animaram
de espera até o meio do pátio, e tive de le fechou sua velha loja cheia de da igreja – e começou a pedir que fôs- uma praça de vilarejo a dois passos da
renunciar às minhas pequenas pausas jornais e imagens santas, último tes- semos para o ginásio e para a inevitá- catedral ferida.
nos bancos da catedral. Os alertas às temunho do tempo em que este bairro vel sala de assistência psicológica! Eu
bombas se multiplicaram também, era mais um local de peregrinação do preferi me fingir de morto e passar a *Benoît Duteurtre é escritor. Publicou re-
por causa das bolsas esquecidas, e en- que uma etapa entre a Torre Eiffel e a noite na clandestinidade, enquanto os centemente En marche! Conte philosophique
tendi que o clima da época não era Disneylândia Paris. Seu comércio foi bombeiros controlavam pouco a pou- [Em marcha! Conto filosófico], Gallimard, Pa-
mais de brincadeira, que os períme- comprado pela Häagen-Dazs. Ultima- co o acidente e a imensa coluna de fu- ris, 2018.
12 Le Monde Diplomatique Brasil MAIO 2019
Como minar a
capacidade de resistência
dos trabalhadores
Para cada governo, sua questão social. Agora é a vez das aposentadorias.
A reforma da previdência francesa quer estabelecer um regime universal, mas bagunça
a filosofia do sistema. Os assalariados correm o risco de ter de decidir entre se aposentar
com uma pensão modesta ou permanecer em atividade (ver mais virando a página).
Já não foi em nome dessa justiça que a reforma trabalhista foi realizada?
POR HÉLÈNE-YVONNE MEYNAUD*
© Samuel Casal
om a reforma trabalhista elabo- nhecimento de direito nem acesso a ela desautoriza o juiz, que é privado de
judiciários”. Visivelmente o governo empresas e às outras instituições re- ele estava sob o controle de um em- desejam constituir uma base de dados
gostaria que os magistrados das cortes presentativas do pessoal agora se en- pregador dispondo de um poder de gigantesca, feita de todos os julgamen-
de apelação não confirmassem os jul- contram informatizados na Base de sanção e, então, era subordinado à tos pronunciados na França, com
gamentos feitos em primeira instância Dados Econômicos e Sociais (BDES). empresa. Da mesma forma, a corte de eventualmente a menção dos magis-
pelos juízes trabalhistas. Elas estão espalhadas, e cabe ao sindi- apelação de Paris julgou que existia trados que os presidiram, a fim de mo-
Já o Comitê Europeu dos Direitos calista ir procurar e reconstituir as es- “um feixe suficiente de indícios para delizar, como na economia, seus com-
Sociais afastou a aplicação de uma ta- tatísticas necessárias para colocar em permitir caracterizar uma ligação de portamentos diante de tal ou tal litígio
bela em casos de demissão sem justa evidência as diferenças de tratamen- subordinação na qual ele [o motorista – uma forma de vampirização privada
causa (na Finlândia) e definiu “meca- tos ilícitos, por exemplo. de Uber] se encontrava quando de dos arquivos judiciários nacionais. Is-
nismos de indenização considerados Já os inspetores do trabalho, que suas conexões à plataforma, e assim so vai de encontro ao “direito ao juiz”,14
apropriados”, quer dizer, levando em poderiam trazer seu conhecimento derrubar a presunção simples de não que compreende o direito a um pro-
conta “o reembolso das perdas finan- das situações nas empresas, sofrem assalariado que fazem pesar sobre ele cesso justo (artigo 6§1 da Convenção
ceiras sofridas entre a data da demis- pressões, ataques difamatórios, redu- as disposições do artigo L.8221-6 I do Europeia de Preservação dos Direitos
são e a decisão do órgão de recurso; [...] ções de efetivos, modificações de suas Código do Trabalho”.12 do Homem), implicando o direito à
indenizações de um valor suficiente- atribuições e de sua margem de mano- Claro, fora o Tribunal do Trabalho, igualdade das armas e a uma proteção
mente alto para dissuadirem o empre- bra para estabelecer os processos ver- os trabalhadores podem se dirigir a ou- jurisdicional efetiva.
gador e para compensarem o prejuízo bais e as sanções. Alguns são até leva- tros tribunais, principalmente o Tribu- Esses atentados ao direito do tra-
sofrido pela vítima”.6 Este caráter dis- dos diante dos tribunais. A Tefal nal Correcional, para fazerem julgar as balho e à justiça, que pretendem de-
suasivo das condenações é totalmente (grupo SEB), por exemplo, deu queixa infrações penais cometidas pelo em- senvolver o emprego, contribuem pa-
recusado pelas últimas reformas legis- contra uma inspetora do trabalho e pregador (situação de risco, violências, ra sua precarização, enquanto a
lativas na França, uma vez que se tra- contra um trabalhador por violação de trabalho dissimulado, discriminação, complexificação do acesso ao juiz o
tava de “tranquilizar” o empregador. segredo profissional e dissimulação de assédio), mas continua muito difícil afasta das classes populares, despre-
Enfim, entre os fatos que levam o documentos confidenciais, revelando obter uma condenação por assédio ou zando a democracia.
trabalhador a renunciar a entrar com ligações de conivência entre a direção discriminação, e as multas são baixas.
uma ação na Justiça do Trabalho en- da empresa e os superiores hierárqui- Por sua vez, o Tribunal dos Casos da *Hélène-Yvonne Meynaud é juíza trabalhis-
contra-se o prazo entre a queixa e o jul- cos da inspetora. Esta foi condenada Segurança Social (TASS) julgava lití- ta e socióloga.
gamento. O Estado foi condenado di- em primeira instância, depois na ape- gios que diziam respeito às prestações
versas vezes pelo Tribunal de Grande lação por “dissimulação de violação sociais, especificamente o reconheci-
Instância (TGI) de Paris a pagar aos das correspondências e violação do se- mento de acidente de trabalho, de sui- 1 “As rupturas convencionais em 2018”, Direção da
trabalhadores indenizações que iam gredo profissional” – uma decisão cídio no trabalho, de culpa indesculpá- Animação da Pesquisa, dos Estudos e das Estatísti-
de 1.500 a 8.500 euros, mais 2 mil euros anulada pela Corte de Cassação. A Lei vel do empregador. Os 115 TASS e os 26 cas (Dares), Ministério do Trabalho, Paris, 11 fev.
2019. Ler Céline Mouzon, “Rupture conventionnelle,
por gastos.7 A lentidão dos processos sobre o Segredo dos Negócios, de 30 de Tribunais da Incapacidade foram su- virer sans licencier” [Ruptura convencional, despedir
deve-se essencialmente à falta de pes- julho de 2018, vem complexificar ain- primidos em 1º de janeiro de 2019 por sem demitir], Le Monde Diplomatique, jan. 2013.
soal (que continua diminuindo). Outra da mais o exercício da prova, tornando um decreto de 4 de setembro de 2018. 2 Decreto da Lei Macron de 25 de maio de 2016.
3 “Prud’hommes: le barème ‘rassurant’ pour le salarié
dificuldade: uma mudança das pala- os documentos que podem provar tal Eles seriam integrados, com todos os (Pénicaud)” [Direito do trabalho: a tabela “tranquili-
vras utilizadas no Código do Trabalho, ou tal fato por vezes impossíveis de se- litígios que tratavam (250 mil causas zadora” para o trabalhador (Pénicaud)], Le Revenu,
agora traduzidas em novilíngua. As- rem apresentados diante de um tribu- em curso), em um polo social do TGI 7 nov. 2017. Disponível em: <www.lerevenu.com>.
4 O valor pode se acumular com outras indeniza-
sim, “terceirização” se transformou nal, por serem declarados confiden- que progressivamente está se estabele- ções pagas por irregularidades do procedimento
em “parceria”; “periculosidade”, em ciais pela empresa. cendo e cujo funcionamento já está su- de demissão dentro dos limites dos tetos.
“fator de risco profissional”...8 Entre jeito à caução. 5 Citado por Bertrand Bissuel, “Le plafonnement
des indemnités prud’homales jugé contraire au
parênteses, a “conta-periculosidade” O próprio direito do trabalho dimi- droit international” [O teto das indenizações traba-
obtida em 2013 para compensar o re- nuiu. Alguns contratos contêm uma lhistas julgado contrário ao direito internacional],
cuo da idade de aposentadoria aceita Como para todos pré-justificativa da demissão, como os Le Monde, 14 dez. 2018.
6 Jean Mouly, “L’indemnisation du licenciement injus-
por alguns sindicatos foi transformada os governos desde contratos de canteiros de obras que tifié à l’épreuve des normes supra légales” [A inde-
em “conta de prevenção”. Eliminou-se terminam no fim do serviço sem inde- nização da demissão sem justa causa à prova das
a consideração sobre as cargas pesa-
Nicolas Sarkozy, nizações de ruptura. Eles podem co- normas supralegais], Le Droit Ouvrier, n.840, Mon-
das, a exposição aos produtos quími- trata-se de proteger as meçar a se desenvolver em outros seto-
treuil-sous-Bois, jul. 2018.
7 Laure Gaudefroy-Demombynes, “Prud’hommes:
cos etc., que não dão mais direito a ne- empresas da justiça, res: por que não um “canteiro para l’État condamné à cause des lenteurs de la justice”
nhuma compensação (formações, professores” que permitiria garantir os [Direito do trabalho: o Estado condenado por cau-
de “dar garantia aos sa da lentidão da justiça], blog de Gaudefroy-De-
trimestres suplementares que permi- cursos de uma classe de setembro a ju-
tiam que se partisse mais cedo...).
empregadores” nho? Esses contratos podem também
mombynes, 24 jan. 2012. Disponível em: <https://
blogavocat.fr>.
A semântica não é apenas um exer- estar associados a cláusulas de objeti- 8 Olivier Sévéon, “Ordonnances: la disparition du
mot ‘sous-traitance’ et autres éléments de novlan-
cício de estilo. A advogada geral no ca- vos individuais ou de performance co- gue” [Disposições: o desaparecimento da palavra
so Take Eat Easy (para requalificar co- Mesmo o trabalhador “protegido”10 letiva. A demissão de um trabalhador “terceirização” e outros elementos de novilíngua],
mo contrato de duração indeterminada se encontra agora fragilizado, atingido que recusa a modificação de seu con- Miroir Social, 5 mar. 2018. Disponível em: <www.
miroirsocial.com>.
um entregador declarado como au- por uma repressão sindical crescente. trato de trabalho em aplicação de um 9 “Decisão n. 1.737, de 28 de novembro de 2018
toempreendedor) ressalta: “É permiti- Com a fusão das Instâncias Represen- acordo de performance coletiva será (17-20.079)”, Corte de Cassação – Câmara So-
do se perguntar se o recurso da empre- tativas do Pessoal (IRP) e seu reagru- justificada sem contestação possível. cial. Disponível em: <www.courdecassation.fr>.
10 Eleito por seus colegas, o “trabalhador protegido”
sa Take Eat Easy a uma terminologia pamento em andamento no Comitê Enfim, a vontade de Macron de não pode ser demitido sem o consentimento da
anglo-saxã (shifts, strikes), em que ‘ho- Econômico e Social (CES), o número contornar o juiz se fortalece com o inspeção do trabalho, ou até mesmo do Ministério
rários de trabalho’ e ‘paralisações’ te- de representantes de trabalhadores projeto de reforma da justiça e a des- do Trabalho ou do Conselho de Estado.
11 Stéphane Ortega, “Comment 200.000 représen-
riam sido perfeitamente convenientes, “protegidos” terá caído de 700 mil para materialização pelos algoritmos ad tants du personnel vont perdre leur statut de sala-
não tinha como interesse, além de 500 mil até o fim deste ano.11 hoc (confidenciais). O queixoso preen- riés protégés” [Como 200 mil representantes do
uma novilíngua modernizadora, dis- No entanto, a justiça do trabalho cheria um formulário on-line, e a deci- pessoal vão perder seu status de trabalhadores
protegidos], Rapports de Force, 20 fev. 2018. Dis-
simular aos olhos de seus ‘prestadores permanece essencial para regular os são lhe seria comunicada sem que ele ponível em: <https://rapportsdeforce.fr>.
de serviço’ e talvez dos juízes a verda- conflitos do trabalho. Assim, na con- tivesse acesso ao magistrado. Diversas 12 Corte de apelações de Paris, decisão de 10 de ja-
deira natureza do dispositivo”.9 tracorrente da precarização que não empresas se formaram para criar um neiro de 2019, RG n.18/08357.
13 Cf. Jérôme Hourdeaux, “La justice se prépare à l’ar-
Obter provas da qualidade do tra- cessa de crescer das relações de traba- mercado privado da justiça, que se rivée des algorithmes” [A justiça se prepara para a
balho, os atestados, os documentos, lho, a Corte de Cassação requalificou qualifica – novilíngua inglesa obriga- chegada dos algoritmos], Mediapart, 2 jan. 2019.
também faz parte do percurso do como CDI [contrato de duração inde- tória – como “start up da Legaltech 14 Laetitia Driguez, “La motivation du licenciement au
prisme du droit international et européen” [A moti-
combatente. Os dados sociais que an- terminada] o contrato do entregador [tecnologia jurídica] à Open Law [di- vação da demissão no prisma do direito internacio-
tes eram transmitidos aos comitês das da Take Eat Easy, considerando que reito aberto]”.13 Essas “associações” nal e europeu], Le Droit Ouvrier, n.840, jul. 2018.
14 Le Monde Diplomatique Brasil MAIO 2019
Em nome da igualdade,
mais desigualdades
A queda dos níveis de aposentadoria, ao longo das reformas sucessivas, já levou diversas pessoas –
as que têm meios para isso – a pagar uma previdência complementar junto às seguradoras privadas.
Esse é, no fundo, o objetivo implícito dessas reformas
POR CHRISTIANE MARTY*
té o momento, as reformas da
© Rodrigo Leão
ma carreira idêntica e com uma renda
idêntica, a aposentadoria deve ser
idêntica”, martela um comunicado do
alto-comissariado.1 Assim, com uma
carreira curta e um salário baixo, apo-
sentadoria baixa! A mesma coisa para
todo mundo...
Hoje, a aposentadoria é composta prar pontos ao longo de toda a vida depois dividido pela expectativa de vi- pel: os 5% mais ricos têm expectativa
de regimes básicos por anuidade e re- ativa. No momento da aposentadoria, da restante em teoria, que varia segun- de vida treze anos superior à dos 5%
gimes complementares por pontos – o valor do benefício é calculado multi- do a faixa etária. Concretamente, pes- mais pobres entre os homens e oito
principalmente a Associação pelo Re- plicando-se o número de pontos ad- soas que se aposentam aos 65 anos e anos entre as mulheres.3 Se o cálculo
gime de Aposentadoria Complementar quiridos pelo valor que se chama de cuja expectativa de sobrevida é de vin- por pontos integra também a expecta-
(Arrco), para todos os trabalhadores, e “valor de serviço”. Este último, assim te anos verão o valor de seus direitos tiva de vida, o sistema vai operar uma
a Associação Geral das Instituições de como o preço de compra, é ajustado a adquiridos – e consequentemente o grande redistribuição dos operários
Aposentadoria dos Executivos (Agirc), cada ano pelos gestores dos fundos de nível de sua pensão anual – dividido para os executivos e das baixas rendas
para os executivos. São regimes por re- previdência de maneira a equilibrar as por vinte. Mais expectativa de vida, para as altas rendas. Contrariamente
partição: as cotizações dos ativos ser- finanças. Não há taxa de substituição menos pensão. A soma das pensões re- ao que é prometido, o euro cotizado
vem diretamente para pagar as pen- garantida nem noção de “carreira cebidas durante a aposentadoria se não dará “os mesmos direitos”, já que
sões. Nos regimes por capitalização, completa”, então não há visibilidade aproxima, assim, ainda mais da soma estes dependerão do ano de nasci-
elas alimentam os investimentos fi- sobre a pensão. Esta reflete muito mais das cotizações pagas. mento e da idade da aposentadoria.
nanceiros cujo rendimento futuro (in- a soma das cotizações pagas ao longo Essa opção parecia ter sido afasta- Além disso, com esse sistema, o cál-
certo) vai determinar o valor da pen- da carreira: ela reforça a “contribui- da. No entanto, o documento de traba- culo da pensão leva em conta o conjun-
são. A capitalização vem de uma lógica ção” do sistema. Por outro lado, a parte lho de fevereiro do alto-comissariado to da carreira, e não mais os 25 melho-
de seguro individual, oposta à solida- da solidariedade – atribuída sem con- sobre as “regras de pilotagem do siste- res anos de salário, como é o caso hoje
riedade, que é o fundamento da prote- trapartida de cotizações – fica bem re- ma universal” indica que a “considera- no regime geral, ou os últimos seis me-
ção social francesa. duzida. A lógica da contribuição se ção da expectativa de vida é necessá- ses, como na função pública. Qualquer
Com efeito, na idade inicial legal opõe à lógica da solidariedade e da jus- ria”, enquanto Delevoye garante que o período não trabalhado provoca, as-
(62 anos atualmente), um regime de tiça social, que implica uma redistri- valor do ponto integrará a expectativa sim, uma redução na pensão. As pes-
anuidades garante uma taxa de substi- buição para as pessoas que só conse- de vida.2 Teoricamente, as mulheres, soas que tiveram períodos de desem-
tuição (relação entre a pensão e o salá- guiram poucos direitos de pensão. que vivem em média mais tempo, não prego não indenizado ou de contratos
rio) para uma carreira completa defi- Outra opção – que tinha a preferên- deveriam ser prejudicadas: as direti- de meio período, carreiras curtas ou
nida pelo número de anos cotizados cia do presidente – foi cogitada no iní- vas europeias proíbem qualquer dis- baixos salários são automaticamente
(de quarenta anos e quatro meses a 43 cio: o regime em contas de noção, co- criminação em função do sexo. prejudicadas. Na reforma de 1993, o
anos, segundo a data de nascimento); mo na Suécia. Nesse modelo, as Acontece, porém, que diversos in- cálculo já tinha sido modificado para
ele dá então uma visibilidade sobre a cotizações são transferidas para uma divíduos não respeitam a expectativa tomar como referência a média dos 25
futura pensão. Em um regime por conta individual. No momento da apo- de vida teórica de sua faixa etária! As- melhores anos, em vez dos dez melho-
pontos – a opção escolhida pelo gover- sentadoria, o valor acumulado é reva- sim, os operários morrem em média res de anteriormente. A reforma culmi-
no, segundo os documentos publica- lorizado (segundo a taxa de cresci- seis anos mais cedo que os executivos. nou em uma baixa importante do valor
dos –, as cotizações servem para com- mento da renda da atividade média), O nível de renda também tem um pa- da aposentadoria, mais severa ainda
MAIO 2019 Le Monde Diplomatique Brasil 15
para as mulheres, que, por terem car- medida é apresentada como um fator carreiras longas, as profissões desa- das profissões. Além disso, postergar a
reiras mais curtas, contam com mais de justiça. Mas tendo a capitalização gradáveis, a deficiência”, e para “com- aposentadoria poderia se revelar um
anos ruins. Para as gerações nascidas colocado assim um pé na porta do sis- pensar os impactos, sobre a carreira cálculo ruim, pois não há garantias de
entre 1945 e 1954, a queda da pensão de tema, seu campo poderá facilmente dos pais, da chegada ou da educação que o valor do ponto não vá baixar.
base atingiu 16% para os homens e ser ampliado, diminuindo o limite de dos filhos”. Quando sabemos que, por A orientação em direção a uma pi-
20% para as mulheres.4 renda que não pode mais cotizar no causa desses impactos, as desigualda- lotagem automática para equilibrar o
Da mesma forma, para os funcio- regime universal. Ainda mais porque a des de pensão entre as mulheres e os sistema impede qualquer debate sobre
nários públicos, a consideração de to- queda dos níveis de pensão, ao longo homens são ainda hoje de 25% em mé- as questões políticas da evolução das
da a carreira, em vez dos seis últimos das reformas sucessivas, já levou di- dia, ou que as negociações pela consi- aposentadorias. Fixar um teto às des-
meses, acarretará uma diminuição versas pessoas – as que têm meios para deração da dificuldade, inscritas na lei pesas ligadas a elas permite evitar a
das aposentadorias. É então previsto isso – a pagar uma previdência com- de agosto de 2003, ainda não foram discussão, que no entanto é essencial
que os prêmios sejam integrados ao plementar junto às seguradoras priva- terminadas, entendemos que seria sobre a partilha da riqueza produzida
cálculo,5 o que não é o caso hoje em das. Esse é, no fundo, o objetivo implí- preciso um reforço consequente da entre rendas do trabalho (massa sala-
dia. Mas nada garante que essa inte- cito dessas reformas. solidariedade. rial, incluindo as cotizações) e rendas
gração seja suficiente: tudo depende Da mesma maneira, Delevoye gos- No entanto, foi decidido que a re- do capital (que sabemos que não pa-
de seu valor. E as mulheres funcioná- ta de ressaltar: “A aposentadoria é o re- forma será feita com um orçamento fi- ram de aumentar). A única solução em
rias públicas recebem prêmios signifi- flexo da carreira; isso é algo justo. Se xo e que a despesa atual, de 13,8% do ação hoje em dia consiste em arbitrar
cativamente menos elevados que os você tem uma bela carreira, você tem PIB, representa um teto para o futuro. entre os interesses daqueles que traba-
homens.6 Além disso, em diversas fun- uma bela aposentadoria; se você tem Podemos desde então temer uma nova lham e daqueles que trabalharam, en-
ções não existem prêmios. Delevoye uma carreira menos bela, você tem queda das pensões, pois, segundo os tre população ativa e população apo-
reconhece que existirão funcionários uma aposentadoria menos bela”.8 Po- documentos, a solidariedade consti- sentada...
prejudicados, mas estima que será rém, isso traduz não a igualdade cla- tuiria um bloco distinto do coração do
preciso “aproveitar essa oportunidade mada pelo governo, mas um cálculo sistema ligado aos direitos contributi- *Christiane Marty é pesquisadora. Coorde-
para eventualmente colocar em ação automático cego, pois nem todo mun- vos, e seu financiamento viria – mais nou, com Jean-Marie Harribey, a obra coleti-
uma política de remuneração”!7 do tem as mesmas oportunidades de do que hoje em dia – da fiscalidade, va Retraites, l’alternative cachée [Aposenta-
As desigualdades entre homens e fazer uma bela carreira, nem que seja portanto do orçamento do Estado. No dorias, a alternativa oculta], Syllepse, Paris,
mulheres serão aumentadas. Basta pelo simples fato do desigual acesso contexto atual de busca pela redução 2013.
comparar as pensões recebidas nos re- aos diplomas segundo as categorias das despesas públicas, existe aí um
gimes por anuidade e nos regimes sociais, as dificuldades econômicas, risco de regressão. O alto-comissário,
complementares por pontos. As pen- os riscos de doenças e as normas so- inclusive, está consciente disso, já que 1 Alto-Comissariado da Reforma das Aposentado-
rias, release de imprensa, 10 out. 2018. Disponível
sões das mulheres representam entre ciais que atribuem às mulheres a edu- declarou: “Se eu confiasse a Bercy [Mi- em: <https://reforme-retraite.gouv.fr>.
41% (Agirc) e 61% (Arrco) das dos ho- cação dos filhos. A igualdade consisti- nistério da Economia e das Finanças] 2 Le Grand Entretien [A grande entrevista], France
mens, contra uma porcentagem entre ria precisamente em garantir uma a direção do sistema, acho que haveria Inter, 21 mar. 2019.
3 Nathalie Blanpain, “L’espérance de vie par niveau
74% e 90% nos regimes por anuidade. pensão conveniente àqueles que tive- uma grande preocupação”.9 Belo eufe- de vie: chez les hommes, treize ans d’écart entre les
A relação é sistematicamente mais fra- ram uma carreira menos bela. mismo. Na verdade, a decisão de colo- plus aisés et les plus modestes” [A expectativa de
ca nos regimes por pontos. Foi para levar em consideração es- car um teto ao peso das aposentado- vida por nível de vida: para os homens, treze anos
de diferença entre os mais ricos e os mais modes-
O governo pode afirmar o quanto sas questões que os dispositivos de so- rias em relação à riqueza produzida, tos], Insee Première, n.1687, Paris, 6 fev. 2018.
quiser que mantém o princípio de re- lidariedade (direitos familiares, pen- sendo que a proporção de aposentados 4 Carole Bonnet, Sophie Buffeteau e Pascal Gode-
partição, mas seu plano integra a aber- são mínima, reversão etc.) foram na população vai aumentar, é o mes- froy, “Disparité des retraites entre hommes et fem-
mes: quelles évolutions au fil des générations?”
tura à capitalização. Na faixa de salá- integrados ao longo do tempo ao siste- mo que programar o empobrecimento [Disparidade das aposentadorias entre homens e
rio mensal superior a 10 mil euros ma de aposentadorias, pela atribuição destes... mulheres: que evoluções ao longo das gerações?],
brutos (contra 27.016 euros atualmen- de direitos não contributivos (que não Quanto à pretendida liberdade de Économie et Statistiques, n.398-399, Paris, 2006.
5 Alto-Comissariado para a Reforma das Aposenta-
te), não se cotizará mais no sistema são a contrapartida das cotizações). escolher entre partir e continuar a tra- dorias, op. cit.
comum; esses altos salários deverão Claro, o projeto não cogita suprimir a balhar para adquirir pontos suplemen- 6 Chloé Duvivier, Joseph Lanfranchi e Mathieu Nar-
ser submetidos a uma poupança-apo- solidariedade, a despeito das declara- tares, ela se reduz a pouca coisa quan- cy, “Les sources de l’écart de rémunération entre
femmes et hommes dans la fonction publique” [As
sentadoria em aplicações financeiras, ções paradoxais sobre o tema “pen- do sabemos que apenas metade das fontes da diferença de remuneração entre mulhe-
que dará direito a vantagens fiscais – são, reflexo da carreira”. Pontos se- pessoas continua empregada no mo- res e homens no serviço público], Économie et
pagas por todos os contribuintes, co- riam acordados para “levar em conta mento de pedir a aposentadoria e que a Statistiques, n.488-489, 2016.
7 Le Grand Entretien, France Inter, 11 out. 2018.
mo está previsto desde já na Lei Pacto, as interrupções da atividade ligadas usura profissional acontece bem antes 8 Ibidem.
adotada em 11 de abril de 2019. Essa às questões de carreira ou de vida”, “as da idade de partida em grande parte 9 Le Grand Entretien, France Inter, 21 mar. 2019.
16 Le Monde Diplomatique Brasil MAIO 2019
m um canto de seu escritório, na coing, desde novembro de 2018, logo sofre grandes desequilíbrios. Entre rurgia, da metalurgia, do setor têxtil –
Metalúrgicos], poderia fazer algo a “batalha ideológica” para “o indivi- CGT teria sido absorvida pela prática ções” eram responsáveis por 62% de-
respeito? “Não!”, ele responde, “por- dualismo e o egoísmo”. Ela cresce com desse diálogo erigido em ideologia, las – o que “coloca claramente a ques-
que na CGT cada um é dono de si. Esse o nível de formação3 – portanto, é me- “cujo objetivo pacificador era também tão da nossa independência [...] em
é o princípio do federalismo. É por isso nor entre os menos educados, os so- desconstruir e destruir o sindicalismo relação às instituições e ao patronato”,
que não gosto que me chamem de cialmente mais frágeis. Mas a ação dos de luta de classes”.8 “Foi ainda a força observa o relatório financeiro prepa-
‘chefe’! Os chefes – eu sei, porque já “coletes amarelos” eleva o moral. La- do sistema que conseguiu incutir a rado para o próximo congresso.10
cruzei com alguns [sorriso] – fazem o ços foram estabelecidos. Fantasmas se ideia de que um sindicato que faz polí- Com a institucionalização, a cen-
que querem! Eu sou apenas o chefe da dissiparam. Todos puderam se conhe- tica necessariamente deve fazê-la por tral teria perdido vigor: embora não
confederação.” Rigor jurídico ou astu- cer. Por meio de reuniões, um trabalho meio de um partido”, diz Sirot. assine mais do que 30% dos acordos
ta prudência? A organização precisa de educação popular foi iniciado. Um evento ocorrido no início do em nível nacional, nas empresas ela
de estabilidade desde a fracassada su- movimento dos “coletes amarelos” subscreve 80% deles. “Mas acordo não
cessão de Bernard Thibault, em 2013, ilustra a anestesia. No dia 6 de dezem- significa necessariamente submis-
que viu a inesperada eleição de Thier- bro de 2018, uma grande reunião inter- são!”, argumenta Gravouil, que recen-
ry Lepaon e, um ano depois, sua igual- “Não fazemos sindical, à qual a CGT (mas não a temente liderou as negociações (fra-
mente inesperada derrubada, em um [Union Syndicale] Solidaires [União cassadas) com o patronato sobre o
contexto de tensões internas e despe-
mais ninguém Sindical Solidários]) era associada, seguro-desemprego. Isso porque, “na
sas extraordinárias em seu escritório e sonhar. emitiu uma declaração chamando o CGT, não se dialoga, se negocia”, insis-
em sua residência funcional (despesas Estamos cheirando governo para o “diálogo” e “condenan- tem, junto com ele, vários de nossos
incorridas sem que ele fosse responsá- a guardado. do toda forma de violência na expres- interlocutores: “As organizações pa-
vel, segundo uma auditoria interna). são de reivindicações”.9 Ao tomarem tronais e sindicais têm interesses di-
Ao contrário do clichê alimentado
Ideologicamente, conhecimento da declaração, muitos vergentes. É um confronto, às vezes
pela mídia, que não lhe dá folga, a CGT somos um fracasso” membros da CGT engasgaram de estu- com concessões. E é bom que exista
não é monolítica, mas plural, caleidos- pefação ou incompreensão. A Fédéra- uma relação de forças”.
cópica, e muito menos centralizada tion Nationale des Industries Chimi- Com a crise dos “coletes amarelos”,
que a CFDT. Seria melhor falar não de Sindicato de valores ou sindicato ques (FNIC, Federação Nacional da Martinez convida os membros da CGT
uma, mas de várias CGTs.2 Então, qual de luta? Vinte anos de abertura, sob o Indústria Química, com 23 mil mem- a “pensar diferente”.11 Ele se inspira,
é a unidade por trás desse rótulo? “Va- comando de Louis Viannet (1992- bros), entre as mais combativas, consi- por exemplo, no breviário do ex-secre-
lores fortes, essenciais: justiça social, 1999), depois de Thibault (1999-2013), derou a declaração “indigna da CGT”: tário-geral (1982-1992) Henri Krasuc-
antirracismo, solidariedade interna- modificaram os espíritos.4 Ao domínio “Seu papel é estar com os trabalhado- ki, que defendia a manutenção de um
cional, feminismo”, responde espon- do PC sucedeu um sindicalismo que a res, não servir de substituto do poder sindicalismo preocupado com “a folha
taneamente Martinez. Claro, mas que direção da organização desejava “crí- patronal e governamental chamando à de pagamento e o vidro quebrado”.
sindicato não se reconheceria em pa- vel e eficaz”.5 Dele sobraram resíduos. calma quem não tem outra alternativa Tradução: “Próximo das pessoas, útil e
lavras de ordem tão consensuais? O essencial da veia anticapitalista foi a não ser lutar”. Duas horas depois, a eficaz”, explica Martinez. “Porque,
expurgado dos estatutos nos anos confederação corrigiu a rota e, em uma quando não somos capazes de conser-
ARMADILHAS DO DIÁLOGO SOCIAL 1990, deixando espaço apenas para dramática reviravolta, indicou qual era tar um vidro quebrado, não sei se con-
Em fevereiro, batemos aleatoria- críticas aos desvios do sistema. O do- a origem da violência: “O governo age seguimos ter credibilidade nas ques-
mente à porta de uma união local, a de cumento de orientação do próximo como um incendiário social: é irres- tões importantes, como a mudança
Villefranche-sur-Saône (Rhône), es- congresso, em Dijon, não fala em “lu- ponsável!”. Em seguida, a entidade re- para uma sociedade mais justa.” Ele
condida na Bourse du Travail [Bolsa do ta”, mas em “oposição” de classes.6 cusou-se a responder um convite do defende uma CGT “menos ideológica”,
Trabalho], no topo da providencial- “Sempre houve combativos e refor- [Palácio de] Matignon [residência ofi- ou, digamos, “com um pouco mais de
mente batizada Rue Gagnepain [Rua mistas na CGT”, analisa a historiadora cial do primeiro-ministro francês]. equilíbrio entre a ideologia e a gestão
Ganha-Pão]. Ela reúne 1.200 sindicali- marxista Annie Lacroix-Riz. “Unita- Desde então, a CGT tem dito “não” ao do cotidiano”. E um modo de ação
zados. Ali se faz panfletagem regular- ristas” e “confederalistas”. “Mas, após “amplo debate” e organizou sua pró- “costurado à mão”, ou seja, propondo
mente no Pôle Emploi [posto de em- a queda do Muro [de Berlim], era pre- pria consulta. que todos se mobilizem com base em
prego do governo]. Organizam-se ciso existir em um capitalismo que du- Assim como os outros sindicatos, suas próprias reivindicações, “atuan-
escritórios de recrutamento, por exem- raria duzentos anos. Precisávamos de a central de Montreuil estaria sepa- do juntos ao mesmo tempo, e não em
plo, em frente ao correio, para ajudar outro sindicalismo, de outra CGT. Isso rada da base, burocratizada, profis- palavras de ordem globalizantes”. A
os desempregados a encontrar traba- se traduziu em progressos considerá- sionalizada, com sindicalistas que ideia é, portanto, “generalizar as gre-
lho. Qual é sua ligação com a CGT? Al- veis para o campo reformista.” Já a pouco a pouco foram se afastando de ves”, em vez de chamar uma hipotética
guns sorriem ao redor da mesa. De- cientista política Sophie Béroud e a sua base profissional. E, nos últimos “greve geral”. Desse modo, haveria
pois, como quem exibe uma prova: “A linguista Josette Lefèvre observam 25 anos, teria deixado de questionar o uma atualização das “duas tarefas”
luta de classes!”, respondem em coro que o discurso mudou: “A partir de en- sistema, passando a integrá-lo. “O inscritas na carta de Amiens (1906),
militantes de diferentes sensibilidades tão ‘agente da regulação social’, ansio- problema era arriscar perder todos os documento fundador do sindicalismo
políticas: Parti Communiste (PC, Par- sa para tomar seu lugar na negociação benefícios”, diz Monique Dabat, uma francês: a defesa de reivindicações
tido Comunista), La France Insoumi- coletiva, a CGT [não hesitou] em se di- grande personalidade do sindicalis- imediatas e cotidianas, e a transfor-
se [França Insubmissa], Europe Éco- zer ‘cidadã’ [...]. Seu discurso [aproxi- mo ferroviário na Gare du Nord, em mação da sociedade para o futuro.
logie-Les Verts [Europa Ecologia – Os mou-se] objetivamente ao da CFDT”.7 Paris, e ex-membro da CGT expulsa Não se sabe se, internamente, a
Verdes]. “A consciência do conflito de A adesão ao “diálogo social” – igno- em 2007 e hoje na Solidaires Unitai- mensagem se difunde com fluidez.
interesses entre o empregador e o em- rado pelas reformas de Macron – e sua res Démocratiques (SUD, Solidários “Há um déficit de análise”, avalia o his-
pregado”, explica Christian Ritton, se- participação nas múltiplas instâncias Unitários Democráticos). toriador Stéphane Sirot. “O balanço
cretário-geral da união local. A luta de de diálogo, criadas principalmente Isso porque a central tem muito a dos últimos 25 anos está por ser elabo-
classes, da qual também falam depois, com as Leis Auroux (1982), teriam sido ganhar financeiramente com o “diálo- rado, o que faz que não exista uma li-
a 2 quilômetros dali, os funcionários fatais? Os membros da CGT que parti- go social”. A fragmentação e a opacida- nha clara. A CGT retomou recente-
da Bayer, postados dia e noite durante lham os cruzamentos com os “coletes de de seus recursos encobrem mal a mente uma prática baseada na relação
dois meses em frente à fábrica, em Li- amarelos” têm clareza do segundo mal fragilidade das contribuições em com- de forças, permanecendo profunda-
mas: seu delegado sindical está prestes que atingiu a organização: a institucio- paração com os subsídios públicos e mente institucionalizada no contexto
a ser demitido por ter “assediado” a di- nalização. “Para eles, nós os traímos”, os recursos oriundos do regime pari- do diálogo social, com uma forma de
reção. Em apenas dois anos, sob sua li- lamenta Croquefer. “Já tínhamos esse tário e dos acordos de direitos sindi- protesto altamente ritualizada.” Os
derança, a seção da CGT cresceu de 35 problema com as coordenações há al- cais nas empresas. Em 2017, apenas dias de mobilização repetidos, inefica-
para 110 sindicalizados. guns anos.” Após o rompimento com o para o orçamento da confederação, as zes, são prova disso.
A consciência de classe, lamentam PC, “que instilava uma reflexão sobre o contribuições representavam 29% das Mas “há um trabalho de renovação
os militantes da união local, perdeu a futuro na sociedade”, analisa Sirot, a receitas, e as “subvenções e contribui- ideológica a ser feito”, considera, por
18 Le Monde Diplomatique Brasil MAIO 2019
exemplo, Florent Coste, eleito da CGT ras não confiam neles mesmos, em sua temas delicados: a busca por unidade “desvinculada de qualquer influência
na fabricante de equipamentos aero- força coletiva. Os ‘coletes amarelos’ fo- de ação com a CFDT, às vezes conside- política”. Sobre esse ponto, o secretá-
náuticos Latécoère, em Toulouse. Pou- ram premiados por Macron – é o que rada sistemática demais, ou a adesão, rio-geral reafirma: “A carta de Amiens
co interessado em partidos políticos, ocorre quando a luta é maciça, deter- ainda não digerida, à institucionalíssi- significa, mais do que nunca [ele repe-
esse engenheiro de gabinete quadrage- minada, consciente!”. ma Confédération Européenne des te isso três vezes], uma CGT indepen-
nário pensa, como muitos, que a central Muitos questionam. “A resignação Syndicats (CES, Confederação Euro- dente dos partidos políticos”. E aten-
precisa “ser capaz de propor um outro não seria resultado de uma falta de es- peia dos Sindicatos), símbolo, para al- der aos apelos de Jean-Luc Mélenchon,
mundo”: “Não fazemos mais ninguém pírito combativo à frente da organiza- guns, de submissão à União Europeia. fundador da França Insubmissa, de
sonhar. Estamos cheirando a guardado. ção?”, indaga Isabelle Bosseman, se- Todos lembram que, em 2005, a base, romper com o “dogma do movimento
Ideologicamente, somos um fracasso”. cretária-geral da CGT dos médicos, comprometida com o “não” no refe- social independente”.17 Então pergun-
Militantes lamentam o desapareci- engenheiros e técnicos do Centre Hos- rendo sobre o Tratado Constitucional tamos como ele vê sua central: refor-
mento das grandes ideias. “Ninguém pitalier Universitaire (CHU, Centro Europeu, afrontou a cúpula, que pre- mista ou revolucionária? “Somos re-
mais fala na questão da propriedade Hospitalar Universitário) de Lille. Seu gava a neutralidade. formistas por excelência!”, exclama
das empresas”, destaca Charles Hoa- sindicato é um dos que continuaram “Com o enfraquecimento da cultu- Martinez. “Querer mudar a sociedade
reau, criador, na década de 1990, dos lutando na justiça (ganhando em al- ra política”, reconhece Binet, da co- é querer reformar! E, como não pre-
comitês de desempregados da CGT. guns pontos), sem o apoio da confede- missão executiva federal, “hoje é mui- tendemos tomar o poder, é por meio
Nem em sua contraparte: o fim do as- ração, para contrariar as disposições to mais complexo encontrar o ponto de reformas sociais que alimentamos
salariado e do patronato. “Na área da da lei trabalhista. Com outros vinte em comum entre as entidades da orga- a mudança da sociedade!” E assim en-
saúde, no pós-guerra, o fim da medici- sindicatos – entre eles o da Goodyear e nização”. Há quem se pergunte sobre o tendemos, portanto, que há também
na liberal foi uma reivindicação histó- o da Infocom, cujos métodos radicais papel da confederação. “Se ela se con- belas engrenagens retóricas na caixa
rica da CGT”, recorda Karas. “Ambroi- não gozam de unanimidade no inte- tenta em coordenar, portanto em ser de ferramentas do metalúrgico.
se Croizat [membro da CGT e um dos rior da CGT –, ele obrigou o congresso apenas uma resultante das lutas, de
fundadores da Previdência Social] de- a avaliar um texto alternativo, mais que serve ser confederado?”, pergunta *Jean-Michel Dumay é jornalista.
ve se revirar no túmulo!” “O trabalho ofensivo, a fim de ancorar novamente a FNIC, desejando que a cúpula se
em linha de produção deveria ser abo- a organização no anticapitalismo.13 comporte como uma “locomotiva rei- 1 Ler Karel Yon, “Malaise dans la représentativité syn-
dicale” [Mal-estar na representação sindical]; e Jean-
lido!”, acrescenta Corouge, o funileiro “Há uma tensão ideológica dentro da vindicativa” e “forneça perspectivas -Michel Dumay, “CFDT, un syndicalisme pour l’ère
e pintor de Sochaux. “Éramos uma ge- CGT”, diz seu companheiro de estra- políticas interprofissionais”.15 Mas não Macron” [CFDT, um sindicalismo para a era Ma-
ração mais politizada. Representáva- da, o advogado Fyodor Rilov. “Essa espera resposta: com oito uniões de- cron], ambos em Le Monde Diplomatique, jun. 2017.
2 Cf. Françoise Piotet, La CGT et la recomposition
mos uma força. Queríamos mudar a tensão precisa ser elaborada.” Ele pede partamentais e a Fédération du Com- syndicale [A CGT e a reorganização sindical],
sociedade.” Há o projeto de “Segurida- mais combatividade, especialmente merce et des Services [Federação do Presses Universitaires de France, Paris, 2009.
de Social Profissional”, ligado ao “novo no nível judicial. Comércio e dos Serviços], ela tomou a 3 “Les Français et la lutte des classes” [Os france-
ses e a luta de classes], Ifop, Paris, jan. 2013.
estatuto do trabalhador assalariado”, “Com o colapso do PC, houve um iniciativa de chamar, para 27 de abril, 4 Cf. Leïla de Comarmond, Les Vingt ans qui ont
que a confederação relança a cada enfraquecimento da reflexão dos uma manifestação nacional em Paris. changé la CGT [Os vinte anos que mudaram a
congresso. “Mas ninguém consegue membros da CGT”, lamenta Corouge, No entanto, os críticos também po- CGT], Denoël, Paris, 2013, e a obra coletiva Histoi-
re de la CGT. Bien-être, liberté, solidarité [História
explicar esse projeto a ninguém”, zom- militante de longa data desse partido. dem ser criticados. “Às vezes é mais fá- da CGT. Bem-estar, liberdade, solidariedade], Édi-
ba Coste. Na verdade, ninguém ouve Em declínio, o próprio universo co- cil dizer que a confederação está der- tions de l’Atelier/Institut d’Histoire Sociale, Ivry-sur-
falar dele na mídia, pois esta, quando munista passou por esse apagamento rapando do que admitir como é difícil -Seine/Paris, 2016.
5 Bernard Thibault, “Pour un syndicalisme crédible et
não ignora a CGT, concentra-se em dos discursos, com a redução de sua segurar o volante!”, observa Croque- efficace” [Por um sindicalismo crível e eficaz], La
slogans mais fáceis: a transição para base municipal e associativa, bem co- fer. Ele, por exemplo, considera o se- Nouvelle Vie Ouvrière, Montreuil, 8 fev. 2002.
32 horas de trabalho semanal ou o sa- mo do apoio entre os militantes, que cretário-geral “atento e pragmático”. 6 “Spécial 52e congrès, document d’orientation” [Es-
pecial 52º Congresso: documento de orientação],
lário mínimo bruto de 1.800 euros. antes conferia resistência à luta.14 “A Essa é uma virtude facilmente atri- Le Peuple, publicação não periódica, n.1, jan. 2019.
A fragilidade da militância, até confederação não pensa mais. Ou me- buída a Martinez – seja para o bem, co- 7 Sophie Béroud e Josette Lefèvre, “Vers une démo-
mesmo sua resignação, também é lhor, pensa uma espécie de miscelâ- mo forma de louvar seu “realismo”, se- cratie économique et sociale? Redéploiement et
banalisation du discours syndical” [Rumo à demo-
apontada. Mas como indignar-se? “Os nea por uma sociedade mais justa”, ja para o mal, como forma de cracia econômica e social? Amplitude e banaliza-
mais jovens só conhecem fracassos!”, acrescenta outro membro da CGT, não estigmatizar sua “navegação visual”. ção do discurso sindical], Mots, les langages du
destaca Croquefer. E os mais velhos, filiado a nenhum partido político (ho- Pragmático, ele próprio tem consciên- politique, n.83, Lyon, 2007.
8 Cf. Stéphane Sirot, “‘Démocratie sociale’ et ‘dialo-
apenas as hostilidades dos governos, je, haveria menos de 10% de membros cia de que é “sempre o ‘duro’ de al- gue social’ en France depuis 1945. Construction
como o de Nicolas Sarkozy, muito dili- com filiação partidária, segundo a guém e o ‘frouxo’ de outro”. E, princi- idéologique et politique d’une pratique sociale”
gente, em 2007, para estabelecer um confederação). Há uma pobreza de palmente, ele não ignora a imagem do [“Democracia social” e “diálogo social” na França
pós-1945. Construção ideológica e política de
serviço mínimo de transporte dedica- análise nas sessões de formação sin- sindicato nem as expectativas que pe- uma prática social], Problématiques sociales et
do a neutralizar o efeito das greves. dical, com a “novilíngua” que tomou sam sobre ele. Se a CGT tem dificulda- syndicales (brochura publicada pelo autor), Mons-
Também houve líderes que, por meio conta da central, falando-se em “de- des, também tem trunfos. Em 2018, os -en-Barœul, maio 2017.
9 Comunicado intersindical da CFDT, CGT, FO,
de suas estratégias gerenciais, frag- senvolvimento humano sustentável”, entrevistados de duas pesquisas a CFE-CGC, CFTC e UNSA FSU.
mentaram os coletivos de trabalho,12 “capitalismo humanizado” e “quali- consideraram muito claramente a 10 Demonstrações financeiras anuais em 31 de de-
ou que, como na SNCF, questionaram, dade de trabalho” (e não mais em “pe- mais eficaz em todos os assuntos que zembro de 2017, disponíveis no Journal Officiel.
11 Erwan Manac’h, “Philippe Martinez: ‘Nous devons
em acordos de fim de conflito, as re- riculosidade”). O sindicalista conti- lhe dizem respeito: defesa do emprego réfléchir autrement’” [Philippe Martinez: “Precisa-
gras tácitas que permitiam escalonar nua: “O combate à desigualdade não e da aposentadoria, aumento do poder mos pensar diferente], Politis, Paris, 30 jan. 2019.
as deduções por greve sobre os salá- serve para nada se não estiver atrela- de compra, igualdade entre homens e 12 Ler Danièle Linhart, “Hier solidaires, aujourd’hui
concurrents” [Ontem solidários, hoje concorren-
rios. “O que predomina é o medo: me- do a um projeto político”. mulheres etc. Quase três a cada quatro tes], Le Monde Diplomatique, mar. 2006.
do do chefe, medo de perder o empre- entrevistados a consideraram “com- 13 “Proposition de réflexions pour l’orientation du 52e
go, medo do futuro”, observa Coste. Se A ORGANIZAÇÃO MAIS EFICAZ bativa” e “presente” (aliás, 73% deles congrès CGT” [Proposta de reflexão para a orien-
tação do 52º Congresso da CGT]. Disponível em:
outrora os militantes se guiavam pela As perguntas não param: qual é o apoiaram seu chamado da segunda <https://syndicollectif.fr>.
ideia de progresso, “hoje há um muro à projeto político da CGT? E, antes disso, greve convergente, com a Força Ope- 14 Ler Julian Mischi, “Comment un appareil s’éloigne
sua frente”, resume a ex-representante ela ainda é um movimento de traba- rária e o Solidários, em 19 de março).16 de sa base” [Como uma entidade se afasta de sua
base], Le Monde Diplomatique, jan. 2015.
da confederação Maryse Dumas. “A lhadores? Os trabalhadores autôno- Para ganhar influência, os entre- 15 “Éléments de réflexions sur les enjeux et docu-
sensação é que, do ponto de vista eco- mos, “uberizados”, têm lugar dentro vistados acham que a prioridade, se- ments du 52e congrès confédéral de la CGT” [Ele-
nômico e ambiental, amanhã será pior dela? E qual é o lugar dos executivos gundo uma lista de escolha forçada, é mentos de reflexão sobre os desafios e documen-
tos do 52º Congresso Confederal da CGT].
que hoje.” Na [companhia automoti- (cuja sindicalização a confederação ela ser “mais realista nas negociações” Disponível em: <www.fnic-cgt.fr>.
va] PSA, Jean-Pierre Mercier, delegado gostaria de elevar)? Todos notaram (portanto, menos ideológica, como 16 Pesquisas Harris Interactive, nov. 2018, e Odoxa,
sindical central (e dirigente do [parti- que, pela primeira vez, o cargo de se- defende Martinez), “mais atenta ao 19 mar. 2019.
17 Jean-Luc Mélenchon, “‘Avoir le point’ ou pas” [Ter
do] Lutte Ouvrière [Luta Operária]), cretário-geral não está mais ocupado que dizem os trabalhadores” (portan- ou não ter razão], L’Ère du peuple, 31 out. 2017.
corrige: “Isso não é resignação. Os ca- por um trabalhador. Isso sem falar dos to, interessada no vidro quebrado) e Disponível em: <https://melenchon.fr>.
MAIO 2019 Le Monde Diplomatique Brasil 19
UNIÃO EUROPEIA
© Laura Erber
começar pelos Estados Unidos, a Ale-
manha se percebe – e quer que os ou-
tros a vejam – como uma potência he-
gemônica benevolente, que difunde
para seus vizinhos um bom sentido
universal e virtudes morais cujo custo
ela assume. Um fardo que vale a pena
carregar pelo bem da humanidade.1
No caso da Alemanha e da Europa, cas e sociais de modo a torná-la com- ou menos clandestina do Banco Cen- MANTER A DISCIPLINA IMPERIAL
os valores que legitimam o império patível com os interesses do centro. tral Europeu (BCE) –, não consegui- A abertura das fronteiras alemãs
são os da democracia liberal, do gover- Manter essas elites no poder é essen- ram manter no poder, na Itália, o go- sob o pretexto de que não era mais
no constitucional e da liberdade indi- cial para a sobrevivência do império. verno “reformista” de Matteo Renzi, possível controlá-las, ou porque era
vidual; em resumo, os valores do libe- Como ensina a experiência norte-ame- confrontado à resistência popular. Do uma exigência do direito internacio-
ralismo político. Embrulhadas com o ricana, tal configuração tem um preço mesmo modo, diante de nossos olhos, nal, implicava, na verdade, que a
mesmo papel de presente, estão a li- em termos de valores democráticos e a Alemanha revela-se incapaz de pro- União Europeia como um todo se-
berdade do mercado e a livre concor- de recursos econômicos, e até mesmo teger a presidência de Emmanuel Ma- guisse a decisão da Alemanha. Mas
rência, apresentadas quando é conve- em termos de vidas humanas. cron da ira dos “coletes amarelos” e de nenhum dos Estados-membros o fez.
niente – em essência, o liberalismo Às vezes, as elites dirigentes de outros oponentes de seu programa de Alguns, como a França, permanece-
econômico e, neste caso, o neolibera- “países pequenos” ou de “países atra- germanização econômica. ram em silêncio; outros, como a Hun-
lismo. Determinar a composição exata sados” em seu desenvolvimento bus- O próprio país hegemônico não es- gria e a Polônia, reivindicaram publi-
e o significado profundo do leque de cam o status de membros de segunda tá imune a dificuldades internas. Sob o camente sua soberania nacional. Ao
valores imperiais, bem como o modo classe do império. Elas esperam que a regime do imperialismo liberal, seu romperem, por questões de política
como eles se aplicam a situações espe- direção imperial as ajude a impor a governo deve assegurar que a defesa de interna, com a regra liberal imperial
cíficas, é uma prerrogativa do centro suas sociedades projetos de “moderni- seus interesses nacionais – ou do que é não escrita de que nunca se deve en-
hegemônico. Tal prerrogativa lhe per- zação” nem sempre recebidos com en- considerado como tal – dê a impressão vergonhar outro governo – especial-
mite impor uma espécie de senhoria- tusiasmo popular. Satisfeito com a de fazer avançar a causa dos valores li- mente o da potência hegemônica –,
gem à sua periferia, em troca de sua lealdade à sua causa, o império lhes berais em geral, da democracia e da eles criaram para Merkel uma dificul-
benevolência. fornece os meios ideológicos, monetá- prosperidade para todos. Para isso, ele dade interna da qual ela nunca se re-
A preservação de assimetrias impe- rios e militares para manter os parti- pode precisar da ajuda de seus países- cuperou. Também instauraram uma
riais em um conjunto de nações nomi- dos de oposição sob controle. -clientes. Ele não pôde contar com isso, clivagem duradoura entre o centro e o
nalmente soberanas exige arranjos po- Em um império liberal cuja coesão em 2015, quando o governo de Angela leste da Europa nas políticas externas
líticos e institucionais complicados. Os se assenta teoricamente em valores Merkel tentou resolver ao mesmo tem- e internas do império. Esse evento só
Estados periféricos devem ser dirigidos morais, e não na violência militar, há po a crise demográfica e o problema de acrescentou novas divisões às que já
por elites para as quais as estruturas e um longo caminho a percorrer. As imagem da Alemanha, substituindo o existiam dentro do bloco: no oeste
os valores particulares do centro cons- classes dirigentes do centro, assim co- aumento da imigração regulamentada com o Reino Unido e ao sul na linha
tituam um modelo a ser imitado. Eles mo as da periferia, cometem erros. Por – recusada pelos deputados democra- de fratura do Mediterrâneo, que se
devem estar dispostos a organizar sua exemplo, a Alemanha e a França, agin- tas cristãos – pela efetivação incondi- tornou crítica com a introdução da
ordem interna em questões econômi- do em conjunto – e com a ajuda mais cional do direito de asilo. moeda única.
20 Le Monde Diplomatique Brasil MAIO 2019
Mais do que outras formas de im- União Europeia mais integrada – o que por exemplo, sob a forma de apoio a uma ordem social uniforme, calcada
pério, um império liberal sofre de um poderia vir a colocar o poder econômi- questões debatidas entre os Estados- na que reina em seu centro. No caso da
estado de desequilíbrio constante e co alemão a serviço dos interesses -membros da União Europeia. Assim, União Europeia, as economias nacio-
está a todo momento submetido a franceses – terão claramente menos os países bálticos permaneceram ca- nais são regidas pelas “quatro liberda-
uma pressão que vem tanto de baixo apoio dos outros Estados-membros. lados a respeito da admissão e da dis- des” do mercado interno (de bens, ca-
quanto dos lados. Na ausência de ca- Uma vez que o Reino Unido esteja fora tribuição dos refugiados, em troca de pitais, serviços e pessoas) e por uma
pacidade de intervenção militar em do jogo, a França poderia aspirar ao um aumento do poder do Exército ale- moeda única ao estilo alemão, o euro,
seus países-membros, ele não pode status de unificadora da Europa, pres- mão e de uma distribuição de suas for- que, de acordo com o Tratado de Maas-
usar a força para impedir a secessão. sionando a Alemanha a engajar-se em ças capaz de ameaçar a Rússia. tricht, tem vocação para ser a moeda
Quando o Reino Unido decidiu se reti- um projeto de Estado europeu à fran- de todos os Estados-membros. Nesse
rar da União Europeia, nem a Alema- cesa: “Uma França soberana em uma AMEAÇA AO SUFRÁGIO UNIVERSAL sentido, a União Europeia conforma-se
nha nem a França pensaram nem por Europa soberana”, para ficarmos com No centro de um império liberal, os estritamente à receita do internaciona-
um momento em invadir as Ilhas Bri- a frase de Macron. Para os britânicos, Estados e seus cidadãos podem espe- lismo neoliberal tal como foi concebi-
tânicas para mantê-las ali. Até agora, impedir essa transformação do lado de rar impor sua vontade sem recorrer ao do e historicamente atualizado por
a União Europeia tem sido efetiva- fora pode se revelar mais difícil do que poder militar. Mas, em última instân- Friedrich von Hayek. Sua ideia central
mente uma força de paz. No entanto, sabotá-la por dentro. Lembremos os cia, isso é uma ilusão: não pode haver é a “isonomia”: sistemas legais idênti-
do ponto de vista alemão ou franco- esforços envidados na década de 1960 hegemonia sem canhões. É nesse con- cos para Estados-nação ainda formal-
-alemão, um divórcio britânico ami- pelo general De Gaulle para impedir texto que se deve entender a decisão mente soberanos, estabelecidos com
gável minaria a disciplina imperial, que o Reino Unido entrasse na então do governo Merkel de se dobrar às exi- base no princípio de serem indispen-
uma vez que outros países em revolta Comunidade Econômica Europeia gências dos Estados Unidos e da Orga- sáveis para o funcionamento harmo-
contra essa disciplina também pode- (CEE), sob a alegação de que o país não nização do Tratado do Atlântico Norte nioso dos mercados internacionais.2
riam aventar sua saída. era suficientemente “europeu”. (Otan), prometendo a quase duplica- O calcanhar de aquiles do neolibe-
Pior ainda, se a retirada britânica ção do orçamento militar do país para ralismo chama-se “democracia”, como
fosse evitada por meio de concessões fazê-lo chegar a 2% do PIB. Se esse ob- nos mostram tanto Hayek como Karl
significativas, outros países pode- jetivo for mesmo alcançado, as despe- Polanyi. A isonomia e seu regime mo-
riam requerer a renegociação de um O calcanhar sas militares da Alemanha ultrapassa- netário implicam limitar estritamente
acervo comunitário elaborado para de aquiles do rão em mais de 40% as da Rússia, tudo a intervenção de uma democracia de
manter-se para sempre inegociável. na compra e desenvolvimento de ar- base popular e fundada na vontade
Portanto, o Reino Unido teve de esco-
neoliberalismo mamentos convencionais, o que con- majoritária na economia política. Os
lher: ou permanecer no bloco sem chama-se “democracia”, tribuirá para ancorar firmemente na governos nacionais cujos Estados fa-
concessões – uma rendição incondi- como nos mostram União Europeia Estados como os paí- zem parte de um império neoliberal
cional –, ou retirar-se a um preço tanto Hayek como ses bálticos ou a Polônia, para os quais não devem temer uma sanção eleitoral
muito alto. E isso apesar do fato de a alternativa norte-americana se tor- quando expõem seus cidadãos à pres-
que o Reino Unido muitas vezes aju-
Karl Polanyi naria menos atrativa. Tal cenário per- são de mercados internacionais inte-
dou a Alemanha a afrouxar o torno mitiria à Alemanha conseguir que os grados, para o bem dos cidadãos, nem
francês, contrabalançando o estatis- Estados-membros do leste do bloco é preciso dizer – mesmo que eles não
mo da França com uma ligação sau- O governo de um império inevita- abandonassem ou moderassem sua vejam as coisas dessa maneira –, e cer-
dável (aos olhos da Alemanha) com a velmente obedece a considerações oposição em questões relativas a valo- tamente para o bem da acumulação
economia de mercado. Com o Brexit, não apenas econômicas e ideológicas, res – como as dos refugiados ou do “ca- do capital. É por isso que o império de-
esse equilíbrio se rompeu. mas também geoestratégicas, espe- samento para todos” –, mas também ve dotá-los de instituições nacionais e
Totalmente consciente disso, a cialmente nas margens de seus territó- daria à Rússia razões para modernizar internacionais que os ajudem a se co-
França pediu uma atitude muito fir- rios. A estabilização dos Estados fron- seu arsenal nuclear, coisa que ela, locar para além do alcance do sufrágio
me nas negociações com Londres, teiriços situados na extrema periferia é aliás, já se comprometeu a fazer. Tam- universal. Em outros termos, um Esta-
mal dissimulando seu objetivo: que os necessária para a expansão econômi- bém encorajaria países como a Ucrâ- do neoliberal, embora queira se mos-
britânicos mantivessem a decisão de ca, sobretudo no caso de um império nia a adotar uma atitude mais provo- trar fraco em sua relação com o merca-
sair. Aproveitando as preocupações capitalista. Ali, no ponto onde um im- cativa em relação à Rússia. do, deve mostrar-se duro em suas
alemãs sobre a disciplina imperial, ela pério se une a outro, seja esse império A França, cujo orçamento de defesa relações com as forças sociais que exi-
aparentemente conseguiu o que que- expansionista ou não, ele tende a con- já se aproxima do número mágico de gem uma correção política do livre jo-
ria, apesar dos temores da Alemanha cordar em pagar um preço mais alto 2% do PIB, poderia esperar que a du- go dos mercados. O termo apropriado
de perder um de seus mercados de ex- para manter a seu lado governos coo- plicação dos gastos militares alemães para descrever essa situação é “libera-
portação mais importantes e da ne- perativos ou para expulsar aqueles prejudicasse seu desempenho econô- lismo autoritário”, doutrina política
cessidade de conter as ambições fran- que não o são. mico (embora ela pareça favorável a cujas origens remontam à República
cesas sem o apoio britânico. Ao ceder As elites nacionais, que, nessas uma cooperação franco-alemã na pro- de Weimar e ao amistoso encontro en-
à França, a Alemanha teria tomado condições, podem ameaçar ir embora dução e exportação de armas). Mais tre os economistas neoliberais e o “ju-
uma decisão oportunista e míope – ao ou mudar de lado, são capazes de obter importante: em um exército europeu rista da Coroa” do Terceiro Reich, Carl
estilo de Merkel –, que poderá lhe cus- concessões mais caras, mesmo que tal como o concebe Macron, com o Schmitt.3
tar muito caro nos próximos anos? O suas políticas domésticas se mostrem apoio dos alemães pró-europeus, um O liberalismo autoritário usa um
futuro dirá. pouco atraentes, como é o caso de paí- aumento significativo das capacida- Estado forte para proteger uma econo-
Quanto ao Reino Unido, como a ses como a Croácia e a Romênia. Aqui, des convencionais da Alemanha com- mia de livre mercado dos perigos da
decisão de se retirar da União Euro- no fim das contas, entra em cena o po- pensaria a fraqueza da França em ter- democracia política.4 Na União Euro-
peia baseou-se em considerações na- der militar – que é preciso distinguir mos de tropas terrestres. Isso se peia, ele é antes de mais nada o resul-
cionalistas, e não “antissocialistas”, do soft power, o poder da influência, explica pela parcela desproporcional tado de internacionalização: a cons-
ele pode muito bem ter cometido um dos valores. Embora um império libe- do orçamento militar dedicada à força trução de um mecanismo institucional
erro histórico. O Brexit faz da França a ral tenha dificuldade em usar a força de ataque, um instrumento difícil de que permita aos governos remeter as
única potência nuclear dentro da contra uma população indisciplinada, usar contra os militantes islamistas da economias nacionais a instâncias in-
União Europeia e também a única que ele pode proteger governos amigos, África Ocidental que tentam impedir a ternacionais que produzem normas,
tem assento permanente no Conselho dando-lhes os meios para adotar uma França de ter acesso ao urânio e às como os conselhos ministeriais, os tri-
de Segurança da ONU. postura nacionalista hostil em relação terras-raras. bunais supranacionais ou os bancos
Os sentimentos ambivalentes que a a um país vizinho que se sinta amea- Como vimos, o império europeu – centrais. Assim, eles podem se desin-
Alemanha acalenta em decorrência da çado por um império que avança seus alemão ou franco-alemão – não é ape- cumbir de responsabilidades relacio-
ambição apresentada pela França de peões. Em contrapartida, um poder nas liberal; ele é neoliberal. Os impé- nadas à soberania nacional que não
ser a “chefe da expedição” de uma hegemônico pode exigir concessões, rios impõem a seus Estados-membros querem ou não podem mais cumprir.
MAIO 2019 Le Monde Diplomatique Brasil 21
A internacionalização fornece-lhes Ocupar a posição de potência hege- Deve-se ainda notar que, desde o do das Sociedades. Uma versão anterior des-
um instrumento que a ciência política mônica em um império liberal não é episódio dos refugiados em 2015, a te artigo foi publicada no blog da London
ortodoxa chamou de “diplomacia mul- uma coisa confortável. É cada vez mais Alternativa para a Alemanha (AfD) é School of Economics com o título “The Euro-
tinível”:5 a negociação de mandatos claro que a Alemanha – com ou sem a o maior partido da oposição. Ele é na- pean Union is a liberal empire, and it is about
internacionais que os poderes executi- França – não poderá desempenhar esse cionalista, mas principalmente por to fall” [A União Europeia é um império liberal
vos nacionais podem importar em papel por muito tempo. A expansão ter- causa de sua postura isolacionista e e está prestes a cair], 6 mar. 2019.
suas políticas internas, alegando que ritorial sempre foi uma tentação mortal anti-imperialista. Os imperialistas li-
são incontornáveis, em razão de sua para os impérios, como mostraram a berais alemães curiosamente o clas-
origem multilateral. Esse é um dos União Soviética e os Estados Unidos. sificam como “antieuropeu”. Se dei-
atrativos do império (neo)liberal para Em matéria de defesa, a opinião pública xarmos de lado por um momento
as elites nacionais, que podem contar alemã permanece fundamentalmente seus ignóbeis acessos de racismo e 1 Sobre a questão da hegemonia, cf. Perry Ander-
com essas ferramentas, especialmente pacifista, e a prerrogativa constitucio- revisionismo histórico, o nacionalis- son, The H-Word: The Peripeteia of Hegemony [A
num momento em que, por causa de nal da qual dispõe o Parlamento para mo da AfD traduz-se em uma recusa palavra com “H”: as peripécias da hegemonia],
Verso, Londres/Nova York, 2017.
sua estagnação, o capitalismo finan- regular todos os detalhes do envio de de pagar para o império, entendendo 2 Cf. Quinn Slobodian, Globalists: The End of Empire
ceirizado não consegue mais atender tropas não será abandonada – nem que os outros países também têm to- and the Birth of Neoliberalism [Globalistas: o fim
às expectativas das quais depende sua mesmo em benefício de Macron, o que- do o direito de agir como queiram. do império e o nascimento do neoliberalismo], Har-
vard University Press, Cambridge, Massachusetts,
legitimidade. “Em vez de olhar para as ridinho da classe política além-Reno. Prova disso é a posição do partido em 2018.
profundezas da nação, essas elites re- Também é de esperar que haja ne- favor do apaziguamento com a Rús- 3 Ver “Heller, Schmitt and the Euro” [Heller, Schmitt
correm a arranjos supranacionais ou cessidades crescentes de financia- sia, em vez de enfrentamento, posi- e o euro], European Law Journal, v.21, n.3, Hobo-
ken (Nova Jersey), maio 2015.
intergovernamentais a fim de reforçar mentos imperiais adicionais para os ção partilhada com a ala esquerda do 4 Andrew Gamble, The Free Economy and the
sua autoridade”, observa o jurista Pe- países mediterrâneos vítimas da polí- Die Linke. Há semelhanças significa- Strong State: The Politics of Thatcherism [A livre
ter Ramsay, buscando explicar o obsti- tica alemã de moeda forte, bem como tivas com o sentimento trumpista da economia e o Estado forte: a política do thatcheris-
mo], Palgrave Macmillan, Londres, 1988.
nado combate dos oponentes do Brexit para os fundos estruturais que apoiam “América primeiro”, que, original- 5 Robert D. Putnam, “Diplomacy and domestic politi-
oriundos da classe dirigente britânica. os Estados da Europa Central e seus mente, era mais isolacionista do que cs: The logic of two-level games” [Diplomacia e
“A União Europeia é um império vo- dirigentes “pró-europeus”. Como a imperialista, rompendo com o impe- política interna: a lógica dos jogos de dois níveis],
International Organisation, v.42, n.3, Cambridge,
luntário composto por Estados que es- França enfrenta baixo crescimento e rialismo liberal defendido por Hillary verão de 1988.
tão em negação de seu caráter nacio- déficits elevados, a Alemanha terá de Clinton e Barack Obama. 6 Cf. Peter Ramsay, “The EU is a default empire of
nal, na negação do fato de que a contribuir sozinha, embora o nível de nations in denial” [União Europeia é o império-pa-
drão das nações em negação], blog da London
autoridade de Estado procede da na- transferência necessário exceda em *Wolfgang Streeck é sociólogo e diretor School of Economics, 14 mar. 2019. Disponível
ção política.”6 muito sua capacidade. emérito do Instituto Max Planck para o Estu- em: <https://blogs.lse.ac.uk>.
L E I E S TA D U A L
DE INCENTIVO
A C U LT U R A
22 Le Monde Diplomatique Brasil MAIO 2019
Pessoas executadas pela Polícia Militar que portam réplicas de armamentos, os chama- aceitável, como também há vidas que valem menos do que outras. Em tempos sombrios
dos simulacros. Espaços escondidos no interior das prisões, atrás de placas de aço ou – de dissolução de direitos adquiridos, de propostas autoritárias para a resolução de con-
paredes duplicadas, evidenciando que o segredo é uma das formas estratégicas do poder flitos sociais, de utilização das Forças Armadas para os mais diversos fins –, o presente
político. Corpos desaparecidos, que envolvem ações das forças policiais, as quais mobili- dossiê visa lançar um pouco de luz acerca do horror, do segredo e do abominável que
zam técnicas de fazer sumir, parte integrante de uma ampla maquinaria de produção de marcam as dinâmicas de funcionamento de distintos aparelhos estatais.
morte. Sujeitos que, ao mobilizarem a greve de fome como estratégia política na luta por
direitos, evidenciam que, nos tempos atuais, a defesa da morte não só é publicamente Organização: Fábio Mallart e Luís Brasilino.
Bajo las matas passou a ocupar grande espaço nos se depararam com uma viatura da po- vítimas foram confundidos com “car-
En los pajonales jornais”. Em seguida, defendeu que, lícia. Os policiais dispararam 111 tiros ros de bandidos”. Afinal, é assim que
Sobre los puentes “enquanto o Estado não tiver coragem e mataram os cinco jovens dentro do se lida com “bandidos”, com oitenta ou
En los canales de adotar a pena de morte, o crime de carro. Coincidentemente, 111 é o nú- 111 tiros. Ou mirando e atirando na
Hay Cadáveres extermínio, no meu entender, será mero de presos mortos no massacre cabecinha, como propôs o governador
Néstor Perlongher muito bem-vindo. Se não houver es- do Carandiru. do Rio de Janeiro, Wilson Witzel. E, se
paço para ele na Bahia, pode ir para o No dia 7 de abril de 2019, outra do- não eram bandidos, poderiam ser, afi-
Rio de Janeiro. Se depender de mim, se de terror de Estado veio com a notí- nal são pretos, pobres, moradores de
o Brasil atual, dos tempos de terão todo o meu apoio”. cia de que o carro de uma família ne- favelas. Estariam, portanto, segundo
dores de como o trabalho de “fazer de- núncia seja levada adiante, mas isso não Roque de Melo, Ewerton Marinho e Ri- portão e levou um susto ao se deparar
saparecer” funcionava. A certeza da significa que essa tecnologia de poder ta de Cássia desapareceram após uma com uma ossada espalhada diante de
impunidade, garantida pela Lei de não esteja em vigor. “Fazer sumir” se- abordagem policial quando voltavam sua casa. Deu um grito, fechou o por-
Anistia, permitiu que agentes da re- gue sendo uma realidade nas quebra- de um pagode no bairro Grande Vitó- tão e ligou para os vizinhos para pedir
pressão se sentissem à vontade para das e periferias da cidade e do campo, ria, zona leste de Manaus. No estado que alguém olhasse de suas janelas pa-
relatar com uma sinceridade obscena bem como no interior de instituições de Goiás, uma CPI chegou a ser insta- ra o portão de sua casa. Os vizinhos
os horrores que cometeram. Um des- estatais como os presídios. Alguns pou- lada para investigar o desaparecimen- olharam e disseram a ela que havia
ses agentes é Cláudio Guerra, ex-dele- cos casos de desaparecimento forçado to de 41 pessoas após abordagens poli- uma ossada ali, mas nenhuma pessoa
gado da Polícia Civil e agora pastor. No pós-ditadura se tornaram emblemáti- ciais, e um relatório do Mecanismo por perto. Maria interrompeu a con-
filme Pastor Cláudio, ele dá detalhes de cos, outras centenas permanecem invi- Nacional de Prevenção e Combate à versa comigo para pegar uma foto e
sua atuação. Com uma Bíblia na mão, síveis e desconhecidas. Um dos casos Tortura ressalta a possibilidade de 79 me mostrar a ossada, sobre um saco
ele conta que foi convidado a compor a que teve grande repercussão, inclusive pessoas terem sido vítimas de desapa- preto, que havia sido colocada em sua
Operação Radar, que executou deze- internacional, foi o Caso Acari, quando recimento forçado após as rebeliões porta. Junto com a ossada havia um
nove militantes do Partido Comunista onze jovens moradores da favela de que ocorreram em 2017 nos presídios bilhete de milicianos informando que
Brasileiro. Inicialmente sua missão era Acari foram sequestrados por um grupo de Roraima e Rio Grande do Norte. já haviam matado algumas pessoas
matar pessoas envolvidas na militân- de extermínio denominado Cavalos Segundo revelou o Anuário Brasi- na região e que agora eram eles que
cia contra o regime militar. Depois, sua Corredores, formado por policiais mili- leiro de Segurança Pública de 2018, o mandavam ali. A motivação que Ma-
função passou a ser a de queimar cor- tares integrantes do 9º Batalhão de Ro- Brasil encerrou 2017 tendo 82.684 bo- ria encontra para explicar a morte do
pos de pessoas torturadas e mortas. cha Miranda. Os jovens viajaram para letins de ocorrência registrando o de- filho seria o interesse de milicianos
Para isso, levava os corpos a uma usina um sítio em Magé para fugir de uma ex- saparecimento de pessoas. As causas por um pedaço de terra que ele pos-
de cana-de-açúcar localizada em torsão dos policiais, mas foram captu- e circunstâncias dos desaparecimen- suía. Com uma ossada nas mãos, Ma-
Campos, onde os corpos eram incine- rados e seus corpos jamais apareceram. tos são diversas, mas há motivos sufi- ria teria agora de fazer o exame de
rados. Segundo seu próprio depoimen- As versões que circularam sobre o caso cientes, como os já assinalados ante- DNA para identificar se os restos mor-
to, ele foi responsável por incinerar os indicavam que os corpos dos jovens te- riormente, para considerar que é tais eram mesmo de seu filho. O resul-
corpos de João Batista Rita, Joaquim riam sido oferecidos a leões e porcos. O possível e provável que uma parte tado do exame deu positivo. Quando
Pires Cerveira, Ana Rosa Kucinski, Da- caso chegou ao conhecimento público considerável desses registros corres- finalmente conseguiu o atestado de
vi Capistrano, João Massena, Fernan- graças à incansável luta das Mães de ponda a casos de desaparecimento óbito para levar ao IML, foi informada
do Augusto Santa Cruz, Eduardo Col- Acari, como ficaram conhecidas as forçado, como o que relatarei a seguir. de que seu filho tinha sido enterrado
lier Filho, José Roman, Luiz Ignácio mães dos jovens desaparecidos. Tomei conhecimento deste caso pes- como indigente porque havia muitos
Maranhão, Armando Teixeira Frutuo- Em 2008, a engenheira Patrícia quisando os registros de ocorrência cadáveres e pouco espaço no IML. So-
so e Thomaz Antônio Meirelles. Em sua Amieiro desapareceu após seu carro de pessoas desaparecidas no Rio de mente após um ano do exame de DNA,
fala, ele não expõe nenhum sentimen- ser baleado por policiais e jogado no Janeiro e tive a oportunidade de en- Maria conseguiu identificar o túmulo
to de culpa, porque estava apenas Canal de Marapendi. Seu corpo jamais trevistar a mãe do jovem em questão. onde seu filho fora enterrado como in-
cumprindo ordens. Conta também foi encontrado. No dia 14 de julho de Maria, nome fictício, mora em digente. A identificação aconteceu no
que ganhou muito dinheiro dos em- 2013, o pedreiro Amarildo, morador da Campo Grande, zona oeste do Rio de dia em que ele faria aniversário.
presários que patrocinaram as ações e Rocinha, desapareceu após uma abor- Janeiro, área com forte atuação de mi- Como no poema de Néstor Per-
que, mesmo após o fim do regime, os dagem de policiais lotados na Unidade lícias. Seu filho tinha 28 anos quando, longher, citado na epígrafe e que se re-
agentes envolvidos na repressão conti- de Polícia Pacificadora da Rocinha. Em num dia de abril de 2010, saiu para tra- fere aos cadáveres desaparecidos du-
nuaram a fazer o que faziam – torturar Queimados, Baixada Fluminense, Fá- balhar e não mais retornou. Na delega- rante a ditadura argentina, por aqui
e fazer desaparecer pessoas –, agora bio, filho de Izildete, e seu amigo Ro- cia, ela foi orientada a ir primeiro ao lo- também há cadáveres por toda parte.
prestando serviço para bicheiros e em- drigo desapareceram após uma “dura” cal de trabalho do filho para averiguar As cidades têm se tornado um imenso
presários. Por que há tantos desapare- da polícia e jamais foram encontrados. se conseguia alguma informação. Não necrotério.
cidos hoje? Ele se pergunta e ele mes- Essa, porém, não é uma realidade obtendo êxito, fez o registro de ocor-
mo responde: porque a técnica do apenas do Rio de Janeiro. Na Bahia, rência de desaparecimento e as buscas *Fábio Araújo é sociólogo e professor do
desaparecimento inventada para su- Rute Fiuza vem denunciando o desa- continuaram em lixeiras, lugares de Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ).
mir com os corpos dos presos políticos parecimento do filho, Davi Fiuza, que desova, valões de esgoto, rios. A cada
continua a ser empregada contra os saiu para comprar pão, foi abordado indício ou vestígio que pudesse indicar 1 Marcelo Semer, “A morte como política”, Revista
novos inimigos, produzidos agora pela numa operação da Polícia Militar e a localização de seu filho, lá estava Ma- Cult, 18 mar. 2019.
ideologia da segurança pública. nunca mais apareceu. Dezessete poli- ria. Certo dia, de madrugada, alguém 2 Adriana Vianna, “Políticas da morte e seus fantas-
mas”, Le Monde Diplomatique Brasil, mar. 2019.
O medo de morrer é um obstáculo ciais foram indiciados no inquérito da bateu com força em seu portão e ela 3 Achille Mbembe, Políticas da inimizade, Antígona
difícil de ser superado para que a de- Polícia Civil. Em Manaus, Alex Júlio acordou assustada. Ela correu, abriu o Editores Refractários, Lisboa, 2017.
24 Le Monde Diplomatique Brasil MAIO 2019
BRUMADINHO E MARIANA
ão foi uma onda, e sim um tsu- imensa bandeira: “Mulheres trabalha- cluindo pequenos centros urbanos do do da greve feminista do 8 de Março, o
zada, não sexista, anticolonial e laica”; movimento estudantil e às temáticas feminista, celebra os progressos gi- aumenta seu descrédito. Diversas sei-
o reconhecimento da autodetermina- de luta contra o abuso sexual no interior gantescos obtidos em alguns meses. tas evangélicas, porém, crescem nos
ção dos povos autóctones caminha das universidades”, sublinha Daniela As dificuldades permanecem, relem- bairros, sem necessariamente haver
junto à demanda por aborto “livre, le- Catrileo, jovem poeta de origem mapu- bra ela, principalmente na tarefa de extremismos (duas pastoras, inclusive,
gal, seguro e gratuito” e pelo “fim da che e integrante do coletivo descolonia- chegar aos numerosos bairros desas- participaram dos encontros feminis-
violência política, sexual e econômica lista Rangiñtulewfü. Sem se preocupar sistidos de Santiago (as poblaciones), tas). Alguns pequenos grupos ultra-
contra as mulheres”. com conciliação, ela acrescenta: “As junto aos imigrantes ou ainda aos tra- conservadores investem regularmente
mulheres que sofrem opressão de raça, balhadores da base da pirâmide – pois – e de modo violento – contra feminis-
SOLUÇÃO REAL CONTRA A EXTREMA DIREITA as demandas do povo mapuche e o co- a imagem de feministas principal- tas, lésbicas e transgêneros. Ao mesmo
De acordo com os números oficiais, lonialismo interno não eram visíveis o mente brancas e oriundas das classes tempo, as recomposições políticas fa-
quase um terço das chilenas sofreu suficiente ou levados em conta. Tam- médias se cola à imagem do movimen- voreceram a emergência midiática e
violência sexual ao menos uma vez ao bém criticamos o chamado de uma to, suscitando algumas reticências. eleitoral de personalidades de extrema
longo da vida. E a Rede Chilena pelo ‘greve’ feminista, porque essa palavra “Contudo, avançamos muito no senti- direita, como o deputado José Antonio
Fim da Violência contra a Mulher de- de ordem, vinda do Norte e principal- do de melhorar a integração da luta fe- Kast (Ação Republicana), que denun-
nuncia, há anos, a morte de uma mu- mente dos movimentos europeus, pode minista em várias poblaciones e al- cia a “ideologia de gênero”. Opositor
lher por semana, em média, por es- excluir muitas mulheres trabalhadoras guns sindicatos, sobretudo em setores ferrenho ao aborto e a todas as mulhe-
pancamento de um homem (sem que precárias ou imigrantes”. onde há uma grande presença femini- res que ele qualifica como “feministas
isso seja sistematicamente considera- Carillo responde a essas objeções: na (educação, saúde, administração). de papelão”, Kast exalta a “verdadeira
do feminicídio pela lei).7 Para as mili- “Promovemos uma greve em quatro O objetivo da Coordenação é precisa- mulher chilena”, católica, nacionalista
tantes, essa violência contra o corpo formas possíveis: no local de trabalho, mente chegar a uma aproximação que e do lar.
das mulheres é consubstancial à vio- se a situação das assalariadas assim toque o conjunto das mulheres, que
lência do modelo capitalista neolibe- permitisse; greve dos cuidados e do olhe atentamente tanto para as mu- *Franck Gaudichaud é mestre de conferên-
ral. Rejeitando um feminismo elitista e trabalho não remunerado nos domicí- lheres dos setores populares e imi- cias em História Latino-Americana na Uni-
liberal, Carillo e suas companheiras se lios das mulheres; interrupção do con- grantes quanto para as das chamadas versidade de Grenoble-Alpes e presidente da
lembram incessantemente da inter- sumo; e, por fim, a manifestação no classes médias, mas que no Chile neo- associação França América Latina. Notada-
seccionalidade entre dominação de espaço público”. liberal são, na realidade – especial- mente, coordenou a obra Chili actuel. Gouver-
gênero, raça e classe – na contramão Essa última modalidade foi o cora- mente as jovens –, diplomadas, mas ner et résister dans une société néolibérale
do governo e das políticas em vigor. De ção da jornada do 8 de Março. No âm- endividadas até o pescoço.” [Chile atual. Governar e resistir em uma socie-
fato, as mulheres sofrem a maior des- bito sindical, o fato de a principal orga- Apesar de algumas dessintonias, dade neoliberal], L’Harmattan, Paris, 2016.
vantagem no ultracapitalismo andino. nização nacional, a Central Unitária essa primeira greve feminista foi vivi-
Em um país onde a semana legal de dos Trabalhadores (CUT), não ter da como um imenso passo adiante, e a
trabalho é de 45 horas e 70% dos assa- apoiado o chamado feminista dificul- Coordenação pretende seguir com a
lariados ganham menos de 730 euros tou a ampliação do movimento. A CUT, empreitada: completar o programa
por mês, elas recebem salários cerca contudo, é presidida por uma mulher, a fundador, colocando-o novamente
de 30% inferiores em relação aos dos dirigente comunista Bárbara Figueroa em debate; reforçar o trabalho unitá- 1 A IVG é autorizada apenas em caso de estupro, de
homens.8 No acesso à saúde, elas so- – mas a direção da organização ainda rio, do extremo norte do país à Patagô- perigo imediato para a mãe ou de não viabilidade
do feto.
frem discriminação das empresas de tem dificuldade em acompanhar aqui- nia e também fora do Chile. Meta afi- 2 Ler “Um empreendedor multimilionário no alto pos-
seguro privado por potencial gravidez, lo que não controla. Apesar de tudo, xada: criar pontos mais sólidos em to do Chile”, La Valise Diplomatique, 19 jan. 2010.
considerada um “risco”. O mesmo em algumas cidades, como a portuária direção às imigrantes, idosas e mino- Disponível em: <www.monde-diplomatique.fr>.
3 Ler Hervé Kempf, “Au Chili, le printemps des étu-
acontece em relação às aposentado- Valparaíso, as organizações sindicais rias, como as detentas. De acordo com diants” [No Chile, a primavera dos estudantes], Le
rias, integralmente nas mãos de fun- mais combativas marcaram presença, Carillo, “trata-se de mostrar que o fe- Monde Diplomatique, out. 2011.
dos de pensão desde os anos 1980 (im- o que por sua vez suscitou uma forte re- minismo é uma solução real, particu- 4 Nicole Forstenzer. Politiques de genre et féminis-
me dans le Chili de la postdictature, 1990-2010
pulsionados por José Piñera, irmão do pressão policial. Outras organizações larmente em um momento de escala- [Políticas de gênero e feminismo no Chile da pós-
atual presidente, ex-ministro do Tra- de assalariadas do poder público, co- da da extrema direita e de correntes -ditadura, 1990-2010], L’Harmattan, Paris, 2012.
balho da ditadura). mo o Colégio dos Professores e a Con- reacionárias em toda a região”. 5 Instituto Nacional de Estatísticas do Chile, Santia-
go, out.-dez. 2017.
Ainda assim, a Coordenação en- federação Nacional de Saúde Munici- No Chile, as pesquisas demons- 6 Disponível em: <http://cf8m.cl/encuentros>.
frenta diversas críticas, tanto internas pal, também se engajaram. tram que a Igreja Católica continua a 7 Disponível em: <www.nomasviolenciacontramu-
quanto externas, que ameaçam sua Ao comentar o êxito da jornada do perder terreno, e a multiplicação em jeres.cl>.
8 “Los verdaderos sueldos de Chile” [Os verdadei-
vontade de unidade. “O movimento fe- 8 de Março, Karina Nohales, especia- seu seio de escândalos de pedofilia, ros salários do Chile], Fundación SOL, Santiago,
minista hegemônico é muito ligado ao lista em direito trabalhista e militante acobertados pela hierarquia da Igreja, 2018. Disponível em: <www.fundacionsol.cl>.
28 Le Monde Diplomatique Brasil MAIO 2019
A POLÍTICA DESPOLITIZADA
Na era do Estado-empresa
Uma ideia preconcebida sugere que, nas campanhas eleitorais, os liberais se opõem aos populistas. Dois homens
simbolizam esse antagonismo: Emmanuel Macron e Donald Trump. Entretanto, para além de suas divergências,
frequentemente teatralizadas, os dois personagens encarnam o mesmo projeto de inspeção da política pelo gerenciamento
POR PIERRE MUSSO*
ministração e à gestão, e, de outro, à quinas é afirmar que os homens final- empresa. Neste momento, políticos
politização da empresa, que expande mente se tornaram programáveis. Em antipolíticos de fato conduzem uma
sua esfera de poder muito além de sua 1948, o padre dominicano Dominique revolução passiva (Antonio Gramsci),
atividade tradicional de produção. Dubarle escreveu sobre a cibernética: isto é, uma revolução-restauração vol-
Para entender o que está aconte- “Podemos sonhar com um tempo em tada a reformar para melhor preser-
cendo, é necessário colocar em pers- que uma máquina de governar viria var. Eles fazem isso dirigindo a crítica
pectiva histórica o advento dos presi- suprir a [...] hoje patente insuficiência do político contra ele mesmo. A despo- O olhar da cidadania
dentes-empresários, a fim de detectar das mentes e dos aparelhos habituais litização do político e a neutralização
aí a profunda mudança na política. Só da política”.10 O que o padre Dubarle do Estado abrem caminho para a poli-
a genealogia permite passar do pre- imaginou ser um leviatã cibernético tização da empresa, até mesmo para
sente da política ao lento trabalho do no âmbito do Estado tende a se reali- uma “corpocracia”. Segundo o soció-
político. O tempo institucional do Es- zar em nossos dias na forma do grande logo Colin Crouch, é “o avanço da pós-
tado-empresa faz um eco distante pa-
ra o Estado-Igreja da Idade Média. O
grupo, em especial o Google, a Ama-
zon, o Facebook, a Apple e a Microsoft.
-democracia que serve de base para o
poder político crescente adquirido pe- Na luta
Estado e a empresa representam, aliás, Esse seria até mesmo o projeto político las empresas”.16 É bem por isso que
“dois produtos derivados” nos séculos do Vale do Silício, como resumiu o jor- uma repolitização do político só pode-
XII-XIII da mesma matriz institucio-
nal: a Igreja.5 Desde então, historica-
nalista Philippe Vion-Dury: “O que é
proposto nesse caldeirão de ideias rá-
rá se dar por meio de uma extensão da
cidadania para além da esfera pública, pela
mente, três formas principais foram pidas californiano é uma sociedade especialmente na empresa.
observadas nas metamorfoses do Es- baseada no piloto automático, autor-
tado: primeiro, o Estado-Igreja oriun- regulável graças a dispositivos algorít- *Pierre Musso é professor do Instituto de
do da Revolução Gregoriana (séculos
XI-XII), separando e hierarquizando o
micos”.11 Um dos gurus do Vale do Silí-
cio, Tim O’Reilly, anuncia que o tempo
Estudos Avançados de Nantes, França. Autor
do livro Le Temps de l’État-entreprise. Berlus-
construção
poder espiritual do papa e o poder da “regulação algorítmica” chegou e coni, Trump, Macron [O tempo do Estado-
temporal do imperador; depois, o Es- que o governo tem de “entrar na era do -empresa. Berlusconi, Trump, Macron], Fa-
tado soberano, associado às revolu-
ções dos séculos XVI e XVII, à Reforma
big data”.12
A tecnicização do político leva à
yard, Paris, 2019. de uma
Alemã e à Revolução Inglesa; e, final- neutralização e à despolitização do Es-
1 “Andrej Babiš: ‘L’Europe à deux vitesses, ça me fait
mente, o Estado-empresa, produto das tado pela grande empresa, que o desar- rigoler’” [Andrej Babiš: “A Europa em duas veloci-
revoluções industriais e gerenciais dos
séculos XIX e XX.
ma, como ele mesmo fez com a Igreja.
Na encruzilhada de cibernética, gestão
dades, isso me faz rir”], Le Monde, 6 dez. 2017;
declarações de Erdogan relatadas pelo cientista
sociedade
político turco Ismet Akça, France 24, 14 jul. 2018.
No final do século XIX, e em parti- e liberalismo, o Estado-empresa se im- 2 Ler François Denord e Paul Lagneau-Ymonet, “Les
cular com a “revolução gerencial”, a pôs após a queda do Muro de Berlim, vieux habits de l’homme neuf” [Os velhos hábitos do
grande empresa estendeu sua esfera
de atividade e entrou no campo políti-
que marcou o apogeu das críticas ao
estatismo. Desde então, ele se desen-
novo homem], Le Monde Diplomatique, mar. 2017.
3 Lucien Sfez, La Symbolique politique [A política
simbólica], Presses Universitaires de France, Pa-
mais justa,
co para ali conquistar a hegemonia volveu combinando três dimensões: ris, 1988.
cultural, como o poder público havia tecnológica, em favor da governança 4 Michel Foucault, Naissance de la biopolitique.
Cours au Collège de France, 1978-1979 [Nasci-
submetido o campo teológico-religio-
so para chegar à soberania. O Estado,
por números e da governamentalidade
algorítmica;13 neogerencial, em nome
mento da biopolítica. Curso no Collège de France,
1978-1979], Ehess-Gallimard-Seuil, Paris, 2004.
solidária e
que em sua origem havia se beneficia- da ação eficaz; e neoliberal, enfatizan- 5 Pierre Legendre, Argumenta & Dogmatica, Mille et
une Nuits, Paris, 2012.
do da sacralidade da Igreja, viu-se por do a fobia do Estado, na continuidade 6 Thorstein Veblen, The Theory of Business Enter-
sua vez dessacralizado e reduzido a
um simples aparelho técnico-admi-
dos trabalhos de Friedrich Hayek, da
sociedade de Mont-Pèlerin e da Escola
prise [A teoria da empresa de negócios], C. Scrib-
ner’s Sounds, Nova York, 1904.
7 Vincent Descombes, Les Institutions du sens [As
sustentável.
nistrativo. O sociólogo Thorstein Ve- de Chicago. Hayek já convidava a “des- instituições do significado], Les Éditions de Minuit,
blen considera desde o início do século tronar a política” em nome da chama- Paris, 1996.
XX a empresa como instituição econô- da ordem “espontânea” do mercado: “A 8 Ulrich Beck, The Reinvention of Politics: Rethinking
Modernity in the Global Social Order [A reinvenção
mica cardeal do capitalismo.6 Mas es- política assumiu um lugar importante da política: repensando a modernidade na ordem
sas duas instituições, Estado e empre- demais, tornou-se muito onerosa e social global], Polity Press, Cambridge, 1997.
sa, não são apenas poderes econômicos prejudicial, absorvendo muita energia 9 Ernest Renan, L’Avenir de la science: pensées de
1848 [O futuro da ciência: pensamentos de 1848],
e técnicos, mas também poderes cul- mental e recursos materiais”14 – o que Calmann-Lévy, Paris, 1890. Quartas, às 17h,
turais e sociais. “As instituições”, lem- só poderia coroar a empresa. Fundador 10 Dominique Dubarle, “Une nouvelle science: la Rádio USP (São Paulo: 93,7 FM
bra o filósofo Vincent Descombes, “são do Grupo de Bilderberg e da Comissão cybernétique. Vers la machine à gouverner” [Uma
nova ciência: a cibernética. Rumo à máquina de Ribeirão Preto: 107,9 FM)
maneiras de pensar tanto quanto ma- Trilateral, David Rockefeller constata- governar], Le Monde, 28 dez. 1948.
neiras de agir.”7 É por isso que, com a va em 1999: “Nos últimos anos tem 11 Philippe Vion-Dury, La Nouvelle Servitude volon-
intensificação das revoluções indus- havido uma tendência à democracia e taire. Enquête sur le projet politique de la Silicon
Valley [A nova servidão voluntária. Investigação
Quartas, à meia-noite
triais, a produção intelectual das so- à economia de mercado em muitas sobre o projeto político do Vale do Silício], FYP TV Aberta SP, canais 9 da NET, 8 da
ciedades foi mudando de uma institui- partes do mundo. Isso reduziu o papel Éditions, Limoges, 2016.
12 Tim O’Reilly, “Open data and algorithmic regula- Vivo Fibra e 186 da Vivo.
ção para outra: “A constelação política dos governos, algo a que os homens de
tion” [Dados abertos e regulação algorítmica]. In:
das sociedades industriais tornou-se negócios são favoráveis [...]. Mas o ou- Open Data and the Future of Civic Innovation [Da-
apolítica, enquanto o que era apolítico tro lado da moeda é que alguém tem dos abertos e o futuro da inovação cívica]. Disponí-
no industrialismo se tornou político”, de tomar o lugar dos governos, e o bu- vel em: <https://beyondtransparency.org>.
13 Ler Alain Supiot, “Le rêve de l’harmonie par le cal-
resume o sociólogo Ulrich Beck.8 siness parece-me a entidade lógica pa- cul” [O sonho da harmonia pelo cálculo], Le Mon-
Após a Segunda Guerra Mundial, ra fazê-lo”.15 de Diplomatique, fev. 2015; Antoinette Rouvroy e
para evitar novos erros criminosos e Numa época de hiperindustriali- Thomas Berns, “Gouvernementalité algorithmique
et perspectives d’émancipation” [Governamentali- observatorio3setor
catastróficos por parte dos líderes po- zação e da visão de mundo que lhe é dade algorítmica e perspectivas de emancipação],
líticos, a cibernética e o gerenciamen- associada, ou seja, uma verdadeira re- Réseaux, n.177, Paris, 2013.
to convergiram para defender o proje- ligião industrial, a corporação tende a 14 Friedrich Hayek, Droit, législation et liberté, partie 3
to de um poder autômato, ainda mais se tornar o novo poder político-cultu-
[Direito, legislação e liberdade, parte 3], Presses observatorio3setor
Universitaires de France, 2013 (1. ed.: 1979).
“eficaz”. Hoje, a humanidade seria “or- ral. O advento do Estado-empresa é a 15 David Rockefeller, “Looking for a new leadership”
ganizada cientificamente”, como fissão da política. É por isso que o siste- [Em busca de uma nova liderança], Newsweek In-
ternational, Nova York, 1º fev. 1999. www. observatorio3setor.org.br
anunciou em 1848 o jovem Ernest Re- ma político produz sua própria negati- 16 Colin Crouch, Post-démocratie [Pós-democracia],
nan.9 Governar sociedades como má- vidade ao se descentralizar rumo à Diaphanes, Zurique-Berlim, 2005.
30 Le Monde Diplomatique Brasil MAIO 2019
O FIASCO DO RUSSIAGATE
relatório do promotor especial Esse caso, aliás, terá gasto tempo e clear do Irã. Alguns previam que, após retirar seus soldados estacionados
deixar o emprego para aumentar sua dades de acesso a serviços médicos, O desejo de independência tinha cres- que estuda em Pequim há dois. “Estou
renda em 25% é considerado preten- censura, poluição... Muitos preferem cido em reação à política pró-China do comprometida com a democracia que
sioso. Na China, se um candidato não voltar, mesmo para ganhar menos”. ex-presidente Ma Ying-jeou”. reina em Taiwan. Aqui, quando somos
negociar seu salário, considera-se que Não há com que se preocupar, en- Em 2014, a intensificação do co- taiwaneses, eles constantemente nos
ele não tem autoconfiança e não é tão. Especialmente tendo em vista mércio entre a China e Taiwan tinha pressionam a dizer que somos chine-
competente”, assegura Bonnie Cheng, que, de acordo com Wu Chih-chung, causado um renascimento do senti- ses. Os usuários da internet passam
estabelecida em Xangai há seis meses. “a fuga de cérebros não é um fenôme- mento antichinês e um forte movi- por cima de tudo que pareça antipa-
Após seus estudos, essa taiwanesa de no novo, e a primeira escolha nunca é mento de protesto, conhecido como o triótico. Paradoxalmente, isso me dis-
25 anos preferiu tentar a sorte aqui; ela a China”. Uma pesquisa realizada pela “movimento dos girassóis”.7 Mas, de tancia ainda mais da ideia de que sou
encontrou um emprego em menos de revista taiwanesa Business Weekly (4 acordo com Lepesant, essa admiração chinesa.”
duas semanas. No entanto, está relu- abr. 2016) confirma o que ele diz: se pela causa separatista caiu depois da
tante em permanecer por um longo eles pudessem escolher, o destino fa- eleição de Tsai, menos conciliatória *Alice Herait é jornalista.
tempo, argumentando de forma edu- vorito dos jovens seria o Japão, seguido com Pequim. A maioria dos taiwane-
cada que gosta moderadamente dos de longe por países ocidentais (Esta- ses não apoia a reunificação nem a in-
“usos e costumes dos chineses”, que dos Unidos e Europa) e por Cingapura. dependência, e sim a manutenção pa-
ela considera muito “materialistas”. Só então aparece a China continental. cífica do statu quo. “Eles se consideram 1 “Speech delivered by Xi Jinping at the first session
of the 13th NPC” [Discurso de Xi Jinping na primei-
Para Tanguy Lepesant, pesquisa- Embora ainda seja cedo demais ao mesmo tempo chineses e taiwane- ra sessão do 13º CNP], Xinhua, 21 mar. 2018.
dor especialista da juventude taiwane- para medir o impacto dos 31 incenti- ses; ‘chineses’ no sentido de que per- 2 Ler Tanguy Lepesant, “Taïwan en quête de souverai-
sa associado ao Centro de Estudos vos de Xi, Lepesant acha pouco prová- tencem não à nação chinesa, mas a um neté économique” [Taiwan em busca de soberania
econômica], Le Monde Diplomatique, maio 2016.
Franceses sobre a China Contemporâ- vel que eles permitam conquistar o co- espaço da civilização chinês. Os 3% 3 “China-Taïwan tensions drive military exercises”
nea (CEFC), é acima de tudo a pers- ração dos taiwaneses: “Estudos que afirmam pertencer à nação chine- [Tensão entre China e Taiwan impulsiona exercí-
pectiva de uma carreira estimulante mostram um ligeiro declínio no apoio sa são geralmente idosos, que culti- cios militares], Jane’s Intelligence Review, Lon-
dres, 2018.
que atrai os taiwaneses do outro lado à independência. Em 2016, 22,9% dos vam um sentimento de nostalgia.” 4 O nome das pessoas que deram testemunhos foi
do estreito: “Os jovens aproveitam a entrevistados disseram que queriam A experiência da China entre os jo- modificado a pedido delas.
oportunidade, porque sofrem com as independência imediata ou a termo, vens, que tradicionalmente se sentem 5 A França reconhece a política de “uma só China”;
Taipei não dispõe ali de uma embaixada, mas de
condições de trabalho difíceis, os salá- em comparação com 20,3% em 2018.6 mais taiwaneses que os mais velhos, um escritório de representação.
rios por demais baixos e os aluguéis A imprensa chinesa se felicita por isso. ao que parece poderia ter um efeito 6 “Changes in the Taïwanese/Chinese identity of Taï-
muito altos em Taiwan. Mas aqueles No entanto, esse declínio não resulta oposto àquele buscado pelo presidente wanese” [Mudanças na identidade taiwanesa/chi-
nesa dos taiwaneses], Universidade Nacional de
que optam por sair sofrem um declí- da política de sedução de Xi. Trata-se Xi: “Eu não me sinto mais chinesa que Chengchi, Taipei, 30 jan. 2019.
nio em sua qualidade de vida. Dificul- de uma espécie de retorno ao normal. antes”, diz Jenny Wang, de 24 anos, 7 Ler Tanguy Lepesant, op. cit.
Ministério da Cidadania
e Secretaria Especial de Cultura, 30 de maio a 12 de junho . 2019
Governo do Estado de São Paulo,
Secretaria de Cultura e Economia Criativa
e Ecofalante apresentam
CORREALIZAÇÃO REALIZAÇÃO
34 Le Monde Diplomatique Brasil MAIO 2019
L
ondres, 9 de novembro de 2016. A verno. Lenín Moreno, prestes a ser em- brir a verdadeira face das “guerras lim-
alvorada apenas começa a des- possado presidente no lugar de Rafael pas” lideradas pelos Estados Unidos no
pontar, e o australiano de 45 anos Correa, recusou-se a falar com Assan- Oriente Médio desde 2001 – conflitos
e 1,88 metro de altura trabalha, ge. E o WikiLeaks acaba de tornar pú- que até então haviam majoritariamen-
debruçado em seu computador. No blico o arsenal digital da CIA, desati- te apoiado. As provas de milhares de
andar térreo de um prédio de tijolos, vando de fato todas as armas usadas crimes de guerra e contra a humanida-
acariciando sua barba oblonga e seu pela agência para hackear seus alvos. de publicadas nos meses seguintes pe-
cabelo branco, ele sabe que, como to- O governo Trump, furioso, finalmente lo WikiLeaks nos Afghanistan War Logs
dos os dias há quatro anos, está cerca- entende que tem um dissidente diante e Iraq War Logs, em parceria com os
do por cinquenta policiais e por um de si, e não o aliado que acreditava que mais prestigiados jornais ocidentais,
número desconhecido de agentes de poderia absorver. levaram Assange ao auge de um espa-
inteligência que o observam, prontos Em 2006, quando Assange criou ço midiático em crise.
para intervir ao menor movimento. sua obra radical, batizada de Wi-
Nessa manhã, Donald Trump foi elei- kiLeaks, ele já era uma figura impor- “SANGUE NAS MÃOS”
to o 45º presidente dos Estados Uni- tante no mundo dos hackers. Mas Enquanto uma infinidade de orga-
dos. Uma leve incerteza parece tomar ninguém esperava que aquele ho- nizações concedia prêmios ao Wi-
conta do mundo. Os arredores da Em- mem de rosto ainda jovem fosse pro- kiLeaks, da Anistia Internacional à Ti-
baixada do Equador mostram a mes- vocar os maiores vazamentos da his- me, passando pela The Economist e
ma agitação de sempre, em seu coti- tória, mergulhando seus leitores nas pelo Le Monde, o site iniciou a publica-
diano inalterado. intrigas das embaixadas do Oriente ção de dezenas de milhares de relató-
Alguns meses antes, no meio do ve- Médio, na intimidade do regime de rios de guerra e em seguida de 243.270
rão, Julian Assange havia despistado Bashar al-Assad e nos jogos oligár- comunicações diplomáticas norte-a-
seus carcereiros e publicado, bem de- quicos das capitais africanas, isso mericanas. Os documentos revelaram
baixo do nariz da maior potência sem falar da corrupção endogâmica a extensão da corrupção dos regimes
mundial, milhares de e-mails revelan- da alta sociedade norte-americana e árabes próximos aos Estados Unidos,
do como a direção do Partido Demo- das relações do Serviço Federal de sendo brandidos por manifestantes
© Caio Borges
crata manipulou suas primárias a fim Segurança da Rússia (FSB) com seus tunisianos poucos dias antes da que-
de favorecer Hillary Clinton em detri- contratados. Do manual de cientolo- da de Zine al-Abidine ben Ali, em 2011.
mento de seu concorrente de esquerda gia ao funcionamento de um grande Hillary Clinton, então secretária de
Bernie Sanders. O homem mais vigia- banco suíço, passando pelas regras Estado do presidente Barack Obama,
do do mundo, preso nos estreitos cor- internas da prisão de Guantánamo, as teve de fazer uma série de pedidos de
redores do velho apartamento que ser- primeiras publicações do WikiLeaks desculpas aos aliados dos Estados
ve de embaixada para a República do provocaram diversos tumultos e leva- Unidos. Pesquisadores universitários
Equador, conseguiu burlar a vigilância ram o Departamento de Defesa dos e jornalistas do mundo todo correram
O Departamento
de todos os seus inimigos. Num piscar Estados Unidos a realizar uma inves- para os arquivos a fim de explicar re-
de olhos, seu destino estava no centro de Estado dos tigação sobre o site, que este conse- troativamente alguns dos principais
do jogo geopolítico global. O refugiado Estados Unidos criou guiu publicar. Grandes práticas ilíci- eventos dos últimos anos. Milhares de
político mais famoso do planeta, per- uma equipe de mais de tas foram reveladas na Islândia; em processos baseados em publicações
seguido por publicar informações 2007, a eleição presidencial do Quênia do WikiLeaks foram levados aos tri-
duzentos diplomatas
comprovadas, dava provas de sua ca- mudou de rumo após a divulgação de bunais. Os jornais parceiros do site
pacidade de não sucumbir. Em feve- encarregados de sufocar um relatório secreto sobre o candida- começaram a ficar preocupados. Eles
reiro de 2016, a ONU, por meio de seu o WikiLeaks to favorito. Mas ainda faltava ao site ficaram confusos com aquele modo
grupo de trabalho ad hoc, condenara o um fato glorioso que pudesse celebri- de funcionamento que ignorava os la-
Reino Unido e a Suécia, julgando arbi- zá-lo para sempre. ços de consanguinidade entre jorna-
trárias as condições de detenção de Em abril de 2010, um vídeo muito listas e suas fontes. Se seguissem
Assange e exigindo sua libertação. Tu- la. A Suécia acaba de retirar o processo singular foi capaz disso. Ele se chama- aquele que era apresentado como o
do parecia caminhar para um final fe- contra seu cliente, suspeito de agres- va Collateral Murder [Assassinato cola- novo Hermes, haveria uma tensão
liz, mas a divulgação dos e-mails de são sexual. Mas o homem que prendeu teral]. Nele, além de comentários que crescente, que acabaria em uma rup-
John Podesta, diretor de campanha de Augusto Pinochet e lutou contra os se- nada acrescentam, podemos acompa- tura definitiva.
Hillary Clinton, provocaria uma onda paratistas bascos, a Al-Qaeda e George nhar em preto e branco o assassinato Em 30 de julho de 2010, aparece-
de choque midiático que tornaria W. Bush sabe que o mais difícil ainda de jornalistas da Reuters pelas forças ram os primeiros artigos acusando As-
inaudível qualquer palavra razoável, a está por vir. A situação do Estado equa- norte-americanas no Iraque. A carnifi- sange de ter “sangue nas mãos”, inclu-
começar pelas conclusões de Barack toriano, cuja renda anual não chega a cina, filmada como se fosse um video- sive em jornais aliados ao site.2 No
Obama favoráveis ao WikiLeaks.1 um sétimo do orçamento militar dos game, com o riso dos assassinos ao mesmo momento em que o Departa-
Dezenove de maio de 2017. Baltasar Estados Unidos, é precária. Anos de fundo, chocou as redações dos jornais mento de Estado dos Estados Unidos
Garzón, diretor da equipe de defesa de resistência à pressão norte-americana ocidentais. Descobrindo-se os alvos, criou uma equipe de mais de duzentos
Assange, deseja prosseguir com caute- corroeram a combatividade de seu go- elas se viram na necessidade de desco- diplomatas encarregados de sufocar o
MAIO 2019 Le Monde Diplomatique Brasil 35
ENTREVISTA
os 51 anos, Marcelo D2 sabe que de frente. Sempre gostei do calor da to, que se alimentam desse discurso. Amar é para os fortes foi um clique na
saindo no soco com todo mundo. A cal neste momento, especialmente no faz é cultura. Não estou desmerecendo ficam pequenas, porque não é só so-
luta física não leva a lugar nenhum. É rap? Você já disse que não gosta de en- a Anitta ou querendo colocar em uma bre droga: é sobre preconceito, privi-
difícil falar isso, porque quando eu ti- tregar os significados das suas músicas balança, mas são coisas totalmente légio e violência. Tudo fica em volta
nha vinte e poucos anos era tudo re- de mão beijada ao público. distintas. Resistência cultural é fazer dessa grande mentira.
solvido na porrada. Mas hoje em dia Sempre gostei de projetos temáti- que a música não fique em uma prate-
vejo diferente. cos, e nesse não foi diferente. A dife- leira, como se estivéssemos em um su- *Guilherme Henrique é jornalista.
38 Le Monde Diplomatique Brasil MAIO 2019
MISCELÂNEA
livros internet
Editores de Arte
CAPA Adriana Fernandes e Daniel Kondo
E, detalhe, quem investe em tecnologia e conheci- 5 Por que não se fala de benesses fiscais
mento, quando se tem uma das maiores taxas de quando o assunto é ajuste econômico?
Coordenador multimídia
Henrique Santana
juros do mercado mundial? Por que será que ser Por Marcelo Lettieri
banqueiro é a melhor “profissão” deste país? A sonegação (in)conveniente Estagiária
Taís Ilhéu
Lúnia Cristina Por Dão Real Pereira dos Santos
Taxa Selic: apropriação privada de nossos impostos Revisão
Por Ladislau Dowbor Lara Milani e Maitê Ribeiro
que vocês têm comprometimento real com o leitor. Por Benoît Duteurtre Assinaturas
Viviane Alves
Agradeço por não aceitarem a disseminação da
mentira e da superficialidade das informações que OFENSIVA CONTRA OS DIREITOS
outros meios de comunicação divulgam todos os
12 SOCIAIS NA FRANÇA
Tradutores desta edição
Carolina M. de Paula, Frank de Oliveira,
Lívia Chede Almendary, Rita Grillo e Wanda Brant
Como minar a capacidade de
dias. É uma verdadeira lavagem cerebral! Tem tele-
resistência dos trabalhadores Conselho Editorial
jornais que, de vinte matérias, inserem em deze- Por Hélène-Yvonne Meynaud Adauto Novaes, Amâncio Friaça, Anna Luiza Salles
nove “a necessidade da aprovação da reforma” – Em nome da igualdade, mais desigualdades Souto, Ariovaldo Ramos, Betty Mindlin, Claudius
Ceccon, Eduardo Fagnani, Heródoto Barbeiro, Igor
uma vergonha, um descaramento. De tanto Por Christiane Marty Fuser, Ivan Giannini, Jacques Pena, Jorge Eduardo S.
mentirem, a necessidade da reforma nos moldes Durão, Jorge Romano, José Luis Goldfarb, Ladislau
Dowbor, Maria Elizabeth Grimberg, Nabil Bonduki,
em que está se tornará uma verdade no subcons- DEBATES NO SEIO DA CENTRAL SINDICAL
16 A CGT na era dos “coletes amarelos”
Raquel Rolnik, Ricardo Musse, Rubens Naves, Sebastião
ciente da sociedade. Povo sem cultura é gado. Salgado, Tania Bacelar de Araújo e Vera da Silva Telles.
Reportagem de Jean-Michel Dumay
Obrigado mais uma vez, Le Monde Diplomatique Assessoria Jurídica
Brasil! Rubens Naves, Santos Jr. Advogados
UNIÃO EUROPEIA
James Meneses 19 Um império à beira do colapso Escritório Comercial Brasília
Por Wolfgang Streeck Marketing 10:José Hevaldo Rabello Mendes Junior
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parte do tempo, sempre foi uma potência econô- 24 No paraíso tributário da mineração,
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UM HERÓI TRANSFORMADO EM
34 HOMEM A SER ABATIDO
Philippe DESCAMPS
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38 ISSN: 1981-7525
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