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A implantação do Diretório
em vila Viçosa Real (CE):
incerteza, colaboração e
negociação indígenas (c. 1759-1762)
Considerações iniciais
1 Ver Informação para a Junta das Missões de Lisboa, 1702 (Leite, 1938—50, voL v : 569-73).
Em 1696, eram 11 mil índios catequizados nas aldeias em todo o estado do Maranhão,
enquanto no centro e sul do Brasil, em 1702, os companheiros de Jesus missionavam mais
de 15.400 índios (: 138).
•ji
Em 1756, a aldeia - situada na atual cidade de Viçosa do Ceará (CE) - contava
ao todo com 632 tapuias (Anacé, Aconguaçu e Reriú) e 5.474 índios Tabajara,
sendo estes falantes da língua geral.2
Ao sétimo dia do mês de julho de 1759, pela manhã, depois de reunida toda
a povoação no centro da aldeia e ao som de altos brados: "Viva o senhor rei d.
José, primeiro de Portugal", estava criada cóm pelourinho levantado — repre-
sentação clara da autonomia municipal - a vila Viçosa Real, antiga aldeia de
Ibiapaba. Com a ilustre presença do representante d'El Rei e juiz executor dos
novos estabelecimentos, o dr. Desembargador Bernardo Coelho da Gama e Cas-
co, e sua comitiva, o antigo reduto cristão governado pelos jesuítas (1700—1759)
seria dali em diante uma "vila de índios" e, como tal, regida com Fazenda e Justiça
"na mesma forma que se praticam nas mais cidades e vilas deste Reino".3
Este texto objetiva demonstrar as estratégias do governador capitão-
-general de Pernambuco Luiz Diogo Lobo da Silva (1756-1763) na implan-
tação do Diretório na vila Viçosa Real, especialmente ao tornar inteligível
a ação de seus colaboradores locais, entre eles o mestre de campo tabajara
d. Felipe de Souza e Castro. Desta forma, pretende-se apontar, até certo ponto,
o imprescindível papel desempenhado por essa liderança nos primeiros anos
de vigência da nova legislação, que, diante das incertezas, buscou tanto quan-
to possível a manutenção de seu estatuto de liderança seja na apropriação
tradicional do termo, seja por sua reconhecida vassalagem real nos meandros
do Antigo Regime.
Ao mesmo tempo que, ao escolher alguns eventos e, em especial, as ações
de algumas personagens, aqui se pretende trazer a lume a experiência excep-
cional de qualquer indivíduo quanto a seu lugar social, seja ele "índio" ou
"não índio", "grande" ou "pequeno", busca-se compreender como algumas di-
ferenças mínimas de comportamentos podem fazer vislumbrar a construção
de uma complexa ordem social, exprimindo de partes diversas não apenas a
inventividade humana em diferentes contextos, mas também a capacidade
individual de julgar, cada um a seu modo, o poder de interferir nas relações
sociais (Revel, 1998).
2 Certidão do número de índios na missão da Ibiapaba passada pelo padre João Brewer, vi-
sitador das missões. 13/2/1756. Arquivo Histórico Ultramarino, Projeto Resgate, Capitania
do Ceará ( A H U - C E ) , CJC 6, doe. 416.
3 Termo porque se erigiu e criou esta Aldeia em vila com título de Vila Viçosa Real. 7/7/1759.
Notas históricas de Viçosa do Ceará extraídas do livro de Câmara local. Biblioteca Nacio-
nal (BN), Rio de Janeiro, 1-28,9,13, fl.2.
Aldeia de Ibiapaba: reduto de vassalos d'EI Rei
Foram reunidas numa só os habitantes de três aldeias, para que os padres pudes-
sem ensiná-los mais facilmente, e esta agora é a maior da região; foi construída
uma grande igreja e uma casa para os Padres, e também as cabanas dos índios
foram distribuídas de tal forma que possamficaro tempo todo sob o olhar dos
padres, ótima decisão para o bom governo dos índios e para que vivam vizinhos
sujeitos, mais quietos e bem controlados. E para que os principais (maiores),
abandonando o governo dos seus, não se rebelassem, a aldeia foi dividida em
partes, e em cada posto (statio) foram dados capitães particulares a quem os
índios, como antes, pertencem; e o que foi feito de bom grado e até agora se
manteve sem aquela perturbação (citado por Pompa, 2003:328).5
4 Gago, Ascenso. Carta anual de 1701 (Leite, 1938—50, voL 111: 63-4). As citações aqui usadas
referem-se apenas às notas com aspas no trabalho de Leite, pois não se teve acesso à ínte-
gra desta importante missiva, depositada no Arquivo da Companhia, em Roma.
5 Carta de João Pereira ao Padre Geral da Companhia de Jesus. 26/6/1702 (Pompa, 2003:328).
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ter sido uma simples imposição dos missionários, grosso modo apresentada
pela historiografia das missões religiosas no Brasil colonial. Nesse caso, tratou-
se de uma negociação, sem dúvida conquistada pelos índios, cujas demandas
foram não apenas apreciadas, como respeitadas pelos missionários.
Além da organização do espaço físico e social da aldeia — que não se res-
tringia ao seu centro do contorno urbano, estendendo-se a algumas léguas
de distância em terras adjacentes —,6 é necessário apontar, mesmo que bre-
vemente, as formas de administração dos jesuítas, que mantinham sob seu
governo um sistema quase autorregulador no aldeamento dos índios.
Na missão nas Serras, os missionários administravam quatro fazendas de
gado: Pitinga, Emboeira, Missão e Tiaia. Todas elas foram compradas ou ob-
tidas por doações de moradores da ribeira do Acaraú e de outras capitanias.
A fazenda de Tiaia era a mais importante e os lucros obtidos com sua fábrica
ampliaram consideravelmente o patrimônio dos padres. As fazendas eram ad-
ministradas, cada uma delas, por um criador, homem branco, auxiliado por
um escravo negro.7 No tempo da recolha do gado para a quarta ou retirada das
duas cabeças por ano (no Natal e no dia de São João) como matalotagem para
os doentes, viúvas e pobres da missão, o vaqueiro e o escravo eram auxiliados
por dois ou três curumins, índios moços cujo pagamento era feito com panos
para se vestirem.8 Ao final da década de 1750, completando o número de seis es-
cravos que possuíam os jesuítas na aldeia de Ibiapaba, havia também um outro
que servia como cozinheiro na casa dos padres.9
6 Essa hipótese é corroborada pelo próprio desenvolvimento urbanístico da área, pois mais
de cem anos depois da fundação da aldeia havia apenas 148 casas, das quais 123 eram co-
bertas de palhas, não podendo terem servido aos milhares de índios. Ver Memória sobre
a capitania do Ceará no ano de 1816 pelo Dr. Antônio Rodrigues de Carvalho. Arquivo
Nacional do Rio de Janeiro ( A N R J ) , cód. 765.
7 Esse foi o modelo usado pela Coroa portuguesa logo após o sequestro das fazendas da
aldeia de Ibiapaba a partir de 1759. Vale dizer que não constava o nome dos vaqueiros
anteriores ao dito sequestro, mencionando-se apenas o nome de cada um dos escravos,
uma vez que eles faziam parte do patrimônio a ser inventariado.
8 Ver Notas históricas de Viçosa do Ceará extraídas do livro de Câmara local, BN, 1-28,9,13,
fls. 12-14.
9 A fazenda de Missão era administrada por José de Abreu Valadares, auxiliado pelo escravo
José, já velho, e um "moleque" escravo de nome Antônio; a fazenda de Emboeira tinha
por criador Agostinho de Brito com um escravo chamado Caetano; a fazenda de Tiaia era
administrada por João Antunes da Fonseca, sendo o escravo um certo Antônio; e a fazenda
de Pitinga possuía como criador Baltazar de Amorim da Câmara, sendo o escravo um certo
. noneturi m n f R E N A NO NORDESTE
Percebe-se, com base nos documentos compulsados, que a aldeia man-
tinha um sistema quase de autorregulação que envolvia, além das fazendas e
seus criatórios de gado, uma troca comercial entre índios e não índios tanto
no cultivo e produção de farinha, quanto na fiação do algodão e também no
serviço dos índios aldeados aos moradores da região.
Nesse sentido, a aldeia também era um espaço colonial e, como tal, fun-
cionava na mesma lógica da sociedade do Antigo Regime, em que negros,
índios e portugueses possuíam lugares específicos na estratificação do Im-
pério português. Por outro lado, mesmo na condição de índios aldeados, e
portanto sob o pacto de vassalagem, os grupos indígenas possuíam direitos e
deveres, sendo seu trabalho uma das mais importantes obrigações na lógica
colonialista (Hespanha, 2001).10
Uma importante forma de rendimento dos jesuítas na manutenção da
aldeia consistia na exploração da mão de obra indígena; por exemplo, a terça
parte dos jornais dos índios que saíam em comboios de gado ficava com os
missionários, o que não era uma soma nada irrisória, pois na vizinha capi-
tania do Piauí, em 1702, o preço do salário estipulado era de 6 mil réis para
cada índio empregado nesse tipo de serviço.11 Observando essa forma de ren-
dimento dos jesuítas, o governador de Pernambuco atentava para um maior
controle do trabalho dos índios na condução das boiadas, pois saíam todos
os anos "300 ou 400 para a fatura das carnes".12 Não bastasse isso, o principal
índio com ofício militar de mestre de campo, d. Felipe de Souza e Castro,
cobrava meia pataca (160 réis) pela saída de cada índio da aldeia, segundo ele,
"para sustentar com decoro correspondente ao posto e honra, com que sua
Luiz. O escravo João servia como cozinheiro dos padres. Ver o inventário que mandou fazer
o doutor desembargador Bernardo Coelho da Gama e Casco de todos os bens pertencentes
a esta Missão e Igreja de Nossa Senhora da Assunção na forma das ordens de Sua Majestade
(Vila Viçosa Real). Arquivo Histórico Ultramarino de Portugal ( A H U ) , cód. 1964, £L 48.
10 Os índios aldeados, dentro do pacto de vassalagem, tinham direitos como a proteção
real e obrigações para a manutenção do Império, entre as quais a luta em guerras contra
grupos hostis e se disporem a trabalhar em serviços aos moradores e ao rei em troca de
salários (Perrone-Moisés, 1992: 118).
u Carta do governador do Estado do Brasil, D. João de Alencastro, ao rei, sobre os 16 pontos
acerca das missões. 15/5/1702 (Rau, 1958: 49-50).
A I M P L A N T A Ç Ã O D O D I R E T Ó R I O E M V I L A V I Ç O S A R E A L ( C E ) ... 25
Majestade Fidelíssima o havia distinguido".13 Esse exemplo demonstra, até
certo ponto, a dependência dos missionários da ação dos principais no gover-
no da aldeia no caso da organização dos índios para o serviço aos moradores;
tal constatação, como se verá à frente, não passaria despercebida por Luiz
Diogo Lobo da Silva, especialmente na sua relação direta com o mencionado
mestre de campo.
Ao recém-chegado governador, em 1756, a Coroa o interpolava do estado
em que se encontrava a disputa entre os índios da aldeia de Ibiapaba e os mo-
radores da região, devido aos limites de possessões de terras. Apenas com três
meses de governo, Lobo da Silva não poderia saber da real condição da con-
tenda, e por isso, sem receber queixa de nenhuma das partes, resolveu esperar
mais um pouco: "motivo porque me pareceu conveniente, não bulir por ora
nesse particular, ainda que sim, não ser prejudicial fazer toda a diligência por
me instruir das razões".14
O antecessor de Lobo da Silva no governo de Pernambuco, Luiz Correia
de Sá, dera ciência à Coroa do estado de conflitos na região de Ibiapaba, em
1755. Toda a disputa girava em torno dos limites entre as sesmarias de alguns
moradores, nelas vivendo havia mais de 30 anos, e as terras dos índios. Se-
gundo o capitão-mor do Ceará, Luiz Quaresma Dourado, as terras dos mo-
radores ficavam distantes mais de 20 léguas da missão, rendendo mais de
4 mil réis de dízimos para a Fazenda Real, com criatório de gado e cultivo das
terras. Os índios aldeados, por outro lado, sentindo-se prejudicados, foram
aos sítios e destruíram toda a benfeitoria e expulsaram os moradores, que re-
quereram ao ouvidor geral quefizesseuma devassa do episódio; antes, porém,
seguiu o coronel da região, a mando do capitão-mor do Ceará, para averiguar
os limites da contenda, sendo ele recebido por um "corpo de milícia" de ín-
dios que o impedira de entrar na área de litígio, alegando já estar na "pacífica
posse na dita terra".15
13 Carta de Luiz Diogo Lobo da Silva a Thomé Joaquim da Costa Corte Real acerca da visita
que recebeu dos Principais das aldeias que se reduziram a vila. 1 3 / 6 / 1 7 5 9 . I H G B , Arquivo
1 . 1 . 1 4 , AS. 2 0 3 - 2 0 6 V .
14 Carta do governador de Pernambuco, Luiz Diogo Lobo da Silva, ao rei d. José, sobre a con-
tenda entre os índios da aldeia situada na serra da Ibiapaba e os moradores das terras cir-
cunvizinhas. 15/5/1756. Arquivo Histórico Ultramarino, Projeto Resgate, Capitania de PE
(AHU-PE), CX. 8 1 , d o e . 6 7 3 6 .
15 Carta do capitão-mor do Ceará, Luiz Quaresma Dourado, ao rei sobre as missões da Serra
de Ibiapaba e o conflito entre índios e moradores por causa da posse das terras. 12/11/1753.
AHU-CE, c x . 6, d o e . 373.
26 ... A P R E S E N Ç A I N D Í G E N A NO NORDESTE
A disputa seria levada para a Junta das Missões, uma vez que o ouvidor
geral estava na região dos Cariris Novos, contudo, no seu despacho, enviado
ao rei, em janeiro de 1756, o ouvidor do Ceará, Alexandre de Proença Lemos,
não apenas confirmava a posse das terras pertencentes aos índios da missão,
como elencava os motivos da doação de 1720:
Pelos relevantes serviços, que os tais índios têm feito ao Ceará, como a que se
mostra da cópia de doação junta, e é sem dúvida, que a dita Missão é paz e sos-
sego das duas capitanias Piauí e Ceará, o que são [os índios] uns soldados, que
Vossa Majestade tem muito pronto para tudo, e sem com eles gastar nada.16
16 Carta do ouvidor do Ceará Grande, Alexandre de Proença Lemos, ao rei sobre a missão
dos índios da Ibiapaba e a doação de terras feitas aos mesmos pelo rei d. João v. 30/1/1756.
A H U - C E , cx. 6, doe. 415. Anexo: Carta de Sesmaria.
A I M P L A N T A Ç Ã O D O D I R E T Ó R I O E M V I L A V I Ç O S A R E A L ( C E ) ... 27
Início incerto, medidas urgentes
28 ... A P R E S E N Ç A I N D Í G E N A NO N O R D E S T E
A chegada do desembargador também foi avisada ao mestre de campo de
Ibiapaba e seus oficiais índios. O teor dessa carta, contudo, era de que deles
se esperaria a devida colaboração:
[...] a uns e outros espero que Vms concorra e trabalhe quanto estiver da sua
parte para que estes povos não faltem a toda a justa e devida obediência não
se esquecendo da inteira civilidade com que os devem tratar e respeitar pois
tendo estes o trabalho de largarem as suas casas por obediência as Reais or-
dens e notória utilidade a Vms se faz indispensável e de justiça esta pequena
retribuição da sua gratidão e não menos a do vivo reconhecimento em que
espero subsistam dando as provas mais veementes do amor efidelidadeque
devem ao nosso Invicto Soberano.20
20 Carta do governador de Pernambuco Lobo da Silva para d. Felipe de Souza e Castro, mes-
tre de campo de Ibiapaba. 18/5/1759. Revista do Instituto Histórico, Geográfico e Antropoló-
gico do Ceará, tomo 43—44,1929, p. 111.
21 Carta de Thomé Joaquim da Costa Corte Real ao governador de Pernambuco, Lobo da
Silva. 14/9/1758 (Studart, 1892: 202-3).
22 Carta do governador de Pernambuco, Lobo da Silva, a Thomé Joaquim da Costa Corte
Real sobre o modo como trata dos jesuítas e preparação para aplicação do Diretório.
2
5/5/1759- IHGB, Arquivo 1.1.14, As-199-203.
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da aldeia de Ibiapaba que, já em maio de 1759, havia sido mandado para a
Bahia, para dali ser remetido na nau de guerra do vice-rei até a prisão da
Torre de S. Julião da Barra, em Portugal.23
Mas não eram apenas os jesuítas que as autoridades coloniais temiam,
como se viu na ação efetiva dos índios contra os moradores na região que com-
preendia a aldeia de Ibiapaba acerca da posse de suas terras. Desde o início do
século X V I I I , sabia-se no Ceará, como se devia saber também no Recifej que a
primeira aldeia a ser erigida em vila era não apenas a mais populosa, mas tam-
bém a que compreendia um reduto de tropas militares indígenas. Nesse sentido,
além do diretor, representante da maior confiança do governador, o mestre de
campo de Ibiapaba constituía-se como um aliado imprescindível, cuja adesão
ao ideário do Diretório era condição fundamental no novo estabelecimento.
[Ela] tem o termo de mais de 30 léguas, de que se ache dar a cada morador
a porção competente em cuja repartição não poderei facilmente guardar a
igualdade devida, por não ter conhecimento das terras, como também por-
que em largos anos se não construíram as medições.25
A I M P L A N T A Ç Ã O DO D I R E T Ó R I O EM V I L A V I Ç O S A R E A L (CE) ... 31
seja, bem menos que as cerca de 1.660.350 braças de terras que sobraram, sem
demarcação e ocupação, para completar as 7.840.000 braças (2.800 x 2.800)
estipuladas na légua de terra (Direção, §101). Para o governador de Pernam-
buco, não houve simples ignorância das suas determinações, e sim que Gama
e Casco "fez eximir-se da maior parte do trabalho", levando essa tarefa com
"pouca vontade". Além disso, o desembargador teria ocultado o texto do Dire-
tório ao piloto das demarcações, Manuel Rodrigues dos Santos.27
Vale mencionar que a proposta de distribuição de terras feita pelo gover-
nador na sua Direção foi desautorizada pela Coroa,28 mas ao que parece não
teve efeito suspensivo, sendo aplicada para as novas vilas que surgiriam.
Durante a pesquisa não consegui encontrar o livro de tombamento das
terras de Viçosa Real, uma das exigências que deveria guardar o escrivão da
Câmara.29 Mas há uma pista dando conta de que, até junho de 1760, Manoel
Rodrigues dos Santos, que permanecera em Viçosa após a saída do desembar-
gador, havia feito 292 demarcações de terras;30 e desse período até março de 1761
o diretor fizera outras 78 datas, devendo ele "continuar as que restam naqueles
tempos em que se podem executar, sem faltarem as suas plantas" e "não deixan-
do nunca de concorrer por alternativa com o que lhe pedirem para os serviços
dos moradores, na forma que dispõem no Diretório".31
Com a saída de Gama e Casco e do piloto das repartições, as medições
tiveram continuação com o diretor, porém, ao que parece, sem a urgência
inicial, pois não deveria haver interrupção na repartição do trabalho dos ín-
dios aos moradores. De qualquer forma, 370 datas de terras eram simples-
mente insuficientes numa vila que contava, em fins de 1760, com 4.441 almas.
27 Carta de Lobo da Silva a Thomé Corte Real sobre as medidas de terras de Gama e Casco
e outros assuntos sobre Vila Viçosa Real. 23/4/1760. BN, 11-33, 6,13, fls. 13-39V.
28 Oficio do secretário de Estado Francisco Xavier Mendonça Furtado ao governador de
Pernambuco, Lobo da Silva. 17/7/1760. BN, 11-33, 6,13, doe. 63.
29 Essa não é uma situação particular de Viçosa Real. Fátima Martins Lopes não encontrou
também os livros de registro de terras nas vilas de Flor e de São José em seu estudo sobre
as vilas de índios no Rio Grande do Norte (Lopes, 2005:365).
30 Requerimento do mestre piloto Manoel Rodrigues dos Santos ao rei [d. José 1], pedindo que
se passem novas ordens para a demarcação e divisão das novas vilas criadas no sertão de Per-
nambuco. Ant. 9/9/1768. Anexo, cópia n. 19 - Certidão do diretor da Vila Viçosa Real sobre o
bom trabalho do piloto Manoel Rodrigues dos Santos. 26/6/1760. AHU-PE, cx. 1 0 6 , doe. 8 2 0 4 .
31 Carta de Lobo da Silva ao Diretor de Viçosa, Diogo Roriz Correa, sobre vários assuntos.
1 8 / 3 / 1 7 6 1 . BN, 1 - 1 2 , 3 , 3 5 , fls. 2 2 - 2 5 .
32 A Vila de Monte-mor, o Novo d'América foi uma das duas vilas elevadas pelo Dr. Vitorino
Soares Barbosa, em 1764; quanto as 156 datas demarcadas, nem todas foram ocupadas. Ver
Silva (2005:106-16).
33 Oficio do governador de Pernambuco, Luiz Diogo Lobo da Silva, ao secretário de estado
da Marinha e Ultramar, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, sobre o envio de autos
de criação de novas vilas de índios e pagamento do traslado do escrivão que fez as dili-
gências no sertão; apontando que não se destinou terra para o patrimônio da dita Câmara
e logradouro público e outras cópias que se lançou na Câmara da Vila Viçosa. 16/4/1761.
A H U - P E , cx. 95, doe. 7515. Anexos.
34 Ibid.
A I M P L A N T A Ç Ã O DO D I R E T Ó R I O E M V I L A V I Ç O S A R E A L (CE) ... 33
é, que estavam dispersos fora da vila.35 Isso não significava, por conseguinte,
que os índios fossem os únicos moradores, uma vez que o próprio Diretório
determinava a entrada de não índios nos novos estabelecimentos desde que
autorizados pelo governador, o diretor e camaristas.
Em audiência presidida pelo ouvidor-corregedor do Ceará, dr. Vitorino
Soares Barbosa, em Viçosa, em 1761, alguns moradores requereram suas en-
tradas no termo da vila. A opinião de d. Felipe de Souza e Castro, "regente
desta vila", era de que os solicitantes não contemplavam os requisitos neces-
sários, isto é, não eram "pessoas de boa vida e costumes úteis à sociedade" e
"bem comum desses antigos habitadores", exigindo de sua parte não apenas
o indeferimento das requisições, mas também a imediata expulsão dos so-
licitantes. Seu arrazoado surtiu o efeito desejado e o ouvidor atendeu seu
pedido.36 A voz de <L Felipe foi ouvida porque, além de mestre de campo, o
mais importante posto militar entre os índios de Ibiapaba, ele havia sido em-
possado também como juiz ordinário da Câmara de Viçosa Real, na abertura
dos pelouros, em julho de 1759.37 Ao menos no período inicial de funciona-
mento da vila, d. Felipe era uma força reconhecida e suas demandas levadas
em conta até mesmo por uma autoridade com competência nada restrita ao
novo reduto; aliás, da mesma forma que ocorrera em outro episódio relatado
pelo mestre de campo, a ninguém menos que ao desembargador Gama e
Casco (ver Anexo ao final deste texto).
Em 1765, o capitão Antônio Ribeiro de Moraes, homem branco e morador
do sítio Uruóca, também requereu sua entrada no termo da vila, sendo-lhe
deferido o pedido, a partir de um despacho favorável, passado pelo capitão-
mor do Ceará. O diretor de Viçosa, Diogo Correia, explicou-lhe os termos do
Diretório determinando que o mesmo fizesse residência na área e mantives-
se com os índios "aquela recíproca união e concórdia, já recomendada pelo
35 Carta de Lobo da Silva ao Diretor de Viçosa, Diogo Roriz Correa, sobre vários assuntos.
18/3/1761. BN, 1-12,3,35, fls. 22.-25.
36 Extratos dos termos das audiências do Ouvidor do Ceará, Victorino Soares Barbosa, na
Câmara da Vila Viçosa Real. 26/4/1761. Notas históricas de Viçosa do Ceará extraídas do
livro de Câmara locaL BN, 1-28,9,13, fls. 6-7.
37 Os vereadores sorteados foram os sargentos-mores Duarte Gomes e Antônio Duarte, e
certo Antônio Pinto; como juízes ficaram d. Felipe de Souza e Castro e o sargento-mor
Antônio da Rocha Franco; como procurador do conselho, ficou Paseval Gonçalves; e juiz
de órfão, Baltasar de Amorim Câmara. Cf. Termo do Senado da Câmara de Viçosa Real.
7/7/1759. Notas históricas de Viçosa do Ceará extraídas do livro de Câmara local, BN, 1-28,
9,13, fls. 12-14.
38 Termo pelo qual se admite nesta vila e seu termo o capitão Antônio Ribeiro de Moraes,
homem branco, casado e morador em lugar da Uruóca. 6/11/1765. Notas históricas de
Viçosa do Ceará extraídas do livro de Câmara local, BN, 1-28,9,13, fls. 12-14.
39 No Ceará, o aforamento de uma porção de terras (100 x 100 braças) chegava a 2 mil réis.
Ver lista de aforamento de terras da Vila de Monte-mor, no Novo d'América, em 1764
(Silva, 2005:121).
A I M P L A N T A Ç A O DO D I R E T Ó R I O EM V I L A V I Ç O S A R E A L (CE) 35
Silva, em carta datada de abril de 1760, por faculdade do bispo, caberia a d.
Felipe apenas 40 vacas, ao vigário 12, e ao diretor 8 bois. Em face dessa divisão
inicial pretendida, apressaram-se os índios com sua reclamação:
Porém como o ânimo deste Ministro [Gama e Casco] foi deixar desgostosos
estes homens, o conseguiu com esta pequena diligência, que faz evidente
o requerimento que me fizeram de lhe ser mais útil o antigo sistema por
nesse terem meios, de que se podiam ajudar, e no presente se lhes dificulta,
quando segundo o número de gado, que achou tinha fundamento para lhes
desvanecer esta mal fundada opinião.40
40 Carta de Lobo da Silva a Thomé Corte Real acerca de vários assuntos. 23/4/1760. IHGB, -
A r q u i v o I J J 4 , fis. 209V—230.
36 ... A P R E S E N Ç A I N D Í G E N A NO N O R D E S T E
Com a elevação da vila Viçosa Real, parte dos bens jesuíticos passou à
administração do novo vigário, padre Luiz do Rêgo Barros, que, como se verá
logo a seguir, procurou sempre agir com o intuito de manter todo patrimô-
nio para a igreja e dela tirar toda forma de proveito temporal. Para impedir a
ação sinuosa e às vezes acintosa deste sacerdote, o governador Lobo da Silva
se valeria não apenas do diretor empossado, Diogo Correia, mas também, e
de forma direta, do mestre de, campo dos índios Tabajara. É no âmago desses
conflitos, que apenas se iniciavam nos primeiros anos do Diretório em vila
Viçosa Real, que se pode compreender a ação do governador de Pernambuco
e seus aliados locais.
Intermediários do Diretório:
o caso de d. Felipe de Souza e Castro
jesuítas e distribuídos com os índios e seus vigários, solicitando ordem para que parte do
gado separado e deixado sob sua responsabilidade possa ser vendido e com o produto seja
construído um hospital na Vila Viçosa. 30/5/1764. A H U - P E , cx. 101, doe. 7853.
A I M P L A N T A Ç Ã O DO D I R E T Ó R I O EM V I L A V I Ç O S A R E A L (CE) ... 37
caminho de serviços à Coroa, que foram metodicamente juntados com o fim
de buscar não apenas as mercês pelos seus serviços, mas também a reabilitação
de sua Casa, enodoada pelo episódio de seu ascendente homônimo.43
Seus governos em Pernambuco (1756-1763) e Minas Gerais (1763-1768)
parecem indicar tanto sua aprovação como defensor dos interesses da Coroa
portuguesa, quanto sua experiência na aplicação do Diretório. No caso da
última capitania, sua aplicação foi posta em prática com os índios nômades
chamados de "Botocudo" — termo genérico que designava diferentes grupos
indígenas "inimigos" nas "terras proibidas" do sertão do leste — e, portanto,
sem a experiência dos índios aldeados nas antigas missões religiosas, moti-
vando uma leitura particular da mesma legislação, num contexto histórico
muito distinto do sertão pernambucano.44
Da parte do governador de Pernambuco, a importância dos novos es-
tabelecimentos fica clara nas minúcias com que os assuntos relacionados à
aplicação do Diretório ganham corpo e sistematização, especialmente nas
longas cartas enviadas a diversas autoridades ultramarinas. Mas õ fato é que
Lobo da Silva não perdera de vista a ação de seus aliados locais — em particu-
lar, os diretores e os principais —, que procurou trazer para perto de si desde
o primeiro momento.
Logo que soube das determinações reais, apressou-se o governador em
chamar, por meio de cartas circulares, todas as principais lideranças indíge-
nas de sua capitania, acompanhadas de dois ou três de seus oficiais, com o
fim de "destruir algumas sinistras impressões, que receava-lhes pudessem dar
com que ditassem aos ditos estabelecimentos". Para sua surpresa, apareceram
nada menos que "cento e tantos" índios, alguns deles tendo enfrentado mais
de 300 léguas de viagem. No dia 29 de maio de 1759, em sua presença no Reci-
fe, instruía-lhes o governador para que passassem a usar a língua portuguesa
e esquecessem das suas originais, "para por estes meios se poderem habilitar
a igualdade que aspiram lograr com os mais vassalos" e, com isso, manterem
a "regularidade do seu bom procedimento".45
43 Ver "A remuneração dos serviços: Luiz Diogo Lobo da Silva" (Mello e Sousa, 2006:327-49).
44 Para Lobo da Silva, na Minas Gerais colonial, os índios das "terras proibidas" — que antes
serviam como obstáculos ao tráfico nos distritos mineradores — deviam ser reduzidos
pela força militar, antes de serem civilizados (Langfur, 2002).
45 Carta de Luiz Diogo Lobo da Silva a Thomé Joaquim da Costa Corte Real acerca da visita
que recebeu dos Principais das aldeias que se reduziram à vila. 13/06/1759. IHGB, Arquivo
1 . 1 . 1 4 , As. 2 0 3 - 2 0 6 V .
46 Idem, fL 204-204V.
47 Do tupiipotaba significava "o que a mão colhe" (Ferreira, 1999). Termo usado também na
Amazônia colonial, em sentido abrangente, designava uma dádiva, um mimo que se dava
a pessoas distintas. Agradeço aqui ao professor Ricardo Pinto de Medeiros, da Universi-
dade Federal de Pernambuco, pelas informações trocadas no xxi Encontro Nacional de
História da Associação Nacional de História (ANPUH), realizado em Fortaleza em 2009.
A I M P L A N T A Ç Ã O D O D I R E T Ó R I O E M V I L A V I Ç O S A R E A L ( C E ) ... 39
a manter "sua família sem extorquir dos seus súditos" os 160 réis de cada ín-
dio que saía para o serviço na condução das boiadas.48
Em resposta, o governador assegurou-lhe dar as terras requeridas, além
das braças que lhe tocava pelo Diretório, "para assegurar o domínio dos ou-
tros, e rebater a violência do gentio bravo, como tem feito nas repetidas des-
cidas, que tem vencido com total destruição dos invasores". Quanto às pota-
bas, tanto Lobo da Silva quanto o mestre de campo foram prudentes: "sem
que fosse preciso mais, que dizer-lhes que não era justo, que ele percebesse
contribuições daquelas pessoas, de. que el-rei Nosso Senhor, como legítimo
Soberano os podia cobrar, e não cobrava".49 Na tensão entre o que poderia ser
chamado de legitimidade de mando senhorial, essa não era mesmo a melhor
ocasião para tratar do assunto.
De qualquer forma, estalsa contribuição uma forma simbólica de distin-
ção social entre os principais indígenas teve efeito suspensivo apenas tempo-
rário. Em 1765, o novo governador de Pernambuco, conde de Vila Flor de-
terminou a continuidade dessa forma de pagamento, então requerida pelos
principais, estipulando como regra geral o valor de 80 réis por índio que
servisse aos moradores.50
O que parecia ao governador uma ocasião de simples convencimento
serviu aos índios como uma espécie de atualização de sua vassalagem, reque-
rendo algumas formas de garantias para manterem sua lealdade. Essa reunião
constitui, a meu ver, o ponto chave para a compreensão da importância das
lideranças indígenas na aplicação do Diretório, pois sem elas o novo systema —
como traziam os documentos coevos — era simplesmente impraticável.
Na administração da nova vila Viçosa Real, o diretor e o mestre de campo
dos índios serviram como aliados diretos de Lobo da Silva. Há algumas cartas,
remetidas aos dois, dando conta da ingerência do vigário nos negócios tempo-
rais, privativa da competência apenas do diretor, como deter-ninava a legislação.
Um episódio transcorrido já no primeiro ano de funcionamento da vila dá bem
o tom dos conflitos de jurisdição e do antoganismo dos interesses: o vigário, por
determinação própria, mandara d Felipe e seus oficiais expulsarem o escrivão da
48 Carta de Luiz Diogo Lobo da Silva a Thomé Joaquim da Costa Corte Real acerca da visita
que recebeu dos Principais das aldeias que se reduziram à vila. 13/6/1759. IHGB, Arquivo
1 . 1 . 1 4 , A- 2 0 4 - 2 0 4 V .
49 Idem, fL 205V.
4 0 ... A P R E S E N Ç A INDÍGENA NO N O R D E S T E
Câmara, possivelmente mancomunado com o mestre e piloto das repartições de
terra, que ficara na nova vila e cujo cargo na Câmara pretendia ocupar, antes do
período de conclusão da provisão passada ao ocupante primitivo.
Três cartas foram então remetidas a Viçosa por Lobo da Silva. A primeira
delas; enviada à Câmara, avisava aos camaristas que, de nenhum modo, o
diretor seria retirado de seu "emprego" e que eles fizessem todo o necessário
para o aumento e a promoção do dito estabelecimento;51 a segunda carta,
com a mesma data de 4 de março de 1761, enviada a d. Felipe, possuía um tom
a menos de reprovação, parecendo antes uma espécie de carta de recomen-
dação. Dizia Lobo da Silva que d. Felipe não devia se "embaraçar entre estes
[vigário e coadjutores], e o Diretor, nas dúvidas que tem movido", recomen-
dando que aceitasse o que, nessa matéria, decidissem ele e o diretor. Ao final,
menciona esperar que o dito mestre de campo tivesse recebido sua "ajuda de
custo", para ficar "com mais meios para a sua subsistência".52
A última carta enviada foi ao vigário, padre Luiz do Rêgo Barros. Nela,
logo no início, Lobo da Silva apresenta seu severo temperamento de mando,
em resposta às três cartas recebidas do religioso: "Confesso a v. M., que com
não pequena dor li as três cartas referidas cheias de arguições, e queixas con-
tra o Diretor, ainda que passadas com a capa de um zelo tão aparente, qúe do
seu contexto manifestam o veneno que traziam encoberto".53 Relembrava-o
o governador que, em Viçosa, os padres eram os mais abastados, com rendi-
mentos tirados do gado da fazenda de Tiaia, que ficara sob a administração
do bispo, mas na prática estava com o vigário e seus coadjutores. Para Lobo
da Silva, o vigário e os coadjutores se empenhavam "mais no exercício de
adquirirem as particulares conveniências que desejam que em solicitarem as
espirituais que são obrigados pelo seu ministério".54
Sem dúvida, nesse episódio, o mal foi arrancado pela raiz: o imediato in-
teressado na expulsão do escrivão, o piloto Manoel dos Santos, foi expulso da
51 Carta de Lobo da Silva para a Câmara de Viçosa sobre o Diretor ter reconciliado os âni-
mos. 4/3/1761. BN, 1-12,3,35, fl. 17-17V.
52 Carta de Lobo da Silva para d. Felipe de Souza, mestre de campo de Viçosa em que se lhe louva
o modo como que se tem havido com o vigário, e Diretor. 4/3/1761. BN, 1-12,3,35, fl. i8v.
53 Carta de Lobo da Silva aos Reverendos vigário e coadjutores da Vila Viçosa sobre se
receber as suas três cartas e cobrarem gêneros em pagamentos dos direitos paroquiais.
16/3/1761. BN, 1-12,3,35, fls. 18-22.
54 Carta de Lobo da Silva ao Diretor de Viçosa sobre vários assuntos. 18/12/1762. BN, 1-12,3,35,
fls. 158V-161.
A I M P L A N T A Ç Ã O DO D I R E T Ó R I O EM V I L A V I Ç O S A R E A L (CE) ... 22
vila, por portaria, "por não ser conveniente conservar homem tão enredador e
mal intencionado";55 a Câmara e o vigário foram repreendidos; o diretor teve-
a confirmação de seu posto e a renovada lealdade do governador; e d. Felipe
de Souza e Castro foi admoestado da maneira que convinha nos anos iniciais do
Diretório em Viçosa Real, granjeado com outro mimo de seu aliado português.
Numa carta de despedida, pois Lobo da Silva estava seguindo para o gover-
no da sempre instável capitania das Minas Gerais, o governador, que parece ter
feito da lealdade recíproca uma obsessão pessoal — no ultramar, mas também
em terras brasílicas —, não se esquecera de d. Felipe de Souza e Castro:
Considerações finais
55 Carta de Lobo da Silva ao Diretor de Viçosa sobre vários assuntos. 18/3/1761. BN, 1-12,3,35,
fls. 22-25.
56 Carta de Lobo da Silva ao mestre de campo da Vila Viçosa Real. 18/12/1762. BN, 1-12,3,35,fl.155.
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STUDART, Barão de
(1892) Notas para a história do Ceará. Brasília: Senado Federal, 2004.
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Anexo
Saybam quantos este público instrom.to [instrumento] dado e passado em publica forma a ex-
officio de mim taballião expedimento no anno do Nascimento do Nosso Senhor Jesos christo
de mil sete centos e sesenta e um aos vinte e cinco dias do mês de janeiro do dito anno nesta
Villa de Santo Antonio do Recife de Pernambuco no meu escritório por parte do Dr. Desem-
bargar ouvidor geral Bernardo Carvalho da Gama e Casco me foi aprezentada huma carta a
ele dito Ministro escrita e assignada pello Mestre de Campo de Vila Viçosa Real Dom Fellipe
de Souza e Castro requerimendo-me lhe desse seu teor em publica forma e pela achão limpa
forma e oficio algum lhe dei e o teor e o seguinte:
Senhor Dr. Dezembargador Bernardo Carvalho da Gama e Casco que logre vossa merce
saúde felix, estimarei muito para que na duração delles não tenha ocioza minha obediencia
deixando de empregar no Suave Exercício de Seus mandados. Em trinta de novembro rece-
bi a de vossa mercê carta na era supra o que muito me alegrei pella boa noticia de que fica
dysfrutando a sua mais igual a meu apeticimento. Fico com a paz e socego que Vosa mercê
me recomendou nesta Villa com todos e principalmente com o Senhor Capitão Director, os
mesmo Padres, porem agora de próximo me vem hum grande dezassossego com o Sargento
Mor Antonio da Rocha; e vem a ser que tenho noticia que arenda [arrenda] ele humas terras
na Uruoca a hum Francisco da Cruz, o que eu tal não consinto por serem estas pertencentes a
esta nossas terras da Vila pois sempre em tempo dos Padres da Companhia eles a defenderão
e forão suas asim que neste caso, não obro nada, sem que primeiro Vossa mercê me mande
autoridade pera despeijar o Rendeiro, ou escreva ao dito Rendador o senhor Sargento Mor
pera que se não meta com as terras que íicão místicas com as da nossa Villa e neste caso es-
pero Vossa mercê por mim obre o que lhe pareça os meus poucos merecimentos e com isto
não enfado mais a pessoa de Vossa mercê que Deus goarde por muitos annos. Vila Viçosa de
dezembro dezanove de mil e sete centos e sincoenta e nove de Vossa mercê umilde servo Dom
Felipe de Souza e Castro. E não se continha mais em a dita carta que eu Luis Freire de Mendon-
ça taballião do publico justiça e notas na cidade de Olinda villa de Santo Antonio do Recife e
seus termos capitania de Pern.co por S. Mag.de F.a [fidelíssima] que D.s G.e que treladei bem
e fielmente da própria que tornei a entregar ao dito D.r Dez.or que de seu recebimento aqui
assignou com o qual e com hum official abaixo este treslado conferi consertey escrevi e asignei
em publico e razo de meus signais seguintes,
[assinaturas].
Fonte: Carta (cópia) do mestre de campo Dom Felipe de Souza e Castro passada ao ouvidor
Bernardo Carvalho da Gama e Casco. 19/12/1759. Arquivo Histórico Ultramarino, Projeto Res-
gate, Capitania de PE, CX. 95, doe. 7493. Anexo n° 8.
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