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ENGEN HARIA DE
CONCEITO
Leão Roberto Machado de Carvalho
o sapo, preocupado com uma cobra que vivia (e caçava) nas imediações de sua residência, foi
consultar a coruja, conhecida como dona de grande cabedal de conhecimentos e sabedoria.
'Minha grande preocupação " disse ele, "é o poder de hipnose da tal cobra. O que devo fazer?"
"É muito fácil", disse a coruja depois de alguns minutos de profunda reflexão, 'Voe. É o que eu faria:
é fácil, rápido e descomplicado".
Aliviado, o sapo agradeceu pelo sábio conselho e se foi.
Após algum tempo, voltou. ''Sabe, dona Coruja, há um pequeno problema técnico de implantação na
idéia que a senhora me deu no outro dia. Sapos não voam".
A coruja, já provavelmente cansada daquele problema tão simples, retrucou: '1\Ião me venha com
problemas técnicos de implantação. Meus conselhos são fundamentalmente conceituais".
Quantas vezes já nos encontramos na situação ou do sapo seria no futuro caso minhas possíveis sugestões fossem im-
ou da coruja da pequena fábula acima! Quantas vezes, vemos plantadas: Kanban funcionando, células de produção com flu-
a solução simples para um problema que depois toma-se um xo ininterrupto de materiais, pessoas trabalhando menos e pro-
verdadeiro pesadelo de implantação. Quantas vezes acredita- duzindo mais. Encontravam-se, portanto, em meio a uma ins-
mos numa determinada técnica que se mostra inatingível na talação bem-sucedida. Ao ver tudo aquilo, disse ao Salvany:
prática, com nossas restrições do dia-a-dia! "Talvez você precise de alguém com quem trocar idéias, mas
Não há necessidade de ser sempre negativo, é claro. Algu- certamente não precisa de ajuda na implantação desta idéias
mas vezes temos oportunidade de presenciar outro tipo de si- todas. Alguém trabalhou com você nisso?". E ele respondeu:
tuação. "Não. Li alguns livros e fiz o que estava escrito."
Em meados da década de 80, eu trabalhava como consultor Salvany estava definindo, com palavras simples e diretas,
empresarial com ênfase em operações e ambiente fabril. O es- o que vim depois a chamar de "engenharia de conceito".
tado da arte eram coisas como Kanban, Just-in-Time, células Para explicar melhor, acredito ser necessária pequena di-
de produção e por aí vai. Eu conhecia (ou achava que conhe- gressão sobre esse tema familiar, ou seja, porque algumas idéi-
cia) essas coisas todas, e tinha muito trabalho disponível aju- as parecem se "encaixar" melhor em determinadas empresas e
dando meus clientes de então a implementá-las. não em outras.
O mundo era cheio de oportunidades e eu me divertia ... Foi Parece ser seguro afirmar que negócios em geral têm gran-
neste ambiente que conheci o (então) diretor industrial da des objetivos comuns. Os agrupamentos de pessoas que po-
Massey-Perkins, em São Bernardo do Campo, Marco Aurélio demos chamar de "empresas" de qualquer porte e orientação
Salvany. Convidado a ver sua fábrica, achava que veria o que utilizam-se de recursos para chegar a resultados. Os resulta-
estava acostumado a ver em todas as outras fábricas que visita- dos são normalmente financeiros (gera-se mais do que se
va: enormes pilhas de estoques, gente furiosamente operando gastou; parte do excesso é reinvestido e novamente gera-se
máquinas e fabricando mais daquilo que já estava empilhado, mais ainda a partir do gasto maior do que o anterior em uma
enfim, o "ecossistema" que para mim era oportunidade de tra- espécie de aspiral ascendente), embora em empresas de ad-
balho e para meu cliente prospectivo, oportunidade de signifi- ministração pública, fundações e organizações não orienta-
cativas melhorias. das a lucrar, os resultados significativos possam ser não fi-
Um pedaço da fábrica estava realmente no script esperado. nanceiros. Porém princípios básicos de gestão e administra-
O outro pedaço, porém, mostrava tudo aquilo que a fábrica ção de negócios se aplicam.
figura 1
Oeve-se conhecer
o princípio básico
(ou conceito) sob
tes, ou seja, atravessam anos, décadas, e, em al-
o qual a
guns casos excepcionais, séculos. Segundo Johnson
e Kaplan, em seu livro Relevance Lost, I nem sem- tecnologia em
pre foi assim. questão opera
Acontece que os princípios de negócios são mo- Mas agora o é. Uma das características de uma para não
dificados, ainda que sutilmente (e às vezes nem tão entidade "perene" é passar por diferentes instan-
sutilmente assim) pelo ramo de indústria em que a tes no tempo e, principalmente no caso de empre- banalizá-Ia, ao
empresa opera. Gerar lucros fabricando navios deve sas, diferentes momentos econômicos. E esse é o mesmo tempo
ser diferente do mesmo processo de gerar lucros a próximo modificador: o instante econômico. Es- em que é
partir de uma boutique de shopping center, mesmo tratégias de gestão de estoques do auge do plano
necessário não
que o princípio do lucro seja o mesmo em ambos Cruzado não valeram nada para atravessar o gros-
os casos. so do plano Collor. Como sempre, o princípio bási- torná-Ia resposta
O modificador de "tipo de indústria" pode ser co permanece: estoques são recursos a ser adminis- para tudo.
visualizado conforme a figura 2. trados para o máximo retorno, mas a forma de
administrá-los, dada a mesma indústria situada no
figura 2 mesmo país, tem que ser bastante diferente em di-
ferentes momentos econômicos (ver figura 4).
figura 4
figura 6
1IIII//II/II/1
Observando as empresas como conjuntos, ou
uma entidade
sistemas, de modificadores, podemos perceber que
"perene" é passar técnicas que funcionam adequadamente num con-
por diferentes junto de modificadores não necessariamente fun-
instantes no cionam em outro conjunto, embora a filosofia bá-
sica seja a mesma. O truque parece ser a habilida- A partir deste ícones, temos ainda que consi-
tempo e,
de de criar a técnica que funciona, à medida que derar a situação frustrante de os conceitos nem
principalmente no as oportunidades (ou necessidades) apareçam. sempre serem percebidos como aplicáveis, ou seja,
caso de empresas, Explico melhor. Quando Salvany "leu o livro somos apresentados a uma idéia, percebemos seus
e [e; o que estava escrito", criou suas próprias méritos, classificamo-la de "teórica", "impraticá-
diferentes
técnicas a partir dos conceitos lidos. Não foi ao vel", ou "inviável" no momento - Brasil, minha
momentos Japão ver como os japoneses faziam. Leu a respei- empresa, atual conjuntura - vale qualquer com-
econômicos. to, comparou o que era conceitual com sua reali- binação, de uma a todas as anteriores, e seguimos
dade e fez o que devia ser feito. em frente com nosso dia a dia, suspirando de vez
Nosso desafio é entender o processo mental que em quando a respeito de como seria bom se aque-
ele usou, ou que qualquer implantador bem-suce- la idéia "teórica" pudesse realmente ser aplicada ...
dido possa utilizar. Nessas horas de desânimo, a tendência é de
É esse processo mental que leva a enxergar o mundo como na figura 8, ou seja, po-
"engenheirar" um conceito. O uso do termo "en- demos ver a nuvem mas não podemos utilizá-la e
genharia" no contexto não se refere ao diploma auferir seus benefícios.
que alguém tenha ou deixe de ter; significa o pro- Vez por outra, alguém descobre um jeito de
cesso de engenhar ("engenheirar" não existe), de fazer uma nuvem em particular funcionar na vida
construir, de obter um resultado concreto a partir real.
de uma idéia abstrata. Os japoneses fizeram isso com o conceito de
De acordo com o dicionário, "engenharia" é a qualidade total nas décadas de 70 e 80. Absorve-
"arte de aplicar conhecimentos empíricos e cien- ram conceitos que os drs. Deming e Juran em seus
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Tecnologias de gestão
figura 10
processos "criativos"
criatividade para conectar
ver objetivo básico
coragem para errar
trabalho por analogia
ferramentas
tecnologias
metodológicas
A "captura" e a adaptação do conceito à reali-
dade permite o melhor dos mundos: adquire-se
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ENGENHARIA DE CONCEITO
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Tecnologias de gestão
aluno sobre determinado tema. O que se avalia é fora do âmbito do conhecimento profissional de
apenas a capacidade de memorização. Você con- cada um, ou indica interesse pessoal em termos de
seguirá perceber o que estou querendo dizer tão passatempo fora do ambiente de trabalho, ou - o
logo admita a relatividade do certo e do errado." que é bastante comum - indica problemas já ocor-
E exemplifica: "Suponha que a pergunta seja: ridos com o processo em questão. É a diferença
"Quanto é 9 + 5"?, e que sua resposta seja 2. típica entre o dono de um carro novo e o dono de
Haverá alguma chance de você não ser massa- um carro usado. O dono do carro novo pode até
crado e ridicularizado e de que não lhe digam conhecer intimamente detalhes do funcionamen-
que 9 + 5 = 14? Mas sendo 9h da manhã e tendo to do motor e dos principais sistemas do carro,
se passado 5 horas não serão 2 horas da tarde? mas será estritamente por interesse pessoal ou pro-
Aparentemente nesse caso 9 + 5 = 2, afinal de fissional. Ele entra no carro, dá partida e vai-se
contas. embora. Já o dono de carro usado conhece o car-
Ou ainda, suponha que Ricardo diga 2 + 2 = burador e sua bóia, a bateria, o pneu, o farol, o
11 e, antes que o professor possa mandá-lo de platinado, a correia, e todas as outras coisas que já
volta para casa com um bilhete endereçado à sua enguiçaram em sua mão e lhe foram explicadas
mãe, ele acrescente: "Na base três, é claro". Ele por pacientes mecânicos. Conhece intimamente de-
estaria certo." talhes técnicos de funcionamento de motor. Mes-
Portanto, se erro é uma questão de interpreta- mo que seja físico nuclear e pinte quadros como
ção, mais do que qualquer outra coisa, porque o hobby.
medo que todos temos de errar? Errar é saudável Nesse contexto, como consultor, uma das indi-
se levar ao aprendizado e à ousadia de tentar. Bill cações mais simples de que um sistema tem proble-
Gates, o dono da Microsoft, uma das maiores em- mas em qualquer empresa é todos os usuários co-
presas de software do mundo, em artigo na Folha nhecerem terminologia como UNIX, Pentium, rede,
de S. Paulo, afirma que uma das características modem, winchester e outros tantos indícios de que
importantes da empresa dele é de permitir o erro tais palavras já foram usadas como desculpa de algo
de seus funcionários. A sabedoria popular brasi- que não deu certo.
leira tem um ditado que diz "só erra quem faz". Por exemplo, o computador. Será necessário
Outro processo importante é saber trabalhar conhecer álgebra booleana ou manufatura de chips
por analogias. De uma certa forma, analogias re- para se trabalhar com ele? É claro que não. Mas
duzem o perigo da ousadia completa, ao permiti- também encará-lo como máquina de escrever (ou
rem processos mentais com os quais se está fami- de calcular) apenas, sem ter idéia do potencial
liarizado para descrever situações com as quais maior fatalmente levará à subutilização do recur-
não se está. É uma tentativa válida para se obter o so. Para se poder usar relativamente bem o com-
melhor de dois mundos: ousar sem maiores riscos putador é necessário saber lidar com informação.
de errar. Uma coisa não está atrelada à outra. Informação é
Sobram as ferramentas. No contexto desse ar- o conceito, é perene e importante demais. O com-
tigo, elaborar sobre ferramentas pode ser perigo- putador, por melhor que seja, é o instrumento, é o
so, pois ferramentas, quaisquer que sejam, são, elas meio. Importante? Certamente, porém muito me-
mesmas, resultado de um conceito já nos essencial do que a informação em si, que é o
"engenheirado". Mas, com cuidado e evitando tro- conceito.
car conteúdo pela forma, vamos tentar. Em outras palavras, deve-se conhecer o prin-
Primeiro, as ferramentas tecnológicas. À me- cípio básico (ou conceito) sobre o qual a tecnologia
dida que se aborda tecnologia como uma espécie em questão opera para não banalizá-la, ao mesmo
de varinha de condão do século XXI, estar-se-á tempo em que é necessário não tomá-la resposta
. impressionado demais com ela para lhe extrair para tudo. É preciso lembrar-se sempre de que tec-
maiores utilidades. Também não é razoável tratá- nologia existe fundamentalmente para tomar a
la com o descaso da familiaridade excessiva, por- vida mais fácil e confortável, pois o impulso tec-
que então ela se dissolverá nos bastidores do cor- nológico é o primogênito da lei do menor esforço.
riqueiro, sendo mais difícil extrair-lhe as vanta- Além disso, tem-se que ter a humildade de reco-
gens que se quer. nhecer que toda a manifestação tecnológica tem
Imagino que a medida correta seja compreen- seu paralelo na natureza. Nenhuma tecnologia até
der o objetivo básico de cada processo tecnológico hoje consegue escapar dessa premissa básica. Nesse
que utilizamos sem entrar em minúcias desneces- contexto geral, a probabilidade de uso maduro de
sárias sobre seu funcionamento. Na realidade, acre- tecnologia aumenta.
dito firmemente que qualquer conhecimento de As ferramentas metodológicas podem ser de-
detalhe de funcionamento de qualquer máquina finidas como "sistemas especialistas". Uma
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