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O final do século 19 foi marcado por uma política extremamente agressiva das
potências coloniais europeias. Depois da independências dos Estados Unidos em
1776 e dos países latino-americanos na primeira metade do século 19, as potências
europeias, para recuperar as riquezas perdidas, se lançaram numa empreitada que
passou à história com o nome de Partilha da África ou Corrida pela África. Até
então, a exploração do continente africano, de seu povo e de suas riquezas era
feita de modo mais ou menos “informal”, levado a cabo sobretudo por
comerciantes, traficantes, contrabandistas etc.
A Libéria tinha sido criada em 1847 por ex-escravos que aceitaram a proposta de
grupos e instituições americanas de serem “devolvidos” à África, onde poderiam
viver mais “livremente” e mais “integrados” à cultura “original” do que nos Estados
Unidos, país em que jamais poderiam (e até hoje praticamente não podem) se
integrar à sociedade dominante branca. Daí o nome Libéria, derivado do latim liber,
‘livre’. Na realidade, a criação da Libéria era só o primeiro empreendimento da ACS
(American Colonization Society — Sociedade Colonial Americana), que pretendia
adquirir, como as demais potências, áreas coloniais na África. No entanto, esse
empreendimento não teve sucesso.
A Abissínia, por seu turno, era um império muito antigo e, principalmente, era (e é)
o único país africano em que o cristianismo se impôs muito cedo, fazendo surgir a
Igreja Copta. A dinastia etíope remontava ao século 2 a.C. (e só foi deposta em
1974) e a cristianização do país se iniciou em 316 d.C. Além disso, não apresentava
nenhum tipo especial de riqueza natural que merecesse a avidez das potências
europeias.
A Partilha da África (e também do Oriente Médio) fica evidente quando observamos
o traçado das fronteiras dos países que surgiram após os movimentos de
independência do continente. Em muitas deles, as fronteiras são linhas retas, como
se tivessem sido traçadas com réguas e esquadros. Na verdade, elas foram mesmo
traçadas com réguas e esquadros — diante da possibilidade de eclodirem guerras
entre as potências coloniais pela disputa daquelas áreas, elas se reuniram e fizeram
acordos sobre quem ficaria com o quê. Procure ver, por exemplo, os mapas de
países como Mauritânia, Argélia, Líbia, Egito, Mali, Iraque, Jordânia, Síria, Kuwait...
Todos têm linhas retas, quando não são inteiramente compostos de linhas retas, ao
contrário de outras nações, cujas fronteiras foram historicamente traçadas por
desdobramentos políticos internos e externos e/ou por grandes acidentes naturais
(rios, montanhas, mares etc.).
Nesse grande projeto ideológico colonialista, a ciência linguística da época deu sua
contribuição, alegando a existência de “línguas primitivas”. O caráter primitivo
dessas línguas era considerado óbvio e natural: como é que povos atrasados,
inferiores, intelectualmente retardados, selvagens etc. poderiam falar a não ser por
meio de grunhidos, rangidos, frases toscas, vocabulário pobre etc.? A própria noção
de língua, como vimos no capítulo 1, era negada a esses modos de falar que
recebiam, quando muito, o rótulo de “dialetos”. (Entre 2000 e 2001 a Rede Globo
de Televisão exibiu a telenovela Uga-Uga — um título que já diz tudo sobre a
ideologia retrógrada dos autores e produtores da obra.)
O linguista Sírio Possenti relata, por exemplo, numa de suas crônicas, um episódio
ocorrido no programa de entrevistas de Jô Soares na televisão:
É óbvio que não. Como diz Possenti, a polissemia, a capacidade que as palavras
têm de comportar múltiplos sentidos, é uma característica de absolutamente toda e
qualquer língua humana.