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A IDEIA ABSURDA DE "LÍNGUAS PRIMITIVAS" I

Por MARCOS - 10/04/2013 às 14:50

O final do século 19 foi marcado por uma política extremamente agressiva das
potências coloniais europeias. Depois da independências dos Estados Unidos em
1776 e dos países latino-americanos na primeira metade do século 19, as potências
europeias, para recuperar as riquezas perdidas, se lançaram numa empreitada que
passou à história com o nome de Partilha da África ou Corrida pela África. Até
então, a exploração do continente africano, de seu povo e de suas riquezas era
feita de modo mais ou menos “informal”, levado a cabo sobretudo por
comerciantes, traficantes, contrabandistas etc.

A partir de 1880, no entanto, os governos europeus se engajaram, de forma


institucionalizada e explícita, na disputa pelo continente. Inglaterra, França,
Portugal, Espanha, Itália, Alemanha e Bélgica ocuparam imensas áreas da África,
delimitando fronteiras, criando instituições oficiais, enviando exércitos, missionários
religiosos, comerciantes, professores, médicos, abrindo hospitais, escolas, quartéis
etc. Em toda a África, somente dois países se mantiveram independentes: a Libéria
e a Abissínia (atual Etiópia).

A Libéria tinha sido criada em 1847 por ex-escravos que aceitaram a proposta de
grupos e instituições americanas de serem “devolvidos” à África, onde poderiam
viver mais “livremente” e mais “integrados” à cultura “original” do que nos Estados
Unidos, país em que jamais poderiam (e até hoje praticamente não podem) se
integrar à sociedade dominante branca. Daí o nome Libéria, derivado do latim liber,
‘livre’. Na realidade, a criação da Libéria era só o primeiro empreendimento da ACS
(American Colonization Society — Sociedade Colonial Americana), que pretendia
adquirir, como as demais potências, áreas coloniais na África. No entanto, esse
empreendimento não teve sucesso.

A Abissínia, por seu turno, era um império muito antigo e, principalmente, era (e é)
o único país africano em que o cristianismo se impôs muito cedo, fazendo surgir a
Igreja Copta. A dinastia etíope remontava ao século 2 a.C. (e só foi deposta em
1974) e a cristianização do país se iniciou em 316 d.C. Além disso, não apresentava
nenhum tipo especial de riqueza natural que merecesse a avidez das potências
europeias.
A Partilha da África (e também do Oriente Médio) fica evidente quando observamos
o traçado das fronteiras dos países que surgiram após os movimentos de
independência do continente. Em muitas deles, as fronteiras são linhas retas, como
se tivessem sido traçadas com réguas e esquadros. Na verdade, elas foram mesmo
traçadas com réguas e esquadros — diante da possibilidade de eclodirem guerras
entre as potências coloniais pela disputa daquelas áreas, elas se reuniram e fizeram
acordos sobre quem ficaria com o quê. Procure ver, por exemplo, os mapas de
países como Mauritânia, Argélia, Líbia, Egito, Mali, Iraque, Jordânia, Síria, Kuwait...
Todos têm linhas retas, quando não são inteiramente compostos de linhas retas, ao
contrário de outras nações, cujas fronteiras foram historicamente traçadas por
desdobramentos políticos internos e externos e/ou por grandes acidentes naturais
(rios, montanhas, mares etc.).

A conquista da África foi, evidentemente, um banho de sangue. Com a Revolução


Industrial, os europeus tinham desenvolvido uma indústria armamentista poderosa,
moderna e eficiente, contra a qual as armas tradicionais dos povos africanos não
puderam oferecer resistência.

Mas o horror não se limitou à África. Os Estados Unidos, em guerra contra a


Espanha entre 1899 e 1902, invadiram as Filipinas (então colônia espanhola) e
praticaram um genocídio da população local: mais de um milhão de filipinos foram
mortos, ilhas inteiras do arquipélago ficaram desabitadas e o exército americano
empregou o sistema de campos de concentração que se desenvolveria mais tarde
na Alemanha nazista. O objetivo dos americanos era “desespanholizar” o
arquipélago (que pertencia à Espanha desde o século 16) e “descatolicizar” a
população. Com a resistência do povo filipino a essas medidas, uma das soluções
para o cumprimento de tal objetivo foi o assassinato puro e simples.

Voltando à África, na virada do século 19 para o 20, a Alemanha tinha o controle da


região que hoje constitui a Namíbia. O governo alemão tentou explicitamente
exterminar dois povos locais, os hereros e os namaquas, que ofereciam forte
resistência à conquista alemã. No total cerca de 65.000 hereros (80% da população
total) e 10.000 namaquas (50% da população) foram mortos entre 1904 e 1907.
Os métodos mais empregados foram a morte pela fome e o envenenamento dos
poços de água dessas populações enquanto estavam encurraladas no deserto da
Namíbia. O general alemão Lothar von Trotha, responsável pelo genocídio,
escreveu sem rodeios sobre o povo herero:
Estou convencido de que essa nação como tal deve ser aniquilada ou, se isso
não for possível por medidas táticas, deve ser expulsa do país... Isso será
possível se os poços de água de Grootfontein até Gobabis forem ocupados. O
constante movimento de nossas tropas nos permitirá encontrar os pequenos
grupos da nação que tiverem recuado e destruí-los gradualmente.

Repetiram-se, portanto, na África, em pleno século 20, as mesmas práticas


genocidas que caracterizaram, a partir do século 16 a conquista das Américas por
espanhóis, portugueses e ingleses.

Outra monstruosidade praticada nesse período (até os anos 1930) foram as


“exposições coloniais” em que indivíduos trazidos da África, do Ártico e da Polinésia
eram exibidos como atrações exóticas em “zoológicos humanos” de diversas
cidades europeias e também norte-americanas. Samoanos, tuaregues, núbios,
pigmeus, hotentotes, malgaxes, inuits (“esquimós”) eram mantidos em jardins
botânicos e jardins zoológicos, muitas vezes em jaulas na mesma seção de
macacos e outros animais selvagens. Novamente, repetiam-se práticas comuns
durante a “descoberta” da América, em que indígenas de todo o continente foram
levados à Europa como “presentes” para reis e rainhas ou “objetos exóticos”, ao
lado de animais nunca vistos antes como papagaios, macacos, jacarés etc.

Essas exposições tinham, além de sua função de propaganda junto às populações


dos países europeus, um amplo apoio “científico”. No século 19 o racismo ganhou
ares de “ciência” com o desenvolvimento da eugenia, uma teoria pseudocientífica
que tentava mostrar a superioridade da “raça” branca sobre as demais “raças”
humanas — e até mesmo dentro da “raça” branca havia uma hierarquia de
superioridade: os nórdicos acima dos latinos e outros povos mediterrâneos, por
exemplo.

Entre os cientistas e pensadores que defenderam a eugenia se destacam o francês


Arthur de Gobineau (1816-1882), que esteve no Brasil e ficou horrorizado com a
nossa “mistura de raças”, e o zoólogo e geólogo suíço Louis Agassiz (1807-1873),
que também veio fazer pesquisas no Brasil e escreveu:

Aqueles que põem em dúvida os efeitos perniciosos da mistura de raças e


são levados, por falsa filantropia, a romper todas as barreiras colocadas
entre elas deveriam vir ao Brasil.
Com base nos princípios eugenistas, a colonização se justificava plenamente: era
preciso levar a “civilização” aos povos “selvagens”, fazê-los abandonar seus
costumes “bárbaros”, impor a eles a religião cristã de modo que deixassem de
adorar seus “ídolos” e “demônios” e de praticar “feitiços” e “magia negra”. Também
era preciso impor a eles as “línguas civilizadas” para que deixassem de falar por
meio de grunhidos e urros. Essa ideologia se impregnou profundamente na
mentalidade europeia da época, fazendo muita gente bem-intencionada acreditar
na necessidade de “civilizar” os outros povos e até mesmo levando muitos a se
engajar nessa empresa (missionários religiosos, médicos, professores etc.).

Nesse grande projeto ideológico colonialista, a ciência linguística da época deu sua
contribuição, alegando a existência de “línguas primitivas”. O caráter primitivo
dessas línguas era considerado óbvio e natural: como é que povos atrasados,
inferiores, intelectualmente retardados, selvagens etc. poderiam falar a não ser por
meio de grunhidos, rangidos, frases toscas, vocabulário pobre etc.? A própria noção
de língua, como vimos no capítulo 1, era negada a esses modos de falar que
recebiam, quando muito, o rótulo de “dialetos”. (Entre 2000 e 2001 a Rede Globo
de Televisão exibiu a telenovela Uga-Uga — um título que já diz tudo sobre a
ideologia retrógrada dos autores e produtores da obra.)

Com o avanço das ideias progressistas, com as revoluções sociais e políticas


ocorridas desde aquela época até hoje, com a democratização das sociedades
europeias e americanas, com a conquista e ampliação dos direitos humanos, o
racismo “científico” foi denunciado e demolido pelas versões contemporâneas da
linguística, da sociologia, da antropologia, da psicologia e outras ciências.
Infelizmente, porém, o efeito da propaganda colonialista persistiu e persiste, muito
arraigado nas culturas populares e até mesmo entre pessoas que se acham muito
cultas.

O linguista Sírio Possenti relata, por exemplo, numa de suas crônicas, um episódio
ocorrido no programa de entrevistas de Jô Soares na televisão:

Um dia desses, os entrevistados eram Martinho da Vila e o prsidente de uma


associação de magistrados. [...] A conversa com Martinho ia bem, até que Jô
perguntou sobre seu conhecimento de línguas africanas, já que de alguns
dos discos de Martinho participam músicos angolanos cantando músicas
nativas. Martinho disse o óbvio: que, tendo estado na África várias vezes,
mesmo em temporadas curtas, aprendeu um pouco. Não conhece as línguas,
mas se vira (e acrescentou que o mesmo ocorre com relação ao francês, o
que mostra que ele é normal). Mas Jô o interrompeu para comentar que se
pode aprender as línguas africanas, mesmo em pequenas temporadas,
porque elas têm poucas palavras. E botou para funcionar suas leituras de
almanaque. Informou que em suaíli as palavras querem dizer muitas coisas.
E deu como exemplo certa palavra que pode ser empregada em várias
situações. Decidi dormir, perdi a entrevista com o magistrado. Achei que não
suportaria uma lição de direito constitucional do mesmo nível.
Disse que Jô acionou suas leituras de almanaque, mas a coisa é mais grave
do que isso: trata-se de grosseiro preconceito linguístico e cultural. Se a
gente abre um dicionário [...], a coisa mais interessante que se pode
descobrir é que todas as palavras têm muitos sentidos, que todas as línguas
são como o suaíli, ou o suaíli é como todas as línguas.

Possenti dá como exemplo o verbo ligar. Uma consulta rápida ao dicionário


eletrônico Houaiss nos revela 16 acepções diferentes de ligar, que vão desde “unir,
prender, atar (algo ou alguém) com um liame ou laço, para reunir dois ou mais
elementos da mesma natureza, ou assegurar a coesão das partes de um todo, ou
impedir uma ação ou um movimento” até “pôr em marcha (motor)”, num aparente
paradoxo: como é que o mesmo verbo que significa “impedir uma ação ou um
movimento” também significa “pôr em marcha (motor)”? Seria o português uma
língua “primitiva”?

É óbvio que não. Como diz Possenti, a polissemia, a capacidade que as palavras
têm de comportar múltiplos sentidos, é uma característica de absolutamente toda e
qualquer língua humana.

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