Вы находитесь на странице: 1из 63

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM TRABALHO, EDUCAÇÃO E MOVIMENTOS SOCIAIS

TURMA TEKOHA GUARANI


LINHA DE PESQUISA ESTADO, POLÍTICA PÚBLICA DE EDUCAÇÃO E LUTA DE
CLASSES

Lenilde de Alencar Araujo

A PARTICIPAÇÃO DA FUNDAÇÃO VALE NA EDUCAÇÃO DO MARANHÃO:


ESTRATÉGIA DE DOMINAÇÃO E CONSTRUÇÃO DE HEGEMONIA DA CLASSE
DOMINANTE

Rio de Janeiro

2015

Lenilde de Alencar Araujo


A PARTICIPAÇÃO DA FUNDAÇÃO VALE NA EDUCAÇÃO DO MARANHÃO:
ESTRATÉGIA DE DOMINAÇÃO E CONSTRUÇÃO DE HEGEMONIA DA CLASSE
DOMINANTE

Monografia apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Educação, da Escola Politécnica de
Saúde Joaquim Venâncio como requisito para obtenção
do título de Especialista em Trabalho, Educação e
Movimentos Sociais.

Orientadora – Profª. Dra. Lizandra Guedes

Rio de Janeiro

2015

Lenilde de Alencar Araujo


A PARTICIPAÇÃO DA FUNDAÇÃO VALE NA EDUCAÇÃO DO MARANHÃO:
ESTRATÉGIA DE DOMINAÇÃO E CONSTRUÇÃO DE HEGEMONIA DA CLASSE
DOMINANTE

Monografia apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Educação, da Escola Politécnica de
Saúde Joaquim Venâncio como requisito para obtenção
do título de Especialista em Trabalho, Educação e
Movimentos Sociais.

Orientadora – Profª. Dra. Lizandra Guedes

Aprovado em 18/06/2015

BANCA EXAMINADORA

AGRADECIMENTOS
Agradeço a todos os trabalhadores e trabalhadoras Sem Terra pela coragem e firmeza na
luta por direitos e justiça social e pelas conquistas, dentre elas a educação do campo que
nos possibilita o acesso à educação, da infantil à pós-graduação.

A todos e todas militantes do Movimento Sem Terra, pela grandeza da luta e por
fazerem desse Movimento um importante espaço de formação política que nos permite
acreditar na transformação da sociedade e na conquista de um mundo melhor.

Aos os educadores e educadoras da Fundação Oswaldo Cruz e Escola Politécnica de


Saúde Joaquim Venâncio, do Curso de Especialização em Trabalho, Educação e
Movimentos Sociais, em especial aos integrantes da linha de pesquisa Estado, Política
Pública de Educação e Luta de Classes, que muito contribuíram para a compreensão de
conceitos fundamentais à pesquisa.

À coordenação político-pedagógica, Diana Daros, Cristina Vargas, Carol Bahniuk,


Valéria Carvalho, Anakeila Stauffer, Virgínia Fontes, Marco Antonio pela extraordinária
capacidade de articular movimento social e universidade para a imprescindível tarefa de
formar intelectuais orgânicos da classe trabalhadora, na perspectiva da construção da
contra-hegemonia.

À companheira Divina Lopes pelo papel fundamental que cumpre no MST e por me
motivar, mais que isso, me convencer a participar do curso que foi extremamente
significativo para minha formação.

À profª. e companheira Zaira Sabry pela contribuição na definição do objeto.

À Sislene Costa, integrante da rede Justiça nos Trilhos, pelo material e informações
sobre a Vale.

Ao prof. Roberto Leher, pela importantíssima contribuição na definição do caminho


investigativo e da metodologia de trabalho, e à profª. Marcela Pronko, pela contribuição
ao projeto durante qualificação.

À prof.ª e companheira Lizandra Guedes por se desafiar e aceitar acompanhar a escrita,


em tão curto espaço de tempo, pela disponibilidade, atenção e compromisso com a
orientação.

À minha mãe Lídia, por sempre estar ao meu lado em todas as minhas decisões, meu pai
Valmir e meus irmãos, Lene e Lenivaldo, por sempre me apoiarem em momentos
difíceis e sempre me incentivarem ao estudo.

À minha família, Elias Araujo, com quem compartilho a vida e a militância, Julia Iara e
Vitória Regina pela relação dialógica e amorosa que nos permite ensinar e aprender
mutuamente.
O maior trem do mundo
Leva minha terra
Para a Alemanha
Leva minha terra
Para o Canadá
Leva minha terra
Para o Japão

O maior trem do mundo


Puxado por cinco locomotivas a óleo diesel
Engatadas geminadas desembestadas
Leva meu tempo, minha infância, minha vida
Triturada em 163 vagões de minério e destruição
O maior trem do mundo
Transporta a coisa mínima do mundo
Meu coração itabirano

Lá vai o trem maior do mundo


Vai serpenteando, vai sumindo
E um dia, eu sei não voltará
Pois nem terra nem coração existem mais

(O maior trem do mundo, Carlos Drummond de Andrade, 1984)


RESUMO

Este trabalho aborda a participação da Fundação Vale na Educação no Maranhão,


baseado no estudo de seus Programas Educacionais como uma estratégia de dominação
e construção de hegemonia da classe dominante. Apresenta uma discussão sobre o
empresariamento da Educação no contexto neoliberal, discutindo o que as empresas
querem ao interferir na educação e como organizações da sociedade civil organizam o
capital em nome do interesse público. Para compreender esta estratégia, utilizou-se de
importantes estudos que vêm sendo realizados por Lúcia Neves, André Martins,
Rodrigo Lamosa, Roberto Leher, dentre outros. Apresenta o estudo sobre a Vale e seu
braço pedagógico, a Fundação Vale, sua criação, seus objetivos, sua missão pedagógica
e os seus princípios e valores, projetos e ações desenvolvidas. A análise dos dados se
deu à luz das teorias que tratam dos conceitos de hegemonia, Estado integral (ampliado)
e intelectual orgânico, com base em autores como Gramsci e Marx. A ação da Fundação
Vale é parte de uma estratégia baseada em diretrizes definidas por organismos
internacionais para os países subdesenvolvidos e assumida por grandes corporações que
se apegam a uma forma específica do capitalismo, o capitalismo dependente, ou seja, o
desenvolvimento desigual e combinado, que se sustenta na contradição entre riqueza e
miséria, na superexploração da força de trabalho e das riquezas naturais. Tal modelo tem
na Educação um instrumento fundamental para a formação de capital humano e de uma
cidadania conformada para essa sociabilidade neoliberal.

Palavras-chave: Estado. Hegemonia. Empresariamento da Educação.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..........................................................................................................................8

I ESTADO E ORGANIZAÇÕES EMPRESARIAIS NA EDUCAÇÃO: CONSTRUINDO A


HEGEMONIA DA CLASSE DOMINANTE..........................................................................12

1.1 No percurso da atitude investigativa: um diálogo necessário com a teoria.......................12

1.2 As Organizações Empresariais e a Educação: uma relação necessária ao capital.............20

CAPÍTULO II - A FUNDAÇÃO VALE E O COMPROMISSO SOCIAL COM A


EDUCAÇÃO.............................................................................................................................29

2.1 Da Companhia Vale do Rio Doce à transnacional Vale....................................................29

2.2 Histórico e caracterização da Fundação Vale....................................................................37

2.3. A ação da Vale na Educação............................................................................................43

2.4 Abrangência dos programas educacionais da Vale no MA...............................................49

REFERÊNCIAS.......................................................................................................................62
8

INTRODUÇÃO

Considerando o atual contexto em que vivemos, cujo modo de produção é o


capitalista, caracterizado pela contradição entre capital e trabalho e por uma constante
luta de classes, impossível não considerar que a classe dominante se utiliza de várias
estratégias para manter a sua dominação.
Dentre elas, destacamos a utilização que as empresas vêm fazendo da educação
para construir a hegemonia de classe. Assim, empresas transnacionais, que representam
frações dessa classe burguesa, desenvolvem junto à sociedade ações de “compensação
social” através das quais fazem um processo de cooptação e convencimento dos
trabalhadores de que suas ideias e interesses são também ideias e interesses de toda a
sociedade. Fazem isso através de vários projetos e ações, como a instalação de
bibliotecas, grupos de teatro, programas educacionais, atividades de educação
ambiental. É importante ressaltar que todos esses programas alicerçam a política de
responsabilidade social das empresas.
Frigotto (2010), ao fazer uma leitura da educação na primeira década do século
XXI, aponta para o fato de que o governo brasileiro, nesse período, fez a opção pelo
projeto societário de expansão do capital sob o manto do desenvolvimentismo, que tem
como centro a formação de capital humano, mas que é difundido como políticas e
programas voltados para a melhoria da educação do povo. O discurso da
democratização da formação para o trabalho objetiva amenizar os conflitos que possam
surgir entre as classes, tendo em vista harmonizá-las.
Essa postura do governo, somada à fragilidade relativa das forças capazes de
disputar um projeto educacional antagônico, resultou numa “política de melhoria”
pautada pelas parcerias entre os setores público e privado, direcionadas para as
necessidades não atendidas pelas políticas públicas, o que induz a entrada empresarial
neste campo. Eis o que possibilita formas sutis de atuação das empresas através da
criação de programas educacionais que demonstram, por um lado, uma estratégia de
hegemonia do capital através de ações educativas e, por outro, a relação de tais
empresas com o Estado, através das parcerias público-privadas.
Nossa intenção de pesquisa está calcada nesse contexto e nosso estudo tem o
foco na Corporação Vale, uma das maiores mineradoras do mundo, tendo por objetivo
9

analisar a participação da Fundação Vale na educação do Maranhão, baseada no estudo


de seus Programas Educacionais, tendo em vista compreender as estratégias de
dominação e construção de hegemonia da classe dominante.
Minha inquietação partiu da necessidade de olhar para essa realidade onde a
educação está em disputa, sendo utilizada como instrumento de construção de
hegemonia pela classe dominante, na perspectiva de compreender as estratégias de
dominação utilizadas por uma empresa transnacional, como a Vale. Ela não apenas
extrai as riquezas naturais do nosso país, explora força de trabalho, causa sérios
impactos ambientais, trabalhistas e sociais, como vende a ideia de desenvolvimento e
comprometimento com as causas sociais, por exemplo, com o combate à ineficiência da
educação brasileira, por meio da intervenção da empresa na escola. O excerto abaixo,
retirado de texto produzido por integrantes do Centro de Estudos e Documentação para
a Ação Comunitária da Companhia Vale do Rio Doce, atualmente denominada Vale, é
exemplar:

Paralelamente ao surgimento de novas exigências com relação ao


serviço prestado pela escola, vem sendo construído no país um novo
consenso a respeito da responsabilidade que a sociedade civil e suas
instituições têm para com a educação pública. [...] Sem pretender que
substituam o poder público, os diversos tipos de instituições da
sociedade civil são também solicitados a participar da criação e
implementação desse novo modelo de educação, apoiando-os com
suas competências e recursos (CARDOSO; PEREIRA; SOARES,
p.2)
Sabemos que não existe neutralidade na educação e que os processos educativos
tanto “podem desvelar como encobrir o sentido real das relações sociais” (SANTOS,
2008, p. 40), de modo que a educação não pode ser analisada descolada do modo como
está organizada a sociedade. Neste sentido, na forma social atual compreender a
educação significa compreender a divisão das classes sociais, a alienação da força de
trabalho, mecanismo pelo qual essa sociedade se reproduz e se perpetua, bem como,
compreender o desenvolvimento do capitalismo e suas crises cíclicas, tendo claro de
que a cada momento de crise do capital são criadas formas de superação e a educação é
um dos instrumentos utilizados em favor da classe dominante para se manter nessa
condição.

A escolha deste objeto, para além da inquietação acima descrita, está enraizada
na minha participação como militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
10

Terra que luta por terra, reforma agrária e transformação social. Nessa trajetória de
militância tenho participado ativamente da construção da educação do campo, sendo
conhecedora dos limites na efetivação da política pública, ou seja, da ausência de uma
determinação do Estado em garantir o cumprimento da legislação, induzindo a entrada
das empresas privadas atuarem e constituírem espaços hegemônicos no interior da
escola.

Fizemos um caminho investigativo que partiu do estudo sobre a atuação das


organizações empresariais na educação no contexto neoliberal, iniciando pelo estudo do
Plano Diretor da Reforma do Estado, criado no Governo de Fernando Henrique
Cardoso (FHC), em 1995, como um instrumento que supostamente iria resolver a crise
do Estado e “promover a correção das desigualdades sociais e regionais” (BRASIL.
MARE, 1995). Em seguida fizemos um mapeamento das organizações empresariais e
sua atuação na educação, discutindo o que estas empresas querem ao interferir na
educação e como instituições da sociedade civil organizam o capital em nome do
interesse público.

Tendo esse quadro mais geral de atuação das empresas na educação,


continuamos nossa investigação fazendo um estudo sobre a Vale, mostrando de forma
breve o histórico da mesma, desde sua criação como empresa estatal à sua passagem
para empresa privada em 1997. Apresentamos, então, a Fundação Vale, sua criação, seus
objetivos, sua missão pedagógica e seus princípios e valores. Identificamos os projetos e
ações desenvolvidas, de que forma são definidos e com quais interesses, bem como sua
abrangência, como são implantados, que critérios são utilizados para a escolha dos
municípios e qual a relação com o poder público.

Partimos de uma leitura mais geral do empresariamento da educação, o que foi


possível pelo diálogo com autores que tratam dessa temática como Lúcia Neves (2012),
André Martins (2012), Rodrigo Lamosa (2014), Roberto Leher (2014, 2015), dentre
outros, e fomos para um objeto específico, a atuação da empresa Vale, por meio de seu
braço, Fundação Vale, na educação no Maranhão, conhecendo seu discurso, seus
projetos, suas estratégias, pelo estudo e análise dos documentos da própria empresa.

Metodologicamente, o estudo teve como suporte a linha de pesquisa “Estado,


políticas públicas de educação e lutas de classes”, do Curso de Especialização em
Trabalho, Educação e Movimentos Sociais. Realizamos uma pesquisa bibliográfica e
11

documental, com leitura, análise e interpretação de fontes consultadas em livros,


periódicos, material de internet e documentos da empresa Vale.

Em posse de todas essas informações e à luz das teorias que tratam dos conceitos
de hegemonia, Estado integral (ampliado) e intelectual orgânico, com base em autores
como Gramsci (2011) e Marx (2009), neste trabalho presentes segundo abordagem de
Carlos Nelson Coutinho (2002,2011) e José Paulo Netto (2012), e da apropriação de
categorias como “corporações”, educação pública, parceria público-privada, terceiro
setor, reforma do Estado, procuramos compreender as estratégias neoliberais utilizadas
para que o capitalismo mantenha se desenvolvendo, dentre elas o empresariamento dos
projetos sociais, mais especificamente da educação, na perspectiva da construção da
hegemonia da classe dominante.
12

I ESTADO E ORGANIZAÇÕES EMPRESARIAIS NA EDUCAÇÃO:


CONSTRUINDO A HEGEMONIA DA CLASSE DOMINANTE

Neste capítulo procuramos compreender a atuação das organizações empresariais na


educação, partindo da apropriação do Plano Diretor da Reforma do Estado, criado no
Governo de FHC (1995), com o propósito de resolver a crise do Estado e “promover a
correção das desigualdades sociais e regionais” (BRASIL. MARE, 1995). Em seguida
fizemos um mapeamento das organizações empresariais e sua atuação na educação,
discutindo como instituições da sociedade civil organizam os interesses particulares do
capital supostamente em nome do interesse público.
Para fazer essa abordagem fez-se necessário o diálogo com os conceitos de Estado
integral (ampliado), Sociedade Civil, Sociedade Política, hegemonia e intelectual
orgânico, a partir do aporte teórico de Gramsci (2011) e Marx (2009) e a compreensão
de categorias como corporações e educação pública.

1.1 No percurso da atitude investigativa: um diálogo necessário com a teoria

Partimos da ideia de Marx (2009, p. 244), expressa na Carta a P.V. Annenkov, de


que para compreender o desenvolvimento histórico da humanidade, bem como o
desenvolvimento econômico, é preciso entender que os homens não podem escolher
esta ou aquela forma de sociedade por vontade própria, pois

A um determinado estágio de desenvolvimento das faculdades


produtivas dos homens corresponde determinada forma de comércio e
de consumo. A determinadas fases de desenvolvimento da produção,
do comércio e do consumo correspondem determinadas formas de
constituição social, determinada organização da família, das ordens,
ou das classes; numa palavra, uma determinada sociedade civil. A uma
determinada sociedade civil corresponde um determinado estado
político, que não e mais que é mais que a expressão oficial da
sociedade civil.
13

Ou seja, a forma de sociedade na qual vivemos, independente de nossa vontade, é a


sociedade burguesa, dividida em duas classes sociais fundamentais e antagônicas: a
dominada, constituída pelos trabalhadores que produzem as riquezas, e a dominante,
detentora dos meios de produção, do capital, da riqueza produzida pelos trabalhadores e
do poder econômico, que emprega os trabalhadores e que supostamente promove o
“desenvolvimento”.

O Brasil ocupa o 7º lugar na economia mundial, entretanto, devemos nos


perguntar: por que se produz mais minério do que mandioca? Mais soja do que feijão?
Quem decide o que é produzido não são os trabalhadores, são as empresas e estas
produzem não de acordo com a necessidade da sociedade, mas de acordo com seus
interesses particulares, a bem dizer, a acumulação de capital.

É preciso compreender que nessa sociedade burguesa,

O trabalho produz obras maravilhosas para os ricos, mas produz


despojamento para o operário. Produz palácios, mas cavernas para o
operário. Produz beleza, mas estropiamento para o operário. Substitui
o trabalho por máquinas, mas remete uma parte dos operários para um
trabalho bárbaro e faz da outra parte máquinas. Produz espírito, mas
produz idiotice, cretinismo para o operário (MARX, in: NETTO, 2012
p. 97).

Esta forma de organização da sociedade apresenta elementos que são de sua


natureza: a propriedade privada, a exploração do trabalho, a concentração de riquezas, a
violência, elementos estes que vão aparecer claramente na apresentação do nosso objeto
de estudo, no item seguinte a este.

Como dizia Marx, para cada forma de organização da sociedade existe um Estado
político, o que indica a necessidade de compreensão do conceito de Estado para
avançarmos na leitura da realidade investigada. Igualmente, salientamos a necessidade
de nos apropriarmos de outros conceitos como Sociedade Civil, Sociedade Política,
hegemonia, intelectual orgânico, diretamente relacionados ao objeto de estudo e
fundamentam teoricamente a interpretação dos dados obtidos durante a investigação.

Existem várias formas de definir o Estado, mas no senso comum é entendido como
agência burocrática ou como administração pública que tem a função de mediação dos
conflitos e interesses sociais em nome do bem comum, identificação relacionada com a
“coisificação” do conceito que nos impede de compreender em que consiste de fato o
14

Estado. As raízes dessa leitura simplificada do Estado estão fincadas nos séculos XVII e
XVIII, mais precisamente na matriz liberal (MENDONÇA, 2012, p. 349), baseada na
ideia do direito como fundamento do próprio Estado e pertencente ao domínio da
natureza, como os demais fenômenos sociais. Contrapõe-se à ideia do direito divino,
sendo o homem responsável pelos seus atos e modo de vida e não mais um Deus
absoluto. Apresentamos, de forma breve, os representantes e ideias dessa concepção: a)
Maquiavel, em O Príncipe, considera como natureza do homem ser ávido, interesseiro,
invejoso, ciumento, insaciável, ingrato, inconsistente, dissimulado, mentiroso e covarde
e por este motivo defende regras internas que regem a conquista e a manutenção do
poder. Para ele é preciso ter boas leis e boas armas e alguma fonte de legitimidade. O
centauro maquiavélico representa o equilíbrio entre coerção e consenso, para ele os fins
justificam os meios; b) Thomas Hobbes, em O Leviatã, vê a sociedade como um
somatório de indivíduos que vivem em “estado de natureza”, em constante barbárie e
guerra. Por isso, defende o contrato social para garantir os direitos naturais
fundamentais: a vida e a propriedade; c) John Locke faz a crítica liberal ao absolutismo.
Defende que é o direito que confere legitimidade a qualquer sociedade política. Cria o
Habeas Corpus e o Estado de Direito1.Para Hegel, o Estado é a resolução da contradição
entre família e sociedade civil, sendo esta esfera privada e econômica. Compreende o
Estado como realização da história do espírito absoluto, afirmando que os povos que
não constituíram Estados não possuem história e que esta é a única instituição capaz de
fazer a abstração dos interesses privados por seu caráter omnicompreensivo.

A concepção de Marx e Engels, à qual nos filiamos, contrapõe-se às formulações


hegelianas, afirmando que a gênese do Estado está nas relações sociais concretas, por
isso, não deve ser compreendido como uma entidade em si. É importante compreender
que o Estado (capitalista) resulta da divisão da sociedade em classes antagônicas:
proprietários dos meios de produção (burgueses) e trabalhadores que possuem apenas a
capacidade de trabalho (proletários) e cumpre a função de manter essa divisão
“assegurando que os interesses particulares de uma classe se imponham como o
interesse geral da sociedade” (COUTINHO, 2011, p.23). Eles definem o Estado como
essência alienada da sociedade civil, de natureza classista e afirmam que a natureza de
classe é mantida pela repressão que se dá ou pela forma legal, por aparelhos
burocráticos executivos, ou pela coerção e violência através dos aparelhos de repressão.
1
Síntese da aula do Professor Demian Bezerra de Melo, durante II Etapa do Curso de Especialização em
Educação, Trabalho e Movimentos Sociais, da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio. 2014
15

Defendem ainda que as estruturas estatais, tais como existem, têm de ser destruídas num
processo de superação do capitalismo, pois não se trata de chegar ao poder, já que
aquele poder para a revolução social não serve. O comunismo representa o fim do
Estado.
Gramsci, a partir da concepção de Marx e Engels, elabora uma ampliação da
teoria marxista do Estado, tendo como pressuposto metodológico a filosofia da práxis, e
concebe “de modo novo a relação entre economia e política, entre infraestrutura e
superestrutura, destacando sempre o papel da ação humana em face das determinações
objetivas” (COUTINHO, 2011, p.20-21).
A concepção defendida por Gramsci de “Estado “ampliado” ou “integral” é a
base da tática e da estratégia política para a transição ao socialismo” (COUTINHO,
2011, p. 28), nela não há separação entre o conjunto de relações que estruturam a base
da sociedade e as ideias, ou seja, entre estrutura e superestrutura. Trata-se de uma
ampliação do conceito em sua morfologia (sociedade política + sociedade civil) e em
sua função (coerção + consenso). Ou seja, há junção da sociedade civil e da sociedade
política, ambas funcionando de maneira imbricada com um caráter molecular de
dominação, mas se encaminhando de formas diferenciadas. Na sociedade civil o
principal instrumento utilizado para aparente conquista da adesão voluntária aos
interesses dominantes é o convencimento, o consenso, a direção político-intelectual,
através da qual as classes buscam aliados para suas posições e vão construindo a
hegemonia.
Assim, a sociedade civil é formada por um conjunto de instituições responsáveis
pela elaboração e difusão de valores simbólicos, de ideologia, os chamados aparelhos
privados de hegemonia (escola, partido político, organizações profissionais, sindicatos,
meios de comunicação, instituições de caráter científico e cultural). Organizações que
difundem valores de uma classe dominante, que garantem a dominação através do
convencimento, a partir dos interesses de frações dessa classe. Já a sociedade política é
o conjunto de aparelhos da classe dominante que exerce o domínio legal, através da
violência (aparelhos coercitivos do Estado) e que está ligada às forças armadas e às leis,
que no seu conjunto são chamados de governo.
Nas sociedades orientais a luta de classes trava-se, predominantemente, ou
mesmo exclusivamente, tendo em vista a conquista ou conservação do Estado. O centro
da luta de classes é a guerra de movimento, através do choque frontal que levará à
conquista do Estado. Nas sociedades ocidentais a luta de classes tem como terreno
prévio e decisivo os aparelhos privados de hegemonia, na medida em que essa luta visa
16

a obtenção da direção político-ideológica e do consenso dos grupos subalternos. O


centro da luta de classes está na guerra de posição, de modo que a classe vai
conquistando espaço e hegemonia na sociedade civil, pois num país cuja “sociedade
civil é rica e pluralista, a obtenção da hegemonia deve preceder a tomada de poder; a
classe revolucionária já deve ser dirigente antes de ser dominante” (COUTINHO, 2011,
p. 28).
Trata-se para Gramsci “de uma arena privilegiada de luta de classes, na qual os
diferentes grupos sociais lutam para conservar ou conquistar hegemonia” (COUTINHO,
2011, p.25). Toda relação de hegemonia pressupõe, como possibilidade, a existência de
experiências, relações e atividades contra hegemônicas que só podem existir com auto-
organização e autoconsciência, pautadas no conjunto das relações sociais de produção.
Nessa perspectiva, o intelectual orgânico tem uma função pedagógica e prática de
organização da classe, de dar organicidade à classe de acordo com a necessidade de
construção da contra hegemonia. Para Gramsci (2011), todos os homens são
intelectuais, têm uma compreensão, visão de mundo, têm capacidade de explicar o real.
Não é aquele que só produz ideias, mas também é capaz de intervir no real e mudar suas
condições de existência. Todos deveriam ser formados para assumir a função de dirigir,
de elaborar formas de socialização da visão de mundo e disseminá-las, entretanto, na
sociedade capitalista somente alguns poucos cumprem a função de intelectual.
Nesta configuração do Estado atual, várias são as investidas da classe dominante
para manter a hegemonia de suas ideias e a educação é um dos instrumentos utilizados
pela mesma. Vejamos o exemplo da Vale, uma das maiores mineradoras do mundo, que
passou de estatal para transnacional. Ao mesmo tempo em que expropria o Estado
brasileiro extraindo suas riquezas naturais, explorando a força de trabalho de centenas
de pessoas, causando diversos impactos para as comunidades por onde passam os trilhos
de ferro, desenvolve, como forma de acomodação das famílias atingidas, projetos
sociais junto aos municípios nos quais estão localizadas tais comunidades.
Assim, através de projetos sociais de educação, saúde, cultura, infraestrutura, a
empresa tenta tornar consensual sua prática de exploração e de dominação, vendendo a
ideia de comprometimento com a educação pública e com a vida das comunidades. Essa
ideia se expressa, por exemplo, na formulação dos objetivos do Programa “Escola que
Vale”:

Colaborar de forma sistemática para a melhoria da qualidade de


ensino em escolas que atendam jovens e crianças de famílias pobres
[...] o trabalho pedagógico do Programa se estruturará em duas
vertentes: a prática da cidadania do ponto de vista das normas, valores
17

e atitudes e, do ponto de vista didático, além do conhecimento da


língua, a resolução de problemas (CARDOSO; PEREIRA; SOARES
s.d., p. 2).

Fica claramente expresso no citado artigo, o papel do intelectual orgânico da


organização social que é o de promover sua hegemonia. Como vimos discutindo, uma
classe não mantém seu domínio somente pela força, mas também pelos interesses
corporativos estreitos, exercendo uma liderança moral e intelectual sobre o conjunto da
população, conformando o conjunto da sociedade segundo as formas de pensar, de
sentir e agir da classe dominante. Para isso, se organiza na forma de partido, como
grande intelectual orgânico coletivo, com a função de organizar a coesão, dando sentido
e direção a esse grupo na conquista de um espaço hegemônico.

Estamos sob a égide de um movo modelo de desenvolvimento, o neoliberal, que,


para Boito Jr. (2007), tem como principais características o declínio do papel do Estado
como empresário e provedor de serviços; a queda no crescimento econômico; a
ampliação da desnacionalização da economia nacional e a redução dos direitos sociais e
trabalhistas. Ao descrever o Estado capitalista neoliberal do Brasil, o autor destaca três
elementos característicos desse modelo. O primeiro é a desregulamentação do mercado
de trabalho e a mercadorização de direitos e de serviços como saúde, educação e
previdência, que atende de modo variado a diferentes setores da burguesia e estimula a
expansão de negócios de uma fração burguesa denominada “nova burguesia de
serviços”. Ao reduzir os gastos sociais tradicionais do Estado, este permite ao grande
capital apropriar-se do orçamento público e de novos nichos de mercado. Ambas
características foram mantidas pelo governo Lula (período), que não apenas manteve as
reformas promovidas por FHC como preparou novas reformas – da previdência, do
estatuto do servidor público, trabalhista e sindical, bem como a privatização de hospitais
e universidades e outros.

Um bom exemplo da mercadorização do direito básico à educação, garantido em


lei constitucional, porém não efetivado, é o programa PROUNI2, que possibilita a
apropriação do orçamento público por empresas capitalistas, que compõem a chamada
burguesia de serviços.

2
Programa do Ministério da Educação que concede bolsas de estudo integrais e parciais de 50% em
instituições privadas de educação superior, em cursos de graduação e sequenciais de formação específica,
a estudantes brasileiros sem diploma de nível superior. Disponível em: http://siteprouni.mec.gov.br/
Acesso em: 5set. 2014.
18

O segundo elemento a que Boito Jr. (2007) faz referência é a política de


privatização que atende diretamente os interesses dos grandes grupos econômicos
privados, excluindo a média burguesia do grande negócio que foram os leilões de
empresas estatais, dentre elas a Vale, nosso objeto de estudo. De acordo com o autor,
menos de 100 grupos econômicos participaram dos leilões, contando com vários tipos
de favorecimento, de modo que grandes empresas industriais como Votorantin, Gerdau e
Vicunha e grandes bancos como Itaú Unibanco, Bradesco e Bozzano-Simonsen, ou seja,
o capital nacional, industrial ou financeiro, e o capital estrangeiro apropriaram-se da
siderurgia, da petroquímica, da indústria de fertilizantes, das empresas de
telecomunicações, da administração de rodovias, de bancos públicos, das ferrovias. Vale
ressaltar que é vergonhosa a legislação criada pelo governo Lula para as parcerias
público-privadas para serviços públicos e de infraestrutura, assegurando às empresas
privadas a suplementação de dinheiro público para os empreendimentos que não
atingirem “a lucratividade esperada” (BOITO, p. 62).

O terceiro elemento que Boito Jr. (2007, p. 63-64) apresenta é a abertura


comercial e a desregulamentação financeira, que atendem

aos interesses do grande capital financeiro, nacional e internacional,


em detrimento mesmo da grande indústria interna que perdeu o
mercado cativo para seus produtos, passou a pagar muito mais caro
pelo capital que toma emprestado, e sofreu a redução da parte da
receita do Estado destinada à infraestrutura e ao fomento da produção.

A correspondência entre os interesses do capital financeiro e o modelo


capitalista neoliberal é a taxa de lucro superior que o sistema financeiro tem obtido
ao longo dos últimos anos em detrimento do sistema produtivo. Segundo a ABM
Consulting, entre 1994 e 2003 o lucro dos 10 maiores bancos brasileiros cresceu
nada menos que 1.039%. Foi nesse contexto, e sob a justificativa de que a crise
brasileira instalada não era apenas financeira, mas uma crise de Estado, que foi
elaborado o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado 3, em 1995, durante
governo de FHC, pelo Ministro da Administração Federal e Reforma do Estado,
Luis Carlos Bresser Pereira.

O argumento utilizado foi o de que o Estado vinha se desviando de suas funções


básicas em função do apoio ao setor produtivo, ocasionando o agravamento da crise
3
Ver: www.bresserpereira.org.br/Documents/MARE/PlanoDiretor
19

fiscal e, por tabela, o aumento da inflação e uma degradação nos serviços públicos
destinados principalmente às camadas da população mais desfavorecidas, aumentando
as desigualdades sociais. Assim, a reforma estatal seria um instrumento para assegurar o
crescimento da economia e corrigir tais desigualdades a partir de uma redefinição do
papel do Estado que, ao invés de ser promotor do desenvolvimento econômico e social,
através da produção de bens e serviços, passaria apenas a regulador e controlador desse
desenvolvimento. Ou seja, diante da suposta incapacidade do Estado de implementar
leis e políticas públicas, ocorre um processo em que o mesmo quer transferir para o
setor privado as atividades que podem ser controladas pelo mercado, desencadeando o
processo generalizado de privatização das empresas estatais.
Em paralelo, ocorre um outro processo, denominado de publicização, que é a
descentralização da execução dos serviços de educação, saúde, cultura e pesquisa
científica para o setor público não estatal, porém, sendo subsidiado pelo Estado,
conforme explicam Pereira, Cardoso e Soares (1995, p. 13) na sua formulação:

Através desse programa transfere-se para o setor privado a tarefa da


produção que, em princípio, este realiza de forma mais eficiente.
Finalmente através de um programa de publicização, transfere-se para
o setor público não estatal a produção de serviços competitivos ou não
exclusivos do Estado, estabelecendo-se um sistema de parceria entre
Estado e Sociedade para seu financiamento e controle.

Evidenciada a essência dessa definição política, que provocou mudanças


extremamente significativas ao país, principalmente no que se refere à privatização das
estatais, dentre elas a Vale, no próximo item vamos mostrar como se dá na arena da luta
de classes a disputa por hegemonia e como as organizações empresariais se utilizam da
educação para construir sua hegemonia diante da classe dominada, oferecendo a esta os
bens e serviços que o Estado supostamente não é capaz de oferecer, fazendo-se
confundir com o próprio Estado, constituindo uma estrutura social homogênea e
gelatinosa.

1.2 As Organizações Empresariais e a Educação: uma relação necessária ao capital

Diversos são os meios que a burguesia utiliza para educar a classe trabalhadora e
construir a hegemonia: no processo de trabalho, disciplinando a cabeça, as mãos e o
20

trabalho; através do Estado, por meio da escola, seja pública ou privada, das regras e
valores; através da mídia e ações culturais.
O processo de construção de hegemonia acontece através da coerção e do
consentimento, no amplo e complexo processo pedagógico de disseminação do interesse
de uma classe ou de frações de classe sobre a outra. As regras devem ser obedecidas ou
sofrem-se processos de represália. Por exemplo, se não votar ou não frequentar a escola,
pode-se perder a Bolsa Família.
Martins & Neves (2012) se referem à pedagogia da hegemonia, identificando duas
fases históricas. A primeira vai do pós-guerra, 1945, até final dos anos de 1980; a outra
da última década do século XX às duas primeiras do século XXI, quando se instala o
neoliberalismo. A primeira fase tinha por objetivo sobrepor o capitalismo ao socialismo
e convencer as frações da classe trabalhadora organizadas em partidos e sindicatos a não
se identificarem com o projeto socialista de sociedade.
Na segunda fase, o capitalismo aparece como a única forma possível para a
humanidade. Não existem mais projetos antagônicos, pois o projeto socialista
supostamente fora derrotado com o fim da Guerra Fria. A tese é de que é possível a
coexistência entre mercado e justiça social, conquistada a partir da concertação social,
ou seja, todos participando para resolver de forma harmônica os conflitos de interesse
pessoal ou grupista.
A pedagogia da hegemonia, segundo Martins & Neves (2012), nada mais é do que
uma estratégia de dominação de classe por meio da educação, como mecanismo de
reprodução da forma de trabalho e para a educação moral e intelectual da classe
trabalhadora. Para tal empreitada, seria necessário contar com um conjunto de
intelectuais orgânicos da burguesia, singulares e coletivos, para implementar as políticas
sociais, de caráter universal, criadas neste contexto. Intelectuais singulares são
indivíduos que difundem na sociedade os valores, ideias e práticas do projeto
capitalista; intelectuais coletivos seriam as organizações internacionais, regionais, locais
e nacionais que educam o consentimento do conjunto da população ao projeto
econômico, político e ideológico da classe dominante como: Banco Mundial, Fundo
Monetário Internacional (FMI), Organização das Nações Unidas (ONU) e Organização
para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Outro elemento da pedagogia da hegemonia que Martins & Neves (2012)
discutem é o da repolitização da política por meio da reestruturação das práticas
governamentais para o crescimento econômico mundial e uma reestruturação da
natureza e das práticas dos organismos da sociedade civil voltados para a legitimação da
21

ordem capitalista. O Estado não executa as políticas econômicas, apenas as gerencia e


intervém quando é necessário. Essa reestruturação é responsável pela “simbiose entre
público e privado, na qual as instituições realizam ações de interesse público”
(MARTINS; NEVES, 2012, p. 543). Os valores neoliberais são o empreendedorismo e a
colaboração e os aparelhos privados de hegemonia responsáveis por transmitir esses
valores são a mídia, a escola e a igreja.
No Brasil, o interesse dos empresários pela educação não é recente, surge junto
com o processo de industrialização tardio, na década de 1930. Entretanto, da sua origem
até hoje, o seu objetivo é o mesmo: atender às necessidades do capital. Assim, em cada
momento histórico, a classe empresarial vai colocando sua demanda para a educação.
Na década de 1960, organizados no Movimento Aliança para o Progresso, em
articulação com a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional,
lideraram a contrarreforma da educação, produzindo novos marcos para a Universidade,
Lei nº. 5.540, de 28 de novembro de 1968 e Educação de 1º. E 2º. Graus, Lei nº. 5.692,
de 11 de agosto de 1971, tendo esta última como marca a profissionalização
compulsória no então Ensino de 2º. Grau. As escolas agrotécnicas e a assistência técnica
rural estavam pautadas na chamada Revolução Verde, pacote pensado pelo Banco
Mundial para desenvolver a agricultura nos países em desenvolvimento, dentre eles o
Brasil. (LEHER, 2014, p.72).

A década de 1980 foi idealizada como o período em que o Brasil seria


transformado em um país do “primeiro mundo” e seria uma “economia competitiva”
(RODRIGUES, 2007, p.11). Com esse propósito, a Confederação Nacional das
Indústrias (CNI) organiza seu discurso e sua estratégia, que se integram ao conjunto de
medidas colocadas pelo novo modelo de organização da produção, o neoliberalismo,
absorvidas pelo Governo de FHC, no Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado
(BRASIL. MARE, 1995), do qual tratamos, e que abre o caminho para as organizações
sociais prestarem serviços sociais de educação, saúde, cultura, legitimando a
interferência das empresas na educação, através de seus Institutos e ou Fundações. A
educação passa a ser pensada a partir de princípios da administração, os diretores
passam a gestores das escolas, que devem estar voltadas para o cumprimento de metas,
eficiência e qualidade total, definidos de acordo com os interesses da classe dominante,
expressos em programas de financiamento dirigidos para as escolas como: o Programa
Dinheiro Direto na Escola (PDDE) e o Sistema de Avalição da Educação Básica(Saeb),
que tem como referência o Programa Internacional de Avaliação de Alunos(Pisa). A
22

eficácia da educação passa a ser avaliada pelos resultados da aprendizagem e a


“dimensão ensino vai sendo apagada e, com ela, o trabalho docente” (LEHER, 2014,
p.74).
O governo dos períodos seguintes, Lula da Silva (2003 - 2010) e Dilma Roussef
(2011 - atualidade), mantiveram essa lógica, ampliada e reforçada inicialmente por Lula,
que resolve incorporar à política governamental, através do Plano de Desenvolvimento
da Educação (PDE), instrumento criado pela classe dominante expressa no Movimento
Todos pela Educação (MTPE), sendo continuada pelo governo Dilma, que mantém essa
lógica, conforme Decreto nº. 6.094, de 24 de abril de 2007, a Lei nº. 12.695, de 25 de
julho de 2012 e a Lei nº. 13.005, de 25 de junho de 2014 (LEHER, 2014, p.74).
O MTPE configura-se como um intelectual orgânico da classe dominante, um
poderoso aparelho de hegemonia, guarda-chuva que reúne várias entidades de classe:
Confederação Nacional da Indústria (CNI), Confederação Nacional da Agricultura
(CNA), Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG) e corporações como a Vale,
Monsanto, Syngenta. Tem por objetivo organizar os setores burgueses para hegemonizar
o bloco no poder, através da educação. Trata-se da maior coalisão empresarial atuante
nessa área, que vem querendo modificar a função social da escola, direcionando-a para
a formação de competências, que combinam capital humano e capital social, implicando
num sistema de avaliação complexo responsável pela regulação de todos os passos da
escola desde a Educação Infantil à graduação (LEHER, 2015, p.1).
O objetivo do MTPE é formar capital humano, criar mecanismos para que na sala
de aula o professor nunca deixe essa perspectiva. Trabalha com a ideia de competência
para formar o pensamento científico e cultural para algo que tenha vinculação com a
maneira de resolver problemas práticos – pragmatismo, tentando retirar a ciência, a
tecnologia, a arte, a cultura, que são os fundamentos da escola omnilateral. A
preocupação é formar os descritores da aprendizagem e avaliar se as metas estabelecidas
foram ou não cumpridas. A educação é pensada a partir de três pilares: metas, avaliação
e qualidade e tem como instrumento de avaliação o Índice de Desenvolvimento da
Educação Básica (IDEB) (fonte), para avaliar se a educação é ou não eficiente, sendo a
suposta eficiência recompensada com premiação. É um instrumento que está para além
da avaliação, tendo também como fim estabelecer as metas e interferir no planejamento
das escolas. Para o fim da avaliação, se esgota dentro da sala de aula e representa para a
classe trabalhadora uma derrota estrutural, pois ao aceitar essa forma de avaliação,
aplicada para todos de maneira igual, como se a educação fosse ofertada de maneira
igual para todos, estamos aceitando que não existem classes sociais nas escolas, quando
23

sabemos que na sociedade capitalista a escola sempre foi dual, uma para os filhos da
burguesia, outra para os filhos dos trabalhadores.
Esse Movimento compreende que a educação deve ser objeto de Parcerias
Público-Privadas (PPP). Nessa mesma perspectiva, existem várias corporações que
atuam na educação, dentre elas está a ABAG que desenvolve, a partir de 2008, o
Programa Educacional Agronegócio na Escola (fonte), em escolas municipais do 6º ao
9º ano, na região de Ribeirão Preto, São Paulo, conhecida como “capital do
agronegócio”. Esta ação pedagógica foi definida após diagnóstico que identificou uma
imagem negativa do agronegócio, vinculada ao trabalho escravo e às queimadas e teve
por objetivo mudar essa imagem, associando-a ao tema da sustentabilidade.
Ressaltamos que, de 2001 a 2008, o Programa foi desenvolvido em parceria com a rede
estadual, destinado aos estudantes do Ensino Médio para lhe ensinar os fundamentos do
agronegócio.
O desenvolvimento do Programa requer a adesão de docentes para cumprir a
função de intelectuais, na concepção gramsciana, responsáveis pela elaboração dos
projetos pedagógicos, a partir da intencionalidade da ABAG expressa no material
didático fornecido para o desenvolvimento do trabalho. São sujeitos da classe
trabalhadora, introduzindo no seio desta, através da educação de seus filhos, a ideologia
da classe dominante (LAMOSA, 2014).

Nessa mesma linha da ABAG, a Vale, supostamente preocupada com a melhoria


da qualidade de vida das comunidades por onde passa a Estrada de Ferro Carajás,
através da Fundação Vale, elabora projetos sociais alicerçados em três pilares: Saúde,
Educação e Geração de Trabalho e Renda, na perspectiva de fortalecimento das políticas
públicas. Esses projetos são realizados através daquilo que a Fundação denomina de
Parceria Social Pública-Privada (PSPP) entre a Vale e os atores 4: atores locais, gestores
públicos, lideranças comunitárias e população. Sua estratégia é de cooperação com
parceiros externos, através de termos de cooperação e convênios estabelecidos com os
Ministérios da Educação, da Saúde e das Cidades e órgãos do Governo Federal, como a
Secretaria Nacional dos Direitos Humanos. Participam Organizações Não
Governamentais (ONG), a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência
e a Cultura (UNESCO), e as Universidades (VALE, 2014).

4
Esclarecemos que esse é um termo utilizado pela Vale, com o qual discordamos neste contexto, pois,
trata-se de sujeitos de uma realidade, e não apenas atores que a-representam.
24

O conceito Parceria Social Público-Privado foi cunhado pela própria Vale, em


2012, por um Grupo de Trabalho 5 (GT) multidisciplinar formado por especialistas
nacionais e internacionais, nas áreas de desenvolvimento sustentável, planejamento
urbano, investimento social corporativo e relação com o poder público, voltado para a
produção de conhecimento sobre o novo papel do governo, empresas e sociedade diante
das transformações do mundo contemporâneo, expresso no Texto de Referência sobre
Parceria Social Público-Privada. Segundo a Fundação, a iniciativa teve como ponto de
partida a necessidade de atualização do embasamento de seus investimentos sociais,
considerando que o modelo de negócio da Vale está diretamente relacionado ao
desenvolvimento territorial (FUNDAÇÃO VALE, 2013).
O documento traz uma leitura de que os municípios por onde passam os grandes
empreendimentos empresariais, especificamente no caso da mineração, objeto de estudo
do GT, apresentam déficit na infraestrutura urbana, escassez de mão de obra qualificada,
fragilidade na gestão pública, baixa oferta de serviços públicos e que são as empresas a
única fonte de renda e desenvolvimento nesses territórios. Com base nisso, defendem a
necessidade de uma articulação intersetorial para superar as ações fragmentadas e da
sociedade, devendo-se estabelecer um “diálogo intragovernamental e intersetorial e,
sobretudo, ao diálogo com a comunidade, como sujeito social relevante que atua na
esfera pública” (FUNDAÇÃO VALE, 2013, p. 9).

Para o sucesso da PSPP, é necessário entender que o engajamento de


todos os atores viabiliza o aperfeiçoamento das políticas e das ações
desenvolvidas pelas comunidades. A visão da PSPP, nesse sentido,
assenta-se no conceito de esfera pública, entendendo que a cidadania
não se restringe ao âmbito do Estado, que “a vida pública” não é feita
apenas dos atos do governo, mas também de ações de grupos,
instituições e indivíduos que têm por fim atender os objetivos sociais
(FUNDAÇÃO VALE, 2013, p. 14).

O diferencial nesse novo conceito de Parceria Social Pública-Privada é o


elemento da participação da esfera social e comunitária, ou seja, a participação da
comunidade nas decisões sobre os projetos que devem ser desenvolvidos para amenizar
as mazelas existentes nos territórios por onde passa ou se instala a empresa, de maneira
que o sujeito se sinta responsável pela solução dos problemas que afligem os
municípios/comunidades que, aliás, são muito bem descritos pela própria empresa no
5
Dentre as organizações que participaram da elaboração do texto, destacamos o Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID), Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a Cultura
(UNESCO), Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDS). (FUNDAÇÃO VALE,
2013, p.10).
25

documento. A sociedade passa a ser agente da parceria, sob sua nova roupagem, a da
cooperação.
Além da Fundação Vale, o documento traz vários outros exemplos de empresas e
seus braços que estabelecem parcerias intersetoriais, dentre elas, o Instituto Camargo
Correa, criado para orientar o investimento social privado das empresas do Grupo
Camargo Correa e que, em 2011, assinou um acordo de cooperação técnica e financeira
com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para
ampliação de seus projetos, num valor de 50 milhões de reais, sendo metade desse valor
financiado pelo banco e a outra pelo próprio Instituto. Essa ampliação deverá abranger
municípios relacionados ao Programa Territórios da Cidadania6, do Governo Federal
que tem como meta superar a pobreza e gerar renda no meio rural (FUNDAÇÃO VALE,
2013, p. 44).
Cita-se também o Instituto Votorantim, criado em 2002, para promover o diálogo
entre as empresas do grupo e as comunidades, partindo da ideia da sustentabilidade e
desenvolvimento das comunidades como premissa para desenvolver bem os negócios
em regiões de extrema pobreza. Exemplo é o município de Primavera, no Nordeste do
Pará, onde a Votorantim Cimentos prevê a produção de 1,3 milhão de toneladas de
calcário ao ano, a partir de 2015, enquanto os indicadores sociais enfatizam que metade
da população de 10.000 habitantes está abaixo da linha de pobreza e os serviços
públicos de saúde, assistência social e sistema de saneamento básico são precários e
insuficientes. A partir dessa realidade e dos questionamentos da comunidade e do
Ministério Público acerca dos impactos do investimento no município, o Instituto
Votorantim entra em ação para fazer um estudo de impacto social e elaborar um plano
de desenvolvimento sustentável para Primavera, articulando parcerias intersetoriais e
recursos para desenvolver seus projetos sociais (FUNDAÇÃO VALE, 2013, p. 69).
Dentre as ações do plano elaborado pelo Instituto Votorantim está, inclusive, a
revisão do Plano de Ações Articuladas (PAR) que permitiu à prefeitura acessar recursos
do MEC e governo do Estado para a construção de uma escola de Ensino Fundamental e
Educação Infantil, indicando a incidência orgânica da empresa na educação do

6
O Governo Federal lançou, em 2008, o Programa Territórios da Cidadania com o objetivo de
promover o desenvolvimento econômico e universalizar programas básicos de cidadania por
meio de uma estratégia de desenvolvimento territorial sustentável. A participação social e a
integração de ações entre Governo Federal, estados e municípios são fundamentais para a
construção dessa estratégia.
26

município (fonte). Foram feitas capacitação de gestão municipal, capacitação de mão de


obra, através de cursos de qualificação profissional e cursos técnicos, com
possibilidades de ampliação via PRONATEC (FUNDAÇÃO VALE, 2013, p. 72).
Outro exemplo “bem-sucedido” de parceria intersetorial que o relatório da
Fundação Vale apresenta é o da empresa Gerdau, uma das principais fornecedoras de
aço no mundo. Igualmente às demais, tem como seu braço o Instituto Gerdau que
desenvolve seus projetos de responsabilidade social. Logo após sua implantação na
região da Serra do Ouro Branco, em Minas Gerais, criou o Programa de Educação e
Conservação Ambiental Gerdau Germinar, a partir de uma demanda apresentada pelas
comunidades de interesse em conhecer o processo de produção e a relação com o meio
ambiente. O Programa é calcado no trinômio educação, ambiente e cidadania
(FUNDAÇÃO VALE, 2013, p. 74).
Tivemos a oportunidade de conhecer de forma breve, pelo documento da
Fundação Vale, quatro empresas e seus braços criados com o mesmo objetivo, os
territórios por ocupados e ações em parcerias com o poder público e demais setores da
sociedade. É nessa relação que se dá o processo de convencimento da população de que
a empresa, ao desenvolver seus negócios, não está preocupada apenas em obter lucros e
seu próprio crescimento econômico, mas, sim, de que está realmente preocupada com a
sustentabilidade dos territórios, com a não oferta dos serviços públicos pelo Estado e em
minimizar as desigualdades sociais, passando a ideia de que aquele grande
empreendimento causa impactos positivos e a empresa, em parceria com todos os
atores, pode solucionar as carências dos municípios e melhorar a qualidade de vida da
população.
Vimos que para as corporações organizarem seus projetos de responsabilidade
social, em que os projetos educacionais sempre estão inseridos, foi necessário criar
Institutos e/ou Fundações e formar seus intelectuais orgânicos que vão disseminar suas
ideias como as ideias de toda a sociedade. Ou seja, são os empresários educando o
conjunto da sociedade e, em particular, a classe trabalhadora na perspectiva da
hegemonia da classe dominante.
Outro exemplo que podemos citar nessa arena de luta é a apropriação pelo grande
capital dos recursos públicos, através das políticas sociais, como o PRONATEC–
CAMPO7, que deveria ter sido elaborado a partir dos princípios da educação do campo,
7
O Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC) foi criado pelo Governo
Federal, em 2011, por meio da Lei 11.513/2011, com o objetivo de expandir, a oferta de cursos de
educação profissional e tecnológica no país. A partir de 2013, as instituições privadas, devidamente
27

da necessidade e com a participação dos sujeitos do campo, no entanto, foi elaborada


pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR), ligado à CNA, de acordo os
interesses da mesma, conforme declara o Manifesto8 do Fórum Nacional de Educação
do Campo – FONEC:

Não reconhecemos a proposta do PRONATEC Campo elaborada pelo


SENAR/CNA, pelo projeto de campo que representa e porque como
política o PRONATEC ignora as experiências de Educação
Profissional realizadas por instituições como SERTA, MOC, ITERRA,
Escolas Famílias Agrícola – EFAs, Casas Familiares Rurais – CFRs e
pelo próprio PRONERA em parceria com os Institutos Federais, entre
outras. (2012, p. 3).

O programa não só foi elaborado pela entidade, como tem sido acessado pela CNA,
através de seu braço SENAR, com o objetivo de formar rudimentarmente mão de obra
barata para o desenvolvimento do agronegócio, como enuncia uma de suas mais ilustres
representantes, Kátia Abreu:

O Tocantins tem se destacado em todo o país pela qualidade dos


cursos oferecidos e também pela demanda atendida. Em 2012, quando
o programa foi lançado no nosso estado, inclusive com a presença da
presidente Dilma Roussef, idealizadora do programa, conseguimos
formar cinco mil alunos, batendo recorde nacional. Em 2013, pela
segunda vez também conseguimos o maior número de alunos
formados no país, com mais de 11 mil. E para este ano a nossa meta é
de 28 mil. Este sim é o verdadeiro salto para um futuro promissor
através da educação.

Vemos não apenas a interferência das empresas na educação, utilizando-a como


instrumento para transmitir os valores e interesses de uma classe ou de uma fração de
classe como se fossem os de toda a sociedade, como vemos entidades que representam a
classe dominante se apropriarem de políticas públicas conquistadas pela classe
trabalhadora, dando-lhes outro sentido ou, ainda, políticas que foram construídas com o
intuito de fortalecer as parcerias público-privadas, como é o caso do PRONATEC.

habilitadas pelo Ministério da Educação, também passaram a ser ofertantes dos cursos do Programa.
Também são ofertantes as instituições do Sistema S, Serviço Nacional da Indústria (SENAI), Serviço
Nacional de Aprendizagem do Transporte (SENAT), Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
(SENAC) e Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR). De 2011 a 2014, por meio do
PRONATEC, foram realizadas mais de 8 milhões de matrículas, entre cursos técnicos e de formação
inicial e continuada. Por meio da interface com o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e
Emprego – PRONATEC, o PRONACAMPO promoverá o acesso à educação profissional e tecnológica
aos jovens e trabalhadores do campo e quilombolas.
8
Este Manifesto foi apoiado e reafirmado pelos participantes do Encontro Unitário dos Trabalhadores,
Trabalhadoras, e Povos do Campo, das Águas e das Florestas, realizado em Brasília nos dias 20 a 22 de
agosto de 2012.
28

No capítulo seguinte vamos tratar especificamente da empresa Vale, traçando um


breve histórico, desde sua criação como empresa estatal, o processo de privatização, que
se deu em 1997, até os dias atuais, apontando as contradições do chamado
“desenvolvimento” na relação com a camada da população atingida pelos trilhos de
ferro. Traremos, também, o histórico da Fundação Vale, seus objetivos, sua missão
pedagógica, os seus princípios e valores, mapeando os projetos e ações desenvolvidos,
mostrando como são definidos, implantados e com quais interesses e a abrangência no
Maranhão.
29

CAPÍTULO II - A FUNDAÇÃO VALE E O COMPROMISSO


SOCIAL COM A EDUCAÇÃO

Neste capítulo trataremos da Fundação Vale, partindo de uma breve


contextualização da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), empresa estatal criada em
1942, sob a égide do desenvolvimento do capitalismo brasileiro, passando pela era da
privatização que demarca o novo modelo em que se insere a economia brasileira, o
neoliberalismo, ainda perseguindo a mesma meta de décadas atrás, a do
desenvolvimento da economia do país e de sua inserção e manutenção no cenário
internacional. Em 1997, a empresa passa de estatal à privada e recebe uma nova
denominação: Vale. Em seguida, faremos uma apresentação do histórico da Fundação
Vale, quando foi criada, com que objetivos, qual sua missão pedagógica, seus princípios
e valores, seus projetos e ações desenvolvidas.

Dedicaremos mais tempo e estudo aos projetos educacionais, identificando a


abrangência destes no Maranhão, tendo em vista compreender o cerne da proposta
educacional de uma empresa transnacional, considerada a maior mineradora do mundo,
através de seu instrumento que é a Fundação Vale, sob a hipótese de que a mesma foi
criada com o objetivo de construir o consenso e o consentimento da população em torno
das ações destruidoras da empresa.

2.1 Da Companhia Vale do Rio Doce à transnacional Vale

No Brasil, o período de 1930 a 1950 configurou-se como um momento


importante para a história da industrialização do país que teve seu ápice na década de
1970, durante o regime militar com o chamado “milagre econômico”. Esse período foi
caracterizado pela interferência do Estado brasileiro na economia nacional, no intuito de
transformá-lo em um país desenvolvido.
30

Para isso, foram construídas ferrovias, portos, rodovias, indústrias de mineração,


hidrelétricas e foi criada a Companhia Vale do Rio Doce, em 1942, pelo Decreto Lei nº
4.352, de 1º de junho assinado pelo presidente Getúlio Vargas. A principal motivação
era fornecer minérios aos EUA e Inglaterra para a fabricação de armas e,
posteriormente, ao Japão que necessitava do minério para se reconstruir no pós II
Guerra Mundial.
Essa ideia de transformar o Brasil num país de primeiro mundo, deixando de ser
agrário para ser “moderno”, “desenvolvido”, associando a ideia do urbano ao industrial,
perseguiu Getúlio Vargas que em seu segundo mandato, de 1951-1954, criou a Petrobrás
(1952) e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Nesse
período, o governo brasileiro assumiu um papel importante de controle e condução da
Vale (RIBEIRO JUNIOR, 2011), pois, na década de 1950, o Governo assume de forma
definitiva o controle do sistema operacional da mineradora.
Mais especificamente no governo de Juscelino Kubitschek, o processo de
industrialização, de produção de máquinas, insumos, ferrovias foi bastante estimulado.
A máxima era fazer avançar a industrialização e substituir as importações, tendo como
prioridade a entrada do capital estrangeiro através de empréstimos, o que acarretou
posteriormente uma enorme dívida externa, problema a ser solucionado pelos governos
seguintes.
O Brasil adentra a década de 60 com o modelo econômico industrial definido,
com um crescimento de 7% ao ano, porém com uma alta inflação e um descontrole das
contas públicas. Nesse período, a Vale representava 69,9% das exportações de minério
de ferro do Brasil e, em 1976, é considerada a principal exportadora de minérios do
Brasil (IBASE, 2014).
Essa investida no processo de industrialização continua no período da Ditadura
Civil-Militar com foco na especialização minério-exportadora e na criação de grandes
projetos, entre o final da década de 70 e o início da década de 80 do século XX, como
foi o Programa Grande Carajás, que abrange o Maranhão e o Pará, para exploração de
jazidas de minério de ferro existentes no estado do Pará. Foi necessário realizar
empréstimos junto ao Banco Mundial, aumentando a dívida externa outrora
mencionada. Este foi o principal programa criado nesse ramo e o governo de João
Figueiredo (1979 – 1985) acreditava que seria fundamental para a negociação da dívida
pública.
O projeto da Estrada de Ferro de Carajás é de 892 quilômetros de extensão e
transportava anualmente 35 milhões de toneladas de minério da Serra dos Carajás para o
31

Porto de Madeira em São Luís, num trem que mede 3,5 quilômetros de comprimento,
composto de 330 vagões, que atravessa 23 municípios no Maranhão e 4 no Pará,
passando por mais de 100 povoados, onde habitam os diversos sujeitos do campo:
ribeirinhos, quilombolas, indígenas, quebradeiras de coco, assentados da reforma
agrária (IBASE, 2014; SILVA, 2013).
Para a implantação do programa foi necessário um trabalho de convencimento
da população, através do discurso de desenvolvimento e da geração de emprego e renda.
Entretanto, o que correu foi a estruturação de um complexo siderúrgico que se explica
em si mesmo e que causou vários impactos, desde a década de 1970, quando foram
realizadas as desapropriações nos povoados por onde iria passar a ferrovia. Uma vez
instalada, as comunidades sofrem interferências irreparáveis em seu modo de vida:
“desde as atividades mais corriqueiras do dia-a-dia, como ir à roça e à escola, até os
momentos mais sagrados e reverenciais do existir, como o nascimento e a morte, nesses
povoados, dão-se sob os ditames da infraestrutura férrea” (SILVA, 2013, p.11).
Na década de 80, a CVRD destinava 48% de sua produção para o mercado
asiático, especialmente o Japão, entretanto, no final dessa década, a empresa tem um
prejuízo de 150 milhões de dólares e uma dívida de US$ 3 bilhões, ocasionado pelos
sucessivos empréstimos efetuados e pela desvalorização do dólar, entre os anos de 1985
e 1987. Esse foi um dos argumentos utilizados anos depois pelo Governo de Fernando
Henrique Cardoso (FHC) (1995 – 2002) para efetivar a privatização da empresa, mesmo
que no ano seguinte tenha havido o aumento das exportações e a estabilização do dólar,
elevando os rendimentos para 210,5 milhões de dólares e 743,5 milhões, em 1989
(IBASE, 2014).
Em 1997, o governo FHC implantou o Plano Nacional de Desestatização,
utilizando-se da justificativa de que com as privatizações seria possível diminuir a
dívida pública e dentre as estatais privatizadas estava a CVRD, cujo controle acionário
foi repassado para a iniciativa privada por R$ 3,338 bilhões. É válido ressaltar que essa
medida não resolveu o problema da dívida pública, que aumentou de 32,84% do PIB
(1997), para 39,40% (1998) e 48,50% (1999) (IBASE, 2014).
Quem mais se beneficiou com essa privatização foi o mercado financeiro que
entre os anos de 1997 e 2013 totalizam um lucro de US$ 37,286 bilhões, os
trabalhadores foram os maiores prejudicados, tendo em vista a demissão em massa de
mais de 5.000 trabalhadores, entre 1996 e 1997, e ainda sofreram uma redução no
salário. Outros impactos para os trabalhadores foram a ideologia individualista e
competitiva adotada pela CVRD e a terceirização que remete à precarização do
32

trabalho, pois as empresas contratadas para prestarem serviços à CVRD precarizam


ainda mais o trabalho, pagando valores inferiores aos que eles recebiam anteriormente
(IBASE, 2014).
A afirmação de quem mais se beneficiou com a privatização foi o mercado
financeiro se evidencia quando constatamos que, no período de 2001 a 2011, as ações
da empresa valorizaram em 834%. Período em que se intensificou a internacionalização
da empresa, sob a administração de Roger Agneli, ampliando a atuação da Vale no
Canadá, Nova Caledônia, Japão, Angola, África do Sul, Argentina, Chile, dentre outros.
Em 2007, o supracitado presidente anunciou a mudança no nome da mineradora, de
CVRD para Vale, sob a justificativa da necessidade de uma marca global, considerando
o contexto da globalização (IBASE, 2014).
Ressaltamos que, atualmente, a política de desenvolvimento do país tem como
setor estratégico a mineração, uma vez que detém as maiores reservas mundiais de
nióbio, é o segundo maior produtor de minério de ferro, o terceiro de bauxita e o sexto
de manganês. Este setor se consolidou nos dois últimos governos federais através do
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC 1 - 2008-2010; PAC 2 - 2011-2014) e
tem como referência as grandes corporações internacionalizadas, como a mineradora
Vale, que está entre as seis maiores empresas internacionalizadas do setor mineral
brasileiro e das mais lucrativas do país (FAUSTINO, 2013).
Um dado importante para compreendermos o significado deste setor para a
economia brasileira, especialmente no que se refere à inserção do país no mercado
global, é o aumento da extração do minério de ferro de 212 milhões de toneladas anuais
para 390 milhões, no período de 2000 a 2011, sendo que 330 milhões de toneladas
foram destinadas à exportação, representando, em 2011, 91,6% das exportações dos
bens primários de mineração. Destacamos ainda que a Vale é responsável pela
exportação de 84% do minério de ferro produzindo no Brasil (FAUSTINO, 2013). Dada
a importância do setor de mineração para a economia brasileira, o Instituto Brasileiro de
Mineração (Ibram) informou a previsão de um investimento de US$ 75 bilhões para a
indústria de minério, principalmente de ferro, no período de 2012-2016, quando, até
então, o investimento era de US$ 15 bilhões (FAUSTINO, 2013).
Nessa perspectiva, a Vale pretende aumentar sua produção de 110 milhões de
toneladas ao ano para 230 milhões, através do projeto de expansão Ferro Carajás S11D,
que consiste na abertura de uma nova mina, a duplicação da Estrada de Ferro Carajás, a
expansão do Terminal Portuário de Ponta da Madeira, dentre outras ações. Decerto, a
Vale contará com o apoio do Estado, considerando a definição de investimento no setor
33

e a prática que vem acontecendo de apoio aos seus projetos, a exemplo do empréstimo
de R$ 3,882 bilhões que o BNDES fez para a empresa, em 2012, o maior empréstimo
para uma única empresa neste ano (FAUSTINO, 2013).
Faz-se necessário compreender que, nesse contexto de desenvolvimento, tanto
na perspectiva do Estado desenvolvimentista, onde os aparatos do Estado são colocados
a serviço do desenvolvimento capitalista dos países periféricos, como na perspectiva do
Estado neoliberal, onde a iniciativa privada tem total liberdade de atuar e definir o
mercado e a economia, é produzida uma enorme desigualdade social, na qual os frutos
da modernização econômica são absorvidos pelos proprietários, sendo negada à maioria
da população a possibilidade de usufruir desses frutos. Isso pode ser constatado ao
analisarmos, por exemplo, a realidade socioeconômica dos municípios por onde passa o
maior trem do mundo, transportando toneladas de minério, que se traduzem numa
riqueza extraordinária em matéria prima do país. Esta realidade não é, porém, objeto
deste estudo, entretanto sabemos que o Maranhão é um dos estados mais pobres, ao
mesmo tempo em que sedia o Porto da Madeira que recebe e exporta diariamente o
minério produzido no Pará.
Na verdade, existem enormes contradições entre o desenvolvimento do capital
brasileiro e a garantia de direitos humanos, o que se evidencia nesse caso específico da
Vale, responsável pelo complexo de extração, beneficiamento e escoamento do minério
de ferro de Carajás (PA) ao Porto da Madeira, em São Luís (MA), e pela violação dos
direitos decorrentes desse processo.
O que resta às populações atingidas pela Estrada de Ferro Carajás é a violação
dos direitos humanos e sociais, conforme elencam Coelho e Faustino (2014, 2013): a
Vale é campeã em conflitos socioambientais pelo mundo, causando desmatamento e
perda da biodiversidade; estabelece parcerias com siderúrgicas que utilizam mão de
obra escrava para produzir carvão vegetal; causa vários impactos às comunidades do
entorno das minas e ferrovias, tais como mortes por atropelamentos nas ferrovias (foram
175 até 2012); remoção forçada das famílias de seus territórios, interferência na
sociabilidade das comunidades, migração, poluição sonora, do solo, do ar e da água que
causam doenças pulmonares, oftalmológicas e dermatológicas, mortalidade dos peixes e
de animais silvestres; provoca rachaduras nas casas; utiliza serviço de espionagem ao
movimentos sociais, ativistas políticos e funcionários; tem influência na não
regularização da áreas quilombolas e indígenas; tem influência política sobre o sistema
educativo, inferindo na autonomia cultural das comunidades; dentre outros casos de
violação de direitos.
34

O papel do Estado tem sido de apoio à mineradora em nome da inserção e


manutenção do país no mercado internacional. Afirmação fundamentada em atitudes do
Estado como o apoio ao projeto S11D de expansão do complexo, com a abertura de
novas minas na Flonaca9, duplicação da Estrada de Ferro Carajás e ampliação do Porto
da Madeira, atendendo ao interesse da empresa em acumular mais capital, sem levar em
consideração os problemas ambientais e sociais, que serão acrescidos e as necessidades
e direitos coletivos.
Esse apoio se dá tanto do ponto de vista financeiro, com empréstimos bilionários
pelo BNDES, conforme tratamos, como através do licenciamento ambiental realizado
pelo (IBAMA) de forma fragmentada, como tem ocorrido no processo do S11D. Assim,
o Estado dá o suporte político e aprova marco regulatório, tudo com base na ideia de
internacionalização da economia brasileira, legitimando a empresa perante a sociedade,
sob a justificativa de que está promovendo o desenvolvimento nacional.
Mais que isso, o Estado passa ao setor não estatal o papel de prestação de
serviços sociais e de infraestrutura, especialmente educação e saúde, considerando a sua
capacidade limitada em oferecer esses serviços, cabendo-lhe apenas o papel de
coordenar e regular, juntamente com a sociedade, a implementação das políticas
públicas, calcado no aporte legal que é o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do
Estado (BRASIL. MARE, 1995). Com isso, temos elementos para melhor conhecer e
compreender o histórico e atuação da Fundação Vale.
Antes de adentramos nessa questão, ressaltamos que tanto houve uma reação
contrária da população à privatização, como há neste momento em relação ao projeto de
expansão Ferro Carajás S11D. Em 1997, ano em que ocorreu a privatização, foi
realizada uma grande mobilização em todo o país contra a venda fraudulenta da CVRD.
Após consolidado o processo, houve um movimento da sociedade civil organizada,
movimentos sociais e populares deram entrada em ações populares, chegando ao total
de mais de cem ações, alegando o não cumprimento dos aspectos legais previstos na Lei
de Licitações. Em 2007, os movimentos pastorais sociais, articulados na Assembleia
Popular, organizaram o Plebiscito Nacional sobre a Privatização da Companhia Vale do
Rio Doce. A consulta popular teve sua culminância na mobilização do Grito dos

9
"A Floresta Nacional de Carajás (Flonaca) foi criada em 2 de fevereiro de 1998, através do Decreto nº
2.498. Junto com a Floresta Nacional do Tapirapé-Aquiri, Floresta Nacional de Itacaiúnas, Área de
Proteção Ambiental do Igarapé Gelado e a Reserva Biológica do Tapirapé, ela integra um mosaico de
unidades de conservação na região de Carajás e faz fronteira com a Terra Indígena Xikrin do Cateté. Com
uma extensão de mais de 410 mil hectares, a Flonaca é hoje administrada pelo Instituto Chico Mendes
da Biodiversidade (ICMBio), com relevante participação da Vale “[...] Um dos objetivos da criação da
Flonaca foi a regularização da concessão da área para a Vale” (FAUSTINO, 2013, p. 41).
35

Excluídos, neste mesmo ano. Mais de 3,7 milhões de pessoas votaram em 3.200
municípios distribuídos de Norte a Sul do Brasil, com um resultado de 94,5% de votos a
favor de que a Vale saísse das mãos do controle privado e voltasse para as mãos do
Estado. (THUSWOHL, 2007).
A partir de outros espaços de luta internacional contra o neoliberalismo, de
cunho anti-imperialista e anticapitalista foi sendo construída uma Articulação
Internacional dos Atingidos pela Vale com o objetivo de reunir os mais diversos
movimentos sociais, ambientalista e sindicalistas dos países onde a Vale está instalada,
com a finalidade denunciar e enfrentar os impactos causados pela transnacional. Essa
articulação teve como marco importante o I Encontro dos Atingidos pela Vale, em 2010
no Rio de Janeiro. Até 2013, aconteceram mais dois encontros que resultaram num
acúmulo de debate entre as várias organizações, encaminhando para a definição de
plataformas de lutas em comum sobre três eixos:

o primeiro, relacionado às reinvidicações trabalhistas, contra a


precarização do trabalho e por condições dignas de trabalho; o
segundo, centrado nas questões territoriais das comunidades e bens da
natureza, pela institucionalização de territórios livres da mineração; e
o terceiro, articulando uma relação com o conjunto da sociedade
(SOUSA, 2013, p.97).

Em 2014, aconteceu um importante evento, o “Seminário Interacional Carajás: 30


anos”, cuja base de construção se deu com a participação das comunidades atingidas
pela Vale e teve como principal objetivo avaliar o significado e os resultados do
Programa Grande Carajás após 30 anos de sua implementação e refletir sobre as
contradições do ciclo da mineração e siderurgia. O processo de mobilização foi intenso
e bastante participativo, com a realização de quatro seminários preparatórios no
Maranhão – em Imperatriz e Santa Inez – e no Pará – Marabá e Belém – que contou
com a participação dos atingidos pelos grandes projetos, movimentos sociais, pastorais,
sindicatos e Universidades, num diálogo necessário para construção de estratégias de
luta em defesa da vida desses povos. Não se tratou apenas de um evento, mas de uma
importante articulação com os diferentes sujeitos sociais, na perspectiva de uma leitura
aprofundada da realidade; tratou-se de um momento ímpar de discussão e divulgação
junto à sociedade do significado para a população desse ciclo de produção e dos grandes
projetos realizados em nome de um suposto desenvolvimento 10. Podemos dizer que se
10
Mais informações podem ser encontradas nos Anais do Seminário Internacional Carajás 30 anos:
resistências e mobilizações frente a projetos de desenvolvimento na Amazônia Oriental no site
http://www.seminariocarajas30anos.org/.
36

tratou de um espaço importante de construção da contra-hegemonia.

Figura 1: Mística realizada durante o Seminário Internacional. Maio 2014.


Fonte: http://justicanostrilhos.org/

Figura 2 Mobilização em defesa das comunidades impactadas pelo Programa Grande


Carajás. Maio 2014.
Fonte: http://justicanostrilhos.org/
37

Após a contextualização trataremos no item seguinte da Fundação Vale,


respondendo às questões: quando foi criada a Fundação Vale? Quais os seus objetivos,
sua missão pedagógica, os seus princípios e valores? Quais os seus projetos e ações
desenvolvidas?

2.2 Histórico e caracterização da Fundação Vale

A Fundação Vale foi criada em 1968, inicialmente com o objetivo de atender à


demanda de habitação de um público específico, que eram os empregados da Vale. Em
1997, ano de sua privatização, passa por uma revisão e ampliação, tendo como base as
discussões sobre o papel do Terceiro Setor no desenvolvimento das comunidades e
desenvolver ações e programas para que o desenvolvimento local, resultante dos
negócios da empresa. Pretendia deixar um legado positivo alicerçado em práticas
sustentáveis que beneficiassem tais comunidades e gerassem valor para o território, ou
seja, transformando recursos naturais em prosperidade e desenvolvimento sustentável
(FUNDAÇÃO VALE, s/d, p.7).
Esse discurso da Vale de práticas sustentáveis, de transformar recursos naturais
em prosperidade e desenvolvimento sustentável, de gerar valor para o território não
condiz com o quadro que apresentamos acima de impactos negativos causados às
comunidades e de violação dos direitos humanos, como exemplo o número expressivo
de mortes causadas por atropelamento na ferrovia, lembrando que, segundo depoimento
feito durante o Seminário Internacional Carajás 30 anos, a empresa não tem a iniciativa
em prestar assistência às famílias das vítimas e utiliza o discurso de que as pessoas
estavam alcoolizadas (ANAIS, 2015, p.210). Nem tão pouco, quando analisamos o
diagnóstico sócioeconômico dos municípios por onde passa a transnacional e
constatamos que o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) é inferior à
média do estado, que é inferior à média do país, o que lhe dá o título de um dos estados
mais pobres da federação. É o que demonstra a tabela abaixo:

IDHM MUNICÍPIOS MA POR ONDE PASSA A VALE


38

Lugar
Brasil 0,612 0,727
Maranhão 0,476 0,639
Açailândia (MA) 0,498 0,672
Alto Alegre do Maranhão (MA) 0,331 0,554
Anajatuba (MA) 0,397 0,581
Arari (MA) 0,47 0,626
Bacabeira (MA) 0,433 0,629
Bom Jardim (MA) 0,332 0,538
Bom Jesus das Selvas (MA) 0,364 0,558
Buriticupu (MA) 0,342 0,556
Cidelândia (MA) 0,414 0,6
Igarapé do Meio (MA) 0,341 0,569
Itapecuru Mirim (MA) 0,431 0,599
Itinga do Maranhão (MA) 0,48 0,63
Miranda do Norte (MA) 0,471 0,61
Monção (MA) 0,366 0,546
Pindaré-Mirim (MA) 0,459 0,633
Santa Inês (MA) 0,512 0,674
Santa Luzia (MA) 0,33 0,55
Santa Rita (MA) 0,446 0,609
São Luís (MA) 0,658 0,768
São Pedro da Água Branca (MA) 0,415 0,605
São Pedro dos Crentes (MA) 0,365 0,6
Tufilândia (MA) 0,37 0,555
Vila Nova dos Martírios (MA) 0,379 0,581
Vitória do Mearim (MA) 0,438 0,596

Fonte: PNUD, IPEA, Fundação João Pinheiro. 2013.

O quadro desmistifica a ideia propagada pela empresa que, ao mesmo tempo em


que realiza seus negócios com sucesso e lucratividade, investe em ações voltadas para o
desenvolvimento sustentável dos territórios e melhoria da qualidade de vida da
população.
Compreendendo que o desenvolvimento sustentável não é uma tarefa possível de
ser realizada de forma isolada, a Fundação Vale busca realizar alianças intersetoriais
estratégicas com base no conceito de Parceria Social Público-Privada (PSPP) e no
fortalecimento das políticas públicas nas diversas esferas ( FUNDAÇÃO VALE, p. 11).
Como afirmamos, esse conceito foi cunhado em 2012 por um grupo de especialistas
nacionais e internacionais, e tem seu significado expresso na ideia de somar esforços,
recursos e conhecimento em função de metas comuns que visem o desenvolvimento do
39

território. Assim, a partir da PSPP, a Vale enquadra todos os atores locais, gestores
públicos, lideranças comunitárias e população numa estratégia de cooperação, com
parceiros externos, através de termos de cooperação e convênios estabelecidos com o
Governo, Organizações Não Governamentais (ONG) e Universidades, para desenvolver
seus projetos sociais (VALE, 2014).
Além de dizer estar preocupada com a sustentabilidade dos territórios, a Vale
também afirma estar preocupada com o fortalecimento das políticas públicas que têm
sido fragilizadas pela limitação do Estado em implementá-las, sendo necessário, nesta
concepção, a interferência do setor privado na prestação dos serviços sociais, na gestão
do público conforme estabelece o Plano Diretor do Estado (MARA,1995), em
consonância com as definições e medidas neoliberais definidas pelos organismos
internacionais.
Nessa mesma lógica da Fundação Vale, um conjunto de fundações privadas e
associações sem fins lucrativos as chamadas Fasfil, que aumentaram em 215,1% no
período de 1996 a 2005, entram na arena política e “em troca de isenções fiscais
governamentais e de prestígio social, realizam tarefa ético-política de construção e
consolidação de um novo padrão de sociabilidade, segundo seus objetivos de classe”
(NEVES et.al, 2010, p.187), ou seja: difundir a pedagogia da hegemonia mediante o
empresariamento das políticas sociais, cada uma a seu modo, com seu interesse
particular, seu discurso, sua missão, seus valores, mas numa atuação que culmina com o
interesse geral da burguesia, o de manutenção da ordem do capital.
A Fundação Vale afirma ter como Missão:
Contribuir para o desenvolvimento integrado – econômico, ambiental e
social – dos territórios onde a Vale atua, articulando e potencializando
os investimentos sociais, fortalecendo o capital humano nas
comunidades e respeitando as identidades 11.

Além de afirmar que respeita as identidades culturais locais, a Fundação diz


procurar conhecer a realidade local através do diálogo com a comunidade, realizando
diagnóstico sócio econômico dos territórios. Ainda segundo a Fundação, trabalha com
base em seis valores, os quais fundamentam suas ações: “ética, transparência,
comprometimento, corresponsabilidade, respeito à diversidade e accountability
(capacidade de prestar contas e de assumir a responsabilidade sobre seus atos e uso de
recursos)”12.
11
Disponível em: http://www.fundacaovale.org/pt-BR/a-fundacao-vale/sobre-a-fundacao-vale/Paginas/default.aspx , Relatório de
Atividades 2012 p.4, acesso em 22 de março de 2015.
12
Idem. P.4
40

Em 2012, passa por uma nova reformulação no seu modelo de atuação, embora
continue afirmando que o objetivo principal seja a melhoria da qualidade de vida das
comunidades, passa a formular projetos sociais alicerçados em três nos pilares: saúde,
educação e geração de trabalho e renda, na perspectiva de fortalecimento das políticas
públicas. “Essa estratégia é construída em conjunto e a partir de uma visão
compartilhada com o governo, empresas e organizações da sociedade civil”, conforme
demonstra o organograma abaixo13:

Figura 3: Organograma da Fundação Vale, julho 2013.


Fonte: http://www.fundacaovale.org.

Essa organização não se dá de forma isolada, faz parte de um programa


específico que vem sendo desenvolvido pelo capitalismo brasileiro desde a última
década do século passado, a Terceira Via. Tem como estratégia a forte vinculação com o
chamado terceiro setor e como características a desresponsabilização do Estado das
questões sociais; a responsabilidade social das empresas e organizações; a participação
do indivíduo e grupos; o estímulo ao exercício da cooperação em vez da competição e
ao voluntariado.
Ou seja, a Fundação Vale só vai conseguir cumprir sua “Missão” se houver
parceria entre o governo, a empresa e a sociedade civil, a denominada Parceria Social
Público-Privada em que cada um dos parceiros tem seu papel definido. Tanto não é

13
Disponível em: http://www.fundacaovale.org/pt-BR/a-fundacao-vale/sobre-a-fundacao-vale/Paginas/default.aspx , Relatório de
Atividades 2012 e 2013 p.8 e p.11, acesso em 22 de março de 2015.
41

descolada da estratégia maior, definida, inclusive, por organismos internacionais que,


conforme item anterior, o conceito de PSPP foi elaborado por um grupo de trabalho
interdisciplinar formado por especialistas de instituições do âmbito nacional e
internacional. Cabe ao governo garantir as políticas públicas, à empresa investir nos
projetos e à sociedade civil, organizada e fortalecida, promover a qualidade de vida e o
desenvolvimento humano, numa ação conjunta, intragovernamental e intersetorial,
potencializando recursos e esforços para que se cumpram objetivos e metas,
estabelecidos supostamente com base nas necessidades da população, levantadas em
diagnóstico realizado pela empresa.
Na concepção da Terceira Via, cabe à sociedade civil o importante papel de
promover a qualidade de vida, “é concebida como o lócus do diálogo, das iniciativas
criadoras, do comunitarismo e da busca de uma vida melhor, autônoma (ou
relativamente autônoma) em relação ao Estado e ao mercado” (LEHER, 2010, p.16).
Entretanto, como alerta Coutinho (2002, p. 35), não podemos cair na armadilha
dos teóricos do neoliberalismo de reduzir sociedade civil a terceiro setor. “A sociedade
civil é Estado [...] é um momento do Estado e, além disso, é atravessada pelo mercado
[...] Estado e sociedade civil são nada mais do que espaços onde se trava esta luta de
classes”. Ao Estado cabe universalizar direitos e garantir o acesso a todos e não serão as
empresas filantrópicas ou o voluntariado que vão dar conta desse papel.
O que vem acontecendo com o fenômeno de empresariamento dos projetos
sociais é uma verdadeira simbiose entre Estado e sociedade civil; lembremos que não há
separação entre estrutura e superestrutura. Nesse caso em estudo, a Vale está na base da
pirâmide, dominando o processo de produção, possui os meios de produção, expropria a
força de trabalho, expropria as riquezas naturais, gera a mais valia, amplia a acumulação
do capital. E está no topo da pirâmide, através de seu braço pedagógico, acessando as
políticas públicas e formando capital humano – como ela mesma afirma ao definir sua
missão – para manutenção da base, como veremos com mais precisão ao examinarmos
seus projetos de educação.

São vários os projetos desenvolvidos a partir de cada um dos três pilares: saúde,
educação e geração de trabalho e renda. No eixo da saúde, as ações têm caráter
preventivo e estão organizadas nas frentes Promoção da Saúde da Criança, Ações
Educativas em Saúde e Prêmio Reconhecer, priorizando as crianças de faixa etária de 0
a 10 anos (FUNDAÇÃO VALE, 2013). No eixo da geração de trabalho e renda, o foco é
o empreendedorismo local, apoio à agricultura familiar e a projetos organizados por
42

coletivos de mulheres, no intuito de atender às necessidades, desejos e vocações locais


(FUNDAÇÃO VALE, 2013).
Antes de adentrarmos no terceiro eixo, salientamos que a Fundação Vale também
organiza ações a partir de três temáticas complementares: desenvolvimento urbano,
cultura e esporte. No que se refere à cultura o objetivo é ampliar o acesso das
comunidades aos bens culturais, ajudar a promover a inclusão social, qualificar e
profissionalizar os jovens no campo da cultura e da arte, afirmando que, assim, estará
contribuindo para a valorização das manifestações populares, a memória e o patrimônio
cultural brasileiro, e para o desenvolvimento dos indivíduos e da sociedade (VALE,
2013).
No tocante ao esporte, desenvolve ações em três frentes: esporte na escola
(formação de professores e realização de eventos esportivos), esporte comunitário
(fortalecimento das instituições locais e ações comunitárias de esporte) e Programa
Brasil Vale Ouro (promove o esporte como fator de inclusão social de crianças e
adolescentes), tendo por objetivo incentivar a disseminação de uma cultura esportiva e a
formação cidadã das crianças e adolescentes (VALE, 2013).
Em se tratando do desenvolvimento urbano, o objetivo é contribuir com os
gestores municipais para o aprimoramento do planejamento e gestão das cidades,
fomentando a participação da sociedade na integração das políticas públicas. Para isso,
desenvolve ações de apoio à produção habitacional, ao saneamento básico, à
regularização fundiária, melhoria no trânsito e mobilidade urbana e ações relacionadas à
garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente.
A definição da Fundação Vale por esse eixo de atuação, o desenvolvimento
urbano, está relacionado à ideia de que o governo precisa melhorar sua governança, a
capacidade de implementar de forma eficiente as políticas públicas, devendo para isso,
mudar a administração pública, considerada burocrática, rígida e ineficiente, voltada
para si e para o controle interno, para uma administração gerencial flexível e eficiente,
voltada para o cidadão e inspirada nas empresas. Ideia expressa tanto no Plano Diretor
da Reforma do Estado (MARA,1995), como nos documentos da Fundação, que se
propõe a apoiar os municípios na captação de recursos para reduzir os déficits de
infraestrutura urbana.
No próximo item faremos uma discussão sobre a ação da Vale na educação,
apresentando um panorama de seus projetos educacionais, a forma como são
implementados na rede pública estadual e municipal, bem como os fundamentos das
43

propostas. Discutiremos como se dá essa atuação – através da formação de professores,


de gestores, das secretarias, ou através de estrutura física, produção de material
pedagógico e os mecanismos de persuasão e convencimento utilizados.

2.3. A ação da Vale na educação

É sobre o eixo da educação que vamos dedicar maior tempo e estudo,


considerando a relação direta com nosso objeto de pesquisa. Ressaltamos que, desde
1999, a Fundação Vale, ao considerar a educação o fio condutor para o desenvolvimento
local, vem desenvolvendo, por meio de parcerias com as secretarias de educação, ações
que visam a melhoria da qualidade da educação, da qualidade do ensino e
aprendizagem.
Nessa perspectiva, desenvolve projetos voltados para a formação de educadores
e outros atores das comunidades envolvidos em processos educativos em espaços
formais e não formais, com foco na Educação Básica e Educação de Jovens e Adultos.
Esses projetos acontecem mediante parcerias entre a Fundação, o poder público e suas
unidades (prefeituras, secretaria de educação, diretores, professores) e a comunidade
(estudantes e pais), os quais relacionamos abaixo.

Casa do Aprender – consiste em um espaço educativo, aberto à comunidade, que


busca valorizar as práticas educativas, culturais e sociais de cada território, envolvendo
educadores, alunos, pais, lideranças sociais, gestores públicos e todos os integrantes da
comunidade. O projeto tem por objetivos: a) Proporcionar o acesso a cursos, palestras e
seminários; b) contribuir para a integração entre a escola e a comunidade; c) oferecer
formação continuada aos professores, disponibilizando aos educadores e articuladores
sociais acesso a seus acervos de livros, CDs e DVDs utilizados nas oficinas ministradas
de acordo com os temas especialmente selecionados para este público.

As ações da Casa do Aprender são: hora de brincar; oficina de arte e artesanato;


leitura na praça; oficina de TIC (Tecnologias da Informação e Comunicação); roda de
conversa; sarau literário; sarau de poesia; a casa vai à escola; cinema em debate;
44

seminários temáticos, rodas de leitura; oficina de brinquedista; semana da criança;


informática básica (FUNDAÇÃO VALE, s/d).

Roda de Conversa – atende as crianças do 1º ao 3º ano do Ensino Fundamental,


das escolas públicas dos municípios onde a Vale está presente. Consiste em conversas
entre os alunos e professores sobre os autores de livros infanto-juvenis (cada turma
recebe uma maleta de livros para somar-se ao acervo da biblioteca da escola). Tem por
objetivo incentivar os professores a praticar a leitura e contação de história em sala de
aula e contribuir para o fortalecimento dos estudos das questões étnicos raciais e para a
execução das Leis Federais nº 10.639, de 9 da janeiro de 2003 e nº 11.645, de 10 de
março de 2008, que estabelecem a obrigatoriedade do ensino da história e da cultura
afro-brasileira, africana e indígena nas escolas (FUNDAÇÃO VALE, s/d).

O projeto se afirma como uma contribuição ao Pacto Nacional pela


Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), do Ministério da Educação (MEC), que atende
à meta do Plano Nacional de Educação, de alfabetizar em matemática e português as
crianças do 1º ao 3º ano do Ensino Fundamental de todas as escolas públicas
(FUNDAÇÃO VALE, s/d).

EJA – Professores especializados em Educação de Jovens e Adultos – é um


projeto centrado na formação continuada dos professores de EJA e tem por objetivos: a)
fortalecer as iniciativas de Educação de Jovens e Adultos; b) estimular a mobilização de
líderes comunitários e da própria comunidade, para que os jovens e adultos que
abandonaram a escola voltem a estudar e, portanto, ampliem sua participação social e
cidadã; c) ampliar o número de vagas da EJA nos municípios e reorganizar o currículo
escolar, para tender adequadamente o universo de jovens e adultos (FUNDAÇÃO
VALE, s.d).

Escola que Vale – tem por objetivo contribuir com a melhoria na


qualidade de ensino nas escolas que atendem crianças e jovens
de famílias pobres e a principal ação está voltada para o
aprimoramento das práticas pedagógicas dos educadores
envolvidos na educação escolar desse público, tendo como foco
a aprendizagem dos conteúdos escolares, o conhecimento sobre
o mundo em que vivem e a prática da cidadania, do ponto de
vista das normas, valores e atitudes (CARDOSO; PEREIRA;
SOARES s.d., p. 2).
45

Estação do Conhecimento (EC) é idealizada pela Vale para a formação integral


de crianças e adolescentes, bem como as famílias e a comunidade. Existem nove
unidades instaladas em cinco estados Pará, Maranhão, Rio de Janeiro, Minas Gerais e
Espírito Santo com capacidade de atendimento de 10.000 pessoas. Funcionam de acordo
com as necessidades das comunidades e a partir das condições locais, ou seja, dos
recursos disponíveis, espaços, equipamentos e profissionais especializados
(FUNDAÇÃO VALE, s.d.).

Vale Juventude – criado com o objetivo de contribuir com o desenvolvimento


social dos jovens, com a educação afetivo-sexual, como um incentivo à participação e
vivência da cidadania. Promove a formação básica e continuada de profissionais da
saúde, educação e assistência social para serem multiplicadores do conhecimento e
formadores da juventude (FUNDAÇÃO VALE, 2013, p.14).

Programação Educativa no Trem de Passageiros – Teletrem – desenvolvido em


parceria com o Canal Futura, com o objetivo de “propiciar informação útil e qualificada
de forma direta, lúdica e atrativa para os usuários” sobre saúde, meio ambiente, cultura,
durante as 16 horas de viagem (FUNDAÇÃO VALE, 2013, p.15).

No intuito de aprimorar suas ações, em 2012, a Fundação fez uma revisão de


suas ações, reunindo num único programa integrado de apoio à Educação Básica,
denominado Ação Educação, os outros dois programas existentes: os programas Escola
que Vale e Vale Alfabetizar. Atua em quatro frentes: formação das equipes das
Secretarias Municipais de Educação, formação de professores, Educação de Jovens e
Adultos Profissionalizante (EJA Pro) e Casa do Aprender (FUNDAÇÃO VALE, 2013,
p.12)

Vimos que se trata de um leque diverso de ações desenvolvidas, destacamos a


concepção que a Fundação tem da educação como um fio condutor do desenvolvimento
local, fazendo a crítica com base em nossa leitura, de que o que presenciamos até aqui,
neste estudo da Vale, foi um desenvolvimento para o capital, sustentado no
empobrecimento local, de modo que, na prática, a educação está mais para um fio
condutor do desenvolvimento do capital. A forma como a Fundação pensa a educação
não se diferencia da forma como o conjunto das empresas pensa e faz a educação. Estas
atribuem “à educação um lugar estratégico capaz de produzir ganhos adicionais para o
46

capital” (LEHER, 2014, p. 71). Mais ainda, veem nela a possibilidade de inculcar
normas, valores e atitudes condizentes ao seu projeto, como ela mesma faz referência
em seus documentos, conforme demonstra o quadro de figuras abaixo que retrata uma
das ações verde-amarela da Vale, realizada na comunidade Presa de Porco, em
Buriticupu – MA.

Figura 4: Jogo educativo utilizado pela Fundação Vale.


Fonte: Acervo da Rede Justiça nos Trilhos.

Trata-se de jogos educativos utilizados nas escolas das comunidades com o


objetivo de formar as crianças de acordo com a ideologia favorável à empresa,
ensinando-lhes como devem se comportar para não causar danos aos seus negócios. Isto
ocorre, por exemplo, quando os trabalhadores em mobilização paralisam o trem na
ferrovia e, para não causar transtornos à empresa, sempre intimada a arcar com os
acidentes que comumente ocorrem na ferrovia. Assim, a Vale adentra a escola, cumpre o
papel de educadora, acomodando as crianças desde pequenas à vivência com os trilhos,
lhes educando para a conformação. Basta atentarmos para o fato de que todos os
projetos recaem em formação de formadores, ou seja, a Fundação forma professores,
47

gestores e técnicos das secretarias municipais de educação que vão atuar no primeiro
ciclo do Ensino Fundamental e na EJA, tentando formar os sujeitos para atuarem de
acordo com sua concepção de educação.

O projeto Escola que Vale pode ser considerado um dos mais importantes no
campo educacional, tendo em vista seu objeto primordial que é a formação de
professores do Ensino Fundamental. Os idealizadores do programa partem da premissa
de que os professores precisam aprimorar a prática pedagógica de forma que esta venha
a beneficiar a aprendizagem dos alunos dos conteúdos escolares, do convívio
democrático e do conhecimento do mundo em que vivem, promovendo uma educação
de qualidade. Os mesmos são treinados para trabalhar leitura, escrita e comunicação oral
com foco na formação da cidadania.

Resta-nos refletir, a partir dessa perspectiva, a que qualidade estão se referindo.


Embora esteja explicitado a que aprendizagem estão se referindo, a proposta de
treinamento articula-se à viabilização de uma aprendizagem básica, o que encaminha
para a dedução de uma qualidade necessária para manutenção de mão de obra para o
mercado, condizente com a fala de uma integrante do Centro de Educação e
Documentação para a Ação Comunitária (CEDAC), em artigo sobre o projeto, em que
revela o que se espera dos jovens, ao concluírem o ensino básico: “estejam aptos para o
desafio de conseguir um emprego. Essa é a formação que os pais desses jovens almejam
e que os setores produtivos da economia exigem como condição essencial para o
desenvolvimento do país” (CARDOSO; PEREIRA; SOARES, s.d., p.1).

É evidente a investida da empresa na educação pública, apropriando-se da


política educacional, atuando na formulação das leis, atuando organicamente e
diretamente na política educacional como foi, por exemplo, na elaboração do PNDE
numa relação simbiótica entre sociedade política e sociedade civil. Assim, a empresa,
mediante seu braço pedagógico, ganha a simpatia e o reconhecimento dos sujeitos
envolvidos, como podemos ver nos depoimentos de educadores que participaram do
projeto Roda de Conversa, retirados do site da Fundação:

O projeto é muito importante na construção de uma sociedade leitora e


consciente de que o futuro depende da educação e formação de nossos
alunos. Cleide de Oliveira Lima – professora de Açailândia – MA.

OU
48

Destaco a força de vontade, disposição e preocupação da autora Sônia


Rosa e da Fundação Vale de passarem de uma forma prazerosa a
importância de educar as nossas crianças através da leitura. Eliane
Brasil – professora de Açailândia – MA.

OU

As rodas de conversa me motivaram ainda mais nas minhas leituras


diárias com meus alunos. A escritora Sônia Rosa foi inspiradora em
sua forma de ler os livros. Aldeene Santos – Bom Jesus das Selvas –
MA (FUNDAÇÃO VALE, s.d.)

O que aparece é a ação da empresa e não de um conjunto de atores que


trabalham em parceria para garantir a implementação da política pública, como sugere a
Fundação no documento sobre PSPP (FUNDAÇÃO VALE, 2013). E, assim, segue a
Vale, construindo consenso e convencendo a população de que está cumprindo bem o
seu papel de prestadora de serviços sociais, conforme figura abaixo, retirada dos
documentos da Fundação.

Figura 5: Relatório de Atividades. 2014.


Fonte: http://www.fundaçãovale.org
49

2.4 Abrangência dos programas educacionais da Vale no MA

A medida que a Vale expande seus negócios e aumenta o nível de exploração e


expropriação das riquezas minerais, aumentando no mesmo nível a violação dos direitos
das comunidades atingidas pelo corredor minero-exportador, a empresa reformula
estratégias de convencimento da população de que suas ações são benéficas, ou de
apaziguamento dos conflitos gerados.

Para realizar esse mapeamento das ações no Maranhão fizemos um recorte de


tempo de dois anos, 2012 e 2013, considerando um fator que achamos preponderante,
ocorrido em 2012, que foi a criação do Departamento de Relações com Comunidades.
Tal departamento tinha o objetivo de melhorar a aproximação da Vale destas, o que
permitiria uma “maior dedicação” às mesmas, a partir da coordenação corporativa que
tratará dos temas sociais provenientes dos impactos causados pela empresa. Em diálogo
com esse Departamento, a Fundação Vale planeja suas ações e sua estratégia de atuação,
dinamizando o tratamento às questões sociais e a relação com as comunidades.

Nosso intento foi uma leitura mínima da estratégia da Vale, via Fundação Vale,
mapeando as ações da educação desenvolvidas nesse período no estado do Maranhão,
embora tenhamos clareza de que a estratégia é a mesma para todos os territórios, a partir
de um diagnóstico que é feito sobre a realidade socioeconômica de cada município por
onde passa a empresa. Além dos Relatórios de Atividades da Fundação dos anos de
2012 e 2013, trabalhamos com o diagnóstico de cada município e de um diagnóstico
completo da Estrada de Ferro Carajás, denominado Um olhar sobre a Estrada de Ferro
Carajás, todos disponíveis no site da Fundação.

A compreensão da Vale, expressa na fala da Coordenadora do território da EFC,


Christiana Saldanha (FUNDAÇÃO VALE, 2006, p.6), é de que não basta ter apenas o
diagnóstico dos municípios de forma separada, mas, ter a dimensão social, econômica,
urbana ambiental e cultural de todo o território por onde passa a Vale, de forma
integrada, uma vez que essas dimensões não são isoladas, mas, relacionadas entre elas,
assim como os próprios municípios, que também não se desenvolvem de forma isolada.
50

Este diagnóstico foi possível não somente a partir do estudo científico realizado
sobre a região, mas, sobretudo, por um importante instrumento, a Voz do território, pelo
qual a Fundação foi até as comunidades, realizou trabalho de campo e ouviu dos
sujeitos sua percepção acerca da realidade em que vivem. Esse, para a Coordenadora,
foi “o principal tempero” para conhecer a realidade do território (FUNDAÇÃO VALE,
2006, p.7).

Segundo a Fundação, o principal objetivo desse estudo foi conhecer as


fragilidades, identificar as demandas sócio econômicas existentes, o que precisaria ser
melhorado e trabalhar para “transformar fragilidades em possibilidades”, ressaltando
que isso só seria possível se todos os “atores”, seja o poder público, as pessoas, ou
organizações, se empenhassem e participassem das ações de transformação dessa
realidade (FUNDAÇÃO VALE, 2006, p.7). A ideia de conhecer o território e
transformar fragilidades em potencialidades nos remete à ideia do capitalismo
dependente, desenvolvida por autores como Florestan Fernandes e Francisco de
Oliveira. Faz-se necessária a permanência da pobreza, em certa medida, para que haja
contínua e evolutivamente o desenvolvimento, “numa relação dialética entre o arcaico,
o atrasado, o tradicional, o subdesenvolvido e o moderno e o desenvolvido na
especificidade ou particularidade de nossa formação social capitalista” (FRIGOTTO,
2008 apud. NEVES, p. 8).

Ficou evidente a importância desses diagnósticos como instrumento fundamental


para a definição do raio de atuação e organização do plano de ações da Fundação que, a
partir desse estudo, consegue também identificar o nível de organização da sociedade,
as ações que o poder público, instituições de ensino, outras empresas e organizações da
sociedade civil desenvolvem, além dos programas do Governo Federal existentes e,
assim, propor as parcerias intersetoriais necessárias para desenvolver seus projetos.

Identificamos, nos Relatórios de Atividades de 2012 e 2013 (FUNDAÇÃO


VALE), que o foco das ações de educação da Fundação Vale nestes dois anos foi a
Formação de Professores e Gestores para o trabalho com a EJA, a Formação dos
Professores do Ensino Fundamental em língua portuguesa e matemática e a Formação
de Profissionais que trabalham nas Secretarias Municipais, tendo como objetivo
desenvolver competências e habilidades profissionais voltadas ao funcionamento
sistêmico da rede e ao compromisso de todos com a qualidade da educação.
51

Em 2012, a Fundação realizou as ações nos municípios de Bom Jesus das


Selvas, São Pedro da Água Branca, Alto Alegre do Pindaré, Santa Rita e São Luís e, em
2013, selecionou apenas dois destes municípios, Bom Jesus das Selvas e São Pedro da
Água Branca, na mesorregião oeste do estado.

Achamos pertinente trazer algumas características dos municípios trabalhados


nesse período, apresentadas no diagnóstico realizado pela Fundação. Iniciemos por São
Pedro da Água Branca, emancipado de Imperatriz em 1996, localizado na microrregião
de Imperatriz, fazendo divisa com o Pará. Foi um grande produtor de grãos,
principalmente de arroz, porém, atualmente a economia está voltada mais para a
produção de carne e leite. Teve um crescimento na década de 1980 com a construção da
Estrada de Ferro Carajás, que tem 47 km de trilhos no município, uma parada, uma
unidade de apoio e um posto de manutenção. Na década de 1990, teve grande extensão
de áreas reflorestadas com eucalipto para ser destinado à produção de carvão vegetal e
abastecer as siderúrgicas de Marabá e Açailândia. A população, em 2006, era de 11.198
habitantes, conforme estimativa do IBGE e o rendimento médio da população ocupada é
R$ 276,70, valor correspondente a 56,4% da média do rendimento no território de EFC
(R$ 490,90) (FUNDAÇÃO VALE, s.d. p. 2;4).

Os dados da educação mostram que o maior atendimento se dá no Ensino


Fundamental: são 3.145 matrículas e 134 professores da rede municipal; 563 matrículas
do Ensino Médio e 24 professores e 123 matrículas da Educação Infantil e 20
professores. Na Educação de Jovens e Adultos são 147 matriculados e a taxa de
analfabetismo foi reduzida de 57,3%, em 1991, para 37,3%, em 2000 (FUNDAÇÃO
VALE, s.d. p.5)

O município de Bom Jesus das Selvas foi emancipado de Santa Luzia, em 1994,
e em 2006 a população era de 19.578 habitantes, conforme estimativa do IBGE. É o
segundo maior produtor de carvão vegetal do Maranhão, abastecendo as siderúrgicas de
Açailândia. A EFC percorre o município com 49,2 km de trilhos e tem uma parada na
Comunidade Nova Vida, a 5 km da sede. O rendimento médio mensal da população
ocupada é de R$ 226,80. No que se refere à educação, segundo os dados do IBGE e da
prefeitura, em 2004, o município tinha 5.595 matrículas no Ensino Fundamental; 708 no
Ensino Médio e na Educação Infantil tinha pelo município 7.288. A taxa de
52

analfabetismo caiu de 64,8%, em 1991, para 39,9, em 2001 (FUNDAÇÃO VALE, s.d.
p.2-5).

O município de Alto Alegre do Pindaré sedia três paradas do trem nos povoados
Auzilândia, Mineirinho e Altamira e o relatório considera que a ferrovia tem grande
importância socioeconômica para os mesmos, devido à venda de “pequenas refeições”,
fonte de renda para as famílias. São 89,6 km ocupados pelos trilhos da EFC. O
rendimento médio da população ocupada do município foi de R$ 230,30, em 2000. É
considerado o maior produtor de mandioca do estado e produz melancia, banana, arroz,
milho, feijão, cana de açúcar e caju. No que se refere à educação, é ofertada pela rede
municipal e estadual, do ensino infantil ao médio, sendo a prioridade o Ensino
Fundamental. Eram mais de 75 escolas até 2004, sendo a maioria municipal, com 8.130
matrículas no Ensino Fundamental e 295 professores; Ensino Pré-escolar com 1.459
matrículas e 63 professores; Ensino Médio apenas 1.108 matrículas e 62 professores. No
que se refere à EJA, em 2005, existiam 2.093 alunos matriculados nas escolas
municipais. A taxa de analfabetismo, embora tenha caído de 67,3% em 1991, para
46,3% em 2000, ainda está muito acima da média do Maranhão (27,1%) (FUNDAÇÃO
VALE, s.d. p.2-5).

O município de Santa Rita, cuja população é de 25.020 habitantes, é conhecido


como a capital maranhense da farinha de mandioca, principal fonte de renda para muitas
famílias. O rendimento médio mensal da população ocupada foi de R$ 266,50, em 2000.
Possui quatro assentamentos de Reforma Agrária e 13 comunidades quilombolas. A
EFC tem 14,8 km de trilhos no município. No que se refere à educação, são 5.038
matrículas no Ensino Fundamental da rede municipal e 1.897 na rede estadual e um
total de 221 professores; 1.308 matrículas no Ensino Médio na rede estadual e 52
professores e 1.671 matrículas na Educação Infantil na rede municipal e 176 da rede
privada, e um total de 63 professores. Chamou-nos à atenção neste município o
aparecimento da iniciativa privada para o atendimento na Educação Infantil. Em relação
à EJA, em 2005, havia apenas 189 alunos matriculados, quando a taxa de analfabetismo,
em 2000, era de 32,7% (FUNDAÇÃO VALE, s.d. p.2-5).

O município de São Luís, cuja população em 2006 era de 998.385, é o principal


polo da economia do Maranhão, crescimento resultante da instalação de grandes
empreendimentos econômicos, como Porto de Itaqui e Complexo Portuário Ponta da
53

Madeira. As atividades econômicas mais importantes são relacionadas à exportação de


minério e ferro gusa, comércio e administração pública. O rendimento médio da
população ocupada foi de R$ 583,70, em 2.000. No que se refere à educação, o número
de matrículas de Ensino Fundamental é de 72.584 na rede municipal, 71.277 na rede
estadual e 48. 998 na rede privada e um total de 8.522 professores; Ensino Médio
64.006 na rede estadual e 10.314 na rede privada e um total de 4.167 professores; e
Educação Infantil 36.486 na rede privada, 3.474 na rede estadual e 10.778 na rede
municipal, com 2.220 professores. A taxa de analfabetismo caiu de 11%, em 1991, para
7,3%, em 2000, ficando abaixo da média do Maranhão (27,1%) (FUNDAÇÃO VALE,
s.d. p.2-6).

Apontamos no nosso texto, com base nos diagnósticos, algumas informações


mais gerais dos municípios, das quais nos chamaram atenção a renda média da
população ocupada em todos os municípios do Maranhão estudados pela empresa,
inferior a R$ 300,00, exceto São Luís que está acima desse valor. Isto evidencia a
contradição entre o desenvolvimento e a desigualdade social quando comparamos esse
dado à quantidade de minério de ferro – 130 milhões de toneladas – exportada
anualmente. Ademais, não confirma os propósitos da empresa com a melhoria de vida
da população, quando não constatamos nos relatórios, nesses dois anos, nenhuma ação
voltada para geração de renda desse território.

Impressiona, ainda, o fato de a mesma considerar a ferrovia importante para a


renda das famílias de Alto Alegre do Pindaré, com a venda de “pequenas refeições”,
quando sabemos das mazelas que a EFC causa às comunidades, dentre elas, o alto risco
de acidentes envolvendo crianças que concorrem entre elas e com os adultos, quando o
trem faz parada, na corrida para vender seus produtos, conforme mostra figura abaixo. É
evidente que as crianças não estão ali simplesmente porque querem ou gostam, mas por
uma necessidade, a da sobrevivência.
54

Figura 6: Acervo Maria Gorete de Sousa. 2013.

A figura é contraditória ao recurso pedagógico utilizado pela Fundação, nas


ações verde amarelo, desenvolvido nas comunidades, onde orienta as crianças, ao se
aproximarem da ferrovia, a manterem uma distância de pelo menos seis metros. Outra
afirmação que consta no jogo educativo é “não devemos andar ou brincar sobre os
trilhos da ferrovia. Trilho é lugar de trem”, incoerente com a realidade descrita neste
trabalho; os trilhos atravessam as comunidades e interferem diretamente na rotina da
população, como podemos ver nas próximas figuras, demonstrando a contradição e
evidenciando uma educação descolada da realidade.

Figura 7: Acervo Marcelo Cruz


55

Figura 8: Acervo Marcelo Cruz

Porém, nosso olhar deve se voltar mais para as ações da educação, considerando
nosso objeto. Assim, dentre os dados relacionados à educação, nos chamou a atenção o
elevado índice de analfabetismo, pois, exceto em São Luís, todos os demais municípios
estão acima da média do Estado (27,1%) e muito acima dos do país (13,3%). A ação da
Fundação resultante desse diagnóstico foi a Educação de Jovens e Adultos
Profissionalizante (EJA Pro) nestes municípios, parte do Programa Integrado de Apoio
à Educação Básica, conforme mencionamos acima. Em Alto Alegre do Pindaré/MA a
ação foi desenvolvida em seis escolas, a maioria no meio rural, abrangendo 96 alunos.
Atentemos para os parceiros responsáveis pelo Programa: Comunidade Educativa –
CEDAC14, Alfasol15, Prefeituras e Secretarias Municipais de Educação dos cinco

14
Inicialmente com o nome de CEDAC - Centro de Educação e Documentação para Ação Comunitária, a
instituição começou a trabalhar pela educação pública em 1997 formando professores do Ensino
Fundamental I de Língua Portuguesa, Em 2010, o CEDAC passa a se chamar Comunidade Educativa
CEDAC, e tem atuação em todas as regiões do País e atua nos segmentos da Educação Infantil e do
Ensino Fundamental I e II, nas áreas de Língua Portuguesa, Matemática, Educação Ambiental, Artes
Visuais, Gestão Escolar e Gestão Educacional, com projetos locais e regionais (Arranjos de
Desenvolvimento da Educação), envolvendo ações presenciais e a distância.
15
A Alfabetização Solidária (AlfaSol) é uma entidade da sociedade civil criada em 1996 com a missão
de disseminar e fortalecer o desenvolvimento social por meio de práticas educativas sustentáveis. Com
um modelo simples de alfabetização inicial, inovador e de baixo custo, baseado no sistema de parcerias
com os diversos setores da sociedade a Organização trabalha pela redução dos altos índices de
analfabetismo no país. Fonte http://www.alfabetizacao.org.br/site/alfasol.asp. Acesso em: 21 maio 2015.
56

municípios em destaque. Como parte desse Programa Integrado de Apoio à Educação


Básica, aconteceu também nesses municípios a Formação Continuada de Professores e
Gestores das Secretarias Municipais.

Não tivemos como quantificar o resultado das ações em cada município, pois os
Relatórios apresentam os resultados das ações realizadas em todos os estados onde a
Vale atua: Pará, Maranhão, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Portanto, não temos dados
suficientes para uma análise mais específica e completa da atuação da Fundação Vale no
MA, o que só seria possível através da pesquisa de campo, ficando como uma questão
para a continuidade da pesquisa.

Contudo, tivemos um panorama da realidade dos municípios por onde passa a


EFC, que não se contrapõe aos elementos que apresentamos quando fizemos a discussão
da violação de direitos que a empresa vem cometendo à medida que amplia seu raio de
exploração, pela expansão do Projeto Ferro Carajás S11D. Realidade esta estudada pela
própria empresa sob a justificativa de traçar um plano de ações com vista a amenizar as
desigualdades existentes no território. Tivemos, ademais, um panorama das ações que a
empresa desenvolve englobando as várias dimensões, da cultura, educação, juventude,
saúde, gênero, a questão urbana e ambiental, num leque de diversidade de ações com a
intencionalidade de legitimar o princípio do desenvolvimento sustentável defendido
pela empresa.

Ficou evidente a estratégia da PSPP, como um elemento imprescindível para que


essas ações sejam desenvolvidas, e que o resultado destas aparece muito claramente
para parte da sociedade como ações da Vale e não como ações de todos os parceiros
envolvidos. Ou seja, o que temos é uma empresa cumprindo o papel que o Estado
supostamente “não cumpre” a contento, embora seja um dos parceiros envolvidos
através de seus aparelhos, por exemplo, a escola. Vimos em todos os municípios as
escolas funcionando com seus professores e o número de matrículas do Ensino Infantil
ao Ensino Médio, porém, o limite está na formação continuada dos professores. No
entanto, a Fundação Vale ali está, de prontidão, fazendo a formação dos professores e, é
claro, formando intelectuais singulares, necessários para transmitir para crianças e
jovens os valores de fração da classe dominante, que passam a ser os valores também da
classe dominada.
57

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do quadro que apresentamos, de como está formatado o modelo neoliberal,


e como vem se dando o empresariamento dos projetos sociais, resultante da lógica da
Terceira Via, encorpada pelo terceiro setor como estratégia de manutenção do capital,
constatamos que o principal objetivo das empresas quando interferem na educação é o
de garantir que a agenda da educação seja a agenda do capital. Na visão de Martins &
Neves (2012, p. 543):

Os empresários, além de apropriadores da riqueza socialmente


produzida, assumem a função de educadores sociais, tornando-se
parceiros privilegiados dos governos neoliberais. Os governos, por sua
vez, mercantilizam-se assumindo concepções e práticas empresariais
para implementar políticas de educação, saúde habitação e transporte,
entre outras, visando à conformação de uma nova sociabilidade.

Para isso, as empresas organizam projetos educativos de acordo com seus


interesses, para atender demandas que o Estado deixou de atender, o que não ocorre
58

ocasionalmente, mas sim deliberadamente, conforme vimos no Plano Diretor de


Reforma do Estado, quando está deveras envolvido pela concepção neoliberal, o
Governo FHC através de seu Ministro Bresser-Pereira, formula a proposta de Reforma
do Estado, transferindo para as “Organizações Sociais” 16 a autonomia administrativa
financeira e, mais importante, doa-lhes recursos orçamentários para a prestação de
serviços. Estas passam a cumprir o papel do Estado, ocorrendo uma verdadeira simbiose
entre sociedade política e sociedade civil como faz referência Gramsci na sua
formulação de Estado ampliado (integral).
O que as empresas pretendem com isso é manter uma estratégia política de
dominação no campo educacional, a chamada pedagogia da hegemonia, sendo
necessário formar os intelectuais singulares que vão se encarregar de vender e defender
as ideias destas como ideias de toda a sociedade. Exemplo é a ABAG que atinge de
maneira crucial a disputa de projeto de agricultura em favor do projeto do agronegócio;
da Fundação Vale, braço pedagógico da corporação Vale – campeã no ramo da
mineração e a menina dos olhos do “desenvolvimento”. Ambas, formam professores,
secretários de educação, gestores das escolas com base os valores e princípios por esta
defendidos.
Não se trata de uma ação particular e isolada, de uma ou outra empresa, faz parte de
uma estratégia geral, baseada em diretrizes articuladas com organismos internacionais
para os países periféricos e assumidas por grandes corporações, em consonância com a
burguesia nacional, em nome do desenvolvimento da economia brasileira, da inserção e
manutenção desta no mercado internacional.
É uma estratégia própria da forma específica do capitalismo dependente,
caracterizado pelo desenvolvimento desigual e combinado, que se sustenta pela
contradição entre riqueza e miséria, pela superexploração da força de trabalho e das
riquezas naturais que tem na educação um instrumento fundamental, pois através dos
processos educativos, a classe dominante, ou fração de classe, investe na formação do
capital humano e de uma cidadania conformada para essa sociabilidade neoliberal.
No caso específico da Fundação Vale, os valores e princípios são reproduzidos em
sala de aula para filhos e filhas dos mais diversos sujeitos trabalhadores, seja do campo
ou da cidade, que moram em áreas atingidas pela Estrada de Ferro Carajás ou pelas
obras de ampliação do Porto de Itaqui, na capital do Maranhão, no sentido da
conformação.

16
Disponível em: www.bresserpereira.org.br/Documents/MARE/PlanoDiretor. P. 60
59

Consegue, na realização desses projetos, o convencimento da população acerca de


suas ações de desenvolvimento como ações positivas, ou seja, conseguem o
consentimento para continuar expropriando o país, retirando toda a sua riqueza mineral.
De outro lado, conseguem a “colaboração” dos sujeitos para a realização dos projetos
que chegam para a população como ação solidária da empresa, quando, na verdade, se
trata do acesso às políticas públicas conquistadas pela luta dos trabalhadores.
Assim, consideramos que a pedagogia da hegemonia vai acontecendo em uma
importante rede de articulações nacionais e internacionais, de maneira que a Fundação
Vale é um intelectual orgânico coletivo do capital e se torna esse intelectual mediante
processo de formação conduzido em articulação com organismos internacionais, com
interesses do capital internacional, a exemplo do GT interdisciplinar que elaborou o
texto referência da PSPP com integrantes nacionais e internacionais. Naquele momento,
aquele grupo elaborava uma teoria para orientar, em primeira instância, as ações da
Fundação Vale, mas pode vir a ser o documento orientador do empresariado. Como
intelectual orgânico da classe dominante, a Fundação Vale forma seus intelectuais, que
não são poucos, dissemina ideias e práticas político-ideológicas da classe dominante
para que esta se mantenha na sua condição, para dominar a classe
trabalhadora.Consideramos que a principal interferência das empresas na educação é a
transformação do conhecimento, da formação humana, em capital humano, ou seja, a
formação de mão de obra específica para determinados campos produtivos, como o
agronegócio e a mineração, papel que vem sendo cumprido de forma espetacular pelo
braço pedagógico de tais empresas, os Institutos e Fundações, em acordo com o Estado
e com o consentimento da sociedade.
Por fim, reafirmamos o pensamento de Gramsci de que a sociedade civil é uma
arena da luta de classes (COUTINHO, 2011, p.25) e que a classe trabalhadora não se
porta como mera espectadora de uma peça bem arquitetada, a da Terceira Via, capaz de
humanizar o capital, que acredita numa nova sociabilidade em que é possível articular
harmoniosamente o mercado e justiça social. A classe trabalhadora também constrói
espaços de contra hegemonia e forma seus intelectuais orgânicos, como vimos no
decorrer do nosso trabalho. A reação ao fenômeno Vale, pela luta política, mobilizações
e organização de espaços de estudo e debate, reunindo movimentos sociais, igreja,
universidades e a população atingida pela EFC (camponeses, indígenas, quilombolas).
Exemplo foram o Seminário Internacional, 30 anos Carajás: resistências e mobilizações,
60

frente a projetos de desenvolvimento na Amazônia Oriental, e os quatro seminários


regionais que lhe antecederam.
Lembramos o que Gramsci afirmava: existem outros espaços além da escola para se
desenvolver as atividades educadoras e chamava a atenção para os congressos
científicos como espaços para se disseminar concepção de mundo e formar novos
intelectuais. Esse é um esforço que setores de muitas Universidades brasileiras têm
realizado e cumprido um papel importante na construção da contra-hegemonia.

REFERÊNCIAS

ATLAS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO NO BRASIL. Rio de Janeiro, PNUD,


IPEA, Fundação João Pinheiro, 2013. Acesso em: Índice de Desenvolvimento
Humano dos Municípios por onde passa a EFC. Maranhão, 2000-2010.

BOITO, JR., Armando. Estado e Burguesia no capitalismo neoliberal. in: Revista de


Sociologia Política. Curitiba, p.p 57-73, Jun. 2007.

BRASIL, Governo Federal. Programa Território da Cidadania. Brasília, 2008.


Disponível em http://www.territóriosdacidadania.gov.br/ Acesso em 23 de mai. 2015.

_______, Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE). Plano Diretor


da Reforma do Aparelho Estado. Brasília, 1995. Disponível em:
www.bresserpereira.org.br/documents/mare/ planodiretor/planodiretor.pd. Acesso em: 29 out.
2014.

_____, Ministério da Educação. Programa Universidade Para Todos. Brasília, 2004


Disponível em: http://siteprouni.mec.gov.br/ Acesso em: 5 set. 2014.

_____, Ministério da Educação. Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e


Emprego. Brasília, 2011. Disponível em http://pronatec.mec.gov.br/. Acesso em 23 de
mai.2015.

_____, Ministério da Educação. Programa Nacional de Educação do Campo.


Disponível em: Disponível em http://portal.mec.gov.br/. Acesso em 23 mai.2015.

CARDOSO, B.; PEREIRA, Maria Cristina G. R.; SOARES, Maria T. P. Programa


Escola que Vale. S/d. Disponível em: http://dc.itamaraty.gov.br/imagens-e-
textos/revista-textos-dobrasil/portugues /revista7-mat12.pdf. Acesso em: 15 mar. 2014.

CHARLES, Samuel. Kátia Abreu destaca a importância do PRONATEC para o


trabalhador rural. 2014. SURGIU. Disponível em http://surgiu.com.br/noticia. Acesso em:
6 de set. 2014.
61

CEDAC, http://www.comunidadeeducativa.org.br/trajetoria.aspx. Acesso em: 21 maio


2015.

COUTINHO, Carlos Nelson. A democracia na batalha das ideias e nas lutas políticas do
Brasil de hoje. In: FÁVERO, Osmar; e SEMERARO, Giovanni. Democracia e
construção do público no pensamento educacional brasileiro. Petrópolis, RJ: Vozes,
2002.

_____. (Org.). O leitor de Gramsci, Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira, 2011. –
Pg. 13 a 32.

FAUSTINO, Cristiane; & FURTADO, Fabrina. Mineração e Violação de Direitos: o


Projeto Ferro Carajás S11D, da VALE S.A. Relatório da Missão de Investigação e
Incidência. Açailândia (MA), 2013.

FUNDAÇÃO VALE. Um olhar sobre São Pedro da Água Branca: diagnóstico sócio-
econômico. S/d Disponível em: http://www.fundacaovale.org/. Acesso em: 29/03/ mar.
2015.

FUNDAÇÃO VALE. Parcerias Intersetoriais: perspectivas e desafios. 2013


Disponível em: http://www.fundacaovale.org/publicacaoPSPP. Acesso em: 1º de abril
de 2015.

____. Brasil vale ouro. S/d Disponível em: http://www.fundacaovale.org/pt-


br/artigos/ultimos-artigos/Documents/assets/pdf-cases/brasil-vale-ouro.pdf. Acesso em:
22 de março de. 2015.

____. Diagnóstico Estrada de Ferro Carajás. 2006. Disponível em:


http://www.fundacaovale.org/pt-br/artigos/ultimos-artigos/Documents/assets/pdf-
cases/brasil-vale-ouro.pdf. Acesso em: 19 mai. 2015.

_____. Estação do Conhecimento. Disponível em http://www.valefoundation.org/pt-


br/a-fundacao-vale/estacao-conhecimento/paginas/default.aspx. Acesso em: 1º abril.
2015.

_____. Relatório de Atividades 2012. Julho/2013 Disponível em:


http://www.fundacaovale.org/pt-BR/a-fundacao-vale/sobre-a-fundacao-
vale/Paginas/default.aspx. Acesso em: 22 de mar. 2015.

_____. Relatório de Atividades 2013. S/d Disponível em:


http://www.fundacaovale.org/pt-BR/a-fundacao-vale/sobre-a-fundacao-
vale/Paginas/default.aspx. Acesso em: 22 mar. 2015.

______. Relatórios de Atividades 2014. S/d Disponível em:


http://www.fundacaovale.org/pt-BR/a-fundacao-vale/sobre-a-fundacao-
vale/Paginas/default.aspx. Acesso em: 1 de abril 2015.
62

_____. Um olhar sobre Alto Alegre do Pindaré: diagnóstico sócio-econômico. S.d


Diagnóstico Sócio Econômico. Disponível em: http://www.fundacaovale.org/. Acesso
em: 19 de maio de 2015.

_____. Um olhar sobre Bom Jesus das Selvas: diagnóstico sócio-econômico. S/d
Diagnóstico Sócio Econômico. Disponível em: http://www.fundacaovale.org/. Acesso
em: 29 mar. 2015.

_____. Rodas de Conversa. S.d. Disponível em: http://www.fundacaovale.org/. Acesso


em: 19 mar. 2015.

LAMOSA, Rodrigo de A.C. A hegemonia do Agronegócio: o capital vai à escola e


forma seus novos intelectuais. Tese de doutorado. UFRJ, Rido de Janeiro, 2014.

LEHER, Roberto. Organização, Estratégia Política e o Plano Nacional de Educação.


Boletim da Educação, nº 13, MST, São Paulo, 2014.

_____. Florestan Fernandes e o sentido socialista do público. UFRJ/FIOCRUZ,


Curso de Especialização Trabalho, Educação e Movimentos Sociais. 2015.

MARTINS, André. S., NEVES, Lúcia M.W. Pedagogia do Capital. In: CALDART, R. S.
et.al (Org.). Dicionário da Educação do Campo. Rio de Janeiro, São Paulo, Escola
Politécnica da Saúde Joaquim Venâncio e Expressão Popular, 2012. Pg. 540-547

MARX, Karl. Miséria da Filosofia: resposta à filosofia da miséria do Sr. Proudhon.


tradução Tradução de José Paulo Netto. São Paulo, SP: Expressão Popular, 2009.

NETTO, José Paulo. (orgOrg.) O leitor de Marx. Rio de Janeiro, RJ: Civilização
Brasileira, 2012.

RIBEIRO, Júnior JR, José Arnaldo dos Santos. O discurso de responsabilidade sócio
ambiental, empregado pela Vale no período pós-privatização (1997-2010) em São
Luis – MA. Monografia (Curso de Geografia) Universidade Federal do Maranhão,
São Luis, 2011.

RODRIGUES, José. Os empresários e a educação superior. Campinas, SP.: Autores


Associados, 2007.

SOUSA, Maria Gorete. Um estudo sobre a resistência e ofensiva na luta dos


Atingidos pela VALE: nos caminhos dos trilhos no Maranhão. Dissertação (Mestrado
em Ciências Sociais) – Universidade Federal de São Paulo, Guarulhos, 2013.

THUSWOHL, Maurício. Mais de 3,7 milhões pedem a anulação do leilão da Vale,


Carta Maior, número, 2007. Disponível em: <http://cartamaior.com.br/>. Acesso em:
26 de maio de 2015.

Вам также может понравиться