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Artefatos e Mentefatos na Formação de Professores de Matemática:

um retrospecto.

Ubiratan D’Ambrosio*
UNIBAN , São Paulo , Brasil

“Tanto o amansamento da besta homem, quanto o


aprimoramento de um determinado gênero de
homens é denominado ‘melhoria’: somente estes
termos zoológicos exprimem realidades – realidades,
sem dúvida, das quais o típico ‘melhorador’, o padre,
não sabe nada – nem quer saber ... Denominar o
amansamento de um animal sua ‘melhoria’ é, a
nossos ouvidos, quase uma piada. Quem sabe o que
acontece no seu círculo íntimo duvida que ali a
besta seja ‘melhorada’. Ela é enfraquecida, tornada
menos danosa, torna-se, pelo sentimento depressivo
do medo, pelas feridas, pela fome, uma besta
doentia. Não é diferente com o homem amansado,
que o padre ‘melhorou’.”1

Há alguns dias um aluno perguntou-me sobre como era o ensino da


Geometria antes e depois do surgimento da Matemática Moderna. Não foi
difícil lembrar-me. Quando eu era estudante do ensino básico havia as
disciplinas Desenho, que incluía Geometria Plana com régua e compasso
(artefatos) e Geometria Descritiva (épuras e representações no espaço,
inclusive sombras), nos três níveis, isto é, primário+ginásio+colegial, e
Trabalhos Manuais (até o 2º ginasial, que incluía a construção de sólidos
geométricos, dobrando cartolina e fazenda peças decorativas de madeira
com serra tico-tico (artefatos), seguindo um modelo gráfico, tipo figurino. Na

*
ubi@usp.br
1
Friedrich Nietsche. Obras Incompletas, Seleção de textos de Gérard Lebrun,
Tradução e Notas de Rubens Rodrigues Torres Filho, Editora Nova Cultural Ltda,
São Paulo, s/d; p.380.

Ubiratan D’Ambrosio 1
disciplina Matemática havia muita Geometria, mas era uma Geometria
Dedutiva, no estilo euclidiano, demonstrando teoremas (mentefatos) que, na
sua maioria, haviam sido objeto de construção com régua e compasso ou
dobrando cartolina. Assim, o ensino de Geometria era compartilhado entre as
disciplinas Matemática e Desenho+Trabalhos Manuais. Esse compartilhar
dava ênfase ao aspecto teórico, dedutivo, lidando essencialmente com
mentefatos, e ao aspecto prático, ao fazer, com ampla utilização de
artefatos. Ambos se complementavam, como efetivamente acontece nas
atividades humanas.

Artefatos e mentefatos são, em muitos aspectos, associados a fazer e saber.


Portanto, assim como fazer e saber, não são dicotômicos. Há uma falsa
dicotomia entre fazer e saber, assim como entre teoria e prática. Quem faz,
está sabendo, quem sabe é capaz de fazer. Fazeres e saberes tecem o
complexo de conhecimentos e comportamentos humanos.

Conhecimento e comportamento são a essência de todo sistema educativo. O


grande objetivo do educador não é “amansar” os alunos, subordinando-os a
pensar e agir reproduzindo o que lhes é ensinado, mas sim desenvolver a
criatividade de cada um desses alunos.

É próprio do ser humano identificar uma situação/problema, e procurar uma


solução. A evolução da espécie humana está identificada com a superação,
em espaço e tempo, de desafios para sobreviver e para transcender. Uma
proposta para educação é facilitar esse processo, provocando reflexões dos
alunos sobre os desafios que se apresentam, estimulando-os a gerar uma
solução ad hoc, com o objetivo imediato de superar o desafio específico. A
repetição de desafios do mesmo tipo ou “próximos” dá origem a métodos. As
teorias permitem explicar os métodos e facilitam criar o novo (=invenção).

Ubiratan D’Ambrosio 2
Um programa de pesquisa em sala de aula é investigar

• como se dá a passagem de uma solução ad hoc para um


método?
• como se passa de métodos a teorias?
• como se passa das teorias à invenção?

A resposta a estímulos do concreto [artefatos e fatos naturais, como a


ambiente, o outro, a sociedade] e do abstrato [mentafatos, tais como
memória – individual e coletiva – mitos, símbolos, fantasias, expectativas,
crenças e conhecimentos comunitários] é o que se espera de uma prática
educativa.

O que é conhecimento?

Conceituo conhecimento como os modos de comunicação, as línguas, as


religiões, as artes, assim como as ciências e as matemáticas, que são os
fazer(es) e saber(es) acumulados ao longo da história da humanidade, de
maneira diferente, por civilizações distintas.

Todo conhecimento, isto é, todo fazer/saber é resultado de um longo


processo, cumulativo, de geração, de organização intelectual, de organização
social e de difusão de idéias. No tratamento tradicional, esses estágios são
estudados em disciplinas específicas, chamadas, respectivamente, teorias da
cognição, epistemologia, história e educação. Essas áreas não são
dicotômicas entre si. Isto é, não se pode desvincular a geração do
conhecimento (cognição) de sua organização intelectual (epistemologia) e de
sua organização social (história) ou de sua difusão (educação). O processo é
um todo, extremamente dinâmico e jamais finalizado, e está obviamente
sujeito a condições muito específicas de estimulo e de subordinação ao

Ubiratan D’Ambrosio 3
contexto natural, cultural e social. É esse processo dinâmico que chamo o
ciclo do conhecimento, que estuda a aquisição individual e social de
conhecimento. Eu adoto o enfoque transdisciplnar, no qual os estágios são
estudados de forma integrada.2

Esse enfoque já é antecipado por Descartes, quando diz

“Quando era mais jovem, eu estudara um pouco de filosofia, de lógica,


e, das matemáticas, a analise dos geômetras e a álgebra, três artes ou
ciências que pareciam poder contribuir com algo para o meu propósito.
No entanto, analisando-as, percebi que, quanto à lógica, seus
silogismos e a maior parte de seus outros preceitos servem mais para
explicar aos outros as coisas já conhecidas, ou mesmo, como a arte de
Llulio, para falar, sem formar juízo, daquelas que são ignoradas, do
que para aprendê-las. E apesar de ela conter, realmente, uma porção
de preceitos muito verdadeiros e muito bons, existem contudo tantos
outros misturados no meio que são ou danosos, ou supérfluos, que é
quase tão difícil separá-los quanto tirar uma Diana ou uma Minerva de
um bloco de mármore que nem ao menos está delineado. Depois, no
que concerne à análise dos antigos e à álgebra dos modernos, além de
se estenderem apenas a assuntos muito abstratos, e de não parecerem
de utilidade alguma, a primeira permanece sempre tão ligada à
consideração das figuras que não pode propiciar a compreensão sem
cansar muito a imaginação; e, na segunda, esteve-se de tal maneira
sujeito a determinadas regras e cifras que se fez dela uma arte confusa
e obscura que atrapalha o espírito, em vez de uma ciência que o
cultiva.Por este motivo, considerei ser necessário buscar algum outro
método que, contendo as vantagens desses três, estivesse
desembaraçado de seus defeitos.”3

E aí propõe seu método. Mas, na mesma obra (p.37), Descartes previne


contra uma subordinação ao método, e nos brinda com um dos melhores
exemplos que conheço sobre humildade intelectual:

2
Para uma discussão mais elaborada sobre esse tema, ver meu livro
Transdisciplinaridade, Editora Palas Athena, São Paulo, 2009 (edição original 1997).
3
René Descartes: Discurso do Método (trad. Enrico Corvisieri, ed.orig. 1637), in
Descartes – Vida e Obra, Editora Nova Cultural Ltda, São Paulo, 1999; p.48.

Ubiratan D’Ambrosio 4
“meu propósito não é ensinar aqui o método que cada qual deve seguir
para bem conduzir sua razão, mas somente mostrar de que modo me
esforcei por conduzir a minha [razão]”.

Representações da realidade e modelagem.

O ciclo de aquisição de conhecimento é deflagrado a partir da realidade, que


é plena de fatos que informam o indivíduo. O indivíduo processa a
informação e define motivações e estratégias para ação e essa ação vai
modificar a realidade, estabelecendo assim um ciclo:

...realidade→indivíduo→ação→realidade....4

A ação resulta de estratégias motivadas pela necessidade e/ou desejo que


tem cada indivíduo de explicar, conhecer, entender, lidar, manejar, conviver
com a realidade e, obviamente, resulta da informação que o indivíduo dela
recebeu e do seu processamento. Ainda não se sabe como se dá todo esse
processamento. Este é um dos problemas mais fascinantes da ciência
moderna, denominado ciência da mente. 5

Os mecanismos de captação de informação são um pouco melhor


conhecidos. Mas, naturalmente, essa informação é múltipla na sua natureza,
variada no seu grau de precisão e acuidade e extremamente complexa. O
que normalmente se faz é selecionar algumas dessas informações e definir
estratégia para ação a partir dessa seleção. Obviamente, estaremos

4
Isso é discutido no meu livro Da Realidade à Ação. Reflexões sobre Educação (e)
Matemática, Summus Editorial, São Paulo, 1998.
5
Ver o livro de Steven Pinker: Como a Mente Funciona, Companhia das Letras, São
Paulo, 1998.

Ubiratan D’Ambrosio 5
considerando informações parciais, selecionadas a partir do que é
efetivamente real.

Por exemplo, uma árvore é objeto de minha atenção. A árvore me fornece


muitas informações: cor, cheiro, altura, quantidade de folhas, de galhos,
grossura, dimensão global, forma e tantas outras. Mas eu posso decidir
ignorar essa multiplicidade de informações e selecionar apenas dimensão
global, forma e cor e só me ocupar de informações sobre esses fatos. Não
estarei mais lidando com a árvore como um todo, mas com uma
representação parcial, limitada, dessa árvore, ou como também se
costuma chamar, com um modelo da árvore. A construção e a elaboração
sobre modelos é o que se chama modelagem. Mais adiante voltarei ao
exemplo da árvore.

Modelos matemáticos e resolução de problemas.

Particularmente importante são os modelos matemáticos, que utilizam


informações descritas em termos matemáticos, usando representações
numéricas e geométricas. É fácil perceber a relação entre a modelagem
matemática e a resolução de problemas. Os problemas, como são
tratados normalmente, são proposições sobre as representações e não sobre
o fato real. A modelagem matemática faz a ponte entre o mundo real e as
representações, destacando parâmetros matemáticos, o que é muito bem
expressado por Rodney C. Bassanezi ao enunciar o que considero uma boa
definição de modelagem:

Ubiratan D’Ambrosio 6
”A modelagem matemática consiste na arte de transformar problemas
da realidade em problemas matemáticos e resolvê-los interpretando
suas soluções na linguagem do mundo real”6

Naturalmente, as representações são resultado de uma ação de quem


primeiro recebeu informação da realidade, portanto subjetivas. E recebeu, na
etapa de representação, os fatores de limitação que inserem o problema no
contexto da disciplina.

Na aula de matemática, ao se falar em resolução de problemas, o que não se


traduz em parâmetros matemáticos não é sequer considerado. Ao propor o
problema em sala de aula o professor estará incorporando uma linguagem
matemática à "sua" representação do fato real e, portanto, estará fazendo,
para o aluno, uma abstração. É muito importante que essa abstração,
usando terminologia matemática, não desligue o aluno da realidade.

Situações encontradas no dia-a-dia e que são familiares ao aluno constituem


excelente fonte de problemas que podem ser trabalhados com a metodologia
da modelagem.7

Os modelos devem estar sempre muito próximos à realidade vivida pelo


aluno. Por exemplo, um problema sobre "ir à feira comprar maçãs" é, para
um aluno que jamais ferrou os dentes numa maçã, mas só come bananas,
uma abstração. Provavelmente, ele se sairá melhor se o problema for
formulado em termos de bananas. Sugestão para o professor em sala de
aula: formule um projeto de pesquisa para verificar essa minha asserção.

6
Rodney C. Bassanezi: Ensino-aprendizagem com modelagem matemática: uma
nova estratégia, Editora Contexto, São Paulo, 2002; p.16.
7
Há inúmeros exemplos no livro de Maria Salett Biembengut e Nelson Hein:
Modelagem Matemática no Ensino, Editora Contexto, São Paulo, 2000.

Ubiratan D’Ambrosio 7
Por outro lado, uma das críticas que se faz a essa intimidade com o real é
que isso pode interferir com o desenvolvimento da criatividade. DE fato, a
fixação no que é real, portanto no puramente utilitário, é prejudicial a uma
boa educação. O utilitarismo radical desestimula o aluno a procurar o novo e
a fantasiar, a “sonhar”, que são componentes essenciais na criatividade
matemática.

Uma estratégia para levar à fantasia e, consequentemente, à criatividade, é


o recurso à ficção, criando-se modelos fictícios a partir de hipóteses
arbitrárias. mas coerentes. Pode-se, inclusive, aproveitar essa estratégia
para introduzir uma reflexão que é fundamental na matemática, que é a de
sistemas não contraditórios. Um exemplo dessa estratégia encontra-se num
livro escrito, na transição do século XIX para o século XX, pelo reverendo
Edwin A. Abbott, denominado Flatland. A Romance in Many Dimensions.

Na verdade, a denominação modelo deveria estar reservada ao artefato que


se obtém no final, isto é, à representação operacional. Por exemplo, ao se
fazer um aviãozinho de varetas, a planta sobre a qual se trabalha não é o
aeromodelo. Ele só o será quando estiver em operação, como se fora um
avião. Aeromodelagem é o processo de se fazer a representação, de se
analisar e de se construir e fazer funcionar o modelo. A modelagem, como
eu a entendo, é o processo completo. Conduz a artefatos operacionais
(tecnologia), a artefatos contemplativos (arte), e a mentefatos (teorias).

Um dos exemplos mais notáveis de modelagem é a arquitetura, que tem um


papel muito especial na História da Matemática. Diz-se da arquitetura que
ela é a mais artística das ciências e a mais científica das artes. Isto fica
ainda mais evidente a partir do século XVI, quando o arquiteto recorre a
teorias matemáticas, particularmente a Geometria Euclidiana, para o
exercício da sua profissão. De fato, a partir de então os arquitetos adquirem

Ubiratan D’Ambrosio 8
um outro status na sociedade, como intelectuais detentores de
conhecimentos científicos e matemáticos, dominando artefatos e mentefatos,
instrumentos e idéias abstratas. Um interessante exemplo nos é dado por Sir
Christopher Wren (1632-1723), cientista, matemático, um dos fundadores da
Royal Society e professor de astronomia da Oxford University, que foi o
responsável pela construção da Catedral de Saint Paul, em Londres.8

Etnomatemática.

Agora vou fazer a ponte entre a modelagem e a etnomatemática. Volto a falar


no ciclo do conhecimento, isto é, sua geração, organização intelectual e social, e
difusão. Particularmente, como se dá a geração e a organização. O conhecimento
resulta de informação recebida da realidade, através dos sentidos, da memória e
do código genético. A informação é processada, gerando conhecimento. A
informação, captada graças aos instrumentos intelectuais e materiais de que
dispomos, é organizada como representações da realidade, que são modelos,
sobre os quais o processamento se dá. Esse processamento é modelagem. Para o
processamento utilizamos todos os instrumentos disponíveis. Os instrumentos de
que dispomos é a nossa etnomatemática.

Como exemplo, vou examinar o que se passa com um fato/fenômeno que é dos
favoritos entre os cultores da modelagem, que é a apicultura. Se aqueles
envolvidos no estudo da apicultura forem matemáticos, eles vão dispor de uma
etnomatemática própria dos matemáticos acadêmicos, como equações
diferenciais e outros instrumentos intelectuais e materiais, como computadores.
Mas se os envolvidos forem apicultores camponeses, que estão interessados na

8
Isto é bem estudado por Anthony Gerbino e Stephen Johnston: Compass and Rule,
Architercture as mathematical practice in England 1500-1750, Yale University
Press, New Heaven, 2009.

Ubiratan D’Ambrosio 9
comercialização do produto das abelhas, eles deverão utilizarão instrumentos
qualitativos e quantitativos que interessam para acompanhar a produção e
avaliar o valor dessa produção. Esses instrumentos, que são elaborados,
aprimorados e transmitidos de geração para geração, constitui a etnomatemática
dos apicultores. E se os envolvidos forem indígenas, interessado nas
propriedades curativas e místicas do produto das abelhas, os instrumentos
intelectuais e materiais por eles utilizados constituem uma outra
etnomatemática, que provavelmente nada tem a ver com aquela dos apicultores
profissionais e nem dos pesquisadores acadêmicos.

O mesmo fato, o mesmo problema, é modelado diferentemente, pois tem


representações diversas. Todos estarão fazendo modelagem. Os matemáticos
aplicados utilizando a etnomatemática que vem dos círculos acadêmicos,
enquanto os apicultores indígenas utilizam a etnomatemática própria da sua
cultura, incorporada às suas tradições xamânicas e místicas, que há anos, talvez
séculos, vem trabalhando com o produto das abelhas.

Todos estarão fazendo modelagem, cada grupo utilizando os seus recursos


intelectuais e materiais próprios, isto é, sua própria etnomatemática. A
intimidade entre a etnomatemática e a modelagem matemática é muito bem
estudada num livro recente de Alexandrina Monteiro e Geraldo Pompeu Jr.9

Sempre que nos referimos à Matemática no contexto escolar e acadêmico,


estamos nos referindo à etnomatemática desenvolvida pelos europeus, a
partir da Antiguidade grega e romana, elaborada durante a Alta Idade Média
no mundo islâmico e, a partir das Cruzadas, levada à Europa cristã. A partir
das grandes navegações, iniciadas no final do século XV, essa matemática
estendeu-se a todo o mundo. Essa é a matemática hoje encontrada em todos

9
Alexandrina Monteiro e Geraldo Pompeu Júnior: A Matemática e os Temas
Transversais, Editora Moderna, São Paulo, 2001.

Ubiratan D’Ambrosio 10
os currículos escolares e praticada em todos os países. Quando se diz
História da Matemática estamos nos referindo a essa Matemática. Isto é,
estamos fazendo a História da Etnomatemática da civilização ocidental.
Recentemente tem havido esforços para se estudar a História de outras
etnomatemáticas. Mas não vou me estender sobre isso neste trabalho.10

Em cada etapa da evolução da matemática, notam-se aspectos de


modelagem e de etnomatemática. Por exemplo, uma catedral religiosa é um
modelo de templo -- cultos que têm origem em ambientes místicos naturais -
- enquanto a catedral como prédio, elemento arquitetônico, é um modelo de
natureza artística. Uma teoria geométrica, por exemplo, a Geometria
Euclidiana, é um modelo teórico, associando a mentefatos organizados com
raízes místicas e fantasiosas, artefatos teóricos, organizados formalmente
com objetivo de ser acessado por outros.

Em se tratando do sistema cósmico, mais especificamente planetário, um


dos modelos matemáticos mais conhecidos é devido a Ptolomeu, século II.
Foi extremamente importante e útil. Os grandes descobrimentos
portugueses, no século XV, eram baseados no modelo proposto por
Ptolomeu.

Mas, à medida que surgem novas possibilidades de observação do sistema


real, novos elementos vão sendo introduzidos na representação e um modelo
mais refinado é proposto. Assim, foi possível a Copérnico propor outro
modelo do sistema planetário no início do século XVI.

10
Para esse tema ver o livro de Elaine Selin (editor): Mathematics Across Cultures.
The History of Non-Western Mathematics, Kluwer Academic Publishers, Dordrecht,
2000.

Ubiratan D’Ambrosio 11
Trabalhar sobre o modelo matemático depende de se conhecer o
comportamento dos objetos na realidade. O modelo de Ptolomeo, quando
proposto e utilizado, foi útil. O modelo de Copérnico, mesmo tendo sido
precedido pelo heliocentrismo de Aristarco, no século II a.C., não seria útil
para entender o cosmos sem as contribuições de Galileo, de Kepler e outros,
pois não havia instrumental matemática capaz de trabalhar com esses
modelos. São necessários instrumentos intelectuais, que são as leis físicas e
as teorias matemáticas, para entender o comportamento dos sistemas e dar
utilidade aos modelos. No caso do modelo de Copérnico, seu sucesso
resultou dos seguintes fatos científicos:

1. A obtenção de leis físicas gerais sobre o movimento dos planetas (as


leis de Kepler e a teoria da gravitação de Newton);
2. o cálculo diferencial, inventado por Newton e Leibniz, que possibilitou
fazer cálculos a partir do modelo e fazer previsões sobre o
comportamento do sistema.

Por exemplo, o estudo das trajetórias desse modelo com o instrumental


matemático disponível, no caso as equações diferenciais, permite identificar
objetos do sistema planetário que não são observáveis com os instrumentos
astronômicos disponíveis.11

O grande benefício da modelagem matemática é poder, através de cálculos,


validar o modelo, fazer previsões sobre o comportamento do sistema e
tentar controlar o sistema.

Com o desenvolvimento da computação, a modelagem matemática tornou-se


o instrumento científico mais poderoso de que dispomos. O matemático
Jacques-Louis Lions fez um excelente estudo sobre as possibilidades da

11
Interessante notar que a tese de doutorado do "Sousinha", Joaquim Gomes de
Sousa (1829-1863) defendida na Escola Militar em 1848 intitulava-se Sobre o Modo
de Indagar Novos Astros sem Auxílio das Observações Diretas.

Ubiratan D’Ambrosio 12
modelagem matemática para o estudo do planeta Terra.12 Nesse livro ele
introduz o que chama de trilogia universal:

modelo → análise → controle


↑ ↓ ↓

como a essência da modelagem matemática.

Modelos como estratégia de conhecimento.

A proposta da trilogia coincide com o conceito de ciclo do conhecimento


discutido acima:

...realidade→indivíduo→ação→realidade....

O processo cognitivo considera uma modelagem mais ampla, utilizando


outros parâmetros além dos matemáticos.

Embora o processamento da informação para definir estratégias de ação seja


algo muito elaborado, ao se restringir as informações a um número limitado
de parâmetros, o processamento é facilmente explicável num contexto das
disciplinas. Para processar um modelo com um número maior de parâmetros
necessitamos um instrumental disciplinar maior. Daí o grande avanço que
teve a modelagem quando surgiram calculadoras e computadores. Mas a
aplicabilidade continua restrita a parâmetros reconhecidos pelos
computadores.

12
Jacques-Louis Lions: El Planeta Tierra. El Papel de las Matemáticas y de los Super
Ordenadores, Instituto de España/Espasa Calpe, Madrid, 1990.

Ubiratan D’Ambrosio 13
A modelagem, além de contribuir para as ciências exatas, físicas e naturais e
para a tecnologia, também abriu novos horizontes para o estudo das ciências
da cognição. Hoje as ciências da cognição, que consideram o ser humano um
processador de informação de um tipo muito especial, deveriam tomar o
lugar de teorias da aprendizagem obsoletas, ainda praticadas nas nossas
licenciaturas.

As ciências da cognição incluem elementos de psicologia, ciência da


computação, particularmente inteligência artificial, lingüística, filosofia,
fisiologia e muito mais. A inteligência artificial vem se desenvolvendo
rapidamente na busca do reconhecimento de parâmetros tais como emoções
pelos computadores. Com isso as possibilidade de modelagem aumentam
muitíssimo, inclusive para o comportamento psico-emocional. 13 Quando as
nossas licenciaturas vão acordar para isso?

Uma vez construído o modelo, passamos a tratá-lo como um sistema em si.


Naturalmente, são sistemas muitíssimo mais simples que os fatos originais
que provocaram a representação sobre a qual construímos o modelo.
Estaremos lidando com as várias partes, com os componentes desse
sistema, e igualmente com as relações entre esses componentes. A ação se
exerce sobre esse sistema, sobre o modelo. Essa ação poderá ser de
natureza a mais diversa. Volto ao exemplo da árvore, já dado neste trabalho.
Posso analisar a árvore, como modelo, com um instrumental matemático, ou
físico, ou mesmo interdisciplinar. Naturalmente a ação resultante terá
limitações e mesmo poderá ir se afastando da realidade. A árvore como um
todo é um sistema muito mais complexo que o modelo que adotamos para
analisá-la. Naturalmente, se quisermos informações sobre a árvore obtidas

13
Veja o excelente artigo de F. R. Hickman: Formulation in Mathematical Modelling
by Artificial Intelligence, Mathematical Modelling Methodology, Models and Micros
eds. J.S. Berry et al., Ellis Horwood Limited, Sussex, 1986; pp.261-286.

Ubiratan D’Ambrosio 14
através de um modelo, a cada instante será necessário verificar se não nos
perdemos com o modelo, no sentido que as limitações impostas pela seleção
dos parâmetros podem criar, no lugar da árvore real, um modelo abstrato,
fantasioso, de árvore.

Muitas vezes o objetivo é mesmo perder-se em fantasia e ficção, afastar-se


da realidade, o que é válido e é muito comum nas artes. Como diz o
brilhante matemático norueguês Sophus Lie

“sem fantasia ninguém pode se tornar um matemático, e o que me deu


um lugar entre os matemáticos dos nossos dias, apesar de minha falta
de conhecimento e forma, foi a audácia de meu pensamento”.14

Mas outras vezes é importante nos mantermos próximos à vida, ao real, e


faz-se necessário verificar, com freqüência, se o modelo está se
comportando de acordo com a realidade. Esse é o caso dos chamados
modelos matemáticos, já mencionados acima. Esses são caracterizados pela
natureza dos parâmetros que se escolhem, que devem ser parâmetros
quantificáveis e sujeitos a um tratamento matemático. Sempre será
necessário selecionar parâmetros e portanto também o modelo matemático é
uma aproximação do real. Mas deverá ser evitado o distanciamento da
realidade e nesse caso se torna necessária uma avaliação, a cada instante,
da adequação do modelo. Ora essa avaliação está implícita no processo
cognitivo como descrevemos acima, através de uma retro-alimentação
mediante informações obtidas da representação.

14
Arid Stubhaug: The Mathematician Sophus Lie, transl. Richard H. Daly
[orig.norueguês 2000], Springer-Verlag, New York, 2002, p.409.

Ubiratan D’Ambrosio 15
A formação de professores.

Repetindo a argumentação acima, a modelagem, além de contribuir para a


compreensão das ciências exatas, físicas e naturais e para a tecnologia,
também abriu novos horizontes para o estudo das ciências da cognição. As
novas teorias de cognição consideram o ser humano como um processador
de informação de um tipo muito especial. O estudo das ciências da cognição
deve tomar o lugar de teorias da aprendizagem obsoletas, ainda praticadas
nas nossas licenciaturas. 15

A modelagem matemática deveria ser amplamente introduzida nos


programas de formação. A medida que novos avanços em computação,
particularmente na inteligência artificial, forem surgindo, a modelagem vai se
tornando mais poderoso como instrumento de pesquisa.

Na sua formação, o professor deverá adquirir familiaridade com os artefatos


disponíveis, hoje com ampla utilização de meios digitais, e com os
mentefatos que servem de apoio teórico para a utilização de artefatos.

Um princípio básico é que se forma um professor para praticar inovação


praticando inovação na sua formação. Durante a formação, o conhecimento se
desenvolve muito mais rapidamente do que se pode acompanhar. Relativamente, sabe-
se hoje muito menos, sobre o conhecimento de hoje, do que se sabia há dez anos
sobre o conhecimento disponível há dez anos. A rapidez com que surgem inovações
em artefatos e mentefatos é impressionante. Dificilmente a formação pode dar ao
professor os elementos necessários para a sua prática. O professor de outros tempos
podia saber muito mais – sobre tudo que havia para saber!

15
Discuto esse tema no meu livro Educação Matemática. Da Teoria à Prática,
Editora Papirus, Campinas, 1996.

Ubiratan D’Ambrosio 16
O que esta se passando é que o conhecimento, pelo qual muitos professores são
admirados e sentem-se orgulhosos, pois acham que sabem muito, é cada vez mais
limitado e rapidamente torna-se obsoleto.

O novo conhecimento é agora disponível e acessível por outros meios além da


memória e dos impressos. Há inúmeros meios digitais de acessar informação. A
utilização desses meios e como acessar informação e se atualizar deve ser central na
formação do professor.

Ubiratan D’Ambrosio 17

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