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PONTO DE VISTA ======

,.. ,..

REGIAO, SERTAO, ,..

NAÇAO

Janaína Amado

Uma .ategoria ospacial eSlado, São Paulo, próxima a Sorocaba


(provavelmente, uma reminis cência dos
antigos ca minb os das tropas). No Amazo­
o conjunto da história do Brasil,
em termos de senso comum, pen­
nas, "scrtão de dentro" refere-se à fron­
teira do eslado com a Venezuela, en­
samento social e imaginário, poucas ca­
quanto, no interior do Rio Grande do Su�
tegorilLS têm sido tão imporlantes, para
"sertão de fora" lambém nomeia 1rca de
designar uma ou mais regiões, quanto a
fromeira, porém situada... no Uruguai!
de "sertão". Conhecido desde antes da
chegada dos portugueses, cinco séculos "Sertão" é, também, uma referência
depois "sertão" permanece vivo no pen­ institucionaJizada sobre o espaço no Bra­
samento e no cotidiano do Brasil, mate­ sil: segundo O Instituto Brasileiro de Geo­
riaIiZólndo-se de norte a sul do país como grafia e Eslatistica (IBGE), designa
sua mais relevante categoria espacild: en­ ofi cialmente UOl2 das subáreas nordesti­
tre os nordestinos, é tão aucild, tão pre­ nas, 1rida e pobre, situada a oeste das
nhe de sigrtificados, que, sem ele, a pró­ duas outras, a saber: "agreste" e "zona da
pria noção de "Nordeste" se esvazia, ca­ mau".
rente de um de seus referendas essen­
ciais. Que seria de Minas Gerais, Goiás ou
Mato Grosso sem seus sertões, como Uma .ategorla do pensamento
peru1·los? Em Sanla Calarina, ainda hoje social
se emprega a expressão "sccl;io" para
referir-se ao extremo oeste do Eslado. "Sertão" é uma das categorillS mais
Em partes do Paraná, a mesma expressão recorrentes no pensamento socild brasi·
identifica uma área do interior de outro leiro, especialmente no conjunto de nos-

NOIQ: Esce a.nigo deve muilo ao Ol($() de p6s-a,radlUçiO "Regiio. Senão, Nação", mioisar.u1o Da UoB poc
mim e pelos prors. MircyaSuarczc Luiz Tatlcy dc Aragão, do Dcpanamau o de Amropologia. Os dc:balCS então
reaJ izoI.dos, COlrc nós c COIU O c:xc:elcmcg.nlpo de aJuoos, inspir.u'am várias idéias aqui Cxp03Ias, UlesUlO aqucl:.d
com as quais somcolc cu concordo.

Estudos UJ.slóricos, Rio de}anciro, \'01. 8, n. 15, 1995, p. 145·151.


146 mUDOS HISTÓRICOS· mIm

sa bistoriografia. Eslá presente desde o Uma cat.!lI.rla cultural


século XV], nos reIalOs dos curiosos, cr<>-
rustas e vl3Janres que VlSuaram o patS e o
• • • • • •

"Sertão' ocupa ainda lugar exlrema­


descreveram, 3S.Sim como, a partir do
menle importanle na literalUra brasileira,
século xvn, aparece nas primeiras lenta­
representando tema cenlral na literatura
tivas de elaboração de uma bislÓria do popular, especialmente na or....I e de cor­
Brasil, como a realizada por frei Vicenle
del, além de correntes e obras literárias
do Salwdor (1975). No período compre­
cultas. Como apontaram, enlre oulrOS,
endido enlre as últimas décadas do sécu­
AfrânioCoutinho (1955), AntônioCândi­
lo XIX e as primeiras do século xx. mais
do (1964), F ernando Cristóvão (1993-
precisamente enrre 1870 e 1940, "SCrlâo'
94), GilberlO Mendonça Teles (1991) e
chegou a constituir calegoria absoluta­
Walnice Nogueira Galvão (1981), "ser­
menle essencial (mesmo quando rejeita­
tão' freqiienta com assiduidade a litera­
da) em uxlas as conslrUções hislOriográ­
tura brasileira desde a poesia romântica
ticas que tinham como tema básico a •

do século XIX (Alvares de Azevedo, Jun-


nação brasileira.
queira Freire, Castro Alves, etc.), passan­
Os historiadores reunidos em tomo do pela prosa romântica (Bernardo Gui­
do lnstilUlO HislÓrico e Geográl.ico Bra­ m:ui es e, principalmente, José de Alen­
sileiro e identificados com a hislOriogra­ car, em O sertanejo), atingindo enorme
fia ali produzida, como Varnh agen, Ca­ import.lncia na literatura realist.l
' , em
pislrano de Abreu (1975 e 1988) e Olivei­ tores como Franklin Távora, Coelho
ra Viana (1991), utilizaram e refinaram o Neto e Monso Arinos.
co·nceito. OUlrOS historiadores impor­ Grande parte da denominada "litera­
tantes do período, como Euclides da Cu­ tura regionalista" tem o sertão como l�
nha (1954) e Nelson Werneck Sodré cus, ou se refere diretamente a ele. A
(1941), em sua fase pré-marxista, e, pos­ chamada "geração de 1930' (Gracili."lno
leriormente, Sérgio Buarque de Holanda Ramos, R."lquel de Queirós, José Lins do
(1957 e 1986) eCas.siano Ricardo (1940), Rego, Jorge Am.1do, etc.), por sua vez, é
lraba1haram, de diferenles fo rmas, com a a principal responsável pela COnslrução
categoria "serLio". dos conlUrbados sertões nordestinos, de
forte conotação social. EnlretanlO, talvez
A partir da década de 50, o tema não
o maior, mais completo e importante
foi mais tão candente enlre os hislOriad<>­
autor relacionado ao tema tenha sido
res. PerrrL'lneceu, entretanto, importante
João Gu imaries Rosa (1965), o evocador
na análise de sociólogos, como Maria
dos sertões m.isteriosos, míticos, ambí·
lsaura Pereira de Queiroz, Douglas Tei­
guos, situados ao mesmo tempo �m es.­
xeira Monteiro e Maurício Vinhas de
paços externos e internos. O tema conti­
Queiroz, e de alguns poucos anlropól<>­
nuou a ser abordado por vários autores
gos, como Neide Esterci (1972) e Otávio
(Ariano Suassuna e João Ubaldo Ribeiro
Velho (1976).
são apenas exemplos), chamando a aten­
Na década de 90, reapareceu em obras ção de eserilOres recentemente editados,
de hislOriadores, como Giucci e Montei­ como Francisco ].C. Dantas, em Os des­
ro. Vivido como experiência histórica, validos (1993). A literalUra brasileira p<>­
"sertão" constituiu, desde cedo, por voou os vari.1.dos sertões que construiu
meio do pensamento social, uma categ<>­ com personagens colossais, poderosos
ria de entendimento do Brasil, inicial­ símbolos. narrativas míticas, lTL:1.fcando
mente na condição de colónia porlUgue­ com eles forte, funda e detinitiv.lffienle,
sa e, após o século XIX, como nação. o imaginário brasileiro.
fOHTO OEVIITA lEGIÃO, smio, IlAÇÃO
• 147

PacaIelamente, ·sertão" tem estado pre- embrulhado), desertum (desertor, aque­


sente em outraS artes como a pmtura., o le que sai da fileira e da ordem) e deser­

teatro, o cinema c, em especial, a músiC2. tanum (lugar desconhecido para onde


e ocupado espaços amplos nos meios de foi o desertor). Desde o século XVI, as
.
comumcaçao, antigos e atuaIS: emcerutaS, duas grafias foram empregadas por nu­
. _ . .

jo rnais, rádios e também na televisão, merosos viajanteS e cronistas do nascen·


• •

onde tem inspirado programas humorís­ te império português na Africa, Asia e


ticos. casos espec�i.s e diversas novelas. Améríca, com o sentido já apontado, de
Talvez nenhuma Outra categoria, no Bra­ grandes espaços interiores, pouco ou na­
sil, tenha sido conslruída por meios ,ão da conhecidos: •...e os príncipes dela se
diYCrSOS. Talvez nenhuma esteja tão entra­ foram a el Re� rcquerendo-llie que Dzes­
nhada na hislória brasileira, tenha signifi­ se paz com os portugueses, se não que
cados tão importantes e variados e se iden­ se iriam todos para o certlo", escreveu
tifique L1flIO com a cul tura brasileira: ·0 Damião de Góis; •...com que cortam por
serLw cstá em loda parte; o sertão está esse cemo espaço de mais de quinhentas
dentro da gente", s:tbia GuinJariies Rosa léguas, se vão meter no mar da China e
(1965). da Cocbincbina", relatou Fernão Mendes
Pinto (Godinbo, 1983:145,173).
MScrtão foi ainda laJgamente u lj1izado,
..

Um. c.tego.l. construlol. até o final do século xvm, pela Coroa


oIu •• nto • colonlza�ão porruguesa e pelas autoridades )IIS3S nas
colônias. No Brasil, são numcrosissimos
A seguir, é realizado um exerádo JIl(> os exemplos disso na documentação ofi­
dcsto, no sentido de iden lificar, no perío­ cial: "Se lhes rnia ocrto haver nos sertões
do colonial brasileiro, algumas L�cetaSdes­ da América mims de ouro, prata e pedras
se primeiro momento hislÓrico de coos­ preciosas" (resposta de D. João V, em
lrução da categoria ·serLio". Parte de uma 1721, ao pedido dc\icença de Bartolome...
pesquisa mais ampla, representa a primei­ Bueno da Silva e outrOS, para organizar
ra tenL11.Ív.l de SlslCm1.lizaç.io do tema. bandeira rumo a Goiás); ·Sc os não puder
Talvez desde o século xu, com cer'eza obter (os recursos solicitados), Scnhor,
desde o XlV, os portugueses emprega­ não sei o que será feito desses fiéis servos
w.m a palavra, grafundo-a ·sertão" ou de Vossa Majestade, abandonados à sorte
"certão", para reCerir·se a áreas situadas cruel entre os sanguinários selvagens ha­
dentro de Portugal, porém distantes de bitantes desses ocrlÕCs." (RelalÓrio do pre­
Lisboa (Cortesão, 1958:28). A partir do sidente da província de Mato Grosso,
século XV, usaram-na também para no­ In8).
mear espaços VOlSLOS, interiores, sjruados NOle-se que a descoberta, a partir do
dentro das possessões recé m-conquista­ final do século XVWmício do xvm, de
das ou conlÍguos a elas, sobre os quais grande quant;<Jade de ouro, em Minas
pouco ou nada sabiam: ·Para além de GelOis, Mato Grosso e Goiás, e as conse­
Ceuta, até onde alcançam as vistas, esten­ qüentes explosão demográfica, acumula­
dem-se os rertões... ", escreveu, em 1534, ção de fortunaS, fundação de núcleos ur­
Garcia de Resende (Godinbo, 1990:96). banos e implantação da pesada burocracia
Segundo alguns esrudiosos (Nunes, lusa não foram capa,..s de modificar sub$­
1784:428), ·sertão" ou ·certão" seria cor­ os significados de ·sertão":
ruptela de ·desertão"; segundo oulCOS
(Teles, 1991), proviria do latim clássico "Farto já o dito Raposo (Tavares),
serere, sertanum (trançado, entrelaçado, ou tendo ourO que bastava à sua am-
143 ESTUDOS HISTÓIlICDS· 1995M •

bição ( ...) ou receoso de que com dos lusitanos desde antes de sua chegada
aquela L'una se ajuntasse algum poder ao Brasil - espaços vaslOS, desconheci­
maior que o destruísse, se ausentou dos, longinquos e pouco habitados -,
com os seus pelo m,llo dentro para acrescentando-Ulc outros, semelhantes
estes sertões, tendo minerado no dito aos primeiros e derivados deslcs, porém
riacho ( ...) e neste tirou todo o ouro esp..óficos, adequados a uma situação
que levou, em que taJou sempre com histórica particular e única: a da conquis­
vivacidade (...)" (Vi'Ulna, 1935:81) ta e consolidação da colônia brasileira.
Assim, no Brasil colonial, "sertão" tan·
Já em 1813, o go",mador de Goiás, to designou quaisquer espaços amplos,
Delg'ulo Freire, em ClCta a parente em longínquos, desconhecidos, desabit�dos
Lisboa, saudava com entus;'lSmo sua"pró­ ou pouco habitados -" ...seja porque des­
xima saída desses irúemais sertões". ses imensos certões quase nada ainda
No início do século XIX, 'sertão" esta· apuraram... " (Sousa, 1974:138) -, como
va de tal modo integrado à língua usada adquiriu uma sig nificação nova, específi­
no Brasil, que os viajantes estrangeiros ca, estritamente vincuh,da ao ponto de

em visira ao país registraram a palavra, observação, à IOCIIiZlção onde se encon·


u tiliZln do-a ruias vezes em seus relatos: trava o enunciante, ao emitir o conceito.
Pohl (1976:249,287), por exemplo, men· Disso decorreram conseqüências impor·
cionou os "Vd.SlÍssimos sertões goL'tOos", tantes. Primeiro: como os portugueses,
e dlamou a atenção para "essa área per· na expressão de Salvador (1975:35), se
did.�, escondida, esse sertão das Gerais", mantiveram muito tempo "arranJlando a
enquanto Sainl·HiIairc (1937:378) usou costa. como caranguejos", aí conccntran·
"sertlo" em rn.'tis de um livro, sempre do as atividades econômicas significati­
designando "as áreas despovoadas do vas, consttuindo os núcleos urbanos iJn.
interior do Brasil. Quando digo 'desp<>­ portantes e inslalando as insLituições e
voada',.refiro-me cvidcnlcmcnte aos ha· autoridades responsáveis pela colo niza­
bitanles civilizados, pois de gentios e ani­ ção, este foi o ponto de observação privi­
mais bravios eslá povoada até em aces-. legiado, ao longo dos três primeiros sé·
so". De forma simplificada, pode·se afiro culos, para a construção da categoria
mar, portanlo, que, às vésperas da inde· "sertão". Desde o litoral, "sertão" foi
pendência, "sertão" ou "cerrão", usada constituído.
tanto no singular quanto no plural, cons­ Por isso, desde os primeiros anos da
tituía no Brasil noção difundida, ClCrega· Colônia, acentuando-se com o passar do
da de significados. De modo geral, dcn<>­ tempo, "litoral" e "sertão" representa·
lava "terras sem fé, lei ou rei", áreas ex· ram calcgorias ao mesmo lempo o'postas
tensas .f:JSL�das do litoral, de natureza e complementares. Opostas, porque
ainda indom.�da, habitadas por índios uma expressava o re",cso da Outra: lilOral
"selvagens" e animais bravios, sobre as (ou"costa", palavra mais usada no século
quais as autoridades porluguesas, leigas XVI) referia·se não somente à existência
ou religiosas, detinham pouca informa· física da faixa de terra junto ao mar, mas
l
ção e controle insuficiente. também a um espaço conhecido, deJimj.
Nesse sentido, "sertão" foi uma cate· tado, coloniza do ou em processo de C(}­
goria construída primeiramente pelos Ionização, habitado por outros povos (in.
coloni7:ldores portugueses, ao longo do dios, negros), mas dominado pelos bran·
processo do colonização. Uma categoria cos, um espaço da cristandade, da cultura
carregada de sentidos negativos, que ab­ e da civilização (Freyre, 1977; 1984).
sorveu o significado original, conhecido "Sertão", já se viu, designava não apenas
PONTO DfV/STA· REGIÃO, I!RTÃO, IlAÇÃO 149

os espaços interiores da Colônia, mas empregado para nomear ãrcas liio distin­
também aqueles espaços desconhecidos, tas quanlO, por exemplo, o interior da
inaccessíveis, isolados, perigosos, donú­ c a p i l a n ia de São Vicenle (Pr a d o ,
nados pela natureza bruta, e habitados 1961:234), a atual Nova Iguaçu, no Rio
por bárbaros, hereges, infiéis, onde não deJaneiro (Sanlos, 1965:118), a Amazô­
haviam chegado as benesses da religião, nia Oobim, 1957:179), a cidade do Recife
da civiliZlçãO e da cultura. Ambas foram (Freyre, 1977a:147), a capitania de Minas
categori.'\S complementares porque, c0- Gerais (GolIl.rl,1961:49), as ãreas conú­
mo em um jogo de espelhos, uma. foi guas ao Recôncavo Baiano, plantado com
sendo construída em função da outra, cana-de-a<;úcar (Brandão s.d.:28), o a1-
refletindo a outra de forma invertida, a tal deamemo indígena de Mossâmedes, no
ponto que, sem seu principal referente atual Goiás (Souza, 1978:12), e a ilha de
(litoral, costa), "sertão" esvaziava-se de Sanla Catarina (prado, 1961:337)! Se,
sentido, tomando-se ininteligível, e vice­ para um habitanle de Lisboa, o Brasil
versa: .... delerminou que enu-assem pe­ lodo era um grande serliio, para o habi­
los cerlÔes, para ali erigir Iilorais" (Prado, tanle do Rio de Janeiro, no século XVI,
1961:137); ·Sem ele (o senão) não se ele começaria logo além dos limires da
concebe a vida: 'por os moradores não cidade (por exemplo, na atual Nova igua­
poderem viver sem o sertão', procla­ çu), no obscuro, desconhecido espaço
mam-no os ofici.'lis da Câm:ua numa ve­ dos indígenas, feras e espírilos indomá­
reação de mil e seiscentos e quarenta veis; para o bandeiranre paulisla do sécu­
anos" (Machado, s.d.: 231). lo XVII ou XVJIl, o serliio eram os atuais
Para o colonizador, "sertão" constituiu Minas, Mato GrosSo e GoLis, interiores
o espaço do outro, o esp;lço por excelên­ perigosos mas dourados, fontes de mor­
cia da a1teridade. Que oulCO, porém, se­ tandades e riqueza, locus do desejo;
nâo O próprio eu invertido, deformado, para os governantes lusos dessas mesmas
capllaruas, entretanto, o sertlo era o ext-
. . _ .

estilhaçado? A partir da construção de


aIlcridadcs, durante os processos de c0- Iio a que haviam sido temporariamenre
lonização, os europeus erigiram e refina­ relegados, em seus lão bons serviços
ram as próprias identidades: •A assimila­ preslados à Coroa ... Variando segundo a
ção conceitual do QuICO geográfico in Ir<>­ posição espacial e social do enuncianle,
duziu uma tensão dialélica dentro do "serliio" pôde ter significados tão amplos,
ponlo de vista do mundo europeu que diversos e aparentemenle anlagônicos.
determinou como a Europa percebeu o Finalmente: se foi erigido como catego­
mundo de fora e, mais importante, tor­ ria pelos colonizadores e absorvido pelos
nou-se virtualmenle indispensâvcl para a colonos, em especial pelos djretamente
concepção de si mesma", explicou Bassin relacionados aos interesses da Coroa, "ser­
(1991:764), complementado por Bur­ rão", nt>cessariamente, foi apropriado por
bon (1993:205-16) e M'zwlen.i (1992:5- alguns habitanles do Brasil colonial de
22), enlCe outros. modo diamerralmente oposto. l'ara al­
Como o conceito de "sertão" foi caos. guns degredados, para os bomiziados,
truído pelos portugueses, dependendo, para OS muilOs perseguidos pela justiça
para ser expresso, da localização do seu real e pela Inquisição, para os escravos
enunciame - geralmenle um coloniza­ fugidos, para os índios perseguidos, para
dor -, disso decorreu outra conseqüên­ os vãeios miserã veis e leprosos, para, en­
cia importame: durante a ép0C2 colonial fim, os expulsos da sociedade colon.ial,
(à medida, portanlo, que a colonização "serlão" representava liberdade e esperan­
avançava sobre as terras), "serliio" foi ça; liberdade em relação a uma sociedade
150 ESTUDOI HISTÓIICOI· 1991n1

dade que os oprimia, esperança de ouua Notas


vida, melhor, m:tis feliz. Desde o início da
história do Brasil, port.'Ulto,
1. Para uma análise semelll:ln te à aqui do­
figurou uma perspectiva dual, contendo,
senvolvida sobre essa acepção de "sertão", cf.
em scu interior, uma virrualidade: a da
Amado (1990) e Dean (1990).
invelSâo. Inferno ou paraíso, tudo de­
penderia do lugar de quem faL�va.
No início do século XIX, em Portu� a
palavra "sertão" esvaziou-se dos signifi­
cados que tivera para os portugueses (es­ R.f.rencias bibliográficas
paçoS amplos, desconhecidos, longín­
quos), tomando-sc sinôrumo de "inle­
ABREU, Capisuano de. 1988. Gapí/ulos de
rior"; uSert.io, S.m. O interior, O coração
história colonial. SãoPaulo, Edusp.
d1S terras, opõc·se ao m:uítirno, e COSL1; O
.1975. Gamlnbos antlgosepoL"oamenlo
scrtão tom.�-sc por mato longe d� costa"
--

do Drasi/. Rio de Janeiro, Civili2:1ção Bra­


(Silva, 1922:693); a mesm.� fonle regisua sileira.
urn.� segunda accpçãod� palavra, basL�nle
AMADO, Janaina. 1990. ''1be frontier in com­
curiosa: "O SCrL10 d� ealrn.�, Lê., O lugar
para0"" pc...pccti",,: lbe Uniled Sl:UCS aod
onde ela é mais arden Ie; Lobo: 'mclCndo­ Brazil", cmF'Tontiersin romptlrmlvepers­
sc pelo SCrL'io d� ealrn.'I, que naquele tem­ pecllves. WashingtOn D.C., The Woodrow
po fuzi.�"'. Já o Dicionário português, de WlIson Cenler.
1874 (p. 625) registra apenas a primeira llASSlN. Mar!<. 1991. "Inventing Siberia: vi­
acepção: uSert..-lO ou ccnáo, s.m. O inte­ sioos of lbe Russian Ea.s,", 1be Amerfcan
rior, o coração das terras, o coraçio medi- Hlstorieal Review, v. 96, n 3.
. - , .

terraoeo, em OpOSlçaO ao mômumo .


.. ..

BRANDÃO, Amb rósio Femandcs. s.d.DlálogJ


É possível que, em Portugal, "scrL'io" das I§"llIUlems do Drasi/. Rio de Janeiro,
tenha sido um.� calegoria muito impor­ Dois Mundos.
L1nlc, para a c lassificação e hierar­ CÂNDIDO, Antônio. 1964. F-ormaçâo da /ire­
quização dos espaços do império portu- raJura brasileira. 2· ed. São Paulo, Mar-
,

guês. A medida que cste império sc de-


nos.
compunha, usert.;'o" perdia seus signifi­ cORTIiSÂo, Jaime. 1958. Os descobrimentos
cados, até guardar apenas o original, an­ por/uglleses. üsboa, Arcldia. v. 1.
terior à constituição d� colônias: o de CRISTÓVÃO, Fernando. 1993-94. "A uansf>
"interior". guraçio da realjdade sertaneja e sua passa­
Enquanto isso, no Brasil, duranle o gem a mito". Revista US!', dezJjan.Jfev.,
século XIX, ocorri.� processo inverso: os (20),43-53. .
brasileiros não apenas absorveram todos COUDNHO, Afrânio. 1955. Literatura no
OS significados construídos pelos portu­ Drasil. Rio de janeiro, SuJamcricana. v. 2.
gueses a respeito de "scn.;o", antes e CUNHA, Euclides da. 1954. Os sertões. 23' ed.
dura0 lC a colooiz;tçâo, como, a partir da Rio dej':lOciro, üvr.uia Francisco Alves.
Independência, em especi.11 a partir do DAtlITAS, Francisco C. 1993. Os desvalidos.
último quarlel do século XIX, acrescenta­ SãoPaulo, Companhia das I.c1taS.
ram-lhe outros, transformando "sertão"
DEAN, Warrcn. 1990. ''The fronucr in Brazit",
nurn.� calegori., essencial para o entendi­ em Fronllers In compara/fve persjJeclllJes,
mento de "nação", Washington D.C., lhe Woodrow Wilson
Mas isso é ou tra história, ou. ao me· Ccntcr.
nos, um."l continuação deSL'1: fica, portan­ DICIONÁRIO PORTUG VÊS. 1874. üsboa, Ed.
to, para outro artigo. doPono.
PONTO DfV�TA· i!GIÃO.swio. NAÇÃO 151

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