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Primary Health Care essential attributes and the Family Health Strategy
Atributos esenciales de la Atención Primaria y la Estrategia Salud de la Familia
RESUMO
A Atenção Primária à Saúde tem como atributos essenciais a atenção no primeiro contato, a longitudinalidade, a integralidade
e a coordenação, e como atributos derivados a orientação familiar e comunitária e a competência cultural. Discute-se a
importância de tais atributos na Estratégia Saúde da Família, proposta político-governamental para a mudança do modelo de
atenção à saúde no contexto do Sistema Único de Saúde no Brasil.
Descritores: Política de Saúde; Atenção Primária de Saúde; Saúde da Família.
ABSTRACT
The essential attributes of Primary Health Care are attention at first contact, longitudinality, completeness and coordination,
and the derived attributes are family and community orientation and cultural competence. This paper discusses the presence of
such attributes in Family Health Strategy, a political and governmental proposal to change the health care model in the context
of the Unified Health System in Brazil.
Descriptors: Health Policy; Primary Health Care; Family Health.
RESUMEN
La Atención Primaria de Salud tiene como atributos esenciales la atención en el primer contacto, la longitudinalidad, la
integridad y la coordinación, y como atributos derivados, la orientación familiar y comunitaria y la competencia cultural.
Se discute la presencia de estos atributos en la Estrategia Salud de la Familia, propuesta política de gobierno para cambiar el
modelo de atención de la salud en el contexto del Sistema Único de Salud en Brasil.
Descriptores: Política de Salud; Atención Primaria de Salud; Salud de la Familia.
* Esclarecemos que, no decorrer de grande parte deste artigo, estaremos utilizando a expressão Atenção Primária ou Atenção Primária
em Saúde, porque são nomes estabelecidos mundialmente, referência fundamental para as reformas sanitárias particularmente após a
realização da I Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde, em Alma-Ata no ano de 1978.
de ações de promoção e de prevenção de agravos. Para sua A integralidade do cuidado depende da redefinição de prá-
efetivação faz-se necessário o comprometimento dos trabalha- ticas, de modo a criar vínculo, acolhimento e autonomia, o
dores, de modo que sejam desenvolvidas práticas que visem que valoriza as subjetividades inerentes ao trabalho em saú-
ao atendimento das necessidades de saúde da população, por de e às necessidades singulares dos sujeitos, como pontos de
meio de atos de fala, escuta, vínculo e negociação. partida para qualquer intervenção, construindo a possibilida-
de do cuidado centrado no usuário. Exercer a integralidade
Integralidade passa pela necessidade de repensar práticas e conformações
A integralidade é um dos pilares na construção do SUS dos serviços públicos de saúde, ainda hoje caracterizados
consagrado pela Constituição Federal de 1988 e possui qua- pela descontinuidade assistencial.
tro dimensões: primazia das ações de promoção e prevenção,
atenção nos três níveis de complexidade da assistência médi- Coordenação
ca, articulação das ações de promoção, proteção e prevenção A coordenação entre níveis assistenciais pode ser definida
e abordagem integral do indivíduo e das famílias(11). como a articulação entre os diversos serviços e ações de saú-
A primeira reafirma a existência de um movimento crítico e de, de forma que estejam sincronizados e voltados ao alcance
de recusa a um sistema de saúde que privilegia a especializa- de um objetivo comum, independentemente do local onde
ção e a medicalização. A promoção de saúde pressupõe uma sejam prestados. Objetiva ofertar ao usuário um conjunto de
concepção que não restrinja a saúde à ausência de doença, serviços e informações que respondam a suas necessidades
mas que seja capaz de atuar sobre seus determinantes que são de saúde de forma integrada, por meio de diferentes pontos
as condições sociais em que as pessoas vivem e trabalham. da rede de atenção à saúde.
Esta concepção implica potencializar formas mais amplas Os quatro atributos são fundamentais para que a APS assu-
de intervir em saúde, exigindo e desafiando a construção de ma a coordenação das redes de atenção à saúde(13). Contudo,
ações intersetoriais, pois o processo saúde-adoecimento é a coordenação tem maior importância relativa, já que, sem
decorrência de múltiplos aspectos, sendo pertinente a todos ela, o primeiro contato tornar-se-ia uma função puramente
os setores da sociedade. Implica paralelamente, por parte do administrativa, a longitudinalidade perderia muito de seu po-
Estado, a formulação de políticas sociais e econômicas que tencial e a integralidade ficaria comprometida.
extrapolem o enfoque de risco e atuem na diminuição das A atenção coordenada é justificada e necessária, porque é
desigualdades sociais e melhoria das condições de vida. cada vez maior o número de pessoas que sofrem de mais de
A segunda dimensão toma a integralidade como garantia de uma doença e recebem cuidados de saúde por trabalhadores de
acesso a diversos níveis de atenção, cuja característica básica é diferentes especialidades. Necessidades de saúde são bastante
a diferença nas densidades tecnológicas da assistência à saúde. complexas e em geral não são adequadamente tratadas por sis-
Pressupõe, portanto a existência de uma rede de serviços em temas de saúde caracterizados pela especialização e orientação
distintos níveis de complexidade e de competências, em que a profissional isolada. A inadequação pode resultar não só em ne-
integração entre as ações nos diversos níveis deve satisfazer o cessidades não atendidas, como também em tratamentos des-
conjunto de cuidados demandados por um indivíduo. necessários, duplicidade de ações e medicalização excessiva.
Publicações do Ministério da Saúde, a exemplo do do- Oferecer aos usuários que necessitam de cuidados mais
cumento do MS/SESUS/1990(12), descrevem a integralidade complexos as orientações necessárias para encontrar seu ca-
como um princípio que pode ser contemplado por meio de minho através do sistema de saúde só poderão ocorrer se exis-
um modelo assistencial organizado de forma hierarquizada e tir coordenação do cuidado, ou seja, a capacidade de garantir
descentralizada, com sistemas formais de referência e contrar- a continuidade da atenção, por meio de equipes de saúde,
referência, cuja garantia da integração dos recursos de infra- com o reconhecimento dos problemas que requerem segui-
estrutura é fundamental. A atenção integral depende de uma mento constante(13).
rede articulada de tal forma que os problemas apresentados Nesse sentido, foi instituída pelo Ministério da Saúde a
pelos indivíduos possam ser abordados em todos os níveis de Portaria n. 4.279, de 30 de Dezembro de 2010(14), que es-
assistência necessários para a sua resolução e que o acesso a tabelece diretrizes para a organização da Rede de Atenção à
estes diferentes níveis seja harmonioso e ágil. Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde e cujo objetivo
A terceira dimensão da integralidade é a articulação das geral é assegurar ao usuário ações e serviços de forma efetiva,
ações de promoção, prevenção e recuperação(11). Estas prá- contínua, integral e humanizada.
ticas de saúde tradicionalmente têm sido desenvolvidas se- A operacionalização das redes de atenção em saúde dá-se
paradamente, como ações de saúde coletiva ou como ações pela interação de três elementos constitutivos: população ads-
de atenção clínica e individual, sendo necessária uma nova trita a uma determinada região de saúde, estrutura operacio-
forma de organizar e agir em saúde com a constituição de nal, que inclui pontos de atenção e ligações entre os pontos
saberes e de ações que se interpenetrem. de atenção e um modelo de atenção à saúde.
O último sentido ou dimensão da integralidade é a aborda- Os pontos de atenção em saúde compreendem as uni-
gem integral do indivíduo e da família, relacionada a um valor dades de APS (ou equipe da ESF), com a função de atuar
a ser sustentado e defendido nas práticas dos profissionais de como centros de comunicação, os serviços de atenção se-
saúde, ou seja, um valor que se expressa na forma como os cundária e terciária e os de apoio diagnóstico e terapêutico.
profissionais respondem aos que os procuram. A conexão entre os diversos pontos de atenção é feita por
sistemas logísticos e de governança, na forma de comissões de recursos humanos. Ao garantir o acesso dos usuários aos
intergestoras. serviços de saúde, a regulação atua sobre a oferta, assume o
A integração das unidades de saúde da família à rede assis- planejamento das ações e estabelece a adequação da oferta
tencial é fundamental para garantir uma oferta abrangente de de acordo com as necessidades identificadas.
serviços e para coordenar as diversas ações requeridas para Atualmente, o Ministério da Saúde vem se dedicando à
resolver as necessidades menos freqüentes e mais complexas. avaliação da APS no Brasil. A Coordenação de Acompanha-
mento e Avaliação da Atenção Básica (CAA/DAB) tem publi-
DISCUSSÃO cado vários documentos cujo propósito é fornecer suporte aos
processos decisórios no âmbito do Sistema de Saúde. Além
O Brasil vive uma situação de transição demográfica acele- destas publicações, têm sido desenvolvidos vários estudos
rada, acompanhada de uma transição epidemiológica singu- sobre avaliação em saúde por pesquisadores de instituições
lar, caracterizada pela tripla carga de doenças: persistência de governamentais e não governamentais.
doenças parasitárias, infecciosas e desnutrição, problemas de Investigação conduzida nos municípios de Aracaju, Belo
saúde reprodutiva, com mortes maternas e óbitos infantis por Horizonte, Florianópolis e Vitória sobre a implantação da ESF
causas consideradas evitáveis e o desafio das doenças crôni- com foco na integração à rede assistencial, identificou condi-
cas, que requerem cuidados de longa duração e uma abor- ções facilitadores e limitantes com relação à integração dos
dagem sistemática para o tratamento. Os serviços de saúde serviços. Dentre os facilitadores são citados a implantação do
brasileiros estão sendo desafiados a dar respostas contínuas e sistema informatizado de marcação e de regulação de consultas
integradas e um sistema de saúde fragmentado e voltado para e exames especializados (SISREG), a existência de prontuários
as condições agudas já não responde às necessidades do País. eletrônicos com acesso on line, a qualificação dos gerentes e
Um dos grandes desafios do Sistema Único de Saúde é profissionais da ESF e as estratégias de educação permanente(17).
qualificar a APS para exercer a coordenação do cuidado e Os fatores limitantes estão relacionados à insuficiente ofer-
organizar pontos de atenção especializada integrados, inter- ta de atenção especializada, agravada pela baixa integração
comunicantes, capazes de assegurar que a linha de cuidado com prestadores estaduais e a falta de interação pessoal entre
integral seja plenamente articulada com a APS e forneça aos generalistas e especialistas, o que corrobora para o maior o
usuários do SUS respostas adequadas as suas necessidades. isolamento entre atenção básica e especializada. Ainda que a
Uma iniciativa governamental foi a formulação da Política coordenação dos cuidados no âmbito gerencial nem sempre
Nacional de Promoção da Saúde (PNPS), cuja institucionali- tenha revertido em ações concretas, o estudo concluiu que
zação deu-se por meio da Portaria 687 GM/MS, de 30 de mar- pode ser melhorada por meio do desenvolvimento de proto-
ço de 2006(15). O objetivo geral desta política é promover a colos assistenciais e construção das linhas de cuidado(17).
qualidade de vida da população por meio de ações integradas Fragilidades para a efetivação da APS no Brasil também
e intersetoriais, de tal modo que os setores privados e os go- foram constatadas por dois pesquisadores espanhóis que ava-
vernamentais, bem como os não governamentais, juntamente liaram a ESF em 2011, tendo visitado 70 centros de saúde em
com a sociedade civil, participem em conjunto do debate so- 32 cidades de 19 estados brasileiros. Dentre as falhas identifi-
bre os determinantes sociais de saúde e potencializem formas cadas estão: a falta de desenvolvimento tecnológico, gerencial
ampliadas de intervir em saúde. e científico da ESF, a visão vertical de programas e protocolos
Com isso, os órgãos gestores do SUS reconheceriam a im- que compartimentam a prática clínica, perpetuando um mo-
portância da promoção da saúde para a equidade, e passariam delo rígido e fragmentado de atendimento, a ênfase na “vi-
a atuar para fortalecer a participação social, adotando práticas são preventiva” que acarreta o escasso desenvolvimento da
horizontais de gestão, estabelecendo redes de cooperação in- atividade clínica curativa, o encaminhamento excessivo aos
tersetorial, uma tarefa desafiadora e complexa, tanto do ponto especialistas e urgências, a utilização rotineira exagerada dos
de vista político quanto técnico, porque muitas ações envol- recursos disponíveis e a formas muito variáveis de contratação
vem instâncias que se encontram fora do setor saúde, impli- de pessoal, salários e incentivos, que não promove a fixação
cando o estabelecimento de agendas públicas compartilhadas dos profissionais, que poderia ser obtida por meio de uma
entre diversos setores. Seriam ainda necessárias as iniciativas política de fomento do trabalho com dedicação exclusiva(18).
de promoção da saúde junto a trabalhadores e usuários do Identificaram várias carências, entre as quais destacaram a
SUS, mediante metodologias participativas que promovessem falta de prestação de uma ampla categoria de serviços cura-
a aproximação entre os conhecimentos científicos e os saber tivos e preventivos, rotineiros e de urgência nas unidades da
populares e tradicionais. ESF ou no domicílio, o que a implantação das unidades de
A Portaria nº 1.559, de 1º de agosto de 2008, que instituiu Pronto Atendimento e o sucesso dos diferentes planos de saú-
a Política Nacional de Regulação do Ministério da Saúde(16), de privados. Além disso, ressaltaram a escassa coordenação
também é uma evidência do caráter integrador da ação mi- entre níveis de atendimento, gerando duplicidade de servi-
nisterial. Foi estruturada em três eixos articulados: a garantia ços, a falta de médicos da família qualificados, as equipes
da alocação de recursos para a implantação dos complexos incompletas, principalmente por ausência do médico, a falta
reguladores do acesso à assistência, o desenvolvimento de de equipes funcionais às quais possam ser delegadas funções
instrumentos para viabilizar as funções reguladoras e o de- e responsabilidades, de forma que cada profissional enfrente
senvolvimento de um programa de capacitação permanente casos complexos apropriados a sua formação(18).
Recentemente, o Ministério da Saúde lançou o Programa estabilização econômica. Os efeitos da globalização nas polí-
Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Aten- ticas de saúde são evidenciados pelo baixo patamar de finan-
ção Básica -PMAQ-AB(19), cujo objetivo é induzir a ampliação ciamento público, persistência de segmentação no sistema,
do acesso e a melhoria da qualidade da Atenção Básica. Al- fraca integração dos serviços da Atenção Primária com outros
gumas diretrizes da Portaria n° 1.654, publicada no Diário níveis de atenção e acentuado processo de precarização do
Oficial da União em 19 de julho de 2011, e que compõem a trabalho no setor saúde, particularmente nas formas de con-
PMAQ-AB são: estimular processos contínuos e progressivos tratação das equipes da ESF.
de melhoria de padrões e indicadores de acesso e qualidade, Entretanto, a ESF foi assumida pelo governo brasileiro
construir parâmetros de comparação entre as equipes de saú- como uma proposta de reorganização do sistema de saúde
de da Atenção Básica, mobilizar, responsabilizar e envolver na perspectiva da implementação de uma APS abrangente.
gestores federais, estaduais e municipais, as equipes de saúde E, se a opção política é por uma APS não simplificada, que
e os usuários num processo de mudança e qualificação da forme a base e determine o trabalho de todos os outros níveis
Atenção Básica. Esta avaliação ainda está em curso no País. do sistema de saúde, torna-se necessário que seja assumida
de forma integral e resolutiva, apesar das crises políticas e
CONSIDERAÇÕES FINAIS econômicas que constituem verdadeiros obstáculos à respos-
ta do Estado e das instituições aos problemas do acesso, da
Embora a APS seja considerada imprescindível para a efeti- prestação e do financiamento. Somente por meio de orienta-
vidade dos sistemas de saúde, ainda enfrenta muitos desafios ção clara e governação firme, os sistemas de saúde gravitam
para que possa desempenhar seu papel de organizadora do naturalmente para a finalidade de saúde para todos por meio
sistema e coordenadora do cuidado em saúde. A carência de de cuidados de saúde primários, tal como preconizava a De-
infraestrutura adequada nas unidades da ESF, a baixa densi- claração de Alma-Ata(1).
dade tecnológica, a falta de profissionalização da gestão, a A efetividade da política de saúde não depende apenas das
ausência de equipes multiprofissionais, a precarização nas re- diretrizes que emanam do arcabouço jurídico-institucional,
lações de trabalho, a fragilidade do modelo de atenção para mas será garantida com a reafirmação contundente de um sis-
dar conta de uma situação com forte prevalência de condi- tema público de saúde socialmente superior ao modelo libe-
ções crônicas, a fragmentação da oferta de ações e serviços ral ou médico tradicional, que somente a luta constante dos
de saúde e o subfinanciamento são os principais entraves para movimentos sociais pelo direito à saúde pode garantir.
que a APS seja uma realidade no Brasil(20).
Esta realidade é em grande parte decorrência de um con- Agradecimentos: À Fundação de Apoio ao Ensino, Ciência
texto adverso a partir do início da década de 90, caracterizado e Tecnologia de Mato Grosso do Sul (FUNDECT), pelo apoio
por reformas e ajustes estruturais impostos pelas políticas de financeiro.
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