DOUTRINA: PEDRO LENZA DOUTRINA: LIVRO NIVEL SUPERIOR
CAPÍTULO II - PODER CONSTITUINTE
I- PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO GILMAR FERREIRA MENDES - Ao contrário do que ocorre com as normas infraconstitucionais, a Constituição não retira o seu fundamento de validade de um diploma jurídico que lhe seja superior, mas se firma pela vontade das forças determinantes da sociedade, que a precede. - Características: inicial: porque está na origem do ordenamento jurídico, é o ponto de começo do Direito. ilimitado (autônomo): o Direito anterior não o alcança nem limita a sua atividade, pode decidir o que quiser. incondicionado: não pode ser regido nas suas formas de expressão pelo Direito preexistente. - O caráter ilimitado, porém, deve ser entendido em termos. Diz respeito à liberdade com relação a imposições da ordem jurídica que existia anteriormente. Se o poder constituinte originário é a expressão da vontade política da nação, não pode ser entendido sem a referência aos valores éticos, religiosos, culturais que informam essa mesma nação e que motivam as suas ações. - Só é dado falar em atuação do poder constituinte originário se o grupo que diz representá-lo colher a anuência do povo, ou seja, se vir ratificada a sua invocada representação popular. Do contrário, estará havendo apenas uma insurreição, a ser sancionada como delito penal. 1. MOMENTOS DE EXPRESSÃO DO PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO - O PCO não se esgota quando edita uma Constituição. Ele subsiste fora da Constituição e está apto para se manifestar a qualquer momento. Trata-se de um poder permanente. - Entretanto, não costuma fazer-se ouvir a todo momento, até porque não haveria segurança das relações se assim fosse. - Como o PCO traça um novo sentido e um novo destino para a ação do poder político, ele será mais nitidamente percebido em momentos de viragem histórica, exemplificados nas ocasiões em que se forma ex novo um Estado, ou a estrutura deste sofre transformação, ou, ainda, quando da mudança de regime político. Nesses casos, percebem-se facilmente as características básicas do PCO. - Em outras situações, porém, a mudança se dá na continuidade, sob a vestimenta de reforma política. Aqui, ao contrário do que ocorre nas quebras abruptas da ordem anterior, não há um momento de claro rompimento formal com a ordem prévia; não obstante, em determinado ponto, deixa-se de respeitar a identidade da Constituição que estava em vigor. 2. CONSTITUIÇÃO DE 1988: RESULTADO DE EXERCÍCIO DO PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO - A dúvida pode surgir do fato de a CF de 88 ter sido resultado de uma convocação de Assembleia Constituinte efetuada por meio de emenda à Constituição passada (a Emenda Constitucional n. 26/85). Seria, assim, fruto da iniciativa do poder de reforma. - Nada impede que a ordem constitucional se dê por exaurida e convoque o PCO para substituí-la. Foi o que aconteceu por meio de Emenda Constitucional n. 26/85, ao determinar, no seu art. 1º, “que os Membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal reunir- se-ão, unicameralmente, em Assembleia Nacional Constituinte, livre e soberana, no dia 1º de fevereiro de 1987”. - Não bastasse isso, houve eleições antes da instauração da Assembleia Nacional, e o povo sabia que estava elegendo representantes que também tinham por missão erigir uma nova ordem constitucional para o País. - Houve, portanto, a intervenção do PCO. Instaurou-se um novo regime político, superando o anterior. Adorou-se uma nova ideia de Direito e um novo fundamento de validade da ordem jurídica. 3. FORMAS DE MANIFESTAÇÃO DO PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO - Da característica da incondicionalidade do PCO deduz-se que não se exige que ele siga um procedimento padrão determinado. Isso não impede que fixe algumas regras para si mesmo. Essas disposições não têm sanção, podem ser superadas ou desrespeitadas, sem que invalide o seu trabalho final. - Observa-se na realidade histórica, que o ato constituinte, o ato intencional de aprovação de uma Constituição, costuma seguir certo processo. Se o ato constituinte compete a uma única pessoa, ou a um grupo restrito, em que não intervém um órgão de representação popular, fala-se ato constituinte unilateral, e a Constituição é dita outorgada. No Brasil, a de 1824 e a de 1937 foram outorgadas por ato do Chefe do Executivo. Em outros casos, a Constituição é promulgada por uma Assembleia de representantes do povo. Este é o sistema clássico de elaboração de constituições democráticas. O método dá origem à chamada Constituição votada. Desta classe fazem exemplos as nossas Constituições de 1891, 1934, 1946, 1967 e a de 1988. - Em se tratando de Constituição votada, em procedimento constituinte direto, quando o projeto elaborado pela Assembleia obtém validade jurídica por meio de aprovação direta do povo, por plebiscito ou referendo. Há a hipótese em que o Governo elabora o projeto da Constituição, que deverá receber a aprovação final da população nas urnas. - Existe também a técnica do procedimento constituinte indireto ou representativo. Aqui a participação do povo esgota-se na eleição de representantes para uma assembleia, que deverá elaborar e promulgar o texto magno. Registre-se que em Estados federais, pode ocorrer de o texto constitucional federal ter de ser ratificado pelos Estados-membros. Situação ilustrada pelos EUA em 1787. 4. QUESTÕES PRÁTICAS RELACIONADAS COM O PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO 4.1. SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO - O conflito de leis com a Constituição encontrará solução na prevalência desta. - De acordo com a doutrina clássica, o ato contrário à Constituição sofre de nulidade absoluta. 4.2. RECEPÇÃO - O PCO dá início à ordem jurídica. Todos os diplomas infraconstitucionais perdem vigor com o advento de uma nova Constituição? As que são com ela compatíveis no seu conteúdo continuam em vigor. Opera o fenômeno da recepção. Às vezes, a recepção é expressa, como se determinou na CF de 1937. Porém o mais frequente é a recepção implícita, como na atual. - Deve-se a Kelsen a teorização desse fenômeno, pelo qual se busca conciliar a ação do PCO com a necessidade de se obviarem vácuos legislativos. As leis permanecem vigentes, só que por fundamento novo. O importante é que a lei antiga, no seu conteúdo, não destoe da nova Constituição. Pouco importa a incompatibilidade de forma. A forma é regida pela lei da época do ato (tempus regit actum). As normas antigas devem ser interpretadas à luz das novas normas constitucionais. 4.3. REVOGAÇÃO OU INCONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE? - Se entendido que o caso é de inconstitucionalidade superveniente haveria a possibilidade de o STF apreciar a validez da norma em ação direta de inconstitucionalidade. Se a hipótese for vista como de revogação, por outro lado, os tribunais não precisariam de quorum especial para afastar a incidência da regra no caso concreto. Se o que há é revogação, o problema se resumirá a um juízo sobre a persistência da norma no tempo. - Ministro Paulo Brossard, invocou a doutrina tradicional, segundo a qual se a inconstitucionalidade da lei importa a sua nulidade absoluta, importa a sua invalidez desde sempre. Mas, raciocinou, se a lei foi corretamente editada quando da Constituição anterior, ela não pode ser considerada nula, desde sempre, tão só porque a nova Constituição é com ela incompatível. A lei apenas deixa de operar com o advento da nova Carta. O fenômeno só poderia ser tido, por isso, como hipótese de revogação. 4.4. NORMAS DA ANTIGA CONSTITUIÇÃO COMPATÍVEIS COM A NOVA CONSTITUIÇÃO - Prevalece a tese de que a antiga Constituição fica globalmente revogada. Evitando-se que convivam, num mesmo momento, a atual e a anterior expressão do PCO. Além disso, segundo a regra de solução de antinomias, ocorre a revogação da norma anterior quando norma superveniente vem a regular inteiramente uma mesma matéria. -Nada impede que a nova Constituição ressalve a vigência de dispositivos isolados da Constituição anterior, até mesmo por algum lapso de tempo. 4.5. NORMAS ANTERIORES À CONSTITUIÇÃO E MODIFICAÇÃO DE COMPETÊNCIA - Não há cogitar de uma federalização de normas estaduais ou municipais, por força de alteração na regra de competência. Se o tema era antes da competência, por exemplo, dos Municípios e se torna assunto de competência federal com a nova Carta, não haveria como aceitar que permanecessem em vigor como se leis federais fossem (até por uma impossibilidade prática de se federalizar simultaneamente tantas leis acaso não coincidentes). Gilmar Mendes sugere que se tenha por prorrogada a vigência da lei federal quando a competência se torna municipal ou estadual. Aqui não haveria empeço definitivo ao princípio da continuidade do ordenamento jurídico. 4.6. REPRISTINAÇÃO - A restauração da eficácia é considerada inviável. Não se admite a repristinação, em nome do princípio da segurança das relações, o que não impede, no entanto, que a nova Constituição expressamente revigore aquela legislação. À mesma solução se chega considerando que só é recebido o que existe validamente no momento que a nova Constituição é editada. A lei revogada, já não mais existindo então, não tem como ser recebida. 4.7. POSSIBILIDADE DE SE DECLARAR INCONSTITUCIONAL NORMA ANTERIOR À CONSTITUIÇÃO, COM ELA MATERIALMENTE COMPATÍVEL, EDITADA COM DESOBEDIÊNCIA À CONSTITUIÇÃO ENTÃO VIGENTE - Uma vez que vigora o princípio de que, em tese, a inconstitucionalidade gera a nulidade (absoluta) da lei, uma norma na situação em tela já era nula desde quando editada, pouco importando a compatibilidade material com a nova Constituição, que não revigora diplomas nulos. 4.8. PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO E DIREITOS ADQUIRIDOS - Se uma norma da Constituição proíbe determinada faculdade ou direito, que antes era reconhecido ao cidadão, a norma constitucional nova há de ter plena aplicação, não precisando respeitar situações anteriormente constituídas. Não se pode esquecer que a Constituição é o diploma inicial do ordenamento jurídico e que suas regras têm incidência imediata. Somente é direito o que com ela é compatível, o que nela retira o seu fundamento de validade. - Quando a Constituição consagra a garantia do direito adquirido, está prestigiando situações e pretensões que não conflitam com a expressão da vontade do poder constituinte originário. O que é repudiado pelo novo sistema constitucional não há de receber status próprio de um direito, mesmo que na vigência da Constituição anterior o detivesse. - Somente seria viável falar em direito adquirido como exceção à incidência de certo dispositivo da Constituição se ela mesma, em alguma de suas normas, o admitisse claramente. Mas, aí, já não seria mais caso de direito adquirido contra a Constituição, apenas de ressalva expressa de certa situação. Não havendo essa ressalva expressa, incide a norma constitucional contrária à situação antes constituída. - Segundo Pontes de Miranda, para as Constituições, o passado só importa naquilo que ela aponta ou menciona. Fora daí, não. - A jurisprudência do STF firmou-se no sentido de não admitir a invocação de direitos adquiridos contra a Constituição. - A Constituição, ao aplicar-se de imediato, não desfaz os efeitos passados de fatos passados (salvo se expressamente estabelecer o contrário), mas alcança os efeitos futuros de fatos a ela anteriores (exceto se os ressalvar de modo inequívoco). - É típico das normas do PCO serem elas dotadas de eficácia retroativa mínima, atingem efeitos futuros de fatos passados. Excepcionalmente podem ter eficácia retroativa média (alcançar prestações vencidas anteriormente a essas normas e não pagas) ou máxima (alcançar fatos consumados no passado). Nestes casos, o propósito do constituinte deve ser expresso.
4.9. PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO E CONTROLE
DE CONSTITUCIONALIDADE DOS SEUS ATOS - Sendo o poder constituinte originário ilimitado e sendo o controle de constitucionalidade exercício atribuído pelo constituinte originário a poder por ele criado e que a ele deve reverência, não há se cogitar de fiscalização de legitimidade por parte do Judiciário de preceito por aquele estatuído.
II – PODER CONSTITUINTE DE REFORMA
- Embora as constituições sejam concebidas para durar no tempo, a evolução dos fatos sociais pode reclamar ajustes na vontade expressa no documento do PCO. Para prevenir um engessamento de todo o texto constitucional, o próprio PCO prevê a possibilidade de um poder, por ele instituído, vir alterar a Lei Maior. Evita-se, desse modo, que o PCO tenha de se manifestar, às vezes, para mudanças meramente pontuais. Aceita-se, então, que a Constituição seja alterada, justamente com a finalidade de regenerá-la, conservá-la na sua essência, eliminando as normas que não mais se justificam política, social e juridicamente, aditando outras que revitalizem o texto, para que possa cumprir mais adequadamente a função de conformação da sociedade. - As mudanças são previstas e reguladas na própria Constituição que será alterada. - O poder de reforma (expressão que inclui tanto o poder de emenda como o poder de revisão do texto) é, portanto, criado pelo PCO, que lhe estabelece o procedimento a ser seguido e limitações a serem observadas. - Subordinado ao PCO. 1. CONSTITUIÇÕES RÍGIDAS E CONSTITUIÇÕES FLEXÍVEIS - Este tema só ganha relevância proeminência quando se está tratando de constituição rígida. - Rígidas são as constituições que somente são alteráveis por meio de procedimentos especiais, mais complexos e difíceis do que aqueles próprios à atividade comum do Poder Legislativo. - A Constituição flexível, de seu lado, equipara-se, no que tange ao rito de sua reforma, às leis comuns. - As Constituições mistas (ou semirrígidas) são um combinado dos dois tipos anteriores. Apenas alguns preceitos do texto são modificáveis por processo especial, enquanto outros podem ser alterados pelo processo legislativo comum. - As constituições rígidas, como a nossa, marcam a distinção entre o PCO e os constituídos, inclusive o de reforma. 2. DENOMINAÇÕES DO PODER DE REFORMA - Varia conforme o doutrinador.
3. LIMITES AO PODER DE REFORMA – ESPÉCIES
- O poder de reforma está sujeito a limitações de forma e de conteúdo. - Limitações são encontradas no art. 60 da CF. 4. AS LIMITAÇÕES MATERIAIS – INTRODUÇÃO - Os limites não têm força para impedir alterações do texto por meios revolucionários, mas, se, com desrespeito a essas cláusulas pétreas, impõe-se a mudança da Constituição, ao menos se retira do procedimento “a máscara da legalidade”. 4.1. LIMITES MATERIAIS – DIFICULDADES TEÓRICAS PARA A SUA ACEITAÇÃO - O que explica a consagração das cláusulas de perpetuidade é o argumento de que elas perfazem um núcleo essencial do projeto do PCO, que ele intenta preservar de quaisquer mudanças institucionalizadas. 4.2. NATUREZA DA CLÁUSULA PÉTREA - Em torno das cláusulas pétreas aglutinam-se três correntes doutrinárias: Dos que sustentam ser juridicamente inaceitáveis as cláusulas pétreas (Loewenstein e Joseph Barthélemy): apegam à ideia de que não haveria uma diferença de substância entre o PCO e o de revisão, sendo ambos formas de expressão da soberania do Estado. Ambos são exercidos, num regime democrático, por representantes do povo, por ele eleitos. Diz- se desarrazoado supor a existência de uma autolimitação da vontade nacional operada pelo constituinte originário. Dos que admitem a restrição, mas a tem como relativa: entendem que as normas que impedem a revisão de certos preceitos básicos são juridicamente vinculantes, mas não seriam elas próprias imunes a alterações e à revogação. Se forem suprimidas, num primeiro momento, abre-se o caminho para, em seguida, serem removidos os princípios petrificados. Esse procedimento ganha o nome de dupla revisão. Assim, aceita-se que o PCO estabeleça que certas cláusulas estejam ao abrigo de mudanças, mas se propõe que essa determinação somente deverá ser observada enquanto ela própria estiver em vigor, podendo ser revogada pelo poder de revisão. O sentido básico de estabelecimento de limites materiais seria, assim, o de aumentar a estabilidade de certas opções do constituinte originário, assegurar-lhe maior sobrevida, por meio do agravamento do processo da sua substituição. Dos que têm a limitação como absolutamente vinculante e imprescindível ao sistema: parte do pressuposto de que o poder de revisão, criado pela Constituição, deve conter-se dentro do parâmetro das opções essenciais feitas pelo constituinte originário. Lembra-se que o propósito do poder de revisão não é criar uma nova Constituição, mas ajustá-la (mantendo a sua identidade) às novas conjunturas. Se o poder de revisão se liberta totalmente da Constituição teremos uma Constituição nova, o poder de revisão ter-se-á arrogado, então, a condição de poder constituinte originário. Raciocina-se, ainda, contra a tese da dupla revisão, que só faz sentido declarar imutáveis certas normas se a própria declaração de imutabilidade também o for. Do contrário, frustrar-se-ia a intenção do constituinte originário.
Predomina, no Brasil, o entendimento propugnado pela última das
correntes acima vista. 4.3. FINALIDADE DA CLÁUSULA PÉTREA – O QUE ELA VEDA - Tem a missão de inibir a mera tentativa de abolir o projeto básico, evitando que apelos de certo momento político destrua um projeto duradouro. 4.4. ALCANCE DA PROTEÇÃO DA CLÁUSULA PÉTREA - Segundo Jorge Miranda, a cláusula pétrea não tem por escopo proteger dispositivos constitucionais, mas os princípios neles modelados. A mera alteração redacional de uma norma componente do rol das cláusulas pétreas não importa, por isso somente, inconstitucionalidade, desde que não afetada a essência do princípio protegido e o sentido da norma. Conquanto fique preservado o núcleo essencial dos bens constitucionais protegidos, isto é, desde que a essência do princípio permaneça intocada, elementos circunstanciais ligados ao bem tornado cláusula pétrea poderiam ser modificados ou suprimidos. - Segundo Flávio Novelli, esses limites não seriam transgredidos tão só por se dar às matérias postas sob a proteção de cláusula pétrea uma nova disciplina, mas o seriam quando a modificação tocasse (suprimindo ou aniquilando) um princípio estrutural da Constituição. Saber quando uma modificação de tema ligado a cláusula pétrea afeta-a, ou não, exige avaliação caso a caso e não dispensa esforço hermenêutico. - Segundo o Sepúlveda Pertence, as limitações materiais ao poder constituinte de reforma, que o art. 60, §4º, da CF enumera, não significam a intangibilidade literal da respectiva disciplina na Constituição originária, mas apenas a proteção do núcleo essencial dos princípios e institutos cuja preservação nelas se protege. 4.5. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DE EMENDAS EM FACE DE CLÁUSULA PÉTREA - As limitações ao poder de reforma teriam reduzido efeito prático se não se admitisse o controle jurisdicional da observância das restrições que o PCO impôs ao poder reformador. - É seguro que o Judiciário pode afirmar a inconstitucionalidade de emenda à Constituição. Isso pode ser feito depois de a emenda haver sido promulgada, em casos concretos, por qualquer juiz, podendo também se efetuar o controle abstrato, pelo STF, por meio de ação direta de inconstitucionalidade. O controle pode ocorrer antes mesmo de a emenda ser votada, por meio de mandado de segurança, reconhecendo-se legitimação para agir exclusivamente ao congressista. 4.6. AS CLÁUSULAS PÉTREAS EM ESPÉCIE 4.6.1. FORMA FEDERATIVA DO ESTADO - Não é passível de deliberação a proposta de emenda que desvirtue o modo de ser federal do Estado criado pela Constituição, em que se divisa uma organização descentralizada, tanto administrativa quanto politicamente, erigida sobre uma repartição de competência entre o governo central e os locais, consagrada na Lei Maior, onde os Estados federados participam das deliberações da União, sem dispor do direito de secessão. A repartição de competências é crucial para a caracterização do Estado Federal, mas não deve ser considerada insuscetível de alterações. Não há obstáculo à transferência de competências de uma esfera da Federação para outra, desde que resguardado certo grau de autonomia de cada qual. - O STF decidiu que a emenda à Constituição que fere o princípio da imunidade tributária recíproca entre os entes da Federação agride a cláusula pétrea da forma federal do Estado. 4.6.2. A SEPARAÇÃO DE PODERES - A emenda que suprima a independência de um dos Poderes ou que lhe estorve a autonomia é imprópria. Não se impede, decerto, o aprimoramento das instituições, aproximando-as da sua vocação elementar. 4.6.3. O VOTO DIRETO, SECRETO, UNIVERSAL E PERIÓDICO - A escolha dos agentes políticos pelo voto direto da população está assegurada, impedindo-se as eleições indiretas. O voto secreto é entendido como elemento fundamental do sistema democrático. O voto universal impede que uma emenda venha a excluir o voto do analfabeto ou do menos entre 16 e 18 anos, que o constituinte originário facultou (art. 14, II). O voto periódico veda a emenda tendente a transformar cargos políticos que o constituinte previu como suscetíveis de eleição em cargos vitalícios ou hereditários. 4.6.4. OS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS - Mudanças que minimizem a sua proteção, ainda que topicamente, não são admissíveis. São os enumerados no art. 5º da Constituição e em outros dispositivos da Carta. 4.6.5 DIREITOS SOCIAIS E CLÁUSULA PÉTREA - Há polêmica quanto a saber se além dos direitos individuais também os direitos sociais estariam protegidos como cláusula pétrea. De um lado, nega-se que participem do rol dos limites materiais ao poder de reforma, argumentando que o dispositivo não utiliza o termo “direitos fundamentais”, gênero de que tanto os direitos individuais como sociais seriam espécies. Diz- se, ainda, que essa teria sido uma opção do constituinte, atenta à diferenciada estrutura entre os direitos individuais e direitos sociais. Como estes últimos, por serem direitos a prestação, estão na dependência de condições variadas no tempo dos recursos disponíveis, não poderiam ser afirmados imodificáveis. De outro lado, argui-se que os direitos sociais não podem deixar de ser considerados cláusulas pétreas. Os direitos fundamentais sociais participam da essência da concepção de Estado acolhida pela Lei Maior. Como os direitos sociais são tidos como centrais para a ideia de Estado democrático pelo constituinte originário, não podem deixar de ser considerados cláusulas pétreas. A objeção de que os direitos sociais estão submetidos a contingências financeiras não impede que se considere que a cláusula pétrea alcança a eficácia mínima desses direitos. Os adeptos dessa corrente veem cláusulas pétreas em diversos dispositivos constitucionais além daqueles enumerados nos arts. 6º a 11 da CF. 4.6.6. CRIAÇÃO DE NOVOS DIREITOS FUNDAMENTAIS - A proteção fornecida pela cláusula pétrea não impede o legislador de ampliar o catálogo já existente. - A questão que pode ser posta, no entanto, é a de saber se os novos direitos criados serão também eles cláusulas pétreas. O que fundamenta as cláusulas pétreas é a superioridade do poder constituinte originário sobre o de reforma. Por isso, aquele pode limitar o conteúdo das deliberações deste. Não é cabível que o poder de reforma crie cláusulas pétreas. Sendo assim, o novo direito fundamental não poderá ser tido como um direito perpétuo. Porém, é possível que uma emenda à Constituição acrescente dispositivos ao catálogo dos direitos fundamentais sem que, na realidade, esteja criando direitos novos. A emenda pode estar apenas especificando direitos já concebidos pelo constituinte originário. O direito já existia, passando apenas a ser mais bem explicitado. Nesse caso, a cláusula pétrea já o abrangia, ainda que implicitamente. É o que se deu, por exemplo, como direito à prestação jurisdicional célere somado, como inciso LXXVIII, ao rol do art. 5º da CF, pela Emenda Constitucional n. 45, de 2004. 4.6.7. DIREITOS PREVISTOS EM TRATADOS SOBRE DIREITOS HUMANOS - Uma importante corrente doutrinária sustentou que os direitos humanos previstos em tratados internacionais configurariam não apenas normas de valor constitucional, como também cláusulas pétreas. A tese não obteve adesão do STF. - A partir da Emenda Constitucional n. 45/2004, passou-se a admitir que os tratados aprovados em quorum especialmente previsto serão equivalentes às emendas constitucionais. Podendo também aprovação pelo procedimento comum, tendo, nessa hipótese, status infraconstitucional. Vale o registro de precedentes do STF posteriores à EC 45/2004, atribuindo status normativo supralegal, mas infraconstitucional, aos tratados de direitos humanos. 4.6.8. A CLÁUSULA PÉTREA DA GARANTIA DO DIREITO ADQUIRIDO - Surgem duas vertentes: De que o poder de revisão pode desnaturar, nos casos concretos, os direitos já incorporados ao patrimônio jurídico dos seus titulares: apontam que o destinatário da vedação é o legislador ordinário (infraconstitucional), não restringindo à ação do constituinte derivado, pelo fato do texto do art. 5º, XXXVI, da CF, referir que “a lei” não pode prejudicar o direito adquirido, o ato jurídico e a coisa julgada. Assim, uma emenda à Constituição não poderia permitir que lei ordinária retroagisse em detrimento de direitos adquiridos, mas nada obstaria a que a emenda, ela própria, o fizesse. De que o revisor da Constituição não poderia suprimir essa garantia do texto constitucional: afirmam que o termo “lei” não é referido na sua acepção estrita, mas abrange todos os instrumentos normativos, inclusive as emendas à Constituição, caso contrário, decretos legislativos e resoluções não estariam incluídos na limitação prevista. Argumenta-se também que a proteção ao direito adquirido busca conferir eficácia ao princípio da segurança jurídica. O STF suspendeu, por inconstitucionais, dispositivos da Emenda n. 30/2000 à Constituição por ferirem direito adquirido e a garantia da coisa julgada, além de destoarem do direito fundamental à igualdade. 4.7. CLÁUSULAS PÉTREAS IMPLÍCITAS - O que se puder afirmar como ínsito à identidade básica da Constituição ideada pelo PCO deve ser tido como limitação ao poder de emenda, mesmo que não haja sido explicitado no dispositivo. - O art. 60 da CF é uma cláusula pétrea implícita. - Nélson de Souza Sampaio arrola como intangíveis à ação do revisor constitucional: a) as normas concernentes ao titular do poder constituinte, porque este se acha em posição transcendente à Constituição, além de a soberania popular ser inalienável; b) as normas referentes ao titular do poder reformador, porque não pode ele mesmo fazer a delegação dos poderes que recebeu, sem cláusula expressa que o autorize; c) as normas que disciplinam o próprio procedimento de emenda, já que o poder delegado não pode alterar as condições da delegação que recebeu.
III – MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL
- Por vezes, em virtude de uma evolução na situação de fato sobre a qual incide a norma, ou ainda por força de uma nova visão jurídica que passa a predominar na sociedade, a Constituição muda, sem que as suas palavras hajam sofrido modificação alguma. O texto é o mesmo, mas o sentido que lhe é atribuído é outro. - Como a norma não se confunde com o texto, repara-se, aí, uma mudança da norma, mantido o texto. - A nova interpretação há, porém, de encontrar apoio no teor das palavras empregadas pelo constituinte e não deve violentar os princípios estruturantes da Lei Maior; do contrário, haverá apenas uma interpretação inconstitucional.
4.5.3. PODER CONSTITUINTE DERIVADO DECORRENTE
PEDRO LENZA 4.5.3.1. ESTADOS MEMBROS - É poder jurídico e encontra os seus parâmetros de manifestação nas regras estabelecidas pelo originário. Sua missão é estruturar a Constituição dos Estados-Membros, ou, em momento seguinte, havendo necessidade de adequação e reformulação, modificá-la. Tal competência decorre da capacidade de auto-organização estabelecida pelo constituinte originário. - Segundo Anna Cândida da Cunha Ferraz, se divide em duas modalidades: Poder constituinte decorrente inicial (“instituidor” ou “institucionalizador”): responsável pela elaboração da Constituição estadual. Poder constituinte decorrente de revisão estadual (“poder decorrente de segundo grau”): tem a finalidade de modificar o texto da Constituição estadual, implementando as reformas necessárias e justificadas e nos limites colocados na própria constituição estadual e na federal. - Em relação à capacidade de auto-organização, prevista no art. 25, caput, da CF, foi categórico o constituinte originário ao definir que “os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição”. Segundo Uadi Lammêgo Bulos, tais princípios seriam os: princípios constitucionais sensíveis, princípios constitucionais estabelecidos (organizatórios) e os princípios constitucionais extensíveis. Princípios constitucionais sensíveis: terminologia adotada por Pontes de Miranda; encontram-se expressos na Constituição; daí serem também denominados princípios apontados ou enumerados. Foram fixados no art. 34, VII, “a- e”, da CF. Princípios constitucionais estabelecidos (organizatórios): são aqueles que limitam ou proíbem a ação indiscriminada do poder decorrente. Podem ser extraídos da interpretação do conjunto de normas centrais, dispersas na CF. O autor os divide em três tipos: a) Limites explícitos: . Vedatórios: proíbem os Estados de praticar atos ou procedimentos contrários ao fixado pelo poder constituinte originário. . Mandatórios: restrições à liberdade de organização. b) Limites inerentes: implícitos ou tácitos, vedam qualquer possibilidade de invasão de competência por parte dos Estados-membros; c) Limites decorrentes: decorrem de disposições expressas. Princípios constitucionais extensíveis: são aqueles que integram a estrutura da federação brasileira. - Art. 11, caput, do ADCT. - O exercício do poder constituinte derivado decorrente foi concedido às Assembleias Legislativas. 4.5.3.2. DISTRITO FEDERAL - De acordo com o art. 32, caput, da CF, o DF será regido por lei orgânica, que deverá obedecer aos princípios estabelecidos na CF. Assim, na medida em que a derivação é direta em relação à CF, verifica-se a manifestação do poder constituinte derivado decorrente. - Por esse motivo, é perfeitamente possível o controle concentrado no âmbito do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) tendo como paradigma a Lei Orgânica do DF, com a mesma natureza das Constituições Estaduais, regra introduzida, de modo expresso, no ar. 30 da Lei n. 9.868/99 e, também, na Lei n. 11.697/2008, que dispõe sobre a organização judiciária do DF e dos Territórios. 4.5.3.3. MUNICÍPIOS: MANIFESTAÇÃO DO PODER CONSTITUINTE DERIVADO DECORRENTE? - Não. Art. 11, parágrafo único, do ADCT. Art. 29, caput, da CF. - Noemia Porto afirma que no caso dos Munícipios se descortina um poder de terceiro grau, porque mantém relação de subordinação com o poder constituinte estadual e o federal. É necessário que o poder de auto-organização decorra diretamente do poder constituinte originário. Por essa razão, ato local questionado em face da lei orgânica municipal enseja controle de legalidade, e não de constitucionalidade. 4.5.3.4. TERRITÓRIOS FEDERAIS: MANIFESTAÇÃO DO PODER CONSTITUINTE DERIVADO DECORRENTE? - Não. - Os Territórios Federias (que, hoje não mais existem, mas poderão vir a ser criados), de acordo com o art. 18, § 2º, integram a União, não se falando em autonomia federativa, e, portanto, não se cogitando em manifestação de poder constituinte derivado decorrente. Trata-se de descentralização administrativo-territorial da União, com natureza jurídica de autarquia federal. 4.5.4. PODER CONSTITUINTE DERIVADO REVISOR - Art. 3º ADCT. - A referida revisão constitucional deveria dar-se após, pelo menos, 5 anos, podendo ser 6,7,8... e apenas uma única vez, sendo impossível uma segunda produção de efeitos. - Muito se questionou a respeito da amplitude dos limites estabelecidos pelo PCO. Teorias surgiram apontando ilimitação total; outras apontando a condicionalidade da produção da revisão desde que o plebiscito previsto no art. 2º do ADCT modificasse a forma ou sistema de governo. A teoria que prevalecei foi a que fixou como limite material o mesmo determinado ao poder constituinte derivado reformador. - A Resolução n. 1-RCF (art. 4º, I e II, e §§ 4º e 5º) diferentemente do art. 60, I, II e III, da CF, dispôs sobre a possibilidade de oferecimento de propostas revisionais: Por qualquer congressista; Por representação partidária com assento no Congresso Nacional, por meio de líder; Pelas Assembleias Legislativa de 3 ou mais Unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria de seus membros; Pela apresentação de proposta revisional popular, desde que subscrita por 15.000 ou mais eleitores, em listas organizadas, por, no mínimo, 3 entidades associativas legalmente constituídas, que se responsabilizaram pela idoneidade das assinaturas, obedecidas condições fixadas na resolução. - Proporcionou a elaboração de meras 6 Emendas Constitucionais de Revisão. Não é mais possível nova manifestação do poder revisor em razão da eficácia exaurida e aplicabilidade esgotada da aludida regra. 4.6. PODER CONSTITUINTE DIFUSO - É a outra denominação de mutação constitucional.
Constituição Anotada: Dos Princípios Fundamentais Aos Direitos E Deveres Individuais E Coletivos (artigos 1º Ao 5º), E Outros Temas (artigos 62, 97 E 100)
Transplantes Normativos e algumas refrações da sua utilização em decisões judiciais: Análise de posições do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e dos Tribunais Superiores brasileiros