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HIGINO, Anderson Fabian Ferreira

H638p A pedagogia de projetos na educação em ciência & tecnologia


à luz da ciência da complexidade e do conceito de negociação;
estudo de caso no ensino de física dos cursos de engenharia
industrial do CEFET-MG. – Belo Horizonte, 2002.

187 p.

Dissertação (mestrado) Centro Federal de Educação Tecnológica


de Minas Gerais.

1- Educação Tecnológica 2- Física – Estudo e Ensino. I- Título.

CDD – 370.113
Anderson Fabian Ferreira Higino

A pedagogia de projetos na educação em Ciência & Tecnologia


à luz da ciência da complexidade e do conceito de negociação;
estudo de caso no ensino de Física dos cursos de
Engenharia Industrial do CEFET-MG

Belo Horizonte
Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais – CEFET-MG
Outubro – 2002
ANDERSON FABIAN FERREIRA HIGINO

A pedagogia de projetos na educação em Ciência & Tecnologia


à luz da ciência da complexidade e do conceito de negociação;
estudo de caso no ensino de Física dos cursos de
Engenharia Industrial do CEFET-MG

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado do CEFET-MG


como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em
Tecnologia. Área de concentração: Educação Tecnológica.

Orientador: Prof. Dr. Dácio Guimarães de Moura

Belo Horizonte
CEFET-MG
2002
PÁGINA DE ASSINATURAS
(a cargo do DPPG) – p.2
A José, pela herança da ousadia.
A Francisca, pela herança da doação.
Aos dois, pela herança do amor.

A Leila,
companheira desta vida,
na hora do gozo e na lida.

This work is dedicated to the ones


who share the wish to teach people,
and not cheat on them.
AGRADECIMENTOS

Ao Prof. Dr. Dácio Guimarães de Moura, pelo permanente e bondoso cultivo de


perseverança, paciência e confiança; pela orientação sábia, sensível, competente.

Ao Prof. Dr. Paulo Cezar Santos Ventura, pela amizade, pelo companheirismo e pela
apresentação do conceito de negociação nas redes sócio-tecnológicas.

À Profa. Márcia da Mota Jardim Martini, pela amizade e pelo companheirismo.

Ao Programa de Mestrado, pela compreensão dos contratempos da vida.

Aos professores e colegas, pela convivência de aprendizado e apoio.

Ao Prof. Eduardo Nunes Gonçalves, pelo sensível apoio ao LACTEA.

A Cássio, Aroldo, Rômulo, Davidson, Brenno, pela dedicada e generosa convivência.

Aos professores e servidores técnico-administrativos de todos laboratórios, oficinas,


departamentos e setores do CEFET-MG, pelo apoio aos projetos dos alunos.

Aos colegas do CEFET-MG, pela construção de um espaço de convivência,


aprendizagem, criatividade, lutas, conflitos e tudo o que faz parte da vida.

À Fundação Logosófica, ao Lugar de Retiro e Paz, à vida, pelas oportunidades de


um profundo, belo e eterno aprendizado espiritual e humanístico.

Aos tantos alunos e alunas que nos têm dado a alegria da convivência, da
colaboração e do aprendizado conjunto, nesses tantos anos, pelos admiráveis
exemplos de empenho, desprendimento, paciência, tolerância, aprendizagem e
colaboração que contrariam estereótipos e movem o mundo da escola.

A todos os familiares, pelo carinho, e a Higino, em especial, pela proximidade.

A amigos e amigas de Montes Claros, que habitam a feliz cidade da recordação.

A Leila, pela convivência diária repleta de amor, respeito, paciência, tolerância...

A Elton e Dagmá, pela bela reciprocidade em amizade, respeito, apoio, bem-querer.

A Jay Yasgur, pela amizade profunda e sincera... e pela receita de oat meal.

A aqueles e aquelas cuja participação anônima apenas o coração aquilata.


SUMÁRIO

SIGLAS ......................................................................................................... 6
LISTA DE TABELAS E GRÁFICOS ............................................................. 6
RESUMO ...................................................................................................... 7
ABSTRACT .................................................................................................. 8

1 INTRODUÇÃO: TRAJETÓRIAS E BUSCAS 10


1.1 Trajetória profissional e campo de estudo .................................................... 10
1.2 Complexidade como referencial teórico ....................................................... 24
1.3 Estrutura básica da dissertação ................................................................... 27

2 PEDAGOGIA DE PROJETOS: EVOLUÇÃO HISTÓRICO-CONCEITUAL 30


2.1 Pedagogia de projetos: nova historiografia .................................................. 30
2.2 Brasil e projetos: retomada, perspectivas, limites ........................................ 43
2.3 Educação em Ciência & Tecnologia: papel dos projetos ............................. 52

3 COMPLEXIDADE E NEGOCIAÇÃO NA EVOLUÇÃO DO PROJETO 81


3.1 Bali: o limite da escola mecanicista .............................................................. 82
3.2 Linux: complexidade, evolução, negociação ................................................ 105
3.3 Projeto e complexidade: a negociação dos limites ....................................... 119

4 LABORATÓRIO ABERTO DE FÍSICA: ESTUDO DE CASO ..................... 127


4.1 Campo e metodologia: caracterização geral ................................................ 127
4.2 Pesquisa quantitativa: planejamento, resultados, discussão ....................... 135
4.3 Pesquisa qualitativa: planejamento, resultados, discussão ......................... 149

5 ANÁLISE E CONCLUSÕES ........................................................................ 168

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................ 177

7 ANEXOS ...................................................................................................... 183


SIGLAS

CEFET-MG – Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais


DES – Diretoria de Ensino Superior
DADB – Departamento Acadêmico de Disciplinas Básicas
LACTEA – Laboratório Aberto de Ciência, Tecnologia, Educação e Arte
LAF – Laboratório Aberto de Física
META – Mostra Específica de Trabalhos e Aplicações

LISTA DE QUADROS E GRÁFICOS

QUADRO 1 - Quadro de referência da convergência das


duas visões de projeto consideradas .......................................... 125
QUADRO 2 - Projetos desenvolvidos no semestre letivo estudado ................. 130
QUADRO 3 - Questões sobre apreciação (bloco C1) –
declarações de valor positivo ...................................................... 135
QUADRO 4 - Questões sobre apreciação (bloco C1) –
declarações de valor negativo .................................................... 135
QUADRO 5 - Critério interpretativo para o bloco C1 do Questionário LAF ...... 135
QUADRO 6 - Questões sobre grau de dificuldade (bloco C2) .......................... 136
QUADRO 7 - Perfil geral dos alunos ................................................................. 141
QUADRO 8 - Engenharia Mecânica – comentários dos alunos sobre
apreciação e dificuldade (Questionário LAF) .............................. 150
QUADRO 9 - Engenharia Elétrica – comentários dos alunos sobre
apreciação e dificuldade (Questionário LAF) .............................. 152
QUADRO 10 - Grupos de projeto por faixas de dificuldade ................................ 154
QUADRO 11 - Aspectos relacionados às categorias indicadoras de
negociação ressaltados nos grupos focais ................................. 161
GRÁFICO 1 A - Engenharia Mecânica – apreciação da metodologia
(declarações de valor positivo) ................................................... 138
GRÁFICO 1 B - Engenharia Elétrica – apreciação da metodologia
(declarações de valor positivo) ................................................... 138
GRÁFICO 2 A - Engenharia Mecânica – apreciação da metodologia
(declarações de valor negativo) .................................................. 139
GRÁFICO 2 A - Engenharia Elétrica – apreciação da metodologia
(declarações de valor negativo) .................................................. 139
GRÁFICO 3 A - Engenharia Mecânica – grau de dificuldade
(dificuldades e problemas) .......................................................... 143
GRÁFICO 3 B - Engenharia Elétrica – grau de dificuldade
(dificuldades e problemas) .......................................................... 143
GRÁFICO 4 A - Engenharias Elétrica e Mecânica – apreciação e dificuldade ..... 146
GRÁFICO 4 B - Engenharias Elétrica e Mecânica – apreciação e dificuldade ..... 146
HIGINO, Anderson Fabian Ferreira. A pedagogia de projetos na educação em
ciência & tecnologia à luz da ciência da complexidade e do conceito de negociação;
estudo de caso no ensino de Física dos cursos de Engenharia Industrial do CEFET-
MG. Belo Horizonte: CEFET-MG, 2002. (Dissertação, Mestrado em Tecnologia).

RESUMO

Partindo de uma abordagem histórico-conceitual, o trabalho discute a necessidade e


a relevância de uma nova concepção de pedagogia de projetos para o atual
momento da educação brasileira. Especialmente na área de educação em Ciência &
Tecnologia, defende-se o recurso à Ciência da Complexidade e ao conceito de
negociação nas redes sócio-tecnológicas, como fontes complementares de
contribuição a visões teóricas já consagradas.

Dentro do paradigma naturalista de investigação educacional, apresenta-se um


estudo de caso sobre o Projeto Laboratório Aberto de Física (LAF), em andamento
nos cursos de Engenharia Industrial do CEFET-MG. A pesquisa quantitativa mostra
a apreciação amplamente positiva dos alunos em relação à metodologia de projeto
em desenvolvimento nesse contexto. A pesquisa qualitativa mostra a presença
consistente de elementos de negociação e complexidade na dinâmica dessa
experiência de educação humanístico-tecnológica integral do cidadão-profissional.

Conclui-se com a indicação da importância de dar continuidade à investigação das


perspectivas abertas pelo pensamento complexo e pelo conceito de negociação.
Sugere-se também a realização e a análise de novas experiências pedagógicas
baseadas ao Projeto LAF. A geração de novas contribuições teórico-práticas à
pedagogia de projetos pode favorecer uma apreciação mais adequada de seu valor,
num contexto de mudança curricular e busca de estratégias para a melhoria da
educação em Ciência & Tecnologia.

PALAVRAS-CHAVES: Educação; Ciência & Tecnologia; pedagogia de projetos;


ciência da complexidade; negociação.
ABSTRACT

Beginning with a historical-conceptual approach, this work discusses the necessity


and relevance of a new pedagogical conception of project-work to the present
moment of Brazilian education. Specially in the field of Science & Technology
Education, we advocate the reference to the science of complexity and the concept
of negotiation in social-technological networks as complementary sources of
contribution to well-established theoretical views.

Within the naturalistic paradigm of educational investigation, we present a case study


on Laboratório Aberto de Física (LAF) Project, currently running in the Industrial
Engineering courses at CEFET-MG. Quantitative research shows the largely positive
appreciation expressed by students with respect to the project-work methodology
developing in this context. Qualitative research shows the presence of consistent
elements of negotiation and complexity in the dynamics of this experience of integral
humanistic-technological education of the professional-citizen.

We conclude by stressing the importance of going on with the investigation of the


perspectives introduced by complex thinking and the concept of negotiation. We also
suggest the development and analysis of new pedagogical experiences based on
LAF Project. The generation of new theoretical-practical contributions to project-work
pedagogical conception may favour a more adequate appreciation of its value in a
context of curricular change and search for strategies to improve Science and
Technology Education.

KEY-WORDS: Education, Science & Technology; project work;


science of complexity, negotiation
Devido ao caráter conservador de todo
sistema social, resiste-se a toda inovação
social, ao menos inicialmente, e, às
vezes, de maneira extrema. Por isso, uma
inovação social se impõe apenas ou pela
sedução, ou porque os novos membros
não podem evitar crescer nela. Por último,
como toda sociedade se realiza na
conduta dos indivíduos que a compõem,
há mudança social genuína em uma
sociedade, somente se houver uma
mudança genuína na conduta de seus
membros. Toda mudança social é uma
mudança cultural.
Humberto Maturana

Devemos relacionar a ética da


compreensão entre as pessoas com a
ética da era planetária, que pede a
mundialização da compreensão. A única
verdadeira mundialização que estaria a
serviço do gênero humano é a da
compreensão, da solidariedade intelectual
e moral da humanidade.
Edgar Morin

É por esta ética inseparável da prática


educativa, não importa se trabalhamos
com crianças, jovens ou com adultos, que
devemos lutar. E a melhor maneira de por
ela lutar é vivê-la em nossa prática, é
testemunhá-la, vivaz, aos educandos em
nossas relações com eles.
Paulo Freire

Todos esses que aí estão


Atravancando o meu caminho,
Eles passarão ...
Eu passarinho!
Mário Quintana
10

1 INTRODUÇÃO: TRAJETÓRIAS E BUSCAS

‘Cheshire Puss’, she began, [...] ‘Would you tell me, please, which way I
ought to go from here?’
‘That depends a good deal on where you want to get to,’ said the Cat.
‘I don’t much care where’ – said Alice.
‘Then it doesn’t matter which way you go’, said the Cat.
‘ – so long as I get somewhere’, Alice added as an explanation.
‘Oh, you’re sure to do that’, said the Cat, ‘if you only walk long enough.’
(Lewis Carroll, Alice’s Adventures in Wonderland)

Neste capítulo, apresenta-se um panorama geral da dissertação. Na primeira


seção, descreve-se o processo de escolha do campo de estudo, mostrando-se o
imbricação deste com a trajetória profissional do autor. Na segunda seção,
esclarecem-se alguns aspectos da opção pela ciência da complexidade como
referencial teórico. Na terceira seção, explicitam-se as questões de investigação,
apresentam-se os objetivos da dissertação e delineia-se sua estrutura básica.

1.1 Trajetória profissional e campo de estudo

A presente dissertação é o relato de uma de investigação sobre fundamentos da


pedagogia de projetos cuja base empírica é uma experiência de desenvolvimento
metodológico em andamento no ensino de Física dos cursos de Engenharia do
CEFET-MG: o Projeto Laboratório Aberto de Física (LAF). Observações realizadas
nos vários anos de envolvimento com o Projeto LAF, cuja equipe integramos desde
o início, em 1996, levaram-nos a um processo iterativo de reflexão sobre a prática e
busca de elementos teóricos, que converteu-se em investigação acadêmica e tem
sua primeira culminação com este trabalho.

A busca de elementos teóricos tomou dois caminhos complementares: o


aprofundamento da visão histórico-conceitual da pedagogia de projetos; a reunião
de elementos de compreensão e a exploração das perspectivas da Ciência da
Complexidade, que nos pareceu referencial teórico adequado à abordagem das
peculiaridades do campo de estudo escolhido.
11

Ainda que já apresentemos, nesta introdução, alguns esclarecimentos sobre escolha


de referencial teórico, tema de investigação e campo de estudo, o percurso desses
caminhos foi registrado em capítulos específicos da dissertação. De início, no
entanto, vamos buscar em alguns trechos de caminhos anteriormente percorridos,
que nos trouxeram a estes novos, referências para compreender melhor como e por
que chegamos “aqui”. Faremos, desse modo, como uma outra Alice que, com atitude
mais ciosa dos próprios passos que a de Carroll, quer dar-se conta, mais
profundamente, do que é cada encruzilhada em que se encontra e que gato é esse a
quem pergunta que caminho tomar.

Remontando ao final da década de 1980, encontramos um jovem bacharelando em


Física, nos períodos finais da graduação, em busca de rumos para a trajetória
pessoal e profissional. À participação em programa de Iniciação Científica do
CNPq/UFMG, com estudo de materiais magnéticos, sucedeu-se outra oportunidade,
de impacto ainda maior na opção profissional: atuar como bolsista no Setor de Física
do Colégio Técnico da UFMG (COLTEC/UFMG). Ali, envolvemo-nos com as
atividades de um então nascente grupo de pesquisa em Ensino de Ciências e
realizamos trabalhos em projetos de capacitação de professores de Ciências e na
implantação de um espaço interativo de divulgação científica: o Exploratorium. Uma
análise do projeto Exploratorium e atividades correlatas, que sinaliza a fecundidade
do ambiente ali criado, na passagem dos anos 80 para os 90, encontra-se na tese
de doutorado do Prof. Dr. Dácio Moura (MOURA, 1993), coordenador do projeto e
orientador ou co-orientador da maior parte de nossas atividades de então.

Uma breve referência a essas atividades ajudará a entender nossa trajetória


posterior, em função das conseqüências que contribuíram para gerar: uma de ordem
mais geral, relacionada à opção pela carreira docente, e outra, de ordem mais
específica, relacionada ao desenvolvimento da sensibilidade para o significado de
atividades ligadas à pedagogia de projetos.

No projeto Exploratorium, buscava-se ampliar a compreensão da importância da


dimensão lúdica nas atividades práticas ligadas ao ensino de ciências. Nossa
participação nele levou ao contato com um ambiente de abertura para a reflexão
humanístico-filosófica que, por um lado, sentíamos como profunda necessidade
pessoal e, por outro, não encontrávamos no curso de graduação. Isso foi decisivo
para sedimentar a opção pela incipiente carreira docente, em vista da percepção de
12

que esta poderia abrir espaço à associação da prática cotidiana com a reflexão que
no era cara, em contraste com a atitude refratária que sentíamos “no ar” do
Departamento de Física, onde víamos a preocupação estritamente voltada para a
competência técnica sufocar valiosas aspirações dos estudantes.

No Exploratorium, envolvemo-nos com a realização de trabalhos práticos que,


resultando em objetos de exposição, prestavam contribuição à criação de um vivo
espaço de discussão e entrosamento entre alunos e professores. Essa atividade
muito estimulou a busca, com profundidade e convicção, do envolvimento com o que
de humano existe no processo educativo, com seu complexo emaranhado de alegria
e tristeza, entendimento e desentendimento, realização física e percepção mental,
razão e intuição, emoção e regra. Tudo isso entrava em franco contraste com a
frieza memórico-ilustrativa que, na condição de estudante, encontrávamos em nossa
formação técnica, em que mesmo disciplinas mais ligadas às Humanidades, como a
História das Ciências, convertiam-se em arremedo de esforço de humanização.

Esse foi o cenário de nossa iniciação profissional. Se foi pintado com tintas que
alguém pode considerar fortes demais para o “bom tom” de um trabalho acadêmico,
elas talvez tenham, pelo menos, o mérito de sinalizar que esse “bom tom” não deve
converter-se, inadvertidamente, no pigmento que oculta aspectos essencialmente
relevantes às reflexões de determinada área. E parece-nos que a Educação é uma
dessas áreas, que merece o respeito e o cuidado do esforço de evitar que se perca,
em meio a tantos emaranhados caminhos, o sentido especificamente humano que
define e caracteriza sua atividade, como tão sabiamente assinalado por Paulo
FREIRE (2001b), ao tratar dos saberes necessários à prática educativa.

Veio, assim, a decisão de não dar seqüência à formação acadêmico-profissional na


área da pesquisa básica em Física. Buscamos, ao invés disso, o Curso de
Especialização em Ensino de Ciências (FAE/CECIMIG/UFMG), que iniciava, em
1991, a primeira turma da modalidade Física. Esse curso abriu-nos ainda mais
portas teóricas e conceituais, complementares às do Exploratorium. Abriu, também,
novas portas profissionais, com o direito legal de pleitear cargos no nível superior de
ensino, o que traria importante ampliação da experiência já adquirida na docência
dos níveis fundamental e médio, então ainda sob outra nomenclatura. Com isso,
desde o início da carreira, dedicamo-nos ao ensino superior: primeiro, de 1992 a
1994, nos cursos de Arquitetura e Urbanismo, Ciências e Fonoaudiologia das
13

Faculdades Metodistas Integradas Izabela Hendrix (FAMIH) – atual Unicentro


Izabela Hendrix – e depois, a partir de 1995, nos cursos de Engenharia e Tecnologia
do CEFET-MG, onde ainda atuamos.

No curso de Ciências das FAMIH, continuamos em contato com as linhas


desenvolvida no COLTEC-UFMG, pois colaborávamos, no laboratório de Física, com
uma colega, a partir da Especialização, implantara, em sua disciplina, metodologia
de desenvolvimento de trabalhos práticos por grupos de alunos. Além disso, outros
dois colegas, do ensino médio, também egressos da Especialização, implantavam
sala de exposição interativa de Ciências, nos moldes do Exploratorium. Todo esse
ambiente colaborava para a manutenção de bom nível de reflexão sobre a prática
pedagógica, sedimentando a convicção quanto às virtudes de atividades dessa
natureza, tanto no nível médio quanto no superior. Além disso, o contato com alunos
dos demais cursos em que atuávamos ajudava a perceber que o ensino da Física a
estudantes de Arquitetura ou Fonoaudiologia, por exemplo, deve ser feito com
respeito às especificidades de cada área, e não supondo ser a Física um conteúdo
neutro e asséptico, com forma de “transmissão” idealmente uniforme.

Essa primeira experiência de docência superior, que durou até 1994, permitiu
avançar na percepção do necessário esforço de adequação da forma de ensino da
Física a estudantes que não serão futuros pesquisadores de ciência pura ou
aplicada, e sim preparavam-se para atuar no magistério, ou em área tecnológico-
artística, ou tecnológico-biomédica. Também fortaleceu a noção de que essa
adequação pode beneficiar-se grandemente do recurso a atividades como trabalhos
práticos, em que a variedade de temas e abordagens ajuda a criar situações em que
professores e alunos, ao invés de desencontrarem-se, possam encontrar-se em
“algum lugar no meio do caminho” entre suas áreas mais específicas.

Ao ingressarmos no CEFET-MG, em 1995, ainda como professor substituto, um


período de vida tumultuado, repleto de incertezas, redefinições profissionais e
revezes pessoais, dificultou as condições de reflexão sobre a prática pedagógica.
Nesse ano, além das atividades profissionais básicas, houve oportunidade apenas
para orientar um trabalho sobre “Som e Audição”, apresentado na 16a edição da
Mostra Específica de Trabalhos e Aplicações (META), que recebeu destaque, na
categoria didático, e teve resumo publicado na Revista da META.1

1
CEFET-MG. Revista da META, Belo Horizonte, ano 2, n.2, p.38, setembro de 1997.
14

A partir de 1996, já na condição de professor efetivo do Departamento Acadêmico


de Disciplinas Básicas da Diretoria de Ensino Superior, recebemos convite do Prof.
Dr. Dácio Moura para integrar o projeto “Laboratório Aberto de Física” (LAF). Sua
proposta era implantar, no laboratório da disciplina Física I, versão mais estruturada
da experiência que vinha realizando, desde 1993, com o desenvolvimento de
projetos livres por grupos de alunos de Engenharia Industrial Elétrica e Mecânica.

A experiência, ainda que com papel apenas coadjuvante em meio ao elenco de


atividades da disciplina, já dera frutos significativos, por exemplo, como o trabalho
prático que, posteriormente, passou a chamar-se “O Erro de Debret”. Desenvolvido a
partir da proposta de que grupos de alunos apresentassem, no primeiro semestre
letivo de 1994, projetos práticos com temas relacionados ao tema movimento, o
trabalho acabou transformando-se no pivô de uma história surpreendente.

Um grupo de calouros de Engenharia Mecânica propôs trabalho prático baseado na


descoberta de que o famoso quadro “Pequena moenda para fazer caldo de cana”,
de Jean Baptiste Debret – célebre retratista da corte – contém erro no registro do
giro das engrenagens de uma moenda em que trabalham duas parelhas de
escravos. O sentido de rotação, imposto pela alavanca motora, é incompatível, para
efeito de moagem, com o ponto em que a cana é introduzida no equipamento.

A descoberta fora feita por um integrante do grupo, de modo casual, ao folhear um


jornal em que se divulgava exposição de trabalhos do artista. Interessado em
encontrar tema para o trabalho proposto pelo professor, o estudante envolveu-se
com a análise da “Pequena moenda”, reproduzida na matéria de jornal, e logo deu-
se conta de que havia algo errado. A confirmação da falha de registro foi feita junto
ao professor, que, consultado sobre a possibilidade de aquela informação integrar o
trabalho, estimulou os estudantes a valorizar a excelência de sua descoberta, algo
inusitado, interessante e, provavelmente, original.2

Executada a parte material do projeto, os alunos apresentaram um modelo funcional


da moenda, em pequena escala, para ilustrar a descoberta. A originalidade
confirmou-se, na medida em que as várias notícias veiculadas sobre o trabalho não
produziram qualquer manifestação de que o fato já fosse conhecido, mesmo com

2
Informações baseadas em relato feito, em nossa presença, pelos estudantes do grupo, em aula de
disciplina de pós-graduação, a convite do Prof. Dr. Dácio Moura, no ano de 1994.
15

divulgação nacional, em jornais, revistas e programas televisivos,3. O trabalho


produziu, ao contrário, admiração e espanto, gerando, pela grata surpresa em que
se transformou, oportunidade ímpar de divulgação dos nomes dos alunos, do
professor e da escola, no cenário local, estadual e nacional.

Vale ressaltar que, tendo acompanhado a história do projeto bastante de perto,


ficou-nos a impressão de que os alunos talvez não conseguissem, sozinhos,
apreciar o valor da descoberta e do trabalho que realizaram, eventualidade na qual o
impacto destes poderia ficar restrito mesmo apenas à sala de aula. Essa observação
valoriza a atitude do professor, de abertura à manifestação da criatividade e do
potencial dos alunos, base da proposição dos trabalhos práticos. Também ressalta o
papel do professor, que explorou possibilidades como orientação, acompanhamento
e estímulo, em claro contraste com a atitude de transmissão do conhecimento tão
comum no cenário da cultura escolar dominante.

Aliás, a referência à transmissão leva-nos a refletir sobre duas possíveis acepções


dessa palavra. Há o sentido de perpetuação, significando o repasse do
conhecimento humano de geração a geração, no processo histórico-cultural global,
“macroscópico”; um processo cuja não ocorrência geraria rupturas culturais, com
perdas certamente lamentáveis. Mas há também o sentido, “microscópico”, de
transferência do conhecimento do professor que sabe para o aluno que não sabe,
numa visão típica da pedagogia tradicional, herdada de teóricos como Herbart.4

No caso “Erro de Debret”, a atitude e o papel do professor evitaram o


estabelecimento, entre essas duas acepções, de uma relação mecânica. Esta
decorreria naturalmente da hipótese de que a primeira idéia implique a segunda, ou
de que a realização da segunda garanta condições à primeira. Esse tipo de hipótese
é natural numa concepção pedagógica em que o trabalho docente mantém, com o
contexto maior da experiência humana do conhecimento, um “encaixe” de
engrenagem. Em termos metafóricos, podemos recorrer à imagem de um automóvel,
em que as diversas partes viajam juntas porque engrenagens e peças transmitem
umas às outras o movimento gerado pelo do motor. Não é difícil perceber que uma

3
Por exemplo: Estado de Minas de 25/03/1994, caderno Gabarito, p.6-7; Ciência Hoje de julho de
1994, p.82-83 (v.18, n.101 – seção Ciência em Dia); Istoé de 26/10/1994, seção A Semana; programa
Jô Soares 11 e meia, então ainda na rede SBT, em 1994 (data próxima à da publicação feita pelo
Estado de Minas); programa Caleidoscópio, de 19/06/2002, da TV Horizonte, canal local de Belo
Horizonte (cabo/UHF).
4
Ver, por exemplo: HÜBNER, A.M.S. Professor – formação prático-reflexiva. Enciclopédia de Filosofia
da Educação. Disponível em: <http://www.educacao.pro.br/professor.htm>. Consulta em 10/11/2001.
16

concepção dessa natureza mecanicista não geraria abertura adequada à proposição


de atividades como a do exemplo citado.

Reflexões como essas eram motivadas pelas experiências que deram base ao
Projeto LAF, que contemplavam, desde o início, importantes aspectos da
problemática educacional.5 Tais experiências tinham por base o Projeto
Exploratorium e constituíam as primeiras sondagens do potencial de outro ambiente
institucional relativamente favorável aos trabalhos práticos. De fato, a tradição de
desenvolvimento de projetos pelos alunos do CEFET-MG propiciava, entre outros
fatos, a existência longeva da META, que viemos a conhecer já na 16a edição.

Aliás, exatamente em função dos debates realizados pela Comissão da META,


nessa 16a edição, é que surgiu a proposta de implantação, no CEFET-MG, de um
laboratório destinado a ampliar e estender ao cotidiano escolar, em todos os níveis
de ensino e com maior grau de reflexão pedagógica, a realização de projetos e
trabalhos práticos. Essa atividade, que já encontrava algum fermento e certa
expressão no ambiente institucional, sinalizava também uma “demanda reprimida”,
em relação à manifestação do potencial dos alunos.

Em 25 de setembro de 1995, no final de uma administração em que se realizara


ampla reestruturação da META,6 inaugurou-se o LACTEA – Laboratório Aberto de
Ciência, Tecnologia e Arte,7 com objetivos ligados à valorização e à promoção de
um rico potencial de criação e realização cuja existência comprovara-se, em tantas
ocasiões.8 O projeto LAF (Laboratório Aberto de Física) seria uma das iniciativas a
viabilizar-se através do LACTEA, representando uma parcela de colaboração no
cumprimento de seus objetivos. No entanto, ao longo de sua história já relativamente
longa, o projeto sobreviveu, à custa de esforços e sacrifícios às vezes quase
temerários, como uma das poucas iniciativas de um Laboratório ao qual – como a
outros espaços e instâncias da instituição – não seria justo dizer que foi dado, na
administração que sucedeu a que o criou, o apoio característico de uma gestão
exercida com adequada visão de futuro e ampla perspectiva político-pedagógica.

5
Ver, por exemplo: MOURA, Dácio Guimarães de. Libertar o conteúdo. Educação & Tecnologia, Belo
Horizonte, n.1, p.22-25, jan./jun. 1995c.
6
Ver por exemplo: WANDERLEY, Eliane Cangussu. Feiras de ciências enquanto espaço pedagógico
para aprendizagens múltiplas. Belo Horizonte: CEFET-MG, 1999. 253p. (Dissertação, Mestrado em
Tecnologia – Educação Tecnológica).
7
Em 2002, o nome foi alterado para Laboratório Aberto de Ciência, Tecnologia, Educação e Arte.
8
Ver, por exemplo: MOURA, Dácio Guimarães de. LACTEA – Laboratório Aberto de Ciência,
Tecnologia e Arte do CEFET-MG. Belo Horizonte: CEFET-MG, [1995b?]. 6p. (Mimeogr.).
17

Começamos o ano letivo de 1996 colaborando com a implantação do Laboratório


Aberto de Física e, dessa forma, também dando início ao desenrolar de uma história
que nos levaria a um aprofundamento insuspeito da busca de compreensão sobre o
significado da relação pedagógica. A proposta básica do Projeto LAF era envolver,
na realização de projetos práticos de tema livre, a cada semestre letivo, grupos de 4
integrantes, em média, formados pelos cerca de 80 alunos de Engenharia Industrial
Elétrica e Mecânica – a maioria, calouros – matriculados na disciplina Física I.

Quanto aos condicionantes gerais da atividade, é necessário ressaltar:

a) a existência de um universo humano constituído por estudantes de origens e


formações as mais diversas (técnicos e não-técnicos, egressos de escolas
privadas e públicas, representantes de diversas classes sócio-econômicas etc.);
b) a disponibilidade de tempo de 30 horas-aula (15 semanas X 2 horas-
aula/semana), para orientação e execução dos projetos, além dos intervalos que
os alunos possam ceder, espontaneamente, à atividade;
c) a possibilidade de utilização da infra-estrutura básica do LACTEA (espaço físico,
bancadas de trabalho, ferramentas e equipamentos essenciais);
d) a limitação dos recursos materiais àquilo que esteja ao alcance das
possibilidades de providenciamento dos alunos, com apoio do LACTEA e outras
instâncias do CEFET-MG, mas sem garantia imediata de recursos financeiros;
e) a necessidade de busca de apoio técnico e material, conforme as características
de cada projeto, junto à comunidade externa (escolas, empresas, instituições
públicas e privadas) e dentro do próprio CEFET-MG, em negociação com
professores e servidores dos diversos laboratórios e oficinas.

Diante de condicionantes que refletiam quadro favorável à atividade, mas longe do


ideal, a definição de procedimentos metodológicos para o LAF refletiu esforço de
busca de um conjunto mínimo de regras que permitissem estabelecer condições
básicas para a realização dos projetos. Tais procedimentos são, em linhas gerais:

• apresentação da proposta aos alunos, em reunião geral, com utilização de


recursos audiovisuais, discussão conceitual e apresentação de exemplos de
projetos anteriores bem sucedidos;
18

• descrição e debate das categorias de projetos: Didático, Construtivo,


9
Investigativo e Desenvolvimento de Software;
• prescrição e caracterização preliminar do “Diário de Bordo” – relato semanal – e
do Relatório Final, a ser apresentado ao final do projeto;
• atribuição aos alunos do providenciamento de materiais e equipamentos
necessários, com colaboração do LACTEA e de outras instâncias do CEFET-MG;
• indicação do correlacionamento – flexível – do tema e da abordagem do projeto
aos conteúdos da disciplina e aos do curso como um todo;
• vinculação do projeto à avaliação da disciplina (30% da nota total);
• composição de grupos de quatro alunos, com sondagem e tentativa de
“balanceamento” de habilidades, para o trabalho ao longo do período letivo;
• definição do tema, numa conjugação de diálogo e discussão;
• execução do projeto, com orientação do professor de laboratório e incentivo à
busca de colaborações formais e informais;
• apresentação pública e avaliação final dos projetos.

O trabalho realizado com os alunos, baseado nesses procedimentos metodológicos,


propiciou, já no 1º semestre de 1996, alcançar a marca de 17 projetos desenvolvidos
e apresentados publicamente, no auditório da Diretoria de Ensino Superior. Esses
primeiros resultados foram apresentados, no final daquele ano, no XXIV Congresso
Brasileiro de Ensino de Engenharia (COBENGE), e também publicados em artigo da
revista Educação & Tecnologia, do CEFET-MG.10 Desde então, o LAF tem gerado o
desenvolvimento e a apresentação de cerca de 20 projetos, a cada semestre letivo.

Em fevereiro de 1997, o grupo de professores então responsável pelo Projeto redigiu


um documento intitulado Laboratório Aberto de Física – proposta de uma
metodologia adequada às demandas atuais.11 Essa análise reflexivo-prospectiva da
experiência apresentava a proposta de utilizar o LAF como ensaio para a possível
implantação do Laboratório Aberto de Disciplinas Básicas dos Cursos de Engenharia

9
No CEFET-MG, essa categorização foi proposta pelo Prof. Dr. Dácio Moura (com base em sua tese
de doutorado), em substituição à categorização baseada nas disciplinas curriculares, por ocasião da
reformulação da META, ocorrida a partir de 1992. Ver: MOURA, Dácio Guimarães de. Feiras de
ciências: necessidade de novas diretrizes. Presença Pedagógica, Belo Horizonte, n.6, p.76-85,
nov./dez. 1995a.
10
MOURA, Dácio Guimarães de, HIGINO, Anderson Fabian Ferreira. Laboratório aberto de física –
proposta de uma metodologia adequada às demandas atuais. Educação & Tecnologia, Belo
Horizonte, n.3, p.37-40, jul./dez. 1996.
11
MOURA, Dácio Guimarães de, HIGINO, Anderson Fabian Ferreira, AVELLAR, Ronaldo Lucídio.
Laboratório aberto de física – proposta de uma metodologia adequada às demandas atuais. Belo
Horizonte: CEFET-MG, 1997. 4p. (Mimeogr.)
19

Industrial do CEFET-MG. Essa idéia, apesar de em perfeita consonância com as já


apresentadas no projeto institucional aprovado no Programa PRODENGE/REENGE
de reestruturação do ensino de engenharia, não encontrou ressonância mais
significativa no Departamento Acadêmico em que atuam esses professores.

Observe-se que essa dissonância deu-se num cenário em que, de modo semelhante
a esforços internacionais de reflexão sobre reforma curricular, em que o trabalho em
equipe e atividades do tipo hands-on são grandemente valorizados,12 também o
programa brasileiro buscava subsidiar o debate sobre abordagens dessa natureza.13
Fatos assim parecem sinalizar que alguns princípios ligados à flexibilização
curricular e à formação integral do estudante, que estão na base de idéias como a
apresentada, não alcançam ainda suficiente compreensão, entre os docentes, para
gerar movimentos decisivo de superação de práticas tradicionalmente assumidas,
muitas vezes apenas tacitamente, como as mais adequadas.14

A dissonância e, às vezes, a forte resistência mostraram-se elementos comuns de


encontrar pelo caminho, na medida em que o LAF seguiu seu curso. Merecem
destaque dois dos exemplos que mais fortemente chamam a atenção para a
dimensão que a experiência assumiu, na exploração de limites conceituais e
pedagógicos: os projetos “Máquina Anti-Gravidade” e Harpa Laser. Como suas
histórias não tiveram ainda registro escrito, contamos com a paciência do leitor para
acompanhar conosco os relatos feitos a seguir.15

No segundo semestre de 1997, um grupo da Engenharia Industrial Elétrica,


interessado no tema sensores fotoelétricos, definiu-se pelo projeto “Máquina Anti-
Gravidade”, fixando objetivo de produzir montagem baseada em atração
eletromagnética, sensor fotoelétrico e eletrônica de controle, que permitisse fazer
levitar uma esfera metálica oca. Como nenhum dos integrantes tivesse formação em
Eletrônica, eles perceberam, após a etapa inicial de informação e discussão, que
precisariam de orientação especializada, devido ao grau de dificuldade do projeto.
Estimulados a buscar auxílio entre os professores da área de Eletrônica, os alunos
chegaram ao LACTEA, certo dia, com expressão de completo desânimo, alegando

12
Ver, por exemplo, matéria sobre a “Synthesis Coalition”, em: WATSON, George F. Refreshing
curricula. IEEE Spectrum, march 1992. p.31-35.
13
Ver, por exemplo, com especial atenção à palestra do Prof. Dr. Walter Antonio Bazzo, os debates
registrados em: FUNDAÇÃO VANZOLINI. Engenheiro 2001, São Paulo, ano 2, n.2, mar.1997.
14
Ver: BAZZO, Walter Antônio, PEREIRA, Luiz Teixeira do Vale, VON LINSINGEN, Irlan. Educação
tecnológica: enfoques para o ensino de engenharia. Florianópolis: Ed, da UFSC, 2000. 173p.
15
Relatos baseados na participação do autor nos projetos, na condição de professor orientador.
20

ter recebido, em suas próprias palavras, um “balde de água fria”. Foram


sugestionados, por um dos professores, a abandonar o projeto, devido à enorme
dificuldade, e escolher tema mais simples, compatível com sua base de
conhecimento, insuficiente para permitir o aprendizado, nos poucos meses
disponíveis, do dimensionamento e da montagem de circuito tão complexo.

Diante de tais informações e impressões, ficou claro, para nós, que aquele momento
significava uma encruzilhada, não apenas para o grupo, mas para o Projeto LAF.
Era, novamente, o caso de perguntar “que caminho devo tomar”: o da ousadia ou o
da submissão? Resolvemos fazer uma aposta: convidar o grupo a perseverar na
ousadia de desenvolver um projeto que, obviamente, ia muito além de sua
capacitação técnica imediata. Não o fizemos, no entanto, de maneira irresponsável.
Ponderamos com os alunos, em longo diálogo, sobre que parecia haver, naquele
momento, algum tipo de “choque” entre duas visões de projeto: uma, tradicional no
seio da escola, que, grosso modo, atém-se à exigência de formação técnica
aprofundada como pré-requisito lógico para a possibilidade de dimensionamento
prévio e execução posterior. Outra que admite a busca de orientação, colaboração e
elementos teórico-práticos, ao longo do percurso, mesmo em seqüência não
facilmente previsível e na medida da demanda momentânea, como base para a
construção, ou re-construção, de um objeto técnico e, paralelamente, a construção,
ou re-construção, de conhecimentos, habilidades, atitudes.

Nesse momento de “xeque”, expusemos aos alunos, em termos semelhantes a


esses, nossa percepção da diferença entre uma visão, tradicional, e a outra, de que
estávamos imbuídos e com cuja “experienciação” pretendíamos contribuir para a
proposição, ao mundo da escola, de reflexões sobre a necessidade de inovar a
relação professor-aluno, entre outros aspectos do processo educativo formal.
Expusemos, também, a grande diferença que decorria de uma e de outra visão:
numa, a idéia daquele projeto não fazia qualquer sentido, devendo, portanto, ser
logicamente, abandonada; noutra, a idéia do projeto, inserida em experiência mais
ampla de aprendizagem, possuía virtudes suficientes para justificar o risco da
tentativa. Isso, ainda que os envolvidos, inclusive o orientador, tivessem de aprender
a conviver com a incerteza sobre o resultado a alcançar, ao final do processo.

Lembramo-nos vivamente de um momento em que, no ímpeto de ajudar a reverter o


quadro de desânimo dos alunos e diante de sua insegurança sobre, por exemplo, os
21

materiais necessários ao projeto, apontávamos para itens disponíveis no laboratório,


dizendo-lhes: precisam de uma bobina? Ali está uma!... Capacitores? Ali estão
eles!... Uma célula fotoelétrica? Aqui está uma!... Saindo daquele diálogo com
estado de ânimo mais favorável ao esforço de tentar, e cientes de que não seriam
penalizados por eventual “fracasso”, e sim valorizados em sua ousadia de fazer algo
difícil, os alunos animaram-se a vencer as dificuldades que se apresentassem e, à
custa de muito esforço, conseguiram avançar no desenvolvimento do projeto.

Obtendo com um amigo artigo sobre a montagem que desejavam realizar, os alunos
passaram a preocupar-se não mais com o dimensionamento do circuito – o que
seria, de fato, objetivo ilusório – e sim com a busca de materiais e o aprendizado de
técnicas básicas. Nessa etapa, inclusive, firmes na decisão de concluir o projeto,
eles chegaram mesmo a conseguir algum apoio no Laboratório de Eletrônica.

O grupo desenvolveu, em poucas semanas, uma versão funcional da montagem e


passou mesmo a expandir os objetivos do projeto, explorando a utilização de
brinquedos e outros materiais lúdicos empregados no ensino e na divulgação de
Ciência & Tecnologia. Objetos obtidos de empréstimo foram incluídos na
apresentação e a própria tese de doutorado do Prof. Dácio Moura (MOURA, 1993),
pela afinidade com o tema, chegou a ser consultada.

Um dos alunos relatou o maravilhamento experimentado numa noite em que,


sozinho em seu quarto, antes de dormir, ligou a montagem à tomada e ficou um
largo tempo a observar a esfera que pairava, solta no ar, como se estivesse, de fato,
numa máquina “anti-gravidade”. Outro integrante não teve como não levar, para a
apresentação, o irmão pequeno, estudante de ensino fundamental, que insistia em
não perder a “festa”. O outro irmão apenas não foi por ter prova na escola.

Enfim, o “resumo da ópera”: um projeto altamente improvável, pelos padrões


tradicionais, não apenas tornou-se viável, como também alcançou resultados que
superaram as expectativas mais otimistas do grupo, do professor e da comunidade
acadêmica. Desse modo, o projeto Máquina Anti-Gravidade mostrava o valor da
metodologia LAF para a instituição, apesar das resistências. Sinalizava também a
existência de uma problemática mais profunda, cuja abordagem teórica
começávamos a perceber necessária. O Projeto LAF transformava-se, assim, de
uma simples “experienciação” metodológica em um campo de estudo pedagógico.
22

Outro caso que confirmou essa percepção foi o projeto Harpa Laser, desenvolvido
no 1º semestre de 2001, por outro grupo de alunos de Engenharia Elétrica, também
sem formação em Eletrônica, interessados pelo mesmo tema: sensores fotoelétricos.
Quando o grupo ainda buscava definição de tema, o orientador sugeriu uma
montagem em que sensores fotoelétricos fossem o ponto de partida para a geração
de tons, constituindo um instrumento musical. A intenção era associar a tecnologia
pretendida pelo grupo a uma aplicação com potencial lúdico, possibilitando a
utilização do objeto em exposições interativas e atividades afins.

A sugestão encontrou, no próprio grupo, grande resistência, aparentemente


capitaneada por um integrante que não cria possível alcançar o objetivo. Diante do
iminente impasse, na medida em que havia insistência do orientador na idéia, o
diálogo entre ele e os alunos, nas semanas seguintes, tomou caminhos de
negociação, conseguindo-se chegar a um meio-termo. Os alunos, com certo custo,
dispuseram-se à tentativa e o professor, por sua vez, garantia a valorização do
esforço e do compromisso, no processo, e buscando afastar o receio do fracasso.

Vencida a resistência e alcançado o acordo, vieram outras dificuldades: umas,


inerentes ao projeto; outras, geradas pelo “balde de água fria” também recebido na
busca de apoio técnico de pessoal especializado. A situação teve de ser habilmente
contornada, com grande esforço do professor e do grupo, que precisou gerenciar
não poucos conflitos internos para avançar no desenvolvimento do projeto. Essas
tensões e superações, em vez de resultar em desistência, levaram o grupo a um
período posterior de admirável esforço e realização. Potencializaram o aprendizado
e a aplicação de conceitos e técnicas e a busca do auxílio necessário à execução da
montagem, entre os colegas de curso e em outros âmbitos, através do LACTEA.

Por fim, o projeto teve significativos resultados, nos aspectos material e humanístico.
O grupo apresentou publicamente protótipo totalmente operacional de sua Harpa
Laser, que causou grande admiração e vem sendo utilizado na divulgação dos
trabalhos e da proposta do LACTEA, tanto nas reuniões de recepção dos novos
calouros quanto em veículos de imprensa escrita e televisionada.16 Além disso,
ocorreram profundas reflexões e mudanças de atitude geradas pela participação dos

16
Por exemplo, em três ocasiões recentes, neste ano: i) reunião geral, realizada 16/05, com os
calouros de Engenharia Industrial ingressos no CEFET-MG no 1º semestre; ii) entrevista, feita em
06/06, pela Assessoria de Comunicação Social do CEFET-MG, com os docentes responsáveis pelo
LACTEA, para publicação de matéria em boletim informativo da instituição e iii) programa
Caleidoscópio, de 19/06/2002, da TV Horizonte, canal local de Belo Horizonte (cabo/UHF).
23

alunos no projeto. Disso dão evidências depoimentos espontaneamente prestados,


na apresentação do trabalho, e uma entrevista posteriormente concedida.17

Outra evidência do significado do projeto para os alunos é a ligação afetiva com o


LACTEA, demonstrada, por muitos, no crescente retorno ao laboratório, em busca
de espaço e orientação para projetos pessoais ou para oferecimento de colaboração
em atividades ligadas a projetos de colegas. Há dois bons exemplos recentes: um
aluno que prestara intensa colaboração ao grupo do projeto Harpa Laser acabou
tornando-se bolsista do laboratório, no período letivo seguinte. Outro aluno, após
desenvolver projeto no 2º semestre de 2001, com expressivo êxito, passou a
freqüentar espontaneamente o laboratório, para desenvolver idéias próprias e
oferecer colaboração voluntária a colegas. Mesmo ainda nos primeiros períodos do
curso, esse aluno foi selecionado para o Programa de Iniciação Científica, em
projeto que obteve muito boa classificação.

Essa crescente colaboração entre alunos e outros aspectos relatados das atividades
do LAF e do LACTEA sinalizaram um valioso tema de investigação, ligado à
compreensão do significado e do papel dos projetos na educação em Ciência &
Tecnologia. Tínhamos, além disso, a possibilidade de explorar um fecundo campo
de estudo: uma das várias “gerações” semestrais de projetos do LAF.

Optamos por investigar, especificamente, o processo de desenvolvimento de


projetos ocorrido no 2º semestre letivo de 2001, realizando um estudo de caso.
Questionários, entrevistas e instrumentos e técnicas complementares ajudaram a
reunir, à nossa percepção da experiência, a dos estudantes, que dão mostras de
envolvimento tão profundo. Essa busca de abordagem compreensiva, num sentido
típico das ciências humanas, tornou-se marca da investigação subseqüente.

Retomando nossa pretensa metáfora carrolliana, apenas bosquejada no início da


seção, julgamos que a contextualização apresentada até aqui mostra, de modo
satisfatório, a consistência da opção pelo caminho que decidimos tomar. Ficamos,
assim, menos inquietos que Alice, ao percebermos que a análise reflexiva pode
tornar-se bom substituto para os caprichos de um gato imaginativo e imaginário.

17
Fita VHS disponível, através do LACTEA, para consulta no local.
24

1.2 Complexidade como referencial teórico

Desde o projeto MAG e as ocorrências interpretadas como choque entre visões de


projeto, percebemos que o LAF levara-nos a uma problemática maior, situada além
da mera discussão sobre procedimentos de sala de aula ou laboratório de ensino.
Isso ponto pode ser melhor apreciado com o auxílio da articulação entre os
conceitos de concepção, pedagogia e didática proposta, na tese de doutoramento,
por MOURA (1993, p.98-99). Dessa perspectiva, a didática reflete as preocupações
operacionais de uma abordagem lastreada e inspirada numa proposta pedagógica
(pedagogia) que tem raízes, por sua vez, numa cosmovisão, ou concepção.

Essa articulação de conceitos facilita a reflexão sobre que a solução para algumas
questões percebidas na prática do educador deve buscar-se além do campo de
discussão da didática, dedicado a problemas como escolha de métodos e
procedimentos. Algumas respostas serão encontradas apenas na reflexão, de
natureza pedagógica, sobre diretrizes mais gerais para o processo educativo, como
as que estabelecem a que ponto deve ir a liberdade de o estudante buscar o próprio
caminho de aprendizagem e a partir de onde, e com que grau de estreiteza, ele deve
seguir caminhos prescritos por quem, supostamente, já “conhece o terreno”.

Algumas questões suscitadas pela experiência do Projeto LAF alcançam não


apenas perguntas sobre o que fazer e como fazer, mas chegam a outras, de maior
profundidade, relativas a por que fazer e por que não fazer de um ou de outro modo.
Percebemos, com isso, a necessidade de recorrer, no mínimo, a referências
relacionadas à reflexão sobre pedagogia de projetos, para compreender, de modo
consistente, ocorrências instigantes propiciadas pela atividade.

No entanto, na medida em que a busca de referências avançou em seu curso,


tornou-se clara a necessidade de recorrer, também, a referencial teórico que permita
considerar aspectos da experiência que assumem importância cada vez mais
central. Por exemplo, aspectos como risco, diversidade, incerteza, aposta, tentativa,
ousadia, surpresa, diálogo e negociação, entre outros, tornaram-se tão
proeminentes, ao aprofundarmos a reflexão sobre a história do LAF, que já não seria
adequada uma análise em que continuassem relegados à “colateralidade” com que
são tratados nas abordagens convencionais, mesmo das questões pedagógicas.
25

Essa “colateralidade” é herança da tradição cartesiano-mecanicista, cuja análise


tipicamente linear tem grande influência no mundo ocidental, particularmente na
cultura escolar. Com essa análise, buscam-se soluções ideais “fechadas”, partindo
de aproximações demasiado limitadas do que se supõe ser a “realidade”. Não
raramente, as idealizações acabam confundidas com a “realidade”, num processo
em que se perde a noção de que algo de essencial foi deixado para trás. Na
modelagem matemática de uma situação física, por exemplo, isso corresponde, em
geral, a aspectos supostamente desprezíveis, como os “efeitos de segunda ordem”,
cuja desconsideração é abordagem típica na visão de mundo cartesiano-
mecanicista. O êxito desta na representação do mundo físico amealhou crescente
prestígio e levou seus métodos a ampla aceitação, nas mais diversas áreas.

Particularmente no século 20, ocorreu um processo de “cientifização” de áreas como


a gerência do trabalho e a organização escolar. Isso colaborou para o
estabelecimento de uma situação atual em que, nas áreas técnicas e tecnológicas, e
especialmente na engenharia, o ensino dá-se segundo um conjunto de pressupostos
que Walter Antonio BAZZO e colaboradores (2000) assim descrevem:

“(...) ciência, técnica e tecnologia são neutras, isto é, são isentas de valorações
humanas; o conhecimento técnico posterior é fruto do progresso humano e, por isso, é
sempre melhor que o anterior que, assim, deve ser descartado; o conhecimento técnico
do professor é superior ao dominado pelo aluno; o conhecimento do aluno, quando ele o
possui, é inadequado e dever ser esquecido ou expurgado para que o novo
conhecimento, melhor, seja introduzido; o conhecimento é cumulativo e, assim, pode ser
armazenado por meio de técnicas de memorização; conhecimento por ser cumulativo,
pode ser considerado como sinônimo de informação; o método preferencial é o de
repasse de informação autorizada (e estruturada) pelo professor ativo ao aluno passivo,
neutro; o aluno deve reproduzir o que lhe foi repassado, sendo avaliado em função da
precisão e da qualidade da sua reprodução; a avaliação da aprendizagem é realizada
por quantificação.” (p. 125-126)

Tais pressupostos guardam direta relação com a cosmovisão cartesiano-


mecanicista. Sua análise ressalta quanto de humano perde-se, na educação, com a
adoção de abordagens pedagógicas conformadas a essa lógica (CUNHA, 1999). O
reducionismo formidável gerado por ela relega à condição de efeitos “colaterais”
desprezíveis aspectos ligados às trajetórias pessoais de alunos e professores.
Parece-nos particularmente preocupante o espectro de uma escola transformada em
linha-de-montagem, submersa na pesada burocracia de currículos demasiado
estritos, planos de ensino supostamente precisos, sistemas pretensamente exatos
de pré-requisitos lógicos, livros-texto mecanisticamente divididos em capítulos e
seções. In extremis, professores e alunos reduzidos a peças de reposição.
26

As greves na Ford Motor Company devem servir de alerta simbólico sobre os riscos
dos sistemas voltados para a busca enganosa de eficiência. Mais ainda quando se
trata do sistema educacional, que, devendo trabalhar pela progressiva valorização
do elemento humano, relega-o à surreal condição de “efeito colateral”.

Parece-nos que, em decorrência de uma expectativa cultural de certeza e eficiência,


o sistema de educação formal vem sendo tratado, em muitos aspectos, de modo
“linear” demais. Isso leva a desprezar aspectos cuja valorização, em contextos como
o do LAF, gera surpresas positivas e experiências pedagogicamente significativas.
Se a “pista” estava certa, seria frutífero o recurso a abordagens mais compatíveis
com as “não-linearidades” presentes no complexo mundo da escola.

No livro Instrumental para o pensamento, uma abordagem de problemas baseada


em exploração não-matemática de idéias ligadas aos sistemas complexos, C.H.
WADDINGTON (1979) parece traduzir essa percepção:

“(...) Se as coisas pioram de repente, umas poucas vezes, podemos dizer, um tanto
paradoxalmente, que isso era de se esperar; mas hoje as coisas vão mal tantas vezes
em tantos contextos diferentes, que muita gente começa a sentir que o seu próprio modo
de pensar sobre o funcionamento do mundo é que deve estar errado. (...).” (p.11)

No artigo “Libertar o conteúdo”, MOURA (1995c), de modo compatível com a citada


articulação entre concepção, pedagogia e didática, propunha já a reflexão sobre os
currículos das disciplinas científicas como paradigmas em crise, no sentido
kuhniano. Esse paralelo, utilizado para sugerir uma posição ativa do educador, na
abertura para um universo mais rico de possibilidades, também inspirou-nos a
buscar, no universo da reflexão sobre os sistemas complexos, elementos de apoio
para uma abordagem mais consistente do tema de investigação. Conquanto
MOURA reforce a sinalização, já apresentada na dissertação de mestrado (MOURA,
1985), das possibilidades do movimento CTS (Ciência-Tecnologia-Sociedade) na
abordagem da educação científico-tecnológica – como também o fazem Bazzo e
colaboradores (BAZZO et alii, 2000) – a abertura para essas possibilidades parece-
nos compatível com a busca de ampliação de concepção que buscamos.

Delineamos, no artigo “A caminho de uma concepção ecológica de educação em


Ciência & Tecnologia” (HIGINO, 2000), um primeiro esboço da visão que
começávamos a construir. Como será percebido, confirmou-se, e mesmo superou-
se, a percepção de que a busca de elementos ligados à ciência da complexidade
levaria a uma verdadeira ampliação de concepção, possibilitando a sinalização de
27

uma nova visão pedagógica, e não apenas a confirmação de uma proposta


pedagógica já existente, ou a mera justificativa de uma abordagem didática.

Em termos metafóricos, é possível dizer, voltando a Carroll, que essa busca de


caminhos permitiu explorar parte do “país das maravilhas” cujas fronteiras foram
abertas pela Ciência da Complexidade. Mas a jornada envolve belezas e riscos, que
é preciso aprender a dosar, de modo lúcido. À clara ampliação de perspectivas que
toda viagem traz soma-se o risco de um maravilhamento que faça esquecer que há
outros “países conceituais” sendo explorados por outros viajantes. O mais
importante, no curso da vida, é manter vivo o diálogo com esses viajantes, dele
tomando parte para que todos colham o benefício do levantamento de um mapa
mais completo do “continente” e do “mundo”. Nesse espírito, sabemos que a
concepção e a pedagogia com cuja construção pretendemos colaborar devem
formar parte do diálogo com outros trabalhos já existentes, podendo constituir mais
uma contribuição ao debate educacional, com o passar do tempo.

Essa ponderação é necessária para esclarecer outro aspecto de nossa opção


teórica. Temos consciência de que autores como Dewey, Kilpatrick, Piaget e
Vygotsky, por exemplo, são referências básicas nos debates atuais sobre a
pedagogia de projetos. Buscamos, no entanto, pontos de vista que lancem
adequadas luzes sobre aspectos do tema que parecem não receber ainda a atenção
adequada, nas abordagens embasadas no legado desses autores.

1.3 Estrutura básica da dissertação

Em vista do exposto até aqui, o desafio que nos propusemos foi o de contribuir para
um esforço de re-fundamentação, revitalização e re-valorização da pedagogia de
projetos, na educação em Ciência & Tenolcogia, buscando subsídios na ciência da
complexidade e em noções complementares, como o conceito de negociação, para
reunir elementos de resposta a questões de investigação como as seguintes:

• Quais as origens da pedagogia de projetos, como deu-se sua evolução, do ponto


de vista histórico-conceitual, e qual a sua relação, anterior e atual, com a
educação em Ciência & Tecnologia?
• Qual a diferença entre metodologia e pedagogia e em que medida a utilização de
uma multiplicidade de expressões, como “método de projetos”, “metodologia de
28

projetos”, “pedagogia de projetos” e “projetos de trabalho”, sinaliza


degenerescência conceitual e conseqüente necessidade de re-fundamentação?
• Que concepções sobre pedagogia/metodologia de projetos subjazem na prática
pedagógica atual da área de educação em Ciência & Tecnologia?
• Que critérios podem embasar uma tipologia das visões de projeto?
• Que aspectos das discussões e da prática relativas à pedagogia de projetos
indicam a necessidade de uma re-fundamentação de sua base conceitual?
• Quais as idéias básicas da ciência da complexidade e por que o recurso a ela
nessa re-fundamentação?
• Que subsídios a ciência da complexidade pode aportar a uma re-fundamentação
da base conceitual da pedagogia de projetos?
• Quais são a importância e a relevância de uma nova pedagogia de projetos (re-
fundamentada) para a área de educação em Ciência & Tecnologia?
• Em que termos sistematizar uma proposta metodológica, baseada na pedagogia
de projetos, que contribua para a melhoria da educação em Ciência &
Tecnologia, numa perspectiva de reformulação curricular?

Estabelecemos, como objetivo mais imediato, realizar um estudo de caso que


focaliza a ciência da complexidade e o conceito de negociação como fontes de
subsídios para o encaminhamento de questões levantadas através de um estudo
histórico-conceitual da pedagogia de projetos e do esforço de reflexão sobre sua
prática, no âmbito da educação em Ciência & Tecnologia. Cada capítulo da
dissertação lida mais diretamente com algumas das questões de investigação
levantadas, em seqüência que colabora para uma ampliação de concepção.

No capítulo 2, realiza-se uma compreensiva discussão, que parte de uma revisão


histórico-conceitual da evolução internacional dos projetos para, em seguida,
abordar o caso brasileiro. Com especial atenção ao esforço de retomada de
abordagens pedagógicas ligadas aos projetos, na década de 1990, tecem-se
reflexões sobre perspectivas e limites sinalizados nesse contexto. Focalizando
depois a educação em Ciência & Tecnologia, abordam-se as realidades e
potencialidades das atividades da área e apontam-se as linhas gerais de uma
possível contribuição para a re-fundamentação da pedagogia de projetos.

No capítulo 3, partindo de exemplos de estudos de caso sócio-antropológicos,


discutem-se aspectos da Ciência da Complexidade e do conceito de negociação que
29

darão base ao estudo de caso a relatar no capítulo seguinte. Levantam-se, primeiro,


os limites das abordagens mecanicistas, presentes dentro e fora da escola, e o
paradigma de investigação educacional em que se insere o presente trabalho. Em
seguida, discute-se a complexidade das interações sócio-tecnológico-educacionais
em cenários de integração em rede. Por último, apresenta-se uma discussão do
conceito de projeto que, no contexto da complexidade, fornece o quadro de
referência a utilizar na análise de dados do estudo de caso.

No capítulo 4, um estudo de caso focaliza as atividades do Projeto Laboratório


Aberto de Física, ao longo de um semestre letivo. Inicialmente, caracterizam-se o
campo de estudo e a metodologia da pesquisa de campo. Em seguida, apresentam-
se e discutem-se o planejamento específico e os resultados da pesquisa quantitativa
e da pesquisa qualitativa realizadas.

No capítulo 5, faz-se um apanhado geral das noções, idéias e discussões


desenvolvidas na dissertação, apontando as implicações globais, em termos de
significados, possibilidades imediatas e mediatas, novos problemas suscitados e
questões a abordar em trabalhos ulteriores.
30

2 PEDAGOGIA DE PROJETOS: EVOLUÇÃO HISTÓRICO-CONCEITUAL

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,


Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o Mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,


Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,


Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,


Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.

Luís Vaz de Camões (1516-1580)

Neste capítulo, realiza-se uma compreensiva discussão da pedagogia de projetos.


Na primeira seção, apresenta-se uma revisão histórico-conceitual que sinaliza,
entre outros aspectos, origens mais remotas e ligadas à área de educação
tecnológica do que é comumente registrado. Na segunda seção, aborda-se o
esforço de retomada de abordagens pedagógicas ligadas aos projetos, realizado no
Brasil da década de 1990, e tecem-se reflexões sobre perspectivas e limites
sinalizados. Na terceira seção, discute-se a relação entre pedagogia de projetos e
educação em Ciência & Tecnologia, buscando melhor definição da atividade, nesse
contexto, e apontando, finalmente, a motivação, a linha básica e o ponto de partida
para a construção de uma concepção ampliada da pedagogia de projetos.

2.1 Pedagogia de projetos: nova historiografia

Nas últimas décadas, o debate sobre formação profissional e educação em Ciência


& Tecnologia apresenta ocorre num mundo em profunda mudança. A passagem do
sistema produtivo taylorista ao pós-taylorista intensifica o reconhecimento da
necessidade de o cidadão em geral desenvolver não apenas competências técnico-
intelectuais, mas também competências organizacionais, comportamentais, sociais e
comunicativas (DELUIZ, 1996; LAUDARES, 1998). Num cenário de verdadeira
31

revolução material, de natureza científico-tecnológica, chama a atenção a intensa


demanda dessas competências humanas e sociais. Parece uma sinalização de que
o mundo pós-industrial é forçado a reconhecer, pelo bem da própria sobrevivência, a
necessidade de investir na humanização do ser humano, e não mais apenas em sua
mecanização, como antes se fez, de modo tão competente e quase exclusivo.

Essa busca de competências humanas pode servir, às vezes, a propósitos menos


louváveis, como o disfarce mais competente da submissão. Mas não há como negar
que o cenário oferece mais aos olhos. Como indicado por Neise DELUIZ (1996),

... se, por exigências da própria dinâmica do capitalismo contemporâneo, abrem-se


novos espaços para a atuação dos trabalhadores como indivíduos e atores sociais,
podemos considerar estes espaços como espaços possíveis de luta – não só na esfera
produtiva mas na esfera pública – por uma construção de unidade de interesses e para
discussão de novas estratégias de atuação solidária. (p.120)

São enormes as dificuldades impostas pelo cenário macroeconômico e geopolítico


atual, como o desemprego estrutural e outras situações que mostram traços de
perversidade. Ainda assim, este parece ser um momento histórico ímpar para
instituições que, como a escola, ostentam, entre seus objetivos, a realização de um
profundo trabalho de construção humana individual e coletiva.

No entanto, a própria escola, com uma organização submetida à lógica instrumental,


não demonstra adequado preparo para a percepção desse “espaço de luta”. Tal
preparo exige, entre outros esforços, o de superar a prevalência da lógica e dos
métodos de transmissão do conhecimento. Caminho promissor para essa superação
é a valorização da ampla rede de relações humanas e sociais que, uma reflexão
cuidadosa aponta como o cerne do complexo cotidiano escolar (DAYRELL, 1999).

Esse caminho leva à construção de um novo significado para o espaço e o tempo


escolares, convertendo-os em dimensões de uma interação aberta com o mundo
real e sua complexidade. É um caminho de ação e reflexão que se integram na
busca de condições materiais e organizacionais, de posturas e metodologias
adequadas à abertura de espaço para atuações que transcendam o pragmatismo e
a instrumentalidade, propiciando o exercício de manifestações autônomas, livres e
criativas, de alunos e professores, em todos os níveis de ensino.

Assim, se é importante discutir grandes questões conjunturais e macro-estruturais,


como a separação das formações geral e técnica, na última reforma do ensino
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médio, é também necessário identificar e valorizar, no nível micro-estrutural, as


oportunidades abertas a humana e socialmente significativas. No ensino de
engenharia, por exemplo, com organização pesadamente submetida à lógica
instrumental, é de grande importância o desenvolvimento, a investigação e a
disseminação de metodologias que abram maior espaço à construção das
competências humanas e sociais dos alunos (CUNHA, 1999).

Nessa área, como em outras, não é raro o discurso em defesa da formação de


alunos conscientes e participativos, cidadãos atuantes e reflexivos, profissionais
produtivos e socialmente responsáveis. Não se ouvem elogios conscientes à
passividade, à submissão e à alienação cuja forte presença no cotidiano escolar
gera um contraste que claramente desnuda a “distância entre intenção e gesto”.
Nossa experiência com a pedagogia de projetos levou a perceber um flagrante
aspecto desse contraste: de um lado, as ricas possibilidades de formação integral
abertas ao estudante por essa abordagem; de outro, seu pobre aproveitamento
curricular, em termos de freqüência e profundidade.

Para melhor compreensão desse contraste e do choque de visões citado no capítulo


anterior, fomos em busca de referências histórico-conceituais sobre a pedagogia de
projetos. Tínhamos em mente questões como as seguintes:

1. Quais as origens da pedagogia de projetos, como deu-se sua evolução, do ponto


de vista histórico-conceitual, e qual a sua relação, anterior e atual, com a
educação em Ciência & Tecnologia?
2. Qual a diferença entre metodologia e pedagogia e em que medida a utilização de
uma multiplicidade de expressões, como “método de projetos”, “metodologia de
projetos”, “pedagogia de projetos” e “projetos de trabalho”, sinaliza
degenerescência conceitual e conseqüente necessidade de re-fundamentação?
3. Que concepções sobre pedagogia/metodologia de projetos subjazem na prática
pedagógica atual da área de educação em Ciência & Tecnologia?
4. Que critérios podem embasar uma tipologia das visões de projeto?
5. Que aspectos das discussões e da prática relativas à pedagogia de projetos
indicam a necessidade de uma re-fundamentação de sua base conceitual?

Uma referência central foi o artigo “The project method: its vocational education
origin and international development” (KNOLL, 1997), no qual Michael Knoll, da
Universidade de Bayreuth, na Alemanha, faz extensa revisão de recentes pesquisas
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históricas e traça um amplo panorama histórico-conceitual do projeto, como método


de ensino. Por sua importância seminal, em nosso contexto, apresentamos, a seguir,
uma resenha desse artigo. Quando necessário, incluímos alguns comentários e
observações, citando explicitamente as fontes complementares de informação.

Knoll registra que o “método de projeto” experimentou notável revalorização na


década de 1970, especialmente nos Estados Unidos e nas regiões central e norte da
Europa. Observa que vários movimentos atuais de reforma e melhoria educacional,
ao tratar da implementação de programas, citam o projeto como um dos melhores e
mais adequados métodos de ensino, no âmbito da formação vocacional e industrial
e também em discussões ligadas a conceitos construtivistas, à aprendizagem pela
pesquisa, à resolução de problemas e ao design.

Neste ponto, é necessária uma observação sobre a questão terminológica. Não há


dúvida de que Knoll trata da história da mesma classe de práticas pedagógicas
abordada, em outras referências, através de expressões mais recentes, como
“metodologia de projetos”, “pedagogia de projetos” e “projetos de trabalho”. O próprio
autor esclarece que a confusão terminológica e conceitual é fenômeno internacional
particularmente acentuado na Alemanha, que gera, em função da ausência de uma
revisão histórica consistente, controvérsias entre autores americanos e alemães.

O método de projeto: origem e desenvolvimento internacional

A primeira questão que abordaremos é a origem da pedagogia de projeto e sua


relação com a educação em Ciência & Tecnologia, aspectos nos quais é possível
avançar para além de noções tidas como consensuais. Na literatura sobre o tema, a
origem é quase sempre relacionada aos trabalhos de John Dewey e William Heard
Kilpatrick, no início do século 20 (LEITE, 1996; BOMTEMPO et alii, 1997). Knoll
reconhece, por um lado, o método de projetos como genuíno produto do movimento
americano de educação progressista, pelo fato de William Heard Kilpatrick tê-lo
descrito e delimitado, pela primeira vez, de modo detalhado e definitivo, no livro The
project method, de 1918. Mas também aponta origens que remontam à Itália dos
séculos 16 e 17, com a profissionalização da ocupação de arquiteto, e um
desenvolvimento posterior ligado ao ensino de engenharia nos Estados Unidos.

Essa informação reforça a legitimidade da proposta de valorização e


aprofundamento do trabalho com projetos no ensino superior, característica da
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experiência do Laboratório Aberto de Física. Além disso, estabelece origem histórica


comum para os debates relacionados ao nosso esforço pedagógico-metodológico,
na área de Ciência & Tecnologia, e os que ocorrem no ensino fundamental da
educação brasileira, em que houve ponderáveis avanços, na última década.

A partir de extensa revisão bibliográfica, Knoll remete-nos ao século em que viveram


o papa que mudou o calendário e o maior escritor lusitano, para fazer uma
reconstrução da história do método de projetos, dividida em cinco fases:

1) 1590-1765: início do trabalho de projeto, em escolas de arquitetura na Europa.


2) 1765-1880: afirmação como método de ensino e transplante para a América.
3) 1880-1915: utilização no treinamento manual e em escolas públicas gerais.
4) 1915-1965: redefinição e transplante de volta da América para a Europa.
5) 1965-hoje: redescoberta e terceira onda de disseminação internacional.

O trabalho de projetos nas academias de arte de Roma e Paris (fase 1)

Ainda antes da primeira fase, os arquitetos italianos lutavam pela profissionalização


de sua vocação, buscando elevar-se de artesãos a artistas. Para dar fundamentos
teóricos à transformação da edificação em disciplina acadêmica, fundaram, na Roma
de 1577, a Accademia di San Luca. Esta, mesmo criada sob os auspícios do Papa
Gregório XIII, conviveu com grande falta de recursos, em seus primeiros tempos.

Valorizando tradições datadas do Renascimento, a Accademia passou a promover,


em 1596, competições complementares às aulas e oficinas, com o importante
objetivo de envolver os estudantes mais avançados em tarefas desafiadoras,
estimulando o desenvolvimento da criatividade. Apesar disso, somente a partir de
1702 foi possível uma incorporação definitiva dessa atividade ao calendário escolar.
Com tarefas, prazos, julgamento de estrutura semelhante às competições
arquitetônicas modernas, as da Accademia baseavam-se em desenhos puramente
hipotéticos. A denominação que estes recebiam, progetti, marca a aparição do termo
“projeto” no contexto educacional, apesar de ainda não caracterizá-lo propriamente
como método de ensino, já que as competições não integravam a formação, sendo,
inclusive, abertas a qualquer jovem arquiteto, mesmo não matriculado.

Fundada em Paris, em 1671, a partir do modelo italiano, a Académie Royale


d’Architecture permitiu aos arquitetos franceses importante contribuição à evolução
da idéia de projeto. Restringiram aos alunos a participação em competições de
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freqüência mensal, conjugadas ao progresso por mérito acadêmico, colocando no


foco da formação a aprendizagem por projetos. Em 1763, completava-se o
estabelecimento do projeto como método de ensino academicamente respeitado.

Ao discutir a educação tecnológica, Walter BAZZO e colaboradores (2000) situam as


mesmas academias na origem do ensino técnico, inexistente até o século 17. Essa
forma de ensino, aberta à pesquisa científica e atenta às inovações técnicas, levou à
criação das primeiras escolas de engenharia, na França do século 18, ganhando
ainda mais força nos séculos 19 e 20 (p.18-19). Estimulando a reflexão crítica, os
autores indicam as escolas francesas como referências primordiais para as práticas
pedagógicas atuais. Descrevem a organização pedagógica, regulamentar e
curricular dessas instituições, apontando um gradual aumento da burocracia escolar,
a partir da implantação das primeiras escolas de engenharia.

Na própria Academia Real de Arquitetura, o ambiente inicial de grande liberdade


estudantil e flexibilidade curricular foi modificado por dois processos: a afirmação da
abertura a novos desenvolvimentos científico-tecnológicos e a introdução, ao longo
do século 18, de regulamentos mais estritos para aulas e concursos, como controle
de presença e regras para evitar trapaças (BAZZO et alii, 2000, p.19-20).

A Escola Pontes e Estradas (École de Ponts et Chaussées), considerada a primeira


escola de engenharia (CRIVELLARI, 2000), começou como escritório de projetistas,
direcionado a atividades administrativas, que dava treinamento a trabalhadores
recrutados e, a partir de 1756, passa a adotar ensino mais formal e a dar
exclusividade a empregados-alunos. Com disciplina mais rigorosa que a Academia
Real de Arquitetura, a École chegava mesmo à vigilância de hábitos e amizades dos
alunos. Em 1775,1 juntamente com a classificação e o progresso por pontos, define
regras como a delação entre alunos, estimulando ambiente de competição nem
sempre sadia. (BAZZO et alii , 2000, p.20)

A Escola de Minas (École Nationale Supérieure de Mines) foi criada em 1778


(CRIVELLARI, 2000) e notabilizou-se pelas demonstrações experimentais e aulas
práticas. Talvez não passasse de um misto de laboratório experimental e museu de
minérios e máquinas, mas suas atividades possibilitaram a construção de discursos
teorizados sobre a natureza, de caráter descritivo e, às vezes, explicativo. A adoção
do linguajar científico permitiu desenvolver e cultivar erudição no trabalho técnico,
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ajudando a valorizar a atividade produtiva e a distinguir o ensino ali ministrado tanto


do ensino clássico, marcado por oratória e retórica, quanto do treinamento prático
nas artes da fabricação. (BAZZO et alii, 2000, p.20-21)

Essas referências estabelecem ligação de origem entre a história dos projetos e a do


ensino técnico, campo no qual floresceu o ensino de engenharia, aparentemente
marcado, desde o início, por dilemas relativos ao balanceamento entre teoria e
prática, liberdade e controle, formação e treinamento, entre outros.

O projeto nas universidades técnicas da Europa e da América (fase 2)

A história do ensino engenharia é também abordada por KNOLL. Registra-se o


definitivo estabelecimento da profissão, no final do século 18, e a incorporação por
importantes faculdades e universidades técnicas e industriais fundadas ao longo do
século 19, na Europa e na América. Citam-se a École Centrale des Arts et
Manufactures, de Paris (1829), a Escola Politécnica Ducal, de Karlsruhe (1833), o
Instituto Federal Suíço de Tecnologia, de Zurique (1854) e o Massachussetts
Institute of Technology, de Boston (1864). A aprendizagem por projetos foi, com isso,
transplantada da Arquitetura para o ensino de Engenharia e da Europa para a
América, com grande influência na forma de utilização e nas justificativas teóricas.

Por volta de 1870, Stillman H. Robinson, professor de Engenharia Mecânica da


Universidade de Illinois, defendia uma formação do engenheiro que aliasse teoria e
prática, permitindo ir do projeto à construção e englobando o “ato completo da
criação”. Sua visão da necessidade de formar engenheiros com sólidas habilidades
prático-manuais e capacidade de exercício democrático da cidadania chocava-se, no
entanto, com a visão do engenheiro científico valorizada em outros centros, como
Paris, Karlsruhe e Boston, fato que colocou Robinson em situação de isolamento.

Aprendizado por projetos: treinamento manual e artes industriais (fase 3)

A formação defendida por Robinson apresentava o problema de tomar muito tempo


ao estudo e à pesquisa. John D. Runkle, do MIT, e Calvin M. Woodward, da
Universidade de Washington, propuseram, como solução, deslocar o treinamento em
habilidades manuais para o nível secundário, utilizando o chamado sistema russo,
que conheceram numa mostra, em Filadélfia. Com base na idéia, Woodward fundou,

1
O ano de 1775 é o registrado por CRIVELLARI (2000) como o da criação dessa escola.
37

em 1879, em Saint Louis, a primeira Escola de Treinamento Manual, onde os alunos


trabalhavam em oficinas de carpintaria, tornearia, forja, fundição e maquinaria.
Primeiro, realizavam uma série de exercícios básicos de “alfabetização” em
ferramentas e técnicas. Depois, ao fim de cada unidade de ensino e ano escolar,
exercitavam-se, de modo contextualizado, desenvolvendo projetos independentes.
Estes, por levar dos princípios elementares às aplicações práticas, eram
considerados, por Woodward, “exercícios sintéticos”. Tinham por objetivo completar
os ciclos de formação, resumidos por ele no lema “da instrução à construção” e
que culminavam, ao final do terceiro ano, num projeto de graduação.

Graças aos infatigáveis esforços de Woodward, tal modelo de treinamento manual


ganhou apoio e credibilidade, em todo o país, e acabou estendido a toda a escola
secundária – inclusive alunas – e à educação básica, na década de 1890. Isso gerou
um movimento reformista de pesada oposição à concepção do treinamento baseado
nas exigências do trabalho e do estudo. Defendia-se o treinamento baseado nos
interesses e na experiência da criança, com igual valorização de criatividade e
habilidades técnicas e organizado em seqüência que fosse da psicologia da criança
à lógica da matéria. O principal expoente do movimento foi John Dewey, importante
filósofo e maior representante do pragmatismo na educação americana.

Charles R. Richards, professor de Treinamento Manual do Teachers College da


Columbia University, Nova Iorque, adotou o princípio das “ocupações construtivas”,
de Dewey. Richards defendia a construção como ponto de partida, e não como
objetivo final do que chamava “artes industriais”. Para ele, os alunos deviam
trabalhar com “todos naturais” antes de lidar com partes artificiais, desenvolvendo
primeiro um entendimento global das tarefas e identificando-se com o próprio
trabalho, para depois lidar com o reconhecimento, a identificação e a solução de
problemas específicos. Defensor da importância da motivação e do significado do
projeto no contexto da vida, Richards contrapôs-se ao mero arranjo das atividades
por níveis de dificuldade e criou o conceito de aprendizagem natural e social, que
traduzia a visão de integrar a “instrução” ao trabalho de “construção”.

A “psicologização” do método de projeto por Kilpatrick

Por volta de 1910, Rufus W. Stimson, da Comissão de Educação de Massachusetts,


iniciou campanha de popularização do home project plan, através do qual a idéia de
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projeto tornou-se familiar, no campo da agricultura, a milhares de professores e


alunos. Tamanha popularidade entre os professores americanos, levou o projeto a
ser visto como o método da educação progressista. Atenderia às exigências de uma
nova psicologia educacional segundo a qual as crianças, ao invés de passivamente
entupidas de conhecimentos, deviam ser envolvidas em situações de aprendizagem
aplicada, a fim de desenvolver iniciativa, criatividade e capacidade de julgamento.

Uma utilização mais ampla do termo “projeto” exigia prévia redefinição. A tarefa foi
empreendida por William Heard Kilpatrick, filósofo da educação e colega de Richards
e Dewey no Teachers College da Columbia University. No livro The Project Method,
de 1918, Kilpatrick apóia o conceito de projeto na teoria da experiência de Dewey,
defendendo que as crianças adquiram experiência e conhecimento pela resolução
de problemas práticos, em situações sociais. Mas Kilpatrick recebeu ainda mais
influência da psicologia da aprendizagem de Edward L. Thorndike, com “leis da
aprendizagem” que atribuem maior chance de repetição a uma ação baseada numa
inclinação que busca satisfação do que a uma ação importuna realizada sob coação.

Para Kilpatrick, a psicologia da criança é o elemento central de uma aprendizagem


cujo êxito cresce na medida em que a liberdade para realizar as intenções do aluno
gera motivação. Tomando esta como elemento-chave do método de projeto,
Kilpatrick propôs o conceito de projeto como ato intencional sincero2 do estudante.
Classificava como projeto qualquer atividade desse tipo e opunha seu conceito à
noção de tarefa, vista como simples trabalho insosso. Não vinculava o projeto a
matérias ou áreas específicas, como treinamento manual ou ocupações construtivas.
Além disso, dividia-o em quatro fases – intenção, preparação, execução, apreciação
– que, realizadas completamente pelos alunos, permitiriam exercitar virtudes ligadas
à liberdade de ação e essenciais à manutenção e o desenvolvimento da democracia.

Houve várias dificuldades em função da exagerada abertura desse conceito amplo


de projeto, que nem mesmo a ação direta do aluno exigia. Por exemplo, na
apresentação de uma peça de teatro por alunos, também os da platéia, desde que
se envolvessem “sinceramente”, eram considerados executantes do projeto. Outro
aspecto é ilustrado pela história do “projeto tifóide”, relatado em 1923, por Ellsworth
Collings, doutorando orientado por Kilpatrick: numa intervenção realizada por
crianças, de forma espontânea e não dirigida, um processo iniciado com a
39

descoberta da infecção entre colegas de classe teria produzido surpreendentes


resultados preventivos em toda a comunidade. Knoll aponta, no comovente relato,
transformado em referência para meio século de esforços de educadores do mundo
inteiro, sérios indícios de falseamento. Vários aspectos, como a não-diretividade da
ação supostamente notória dos alunos, não são confirmados por uma análise
cuidadosa de artigos e ensaios publicados, na época, pelo próprio Collings.

A crítica de Dewey e o retorno ao conceito tradicional (fase 4)

O conceito de Kilpatrick atraiu bastante atenção, levando muitos professores, no


início dos anos 1920, a aceitar uma visão mais ampla da utilização dos projetos. Mas
também atraiu resistências de educadores conservadores e progressistas. O próprio
John Dewey, professor e amigo de Kilpatrick, centrou sua crítica em dois aspectos:
primeiro, não aceitava o projeto como empreendimento apenas do aluno,
ressaltando a importância da iniciativa conjunta de professor e alunos. Segundo, não
admitia a idéia vaga de atividade intencional, valorizando o planejamento, para uma
consecução não meramente espontaneísta da intenção, e atribuindo significativo
papel ao professor, no adequado direcionamento das ações dos alunos.

Dewey via o pensamento científico e o método da experiência educativa como bases


de todos os métodos de ensino, sendo a particularidade do método de projetos a
exigência da solução de um problema como fonte de desafio e desenvolvimento de
habilidades construtivas. Para ele, uma responsabilidade central do professor diz
respeito ao balanceamento dos limites e desafios. É preciso auxiliar os alunos em
dois aspectos: por um lado, a evitar que a pretensão de assumir projetos demasiado
complexos leve-os, além de a fracos resultados ocasionais, a padrões medíocres de
atuação; por outro lado, a desenvolver uma adequada auto-percepção e a sentir-se
estimulados para a realização de atividades que ampliem seu potencial.

Com essa visão fortemente distinta da de Kilpatrick, Dewey juntava-se clamor pelo
retorno ao conceito tradicional de atividade construtiva e enfatizava ser o projeto
apenas um entre muitos métodos de ensino, e não a única saída para a confusão
educacional reinante, como julgava Kilpatrick. O movimento crítico teve grande efeito
negativo na popularidade do método e gerou progressivo arrefecimento no uso do
conceito amplo, no início da década de 1930. O próprio Kilpatrick terminou fazendo

2
A expressão original, “hearty porposeful act”, talvez seja melhor traduzida por “ato proposital
40

profunda autocrítica e admitindo o engano de associar, em seu livro, a noção


provocativa e ambígua de “ato intencional” à abordagem tradicional de projeto.

Vingou, enfim, nos Estados Unidos, o projeto como trabalho construtivo responsável,
na linha construtivo-competitiva dos séculos 17 e 18. Isso confirmou, mais uma vez,
a força do conceito, que já sobrevivera à prova do tempo e continua ainda a fazê-lo.
Prossegue até hoje a tradição da high school americana, principalmente nas áreas
de ciências, agricultura, educação tecnológica e artes industriais: estudantes
apresentam projetos, estes são julgados e recebem prêmios e certificados.

Transplante da idéia de projeto de volta à Europa

No início do século 20, os Estados Unidos já eram potência mundial e exercem forte
influência, em campos como política, comércio e educação. A exportação de idéias
educacionais inovadoras e progressistas gerou discussões e publicações sobre o
método de projeto em países como Canadá, Argentina, Inglaterra, Alemanha, Índia,
Austrália e Rússia. O conceito amplo acabou tendo maior destaque e sendo
divulgado, equivocadamente, como de autoria conjunta de Dewey e Kilpatrick.

A Rússia foi o centro desses debates, em função do grande esforço feito, desde a
revolução de 1917, para desenvolver alternativas progressistas aos métodos
burgueses e capitalistas de ensino com livros e aulas. O início da década de 1920
marcou a apresentação do trabalho com projetos aos educadores do país, liderada
por Nadezhda Krupskaya, esposa e colega de partido de Lênin. Perto de 1930,
Victor Sulgin, chefe do Instituto de Pesquisa Educacional de Moscou, colocou o
metod proektov como destaque de um movimento de reforma escolar, declarando-o
o único método verdadeiramente marxista e democrático, ideal para o ensino no
estado proletário. Ao combinar noções teóricas com uma prática revolucionária, uma
seqüência contínua de projetos poderia acelerar a transição do capitalismo para o
comunismo, possibilitando aos alunos, através do trabalho produtivo, o aprendizado
com que fariam avançar o desenvolvimento político e econômico da União Soviética.

Seguiu-se um período de grande esforço de disseminação dessa visão, através do


estímulo ao trabalho estudantil nas fábricas, da realização de amplas conferências
nacionais de projetos e da aprovação de um currículo nacional de projetos. Mas o
Comitê Central do Partido Comunista baixou resolução, em 1931, impondo parada à

sincero”, mas o termo “intencional” parece já consagrado na literatura publicada no Brasil.


41

“insanidade” do movimento, considerado prejudicial à educação no país. O projeto


seria inadequado ao ensino dos conhecimentos e habilidades necessários ao
aumento da produção industrial e ao fortalecimento da consciência comunista. Essa
reação, se conseguiu evitar o risco de possível comprometimento dos avanços já
alcançados pelo sistema educacional, também levou ao abandono das discussões
sobre método de projetos e outras idéias da educação progressista, tanto na URSS
quanto, após a Segunda Guerra Mundial, nos países comunistas da Europa Oriental.

Renascimento do método de projeto na década de 1960 (fase 5)

Finda a ditadura de Hitler, com a reconstrução da Europa ocidental e a reemergência


de idéias do entre-guerras, retomaram-se os métodos de educação progressista nas
discussões histórico-conceituais sobre reforma escolar. No fim dos anos 1960, a
onda de protestos de estudantes contra o imperialismo, o capitalismo e o
autoritarismo levou a uma rebelião contra as estruturas repressivo-dominadoras
supostamente personificadas pela administração escolar. O projeto emergiu como
alternativa aos formatos convencionais de aula e seminário, sendo visto como forma
de aprendizado pela pesquisa e apoiado em razão de características como
relevância prática, interdisciplinaridade e suporte social. A idéia de projeto passou,
então, a uma terceira grande onda de discussão e divulgação, sendo rapidamente
levada da universidade para toda a escola e da Europa para o restante do mundo.

A transformação da Alemanha no foco dessa terceira onda de divulgação do projeto


decorreu da rejeição, nas décadas de 1960 e 1970, das propostas de inovação de
seus reformadores educacionais, colocados, já no período entre-guerras, sob a
suspeita de terem ajudado a preparar o terreno para o nazismo e o fascismo. A
busca subseqüente de mecanismos de transformação libertária e democrática para
escola e sociedade levou à aceitação dos conceitos do movimento americano de
educação progressista, principalmente o método de projetos, na versão ampla de
Dewey e Kilpatrick. Mas a apropriação de tais conceitos foi fragmentária: uma
adoção mesclada da fórmula “educação para a democracia”, de Dewey, e do slogan
“ação intencional sincera”, de Kilpatrick. Era classificada como projeto qualquer ação
baseada na autodeterminação e na satisfação das próprias necessidades.

Dificuldades práticas para desenvolver conhecimentos e habilidades sistemáticos


através dos projetos forçaram os novos reformadores a abordagem mais flexível:
42

uma forma reduzida de ensino com projetos, nos dias escolares comuns, e uma
forma ideal dessa atividade, em épocas especiais, como vésperas de feriados ou
das férias. Nesses dias ou semanas especiais de projetos, suspendia-se o currículo
normal e o “monopólio de planejamento” do professor, criando um contexto às vezes
tão aberto que admitia, como projeto, virtualmente qualquer idéia dos alunos: da
fabricação de cidra a uma manifestação pela paz. Essa euforia dos projetos logo
passou, dando lugar, desde os anos 1980, à busca de solução para a acentuada
disparidade entre o trabalho com projeto e métodos de ensino mais convencionais.

Observações finais

Em vista desse panorama histórico-conceitual, deve-se modificar a historiografia


tradicional do projeto, em três aspectos principais. Primeiro, o projeto é um conceito
originário dos séculos 17 e 18 e pertencente à mesma categoria que o “experimento”
do cientista, o “estudo de caso” do jurista e o “exercício de caixa-de-areia” do oficial
militar: método característico da profissionalização de uma ocupação. Mas possui
natureza própria: não é estudo empírico, estratégico ou hermenêutico, e sim
atividade construtiva. Sua introdução no currículo visou a permitir que os estudantes
aprendam a trabalhar de modo independente e a combinar a teoria com a prática.

Em segundo lugar, os modelos básicos do método de projeto ainda adotados foram


desenvolvidos no século 19, com Woodward e Richards. O mais antigo baseia-se no
lema “da instrução à construção”: o estudante primeiro adquire, na fase de instrução,
conhecimentos e habilidades que aplicará, depois, de modo independente e criativo,
num projeto prático. O mais recente baseia-se no conceito de “aprendizagem natural
e social”: o projeto é deslocado do final da unidade para o centro do ensino,
integrando-se nele a fase de instrução, de acordo com os fundamentos de uma nova
psicologia – os “todos naturais” como objeto da aprendizagem propiciam o
desenvolvimento de interesses e introspecções significativos.

Em terceiro lugar, um movimento de educadores progressistas americanos (inclusive


Kilpatrick), no início do século 20, tentou substituir i) a definição tradicional de
projeto, mais estrita, por uma nova, mais ampla e ii) a idéia de atividade construtiva
pela de ação intencional, como característica fundamental do método de projeto.
Essa nova definição não obteve ascendência nos Estados Unidos, mas foi aceita,
em outros países, como inovadora e verdadeiramente democrática. Tal fato gerou
43

resultado paradoxal: na Europa, predomina hoje o modelo americano amplo; nos


Estados Unidos, possui maior destaque o modelo estrito “europeu”.

Na visão de Knoll, a história do método de projeto deixa claro que o movimento da


educação progressista, na virada dos séculos 19 para 20, representou apenas um –
e nem mesmo o mais importante – dos movimentos internacionais de reforma dos
tempos modernos. Não faz sentido a visão de que o século 19 foi a “pré-história” e o
século 20, a “pós-história” do projeto. É mais correto considerar a educação
progressista parte de um desenvolvimento contínuo, ainda que diferenciado, que
brota de um cenário de demandas sócio-educacionais e estende-se do século 17 até
o presente. Apenas essa ampla perspectiva histórica permite percepção adequada
da educação profissional e vocacional como fonte fecunda de práticas progressistas.

A história do método de projeto também ilustra quão necessário é inserir o


pensamento corrente sobre reforma educacional num contexto histórico, para evitar
que as reformas apenas se movam de iniciativa em iniciativa, sem entendimento
claro de por que se dissipam e morrem, com resultados decepcionantes. No caso
dos projetos, exemplifica Knoll, um método de ensino específico e indispensável foi
transformado, por Kilpatrick e seguidores, em vaga e genérica filosofia da educação.

2.2 Brasil e projetos: retomada, perspectivas, limites

Nesta seção, discutimos aspectos da história dos projetos na educação brasileira,


reunindo subsídios para uma melhor compreensão dos esforços em prol dessa linha
pedagógica. Com especial atenção à sinalizações decorrentes da década de 1990 e
às relações entre esse processo histórico e a evolução internacional dos projetos,
buscamos respostas para as questões levantadas no início do capítulo.

No Brasil, a história da hoje chamada pedagogia de projetos começa na década de


1930. Anísio Teixeira e Lourenço Filho foram os principais responsáveis pela
introdução e disseminação das propostas pedagógicas de John Dewey e William
Heard Kilpatrick, representantes americanos do movimento internacional da Escola
Nova. Recentemente, o movimento foi re-interpretado, criando-se um contexto em
que o método de projetos é visto de modo mais amplo, como postura pedagógica
relacionada a uma profunda reflexão sobre o mundo da escola (AMARAL, 2000). A
re-interpretação teve maior intensidade na década de 1990, como indica o capítulo
44

“Projetos de trabalho“ de um dos Cadernos da TV Escola, que assim inicia a


discussão da questão “técnica de ensino ou postura pedagógica?”:

Os estudos atuais feitos pelos educadores indicam que o modelo clássico de escola,
com tempos rígidos atribuídos a cada disciplina, parece não mais dar conta da
complexidade do mundo moderno. Essa constatação demonstrou a necessidade de
mudar a escola, de aproximá-la mais da sociedade e de envolver mais os alunos no
processo de aprendizagem.
É nessa perspectiva que, nos anos 90, o trabalho com projetos, voltado para uma visão
mais global do processo educativo, ganhou força no Brasil e no mundo. Não se trata de
uma técnica atraente para transmitir aos alunos o conteúdo das matérias. Significa de
fato uma mudança de postura, uma forma de repensar a prática pedagógica e as teorias
que lhe dão sustentação. (MEC/SEED, 1998)

O trabalho de re-interpretação parece ter começado na passagem das décadas de


1980 para 1990, prevalecendo, antes disso, visão bem mais modesta dos projetos,
fortemente ligada às idéias de Kilpatrick descritas por KNOLL (1997). Há indícios
disso na apostila “O método de projetos“ (LEANDRO, 1981), utilizada na disciplina
“Projeto de graduação” de um Instituto de Tecnologia de importante cidade mineira.
O material foi preparado com base em referência homônima, do Setor de Didática do
Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino (DMTE) da Faculdade de
Educação (FaE) da UFMG. Nele, destaca-se a transcrição, ao lado de referências a
Dewey, Kilpatrick e a uma aprendizagem ativa e interessante, desta curiosa
“definição” de projeto, atribuída a relatório do CECIMIG3, de 1968:

Diríamos que “projetos” são atividades que redundam na produção, pelos alunos de um
relatório final que sintetize dados originais (práticos ou teóricos), colhidos por eles, no
decurso de experiências, inquéritos ou entrevistas com especialistas. O projeto deve
visar à solução de um problema que serve de título ao projeto. (LEANDRO, 1981)

A “definição” soa vaga, formalista e confusa. Nada especifica sobre a natureza das
atividades aludidas e sugere preocupação maior com a produção de relatórios do
que com os processos vividos pelos alunos, parecendo menos apropriada a um
método de ensino baseado em motivação do que ao plano de atividades de um
trabalho de natureza “científica”. Possivelmente, o trecho foi agregado por iniciativa
do próprio professor, o que é sugerido pela referência ao CECIMIG como fonte
complementar. Mas a natureza avessa a formalismos do método de projetos indica
um mal-entendido conceitual que, se bem pode ser particular dessa situação, faz
vislumbrar o tipo de dificuldade a que estava sujeita, por influências cientificistas e
tecnicistas, a evolução recente da pedagogia de projetos no Brasil.

3
Centro de Ensino de Ciências de Minas Gerais
45

Outro aspecto significativo da apostila é a presença do célebre exemplo do projeto


tifóide, cuja divulgação, como feita por Collings, foi tão criticada por KNOLL (1997).
Logo após a descrição desse projeto, de mais de uma página, “exemplos de projetos
para estudantes de nível superior“ sugerem os temas “Qual a influência da nutrição
na aprendizagem?” e “Influência da verminose na aprendizagem”. Sugestivamente
relacionados ao do projeto tifóide, esses temas parecem ter sido abordados, pela
descrição apresentada, com um direcionamento que reforça a impressão sobre
maior preocupação com cientificidade e formalismo do que com motivação pessoal.
Ademais, a forte preocupação com o “programa do ano” leva à seguinte indicação:

O método deve ser considerado mais como uma ajuda, uma técnica complementar,
destinada a dar vida ao programa, a variar a sua apresentação no momento oportuno, a
tornar mais atraente a apresentação e a assimilação de muitas noções práticas.
(LEANDRO, 1981)

Tal recomendação reflete claramente a visão do método de projetos como técnica


menor, da qual não se haviam ainda explorado possibilidades mais amplas. Reforça
a percepção de que o processo de re-interpretação não fora ainda posto em curso.
Considerando a análise de KNOLL (1997), infere-se que, apesar de ocorridas em
período de intenso renascimento do método em terras americanas e européias –
terceira onda de disseminação internacional – as discussões sobre projetos no Brasil
da década de 1970 estavam fortemente ligadas ainda à segunda onda, do início do
século 20, influenciadas pelos conceitos do começo da história do método no Brasil.
O próprio fato de o país estar em plena ditadura militar não permite supor grande
abertura para influências libertárias ou contraculturais na escola brasileira.

Longe de apenas levantar curiosidades anedóticas, essa análise ajuda a entender


alguns aspectos das dificuldades futuras que enfrentaria o curso histórico da
pedagogia de projetos, no Brasil. Assim, parecem sintomáticos, mais do que apenas
curiosos, alguns aspectos de um artigo publicado, já no fim da década de 1990
(BOMTEMPO et alii, 1997), em Belo Horizonte. Verifica-se nele, ao lado da
referência a idéias mais recentemente debatidas – na esfera da educação pública
municipal – a apresentação, bem mais extensa, de idéias sobre projetos expressas
em trechos de espantosa semelhança de forma e conteúdo com o texto da apostila
de LEANDRO (1981). A anterioridade desta, em relação ao artigo, faz supor recurso
à mesma referência básica – não explicitamente referenciado. Desse ponto de vista,
a análise do artigo sugere, apesar do ano da publicação, uma adesão apenas
superficial ao recente movimento de re-interpretação que revalorizou os projetos.
46

Esse é um claro exemplo das dificuldades de percepção demonstradas por muitos


profissionais da educação, quanto aos rumos promissores dos debates sobre
projetos, no Brasil da década de 1990. O exemplo é ainda mais significativo quando
originado em Belo Horizonte, cidade que sediou uma das mais ousadas propostas
político-pedagógicas do cenário educacional brasileiro, nos últimos tempos: a Escola
Plural. É importante e oportuno um exame dessa iniciativa, para colher subsídios
sobre perspectivas e limites sinalizados por uma experiência que, difícil e polêmica
como seja, abriu inegáveis oportunidades de resignificar espaço, tempo e conteúdos
escolares, particularmente através de abordagens ligadas à pedagogia de projetos.

A visão do processo de aprendizagem como fenômeno global aparece já no


documento inicial da proposta. Apontando iniciativas isoladas das escolas municipais
como base para as inovações, este dá noção da dimensão pretendida no projeto:

A formação, em nossa cultura escolar, é vista apenas como uma atividade intelectual.
Isto faz com que se dê uma grande ênfase na aprendizagem de fatos, conceitos,
princípios, enfim, na teoria. Não se concebe o conhecimento enquanto ação,
considerando, como coisas opostas, o saber e o fazer, a teoria e a prática, o trabalho
intelectual e o trabalho manual, a ciência e a cultura. Isso faz com que haja uma
supervalorização dos processos cognitivos, em detrimento de outros. Muito se tem
avançado na pedagogia do discurso, da palavra, mas estamos muito distantes de uma
pedagogia da ação, da intervenção. E quando esta está presente, acha-se suficiente que
o aluno apenas conheça quais são as formas de atuar, sem se preocupar com a sua
capacidade de atuar, de intervir na prática, ou, acreditando que é preciso primeiro “saber
sobre” para depois “colocar em prática”, dissociando o processo de pensar do atuar.
Compreendendo a aprendizagem a partir de uma visão globalizante, a escola plural
inclui-se em um projeto de formação ativa, onde os processos de conhecer e intervir no
real não se encontrem dissociados. Para isso, é preciso incluir, como direito à educação,
o direito a aprender de maneira ordenada e sistemática o conjunto de formas básicas e
coletivas de agir, de enfrentar problemas, de construir a cidade, de reproduzir a
existência, de traduzir a ciência em tecnologia. O direito a saber fazer, a saber conviver.
(BELO HORIZONTE, 1994, p.29-30)

No documento, reconhece-se a necessidade de valorizar processos corporais,


manuais e socializadores até então marginalizados na rotina escolar. Dessa
perspectiva, a escolha e divulgação dos “projetos de trabalho” como um dos pilares
da proposta sinaliza o potencial da atividade para o cumprimento de objetivos
pedagógicos ligados à formação integral do estudante. Motivaram tal escolha
investigações ligadas ao ensino fundamental que, havia alguns anos, promoviam os
projetos de mera técnica de ensino a nova postura pedagógica (LEITE, 1992, 1996,
1998; BELO HORIZONTE, [1997?]). Esse movimento ecoava um esforço
47

internacional4 que – a julgar pelas datas das publicações – iniciou-se na década de


1970, filiando-se claramente à terceira onda de disseminação dos projetos.

Foram muitas as contribuições dessas investigações para a Escola Plural: o


reconhecimento da globalidade e da complexidade da aprendizagem; o respeito à
diversidade e à pluralidade; a negação da neutralidade dos conteúdos; a valorização
da resolução de problemas e da abordagem interdisciplinar. A “pedagogia de
projetos” passou a ser percebida como uma das expressões de uma concepção
integradora do conhecimento escolar, em que este é tratado como processo de
múltiplas dimensões interrelacionadas: problemas contemporâneos, interesses dos
alunos, concepções dos alunos e conhecimento disciplinar (LEITE, 1996). Além
disso, novas referências teóricas foram buscadas – como as idéias construtivistas e
sócio-interacionistas de Piaget e Vygotsky – para ajudar na problematização da
prática pedagógica. Houve também mudanças formais, aparentemente de menor
vulto, como a distinção de três fases – problematização, desenvolvimento, síntese
(LEITE, 1996) – em lugar das quatro – intenção, preparação, execução, apreciação
– definidas por Kilpatrick (KNOLL, 1997; BOMTEMPO, 1997).

Os resultados e as controvérsias fizeram parte de conversas de populares, debates


políticos e discussões acadêmicas. Em trabalho levado à 23a Reunião Anual da
ANPED,5 Ana Lúcia AMARAL discute o conflito conteúdo/forma em pedagogias
inovadoras, analisando da pedagogia de projetos na implantação da Escola Plural:

O propósito deste trabalho é discutir a dificuldade encontrada por professores


participantes da implantação de propostas pedagógicas inovadoras no que tange à falsa
concepção de dicotomia entre conteúdo e forma. Esses professores têm encontrado
dificuldades em conciliar metodologias mais ativas e globalizantes do tipo "pedagogia de
projetos" com a aprendizagem formal de conteúdos entendidos como "indispensáveis" à
completação de séries ou ciclos. Para esse fim, traremos alguns subsídios teóricos e
resultados de pesquisa realizada pelo GAME – Grupo de Avaliação e Medidas
Educacionais da UFMG, em escolas da rede municipal de Belo Horizonte, durante o ano
de 1999, quando se procurou captar "que escola plural se tornou possível após cinco
anos de implantação". (AMARAL, 2000)

Ao discutir como a Escola Plural vem lidando com os projetos de trabalho, a autora
ressalta que estes “... foram, logo de início, interpretados como a ruptura com o
conhecimento formal, com a organização curricular...” (AMARAL, 2000), num mal-
entendido que gerou preconceitos em relação a uma proposta de ressignificação
que buscava inserir tais elementos em contexto mais amplo e complexo. Configurou-

4
Ver, por exemplo, os relatos e reflexões apresentados por HERNÁNDEZ (1998).
5
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação
48

se, nas escolas da Rede Municipal, amplo espectro de reações à proposta: adesão
entusiasta, adesão parcial, total rejeição. A autora também destaca que

... a adoção da metodologia de projetos também não apresentou, à época da


implantação do Projeto, e nem apresenta, ainda, um panorama uniforme. Sua concepção
e uso variam de acordo com cada escola, cada turno, cada ciclo, cada “trio” de
professores e, até mesmo, de acordo com a cabeça de cada professor. (AMARAL, 2000)

O discurso dos professores enfatiza a metodologia e afirma a adoção dessa linha


pedagógica, mas os registros oficiais e os diários indicam apenas a realização de
“projetos” sobre temas e eventos de destaque – dengue, vacinação, violência, Copa
do Mundo – e ainda com grande preocupação conteudista. Isso sugere a filiação
com noções mais antigas e limitadas, como os “centros de interesse”, em contraste
com a amplitude das possibilidades atualmente sinalizadas para os projetos.

Diagnostica-se também, entre os professores, a persistência da adesão à falsa


dicotomia entre transmissão e construção do conhecimento e uma incompreensão
da não-exclusividade dos projetos de trabalho, como opção metodológica. Isso leva
à incapacidade de balancear adequadamente as opções, principalmente entre o 1o e
do 3o ciclos de formação. A própria formação dos professores – mais polivalente,
num; mais especializada, noutro – é um dos fatores do contraste entre a facilidade e
a dificuldade respectivamente demonstradas, para lidar com a situação.

Mas há mal-entendidos conceituais mais generalizados. Aponta-se, por exemplo, a


existência, entre os professores, de “... uma crença internalizada de que a opção
pelos conteúdos é uma traição à proposta plural”. Isso gera constrangimento – até
para falar do assunto – nos que valorizam os conteúdos e trabalham-nos de forma
disciplinar. Há também evidência de que a utilização da metodologia de projetos e a
ausência de referências curriculares são vistas como fatores de defasagem de
conteúdo e conseqüente desigualdade de condições, na disputa pelo mercado de
trabalho, entre os alunos da Escola Plural e de outras escolas. Outro aspecto é a
preocupação quanto a que a excessiva busca de contextualização leve ao
espontaneísmo, impedindo os alunos de dominar os conteúdos "universais".

Ainda mais preocupante, porém, é seguinte visão, constatada em muitos


professores: atribuir a professores e alunos poder de decisão sobre os conteúdos a
trabalhar leva boa parte dos alunos a chegar ao fim dos três ciclos de formação sem
muitos conteúdos fundamentais. AMARAL relaciona o fato à ausência de parâmetros
49

sobre as competências a perseguir, nos ciclos, com o que “... os professores


estariam sendo levados a uma ‘decision making’ particularizada.” (AMARAL, 2000)

Discutindo o cenário da pesquisa, AMARAL ressalta que é desejável eliminar a


percepção errônea dos professores que vêem-se submetidos à exclusividade dos
projetos de trabalho. Para exercer verdadeira liberdade de escolha, no entanto, é
preciso conhecer melhor os fundamentos das diversas opções metodológicas e
analisar sua adequação aos objetivos pedagógicos. Isso é especialmente necessário
nas etapas mais avançadas, pois a estruturação dos conceitos adquiridos pelo
aluno, em relação aos campos do saber, demanda maior participação do professor.
O exercício competente dessa participação exige referências teóricas adequadas,
como o conceito de “zona de desenvolvimento proximal”, de Vygotsky.

Quanto à ausência de parâmetros norteadores, AMARAL sinaliza a confusão


decorrente da busca de diretrizes inadequadas ao esquema temporal da Escola
Plural, como o Programa Oficial do Estado e os Parâmetros Curriculares Nacionais.
Aponta a falta de referências teóricas adequadas – as noções de currículo explícito,
oculto e nulo, da Nova Sociologia da Educação – como causa do encaminhamento
inadequado dado à preocupação justa do professor com a boa formação do aluno.
Mas também recomenda ao poder público estabelecer referências – um elenco de
competências básicas e uma avaliação profunda, para cada ciclo – que permitam
aos professores, ao invés de sentir-se à deriva, encontrar caminhos próprios no
atendimento às diversas demandas que lhes chegam. Finalmente, avalia que,

Desfazendo o mito do antagonismo entre projetos e transmissão de conteúdos,


contemplando o trabalho participativo e coletivo, mas também abrindo espaço para
sínteses integradoras e até mesmo a exposição (se possível, dialogada), a implantação
da proposta estaria caminhando na direção enriquecedora da associação entre uma
aprendizagem ativa e significativa e um ensino não espontaneísta, caracterizado pela
intencionalidade que define o caráter político da educação... (AMARAL, 2000)

Em nosso contexto, a Escola Plural dá base à reflexão sobre perspectivas e limites


sinalizados por uma ousada abertura de espaço à pedagogia de projetos.
Poderíamos ficar mais nas perspectivas, ilustrando, com casos bem-sucedidos, as
possibilidades abertas àqueles desejosos de realizar um trabalho pedagogicamente
significativo. Preferiremos, entretanto, discutir mais profundamente os limites, no
espírito da análise de AMARAL, registrando o necessário alerta sobre dificuldades
que devem enfrentar as iniciativas baseadas em pedagogias inovadoras.
50

Um aspecto relevante no relato de AMARAL é que a pesquisa atém-se à percepção


dos professores e sinaliza o estabelecimento, nas escolas, de um espectro de
adesão à proposta, da aceitação entusiasta à rejeição completa. Mesmo
considerando a inserção da escola numa comunidade maior, isso leva a refletir
sobre o papel central – às vezes determinante – do professor, no contexto de
iniciativas inovadoras. Também em nossa experiência com projetos no Laboratório
Aberto de Física, apresenta-se algo como o espectro de adesão. Alguns colegas,
mesmo que somente em bases intuitivas, vislumbram boas perspectivas para uma
atividade que foge a certos cânones da área tecnológica; outros manifestam – como
no caso “Máquina Anti-Gravidade” (capítulo 1) – reações prejudiciais ao moral dos
estudantes que, em algum momento, buscam neles orientação e aconselhamento.

AMARAL ressalta, em sua análise, a falta de compreensão mais profunda de bases


teóricas essenciais à apreciação adequada do trabalho que os professores realizam.
Isso leva muitos deles a transitar de preocupações justas a atitudes inconsistentes,
nas atuações relacionadas à formação do aluno. Esse aspecto ajuda a melhor
delimitar a pretensão do significado que podem assumir contribuições como a do
presente trabalho. Já resultará algo positivo se sua mensagem for mais uma a dirigir-
se aos professores para ajudar na percepção de que a compreensão da própria
ação pode estar entre os mais críticos limites da prática pedagógica.6

Entretanto, limites não sinalizam apenas barreiras, mas também marcos de


superação. Essa reflexão é particularmente significativa nestes dias em que o
mundo busca novos caminhos, em meio à incerteza e à complexidade do momento
histórico. Em sua busca, pensamos que o professor não precisa temer a
possibilidade de uma aproximação excessiva fazê-lo “par” dos alunos, se houver
suficientes elementos legítimos de diferenciação para garantir uma equilibrada
relação de alteridade/autoridade. Pedagogias inovadoras como a dos projetos
buscam superar, principalmente, o extremo do afastamento frio e objetivo que pode
levar o professor a ser tão “ímpar” entre os alunos que lhes sirva talvez muito pouco
de exemplo e referência verdadeiros, tendo de conquistar espaço através da
imposição autoritária. Nossa própria experiência tem indicado o valor de aprender,
passo a passo, os sutis movimentos que permitem, ao trilhar o caminho docente –
entre os extremos desse “par ou ímpar” – não acabar tornando-nos “párias” entre
aqueles a quem o dever de ofício impõe auxiliar, em sua também difícil caminhada.
51

Como assinala AMARAL, a busca de caminhos docentes implica esforço de reflexão


pedagógica e superação de limites e dicotomias que, em última análise, podem
mesmo mostrar-se falsas. Por exemplo, o debate entre as visões espontaneísta e
tradicionalista do conteúdo escolar, cuja superação já se havia iniciado com a
disputa entre Kilpatrick e Dewey (KNOLL, 1997), foi retomado e levado adiante pelas
discussões atuais sobre projetos. Houve também significativa superação da falsa
dicotomia entre transmissão e construção do conhecimento, resultando numa visão
que, de modo diferente da hipótese mecanicista de transmissão (capítulo 1), integra
essas possibilidades num único movimento de perpetuação do conhecimento
humano. Essa integração, como esclarecem a descrição de KNOLL e a análise de
AMARAL, foi buscada na reinterpretação de um dos modelos históricos de projeto,
que antes já inspirara Kilpatrick e Dewey: o da aprendizagem natural e social.

Parece-nos haver, no entanto, na concepção globalizante de aprendizagem


decorrente dessa reinterpretação, aspecto que demanda esforço de aprofundamento
e superação. Hoje, esse esforço pode beneficiar-se grandemente da evolução de um
recente campo de pesquisa, coetâneo da terceira onda dos projetos. É sintomática a
referência freqüente, nos textos da área, a uma complexidade, do mundo atual e do
processo de aprendizagem, que desafia a escola a buscar novos rumos. O fato
parece sinalizar, da parte dos educadores envolvidos, a percepção intuitiva – que a
uns, alenta, a outros, desanima – de um conjunto de relações e conjunturas que a
escola é hoje fortemente instada a considerar e cujas dimensões espantosamente
múltiplas nem de longe são contempladas pelos métodos tradicionais.

A percepção não é nova. O fato é ilustrado em trabalho apresentado, numa reunião


conjunta dos Grupos de Trabalho de Currículo e Didática da ANPED, por Luiz Carlos
de Freitas, da Faculdade de Educação da UNICAMP. Analisando o caso da
avaliação, FREITAS (1998) aponta a necessidade de superar o afastamento entre
essas áreas da investigação educacional brasileira. Relata os achados de um estudo
que mostra forte semelhança entre os debates ocorridos no Brasil da década de
1980, entre conteudistas e não-conteudistas, e os que tiveram lugar na Rússia das
décadas de 1920 e 1930. Ressalta que a problemática central desses debates, de

6
Para uma discussão ao mesmo tempo crítica e sensível da prática educativa, ver FREIRE (2001b).
52

implicações fundamentais para o campo da avaliação, foi, na Rússia, resolvida pela


força; no Brasil, prematuramente abandonada, “resolvida pelo esquecimento”.7

FREITAS faz uma observação sintomática sobre que a avaliação, tema nevrálgico
na educação brasileira, não teve grande destaque no debate pedagógico russo
anterior a 1930. O autor correlaciona o fato à realização, durante a década de 1920,
de trabalho pedagógico largamente baseado no método de projetos, que talvez “...
permitisse um tipo de avaliação acoplada ao próprio processo de ensino, baseada
na ação coletiva dos alunos em ambientes abertos...”. Esse trabalho ocorria dentro
de uma proposta que ultrapassa o mero estatuto de método de ensino, constituindo
concepção curricular que aborda “... a complexidade concreta dos fenômenos,
tomados da realidade e reunidos ao redor de temas ou idéias centrais
determinadas”.8 Tal proposta era referida pela expressão “complexos”.

Portanto, educadores da Rússia dos anos 20 e do Brasil dos anos 90 sinalizaram a


exploração da complexidade das situações educacionais. Desses russos, obliterados
em seus esforços educacionais pela força da miopia ideológica, separam-nos mais
do que apenas 70 anos de história. Conceitualmente, separam-nos deles toda uma
área de investigação, aberta através de esforços que incluem as primeiras pesquisas
sobre o caos, na década de 1960 (GLEICK, 1993). Essa área ganhou surpreendente
força e renovada expressão, ao longo de várias décadas, levando à chamada
Ciência da Complexidade. Assim, podemos hoje lançar mão de diversos recursos
colocados à disposição por investigadores que vêm construindo competência cada
vez maior na compreensão de muito do que antes era somente acessível aos
lampejos da intuição. No capítulo 3, iremos em busca desses recursos, após
completar, na próxima seção, a discussão básica sobre os projetos.

2.3 Educação em Ciência & Tecnologia: papel dos projetos

Discutimos nesta seção o papel dos projetos em nossa área de atuação profissional,
ligada ao ensino de Física em cursos da área tecnológica, como a Engenharia. A
experiência com a pedagogia de projetos tem levado a explorar as relações do

7
KNOLL (1997) registra, na década de 1930, o abandono, em todo o bloco soviético, do debate sobre
método de projetos e educação progressista, em decorrência de resolução do Comitê Central do
Partido Comunista. No Brasil, por sua vez, a década de 1980 marca a “abertura” política, que levou
ao fim da ditadura militar e à preparação de uma nova, que pode chamar-se “ditadura neo-liberal”.
8
Trecho transcrito por FREITAS (1998), sem referência clara à fonte.
53

ensino da Física com áreas como popularização de Ciência & Tecnologia,


investigação científico-tecnológica, inovação tecnológica e empreendedorismo. Por
isso, preferimos o termo “educação em Ciência & Tecnologia” para indicar a área
mais ampla em que nos interessa compreender o possível papel dos projetos, na
perspectiva da formação integral do cidadão-profissional e da atuação consciente e
consistente, face às demandas postas ao homem e à mulher do século 21.

A discussão será abordada através da consideração de duas iniciativas ligadas ao


CEFET-MG. Buscamos, com isso, subsídios para a apreciação do significado dos
projetos em dois campos da educação em Ciência & Tecnologia: o ensino técnico de
nível médio e o ensino de Engenharia. Propomos, para tanto, uma reflexão sobre a
história da Mostra Específica de Trabalhos e Aplicações (META) e o exame de mais
aspectos do Projeto Laboratório Aberto de Física, além do destacado no capítulo 1.

META – história e lições

Iniciada em 1978 e estendendo-se até o presente, pela superação de percalços e


dificuldades, a história da META é esclarecedora dos árduos caminhos trilhados na
organização de um grande evento. Mas o expressivo significado local e regional
deste torna sua história também simbólica dos processos vividos por uma importante
instituição de educação tecnológica – e até por essa área da educação nacional –
nas três últimas décadas. O tema é abordado, de modo profundo e compreensivo,
na dissertação9 de Eliane Cangussu Wanderley, bióloga e ex-professora de
Microbiologia do CEFET-MG que, na década de 1990, teve destacada participação
na META e nas Feiras de Ciências do Estado de Minas Gerais.

WANDERLEY (1999) constrói um referencial pedagógico para orientação e


organização de Feiras de Ciências, a partir de uma análise crítica dessa atividade no
Brasil, com foco em Minas Gerais. Discute as origens e limitações da tradicional
ênfase na ”formação do pequeno cientista”, aponta os problemas dela oriundos e, no
contexto do paradigma naturalista-construtivista, recorre a interpretações piagetianas
e vygostkyanas da psicologia da aprendizagem e do desenvolvimento. Propõe
diretrizes pedagógico-metodológicas que ajudem a superar a perspectiva cientificista
previamente verificada nas feiras e a estabelecer um modelo mais amplo, flexível e
adequado às múltiplas demandas atuais de formação científico-tecnológico-social.

9
Trabalho desenvolvido no programa de mestrado do CEFET-MG.
54

O referencial construído por WANDERLEY parece compatível com a proposta da


Escola Plural, ao recorrer à concepção sócio-interacionista da aprendizagem e incluir
o ensino de Ciências num cenário de complexidade sócio-tecnológica. É também
complementar, em alguns aspectos, ao abordar uma área mais especializada do
conhecimento e transitar entre os níveis fundamental e médio do ensino.

Não poderemos dar a merecida atenção à contribuição da autora sobre as Feiras de


Ciências. A objetividade impõe-nos maior atenção ao evento qualificado como “um
exemplo de Feira que sobreviveu no CEFET-MG” (WANDERLEY, 1999, p.40).
Assim, faremos apenas as necessárias referências ao fenômeno mais amplo das
Feiras de Ciências, para estabelecer as especificidades da META e suas relações
com a pedagogia de projetos. Na primeira parte da seção, tomaremos como
referências básicas a dissertação de WANDERLEY (1999) e um artigo mais recente
(WANDERLEY, 2001), com informações atualizadas até o ano de 2000.

WANDERLEY divide a história da META em duas fases. A primeira vai da criação da


Mostra (1978) até 1991 e caracteriza-se por uma sucessão de ascensões e declínios
cujo agravamento levou a interrupção, em 1992. A segunda vai da reativação, em
1993, até o presente e constitui processo de redefinição e retomada, iniciado com a
constituição da Comissão Permanente Coordenadora da META (COPEC-META).
Em nossa visão, apesar das virtudes do trabalho dessa Comissão, a retomada tem
padecido, na perspectiva de médio e longo prazo, de grande obstaculização,
imposta por dificuldades conjunturais e macro-estruturais e também por falta de
apoio administrativo e insuficiente planejamento político-pedagógico institucional.

Antes da criação da META, o CEFET-MG (ainda Escola Técnica Federal de Minas


Gerais – ETF-MG) integrou-se ao movimento das Feiras de Ciências de Minas
Gerais, inclusive cedendo espaço físico ao CECIMIG, para o evento, entre 1969 e
1976, antes de a Secretaria de Estado da Educação realocar as Feiras. Os alunos
do então curso ginasial da ETF-MG, principalmente, tiveram significativa e premiada
participação nessas Feiras de Ciências, apesar da dificuldade dos juízes,
especialistas universitários, em ver mérito nos trabalhos de aplicação tecnológica.
Essa limitação acentuou-se, a partir de 1978, com o esforço do CECIMIG para
retomar a ênfase científico-investigativa. Os excessos dessa política conduziram as
Feiras a um impasse e à interrupção, no fim da década de 1980. De imediato, ela
55

impôs grande perda de espaço aos alunos da Escola Técnica, cujos trabalhos eram
mal-vistos pelas comissões julgadoras, como de “tecnologia”, e não de Ciência.

Em seu estudo da META, na década de 1990, WANDERLEY constatou forte


preferência do aluno de curso técnico pelo trabalho de aplicação do conhecimento
científico, em relação aos investigativos. Com isso, levantou a seguinte hipótese:

A orientação de trabalhos essencialmente de investigação científica poderia, ao nosso


ver, estar impedindo o CEFET-MG, naquele momento, de refletir sobre as possibilidades
de abstrair daqueles trabalhos de aplicação tecnológica os conhecimentos científicos
neles embutidos ou ainda, de aproveitar o seu potencial pedagógico. A ausência de tal
discussão pode ter se constituído em fator de impotência do CEFET em propor novos
rumos para as feiras estaduais de Ciências, no sentido de conciliar, nos trabalhos
práticos dos alunos, as duas vertentes - Ciência e Tecnologia - preservando a
importância pedagógica das Feiras de Ciências em Minas Gerais. (2001a, p.37)

Como o tipo de trabalho preferido pelos alunos do CEFET-MG tem natureza de


projeto, é importante considerar que essa atividade é o método característico da
área tecnológica, em contraste com o método experimental do cientista (KNOLL,
1997). Desse ponto de vista, talvez as dificuldades fossem ainda mais profundas, de
natureza paradigmática, ligadas às diferentes visões de mundo dos praticantes e
aprendizes de áreas distintas (KUHN, 1987). Talvez nem fosse objetivo viável
superar obstáculos metodológicos e obter maior balanceamento de oportunidades.
Isso provavelmente demandaria uma abertura difícil de conquistar, do ponto de vista
do conceito de paradigma. Para os próprios especialistas universitários que julgavam
os trabalhos, tal postura já se mostrara impraticável. Corrobora essa interpretação a
referência de WANDERLEY a que a única Feira Estadual de Ciências e Tecnologia
(1a FECTEC), mesmo com a participação de escolas de ensino técnico, como a
ETF-MG, apresentava clara discriminação entre os trabalhos de ciência e de
tecnologia. A autora avalia que esse evento foi importante para despertar na Escola
Técnica o interesse em organizar sua própria feira, dando início à história da META.

WANDERLEY considera a primeira edição da META, em 1978, o marco inaugural de


“... uma nova etapa, para os alunos do CEFET-MG, quanto às possibilidades de
realização de projetos de trabalhos práticos” (2001a, p.37). Aqui, além legitimar a
caracterização desses trabalhos como projetos, a autora destaca a importância que
teve a busca de caminhos próprios pela instituição, para a manifestação dessa
atividade, que já não tinha adequada possibilidade de expressão no contexto
cientificista das Feiras de Ciências. A própria utilização da expressão “projetos de
trabalhos práticos” permite, em função da multiplicidade terminológica associada aos
56

projetos, supor compatibilidade entre a atividade a que a autora se refere e a


atividade-chave da Escola Plural. Essa discussão será retomada, mais à frente.

O grande potencial criativo e realizador dos alunos fica claro no registro de que “... o
desenvolvimento de trabalhos práticos para a META parece sempre ter ocorrido de
forma extraclasse e pela livre iniciativa [dos] alunos” (WANDERLEY, 2001a, p.38),
com maior presença de temas de sua escolha. As atividades eram desenvolvidas
“em pequenos grupos, e inicialmente, sem uma orientação específica de algum
professor” (p.38), gerando trabalhos simples, mas de grande valor pedagógico. A
esporádica realização de trabalhos com integração de cursos é identificada como
sinal de valorização das iniciativas interdisciplinares, melhor contempladas,
posteriormente a 1993, com o trabalho da COPEC-META.

Destaca-se também a grande riqueza de relações sociais que sempre marcaram o


desenvolvimento e a apresentação dos trabalhos da META. Esse aspecto é
valorizado nos próprios depoimentos de alunos e ex-alunos, que reconhecem a
importância da natureza lúdica e afetiva dos trabalhos e seu valioso significado
pessoal-profissional. Com a seqüência das mostras, estabeleceu-se maior
antecedência no planejamento dos trabalhos e obrigatoriedade da orientação por
professores. Para WANDERLEY, no entanto, a participação destes jamais alcançou
índices mais expressivos. Sempre prevaleceu a iniciativa dos alunos e a busca
informal de orientadores disponíveis e interessados, mesmo na segunda fase. A
continuidade desse pujante processo informal tem levado, ao longo dos anos, a um
paulatino aumento da participação espontânea dos professores.

A autora verificou predominância histórica dos cursos técnicos de Eletrônica e


Química na META (51% dos trabalhos das 16 primeiras edições), mesmo com a
integração da Engenharia, a partir de 1989, para maior interação com esses cursos.
Chegou-se a obter apoio de grandes empresas mineiras (CEMIG, TELEMIG, Vale do
Rio Doce) ao desenvolvimento dos projetos e, em 1991, surgiu a proposta da “META
continuada”, contemplando projetos de médio prazo. Seriam reservados os anos
pares para o desenvolvimento e a mostra passaria a ser bienal, com a apresentação
de resultados nos anos ímpares. Apesar do aparente contexto favorável, houve forte
esvaziamento, em 1991, com o cancelamento oficial da participação do curso de
Eletrônica. Nem mesmo localizaram-se registros oficiais dos trabalhos apresentados.
57

Com a situação de crise10 e com a interrupção que ocorreu em 1992, a Diretoria


Geral do CEFET-MG (gestão 1991-1995) instituiu, em março de 1993, com objetivo
de planejar e administrar o evento, a COPEC-META. Esta reunia professores
voluntários do ensino médio e superior, com interesse geral em investigação
educacional e interesse específico na reestruturação da Mostra. A comissão
estabeleceu a proposta de categorização de trabalhos citada no capítulo 1 (MOURA,
1995a) e, principalmente, uma concepção de maior amplitude e consistência
pedagógica para a atividade, bem expressa nas palavras de WANDERLEY:

Pretendíamos uma nova feira, voltada para tendências atuais de incentivo às mostras,
exposições e museus interativos de Ciências, que considerasse a importância da
educação não formal e informal nos novos tempos e a necessidade da aquisição de uma
alfabetização em Ciências e tecnologia na formação do cidadão, capaz não apenas de
promover sua integração com o mundo científico e tecnológico, como também de nele
interferir, humanizando suas interações sociais. E, finalmente, uma nova feira, que, no
aspecto pedagógico, se amplia, permitindo o desenvolvimento de projetos de trabalhos
práticos, sob novas perspectivas, valorizando-se principalmente as inter-relações
estabelecidas durante a caminhada do aluno, no sentido mais de preparar o cidadão
para a busca do conhecimento científico do que para a sua aquisição ou de como
“pensar cientificamente”. (2001a, p.39)

É oportuno retomar a discussão sobre a compatibilidade e a complementaridade


entre a concepção que WANDERLEY propõe para a META e das Feiras de Ciências
e a concepção em que se insere a Escola Plural. No discurso da autora, percebem-
se claros traços de uma perspectiva globalizante que, como na proposta plural, leva
a valorizar uma linhagem de projetos ligada ao modelo da aprendizagem natural e
social, descrito por KNOLL (1997). No caso da META, essa linhagem parece ter
brotado, de forma espontânea, num processo de exploração auto-organizada de
múltiplas e complexas interações sociais, iniciado pelos alunos e por alguns
professores. Essa parece ter sido a base empírica do trabalho de re-fundamentação
e reinterpretação iniciado com a COPEC-META e posteriormente aprofundado e
sistematizado por WANDERLEY, em sues aspectos teórico-conceituais.

Também essa nova reinterpretação, realizada paralelamente à da Escola Plural,


rechaça explicitamente a concepção cientificista conservadora do conhecimento
escolar. Ainda que valorize a caminhada do aluno, também não o faz a ponto de
coadunar com a concepção espontaneísta do conhecimento escolar (LEITE, 1996).
No que diz respeito ao desenvolvimento de competências procedimentais, questão
básica na área técnica, não se filia à visão instrucionista do modelo de projeto
instrução-construção (KNOLL, 1997). Além disso, a nova concepção, aplicável ao

10
A análise de WANDERLEY não aponta com clareza as causas da crise.
58

contexto dos projetos e feiras, parece também sugerir o reconhecimento de que o


processo de ensino-aprendizagem pode ser interpretado, de modo mais consistente,
como um complexo navegar que, superando os limites estreitos que tentam impor-
lhe as visões demasiado simplistas, reluz belamente ao encontrar liberdade para
emoldurar-se no quadro maior do viver humano.

Portanto, parece inescapável perceber essa nova reinterpretação também inserida


numa concepção de natureza integradora – ou globalizante – que guarda boa
aproximação com a que caracteriza os “projetos de trabalho” da Escola Plural.
Supomos mesmo a existência de isomorfismos entre as duas concepções, mas a
exploração dessa possibilidade foge ao nosso escopo. Vale a pena, entretanto,
buscar elementos que aprofundem a visão de aproximação.

Essa tarefa demanda identificação e comparação de pressupostos e filiação teórica


das duas concepções. Identificação desse tipo foi realizada por Helder de Figueiredo
e Paula, em dissertação de mestrado na qual contrasta, no âmbito do debate sobre
qualidade da educação, diferentes políticas educacionais implementadas, no cenário
de Minas Gerais, em resposta às demandas sócio-econômicas da década de 1990,
por distintas esferas do poder público: os projetos Pró-Qualidade, do Governo do
Estado, e Escola Plural, da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte (PAULA, 1996).11
Sem penetrar nas profundezas de tão apaixonante debate, recorreremos ao trabalho
de PAULA apenas como fonte parcial de subsídios, relativamente à Escola Plural,
abordando, nos parágrafos seguintes, a caracterização levantada pelo autor.

Os pressupostos histórico-ideológicos são caracterizados, por PAULA, no contexto


da contraposição entre as visões produtivista e civil democrática da relação escola-
sociedade. Identifica-se alinhamento com a segunda visão, que SINGER12 qualifica
como centrada no educando de classes menos favorecidas e voltada a sua
formação para o pleno exercício democrático da cidadania, através do engajamento
em movimentos coletivos que visem a uma sociedade mais livre e igualitária.

A filiação pedagógica, segundo PAULA, situa-se num espaço localizado entre duas
das mais importantes perspectivas teóricas da educação brasileira: a pedagogia
crítico-social dos conteúdos, desenvolvida na década de 1980, por vários autores, e
os movimentos de educação popular, originados na década de 1960, com os

11
Trabalho desenvolvido no programa de mestrado do CEFET-MG.
12
SINGER (1996). Poder, política e educação. Revista Brasileira de Educação, n.1. (apud PAULA).
59

trabalhos de Paulo Freire. Mas o Prof. Miguel González Arroyo, principal responsável
pelo projeto, ao corroborar essa visão, em entrevista, destaca a maior proximidade
da filiação com a “educação popular”, que inspirou a busca do aprofundamento das
relações entre educação e cultura, movimentos e estruturas sociais.

Os pressupostos epistemológicos identificados por PAULA como lindeiros à interface


com essa filiação pedagógica encontram consistência no campo da Epistemologia e
da Psicologia Genéticas de Jean Piaget, caracterizando a perspectiva adotada no
projeto como construtivista, no sentido profundo da expressão. O autor caracteriza a
oposição dessa perspectiva ao “não-construtivismo” através da análise de aspectos
ligados a três eixos diferenciadores: ênfase na atividade do sujeito do processo de
aprendizagem; contextualização da aprendizagem pela tematização de situações
significativas; compreensão do conhecimento como processo. PAULA reconhece, no
entanto, que essa não é uma opção única e explícita da Escola Plural e que muitos
trechos dos documentos do projeto aproximam-se de outras linhas, como a teoria
sócio-interacionista vygostkyana ou um referencial ausubeliano.

PAULA também levanta a hipótese de ligação entre a Escola Plural e a Reforma


Educacional Espanhola. Ao tentar verificá-la, encontra semelhanças significativas
entre os dois movimentos, em termos de concepções e diretrizes. Mas ressalta que,
na experiência belo-horizontina, manifestaram-se muitos condicionantes restritivos.
Os de caráter político-estrutural decorrem do menor poder relativo de investimento,
qualificação de pessoal e determinação legal da Prefeitura Municipal, em relação ao
“Ministerio de Educación y Ciencia”. Entre os de caráter estratégico-circunstancial,
cita o não estabelecimento de objetivos para cada ciclo de formação e área do
conhecimento, também apontado por AMARAL (2000). Segundo PAULA, esses
aspectos desqualificam parcialmente o movimento como projeto de reforma
curricular.13 Mas o Prof. Miguel González Arroyo, em entrevista a PAULA, manifesta
entender que, por maiores que sejam, as semelhanças entre as duas experiências
não confirmam sua ligação estrita. Destaca a existência de vinculação muito mais
ampla com avanços pedagógico-educacionais iniciados na década de 1970 e
difundidos em diversos países europeus. Neste ponto, somos levados a supor a
relação desses avanços com a terceira onda de divulgação internacional dos
projetos, citada por KNOLL (1997), mas PAULA não traz elementos a esse respeito.

13
Oficialmente, a Escola Plural é hoje diretriz político-pedagógica, e não projeto de reforma curricular.
60

A caracterização de PAULA será útil no cotejo entre as bases da Escola Plural e do


referencial pedagógico de WANDERLEY (1999), que, mesmo ressaltando não
pretender fechar questão, explicita os referenciais teóricos com que se alinha.

Ao discutir o potencial de contribuição das Feiras de Ciências para as mudanças


conceituais em sala de aula,14 WANDERLEY recorre à abordagem construtivista
desses processos feita pelo Prof. Aguiar Jr.15 Com base na Teoria da Equilibração
de Piaget, considera o desenvolvimento de projetos de trabalho sob os seguintes
aspectos: relações entre os conhecimentos comum e científico; processos e
instrumentos utilizados pelo sujeito na construção do conhecimento causal;
mediação entre sujeito e objeto do conhecimento. Dessa análise, WANDERLEY
recolhe importantes subsídios para o professor, no desenvolvimento de orientação
mais competente e compreensiva da atividade dos alunos. Dessa perspectiva, estes
vivenciam profundo, complexo e delicado trabalho interno de construir-se e
reconstruir-se, ao construir externamente o projeto com que se envolveram.

WANDERLEY também recorre a idéias da teoria sócio-interacionista de Vygotsky,


como a da sucessão de etapas no processo de formação de conceitos e a do
desenvolvimento interrelacionado de conceitos científicos e espontâneos, na mente
da criança. Destacam-se algumas noções desenvolvidas pelo soviético, como a
relativa à importância de considerar a história prévia de aprendizagem e a da “zona
de desenvolvimento proximal”. A atividade colaborativa de solução de problemas
pode estender e potencializar significativamente a capacidade manifestada pelo
aprendiz na atividade isolada, que fixa o nível “real” de desenvolvimento mental. O
entendimento e a utilização dessas noções, na prática pedagógica, já recomendados
por AMARAL (2000), pode ajudar o professor a assumir postura mais aberta e
flexível quanto às situações de aprendizagem. Certamente faz refletir sobre que a
atividade repetitiva e mecânica da sala de aula, tacitamente admitida como valiosa e
tão típica da escola brasileira, pode ceder espaço e tempo – sem gerar “perda de
tempo” – a outras classes de atividades, como os projetos de trabalhos práticos, que
WANDERLEY cita como eficiente meio para a aquisição de conceitos científicos.

14
Sobre a relação entre Feira de Ciências e sala de aula, participamos, com os professores Dácio
Guimarães de Moura e Eliane Cangussu Wanderley – por ocasião de um trabalho de assessoria
ligado à 8a Feira Estadual de Ciências de Minas Gerais – do programa “TV INTERATIVA: Feira de
Ciências – Rumo à sala de aula”. Esse proveitoso debate foi transmitido, em 03/07/1998, pela Rede
Minas de Televisão, via satélite, para todo o estado de Minas Gerais e outras regiões do país.
15
Trabalho desenvolvido no programa de mestrado do CEFET-MG: AGUIAR JR., Orlando Gomes de.
Mudança conceitual em sala de aula: o ensino de ciências numa perspectiva construtivista. Belo
Horizonte: CEFET-MG, 1995. 180p. (Dissertação, Mestrado em Educação Tecnológica).
61

WANDERLEY também busca uma contextualização pedagógica mais ampla e


consistente das mostras e feiras, em si mesmas. Recorre à tese do Prof. Dr. Alberto
Gaspar,16 para tecer reflexões sobre as possibilidade de aprendizagem não-formal e
informal ligadas a essas atividades. Por analogia com a análise de GASPAR, ligada
aos museus e centros de ciências, a autora qualifica as mostras e feiras não como
espaços alternativos de transmissão de conhecimentos, e sim como alternativas
para a geração de um amplo contexto de interação social, rica de afetividade e
altamente estimulante da atividade psicológica de formação de conceitos científicos.

Portanto, WANDERLEY ajuda a sistematizar um referencial construtivista sócio-


interacionista, que situa os projetos de trabalhos práticos numa perspectiva de
mediação entre a atividade formal de sala de aula e espaços de aprendizagem não-
formal e informal, como as mostras e feiras. Esse amplo referencial sinaliza postura
pedagógica que, em nossa percepção, valoriza a atividade do aluno e dignifica o
trabalho do professor, de modo compatível com os mais legítimos anseios expressos
no âmbito da Escola Plural, tanto pelo que se depreende dos documentos do próprio
projeto quanto de análises como a de AMARAL (2000) e PAULA (1996).

Para não perder o fio da abordagem, convém recordar o propósito dessa alusão
recorrente ao projeto Escola Plural. Pretendemos construir uma visão de conjunto
que mostre a inserção da experiência com projetos desenvolvida em nosso campo
de estudo numa complexa rede de conexões, com diversas outras referências. De
um lado, com o método de projeto, ligado à história internacional do ensino técnico e
do ensino de Engenharia, como sinaliza a revisão historiográfica de KNOLL (1997).
De outro lado, com a história da investigação pedagógica brasileira, nas
perspectivas macro e meso temporal e espacial, como indicam as discussões sobre
o movimento de reinterpretação das idéias escolanovistas em que se insere a Escola
Plural. De outro lado ainda, na interface das perspectivas meso e micro temporal e
espacial, com o movimento de reinterpretação das mostras e feiras de Ciência &
Tecnologia, ligado à história recente do CEFET-MG. Nessa instituição, ocorre a
META e também, como veremos na seqüência da exposição da discussão feita por
WANDERLEY (1999, 2001a) e com as discussões propostas por nós mesmos,
desenvolvem-se as atividades do Laboratório Aberto de Ciência Tecnologia,
Educação e Arte (LACTEA), entre as quais o Projeto Laboratório Aberto de Física.

16
GASPAR, Alberto. Museus e centros de ciências – conceituação e proposta de um referencial
teórico. São Paulo: USP, 1993. (Tese, Doutorado em Didática).
62

Retornando a WANDERLEY (2001a), chegamos à 15a META, em 1993, marco da


segunda fase da Mostra – a nova geração de feiras no CEFET-MG, prenúncio da
renovação pedagógica que caracterizaria as feiras da década de 1990. Nesse
evento, utilizaram-se os conceitos e princípios nucleados em torno da proposta de
categorização de trabalhos de MOURA (1995a) – didáticos, construtivos,
investigativos, software – e posteriormente desenvolvidos por WANDERLEY (1999).
Isso explicitou, de modo mais claro e em nível institucional, o reconhecimento da
importância do “país das maravilhas” que os alunos já vinham desbravando havia
tempos: ensino e aprendizagem em ambiente de parceria e interação social, com
abertura para a comunicação em diferentes linguagens, preenchendo de afetividade
e prazer o trabalho escolar. Na visão da autora, somente a percepção mais lúcida da
existência de tal ambiente explica adequadamente o grau de envolvimento e
dedicação com que os alunos envolvem-se com os projetos de trabalho, em longas e
árduas jornadas de esforço e sacrifício. É o que também temos percebido, com
satisfação inefável, em nossa própria experiência, no âmbito do LAF.

WANDERLEY destaca dois aspectos da utilização da categorização de projetos


ligada ao objetivo do trabalho, ou à natureza da intenção manifestada pelos alunos.
O primeiro é a verificação da predominância, nas Mostras da década de 1990, dos
trabalhos didáticos, realizados com grande criatividade e pertinência. O fato é
interpretado como possível orientação, para a escola, sobre a importância de facultar
ao aluno maior oportunidade de escolher o que e como aprender. O segundo, ligado
a um levantamento retrospectivo das prováveis categorias em que se enquadrariam
os trabalhos apresentados anteriormente à 15a META, é a identificação de uma
estreita correlação entre a natureza do projeto de trabalho e a natureza da área de
especialização tecnológica do aluno. Grosso modo, os trabalhos de Curso de
Eletrônica mostraram maior tendência para a categoria “construtivo”, enquanto os do
Curso de Química, para a categoria “investigativo”.

Esses aspectos evidenciam a inconsistência e a inconveniência da abordagem


cientificista das feiras tradicionais, que supervaloriza o trabalho investigativo. A nova
categorização ajuda a minorar a exclusão causada por aquela abordagem,
permitindo apreciação mais equilibrada da diversidade e da legitimidade das
intenções manifestadas pelos alunos. Também contribui ativamente para o aumento
da inclusão, ajudando a flexibilizar avaliação e premiação, que podem adaptar-se à
variedade de categorias e contemplar maior número de trabalhos e de alunos.
63

Vale a pena observar como uma mudança aparentemente simples de ponto de vista,
manifestada na nova categorização de trabalhos, pode levar à exploração de
possibilidades de grande riqueza pedagógica. Mudanças desse tipo, no entanto,
somente vêm em decorrência de estudo, reflexão, discussão crítica e autocrítica e
do desenvolvimento de verdadeira disposição para o exercício da liberdade, da
soberania e do livre arbítrio envolvidos na opção de não aderir tacitamente a
paradigmas já desgastados em suas possibilidades de ampliação da visão de
mundo. A nós professores, parece-nos, cabe dar o exemplo dessa disposição, para
que faça sentido o discurso sobre as nobres intenções com que nos dedicamos à
atividade docente, sob pena de construirmos um cenário surrealista que algum pintor
espirituoso poderia retratar na imagem de cegos a pretender guiar cegos.

Ao fim de sua discussão, WANDERLEY (2001a) propõe uma perspectiva consistente


e valiosa de educação em Ciência & Tecnologia, acalentada ao longo de seu
envolvimento com a organização da META. O Museu na Escola seria a estruturação,
no CEFET-MG, a partir de trabalhos realizados por alunos, de um museu Interativo
de ciência e tecnologia. Abriria a possibilidade de atender aos alunos das diversas
redes escolares, além do público em geral, e de divulgar as culturas e economias
regionais do estado, buscado integrá-las ao contexto científico-tecnológico, a serviço
da sociedade. A autora conclui com uma observação que transfiguraremos em nota
de esclarecimento – recurso às vezes imprescindível, em conjuntura institucional de
mudança política e baixa acuidade administrativa. Sobre o objetivo institucional
sinalizado, em setembro de 1995, com a abertura de um novo laboratório, aponta:

O primeiro passo nesse sentido, ocorrido no CEFET-MG, foi a criação do LACTEA -


Laboratório Aberto de Ciência Tecnologia e Arte17, que se constitui em um espaço
permanente para incentivar a investigação livre e o desenvolvimento de projetos e
trabalhos práticos por parte dos alunos, mediante a orientação de um corpo de
professores. (2001a, p.41)

Assim, retornamos a “casa”, após um percurso histórico e conceitual bastante longo,


mas necessário para situar-nos nessa rede de conexões da qual o LACTEA constitui
apenas um dos nós. Um nó precioso para nós, mas também importante para os
nossos alunos e valioso para uma instituição e uma área que buscam caminhos
nesse mundo de mudanças. Estas, ainda que sempre presentes, como lembra
Camões, mostram-se particularmente acentuadas e desafiadoras, nos dias atuais. A
luta, árdua e constante nos sete anos de existência do LACTEA, tem sido em prol de

17
Em 2002, o nome passou a Laboratório Aberto de Ciência Tecnologia, Educação e Arte.
64

que o espaço cumpra, de todos os melhores modos possíveis, papel significativo e


resignificativo, no âmbito do CEFET-MG e de sua vasta área de atuação. E para que
a palavra “nó” assuma apenas a conotação precisa e esclarecedora com que vimos
aprendendo a referir-nos à representação virtual do laboratório, no complexo cenário
multi-interativo em que se desenvolve sua história.

Redirecionando o foco para o LACTEA, registraremos mais relatos e reflexões sobre


suas atividades. O propósito é múltiplo: reunir novos elementos relativos a esse
campo de estudo; caracterizar melhor sua inserção no macro-cenário da Educação
em Ciência & Tecnologia; avançar na discussão sobre a re-fundamentação da
concepção de projeto presente na atividade dessa área.

Mini-Baja: colaboração e competição

Primeiro, documentaremos a participação do LACTEA na constituição da equipe que


inaugurou a vitoriosa participação do CEFET-MG na Competição SAE Brasil
Petrobras de Mini-Baja. A história acabou ficando obscurecida, por falta de
adequado registro. Por isso, faremos um relato um pouco mais extenso de suas
linhas gerais, através de fatos que nos chegaram ao conhecimento por diversos
canais, inclusive a colaboração pessoal na fase inicial dos trabalhos.

A história teve no 2o semestre de 1996, na reunião inicial do Laboratório de Física I,


com os calouros de Engenharia Industrial – dentro do Projeto Laboratório Aberto de
Física, inaugurado no semestre anterior (MOURA & HIGINO, 1996). Encerrada a
reunião, o calouro Rodrigo Bekerman, da Engenharia Mecânica, procurou-nos e ao
prof. Dácio Moura, responsáveis pelo Projeto LAF, para sondar a possibilidade de o
CEFET-MG participar da Competição Mini-Baja, promovida anualmente pela filial
18
brasileira da SAE (Society of Automotive Engineers), entidade internacional que
fixa normas na área automobilística. Esclareceu que o evento é voltado para o
desenvolvimento dessa área, através do estímulo à formação de equipes de
estudantes de engenharia que, sob orientação de professores, projetam, montam e
pilotam veículos de competição do porte de um Mini-Bug ou Kart cross. A idéia era
de natureza perfeitamente compatível com a proposta apresentada na reunião.

Os professores dispuseram-se a apoiar a busca de parceiros de empreendimento.


Esclareceram, porém, que as dimensões da atividade eram muito maiores do que
65

permitiam as condições de tempo e recursos do Laboratório Aberto de Física.


Somente caberiam num projeto específico, que, mesmo prontamente aceito pelo
LACTEA, deveria buscar apoio e recursos em outros espaços, dentro e fora da
instituição. Ficou acertado que os professores iniciariam os contatos e trâmites que
lhes coubessem e que o aluno agendaria uma reunião com um engenheiro
mecânico seu conhecido, membro da SAE, para obtenção de maiores informações.

Dias depois, houve uma reunião, no LACTEA, com as presenças do então diretor de
ensino superior, do referido engenheiro, do aluno e dos professores do LAF.
Estimulados pela riqueza das possibilidades técnicas e pedagógicas que a situação
parecia abrir, os professores dispuseram-se seguir com as negociações, para a
formação da equipe. Dali a mais uns dias, tivemos notícia de que houvera uma
palestra, na PUC-MG, em que a SAE Brasil havia oficialmente divulgado a
Competição Mini-Baja, estimulando as escolas de engenharia mineiras a inaugurar
sua participação. A notícia foi dada por estudantes de Engenharia Mecânica que
haviam sido nossos alunos, cerca de um ano antes, e mostravam-se interessados
em participar da Competição. Como as regras exigiam participação institucional, com
designação de professor orientador, foi realizada outra reunião, com todos os
interessados, para discutir a formação da equipe e as estratégias de obtenção de
apoio. Na ocasião, os representantes do LACTEA/LAF destacaram a importância de
explorar tanto os aspectos técnicos quanto o potencial pedagógico da experiência.

O professor José Henriques Iscold de Oliveira, do Departamento de Engenharia


Mecânica, sondara, com o professor Dácio Moura, a possibilidade de apoio do
LACTEA a projetos que tentava desenvolver. Foi estimulado a buscar, na
colaboração com orientação de projetos ligados ao LACTEA, o único apoio que,
naquele momento, o laboratório podia oferecer – não material, bastante fluido, mas
de riqueza inestimável: a intensa colaboração espontânea e voluntária que os alunos
animavam-se a prestar, no contexto dos trabalhos práticos do Projeto LAF.

Sensível à oportunidade, o professor Iscold aceitou orientar trabalhos sobre temas


potencialmente relacionados a suas áreas de interesse, envolvendo-se com alguns
projetos já em curso. Pela conjunção de competência técnica e sensibilidade
pedagógica demonstrada na ocasião, foi convidado a orientar, com a colaboração

18
www.saebrasil.org.br
66

dos professores Dácio Moura e Anderson Higino,19 a equipe CEFAST de Mini-Baja,


integrada por alunos da Engenharia Mecânica. A maioria destes ainda transitava do
ciclo básico para o ciclo profissional, havendo até mesmo alunos calouros.

Pormenores são ressaltados para facilitar a visão de que, do estrito ponto de vista
acadêmico-curricular, a equipe pareceria não ter chance de êxito, ao não ser
composta de especialistas ou alunos curricularmente “avançados”. Isso caracteriza
claramente a aposta que ali foi feita no potencial técnico-pedagógico da experiência,
sem pretensão de resultados imediatos. De todo modo, nem mesmo havia
antecedentes que permitissem avaliar realisticamente as chances. Nada exprime
melhor do que uma frase dita pelo professor Dácio Moura, na época, a percepção do
valor experiência em si própria, quaisquer que fossem os resultados objetivos,
mesmo que apenas com uma pálida esperança de êxito: “Vai que dá o azar...”.

A inscrição da equipe CEFAST20, juntamente com três outras equipes de escolas de


Engenharia, caracterizou a estréia de Minas Gerais na Competição SAE Brasil
Petrobras de Mini-Baja, cuja 3a edição contou com 48 equipes, de 26 universidades.
Os alunos trabalharam árdua e entusiasticamente, por cerca de dez meses, com a
colaboração de alguns professores e apoio material básico da escola, na busca de
patrocínios e na elaboração, documentação e execução do projeto. O Diretório
Acadêmico da Engenharia e 26 empresas privadas patrocinaram o projeto, cujo
custo fianl foi de cerca de R$4.000,00. Após esse período, o “Tubarão”21 foi
apresentado ao público, juntamente com os veículos da PUC-MG e da UFMG, em
evento realizado no Centro Automotivo da FIEMG e coberto pela imprensa local.22
Realizada a Competição, de 13 a 15 de maio de 1997, no Autódromo de Interlagos,
vários artigos de jornal foram eloqüentes, sobre os resultados:

Campeões logo na estréia. Treze estudantes do curso de Engenharia Industrial


Mecânica do Cefet/MG, com um revolucionário carro, faturaram o primeiro lugar na III
Competição SAE Brasil Petrobras de Mini-Baja, realizado entre os dias 13 e 15, no
Autódromo de Interlagos, em São Paulo. Estreando na disputa, os mineiros
surpreenderam outras 47 equipes, formadas por estudantes de 26 universidades
brasileiras, entre as quais a Unicamp, o ITA e a USP.23

19
Colaboração documentada no Formulário do Projeto Mini-Baja apresentado ao LACTEA.
20
www.des.cefetmg.br/cefast/
21
Nome dado em função do design do veículo, com formato e cor alusivos ao peixe.
22
Dispomos de gravação VHS do programa Geração 15 (Canal 15 – atual Rede Super), com
divulgação do evento, encerrada pela imagem da volta do “Tubarão” no pátio do Centro Automotivo.
A filmagem foi feita após nossa participação na insistente negociação com os jornalistas e o agitado
deslocamento do veículo do galpão para o pátio, em meio ao grande público presente ao coquetel.
23
CRISTIE, Ellen. Cefet sobe no pódio em Interlagos. Estado de Minas, Belo Horizonte, 17 mai. 1997.
Caderno gerais, p.29.
67

A equipe Cefast, do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais –


CEFET-MG, conquistou o primeiro lugar na III Competição SAE Brasil Petrobrás de Mini
Baja, realizada na semana que passou, em São Paulo. O carro projetado e montado
pelos alunos do curso de engenharia do CEFET, curiosamente denominado “Tutubarão”,
passou por todos os testes e foi escolhido como o melhor, levando Minas Gerais pela
primeira vez ao pódio. O mini baja da equipe Cefast destacou-se pelo design e por
detalhes técnicos, que o diferenciaram dos demais concorrentes.24

A primeira matéria foi capa de caderno de um dos maiores jornais mineiros, com
fotografia em cores de mais de um quarto de página; a segunda reforça a notícia, no
dia seguinte, próximo a prestigiada coluna do caderno de veículos. Também a Rede
Minas de Televisão noticiou a vitória da equipe, no Jornal Minas, com matéria que
incluiu imagens do CEFET-MG e do “Tubarão” e declarações dos alunos e do
orientador.25 Isso ilustra o destaque regional alcançado pela notícia.

No CEFET-MG, gerou grande alegria e um impacto muito positivo o surpreendente


desempenho dos alunos, que enfrentaram enormes dificuldades. Naquele mês, o
informativo da escola estampou na capa a manchete “Cefet 1o lugar em Interlagos”,
dedicando matéria de página inteira à notícia, encerrada com um sugestivo apelo,
também publicado no Estado de Minas26 e que continua bastante atual:

De acordo como o orientador do projeto (...), a vitória é uma prova de que não há
desenvolvimento tecnológico se as administrações das escolas não investirem em
espaços como o LACTEA – Laboratório Aberto de Ciência, Tecnologia e Arte27 – criado
em setembro de 95, no Cefet/MG.28

Enfim, a equipe “deu o azar” e a aposta deu resultado. Por um lado, proporcionou
aos alunos rica experiência de aprendizado técnico aliado ao aprendizado humano.
Por outro, para surpresa geral, possibilitou a conquista objetiva de uma premiação.
Esta, inclusive, de acordo com as regras, levou a equipe CEFAST – e o nome da
instituição – à fase internacional da Competição, em Milwaukee, Estados Unidos,
onde o evento tinha já tradição de 40 anos. Quanto ao aspecto que os
representantes do LACTEA esforçaram-se por ajudar a destacar, houve também
referência, na declaração de um dos alunos sobre que “seu maior aprendizado foi a
convivência, o trabalho em equipe, ou seja aprender a lidar com o ser humano.”29
Portanto, nessa parte que conhecemos da história do projeto Mini-Baja no CEFET-

24
GRECO, Enio. “Tutubarão” devora concorrentes. Estado de Minas, Belo Horizonte, 18 mai. 1997.
Caderno veículos, p.3.
25
Dispomos de gravação, em fita VHS, dessa edição do Jornal Minas.
26
Matéria citada, do dia 17/05/1997.
27
Atualmente, Laboratório Aberto de Ciência, Tecnologia, Educação e Arte.
28
CEFET-MG. Alunos do Cefet/MG desenvolvem protótipo de Mini-Baja. Cefet é notícia, Belo
Horizonte, mai. 1997. p.3.
29
Matéria citada do Cefet é notícia de maio de 1997.
68

MG, o LACTEA ajudou a potencializar – de acordo com seus objetivos – o processo


auto-organizador no qual os alunos alcançaram resultado pedagogicamente valioso
e mostraram a dimensão de seu potencial de trabalho em equipe.

Faz-se aqui relato mais extenso para destacar, nessa “história dos vencedores“,
aspectos que acabaram empalidecidos. O reconhecimento da participação do
LACTEA foi logo eclipsado, por diversos fatores, entre as urgências e conveniências
da hora. Assim, por exemplo, esqueceu-se a afixação, na lateral do veículo, de
adesivo com a logomarca do laboratório, como previamente acertado. No ano
seguinte, no par de folders institucionais30 produzidos para divulgar as equipes do
CEFET-MG, não há qualquer referência à participação do LACTEA, no projeto. E
nas listagens dos integrantes das equipes, está ausente o nome do estudante que
levara o “convite” à instituição e que, àquela época, já devia ter-se evadido do curso.

De todo modo, a posição dos membros do LACTEA foi de manterem-se disponíveis


e prudencialmente distantes, no curso da história, por não pretenderem encampar o
projeto, preferiridno, desde o início, vê-lo ganhar independência e “caminhar pelas
próprias pernas”. É lamentável, no entanto, a existência de tão escassas pistas da
participação do Laboratório, pois a própria instituição perde, com isso, oportunidade
de divulgar a existência de um espaço que cultiva postura de acolhimento e aposta
tão necessária ao aluno e aos possíveis belos frutos de seu trabalho.

Parece-nos também lamentável que tal “esquecimento”, longe de constituir caso


isolado, seja reflexo da cultura tradicional do ensino técnico e tecnológico, que é de
pouca valorização do conteúdo humano das experiências (BAZZO, 2000) e das
instâncias que se dedicam mais detidamente a essa abordagem. Mostram-no o fraco
apoio ao esforço dos estudantes, no desenvolvimento de trabalhos para a META
(WANDERLEY, 1999). Confirmam-no as nossas próprias observações sobre a
dificuldade que teve a própria equipe CEFAST em granjear apoio mais decisivo da
instituição que representava, e sobre a parca exploração, na instituição, do potencial
estimulador relacionado ao conteúdo simbólico de histórias como a do Mini-Baja.

De nossa parte, a cada novo semestre, ao convidar os calouros da Engenharia


Industrial para trabalhar com os projetos, renovamos a divulgação dessa e de outras
histórias de esforço exitoso de colegas que tinham, muitas vezes, perspectivas

30
CEFET-MG/Engenharia Industrial Mecânica. Folders informativos das Equipes CEFAST e Mini-
Bala, para a IV Competição SAE Brasil de Mini-Baja. Belo Horizonte, 1998.
69

iniciais tão incertas quanto as da equipe CEFAST. O brilho nos olhos dos estudantes
e sua viva expressão de entusiasmo são a prova mais eloqüente do interesse que foi
neles despertado. É o estímulo gerado pela promessa que vai-se cumprindo, no
curso dos trabalhos do LACTEA, com o próprio esforço que realizam, realimentando
um ciclo virtuoso de aprendizado e vivência, que se renova e amplia a cada geração
de estudantes que chega à instituição.

A própria seqüência da história do projeto Mini-Baja, no entanto, nos anos


posteriores à inspiradora história da estréia vitoriosa, traz-nos apreensão, sobre a
possibilidade de excessiva “profissionalização” das equipes e progressiva submissão
à tendência tecnicizante da cultura escolar tradicional. De toda forma, pensamos que
esse tipo de experiência com projetos garante pelo menos algumas oportunidades
de equilibrar aprendizado técnico e formação humana e, desse ponto de vista,
parece-nos altamente positivo que a história tenha continuado.

Em 1997, parte dos integrantes da CEFAST formou uma outra equipe, a Mini-Bala,
que parece até o presente. A equipe CEFAST não se dedica, atualmente, à
competição automobilística. Restringe-se à competição de Aerodesign, também
promovida pela SAE, na área de aeromodelismo, de que participa desde 1999, com
o modelo Arara Azul.31 Expressivos resultados, nas fases nacional e internacional
dessas competições, seguem confirmando o potencial dos estudantes. Em 2001,
alunos da Engenharia Mecânica participaram do 1o Campeonato Mineiro de
Robótica, com a Equipe Athron.32 Obtiveram classificação no evento e, atualmente,
buscam apoio e patrocínio para o projeto.33 Além disso, tivemos recentes
informações sobre a tentativa de reativação da montado equipe CEFAST.

Tudo isso mostra que o caminho dos projetos e competições continua despertando o
interesse dos estudantes e oferecendo à escola excelentes oportunidades: estimular
participação ainda maior dos alunos, com boa divulgação e auxílio na busca de
patrocínio; buscar elementos teóricos para ampliar a competência na potencialização
da aprendizagem humanística propiciada por essas atividades; recolher subsídios
para um frutífero processo de renovação pedagógico-institucional.

31
CEFET-MG. Com os pés no chão e a cabeça nas alturas; alunos do Cefet-MG disputam prêmio
nacional de aerodesign em São José dos Campos. Cefet notícias, Belo Horizonte, jul. 2002. p.5.
32
www.sucesumg.org.br/inforuso/robotica.htm
33
CEFET-MG. Robótica em busca de incentivos; núcleo do Cefet-MG espera ampliar-se com o apoio
de entidades privadas. Cefet notícias, Belo Horizonte, jul. 2002. p.4.
70

LACTEA: a história continua

Instâncias como o LACTEA podem desempenhar papel significativo nesse processo


de renovação – que supomos seja de real interesse da escola – desde que haja
lúcida compreensão dos objetivos e possibilidades de inserção organizacional. No
entanto, esforço e paciência descomunais têm sido necessários, ao longo de mais
de meia década, para a obtenção de espaço, credibilidade e respeito, no ambiente
da instituição. Com isso, não nos iludimos quanto ao vulto das dificuldades de
compreensão a enfrentar, na busca de soluções para os problemas educacionais.

Na área de Ciência & Tecnologia, parece-nos clara a filiação de muitas dificuldades


enfrentadas na luta cotidiana. Advêm de um contexto, apontado por vários autores,
de rigidez do sistema didático e curricular, superficialidade dos papéis social e
profissionalmente impostos a professores e alunos, escassez de espaço para a
reflexão crítica e verdadeiro equilíbrio de competências – tudo isso com grave risco
para um projeto mais consistente de futuro nacional e mundial (BAZZO et alii, 2000).

Surge, quando em vez, impressão de que a escola encontra-se perdida num imenso
quebra-cabeças didático-curricular, sem dar jamais com o encaixe perfeito. Numas
vezes, as peças parecem inconformes; noutras, a perspectiva, inadequada. E o jogo
continua... não sem que com o tempo aumente a sensação de que perdem todos. A
imagem do quebra-cabeças, celebrizada por Thomas KUHN (1987), na discussão
dos paradigmas, é retomada por MOURA (1995c), ao examinar possibilidades de
reflexão abertas pela concepção Ciência-Tecnologia-Sociedade (CTS), num
estímulo ao esforço de “libertar o conteúdo”. Essa abordagem ajudou a direcionar a
reestruturação da META e a criação do LACTEA, e encontra-se presente no curso
histórico do Laboratório. Nele, tem-se buscado descobrir e explorar, entre os
meandros do formalismo e da burocracia, os “espaços possíveis de luta” a que nos
referimos, nas palavras de Neise DELUIZ (1996). Mas a luta, muitas vezes, é com os
pares que personificam manifestações e materializam a resistência da cultura
escolar tradicional. Com o cuidado para que as lutas não se convertam em “guerras
intestinas”, luta-se, de todo modo. Luta-se pelo do direito de ousar, de tentar...
Errando, às vezes, ao fazê-lo, mas também correndo o risco de acertar, na “aposta”
de um “vai que dá o azar!...”. Assim, se “transgressões” ocorrem, por vezes,
parecem-nos as necessárias à busca de um significado mais profundo e menos
reprodutivista da ação educativa. Quando é esse o caso, não há que temer a luta!...
71

Nessa luta, os maiores aliados têm sido aqueles que a cultura escolar corrente tem
na conta mais modesta para o papel – os alunos (BAZZO et alii, 2000). O processo
vivido no LACTEA, nos últimos anos, tem trazido importante lição: cultivadas
condições mínimas de suporte ético-teórico-metodológico-material, num ambientes
mais livre e aberto de aprendizagem, o trabalho auto-organizador e exploratório dos
alunos floresce em ricas histórias e surpreendentes resultados. Diante de estímulo e
ambiente adequados, os alunos têm dado exemplo não apenas da capacidade de
buscar caminhos consistentes como também da possibilidade de ajudar na geração
de construções duradouras. Isso contraria a lógica cultural que se baseia, às vezes
mesquinhamente, na efemeridade da passagem do aluno pelo ambiente escolar.

34
A afortunada paráfrase proposta por um colega – “LACTEA jacta est” – canta o
significado da criação do LACTEA: foi aberto um caminho, que se tem buscado seja
de profunda busca e valiosos resultados. Dessa forma, os participantes35 dessa
longa e paciente empreitada pretendem sensibilizar novos parceiros e criar uma rede
de colaboradores e um ambiente propício à construção da mudança. Essa é uma
mudança que, ao invés de determinada “de cima para baixo”, busca os próprios
caminhos, dentro de um campo de possibilidades cujos limites nem de longe foram
ainda explorados, nem muito menos correspondem às limitações insuperáveis
supostas pelos pontos de vista lineares, que trazem desânimo e desalento.

O LACTEA tem-nos levado a diversas atividades: organização de mostras de


projetos, de Vídeo-Mostras36 e Vídeo-Debates (HIGINO & DAMASCENO, 1997),
representação institucional em mostras,37 participação em palestras, debates,
seminários e assessoria pedagógica38 e empreendedorística.39 Em muitos casos, os
projetos e protótipos desenvolvidos pelos alunos tornam-se o centro das atenções,
de um público ávido pela informação tecnológica e pela reflexão pedagógica –
conjunção muito apreciada, pelos ricos insights que propicia.

34
Paráfrase criada pelo professor Ronaldo Lucídio de Avellar (DADB/DES/CEFET-MG), a partir da
frase “Alea jacta est” – “A sorte está lançada” – que a História atribui ao general romano Júlio César.
35
No Projeto LAF, além do prof. Dácio G. Moura e deste autor, tiveram participação também
expressiva os professores Ronaldo Lucídio de Avellar e Francisco Antônio Brandão Júnior.
36
Exemplos: Vídeo-Mostra 2 Anos LACTEA (set. /1997); Vídeo-Mostra da XVII META (nov. /1998).
37
Exemplo: exposição de projetos de alunos do CEFET-MG na 3ª Mostra de Material de Divulgação e
Ensino de Ciências, realizada na Estação Ciência (USP), de 27 a 31 de agosto de 1997.
38
Exemplo: 8ª Feira de Ciências do Estado de Minas Gerais (1998) e outras ocasiões anteriores e
posteriores, a convite da Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais.
39
Exemplo: elaboração de planos de negócios, junto à incubadora de empresas ITAIM-BH.
72

Dois projetos desenvolvidos no LAF vêm tendo especial destaque, nos últimos
40
tempos e alcançado divulgação bastante ampla: o Fotuns e a Harpa Laser. A
o
Harpa Laser foi desenvolvida, no 1 semestre de 2001, sob orientação deste autor,
por um grupo de calouros de Engenharia Industrial Elétrica, sem formação prévia em
Eletrônica. Num rico e intenso processo de negociação interna e externa ao grupo,
foi montado o protótipo de um instrumento musical eletrônico semelhante a uma
harpa, em que o papel das cordas é feito por um conjunto de feixes de laser que,
entrecortados pelos dedos do executante, fazem que um sistema de sensores foto-
resistivos dê origem ao processo de geração de tons.

A experiência do grupo foi muito rica, em termos de formação pessoal-profissional e


da sinalização dos limites da concepção tradicional de projeto. Também aqui houve
“choques” de visão semelhantes ao registrado no caso Máquina Anti-Gravidade. O
enfrentamento de situações que esses alunos tiveram de realizar remete a reflexões
sobre o valor de promover a curiosidade – de ingênua a epistemológica (FREIRE,
2001b) – e cultivar a sabedoria dos limites e desafios (DEMO, 2000).

O Fotuns foi desenvolvido no 2o semestre de 1999, sob orientação do Prof. Dácio


Moura, por um grupo de calouros de Engenharia Industrial Mecânica, sem formação
prévia em Eletrônica. Consiste num veículo fotoguiável capaz de seguir o facho de
luz de uma lanterna, pela ação de um sistema de eletrônico-mecânico de controle e
transmissão. O grupo partiu do interesse pela área de automodelismo para dedicar-
se ao processo intensamente criativo de desenvolvimento do protótipo, através de
adaptação de projetos eletrônicos, reciclagem de peças e componentes e utilização
de inusitada técnica de moldagem a quente de plástico PET. Desenvolvido um
protótipo funcional e esteticamente satisfatório, no primeiro semestre de atividade,
dois integrantes do grupo deram seqüência ao trabalho de pesquisa e
desenvolvimento, ao longo do ano de 2000, já com a orientação deste autor, para
levar o projeto à XVIII META, no final daquele ano. Os estudantes obtiveram
destaque na avaliação participativa do evento, além do incentivo especial de ter
publicado no web-site do CEFET-MG, como referência para outros autores, o artigo
produzido em co-autoria como o orientador, para publicação na Revista da META.41

40
Exemplos: i) programa Caleidoscópio, de 19/06/2002, da TV Horizonte, canal local (cabo/UHF); ii)
CEFET-MG. Espaço humano dedicado à formação tecnológica; tecnologia a serviço das relações
humanas e do desenvolvimento profissional. Cefet notícias, Belo Horizonte, jul. 2002. p.4.
41
Edição da Revista da META ainda não publicada. Ver: ROCHA, Alexandre S., PENNA, Marcelo C.,
HIGINO, Anderson F.F. Fótuns – o carro fotoguiável. Belo Horizonte: CEFET-MG, 2000. Disponível
em: <http://www.cefetmg.br/eventos.htm#>. Consulta: 01/09/2002. (Página informativa da META).
73

A partir de contatos feitos na própria META, os estudantes iniciaram nova do projeto,


inscrevendo-o na Incubadora Tecnológica de Automação Industrial e Instrumentação
Médica de Belo Horizonte (ITAIM-BH). A apresentação do projeto, preparada com
auxílio do orientador, ajudou na obtenção de êxito no processo seletivo e, apesar do
afastamento temporário de um dos estudantes, o ano de 2001 foi dedicado ao
desenvolvimento de um plano de negócios para produção de brinquedo baseado no
projeto original do Fotuns. Essa etapa contou com a orientação de consultores da
incubadora e com nossa colaboração, em consultoria não-formal na área de redação
técnica. Tal participação despertou nosso interesse pela área de empreendedorismo,
levando à inscrição em um telecurso promovido naquele ano, pelo SEBRAE.42 O
estudante que se ligou à incubadora, mesmo não dispondo de capital para a
industrialização do brinquedo, encaminhou-se definitivamente para a área
empreendedorística. Em sociedade com um familiar, registrou empresa, em ramo de
atividade relacionado ao projeto, que permaneceu incubada na ITAIM-BH.

Na etapa atual dos desdobramentos do projeto Fotuns, os dois colegas reuniram-se


novamente e voltaram a trabalhar em pesquisa e desenvolvimento. Trabalham hoje
no acoplamento de um braço mecânico à plataforma original do veículo, num
envolvimento paulatino com a mecatrônica e a robótica. O estudante que não se
ligou à incubadora considera-se de perfil mais acadêmico e pretende dedicar-se à
pesquisa. Há chances de que venha a envolver-se com o Programa de Iniciação
Científica da instituição e, futuramente, a realizar estudos de pós-graduação.

Mesmo abordando apenas a dinâmica externa do projeto Fotuns, uma descrição


mais extensa é necessária para expor a complexidade da situação. Além disso, o
destaque dado à passagem dos alunos por diferentes experiências, no âmbito da
escola, ilustrando o significado de uma idéia surgida a partir das conexões
construídas em processos dessa natureza e que vimos ajudando a discutir. Em
alguns projetos desenvolvidos no LACTEA e no âmbito da META, percebeu-se que
os integrantes dos grupos percorrem trajetórias que os levam a transitar por um ou
mais desses quatro espaços citados no caso Fotuns: LACTEA, META, ITAIM-BH,
DPPG (PIBIC, Mestrado). Percebeu-se, também, que esses espaços abordam
dimensões complementares dos projetos: investigação pedagógica, comunicação
com o público, capacitação empreendedorísitca e investigação científico-tecnológica.

42
Telecurso Aprender a Empreender. Promoção: SEBRAE e Fundação Roberto Marinho – Programa
Brasil Empreendedor. Apresentação: 2o semestre de 2001.
74

A percepção da pedagogia de projetos como possível zona conceitual de interseção


e complementaridade na ação desses espaços estabeleceu as bases de uma
discussão em que se explora a possibilidade de uma convergência de esforços. Esta
dará curso a uma proposta de integração em rede, constituindo um novo dispositivo
de formação, capaz de potencializar aprendizagem e capacitação integradas, nos
níveis pessoal, profissional e institucional. Pretende-se, também, construir
competência no desenvolvimento de projetos nas perspectivas progressivamente
complexas da multidisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade.

Para registrar e divulgar a idéia, a equipe do LACTEA apresentou, recentemente,


trabalhos de autoria conjunta sobre esse tema: painel no 4o Congresso Nacional de
Educação (CONED),43 em São Paulo, e comunicação oral na 24ème Journées
Internationales sur la Communication, l’Éducation et l’Industrie,44 em Chamonyx, na
França. Numa direção complementar, o LACTEA vem também trabalhado na
implementação de normas que definam e regulem sua interação com outras
instâncias e dêem suporte formal a construções institucionais dessa natureza.

Todo esse esforço dá-se em boa hora, num cenário de complexa ambigüidade: de
um lado, padrões e processos auto-organizativos de grande potencialidade
manifestam-se, em histórias e caminhos como os já citados; de outro lado, a cultura
e a estrutura institucionais não se encontram preparadas para oferecer condições
adequadas à evolução dessa potencialidade. Exemplos de inadequação encontram-
se a granel, na análise mais atenta de situações comuns a quem lida em áreas
ligadas à educação em Ciência & Tecnologia, como o ensino de engenharia.

No CEFET-MG, no âmbito da META, por exemplo, parece-nos que a falta de claro


direcionamento político-pedagógico institucional gera quadro de demasiada
incerteza, impondo interrupções quase letais a um processo que somente encontra
sentido mais completo numa perspectiva de médio e longo prazo. A importância da
continuidade temporal-conceitual pode ser apreciada através de exemplos como o
do LACTEA. Somente após longos e árduos anos de persistência, em condições

43
VENTURA, Paulo Cezar Santos, MARTINI, Márcia da Mota Jardim, HIGINO, Anderson Fabian
Ferreira. Rede de desenvolvimento de projetos como dispositivo de capacitação pessoal-profissional-
institucional em escola de educação tecnológica. CEFET-MG/LACTEA. 4o Congresso Nacional de
Educação. São Paulo, abril de 2002. (Atas ainda não publicadas).
44
VENTURA, Paulo Cezar Santos, MARTINI, Márcia da Mota Jardim, HIGINO, Anderson Fabian
Ferreira. Un réseau de développement de projets comme dispositif de formation personnel-
professionnel d’ingénieurs au Brésil. 24ème Journées Internationales sur la Communication,
l’Éducation et l’Industrie. Chamonyx (France), mars 2002. (Atas ainda não publicadas).
75

desfavoráveis, este começa a firmar-se, na cultura institucional, como espaço de


referência para o aluno, que a ele acorre, cada vez mais freqüente e intensamente,
para desenvolver seu potencial, tal como concebido na criação do espaço. Ainda
assim, poucas vezes o benefício institucional desse tipo de processo é levado em
conta equilibradamente. Ocorre, por exemplo, de os críticos destacarem, com baixa
acuidade pedagógica, muito mais os sacrifícios impostos a programas e ementas de
disciplinas curriculares que, ao longo desses anos, ofereceram-se talvez como o
único “espaço possível de luta” para a continuidade do esforço.

Quanto às políticas públicas, um aspecto chamou-nos a atenção, ao participarmos


da Comissão de Bolsas de Iniciação Tecnológica (COBIT) do CEFET-MG, na
implantação do programa de bolsas ligado ao Programa PRODENGE/REENGE de
“reengenharia” do ensino de engenharia. Trata-se da dificuldade dos órgãos de
fomento de assimilar o modelo de desenvolvimento de projetos baseado no trabalho
em equipe, constante do Projeto da instituição – ao invés da tradicional abordagem
individual, típica da Iniciação Científica. Hoje, parecem-nos esclarecedoras as
reflexões registradas neste capítulo, principalmente as decorrentes do trabalho de
WANDERLEY (1999). À época, a situação pareceu-nos exemplo de que o discurso
sobre a importância do aprendizado do trabalho em equipe não tinha, de fato,
sensibilizado consistentemente alguns dos órgãos de que emanava.

Um terceiro exemplo é a discussão da conjugação teoria–prática, relacionada à


integração sala de aula–projeto. Sinalizada por WANDERLEY (1999) – no contexto
das Mostras e Feiras – e também buscada na Escola Plural, tal possibilidade remete
a discussões bastante difíceis, no caso da educação em Ciência & Tecnologia.
Particularmente no caso da engenharia, se considerarmos o projeto característica
central da área, é lícito esperar, entre os objetivos principais do ensino, o de
preparar o estudante para participar desenvolta e produtivamente dessa atividade.
Na Introdução à Engenharia que dirigem a estudantes e professores, BAZZO &
PEREIRA (1996), experientes professores de Engenharia e reconhecidos
investigadores da área de Educação Tecnológica, abrem o capítulo sobre “projeto”
referindo-se do seguinte modo ao profissional da área:

O engenheiro é por excelência um resolvedor de problemas. A toda hora, em sua


atividade profissional, o engenheiro está às voltas com um conjunto de informações
esparsas que precisam ser transformadas numa saída útil e bem organizada. O
resultado desta transformação é uma das principais atividades que distinguem os
engenheiros. (p.71)
76

Os autores agregam, logo a seguir:

Como é que o engenheiro soluciona os seus problemas? Projetando! É através do


projeto que o engenheiro aplica de forma mais significativa os seus conhecimentos
técnicos e científicos.
Na verdade, ao projetar aplica-se muito mais que apenas conhecimentos formais. Usa-se
experiência e bom senso e, principalmente, dá-se vazão à imaginação criadora na busca
de algo novo. Por isso, pode-se afirmar: o projeto é a essência da engenharia. (p.72)

Um pouco adiante, após referirem-se à vasta gama de competências demandadas


do engenheiro, como solucionador de problemas, BAZZO & PEREIRA caracterizam
ainda melhor esse contexto de atuação profissional:

... o projeto é uma atividade que envolve ciência e arte, e que implica a experiência de
quem o desenvolve. A ciência (...) pode ser aprendida através do exercício do uso de
técnicas e de cursos específicos. Mas a arte só pode ser aprimorada com experiência,
dedicação e força de vontade pessoais. Deve ser exatamente por isso que a atividade de
projetar tanto fascina, pois induz o desenvolvimento intelectual. (p.73)

Conquanto vejamos no aprendizado da ciência também seu quinhão de arte e


pensemos que o projeto induz a mais do que apenas desenvolvimento intelectual,
nossa experiência profissional faz perceber o sentido profundo dessas palavras.
Encontramos inúmeras manifestações de fascinação nos estudantes que participam
conosco do desenvolvimento de projetos, ao ver-se profundamente envolvidos com
essa experiência criativa de aprendizado. Já na parte final do livro, é ao professor
que os autores dirigem reflexões sobre a relação entre abordagens pedagógicas e
temas de grande envergadura, como a soberania nacional:

A liberação do trabalho criativo é um dos pilares de sustentação do desenvolvimento


tecnológico; a partir do momento em que ela é atrofiada, ocorre a estagnação deste
desenvolvimento. Não é por acaso que é tendência nos países centrais – com alto nível
de desenvolvimento científico e tecnológico – exigir no sistema de ensino a aplicação da
criatividade. Uma conseqüência direta disto é a implantação, nestes países, de mais
laboratórios, mais empregos que exigem a capacidade de raciocinar e de serviços que
exigem criação, planejamento e gerência. Já nos países periféricos a tendência é a
implantação de mais fábricas, mais serviços de execução e mais empregos que exigem
o trabalho braçal. O ensino de engenharia pode contribuir significativamente para a
reversão deste quadro a partir da hora em que fortalecer a parte formativa de seus
cursos, em detrimento da parte informativa, e quanto adotar uma postura que permita e,
mais que isso, incentive a atividade criativa de seus estudantes. (p.265)
É preciso um rigoroso exercício de busca de uma tecnologia nacional; um bom início
para este trabalho é podar o atual procedimento de atrofia do processo criador que se
verifica já nas escolas, e também o quadro de letargia e excessiva cautela em relação à
formação teórica. Quando o aprendizado calcado na informação prevalece sobre o
pensamento teórico, faz-se naufragar antecipadamente a engenharia do futuro. Este
quadro educacional é forte realimentador da dependência econômica, do obsoletismo
dos parques industriais e do empobrecimento da nação como um todo. Certamente a
mudança de postura em relação ao tipo de ensinamento, que se passa hoje em dia aos
alunos de engenharia, não é a panacéia para todos os problemas que afligem a nação
mas, indubitavelmente, é uma componente importante na busca de soluções. (p.266)
77

A partir desses elementos da obra de BAZZO & PEREIRA, parece-nos claro que a
busca de uma articulação mais significativa entre formação teórica e prática, num
contexto de aprendizado e criatividade como o proporcionado pelos projetos, pode
atender não apenas à demanda por abordagens de maior consistência humanístico-
pedagógica, mas também a objetivos pragmáticos, ligados à conquista de condições
como soberania e competitividade. E essa é uma necessidade que não se pode
ignorar, nos dias de hoje, sem o risco de nos condenarmos a submissão e
dependência cada vez maiores, numa perversa geopolítica mundial de globalização
de sacrifícios e particularização de benefícios. Vale ressaltar que os autores
sugerem restrições à tendência excessivamente informativa da abordagem teórica
que impera em nossas escolas, e não a idéia ridícula de abandonar a teoria em prol
de uma prática ingênua, limitada e arriscada. Falam, enfim, da formação teórica e do
pensamento teórico, que dão base e consistência à ação, reflexão e crítica, e não do
adestramento teórico-informativo, que pode atrofiar e, por fim, paralisar processos
importantes, tanto no nível biográfico-psicológico quanto no histórico-sociológico.

Aos que nos interessamos por essa classe de discussões, o convite ao exercício da
reflexão, da crítica e da autocrítica é também feito em outra obra, mais recente,
sobre ensino de engenharia, em que os professores BAZZO, PEREIRA & VON
LINSINGEN (BAZZO et alii, 2000) aprofundam ainda mais essa análise. Discutem a
profunda imbricação existente, no complexo cenário do mundo atual, entre as
tensões do cotidiano escolar-profissional aparentemente bem resolvido da área
tecnológica e um sem-número de pungentes questões psicopedagógicas, teórico-
filosóficas, macro-econômicas e geopolíticas.

Ao tratar a relação professor-aluno, os autores primeiro apontam a inconsistência, no


sistema tradicional do ensino tecnológico, entre a presença obrigatória da figura
humana e a freqüente desconsideração de seus anseios, formações e experiências
pessoais. Depois, identificam na preponderância quase exclusiva da abordagem
transmissiva linear e num modo de organização didática baseado em hierarquia
vertical e centrado na aula, alguns dos principais fatores de problemas endêmicos no
sistema, no plano das individualidades e relações: alta desistência e reprovação;
grande passividade, desinteresse e comodismo; forte tendência a fragmentação e
atuação reprodutiva e não-criativa. Em seguida, estabelecem a filiação lógico-
positivista da engenharia – notadamente a brasileira – como raiz dessa problemática
e sugerem a existência de realimentação reprodutiva das expectativas e estereótipos
78

relativos a professores e alunos, no contexto sociológico da área. Sugerem, por fim,


como fonte de perspectiva transformadora, o reconhecimento da não-linearidade e
da inserção sócio-histórica dos processos abertos de mediação em que se dá a
construção do conhecimento (BAZZO et alii, 2000, p.67-78).

Essas referências ajudam a perceber, no contexto de nossa discussão sobre os


projetos, a compatibilidade do cenário do sistema tradicional, esboçado pelos
autores, com o modelo instrução-construção de desenvolvimento de projetos,
descrito por KNOLL (1997). Isso dá sentido à percepção, facilmente verificável, de
que situações de desenvolvimento de projetos por estudantes são quase sempre
descritas como processos de aplicação dos conhecimentos adquiridos em disciplinas
teóricas, sugerindo uma visão de submissão da prática à teoria, em vez de um
casamento bem resolvido entre as duas. Assim, parece consistente a interpretação
do modelo de projeto hoje dominante na área cientítico-tecnológica como adaptação
do modelo instrução-construção à concepção filosófica prevalente, de marcados
traços lógico-positivistas, e à linearidade da organização didático-curricular da
escola, de forte matiz cartesiano-mecanicista. Com isso, a visão de submissão da
prática à teoria converte-se em visão de submissão da prática à sala de aula.

Em busca de uma visão mais crítica da relação entre sala de aula e projeto, algumas
ponderações são possíveis. Por um lado, não vemos dificuldade no reconhecimento
genérico de que aquele espaço é uma fonte importante de subsídios. Por outro lado,
entretanto, parece-nos facilmente contestável, principalmente nestes dias de
“sociedade da informação”, a pretensão estrita de que seja a única fonte. Uma
terceira possibilidade, localizada entre as duas anteriores – e manifestada, muitas
vezes, apenas de modo tácito – é a de que seja a fonte principal. Mesmo esse, no
entanto, parece um papel que não se pode atribuir, de modo gratuito, ao espaço da
sala de aula, ainda mais diante do reconhecimento da dimensão “artística” que tem o
projeto e da primazia dada, na escola brasileira, à abordagem memórico-racionalista,
ou seja, à mera informação teórica (BAZZO & PEREIRA, 1996).

Assim, parece-nos pedagogicamente necessário reconhecer a existência, hoje, de


acentuada disrupção entre sala de aula e projeto, ainda que discursos menos
reflexivos sugiram o contrário. Essa disrupção acentua-se ainda mais na medida em
que se passa do modelo de projeto instrução-construção para o de aprendizagem
natural e social. O aprofundamento dessa questão é de importância central, em
79

nossa área de atuação, para a construção de espaços escolares que atendam às


justas demandas por uma formação integral e uma verdadeira cultura do aprender.

No LACTEA, a experiência do Laboratório Aberto de Física vem permitindo explorar,


já num horizonte de médio prazo, a rica evolução de um modelo de desenvolvimento
de projetos fortemente baseado na aprendizagem natural e social. Nesse contexto,
fica cada vez mais claro que objetivos como a genuína conjugação teoria–prática e a
profunda integração sala de aula–projeto encontram fértil campo de possibilidades
de reflexão e ação em abordagens do tipo laboratório aberto, baseadas em projetos
de cunho aberto, que acolhem a evolução de processos igualmente abertos, como a
própria vida. Os freqüentes “choques” com manifestações do que parece a visão de
projeto instalada na área tecnológica sugerem a necessidade de análise crítica e de
re-fundamentação dessa visão, para ajudar a ampliar o leque de oportunidades
abertas aos nossos estudantes, às escolas e mesmo ao país.

Julgamos que a motivação para essa re-fundamentação teórico-conceitual da


pedagogia de projetos parece suficiente esclarecida pela discussão desenvolvida
neste capítulo. Mostramos que a história dos projetos permite estabelecer a
vinculação entre o método que define uma área profissional e as diretrizes
pedagógicas desenvolvidas em esforços de resignificação de toda a dinâmica do
mundo escolar, tanto no contexto internacional quanto no brasileiro. Consideramos,
em seguida, a consistência da proposição de um referencial pedagógico que permite
visualizar a inserção dos projetos numa complexa rede de interações, que envolve
diversas instâncias da área de educação em Ciência & Tecnologia. Discutimos, por
fim, a percepção de que a cultura dessa área parece guardar, ainda, uma visão mais
estreita e limitada de projeto do que é adequado à elogiável pretensão de contribuir
para a construção de um presente e um futuro mais dignos e promissores para um
país como o nosso. Assim, parece-nos necessário re-fundamentar a visão de
projetos para ampliar ainda mais a percepção do significado dessa atividade no
cenário do mundo atual, ajudando a liberá-la da marginalidade e da limitação a que
fica submetida, nos contextos em que já é utilizada. Também, para estender a
possibilidade de sua utilização a contextos em que esta é ainda pouco expressiva,
como no ensino médio geral, em que começa a ganhar força a percepção dos
benefícios potenciais dessa atividade para o enfrentamento de inúmeros desafios.
80

Conquanto julguemos que já está em curso, no Brasil e em outras partes do mundo,


um processo de reinterpretação e re-fundamentação da pedagogia de projetos,
pensamos necessário levar esse processo ainda mais adiante, explorando aspectos
ainda pouco considerados da rica dinâmica dessa atividade. Assim, a linha básica
da contribuição que propomos a essa re-fundamentação parte, essencialmente, da
busca dos subsídios teórico-conceituais que a Ciência da Complexidade oferece à
exploração de uma “complexidade” vislumbrada aqui e ali, em diferentes lugares e
épocas em que os projetos foram desenvolvidos, como a indicar que se intuiu a
existência de algo que não se tinha instrumental teórico para explorar. Entretanto,
esse instrumental vem sendo agora construído e expandido significativamente,
desde o início da chamada “terceira onda” dos projetos.

No capítulo 3, vamos em busca desse instrumental e de um conceito de projeto


compatível com a visão traçada até aqui, discutindo sua inserção num referencial
que facilite a percepção mais nítida da importância de acreditar e apostar no
potencial criativo e auto-organizador do jovem brasileiro. Esse será o ponto de
partida para a focalização, no capítulo 4, do nosso campo de estudo.
81

3 COMPLEXIDADE E NEGOCIAÇÃO NA EVOLUÇÃO DO PROJETO

On a vu souvent ... May God us Keep


Rejaillir le feu From Single Vision
De l’ancien volcan and Newton’s Sleep!
Qu’on croyait trop vieux
Blake, 18022
Il est paraît-il
Des terres brûlées
“Let Chaos storm!
Donnant plus de blé
Let cloud shapes swarm!
Qu’un meilleur avril...
I wait for form.”
Brel, Ne me quitte pas1 anônimo3

Neste capítulo, apresentam-se elementos básicos da Ciência da Complexidade e do


conceito de negociação, que servirão de base conceitual à análise de dados do
capítulo seguinte, conduzindo ao esboço de uma nova visão da pedagogia de
projetos. Na primeira seção, discutem-se os limites da escola mecanicista, a partir
da exploração da analogia entre um estudo de caso antropológico-ecológico e o
debate sobre práticas pedagógicas, e define-se o paradigma de investigação
educacional em que se insere o presente trabalho. Na segunda seção, aprofunda-
se a discussão da complexidade das interações sócio-tecnológico-educacionais,
num cenário de integração em rede, através da adaptação, ao mundo da escola, da
análise, baseada na Ciência da Complexidade, utilizada num estudo de caso
sociológico da área de engenharia de software. Na terceira seção, chega-se ao
cerne da questão, discutindo um conceito de projeto que, inserido no contexto da
complexidade, é o ponto de partida para o quadro de referência a utilizar na análise
de dados do estudo de caso relatado no capítulo 4, levando a uma caracterização
mais completa da contribuição à re-fundamentação da pedagogia de projetos.

1
Estrofe da canção Ne me quitte pas, de Jacques Brel.
2
Wiliiam Blake, carta a Thomas Butts, 22/11/1802. (apud PRIGOGINE & STENGERS, 1984, p.21).
3
Texto de abertura do documentário Chaos, produzido para o Channel 4, em 1988, por World Edge
Films Production. Autoria não citada.
82

3.1 Bali: o limite da escola mecanicista

Como visto no capítulo 1, já no segundo ano do LAF, o projeto Máquina Anti-


Gravidade representou significativa oportunidade de exploração das possibilidades e
limitações do ambiente institucional em que fundimos ação docente e reflexão
pedagógica. A sugestão de desistência ou mudança de tema dada aos alunos,
interpretada à época como fruto de um “choque de visões” de projeto, apenas
posteriormente seria analisada à luz de noções mais sólidas, como os modelos
históricos descritos por KNOLL (1997) – instrução-construção e aprendizagem
natural e social. Naquele período ainda dedicado à consolidação de uma
metodologia inusitada aos olhos de muitos alunos e colegas, era bem-vindo todo
vislumbre de sinalização sobre os possíveis rumos a que nos podia levar a atividade.
Algumas das pistas teriam origem bastante surpreendente.

Envolvidos em projeto pessoal de pesquisa e utilização de documentários televisivos


na atividade escolar, dedicávamo-nos a exercícios autodidatas de análise simbólica
desses materiais, com a exploração de analogias, metáforas e outros recursos de
linguagem. Como decorrência, desenvolvíamos o Projeto Vídeo-Debate, destinado
ao debate, com grupos de alunos, sobre vídeo-documentários relacionados a
filosofia da tecnologia e temas correlatos (HIGINO & DAMASCENO, 1997).
Organizamos, também naquele ano, a Video-Mostra 2 Anos LACTEA, comemorativa
do aniversário de inauguração do Laboratório, com cerca de 20 horas de vídeo-
documentários, no auditório da Diretoria de Ensino Superior do CEFET-MG.

Um dos documentários4 utilizados na Mostra aborda a investigação de diversas


temáticas recentes: cognição, cérebro, mente, consciência, sistemas complexos. Na
exposição deste tema, focaliza-se um estudo de caso que nos pareceu, desde o
primeiro contato, simbólica e metaforicamente significativo para as reflexões com
que nos ocupávamos, no âmbito do Projeto LAF. Um relato sucinto do caso é
esboçado, logo a seguir, a partir do texto do vídeo-documentário.5 A exploração das
associações sugeridas pela história fornecerá um contexto apropriado à busca de
elementos de resposta para as seguintes questões de investigação, na seqüência
das idéias discutidas no capítulo 2:

4
The Human Quest. Produção KCET/Los Angeles - Science and Society Television, Inc. (1995), em 4
episódios de 55min, para Community Television of Southern California. (Dispomos de cópia em VHS).
5
Adaptação feita, por este autor, do texto original de um dos blocos do vídeo-documentário The Way
of Science, quarto e último episódio da série The Human Quest.
83

1. Quais as idéias básicas da Ciência da Complexidade e por que o recurso a ela


na reinterpretação, ou re-fundamentação, da pedagogia de projetos?
2. Que subsídios a ciência da complexidade pode aportar a uma re-fundamentação
da base conceitual da pedagogia de projetos?

Desde há milhares de anos, os plantadores de arroz da Ilha de Bali enfrentam um


dilema crucial: a melhor maneira de controlar as pragas é conseguir que muitos
lavradores deixem a terra descansar, em conjunto. Mas se todos retomarem o
plantio, ao mesmo tempo, enfrentarão escassez d’água. Historicamente, a solução
que esses agricultores encontraram para o problema foi a utilização de um sistema
ancestral como estrutura de cooperação: o ritual dos templos d’água. Neste, os
lavradores reúnem-se nos templos, uma vez por ano, após a estação das chuvas,
para decidir o que e quando plantar, enviando delegações que vão de cada templo
até o próximo, em busca da água sagrada. Estabelecem, assim, uma coordenação
que permite tomar decisões sobre o plantio, com base nas necessidades conjugadas
de cada região e das áreas circunvizinhas. Esse é um dos modos pelos quais
controlam, ao mesmo tempo, as pragas e a escassez d’água: levando em conta os
efeitos das decisões tomadas em cada região sobre as demais partes da ilha.

Entretanto, para os especialistas da Revolução Verde6 que chegaram a Bali na


década de 1970, o sistema dos templos d’água era um legado inútil do passado.
Segundo orientação desses técnicos, os lavradores foram legalmente obrigados a
abandonar seus tradicionais padrões de cultivo e cronogramas de irrigação, além de
proibidos de plantar variedades nativas de arroz. Adotaram sementes de alta
produtividade, desenvolvidas em laboratório, fertilizantes químicos e pesticidas. Mas
algo deu errado: após alguns poucos bons resultados, ocorreram escassez de água
e ondas de pragas sem precedentes, levando à drástica diminuição das colheitas.

O antropólogo Stephen Lansing, da University of Southern California, trabalhava em


Bali, já havia algum tempo, e vinha observando o distanciamento entre a nova
política e os antigos costumes. Interessado no problema, Lansing realizou, em
colaboração com o ecologista James Kremer, um estudo do sistema dos templos
d’água, na esperança de utilizar a emergente Ciência da Complexidade para ajudar
a restabelecer os níveis de produção. Para tanto, ele desenvolveu um modelo

6
Programa desenvolvido no início da década de 1970, com objetivo de aumentar a produção mundial
de alimentos e tornar os países mais auto-suficientes, através da disseminação de novas tecnologias
agrícolas e do incentivo à comercialização da produção agrícola no mercado internacional.
84

computacional no qual tratava cada lavrador como um organismo dotado de um


conjunto de estratégias de sobrevivência – quando plantar, quando deixar a terra
descansar – com impacto direto no êxito ou no fracasso dos vizinhos. O programa
de computador criado a partir do modelo permitia simular as seqüências anuais de
plantio e colheita, na sondagem da melhor estratégia possível para cada lavrador.
Identificada a estratégia ótima, sua comparação com o sistema dos templos d’água
deixou Lansing perplexo, pois os padrões eram virtualmente idênticos.

Portanto, simulando a dinâmica da ecologia das plantações de arroz, Lansing


descobriu que a solução ótima para o manejo dos terraços de arroz é o próprio
sistema de templos d’água. Mas como os lavradores puderam encontrar a estratégia
correta? Como descobriram o balanceamento adequado entre o compartilhamento
de água e o controle de pragas? O modelo computacional sugere que o conjunto de
templos d’água pode ser entendido como um sistema adaptativo complexo. A
execução da simulação mostra que, com o simples estabelecimento da rede de
interações formada a partir dos templos, aumentam as colheitas de arroz – quase
duplicam, na maioria dos casos. Isso significa que, sem nenhuma mudança na
biologia da situação nem alteração de qualquer outro fator, a simples possibilidade
de estabelecimento da rede leva à duplicação da colheita. Lansing acredita que a
rede de templos d’água, como qualquer sistema adaptativo complexo, consiste num
modo de “navegar” rumo ao que alguns cientistas chamam a fronteira do caos: uma
condição ótima de adaptação biológica ou de lucratividade econômica, por exemplo,
situada no limite entre ordem e desordem. A solução encontrada pelo sistema – no
caso de Bali, o número correto de lavradores que deve deixar a terra descansando,
ao mesmo tempo – é uma propriedade emergente da rede, advinda das interações.

Mesmo essa versão simples do caso Bali serve de ponto de partida à exploração de
uma inspiradora variedade de aspectos metaforicamente relacionados aos limites e
dificuldades percebidos na experiência com projetos do LACTEA. Por exemplo, o
“choque de visões” de projeto, que já se manifestara no caso “Máquina Anti-
Gravidade”, pareceu-nos, já à época, indicar a iminência de um conflito de
concepções muito maior, de natureza semelhante ao confronto ocorrido em Bali,
entre a concepção filosófico-cultural que gerou a Revolução Verde e a concepção
religioso-cultural em que se ancora a milenar tradição dos templos d’água. Na
reflexão tecida a seguir, procuramos esclarecer esse pensamento.
85

Um dos principais teóricos e divulgadores mundiais do pensamento complexo, Edgar


MORIN discute, em Os sete saberes necessários à educação do futuro (MORIN,
2000), problemas essenciais do conhecimento humano atual: redução, disjunção,
especialização fechada e falsa racionalidade. Sobre esta, identificada com a
racionalização abstrata e unidimensional que grassa pelo mundo, o autor alerta:

Por toda parte e durante décadas, soluções presumivelmente racionais trazidas por
peritos convencidos de trabalhar para a razão e para o progresso e de não identificar
mais que superstições nos costumes e nas crenças das populações, empobreceram ao
enriquecer, destruíram ao criar. (p.44)

Para ilustrar a discussão desse “problema essencial”, o exemplo é exatamente a


Revolução Verde. MORIN reconhece o expressivo incremento de fontes alimentares
e a notável redução de escassez gerados pelo programa, mas ressalta que,

... entretanto, foi preciso rever esta idéia inicial, aparentemente racional, mas de maneira
abstrata maximizante, de selecionar e multiplicar sobre vastas superfícies um único
genoma vegetal – o mais produtivo quantitativamente. Percebeu-se que a ausência de
variedade genética permite ao agente patógeno (ao qual este genoma podia resistir)
destruir, na mesma estação, toda a colheita. Então, promoveu-se o restabelecimento de
certa variedade genética com a finalidade de otimizar, e não mais maximizar, os
rendimentos. Aliás, os derrames maciços de fertilizantes degradam o solo, as irrigações
não levam em consideração o terreno, provocando sua erosão, a acumulação de
pesticidas destrói as regulações entre espécies, eliminando o útil ao mesmo tempo que o
prejudicial, provocando até mesmo, às vezes, a multiplicação desenfreada de uma
espécie prejudicial imune aos pesticidas; além disso, as substâncias tóxicas contidas nos
pesticidas passam aos alimentos e alteram a saúde dos consumidores. (p.44)

A ponderação ajuda a embasar a forte crítica de MORIN à pseudo-racionalidade


que, com pretensões exclusivistas, dominou o século 20 e, apesar dos avanços que
gerou em todas as áreas da ciência e da técnica, produziu cegueira e erro, em
relação a problemas globais, fundamentais e complexos. Para MORIN, é imperioso o
esforço de subverter tal racionalidade mutilada e mutiladora – de clara filiação
cartesiano-mecanicista e lógico-positivista – buscando concepções que conjuguem
verdadeiramente análise e síntese e reconciliem as partes com o todo, no adequado
enfrentamento dos complexos desafios “com os quais os desenvolvimentos próprios
de nossa era planetária nos confrontam inelutavelmente” (2000, p.46).

No caso de Bali, o trabalho do Dr. Lansing produziu dramático exemplo da validade


da crítica feita por Morin e do significado dos desafios por ele sinalizados. Reforçam
esse ponto de vista várias informações acessíveis pela internet, cobrindo desde a
documentação produzida pelo próprio Lansing, em livro e vídeo,7 a discussões do

7
A título de exemplo: LANSING, J. Stephen. The Three Worlds of Bali. New York: Praeger Publishers,
1983. LANSING, J.S. Priests and Programmers: Technologies of Power in the Engineered Landscape
86

caso feitas por diversos autores. No artigo “The Impact of the Green Revolution and
Capitalized Farming on the Balinese Water Temple System”, Jonathan SEPE alinha-
se a MORIN, ao afirmar que os especialistas da Revolução Verde, pela perspectiva
econômica convencional que assumiram, foram incapazes de valorizar
adequadamente a cultura, a história e a agricultura natural da sociedade balinesa.
Em decorrência da visão limitada de seus realizadores e a despeito das boas
intenções, a Revolução Verde não alcançou seus objetivos, tornando-se um dos
maiores fracassos da história, em termos de projetos de desenvolvimento, gerando
efeitos amplamente difundidos, até os dias de hoje (SEPE, 2000).

MORIN (2000), por sua vez, na discussão dos “problemas essenciais”, ao criticar a
hiperespecialização, faz considerações sobre que “o recorte das disciplinas
impossibilita aprender ‘o que está tecido junto’, ou seja, segundo o sentido original
do termo, o complexo” (p.41). Em seguida, esclarece que a especialização

... extrai um objeto de seu contexto e de seu conjunto, rejeita os laços e as


intercomunicações com seu meio, introduz o objeto no setor conceptual abstrato que é o
da disciplina compartimentada, cujas fronteiras fragmentam arbitrariamente a
sistemicidade (relação da parte com o todo) e a multidimensionalidade dos fenômenos;
conduz à abstração matemática que opera de si própria uma cisão com o concreto,
privilegiando tudo que é calculável e passível de ser formalizado. (p.41-42)

MORIN exemplifica, depois, como a ratificar a concordância com SEPE:

Assim, a economia, por exemplo, que é a ciência social matematicamente mais


avançada, é também a ciência social e humanamente mais atrasada, já que se abstraiu
das condições sociais, históricas, políticas, psicológicas, ecológicas inseparáveis das
atividades econômicas. É por isso que seus peritos são cada vez mais incapazes (...) de
prever e de predizer o curso econômico, mesmo em curto prazo. Por conseguinte, o erro
econômico torna-se a conseqüência primeira da ciência econômica. (MORIN, 2000, p.42)

A abertura a críticas dessa natureza existe também entre economistas que, mais
sensíveis aos dramas do mundo, sabem fazer autocrítica. É o caso do professor Dr.
Ladislau DOWBOR, convidado a prefaciar o livro À sombra desta mangueira, do
educador Paulo Freire. Reconhecendo o desafio de comentar o texto de quem já
pensa tão profundamente seu ato de escrever, ele destaca o estranho o fato de

... a incumbência recair sobre um profissional da Economia, área que, provavelmente


mais do que qualquer outra, foi responsável por uma construção teórica dominante onde
desapareceram as preocupações com a ética, a solidariedade, os simples sentimentos
de felicidade ou de realização pessoal. (DOWBOR, 2001, p.7)

of Bali. Princeton University Press, 1991. LANSING, J.S. The Balinese. Harcourt Brace, 1994.
LANSING, J.S. & SINGER, Andre. The Goddess and the computer. Documentary Educational
Resources. 58 min., color. (videocassete).
87

Autocríticas como o de Dowbor expressam a urgência da busca de humanização do


conhecimento, mesmo nas ciências ditas humanas e sociais, como alerta MORIN
(2000). São também indicadores de possíveis caminhos para a busca, ao destacar a
necessidade de balancear o acesso a coisas melhores e o relacionamento humano
gerado, fundamental na construção de uma vida melhor (DOWBOR, 2001, p.13).

Para a ciência – “desumana” – para a qual importa mais a razão das coisas do que
as razões e emoções humanas, o alerta do crítico contundente da submissão à
miopia cientificista: “reconhece-se a verdadeira racionalidade pela capacidade de
identificar suas insuficiências” (MORIN, 2000, p.23). DOWBOR (2001) confraterniza-
se com o autor que prefacia e une-se a MORIN, no repúdio às racionalizações
onipotentes, ao brindar à manifestação, em Paulo Freire, de uma racionalidade que
“...reclama racionalmente o direito a suas raízes emocionais” (p.14).

É a volta à sombra da mangueira, ao ser humano completo. E com os cheiros e sabores


da mangueira, um conceito muito mais amplo do que esquerda e direita, e
profundamente radical: o da solidariedade humana. (DOWBOR, 2001, p. 14)

Retornemos assim, pelas sombras de mangueiras e arrozes – das brasileiras às


balinesas – para seguir na reflexão sobre a importância de, ao buscar novos modos
de produção, na fábrica ou na lavoura, e ao pensar o reordenamento de espaços de
reprodução social, na família ou na escola, fazê-lo considerando que

contextos que jogam um homem contra outro geram inferno, enquanto contextos que
geram solidariedade constroem ambientes onde as pessoas se sentem realizadas.
(DOWBOR, 2001, p.13)

Ainda que a cultura balinesa não atribua sentido à noção de inferno, a metáfora
reflete bem as agruras de um povo que vê desrespeitadas história, cultura e religião
milenares, por imposição de uma visão cuja racionalidade certamente não inspiraria
elogios a um Edgar MORIN. A consideração de outros aspectos do caso Bali ajudará
a melhor entender o contraste entre a abordagem mecanicista e a da complexidade.
SEPE (2000) aponta três fatores principais que contribuíram para o processo de
implantação e posterior fracasso do projeto balinês da Revolução Verde:

Primeiro, a devoção cultural dos balineses ao ritual religioso é fortemente ligada a seu
sistema agrícola. Segundo, a colonização holandesa estabeleceu uma estrutura
adequada a métodos agrícolas burocráticos, posteriormente utilizada pela Revolução
Verde. Por último, a implementação da agricultura capitalizada opôs-se à agricultura
natural, ao menosprezar o sistema dos templos d’água.8

8
Citações de SEPE (2000): tradução do autor da dissertação.
88

SEPE (2000) esclarece que é tão forte a ligação da organização social balinesa com
o ritual religioso que, ao invés de cidades ou centros urbanos, um complexo sistema
de templos diversos é que regula os afazeres diários. Na agricultura, tal papel é
cumprido pelos templos d‘água, o principal dos quais fica num lago próximo ao pico
do vulcão Batur e centraliza rituais como o lançamento da água sagrada nos canais
de abastecimento. A descida da água para todos os pontos da ilha representa
aspectos da hierarquia social e esparge a promessa da boa colheita, atribuída à
deusa da água, Dewi Danu, que se acredita morar no lago do “ancien volcan”.

SEPE (2000) destaca um curioso aspecto da colonização holandesa da ilha,


causadora de sangrenta demolição dos sinais visíveis da organização política, social
e cultural balinesa. Graças à limitada percepção dos colonizadores sobre o
significado essencial dos templos, não chegou a ocorrer a destruição de muitos dos
aspectos mais profundos da cultura local, que acabaram bem preservados na
invisível rede de concepções e relações mantida em torno dos rituais organizados
pelos templos. Por exemplo, de meados do século 19 para o início do século 20, os
holandeses instalaram um sistema capitalista burocrático na ilha, tirando proveito da
eficiência do sistema agrícola natural, através da cobrança de impostos, e nele
causando impactos que se, de um lado, montaram cenário propício à implantação da
Revolução Verde, de outro, não causaram o rompimento da delicada rede social.

Na Revolução Verde, SEPE (2000) aponta que a visão de que a agricultura é um


processo puramente técnico levou a impor uma forma de capitalização que
desrespeitava os ritmos da cultura local. Pretendeu-se maximizar a eficiência da
produção obrigando todos os lavradores ao plantio de uma variedade única de arroz
de alta produtividade, ao mesmo tempo e com a maior freqüência possível. Além do
desastroso resultado econômico, essa exclusão do sistema dos templos d’água teve
seriíssimas conseqüências sociais, já que ele é a base de um complexo sistema
social que coordena a produção, e não uma mera engrenagem ritualística. Nas
décadas de 1980 e 1990, o governo indonésio tentou reverter os efeitos perversos,
utilizando estratégias que buscavam uma união entre ciência e ritual e tendiam a
readmitir, em parte, o controle local da produção. Somente mais tarde, o trabalho de
Lansing persuadiu o governo balinês a reconhecer a importância do sistema dos
templos d’água. Atualmente, já ocorreu a retomada do sistema natural, com a
restauração do vínculo religioso-agrícola estabelecido pelos templos e da estrutura
descentralizada que se mostrou vital à sobrevivência da rede social de Bali.
89

O caso Bali é altamente simbólico da incapacidade do paradigma moderno, moldado


na concepção cartesiano-mecanicista, de responder a muitas demandas do mundo
atual. Na acepção filosófica da expressão, a escola mecanicista conduz a
abordagens que apresentam claros limites, em contextos ecológicos. Mas isso se dá
também no que vimos chamando o “mundo da escola”. Nesse sentido da expressão,
é possível dizer que os profissionais da educação atuamos hoje numa “escola
mecanicista”. E podemo-nos inspirar numa Bali metafórica, na busca auto-
consciente e autocrítica do reconhecimento e da superação dos limites de nossas
práticas. É um esforço digno da verdadeira racionalidade defendida por MORIN.

No Projeto LAF, o caso serve-nos de parâmetro metafórico para formular reflexões


como as seguintes: quando nos envolvemos no desafio do trabalho com os projetos
livres, o que buscamos, junto com os alunos, não é uma forma de organização social
da experiência escolar que “multiplique a colheita”? Quando vemos superadas as
previsões catastróficas de uma racionalidade estreita e “desumana”, através das
gratas surpresas geradas pelo esforço tenaz de jovens cheios de amor pelo
aprendizado, o que temos não é a manifestação de uma sabedoria ancestral, a
indicar que a “colheita” é mais abundante quando os lavradores do conhecimento
respeitamos nossa própria natureza humana, que cobra o direito de estar presente
na celebração “ritual” da contínua aprendizagem, parte da essência mais profunda
do ser vivo? Enfim, diante do confronto, real ou virtual, com uma lógica didático-
curricular marcadamente mecanicista, seria justo consentir que se sufoque a vida, a
alegria, o sorriso, o brilho nos olhos, o que de mais profundo há no espírito humano
– como faz a escola, muitas mais vezes do que é direito – em nome da submissão à
regra de uma determinística presunção de eficiência, mais aplicável à máquina do
que a homens e mulheres, ainda mais em tão promissora fase de formação?

Talvez se considerem “impressionistas” demais as cores com que pintamos a


imagem. Mas elas não são fruto apenas de impressões pessoais. Denotam, sim, a
dimensão da importância pessoal que a experiência assumiu, ao longo do tempo,
mas também sinalizam aspectos objetivamente considerados nas discussões do
campo do currículo. Por exemplo, William DOLL JR. (1997), ao construir uma
perspectiva pós-moderna de currículo, caracteriza claramente o paradigma moderno,
lastreado nas visões de mundo de Newton e Descartes, e depois discute os
remanescentes curriculares dessa concepção.
90

O paradigma moderno é descrito como o que substituiu o paradigma pré-moderno –


de natureza organicista – por uma visão fechada e mecanicista de mundo, baseada
na metáfora do mundo-máquina, idealizada pela filosofia de Descartes, instituída por
Newton, em termos de princípios científicos, e transformada, pelos seguidores, em
inúmeras opções tecnológicas. Nessa visão, em vez de um planeta concebido como
lar, em acolhedora relação de reciprocidade com os seres que o habitam, passou-se
a ver a Terra como um lugar a ser desbravado e explorado.

Adotando o senso de experimentação de Galileo, o método de Descartes da razão


correta e os princípios de Newton, (...) passou a ser considerado possível submeter,
primeiro a Natureza e depois as outras pessoas, à vontade daqueles especialistas que
sabiam das coisas. (p.37)

Tal concepção fortaleceu-se e ramificou-se, criando o cenário em que visionários


sociais como Laplace e Comte perceberam o alvorecer de uma “nova era”, de
natureza industrial e tecnocrática, na qual

... a riqueza seria criada (...) pela produção industrial. Surgiria uma nova linhagem de
homens, “engenheiros, construtores, planejadores”, e esses tecnocratas não só
seguiriam as leis da Natureza como também as aperfeiçoariam, como os criadores
estavam fazendo com a genética da plantas. Não existia mais a visão de trabalhar
moderadamente com a Natureza; a visão agora era a de civilizar a natureza, melhorá-la.
O progresso e a perfeição pareciam possíveis, inclusive inevitáveis. (p.37)

As conseqüências dessa pretensão desmedida de domínio da natureza parecem-


nos suficientemente ilustradas no caso Bali. A referência à genética é também
sugestiva. Nos desenvolvimentos atuais da engenharia genética, vê-se o desfecho
de uma história que, iniciada há cerca de um século e meio, coloca hoje a
humanidade frente a questões e preocupações cruciais, do ponto de vista ético e
social – às portas de um “admirável mundo novo”.

A crítica à exacerbação da racionalidade científica decorrente dos desenvolvimentos


e êxitos do paradigma moderno, que é levantada por MORIN (2000) e reforçada por
DOWBOR (2001), faz-se também presente no texto de DOLL JR. (1997). Este leva a
refletir sobre que as estruturas curriculares herdeiras do paradigma moderno – ainda
soberanas em nossas instituições escolares – não mais se adequam às
necessidades do mundo pós-industrial, fortemente marcado por imprevisibilidades,
incertezas, indefinições e outros aspectos com que esse paradigma não aprendeu a
lidar. Para DOLL JR., “Descartes legou ao pensamento modernista um método para
descobrir um mundo preexistente, não um método para lidar com um mundo
emergente, evolucionário.” (p.48). O método cartesiano do raciocínio correto, com
91

sua natureza exclusivista e maximizante, gerou implicações curriculares ligadas à


imposição de fins externos ao processo, ao rompimento da relação dinâmica entre
imaginação e fato e à determinação da visão de ascendência da teoria sobre a
prática e da descoberta sobre a criação, na abordagem do mundo do conhecimento
(p.47). Em complementação, DOLL JR. (1997) considera que

São as visões metafísicas e cosmológicas de Newton – não suas visões científicas – que
têm dominado o pensamento moderno por tanto tempo, estabelecendo os fundamentos
nas Ciências Sociais para a predizibilidade causativa, o ordenamento linear, e uma
metodologia fechada (ou de descoberta). Estes fundamentos, por sua vez, são as bases
conceituais da criação do currículo científico (na verdade cientístico). (p.51)

Esclarecendo essa posição, o autor discute a manifestação, na obra de Newton, de


uma visão metafísica da ordem natural cujo ideal de beleza está na uniformidade e
numa simetria simples que envolve uma série de relações necessárias, lineares,
causativas e acessíveis à descrição matemática exata. Essa obra potencializou o
trabalho de cientistas e matemáticos que, nos séculos 16 e 17, romperam com as
tradições do paradigma pré-moderno, substituindo a ênfase na essência qualitativa
pela ênfase na quantificação e na mensuração – de coisas, eventos e experiências
(DOLL JR., 1997, p.50-51). Nesse rompimento, teve importância imensurável a
unificação de céus e Terra proporcionada pela cosmologia newtoniana. Esta,
baseada numa lei única de gravitação universal, por um lado, uniu o que Aristóteles
separara e, por outro, reforçou algumas divisões preconizadas por Descartes. Assim,
os “pequenos erros” sempre presentes na comparação entre o ideal matemático
galileano-cartesiano-newtoniano e a realidade observada jamais chegaram a ser
preocupação maior, na tradição moderna. Entram na conta de uma divisão racional-
empírica entre o ideal e o real, vista como inevitável e de menor importância (p.51).

Dentro dessa lógica, em que o prático e o experiencial são vistos como simples
“aplicações da teoria”, não chega a ser estranha a existência de uma tradição
curricular baseada no pré-estabelecimento de uma ordem “externa” única e ideal, a
ser impositivamente perseguida por professores e alunos. Em tal cenário,
consideram-se “irracionais” os desvios em relação ao modelo que a racionalidade
vigente arquiteta, a partir de conceitos como os de seqüenciamento linear, relação
causa-efeito e negação da mudança qualitativa ao longo do tempo. A linearidade
impregna, do ensino fundamental à universidade, a organização e o seqüenciamento
de livros didáticos, planos de curso e métodos de ensino. A visão mecanicista de
causalidade enfatiza e reforça relações de determinação mecanizante do professor
92

sobre o aluno. A atribuição de um caráter gradual e progressivo ao desenvolvimento


do aluno leva ao planejamento curricular “denso”, sem lacunas, furos ou rupturas, e
à percepção do tempo como mero parâmetro descritivo-cumulativo de um caminho
previsível, descritível e prescritível, e não como ingrediente ativo de um processo
complexo e repleto de surpresas (p.51-53).

É compreensível que essa visão de mundo e de currículo tenha ganhado força ao


longo da era industrial, num panorama marcado por aspectos como expectativa de
estabilidade e certeza, artificialização da vida humana, massificação da vida e da
morte, ilusão de inesgotabilidade de recursos, indiferença quanto aos resíduos da
sociedade urbana. Hoje, porém, o cenário é de esgotamento desse modelo de
submissão da natureza – terrena e humana – aos caprichos de um consumismo
insano, num mundo em que a experiência da vida no planeta encontra-se ameaçada
pela exploração predatória e pouco responsável de recursos, pelo multifário
desrespeito à diversidade, pela interferência sem precedentes de uma única espécie
biológica no ambiente da biosfera planetária. E esse ambiente, como o de Bali,
somente oferece condições favoráveis à vida num contexto de respeito à ampla teia
– à vasta rede – de múltiplos interrelacionamentos, que aprende a encontrar os
próprios caminhos, na busca incerta, complexa, dinâmica e estritamente não-
previsível de adequado balanceamento entre estabilidade e mudança.

As concepções em construção, neste mundo pós-industrial e pós-moderno,


começam a acolher, com profundo significado simbólico, fatos como a percepção do
caos nas órbitas planetárias que Newton pretendera “estabilizar” ad eternum; o
encontro de novas “medidas de todas as coisas” num velho mundo em cuja
geometria as únicas linhas retas parecem ser as pretendidas pelo homem; a
apreensão de uma comunhão de padrões de comportamento numa multiplicidade de
fenômenos de aparências diversas, que leva MORIN (2000, p.55) a propor sua
unitas multiplex como princípio complexo essencial à educação para a humanização.

Nesse mundo de novas concepções é que pensamos fazer sentido – assim em Bali
como na escola – nossa pretensão de multiplicar a colheita. Não pela submissão a
um produtivismo típico da modernidade, e sim pela paulatina assunção e cuidadosa
apreciação dos frutos e produtos advindos de modos de comportamento e
organização que inspirem em professores e alunos profundo respeito mútuo à
diversidade de histórias, culturas e vidas, na múltipla comunidade em que se
93

inserem. Modos que permitam a todos – no ato de fazer – criticar e refletir, negar e
consentir, confirmar e repelir, discordar e aplaudir, numa busca complexa de
“caminhos do meio”, entre aparentes extremos. Modos que levem a explorar, com a
paciência dos que apreciam sombras de gameleiras e mangueiras, novos terrenos
metodológicos, didáticos e curriculares. Bali inspira-nos a pensar e sentir que esse
caminho de esforço, encanto e paciência, talvez pachorrento demais para a visão
mecanicista, pode, aos poucos, conduzir à surpresa do encontro com múltiplas
pequenas revoluções de vida e aprendizagem, saborosas e multicores, mais
eficazes e eficientes que uma única revolução pretensamente monocromática.

Ainda sob a inspiração de Bali, ficamos mesmo a refletir sobre que a visão
pedagógica tradicional – de um Herbart, seus epígonos e prosélitos – caudatária tão
evidente da concepção cartesiano-mecanicista, contribuiu fortemente para a criação
de cenários nefastos para a escola de hoje. Esta pode desempenhar papel
semelhante ao dos colonizadores holandeses, em Bali: explorar o território da
educação com uma burocracia coletora de “impostos”, auferindo benefícios de uma
rede de relações cuja complexidade e importância mal são percebidas. Mas há
também o risco, ainda mais grave, da destruição dessa rede, quando a burocracia
escolar, como os especialistas da Revolução Verde, submete-se demais a
percepções monoculares e míopes do significado dos processos com que lida.
Quando o faz a ponto de impor regras, planos, programas, normas e condutas que
levam a crises, catástrofes, colapsos, tanto individuais quanto coletivos. São
inúmeros os índices de desempenho – inventados pelo próprio sistema – que
sinalizam dificuldades endêmicas e dispensam maiores comentários. Em condições
semelhantes, como se pode esperar, em área como a educação em Ciência &
Tecnologia, “preparar” profissionais para a atuação competente, ampla, responsável,
sensível e criativa exigida em momentos decisivos como os que vivemos nos dias
atuais? Isso não nos parece possível dentro de uma concepção que iguala mundos
e máquinas, e acaba por levar a tratar seres humanos, sejam operários, alunos ou
professores, com a lógica das peças de reposição.

Márcio Simeone HENRIQUES (s.d.) também ajuda a sinalizar, como limite da escola
atual, um ambiente de aprendizagem moldado sob a influência de uma estrutura
linear de currículo, fruto de princípios pedagógicos como unidimensionalidade,
homogeneidade, normatividade, seqüencialidade, previsibilidade e disciplinaridade.
A forte limitação imposta à criatividade e à inovação decorre da própria inércia de
94

uma estrutura que foi “feita para durar”, o que torna difícil assimilar, em sua dinâmica
interna, aspectos como a perda de monopólio sobre a transmissão do saber, imposta
pela rápida proliferação de fontes de informação e meios de comunicação, nas
últimas décadas. HENRIQUES aponta essa dificuldade de assimilação como
indicador de uma inadequação e uma necessidade de reestruturação que o levam a
discutir a necessidade de construção de ambientes complexos de aprendizagem.

Sobre esse tipo de construção, DOLL JR. (1997) faz alerta fortemente questionador
da herança da escola mecanicista. Chama a atenção sobre que o currículo com que
se pretenda contemplar a alardeada complexidade “...é dependente do professor, e
não à prova de professor, e sua característica definidora é um senso de movimento
ou processo.“ (p.31). Sugere subverter da lógica mecanicista, recolocando na mão
do professor a responsabilidade e o direito de incluir-se e a seus alunos na ativa
definição do caminho a seguir, no cultivo de um senso de processo que permitirá
tirar proveito dos aspectos positivos presentes no caráter culturalmente conservador
do sistema escolar – como é o de todo sistema social humano (MATURANA, 2002,
p.206) – sem prosseguir numa submissão que o mundo de hoje reclama romper.
Esse necessário rompimento pode começar pela descoberta e pelo exame de pistas
sobre as concepções que, no fundo, são guias e balizas invisíveis dos passos. Esse
exercício pode levar à percepção, talvez perturbadora, de que, muitas vezes,

Nós consideramos a ordem caótica ou complexa, a indeterminância, a transformação, a


direção interna e a autogeração como incomuns, não porque são incomuns em si
mesmas, e sim porque violam a nossa aceitação “natural” da visão de mundo de Newton.
(DOLL JR., 1997, p.50)

O caso Bali pode ajudar a dar sentido a essa ponderação. Os especialistas da


Revolução Verde, guiados pela visão econômica típica do paradigma moderno,
certamente julgaram incomum e ineficiente um manejo de produção com bases tão
pouco racionais. Entretanto, as simulações desenvolvidas por LANSING permitiram
verificar que, por menos canônicas e racionalmente defensáveis que fossem, tais
bases são capazes de gerar, na rede social balinesa, um processo auto-organizativo
que, além de atender a expectativas culturais, religiosas e quiçá de outras ordens,
ainda resulta em produtividade superior à permitida pelos métodos “autorizados”.

Para melhor apreciar o trabalho de LANSING e entender a diferença entre as duas


abordagens, e as possíveis implicações educacionais, recorremos a referências
específicas sobre complexidade. O verbete complexity, do website da Encyclopaedia
95

Britannica,9 destaca que, no âmbito da Ciência da Complexidade, ferramentas como


as simulações computacionais refletem pelos menos três componentes
característicos dos sistemas adaptativos complexos: número mediano de agentes;
inteligência e adaptabilidade dos agentes; ação baseada em informação local
(BRITANNICA, 1999). Quanto ao número de agentes, registra-se:

...Em contraste com sistemas simples – como conflitos de superpotências, que envolvem
a interação de um pequeno número de agentes – ou grandes sistemas – como galáxias
ou recipientes de gás, que admitem a utilização de métodos estatísticos em seu estudo,
pelo número suficientemente grande de agentes que possuem – sistemas complexos
envolvem um número mediano de agentes (...) [,] nem pequeno demais nem grande
demais, apenas o suficiente para a criação de padrões interessantes de comportamento.
(BRITANNICA, 1999)10

Quanto à inteligência e à adaptabilidade dos agentes, registra-se:

Não apenas há um número mediano de agentes, mas tais agentes são “inteligentes” e
adaptativos. Isso quer dizer que eles tomam decisões com base em regras, e que estão
prontos a modificar as regras a partir das novas informações disponíveis. Além disso, os
agentes são capazes de gerar regras novas, originais, ao invés de ficarem restritos para
sempre a um conjunto pré-selecionado de regras. Isso implica a emergência de uma
ecologia de regras, que continua a evoluir ao longo do processo. (BRITANNICA, 1999)

Quanto à ação baseada em informação local, registra-se:

No mundo real dos sistemas complexos, nenhum agente sabe o que todos os outros
estão fazendo. No máximo, cada pessoa obtém informação sobre um subconjunto
relativamente pequeno do conjunto total dos agentes e processa essa informação “local”
para chegar a uma posição sobre como eles agirão. (...) a informação local é tão local
quanto é possível (...) [quando] cada pessoa sabe apenas o que ele ou ela está fazendo
(...) [e] ninguém possui informação sobre as ações realizadas por qualquer outro agente
do sistema. Isso, no entanto, é um caso extremo. Na maioria dos sistemas os agentes
são mais parecidos com motoristas num sistemas de transporte ou negociantes num
mercado, cada um dos quais possui informação sobre o que uns poucos motoristas ou
negociantes estão fazendo. (BRITANNICA, 1999)11

No caso Bali, o artigo de SEPE (2000) permite verificar que LANSING de fato, levou
em conta esses componentes característicos. Permite também supor que – no
espírito do paradigma moderno – os especialistas da Revolução Verde tenham
trabalhado com um conjunto de hipóteses “razoáveis” semelhantes às seguintes:

1) existência de um número suficientemente grande – estatisticamente tratável – de


agentes (lavradores), trabalhando nos inúmeros terraços de arroz e freqüentando
os milhares de templos da ilha;

9
Endereço: http://www.britannica.com. Dispomos de cópia eletrônica do verbete, adaptado do livro
Would-be worlds, do matemático amerciano John L. Casti (edição de 1997).
10
Citações da (ENCYCLOPAEDIA) BRITANNICA (1999): tradução do autor da dissertação.
11
Citação ligeiramente adaptada, devido à opção de não incorporar referência a situações-exemplo.
96

2) possibilidade de substituir regras (acordos) ininteligíveis e “pouco inteligentes” por


métodos “autorizados” de manejo da produção, que a “inteligência” e a
“adaptabilidade” dos agentes deveria permitir aceitar;
3) viabilidade da submissão dos lavradores a controle central externo, através de
legislação e fiscalização, e negação de métodos advindos do sistema dos templos
d’água e da ação baseada em decisões originadas na informação local.

Esse conjunto de possíveis hipóteses ilustra como a aceitação “natural” da visão de


mundo de Newton pode levar à abordagem danosa de situações em que justamente
as “pequenas diferenças” entre ideal teórico linear e fenômeno observado é que
pode ser a “salvação da lavoura”. No caso Bali, a expressão assume sentido literal,
quando o trabalho de LANSING demonstra que, em detalhes supostamente sem
importância de uma cultura milenar, está a sabedoria de um conjunto ecológico de
regras de interação, convivência e produção. LANSING mostrou, além disso, que as
hipóteses típicas da Ciência da Complexidade aproximam-se mais do que as
mecanicistas de contemplar essa sabedoria, que parece ter boa proximidade com
aquela que Pedro DEMO chama a “sabedoria dos limites e desafios” (DEMO, 2000).

No caso da escola, poderia a mesma expressão assumir seu sentido metafórico?


Poderiam muitas aparentes “pequenas diferenças” entre ideal e real guardar também
seus segredos? Bali inspira a pensar assim. E também o LACTEA, com as histórias
de “colheitas” surpreendentes que já exemplificamos. Para levar adiante a reflexão,
parece interessante, de modo análogo ao que fizemos no caso Bali, levantar um
possível conjunto de hipóteses razoáveis da “escola mecanicista” e ressaltar suas
implicações. Comecemos por uma adaptação das hipóteses da Revolução Verde ao
contexto da “escola mecanicista”. Teríamos o seguinte:

1) existência de um número suficientemente grande – quantitativa ou mesmo


estatisticamente tratável – de agentes (alunos), trabalhando nas tarefas escolares
e freqüentando os diversos ambientes de estudo e aprendizagem (sala de aula,
laboratório, biblioteca);
2) possibilidade de substituir regras (modos) ininteligíveis e “pouco inteligentes”
(bagunça e desordem) por métodos “autorizados” – mesmo autoritários – de
controle da “produção” escolar (“vencimento” de matéria, trabalhos, provas), que a
“inteligência” e a “adaptabilidade” dos agentes deve permitir aceitar;
3) viabilidade da submissão dos alunos a controle central externo, exercido por
professores e outras instâncias oficiais, através de “legislação” e “fiscalização”, e
97

negação de métodos advindos da ação baseada em decisões originadas na


informação local.

Mesmo sendo apenas uma “caricatura conceitual”, a imagem de escola gerada por
essas hipóteses permite rápida associação com o modelo amplamente disseminado
pelas tradições do paradigma moderno. Considerando que esse padrão de escola já
foi suficientemente discutido, limitar-nos-emos a alguns comentários adicionais,
tomando por guia a abordagem triádica típica dos sistemas complexos.

Quanto à hipótese sobre o número de alunos, ainda que a escola não possa assumir
o limite do número muito pequeno, como seria o caso na pretensão de oferecer
tratamento individual, também não é razoável assumir o limite do número muito
grande, tendendo ao tratamento impessoal, à supervalorização dos aspectos
quantitativos e objetivos a ao exagero do significado e da importância atribuídos a
instrumentos de controle e autoridade, como notas e provas.

Quanto à hipótese sobre inteligência e adaptabilidade, parece-nos justa a crítica de


que a escola geralmente utiliza, ao lidar com seus alunos, conceitos demasiado
estreitos dessas características. No limite, há risco de adaptação às condições
subumanas de um penoso trabalho memórico-repetitivo – bancário, nas palavras de
Paulo Freire – e apenas reações de repúdio, desprezo e castigo a manifestações
mais criativas da inteligência, inclusive aquelas transgressoras, como o “copiar-e-
colar” hoje imensamente facilitado pelos computadores. Aos olhos dos prepostos de
um sistema que deseje, verdadeira e eticamente, honrar a capacidade de “leitura”
que alardeia desenvolver “nos” alunos, isso não deveria indicar menos que um
profundo chamado à re-significação e à mudança.

Em relação a esse aspecto, DOLL JR. (1997) oferece pistas preciosas sobre a
ascendência de certas tradições escolares do paradigma moderno. Ao discutir a
história do currículo científico, o autor ressalta a força de influências industrialistas,
remontando ao desenvolvimento dos métodos da gerência científica do trabalho, por
Frederick Winslow Taylor. Detalhes dos escritos de Taylor indicam o suspeito grau
de consideração que ele nutria pelos operários cujo trabalho pretendia normatizar. É
particularmente simbólica a escolha, para testes famosos que realizou na Bethlehem
Steel Company, de Schmidt, um funcionário com quem obteve um histórico aumento
de produtividade de 400%, no transporte de peças (p.56-57). A percepção de Taylor
sobre a “inteligência” e a “adaptabilidade” de Schmidt são retratadas pela referência
98

estarrecedora ao funcionário através de analogias com animais a que, ainda hoje, é


freqüentemente associada, no imaginário popular, a figura do estudante calouro.

Quanto à hipótese sobre o controle local, a percepção de quão esmagadora é a


submissão deste ao controle central fica clara com a recordação da importância
desmesurada que a burocracia escolar atribui a regras impostas por instâncias
externas aos ambientes de aprendizagem e que, muitas vezes, relegam o trabalho
pedagógico quase ao último posto de uma série de prioridades.

A Ciência da Complexidade ajuda a iluminar o entendimento de que o tratamento


geralmente dado aos alunos pela escola “moderna”, sem maior atenção às
manifestações de inteligência e adaptabilidade nas interações locais que realizam,
conduz a uma abordagem que desconsidera o caráter profundamente complexo
desse sistema. Na linguagem da Complexidade, esse tratamento, típico da hipótese
de que se lida com um sistema simples sujeito a “pequenas perturbações”, dificulta a
exploração e chega a impedir a manifestação de comportamentos possivelmente
caóticos – muitas vezes confundidos com a mera tendência a bagunça ou
“desordem” – e de uma série de características típicas do comportamento complexo
(BRITANNICA, 1999). Na área de educação tecnológica, vale a pena reforçar o
alerta sobre que o modelo linear tem implicações que parecem ir desde uma
moderada limitação da criatividade individual e nacional (BAZZO e PEREIRA, 1996;
BAZZO et alii, 2000) – como na colonização holandesa – até outra, mais grave, de
crise e eventual colapso, capaz de comprometer de modo definitivo o futuro de um
povo, se não revertida a tempo – como na Revolução Verde.

Mesmo que relativizemos a crítica, reconhecendo um certo caráter caricatural na


abordagem, a força da influência paradigmática mecanicista e a situação da escola
atual não podem deixar de inspirar preocupação. E um dos modos de dar a esta um
encaminhamento produtivo é convertê-la na ocupação de refletir sobre iniciativas
que buscam escapar a esse estereótipo grotesco e explorar outras possibilidades. O
Projeto LAF, por exemplo, tem significado um esforço tenaz e deliberado de romper
com o paradigma moderno, de “pular o muro” dessa escola mecanicista e explorar,
no terreno baldio do paradigma pós-moderno da complexidade – entre arrozes,
mangueiras, gameleiras – experiências mais dignas do nome educação. Com base
nisso e de modo consistente com a idéia de emergência de uma “ecologia” de regras
em processos relacionados ao comportamento dos sistemas adaptativos complexos
99

(BRITANNICA, 1999), chegamos a sugerir a possibilidade da construção de uma


visão ecológica de educação em Ciência & Tecnologia (HIGINO, 2000).

Do ponto de vista dos componentes característicos dos sistemas adaptativos


complexos, o conjunto de hipóteses sobre as quais se funda a linha metodológica
básica do LAF, já detalhada no capítulo 1, poderia ser descrito da seguinte forma:

1) existência de um número mediano de agentes (alunos), reconhecidos como


qualitativamente diferenciados, convidados a compor grupos de projetos, a
envolver-se com a auto-geração de temas de trabalho e a auto-gestão das tarefas
deles decorrentes e a explorar as complexas interações estabelecidas nos
diversos ambientes de estudo e aprendizagem (sala de aula; laboratório;
biblioteca; casa; indústria; ferro-velho; lojas de componentes, peças e materiais;
oficinas de serralheiro, torneiro e marceneiro; internet; escritório; auditório);
2) possibilidade de sondagem, valorização e validação das regras, inteligíveis e
inteligentes, que a inteligência e a adaptabilidade dos agentes mostra-se
suficiente para gerar – muitas vezes, em ambientes de aparente bagunça e
desordem – em lugar da pronta e gratuita imposição de métodos “autorizados” –
por vezes, autoritários – de controle da “produção” escolar;
3) viabilidade de um processo de validação de métodos derivados das interações
dos alunos e da ação baseada em decisões originadas na informação local,
combinado com uma estratégia de acordos e estímulos que evite a exposição dos
alunos a controle central externo, seja exercido pelo professor ou por outras
instâncias oficiais – através de “legislação” (normas) e “fiscalização” (cobrança).

Parece-nos fácil reconhecer que essas hipóteses, que dão base ao trabalho
realizado no Projeto LAF, são adequadas à geração um ambiente apropriado à
manifestação de características típicas do comportamento complexo:
indecomponibilidade intrínseca; ausência de controle central; retrointerconexão
profunda;12 imprevisibilidade; emergência de propriedades, regras, resultados,
surpresas; auto-organização (BRITANNICA, 1999). Sinais dessas características
têm sido observados em diversos níveis da dinâmica de evolução do Projeto: em
cada grupo de projeto e no conjunto dos grupos, no curto prazo de cada semestre
letivo e no médio-longo prazo da seqüência de treze “gerações” semestrais já
decorridas, ao longo de vários anos de atividade; nas interações e relações

12
A expressão, que será melhor explicada na seção 3.2, constitui tentativa pessoal deste autor de
refletir a discussão original e pode não corresponder a alguma terminologia já adotado em português.
100

desenvolvidas no ambiente sócio-tecnológico interno e externo ao CEFET-MG, nos


diversos pontos – reais ou virtuais – a que se dirigem os estudantes, em busca de
auxílio e apoio, ao longo de cada semestre letivo e no horizonte histórico de médio-
longo prazo do Projeto. Em todo esse cenário espaço-temporal e sócio-tecnológico,
o Projeto LAF vem explorando as ricas possibilidades de uma dinâmica de evolução
em que se manifesta um sistema que pode ser considerado adaptativo e complexo
por apresentar, em sua base, “um número mediano de agentes inteligentes e
adaptativos interagindo com base em informação local” (BRITANNICA, 1999).

Com essa discussão, julgamos ter apontado, com suficiente clareza, alguns dos
sérios limites do paradigma moderno – da “escola mecanicista” – além de razões
para buscar superá-los e o caminho promissor aberto pela pedagogia de projetos,
vista à luz da Ciência da Complexidade. Os sinais de comportamento complexo, de
que já fornecemos evidências esparsas, nos exemplos de projetos anteriormente
citados, serão objeto de atenção mais detalhada, na próxima seção. Antes, porém, é
necessário definir e caracterizar o paradigma de investigação educacional em que
nossa discussão ganha sentido. É a próxima tarefa a que nos dedicamos.

Paradigmas de investigação educacional

A esta altura da discussão, há dois aspectos de relevância central: primeiro, a forte


ligação do sistema tradicional de ensino tecnológico com o paradigma lógico-
positivista – de filiação cartesiano-mecanicista – destacada e criticada por BAZZO et
alii (2000). Segundo, num claro contraste, o compromisso de vários referenciais
pedagógicos inovadores assumem – explicitamente, no caso de WANDERLEY
(1999, p.73-82) – com o paradigma naturalista/construtivista, um dos paradigmas de
investigação educacional que sucederam o lógico-positivista. Aliás, muitos apontam
que o programa investigativo deste “acabou, uma vez que seus suportes intelectuais
foram, há muito, desmontados” (ALVES-MAZZOTTI, 1996, p.16).

No encerramento desta seção, também marcamos nossa opção pelo mesmo


paradigma naturalista de investigação educacional, que será objeto de algumas
considerações. De início, cabe uma ponderação sobre a sugestão de Alda Judith
ALVES-MAZZOTTI (1999, p.130),13 de adotar o termo “construtivismo social”, em

13
Optamos, nesta discussão, por uma forma resumida de citação, utilizando somente o nome de Alda
Judith ALVES-MAZZOTTI, já que tomamos por base a parte II (O método nas ciência sociais), de sua
autoria, da obra conjunta com Fernando GEWANDSZNAJDER.
101

substituição a termos como “pesquisa naturalista” e “construtivismo” – cuja


utilização, em referência a esse paradigma, pode gerar confusas associações.14
Preferiremos, no entanto, utilizar as denominações “naturalismo”, “paradigma
naturalista” e outras do gênero. Nossa opção justifica-se pelo fato de essa ser a
nomenclatura ainda mais utilizada, no contexto internacional, e de haver penetração
ainda modesta desse paradigma na literatura educacional brasileira.

Feito esse esclarecimento, de ordem terminológica, cabe ainda destacar que nossa
intenção, longe de qualquer pretensão de completude, é apresentar uma descrição
sumária das linhas gerais do paradigma naturalista. Também, limitaremos ao
estritamente necessário as alusões aos dois outros paradigmas substitutos do
lógico-positivista – o pós-positivismo e a teoria crítica – dos quais as referências
citadas trazem descrições pormenorizadas. Além disso, interessante investigação
fundamentada na teoria crítica e realizada em contexto investigativo relacionado ao
nosso é a dissertação de mestrado do professor Flávio Macedo CUNHA (1999),15 do
CEFET-MG. Nesse trabalho, o curso de Engenharia Industrial Elétrica da instituição
serve de base a um estudo de caso sobre a formação do engenheiro na área
humana e social, levando a propor representação do currículo como “campo de
força” que abre espaço à busca dinâmica de equilíbrio cooperativo entre os modelos
instrumental e emancipatório de racionalidade.

O paradigma naturalista de investigação educacional

GUBA & LINCOLN (1987) listam uma série de paradigmas utilizados em diversas
áreas de investigação. Entre os dois mais freqüentes na investigação social –
“científico” e “naturalista” – apontam o segundo como mais vantajoso, para a
finalidade. O contraste entre esta classificação diádica de GUBA & LINCOLN e a
classificação triádica de ALVEZ-MAZZOTTI é facilmente entendível. ALVES-
MAZZOTTI (1996) refere-se à visão expressa por GUBA, em 1990, de que os pós-
positivistas e os teórico-críticos parecem julgar possível algum tipo de acomodação
entre seus paradigmas. Os naturalistas/construtivistas, ao contrário, consideram os
pressupostos de seu paradigma incompatíveis com os dos outros e imprescindíveis
à total substituição do positivista, cujas graves falhas não permitam mera troca de
roupagem. Parece, assim, que GUBA engloba pós-positivismo e teoria crítica no

14
Segundo ALVES-MAZZOTTI (1999, p.130), pode haver confusões com o naturalismo inglês do
século 19 e com as teorias construtivistas da aprendizagem e do desenvolvimento, respectivamente.
102

paradigma científico, que considera pouco adequado à investigação humana e


social, na qual está a investigação educacional. GUBA & LINCOLN (1987, p.56)
indicam, entretanto, como critério de escolha, o melhor ajuste entre os
pressupostos e posturas do paradigma e o fenômeno a ser estudado ou avaliado.

Paradigmas e pressupostos

Em termos gerais, GUBA & LINCOLN (1987) contrapõem, agrupados em três


categorias, os pressupostos dos representantes dos dois paradigmas que tipificam.
Quanto à visão da realidade, o cientista vê o mundo como série fragmentável de
entidades reais, descritíveis por variáveis, e processos fixos, representáveis por
funções matemáticas e outras inter-relações, tudo isso constituindo a descrição de
fenômenos convergentes para a única verdade; o naturalista, pelo contrário, vê os
fenômenos do mundo mais como divergentes e percebe como igualmente
importantes, intrinsecamente relacionadas e complementares – como as camadas
de uma cebola – as múltiplas perspectivas de realidade cujo estudo compreensivo e
interrelacionado leva a modelos da “verdade”.

Quanto à natureza da relação pesquisador-objeto, o cientista assume que o


estudo do fenômeno será independente da influência pelo pesquisador, a quem
cabem cuidados (contraditoriamente, baseados no senso comum) para que isso
ocorra; o naturalista, ao contrário, assume que o investigador estuda os fenômenos
de forma interrelacionada, sendo infrutífero pretender desconsiderar as percepções
de quem colhe os dados e as conseqüências destas sobre a informação. O dualismo
sujeito-objeto é suposição razoável nas investigações de sistemas fechados
(comuns em Química e Física), mas não nas que envolvem pessoas, quando há
reflexos de fatores como fadiga e preconceitos, mesmo na elaboração e na
interpretação de resultados de questionários.

Quanto à natureza das declarações de verdade, o cientista considera possível a


produção de generalizações e focaliza a pesquisa nas semelhanças, pretendendo
gerar uma base de conhecimento nomotética; o naturalista evita generalizações e
lança mão de hipóteses de trabalho, atém-se mais às diferenças, na caracterização
de contextos distintos, e considera mais complexa a questão da transferibilidade de
descrições entre situações, levando a uma base de conhecimento idiográfica.

15
Trabalho desenvolvido no programa de mestrado do CEFET-MG.
103

Segundo ALVES-MAZZOTTI (1996), GUBA resumiu, em 1990 – ressaltando serem


as suas construções a respeito – essas mesmas três categorias de pressupostos
do naturalismo (ou construtivismo social, nos termos da autora):

1. uma ontologia relativista – decorrente da visão de subdeterminação da teoria –


que considera não haver processo fundacional que determine nem veracidade
nem superioridade de teorias, implicando a necessidade de reconhecer que as
realidades existem sob a forma de múltiplas construções mentais, locais e
específicas, fundadas na experiência social de quem as formula;
2. uma epistemologia subjetivista – decorrente da visão de que as realidades
existem apenas nas mentes dos sujeitos – que vê na subjetividade a única forma
de fazer vir à luz as construções mantidas pelos indivíduos, em investigações
cujos resultados são sempre criados pela interação pesquisador–pesquisado;
3. uma metodologia hermenêutico-dialética, segundo a qual as construções
individuais são provocadas e refinadas através da hermenêutica e do confronto
dialético, com o objetivo de gerar uma ou mais elaborações caracterizadas por
significativo consenso entre os respondentes.

Os pressupostos do paradigma naturalista inspiram uma investigação por via da


imersão em e da experiência com o campo fenomenológico. Essa linha parece-nos
inteiramente adequada à riqueza de aspectos da atividade de desenvolvimento de
projetos de que participamos com nossos alunos.

Paradigmas e posturas

Quanto às posturas típicas do paradigma naturalista, descritas por GUBA &


LINCOLN (1987), destacaremos resumidamente as mais prontamente relacionadas
à nossa discussão.16 Os autores insistem na existência de incompatibilidade apenas
entre os conjuntos de pressupostos dos paradigmas, aconselhando, em relação às
posturas, moderação na busca de balanceamento, sempre com olhos postos no
objeto de estudo. A forma contrastiva com que os autores apresentam as posturas
derivadas dos dois paradigmas é particularmente útil a nossa tentativa de estimular
uma visão de abertura na reflexão sobre o ensino de uma área técnica e
metodologicamente e ligada a posturas de fechamento.

16
Dispomos de resenha mais completa, em português, sobre esse tópico.
104

O propósito da pesquisa, para o cientista, é a verificação de hipóteses


especificadas a priori; para o naturalista, é a descoberta de elementos de
introspecção não incluídos em teorias existentes. As duas abordagens apresentam
diferenças e importância suficientemente grandes para não serem relegados a
estágios isolados da pesquisa. É vantajoso buscar intercalação e intermediação.

A posição típica dos cientistas é reducionista (estrutural, focalizada, singular),


enquadrando a pesquisa entre os limites das restrições impostas às condições
prévias e aos resultados; a dos naturalistas é expansionista (aberta, exploratória,
complexa), buscando descrições e entendimentos que reflitam a complexidade dos
fenômenos, através da reunião de introspecções sobre o campo estudado.

Quanto aos tipos de conhecimento utilizados, os cientistas restringem-se ao


conhecimento proposicional, ligado à forma e ao sentido denotativo da linguagem;
os naturalistas valorizam também os conhecimentos conotativo e tácito na geração
da teoria, pelo conteúdo comunicativo que encerram.

Quanto à origem da teoria, o cientista valoriza a geração a priori da teoria e sua


posterior verificação, enquanto o naturalista admite a geração contextual da teoria e
o exame do contexto como fonte desta.

Nosso alinhamento com os pressupostos característicos e as posturas preferenciais


do paradigma naturalista deixa-nos em situação confortável para assumir que a
discussão desenvolvida neste capítulo, de base analógico-metafórica, é fruto de um
processo de busca de elementos teóricos desencadeado por introspecções sobre
nosso campo de estudo surgidas no decorrer de um longo e intenso período de
envolvimento com suas atividades. Nessa perspectiva paradigmática, fica
claramente validada a visão de que é necessário expandir a percepção e a
compreensão da complexidade das dinâmicas ligadas à pedagogia de projetos,
contribuindo para a geração, nesse contexto, de uma construção teórica adequada
às amplas possibilidades abertas a esse tipo de abordagem, nos dias atuais.

Parece-nos, assim, apropriadamente sinalizada a convergência das visões


decorrentes da Ciência da Complexidade17 e do paradigma naturalista, no caso da
investigação dos sistemas sócio-educacionais humanos. Na próxima seção,
prosseguimos com algumas discussões necessárias a nossa construção teórica,

17
Há mesmo referências ao paradigma da complexidade, como no caso da visão de MORIN (1996).
105

examinando a possibilidade de convergência da visão de projeto até aqui esboçada


com visões decorrentes de investigações sociológicas filiadas ao paradigma de rede,
particularmente o conceito de negociação nas redes sócio-tecnológicas.

3.2 Linux: complexidade, evolução, negociação

Também nesta seção, a discussão será contextualizada através de paralelo com um


estudo de caso. Desta vez, no entanto, pertence diretamente à área de tecnologia o
exemplo com que tivemos contato, no primeiro semestre de 2000, assistindo a um
programa de televisão18 sobre software livre. O debate abordava o exemplo mais
famoso: o sistema operacional Linux. Apesar do pouco conhecimento de detalhes
técnicos do sistema, chamara-nos a atenção o peculiar modelo de desenvolvimento:
colaboração voluntária, num software de código aberto e acesso gratuito, de
pessoas de diversas partes do mundo, numa interação mediada através da internet.

O interesse foi ainda mais aguçado pela candente presença de aspectos éticos no
debate, com a discussão de questões como o direito de acesso à cultura digital, o
hackerismo e os vírus de computador. Uma pista de possível correlação destas
últimas com temas de nosso interesse mais direto foi trazida pela explicação de um
dos debatedores para a virtual inexistência de ataques de vírus ao sistema Linux.
Ainda que não haja garantias definitivas, a situação sugere que, nesse ambiente
aberto de uma comunidade receptiva às múltiplas manifestações da criatividade
pessoal, os participantes sentem-se mais motivados a oferecer contribuições
positivas do que a deixar sua marca de um modo nocivo.

Mesmo incompleta, a explicação levanta uma questão ética, sobre as diferentes


conseqüências de estimular ou cercear a liberdade de expressão. É também
adaptável à reflexão sobre temas análogos, como a pichação de muros, fachadas e
monumentos que ocorrem no ambiente urbano e o “copiar-e-colar” e outras burlas
presentes no ambiente da escola. Neste, a pressão gerada pela imposição de
normas rígidas associa-se à falta de sentido mais profundo de boa parte das
atividades na indução de atitudes do gênero. A mera condenação dessas atitudes
pode impedir vê-las como manifestação de uma inteligência que, em cenário de
abertura e re-significação, pode encontrar formas mais positivas de expressão.

18
Programa “Brasil Pensa” – Software Livre. TV Cultura de São Paulo.
106

Essa analogia estimulou o interesse pelo mundo do software livre, gerando o “click”
de entrada para discussões ainda mais diretamente relacionadas à reflexão sobre a
pedagogia de projetos. Assim chegamos ao aclamado ensaio “The cathedral and the
bazaar”, de Eric Steven RAYMOND (2000), hacker mundialmente famoso,
coordenador e colaborador de vários projetos de desenvolvimento de software de
código aberto, o principal dos quais foi o Linux. Aliás, é importante esclarecer que o
conceito original de hacker, da década de 1960, refere-se a indivíduos habilidosos e
entusiasmados com a programação de computadores que, com o tempo, ajudaram a
criar aspectos essenciais da cultura atual, como a internet e a World Wide Web. O
termo, extensível a outras áreas, associa-se mais a essa imagem do que à divulgada
pela imprensa, a partir da década de 1980, dos criminosos da informática que os
próprios hackers denominam crackers (HIMANEN, 2001).

Uma descoberta significativa é que RAYMOND propõe, para a área de engenharia


de software, uma categorização curiosamente similar à dos dois modelos de projetos
descrita por KNOLL (1997). Com efeito, “The cathedral and the bazaar”, originado
em 1997, é a análise de um projeto de desenvolvimento de software de código
aberto que serviu a RAYMOND para testar surpreendentes teorias inspiradas pela
história do Linux. Estas são discutidas em termos de dois estilos de desenvolvimento
fundamentalmente distintos: o modelo “catedral”, que prevalece no mundo comercial,
e o modelo “bazar”, típico do mundo Linux. O autor entende que tais modelos
decorrem de conjuntos antagônicos de pressupostos sobre a natureza do trabalho
de depuração de programas (debbuging). Advoga que a experiência do Linux
sustenta a defesa de uma visão sistemicamente descentralizada dessa atividade,
numa linha promissora para o futuro da programação (RAYMOND, 2000). O próprio
RAYMOND fala dos modelos, ao descrever a surpresa que lhe causou, mesmo com
vasta experiência de programador, o contato, em 1993, com a proposta, lançada
dois anos antes, na rede mundial de computadores, pelo finlandês Linus Torvalds:

...Eu (...) acreditava que houvesse um certo grau crítico de complexidade a partir do qual
era necessária uma abordagem mais centralizada e a priori. Achava que os softwares
mais importantes (...) tinham de ser construídos como catedrais, cuidadosamente
esculpidas por gênios individuais ou pequenos bandos de magos, trabalhando em
esplêndido isolamento, sem a obrigação de lançar versões beta antes da hora certa.
O estilo de desenvolvimento de Linus Torvalds – lançar logo e com freqüência; delegar
tudo o que puder; ser aberto ao ponto da promiscuidade – foi uma surpresa. Nada
parecido com a construção silenciosa e reverente da catedral. Em vez disso, a
comunidade Linux assemelhava-se a um enorme e ruidoso bazar de agendas e
abordagens desencontradas (...), do qual apenas por uma sucessão de milagres
pareceria poder emergir um sistema coerente e estável.
107

O fato de que esse estilo bazar parecia funcionar, e funcionar bem, foi um grande
choque. Mas na medida em que me habituava com a idéia, passei a trabalhar bastante,
não somente em meus próprios projetos desse tipo, mas também na tentativa de
entender por que o mundo Linux não apenas ainda não voara pelos ares, mas parecia ir
de vento em popa, a uma velocidade difícil de imaginar para os construtores de catedral.
(RAYMOND, 2000)19

O contraste traçado por RAYMOND, entre os modelos “catedral” e “bazar”, parece-


nos semelhante não apenas ao existente entre os modelos “instrução-construção” e
“aprendizagem natural e social” (KNOLL, 1997), mas também ao apontado por
LANSING, no caso Bali, entre a abordagem da Revolução Verde e a da cultura local.
Assim, cresceu ainda mais o interesse pelas implicações da visão de RAYMOND,
até mesmo pela importância da noção de projeto para a área de engenharia de
software e pelo significado desta para discussões sobre Ciência & Tecnologia. A
busca daí decorrente levou-nos ao artigo “Linux: a bazaar at the edge of chaos”,
adaptado da honors thesis em Sociologia de Ko KUWABARA.20

No artigo, estabelece-se um contexto para o trabalho de Eric Raymond e sua descrição


do fenômeno Linux, através do recurso à emergente ciência dos sistemas adaptativos
complexos (...). A visão evolucionária de Raymond recebe um tratamento mais completo
e formal, em termos de caos e complexidade, de um ponto de vista sociológico. Além
disso, apresenta-se um relato etnográfico do Linux, compilado a partir de uma série de
entrevistas, via correio eletrônico, com colaboradores do desenvolvimento do kernel. Nas
entrevistas, examina-se o Linux como um fenômeno social que despertou grande
interesse e torna-se tema de acalorada discussão. (KUWABARA, 2000)21

Analogamente a LANSING, KUWABARA recorre à Ciência da Complexidade, para


aprofundar e formalizar a metáfora de RAYMOND, sobre a revolucionária história
iniciada como projeto pessoal e despretensioso de Linus Tovalds, então jovem
estudante de Ciência da Computação da Universidade de Helsinque. O Projeto
Linux estabeleceu ambiente gerador de resultados que falam por si mesmos: mais
de 40.000 colaboradores voluntários, de todo o mundo, atuando sem organização
formal e sem comando baseado em autoridade central, desenvolveram um sistema
operacional aberto e de acesso gratuito, de padrão técnico superior, em aspectos
essenciais, ao de concorrentes comerciais como o Microsoft Windows. Além disso, o
Linux alcançou velocidade de desenvolvimento e amplitude de divulgação
excepcionais, mesmo pelos padrões tecnológicos atuais (KUWABARA, 2000).

19
Citações de RAYMOND (2000): tradução do autor da dissertação.
20
Ko KUWABARA obteve, em janeiro de 2000, aprovação com louvor (summa cum laude) de sua
honors thesis em Sociologia, na Universidade de Cornell, na área de ação coletiva e sociologia
evolucionária, com orientação do Prof. Dr. Michael Macy. Logo em seguida, passou a trabalhar, como
pesquisador assistente, na área de sistemas de reputação online, com o Prof. Dr. Paul Resnick, da
School of Information da Universidade de Michigan (KUWABARA, 2000).
21
Citações de KUWABARA (2000): tradução do autor da dissertação.
108

Essa “boa colheita”, tão surpreendente quanto a de Bali, também inspirou recurso à
Ciência da Complexidade para o entendimento do fenômeno Linux. Assim também o
fizeram os resultados do Projeto LAF, surpreendentes, em sua medida, e de uma
natureza sistêmico-ecológica também percebida por RAYMOND (2000) no Linux.
Quanto à metáfora de RAYMOND, ela é assim detalhada por KUWABARA:

De um lado, comum na área do desenvolvimento comercial, está o modelo Catedral,


caracterizado pelo planejamento centralizado imposto de cima para baixo e
implementado por equipes de projeto especializadas, seguindo roteiros estruturados. A
eficiência é o lema da Catedral. É a perfeita imagem da organização racional guiada por
uma gerência linear; um relojoeiro incansável, encaixando engrenagens e eixos, um por
um, como faz há muitos e muitos anos. Do outro lado, está o modelo Bazar do projeto
Linux, com seu desenvolvimento descentralizado conduzido pelos caprichos dos hackers
voluntários e pouca coisa mais. Contrastando com o calmo isolamento da catedral, em
relação ao mundo lá de fora, o bazar é um constante burburinho. Todos são bem-vindos
– e quanto mais gente e maior o burburinho, melhor. É uma comunidade feita pelas
pessoas e para as pessoas, para que todos partilhem e cuidem. Aparenta também ser
caótico e desestruturado; lembra uma comunidade na qual ninguém está realmente no
comando. Nem todos serão ouvidos ou notados, e nem todos gostarão da agitação. Para
alguns, no entanto, o bazar estará sempre fervilhando de vida e oportunidade.
(KUWABARA, 2000 – grifo nosso)

Sugestivamente relacionada à nossa crítica à escola mecanicista, a descrição do


modelo “catedral” sinaliza a presença do mesmo padrão de influência do paradigma
cartesiano-mecanicista na área de engenharia de software. Já o modelo “bazar” do
Linux lida com a exploração e a realização de possibilidades tão surpreendentes que
levaram KUWABARA à emergente Ciência da Complexidade. Nesse âmbito,
algumas discussões lidam exatamente com fatores geradores das surpresas típicas
do inesperado, entre os quais figuram paradoxo, instabilidade, incomputabilidade,
interdependência sistêmica e emergência. Estes dois, fortemente interrelacionados,
fazem, por exemplo, que a água apresente propriedades totalmente distintas – como
liqüidez e não-inflamabilidade – daquelas de suas substâncias componentes
(BRITANNICA, 1999). O reconhecimento da presença desses dois fatores no Projeto
Linux, bem como sua importância na caracterização dos sistemas complexos,
permitem entender melhor a opção de KUWABARA.

Contextualizando sua abordagem do “bazar”, KUWABARA relata e comenta diversos


aspectos da história do Linux. Entre eles, destacamos uma declaração do próprio
Linus Torvalds, bastante sugestiva do valor que pode assumir – como vemos na
experiência do LACTEA – a “aposta” no desenvolvimento de projetos por jovens cuja
inexperiência, apesar das óbvias limitações técnicas que traz, pode ser venturosa.
109

“Como não tinha a menor idéia do tamanho do projeto, eu não senti nenhuma inibição
quanto à possibilidade de fazer algo estúpido. Eu diria que, se soubesse, não teria
começado.” (KUWABARA, 2000)22

Diante do cenário instigante descortinado por essa afirmativa, parece oportuno


considerar a observação sobre que

...quando o inesperado se manifesta, é preciso ser capaz de rever nossas teorias e


idéias, em vez de deixar o fato novo entrar à força na teoria incapaz de recebê-lo.
(MORIN, 2000, p.30)

Na discussão feita por KUWABARA sobre a Ciência da Complexidade, buscaremos


aspectos complementares aos que já expusemos. De início, refere-se ao ramo de
investigação surgido na década de 1960, com as simulações computacionais
baseadas em agentes, como desenvolvimento potencialmente importante para
ciências como a Sociologia, pela abordagem que pode propiciar das interações
sociais que constituem a complexidade da vida social (KUWABARA, 2000). Em
linhas gerais, KUWABARA adota a mesma visão de sistemas adaptativos complexos
exposta em nossa discussão do caso Bali.23 O autor associa os agentes do sistema
complexo aos atores do sistema social, sobre cujas interações comenta:

Essa rica conectividade é o que subjaz à natureza altamente criativa dos sistemas
complexos. De fato, um sistema complexo forma uma rede dinâmica de agentes
adaptativos interdependentes, numa incessante exploração, em busca de melhores
respostas comportamentais, sem alcançar nunca um quadro estacionário. (KUWABARA,
2000)

Quanto à localidade da informação que dá base às interações, KUWABARA destaca


as limitações que esse componente impõe a eventuais pretensões de otimização
dos atores individuais, mas também chama a atenção sobre que isso não implica
hipótese de ignorância completa sobre o comportamento do sistema como um todo.

Não se deve supor, no entanto, que os agentes de um sistema complexo ficam


totalmente alheios à ordem macroscópica ou aos comportamentos coletivos do sistema
como um todo. Os atores do mundo humano constantemente inferem o estado do
sistema a cada momento. (...) Num sistema complexo, no entanto, tais inferências são de
caráter fortemente indutivo, gerando conjecturas sobre os padrões globais a partir do
que é localmente observável e definível. (KUWABARA, 2000)

Quanto à auto-geração dinâmica de regras de comportamento e organização pelos


atores, supostos inteligentes e adaptáveis, KUWABARA destaca um aspecto de
grande importância para o mundo da escola e dos projetos:

22
GRUMAN & ORENSTEIN. Meet Linus Torvalds. 1998. Citado por KUWABARA.
110

...um sistema complexo consiste, tipicamente, de múltiplas camadas de organização,


sendo cada um desses níveis complementar a ou componente de um nível mais elevado.
(...) tais estruturas [são os] sistemas hierárquicos. Isso não devem ser entendido, no
entanto, de modo estrito, como se expressasse uma relação vertical de autoridade. Num
sentido mais amplo, um sistema hierárquico é uma coleção de subsistemas aninhados,
quase sempre sem qualquer relação de subordinação e imensamente mais complexa
que os padrões lineares das organizações formais. (KUWABARA, 2000)

Em seguida, são citadas implicações críticas e surpreendentes das propriedades dos


sistemas complexos. A primeira é a sensibilidade às condições locais, relacionada à
difusão não-linear amplificada de instabilidades locais por todo o sistema. Isso gera
um efeito em cascata bastante peculiar aos sistemas complexos. Esse efeito não
necessariamente gera comportamento caótico, mas pode fazê-lo. Está ligado, por
exemplo, ao estabelecimento de laços de realimentação (feedback loops), que
conduzem o comportamento do sistema, em médio e longo prazo (KUWABARA,
2000). Os laços permitem ao sistema reestruturar – ou pelo menos modificar – o
padrão de interação entre suas variáveis, aumentando a gama de comportamentos
possíveis (BRITTANICA, 1999). Isso ajuda a definir os rumos de um processo
interativo-iterativo, como o êxito ou o fracasso de um projeto.

Na seção anterior, ao citar as características dos sistemas complexos, sugerimos o


termo retrointerconexão profunda para indicar esse comportamento, às vezes
referido através do famoso “efeito borboleta” – o bater de asas de uma borboleta no
Japão pode causar uma tempestade no Brasil. Mas há também uma faceta de
estabilização que a realimentação negativa agrega aos efeitos de crescimento e
decréscimo da realimentação positiva. Assim, KUWABARA relaciona essa
característica à possibilidade de auto-organização, outra característica que os
sistemas complexos apresentam, nos processos em que os agentes – atores sociais
– assumem padrões de comportamento cada vez mais coerentes. No caso do Linux,
o autor argumenta que as interações entre os colaboradores apresentam tendência
crescente à auto-organização, através de um sistema implícito de reputação, que
sustentou um padrão de auto-reforço – ou realimentação positiva – da colaboração
entre os programadores envolvidos no projeto, mesmo na ausência de controle
central (KUWABARA, 2000).

Outra característica citada por KUWABARA, como implicação crítica da


complexidade para o projeto Linux, é a emergência:

23
Uma das principais referências citadas por KUWABARA é o livro que deu base ao verbete da
Encyclopaedia Britannica que utilizamos: CASTI, John L. Would-Be Worlds: How Simulation is
Changing the Frontiers of Science. New York: Wiley, 1996.
111

(...) de forma consistente com a idéia de emergência, o sistema operacional Linux


representa uma síntese de modificações incrementais implementadas por
programadores, mas não pode ser entendido simplesmente em termos de contribuições
isoladas de programadores individuais. Ao invés disso, nossa discussão sugere que a
qualidade do sistema operacional é melhor entendida como uma propriedade emergente
de interações que elevam-se a processos evolucionários. (KUWABARA, 2000)

Aqui, de modo consistente como o exemplo da água e suas substâncias


componentes, parece-nos importante fazer uma distinção (BRITANNICA, 1999). De
um lado, representa indecomponibilidade intrínseca o fato de o conjunto de
colaboradores ser capaz de gerar um produto que nenhum deles, individualmente,
conseguiria gerar. Parece haver, inclusive, correspondência entre essa característica
e a interdependência sistêmica, citada na seção anterior como fator gerador de
surpresa. De outro lado, as especificades e a qualidade do Linux podem ser vistas,
de fato, como propriedades emergentes do sistema sócio-tecnológico – ou rede
sócio-tecnológica – de programadores e computadores. Mas as duas características
são fortemente interrelacionadas, pois uma compreensão da emergência exige
modelamento do tipo “de baixo para cima” (bottom-up), não admitindo tentativa de
composição de análises de partes isoladas do sistema (KUWABARA, 2000).

A imprevisibilidade dos sistemas complexos transparece já na declaração de Linus


Torvalds, que citamos. Ela mostra que a história do Linux é exemplo da evolução de
um sistema que manifestou, mesmo para as pessoas diretamente envolvidas,
comportamento aparentemente a-causal, contra-intuitivo, cheio de surpresas – ou
seja, tipicamente complexo (BRITANNICA, 1999). Além disso, a caracterização do
Projeto Linux como sistema complexo sinaliza pelo menos dois níveis de interações
locais, nos quais a complexidade desenvolveu-se lado a lado: o próprio código-fonte
do sistema operacional e a comunidade de programadores e usuários. Essa dupla
complexidade leva a ver o desenvolvimento do Projeto como duplamente
improvável: do ponto de vista técnico e do ponto de vista social (KUWABARA, 2000).

Como foge ao nosso escopo a caracterização completa do trabalho de KUWABARA,


traçaremos aqui apenas as linhas gerais seguidas após a qualificação do Projeto
Linux como sistema adaptativo complexo. O ponto de partida é a noção de que os
altos níveis de qualidade e desempenho obtidos são propriedades emergentes da
imensa rede de interações locais que conduzem a processos de evolução e a
padrões de auto-organização. Em seguida, o autor desenvolve uma discussão sobre
teoria da evolução, que o leva à noção de que o mais importante elemento na base
do desenvolvimento do Linux é o profundo paralelismo presente na dinâmica
112

“bottom-up” do modelo bazar. Depois, o estudo das questões da motivação e da


coordenação, muito delicadas no caso de um projeto aberto e voluntário dessas
dimensões, leva a perceber que o Projeto Linux – numa analogia financeira – trata
como “ativos”, e não como “passivos”, os esforços voluntários oriundos, de modo
não-estruturado, da imensa comunidade de programadores colaboradores. Por fim,
o autor discute o “jogo de reputação” que medeia a contradição entre as ideologias
da cultura hacker e a norma de propriedade, nos projetos de código aberto.
Argumenta que esse jogo pode conter o mecanismo de realimentação que permite a
auto-organização espontânea dos padrões de colaboração – “dependentes da
trajetória” – que os programadores constroem (KUWABARA, 2000).

Ao fim de sua reconstrução complexa do improvável desenvolvimento do Linux, a


partir da dinâmica de evolução “de-baixo-para-cima” do bazar, em área tão
significativa tecnologicamente como a engenharia de software, o autor traz uma
mensagem de profunda importância também para o mundo da escola e do projeto:

...o Linux não é apenas um acidente histórico, (...) o Bazar é um modelo confiável e de
aplicação generalizada na era digital que se avizinha. (KUWABARA, 2000)

A importância dessa mensagem para a escola talvez seja melhor apreciada


considerando que pode haver diferença significativa entre pretender “formar” um
profissional-cidadão adaptado às incertezas dos dias atuais e apostar em “deixar
formar-se” um profissional-cidadão adaptável ao cenário de um mundo construtivo e
reconstrutivo de interações e incertezas. Adaptar-se não significa moldar-se,
submeter-se, e sim desenvolver a capacidade de participar do complexo jogo de
interações, transações, negociações que nos exige o verdadeiro “bazar” da vida.
Nesse contexto, é muito significativa a compreensão de que, ao viver a vida,
estamos em processo, com essa capacidade posta à prova todos os dias, talvez
mais do que qualquer sistema formal possa pretender. Autores como DOLL JR.
(1997) reúnem conceitos ligados à complexidade e a outras visões do pensamento
pós-moderno e propõem uma perspectiva curricular que pode ajudar o mundo da
escola a construir pontes e caminhos de ligação com esse “bazar” da vida. E este,
tanto quanto o do Linux, é construído num cenário de grande incerteza, numa
fronteira entre ordem e desordem que KUWABARA esboça de forma quase poética.

A fronteira do caos. Onde uma ordem congelada e uma etérea desordem encontram-se
em fluido equilíbrio. Onde a vida é eterno fluxo. Onde um sistema é tão adaptativo que
fica à beira do rodopio descontrolado. (KUWABARA, 2000)
113

O exemplo do Projeto Linux mostra, de modo claro e consistente com as discussões


anteriores, que a atividade de projetos, numa área como educação em Ciência &
Tecnologia, pode espelhar-se em padrões mais flexíveis, como a auto-organização,
sem temor ao fantasma do fracasso. O modelo do bazar é particularmente sugestivo
da mensagem que a Ciência da Complexidade ajuda a expor, nos casos Bali e
Linux: a importância de não aceitar a mecanização da experiência de vida e de
buscar, na vivência mais profunda de processos que ensejem o exercício da
condição humana, resultados que a concepção mecanicista não consegue superar.

O bazar lembra, aliás, uma metáfora que propusemos a professores de Ciências, ao


participar em 1996, na 6a Feira Estadual de Ciências de Minas Gerais, de assessoria
relacionada à reformulação pedagógica relatada por WANDERLEY (1999). Na
ocasião, registramos em texto a seguinte reflexão:

A busca pelas metáforas, mais característica do conhecimento não-racional, pode levar-


nos a apreciar a imagem da feira. Os dicionários em geral vão simplesmente registrar
que a feira é um lugar público, e às vezes descoberto, onde se expõem e vendem
mercadorias. Mas a imagem da feira vai muito mais fundo em nosso ser. Se nela
penetrarmos com sensibilidade aguçada, deixando-nos maravilhar pela riqueza de seus
detalhes, nós nos veremos às voltas com um retrato pleno de referências: as relações
humanas; o fazer; o cultivo e a colheita; o diálogo e a troca; a sensibilidade do artesão; a
colossal variedade das coisas do mundo. O lugar aberto sugere nossa abertura ao
mundo e às pessoas, o que gera toda uma gama enorme de possibilidades que o
homem, como ser social, encontra na aventura da convivência. As mercadorias
representam aquilo que o homem pode fazer, aplicando o conhecimento e o esforço à
obtenção de resultados práticos, no que encontramos uma relação com aspectos da
tecnologia. A própria presença da palavra feira nos nomes dos dias da semana, em
português, pode ser tomada como indicação de que, nos dias “úteis”, a própria cidade é
uma grande feira, um gigantesco espaço para o exercício das relações humanas.
(HIGINO, 1996)24

Assim, feira e bazar são ambientes metafóricos de vivência, convivência, diálogo,


troca, aprendizagem e vida. Sinalizam toda a riqueza um processo repleto de
elementos conceituais que alguns teóricos reúnem sob o termo negociação. Mais do
que mera expressão informal, discutiremos que o conceito de negociação também
constitui referencial promissor para o nosso campo de estudo, complementando a
visão que decorre da Ciência da Complexidade. Sobre esse referencial, buscamos
elementos na tese de doutorado do Prof. Paulo Cezar Santos VENTURA (2001), o
conceito de negociação dá base à abordagem das situações de aprendizagem em
museus tecnológicos e salões profissionais, no contexto da popularização da
ciência. VENTURA é professor do CEFET-MG e participou ativamente da
reformulação da META, discutida no capítulo anterior, e da implantação do LACTEA.

24
Texto transcrito com pontuação adaptada.
114

Após período de afastamento, para o doutorado em Ciências da Comunicação e da


Informação, na Universidade de Bourgogne, em Dijon, reassumiu as atividades na
instituição, integrando, atualmente, a equipe do LACTEA.

No capítulo introdutório da tese, comenta-se essa ligação de origem com o LACTEA,


destacando-se questão que há muito direciona a reflexão teórica do autor: a
preocupação em construir uma visão de pedagogia de projetos adequada ao
contexto oferecido pelo LACTEA. Destaca-se também a posterior identificação da
negociação, em diversos momentos desse contexto: entre professores e alunos, na
discussão, no desenvolvimento e na apresentação dos projetos; em relação à
viabilidade do objeto final; sobre a forma de apresentação do objeto, em ambientes
diversos; com empresas, em busca de parcerias para eventual produção e
comercialização de objetos desenvolvidos; com a sociedade, que financia as
iniciativas, através de organismos constituídos (VENTURA, 2001, p.13-14).

Afirmada a adequação, ao nosso campo de estudo, do conceito de negociação,


faremos de breve discussão, visando à caracterização essencial e à sinalização de
sua compatibilidade com as reflexões decorrentes da Ciência da Complexidade.
VENTURA dá algumas pistas a esse respeito, ao comentar a busca de elementos
sobre a negociação, logo após a definição de seu objeto de estudo:

A partir de então, buscamos definir a negociação, desde suas origens gregas e latinas e
de sua utilização no comércio e na diplomacia até os tempos modernos, em que a
palavra passa a fazer parte do cotidiano e a negociação se transforma em objeto de
pesquisa de sociólogos, antropólogos, etnólogos e historiadores, entre outros. A
negociação entra pela porta de nossas casas, intervém em nossa comunicação familiar,
aperfeiçoa nossa relação com as tecnologias e os objetos modernos, condiciona nossa
convivência com a sociedade e coloca-nos numa enorme rede de conexões, no mundo
globalizado, mudando, assim, certas fronteiras do conhecimento. Para bem negociar
nossa vida e nossas relações, no mundo pós-moderno, é preciso conhecer, e é preciso,
portanto, popularizar o conhecimento científico e, sobretudo, o conhecimento técnico e
tecnológico. Para bem popularizar, é preciso colocar frente a frente os diversos atores
envolvidos nessa rede que tece sua teia e prende seus nós em meio à produção e à
divulgação cultural – uma via de mão-dupla, uma vez que a cultura é uma construção
coletiva. (VENTURA, 2001, p.16-17)25

Nesse universo cultural coletivo, a educação em Ciência & Tecnologia é um dos


aspectos necessários à construção de visões pessoais, ao engajamento em
movimentos sociais, ao estabelecimento de acordos, à percepção de vantagens e
riscos, entre outros aspectos. Muitos dos ricos e complexos processos que
caracterizam nossa experiência de atores sociais – nas relações familiares e
comerciais, no ambiente escolar, no exercício democrático da cidadania – envolvem
115

a negociação. Esta diferenciam-se de outras formas de relações sociais como a


consulta, a discussão e a combinação, ao demandar a reunião de modos de agir e
informações próprios dos atores, na busca de soluções complementares, visando à
criação de uma situação nova (VENTURA, 2001, p.33).

Não parece haver incompatibilidade essencial entre essa visão e a que dá base, em
trabalhos como os de LANSING (Bali) e KUWABARA (Linux), à exploração de
processos de interação entre agentes/atores inteligentes e adaptáveis, prontos a
estabelecer e modificar regras de conduta, com base em informação local
(BRITANNICA, 1999). Ainda que nem todas essas interações possam ser reduzidas
à categoria negociação (VENTURA, 2001), os casos Bali e Linux levam a valorizar a
riqueza de conseqüências advindas de interações humanas entre as quais a
negociação possui papel central. Parece-nos, assim, que o conceito de negociação
ajuda a construir a necessária ponte entre a macro-percepção propiciada pela
Ciência da Complexidade e a consideração das interações específicas envolvidas
nas relações humanas. Isso pode favorecer a humanização da abordagem de
situações que certamente apresentam muitos aspectos incomputáveis.

A complementaridade presente na referência à negociação, se considerada de um


ponto de vista de complexidade, pode ser relacionada à indecomponibilidade
intrínseca – e à interdependência sistêmica – característica dos sistemas adaptativos
complexos. Essa visão permite associar um grupo de atores em negociação, como
um grupo de alunos envolvidos com um projeto, a um sistema adaptativo complexo,
possibilitando pensar que a negociação, ao favorecer o estabelecimento e a
adaptação de comportamentos, potencializa a manifestação de fenômenos
geradores de surpresa, como auto-organização e emergência.

VENTURA (2001) destaca que a negociação envolve incerteza e risco. Há perdas e


ganhos, vantagens e desvantagens com que aprender a lidar, exercitando, nesse
complexo jogo, a prudencial habilidade de fazer apostas. Para tudo isso, no entanto,
é imprescindível a possibilidade de confiança. Ao negociar, envolvemos nossa vida,
nossos projetos, numa rede de inter-relações cuja consistência – e existência, e vida
– dependem desse ingrediente (p.17-18).

Para negociar, é preciso (...) poder ter confiança naquele com quem se negocia, pensar
que sua versão da situação é correta – que não nos faz “entrar em canoa furada” – e
poder tipificar suas ações e reações. A negociação, como toda atividade social – e a

25
Citações de VENTURA (2001): tradução do autor da dissertação, com revisão de VENTURA.
116

exemplo de toda forma de socialização – confronta-se com a questão da mútua


interpretação de sinais, mímicas, palavras, verbalizações, pontos de vista. Há, assim,
todo um repertório de condutas, um estoque de recursos expressivos de que se pode
lançar mão e graças ao qual a situação é conduzida, de modo legível e descritível, pelas
partes presentes, como também por outros observadores. A negociação pressupõe o
compartilhamento de um mínimo de saber comum, que se apóia sempre na possibilidade
de estabelecer empatia, ou seja, de compreender os interesses, crenças e preferências
do outro, mas também possíveis tentativas de manipulação, e poder driblar sua
indiferença em relação a algum ponto crucial. (p.18)

Esses elementos fazem refletir sobre que, conhecendo o outro e reconhecendo-o


como par, é possível partilhar o enfrentamento das incertezas, na medida da
confiança já construída. O ambiente de enfrentamento mútuo e enfrentamento
conjunto possibilitado pela confiança permite o estabelecimento de conexões
essenciais à formação de uma estrutura na qual – como em Bali e no Linux – o
controle central dê lugar a uma auto-organização baseada em difusão de autoridade.
VENTURA (2001) chega a sugerir possibilidade semelhante, ao situar a negociação
na fronteira entre ordem estruturada e livre ação intencional:

É possível também pensar na negociação cotidiana como a possibilidade de recusar-se


à escolha entre duas concepções antinômicas: ordem e ação. É, antes de mais nada,
permitir-se ficar na interface entre essas duas orientações: uma que acentua a
continuidade e o poder – relações sociais estruturadas – e outra que privilegia intenções,
significações e ação. É esforçar-se para estabilizar a mudança, se é que se percebe
essa dualidade do social. A negociação cotidiana permite também estabelecer a
popularização científica e tecnológica como uma construção contínua de toda a
sociedade, e não como simples transferência de conhecimentos. (p.27-28)

Parece-nos bastante clara a relação dessa visão com as discussões sobre modelos
de projetos (KNOLL, 1997), de produção agrícola (SEPE, 2000) e de engenharia de
software (KUWABARA, 2000). Em todos esses casos, discute-se a auto-geração de
ordem num limite entre ordem imposta e livre ação intencional. VENTURA (2001)
chama também a atenção para o fato de que o tempo é dimensão essencial à
negociação que se dá, por exemplo, em situações educacionais, em que se objetiva
a operacionalização (mise en œuvre) de mudanças de percepção e experiências,
representações e atitudes, identidades pessoais e coletivas:

A operacionalização de uma mudança é uma situação de negociação, de engajamento


dos atores envolvidos. Negocia-se para criar novos conhecimentos e novos saberes, e
também para popularizá-los. A mudança opera-se a partir das ações de/sobre cada nó
de uma rede de relações, e é medida num tempo atemporal. A autêntica dimensão dessa
negociação é o tempo. Impor-se, de início, uma restrição temporal não é imprescindível e
torna-se prejudicial para o curso da negociação. A urgência não é um solo fértil para a
verdadeira negociação. Não existe negociação na urgência. E hoje não existe o tempo
linear, irreversível; existe um tempo fragmentado pela sociedade em rede, um tempo que
não é mais a ordem sucessiva das coisas, no sentido de LEIBNIZ. A sociedade em rede
caracteriza-se pela ruptura do ritmo biológico ou social do ciclo de vida. As redes
contaminam (e descontaminam), organizam (e desorganizam) os ritmos e as lembranças
e, através destes, o tempo. (p.20)
117

Essa referência ao tempo também encontra paralelo direto em questões que


abordamos nas discussões anteriores. A re-significação do ambiente escolar citada
na discussão sobre projetos envolve o tempo como aspecto central; também o
contraste entre as visões linear e complexa, mostrado neste capítulo, sugere que a
anulação das significações individuais e a redução do tempo a mero parâmetro
quantitativo externo, típica da abordagem mecanicista, não necessariamente
conduzem a melhores resultados do que os gerados por interações ocorridas num
contexto de valorização da percepção pessoal do mundo, num processo de diálogo
que se enriquece com toda a gama das identidades e representações dos atores.

VENTURA aponta uma tendência atual à banalização da referência à negociação.


Esse fenômeno pode ter aspectos positivos, na medida em que a complexidade das
sociedades contemporâneas exige a participação dos atores sociais em dinâmicas
complexas de interação, envolvendo a busca de balanceamentos instáveis entre
cooperação e conflito (2001, p.28-33). Parece-nos que a difusão de um conceito
como o de negociação pode ser benéfica ao ambiente escolar, ampliando a abertura
para uma visão de definição participativa dos caminhos a seguir.

Nesse sentido, é interessante a discussão de VENTURA (2001) sobre a arte da


negociação, em que se resumem os elementos de duas descrições gerais dessa
atividade. Na primeira – abordagem temporal – considera-se a seqüência de etapas
envolvidas: apresentações, acordos iniciais, conhecimento do objeto, argumentação,
acordo final. Na segunda – abordagem contextual – faz-se referência ao cenário,
aos parceiros e à “aposta inicial” (enjeu) envolvidos na negociação (p.34-39).
Consideramos que tais descrições aplicam-se bem às situações vividas nos projetos
do LAF, cenário em que o desenvolvimento de competência na abordagem desses
elementos vem potencializando as condições de manifestação de fenômenos que a
Ciência da Complexidade classifica como auto-organização e emergência. Desse
ponto de vista, é sugestiva o conceito de ordem negociada (p.39).

Na definição do referencial teórico, VENTURA discute os principais esforços de


teorização sobre a negociação realizados na França, citando o predomínio de três
abordagens. Entre elas, o autor adota a negociação nas redes sócio-tecnológicas,
de Bruno LATOUR e outros (p.39-54). Essa abordagem distancia-se das formas
clássicas de epistemologia e do pensamento crítico moderno e constrói uma visão
de ampla integração mediada das relações entre seres humanos, coisas e demais
118

seres vivos. Busca instrumentos conceituais e metodológicos que permitam lidar


com a complexidade das interações presentes no mundo contemporâneo,
caracterizado como sociedade em rede. Nesse contexto, a negociação serve como
princípio generalizado de abordagem das relações entre os atores engajados nos
múltiplos processos envolvidos no funcionamento da rede (p.54-61).

Essa opção teórico-metodológica parece adequada ao contexto de nossa discussão,


pelas seguintes razões: 1) a convergência que apresenta com o paradigma da
complexidade; 2) o posicionamento epistemológico sinalizado e a abertura da
abordagem metodológica admitida, que levam a supor compatibilidade também com
o paradigma naturalista de investigação educacional; 3) o tipo de abordagem
propiciada, que contempla de modo adequado a inserção cada vez maior que os
projetos LAF vêm tendo nos diversos ambientes da sociedade em rede.

Aspectos dessa inserção, exemplificados no capítulo anterior, com o projeto Fotuns,


são também percebidos na utilização intensa e consistente que os grupos de projeto
vêm fazendo, em negociações diversas, de múltiplos recursos de intercâmbio de
informação: conversação direta informal e/ou formal, conversação telefônica,
documentos impressos, programas de televisão de origens diversas, material de
mídia impressa, e-mail, web-sites e outros recursos da internet.

Com todos esses aspectos, o ambiente de aprendizagem gerado pelos projetos LAF
mostra-se amplamente propício à discussão e à exploração das possibilidades
sinalizadas por noções como a de currículo aberto (DOLL JR., 1997) e a de currículo
hipertextual (HENRIQUES, s.d.). Essas são noções de grande importância na
reflexão sobre questões surgidas no atual processo de construção da chamada
sociedade em rede, preconizada por autores como Manuel CASTELLS. No posfácio
de obra sobre a ética dos hackers e o espírito da era da informação, CASTELLS
(2001) aponta a inadequação do termo “sociedade da informação” e propõe que
vivemos hoje no novo paradigma do informacionalismo – substituto do industrialismo
– dentro do qual vem-se desenvolvendo esse modelo de sociedade. Num tal
contexto, parece-nos especialmente relevante esta nossa discussão sobre a relação
entre complexidade e negociação, que propicia um quadro teórico amplo e
consistente no qual inserir a pedagogia de projetos. Ficamos, assim, em condições
de passar à explicitação do conceito de projeto e do quadro de referência a utilizar
em noss estudo de caso do Projeto LAF.
119

3.3 Projeto e complexidade: a negociação dos limites

Em artigo recente, VENTURA (2002) retoma sua preocupação de discutir uma visão
da pedagogia de projetos adequada às metodologias em desenvolvimento no
LACTEA. Propõe um conceito de projeto que busca iluminar a exploração da riqueza
que a atividade propicia, no trabalho com os alunos, nesse e em outros contextos. O
conceito é consistente com o referencial teórico adotado em sua tese sobre
negociação (VENTURA, 2001) e parece-nos também compatível com as visões
decorrentes da Ciência da Complexidade, de acordo com a discussão desenvolvida
na seção anterior. Pode servir, portanto, à exploração da complexidade presente no
desenvolvimento dos projetos, na perspectiva – discutida no capítulo 2 – do
aprofundamento conceitual da pedagogia de projetos, em curso no Brasil, dentro da
terceira onda internacional dos projetos (KNOLL, 1997).

Nesta seção, apresentamos o conceito de projeto de VENTURA (2002), destacando


sua natural convergência com o cenário teórico construído nas discussões sobre
projetos e Ciência da Complexidade. Dessa tarefa, decorrerá a montagem do quadro
de referência que utilizaremos, no capítulo seguinte, para explorar as possibilidades
dessa convergência entre negociação e complexidade, na compreensão das
dinâmicas micro-processual e macro-processual das atividades do Projeto LAF,
decorrente das investigações em curso no LACTEA.

Um conceito de projeto

VENTURA (2002) aborda a pedagogia de projetos no contexto da confluência de


três revoluções inter-relacionadas, que geram uma “explosão do conhecimento”,
potencializando a importância das discussões sobre conhecimento, aprendizagem e
contextos educativos, entre outros aspectos. A revolução da interatividade liga-se às
discussões da seção anterior e engloba o surgimento das novas redes eletrônicas
de comunicação, que estabelecem a infra-estrutura para a instalação da sociedade
em rede, gerando profundas implicações educacionais. A revolução cognitiva tem
levado a um rápido aprofundamento das investigações sobre os processos do
conhecimento humano, criando uma percepção da urgência de propiciar ao aprendiz
o desenvolvimento de capacidades cognitivas de ordem superior. A revolução da
gestão das redes educativas fornece um arcabouço legal e formal propício à
120

exploração das possibilidades ligadas às outras duas revoluções (p.31-34). Em


seguida, VENTURA traça uma síntese da aprendizagem por projetos, com
exposição dos conceitos teóricos que servem de fundamentos a seu conceito de
projeto: representação, identidade, negociação, rede e obra.

O conceito de representação refere-se aos pontos de “ancoragem” psicológica do


ser humano, que lhe permitem conduzir-se em suas experiências, ao “navegar” por
um mundo em que precisa conhecer, reconhecer e interpretar a realidade que ele
transforma e que o transforma. As representações

...têm uma dimensão social fundamental: elas são ao mesmo tempo, o produto e o
processo de uma atividade mental pela qual o indivíduo (ou o grupo) constitui a realidade
e a ela atribui uma significação específica. (p.35)

O conceito de identidade refere-se ao resultado das diversas formas de socialização,


que permitem, conjunta e sucessivamente, a construção e a reconstrução dos
indivíduos, através de dois processos: o biográfico, ligado ao desenvolvimento de
atividades sociais e profissionais, no decorrer do tempo; o relacional, ligado à
expressão e à busca de reconhecimento, em dado local e momento.

O conceito de negociação, explorado na seção anterior, envolve as relações de


troca que se estabelecem em torno de um objetivo comum, a partir de um conjunto
inicial de informações e conhecimentos, em busca de convergência nas soluções
complementares, para alcançar a criação de uma obra ou um produto, com a
obtenção de um resultado novo e irreversível (p.36).

O conceito de rede refere-se à metaorganização que reúne homens e objetos, com


suas características e papéis, em múltiplas malhas de interações pessoais e
profissionais intermediadas. Essas interações envolvem, precisamente, as
negociações que garantirão a operacionalidade (p.36-37).

O conceito de obra, também fundamental ao conceito de projeto,26 é tratado na tese


de doutorado de VENTURA (2001). Abordando primeiro o caráter de objeto,
contrastam-se a singularidade da obra – capaz de provocar interpelações entre os
atores – e a banalidade do produto – caracterizado pelo predomínio da utilidade
sobre o significado. Em relação a seu caráter de processo, ressalta-se o poder que

26
Em conversação pessoal, VENTURA manifestou julgar importante dar maior destaque ao conceito
de obra, em seu conceito de projeto.
121

tem a obra de mudar comportamentos. Particularmente, destaca-se o fato de que


uma obra acabada leva a novas obras.

VENTURA reúne esses conceitos teóricos no seguinte conceito de projeto:

Chamamos de “projeto” a uma ação negociada entre os membros de uma equipe, e


entre a equipe e a rede de construção de conhecimento da qual ela faz parte, ação esta
que se concretiza na realização de uma obra ou na fabricação de um produto inovador.
(2002, p.38)

Comentando as implicações do conceito, VENTURA agrega:

Ao mesmo tempo em que esta ação transforma o meio, ela transforma também as
representações e as identidades dos membros da rede produzindo neles novas
competências através da resolução dos problemas encontrados. Claro, a rede de
construção de conhecimentos a que nos referimos acima, inclui os alunos, os
professores, a escola, as instituições de educação não-formal como museus, revistas de
divulgação, emissões educativas da televisão, teatros de ciências, etc., além das redes
interativas de comunicação, tais como a Internet, os CD’s, etc. Portanto, para que um
projeto atinja os objetivos de transformações das representações e das identidades de
seus autores, é necessário que todos os membros da rede estejam engajados na
negociação e no desenvolvimento do projeto. (2002, p.38)

O conceito proposto por VENTURA permite contemplar dimensões essenciais do


desenvolvimento de projetos percebidas em contextos como o do LAF. Ressalta, por
exemplo, a dimensão de aprendizagem natural e social (KNOLL, 1997), que nos
parece tão valiosa. Também a complexidade da atividade, aparentemente apenas
vislumbrada em outros contextos – como assinalado no capítulo 2 – pode receber,
com esse conceito, tratamento mais direto e apropriado. Com tudo isso, o conceito
de projeto de VENTURA parece bastante adequado à integração de uma teoria
contextual a utilizar em nossa reflexão sobre os projetos, numa linha compatível com
as posturas decorrentes do paradigma naturalista de investigação educacional.

O conceito permite também apontar uma metodologia de condução de projetos em


ambientes de rede, constituída de cinco etapas: 1) a problematização, que envolve a
formulação inicial de questões e as ligações entre membros da equipe, em busca de
convergência; 2) a instalação da rede, que envolve a mobilização de objetos e
atores, num processo coletivo de negociação, em busca de solução e de inovação;
3) a difusão de informações, que consiste na utilização de meios diversos
(publicações, encontros, geração e documentação de conhecimento) que aumentem
a consistência da rede; 4) o engajamento dos atores, que significa a mobilização dos
membros da equipe, em torno de papéis e atribuições relevantes e motivadores; 5) o
alongamento da rede, que implica a busca de outros parceiros, estendendo o
122

número de componentes e chegando a resultados que gerem novos problemas e


projetos (VENTURA, 2002). Essa visão metodológica parece-nos bastante
promissora, em contextos como o do LACTEA, principalmente numa perspectiva de
envolvimento dos alunos com projetos colaborativos de pesquisa de maior vulto do
que aqueles que têm sido possível realizar no âmbito do LAF.

do desenvolvimento de projetos Quanto à visão de VENTURA (2002) sobre o papel


do professor na orientação dos projetos, este é apontado como de natureza tutorial.
Também essa visão parece-nos compatível com o que sinaliza nossa experiência de
orientação. É interessante ressaltar a percepção da riqueza e da variedade das
oportunidades que essa abordagem abre ao aprofundamento da relação professor-
aluno, para além da superficialidade típica da escola mecanicista, facilitando o
desenvolvimento de um ambiente de colaboração e profundo respeito mútuo. Nesse
ambiente, por exemplo, a avaliação perde seu caráter de controle, opressão,
punição, ganhando significados novos e mais afinados com a visão de estímulo ao
pleno desenvolvimento dos atores envolvidos no processo de ensino-aprendizagem.

Em relação à compatibilidade entre a visão de negociação nas redes sócio-


tecnológicas e a visão decorrente da Ciência da Complexidade, já defendemos, no
final da última seção, que os componentes característicos de um sistema adaptativo
complexo – agentes inteligentes e adaptativos em interação baseada em informação
local – estão contempladas na visão da negociação. Desse ponto de vista, parecem-
nos opções equivalentes considerar um grupo de projeto como micro-sistema
adaptativo complexo ou como micro-rede. Qualquer das opções insere-se numa
vasta, complexa e dinâmica hierarquia, composta ou de outros sistemas maiores ou
de outras redes maiores. Consideramos que estudos de caso como os de Bali e do
Linux, por exemplo, poderiam ser igualmente bem abordados de um ou de outro
ponto de vista. Aliás, a palavra rede esteve informalmente presente nas duas
discussões, ainda que elas tenham-se baseado na Ciência da Complexidade.

No caso da pedagogia de projetos, podemos, inclusive, apontar acentuada relação


de complementaridade entre as características típicas dos projetos, consideradas de
um e de outro ponto de vista. Haveria mesmo a possibilidade de explorar algumas
correspondências entre elas, mas um aprofundamento maior dessa discussão foge
ao escopo do trabalho. Ficaremos restritos a pouco mais do que reforçar a
sinalização de convergência entre os dois pontos de vista. Não nos proporemos, por
123

exemplo, analisar detalhes dessa convergência, pretendendo diferenciar


complementaridade de correspondência, pois essa análise demandaria esforço
teórico muito maior.

Assim, do ponto de vista da Ciência da Complexidade, partindo dos componentes


típicos – interação de agentes inteligentes e adaptativos baseada em informação
local – a “complexidade” do projeto leva à manifestação de características típicas
como imprevisibilidade, indecomponibilidade intrínseca, ausência de controle central,
retrointerconexão profunda, auto-organização, emergência (BRITANNICA, 1999;
KUWABARA, 2000). Do ponto de vista do conceito mais específico de projeto, essa
“complexidade” é vista em termos dos fundamentos conceituais representação,
identidade, negociação, rede e obra (VENTURA, 2002).

Entre as visões decorrentes da Complexidade e da negociação em rede, parece-nos


clara uma convergência que permite, por exemplo, falar das novas representações e
das obras surgidas na dinâmica dos projetos como manifestações de emergência –
como o sistema Linux ou a boa safra de Bali. A especificidade do conceito de obra,
por sua vez, enriquece o significado da emergência.

A noção de indecomponibilidade intrínseca possibilita destacar uma forte marca do


grupo de projeto – fazer o que nenhum dos integrantes faria sozinho – sinalizada de
forma menos explícita, nos fundamentos do conceito. Os conceitos de representação
e identidade, por sua vez, podem atribuir significado mais rico e específico àquela
noção, no contexto da negociação que ocorre internamente ao grupo.

Por outro lado, considerando que o grupo também recorre a auxílio externo, para a
consecução do projeto, a noção de retrointerconexão profunda pode ser utilizada na
reflexão sobre as múltiplas e mútuas implicações das interações entre o grupo e
outras instâncias da rede socio-tecnológica dentro da qual o grupo reconhece,
explora e desenvolve sua inserção. Do ponto de vista da aprendizagem, por
exemplo, a noção de negociação externa ao grupo pode ser utilizada, nesse caso –
com olhos postos em conceitos como equilibração e zona de desenvolvimento
proximal – para explorar a expansão de oportunidades criada nesse processo.
Nossa observação, ao longo de anos de experiência, aponta-nos que essas
interações são muito mais profundas do que as que estariam envolvidas na mera
hipótese de “terceirização de serviços” que já vimos utilizada para questionar o “real
valor” de alguns dos surpreendentes resultados emergidos do trabalho dos grupos
124

de projetos. O acompanhamento de muitos desses casos e a reflexão a seu respeito


têm mostrado que é mais justo e promissor reconhecer neles a ocorrência de um
processo que poderíamos chamar negociação de limites, no qual o grupo descobre
e explora novas e surpreendentes possibilidades de criação e realização, mas
também descobre, legitimamente, que precisa, às vezes, recorrer a expedientes
externos, para viabilizar seus objetivos.

Um quadro de referência

A análise anteriormente apresentada faz apenas breve exploração de algumas


implicações da complementaridade existente entre as visões de projeto decorrentes
das considerações sobre complexidade e do conceito de negociação. Ao permitir um
vislumbre do significado que pode assumir a convergência dessas concepções, a
análise sugere quão valioso pode ser um trabalho mais cuidadoso de detalhamento
e articulação das relações entre os elementos constituintes das duas visões, de
modo a potencializar as possibilidades que a conjugação desses referenciais abre a
uma compreensão mais profunda da atividade de projeto.

Aqui, limitamo-nos a propor a reunião desses elementos num quadro de referência,


que pode ser utilizado na exploração das manifestações da negociação e da
complexidade na dinâmica do desenvolvimento de projetos. Apresentamos, assim,
no Quadro 1, uma visão resumida dos elementos presentes, no contexto dos
projetos, de acordo com as visões da Ciência da Complexidade e da negociação nas
redes sócio-tecnológicas. Esse quadro vai-nos ser útil no estudo de caso do capítulo
4, para a caracterização da presença e das implicações da complexidade e da
negociação, no âmbito dos projetos LAF. Para tanto, é necessário definir uma
estratégia adequada de utilização.

È importante ressaltar que, ao colocar lado a lado os elementos das duas visões,
nas colunas do quadro, não tivemos a intenção de estabelecer relação um-a-um ou
sugerir qualquer tipo de correspondência mais estreita entre eles. Reafirmamos
nossa opção por uma abordagem mais simples, em que não nos propomos o vultoso
esforço de determinação detalhada das relações entre os elementos do quadro de
referência. Reconhecemos, no entanto, que, no estudo de caso, uma tentativa de
identificação completamente não-estruturada desses elementos pode dificultar a
125

percepção das possibilidades de articulação presentes na situação. Por isso,


propomos a utilização de um desses elementos como ponto de partida.

A negociação é o elemento nuclear do conceito de projeto de VENTURA (2002), em


torno do qual articulam-se os demais, no decorrer do processo de ação negociada.
Por essa razão, na análise a ser feita no capítulo 4, propomos que a negociação
seja o elemento-guia para a descoberta e a exploração mais consistentes das
articulações possíveis com os demais e entre os demais. Teremos, assim, a dupla
oportunidade de, num caso real, analisar a consistência desse conceito específico
de projeto e também refletir sobre a adequação de sua contextualização, no cenário
da caracterização do comportamento complexo.

QUADRO 1

Quadro de referência da convergência das duas visões de projeto consideradas

Elementos presentes na dinâmica do processo


de desenvolvimento de projetos
na visão da complexidade na visão da negociação em rede

Indecomponibilidade intrínseca Negociação

Ausência de controle central Rede

Imprevisibilidade Obra
Auto-organização Identidade

Retrointerconexão profunda Representação

Emergência

Mas como indicar que houve negociação, ao longo do desenvolvimento de um


projeto? Como diferenciar, por exemplo, as interações desse tipo de outras, como a
consulta, a discussão, a combinação? Para resolver questões desse tipo,
recorreremos, de modo complementar, aos indicadores de negociação
estabelecidos, por VENTURA (2001), em sua tese de doutorado: discurso,
temporalidade, elaboração de micro-obra (p.138). De modo consistente com toda a
discussão anterior, mostraremos como esses indicadores podem ser utilizados para
caracterizar a ocorrência da negociação, também em nosso contexto dos projetos,
126

ainda que, neste caso, de modo um pouco diferente da utilização original dos
indicadores, a caracterização seja feita apenas em sondagem a posteriori.

Quanto ao discurso que os alunos construíram sobre os projetos, buscaremos nele a


manifestação das percepções e significações em relação aos objetos, técnicas e
conceitos com que se envolveram; à experiência de viabilização de suas idéias; às
adaptações e mudanças eventualmente necessárias; ao significado da opção de ser
engenheiro, entre outros aspectos.

Quanto à temporalidade, consideraremos aspectos ligados à seqüência de etapas


vivenciadas; à maturação das visões e do entrosamento; à dedicação de tempo
necessária; às esperas envolvidas nos processos; aos “apertos” de tempo
experimentados e aos encaminhamentos dados; à variação dos estados de ânimo e
às diferenças de intensidade de realização, em diferentes fases, entre outros.

Quanto à realização de micro-obra, que pode ser espontânea ou provocada, é


possível sondar aspectos como o significado atribuído às realizações alcançadas; as
emoções e sensações experimentadas; o significado da participação de elementos
externos ao grupo na viabilização de realizações; a auto-percepção das mudanças
do próprio estudante, ao longo das realizações; as singularidades presentes nas
realizações; o reconhecimento do exercício da criatividade.

A sondagem desses aspectos, ligados aos indicadores de negociação, possibilitará


uma visão do amplo significado que pode assumir a atividade de projeto e dará
margem à percepção e à sinalização de articulações com os outros elementos do
quadro de referência. Esse assunto será objeto de nossa atenção no relato da
pesquisa qualitativa, no capítulo seguinte.
127

4 LABORATÓRIO ABERTO DE FÍSICA: ESTUDO DE CASO

Teoria é quando a gente sabe tudo, mas nada funciona.


Prática é quando tudo funciona, mas ninguém sabe por quê.
Na Engenharia, une-se a teoria com a prática:
Nada funciona e ninguém sabe por quê.
1
(domínio público)

Neste capítulo, relata-se um estudo de caso envolvendo o desenvolvimento das


atividades do Projeto Laboratório Aberto de Física, ao longo de um período letivo.
Na primeira seção, complementa-se a caracterização do campo de estudo já
iniciada nos capítulos anteriores, com a descrição de pormenores do período em que
se concentrou a pesquisa de campo, e apresenta-se uma descrição geral da
metodologia de investigação adotada. Na segunda seção, apresentam-se e
discutem-se o planejamento específico e os resultados da pesquisa quantitativa. Na
terceira seção, aborda-se, de forma análoga, a pesquisa qualitativa.

4.1 Campo e metodologia: caracterização geral

O Projeto Laboratório Aberto de Física, campo de estudo deste trabalho, começou a


ser descrito no capítulo 1, com a apresentação dos procedimentos metodológicos
utilizados no desenvolvimento de projetos, envolvendo alunos do primeiro período
de Engenharia Industrial do CEFET-MG. Caracterizamos nesta seção o cenário do
2o semestre letivo de 2001, que deu base ao estudo de caso apresentado adiante.
Contamos com 88 alunos dos cursos de Engenharia Industrial Elétrica e Mecânica,
matriculados na disciplina Física I. Na parte de laboratório da disciplina, onde se
desenvolvem as atividades do Laboratório Aberto de Física, esses alunos, no
período de 15/01/2002 a 23/04/2002, tomaram contato com a proposta de trabalho
com projetos, compuseram 24 grupos de projeto, desenvolveram e apresentaram 24
projetos sobre temas variados, escolhidos pelos próprios integrantes, em comum
acordo com os professores orientadores. Descrevemos a seguir o contexto em que
se desenvolveram essas atividades.

1
Texto de domínio público adaptado ao contexto da engenharia e estampado em camisetas usadas
por alunos dos cursos de Engenharia Industrial do CEFET-MG, em meados da década de 1990.
128

Atuaram como orientadores diretos dos projetos, na condição de responsáveis pela


disciplina Física I, os professores Anderson Fabian Ferreira Higino e Dácio
Guimarães de Moura, ambos da área de Física, lotados no Departamento
Acadêmico de Disciplinas Básicas (Diretoria de Ensino Superior/CEFET-MG) e
vinculados ao LACTEA. O contato com esses professores ocorre em aulas semanais
de 100 minutos e, quando necessário, em ocasiões extraordinárias.

Além da orientação técnico-científica e pedagógica dada por esses professores, os


grupos de projetos, de modo consistente com o descrito em capítulos anteriores,
recebem estímulo e apoio para buscar auxílio, dentro e fora da instituição, em todas
as instâncias que possam contribuir para a consecução dos objetivos e o
enriquecimento das oportunidades de aprendizagem. A primeira instância é o próprio
LACTEA, que sedia os projetos e coloca à disposição dos alunos infra-estrutura
física (espaço, bancadas de trabalho, ferramentas e equipamentos), meios de
comunicação (telefone e internet), apoio técnico e administrativo. Esse apoio
materializa-se na atuação de professores, funcionários e bolsistas, que oferecem
orientações, sugestões e colaborações diversas, em todos os aspectos nos quais os
alunos requisitam auxílio. Isso vai desde montagens e utilização de ferramentas e
equipamentos a contatos com laboratórios, oficinas e setores diversos da instituição.
Em todo esse trabalho, toma-se o cuidado de não tirar do aluno oportunidades de
aprendizagem envolvidas nos problemas que deve resolver.

Os alunos aceitam desenvolver projetos práticos, o que obriga à apresentação de


algum dispositivo prático, ao final do processo, para validação da atividade. A
margem de flexibilidade dessa regra é negociada através da abertura e do estímulo
para que cada grupo entre em acordo com o orientador sobre que tipo de dispositivo
será apresentado, dentro das possibilidades ligadas ao tema escolhido e da
disponibilidade de materiais verificada. Nesse e noutros aspectos, cada grupo
assume a responsabilidade pelo projeto escolhido, mas também partilhar essa
responsabilidade com o orientador, que ajuda a avaliar riscos e a lidar com eles.

A colaboração de diversas instâncias internas da instituição tem sido sempre de


grande importância para a realização dos projetos. Os pleitos e acordos são feitos
caso a caso, pelo fato de as demandas apresentarem grande diversidade. Quando
necessário, providencia-se a formalização apropriada a cada situação. Quando há
eventual dificuldade ou impedimento para a concretização da colaboração, os
129

grupos são aconselhados a não insistir além da medida do prudente e orientados a


buscar fonte alternativa de auxílio. Esse processo tem ajudado, ao longo do tempo,
a perceber pontos sensíveis da forma de organização e das visões de projeto e de
escola que se fazem presentes em situações como as relatadas no comentário dos
casos Máquina Anti-Gravidade e Harpa Laser. Também no período letivo estudado,
ocorrências de natureza semelhante geraram subsídio empírico para a reflexão
teórica que vimos desenvolvendo sobre os projetos.

Em várias ocasiões, empresas e instituições diversas prestam colaboração à


realização dos projetos – nos níveis local, regional, nacional e internacional. Nos
contatos realizados, os grupos são estimulados a valer-se de todas as possibilidades
de comunicação e negociação, sempre valorizando sua condição de estudantes de
engenharia e sua vinculação a uma instituição de educação tecnológica
nacionalmente reconhecida. Realiza-se, em suma, grande esforço de inserção dos
grupos de projetos no conjunto de relações mais amplas envolvidas no mundo da
tecnologia e da educação em Ciência & Tecnologia.

O Quadro 2 traz informações sobre os projetos desenvolvidos no semestre letivo


estudado. Quanto às categorias de projetos, verifica-se ligeiro predomínio dos
projetos construtivos (13 grupos) sobre os didáticos (11 grupos) e total ausência dos
projetos investigativos e de produção de software. Esse fenômeno está em
concordância com as observações de WANDERLEY (1999), ressaltadas no capítulo
2. A abordagem científica, supervalorizada em eventos como as Feiras de Ciências
da 1a fase, não aparece como interesse principal dos alunos quando a opção é livre,
como no LAF. Isso não significa que não haja recurso a conceitos científicos na
realização dos projetos, mas sim que a “porta de entrada” preferida pelos alunos
para chegar ao contato com esses conceitos, principalmente na área de educação
tecnológica, parece ser a montagem de dispositivos ou o entendimento dos
princípios de funcionamento de objetos tecnológicos. A ausência de projetos de
produção de software também não significa que os computadores não integram esse
contexto de projetos, mas sim indica que sua participação é muito mais coadjuvante.
Servem como dispositivo de controle via software, como ferramenta auxiliar no
preparo de relatórios e apresentações, como meios de acesso a informações,
através da internet, e prestam-se a diversas outras funções.
130

QUADRO 2 – Projetos desenvolvidos no semestre letivo estudado

Alunos Orien- Cate- Resultado


Projeto/tema Curso tador goria Descrição/objetivo final
(E/M) (A/D) (D/C/I/S) (M/B/O/E)
Alinhamento de motores 4M D D Demonstração prática de um sistema de alinhamento mecânico- O
elétricos óptico de acoplamento de motores industriais
Aquecedor Solar de Baixo 4E A C Montagem, ensaio e demonstração de um aquecedor solar de O
Custo – ASBC água, com material de baixo custo
Arco voltaico (*) 4E D D Demonstração prática das aplicações do arco voltaico O

Biodigestor 4M D C Montagem e demonstração de um biodigestor “portátil” M

Caixa de marcha 4M A D Demonstração prática do funcionamento da caixa de marchas B

Catapulta 3M A C Montagem, ensaio e demonstração de uma mini-catapulta B

3M/1E A C Montagem e demonstração de um sistema de simulação de cerca O


Cerca elétrica
eletrificada de proteção residencial
CVT – câmbio automático 3M A C Montagem e demonstração de um sistema mecânico baseado no B
contínuo câmbio automático CVT (continuously variable transmission)
3E D D Demonstração prática de um sistema de proteção de circuitos O
Disjuntores – proteção elétrica
elétricos residenciais
Enguia – sondagem 4E A C Montagem e demonstração de um mini-veículo para sondagem E
subaquática subaquática, dotado de controle remoto e câmera de vídeo
Geração hidráulica 2E A D Demonstração prática da geração hidráulica de eletricidade M

Holografia 3E D D Demonstração prática do fenômeno da holografia B

Leve – levitação eólica 3M A C Montagem e demonstração de um veículo de levitação eólica B

3E A C Montagem e demonstração de um dispositivo transmissor-receptor E


Mestre dos magos
para simulação de show de adivinhação
Motor pneumático (*) 4E A C Montagem e demonstração de um motor movido a ar comprimido E

Pêndulo de Foucault 4E A C Montagem e demonstração de um pêndulo de Foucault B

5M D C Montagem e demonstração de dispositivo de redução automática B


Redutor de farol (*)
de luminosidade de farol, em situação de cruzamento de veículos
131

Alunos Orien- Cate- Resultado


Projeto/tema Curso tador goria Descrição/objetivo final
(E/M) (A/D) (D/C/I/S) (M/B/O/E)
5M D D Demonstração prática do sistema de relé fotoelétrico utilizado no B
Relé fotoelétrico
serviço de iluminação pública
4M A C Montagem e demonstração de protótipo de “robô”, dedicado a B
Robô operário
transporte de peças, com movimentação fotoguiável
Sistema compensação de 3M A D Demonstração prática de sistema de compensação de oscilações M
vibrações de altos edifícios, causadas pela ação do vento
Sistema de freios 5M D D Demonstração prática do funcionamento do freio automobilístico O

Tacógrafo 3E D D Demonstração prática do funcionamento do tacógrafo O

4E A C Montagem e demonstração de sistema compacto de geração E


Termelétrica
termelétrica, com caldeira, gerador e circuito de distribuição
Trem magnético 3E A D Demonstração prática da levitação sobre trilhos magnéticos M

Projeto/tema: (*) Indica mudança de tema inicial


Alunos/Curso: número de alunos e curso
Orientador: Anderson Higino (A), Dácio Moura (D)
Categoria: Didático (D), Construtivo (C), Investigativo (I), Software (S)
Resultado final: Mediano (M), Bom (B), Ótimo (O), Excelente (E) – na apreciação dos orientadores
(itens considerados: montagem, relatório, apresentação, repercussão)
132

Percebe-se também, no Quadro 2, quase total homogeneidade dos grupos, em


relação aos cursos dos integrantes (23 homogêneos, 1 heterogêneo), e forte
tendência a escolha de temas ligados a áreas mais diretamente relacionadas a cada
curso, com poucas exceções. A ocorrência desses fenômenos parece indicar que,
apesar da para a escolha de temas e a composição heterogênea de grupos, as
preferências típicas de cada área têm grande influência nas opções. Há também a
interferência de fatores práticos, como a busca de maior coincidência na
disponibilidade de horários extra-classe e de maior facilidade de contato.

Quanto ao número de alunos por grupo, predominam grupos com 3 e 4 integrantes


(9 e 11 grupos, respectivamente), mas há também alguns com 2 e até 5 integrantes
(1 e 3 grupos, respectivamente). Os professores dão destaque ao número 4, que,
historicamente, tem gerado condições mais produtivas de trabalho, levando em
conta o equilíbrio entre volume de atividades e tempo de desenvolvimento
disponível. Observações feitas ao longo de alguns anos indicam que grupos de 2 ou
de mais de 5 integrantes correm risco de comprometimento do desempenho, por
causa do possível desequilíbrio entre disponibilidade efetiva para colaboração e
volume de esforço demandado. Mas não se impõe regra rígida.

Às vezes, há mudanças de tema em alguns grupos – indicadas com asterisco. Tais


ocorrências são pouco freqüentes (3 em 24, no período estudado) e têm causas
diversas: impossibilidade de obtenção de material para o desenvolvimento do tema
inicial (ex.: Motor pneumático); dificuldade decorrente da escolha de tema com nível
técnico não-alcançável (ex.: Redutor de farol); descoberta de aspecto do tema inicial
que desperta interesse e desvia a atenção (ex.: Arco voltaico); impossibilidade de
consecução do projeto decorrente de imprevistos. Em casos assim, o próprio grupo
toma a iniciativa de propor a mudança ou é orientado a repensar a opção inicial,
dentro de um período mínimo de tempo, para não comprometer a possibilidade de
conclusão do projeto. Como a escolha de temas é livre, tal recurso tem-se mostrado
válido e consistente com necessidades eventualmente surgidas, ao longo de um
processo marcado pela instrutiva associação de liberdade e imprevisibilidade.

A verificação reiterada da viabilidade dos temas escolhidos e do trabalho realizado


pelos grupos é um dos aspectos da avaliação realizada, com cada grupo, ao longo
do desenvolvimento dos projetos. O caráter eminentemente processual dessa
avaliação é fundamentalmente distinto da análise puntual e unilateral de produtos
133

que caracteriza as práticas avaliativas mais freqüentes no contexto escolar. O


monitoramento do processo envolve e co-responsabiliza orientador e grupos de
projeto e ajuda a garantir a participação intensa dos alunos e a obtenção de
resultados finais geralmente satisfatórios, como registrado no Quadro 2.

Metodologia de investigação

A pesquisa de campo realizada agrega pesquisa quantitativa e pesquisa qualitativa,


com objetivos complementares e métodos particulares a cada uma. A seguir,
caracterizamos cada uma dessas fases.

A pesquisa quantitativa objetivou produzir documentação analisável e comunicável


sobre a percepção dos alunos quanto à atividade de desenvolvimento de projetos. O
instrumento de investigação utilizado foi o Questionário LAF (vide Anexos),
constituído de três partes: A) 5 questões objetivas sobre o perfil do estudante; B) 1
questão aberta de identificação do grupo de projeto; C) dois blocos de 9 questões
objetivas do tipo Likert de 4 opções, para sondagem de aspectos relacionados à
apreciação da metodologia adotada (questões C1, 1 a 9) e a dificuldades e
problemas enfrentados pelo grupo (questões C2, 11 a 19); duas questões abertas,
para levantamento de informações sobre aspectos complementares aos abordados
em C1 (questão 10) e em C2 (questão 20). As questões abertas serão consideradas
na parte qualitativa da pesquisa de campo. O Questionário LAF foi aplicado a cada
aluno, imediatamente após a participação de seu grupo no seminário de
apresentação de projetos (22 e 23 de abril de 2002). A análise de dados gerou
resultados que são apresentados e discutidos na segunda seção deste capítulo.

A pesquisa qualitativa objetivou aprofundar aspectos que se destacaram na


pesquisa quantitativa e enriquecer e ampliar a percepção da dinâmica interna do
processo de desenvolvimento dos projetos. A metodologia visou ao levantamento
dos diversos pontos de vista complementares presentes no campo de estudo, a fim
de propiciar uma visão compreensiva. Além da utilização das questões abertas do
Questionário LAF, previram-se 3 etapas de coleta de dados, descritas a seguir:

1. Entrevista com funcionários e bolsistas do LACTEA que acompanharam as


atividades dos grupos de projeto, para levantar observações e impressões sobre
os processos vivenciados por estes;
134

2. Entrevista com o prof. Dácio Moura, para levantar percepções e impressões


sobre a atividade como um todo e sobre o trabalho dos grupos que orientou.
3. Grupos focais, em número de quatro, reunindo conjuntos de grupos de projetos,
selecionados segundo critério quantitativo derivado do Questionário LAF. Essa
etapa cumpriu dupla função: a) checagem de discrepâncias eventualmente
apontadas pelo Questionário LAF (“auditagem”) e b) aprofundamento da
percepção da visão que os alunos têm da atividade de desenvolvimento de
projetos, em complementação às informações obtidas com o questionário.

Essa parte da pesquisa de campo foi executada no período posterior ao


encerramento do semestre letivo, de acordo com a disponibilidade dos envolvidos.
Ao longo desse período, este autor, também orientador de projetos do LAF, teve
oportunidade de registrar suas próprias percepções e impressões sobre o
envolvimento com a realização dos projetos. O tratamento dos dados colhidos na
pesquisa qualitativa produziu resultados que são apresentados e discutidos mais à
frente, na terceira seção do capítulo, numa abordagem que leva em conta toda a
reflexão desenvolvida ao longo da dissertação, principalmente no capítulo 3.

4.2 Pesquisa quantitativa: planejamento, resultados, discussão

No bloco C1 do Questionário LAF – apreciação da metodologia LAF – cada uma das


9 questões objetivas é formada por uma declaração sobre a metodologia e 4
gradações de opção: Concordância Total, Concordância Maior (que a discordância),
Discordância Maior (que a concordância) ou Discordância Total. Quando necessário,
denotaremos tais posições por CT, CM, DM, DT, respectivamente. Cada uma das
declarações expressa um juízo de valor qualitativo sobre a metodologia: as das
questões 1, 4, 5, 8 e 9 (Quadro 3), possuem valor qualitativo positivo, destacando
aspectos positivos ou contendo referências elogiosas; as das questões 2, 3, 6 e 7
(Quadro 4) possuem valor qualitativo negativo e característica contrária.

A análise de dados do bloco C1 exige, portanto, cuidado na interpretação da


resposta do aluno. Para essas questões, utilizaremos o critério interpretativo
indicado no Quadro 5, para relacionar a posição assumida em relação às
declarações com a apreciação positiva ou negativa que o aluno faz da metodologia.
135

QUADRO 3 – Questões sobre apreciação (bloco C1) - declarações de valor positivo

Questão Declaração de valor positivo sobre a metodologia


1 De modo geral, a metodologia adotada é excelente
4 Os professores deveriam adotar a metodologia de projetos também nos
próximos semestres
5 A realização do projeto causou grande satisfação
8 A aprendizagem global ocorrida na realização do projeto é de grande
valor pessoal e profissional
9 A metodologia de projetos contribui para melhor integração entre teoria e
prática na aprendizagem

QUADRO 4 – Questões sobre apreciação (bloco C1) - declarações de valor negativo

Questão Declaração de valor negativo sobre a metodologia


2 As reuniões realizadas no auditório, no início do semestre, não são
importantes para os trabalhos
3 A adoção de aulas práticas tradicionais teria sido mais proveitosa para a
formação profissional
6 O esforço realizado no projeto não valeu a pena
7 A metodologia de projetos prejudica o estudo de conteúdos didáticos
importantes para o aluno

QUADRO 5 - Critério interpretativo para o bloco C1 do Questionário LAF

Valor qualitativo da declaração

POSITIVO NEGATIVO

Apreciação positiva Apreciação negativa


assinalada

CONCORDÂNCIA
Posição

da metodologia da metodologia
Apreciação negativa Apreciação positiva
DISCORDÂNCIA
da metodologia da metodologia

No bloco C2 do Questionário LAF, relacionado à dificuldade de realização do


projeto, a análise é mais simples, na medida em que cada questão consta apenas
da descrição de um tipo de dificuldade (Quadro 6) e de quatro gradações de opção:
Muito Grande, Grande, Pequeno, Muito Pequeno. Quando necessário, denotaremos
tais posições por MG, G, P e MP, respectivamente.
136

QUADRO 6 – Questões sobre grau de dificuldade (bloco C2)

Questão Dificuldade ou problema enfrentado pelo grupo


11 Problema no entrosamento entre os membros do grupo
12 Problema na escolha do tema do projeto
13 Falta de tempo devida a exigências de outras disciplinas
14 Falta de tempo devida a dificuldades pessoais
15 Problema no relacionamento com o professor orientador
16 Dificuldade na obtenção dos materiais práticos do projeto
17 Dificuldade na obtenção dos materiais teóricos do projeto
18 Dificuldade na obtenção de apoio de setores internos ao CEFET
(deixar em branco, se não houve necessidade desse apoio)
19 Dificuldade na obtenção de apoio de setores externos ao CEFET
(deixar em branco, se não houve necessidade desse apoio)

Gráficos e resultados

A análise quantitativa dos questionários permitiu elaborar uma variedade de gráficos


úteis à compreensão do campo de estudo. Na análise dos gráficos de barras,
privilegiamos a tomada conjunta das respostas que indicam concordância (CT e CM)
ou discordância (DM e DT). Isso deve-se à consideração de que, em cada par, as
opções sinalizam igual intenção, ainda que com diferenciação de grau, mais ou
menos precisa, dependendo de vários fatores e condições perceptuais e ambientais.

Os gráficos de barras 1 A e 1 B referem-se à apreciação da metodologia pelos


integrantes de grupos de projeto da Engenharia Mecânica e da Engenharia Elétrica,
respectivamente. Registram, de forma cumulativa, os percentuais de respostas às
questões 1, 4, 5, 8 e 9 do bloco C1, que contêm declarações de valor qualitativo
positivo (Quadro 4). Considerada a soma dos percentuais de Concordância Total
(CT) e Concordância Maior (CM), todos os valores são superiores a 90%. Isso
indica, de modo muito consistente, uma expressiva apreciação positiva da
metodologia pelos alunos. Convém observar a íntima relação dos pontos abordados
nessas questões com as discussões desenvolvidas nos dois capítulos anteriores.

Os gráficos de barras 2 A e 2 B referem-se também à apreciação da metodologia,


mas dizem respeito às questões de valor qualitativo negativo. Registram, de forma
cumulativa, os percentuais de respostas às questões 2, 3, 6 e 7 do bloco C1 (Quadro
137

5). Considerada a soma dos percentuais de Discordância Total (DT) e Discordância


Maior (DM), todos os valores são superiores a 59%. Como, de acordo com a
discussão resumida no Quadro 5, respostas discordantes de declarações de valor
negativo também indicam apreciação positiva, esse resultado também expressa a
apreciação positiva da metodologia pelos alunos.

Alguns aspectos merecem atenção especial. Na questão 2, por exemplo, os dois


percentuais totais de respostas alcançam 100%, indicando que todos os alunos
manifestaram sua posição. 61,7% dos estudantes de Engenharia Mecânica e 75,6%
dos de Engenharia Elétrica julgam importante a Reunião Geral realizada no início do
semestre letivo, para apresentação da proposta de trabalho com os projetos.

O registro de presença indica que 93% dos respondentes da Engenharia Elétrica e


64% dos da Engenharia Mecânica assistiram à Reunião Geral. A não totalidade da
freqüência gera imprecisão nos dados, principalmente os relativos à Engenharia
Mecânica. Seria possível supor que parte dos ausentes tenham julgado a Reunião
dispensável, uma vez que chegaram ao fim do processo de modo satisfatório. Mas
tais hipóteses adicionais não possibilitam minorar a imprecisão, de modo
consistente, pelo fato de o questionário impedir checagem de presença, ao não
prever identificação do respondente. De todo modo, como os percentuais de
apreciação (positiva e negativa) não ultrapassam os de freqüência, julgamos que o
significado dos dados não chegou a ser comprometido. Consideramos necessário
corrigir essa fragilidade, em eventuais novas aplicações do questionário, e optamos
por utilizar a pesquisa qualitativa para explorar maiores detalhes da questão.

No caso da Engenharia Mecânica, a significativa ausência de 36% à Reunião Geral


não se deve apenas a razões particulares dos estudantes. Observamos, desde há
vários semestres letivos, recorrente situação de não preenchimento imediato das
vagas disponíveis e ocorrência de múltiplas chamadas para entrada nos cursos. Tal
circunstância prejudica a participação dos alunos nas atividades iniciais das
disciplinas. Na elaboração do Questionário LAF, esse pode ser um fator cuja
consideração, inicialmente não prevista, pode mostrar-se para a obtenção de dados
mais confiáveis, em assuntos como o da questão 2.
138
139
140

Quanto à questão 3, apesar da relevância de considerar o significado das atividades


curriculares para a formação profissional, reconhecemos que a possibilidade de uma
apreciação mais consistente da declaração utilizada demandaria, dos alunos, uma
visão mais clara sobre formação profissional do que permite a pequena experiência
que possuem. De todo modo, mesmo diante da provável imprecisão das respostas,
julgamos mais apropriado sondar essa percepção dos alunos do que não fazê-lo.

Verifica-se duplo contraste nas respostas sobre se a adoção de aulas práticas


tradicionais teria sido mais proveitosa para a formação profissional. Primeiro,
enquanto não chegam a 3% os alunos de Engenharia Elétrica que prefeririam aulas
tradicionais, cerca de 34% dos da Engenharia Mecânica manifestam tal posição.
Segundo, este percentual também contrasta com a apreciação positiva – não inferior
a 90% – manifestada nas questões com declarações de valor positivo (Gráfico 1A).
Isso pode indicar que, diretamente estimulados a refletir sobre a possibilidade
abordada na questão 3, os alunos de Engenharia Mecânica experimentem dúvida
sobre sua preferência. Gostam da experiência dos projetos, mas talvez ponderem
que o laboratório tradicional tenha vantagens a oferecer, em alguns aspectos.

Buscamos elementos complementares para o entendimento desse contraste nas


respostas à parte A do Questionário LAF. Resumidas no Quadro 7, estas abordam o
perfil geral dos alunos, quanto a origem escolar, experiência prévia com aulas de
laboratório, formação geral curricular e extra-curricular e facilidade para obtenção de
aprovação nas disciplinas do primeiro período de curso.

Verifica-se que a turma da Engenharia Mecânica registra maior percentual de


técnicos e de alunos com experiência no trabalho em oficinas e com ferramentas.
Isso facilita, em geral, o trabalho com projetos. Por outro lado, a turma também
apresenta percentual ligeiramente menor de alunos com experiência prévia em
laboratório tradicional, além de percentual também menor de alunos desenvoltos em
habilidades tipicamente extra-curriculares, como leitura em inglês e, talvez
principalmente, menor percentual de alunos com facilidade de aprovação nas
disciplinas do 1o período. Esses aspectos podem ter-se combinado para gerar, em
parte dos alunos, sensação de que atividades tradicionais de laboratório talvez
tivessem, por exemplo, contribuído para facilitar-lhes o percurso acadêmico, ao
longo do 1o período letivo, tradicionalmente visto como difícil.
141

QUADRO 7 – Perfil geral dos alunos

Engenharia Engenharia
Questões - bloco A questionário LAF Elétrica Mecânica
(% em 41 alunos) (% em 47 alunos)
Técnico CEFET-MG 22 23
Técnico outra instituição 10 17
Total de técnicos (%) ...... 32 40

Laboratório Física (E. médio) 54 45


Laboratório Química (E. médio) 56 64
Laboratório Biologia (E. médio) 37 32
Laboratório Ciências (E. fundamental) 39 23
Laboratório outro 22 17

Experiência com oficina/ferramentas 42 53


Experiência com computador 78 75
Familiaridade com leitura em inglês 73 38
Experiência anterior semelhante ao LAF 32 30

Fácil aprovação disciplinas 1o período 51 28

Apesar da consistência dessa hipótese, as respostas à questão 7 reacendem a


dúvida, indicando que quase 80% desses alunos avalia que o trabalho com projetos
não prejudica o estudo de conteúdos didáticos importantes (Gráfico 1A). Entretanto,
há cerca de 19% dos alunos de Engenharia Mecânica, além de cerca de 15% dos de
Engenharia Elétrica, que manifestaram percepção um pouco diferente. A situação de
contraste e indefinição inspirou-nos a abordar as hipóteses, na pesquisa qualitativa,
através de técnicas adequadas à melhor contextualização da percepção dos alunos.

Encerrando a análise da apreciação da metodologia, destacamos a sinalização


positiva manifestada na questão 6. Quase 80% dos alunos das duas turmas
registram a valorização do esforço realizado para a consecução do projeto.

Passando à discussão das dificuldades enfrentadas pelos grupos, reportamo-nos


aos gráficos de barras 3 A e 3 B. Representam-se ali os percentuais de respostas às
questões 11 a 19 do bloco C2 do Questionário LAF, para as turmas da Engenharia
142

Mecânica e da Engenharia Elétrica, respectivamente. Observa-se um perfil global


bastante consistente, nas respostas das duas turmas, indicando as seguintes
dificuldades: pequena, no entrosamento dos integrantes dos grupos (questão 11);
razoável, na escolha dos temas dos projetos (12) – maior na Engenharia Mecânica
do que na Engenharia Elétrica; grande ou muito grande, em função das demandas
curriculares (13); razoável, em decorrência de questões pessoais (14); muito
pequena, no relacionamento com o professor (15); razoável, na obtenção dos
materiais teóricos e práticos do projeto (16 e 17); pequena ou razoável, na obtenção
de apoio interno ou externo ao ambiente da escola (18 e 19).

Esses resultados sugerem que a atividade, mesmo com seu ambiente de intrínseca
imprevisibilidade, apresenta viabilidade aceitável, sendo promissora como linha de
trabalho regular na escola. As dificuldades encontradas são, em geral, perfeitamente
negociáveis pelos alunos, com a colaboração e a orientação do professor,
compondo um contexto de criatividade, inovação e aprendizagem. Esse contexto é
adequado não apenas às incertezas dos dias atuais, mas também à exploração de
ricas possibilidades levantadas por diversas abordagens teóricas sobre cognição,
currículo e didática, conforme sugerido em capítulos anteriores.

Merece destaque o pico de dificuldade indicado na questão 13, devido às demandas


curriculares. É de fato um desafio a conquista de tempo para os projetos, em meio à
forte sobrecarga de atividades imposta aos alunos, somente justificável em
contextos de busca de eficiência quantitativa como o que caracteriza a escola
“moderna”. No caso da Engenharia Mecânica, essa sobrecarga é um fator a levar-se
em conta na compreensão do contraste apontado entre apreciação positiva e dúvida
sobre se uma abordagem tradicional não seria mais proveitosa.

Esse pico é consistente com as observações dos professores e indicações de


pesquisadores, sobre a dificuldade de desenvolver linhas pedagógicas inovadoras
em ambientes fortemente marcados por abordagens tradicionais. Mas os alunos têm
descoberto meios de “navegar” entre as dificuldades e conquistar resultados
materiais e imateriais com seus projetos. Alguns são visíveis, audíveis, palpáveis,
em cenários LACTEA e META. Outros somente podem ser “tocados” pela
sensibilidade de quem se dispõe a abrir a percepção às sutilezas do acoplamento
entre vida e aprendizagem. Num esforço dessa natureza, resultados de pesquisas
servem como indicadores auxiliares, não como instrumentos principais.
143
144

Representação por índices

Os resultados apresentados até agora baseiam-se em percentuais. É também útil


representar os dados através de índices. Como a parte C do Questionário LAF diz
respeito à apreciação da metodologia e à dificuldade experimentada pelos grupos,
utilizaremos o índice de apreciação e do índice de dificuldade.

Na definição do índice de apreciação, associamos a seguinte escala de valoração


quantitativa à escala qualitativa Likert de apreciação do bloco C1 do Questionário
LAF: CT= +100, CM= +50, DM= –50, DT= –100. Como as declarações avaliadas nas
questões assumem valoração qualitativa positiva ou negativa, a utilização de um
coeficiente de valoração qualitativa – com valores +1 ou –1, respectivamente -
permite contemplar as discussões anteriormente resumidas no Quadro 5. Com base
nessas opções, o índice de apreciação foi calculado, para cada grupo, como média
ponderada envolvendo, num duplo somatório, as 9 respostas do bloco C1 de cada
questionário, os n questionários de cada grupo, os valores quantitativos associados
à escala Likert e os coeficientes de valoração qualitativa adequados.

O índice de apreciação apresenta faixa de variação (a rigor, descontínua) de –100 a


+100. Esses extremos indicam, respectivamente, máxima apreciação negativa ou
positiva do grupo, em relação à metodologia. Um índice nulo indicaria exato
balanceamento entre apreciações negativas e positivas dos integrantes do grupo, na
avaliação dos múltiplos aspectos abordados no bloco C1. Valores intermediários
sinalizam apreciação correspondentemente intermediária.

Na definição do índice de dificuldade, utilizamos procedimento análogo,


associando a seguinte escala quantitativa à escala qualitativa Likert de dificuldade
do bloco C2 do Questionário LAF: MG = +100, G= +75, P= +50, MP= +25. Não foi
necessário utilizar coeficiente de valoração. Com base nessas opções, o índice de
dificuldade foi calculado, para cada grupo, como média ponderada envolvendo, num
duplo somatório, as 9 respostas do bloco C2 de cada questionário, os n
questionários de cada grupo e os valores quantitativos associados à escala Likert.

O índice de apreciação possui, em princípio, faixa de variação (a rigor, descontínua)


de +25 a +100. Os extremos indicam, respectivamente, percepção de dificuldade
mínima e máxima do grupo, no desenvolvimento do projeto. Um índice de dificuldade
de +25 indicaria percepção de mínima dificuldade por todos os integrantes do grupo,
145

na avaliação dos múltiplos aspectos abordados no bloco C2 do Questionário LAF. O


valor +100 indicaria máxima dificuldade. Valores intermediários sinalizam dificuldade
correspondentemente intermediária. Entretanto, os valores assumidos podem ser
menores do que +25. Isso ocorrerá diante de eventual anulação de resposta ou no
caso de um integrante deixar de responder a alguma questão. Observe-se que as
questões 18 e 19 trazem indicação explícita a esse respeito.

Índices e processos

O gráfico de dispersão 4 A é a representação dos índices de dificuldade (pontos


cinzentos) e apreciação (pontos pretos) dos 24 grupos de projeto, na ordem
crescente dos índices de dificuldade. Essa representação permite a visualização
complementar de alguns aspectos do processo vivido pelos grupos.

Verifica-se que os índices de dificuldade variaram numa faixa de 35 a 65, dispersos


em torno de um valor médio próximo de 52. Essa representação gera percepção
consistente com a sinalizada na análise dos gráficos 3 A e 3 B: dificuldades maiores
ou menores apresentam-se a todos, mas não de forma tão intensa que impeça a
continuidade dos processos de desenvolvimento dos diversos projetos.

Os índices de apreciação são todos aritmeticamente positivos e encontram-se numa


faixa de variação de +44 a +93, dispersos em torno de um valor médio próximo de
66. Observe-se que 21 em 24 desses índices são maiores que +50, colocando-se no
quarto superior (+50 a +100) da faixa máxima de variação possível (-100 a +100).
Isso reforça a indicação de apreciação altamente positiva do processo, mesmo com
a imprevisibilidade intrínseca à situação, as dificuldades experimentadas e o árduo
esforço de conquista de tempo, em meio aos “apertos” da vida acadêmica.

Como os índices de apreciação são apresentados na mesma seqüência dos índices


de dificuldade correspondentes, o Gráfico 4 A também permite observar a situação
de não correlação entre a variação dos índices de dificuldade e a variação dos
índices de apreciação. Conquanto seja de esperar que ocorra maior apreciação de
num processo sem maiores empecilhos e menor apreciação, num processo cravado
de dificuldades, essa não correlação indica que não se pode estabelecer uma mera
relação do tipo “fácil–bom, difícil–ruim”, tão ao gosto das abordagens lineares.
146
147

Tal conclusão pode ser melhor apreciada através da observação das linhas retas de
tendência contínua e pontilhada, traçadas no gráfico. A linha contínua inclina-se
“para cima”, na medida em que o gráfico é percorrido da esquerda para a direita – ou
da menor dificuldade para a maior dificuldade. Os pontos cinzentos apresentam-se
levemente dispersos ao redor dessa linha, indicando grande consistência no
aumento das dificuldades vivenciadas pelos diversos grupos. Enquanto isso,
percebe-se, por um lado, inclinação “para baixo” da linha pontilhada, sugerindo leve
tendência geral de queda da apreciação com o aumento da dificuldade. Mas a alta
dispersão dos pontos azuis em torno da linha pontilhada sugere, também, que as
apreciações construídas pelos grupos não se apegam somente às dificuldades. Elas
dependem de uma complexa multiplicidade de fatores presentes ao longo do
processo. Em outras palavras, os estudantes mostram que não gostam apenas
daquilo que é fácil. Mostram, isto sim, saber valorizar experiências pedagogicamente
estimulantes e valiosas, ainda que difíceis.

O gráfico de dispersão 4 B é também baseado nos índices, mas registra os pontos


relativos aos grupos numa espécie de “diagrama de estado” apreciação–dificuldade,
para tomar de empréstimo uma noção física conveniente. Essa representação
conjuga duas dimensões significativas do processo vivenciado com os projetos,
permitindo observar que, ao final do processo, os grupos encontram-se “dispersos”
numa região desse espaço consistentemente situada em torno do ponto definido
pelos valores médios dos dois índices (52; 66), indicado pela interseção das linhas
contínuas horizontal e vertical. Os retângulos pontilhados demarcam a região
definida por linhas situadas um e dois desvios absolutos aquém e além da médias, e
foram traçados como recurso auxiliar à percepção da consistência dos resultados.

Os índices de apreciação e dificuldade do gráfico 4 B foram calculados apenas ao


final do processo. Mas esse tipo de diagrama permite obter uma visualização de
todo o processo vivenciado, em termos de apreciação e dificuldade. Para cada
grupo, é possível traçar uma curva, parametrizada pelo tempo, constituída pela
seqüência dos pontos correspondentes aos índices calculados ao longo do
processo, talvez a cada semana ou quinzena do semestre letivo. Tal representação
pode converter-se em mais um instrumento de comunicação capaz de sugerir a
consistência dos processos envolvidos nesse tipo de metodologia.
148

Esse tipo de representação poderia ser interessante, por exemplo, em casos como o
do grupo do Biodigestor, localizado no “quadrante” grande dificuldade–grande
apreciação (“difícil–bom”) do Gráfico 4 B. O alto índice de dificuldade corresponde à
informação de que o grupo experimentou muitos percalços materiais e de
relacionamento. A não obtenção de protótipo totalmente funcional do equipamento
foi registrado como resultado final mediano (M), no Quadro 2. Mesmo assim, os
alunos indicaram apreciação muito positiva do processo. Se essa apreciação não
decorre principalmente do êxito material e tecnológico do projeto, é necessário
buscar em seus aspectos humanos uma compreensão consistente. Isso gerou
interesse pela sondagem, na pesquisa qualitativa, da história e das vivências do
grupo, a fim de dar sentido a esse sugestivo contraste.

Casos assim são sugestivos da riqueza humanística e cognitiva que se abriga nos
meandros de atividades como os projetos. Mas se, náufragos num oceano de visões
pedagógicas, buscarmos abrigo e segurança apenas nas ilhas da linearidade
mecanicista, corremos o risco de nos convertermos em “Cruzoés” e alcunhar os
alunos “Sextas-Feiras”, na expectativa enganosa de que não desejem mais do que o
sossego do descanso semanal. O chamamento que emerge de nossa discussão, ao
contrário, é para que colaboremos com eles na realização de uma energia e uma
criatividade juvenis que os fazem vibrar com um trabalho árduo, às vezes penoso,
desde que estimulante e compensador; desde que ofereça paga justa, na moeda
imaterial da negociação que envolve realização, aprendizagem, reconhecimento.

4.3 Pesquisa qualitativa: planejamento, resultados, discussão

Nos Quadros 8 e 9, apresenta-se a transcrição dos comentários escritos pelos


alunos, nos blocos C1 e C2 do Questionário LAF, relativos a apreciação e
dificuldade. Esse registro dá aos orientadores de projeto informação valiosa para a
avaliação de estratégias pedagógicas e outras condições de desenvolvimento.

Alguns aspectos abordados refletem dificuldades circunstanciais, como a pequena


disponibilidade de ferramentas no Laboratório, no período considerado. Outros,
como a insuficiência de espaço físico, estrutura de apoio e tempo para dedicação,
sinalizam a necessidade de condições mais favoráveis, no ambiente da escola e
mesmo no da cultura educacional em que ela se insere, como já discutido.
149

O contato com esses comentários, logo no início da investigação, permitiu vislumbrar


a parcialidade e a necessidade de complementação da nossa visão sobre a
experiência dos grupos de projeto. Compreendemos que o aprofundamento da
percepção do campo de estudo exigia oferecer mais oportunidades de manifestação
aos alunos, e que era também necessário ouvir os funcionários e bolsistas, bem
como o prof. Dácio Moura, sobre as observações colhidas ao longo dos projetos.
Decidimos utilizar técnicas de pesquisa qualitativa para conhecer em detalhes as
histórias e observações desses diversos atores. Organizamos reuniões de grupo
focal com os estudantes e entrevistas com os colegas. Todos demonstraram
desprendimento e espírito de colaboração, permitindo importante registro de pontos
de vistas complementares sobre a experiência daquele semestre.

Conforme resumido no Quadro 10, a montagem dos grupos focais iniciou-se pela
disposição dos grupos de projeto de cada turma em ordem crescente dos índices de
dificuldade. A seguir, definimos quatro “faixas de dificuldade”, um e dois desvios
absolutos médios globais (~7) abaixo e acima do índice médio global (~52). Depois,
escalamos, em cada turma, 4 grupos focais, cada um com 4 grupos de projeto.
Escolhemos, em cada turma e em cada faixa, com os dois grupos de projetos de
maiores índices de dificuldade (nomes em itálico). Reunimos, assim, grupos
pertencentes às duplas-faixas formadas pelas faixas contíguas “fácil/mediano-fácil” e
”mediano-difícil/difícil”. A escalação final foi a seguinte:

GF1MEC: Alinhamento de motores, Relé fotoelétrico, Robô operário, CVT


GF2MEC: Caixa de marcha, Cerca elétrica, Biodigestor, Sistema de compensação
GF1 ELE: Mestre dos magos, Arco voltaico, Termelétrica, Enguia
GF2ELE: Motor pneumático, ASBC, Pêndulo de Foucault, Trem magnético

O objetivo desse procedimento foi reunir grupos de projetos com graus semelhantes
de dificuldade e resultados finais comparáveis (indicados entre parênteses, no
Quadro 10), para não causar aos alunos constrangimentos decorrentes de
comparações inadequadas. Desse modo, o índice de dificuldade contribuiu para a
obtenção, nos grupos focais, de ambiente favorável à manifestação espontânea e,
portanto, à obtenção de informação mais significativa sobre as situações vividas.
150

QUADRO 8 - Engenharia Mecânica – comentários dos alunos sobre apreciação e dificuldade (Questionário LAF)

GRUPO / COMENTÁRIOS DOS ALUNOS


RESPONDENTE
METODOLOGIA DOS PROJETOS LIVRES PROBLEMAS E DIFICULDADES ENFRENTADOS
O projeto proporcionou um grande aprendizado sobre o tema e uma
Relé 1 associação com o cotidiano.
XXX
O uso da disciplina na forma de projeto é de melhor proveito e deveria ser Apesar da falta de tempo para execução do trabalho este projeto não deve ser
Relé 3 utilizada em outros períodos. abolido e além disso deve ser melhor divulgado para dentro e fora da
instituição.
De fato a escola Sagarana está implantada em vários países, isso é excelente Existem divergências em todo os grupos mas deve-se observar o que cada
para o desenvolvimento didático teórico e prático. O que falta no laboratório é membro tem para oferecer. As dificuldades são relativas, pois fomos bem
Relé 4 espaço e um depósito para guardar os projetos doados. recebidos na Tecnowatt, enquanto na DSD nem chegamos a realizar uma
visita.
Leve 1 XXX Deveria haver mais equipamentos no laboratório para construção dos projetos.
Todos os trabalhos construtivos do 1º período deveriam ser melhorados pelos Deveria haver menos burocracia em relação à obtenção de materiais (nos
Farol 1 próprios criadores ao passar dos períodos com a ajuda dos outros alunos e projetos construtivos).
bolsistas.
Farol 2 Não deveria ser no 1º período. XXX
Farol 4 Aumentar o número de aulas práticas para maior aproveitamento do tempo. Gasto um pouco alto.

Farol 5 Aumentar as aulas com projetor. Falta de tempo, devido a provas e listas.
Os professores deveriam sugerir temas mais direcionados à área dos alunos
Robô 2 (Eng. Mecânica).
XXX
A metodologia é ótima. O problema é a falta de tempo e a falta de material
Robô 3 (ferramentas; material de produção dos protótipos). No mais a oportunidade e XXX
os conselhos dos professores nos fazem crescer.
É preciso de mais apoio da entidade, pois sofremos bastante dificuldade em
adquirir materiais apropriados para montagem, só conseguimos montar com
CVT 1 XXX
apoio externo, pois a própria Instituição ignorou nossos pedidos, principalmente
na usinagem de materiais.
Seria necessário mais apoio por parte dos laboratórios de Mecânica para que
CVT 3 XXX os alunos na necessidade de execução dos projetos práticos fosse oferecido
maior atenção aos alunos executantes.
Freio 3 Com a greve, tivemos menos tempo do que o esperado para fazer o projeto. XXX
Freio 4 Eu acho que as aulas práticas contribuem para o aprendizado teórico. XXX
A maior dificuldade do nosso grupo foi nos últimos dias antes da apresentação,
Cx. marcha 4 XXX pois o motor tinha queimado e tinha muito atrito nas engrenagens. E a falta de
tempo, porque tínhamos que estudar para as provas.
151

Nenhum trabalho que tem o objetivo de aprendizados e descobertas é perda de


Cerca 1 tempo.
XXX
Este semestre o tempo foi muito curto e todas as matérias foram corridas, não
Cerca 2 dispondo muito tempo para o projeto.
XXX

Biodigestor 1 XXX A falta de colaboração de pessoas não relacionadas ao projeto.


Gostei porque tivemos liberdade para trabalhar e conversar a hora que fosse Relacionamento entre os componentes não foi muito bom no começo, mas logo
Biodigestor 2 conveniente. melhorou.
O projeto foi interessante pois aprendemos a trabalhar em grupo e superar as
Biodigestor 3 dificuldades de relacionamento.
XXX
Biodigestor 4 Aprendizado de trabalho em equipe. A bibliografia referente ao tema proposto foi muito pequena.

OBS.: 1) 21 dos 47 respondentes fizeram anotações nos itens abertos do questionário; 16 em 21 registraram comentários sobre
apreciação, 13 em 21 registraram comentários sobre dificuldade. 2) Os grupos foram ordenados na seqüência do menor para o maior
índice de dificuldade. 4) Os algarismos 1, 2, 3, 4, 5 foram utilizados para individualizar os questionários, de modo a possibilitar
conferência de lançamentos e vinculação das repostas das partes objetiva e aberta (ex.: Cerca 1).
152

QUADRO 9 - Engenharia Elétrica – comentários dos alunos sobre apreciação e dificuldade (Questionário LAF)

GRUPO / COMENTÁRIOS DOS ALUNOS


RESPONDENTE
METODOLOGIA DOS PROJETOS LIVRES PROBLEMAS E DIFICULDADES ENFRENTADOS
O projeto é importante também, pois através dele ficamos conhecendo Por ser um aparelho importado informações sobre o funcionamento técnico do
Tacógraco 1 realmente o CEFET e o que o Campus pode nos oferecer (marcenaria, oficina tacógrafo são difíceis de se obter.
mecânica etc.).
O aluno aprende a “correr atrás” do seu objetivo e não fica esperando o
Tacógraco 2 trabalho pronto, só para montar.
XXX
Deve-se ter uma maior clareza no planejamento do projeto por parte do
Tacógraco 3 professor. (Datas, horários, exigências, limitações)
XXX
Os projetos são de grande utilidade para os alunos, isto porque acaba se
tornando um meta de realização, sendo assim os estudantes procuram de
Mestre magos 3 todas as formas solucionar os problemas, proporcionando grande
XXX
aprendizagem.
Com relação à metodologia acho que seria mais proveitoso se tivéssemos um A ajuda da professora [AM] (Química), para fixação de conceitos.
Arco voltaico 2 acompanhamento mais individual.
O projeto é muito interessante porém seria mais interessante se o CEFET
Arco voltaico 3 desse uma maior estrutura e apoio.
XXX
O professor Dácio nos deu total liberdade de escolha do projeto e muito nos A professora [AM] (Química) muito nos ajudou na parte teórica do projeto.
Arco voltaico 4 apoiou.
Item 5: o projeto causou enorme cansaço por causa das outras aulas, provas e
Disjuntores 1 trabalhos.
XXX
Apresentação tem que ser 2 semanas ou 3 antes das provas finais das teorias, Achei excelente este projeto, porém, reafirmo estes trabalhos têm de ser
Termelétrica 4 isso prejudicou alguns alunos. apresentados antes (2, 3 ou 4 semanas) do final do semestre, pensem nisso!
Obrigado, por tudo.
O LACTEA é bem carente de materiais. Alguns grupos, assim como o nosso,
tiveram que gastar uma quantia de dinheiro para realizar o projeto. Sobre
Enguia 1 O item 4 é interessante, mas o item 3 é muito importante também.
relacionamentos, algumas pessoas no CEFET têm um grau de arrogância alto,
desproporcional ao de competência.
Enguia 2 XXX Falta de ferramentas no LACTEA para construção do protótipo.
Gostaria de registrar que um dos maiores problemas enfrentados pelo grupo foi
Motor 1 XXX
a burocracia, enfrentada na obtenção da montagem do protótipo.
Os alunos deveriam ter mais tempo para realizar os projetos, 2 semestres por
Motor 4 exemplo.
XXX
De um modo geral, com este projeto aprendemos que na prática a Física é
ASBC 1 diferente.
XXX
153

Não aprendi tanto quanto esperava porque ninguém do grupo tinha curso
ASBC 2 técnico ou algum tipo de conhecimento técnico. Nós nos viramos e apenas XXX
fizemos aquilo que todo mundo sabe fazer: improvisar.
O trabalho foi importante no aprendizado da Engenharia prática que é diferente
ASBC 3 da teórica.
XXX

Seria interessante convênios entre a faculdade e empresas, para que estas Falta de material no laboratório.
Geração hidr. 1 patrocinassem os futuros projetos.
As montagens exigem maior conhecimento teórico dos alunos, por isso seria A falta de tempo devido a preocupação com outras disciplinas acaba
Foucault 1 melhor que esses projetos fossem feitos em períodos mais avançados. prejudicando o andamento do trabalho.
Foucault 2 Esta montagem teria de ser não no 1º semestre mas nos mais adiantados. O LACTEA deveria ter mais equipamentos e financiar os projetos.
Não há como negar que o projeto é muito enriquecedor. Apesar de gastar Problemas acontecem em todo lugar, mas o importante apesar de nosso
Foucault 3 tempo e atrapalhar nas disciplinas teóricas, o projeto é válido. projeto não ter dado certo, foi aprender como lidar com os problemas.
Sinto que deveria ser feita uma familiarização do aluno com o ambiente de
Foucault 4 laboratório, antes de fazê-lo escolher seu tema.
XXX
Falta de ferramentas no LACTEA; necessidade de maior interação entre outros
Trem mag. 1 XXX
departamentos; espaço físico no LACTEA insuficiente.
É claro que este tipo de trabalho é bastante construtivo. Se der certo, muito Um dos grandes problemas foi a falta de tempo para este tipo de trabalho.
bem; se não der certo o aluno não se sente muito bem, mas entenderá que Fazer isto em único período não é suficiente. Outro grande problema foi a falta
Trem mag. 2 nem tudo dá certo. de materiais. Além do mais é muito difícil conseguir materiais aparentemente
fáceis como (fio, tábua) no CEFET.
É uma ótima metodologia, exceto pelo pouco tempo que tivemos para dedicar
Trem mag. 3 ao projeto neste período.
XXX

OBS.: 1) 24 dos 41 respondentes fizeram anotações nos itens abertos do questionário; 18 em 24 registraram comentários sobre
apreciação; 13 em 24 registraram comentários sobre dificuldade. 2) os grupos foram ordenados na seqüência do menor para o maior
índice de dificuldade; 3) os algarismos 1, 2, 3, 4, 5 foram utilizados para individualizar os questionários, de modo a possibilitar
conferência de lançamentos e vinculação das repostas das partes objetiva e aberta (ex.: ASBC 1).
154

QUADRO 10 – Grupos de projeto por faixas de dificuldade

Faixa de Grupo de projeto Grupo de projeto


id id
dificuldade Engenharia Elétrica Engenharia Mecânica
Tacógrafo (O) 35,2 Alinhamento motores (O) 36,8
Fácil
Mestre dos magos (E) 39,8 Relé fotoelétrico (B) 39,4
(id ≤ 45)
Arco voltaico (O) 44,4
Disjuntores (O) 45,4 Leve (B) 49,1
Mediano-fácil Termelétrica (E) 45,8 Redutor de farol (B) 51,1
(45 < id ≤ 52) Enguia (E) 49,3 Robô operário (B) 51,4
CVT (B) 51,9
Holografia (B) 52,8 Sistema de freio (O) 52,2
Mediano-difícil
Motor pneumático (E) 56,9 Caixa de marcha (B) 54,2
(52 < id ≤ 59)
ASBC (O) 58,3 Cerca elétrica (O) 57,6
Geração hidroelétrica (M) 59,7 Catapulta (B) 61,1
Difícil
Pêndulo de Foucault (B) 59,7 Biodigestor (M) 61,8
(id > 59)
Trem magnético (M) 64,8 Sistema compensação (M) 63,9

Realizadas em sala especial do CEFET-MG, as reuniões foram gravadas em fitas de


áudio e vídeo,2 para registro mais completo de aspectos subjetivos e ambientais.
Anotações foram colhidas por colaboradores especialmente instruídos sobre a
atividade. A agenda das reuniões, reproduzida nos Anexos, vai de abordagem mais
geral para pontos mais específicos, numa seqüência planejada para ajudar a criar
ambiente descontraído e espontâneo. Com esses cuidados e a elogiável
participação dos alunos, as reuniões propiciaram resultados satisfatórios e
significativos para o esclarecimento de aspectos sugeridos pela análise do
Questionário LAF e para a identificação da negociação e da complexidade.

Grupos focais e questionário LAF

Começaremos pelos pontos mais específicos da agenda (questão 5), como a dúvida
levantada na discussão do Questionário LAF (questão C1-2), sobre a Reunião Geral.
Nos grupos focais, todas as manifestações afirmaram a validade e a importância
desse evento, destacando o valor da estratégia de motivação adotada, que consiste

2
Material das gravações disponível, através do LACTEA, para consulta no local.
155

na apresentação de projetos anteriores bem-sucedidos (Mini-Baja, Harpa Laser,


Fotuns etc.). Estes foram considerados fontes de esclarecimento e estímulo, que
exemplificam o trabalho proposto e mostram que é possível fazer algo mais
desafiador do que apenas estudar teoria ou freqüentar aulas tradicionais de
laboratório, atividades já conhecidas no ensino médio.

Enfim, a Reunião Geral foi apontada como introdução proveitosa, enriquecedora e


necessária às atividades de todo o curso de Engenharia. Tais manifestações
amplamente favoráveis desfazem a dúvida deixada pela análise do questionário e
sugerem que pode ter havido engano nas respostas que apontam, principalmente na
Engenharia Mecânica, uma apreciação negativa não confirmada nos grupos focais.

Quanto às dificuldades na escolha do tema dos projetos (questão C2-12), as


principais fontes apontadas pelos alunos foram a inexperiência, a falta de idéias, o
pouco conhecimento (falta de base), os poucos contatos e o pouco tempo (apenas
algumas semanas). Por tudo isso, a etapa é apontado como momento decisivo e
desafiador. Alguns alunos reclamam de eventuais cortes de idéias pelos
professores; outros sentem necessidade de direcionamento mais forte e de sugestão
de temas; outros ainda vêem ali boa oportunidade de dar vazão ao desejo de “criar
algo”, bem de acordo com o espírito do projeto construtivo.

Os alunos citam situações diversas. Num caso, houve facilidade na escolha do tema,
devido a sugestões de um estudante que, no entanto, saiu do curso e não
acompanhou o projeto. Noutro, a dificuldade inicial foi vencida com a chegada de um
colega técnico, que ajudou na definição. Alguns alunos consideram “horrível” a etapa
de escolha e “chata”, a fase inicial, pelo fato de o grupo não ter o que montar.
Outros apreciam explorar o conhecimento como base para escolha do projeto. Por
fim, uns gostam dos temas escolhidos pelos grupos e outros, não.

Considerando outro ponto de vista investigado, os professores registraram o desafio


que vivem, quanto às agruras dessa etapa inicial: buscar o delicado balanceamento
entre o respeito à liberdade de escolha e à criatividade do aluno, com cuidado para
não direcionar nem tolher, e a garantia de viabilidade dos temas. A questão oscila
entre cuidar do nível de tensão vivido pelos alunos – para que não prejudique a
capacidade de produção – e também garantir o cumprimento das obrigações
profissionais, acadêmicas e curriculares de todos. Mas os professores consideram
viável o encaminhamento dessa situação de incerteza, através da mútua abertura ao
156

diálogo e ao acordo. Vêem como delicado e compensador o esforço de balancear


opções e possibilidades, num cenário tão diversificado, em que se mesclam grupos
de variadas características: uns capazes e desenvoltos; outros ousados e indecisos;
outros ainda decididos, rápidos e mais “tradicionais”.

Para os funcionários e bolsistas, muitos grupos que enfrentam dificuldades na


escolha do tema acabam por apresentar maior agilidade nas etapas posteriores,
como se tivessem de vencer uma “barreira” para depois se moverem com rapidez.
Esses colaboradores apontam, inclusive, uma evolução dos projetos, nos últimos
períodos letivos, sugerindo que a circulação de informação sobre projetos já
realizados parece estimular os novos grupos a enfrentar desafios maiores, como
adaptação e a expansão de idéias já desenvolvidas.

Os professores também percebem essa evolução dos projetos e apontam


correspondente aumento do desafio pedagógico, à medida que os alunos vêm
apresentando maior tendência ao apelo dos projetos construtivos. Essa tendência
propicia a exploração e a paulatina expansão dos limites institucionais e culturais,
mas pode elevar a níveis críticos a demanda de apoio técnico. Nesse cenário de
estímulo à liberdade e à criatividade, a maior simplicidade dos trabalhos didáticos
constitui uma alternativa para viabilizar resultados acadêmicos de curto prazo. Mas
os professores sentem cada vez mais urgente a negociação de soluções que
libertem mais os projetos das amarras da mecânica tradicional dos tempos e
espaços escolares. Do contrário, há risco de um desgaste prematuro da categoria
“didático” e de um comprometimento da possibilidade de realização mais ousada e
consistente de projetos construtivos, que é o rumo sinalizado por essa evolução.

Retomando o ponto de vista dos alunos sobre escolha de tema, houve referências a
trocas de tema motivadas por indícios de inviabilidade técnica. Em alguns casos, a
inviabilidade é objetivamente verificada pelo grupo, diante de barreiras temporais,
financeiras, mercadológicas ou tecnológicas. Em outros, porém, o desestímulo
gerado por pessoas “experientes” é a causa de eventuais desistências ou forçadas
“correções” de curso, nem sempre adequadas.

O grupo do Motor Pneumático, por exemplo, vivenciou todos esses limites e


desafios. Após abandonar o tema “máquina xerográfica”, devido a virtual
impossibilidade de obter material prático, o grupo produziu e apresentou o esboço
de uma idéia tão promissora quanto desafiadora: a montagem de um motor movido a
157

ar comprimido. Com nossa orientação pedagógica e a competente orientação


técnica de professores do Departamento de Engenharia Mecânica, o grupo passou
pelos sessenta dias de verdadeira luta que separaram o registro do primeiro esboço
e o seminário de apresentação dos projetos. O período foi marcado por muitos riscos
para o projeto, como indicações de desistência dadas por pessoas “experientes”.

Esses jovens deram grande exemplo de valor e determinação, decidindo que


alcançariam seu objetivo, com ou sem apoio da escola. Por fim, levaram ao
seminário de projetos um protótipo funcional do motor, oferecendo mais uma mostra
do enorme potencial humano e tecnológico a ser estimulado e melhor trabalhado,
em nossos estudantes. Nossa metáfora-exemplo de Bali sugere quão valioso pode
ser o esforço de buscar essa “sabedoria dos limites e desafios” (DEMO, 2000),
fugindo à praga do “nada funciona e ninguém sabe por quê”.

Passando à discussão de possíveis prejuízos a conteúdos didáticos importantes


(questão C1-7), a maioria das manifestações dos alunos sinaliza a percepção de que
os projetos não geram esse efeito, seja em Física ou em outras disciplinas. Alguns
alunos viram-se forçados, pelo apuro da situação, a opções que implicaram notas
menores em outras disciplinas, mas sentem que aprendizado “tão grande”
decorrente do projeto tornou válida a experiência. Os que julgam importante o
laboratório tradicional na disciplina Física I consideram que essa atividade deveria
ser conjugada com o projeto, e não substitui-lo. Alguns pensam que a Física I já
encontra tantos exemplos na experiência cotidiana que não se perde muita coisa
com a ausência do laboratório tradicional. Outros ainda consideram que, com o
projeto, estudaram até mais do que fariam com o laboratório tradicional, nesse nível
de abordagem. Aspectos como a consistente conjugação teoria/prática foram muito
valorizados e mesmo alunos que enfrentaram grande dificuldade no projeto
sinalizam que este não deveria ser substituído por nada. Além disso, várias foram as
sugestões de extensão dessa atividade a outras disciplinas.

Os funcionários e bolsistas dão indicações de que, mesmo com os apertos e


sacrifícios da situação, percebem tantas manifestações de satisfação dos alunos, ao
ajudar a acompanhar seu dia-a-dia, que sentem valer a pena toda a experiência.

Os professores manifestam visão semelhante, sinalizando que o grande valor


pedagógico da atividade é que os faz insistir em mantê-la, mesmo em substituição
ainda não formalizada a conteúdos tradicionais também importantes para o aluno.
158

Julgam que a disciplina Física I constituiu, até o momento, o único “espaço possível
de luta” para a manutenção dessa valiosa experiência, na perspectiva de médio
prazo necessária à exploração de suas características evolutivas. Manifestam, no
entanto, abertura para a discussão de alternativas conciliadoras, desde que
pedagogicamente consistentes e inspiradas numa visão de responsabilidade e
respeito ao significado do Projeto, nos contextos institucional e macro-educacional.

Finalmente, o aspecto relativo à maior conveniência da metodologia tradicional de


aulas práticas para a formação profissional (questão C1-3). A agenda do grupo focal
registra a opção por uma abordagem indireta da questão, por não nos parecer
razoável esperar respostas objetivas da abordagem direta da questão com alunos
ainda calouros. Assim, esse aspecto foi tratado através de pergunta sobre se os
alunos indicariam, a um conhecido, aula tradicional ou projeto.

Os alunos foram unânimes em apontar o valor e a importância dos projetos, que


indicariam a seus conhecidos, como valiosa experiência de formação. Alguns
reconhecem mudança em relação ao ponto de vista anterior, de que o projeto
deveria vir mais à frente no currículo, tendo passado a apreciar melhor o significado
da atividade. Para a escola, muitos alunos sugerem algum tipo de composição ou
balanceamento que gere mais oportunidades de trabalho com projetos, nas
atividades curriculares. Essas sugestões vêm acompanhadas de diversas
manifestações sobre amadurecimento, experiência de vida, integração, esforço
significativo, novidade, liberdade, equilíbrio teoria-prática, antecipação de noções e
conceitos, ampliação da visão de curso e crescimento da própria instituição, cujo
nome alguns sinalizam que levarão consigo, para o resto de suas vidas.

Os alunos sinalizam um caminho de reflexão e mudança. Os projetos, pelas relações


que envolve e pelas possibilidades que abre, necessariamente faz parte desse
caminho, propiciando experiências e oportunidades de grande valor para o debate
pedagógico que busque genuinamente expandir os horizontes e o significado da
experiência escolar. Nesse sentido, a forma quase “dialogada” com que escolhemos
apresentar a informação, intercalando as manifestações dos diversos atores, sugere
também à escola a intensificação do diálogo que permitirá abordar tantas questões
que cobram encaminhamento mais consistente.

Consideramos que essas discussões dão por cumprida não apenas a função de
“auditagem” atribuída aos grupos focais, mas também parte da função relacionada
159

ao aprofundamento da compreensão. A própria recordação do ambiente de vibração


e alegria que presidiu os grupos focais constitui fator de realimentação que nos
estimula a seguir em frente, tanto no esforço de condução de projetos quanto na
discussão sobre a negociação e a complexidade neles presentes.

Complexidade e negociação

Nesta discussão, utilizaremos as categorias conceituais do quadro de referência


negociação-complexidade (capítulo 3) para analisar as informações prestadas pelos
alunos, nos grupos focais, sobre as 4 primeiras questões da agenda:

1. Qual a situação mais engraçada, diferente, curiosa vivida pelo grupo?


2. Em que medida o resultado do projeto atendeu as expectativas iniciais do grupo?
3. Qual o melhor e o mais difícil momento ou aspecto da experiência com o projeto?
4. Como evoluiu, ao longo do projeto, o entrosamento do grupo e a integração das
habilidades de relacionamento interpessoal citadas na ficha de habilidades?
(estabelecimento de contatos – abordagem; negociação; argumentação; trabalho em equipe;
desenvoltura com equipamentos em geral; apresentação pública – aula, palestra, seminário etc.)

Para delinear a estratégia de abordagem, destacamos que a questão 4 faz


referência à “ficha de habilidades” (Anexos), utilizada no Projeto LAF para auxiliar na
reflexão sobre composição, balanceamento e evolução das habilidades,
competências e atitudes dos integrantes dos grupos de projeto, ao desenvolverem
suas atividades. Nas reuniões de grupos focais, a referência à ficha serviu para
sugerir que a discussão dos aspectos humanísticos vivenciados nos projetos
ocorresse em torno dos itens listados em itálico na questão 4.

É interessante observar que, desde há alguns anos, registra-se referência informal à


negociação nesses itens da ficha. Isso indicando a atenção que os professores
orientadores passaram a dar a uma parte do processo que, com o tempo,
perceberam essencial para o bom encaminhamento dos projetos. Nesse sentido, a
formalização do conceito de negociação discutida por VENTURA (2001) ajudou a
responder uma questão que a evolução do Projeto LAF já fizera emergir.

Portanto, justifica-se a abordagem proposta no capítulo 3. Primeiro, utilizaremos os


indicadores definidos por VENTURA (2001) – discurso, temporalidade, micro-obra –
para mostrar a consistência da caracterização da experiência vivida no âmbito do
LAF através do conceito de negociação. Em seguida, pelo caráter nuclear da
160

negociação no conceito de projeto de VENTURA (2002), explorar as relações dessa


experiência com as demais categorias do conceito de projeto e, finalmente, com as
categorias apontadas como componentes típicos da complexidade.

Assim, a estratégia de abordagem consiste em primeiro mostrar os projetos LAF


como processos de negociação em rede, no espírito do conceito de projeto de
VENTURA (2002), e depois associar esses processos às demais categorias do
quadro de referência (Quadro 1, capítulo 3). Com isso, caracterizamos o contexto de
realização dos projetos LAF como ambiente de negociação e complexidade.

Convém ressaltar que essa caracterização será realizada de forma global e a


posteriori. Não poderemos reconstruir uma visão detalhada dos processos vividos
pelos grupos de projeto, pois isso demandaria abordagem e instrumentos que não
utilizamos na pesquisa. A caracterização será realizada através da análise das
manifestações dos alunos, nos grupos focais, sobre as 4 primeiras questões da
agenda. No Quadro 11, as manifestações foram resumidas em tópicos, classificados
segundo as categorias indicadoras de negociação de VENTURA (2001).

Não consideramos rígida a classificação que fizemos dos tópicos do Quadro 11, pois
as situações a que dizem respeito podem ser analisadas de outros pontos de vista.
Apesar de termos focalizado o aspecto que julgamos central, em cada manifestação,
uma interpretação diferente poderia resultar numa realocação de tópicos.

Observa-se, no aspecto visual do Quadro 11, a diferente quantidade de material


inserido em cada categoria indicadora, na primeira e na última das partes. Enquanto
na primeira (GF1ELE), há mais itens referentes à micro-obra, na última (GF2MEC),
há mais itens referentes à temporalidade. A essa diferença na quantidade de itens,
associa-se uma diferença na qualidade dos conteúdos dos itens. Na primeira parte,
eles indicam uma relação mais equilibrada, ou bem-resolvida, com as diversas
facetas da temporalidade; na última parte, uma relação mais problemática. Essa
observação também parece válida para as referências à micro-obra: mais
empolgadas, num caso; mais cuidadosas, no outro.
161

QUADRO 11 – Aspectos relacionados às categorias indicadoras de negociação ressaltados nos grupos focais

Grupo focal Discurso Temporalidade Micro-Obra


(AV) Percepção do arco voltaico como princípio comum a (AV) Quase na última semana, mudança de tema, radical (AV) Sinalização da forte interação ocorrida entre os grupos,
múltiplos dispositivos gerou percepção de uma noção e acertada (era solda elétrica), por propiciar estímulo e gerada por uma “curiosidade” que resultava em boas
básica da Engenharia e conseqüente atitude de bom resultado. sugestões de encaminhamento.
valorização das “pequenas coisas” escondidas nos -----------------------------------------------------------------------
o
objetos do mundo tecnológico. (AV) O êxito em “tudo isso” já no 1 período, sem saber (En) Importância do desafio como fator de motivação e o
pesquisar ainda, gera boa expectativa sobre o curso – encantamento experimentado diante do protótipo,
o
(AV) Valorização da ousadia com a “prática”, desenvolvida “Imagine no 10 !...” Projeto: ajuda a fazer crescer a pendurado em casa, para pintura com tinta spray – “não
no projeto, e conexão entre Engenharia e bom instituição e o aluno, a levar adiante seu bom nome e a parece que foi a gente que fez...”.
relacionamento, para superação de desafios. fazer crescer o país.
----------------------------------------------------------------------- ----------------------------------------------------------------------- (En) Brincadeira com a sonda subaquática, “o dia todo”, na
(En) Valorização do pensamento do outro, com a (MM) O projeto ajuda a vencer antes, na escola, desafios véspera da apresentação, e frustração devida a defeito, na
descoberta do que tem de bom, mesmo que não saiba que virão depois, na profissão. Combinado com hora de demonstrar o protótipo.
expressar direito. Aprendizado de respeito às diferenças, disciplinas teóricas, pode “adiantar” vários anos.
que fez melhorar o relacionamento. ----------------------------------------------------------------------- (En) Forte valorização de soluções e contatos sugeridos por
----------------------------------------------------------------------- (En) Problema de corrosão no circuito eletrônico, causada funcionário do LACTEA, considerado um “quinto elemento”
Engenharia (MM) Exercício da criatividade, para contornar problemas por adesivo usado “às pressas” gerou aprendizado sobre do grupo.
e buscar a melhor forma de conduzir a apresentação (do a necessidade de visualizar melhor as conseqüências,
Elétrica tipo “show de mágica”). antes de agir. (En) Satisfação com notícia de professor do Espírito Santo
----------------------------------------------------------------------- que quer contato com o grupo. Com mais apoio e possível
(T) Boa expectativa prévia quanto à proposta, valorização (En) Envolvimento e investimento de tempo muito fusão de grupos, os projetos podem ser melhorados, ao
do tema aberto e da aprendizagem gerada pela intensos – “das 8h às 23h, alguns dias”. Contraste entre o longo do curso, gerando até mesmo produtos.
GF1ELE necessidade de reciclar materiais e de fazer montagem estímulo criado pelo projeto e o desânimo sentido em -----------------------------------------------------------------------
mecânica em trabalho “de elétrica”. relação a disciplinas teóricas. (MM) Valorização do contraste entre a dúvida inicial sobre a
Fácil ----------------------------------------------------------------------- capacidade de realizar e a certeza final de conseguir fazer:
Mediano-fácil (T) A necessidade de combinar “paciência” de um com aprendizagem e “confirmação da aprendizagem” – ainda
“impaciência” do outro, para obter resultados. mais importante.

(MM) Valorização das sugestões criativas e enriquecedoras


do colega não-técnico, que ajudava a perceber a “visão do
público”.
-----------------------------------------------------------------------
(T) Grande desejo de montar a própria caldeira do grupo, a
frustração diante da quase inviabilidade da idéia e o bom
encaminhamento dado à questão, através da melhor
delimitação de objetivos, a partir de conversa com o
orientador.

(T) Aproveitamento de qualquer oportunidade de ir ao


LACTEA, mesmo que apenas para ver o projeto. Às vezes,
“torcida” para “dar problema”, pelo prazer que gera o desafio
e a fuga à rotina.
162

Grupo focal Discurso Temporalidade Micro-Obra


(AM) Tensão entre desejo do grupo e resistência do (AM) Encontro com ex-aluno do CEFET em empresa (AM) Satisfação em abordar tema relacionado a experiência
professor ao tema, com acordo final satisfatório. como fator de facilitação de contato com chefia e profissional e intenção de continuidade, em parceria com
obtenção de ajuda com professor da própria escola. colegas.
(AM) Apresentação: enfrentamento da dificuldade de falar -----------------------------------------------------------------------
-----------------------------------------------------------------------
Engenharia em público, com integração do grupo e esforço de (RF) Limitação de tempo da escola como fator impeditivo (CVT) Quase inviabilização do projeto, por dificuldade de
desinibição, até mesmo com vistas ao futuro. de opções que despertam interesse. obtenção de auxílio na escola. Busca forçada de solução em
Mecânica ----------------------------------------------------------------------- -----------------------------------------------------------------------
casa, com vizinho e colegas.
(RF) Preferência parcial por projeto construtivo, mais (RO) Desenvolvimento da amizade foi fator de êxito. -----------------------------------------------------------------------
desafiador e motivador. Frustração parcial com o didático, Incômodos e desentendimentos foram bem resolvidos, (RF) Razoável satisfação com o resultado.
por limitação a aprendizado e humanização, apesar de com benefícios para o grupo. -----------------------------------------------------------------------
GF1MEC validade do conteúdo. (RO) Projeto utilizou como plataforma projeto anterior do
(RO) Ocorrência de muitas reuniões de trabalho, em casa, LAF (Fotuns), gerando satisfação dos primeiros autores e
(RF) Crítica sobre diferente tratamento, em duas gerou grande entrosamento no grupo, que permanece grande aprendizado no grupo.
Fácil empresas: atenção, numa; rispidez, na outra, talvez unido, após o término do semestre.
Mediano-fácil devido a receio de espionagem industrial. Ajuda da escola
no contato com empresa: reconhecimento. (RO) Referência à colaboração de alguns setores
----------------------------------------------------------------------- (manutenção, serralheria) como fator de agilização e à
(RO) Opção por mudança de tema, decorrente de debate burocracia de outros, como fator de dificuldade.
com o professor sobre dificuldades.

(PF) Projeto impõe necessidade de dar um jeito de as (AS) Superação de obstáculos no projeto como auxílio na (AS) Satisfação com o resultado obtido: equipamento bem
coisas funcionarem: bom ensaio para a Engenharia. preparação para enfrentar imprevistos. acabado e eficaz.
-----------------------------------------------------------------------
(PF) Conveniência de melhoria de aspectos e mais (MP) Troca de tema por impossibilidade de obter peças (AS) Esforço equilibrado e bem entrosado.
precisa situação da atividade de projeto, reconhecida (segredo industrial): começo com copiadora xerográfica, -----------------------------------------------------------------------
como alternativa para criar uma grande escola. término com motor pneumático, montado em ritmo (MP) Grande satisfação com o resultado, mais ainda pela
----------------------------------------------------------------------- frenético [~60 dias], com várias dificuldades e quase superação das muitas dificuldades. Sensação de dever
Engenharia (MP) Visão crítica da falta de colaboração de alguns desistência, em muitos momentos. cumprido, conquista e deslumbramento, com o
setores da escola e gratidão pelo apoio recebido de outros funcionamento do protótipo, no auditório.
Elétrica setores e pessoas. Valorização do papel do professor, em (MP) Muitas fases: estímulo e boa expectativa inicial;
momento de crise, e do papel da decisão pessoal, no superação do desânimo gerado pela avaliação de (MP) Equilíbrio na participação e conjugação das diferenças
enfrentamento de obstáculos aparentemente inviabilidade, dada por especialistas; receio de não individuais: essencial para o êxito.
intransponíveis, como o descrédito. finalizar montagem; várias tentativas; “luta” por apoio na -----------------------------------------------------------------------
GF2ELE escola; término pouco antes da apresentação. Sensação (PF) Satisfação com resultado e consciência do esforço
(MP) Necessidade de melhor balanceamento das de “dar a volta por cima”. realizado, para superação de obstáculos.
disciplinas teóricas com atividade prática estimulante e -----------------------------------------------------------------------
Mediano-difícil formadora, como a atividade de projeto. (PF) Muitas fases: pesquisa, espera por informação, (PF) Participação bem distribuída das habilidades.
Difícil ----------------------------------------------------------------------- sugestões de desistência, desânimo, retomada, -----------------------------------------------------------------------
(TM) Visão crítica do desestímulo sentido, todo o tempo, adaptações, resultado final. (TM) Satisfação com o êxito parcial obtido, pela consciência
inclusive em dúvidas levantadas do professor. Esforço de ----------------------------------------------------------------------- da dificuldade do tema e do esforço feito.
assimilar questionamentos e conceitos, com recurso a (TM) Alternância de momentos de ânimo e desânimo, em
pessoas e a teoria. função de soluções e problemas encontradas. (TM) Empenho geral no trabalho e na convivência.
Aprendizado com os erros
(TM) Necessidade de amenizar descompasso entre teoria
e prática, na formação escolar.
163

Grupo focal Discurso Temporalidade Micro-Obra


(B) Projeto propiciou aprendizado sobre necessidade e (B) Abandono de primeira idéia, pela percepção de sua (B) Satisfação parcial com o resultado e valorização da
formas de pedir ajuda, entre outros aspectos ligados à inviabilidade técnica. Expectativa de facilidade, no início, experiência como um todo.
vida, tendo grande valor para a formação. demora na fase e estudo e montagem e posterior falta de -----------------------------------------------------------------------
----------------------------------------------------------------------- tempo para a geração de gás pelo protótipo, que era (CE) Satisfatório com resultado final: montagem de boa
(CE) Convivência facilitada por afabilidade, mútua funcional. qualidade e demonstração bem-sucedida.
tolerância e capacidade de diálogo, que ajudou a superar
resistência ao tema e lidar com insistência do orientador (B) Muito percalço e incerteza na montagem, até a (CE) Valorização da ajuda externa (professor PUC).
em abordagem mais “autoral”. obtenção de algum resultado, no final. Envolvimento -----------------------------------------------------------------------
----------------------------------------------------------------------- pequeno, no início; maior engajamento posterior, com (SC) Decepção parcial com resultado final, por não ter
(SC) Reconhecimento do diálogo com orientador como grande investimento de tempo, depois de vencido o alcançado completa funcionalidade.
Engenharia fator de facilitação. “egoísmo” dos integrantes.
----------------------------------------------------------------------- (SC) Valorização da ajuda tolerante do pessoal da
Mecânica (CE) Intenção inicial de trabalho sobre acústica e escolha marcenaria da escola.
definitiva de tema em outra área. Sensação de perda de
tempo durante indefinição do tema, com o grupo “sem ter
o que fazer”.
GF2MEC
(CE) Fase inicial de desânimo, sem definição de tema e
atividades; fase posterior de estímulo, pela expectativa de
Mediano-difícil ver o funcionamento a montagem.
Difícil -----------------------------------------------------------------------
(SC) Atraso e dificuldade na busca de informações, pela
relação do tema com o atentado ao WTC. Progressivas
reduções de abordagem, por falta de tempo e dinheiro.

(SC) Desencontros entre as disponibilidades dos


integrantes e sobrecarga de atividades acadêmicas como
fontes de dificuldade.

(SC) Momentos de tensão, cultivo da flexibilidade e


progressivo estreitamento da amizade no grupo.

GF1ELE: AV (Arco Voltaico), En (Enguia), MM (Mestre dos Magos), T (Termelétrica)


GF1MEC: AM (Alinhamento de Motores); CVT (CVT – Continuously Variable Transmission) ; RF (Relé Fotoelétrico); RO (Robô Operário)
GF2ELE: Motor Pneumático (MP), ASBC – Aquecedor Solar de Baixo Custo (AS), Pêndulo de Foucault (PF), Trem Magnético (TM)
GF2MEC: Biodigestor (B), Caixa de Marcha (CM) [SEM REPRESENTANTES] , Cerca Elétrica (CE), Sistema de Compensação (SC)
164

Esse contraste sinaliza marcada distinção, nesses dois conjuntos de grupos de


projeto, quanto à capacidade de organizar-se no tempo, realizar algo e apreciar a
realização alcançada. Em ambos os casos, entretanto, o projeto é reconhecido como
importante. Isso sugere que a dinâmica da atividade pode ter propiciado, mesmo
sem planejamento prévio, a satisfação de necessidades específicas dos grupos,
determinadas no correr das próprias situações vividas pelos grupos.

A discussão iniciada no final da seção anterior, para o caso do Biodigestor, parece


confirmar-se aqui, a partir da visão mais detalhada das vivências desse grupo. Os
integrantes, ao trabalhar em conjunto, no desenvolvimento da montagem,
envolveram-se num processo no qual o trabalho realizado trouxe-lhes, mais do que
apenas conhecimento acadêmico-tecnológico, benefícios pessoais complementares
ao resultado material do projeto. Pelas manifestações dos integrantes, os benefícios
parecem originar-se justamente da mútua colaboração para o trabalho com um
conjunto de características pessoais – como o referido “egoísmo” dos integrantes –
que passa ao largo das atividades acadêmicas convencionais. A satisfação trazida
por esse tipo de resultado pessoal parece-nos motivação convincente para o
elevado índice de apreciação da metodologia sinalizado por esse grupo.

Essas considerações reforçam o valor que o conceito de negociação assume na


busca de maior compreensão da dinâmica interna do projetos. Essa busca mostra-
se ainda mais necessária, diante do significado surpreendente que as manifestações
dos alunos sugerem possuir, para eles, as experiências vividas nos projetos.

Quadro 11 evidencia que a consistência da abordagem das experiências dos alunos


através das três categorias indicadoras deixa pouca margem de dúvida quanto à
relevância e à validade do conceito de negociação, no contexto dos projetos LAF.
Com efeito, eles constituem experiências em que, num referencial de temporalidade
cuja significação vai além da seqüência das horas, os alunos realizam, de modo
espontâneo e induzido, diversas pequenas obras (micro-obras) técnicas e humanas,
conduzindo a uma obra final material e imaterial, que cada um assimila a sua
biografia e permite elaborar um discurso sobre múltiplos aspectos da experiência.

Desse modo, se reconhecemos que os alunos interagem, em torno dos temas de


seus projetos, tirando proveito dos estímulos gerados por suas realizações, numa
dinâmica temporal repleta de dúvida, escolha, alegria, tristeza, esforço, decepção e
165

júbilo, modificando e articulando suas percepções, ao manifestar-se sobre todo o


vivido, então é lícito afirmar que, ao longo do projeto, eles negociam. Além disso, se
reconhecemos que o fazem recorrendo a múltiplos contatos, reais e virtuais, dentro e
fora da escola, para viabilizar sua obra, então percebemos que negociam em rede.
Ademais, se dessa negociação resulta a realização de algo que os toca
profundamente, gerando encantamento, produzindo inquietação psicológica e
constituindo uma singularidade plena de significações, então realizam uma obra. E,
finalmente, se reconhecemos que descobrem e propõem formas de dar sentido a
sua experiência presente e futura, formando novas percepções, conceitos e auto-
conceitos, descobrindo como vir a ser o que querem ser, manifestando reflexão e
crítica sobre o ambiente de formação em que se encontram, então verificamos que
constroem e reconstroem identidades e representações.

Nesse rápido olhar sobre a experiência do LAF, encontramos as cinco categorias


componentes do conceito de projeto de VENTURA (2002). O Quadro 1, do capítulo
3, registra que esse é o caminho para aceitar que os projetos LAF inserem-se na
categoria da negociação numa rede sócio-tecnológica. O Quadro 1 também ajudar a
recordar nosso de sinalizar como os variados aspectos do Projeto LAF podem ser
percebidos no contexto da complexidade. Vamos exemplificar como é possível dar
sentido às situações retratadas no Quadro 11, a partir de cada uma das seis
categorias conceituais características da complexidade, arroladas no capítulo 3.

A indecomponibilidade intrínseca permite, por exemplo, pensar em cada grupo de


projeto como estrutura única, em sua multiplicidade – o unitas multiplex, de MORIN
(2000). Um grupo de projeto é único no conjunto de possibilidades que seus
integrantes trazem consigo. É claro que essas possibilidades devem ser exploradas,
para manifestar-se como realidades, e esse processo é dinâmico e interativo,
dependendo não apenas do grupo, mas também de todo ambiente em que ele
busca inserção. Entretanto, sejam grandes ou pequenas essas possibilidades, e
venham a ser grandes ou pequenas as realidades, o fato é que não se troca um
componente de um grupo como se pretende poder trocar um parafuso de automóvel.
Ao decompor-se, o grupo perde-se. Ao trocar-se um componente, modifica-se a
potencialidade e pode-se perder a identidade do grupo. Se essas operações
parecem não ter maior significado numa situação mecânica, sua consideração é
fundamental, no caso de um grupo de projeto, podendo ser o “segredo” que auxilia a
bem negociar muitas situações.
166

A ausência de controle central, que não se pode confundir com ausência de


professor, é condição básica para que o grupo desenvolva dinâmica própria, ainda
que orientada, ao invés de ser guiado por um conjunto estrito de regras. É essa
prudencial ausência de controle que permite desenvolver-se o sentimento de autoria,
quando o grupo realiza sua obra. Do contrário, a obra perde a singularidade e
transforma-se em mero produto, executado sob prescrição e em obediência a regras
que não permitem livre exploração das possibilidades que o grupo constitui e, em
última instância, que cada ser humano que o compõe constitui. Considerar que o ser
humano é um conjunto de possibilidades é uma valiosa reflexão para a Educação.

A imprevisibilidade, estreitamente relacionada à temporalidade, manifesta-se em


inúmeras situações, como nos “imprevistos”, em que os grupos vão percebendo, aos
poucos, que não têm “garantias” em relação a uma série de aspectos de sua
experiência. Mas afinal, a própria vida – individual ou planetária – também não tem
“garantias”. Essa percepção pode mostrar-se essencial ao desenvolvimento de uma
atitude de abertura ao novo, ao diferente, ao surpreendente fortemente demandada
nos dias atuais. Desse ponto de vista, a percepção da não-linearidade dos tempos
do projeto e a consistente manifestação de uma “ordem negociada” podem servir de
inspiração para o esforço de repensar os tempos curriculares hoje vigentes.

A auto-organização é fruto da exploração das possibilidades do grupo, no contexto


da temporalidade, e relaciona-se à constante construção e reconstrução, em
ambiente de negociação, sem comando ou controle estrito, pelo indivíduo e pelo
grupo, de regras adaptáveis de comportamento e convivência. Estas permitem fazer
do projeto obra, que toca e modifica as identidades e representações. Desse ponto
de vista, são significativas as referências aos laços de amizade que se constroem e
que mantêm os integrantes unidos, mesmo após o término do projeto.

A emergência está relacionada ao surgimento de novos comportamentos e


resultados, a partir da dinâmica complexa de interação do grupo. Esse conceito
inspira a pensar no valor de apostar em possibilidades, ao invés de pretender
garantias. Manifesta-se a emergência, por exemplo, quando um objeto técnico
surpreendente e imprevisto surge de um mundo de relações entre grupo e rede,
causando grande admiração, ou quando surge uma percepção ou comportamento
novo, surpreendendo até mesmo os atores mais diretamente envolvidos no projeto.
167

A retrointerconexão profunda diz respeito à inter-relação das dinâmicas de interação


interna e externa do grupo, de modo que o grupo e a rede influenciam-se,
mutuamente, ocorrendo modificações de parte a parte. No caso do Projeto LAF,
nossa visão é que esse fenômeno já começa a manifestar-se, na abertura que surge
gradualmente – primeiro entre os alunos, mas também em outras instâncias – para a
reflexão sobre a importância de re-significar a experiência escolar em que estamos
envolvidos. Esperamos que os inúmeros pequenos eventos de negociação ocorridos
em torno da experiência do LAF continue gerando movimentos de reflexão e
influência no ambiente institucional, a partir dos quais se desenvolvam padrões de
mudança menos dependentes dos modelos baseados em controle central.
138

GRÁFICO 1A

ENGENHARIA MECÂNICA - APRECIAÇÃO DA METODOLOGIA


(declarações de valor positivo)

100

90
Percentual de respostas por questão (47 alunos) (%)

80

70

Posicionamento
60
discordância total
discordância maior
50
concordância maior
concordância total
40

30

20

10

0
1 4 5 8 9
Questão (bloco C1 - Questionário LAF)

GRÁFICO 1B

ENGENHARIA ELÉTRICA - APRECIAÇÃO DA METODOLOGIA


(declarações de valor positivo)

100

90
Percentual de respostas por questão (41 alunos) (%)

80

70

Posicionamento
60
discordância total
discordância maior
50
concordância maior
concordância total
40

30

20

10

0
1 4 5 8 9
Questão (bloco C1 - Questionário LAF)
139

GRÁFICO 2A

ENGENHARIA MECÂNICA - APRECIAÇÃO DA METODOLOGIA


(declarações de valor negativo)

100

90
Percentual de respostas por questão (47 alunos) (%)

80

70

Posicionamento
60
concordância total
concordância maior
50
discordância maior
discordância total
40

30

20

10

0
2 3 6 7
Questão (bloco C1 - Questionário LAF)

GRÁFICO 2B

ENGENHARIA ELÉTRICA - APRECIAÇÃO DA METODOLOGIA


(declarações de valor negativo)

100

90
Percentual de respostas por questão (41 alunos) (%)

80

70

Posicionamento
60
concordância total
concordância maior
50
discordância maior
discordância total
40

30

20

10

0
2 3 6 7
Questão (bloco C1 - Questionário LAF)
143

GRÁFICO 3A

ENGENHARIA MECÂNICA - GRAU DE DIFICULDADE


(dificuldades e problemas)

100

90
Percentual de respostas, por grau, em 47 respondentes (%)

80

70

Grau
60
muito pequeno
pequeno
50
grande
muito grande
40

30

20

10

0
11 12 13 14 15 16 17 18 19
Questão (bloco C2 - Questionário LAF)

GRÁFICO 3B

ENGENHARIA ELÉTRICA - GRAU DE DIFICULDADE


(dificuldades e problemas)

100

90
Percentual de respostas, por grau, em 41 respondentes (%)

80

70

Grau
60
muito pequeno
pequeno
50
grande
muito grande
40

30

20

10

0
11 12 13 14 15 16 17 18 19
Questão (bloco C2 - Questionário LAF)
146

GRÁFICO 4A

ENGENHARIAS ELÉTRICA E MECÂNICA


(apreciação e dificuldade)

100

90

80
Índices de apreciação e dificuldade

70

60
índice de dificuldade
índice de apreciação
50
Linear (índice de dificuldade)
Linear (índice de apreciação)
40

30

20

10

0
0 5 10 15 20 25
Grupos, em ordenamento crescente do índice de dificuldade

GRÁFICO 4B

EN G EN H AR IAS ELÉTR IC A E M EC Â N IC A
(apreciação e dificuldade)

100
Tacógrafo

Alinham ento
90
R elé

M agos
80
Arco volt.

D isjuntores
70 Term elétrica

Leve
Índice de apreciação

60 Enguia

Farol

50 R obô

C VT

Freio
40
H olografia

C x. M archa
30
M otor

C erca
20 ASBC

Foucault

10 G er. hidr.

C atapulta

0 Biodigestor

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 Sist. com p.

Índ ice de d ificuld ade Trem m ag.


168

5 ANÁLISE E CONCLUSÕES

I love to rise in a summer morn This day and age we’re living in
When birds sing on every tree Gives cause for apprehension
The distant huntsman winds his horn ; With speed and new invention
And the skylark sings with me. And things like forth dimension
O ! what sweet company. Yet we get a trifle weary
With Mr. Einstein’s theory
But to go to school in a summer morn, So we must get down to earth at times
O ! it drives all joy away ; Relax, relieve the tension
Under a cruel eye outworn, And no matter what the progress
The little ones spend the day Or what may yet be proved
In sighing and dismay. The simple facts of life are such
They cannot be removed
Ah! then at times I drooping sit, You must remember this
And spend many an anxious hour, A kiss is still a kiss
Nor in my book can I take delight, A sigh is just a sigh
Nor sit in learning’s bower, The fundamental things apply
Worn thro’ with the dreary shower. As time goes by ...
2
How can the bird that is born for joy Herman Hupfeld, 1931
Sit in a cage and sing?
How can a child, when fears annoy,
But droop his tender wing, O que precisamos aprender
And forget his youthful spring? aprendemos fazendo.

O ! father and mother, if buds are nipp’d Aristóteles


And blossoms blown away,
And if the tender plants are stripp’d
Of their joy in the springing day, ... a harmonia social não surge da busca da
By sorrow and care’s dismay, perfeição a que convidam todos os fanatismos
ideológicos, senão de estar disposto a
How shall the summer arise in joy, reconhecer que toda negação, acidental ou
Or the summer fruits appear ? intencional, particular ou institucional, do ser
Or how shall we gather what griefs destroy, humano como o central do fenômeno social
Or bless the mellowing year, humano é um erro ético que pode ser corrigido
When the blasts of winter appear ? somente se se quer corrigi-lo.

William Blake, 17941 Humberto Maturana3

Ao longo do presente trabalho, percorremos um longo caminho, que levou de uma


descrição reflexiva da experiência profissional do autor à apresentação de um
estudo de caso sobre o Projeto LAF, passando pela busca de referências históricas
e teórico-conceituais. Uma análise de alguns dos principais aspectos considerados
permitirão apontar implicações, perspectivas e limitações, conduzindo-nos às
conclusões do estudo e a sugestões de novos trabalhos.

1
William Blake, no auge do tom visionário de sua voz poética, em Songs of Experience (1794).
Extraído de BLAKE, Wiliiam. Selected poems. London: Penguin Books Ltd, 1996.
2
Trecho inicial de As time goes by, canção com letra e música de Herman Hupfeld (1931).
3
MATURANA, Humberto. A ontologia da realidade. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2002. p.209.
169

No capítulo 1, descrevemos uma trajetória profissional que apresenta forte relação


com a pedagogia de projetos, em diversos contextos e instituições. Essa trajetória
levou-nos ao envolvimento consistente com a criação do Projeto Laboratório Aberto
de Física, no CEFET-MG, e com a intensa exploração das possibilidades por ele
abertas. Em conseqüência, levantamos questões de investigação e hipóteses de
trabalho que foram o ponto de partida deste trabalho.

No capítulo 2, traçamos uma abrangente discussão da evolução histórico-conceitual


da pedagogia de projetos, para demarcar a necessidade de aprofundamento teórico
de alguns de seus aspectos. Nessa abordagem, verificamos a estreita e secular
ligação de origem entre educação tecnológica e projeto, bem como a caracterização
deste como método definidor da área. Tal fato é de fundamental importância para o
debate sobre o papel da pedagogia de projetos na educação em Ciência &
Tecnologia. A discussão desenvolvida no capítulo 2 leva-nos a concluir que a escola
de hoje, principalmente nessa área, tem diante de si a grande oportunidade de
revitalizar e revalorizar o projeto, deslocando-o de uma posição pedagógico-
metodológica periférica para o centro das discussões curriculares e educacionais.
Desse ponto de vista, esforços como o Projeto LAF podem servir de base a novas
iniciativas e proveitosos debates.

Foi possível relacionar os “choques de visão” a que ficaram sujeitos alguns projetos
LAF à existência dos dois modelos históricos de projeto – instrução-construção e
aprendizagem natural e social – que sugerem uma tipologia básica das visões de
projetos adequada à discussão de nossas observações. A adoção dessa tipologia
responde a uma de nossas questões de investigação, permitindo discutir o confronto
entre a visão cartesiano-mecanicista de escola e uma visão mais aberta e
compatível com a linhagem de projetos que se vem desenvolvendo no cenário
mundial, nas três últimas décadas, e no cenário brasileiro, na última década. A essa
linhagem foram relacionadas a Escola Plural e a reformulação das Feiras de
Ciências de Minas Gerais, bem como as atividades da META, do LACTEA e do
Projeto LAF, no âmbito do CEFET-MG. Um estudo pormenorizado das
possibilidades de interação entre esses esforços parece-nos uma valiosa questão de
investigação, apontada pelas discussões que realizamos.

Quanto à multiplicidade terminológica relativa aos projetos, abordada numa de


nossas questões de investigação, verificamos que o fenômeno é mundial. Essa
170

situação pode indicar a ocorrência de um processo de banalização análogo ao que


ocorre com o conceito de negociação, discutido por VENTURA (2001). A situação
inspira preocupação, por envolver riscos de degeneração e confusão, como indicam
exemplos apresentados no capítulo 2. Mas o estudo profundo do assunto exigiria
uma ampliação de escopo que não teríamos condição de realizar satisfatoriamente
neste trabalho. Essa questão conceitual continua a merecer abordagem cuidadosa,
constituindo interessante objeto para trabalhos futuros. Contribuir para o
aprofundamento da reflexão teórica é um bom meio de favorecer a ocorrência de um
processo de divulgação, em vez da banalização nociva.

Apontamos o modelo da aprendizagem natural e social como base da nova


linhagem de projetos originada do vasto trabalho de rediscussão, reinterpretação e
re-fundamentação da pedagogia de projetos, atualmente em curso no âmbito
internacional e brasileiro. Julgamos prudente esclarecer que as referências a re-
fundamentação presentes nas questões de investigação não expressam um objetivo
que pretendêssemos cumprir sozinhos, com este trabalho. Espelham, sim, uma
percepção nossa sobre uma necessidade da área de educação em Ciência &
Tecnologia e a intenção de tomar parte num esforço que já vem sendo desenvolvido.

Na discussão histórica, apontamos referências que sugerem o reconhecimento de


uma “complexidade” social e educacional, no contexto ligado aos projetos. Tais
referências deram ainda maior sentido à nossa hipótese fundamental: a
possibilidade de abordar essa “complexidade” sob a ótica teórico-conceitual da
Ciência da Complexidade (SEPE, 2000; KUWABARA, 2000).

O desenvolvimento dessa hipótese, no capítulo 3, partiu de uma reflexão crítica


sobre os limites da concepção cartesiano-mecanicista de escola – prevalente no
contexto educacional brasileiro – e levou a conceitos da Ciência da Complexidade,
como auto-organização e emergência, que se mostraram úteis à reflexão sobre a
pedagogia de projetos. É importante reconhecer que a abordagem proposta implica
risco de “apropriação” terminológico-conceitual indevida. Pensamos, no entanto, que
o risco pode ser compensado pelos resultados inspiradores da reflexão propiciada.
Ademais, cabe ponderar sobre que muitas construções teóricas valiosas evoluíram a
partir da exploração e do refinamento de associações e analogias. Esse é, portanto,
um caminho que não receamos propor, alertando desde logo sobre que o percurso
trará maiores benefícios se realizado com equilibrada mescla de ousadia e sensatez.
171

Consideramos que esse é mais um campo fértil para trabalhos futuros, que ajudem a
depurar e expandir a construção aqui iniciada, através da geração de novos
conceitos, visões, experiências e reflexões.

Essas novas contribuições devem, necessariamente, aprofundar o estudo de


algumas referências centrais relacionadas ao pensamento complexo. Sugerimos,
enfaticamente, a busca de maior consistência com as discussões sobre o paradigma
da Complexidade (MORIN, 1996), a incorporação de noções relativas à biologia do
conhecer, de Humberto MATURANA (2002) e a expansão da abordagem para o
campo da transdisciplinaridade (DOMINGUES, 2001). Essas nos parecem direções
especialmente promissoras para a continuação das investigações.

Também no capítulo 3, contextualizamos a abordagem dos projetos numa tripla


convergência de visões: ciência da complexidade, paradigma naturalista de
investigação educacional e conceito de negociação nas redes sócio-tecnológicas.
Esse contexto teórico pode propiciar uma interessante abordagem de outros temas,
além da pedagogia de projetos. Sugerimos sua exploração, em trabalhos futuros.

O conceito de projeto de VENTURA (2002) permite adequada abordagem de


ambientes de desenvolvimento de projetos, no contexto dessa tripla convergência.
Sua utilização, em conjunto com os indicadores de negociação (VENTURA, 2001) e
o quadro de referência negociação-complexidade, deu base metodológica ao estudo
de caso sobre o ambiente LAF, apresentado no capítulo 4. Esse estudo constituiu o
primeiro teste empírico do conceito, gerando resultados que atestam sua validade,
adequação e capacidade de auxiliar na compreensão da complexa dinâmica dessa
atividade. Além disso, os indícios encontrados na pesquisa qualitativa permitem
concluir que é consistente e promissora a abordagem dos ambientes de projetos
através da conjugação de negociação e complexidade.

Devemos ponderar, no entanto, que o tipo de pesquisa qualitativa adotado no estudo


não permite detalhado acompanhamento da dinâmica dos projetos. A opção por
uma metodologia a posteriori deveu-se a fatores circunstanciais, principalmente
limitações de tempo. Mas reconhecemos que, em ambientes dessa natureza, uma
pesquisa de caráter etnográfico permitiria detalhamento mais profundo e consistente
dos processos vivenciados por estudantes e grupos, ajudando a compor visão ainda
mais compreensiva da negociação e da complexidade presentes na atividade.
172

A ponderação não invalida a pesquisa qualitativa realizada, mas indica a limitação,


nesse contexto, de resultados obtidos através de abordagem retrospectiva. A
situação abre oportunidade para novos estudos, com metodologias capazes de
propiciar, de modo consistente, uma visão de processo que a investigação da
pedagogia de projetos demanda de modo particular.

Neste ponto, vale lembrar duas questões de investigação que ainda deixamos
pendentes de abordagem e às quais é oportuno dar alguma atenção:

1. Quais são a importância e a relevância de uma nova pedagogia de projetos (re-


fundamentada) para a área de educação em C&T?
2. Em que termos sistematizar uma proposta metodológica, baseada na pedagogia
de projetos, que contribua para a melhoria da educação em C&T, numa
perspectiva de reformulação curricular?

Nossa investigação leva a concluir que a área de educação em Ciência &


Tecnologia, marcada por forte tendência lógico-positivista e cartesiano-mecanicista
(BAZZO et alii, 2000), pode beneficiar-se grandemente do movimento de discussão
da pedagogia de projetos hoje existente. Espaços institucionais como o LACTEA e
esforços como o do Projeto LAF contribuem para minorar a aridez que os estudantes
encontram nos métodos tradicionais, ajudando a desenvolver ambiente escolar mais
favorável às manifestações criativas que a área demanda cada vez mais.

Esse tipo de ambiente não se desenvolve sem esforço de mudança de ponto de


vista pedagógico-educacional, por parte dos atores envolvidos em áreas como
ensino de engenharia e educação tecnológica. Contribuir com esse esforço é a
motivação central do nosso trabalho, que chama a atenção para a consistência e as
possibilidades de uma abordagem pedagógica já em evolução há sete anos e para
uma convergência teórica que favorece a compreensão mais profunda de seu
significado. Esse nos parece um bom modo de contribuir para o desenvolvimento de
uma nova pedagogia de projetos, que ajude a preencher algumas das lacunas
existentes na formação oferecida pela escola, de modo mais consistente com
conquistas perenemente necessárias, como cidadania e soberania.

A pesquisa quantitativa realizada permite concluir que a metodologia de projetos em


desenvolvimento no Projeto LAF encontra grande respaldo entre os alunos que se
envolveram com a atividade. O balanceamento de desafio e estímulo encontrado na
173

dinâmica desses projetos favorece uma aprendizagem contextualizada e


significativa, ensejando maior equilíbrio entre formação tecnológica e humanística.
Características como essa são valorizadas pelos alunos, como mostra a pesquisa
qualitativa, que também aponta grande expectativa quanto a novas oportunidades
de trabalho com projetos, ao longo do curso. Os resultados da pesquisa indicam
que, a despeito de certas resistências iniciais, o envolvimento dos alunos com a
dinâmica de trabalho do LAF ajuda a estabelecer, entre eles, ambiente favorável a
atividades de cunho aberto, como os projetos.

Nesse cenário, o Projeto LAF pode servir de base a experiências de mudança


curricular, em cursos de Engenharia e outras áreas científico-tecnológicas. Para
tanto, sugerimos três possíveis linhas de ação: modificação de disciplinas existentes;
criação de disciplinas específicas de projeto; estímulo à realização de projetos
interdisciplinares avulsos. Estes podem ser pontos de partida para um processo que,
em médio prazo, possibilite a descoberta de um balanceamento adequado entre as
vantagens oferecidas pela pedagogia de projetos e a expectativa de segurança de
resultados que embasa a estruturação disciplinar convencional do currículo. Um dos
aspectos que esse balanceamento pode ajudar a superar é a visão, bastante forte
na educação tecnológica, dos projetos como mera “aplicação da teoria”. Essa visão
dificulta a percepção da complexa rede de relações e interações que se estabelece
em torno da realização de um projeto, levando ao desaproveitamento de muitas
oportunidades que esse tipo de ambiente tende a propiciar.

Abordagens interdisciplinares, cujas vantagens têm sido apontadas por diversos


autores, são particularmente favorecidas pelo trabalho com projetos. O adjetivo que
integra o nome Laboratório Aberto de Física presta-se exatamente à caracterização
da atitude que os projetos inspiram. Na perspectiva adotada no Projeto LAF, o
exercício da negociação embasa e amplia a abertura para as possibilidades de
aprendizagem e formação ensejadas pelas múltiplas e complexas interações entre
pessoas, instituições e áreas do conhecimento. Noções como flexibilidade curricular,
educação continuada e atualização permanente nunca foram tão importantes como
nos dias atuais. Nesse cenário, nossos resultados de investigação sugerem uma
séria reflexão sobre a conveniência de revalorizar os projetos, no currículo
acadêmico das áreas ligadas à Educação em Ciência & Tecnologia.
174

No âmbito internacional, ao longo da terceira onda dos projetos (KNOLL, 1997),


muitas universidades integraram profundamente os projetos à sua organização
curricular. A primeira delas parece ter sido a Universidade de Roskilde, na
Dinamarca, envolvida desde 1972 num enfrentamento convicto das dificuldades
conjunturais e circunstanciais que põem à prova a opção pedagógica pela
centralidade do trabalho com os projetos (ILLERIS, 1997). As discussões realizadas
em nosso trabalho inspiram-nos a considerar exemplos como o de Roskilde
potenciais indicadores de oportunidades também abertas às escola brasileira.

Em nossos currículos, um maior esforço de divulgação do trabalho com projetos,


lastreado na busca de fundamentação pedagógica sólida e balanceamento
adequado com outras atividades, parece-nos capaz de ajudar a capitalizar o grande
potencial criativo e realizador que esta investigação permite verificar nos alunos. É
importante considerar que os resultados positivos da manifestação desse potencial
não decorrem da criação de condições ambientais especialmente planejadas, senão
de uma exploração negociada e de uma conseqüente potencialização das condições
ambientais circunstancialmente encontradas na escola e na comunidade. Desse
ponto de vista, a ocorrência de tais resultados leva a concluir que a escola pode
fazer mais com os recursos e condições com que já conta.

Isso não significa pensar que a escola brasileira não precise de mais e melhores
recursos, além dos que possui hoje. Num país como o nosso, desde há muito
submetido à carência de políticas amplas e consistentes de apoio à educação, à
pesquisa e à inovação científico-tecnológica, seria risível tal pretensão. O que se
aponta, sim, é que o esforço de mudança de concepções, posturas e estratégias
pedagógicas, longe de constituir questão menor, é de importância fundamental para
o mundo da escola, ajudando a gerar ambiente que leva a valiosos resultados
práticos, ou seja, leva a fazer mais. Esse esforço contribui, além disso, para a maior
eficácia de políticas e programas de iniciativa do poder público ou por outras
instâncias da sociedade organizada.

Tratando-se de educação, não se pode correr o risco de submeter os resultados a


intenções meramente pragmáticas ou produtivistas, como se vê em algumas linhas
de pretensa humanização das relações de trabalho e produção. Por outro lado,
propostas que não visem também à produção de resultados práticos não são dignas
de chamar-se pedagógicas ou educacionais, nesse mundo de tensas e intensas
175

relações sociais, econômicas e políticas. A experiência do LAF leva-nos a pretender


que o esforço de valorização do potencial criativo e realizador dos estudantes
caminhe rumo a uma integração ainda maior de diversos aspectos complementares
da formação humana e social: humanismo, cidadania, competência técnica,
inovação tecnológica, empreendedorismo, soberania nacional, desenvolvimento
sustentável local, nacional e mundial.

Em relação aos caminhos para uma maior sistematização metodológica, as


discussões aqui realizadas apontam para o esforço de repensar o currículo a partir
de algumas linhas principais: currículo aberto (DOLL JR., 1997), pesquisa como
princípio educativo (DEMO, 2001), visões pedagógicas libertárias sintonizadas com
a realidade brasileira (FREIRE, 2001a, 2001b), novos debate sobre ética (HIMANEN,
2001), relações entre ciência, tecnologia, sociedade e inovação (BAZZO, 1998;
BAZZO et alii, 2000). Essas idéias ajudarão a embasar mudanças curriculares em
que os projetos venham a desempenhar papel mais significativo, de modo
compatível com nossas discussões sobre negociação e complexidade, e o ambiente
de formação permita o desenvolvimento flexível de competências, habilidades e
atitudes, de acordo com importantes demandas do mundo atual.

A perspectiva de uma formação mais flexível e de um papel mais significativo para


os projetos estabelece alguns desafios. Um deles diz respeito à avaliação. Novos
procedimentos e instrumentos deverão ser definidos, para permitir o
acompanhamento de processos cuja complexidade vai muito além do trânsito entre
o errado e o certo. Noções refundamentadas de êxito e fracasso serão necessárias
para dar sentido a uma realidade em que as receitas curriculares tradicionais já não
podem mais cumprir a promessa da garantia profissional definitiva. Essas são
apenas algumas das questões que abrem portas para trabalhos futuros de
sistematização capazes de contribuir para formulações inovadoras.

A experiência do LACTEA vem permitindo descobrir modos de reconhecer e


valorizar os desejos e anseios que levam os estudantes a escolher seus cursos,
ajudando-os a conjugar essas motivações com a necessária aquisição de
competência profissional, numa perspectiva mais balanceada com a formação
humanística. Alguns projetos LAF já permitiram explorar de modo definido essa
possibilidade. A idéia da rede de apoio ao desenvolvimento de projetos, citada no
capítulo 2, na referência ao projeto Fotuns, é um exemplo de conceito promissor
176

emergido desse contexto. A inclusão da formação para o empreendedorismo dá


especial atualidade e importância a essa idéia, cujo desenvolvimento abre-se como
mais uma oportunidade relacionada às atividades do LACTEA. Esse esforço pode
ajudar a gerar benefícios significativos para o CEFET-MG, colaborando para o
surgimento de novas oportunidades de formação e atuação dos estudantes. Além
dos efeitos positivos locais que deve gerar, a idéia pode também embasar iniciativas
em outras instituições, contribuindo de modo mais amplo para a melhoria da
educação na área de Ciência & Tecnologia, em nosso país.

Diante da riqueza das perspectivas vislumbradas, continuamos a buscar “espaços


possíveis de luta” que permitirão avançar na conquista de realizações pedagógicas e
educacionais valiosas. Nesse caminho, sabemos que haverá ainda muitas
resistências a enfrentar. Experiências já vividas e as reflexões aqui traçadas alertam-
nos para os choques que decorrem dos distintos modelos em jogo nesse campo em
que nos empenhamos em defender uma visão aberta de projeto.

A metáfora da catedral e do bazar prestou-se bem a inspirar nossa reflexão. Mas a


própria abertura com que pretendemos caracterizar nossa visão de projeto deve ser
posta em questão ao tentarmos visualizar que situação devemos ajudar a construir,
para o futuro. Se buscamos no modelo do bazar inspiração para questionar a
prevalência com que hoje se impõe o modelo da catedral, certamente não podemos
aspirar a que, com o passar do tempo, pereça a catedral e passe a reinar o bazar.
Pensar assim pode significar aceder ao mesmo pensamento linear cuja
exclusividade pretendemos pôr em xeque.

O próprio pensamento complexo deve inspira-nos a buscar maior espaço para o


bazar, isto sim, para ver reconhecida sua legitimidade e o direito a que esse modelo
integre mais intensamente um diálogo. Não se deve confundir oposição com
aniquilação exclusivista. Num diálogo, vemos oportunidade de construir-se uma
ordem negociada que contemple os distintos modelos e preserve a igualdade de
condições para que cada um propicie os resultados que lhe são particulares e o
fazem diferente, sempre em relação ao outro.
177

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183

7 ANEXOS

Questionário LAF
Agenda dos grupos focais
Ficha de habilidades
184
CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DE MINAS GERAIS
DIRETORIA DE ENSINO SUPERIOR

QUESTIONÁRIO PARA OS ALUNOS DE LABORATÓRIO DE FÍSICA I – 2º SEM./2001

Prezado(a) aluno(a),

Como você sabe, estamos experimentando no CEFET-MG uma nova metodologia de aulas práticas,
baseada na substituição do laboratório tradicional pelo desenvolvimento de projetos livres por grupos de
alunos. Você vivenciou esse processo durante o semestre que agora termina, enfrentando as
dificuldades e desfrutando dos benefícios decorrentes dessa caminhada.

Para nós, professores, é de grande importância conhecer suas opiniões a respeito do processo
vivenciado, a fim de podermos aperfeiçoar ou redirecionar as ações docentes. Este questionário tem por
objetivo colher, para análise, suas impressões e opiniões sobre as experiências vividas no
desenvolvimento do projeto. Gostaríamos, portanto, de contar com uma colaboração séria e sincera na
resposta às questões propostas a seguir.

Agradecemos por sua participação.

Professores de Laboratório de Física I

OBS.: 1) Não é necessária sua identificação pessoal. 2) VEJA TAMBÉM O VERSO DA FOLHA.

A) Registre aqui informações gerais sobre você, como estudante de engenharia:

A1) Sua origem:


Curso Técnico do CEFET-MG (Campus I) Curso Técnico de outra instituição:_____________
Curso de 2º grau não técnico Outro (especificar) :_________________________

A2) Sua experiência prévia com aulas de laboratório:


Física Química Biologia Ciências (1º grau) Outra (especificar): ___________

A3) Seu curso de Engenharia:


Mecânica Elétrica

A4) Seu professor de Laboratório de Física neste semestre:


Anderson Dácio

A5) Seu perfil geral (marcar mais de 1 item, se necessário):


Tenho experiência com trabalho em oficina e/ou uso de ferramentas, em geral.
Tenho experiência com trabalho no computador, em geral, incluindo Internet.
Tenho familiaridade razoável com leitura em idioma inglês.
Tenho experiência anterior com montagem/realização de projeto semelhante ao proposto na Física I
(META, feiras, concursos de projetos etc.).

Não tive grande dificuldade na obtenção das médias para aprovação nas disciplinas deste semestre.

B) Qual o tema do projeto desenvolvido pelo seu grupo? _____________________________________


185
C) Nos quadros a seguir, são apresentadas afirmativas e situações relacionadas direta ou indiretamente
com a proposta de desenvolvimento de projetos adotada neste semestre. Assinale, em cada caso, a
opção que melhor exprime sua visão.

C1) SOBRE A METODOLOGIA ADOTADA concordo concordo discordo discordo


(DESENVOLVIMENTO DE PROJETOS LIVRES totalmente mais do que mais do que totalmente
POR GRUPOS DE ALUNOS) discordo concordo

1. De modo geral, a metodologia adotada é excelente


2. As reuniões realizadas no auditório, no início do
semestre, não são importantes para os trabalhos
3. A adoção de aulas práticas tradicionais teria sido
mais proveitosa para a formação profissional
4. Os professores deveriam adotar a metodologia de
projetos também nos próximos semestres
5. A realização do projeto causou grande satisfação
6. O esforço realizado no projeto não valeu a pena
7. A metodologia de projetos prejudica o estudo de
conteúdos didáticos importantes para o aluno
8. A aprendizagem global ocorrida na realização do
projeto é de grande valor pessoal e profissional
9. A metodologia de projetos contribui para melhor
integração entre teoria e prática na aprendizagem
10. Registre aqui seus comentários sobre outros aspectos que julgar relevantes, em relação ao item C1.

C2) SOBRE OS GRAUS DE DIFICULDADES E PROBLEMAS muito muito


grande pequeno
grande pequeno
ENFRENTADOS PELO GRUPO
11. Problema no entrosamento entre os membros do grupo
12. Problema na escolha do tema do projeto
13. Falta de tempo devida a exigências de outras disciplinas
14. Falta de tempo devida a dificuldades pessoais
15. Problema no relacionamento com o professor orientador
16. Dificuldade na obtenção dos materiais práticos do projeto
17. Dificuldade na obtenção dos materiais teóricos do projeto
18. Dificuldade na obtenção de apoio de setores internos ao CEFET
(deixar em branco, se não houve necessidade desse apoio)
19. Dificuldade na obtenção de apoio de setores externos ao CEFET
(deixar em branco, se não houve necessidade desse apoio)

20. Registe aqui seus comentários sobre outros aspectos que julgar relevantes, em relação ao item C2.
186

AGENDA: GRUPOS FOCAIS SOBRE PROJETOS LAF – JUNHO DE 2002

Tema central: a experiência vivida pelos grupos no desenvolvimento dos projetos.

1. Qual a situação mais engraçada, diferente, curiosa vivida pelo grupo?


[OBJETIVO: contribuir para a descontração e o “aquecimento” dos participantes.]
2. Em que medida o resultado do projeto atendeu as expectativas iniciais do grupo?
[OBJETIVO: iniciar a focalização da discussão em torno dos processos vividos.]
3. Qual o melhor e o mais difícil momento ou aspecto da experiência com o projeto?
[OBJETIVO: mostrar abertura a críticas e checar as demais respostas]
4. Como evoluiu, ao longo do projeto, o entrosamento do grupo e a integração das

habilidades de relacionamento interpessoal citadas na ficha de habilidades?


(estabelecimento de contatos – abordagem; negociação; argumentação; trabalho em equipe;
desenvoltura com equipamentos em geral; apresentação pública – aula, palestra, seminário etc.)
[OBJETIVO: aprofundar discussão e sondar negociação e complexidade.]
5. Esclarecer percentuais de respostas às questões listadas abaixo.
[OBJETIVO: verificar fontes de discrepâncias, surpresas, problemas etc.]
C1.2: reuniões gerais não são importantes
Que acharam e que acham hoje das reuniões gerais? Por quê?
MECÂNICA: CT 12,8%; CM 25,5%; DM 29,8%; DT 31,9%
ELÉTRICA: CT 19,5%; CM 4,9%; DM 31,7%; DT 43,9%
C2.12: problema na escolha do tema do projeto
O que mais dificultou a escolha do tema? Por quê?
MECÂNICA: MG 25,5%; G 25,5%; P 23,4%; MP 25,5%
ELÉTRICA: MG 0,0%; G 31,7%; P 60,98%; MP 4,9%
C1.7: projeto prejudica estudo de conteúdos didáticos importantes
Sentem que deixaram de estudar algo importante, por causa do projeto? O quê?
MECÂNICA: CT 2,1%; CM 17,0%; DM 38,3%; DT 40,4%
ELÉTRICA: CT 4,9%; CM 9,8%; DM 48,8%; DT 36,6%
C1.3: adoção de metodologia tradicional teria sido mais proveitosa
Indicariam projeto ou aula tradicional a um(a) calouro(a) amigo(a)? Por quê?
MECÂNICA: CT 23,4%; CM 10,6%; DM 34,0%; DT 25,5% – 93,6%
ELÉTRICA: CT 0,0%; CM 2,4%; DM 46,3%; DT 51,2%
187

SONDAGEM DE HABILIDADES E INTERESSES - DATA: / / ____


NOME:_________________________________________ CURSO:_______________________ PERÍODO:______
1. FORMAÇÃO de nível médio (2o grau): Escola:_____________________________________________________
CURSO: ( ) Técnico: _________________________ ( ) Não-técnico: ______________________
2. IDIOMAS/COMPUTADOR: Classifique seu nível de habilidade em cada campo (B = Bom; B = Médio; F = Fraco)
Leitura Escrita Conversação COMPUTADOR B M F
IDIOMAS
B M F B M F B M F Word
Inglês Excel
Francês Access
Espanhol Power Point
Internet

3. Faça uma auto-avaliação do seu desempenho em cada área abaixo e indique aquelas em que você tem um
compromisso pessoal de melhoria.
Desempenho Compromisso?
ÁREA
B M F Sim Não
Português: Leitura/interpretação
Português: Produção de textos e relatórios
Português: Análise e síntese oral/escrita
Preparo geral em Matemática
Preparo geral em Física
Estabelecimento de contatos (abordagem)
Negociação
Argumentação
Trabalho em equipe
Desenvoltura com equipamentos em geral
Apresentação pública (aula, palestra, seminário etc.)
Outra (especificar):

4. Classifique seu DESEMPENHO nas habilidades abaixo. Em seguida, indique seu grau de necessidade de melhorá-las
neste semestre. para isso, numere-as, de 1 a 6, da maior para a menor PRIORIDADE.

H A B I L I D A D E S DESEMPENHO
PRIORIDADE
teórico-conceituais e prático-experimentais B M F
Construção (entendimento) de conceitos
Interpretação/visualização de problemas
Equacionamento/resolução de problemas
Construção e interpretação de gráficos
Abordagem de situações práticas (consertos, montagens, laboratório)
Aplicação de conceitos a situações práticas em geral

5. Liste, no verso desta página: os livros que leu no último semestre; a revista, o programa de TV, o esporte e o
entretenimento de sua preferência.
188

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