Вы находитесь на странице: 1из 19

DA TERRA DE TRABALHO À TERRA DE NEGÓCIO: O TRABALHO

ACESSÓRIO DOS CAMPONESES MIGRANTES TEMPORÁRIOS DO ALTO


JEQUITINHONHA/MG

André Ricardo dos Santos Bersani


Universidade Federal do Mato Grosso do Sul - UFMS
andrebersani@hotmail.com

Marco Aurélio da Silva Arlindo


Universidade Federal do Mato Grosso do Sul - UFMS
m.marcoaurelio@gmail.com

Resumo

O presente trabalho tem como objetivo analisar a dinâmica que envolve as migrações
temporárias dos camponeses do Alto Jequitinhonha/MG, configurando-as como trabalho
acessório necessário à reprodução desses sujeitos. Para tanto, pauta-se em análise bibliográficas
e na análise de fontes orais, feitas a partir do relato dos camponeses que vivenciam tal forma de
trabalho acessório. Contata-se que o trabalho acessório como migrante temporário é a dinâmica
na qual os camponeses deixam (temporariamente) sua terra de trabalho onde exercem trabalho
concreto e partem para a terra de negócio onde exteriorizam o trabalho abstrato sob o ritmo do
capital.

Palavras-chave: Camponeses migrantes temporários. Trabalho acessório. Terra de trabalho e


terra de negócio.

Introdução

Este trabalho versa sobre os camponeses migrantes temporários da sub-região do Alto


Jequitinhonha que faz parte da mesorregião do Vale do Jequitinhonha, localizada a
nordeste do Estado de Minas Gerais. Cabe destacar que esse território é caracterizado
por um estigma social de atraso e pobreza1.
O campesinato dessa sub-região caracteriza-se por ter sofrido um grande processo de
expropriação2, derivado da extinção de antigas formas de organização utilizadas pelas
famílias camponesas3.
Chama-nos a atenção que através de décadas esses camponeses continuam a se
reproduzirem, apesar de todas as dificuldades, de diferentes naturezas, que lhe são
impostas. As primeiras análises por nós realizadas mostram que esses sujeitos estão
inseridos numa dinâmica territorial de migrações que envolve subordinação e resistência
a partir do trabalho acessório e que precisa ser mais bem analisada.
A partir dessas considerações, configura-se como nosso objetivo, analisar a dinâmica
das migrações temporárias dos camponeses do Alto Jequitinhonha/MG, as quais partem

1
da terra de trabalho à terra de negócio e com isso vivenciam uma experiência que
aparentemente seria externa a sua classe, a do assalariamento, característico do
proletariado, porém essa experiência para a classe camponesa configura-se como
trabalho acessório.
Para tanto utilizaremos como fonte bibliográfica: Martins (1988) e Silva (2001),
trabalhos em que analisam as migrações temporárias dos camponeses do Vale do
Jequitinhonha; Oliveira (1996) que analisa a agricultura camponesa no Brasil; Martins
(1994) trabalho em que analisa a aliança entre capital e propriedade da terra;
Woortmann (1990) onde analisa o campesinato como uma ordem moral, entre outros.
Além desses referenciais teóricos também faremos uma análise de entrevistas (fontes
orais) feitas com camponeses migrantes temporários do Alto Jequitinhonha/MG que
trabalham no corte da cana-de-açúcar. As entrevistas foram realizadas no ano 2011, no
município de Mirandópolis/SP quando os sujeitos estavam vivenciando o tipo antes
citado de trabalho acessório.
Esse trabalho, além da introdução e da conclusão está desenvolvido em dois subtítulos.
No primeiro traz uma análise das migrações temporárias dos camponeses em questão. A
segunda e última corresponde à uma análise da contradição entre os “dois mundos” por
eles vivenciado.

Os camponeses do Alto Jequitinhonha/MG e o trabalho acessório como migrantes


temporários

No Brasil a utilização da força de trabalho migrante não é coisa recente. Existem ainda
hoje regiões que são vistas como grandes celeiros de mão-de-obra barata, utilizadas
principalmente pela região sudeste do país. Nota-se que as condições de vida nas áreas
de onde partem os fluxos de migrantes, sejam eles temporários ou
permanente/definitivos, são socioeconomicamente precárias.
Como sabemos, as vezes o que esses migrantes encontram são condições de trabalho
análogas ao trabalho escravo ou até mesmo a própria escravidão. Na história das
migrações, muitos migrantes não conseguiram voltar para casa, pois foram escravizados
por dívida. Saem de suas casas já devendo para aqueles que irão trabalhar e
posteriormente descobrem que o salário não cobre os gastos e muito menos paga as
dividas, essa dinâmica vem acontecendo no interior das fazendas de café, seringais de

2
Madeira e fazendas da Amazônia, como nos alertou Neide Esterci (1999) em “A divida
que escraviza”, também em canaviais e carvoarias. Mesmo nos dias de hoje é sabido da
existência de tal forma de escravidão4.
É notável algumas diversidades de migrações. Nosso interesse são as migrações
temporárias que também não estão engessadas em somente uma forma; temos
trabalhadores que migram primeiramente sozinhos e depois de certo tempo, ou alguns
anos migrando, ao adquirirem certa estabilidade conseguem buscar a família para com
eles morar, fato que caracteriza a migração definitiva. Temos ainda trabalhadores que
deixam seus lares para trabalharem nos mais diversos tipos de serviços e inóspitos
lugares, tanto na cidade como no campo, alguns com período pré-determinado e outros
que não possuem datas para retornar ao lar.
Em qualquer um dos casos temos que o migrante temporário quando retorna ao seu
local de origem traz consigo novas vivências, ou seja, não é a mesma pessoa de quando
saiu, e o grupo familiar que ficou também já não está organizado da mesma forma, a
respeito da divisão do trabalho e do lugar de cada membro da casa (MARTINS, 1988, p.
45).
Nessa perspectiva, notamos que o processo de migrações temporárias não se restringe
somente a questões de fluxos e bases econômicas, como também envolve toda uma
dinâmica que revoluciona o universo social dos sujeitos migrantes temporários, como
nos alerta Martins:

Mais do que trânsito de um lugar a outro, há a transição de um tempo a outro.


Migrar temporariamente é mais do que ir e vir – é viver, em espaços
geográficos diferentes, temporalidades dilaceradas pelas contradições sociais.
Ser migrante temporário é viver tais contradições como duplicidade; é ser
duas pessoas ao mesmo tempo, cada uma constituída por especificas relações
sociais, historicamente definidas; é viver como presente e sonhar como
ausente. É ser e não ser ao mesmo tempo; sair quando está chegando, voltar
quando está indo. É necessitar quando está saciado. É estar em dois lugares
ao mesmo tempo, e não estar em nenhum. É, até mesmo, partir sempre e não
chegar nunca (1988, p. 45).

A leitura sociológica feita por Martins a respeito das migrações temporárias é de grande
valia e nos instiga a buscar compreender cada vez mais esse universo fragmentado e
contraditório dos migrantes temporários. Em nossa análise, a respeitos dos camponeses
migrantes temporários do Alto do Jequitinhonha/MG, acrescentamos à leitura feita por
Martins, a concepção de que esses sujeitos vivem também à duplicidade de classes, ou
melhor, como camponeses experimentam as condições de trabalho da classe operária,

3
assim vivem as contradições de tempo-espaço e de classes diferentes. Antes de
adentrarmos neste assunto, vamos ver quais as características dessa migração
temporária dos camponeses do Alto Jequitinhonha.
A reprodução desses camponeses se tornou limitada após os projetos de reflorestamento
implantados pelo Estado naquela região (SILVA 2001). Assim, esses camponeses
começaram a migrar para conseguirem manter a reprodução social de suas famílias e de
seu modo de vida. Não deixaram o trabalho no campo, continuam em suas próprias
lavouras e complementam o trabalho familiar com o trabalho acessório através da
migração temporária. Isso é possível, pois o ciclo agrícola de suas lavouras é distinto do
ciclo agrícola da cana-de-açúcar no Estado de São Paulo. Para Martins (1988), essa
migração é caracterizada por:

Trabalhadores rurais que migram temporariamente para outras zonas rurais


em busca de trabalho, que aproveitam os períodos de entressafra de suas
próprias lavouras para trabalhar na safra de outros produtos, em outras
regiões. São, geralmente, pequenos proprietários, pequenos arrendatários,
parceiros ou foreiros. É o que ocorre com pequenos produtores do Agreste
pernambucano e da região do nordeste de Minas Gerais (p. 47).

Esse tipo de migrações é chamado de migrações cíclicas, por se dar entre ciclos
agrícolas distintos e possuírem tempo certo para o retorno. No caso das (migrações)
vivenciadas pelos camponeses do Alto Jequitinhonha, duram em média 8 meses,
geralmente entre março e outubro, e seus destinos são os canaviais do Estado de São
Paulo, onde trabalham como “bóias-frias”5 no corte da cana. Assim, observamos que o
período em que estão cortando cana, ou seja, da safra na agroindústria canavieira é o
período em que suas lavouras não produzem o suficiente para subsistência de suas
famílias, é a época da seca na região. Essas temporalidades são observadas por Martins:

[...] no Vale do Jequitinhonha, a terra é preparada em setembro e outubro,


quando termina a safra de cana em São Paulo. Os trabalhos agrícolas
terminam em fevereiro e março. Os trabalhadores podem se deslocar,
portanto, para a colheita de café no sul de Minas e para o corte de cana em
São Paulo. [...], a agricultura camponesa do Jequitinhonha está praticamente
voltada apenas para a subsistência. Consequentemente, a região pode liberar
tanto moços quanto chefes de família, em menos tempo, deixando para a
mulher e as crianças os trabalhos menores e a luta pelo complemento da
própria sobrevivência (1988, p. 52).

Contudo, como podemos analisar a partir de Martins (1988) esses ciclos agrícolas não
se encaixam perfeitamente, dinâmica que nos indica a importância da força de trabalho

4
familiar, pois é o que move a produção camponesa (OLIVEIRA, 1996, p. 55) e também
é a família que possibilita a migração temporária, conforme nos revela o entrevistado I:

Entrevistador: E a esposa lá, ela toma conta?


Entrevistado I: Toma, minha esposa ajuda eu muito também, sabe. Se fosse
só eu só, talvez eu nem conseguia dá conta, ela me ajuda muito também.
Sabe, não no trabalho, assim pra ganhar, mas assim, dentro da propriedade.
E: E quando você tá lá?
E I: Cuida do mesmo jeito, sabe. Quando eu to lá, tá agarrado mais eu
também do mesmo jeito.
E: E os filhos, tem filhos?
E I: Tenho, mas tá pequeno ainda, ainda não tá ajudando eu ainda não6.

Notamos que mesmo sendo migrações cíclicas, a mulher e as crianças (essas quando já
estão na idade que “podem ajudar”) ficam por conta do trabalho na lavoura camponesa,
enquanto o pai está fora. Ou seja, a mulher e as crianças substituem o pai, aquele que
possui maior força de trabalho. A migração forçada (SILVA, 1999) do pai da família
camponesa faz com que as crianças tenham que começar a trabalhar na roça muito cedo.
Assim, a família garante a reprodução do migrante, como camponês e como operário
(OLIVEIRA, 1996, p. 54).
Essa ambígua situação de classe aparece na análise de Martins (1988) quando nos
afirma:

É verdade que o salário recria, no operário, o camponês; que por sua vez
recria o operário. Mas, para o migrante, o salário apenas complementa a sua
reprodução e a de sua família como força de trabalho. Porém, enquanto
camponês, se recria como operário para o capital, inteiro, pronto para
trabalhar. O capital não paga, assim, o preço da formação da mão-de-obra de
que necessita. Quem paga o preço é a família camponesa. E, com isso, o
capital não expande o mercado interno de que necessita para se expandir (p.
53-54, grifos do autor).

Entendemos que essa dinâmica ocorre, como aponta Oliveira (1996), devido o
desenvolvimento das forças produtivas e o desenvolvimento contraditório do
capitalismo no campo, num processo em que se forma assim o trabalhador assalariado e
o camponês.
Comprovamos essa afirmação com a seguinte análise: a agroindústria (do eucalipto) que
serve para caracterizar o desenvolvimento das forças produtivas no campo, foi o que
ocasionou a migração desses sujeitos, por tirar-lhes a possibilidade de se recriarem
somente a partir do trabalho camponês, e é também a agroindústria (só que agora da
cana-de-açúcar) que utiliza a força de trabalho dos mesmos camponeses.

5
Por um lado a agroindústria procura expropriar os meios de produção desse grupo, e por
outro subordinar sua força de trabalho. Acrescenta-se, que diante desse processo o
camponês, por sua vez, possibilita a reprodução de sua família e de seu modo de vida,
ou melhor, o modo de vida da classe camponesa; fato que constata-se no final da citação
de Martins (1988, p. 54). “E, com isso, o capital não expande o mercado interno de que
necessita para se expandir”. Ou seja, nessa dinâmica o capital não irá englobar à sua
lógica, ao seu mercado interno, aquele território camponês, que continuará sendo uma
fração não-capitalista do território, negando assim sua expansão total do capital sobre o
campo.
A migração que recriaria no camponês o operário e que recria no operário o camponês,
só é possível devido a utilização do trabalho da mulher e das crianças camponesas que
se recriam também como camponeses através do trabalho acessório do pai da família
camponesa. Percebe-se que a subordinação da força de trabalho de um membro da
família possibilita a reprodução de sua totalidade como classe camponesa.
Vimos agora, qual tipo de migração se trata e como ela é possível. Contudo, também
surge para nós a necessidade de entender a partir das concepções dos próprios sujeitos o
porquê de migrarem para trabalhar como assalariados no corte da cana. Os relatos foram
os seguintes: “Eu venho aqui, pra eu ganha um pouquinho a mais pra poder dar conta,
porque se eu ficar só lá, eu num dô conta, num dô conta de alimentar eles [filhos]” 7.
Outro entrevistado relata:

Pra mantê lá, porque se a gente ficá só lá, só lá. Então, vai chegá um tempo
que vai só apertando, principalmente na época da seca, né. Que se a gente
fica lá, as coisas vai né. Vai só apertando. Então, a gente vem aqui pra se... lá
pra nós, nós num tem força de nada sabe, igualmente a gente quer fazer uma
represa, você não tem força de faze uma represa, você num tem uma ajuda de
nada sabe; prefeito, sabe, ajuda de nada, governo, nada. Pra você vê, lá onde
eu moro tem lugar de fazer duas ou três represa, mas pelos dias de hoje [...]8.

Aparece na fala desses sujeitos a necessidade de complementar a subsistência de suas


lavouras, pois eles “não tem força”. Os camponeses do Alto Jequitinhonha são fracos,
como eles mesmos se referem; os fortes de sua região são os fazendeiros, donos das
grandes propriedades. O camponês entrevistado coloca que por serem fracos não
possuem ajuda pública, que poderia reverter a situação em que se encontram, e talvez
tornar possível a subsistência e a aquisição de renda monetária de que também
necessitam, através da venda do produto excedente, fruto do trabalho familiar. Nota-se

6
que cada vez mais é necessário à reprodução da família camponesa, o acesso ao
dinheiro, como é relatado:

A gente tem a nossa propriedade lá, mas é pequena, mas, dali você tira pra
comer, mas você precisa de dinheiro pra puder, como é que fala lá moço, pra
[...] se você quê faze uma plantação, você tem que comprar um adubo, as vez
eu quero plantar uma semente diferente, você tem que comprar a semente,
você entendeu? Cê tem que paga um camarada, vê se ele quê gradiar uma
terra, você tem que pagar as obras do trator, então por isso que a gente vem
de lá pra cá. Serve pra essas coisas; a gente guarda dinheiro pra essas coisa e
outra que a família lá da gente tem... nós lá, num vive só do nosso trabalho, a
gente precisa tê um [...] precisa de vestir, a gente precisa de um remédio.
Então a gente num veve só do trabalho9.

Como evidenciado pelo relato do camponês entrevistado, os camponeses usam o


dinheiro para trocar por mercadorias que precisam, mas não as produzem.

[...] em diversos contextos históricos, no Brasil e em outros países, há um


desequilíbrio entre produção e necessidades de consumo, ocorrendo a
necessidade de trabalho assalariado complementar como uma estratégia de
reprodução familiar. No Brasil (Garcia Júnior, 1989; Menezes, 1985, 2002;
Scott, 1982, 1995; Woortmann, 1990), argumenta-se que o processo de
diferenciação camponesa pode ser analisado por meio de múltiplas
estratégias de reprodução social, tais como emprego local, pequeno comércio,
artesanato, assim como migrações em busca de trabalho assalariado
(MENEZES, 2009, p. 270).

O trabalho camponês teria que seguir um equilíbrio entre produção e necessidade de


consumo para a sobrevivência da família camponesa. A não existência desse equilíbrio
traz a necessidade do trabalho assalariado. Na concepção de um camponês migrante
temporário:

[...] a gente trabalha de maneira é [...] suficiente pra que mantém o equilíbrio,
voltando o assunto que você disse: Como é que nós sobrevive. Nós tem que
trabalhar naquele equilíbrio, quando aquele equilíbrio faia que nós não
consegue manter aquele equilíbrio que a gente vem pra cá, entendeu?!10.

Esse equilíbrio buscado pelo camponês que citamos, não está dentre as condições
objetivas da maioria dos camponeses brasileiros e, como já apontamos, a necessidade de
dinheiro para a compra de mercadorias é cada vez maior.
Acrescenta-se a necessidade da compra de mercadorias que não produzem, como
vestimentas “precisa de vestir” e remédios “precisa de um remédio”, outros dois
problemas que esses camponeses enfrentam.

7
Algumas mercadorias que precisam, como o adubo “compra um adubo”,
decorrem do primeiro problema, qual seja: o camponês precisa do adubo porque suas
terras também são fracas, são pequenos lotes marginais às grandes fazendas e áreas de
“reflorestamento” (plantações de eucalipto), o que provavelmente enfraqueceu
gradativamente a terra.
De acordo com Silva, a dificuldade de sobreviver somente do trabalho na sua terra e ter
que trabalhar “pros outros”, ou seja, o rompimento entre homem e terra, tem relação
com o fato que mencionamos:

A saída está ligada à fraqueza da terra. A forma de compensar esta fraqueza é


trabalhar na terra dos outros, mas com a própria força, força que foi
produzida pela própria terra. Há, aí, um movimento circular, unindo duas
terras separadas no tempo e no espaço. O homem na terra dos outros tem a
força para trabalhar. Com o dinheiro produzido por esta força, o homem
alimenta a família, que, então passa a produzir a força para trabalhar na
própria terra. Somente, assim, pode-se reproduzir a unidade anterior entre
homem-terra (2001, p. 15).

Assim, essas terras pouco férteis não atraem o interesse do capital, enquanto as terras
mais férteis são ocupadas pela agricultura capitalista (MARTINS, 1988; SILVA, 2001).
O segundo problema é que precisam “pagar um camarada”, pois, durante o período em
que estão fora, falta força de trabalho para produzir em suas lavouras, por isso
mencionamos anteriormente que o encaixamento dos ciclos agrícolas não é perfeito, por
retirar o componente de maior força de trabalho. Acrescenta-se a isso o fato desse
trabalho ser executado prioritariamente de forma manual, sem a utilização de máquinas,
devido a falta de condições financeiras desses sujeitos para comprá-las.
A época que estão fora de casa, de sua terra, é o momento que rompem com o trabalho
autônomo e concreto, no qual produzem valores de uso e passam a exteriorizar o
trabalho, ou seja, o trabalho se torna abstrato, produtor de valores de troca. Esses
sujeitos vivem numa permanente dicotomia, dois universos distintos, no qual um é sua
vida e outro a anunciação de sua morte (mas possibilidade do renascimento). Assim
vivenciam as condições de duas classes antagônicas. As considerações de Martins se
tornam elucidativas:

8
Em cada um dos momentos, como camponês e como assalariado, e na
unidade de ambos, como migrante temporário, o trabalhador passa por uma
socialização específica - ele se insere em estruturas sociais imediatas
contraditórias entre si. No lugar de origem, suas relações estão baseadas na
produção direta dos meios de vida; no lugar de destino, suas relações são
mediatizadas pelo dinheiro e é por meio dele que elas adquirem um caráter
social. Num caso, as relações são concretas; no outro, são abstratas. Num
caso, ele domina o processo de trabalho; no outro, é dominado pelo processo
de trabalho. Chama a atenção de qualquer pesquisador que, tanto entre os
migrantes que trabalham na fábrica, quanto entre os que trabalham no corte
da cana, sejam frequentes as queixas a respeito dos efeitos do trabalho sobre
o corpo do trabalhador, as dores que sentem quando o corpo volta a trabalhar
para o trabalhador e escapa do processo de trabalho controlado e ritmado pelo
capital (1988, p.59).

A ambígua situação desses sujeitos chama-nos a atenção e cobra que busquemos


compreendê-la melhor. Contudo, não a vemos como contraposição ao campesinato, mas
sim como o meio pelo qual ele continua a existir naquela sub-região. Propomo-nos
agora a analisar a contradição existente entre a terra de trabalho (unidade de reprodução
camponesa) e a terra de negócio (reprodução de capital).

Terra de Trabalho Versus Terra de Negócio

Quando nos propomos estudar uma dinâmica que envolve formas de trabalho de classes
que se opõe, (trabalho camponeses versus trabalho proletário) mas, que (no caso dos
camponeses do Alto Jequitinhonha) de forma complexa se “complementam”,
configurando-se numa análise dialética em trabalho acessório, é necessário e de suma
importância, também analisar o meio de produção que envolve essa temática e está em
seu epicentro, ou seja, a terra. Entendemos, baseados em Marx, que com o advento do
capitalismo (que tendenciosamente visa transformar tudo em mercadoria), a terra se
transformou em equivalente de mercadoria, pois não pressupõe trabalho acumulado.
Contudo, buscamos de início fazer algumas considerações sobre a histórica divisão da
terra no país, que explicita a atual concentração latifundiária, e posteriormente para
tornar mais fértil o entendimento da questão que a terra ocupa nos estudos sobre o
campesinato, não só no Alto Jequitinhonha/MG, como também no Brasil. Abordaremos
os significados de terra de trabalho e terra de negócio, e para isso, é preciso examinar
por quem e de que forma ocorre a apropriação da terra nos dois casos, lembrando que
ambas são propriedades privadas da terra, sendo uma camponesa e outra capitalista.

9
Em nosso país a propriedade privada capitalista da terra é caracterizada pelos grandes
latifúndios, algo decorrente de um processo histórico de divisões e distribuições da terra
no Brasil, feita de forma desigual e concentradora. De acordo com Oliveira:

Quando estudamos historicamente a estrutura fundiária no Brasil, ou seja, a


forma de distribuição e acesso à terra, verificamos que desde os primórdios
da colonização essa distribuição foi desigual. Primeiro foram as capitanias
hereditárias e seus donatários, depois foram as sesmarias. Estas, estão na
origem da grande maioria dos latifúndios do país, fruto da herança colonial
(1996, p. 28).

Como podemos notar que são conteúdos velhos que para serem tomados como novos
utiliza-se novos rótulos.
Assim, em 1850 é criada a Lei de Terras que longe de mudar a questão da distribuição
de terra no país, serviu para regularizar as posses dos grandes proprietários. “A Lei de
Terras, de 1850, já teve um caráter ambiguamente conservador, o que mostra que, no
fundo, os grandes proprietários de terra foram paulatinamente constituindo e reforçando
seu poder” (MARTINS, 1994, p. 76).
Mais de um século após, em 1964, durante a ditadura militar é criado o Estatuto da
Terra que propõe a tão esperada reforma agrária, porém podemos acrescentar que o
Estatuto da Terra foi uma forma de legitimar a grilagem e posse dos capitalistas sobre a
terra. De acordo com Martins: “O regime militar [...], produziu uma legislação
suficientemente ambígua para dividir os proprietários de terra e assegurar ao mesmo
tempo o apoio do grande capital, inclusive o apoio do grande capital multinacional”
(1994, p. 78).
O autor continua suas considerações sobre a legislação criada pelo regime militar. “O
que indica, em princípio, uma reforma agrária orientada para a modernização
econômica e para a aceleração do desenvolvimento capitalista na agricultura” (1994, p.
79).
Nessa perspectiva o cenário que vem sendo montado no campo brasileiro deixa claro o
papel do Estado em beneficiar a elite do país; é engendrado um processo de
modernização do modo de produzir no campo, do qual temos como expressão as
agroindústrias canavieiras. Na década de 1975 é criado o decreto do Proálcool
(Programa Nacional do Álcool) que objetivou substituir combustíveis derivados do
petróleo por álcool, o que impulsionou a monocultura da cana-de-açúcar no Brasil,
principalmente no estado de São Paulo, intensificando a concentração fundiária, afirma

10
Silva: “O processo de concentração da grande propriedade fez-se a partir da própria
dinâmica do processo de modernização” (SILVA, 1999, p. 76).
Assim, observamos que a terra concentrada nas mãos de poucos através do apoio do
Estado se caracteriza como terra de negócio, ou seja, propriedade capitalista e que parte
de uma ordem econômica. A terra se coisificou ao se transformar em equivalente de
mercadoria, mesmo não sendo fruto do trabalho. Contudo, não pertence ao trabalhador
que ali exterioriza seu trabalho, e sim a outrem, ou melhor, ao capitalista latifundiário
que o explora. A propriedade capitalista:

[...] é um regime distinto da propriedade. Baseia-se no princípio da


exploração que o capital exerce sobre o trabalhador que já não possui os
instrumentos e materiais de trabalho para trabalhar, possuídos agora pelo
capitalista. Nesse caso, a propriedade capitalista é uma das variantes da
propriedade privada, que dela se distingue porque é propriedade que tem por
função assegurar ao capital o direito de explorar o trabalho; é
fundamentalmente instrumento de exploração. Por isso não podemos
confundir a propriedade capitalista com a propriedade familiar, ainda que
propriedade privada. São coisas completamente diferentes, inda que a
passagem de uma a outra seja muito sutil e a muitos pareça não existir
diferença alguma (MARTINS, 1980, p. 59 apud OLIVEIRA, 1996, p. 112,
grifo do autor).

Podemos observar que a propriedade familiar mesmo sendo privada se diferencia da


propriedade capitalista, mas pode se tornar, ou seja, pode vir a ser capitalista. Para uma
melhor compreensão, cabe exemplificar o que queremos dizer. Vemos que a
propriedade familiar pode se tornar uma propriedade capitalista. Como? Quando
começa a existir a exploração permanente do trabalho alheio e por esse trabalho é pago
um salário.
Entretanto, existem dinâmicas que mesmo quando há o trabalho do outro na propriedade
camponesa não podem ser configuradas como uma relações capitalista, ou seja, de
patrão e empregado. É o que chamamos de trabalho acessório; pode ser “pago” (diga-se
recompensado) com a troca de dias de trabalho. Ocorre da seguinte forma, se um
camponês precisa de mais força de trabalho em seu sítio, para dar conta da produção e
ao mesmo tempo seu compadre (como eles mesmo se referem) está precisando de
algum produto, até mesmo dinheiro, é concretizado o trabalho acessório, e isso ocorre
mesmo quando aquele que trabalhou/ajudou não está em precisão, mas pôde emprestar
dia de trabalho, é o principio da reciprocidade que é parte notável da ética camponesa.
Essa questão pode ser verificada na fala de um entrevistado quando questionado sobre o
trabalho em sua região, fora o desenvolvido em sua lavoura. Ele responde: “Cada um

11
trabalha, ou seja, hoje eu trabalho pra ele, amanhã ele vem e trabalha pra mim, nós
trabalha sempre mais de grosso, um ajudando o outro”.¹¹
As análises feitas por Woortmann sobre o trabalho assalariado nas unidades camponesas
podem nos levar a uma melhor compreensão desta temática. Segundo o autor, o uso do
trabalho assalariado por um camponês é necessariamente temporário e condição para a
realização do trabalho familiar, não sendo oposição. Nota-se que o assalariado é
também um camponês que está (ou não) em precisão e se propõe a ajudar no trabalho,
não configurando um trabalho por obrigação, é reciprocidade (WOORTMANN, 1990,
p. 26-27-29).
Corroborando com a questão Tavares dos Santos afirma:

Da parte do trabalhador assalariado, verifica-se que não é um trabalhador


expropriado dos meios de vida e produção, que possuísse apenas a força de
trabalho. Ao contrário, é um camponês, proprietário dos meios de vida e
produção, vivendo a condição de trabalho acessório, nos momentos em que a
amplitude da família o permite.
Pode-se concluir que, tanto do lado da procura quanto do lado da oferta, é a
força de trabalho familiar que provoca a necessidade da utilização do trabalho
assalariado, bem como seu desaparecimento, no processo de trabalho
camponês (1984, p. 44).

O autor também afirma que as formas de ajuda mútua:

[...] cobrem uma necessidade de força de trabalho que o camponês não pode
suprir apenas com o trabalho familiar, e tampouco com o assalariado, pois
seus rendimentos monetários não permitem pagar trabalhadores
continuadamente. Desta forma, as práticas de ajuda mútua são fundamentais
para reproduzir o processo de trabalho na unidade produtiva camponesa [...]
(1984, p. 36).

Essas práticas se configuram como forma de possibilidade da reprodução social do


campesinato e são muito comuns entre os diversos grupos de camponeses. Elas mantêm
a concepção da terra como terra de trabalho. No Alto Jequitinhonha esse tipo de
trabalho acessório é feito não para gerar lucro e sim para a própria subsistência da
família camponesa e via de regra é feito perante a troca de dias, como foi explicitado na
frase do camponês entrevistado. Sobre essa dinâmica, argumenta Garcia Júnior.

A troca de dia dá-se quando um membro de uma determinada unidade


familiar (A) trabalha no roçado de uma outra unidade familiar (B), sob as
ordens do chefe desta última (B). Não recebe por isto nenhuma contrapartida
em dinheiro, mas assegura que membros desta outra unidade familiar (B)
farão o mesmo quando for necessário (1975, p. 62).

12
Cabe aqui ressaltar que esse camponês não irá trabalhar só, na unidade do outro e sim
em conjunto com ele e sua família, é um camarada, uma pessoa jurídica e materialmente
igual, que até mesmo sentará à mesa na hora da refeição, o que não configura
exploração de sua força de trabalho. Nos alerta Tavares dos Santos:

O camponês não desenvolve uma relação de oposição ao trabalhador na


medida em que este outro, na realidade, é ele mesmo. Em outras palavras, se
o trabalhador é um camponês em atividade acessória [...], não se pode
diferenciar aqui posições sociais entre personagens que são efetivamente
unos, personificações de um mesmo processo de trabalho camponês (1984, p.
44).

Contudo, essa capacidade de ver no outro a si mesmo, não é comum (em certa medida)
a outras classes sociais. Como já nos alertou Marx (2008, p. 86) quando em “trabalho
estranhado e propriedade privada” se refere ao estranhamento do outro, dele mesmo (o
trabalhador) e da essência humana. Assim, como no começo deste trabalho colocamos
ser trabalho camponês concreto/libertário e não abstrato/alienado, ele consegue ver o
outro como a si mesmo. A nosso ver esse fato é algo que está ligado à especificidade da
classe camponesa.
Observamos que a terra de trabalho pertence ao próprio trabalhador que nela exerce seu
trabalho, e produz sem que para isso precise explorar (no sentido capitalista e não no de
usar) o trabalho alheio; estamos diante da apropriação dos resultados do trabalho e do
meio de produção pelo trabalhador, que é a propriedade familiar da terra, caracterizada
pelas pequenas propriedades (OLIVEIRA, 1996, p. 44), o que foge a lógica do sistema
produtor de mercadorias, pois esse, desde seu surgimento busca efetuar a separação da
pessoa que exerce o trabalho, dos meios de produção e de seu próprio fruto, ou seja:

[...] estamos diante da propriedade familiar, privada é verdade, porém diversa


da propriedade capitalista, pois a propriedade familiar não é propriedade de
quem explora o trabalho alheio. Estamos diante da propriedade direta de
instrumentos de trabalho que pertencem ao próprio trabalhador. É pois, terra
de trabalho. É portanto, propriedade do trabalhador, não é fundamentalmente
instrumento de exploração (OLIVEIRA, 1996, p. 60-61).

Para os camponeses a terra possui uma conotação e valor diferente daquele valor
monetário interposto pelo capitalismo. As palavras de um dos entrevistados, se torna
essencial para entendermos a terra de trabalho na perspectiva do sujeito.

13
Quando questionado sobre o trabalho que exerce na sua terra e qual a sensação ele
indaga: “É mais gostoso né, você tá com a família. Ali, você come a comida quente,
come a comida do seu gosto né. Então, você trabalha mais alegre, você tem... você é
mais feliz em tudo, em tudo sabe. Você pratica o serviço com alegria” 1².
O trabalho empregado nesse tipo de propriedade tem como finalidade a manutenção da
vida da família camponesa, ele é exercido pelo grupo como primeira necessidade de
subsistência, que pode eventualmente vender o excedente, pois o mesmo nem sempre
existe¹³.
Quando a terra é apropriada pelo capital, a relação estabelecida é entre “diferentes”, 14
diferentes no modo de agir, de pensar e de viver em relação a terra. O trabalhador que
apropria a terra tem como finalidade alimentar e reproduzir socialmente sua família. O
capitalista tem como fim o lucro, para isso busca força de trabalho a qual dê menos
gasto para sua reprodução e possa extrair cada vez mais trabalho e mais-valia no
processo produtivo.
Desta forma, o trabalho na terra de negócio é caracterizado pelo assalariamento, pelo
trabalho por obrigação. Contrapondo ao trabalho camponês em sua lavoura - trabalho
autônomo na terra de trabalho - ao trabalho assalariado no corte da cana – trabalho
compulsório em terra de negócio – o trabalho do camponês migrante temporário na terra
de (agro)negócio é o oposto do trabalho familiar. Um entrevistado nos confirma: “aqui
não, aqui você trabalha com raiva... lá trabalha com gosto. Ah... eu sinto alegria, sabe, tá
na minha casa, levantá de manhã, tratá de um porco aqui, de uma galinha ali, tira um
leite ali, sabe. Então, aqui... eu tô aqui, mas, tô com saudade de lá já” 15.
A análise que Silva (2001) fez sobre “a terra no imaginário dos migrantes temporários”,
nos ajuda a entender o sentimento de saudade, de vontade de estar em outro espaço-
tempo da sua terra, terra de trabalho e morada da vida. Segundo Silva:

A terra, tal como a casa, é o primeiro lugar de acolhimento do ser que vem ao
mundo, é também o escudo protetor contra as intempéries da natureza e da
sociedade. Na terra, há o sentimento de pertencimento, de identificação.
Longe dela, os sentimentos são contrários. O estranhamento e o
desenraizamento invadem a alma, gerando a saudade da terra. Este é
elemento que não pode ser tão somente interpretado como nostalgia em
relação ao passado, porém como constitutivo das representações e da
identidade dos migrantes. A imagem do retorno é gerada pelo desejo, pela
vontade, portanto, é ela também um elemento constitutivo desta identidade
(2001, p. 9).

14
Ao mesmo tempo em que nos revela a contraposição a que nos referimos nesta parte do
trabalho, a representação do sujeito também demonstra a vontade de voltar para sua
casa, sua família, ou seja, para a terra de trabalho, onde tem o domínio sobre o tempo de
trabalho e por ter a posse daquilo que é seu fruto.
Sobre a questão da diferença do tempo de trabalho, que se refere ao trabalho em
propriedade familiar e trabalho em propriedade capitalista. O entrevistado II, quando
perguntado se há diferença entre o trabalho “pros outros” e o trabalho “pra ele”, faz um
relato esclarecedor:

Grande diferença; porque eu trabalho pros outros. Eu digo assim, eu trabalho


numa empresa, eu tenho um compromisso com a empresa, e [...] eu trabalho
pra mim, eu tenho compromisso comigo, eu sei a hora que eu devo ir, eu sei a
hora que eu preciso de ir, eu sei a hora que eu quero ir [...].
Se eu tiver sentindo alguma coisa, uma dor num canto, falo assim, não. Vou
deixar, ver se passa. Eu vô toma um remédio, eu vô descansar mais um
pouco. Eu posso deixar passar porque o serviço é meu, mas, eu tando
trabalhando numa empresa, eu tô sentindo uma dorinha, uma coisinha, e
mesmo que tá me atrapalhando, eu tenho que cumprir aquelas regras, tá
entendendo?!16.

Nessa lógica o tempo é usado de acordo com a necessidade, se trabalha quando precisa,
quando quer, quando há condições físicas para o esforço de trabalhar. Esse modo de
vida seguido pelos camponeses em questão é rompido durante grande parte do ano,
quando o trabalho é em terra de negócio, é trabalho “pros outro”. A própria maneira que
o camponês se refere ao trabalho assalariado é diferente do proletário que costuma não
fazer essa diferenciação. Para o proletário, a concepção de trabalho está estritamente
ligada ao salário, sendo os afazeres em seu lar não tratados como trabalho, pois não
produzem o que ele precisa para sobreviver, que no caso é o dinheiro (salário), pois até
o que é necessidade primeira de sobrevivência (a alimentação) tem que trocar por
dinheiro, a relação existente é a do valor de troca. O tempo de trabalho em seu emprego
se diferencia do tempo de vida em sua casa e que, é curto.
O fato desses camponeses ficarem um determinado período vivendo do trabalho na
lavoura e até mesmo em alguns casos que passam o ano sem se assalariar, indica a
possibilidade de ter o fruto daquilo que reproduz socialmente sua família, ou seja, terra
e trabalho autônomo.
No caso dos camponeses do Alto Jequitinhonha, essa concepção do trabalho “pra si” é
marcante por ser algo que se deparam desde crianças, são homens e mulheres que em
sua maioria nasceram no sítio, seus pais os criaram com o trabalho na roça, em sua

15
própria propriedade com a participação da família. No sítio camponês o trabalho é
compatível com a vida, caminham juntos.
Cabe lembrar as considerações de Thompson (1998) sobre a questão de como os
camponeses que estudara lidam com o tempo. De acordo com o autor:

A notação do tempo que surge nesses contextos tem sido descrita


como orientação pelas tarefas. Talvez seja a orientação mais eficaz
nas sociedades camponesas, e continua a ser importante nas atividades
domésticas e dos vilarejos. [...] É possível propor três questões sobre a
orientação pelas tarefas. Primeiro, há a interpretação de que é mais
humanamente compreensível do que o trabalho de horário marcado. O
camponês ou trabalhador parece cuidar do que é uma necessidade.
Segundo, na comunidade em que a orientação pelas tarefas é comum
parece haver pouca separação em ter “o trabalho” e “a vida”. As
relações sociais e o trabalho são misturados – o dia de trabalho se
prolonga ou se contrai segundo a tarefa – e não há grande senso de
conflito entre o trabalho e “passar do dia”. Terceiro, aos homens
acostumados com o trabalho marcado pelo relógio, essa atitude para
com o trabalho parece perdulária e carente de urgência (THOMPSON,
1998, p. 271-272).

Os camponeses do Alto Jequitinhonha, conhecem bem as dificuldades e vantagens do


trabalho autônomo, como também conhecem o trabalho “pros outros”. Enquanto na
terra de trabalho “não precisam” se preocupar e até mesmo se esquecem do tempo
marcado pelo relógio, seguindo assim ritmos irregulares de trabalho, mesmo que
existam momentos que o ritmo de trabalho é intenso e estafante, há também os
momentos ociosos. Isso ocorre pelo fato de terem o controle da produção
(THOMPSON, 1998). Diferentemente do que ocorre quando trabalham em terra de
negócio, ou melhor, do agronegócio, trabalho que obedece ao ritmo linear, regular e
contínuo do capital e do capitalismo.

Conclusões

O que ocorre com a prática do trabalho acessório dos camponeses da sub-região do Alto
Jequitinhonha/MG como migrantes temporários é a subordinação real e direta do
trabalho desses camponeses ao capital, pois esses trabalham como assalariados, ou seja,
durante a época do trabalho temporário vivenciam a situação característica da classe
operária.

16
Ao terem que trabalhar como assalariados, os camponeses do Alto Jequitinhonha
aparentam ficar numa posição extremada no que diz respeito a transição de classes, a
linha tênue que divide a classe camponesa da classe proletária, pois eles vivenciam as
duas situações, a do camponês e a do operário, contudo a complexidade dessa dinâmica
configura-se como trabalho acessório, ou seja, não nega o trabalho familiar e sim é o
meio pelo qual é possível sua existência, e ainda acrescentamos que se por hora esses
camponeses vivem a exploração que o capital impõe ao operário, ele assegura o modo
de vida e a reprodução social sua e de sua família.

Notas

1
Não cabe aqui discorrer sobre os contrastes e estigmas da área de estudo, pois o foco desse
artigo é a reprodução social das famílias camponesas do lugar por meio do trabalho acessório,
como assalariados.
2
Ver GRAZIANO, E. e GRAZIANO NETO (1983).
3
Ver também SILVA, M. A. M. (2001)
4
Nos últimos dias foi flagrados mantendo trabalhadores em condições de escravidão o grupo
agropecuário da Fazenda Santa Barbara, no Estado do Pará, sob o controle da família do
banqueiro Daniel Dantas. “A irmã do banqueiro Daniel Dantas, Verônica Dantas, seu ex-
cunhado, Carlos Bernardo Torres Rodenburg, e o ex-diretor do Grupo Opportunity, Rodrigo
Otávio de Paula, são os responsáveis pela fazenda onde foram libertadas cinco pessoas em
situação análoga à de escravos no Pará. Entre os resgatados estava um adolescente de 16 anos
que construía cercas manuseando instrumentos cortantes, tarefa que consta na lista de piores
formas de trabalho infantil da Organização Internacional do Trabalho (OIT)”. (Fazenda com
escravos é controlada por família de Daniel Dantas. Disponível em:
http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=7012&Ite
mid=47)
Condições também encontradas em obra pública no Estado de São Paulo, onde trabalhadores
migrantes estavam submetidos a condições de escravidão. “Devido à precariedade de moradias
e meio ambiente de trabalho, os fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego fizeram o resgate
dos migrantes, vindos do Maranhão, Piauí e Ceará. As irregularidades chegaram ao
conhecimento do MPT por meio de denúncia do Sindicato dos Trabalhadores da Construção
Civil de Bauru, relatando que há dois meses dezenas de migrantes eram submetidos a péssimas
condições de trabalho”. (Ministério Público flagra 50 trabalhadores em condições de escravos em
obra da CDHU no interior de SP. Disponível em: http://noticias.r7.com/sao-
paulo/noticias/ministerio-publico-flagra-50-trabalhadores-em-condicoes-de-escravos-em-obra-da-
cdhu-no-interior-de-sp-20120420.html)
5
Silva (1999) faz a leitura do “bóia-fria”: “[...] trabalhador volante, eventual, banido da
legislação. O "bóia-fria" é duplamente negado, enquanto trabalhador permanente e enquanto
possuidor de direitos. Negam-lhe até o direito de ser trabalhador. Imprimem-lhe a nominação de
"bóia-fria", sentida como vergonha, humilhação, tal como as frases em epígrafe demonstram.
Arrancam-lhe não só a roça, os animais, os instrumentos de trabalho. Desenraízam-no. Retiram-

17
lhe, sobretudo, a identidade cultural, negando-lhe a condição de trabalhador” (SILVA, 1999, p.
66).
6
ENTREVISTA. Entrevistado I, Mirandópolis, Alojamento São Joaquim, 16/09/2011.
7
ENTREVISTA. Entrevistado II, Mirandópolis, Alojamento São Joaquim, 16/09/2011.
8
ENTREVISTA. Entrevistado I, Mirandópolis, Alojamento São Joaquim, 16/09/2011.
9
Idem.
10
ENTREVISTA. Entrevistado II, Mirandópolis, Alojamento São Joaquim, 16/09/2011.
11
ENTREVISTA. Entrevistado III, Mirandópolis, Alojamento São Joaquim, 09/10/2011.
12
ENTREVISTA. Entrevistado I, Mirandópolis, Alojamento São Joaquim, 16/09/2011.
13
A produção desses camponeses está praticamente voltada para subsistência.
14
Sabemos que para ocorrer, a compra e venda da força de trabalho deve ser feita através de
uma relação entre iguais, assim a lei igualizou juridicamente os trabalhadores e os donos do
meio de produção para cumprir as relações de produção. Como chama a atenção Silva (1999, p.
76) “A equalização pressupõe, mutatis mutandis, uma relação jurídica, que é uma condição
geral de uma relação social de produção”.
15
ENTREVISTA. Entrevistado I, Mirandópolis, Alojamento São Joaquim, 16/09/2011.
16
ENTREVISTA. Entrevistado II, Mirandópolis, Alojamento São Joaquim, 16/09/2011.

Fontes orais (entrevistas)

Mirandópolis/SP, Alojamento Fazenda São Joaquim.

ENTREVISTA. Entrevistado I. 16/09/2011 – Acervo pessoal: Bersani, A. R. S.


ENTREVISTA. Entrevistado II. 16/09/2011– Acervo pessoal: Bersani, A. R. S.
ENTREVISTA. Entrevistado III. 09/10/2011– Acervo pessoal: Bersani, A. R. S.

Referências

ESTERCI, Neide. A dívida que escraviza. In: CPT Trabalho Escravo no Brasil
Contemporâneo. São Paulo: Royola. 1999, p. 101-125.

FAZENDA com escravos é controlada por família de Daniel Dantas:


http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=7
012&Itemid=47 (acesso em: 09/04/2012).

GARCIA Jr, Afrânio R. Terra de Trabalho: trabalho familiar de pequenos produtores.


1975. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) - Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro.

18
MARTINS, José de S. O vôo das andorinhas: migrações temporárias no Brasil. In: Não
há terra para se plantar neste verão. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1988, p. 43-61.

________________. A aliança entre capital e propriedade da terra no Brasil: a aliança


do atraso. In: O poder do atraso. Ensaios de sociologia da história lenta. São Paulo:
Hucitec, 1994.

MARX, Karl. Trabalho estranhado e propriedade privada. In: Manuscritos econômico-


filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2008, pp.79-90.

MENEZES, Maria Aparecida de. Migrações: uma experiência histórica do campesinato


do nordeste. In: Diversidade do campesinato: expressões e categorias. Vol. 2, São
Paulo: Editora UNESP, 2009.

MINISTÉRIO Público flagra 50 trabalhadores em condições de escravos em obra da CDHU


no interior de SP. Disponível em: http://noticias.r7.com/sao-paulo/noticias/ministerio-
publico-flagra-50-trabalhadores-em-condicoes-de-escravos-em-obra-da-cdhu-no-interior-de-
sp-20120420.html (acesso em: 20/04/2012).

OLIVEIRA, A. U. A Agricultura Camponesa no Brasil, 1996.

SILVA, Maria Aparecida de Moraes. Errantes do fim do século. Fundação Editora da


UNESP, São Paulo, 1999.

___________________. A terra no imaginário dos migrantes temporários. In: Revista


História Oral, N. 4, junho de 2001, p. 103-120.

TAVARES DOS SANTOS, José Vicente. Colonos do vinho: Estudo sobre a


subordinação do trabalho camponês ao capital. 2ª Ed. São Paulo: Hucitec, 1984.

THOMPSON, Edward Palmer. Tempo, disciplina de trabalho e o capitalismo industrial.


In: Costumes em comum. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

WOORTMANN, K. “Com Parente Não se Neguceia”. O Campesinato Como Ordem


Moral. Anuário Antropológico, n.87. Brasília: Editora UnB, 1990.

19

Вам также может понравиться