Академический Документы
Профессиональный Документы
Культура Документы
No espaço entre o eu e o outro cabe uma imensidão. Ou não cabe. Cabe o som que
nos rodeia. Também cabe o silêncio. Cabe só um apartamento. Cabe o sertão inteiro.
Cabe um Brasil que já não cabe em si. Ou não cabe. Cabe um cachorro no quintal.
Cabe um mar com tubarão. Ou apenas uma colônia de cupins a corroer memórias.
Cabe uma canção. Um céu cheio de estrelas. Cabe uma distância daquelas que só se
percorre com a velocidade de um disco-voador. E quando percorrida, deixa de
caber. Não nos cabe.
Mas tudo isso cabe nos filmes do diretor pernambucano Kleber Mendonça Filho (“O
Som ao Redor” e “Aquarius”), que possuem o tema do espaço como um elemento em
comum. E assim também ocorre com “Bacurau”, novo filme de KMF codirigido por
Juliano Dornelles, que recebeu o Prêmio do Júri no Festival de Cannes deste ano e já
A pode
Carta ser visto
Maior, foi nos cinemas
fundada brasileiros.
em 2001. Era o início da rede mundial de computadores no Brasil. O
Facebook foi lançado em 2004, o YouTube em 2005 e o Twitter, em 2006. No dia 28 de janeiro de
2020 completaremos 19 anos. O GOLPE de 2016, nos atingiu violentamente, quase nos levando ao
Há muito mais que estrelas, satélites e objetos não-identificados no universo com o
desaparecimento. Porém, nossos leitores não permitiram que isso ocorresse e nos trouxeram até aqui.
qualprecisamos
Agora Bacurau se abre. criando
avançar, Para além doformas
outras espaçodesideral, os espaços físicos do
comunicação.
Semacrocosmo
você valoriza oretratado porCarta
que obtém da umaMaior
visãoeda Terra
quer mais,nada eurocêntrica
junte-se e dodoação,
a nós com uma microcosmo
para que
possamos crescer e fazer o jornalismo que é necessário e que os próximos
caracterizado pelo vilarejo do sertão de Pernambuco que dá nome ao filme anos nos exigirão. Doe 1 real
por dia (R$30,00 mês) e se puder doe mais. Precisamos de todos.
expressam, quase como uma metáfora ou alegoria, os espaços culturais, sociais e
históricos que tomarão conta da narrativa do filme.
Bacurau é sobre o sertão, mas, como bem notou Guimarães Rosa, “o sertão é do
tamanho do mundo”. Assim, Bacurau não deixa de ser sobre o nordeste brasileiro,
sobre a riqueza e complexidade de sua formação cultural e humana, mas o nordeste
está sobretudo na linguagem que o filme adota para contar uma história tão
universal quanto sua cena de abertura. O sertão é do tamanho do mundo porque a
partir dele e com ele é possível interpretar e compreender a história da nossa
civilização no âmbito da luta por espaço, da afirmação e preservação de espaços,
nos mais diversos sentidos da palavra. Cabe um mundo todo em Bacurau.
Assim, Bacurau retrata uma história cíclica. Vai de Canudos à Guerra do Vietnã,
passando pelo Gueto de Varsóvia. E vai também de Pernambuco a São Paulo, de
Manaus ao Rio de Janeiro. Vai, mesmo sem ir. Bacurau está aqui do nosso lado,
mesmo estando distante. Bacurau é sobre a Maré, sobre Eldorado dos Carajás, sobre
as reservas indígenas, sobre quilombos, sobre colonização, é sobre a população em
situação de rua no centro de São Paulo, sobre movimentos sociais e revoltas
populares. É, mesmo sem ser. E é também sendo. É sobre violência
institucionalizada, território, identidade, autodeterminação e resistência.
Como pensado pelo filósofo italiano em seu Projeto Homo Sacer – que nomeia o
conjunto de sua obra recente –, biopolítica e estado de exceção são fenômenos
correlatos, re�exos e, em certo ponto, dependentes um do outro, sendo que o
produto dessa relação é o espaço do campo, produtor de vida nua, onde reside a
figura histórica e completamente atual do homo sacer, o indivíduo entendido como
matável e insacrificável e que está ligado à imposição do poder soberano.
Com isso, conforme o filósofo, no caso do homo sacer uma pessoa é simplesmente
posta para fora da jurisdição humana sem ultrapassar para a divina, configurando-
se, pelo banimento, uma zona de indeterminação na qual a vida sacra ou vida nua
se caracteriza. Assim, para Agamben, “Soberana é a esfera na qual se pode matar
sem cometer homicídio e sem celebrar um sacrifício, e sacra, isto é, matável e
insacrificável, é a vida que foi capturada nesta esfera”. A vida nua ou vida sacra
constitui, assim, o conteúdo primeiro do poder soberano.
Assim, o fenômeno do campo retratado por Agamben pode ser verificado pelo
esquecimento, abandono e marginalização de determinados territórios pelo Estado
dito Soberano, deixando-os a toda sorte, sem qualquer tipo de proteção e garantia
de qualquer direito, conferindo aos indivíduos que ali residem a vida sacra, a
condição de homo sacer e, como tais, matáveis e insacrificáveis. Mesmo não tendo
cometido nenhum crime, já estão banidos da sociedade civil e dos seus ritos de toda
espécie, inclusive, como não poderia deixar de ser, do devido processo legal. Eis a
insacrificabilidade. A vida dos que residem no campo não é (na visão do Soberano)
um bem jurídico a ser protegido, logo, quem os mata não recebe qualquer tipo de
punição. Eis a matabilidade. Eis o estado de exceção como paradigma de governo.
E nesse ponto ocorre uma das grandes ideias do roteiro, que passa a trabalhar
ainda mais com uma distopia de dimensões propositadamente não esclarecidas.
Várias hipóteses surgem no pensamento de quem assiste o filme: seria um jogo ou
uma invasão? Uma guerra civil ou atração turística? Institucionalizado ou
individualizado? Público ou privado? Política de Estado ou exploração comercial?
Mas a distopia que atingirá o Brasil em um futuro próximo também está na
impossibilidade dessas distinções.
O que ocorre em Bacurau não precisa ser uma coisa ou outra, o que ocorre em
Bacurau pode ser tudo isso ao mesmo tempo. Em Bacurau, assim como a água, a
repressão do Estado é também privatizada ou, ao menos, concedida, terceirizada e,
com isso, transformada em mercadoria e em espetáculo. Talvez seja esse também o
motivo das execuções públicas no Vale do Anhangabaú, da qual temos
conhecimento por uma notícia na TV. O que pode também explicar o sistema de
pontos entre os “jogadores” como um mero cumprimento de metas para o
recebimento de bônus no final do mês.
Contra esse poder Soberano produtor de exceção, de vida nua, Bacurau retoma a
soberania no sentido original da palavra, defendendo o direito à autodeterminação
de seu povo e estourando em mil pedaços qualquer pensamento (ou não-
pensamento) de quem pretende subjugar a sua gente. Cansados de tomarem
naquele lugar, eles deixam de lado o supositório inibidor de humor dado pelo
Estado para produzir uma sociedade apática e escolhem tomar a pílula de Damiano,
um poderoso psicotrópico. Bacurau decide, assim, pela autodeterminação em
detrimento do marasmo.
No entanto, apesar dos esforços de Malcolm X para nos lembrar que não se deve
confundir a reação do oprimido com a violência do opressor, mais uma vez a
história da nossa civilização tristemente nos ensina que o direito à resistência e à
desobediência civil é rotulado como mera violência por aqueles que pretendem
manter o monopólio da força enquanto repelem qualquer possibilidade de diálogo e
se utilizam de uma real violência mascarada de juridicidade ou missão divina para
impor sua dominação ao outro.
Não devemos cometer o mesmo erro com o filme. Não se deve reproduzir uma das
falas finais de Michael. Seria incorreto classificar Bacurau como violento. Há um
certo paradoxo: quando “Bacurau” se torna graficamente mais violento, ele passa a
ser, na verdade, menos violento.
Bacurau é resistência. Um filme de ficção, mas que poderia ser todo montado com
cenas da história e da realidade atual, essas que são exibidas todos os dias nos
telejornais ou que nos deparamos nas esquinas de nosso cotidiano. Bastaria fazer
A Carta Maior, foi fundada em 2001. Era o início da rede mundial de computadores no Brasil. O
pequenas adaptações, como trocar uma lanterna por um guarda-chuva, por
Facebook foi lançado em 2004, o YouTube em 2005 e o Twitter, em 2006. No dia 28 de janeiro de
exemplo.
2020 E nem será
completaremos preciso
19 anos. revogar
O GOLPE a Constituição
de 2016, de 1988 para isso,
nos atingiu violentamente, quase onos
estado deao
levando
exceção já basta.
desaparecimento. Pornossos
Porém, vezes,leitores
é difícil
nãoperceber
permitiramseque
estamos diantee nos
isso ocorresse de um droneaté
trouxeram ouaqui.
de
Agora precisamos avançar, criando outras formas de comunicação.
um disco-voador (nem todos temos a clareza de Damiano).
Se você valoriza o que obtém da Carta Maior e quer mais, junte-se a nós com uma doação, para que
possamos crescer e fazer o jornalismo que é necessário e que os próximos anos nos exigirão. Doe 1 real
por dia (R$30,00 mês) e se puder doe mais. Precisamos de todos.
A opção pela ficção, contudo, permite a entrega de um final aparentemente
esperançoso, mas que não sabemos até quando durará se levarmos em consideração
a história dos levantes populares que aconteceram em nosso país e no mundo. Por
ora, ao menos na ficção, não temos um final em que um governante chega eufórico
ao vilarejo dando pulos e socos no ar para comemorar a morte dos cidadãos.
Assim como há momentos em que temos que nos esforçar para distinguir se uma
cena de Bacurau é real ou apenas ficção, há também momentos da realidade que, se
nos descuidarmos, pensaremos ser apenas uma cena delatada de Bacurau, um final
alternativo que não foi utilizado no filme. Talvez a escolha da pílula certa nos ajude
com essa distinção. De qualquer maneira, essa simbiose que ocorre na mente de
quem assiste o filme não deixa de ser um aviso: a distopia chegou. Ou apenas
voltou. Afinal, enterramos vivos os nossos problemas.
Diego Antonio Perini Milão é Mestre em Direito e Justiça pela UFMG e Bacharel em
Direito pela Unesp
Conteúdo Relacionado
A Carta Maior, foi fundada em 2001. Era o início da rede mundial de computadores no Brasil. O
Facebook foi lançado em 2004, o YouTube em 2005 e o Twitter, em 2006. No dia 28 de janeiro de
2020 completaremos 19 anos. O GOLPE de 2016, nos atingiu violentamente, quase nos levando ao
desaparecimento. Porém, nossos leitores não permitiram que isso ocorresse e nos trouxeram até aqui.
Agora precisamos avançar, criando outras formas de comunicação.
Se você valoriza o que obtém da Carta Maior e quer mais, junte-se a nós com uma doação, para que
possamos crescer e fazer o jornalismo que é necessário e que os próximos anos nos exigirão. Doe 1 real
por dia (R$30,00 mês) e se puder doe mais. Precisamos de todos.
(https://www.cartamaior.com.br/includes (https://www.cartamaior.com.br
Liberação e contradição
/controller.cfm?cm_conteudo_id=45188) Pobres
/includes
moços
/controller.cfm?cm_conteudo_id=45175
uma vibrante
inconveniência
A Carta Maior, foi fundada em 2001. Era o início da rede mundial de computadores no Brasil. O
Facebook foi lançado em 2004, o YouTube em 2005 e o Twitter, em 2006. No dia 28 de janeiro de
2020 completaremos 19 anos. O GOLPE de 2016, nos atingiu violentamente, quase nos levando ao
QUEM SOMOS | CONTATO | EXPEDIENTE
desaparecimento. Porém, nossos leitores não permitiram que isso ocorresse e nos trouxeram até aqui.
Agora precisamos avançar, criando outras formas de comunicação.
Se você valoriza o que obtém da Carta Maior e quer mais, junte-se a nós com uma doação, para que
possamos crescer e fazer o jornalismo que é necessário e que os próximos anos nos exigirão. Doe 1 real
por dia (R$30,00 mês) e se puder doe mais. Precisamos de todos.