Академический Документы
Профессиональный Документы
Культура Документы
PROGRAMA DE MESTRADO
EM CULTURA VISUAL
I S S N 1 6 7 9 - 6 74 8
V. 8, n.1 Jan-Jun/2010
UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
Reitor
Edward Madureira Brasil
Editores
Rosana Horio Monteiro
Conselho Editorial
Irene Tourinho
José César Clímaco
Raimundo Martins
Paulo Menezes
Conselho Científico
Ana Claudia Mei de Oliveira (PUC-SP, Brasil) / Belidson Dias (UnB) / Fernando
Hernández (Universidad de Barcelona) / Flavio Gonçalves (UFRGS, Brasil) / Françoise
Le Gris (UQAM, Canadá) / Juan Carlos Meana (Universidade de Vigo) / Kerry Freedman
(Northern Illinois University, EUA) / Margarita Schultz (Universidade Nacional do
Chile, Chile) / Maria Luísa Távora (UFRJ, Brasil) / Mauro Guilherme Pinheiro Koury
(UFPB, Brasil).
Semestral
Descrição baseada em V.8, n.1
ISSN: 1679-6748
1. Artes Visuais – Periódicos I. Universidade Federal de Goiás.
Faculdade de Artes Visuais II.
Título.
CDU: 7(05)
Créditos
Capa: Autor: Cleber Gouvêa
Programação visual: Márcio Rocha
Fotografia: Paulo Rezende
Direçao de arte: Márcio Rocha
Projeto gráfico: Márcio Rocha
Editoração: Cátia Ana Baldoino da Silva
Revisão: Mariana Capeletti Calaça
APRESENTAÇÃO:
Raimundo Martins 06
CONFERÊNCIA DE ABERTURA:
Transterritórios: campo da arte e internet
Maria Amélia Bulhões 11
Intromissão e invisibilidade em
experimentações artísticas com radiação
eletromagnética
Fabio Fon
161 Soraya Braz
ENSAIO VISUAL
Cleber Gouvêa 238
PAINÉIS 252
Raimundo Martins 1
6 VISUALIDADES
Os artigos publicados não expressam a opinião da revista e,
portanto, são da responsabilidade dos respectivos autores, mas,
como evidência do avanço da pesquisa na área, sinalizam um
momento da trajetória de consolidação do Seminário. Assim, é
com prazer que partilhamos este número da Visualidades com a
comunidade das artes visuais.
Apresentação 7
CONFERÊNCIA DE ABERTURA
Transterritórios: campo da
arte e internet
Resumo
Palavras-chave:
Arte contemporânea, sistema
da arte, internet
Keywords:
Contemporary art,
art system, internet
12 VISUALIDADES
O circuito globalizado da arte contemporânea distribui-se por
bienais e grandes mostras que, em nível mundial, atraem um
público específico de especialistas (artistas, curadores, críticos,
colecionadores e marchands) que circula acompanhando esses
eventos. Cada um deles tem a função de construir um ponto de
fusão e tensão entre esse circuito internacional e os públicos
locais. Assim, o lugar da arte não é algo que existe em si, ele é
uma tarefa, uma territorialidade construída, em que pontos de
convergência e uma consciência de pertinência se criam, e as
fronteiras não são somente limites e separações, são também
espaços de trocas, articulações e permeações.
14 VISUALIDADES
Entretanto, foi percorrido um largo caminho no estabelecimento
de seus estatutos institucionais, com a instauração das academias e
dos museus de belas artes (na Itália, em 1585, na França, em 1648).
Somente na segunda metade do século XVIII, foram formuladas
suas estruturas teóricas, com a criação das disciplinas de Estética,
por Alexander Baumgarten (1714-1762), e História da Arte, por Jo-
hann Winkelman (1717-1768), e da atividade de Crítica de Arte, por
Denis Diderot (1713-1784)4 .
Com essa rede de relações, estabeleceu-se o sistema da arte, qual
seja: “... o conjunto de indivíduos e instituições que produzem,
difundem e consomem objetos e eventos por eles mesmos de-
finidos como artísticos e determinam os critérios da Arte para
toda uma sociedade em determinada época”. 5 Essa categoriza-
ção estabelece padrões de classificação superiores para as obras
de arte, definindo como artesanato ou artes menores as demais
produções que ficam fora desse sistema. Assim, pode-se afirmar
que arte é um atributo que instaura o valor de determinados ob-
jetos ou eventos e que o mesmo é arbitrado através de um siste-
ma de instituições e indivíduos.
<http://www.aftersherrielevine.ccm>
Michael Mandiberg, 2001. EUA
16 VISUALIDADES
blemáticas importantes do mundo contemporâneo de ordem tanto
local como global, abordando questões muito diversas que abarcam
a esfera pública e o domínio das individualidades.
<http://www.moma.org - EUA>
18 VISUALIDADES
<http://www.zexe.net> <http://www.megafone.net/SAOPAULO> Antoni Abad, Eugenio
Tisselli,
20 VISUALIDADES
prensa de arte propõem um mundo sem território, onde todos
os signos se misturam e acabam por parecer um único, no inte-
rior do qual fica difícil se reconhecerem as diferenças.
Resumo
Palavras-chave:
Arte, real, social
Keywords:
Art, real, social
26 VISUALIDADES
O cumprimento da praxis artística faz-se através de três elemen-
tos fundamentais: autoria, obra e recepção. Contudo, qualquer aná-
lise ao campo de actuação da arte torna evidente que a importância
e relevância dada a cada um destes três elementos é variável. Essa
variabilidade está obviamente relacionada com factores inerentes
aos propósitos artísticos, mas também com o contexto social, histó-
rico, político e económico, pelo que cada momento histórico teve,
neste aspecto, determinado relacionamento dominante.
28 VISUALIDADES
É assim notório que as práticas artísticas assentes nestes pres-
supostos traduziram, desde as suas origens históricas, uma pre-
disposição de relacionamento físico com o real. Essa predispo-
sição, presente logo no início do século, com a inserção de ob-
jectos e fragmentos do quotidiano nas obras de arte, manteve-se
operante, quando, nos finais dos anos 50, a obra de arte atingiu
o seu ponto culminante de desmaterialização, constituindo-se
como experiência física e táctil, como vivência imediata.
30 VISUALIDADES
genéricos ou triviais. A instalação termina com a capa do mês de
Agosto de 1994, quando a Newsweek destaca pela primeira vez o
genocídio ruandês, que já contava com cerca de um milhão de
pessoas mortas. O artista não precisou de acrescentar nada ao
conteúdo da obra nem criou qualquer imagem nova. O seu tra-
balho consistiu em compilar determinados elementos no mes-
mo dispositivo que juntos, assumiram um discurso específico.
Esta abordagem da arte assenta as suas raízes no solo de uma
era que se define de pós-colonialista e que, enquanto tal, pro-
cura encontrar espaço para a criação de relações interculturais e
intersociais que, muitas vezes, não passam de posicionamentos
teóricos. Mas é nesse espaço que cresce a vontade artística de
trazer à luz o que não é mostrado, pontos de vista focalizados no
cenário diacrónico das nossas sociedades, a partir do principio
da alteridade.
32 VISUALIDADES
racterística de ser financiado por instituições culturais onde são
expostas as imagens, vídeos e outros materiais resultantes do
trabalho desenvolvido por estes grupos e às quais se associam
obras realizadas por outros artistas. Antoni Abad, numa entre-
vista, foi claro quanto aos seus objectivos: “O que estou fazen-
do é desviar fundos que estão destinados à arte e à cultura para
outro território, mais social, no qual certos colectivos possam
auto-representar-se. Eu tenho a possibilidade de fazer isso por-
que tenho uma trajectória como artista. Então, quando recebo
convites para fazer projectos, proponho esses experimentos”.6 A
questão que estes projectos colocam para a arte, está expressa
nas palavras do artista. Ele afirma que quando recebe convites
de instituições artísticas para desenvolver um projecto, as desvia
para outro território, que é o social. Mas, ao fazê-lo, arte e social
transformam-se no mesmo território.
34 VISUALIDADES
que consiste em transformar a arte num ponto de encontro. Na
Bienal de Veneza de 1993, o artista apresentou Aperto, uma obra
que consistiu em montar um espaço improvisado semelhante a
uma cozinha, onde estavam um fogão com água permanente-
mente ao lume e várias caixas de sopa chinesa desidratada. O
público era convidado a entrar nesse espaço, preparar a sopa que
aí lhe era oferecida e estabelecer um convívio tanto com o artista
como com as restantes pessoas que ali estivessem. Este projecto,
tal como muitos outros definidos no contexto da arte relacional,
teve como objectivo criar um espaço pontual de interactividade
e comunicação entre os presentes.
Referências bibliográficas
ABAD, Antoni (2007). ‘Entrevista com Antoni Abad’. In Antropos-
moderno (Consult. 02-04-2010). Disponível em <http://www.antro-
posmoderno.com/antro-articulo.php?id_articulo=1165>
FOSTER, Hal. The Return of the Real. 3.ª ed. Mass/London: The
MIT Press, 1999, 299 p.
36 VISUALIDADES
PEREZ, Miguel Von Hafe. Anamnese: O livro. Porto : Fundação Ilí-
dio Pinho, 2006
PERNIOLA, Mário. A arte e a sua sombra. 1.ª ed. Lisboa: Assírio &
Alvim, 2006, 120 p.
Everardo Ramos
Resumo
Palavras-chave:
Arte popular, gravura popular,
folheto de cordel
Keywords:
popular art, popular
engraving, cordel booklet
40 VISUALIDADES
Recentemente, uma pesquisa de grande extensão trouxe à tona um
tema muitas vezes esquecido pela História da Arte: o da legitimação
artística. Partindo de perguntas como “o que legitima um artista?”
ou “como se dá e o que representa essa legitimação?”, Clarissa Diniz
mostrou de que maneira se formam espaços específicamente “ar-
tísticos” no vasto campo do conhecimento e do fazer humanos, a
partir de variados processos que vão da autolegitimação à legitima-
ção por diferentes instâncias (instituições, mercado, especialistas,
mídia, público, ensino)¹. Revela, portanto, que o conceito de “arte”,
pelo menos no contexto contemporâneo, é tão dependente da idéia
de transcendência das obras e dos artistas, quanto de complexas
relações de ordem social, cultural, política e econômica.
42 VISUALIDADES
na Grande, e João José da Silva, em Recife. Ambos também vendem
suas xilogravuras, apesar destas ainda serem utilizadas nas reedi-
ções dos folhetos. Vale ressaltar que essa transação contrasta muito
com a atitude dos intelectuais de Recife, que sempre tiveram o cui-
dado de devolver as matrizes tomadas de empréstimo aos editores
populares, depois de utilizá-las em suas próprias ações, como tinha
feito Théo Brandão em Maceió. Em uma carta ao organizador da
exposição de Neuchâtel, por exemplo, Abelardo Rodrigues sugere
que seja feita uma plaqueta ilustrada com as obras enviadas de Reci-
fe, mas acrescenta: “Pediria, apenas, a devolução das matrizes, logo
após a impressão, pois os folhetos populares ilustrados por aquelas
xilogravuras ainda estão em franca circulação, sendo frequentes as
pequenas reedições”5. Assim, quando a Universidade do Ceará com-
pra as matrizes dos editores populares, retirando-as de seu meio na-
tural, são bastante criticados pelos intelectuais recifenses 6.
Figura 01
Cartaz da exposição Gravures
populaires brésiliennes, Biblio-
thèque Nationale, Paris, 1961,
50 x 32,5 cm (Col. Museu de
Arte da Universidade do Ceará,
Fortaleza).
Figura 02.
Cartaz da exposição Grabados
populares brasileños, Palacio
de la Virreina, Barcelona, 1962,
49 x 34,5 cm (Col. Museu de
Arte da Universidade do Ceará,
Fortaleza).
cidades da Europa e em Minneapolis, nos Estados Unidos, entre 6. Informação de Lívio Xavier
1961 e 1962, em instituições tão prestigiosas quanto a Bibliothèque Júnior, um dos funcionários
da Universidade do Ceará envol-
Nationale de Paris, o Palacio de la Virreina de Barcelona (Figura 01 vidos na questão, em entrevista
e 02), o Museu de Arte Contemporáneo de Madri e o Kunstmuseum realizada em 2000.
44 VISUALIDADES
cordel da primeira metade do século XX, suas origens se encon-
tram em outros tipos de impressos, bem mais antigos. De fato,
como pudemos demonstrar em outros estudos, essa gravura
surge nos jornais e nas revistas do século XIX, onde já apresen-
ta muitas características das futuras ilustrações de cordel, seja
em termos de técnicas, de formas ou de princípios de criação.
Quando os artistas e intelectuais “descobrem” as imagens dos
folhetos, acreditam, porém, que estão diante de algo completa-
mente novo, esquecendo de explorar com mais cuidado o que
poderia ser anterior. Na verdade, para se compreender verda-
deiramente a gravura popular, é preciso inseri-la na vasta e com-
plexa história das ilustrações de impressos de grande circulação,
que começa com os primórdios da imprensa brasileira, na pri-
meira metade do século XIX 9.
Figura 04 - Folheto de cordel com zincogravura atribuída a Antônio Avelino da Costa: Peleja de
Laurindo Gato com Marcolino Cobra Verde, Juazeiro do Norte, Tip. São Francisco, 1951, c. 15 x 11
cm (col. Biblioteca Central Zila Mamede-UFRN, Natal).
46 VISUALIDADES
péssimas reproduções de fotos tiradas de revistas de cinema, ou
de oleogravuras sulpicianas (MACHADO, 1960 p.6).
48 VISUALIDADES
Figura 08 - Xilogravura de João Pereira da Silva para folheto religioso não identificado, 8,5 x 6,8
cm (col. Geová Sobreira, Brasília).
Figura 09
Folheto de cordel com zincogravu-
ra (fotografia): As grandes aventu-
ras de Armando e Rosa conhecidos
por “Côco Verde” e “Melancia”,
Juazeiro do Norte, Filhas de J.
Bernardo da Silva, 1976, c. 15 x 11
cm (col. Idelette Muzart, Paris).
Figura 10
Xilogravura de Mestre Noza
realizada para folheto de amor não
identificado, 9 x 7 cm (col. Geová
Sobreira, Brasília).
50 VISUALIDADES
luxo: esta publicação teria uma enorme repercussão, marcando
uma nova fase na história da gravura popular e na vida de Mestre
Noza, que subitamente se torna famoso no Brasil e no exterior.
Para João Pereira da Silva, no entanto, a situação é exatamente
contrária. Sem produzir novas obras, ele fica de fora do movi-
mento de renovação da xilogravura do Ceará, caindo pouco a
pouco no esquecimento. Não raro, inclusive, seu papel de pio-
neiro da gravura de cordel em Juazeiro do Norte é omitido, em
favor justamente de Mestre Noza13. Assim, enquanto este rece-
be inúmeras homenagens em vida e mesmo depois de morto 14,
João Pereira da Silva vive seus últimos anos, e morre, no maior e
mais injusto dos silêncios.
Duas correntes ideológicas se destacam, então. A primeira é a eru- 13. Liêdo Maranhão de Souza, no-
tadamente, em sua obra pioneira
dição de tipo folclórico, que vive seus momentos de glória no país, sobre as ilustrações de cordel,
com a constituição de um verdadeiro movimento organizado, indica Mestre Noza como o mais
antigo xilógrafo de Juazeiro do
muito vasto e ativo do final dos anos 1940 ao início dos anos Norte, não fazendo nenhuma
1960 15. O primeiro intelectual a se interessar pela gravura po- referência a João Pereira da Silva:
pular é, inclusive, um folclorista bastante implicado nesse mo- cf. Souza (1981). Por consequ-
ência, os pesquisadores que
vimento: Théo Brandão, secretário da Comissão Alagoana de reproduzem os dados deste autor
Folclore, que tem a idéia de imprimir as ilustrações de cordel cometem a mesma omissão: cf.
Iglesias (1992) e Hata (1999).
em folhas soltas, para expô-las durante a Semana Nacional de
Folclore de Maceió, em 1952. Com o apoio dos poderes institu- 14. Veja-se, por exemplo, as
cionais e da mídia, os folcloristas desempenham, assim, um pa- comemorações póstumas pelos
100 anos de Mestre Noza, pela
pel fundamental, não somente na promoção, mas também na Fundação Memorial de Padre
“proteção” das artes populares, em conformidade com a missão Cícero, de Juazeiro do Norte, que
de salvaguarda que eles mesmos se dão. incluiu a publicação de uma
série de estudos sobre o
artista: cf. Tavares (1997).
Ora, as iniciativas que têm por objeto a gravura popular ma-
15. Sobre o movimento
nifestam exatamente o que caracteriza as concepções e as ati- folclórico brasileiro, a obra
tudes de tipo folclórico: a admiração pelas coisas do passado, de referência é Vilhena (1997).
É nesse contexto que surge, a partir do final dos anos 1940, o in-
teresse pela arte popular do Nordeste, em particular por aquelas
categorias que – como a xilogravura rústica – servem para “pro-
52 VISUALIDADES
var” os anacronismos de um Nordeste constantemente associa-
do à Idade Média e, mais ainda, a uma Idade Média por si só
bastante estereotipada, já que considerada modelo de civiliza-
ção “pura” e “autêntica”, em oposição à civilização “capitalista” e
“tecnicista” que surge com a Idade Moderna 17.
Referências bibliográficas
(s.a.). Arte Brasileira em Portugal. Módulo. Revista de Arquitetura
e Artes Visuais no Brasil. Rio de Janeiro, ano VIII, n° 28, p. 49,
março de .
54 VISUALIDADES
DINIZ, Clarissa. Crachá: aspectos da legitimação artística (Re-
cife-Olinda, 1997 a 2000). Recife: Fundação Joaquim Nabuco,
Editora Massangana, 2008.
TAVARES, Íris (org.). Cem anos de Mestre Noza. Arte que o tem-
po não sucumbiu. Juazeiro do Norte, Fundação Memorial de
Padre Cícero, 1997.
56 VISUALIDADES
Everardo Ramos
É historiador da arte, formado pela Université de Franche-Comté
(França). Possui Mestrado pela mesma universidade e Doutorado
pela Université Paris X – Nanterre (França), onde defendeu uma
tese sobre a gravura popular brasileira. É autor de Du marché au
marchand. La gravure populaire brésilienne, catálogo da exposi-
ção apresentada no Musée du Dessin et de l’Estampe Originale de
Gravelines (França, 2005), de que também foi curador. É Professor
Adjunto e Coordenador do Curso de Artes Visuais da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, em Natal.
E-mail: everardoramos@gmail.com
57
Elementos iconográficos da carta
do louco no tarô: Jacquemin
Gringonneur, Visconti Sforza,
Mantegna, Mitelli, Noblet
Resumo
Palavras -chave:
Loucura, tarô, iconografia
Keywords:
Madness, taro, iconography
60 VISUALIDADES
Uma das cartas presentes no Tarô é a carta referente ao Louco.
Os primeiros Tarôs surgiram entre o final da Idade Média e o iní-
cio do Renascimento e apresentam imagens em suas cartas que
condensam formas de compreesão da loucura no período, bem
como refletem padrões de construção presentes nesta época.
62 VISUALIDADES
mente este recurso na descrição do ambiente abstrato, lumi-
noso da ordem divina. Por outro lado, a existência de ambien-
tação em praticamente todas as cartas, revela o interesse de
aproximação desta narrativa ao plano do terreno/mundano,
interesse este que constituiu um dos elementos fundamentais
do humanismo renascentista. A coexistência, referindo expli-
citamente às duas primeiras cartas, de elementos do divido e
de uma contextualização mundana foi recorrente entre os pré-
renascentistas, como A Adoração dos Magos 3 de Giotto (1266-
1337) e em a Crucificação 4 de Masaccio (1401-1428) de c.1426.
...tradition; one that originated in the Feast of Fools and, more par-
ticularly, in the secular Sociétés Joyeuses of France, Germany and
the Low Countries […]. In their adoption of the eared hood, they
appear to have been in touch with a surviving traditions of the cen-
tunculus: the costume worn by Roman mimic fools which featured
asses´ ears and a curiously shaped hood with falling peak that may
have suggested a coxcomb (SOUTHWORTH. 1998, p.208).
64 VISUALIDADES
Arthur, Lancelot em Corbenic e Tristan em Tintagel. A figura
do bobo está também relacionada ao personagem Till, Desde
66 VISUALIDADES
Giotto, na série de afrescos realizada em 1306 na Capella Scro-
vegni (Capela Arena) em Pádua, há um dos vícios referente à
loucura. Nesta é apresentado um home, jovem, sem calças, com
uma coroa de penas e um bastão.
68 VISUALIDADES
books as these began to circulate more widely in the sixteenth
century…” (SOUTHWORTH. 1998, p. 209).
Considerações Finais
O louco foi uma figura que habitou as cidades estado em for-
mação no final da Idade Média e viveu nela a custa de carida-
des, sendo, por estar nas ruas, presença constante nas procis-
sões religiosas, reais e teatrais. Mas era visto como uma sub-
classe, uma subespécie, ao qual eram dados restos, em quem
se batia e ridicularizava. Loucos e bobos, como as crianças,
não eram moralmente considerados como responsáveis por
seus atos, sendo puros e, portanto, exemplos de devoção. Fruto
desta forma de compreensão é que existem algumas imagens
do século XII nas quais o louco enfrenta a morte, na Dança
dos Mortos (alegorias nas quais as pessoas são confrontadas
moralmente com suas ações em vida) com impunidade.
Desta forma o louco é descrito nestas cartas sempre com uma ri-
queza e densidade, muitas vezes ambíguas, de decodificações.
Nesta ambivalência será identificada “...contradictory asso-
ciations of madness with sanctity, heroism, or genius on one
hand, and with illness, deviance, and sin on the other: an am-
bivalence that has persisted throughout Western culture from
antiquity to the present day” (HUOT. 2003, p.1).
70 VISUALIDADES
Estas representações, no seu conjunto, descrevem o loucoco-
mo um caminhante ou andarilho que carrega junto a si um
bastão ou vara, na qual por vezes haverá um fardo ou fole. Há
nesta figura algo de jocoso e descomprometido, alegre, leve
mesmo aéreo, trazendo a girella a aproximação à criança que
brinca e também frente aos pecados inocente. Esta ência é a
que permite que se aproxime do que está além, podendo ver a
imagem de Deus.
Mas sua atitude deve ser vista com cautela, pois na ignorância/
inocência aos bobos puros ou nas artimanhas ao bobo profis-
sional, contra a ordem; podendo ser desadequado em relação
às normas sociais, como em sua vestimenta, calçando apenas
um dos sapatos, em sua nudez, no ingerir da hóstia.
Referencias Bibliográficas
BIBLIA Sagrada. Salmo 53 em <http://www.tiosam.net/Bi-
blia/biblia.asp?livro=19&capitulo=53&NomeLivro=Salmos>(a
cesso 17 03 2009)
72 VISUALIDADES
WIRTH, Oswald. Le Tarot des imagiers du Moyen Age. Paris:
Tchou, 1996.
Resumo:
Palavras-chave:
Fotografia, cidades, Yepo
Keywords:
Photograph, cities, Yepo
76 VISUALIDADES
Introdução 1
78 VISUALIDADES
mundo de manifestações visuais? Acontece que hoje em dia, em
pleno século XXI, a dinâmica das metrópoles engendra um ho-
mem quase mecanizado, com ideais materialistas e cada vez mais
afastado da percepção estética da cidade e dos valores culturais
e sociais. Muitos seres humanos moram em grandes concentra-
ções urbanas, a paisagem artificial de ruas, edifícios e mobiliário
urbano faz parte do dia a dia do cidadão, mas apesar disso eles
ignoram seu entorno.
80 VISUALIDADES
várias épocas e de diversas ópticas, mas, dado que esse não é o
objetivo principal deste estudo, vamos citar apenas o trabalho
de alguns deles, do qual se pode extrair certo caráter precursor.
82 VISUALIDADES
e silenciosas, as originais composições de Atget, as atmosferas
misteriosas de Brassaï, os momentos efêmeros de Cartier-Bres-
son, os ousados pontos de vista de Abbott, o manejo dos planos
nas monumentais paisagens urbanas de Feininger, a poética da
cor de Fontana, e o jogo de luz de Chambi. Nenhum deles pre-
cisou de manipulação alguma para suscitar essas sensações no
espectador, e é assim que está também construída minha pro-
posta. Todas as imagens de os segredos visíveis da cidade são
produto do respeito ao procedimento puramente fotográfico.
Tento demonstrar com meu trabalho que nada supera um efeito
efêmero que efetivamente aconteceu.
84 VISUALIDADES
os mundos paralelos nas paisagens urbanas. Na base desses enun-
ciados foi conceituada a produção autoral que veremos logo.
A luz é minha guia, por isso vou ao seu encontro nas primei-
ras horas do dia e assisto a cada segundo do ocaso. “Escrever
com luz” significa valer-se do intangível para expressar ideias
em uma fração de segundo. São os momentos em que os objetos
urbanos cobram vida, se revelam ao meu cérebro, pedindo para
86 VISUALIDADES
serem fotografados. No meu trabalho procuro limpeza, equi-
líbrio, impacto visual, eu tenho muita atração pelo enquadra-
mento geométrico seguramente herdado da minha formação
como arquiteto. Raramente uso distâncias focais extremas, com
uma objetiva normal consigo mostrar a essência dos motivos.
88 VISUALIDADES
política temporária em visível processo de deterioração, atuando
como uma tela de rica trama e cálida sensação cromática devido
à gama de matizes amarelas, laranja e vermelho. A marca do tem-
po apagou parcialmente as tintas, deixando bordas acidentadas,
mistura de cores e inúmeras porosidades de vários diâmetros que
imprimem dramáticas texturas.
90 VISUALIDADES
do ano de 2005. O reflexo então tem papel protagonista na
proposta. Eu fascinei-me com o reflexo desde que descobri a
dupla imagem do céu e das montanhas nas lagoas repousadas
dos Andes e nos troços de pedra umedecidos. Não o entendi na
sua verdadeira dimensão até que decidi fotografá-lo. Em ter-
nos concretos, o reflexo não é outra coisa que uma construção
ficcional, um efeito governado pela luz que precisa de certas
condições para ser percebido.
92 VISUALIDADES
acima do nível da praça. Nesse plano aparece, atravessando ao lon-
go da parte inferior do quadro, o reflexo das balaustradas cimeiras
do “Palácio Presidencial”, um prédio do começo do século XIX que
foi reconstruído sobre o solar onde operou o governo da Real Au-
diência de Quito e que hoje também é sede do governo nacional e
residência presidencial.
Nesse nível, estão retidas entre as concavidades das pedras mais Figura 03
Raúl Yépez Collantes [YEPO]
umas pequenas poças de água, que reluzem dentro da atmos- Quito, Praça Maior
fera cinzenta da foto. Essas formas brilhantes acompanham à Fonte: www.yepo-photo.com
poça maior, onde a imagem refletida mostra-se um tanto tre-
mida por causa de um vento sutil que atinge a água na hora de
tirar a foto, o efeito ondulatório, além da vizinhança das outras
poças, ratificam o realismo da cena.
94 VISUALIDADES
mobiliário urbano dos monumentos históricos de Quito. No labi-
rinto entre o possível e o efêmero, as sombras nascem de elemen-
tos fixos, antigos, esquecidos e inertes, mas elas os tornam ativos
por que mudam, caminham, se alongam ou encolhem ao capricho
do movimento do sol. São projeções de linhas ou planos que se
adaptam fielmente às superfícies e adotam seu contorno, se jun-
tando em perfeita harmonia, formas que submissas à sua origem a
descrevem e enfatizam. São infinitas, diferentes, solidárias com a
ação mediadora da luz natural ou artificial que incide na cidade a
cada hora do dia. Uma variação do reflexo que, embora seja visível,
não pode ser tocado. As sombras estão aí e muitas vezes não as
vemos, convivem conosco, mas quase sempre as ignoramos.
Figura 04
Raúl Yépez Collantes [YEPO]
Quito, Convento de São Francis-
co, hall de acesso.
Fonte: www.yepo-photo.com
96 VISUALIDADES
Essa imagem assume de primeira mão um caráter abstrato, de-
vido ao enquadramento fechado e à incerteza dos motivos. Um
recorte reduzido, isolado, do entorno, mostra a proeminência
de linhas orgânicas em uma estrutura compositiva completa-
mente atípica, onde cada elemento atua com força individual
dentro do quadro. A foto direta, captada na fugacidade de um
instante, recria um ambiente tomado pela sombra, mas efusiva-
mente iluminado pela luz intrusa do Sol na hora do levante.
98 VISUALIDADES
sombra é um efeito efêmero, imaterial, que pertence ao mundo do
impalpável. Ao mesmo tempo, nessa primeira instancia intervêm
quatro componentes essenciais, sem os quais simplesmente nada
poderia acontecer: luz, objeto, plano e projeção. Eles cumprem
papéis diferenciados e até contrários aos que respondem tradicio-
nalmente. A luz importa na sua condição de luz incidente como
fundo; o objeto interessa como obstáculo; o plano atua como su-
porte e a projeção como figura.
Referências Bibliográficas:
AUMONT, Jacques. A Imagem. Campinas, SP: Papirus, 1993.
100 VISUALIDADES
CARTIER-BRESSON, Henri. Fotografiar del Natural. Barcelo-
na: Gustavo Gili, 2003.
102 VISUALIDADES
RAÚL YÉPEZ COLLANTES [YEPO]
É arquiteto pela Universidade Central do Equador FAU-UC, profes-
sor da Faculdade de Arquitetura, Design e Artes da Pontifícia Uni-
versidade Católica do Equador PUCE. Mestr e em Cultura Visual
pela Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás.
FAV-UFG. Artista pesquisador no campo da fotografia. Web site:
www.yepo-photo.com.
Email: yepo@yepo-photo.com
Cleomar Rocha
Bruno Galiza
Resumo
Palavras-chave:
Interface, videogame, semiótica
Keywords:
Interface, videogame, semiotics
108 VISUALIDADES
Introdução
A despeito das dificuldades na definição de um conceito único
e imutável, é fato que as interfaces computacionais encontram-
se hoje permeadas e dispostas mesmo em ambientes inusita-
dos ou inovadores dispositivos, executando funções diversas
e, principalmente, possibilitando diálogos convergentes. Na
segunda metade do século XX elas são uma realidade histórica
e integram-se à cultura corrente sob a alcunha de interfaces cul-
turais, que Lev Manovich (2001, p. 354) caracteriza como região
de interseção entre humanos, computadores e a cultura em sen-
tido amplo – tricotomia evidenciada sobretudo pelo fato de o
computador ser, em sua natureza, uma máquina cujo substrato
funcional é o dos sistemas simbólicos. Na argumentação de Ma-
novich muito interessa o fato de, por estarem atreladas a con-
ceitos tão variados quanto tradução, passagem e metamorfose,
as interfaces serem responsáveis por modelar o diálogo entre as
partes que conecta – o autor propõe um apanhado da aproxima-
ção entre usuário/espectador e informação pelo espaço retan-
gular definido, ao qual a língua portuguesa se refere de maneira
global como tela, independente do material a que esse espaço
dê suporte, que se inicia no Renascimento, é revisitado com a
fotografia e o cinema e culmina no computador e sua maneira
própria de representar informações, enfatizando a importância
das dimensões experiencial e informacional, adventos da sedi-
mentação dos objetos baseados em novas mídias.
110 VISUALIDADES
putador exclusivo do Laboratório de Matemática da Universi-
dade de Cambridge, em que o computador é o oponente e todas
as entradas de dados são feitas por meio de um dial semelhante
ao disco telefônico, ao passo que a saída se dá num osciloscópio.
Em 1958 o físico William Higinbotham também utiliza um os-
ciloscópio para criar o que se pretendia uma simples distração
para os visitantes do Laboratório Nacional de Brookhaven em
Nova Iorque, o Tennis For Two, que simula uma partida de tênis:
a cada jogador é permitido apertar um botão sempre que a bola
estiver em seu lado da quadra – vista lateralmente –, de maneira
que a orientação angular – também dada por um disco [knob] –
determina se a bola passa ou não com sucesso pela rede e para a
quadra do adversário, que na observada ausência de um agente
computacional deve necessariamente ser outro usuário. Tanto o
OXO como o Tennis For Two, ao contrário do Cathode-Ray Tube
Amusement Device, vão além da manipulação de elementos me-
cânicos e codificam ações do usuário de maneira que elas sejam
representadas em telas de osciloscópios – também baseadas em
tubos de raios catódicos.
Conformação sintática
No que concerne a sua interface, o videogame tem investido em
uma conformação sintática de modo constante desde sua criação
112 VISUALIDADES
pulação direta de Shneiderman, que o aplica às interfaces que
oferecem “representação contínua, privilegiam ações físicas do
usuário em detrimento das complicadas sintaxes de linguagem
computacional e, por fim, permitem operações rápidas, incre-
mentais e reversíveis por parte do usuário, operações estas que
geram feedback visual imediato” [apud Laurel, 1993]. Donald
Norman identifica como primeira grande aplicação do conceito
o Sketchpad de Ivan Sutherland, produzido nos laboratórios do
MIT em 1963, mas traços fundamentais deste tipo de manipu-
lação podem ser encontrados já em Spacewar: a representação
contínua ocorre sobretudo pela sobreposição do duplo virtual
engelbartiano ao próprio jogo, assentada sempre no reconhe-
cimento do usuário em relação a um ou mais elementos no
ambiente promovido pelo sistema, e representado na interfa-
ce por um avatar ou um cursor. As ações físicas privilegiadas
são verificadas nas interações em tempo real com os objetos
representados no dispositivo de saída que, ao mesmo tempo,
propicia a manipulação direta por meio do que viria a se tornar
o joypad³ – J. C. Herz (1997, p. 230) põe que, à época de Spa-
cewar, ainda não estava claro se os videogames de fato sairiam
dos departamentos de engenharia elétrica onde haviam surgi-
do, problematizando sua condição de mero sistema em relação
ao grau de cuidado dado aos aspectos inerentes ao jogo per se.
Inicialmente o controle de Spacewar era dado por meio da mesa
de controle do PDP-1, o computador em que o programa ha-
via sido escrito e com o qual era executado, mas Herz aponta
episódio em que Steve Russell afirma que rapidamente aqueles
que experimentaram o Spacewar em sua forma original desco-
briram que o esforço no desempenho da atividade era exces-
sivo, haja vista que os comandos não estavam dispostos apro-
priadamente. Os mesmos engenheiros elétricos envolvidos na
criação do jogo propõem então controles com quatro botões
enfileirados que permitiam o controle da nave representada na
tela, numa otimização dos aspectos físicos do processo intera-
tivo (Figura 01). Por fim, Spacewar e sua proposta de controle
também afiliam-se à manipulação direta de Shneiderman em
suas últimas condições: as operações são rápidas – requisito do
jogo –, incrementais – o que alguns anos depois irá repercu-
3. O joypad é o dispositivo de
tir na proposta narrativa inerente ao videogame – e o feedba- entrada do videogame, e uma de
ck visual é sempre imediato – as ações dos jogadores incidem suas mais remarcáveis idiossin-
crasias. Vários dispositivos usam
instantaneamente sobre seus duplos na tela, que ao interagir estruturas já disponíveis, mas
com os elementos computacionais, dão prosseguimento ao em consoles específicos, o joypad
acomoda todos os botões e
jogo. A presença deste duplo, não verificada em nenhum dos alavancas por meio dos quais
predecessores de Spacewar, é fator fundamental na conforma- se joga
Função semântica
A presença do duplo virtual no videogame caracteriza um diá-
logo entre o usuário-jogador e o sistema-jogo, tal que direcio-
namentos semânticos da interface evocam referenciais outros,
estabelecendo então parâmetros que vão orientar a relação en-
tre ambos. Se por um lado o estudo das interfaces é definido
por Brenda Laurel (1990, p. 544) como a busca por respostas à
pergunta “o que o usuário quer fazer?”, que se resolve a priori na
114 VISUALIDADES
instância pragmática, é por meio da análise semântica que nos
ocuparemos de como se encaminhará este processo, definido
por Morris (1976, p. 92) como “a relação dos signos com (...) os
objetos que eles podem denotar ou realmente denotam”.
116 VISUALIDADES
trações ou interpretações não previstas, tem para agir sobre e
a partir de, tão somente os objetos devidamente representados
na tela, e via de regra a partir de seu duplo. Tanto OXO quanto
Tennis For Two carecem deste tipo de relação: a ausência do
duplo em ambos os casos extrai o interator do ambiente gerado
e configura os jogos como baseados em componentes eletrôni-
cos, mas não necessariamente videogames.
Figura 02 - GTA 3 e SimCity 2000: o jogador representado na tela por um avatar e por
um cursor
118 VISUALIDADES
racteriza como o “grau em que um programa enfatiza processos
em detrimento de dados”. Para o caso dos videogames o conceito
é especialmente caro, haja visto que os dados são organizados
e disponibilizados exclusivamente em função de processos que
serão engatilhados continuamente enquanto durar o jogo, tor-
nando o jogador parte fundamental de um sistema dinâmico,
mais do que um observador. Neste sentido, o conceito de ma-
nipulação direta de Shneiderman é expandido por Hutchins et.
al e vincula-se ao conceito de engajamento direto, em que “um
usuário experimenta interação direta com objetos em um con-
texto” (Laurel, 1993, p.227). Da mesma maneira que Roland Bar-
thes associa a pragmática do texto e seus movimentos dialógicos
à sua fruição propriamente dita, o mesmo podemos afirmar da
relação com os videogames: seu encantamento não reside pura-
mente em uma sintaxe elaborada, em direcionamentos semân-
ticos especialmente eficazes ou simplesmente no fato de o jogo
disponibilizar seus processos para a participação de um ou mais
interatores, mas na confluência destas três dimensões num todo
que é maior que suas partes.
Conclusão
Este artigo partiu do princípio de que a historicização dos vide-
ogames enquanto meio tende a ser complexa sobretudo por não
se assentar em parâmetros bem estabelecidos, já que mesmo a
definição de videogame parece ser por vezes um tanto controver-
sa. Tendo em vista este contexto específico, o que se busca é, por
meio do reconhecimento de determinados elementos e estrutu-
ras, levantar alguns conceitos que permitam uma aproximação
mais coerente e, quiçá, uma futura ontologia que permitirá re-
cortes cada vez mais ricos.
Referências bibliográficas
BOGOST, Ian. Persuasive games. 1. ed. Massachusetts: The MIT
Press, 2007. 450 p.
120 VISUALIDADES
Cleomar de Sousa Rocha
É Mestre em Artes pela Universidade de Brasília (1997) e Doutor em
Comunicação e Cultura Contemporânea pela Universidade Federal
da Bahia (2004). É Membro de corpo editorial da Revista VIS (UnB),
Membro de corpo editorial da COMA - Coletivo do Mestrado em
Artes (UnB) e Professor Adjunto da Universidade Federal de Goiás.
Tem experiência na área de Artes, com ênfase em Arte e Tecnologia
da Imagem.
E-mail: cleomarrocha@gmail.com
Cláudia Schulz
Luciana Hartmann
Resumo
Palavras-chave:
Criação, performance, corpo
Keywords:
Creation, performance art, body
124 VISUALIDADES
A Desarmonia das Vísceras
Dramaturgia da Carne. Ampliação e dilatação do corpo no tem-
po e no espaço, horizontalizando a comunhão entre os corpos,
prontos ou não para a vivência da (inter)subjetividade desem-
bocando do aguçamento dos sentidos e instintos. Desafiar os
limites existentes entre o que é meu e o que é seu. Mostrar meu
corpo para você ver o seu.
126 VISUALIDADES
Nesse sentido, Dramaturgia da Carne, desde seu embrião se trata
de um trabalho plural e interdisciplinar, pois procura entrelaçar
e horizontalizar às percepções das diferentes áreas artísticas (te-
atro e artes visuais) assim como ariscar-se no campo da filosofia e
da antropologia para enfatizar ainda mais essa possível relação e
fundamentação na arte efêmera que se perpetua pela suspensão
temporal na memória de cada testemunho.
128 VISUALIDADES
rendo de maneira dinâmica desencadeando novas descobertas de
forma prazerosa e surpreendente. Surpreendente pois, como afirma
Plaza e Tavares (1998, p. 104) , no ato da criação a experimentação
que surge das descobertas e impõem-se como elemento propulsor
do insigh. Na medida em que foi ocorrendo à interatividade entre
meu corpo e as projeções, delineou-se um diálogo entre meu corpo
e com a tecnologia, materializando esta dialética pela concretiza-
ção da imagem - que possuí o objetivo de ampliar o lugar do ima-
ginário do interator. Assim sendo, a integração e o diálogo entre o
espaço-tempo real (corpo) com o espaço tempo-virtual (projeção/
web) concretizou-se de forma imediata, não havendo cisão entre a
pergunta e a resposta estabelecida pelo diálogo.
Figura 01
Esquema da estruturação de
montagem da performance - 4°
Seminário sobre a lista de com-
pras do corpo
Nessa “Tentativa 1”, acabei testando uma idéia que havia me ocor-
rido anteriormente: procurei colocar meu corpo nu o mais perto
130 VISUALIDADES
possível do projetor, para que servisse de tela para a projeção de
um pequeno vídeo. Registrei esse momento com minha câmera
digital, o que foi meu segundo problema, pois era difícil fazer e
registrar ao mesmo tempo.
132 VISUALIDADES
tem o poder de desnortear os sentidos, acometendo, de certa
maneira o rumo das pessoas. É um “fenômeno” de difícil descri-
ção e também não sei se há um embasamento científico sobre o
assunto, mas quem já foi pego por um vento norte confirma mi-
nha história. Dessa maneira, enquanto que eu achava que mi-
nha pesquisa já tinha um rumo estabelecido, e já havia elabora-
do croquis do espaço que usaria na performance, fui acometida
pelo vento norte. Durante a seleção prévia de imagens coloquei
uma que me chamou muito a atenção e que não possuía um
cunho erótico tão diretamente e, a partir de sua projeção em meu
corpo é que os rumos mudaram totalmente.
134 VISUALIDADES
que o (re)significava e (re)dimensionava enquanto suporte de
mim mesma, eu extrapolava a verossimilhança conhecida.
Referências Bibliográficas:
ANDRADE, Rosana. Fotografia e Antropologia: olhares fora e den-
tro. 2. ed. São Paulo: Estação Liberdade/ EDUC, 2002.
BORGES, Jorge Luis. Ficções. 2. ed. São Paulo: Companhia das Le-
tras, 2007.169 p.
136 VISUALIDADES
COHEN, Renato. Performance como Linguagem. 2. ed. São Paulo:
Perspectiva, 1989. 175 p.
Cláudia Schulz
É Bacharel em Artes Cênicas – Habilitação em Interpretação Teatral
e Habilitação em Direção Teatral - Universidade Federal de Santa
Maria / Santa Maria – RS. Foi professora substituta do Curso de
Artes Cênicas na Universidade Federal de Santa Maria, atualmen-
te mestranda do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da
mesma instituição.
E-mail: claudiaxulz1@gmail.com
Luciana Hartmann
É professora adjunta do Departamento de Artes Cênicas da UFSM.
Doutora em Antropologia Social pela UFSC (2004), Mestre pela
mesma universidade (2000) e Bacharel em Artes Cênicas pela UFR-
GS, realizou estágio doutoral na École des Hautes Études en Scien-
ces Sociales/ Paris (2002-2003), vice-líder do GEPAEC.
E-mail: luhartm@yahoo.com.br
Resumo
Palavras-chave:
Steve Ditko, Edgar Franco,
histórias em quadrinhos
Ditko e Franco... Dois tempos, duas poéticas visuais e um mesmo problema: a dor [...] 139
Abstract:
Keywords:
Steve Ditko,
Edgar Franco, comics
140 VISUALIDADES
Introdução
Recentemente, quando estava lendo um trabalho de Douglas
Wolk², mais especificamente o capítulo sobre Steve Ditko3,
embora não conhecesse a história do Homem-Aranha ao qual
o texto se referia, tive a súbita impressão que a descrição que
o autor fazia, de determinada seqüência visual, aproximava-se
muito dos diferentes sentimentos que um feto humano tem ao
nascer pelo processo do parto normal. Lembrava dos estudos
de Stanislav Grof4 em torno do campo perinatal5 e suas implica-
ções para o processo humano de desenvolvimento. A descrição
de Wolk, sobre a seqüência desenhada por Ditko, é a seguinte:
Ditko e Franco... Dois tempos, duas poéticas visuais e um mesmo problema: a dor [...] 141
6. MARVEL COMICS – As O que me remetia a Grof era a seqüência de palavras utilizadas
primeiras histórias em qua-
drinhos do Homem-Aranha, por Wolk para descrever os sentimentos do Homem-Aranha: de-
no. 8 (Spider-Man Collection), sespero, esperança, exaustão, culpa, ódio, determinação e vitória
publicado pela Editora Abril em
1997. Este volume traz as histó-
dramática. Estes sentimentos aproximam-se muito daqueles que
rias de “Amazing Spider-Man” um feto vivencia em seu processo de deixar a vida intra-uterina,
das revistas de números 32 a 36, processo no qual, de acordo com Grof, aprende uma série coisas
publicadas nos EUA em 1966.
A história em questão foi publi- que permanecem consigo, ainda que em nível inconsciente, mas
cada na revista no. 33, intitulada que serão determinantes sobre a maneira como aquele ser huma-
“O Capítulo Final”, com roteiro
de Stan Lee; argumento e no, que assim nasce, enfrentará a vida pós-uterina.
arte de Steve Ditko.
Consegui localizar a história completa publicada no Brasil6 e ao
7. A discussão sobre o pós- visualizar as imagens da seqüência, desenhada por Ditko, minha
humano é de nossa humanidade leitura confirmava a semelhança entre a situação vivida pelo Ho-
contemporânea e é impulsionada
pelo nosso estupendo desenvolvi- mem-Aranha e a situação vivida pelo feto no momento da saída do
mento tecnológico. Edgar Franco útero, com a passagem pelo canal do nascimento. A pesada peça
a incorporou tanto em sua obra
como pesquisador, vide sua tese de metal e o espaço diminuto faziam às vezes do útero e do canal
de doutorado, como em sua obra do nascimento; o esforço empreendido pelo Homem-Aranha para
ficcional nos quadrinhos, da
qual exemplos primorosos são a
dali sair assemelhava-se ao esforço empreendido, pelo feto e pela
história em quadrinhos “Parto” e mãe, para o sucesso do nascimento; nos dois casos era uma luta
o álbum “BioCyberDrama”. entre a vida e a morte; os dois casos implicavam em juntar todas as
forças para continuar a viver, para “re-nascer”.
142 VISUALIDADES
Poéticas Visuais, Políticas, Histórias em
Quadrinhos e Pedagogia Cultural
Uma das raízes possíveis das palavras poético, poética e poesia
está em poíesis, do grego antigo, que significa criar, fazer ou –
como nas palavras de Martins, Picosque e Guerra (1998, p. 24)
– a “ação de fazer algo; aquilo que desperta o sentido do belo,
que encanta e enleva (...) capacidade de criação, desvelando ver-
dades presentes na natureza e na vida que ficariam submersas
sem sua presentificação. Desse modo, o ser humano poetiza sua
relação com o mundo”.
Ditko e Franco... Dois tempos, duas poéticas visuais e um mesmo problema: a dor [...] 143
8. Conferir, de Thierry Groens- “Compreendi que era destes gestos que nasciam as grandes meta-
teen, “Histórias em quadrinhos:
essa desconhecida arte popular”.
morfoses, dos indivíduos, das comunidades, de povos inteiros. A
João Pessoa, Marca de Fantasia, razão? É que eles atingem o coração. Não existe nenhum outro ca-
2004. minho que nos possa levar à transformação do mundo. E nada há
que se lhes compare em poder.” (ALVES, 1986, p. 10)
144 VISUALIDADES
Como as histórias em quadrinhos estão ligadas também à indústria
cultural, então é necessário trazer aqui, desde uma perspectiva da
educação escolar, a idéia de Pedagogia Cultural, que tem raízes no
pensamento de Henry Giroux e Shirley Steinberg9. Vorraber Costa
(2002, p. 144) afirma, referindo-se a Giroux e Steinberg:
Ditko e Franco... Dois tempos, duas poéticas visuais e um mesmo problema: a dor [...] 145
10. Escola fundada em 1947 por “De fato, uma política cultural requer o desenvolvimento de pe-
Silas H. Rhodes e Burne Hogarth,
o famoso desenhista de Tarzan.
dagogia que seja aberta às histórias, aos sonhos e às experiências
Em 1956 mudou seu nome para que os alunos trazem para a escola. Somente começando por essas
School of Visual Arts (S.V.A.). formas subjetivas, os educadores críticos poderão desenvolver uma
Esta escola existe ainda hoje, ten- linguagem e um conjunto de práticas que confirmem e engajem
do boa avaliação entre as escolas
de artes nos EUA. Conferir: www. a natureza contraditória do capital cultural que constitui o modo
schoolofvisualarts.edu/index.jsp. como os estudantes produzem os significados que legitimam for-
mas específicas de vida”.
11. Além de contribuir para o
visual de vários personagens A perspectiva aqui é a de que os educadores estejam atentos à vida
clássicos das histórias em
quadrinhos, do qual o Homem-
– própria e coletiva –, às políticas culturais, à cultura visual, às
Aranha é o mais célebre, poéticas visuais e ao modo como os alunos/as, a partir da relação
Steve Ditko criou personagens e entre suas subjetividades e o mundo vivido, têm construído suas
enredos que exigiram saber usar
bem a linguagem dos quadri- próprias narrativas poéticas que marcam a maneira como estão
nhos. É o caso, por exemplo, do engajando-se no mundo.
personagem Questão. Não por
acaso, Alan Moore, apesar de
reconhecer a posição política de
direita de Steve Ditko e, portanto,
distante da sua – segundo ele
A poética visual de Steve Ditko e uma seqüência
próprio uma posição anarquista importante de “O Capítulo final”.
– tem em Ditko uma referência Steve Ditko nasceu em 2 de novembro de 1927, em Johnstown, Esta-
importante nas histórias em
quadrinhos, tanto pela forma dos Unidos. Cursou Desenho na Cartoonists and Illustrators Scho-
como pelo conteúdo. Sua ol10, em Nova York. Começou sua carreira como desenhista em 1953,
primeira idéia para Watchmen,
uma grande releitura do mundo na revista Black Magic, da Crestwood Publications, desenhando
dos heróis, era trabalhar com histórias de terror e suspense. Em 1963 criou, juntamente com Stan
os personagens criados por
Ditko: Capitão Átomo, Questão
Lee, o Homem-Aranha. Ditko é o responsável pela criação visual
e Besouro Azul. Como a idéia deste personagem e dos elementos básicos de seu universo. Avesso a
não foi aprovada pelos editores entrevistas, fotografias e filmagens tem permitido poucos registros
responsáveis, então ele criou
novos personagens, mas tendo de si mesmo. Recentemente, em 2008, foi publicada, nos Estados
a criação de Ditko como refe- Unidos, uma obra que resgata os trabalhos que criou ao longo de
rência. Assim, Dr. Manhattan
teve como referência o Capitão sua vida profissional: “Strange and Stranger: The world of Steve Di-
Átomo; Rorshach foi baseado em tko”, de Blake Bell, publicada pela FantagraphicsBooks. Na Figura 02
Questão e o Coruja no Besouro
Azul. Conferir a entrevista de
um dos raros registros fotográficos de Steve Ditko:
Alan Moore, em 16/06/2000:
http://br.geocities.com/ Embora tenha criado muitas histórias, personagens e universos
watchmenbrasil/09moore.htm.
(o visual da armadura vermelho e dourada do Homem de Fer-
ro, Besouro Azul, Capitão Átomo, Questão, Mr. A, Rastejante,
etc.) e tenha contribuído com muitas inovações para a lingua-
gem visual dos quadrinhos11, é especialmente sobre o trabalho
para “O Capítulo Final” (1997) que eu quero me deter. Ainda
que o personagem Homem-Aranha esteja na constelação do
universo comercial, há que se ressaltar a autoralidade de Steve
Ditko, e também de Stan Lee que originalmente o concebeu, em
especial naquele momento, pois é o começo do trabalho com o
personagem, isto é, é um momento ainda inicial do processo de
146 VISUALIDADES
criação daquele que seria, posteriormente, um grande sucesso
de vendagens. Mas, na metade da década de 1960 o personagem
está ainda sendo construído e não há, portanto, demasiada con-
strição por parte das preocupações comerciais, o que deixou Lee
e Ditko mais livres em seu processo criativo. As figuras 3 e 4, a
seguir, é uma das páginas que Ditko criou para esta história e
expressa um pouco da riqueza de sua narrativa e poética visual:
Esta é uma história na qual a vida de Tia May está em jogo. Ela
está à beira da morte num hospital e depende de um soro, o Iso-
36, que está na base secreta submarina do Doutor Octopus. O
Homem-Aranha travou uma batalha com Octopus. O resultado
foi que ficou preso sob uma enorme máquina de metal e o com-
plexo submarino ameaça a ceder sob a pressão da água, que já
goteja sobre o herói. Steve Ditko, com uma seqüência magistral
de desenhos, mostra a luta do Homem-Aranha consigo mesmo
para sair debaixo do terrível peso do metal que o prende. Já não
Ditko e Franco... Dois tempos, duas poéticas visuais e um mesmo problema: a dor [...] 147
é mais apenas a vida de Tia May que está em perigo, mas tam-
bém a sua. Sentindo o peso da máquina de metal, a dor sobre
o corpo, a água que vai aumentando cada vez mais, o tem-
po passando e corroendo a vida de Tia May, o herói luta com
sentimentos contraditórios dentro de si mesmo: tem a visão
do frasco com o Iso-36 à sua frente e isto lhe dá a esperança
de cura para sua tia; ao mesmo tempo sente que pode fracas-
sar, pois o peso é muito grande, e tem medo; lembra-se do tio
que morreu por sua causa e sente um grande remorso que,
se por um lado o abate, por outro é também o estímulo para
que não seja responsável também pela morte de sua tia. En-
tão brigando e falando consigo mesmo, com o volume de água
aumentando, vai, pouco a pouco, levantando o pesadíssimo
metal, até que numa arrancada final, “quando todos os seus
músculos, tendões e ligamentos parecem prestes a estourar...
quando a inconsciência parece inevitável... o Homem-Aranha
triunfa” e consegue uma vitória dramática – que a página 5 da
história expressa num desenho espetacular de Ditko –, não só
levando o soro em tempo de salvar sua tia, mas também pren-
dendo a quadrilha de Octopus que, entretanto, escapou.
148 VISUALIDADES
Figura 05 - A vitória dramática do Homem-Aranha no final da sequência desenhada por
Ditko: vence a ameaça de morte, renasce para a vida
Ditko e Franco... Dois tempos, duas poéticas visuais e um mesmo problema: a dor [...] 149
12. Apresentei no Congresso des graças à riqueza complexa do personagem e do universo
Intercom, na cidade de Natal em
2008, uma comunicação sobre com ele criado. Agora quero trazer outro tipo de narrativa e de
o trabalho de Edgar Franco construção visual. É uma história em quadrinhos que faz parte
com o título “Transgressão,
transcendência e esperança: os
do universo ficcional criado por Edgar Franco e chamado por
quadrinhos poético-filosóficos de ele de “a aurora pós-humana”12. Edgar Franco nasceu na cida-
Edgar Franco”: http://intercom. de de Ituiutaba, Minas Gerais, no ano de 1971. É graduado em
org.br/papers/nacionais/2008/
resumos/R3-0785-1.pdf. Arquitetura13 pela Universidade de Brasília, Mestre em Mul-
timeios14 pela Universidade Estadual de Campinas e Doutor
13. Parte de seu trabalho de con- em Artes15 pela Universidade de São Paulo. Além de professor
clusão de curso está publicada e pesquisador na Faculdade de Artes Visuais da Universidade
sob o título “História em Quadri-
nhos e Arquitetura”. João Pessoa,
Federal de Goiás, Franco é também artista multimídia: com
Marca de Fantasia, 2004. trabalhos de histórias em quadrinhos publicados, no Brasil e
14. Sua dissertação de mestrado
no exterior, em fanzines, álbuns, revistas, revistas indepen-
está publicada: “HQtrônicas: do dentes; tem HQtrônicas de sua autoria, roteiro e desenhos,
suporte papel à rede internet” publicados na internet e/ou em CDs; ilustrações para capas de
(2004).
livros e discos; desde 2007 entrou no campo da criação musi-
15. Sua tese de doutorado intitu- cal com a publicação de seu primeiro CD, “Posthuman Tantra”,
la-se “Perspectivas Pós-humanas
nas Ciberartes”, defendida na
pela gravadora suíça Legatus Records e, em 2008 pela mesma
ECA-USP, no ano de 2006. gravadora, publicou o CD “Gothik Kama Sutra”. Como pesqui-
sador tem livros, capítulos de livros, comunicações em con-
gressos e assina uma coluna sobre histórias em quadrinhos,
“Quadrinhos Redondos”, no site Bigorna.
150 VISUALIDADES
tico-filosóficos, por outros de quadrinhos fantástico-filosóficos
ou ainda simplesmente quadrinhos poéticos. A história “Par-
to” é, portanto, uma história em quadrinhos poético-filosófica
que se desenvolve em cinco páginas, dentro do universo pós-
humano criado pelo autor. Neste universo a tecnologia está
tão desenvolvida que novas condutas culturais vão se estabe-
lecendo: desde sofisticadas próteses tecnológicas implantadas
no corpo humano até o transporte da consciência humana para
máquinas, passando pela substituição, também tecnológica, de
processos até então tidos como “naturais” pelos seres huma-
nos, como é o caso, por exemplo, do parto. Daí toda a discussão
sobre a pós-humanidade. A figura 7, a seguir, é a ilustração da
página 4 da história em quadrinhos de Edgar Franco.
Figura 07
Desenho de Edgar Franco para a
página 4 de sua história “Parto”,
mostrando o nascimento pós-
humano não mais com dor, mas
com a “suavidade” tecnológica.
Ditko e Franco... Dois tempos, duas poéticas visuais e um mesmo problema: a dor [...] 151
A poética visual de Franco é bem distinta da Ditko. No caso da
história “Parto” é uma história curta, onde cada página se identifi-
ca com um requadro. No entanto, cada requadro tem uma forma
diferente: na página 1 tem a forma de uma borboleta; na página 2
as linhas retas de uma máquina fundem-se com as curvas de um
corpo feminino em gestação, com claro destaque ao coração e ao
útero; na página 3 são as pernas abertas da mulher, no momento
do parto, que praticamente definem os limites do requadro; na
página 4 o centro definidor é o útero-liquidificador e há o recur-
so de um close no rosto do feto, que já não nasce chorando, mas
sim sorrindo; finalmente, na página 5, os limites do requadro são
a “sombra de uma grande cabeça” no centro da qual está um ser fe-
minino, com “muitos” olhos, suspenso entre um coelho com asas
(o medo?) e uma serpente também com asas (a transformação?).
Os desenhos têm uma marca de sofisticação, leveza e sensuali-
dade, incorporando muitos motivos simbólicos: mãos, embrião,
casulo, borboleta, cordões umbilicais, seios, úteros, vagina, fetos,
coração, asas, masculino, feminino, máquinas, cosmos, coelho,
serpente, etc. O simbólico é sempre uma porta aberta para a cria-
ção poética e, neste sentido, o trabalho de Franco é um forte con-
vite à co-autoria do leitor que se vê provocado também por uma
Figuras 08 e 09 inescapável reflexão sobre o sofrimento humano e a tecnologia. As
O trauma do parto natural e o
futuro, sem as dores do parto
Figuras 08 e 09, desenhos de Franco, reproduzem as páginas 3 e 5
de sua história respectivamente.
152 VISUALIDADES
Stanislav Grof e a experiência perinatal.
Stanislav Grof tem investigado a consciência humana por meio
dos estados ampliados de consciência, estados obtidos inicial-
mente com o uso do ácido lisérgico (LSD) e, posteriormente,
com a respiração holotrópica. Já em suas primeiras pesquisas,
na década de 1950, registrou e gravou em fitas magnéticas os
conteúdos elaborados pelos sujeitos de sua investigação. Cole-
tou tais relatos, catalogou-os, organizou-os e ousou uma nova
interpretação que vai além do inconsciente pessoal como pro-
posto por Freud. A cartografia que propôs não é oriunda de es-
tudos teológicos que tomam como ponto de partida a revelação
de livros sagrados, e nem tampouco de pura especulação filosó-
fica e metafísica. É fruto de suas investigações com os estados
ampliados de consciência e, portanto, tem uma base empírica.
Esta cartografia distingue quatro níveis na consciência (ver fi-
gura 10): a barreira sensorial, o nível biográfico-rememorativo,
o nível perinatal e o nível transpessoal. Para este trabalho inte-
ressa-nos especialmente o nível perinatal.
Figura 10
Fonte: “Por uma Educação
Transpessoal”, livro do
autor deste artigo
Ditko e Franco... Dois tempos, duas poéticas visuais e um mesmo problema: a dor [...] 153
O terceiro nível, o perinatal, diz respeito à memória e ao apren-
dizado experimentado por ocasião do processo de nascimento
dos seres humanos, processo este que Grof chama de morte-
renascimento, por toda dramaticidade e risco que traz. Sua car-
tografia sugere a existência, no nível perinatal, de quatro ma-
trizes de aprendizado que se constituem neste momento e que,
embora permaneçam inconscientes, atuam na vida pós-uterina,
interferindo na definição de nossas características pessoais e no
processo de construção de nossa identidade. Grof sugere que
experiências de muita dor e sofrimento numa dessas matrizes
podem fazer com que o sujeito em questão guarde com esta ma-
triz uma relação negativa, Matriz Negativa, e afirma que “mui-
tas observações sobre o indivíduo que está sob forte influência
de matrizes perinatais negativas sugerem que ele encara a vida e
seus problemas de um modo não somente vazio, mas com con-
seqüências destrutivas para si e para os outros, a longo prazo”
(1987, p. 307-308). Entretanto, afirma também que tais experi-
ências podem ser acessadas (criou um processo para isto: a Res-
piração Holotrópica) e liberadas tornando a vida do sujeito mais
adequada ao desenvolvimento pleno. Por sua vez a experiência
positiva vivida no útero e no processo de nascimento ajudam a
preparação, desde os primeiros instantes da vida, para a vivência
da “tempestuosa busca de ser”.
154 VISUALIDADES
da vida. Compreender a vida assim significa trazer a necessida-
de de educar os seres humanos para o processo morte-renas-
cimento: morrer para as concepções estáticas e imobilizadoras
de vida; renascer para processos que auxiliem a caminhar para
frente, rumo ao amadurecimento e à plenitude.
Ditko e Franco... Dois tempos, duas poéticas visuais e um mesmo problema: a dor [...] 155
o limite aceitável da dor? Eliminar a dor seria eliminar nosso
aprendizado para enfrentar a construção da existência?
Considerações finais
Alguns dirão que as histórias em quadrinhos são apenas um tipo
de entretenimento e lazer e que, por certo, não se prestam a refle-
xões mais profundas. Outros dirão que ela facilita o processo de
comunicação e, portanto, são didáticas e devem ser utilizadas nos
processos pedagógicos, formais e não-formais, ainda que corram
o risco de superficialização.
156 VISUALIDADES
seguiram dobrar as “leis editoriais” e chegam, em fino estilo, ao
grande público. Enfim, estamos diante de uma linguagem que não
pode ser desprezada. As narrativas visuais de Ditko e Franco suge-
rem que elas podem favorecer reflexões profundas sobre o viver, o
sofrer, a construção de sentido e o desenvolvimento de uma boa
energia a favor da existência pessoal e coletiva.
Referências Bibliográficas
ALVES, Rubem. Mahatma Gandhi: a política dos gestos poéti-
cos. São Paulo: Brasiliense, 1983. 119p.
Ditko e Franco... Dois tempos, duas poéticas visuais e um mesmo problema: a dor [...] 157
MARTINS, Mirian Celeste; PICOSQUE, Gisa; GUERRA, M. Te-
rezinha Telles. Didática do Ensino da Arte: a língua do mundo:
poetizar, fruir e conhecer arte. São Paulo: FTD, 1998. 198 p.
158 VISUALIDADES
Elydio dos Santos Neto
É graduado em Filosofia (1982), em Pedagogia (1982), Mestre
em Ciências da Religião pela PUC-SP (1993) e Doutor em Edu-
cação pela PUC-SP (1998). É docente-pesquisador do Progra-
ma de Mestrado em Educação da Universidade Metodista de
São Paulo onde leciona a disciplina “Formação de Educadores e
Cultura Visual”. Coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisa
Paulo Freire (GEPF-UMESP). Participa do Grupo de Pesquisa
INTERESPE. Participa do Observatório de Quadrinhos da USP.
Autor de “Por uma Educação Transpessoal” e de trabalhos so-
bre historias em quadrinhos apresentados em congressos.
E-mails: elydio@gmail.com; elydio.santos@metodista.br.
159
Intromissão e invisibilidade
em experimentações artísticas
com radiação eletromagnética
Fabio FON
Soraya Braz
Resumo
Palavras-chave:
Arte tecnológica, radiação eletro-
magnética, telefones celulares
Keywords:
Art technology, electromagnetic
radiation, mobile phones
162 VISUALIDADES
1. Intromissão
A ubiqüidade dos telefones celulares em nossa sociedade con-
temporânea implica em uma série de condutas sociais e impli-
cações conseqüentes de seu uso. Falar ao telefone celular de
assuntos pessoais em voz alta, apropriando-se de local públi-
co, pode ser a base para muitas discussões sobre privacidade.
Algumas podem ser bem irônicas, como a do estúdio de design
Coudal Partners em Chicago, EUA, que desenvolveu vários “car-
tões de visitas” sob a assinatura da SHHH! Society for HandHeld
Hushing¹ (algo como Sociedade para calar portáteis), com o
propósito de alertar polidamente (ou não) os falantes de que
sua conversa ao celular está perturbando o entorno e ninguém
está interessado nela. Um dos cartões, que dispõe até de um es-
paço para completar com o tema da conversa, é apresentado da
seguinte forma: “Caro usuário de telefone celular: Nós estamos
cientes que a sua conversa sobre ‘a vasectomia de seu marido’
[inscrição na área a completar] é muito importante para você,
mas, nós pensamos que você deveria saber que isso não nos in-
teressa de modo algum. De fato, sua tagarelice indiferente aos
outros é mais do que um mero aborrecimento”. Em outros mode-
los, há cartões com situações mais comuns a serem assinaladas:
“...nós estamos cientes de que a sua conversa com: ( ) seu amigo
( ) sua amiga ( ) sua mãe ( ) seu terapeuta, sobre: ( ) a noite de
ontem ( ) sobre o jogo ( ) sobre ‘ele’ ( ) sobre ‘ela’ é muito impor-
tante para você...”, explicitando ainda a previsibilidade daquelas
conversas. A intenção é que estes cartões sejam entregues aos
falantes, causando um inevitável constrangimento. Experiên-
cias como esta explicitam os comportamentos envolvidos no
uso de telefones celulares.
163
sões ligadas a um mundo cíbrido, pautado pela interconexão de
redes e sistemas on e off line.” (BEIGUELMAN, 2005, p. 160)
2. Invisibilidade
Bem, a radiação eletromagnética associada a uma permanente
proximidade ao indivíduo tem sido vista com preocupação por
alguns especialistas, já que o aparelho torna-nos diretamente
expostos à radiação que ele emite. Não há um consenso cientí-
fico em torno das possíveis conseqüências: ainda é discutível se
164 VISUALIDADES
o aparelho realmente pode proporcionar algum risco à saúde. O
que certamente se sabe é que, muito ao contrário da radiação io-
nizante – denominação da radiação acima da freqüência da luz
visível, utilizada nos Raios X –, a radiação não-ionizante – pre-
sente nos celulares e fornos microondas – não realiza alterações
no DNA e não é prejudicial às células de modo imediato. Porém,
diversos pesquisadores ainda têm dúvidas sobre o efeito cumu-
lativo da absorção de radiação emitida pelos telefones celulares,
como comprovadamente ocorre com a radiação do sol.
165
proximidade. Os formatos destes “pisca-piscas para celular”
são variados, trazendo de personagens inspirados em desenhos
animados a figuras esotéricas. Estes dispositivos trazem em seu
interior pequenos chips que detectam a presença da radiação
eletromagnética emanada por aparelho próximo, acionando
uma seqüência de luzes coloridas em LEDs dispostos sobre os
diminutos aparelhinhos. Os chips, em sua maioria, são circu-
lares e possuem um centímetro de diâmetro. Mas, o fato é que
o badulaque, extremamente decorativo com suas luzes a ponto
de remeterem a decorações natalinas, é capaz também de de-
nunciar a presença invisível da radiação eletromagnética oriun-
da dos aparelhos celulares que o acompanham: certamente aí
é possível desviar a futilidade do “pisca-pisca” e indicar outras
leituras possíveis.
166 VISUALIDADES
Com a presença destes penduricalhos, em 2008, a artista brasi-
leira Rosangella Leote realizou a tecnoperformance 0800-000000,
apresentada na exposição EmMeio durante o 7º Encontro de In-
ternacional de Arte e Tecnologia, em Brasília, em que pedia ao
espectador que ligasse de seu celular em um fictício número – a
seqüência 0800-000000 –, no qual supostamente seria direciona-
do a um serviço de tele-atendimento. A consulta em questão es-
taria associada ao contexto da atividade de monitorias de eventos
de Arte Ciência. Suscitando o universo de funcionalidades pífias
da maioria dos serviços do gênero com suas práticas costumeiras
como o gerundismo² dos atendentes e a demorada espera para
atendimento, a artista cria uma situação muito irônica e crítica
de práticas obscuras viabilizadas com o uso do telefone. O tele-
atendimento é um instrumento que tanto pode trazer comodida-
de ao usuário realizar remotamente suas consultas quanto pode
ser uma barricada telemática, inserindo o usuário em uma lógica
maquínica fundamentalmente impessoal.
Outro trabalho artístico que também faz uso dos mesmos pendu-
ricalhos é Cellphone Disco (2007). O trabalho dos artistas Auke
Touwslager e Ursula Lavrencic consistiu em uma instalação dividi-
da em duas partes: a primeira chamada “Mobile Aura” consiste na
distribuição destes badulaques na intenção de tornar visível uma
“aura” que envolve o aparelho celular durante seu uso; a segunda
parte, chamada “Mobile Drawing” consiste em criar uma tela em
que o celular deixa marcas de luz como um desenho eletromagné-
tico. Em ambos os casos os autores pretendem revelar um “corpo
invisível” da telefonia móvel, mas, no entanto, sem esboçar qual-
quer proposição crítica às questões aqui trazidas.
4. Roaming
Partindo de uma tentativa de desviar as intenções originais dos
penduricalhos decorativos – desfazendo-se dos invólucros colo-
ridos de personagens e outras figuras e, especialmente, desve-
lando seus chips – e ao mesmo tempo, estabelecendo um diálogo
com a prática da apropriação artística, surgem alguns experi- 2. Trata-se do uso sistemático
dos verbos no gerúndio, muitas
mentos que originam o trabalho Roaming³, desenvolvido pelos vezes soando como vício de lin-
artistas Fabio FON e Soraya Braz. guagem em construções verbais
como “vou estar telefonando” ou
“vamos estar analisando”.
Inicialmente, ao adquirir várias unidades do badulaque “pisca-
pisca”, foram realizados testes para entender o funcionamento e 3. Mais informações sobre o
trabalho Roaming em: http://
os limites de sua possível utilização. O primeiro deles estava rela- www.fabiofon.com/roaming.html
cionado com a distância ideal de captação entre o telefone celular . Acesso em 20 de abril de 2009.
167
e sensor, entre os diferentes tipos adquiridos. Abrindo estes pen-
duricalhos, percebem-se algumas variações entre os componen-
tes do sensor, como diferentes antenas e diferentes seqüências de
luzes pré-determinadas. Nestes testes também se verificou que o
sensor está mais apto a receber emissões de aparelhos celulares da
banda B e C (na cidade de São Paulo) que correspondem a apare-
lhos que transmitem através da tecnologia GSM.
168 VISUALIDADES
tro desta trama informacional, onde as imagens da tevê, os sons
do rádio ou os dados das redes flutuam silenciosamente no ar,
perpassando nossas ruas, casas e corpos. O trabalho desvela um
espectro silencioso e disforme que coabita hoje invisivelmente
cada metro quadrado do planeta.
5. Grampo
Já um segundo trabalho que faz uso dos sensores é Grampo4,
que possui uma maior complexidade de produção. Aqui, além
da presença da radiação eletromagnética resultar em inúmeras 4. Mais informações sobre o
trabalho Grampo em: http://
seqüências luminosas de cada um dos sensores – os quais tam- www.fabiofon.com/grampo.html
bém estão distribuídos em grande quantidade sobre uma cha- . Acesso em 20 de abril de 2009.
169
pa de alumínio, como em Roaming –, há também uma outra
reação: o trabalho irá executar ruidosas conversas gravadas de
pessoas utilizando celulares em espaços públicos. O modo com
que os trechos de conversas foram capturados é o que dá nome ao
trabalho: durante alguns meses antes da exibição do trabalho, os
artistas mantiveram-se atentos às conversas mais pertubadoras
nos espaços públicos que percorriam, como estações de metrô,
trens, ônibus, shoppings, entre outros; todas estas conversas fo-
ram gravadas de modo dissimulado, sem o consentimento dos
falantes intrusivos. As pessoas imersas no decorrer de suas con-
versas pouco percebem aquilo que se apresenta em seu redor – e
não desconfiariam de um gravador similar a um Mp3 Player. Des-
ta forma, as conversas são capturadas, tratadas com softwares de
áudio e inseridas no banco de conversas presentes em Grampo.
170 VISUALIDADES
Então, fazendo uso de uma placa Arduino5 para o gerenciamen-
to do sistema, a cada detecção de uso de celulares em proximi-
dade, o trabalho não só reage com suas seqüências luminosas
como também executa os sons dos usuários intrusivos durante
alguns segundos. O sistema se resume na seguinte forma: um
dos chips é ligado à placa Arduino, que por sua vez o alimenta
e libera o áudio conforme o sensor do chip capta a radiação, e
um Mp3 Player com o áudio de conversas gravadas e saídas de
som amplificadas, audíveis conforme a programação do Ardui-
no. Assim, quando a radiação eletromagnética é detectada, o
chip-mestre acende e torna as conversas – como ruídos pouco
reconhecíveis – audíveis. Grampo contou com a colaboração da
dupla de artistas Luciana Ohira e Sergio Bonilha na concepção
técnica do trabalho.
171
sem que se respeite o direito dos demais de não compartilhar da-
quelas palavras. Ao contrário de uma conversa em que o interlo-
cutor está fisicamente presente no espaço, ao utilizar o celular, a
presença dos outros é minimizada e, por vezes, esquecida. Então,
o trabalho Grampo se propõe a atuar poeticamente em resposta ao
uso do celular, gerando ruído com as mesmas conversas intrusivas
– voltando-se ao celular com seus próprios resultados.
Referências bibliográficas
ACKERMANN, Luciana. Ligações Perigosas: estudo diz que a
radiação emitida por telefones celulares pode causar desde cân-
cer até catarata. Isto é. São Paulo, 07 fev. 2001. Disponível em:
<http://www.terra.com.br/istoe/Reportagens/fantasma_cel.
htm>. Acesso em 03 de abril de 2009.
172 VISUALIDADES
DE SOUZA E SILVA, Adriana. Arte e Tecnologias Móveis: Hibri-
dizando Espaços Públicos in PARENTE, André (org.) Tramas da
Rede. Porto Alegre: Sulina, 2004.
Soraya Braz
É artista multimídia, bacharel em artes plásticas na Escola de Co-
municações e Artes da USP e pesquisadora sobre a produção artísti-
ca em novos meios. Atualmente, é colaboradora do Matizes - Gru-
po de Pesquisa em Cultura Visual da UFRN. Participou de diversos
eventos em arte e tecnologia como Mobilefest 2007, FILE São Paulo
2008, Campus Party 2008 e FILE RIO 2009.
E-mail: sorayabraz@gmail.com
173
Culturas da imagem e
processos de mediação
O Lobo Mau, Pinóquio e as Irmãs Más
como imagens transgêneras em
Shrek: traços pedagógicos
Resumo
Palavras-chave:
Cinema, educação da cultura
visual, teoria queer
O Lobo Mau, Pinóquio e as Irmãs Más como imagens transgêneras em [...] 177
Abstract
Keywords:
Cinema, visual culture
education, queer theory
178 VISUALIDADES
Inicialmente gostaríamos esclarecer que “gênero trans” ou
“transgênero”, termo que será utilizado neste artigo, se refere
aos gêneros que não estão classificados baseados entre a opo-
sição binária macho X fêmea e homem X mulher, mas trans-
versalmente a elas percorrem e podem usar parte desses pólos
identitárias e da tensão normalizadora para se constituirem.
Portanto os personagens escolhidos para a análise poderiam
ser classificados em identidades mais fixas como a do travesti
ou crossdresser entre outros, mas optamos pelo termo transgê-
nero pelo seu caráter mais genérico, o que faz com que englobe
as outras denominações. Mais ainda, ele foi nomeado por se
tratar de uma palavra que designa uma situação de trânsito, de
identidade à deriva, flutuante, como é próprio de alguns dos
fenômenos aqui estudados.
O Lobo Mau, Pinóquio e as Irmãs Más como imagens transgêneras em [...] 179
vai demonstrar a sua identidade trans. Uma cena é exemplar nes-
se sentido: Um grupo de amigos de se reúne para salvar Shrek da
prisão, Pinóquio se pendura por fios de marionetes e entra dentro
da cela, mas não consegue alcançar Shrek, então pedem-lhe para
contar uma mentira pois assim alcançarão Shrek pelo nariz para
lhe entregar a chave. Lhe dizem :
Ele nega e então seu nariz cresce, logo seus amigos descobrem que
ele está usando roupas íntimas femininas. O grupo não chega a rir,
mas estranha o fato e ridiculariza o boneco. Pinóquio nega estar
usando tais roupas mesmo quando elas são mostradas, e quanto
mais ele nega mais seu nariz cresce. No terceiro filme, tal identi-
dade e a ambigüidade do personagem se intensificam, como, por
exemplo, na cena em que, ao assistir com seus amigos uma peça de
teatro onde trabalha o Príncipe Encantado, Pinóquio afirma:
- Odeio amadores.
180 VISUALIDADES
Nesse momento, seu nariz volta a crescer o que sugere que o per-
sonagem sente desejo pelo Príncipe. Existe, assim, um jogo entre
o que se afirma e o que se apresenta materialmente. Pinóquio
está incluído, portanto, numa estrutura reguladora da sexualida-
de homossexual que Sedgwick (2007) vai chamar de “armário”,
e cada “saída do armário” vai se configurar em implicações da
posição social do personagem.
O Lobo Mau, Pinóquio e as Irmãs Más como imagens transgêneras em [...] 181
A terceira personagem trans que aparece em Shrek é Dóris, origi-
nalmente uma das irmãs feias e malvadas do conto infantil Cinde-
rela. Essa personagem, que surge a partir do segundo filme, come-
ça sua estória como garçonete de uma taberna freqüentada apenas
por vilões. Quando Dóris aparece é sempre uma surpresa para o
personagem que interage com ela, já que pensa ser ela uma mu-
lher, e se assusta: sua voz é de homem (a dublagem de voz foi feita
por um homem, inclusive). Ela é muito masculina, tem o corpo
grande, musculoso, e seu peito não tem volume. Por outro lado,
também usa muita maquiagem, um penteado feminino, e um
vestido. Além disso, ela é apaixonada pelo Príncipe Encantado, a
ponto de, no final do segundo filme, vir a beijá-lo a força, como se
esse fosse um castigo para o príncipe, um dos vilões da estória, e
que, por sinal, não gosta de ser beijado.
182 VISUALIDADES
forma, o uso do corpo travestido para atrair o macho para uma
armadilha, verdadeiro clichê de representação com fins cômi-
cos, seja em novelas, em filmes ou em desenhos animados, é
aproveitado em Shrek para reforçar a identidade trans.
O Lobo Mau, Pinóquio e as Irmãs Más como imagens transgêneras em [...] 183
zada, devido as muitas conquistas dos homossexuais e o tempo
de luta por direitos desse grupo. Desse modo, a revelação da
identidade homossexual traz sempre uma carga de novidade e
de diferença, mesmo que assim não seja, nem como identida-
de, nem como representação.
184 VISUALIDADES
zados: as crianças querem ter os bonecos e brinquedos do filme
por mais estranhos que os personagens e suas representações de
gênero possam parecer.
O Lobo Mau, Pinóquio e as Irmãs Más como imagens transgêneras em [...] 185
Transgênero e educação
Pode parecer, à primeira vista, que refletir sobre o tema dos
transgêneros e sua relação com a educação se resume apenas
a pensar na área de educação sexual. Mas, se considerarmos o
grande número de pessoas que não correspondem a estereó-
tipos do que é considerado “normal” dentro do gênero, como
gays, lésbicas, travestis, transexuais, bissexuais, drags estamos
tratando de outra forma de pluralismo, não somente o cultural,
mas também o sexual, dentro da sociedade. Isso é agravado pelo
fato de que sabemos que as pessoas que não se enquadram nos
gêneros descritos como “normais” na sociedade podem sofrem
sim por causa das questões sexuais. Mas os lugares onde mais
essas pessoas precisam de apoio são àqueles que concernem à
educação e ao trabalho, pois é justamente nesses lugares que os
indivíduos exercem o poder social. Como se sabe, é geralmente
nesses lugares que os transgêneros vêem restringido seu campo
de atuação e se tornam marginalizados.
186 VISUALIDADES
presentações que as cercam por todos os lados. Por que então não
emancipar os indivíduos para essas representações? Lidando não
com idéias prontas, nem com o que é considerado certo e errado,
mas deixando as pessoas no espaço da incerteza, da insegurança,
do questionamento do outro e do auto-questionamento. Afinal,
como propõe Sedgwick (1997, p.53), “o projeto mais promissor pa-
rece ser o estudo da própria incoerência”.
Dentro de uma sala de aula, em uma cidade onde a maioria das pes-
soas tenha acesso a televisão, a aparelhos de DVD, a DVDs, é prová-
vel que boa parte dos alunos já tenha assistido ou tido algum conta-
to com Shrek, que já passou muitas vezes, inclusive, na TV aberta.
Tanta exposição demonstra o quanto Shrek é primordialmente um
produto da indústria cultural, que necessita da mídia para sua pro-
moção e publicidade – daí os altos investimentos em propaganda
que a exibição do filme exige – resultando, afinal, numa produção
que atinge um número imenso de pessoas, provenientes de dife-
rentes classes sociais, de variados graus de instrução e de diversas
faixas etárias. E é justamente essa capacidade de atingir a todos em
seu conjunto e a cada um em sua individualidade que justifica o uso
de um produto como Shrek na escola.
O Lobo Mau, Pinóquio e as Irmãs Más como imagens transgêneras em [...] 187
é tratado, visando desenvolver um maior respeito pelas dife-
rentes identidades que podem encontrar no mundo. Além das
questões relacionadas aos gêneros e às identidades dos perso-
nagens, foco principal deste artigo, outras questões poderiam
ser debatidas a partir do uso de um filme como Shrek na escola,
tais como: as diferenças étnicas e raciais, a abjeção, classe, os
padrões de beleza, entre tantos outros.
Referências bibliográficas
BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da
identidade. 1ª ed. São Paulo: Civilização Brasileira, 2003. 240 p.
188 VISUALIDADES
Belidson Dias
É professor da UnB e orientador de Alice Lara no Projeto de
Bolsas de Iniciação Científica –PIC-UnB. Ph.D em Estudos Cur-
riculares – Arte Educação, University of British Columbia Cana-
dá (2006). Mestrado em Artes Visuais - pintura na Manchester
Metropolitan University (1992) e Chelsea College of Arts & De-
sign (1993) Inglaterra.
E-mail: belidsonn@gmail.com
O Lobo Mau, Pinóquio e as Irmãs Más como imagens transgêneras em [...] 189
Um olhar sobre as construções
de identidades de gênero
na contemporaneidade1
Resumo
Palavras-chave:
Identidade, gênero,
heteronormatividade
Keywords:
Identity, gender, heteronorm
192 VISUALIDADES
As últimas décadas foram palco de importantes mudanças nas
práticas de subjetividades das sexualidades e nos modos de vi-
vê-las. Atualmente, a diversidade sexual e de gênero é uma ca-
racterística que podemos observar em toda sorte de encontros
e desencontros entre as pessoas e isso vem desestabilizando as
noções herdadas e culturalmente reproduzidas sobre gênero e
sexualidade. Trata-se de uma profunda e inconclusa transfor-
mação nos modos de pensar conceitos como feminino e mascu-
lino, a normalidade e a anormalidade.
193
3. O termo queer é ambíguo e minha atenção para as construções das identidades de gênero,
pode ter conotações negativas e
agressivas. Pode ser traduzido sustentando minhas observações e reflexões baseada, principal-
como raro, fora do comum, mente, nos conceitos da teoria queer³. Dessa forma, para poder
excêntrico. Desde a década de 90,
um grupo de teóricas e teóricos
investigar essas questões, os rapazes foram incentivados a falar
começou a utilizar a palavra sobre temas como a infância, a escola, os relacionamentos, suas
“queer” para descrever seus visões de mundo, suas subjetividades, as famílias, a aceitação de
trabalhos e perspectivas teóricas.
A proposta desses teóricos é de suas sexualidades e, sair ou não sair do armário4.
re-significar o termo, recuperar-
lo de uma forma positiva para
uma auto-identificação. “A Teoria Meu interesse foi observar como esses rapazes mediaram e ne-
Queer é uma teoria sobre o gê- gociaram seus espaços para o desenvolvimento e visibilidade de
nero que afirma que a orientação
sexual e a identidade sexual
suas identidades de gênero, uma vez que, qualquer manifes-
ou de gênero das pessoas são o tação fora da heteronormatividade encontra dificuldades de ser
resultado de uma construção acomodada no sistema normativo de representações e este fato
social e que, portanto, não
existem papéis sexuais essenciais constitui-se em um paradoxo, uma vez que os discursos de mul-
ou biologicamente inscritos ticulturalidade e a construção e a aceitação das diferenças fazem
na natureza humana, mas sim
formas socialmente variáveis parte dos conteúdos contemporâneos.
de desempenhar um ou vários
papéis sexuais”. Fonte: Wikipédia.
(http://es.wikipedia.org)
Para realizar esta pesquisa me posiciono dentro do constru-
cionismo social que favorece as narrativas das experiências e
4. Sair do armário é uma
as próprias construções de visões do mundo dos sujeitos. A
expressão que significa anunciar técnica utilizada foi de observação ativa e atuante neste grupo
publicamente a orientação específico. Também utilizei como recurso metodológico uma
sexual ou identidade de gênero
de alguém, ou de si próprio. Estar entrevista com características etnográficas com um dos rapazes
fora do armário significa que de Casal Lambda, e teve como objetivo uma aproximação das
alguém, cuja orientação é ge-
ralmente, lésbica, homossexual,
percepções e subjetividades do entrevistado. Em esse processo,
transgênero ou queer, não oculta através de conversas intensas e produtivas, fomos construindo
a sua orientação sexual. A “saída significações de como as diferenças e as identidades são repre-
do armário” é geralmente um
ato voluntário, em que o próprio sentadas e em como elas são incorporadas socialmente.
decide revelar à família, amigos,
colegas ou quaisquer outros, a
sua orientação sexual. Fonte:
http://pt.wikipedia.org O processo
Desde o início sempre estive consciente que os sujeitos não têm
uma só identidade, mas sim, múltiplos referentes de identidade
que se entrelaçam. A identidade não é algo inato, ao contrário, se
constrói a partir de vários aspectos no qual se desenvolvem as ex-
periências pessoais, como os contextos e os intercâmbios, os terri-
tórios de interação social e mediação, a capacidade de reinventar-
se, os costumes e as normas sociais.
194 VISUALIDADES
ral e que deveria guiar-me pelos comentários e os temas que iam
surgindo, em um jogo de construção de conhecimento coletivo,
onde todos falam e todos reflexionam sobre o que era dito.
Neste sentido pode-se dizer que quem fala quer que o outro
lhe escute e que preste atenção ao que está sendo dito, pois,
talvez o mais potente de uma conversação, seja justamente a
reflexão ao que se vinha falando, assim, se fala do que se ´fala`
e juntos criamos possibilidades de trocas e novas formas de
abordar os temas que iam surgindo.
A entrevista etnográfica
A entrevista foi feita a Áries5, 19 anos, estudante de comunica-
ção. Este rapaz é um ator social que se encaixa perfeitamente
nos objetivos desta pesquisa porque tem uma história de vida
intensa, uma vez que sempre teve que viver com o fator do “di-
ferente” na sociedade, não somente pelo fato de ser gay6, mas
também por ter um problema físico congênito que afeta suas
pernas e, em consequência, seu caminhar. Este característica de
Áries acrescenta outra problematização a sua vida além de sua
sexualidade. Vivendo com a condição de ser diferente em uma so-
ciedade que tem dificuldades em assimilar o “desigual”, ou fazê-lo
de uma forma resistente, a força de Áries está exatamente neste
ponto. Lutar contra a tendência padronizante da sociedade lhe
fez adquirir a necessidade de desenvolver uma espécie de anticor-
pos para sobreviver na floresta urbana.
196 VISUALIDADES
experiências cotidianas. Com as narrativas de vida é possível re-
construir o que passou e fazer novas resignificações e interpre-
tações do que foi vivido. As narrativas também têm o potencial
de tornar visível outras verdades. Ainda que, algumas vezes, essa
estratégia de investigação possa tornar-se uma tarefa complexa,
uma vez que a narrativa exige que muitos elementos atuem ao
mesmo tempo em um único sujeito, como Connelly e Clandinin
apontam: “a complexidade da narrativa inclui que uma mesma
pessoa ao mesmo tempo viva, explica, re-explica e revive essas
historias”. (CONNELLY y CLANDININ, 1995, p. 22)7.
Reflexões
Não cabe fazer uma divisão binária entre o que se disse e o que
se cala, haveria de tentar determinar as diferentes maneiras de
calar, como se distribuem os que podem e os que não podem
falar, que tipo de discurso é autorizado ou que formas de dis-
crição é requerida para uns e outros. Não há um silencio, mas
silêncios vários e são parte integrante de estratégias que suben-
tendem e atravessam os discursos. (FOUCAULT, 2006, p. 28,
tradução minha).10
198 VISUALIDADES
lidade e a homossexualidade são elementos interdependentes,
mutuamente necessários e fazem parte de um mesmo padrão
de referencias, Guacira Louro coloca dessa forma esta questão:
200 VISUALIDADES
Toda essa diversidade de identidades e transformações nas
práticas de subjetividades nos força a ter que elaborar outras
formas de pensar o mundo. São manifestações que claramente
não se esgotam no sexo biológico ou em uma herança genética,
uma vez que basta sair às ruas e observar que cada vez é mais
freqüente encontrar pessoas cujas identidades de gênero não
estão diretamente relacionadas com a identidade sexual, ou de
corpo, ou de performance.
202 VISUALIDADES
duzidas desde cedo na formação das crianças. Os processos de
ensino devem indicar o caminho do respeito a si mesmo e ao ou-
tro, partindo do reconhecimento das diferenças, que é um dos
caminhos possíveis para outras alteridades. A sociedade será o
principal beneficiário do fortalecimento de valores como a igual-
dade e a tolerância, como elementos intrínsecos de uma cultura
democrática e politicamente evoluída.
Referências Bibliográficas
BUTLER, J. El género en disputa. El feminismo y la subversión
de la identidad. Barcelona: Ed. Paidós, 2001.
204 VISUALIDADES
CARLA LUZIA DE ABREU
Licenciada em Artes Visuais pela Universidade Federal de
Goiás. Doutoranda em “Artes Visuais e Educação” pela Univer-
sitat de Barcelona, Facultat de Belles Arts, Espanha. Pesquisa
as questões de gênero e de sexualidade não normativas.
E-mail: carlaluzia@gmail.com
Resumo
Palavras-chave:
Educação das artes visuais,
cultura visual, formação
de professores
Novos tempos pedem novas narrativas na educação das artes visuais 207
Abstract
Keywords:
Visual arts education,
visual culture,
professor’s education
208 VISUALIDADES
Há um consenso de que vivemos uma mudança histórica para
uma nova forma de capitalismo: pós-industrial, tardio, flexível.
Essas mudanças que se perfilam desde a economia pelos meios
de comunicação e as novas tecnologias, perpassando pelo pen-
samento neoliberal, afetam nossas vidas cotidianas e têm mu-
dado de modo drástico as relações sociais, políticas, econômi-
cas, culturais, artísticas e até nossas vidas.
Novos tempos pedem novas narrativas na educação das artes visuais 209
da vida adulta, política e social, com versões das mídias sobre o
ser e o sentir. Os sujeitos infantis chegam à escola já possuidores
de uma bagagem de vivências e de prazer com narrativas visuais,
sonoras e corporais da cultura popular, no seu cotidiano.
210 VISUALIDADES
de plasmar em imagens ou visualizar a existência.” Chamando
atenção de que esse caráter visualizador do mundo e da vida não
é um processo novo, o que o caracteriza como novo é “precisa-
mente por centrar-se no visual como um lugar em que se criam e
se discutem significados”.
Novos tempos pedem novas narrativas na educação das artes visuais 211
campo com o qual nos comprometemos e elaboramos uma políti-
ca”. Quer dizer que a cultura é o lugar onde se definem identidades
e assim, essas mudam de acordo com os interesses dos indivídu-
os e das comunidades, na perspectiva das realidades plurais que
coexistem. Como explica Martins (2007, p. 26) “a cultura visual
discute e trata a imagem não apenas pelo seu valor estético mas,
principalmente, buscando compreender o papel social da imagem
na vida da cultura.”
212 VISUALIDADES
concepção de imagem e de arte apoiados na compreensão de que
a imagem não contém uma verdade própria a ser encontrada, des-
crita ou decifrada.
Novos tempos pedem novas narrativas na educação das artes visuais 213
Repensar e reinventar a educação escolar, na pretensão de per-
mitir aos sujeitos se construirem como sujeitos históricos e
como cidadãos, participando da construção de identidades e
subjetividades plurais é uma tarefa que exige reformulação na
formação de professores.
Concluindo....
Se vivemos um tempo de transição, na arte e na educação, nos con-
ceitos de infância e adolescente, que implica redimensionamento
na formação de professores e professoras, na concepção do papel
educativo da arte na educação escolar, em novas formas de ensinar
e aprender, este tempo reflete modos filosóficos e epistemológi-
cos de compreender e fazer ciência, de compreender e fazer arte
e educação. Sob novas bases, principalmente as teorias “pós” que
questionam e revisam as bases modernas, estamos hoje na pers-
pectiva da arte em educação como um espaço de construção que
exige que sejamos sujeitos, criativos e criadores de novas práxis.
Pois, como diz Lortie, (1975 apud GOODSON, 2004, p. 27) “a edu-
cação é rica em prescrições e pobre em descrições” e se prescrições
resolvessem as problemáticas educacionais, a modernidade não
estaria no centro da crítica.
214 VISUALIDADES
Vivemos um tempo que instiga e desafia-nos a criar outras formas e
modos de fazer educação, estabelecendo pontes com a vida cotidia-
na, com os artefatos visuais, sonoros, tácteis da indústria cultural,
com as obras de arte contemporânea, com obras de arte de outros
tempos, com o diálogo entre imagens de diferentes produções e,
principalmente, ouvir a criança e o adolescente, sempre num pro-
cesso contínuo de indagação.
Referências Bibliográficas
BUJES, Maria Isabel E. Infância e Poder: breves sugestões para uma
agenda de pesquisa. In: COSTA, Marisa Vorraber e Bujes, Maria
Isabel. (orgs). Caminhos Investigativos III: riscos e possibilidades
de pesquisar nas fronteiras . Rio de Janeiro: DP&A, 2005 p.179-197.
Novos tempos pedem novas narrativas na educação das artes visuais 215
COELHO, R. Construcciones subjetivas y transformaciones so-
ciales de jovenes y adultos brasileños: un estudio de historias de
vida. 2006. 269 f. Tese (Doutorado em Ensino das Artes Visuais)
Faculdade de Belas Artes, Universidade de Barcelona, Barcelona.
216 VISUALIDADES
Roseane Martins Coelho
É licenciada em Artes Plásticas, , mestre em Educaçao pela UFSC
e doutora em Ensino e Aprendizagem das Artes Visuais pela Uni-
versidade de Barcelona. Bolsista CAPES para Doutorado Pleno no
Exterior, 2002-2006. Foi professora do ensino fundamental no Ma-
gistério Público do Estado de Santa Catarina. Professora Adjunta
do Centro de Educaçao da Universidade Federal de Santa Maria.
Pesquisadora do GEPAEC.
E-mail: rocoelho2000@yahoo.com
Novos tempos pedem novas narrativas na educação das artes visuais 217
218 VISUALIDADES
Fotoquaselances: potências trans na
divulgação científica em instal-ações
Alik Wunder
Carlos Vogt
Resumo
Palavras-chave:
Fotografia, divulgação científica,
pós-estruturalismo
Keywords:
Photography, scientific
divulgation, post-structuralism
220 VISUALIDADES
InstalAção 1: “Brasil todo, congele”¹
Fotografias, palavras, dados e jogos compõem, acompanhados
de uma imensa variedade de autores/compositores que proli-
feram desde 2006 nas invenções de um grupo multidisciplinar
vinculado ao Laboratório de Estudos Avançados em Jornalis-
mo (Labjor) e Faculdade de Educação (FE), ambos da Univer-
sidade Estadual de Campinas (Unicamp) e ao Departamento
de Ciências Biológicas da Universidade Estadual de Santa
Cruz (UESC). São propostas de pesquisa, ação e intervenção
que fazem parte dos projetos: Biotecnologias de rua, financia-
do pelo CNPq; Num dado momento: biotecnologias e culturas
em jogo, financiado pela Pró-reitoria de Extensão e Assuntos
Comunitários (Preac/Unicamp); Um lance de dados: jogar/po-
emar por entre bios, tecnos e logias, financiado pelo Ministério
da Educação e Ministério da Cultura, no edital Proext 2008; e
o recém-aprovado Escritas, imagens e ciências em ritmos de
fabul-ação: o que pode a divulgação científica no Edital Uni-
versal do CNPq, (MCT/CNPq Nº 14/2009).
222 VISUALIDADES
seria sensacional? Que dado não se sente jogado? Ao mesmo tem-
po, a incessante, busca das imagens-sons embriagantes.
224 VISUALIDADES
tre imagem-fotografia-educação-divulgação científica) em que o
sujeito-olho-narrador-autor se faz tão intenso? Vale a pena dizer
que a des-sujeição a que nos referimos, e que queremos explorar,
não é a anulação do fotógrafo, nem do expectador, do sujeito que
produz imagens e do sujeito que vê/observa as imagens. O sujei-
to a que nos referimos, e que nos interessa desestabilizar, é aque-
le que se faz impregnado na imagem, como marca que impede
outras possibilidades de encontroescritapesquisa com/pelas/nas
imagens, que impede a proliferação de sentidos.
Figura 03
226 VISUALIDADES
Apostamos em outras possibilidades de entender e pesquisar o
que comumente se denomina divulgação científica e investimos
na produção de sentido nas superfícies, expressão expressa em
acontecimento, acompanhando a filosofia de Gilles Deleuze. Es-
corregões, deslizes, transversos, transversões, transfigurações,
transgressões por profundidades imaginárias. Deslizes. Des-
centramento da necessidade de uma linearidade temporal para
produção e divulgação de conhecimentos. Trans-formações que
ressoam em nossas formas de pensar nas/com/pelas imagens-
biotecnologias. Escapar desta linearidade que organiza o antes
– momento da produção da imagem – e o depois – momento
em que a imagem é vista – dentro da lógica da continuidade, de
uma comunicação controlada e estável. Uma busca de estéticas
que possibilitem a subsistência de um tempo próprio da ima-
gem, sem o desejo de fixar o antes (significações do fotógrafo) e o
depois (significações do espectador), mas aberto ao deslize cons-
tante que se dá na superfície escorregadia das imagens: em cores,
sombras, texturas, adensamentos, repetições, composições...
228 VISUALIDADES
ram? Pó? Pixels? Dados soltos. A busca por uma fotografia que
quer soltar, lançar, jogar dados. A cada soltura, lance, jogo, a es-
crita-pesquisa também quer jogar-se e permitir-se ao vôo cego.
Um mergulho que expõe uma busca por desestabilizar a divul-
gação científica, com as imagens através da lógica da comunica-
ção-recognição das ciências. Fazer do fotografarescreverpesqui-
sar a invenção, a cada vez, de um tabuleiro ilimitado, infinito,
em que as peças do jogo se movimentam em qualquer direção,
afirmam quaisquer combinações e, também, não hesitam em
desafirmar. Fotoquaselances que efetuam um movimento, um
transbordar, um lançar-se em várias direções e buscar lances
que não são pontos de vista sobre um mesmo fato, versões de
um fotógrafo sobre uma mesma peça, leituras de um espectador
sobre um mesmo jogo. Potência de afirmar a multiplicidade da
realidade-peça-jogo, que não submete a vida a nenhuma forma
de transcendência, de transcrição. Lançar transversos aos ven-
tos. Aos mares. Ao sol. “Vem do sol o que queima e as cores,
amanhã o teu pó serão flores”4.
230 VISUALIDADES
Entre outro(a) criança artista. Público. Criação. Futuro dado? Foto-
grafia dado? Dá-se na fotografia outros momentos, Num dado mo-
mento, numa dada fotografia. Jogos que não são de palavras, mas de
(sem)sentidos, de experiências, de luminosidades. Lances em que
fotografias e palavras pescam pelas superfícies luminosas não-pala-
vras. Quando essa não-palavra – a entrelinha – morde a isca, alguma
coisa se escreveu. Uma vez que se pescou a entrelinha, poder-se-ia
com alívio jogar a palavra fora. Mas aí cessa a analogia: a não-pala-
vra, ao morder a isca, incorporou-a (LISPECTOR, 1973, p.23). Inscri-
ção. No caleidoscópio das jografias. Escritas e(m) jogo: Variação e
dispersão pelos interstícios da repetição (...) Retrato que se adensa e
explode, se dispersa e é esquecido, deformado ao atravessar a super-
fície e sublimar o/a retratado (ANDRADE, 2006, p. 97). Retratado
dado. Trato do dado. Dado em traço. Traçado. Trans-ado.
Referências Bibliográficas
AMORIM, Antonio Carlos Rodrigues de. Fotografia, som e ci-
nema como afectos e perceptos no conhecimento da escola. In:
Teias. Rio de Janeiro, ano 8. n. 15-16, jan-dez 2007.
232 VISUALIDADES
ANDRADE, Elenise Cristina Pires. A superfície ex-cri(p)ta em
professores e professoras: curri, corre, colares, dores simulando
silêncios ensurdecedores. 2006. Tese (Doutorado em Educa-
ção). Faculdade de Educação, Unicamp, Campinas, SP.
Alik Wunder
Mestre e doutora em educação pela Faculdade de Educação da Uni-
versidade Estadual de Campinas (Unicamp). Atualmente é pro-
fessora da Universidade Estadual Paulista (Unesp – Campus Rio
Claro) e pesquisadora associada ao Grupo OLHO – Laboratório de
Estudos Audiovisuais da FE-Unicamp e ao Labjor-Unicamp.
E-mail: alik.wunder@gmail.com
Carlos Vogt
Poeta, linguista e coordenador do Labjor-Unicamp. Foi reitor da
Unicamp (1990-1994), presidente da Fapesp (2002-2007) e, atual-
mente, é secretário de Ensino Superior do Estado de São Paulo.
E-mail:cvogt@uol.com.br.
246 VISUALIDADES
com o surgimento de formas orgânicas, biomórficas e sintéti-
cas, bem como com o simbolismo que universalizava signos
da paisagem regional.
248 VISUALIDADES
Ensaio Visual - Cleber Gouvêa 249
PAINÉIS
Lugares e trânsitos de
imagens na licenciatura
em artes visuais a distância
Alexandre Guimarães
Resumo
Palavras-chave:
Imagens, licenciatura em artes
visuais, ensino a distância
252 VISUALIDADES
As narrativas visuais
de um artista da moda
Resumo
Palavras-chave:
Ronaldo Fraga, criação de moda,
narrativa visual
Painéis 253
Animação interativa na
web: novas possibilidades
estéticas e artísticas em
ambientes digitais
Resumo
Palavras-chave:
Tecnologia digital,
web, animação
254 VISUALIDADES
Corpo Humano: transformações
das formas em movimento
Elani Paludo
Resumo
Palavras-chave:
Formas humanas, movimento,
representação
Painéis 255
Quadrinhos e ficção científica
Resumo
Palavras-chave:
Ficção científica (FC), história
em quadrinhos (HQ),
deslocamento conceitual
256 VISUALIDADES
O lugar da aprendizagem
narrativas de uma experiência de
representações e percepções culturais
Genilda Alexandria
Resumo
Painéis 257
Desdobramentos da escultura
goiana a partir das obras
de Gustav Ritter
Resumo
258 VISUALIDADES
Bioarte brasileira:
as poéticas da vida artificial
Resumo
Palavras-chave:
Bioarte, vida artificial,
arte e tecnologia
Painéis 259
Ulisses - a Odisséia de um
corpo: relações entre
arte e literatura
Resumo
Palavras-chave:
Odisséia, literatura e arte,
estudos intersemióticos
260 VISUALIDADES
Caminho das pedras: uma reconstrução
do olhar e da experiência no processo
de construção de roupas
Maristela Novaes
Resumo
Palavras-chave:
Aprendizagem, modelagem,
formação de designers de moda
Painéis 261
Sujeito e interpretação:
o processo de recepção
em três filmes do João Bennio
Resumo
Palavras-chave:
Processos de recepção, cinema
goiano, teoria do cinema
262 VISUALIDADES
Viva as diferenças: experiência visual
e interpretação crítica do significado
de diferença cultural a partir de uma
campanha publicitária da Coca-cola
Resumo
Palavras-chave:
diferença cultural,
educação para a cultura
visual, publicidade
Painéis 263
Visualidades amazônicas:
o manejo de pesca da
colônia Z-32 de Maraã (AM)
Rafael Castanheira
Resumo
Palavras-chave:
antropologia visual, fotografia
documental, manejo de pesca
264 VISUALIDADES
Lençois esquecidos no Rio Vermelho
intervenção urbana
Selma Parreira
Resumo
Palavras-chave:
Paisagem, memória,
intervenção urbana
Painéis 265
Condução de usuários
em sites de relacionamento:
a construção da audiência
Resumo
266 VISUALIDADES
Trincheiras na formação de
professores de artes visuais
compartilhando subjetividades
Resumo
Palavras-chave:
Formação de professores, ima-
gens, experiência cultural
Painéis 267
A produção audiovisual como
instrumento de resistência
dos povos indigenas
VANDIMAR MARQUES
Resumo
Palavras-chave:
Vídeo etnográfico, sociedades
indígenas, resistência
268 VISUALIDADES
Painéis 269
Normas para publicação
de trabalhos
270 VISUALIDADES
à qual está ligado, telefone, fax e e-mail. Essas informações devem
ser enviadas separadamente.
Referências bibliográficas:
Quando o autor citado integrar o texto, usar o formato: Autor (ano,
p.). Em caso de citação ao final dos parágrafos, usar o formato: (SO-
BRENOME DO AUTOR, ano, p.). Diferentes títulos do mesmo
autor publicados no mesmo ano serão identificados por uma letra
após a data (SILVA, 1980a), (SILVA, 1980b). As referências biblio-
gráficas completas devem ser informadas apenas no final do texto,
em ordem alfabética, de acordo com as normas da ABNT (NBR-
6023/2000):
272 VISUALIDADES