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Associativismo, participação e cultura cívica.

ARTIGO ARTICLE
O potencial dos conselhos de saúde

Associativism, participacion, civic culture


and health councils in Brazil

Maria Eliana Labra 1


Jorge St. Aubyn de Figueiredo 2

Abstract In Brazil, the political democrati- Resumo No Brasil, a democratização e a des-


zation and decentralization processes opened centralização abriram espaço para inúmeras
spaces for a number of experiences of popular experiências de participação popular em are-
participation in policy decision arenas. The nas de decisão de políticas públicas. O setor
health sector outstands in the country as well saúde se destaca no país e na América Latina
as in Latin America because of the existence pelo funcionamento de mais de 5.500 conse-
of more than 5.500 health councils in which lhos de saúde, nos quais a representação da so-
representatives of the civil society organiza- ciedade civil organizada é compartilhada de
tions share half of the seats with those of health forma paritária com autoridades setoriais,
authorities, professional and institutional prestadores profissionais e institucionais e tra-
providers of health care, and of health work- balhadores do setor. Este trabalho apresenta
ers. The purpose of this article is to present the resultados de pesquisa que buscou traçar um
main results of research endured to design a perfil sociopolítico dos representantes dos usuá-
sociopolitical profile of the users’ representa- rios nos conselhos de saúde do Estado do Rio
tives in the health councils. The contents fo- de Janeiro. A exposição aborda elementos teó-
cuses on some theoretical issues concerning ricos relativos a temas como democracia, as-
democracy, associativism and civic culture; ex- sociativismo e cultura cívica, examina a de-
amines aspects of the Brazilian democratiza- mocratização brasileira, a reforma do sistema
tion process, the health system reform and the de saúde e os conselhos de saúde, e analisa os
health councils and, analyses the research da- dados da investigação. Entre as considerações
ta. Among other conclusions, it is postulated finais, postula-se que a participação nos con-
that participation of representatives of civil so- selhos de saúde fomenta um círculo virtuoso
ciety in the health councils fosters a virtuous caracterizado pelo envolvimento dos cidadãos
1 Departamento de circle characterized by the involvement of cit- em questões de interesse geral, pela acumulação
Administração e izens in matters of common good, the accu- de capital social e pelo despertar de uma cul-
Planejamento em Saúde, mulation of social capital, and the awakening tura cívica, contribuindo, em última instân-
Escola Nacional
de Saúde Pública, Fiocruz. of civic culture values, thus contributing for cia, para o fortalecimento da democracia.
Rua Leopoldo Bulhões the strengthening of democracy. Palavras-chave Democracia, Associativismo,
1.480/7o, Manguinhos. Key words Democracy, Associativism, Par- Participação, Cultura Cívica, Conselhos de
21041-210 Rio de Janeiro RJ.
labra@ensp.fiocruz.br ticipation, Civic culture, Health councils, Brazil saúde, Brasil
2 Ministério da Saúde,
Cabo Verde.
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Labra, M. E. & St.Aubyn F. J.

Introdução Mundial, implantou o corporativismo estatal,


vigente em países como Itália, Espanha e Portu-
No Brasil, a democratização política e a descen- gal, bem como no Brasil durante o período dita-
tralização das políticas sociais abriram espaço torial chamado Estado Novo (1937-1945).
para incontáveis experiências de participação Por outra parte, na Europa central, a longa
popular em arenas públicas de decisão de políti- tradição das guildas e corporações de ofício le-
cas. O setor saúde se destaca não só no país, mas vou no século 20 à formação de arranjos insti-
também na América Latina, pelo surgimento de tucionais de decisão integrados por represen-
mais de 5.500 conselhos de saúde, dos quais, por tantes das organizações do capital, do trabalho e
força da lei, os representantes da sociedade ci- do governo, instaurando-se um formato de for-
vil organizada participam de forma paritária mulação de políticas que Schmitter (1974) de-
com representantes da autoridade setorial e nominou “neocorporativo”. Com esse autor, sur-
prestadores profissionais e institucionais de ser- giu uma nova corrente de teorizações nas ciên-
viços. Este trabalho apresenta resultados de pes- cias políticas e sociais que, em oposição à tradi-
quisa que buscou traçar o perfil sociopolítico ção pluralista norte-americana, colocou em pau-
dos representantes dos usuários nos conselhos ta o tema da governabilidade positiva que resul-
de saúde do Estado do Rio de Janeiro. A exposi- taria da incorporação dos interesses organiza-
ção compreende as seguintes partes: 1) elemen- dos em associações formalmente reconhecidas
tos teóricos e conceituais relativos a democra- pelo Estado às esferas de decisão de políticas
cia, associativismo e cultura cívica; 2) parado- públicas, que, dessa forma, seriam o produto de
xos da democratização brasileira e conselhos de negociações e consensos entre os atores. Na pers-
saúde; 3) análise dos resultados do estudo. Entre pectiva dos estudos comparados de modos de
as considerações finais destaca-se a hipótese de policy making, aqueles países de welfare state
que a participação nos conselhos de saúde tem avançados de orientação social-democrata têm
potencial para fomentar um círculo virtuoso sido identificados como protótipos do neocor-
que tende a induzir a acumulação de capital so- porativismo democrático (Labra, 1994; 1993).
cial e a despertar valores próprios de uma cultu- O prolongado debate entre pluralistas e neo-
ra cívica, concorrendo assim ao fortalecimento corporativistas nas três últimas décadas trouxe à
da democracia. tona a necessidade de examinar com novas len-
tes a questão das associações de interesse, suas
articulações às arenas decisórias estatais e os pa-
Associativismo, democracia drões de elaboração das políticas. Como resulta-
e cultura cívica do, surgiram numerosos estudos comparando
nações e/ou setores que, em síntese, demonstra-
A dimensão associativa da ordem social é um ram que a dimensão associativa é uma variável
tema de crescente relevância na discussão aca- crucial para conhecer melhor o que fazem os go-
dêmica, em particular com relação aos países de vernos, como o fazem e a quem beneficiam suas
redemocratização recente – ou “neodemocra- decisões. No plano teórico, a associação passou
cias”, como as rotulou Schmitter (1993) –, devi- a ser considerada uma base institucional adicio-
do à revitalização da ação societária e à restau- nal às concepções consagradas sobre as explica-
ração das mediações entre Estado e sociedade. ções da ordem social, a saber, a comunidade, o
A questão das “facções” é antiga, tendo recebido estado e o mercado econômico/político e seus
atenção desconfiada dos iluministas e a admi- respectivos princípios-guia – solidariedade, con-
ração de outros como Tocqueville quando ob- trole hierárquico e competitividade (Streeck &
servou a preocupação do cidadão norte-ameri- Schmitter, 1985; Labra, 1999). A associação apa-
cano com os assuntos da vida cívica. A idéia de rece, nesse novo enfoque, como um elemento de
uma sociedade organizada em “corpos orgâni- estabilidade na medida em que a concertação
cos”, funcionais ao Estado, foi preocupação não seria o princípio que guia a ação coletiva dos
só de pensadores como Hegel e Durkheim, mas interesses organizados, tanto no plano interno
também da Igreja Católica que, desde a Encíclica como nas vinculações ao Estado, ao tempo que
Rerum Novarum, passou a prescrever a incor- é atenuado o papel dos partidos políticos na
poração dos “corpos intermediários” da socie- sua qualidade de “correntes de transmissão”
dade às instâncias de governo, como uma forma das demandas da sociedade às arenas estatais.
de controlar o conflito social. Sob essa inspira- O revival da atenção nos interesses organiza-
ção, o fascismo, surgido após a Primeira Guerra dos tem levado, até, à revisão da teoria demo-
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crática, a ponto de se propor uma “democracia sensível às demandas dos cidadãos, mas deve,
associativa” que, afastando-se das interpreta- também, atuar com eficácia na satisfação das
ções pluralistas e neocorporativas, sintetizaria a mesmas. O desempenho institucional, assim
democracia social e a democracia radical, am- entendido, se relaciona, por sua vez, com o des-
pliando ao mesmo tempo o próprio conceito de pertar da consciência cívica e com a acumula-
democracia que, dessa forma, daria sustentação ção de capital social, o qual fomenta a instaura-
tanto à liberdade como à igualdade. A revisão ção de comunidades cívicas capazes de dar sus-
teórica e as propostas nesse sentido levaram Co- tentação à democracia política e social. Para esse
hen & Rogers a propor uma nova ordem políti- autor, uma “comunidade cívica” se caracteriza
co-constitucional caracterizada por maior confi- “por cidadãos atuantes e imbuídos de espírito
ança nas instituições não estatais, para definir e público, por relações políticas igualitárias e por
resolver problemas sociais junto com estânda- uma estrutura social assentada na confiança e
res mais acurados de universalismo e esforços na colaboração” (Putnam, 1996). Reiterando,
para construir solidariedades sociais (Cohen & em uma comunidade cívica, a cidadania se en-
Rogers, 1995). volve nas questões de interesse comum, partici-
Em direta conexão com essas preocupações, pa na vida pública, é solidária, confiante e tole-
tem igualmente assumido importância cres- rante, embora não negue os conflitos de inte-
cente no debate contemporâneo a dimensão so- resse, e se engaja em organizações cívicas que
ciocultural, tanto com respeito às democracias incorporam e reforçam esses valores. De acordo
consolidadas como às nações recentemente re- com essa perspectiva, a cultura cívica é a expres-
democratizadas como o Brasil. Tem sido dada são não apenas das regras de reciprocidade, mas
atenção particular à necessidade de participa- é, também, a materialização de sistemas de par-
ção mais ativa dos cidadãos nas decisões gover- ticipação social formados pelas associações da
namentais. Ainda que a partir de enfoques teó- sociedade civil, que, como reafirma Santos Jú-
ricos diferentes, estudos como os de Macpher- nior (2001), representam uma forma de capital
son (1977); Pateman (1992); Benevides (1991); social.
Cohen & Rogers (1995); Putnam (1996); Cohen Tal como examina Abu-El-Haj (1999), as
& Arato (2000) e Gohn (2001), entre muitos observações culturalistas de Putnam a respeito
outros autores, têm assinalado as deficiências da da democracia e a ação coletiva na Itália o leva-
democracia política formal e suas instituições ram a concluir que a complementação entre as
tradicionais, como o Parlamento e os partidos ações institucionais públicas e as ações coleti-
políticos, no que diz respeito à tomada de deci- vas fortalece o engajamento cívico. Se, por uma
sões que contemplem os interesses das maiorias. parte, as experiências de mobilização e atuação
Entre as variadas propostas nesse sentido, des- coletiva acumulam um capital social derivado
tacam-se a aproximação dos processos de deci- dos laços de confiança mútua entre os cidadãos,
são à comunidade mediante a descentralização que intensifica o envolvimento cívico coletivo,
do poder político e a construção de arenas pú- por outro, um Estado liderado por elites políti-
blicas que incorporem a sociedade civil organi- cas reformistas e determinadas a fixar normas
zada, pressupondo-se que, dessa forma, serão transparentes que regulem a interação entre os
adotadas políticas públicas mais eqüitativas. interesses organizados facilita a disseminação de
Cohen & Arato, por exemplo, negam as vi- uma vida pública ativa e dinâmica. Entretanto,
sões elitistas da política e a redução da demo- o fator histórico é determinante para a existên-
cracia e dos direitos civis e políticos individuais cia de um tipo de associativismo mais ou menos
a um conjunto de métodos para eleger os diri- favorável ao envolvimento cívico. Desde o pon-
gentes. Os autores defendem a idéia utópica de to de vista histórico, Putnam distingue dois ti-
participação direta dos cidadãos na vida públi- pos ideais de associação: a vertical e a horizon-
ca, o que implicaria a reconstrução da socieda- tal. Na associação de tipo vertical predominam
de civil no sentido de “articular um acordo ins- relações assimétricas de hierarquia e dependên-
titucional que converterá em realidade os prin- cia, desconfiança, normas não transparentes,
cípios clássicos da cidadania sobre bases iguali- espírito de facção, isolamento, etc. Uma asso-
tárias, modernas, isto é, a participação de todos ciação dessa natureza, portanto, obstrui a ação
no governo e em serem governados” (Cohen & coletiva. Já o associativismo horizontal se dis-
Arato 2000). tingue por congregar relações de igualdade, é
Por sua parte, Putnam assinala que o “bom fruto da confiança, de normas e de redes de so-
governo” democrático não deve ser somente lidariedade, é indutor de relações cívicas vir-
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tuosas, conduz a um elevado grau de engaja- valor que pautaram a elaboração da Constitui-
mento cívico e auto-organização e, por conse- ção de 1988. Com efeito, a Carta Magna incor-
guinte, provê melhores condições para a recon- porou dispositivos que contemplam a participa-
ciliação entre estabilidade política e bom de- ção direta e indireta do povo nas decisões de go-
sempenho socioeconômico (Putnam, 1996). verno mediante o referendo, moções de inicia-
Essa distinção é pertinente para compreen- tiva popular e integração da sociedade civil or-
der o “dilema brasileiro”, que, para Damatta, ganizada a instâncias de elaboração das políti-
consiste na coexistência entre duas práticas e cas sociais.
ideologias de algum modo interligadas: “as da A democratização brasileira tem se caracte-
igualdade, do civismo e do individualismo – da rizado por sua natureza restrita e gradual, tam-
moderna cidadania; e as da desigualdade, da bém marcada, de um lado, por crises políticas,
hierarquia e do clientelismo (...) que as teorias sociais e, sobretudo, financeiras – com uma in-
liberais ou burguesas tomam como contraditó- flação galopante que só vai ser detida em 1994,
rias” (Damatta, 2000). No plano associativo, tal quando já alcançava 3.000% ao ano – e, de ou-
tradição se refletiria na permanência da tradi- tro, por intensa mobilização popular. O proces-
ção corporativa patrimonialista junto com for- so de abertura inicia-se timidamente na segun-
mas neocorporativas de intermediação de inte- da metade dos anos 70, seguindo-se uma série
resses (Diniz & Boschi,1989; Santos, 1993). de percalços na sucessão presidencial até a elei-
Essas interpretações colocam em evidência ção de Fernando Henrique Cardoso, em 1994.
duas vertentes. A primeira, oriunda de um pas- Embora Cardoso tenha conseguido estabilizar
sado de dominação escravista, oligárquica e au- a economia, paralelamente promoveu amplo
toritária; de sufocamento de direitos políticos e programa de privatização de empresas públicas
civis individuais e coletivos, aí incluída a liber- sem que os vultosos capitais captados fossem
dade de expressão e de associação; de inibição canalizados para as áreas sociais como prometi-
do surgimento de identidades partidárias inde- do, perpetuando-se o desolador quadro de ini-
pendentes originadas do seio da sociedade e qüidades entre regiões, entre cidades e periferias
portadoras de ideologias e práticas políticas uni- e entre classes sociais. Com efeito, nos anos 90
versalizantes, além da interpenetração entre o observou-se maior compressão ainda das ren-
interesse geral e os interesses particulares em das familiares: se em 1992 a participação da mas-
detrimento do papel precípuo dos governos na sa salarial no Produto Interno Bruto (PIB) era
redistribuição mais justa da riqueza nacional. de 45%, em 2000 tinha decrescido para 37%. De
A segunda deriva da lenta restauração da de- acordo com relatório do Tribunal de Contas da
mocracia formal, configurando-se um cenário União, os reflexos na concentração da renda fo-
de revitalização da sociedade civil, de formação ram diretos: no mesmo período, os 50% mais
de partidos progressistas com identidades ideo- pobres da população ficaram com apenas 14%
lógicas e programáticas claras, como o Partido da riqueza nacional, enquanto 1% dos mais ri-
dos Trabalhadores (PT), e de instauração de me- cos reteve 13% (Caetano & Campos, 2001).
canismos de accountability público que, junto Deve-se levar em conta que a permanência
com o papel investigativo assumido pelos meios da exclusão e a pobreza, e a conseqüente distri-
de comunicação, vêm gradualmente impondo buição extremamente desigual dos recursos de
maior transparência à atividade das burocra- poder e bens simbólicos e culturais, é central
cias estatais. para aquilatar a democratização. Como aponta
De ambigüidades e mudanças como as apon- Macpherson (1977), um sistema democrático,
tadas, faz parte a emergência e proliferação, nos que valoriza a participação, por si só não elimi-
anos 90, de formas colegiadas de participação na as iniqüidades; mas uma sociedade mais
nas arenas de decisão das políticas de saúde no equânime e humana exige um sistema de par-
Brasil. No que segue, abordaremos esse aspecto. ticipação política mais intensa. Se não existe li-
gação entre esses elementos, corre-se o risco de
que o entusiasmo inicial ceda lugar ao desen-
Conselhos de saúde – virtudes canto, à apatia e até mesmo à hostilidade para
e limitações com a democracia (Moisés, 1992). Neste senti-
do, o Brasil cumpriria todos os requisitos para
As renovadas concepções de democracia exami- que seu povo nutra profundo ressentimento
nadas na seção anterior são da maior pertinên- contra a nova institucionalidade democrática
cia para se compreenderem as orientações de pela qual tanto batalhou. Não obstante, essa ar-
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ticulação não é tão direta, como se tentará mos- junto com a politização da questão saúde me-
trar neste trabalho. diante a realização periódica de conferências de
O paradoxo de que enquanto avança a de- saúde em todo o país, têm permitido colocar a
mocracia política há um aprofundamento da implementação do SUS em permanente ques-
desigualdade social tem sido objeto de variadas tionamento e vigilância, formando-se uma mas-
considerações nas análises da “neodemocracia” sa crítica de apoio que tem assegurado, em boa
brasileira como a de Santos Júnior (2001), entre parte, o aperfeiçoamento do sistema e crescente
outras. Entretanto, esse debate ainda é ofuscado participação cidadã, assentando as bases, embo-
pela hegemonia da ortodoxia neoliberal e suas ra ainda muito frágeis, para o almejado contro-
receitas de mais mercado e menos estado, em le social dos usuários sobre as decisões e os atos
circunstâncias que o combate à pobreza e ao de- das autoridades setoriais.
semprego requerem decidida intervenção estatal Como resultado, atualmente há no país mi-
com ações diretas e pesados investimentos. Co- lhares de pessoas envolvidas nos CS. O porte de
mo se sabe, para os neoliberais a democracia se cada um varia segundo o tamanho da popula-
resume a um conjunto de procedimentos que ção local, mas a regulamentação provê, para to-
assegurem eleições livres, deixando por conta de dos eles, a mesma composição paritária: meta-
um suposto crescimento econômico e das forças de dos assentos corresponde a representantes da
do mercado a solução dos problemas sociais. autoridade setorial, dos profissionais, dos pres-
Todavia, essa solução, profusamente apregoada tadores públicos e privados e dos trabalhadores
pelas agências internacionais de crédito, tem de- da saúde; a outra metade deve compreender re-
monstrado ser totalmente equivocada porque presentantes dos usuários dos serviços do SUS.
produz efeitos tão opostos como os observados Neste caso, como ainda não existe no Brasil uma
no Brasil e demais países latino-americanos. organização própria dos usuários, as entidades
É nesse contexto de contradições, esperan- representadas nos CS são de natureza diversa,
ças e decepções que se consegue implementar, a destacando-se as associações de portadores de
partir de 1990, o Sistema Único de Saúde/SUS, patologias e deficiências e as associações de mo-
de cuja engenharia institucional constaram ins- radores de bairros e de favelas. Em muitos CS se
tâncias colegiadas de deliberação das questões fazem representar os sindicatos de trabalhado-
políticas e técnicas do setor, às quais se incorpo- res urbanos ou rurais, agregações como as das
raram representantes de organizações da socie- mulheres e os “clubes de serviço” como o Rotary
dade civil. E isso foi possível graças à força de Clube. Por outro lado, apesar de sua importân-
dois movimentos convergentes, um derivado cia central, a medicina empresarial privada, da
da mobilização popular dos anos 80 em prol da qual o SUS compra serviços, tem discreta pre-
democracia e do direito à saúde e outro emana- sença nos CS.
do das disposições legais que criaram o SUS. A O tema da representação tem sido muito
partir de começos dos anos 90, e com maior vi- controvertido e ainda se buscam mecanismos
gor na segunda metade da década, foram insta- para alcançar uma paridade igualitária entre os
lados conselhos em todas as unidades da Fede- segmentos, bem como a idoneidade dos repre-
ração: Conselho Nacional de Saúde, Conselho de sentantes. Como a denominação “usuário” é va-
Saúde em cada um dos 28 estados e Conselhos ga, as não raras “falsificações” na representação
de Saúde praticamente nos 5.508 municípios do têm efeitos negativos, tanto em termos da de-
país, instituindo-se, ademais, conselhos distri- mocracia interna quanto em relação à legitimi-
tais ou locais nos municípios de grande porte. dade do CS.
É preciso dar relevo ao fato de que disposi- Numerosos estudos sobre os CS têm de-
ções do Ministério da Saúde e do Conselho Na- monstrado que existem muitos problemas de
cional de Saúde impulsionaram a criação de tais funcionamento, atribuídos, em boa medida, à
instâncias na medida em que para a transferên- falta de tradição de participação e de cultura cí-
cia de recursos financeiros a estados e municí- vica no país. Dificuldades derivam também de
pios é indispensável que a correspondente secre- questões regulamentares que afetam o resultado
taria de saúde conte com um Conselho de Saúde das resoluções adotadas. Por exemplo, de acor-
(CS). Recentemente foram adicionados requi- do com as normas constitucionais, cabe ao se-
sitos que tornam imperativa a existência do CS, cretário de saúde, como representante setorial
como a obrigação de este examinar e aprovar o do Poder Executivo nos estados e municípios, a
Plano de Saúde, o Orçamento e outros instru- iniciativa de formular e decidir em seu campo
mentos de gestão. Tais incentivos normativos, de ação. Assim mesmo, pelas regulamentações
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vigentes, também cabe a essa autoridade presi- ro, que tem 13,8 milhões de habitantes e 92 mu-
dir o CS. Tem sido difícil, portanto, evitar que nicípios. A RM compreende 18 municípios e tem
esse gestor imponha suas propostas, manipule 10,5 milhões de habitantes, ou seja, representa
as reuniões ou desacate as decisões deliberadas quase 80% da população do Estado. O municí-
no colegiado. A isso se soma a complexidade dos pio do Rio de Janeiro concentra a maior e me-
assuntos discutidos, em particular os financei- lhor rede de atenção à saúde e demais equipa-
ros, sobre os quais as pessoas leigas não têm co- mentos urbanos e também o PIB per capita mais
nhecimento. Isto tem levado a diversas inicia- alto: R$13.200,00 contra R$2.025,00 do municí-
tivas de capacitação de conselheiros que, junto pio de Japeri, o mais pobre da RM. Embora a ta-
com uma espécie de “profissionalização” dos re- xa de alfabetização seja de 95%, o nível educa-
presentantes dos usuários, possibilitada pela su- cional é muito baixo: apenas 6,6% da população
cessiva eleição ou indicação dos mesmos indiví- tem mais de 12 anos de instrução (CIDE, 2000).
duos, têm permitido que adquiram alguma fa- A pesquisa teve caráter exploratório e foi
miliaridade com as matérias relativas a políticas, executada mediante aplicação de questionário
programas, ações e serviços de saúde. aos representantes dos usuários dos CS dos 18
O exercício do controle social sobre a gestão municípios da RM, respondendo 16. O universo
da res publica na saúde foi o objetivo primordial desses representantes é de 122 conselheiros, dos
que se teve em mente ao idealizar os CS. Porém, quais responderam 60 (49%). O questionário
essa meta é a mais difícil de alcançar porque im- constou de 73 perguntas fechadas e duas aber-
plica profundas mudanças na cultura política e tas referentes à opinião sobre controle social.
cívica do país. De fato, apesar da plena vigência Além da identificação do entrevistado, qua-
das instituições democráticas, ainda apresen- tro aspectos foram abordados: 1) as relações en-
tam forte clientelismo político expressado na tre os conselheiros representantes de usuários e
concessão de benefícios de direito como se fos- entre estes e os demais segmentos do CS; 2) va-
sem favores pessoais, criando-se relações de de- loração da participação no CS; 3) relações que
pendência pessoal assimétricas (Bezerra, 1999). mantêm esses conselheiros com as associações
Esses comportamentos estão enraizados na po- que representam; 4) o envolvimento nas ques-
pulação, em especial na massa pobre, que acata tões de governo; 5) o exercício do controle so-
com resignação seu destino. Por isso mesmo, os cial. Salienta-se que, em prol da brevidade, as in-
CS, assim como outros colegiados que vêm pro- formações a serem mostradas privilegiam ape-
liferando nas mais diversas áreas do governo, nas os dados mais reveladores do objeto inves-
adquirem importância crucial, já que consti- tigado.
tuem um espaço único para o desenvolvimento
de atitudes cívicas comprometidas com os di- Quem o conselheiro representa
reitos de cidadania e com o interesse geral.
Observações dessa ordem serviram de pon- Dos conselheiros entrevistados, 52% repre-
to de partida para investigar o papel socializa- sentam a associação de moradores de sua locali-
dor dos CS, partindo da seguinte indagação: em dade; em segundo lugar vêm as Associações de
que medida a participação dos representantes Portadores de Patologias e Deficiências (18%)
dos usuários dos serviços do SUS nos conselhos e em terceiro lugar sindicatos de trabalhadores
de saúde contribuiria para a indução de um cír- (12%). É importante ressaltar que a pesquisa
culo virtuoso capaz de fomentar a acumulação confirmou que mais da metade das associações
de um estoque de capital social conducente à for- de moradores foi criada ao longo da década de
mação de comunidades cívicas e, portanto, ao 1980, o que reitera a intensa atividade associati-
incremento da cultura cívica? va ocorrida durante o processo de democratiza-
No que segue, apresentam-se os resultados ção. Já os portadores de patologias, na sua imen-
mais relevantes do estudo realizado com esses sa maioria (73%), se agruparam nos anos 90.
objetivos (Figueiredo, 2001). Ambos os dados comprovam que a criação dos
CS imprimiu uma nova dinâmica organizativa
à sociedade civil.
Um perfil dos representantes
dos usuários nos conselhos de saúde Quem é o conselheiro

O estudo foi realizado junto aos CS da Região Sexo: homens – 60%; mulheres – 40%
Metropolitana (RM) do Estado do Rio de Janei- Idade – faixa de 35 a 54 anos: 60%
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Situação de emprego: empregados – 40%; Relações dos conselheiros
aposentados – 32%; desempregados – 8% representantes dos usuários
Instrução: primeiro grau – 20%; segundo entre si e com os demais segmentos
grau – 35%; curso universitário completo ou
incompleto – 43% Entre os representantes dos usuários: existe
Faz parte da direção da associação que re- cooperação – 74%; atuam coletivamente – 70%;
presenta no CS: 73% há conflitos - 12%
Esses dados mostram que entre os represen- Entre os representantes dos usuários e os de-
tantes dos usuários primam os conselheiros ho- mais segmentos: há cooperação – 62%; existem
mens; trata-se, em geral, de pessoas maduras das conflitos – 29%
quais cerca de dois terços (72%) estão ou estive- Tais respostas confirmam outros estudos,
ram inseridas no mercado formal de trabalho e, como o de Silva (2000), que apontaram para o
o mais importante, as informações relativas ao predomínio de relações de colaboração entre
grau de instrução revelam que 43,3% têm curso os representantes dos usuários e a tendência a
superior completo ou incompleto, em circuns- solucionar os problemas através de negocia-
tâncias nas quais a média da RM é de apenas ções e consensos. Note-se que, embora existam
6,6%. Isso quer dizer que, apesar do baixo nível conflitos no seio desse grupo, quase um terço
de instrução em geral, para atuar no CS as asso- expressou a existência de dificuldades quando
ciações escolhem pessoas que sejam mais ma- se trata das relações com os demais segmentos
duras, melhor capacitadas e façam parte da cú- presentes no CS.
pula dirigente da organização, de modo a terem Quanto às opiniões sobre as relações com o
melhor preparo para entender os assuntos trata- presidente do CS, que é o secretário municipal
dos e participar com desenvoltura nas reuniões. de saúde ou gestor, foram as seguintes:
Os conselheiros têm influência nas decisões
Meios de informação utilizados do gestor – 60%
pelos conselheiros O gestor aceita as resoluções do CS – 53%
Essas respostas confirmam parcialmente a
Principais meios de informação: televisão, idéia prevalente na literatura sobre os CS com
jornal – 88%; amigos, rádio, família – 66%; re- respeito à baixa capacidade dos conselheiros
vistas, livros – 43% usuários de influir nas decisões do presidente do
Esses resultados confirmam o fato bem co- CS. De qualquer forma, as relações com o ges-
nhecido de que a televisão é o veículo de comu- tor não estão isentas de tensões, posto que, pa-
nicação mais utilizado. Em compensação, as ra quase a metade dos entrevistados, essa auto-
pessoas lêem poucos livros ou semanários. ridade tem relutância em aceitar as decisões do
colegiado.
Participação política, cultural Outra questão interessante revelada pela
e comunitária pesquisa refere-se à valorização da participação
no CS.
Participação dos conselheiros em agremia- A participação no CS é: importante – 94%;
ções: partido político – 55%; cultos religiosos – produtiva – 78%; motivadora ou gratificante –
50%; atividades culturais – 35%; esportes – 74%; cansativa (“chata”) – 17%
18%; outras organizações sociais – 58% Tais respostas atestam o grande significado
Participação em mais de uma organização que tem para esses conselheiros a participação
– 73% no CS. De fato, fazer parte da administração lo-
Essas informações mostram que os entre- cal através desse colegiado tem se constituído
vistados são bastante atuantes. A grande maio- em um compromisso muito valorizado, que é
ria participa em mais de uma organização e de- levado a sério. Ademais, coloca o cidadão em
senvolve atividades variadas. Além disso, con- uma posição de status social diferenciado frente
trariamente à apatia política esperada, a metade a sua comunidade. De qualquer forma, para um
dos conselheiros expressou aderir a um partido grupo de conselheiros a participação nas reu-
político. Por outro lado, a influência da Igreja niões é “chata”, talvez devido à escassa familiari-
Católica e das igrejas evangélicas e pentecostais, dade com os assuntos tratados.
estas muito presentes na RM, é uma opção que Buscou-se indagar, também, se o CS contri-
se equipara à atividade partidária. bui para a melhoria da assistência à saúde da
população, constatando-se que:
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A influência do CS é: muito positiva – 70%; re- Experiência como conselheiro: primeiro


gular – 28% mandato – 52%; atuou outras vezes no CS –
Observa-se que quase dois terços dos conselhei- 15%; atuou em outros conselhos diferentes do
ros confirmam a valorização dada ao CS em rela- CS – 35%
ção à contribuição para a melhoria da atenção em Embora a renovação seja alta, o percentual
nível local, com o qual justificam também sua atua- de entrevistados que já têm experiência de par-
ção no colegiado; porém, uma proporção não des- ticipação no CS ou em outros colegiados prati-
prezível dos entrevistados considera que o CS tem camente se equipara. A este respeito cabem ob-
pouca influência, o que levaria a refletir sobre o dis- servações de significância. A experiência prévia,
tanciamento das próprias atividades dos CS em re- mais o nível educacional acima da média e o
lação às vivências concretas da população no aten- pertencimento à direção da organização reve-
dimento às suas necessidades de saúde, expressas lariam duas tendências convergentes: a “profis-
em queixas da comunidade aos líderes locais. sionalização” da atividade de conselheiro e cer-
ta “elitização” dos ocupantes desse cargo, ten-
Relações dos conselheiros usuários dências essas reforçadas pela predominância de
com as associações que representam representantes de usuários do sexo masculino.

Um primeiro ponto refere-se aos tipos de conta- Conduta cívica


to que o conselheiro mantém com a associação que
representa no CS. Além das informações já comentadas com
Nos contatos com sua associação, o conselhei- relação à ativa participação em organizações
ro sempre ou muitas vezes: informa – 88%; discute sociais, neste ponto tentou-se capturar alguns
– 77%; consulta – 72%; recebe orientações – 65%; comportamentos que evidenciariam a forma-
poucas vezes ou nunca tem contato – 22% ção de uma consciência cívica, no sentido de al-
Essas opiniões revelam que existe uma relação terações positivas percebidas pelos entrevista-
assídua entre o conselheiro e a organização que re- dos em dimensões como vida escolar, profissio-
presenta, o que coincide com as conclusões de Cor- nal, cultural e comunitária, governo local, polí-
reia (2000) em seu estudo sobre o mesmo tema. ticas de saúde, direitos e deveres do cidadão e
Deve-se considerar, no entanto, que essas condutas outros.
não podem ser generalizadas por haver uma pro- A participação no CS teve influência positi-
porção não desprezível (22%) que atua sem qual- va no desenvolvimento pessoal no plano: cultu-
quer conexão com a organização que representa. ral – 72%; profissional – 50%; familiar – 48%;
Por outro lado, deve ser relativizado o fato de, para escolar – 42%
a maioria dos conselheiros, ser estreita a relação re- A participação no CS teve influência positiva
presentante-representada, uma vez que, como já foi em outros planos: social e comunitário – 78%;
mencionado, a maioria dos entrevistados (73%) político – 70%
faz parte da cúpula dirigente da organização a que Essas respostas indicam que, em geral, a
pertence. participação no CS teve influência positiva na
Outro aspecto importante a observar refere-se vida do conselheiro, ainda que na superação
à forma como é feita a escolha do representante. mediante maior educação formal a repercussão
Forma de escolha do conselheiro: eleição direta da participação no colegiado tenha mostrado o
– 48%; indicado pela direção da associação – 38%; menor avanço. Além disso, a participação teve
indicado por um funcionário da saúde – 2%; indi- influência muito importante em relação à sua
cado por algum político – 2%. inserção na vida social, comunitária e política,
Pode-se observar que a eleição direta em assem- o que reforçaria afirmações acima no que se re-
bléia dos membros da associação não é um método fere ao status e prestígio que concede o cargo de
generalizado, posto que menos da metade decla- conselheiro aos membros mais destacados das
rou ter chegado ao CS por esse meio, o que reforça comunidades. Daí também pode se inferir que
o ponto acima mencionado relativo ao duplo papel o “cargo” de conselheiro é muito disputado, de
do conselheiro – representante e dirigente da asso- modo que seu ocupante há de se empenhar pa-
ciação. Por outro lado, ao contrário do esperado, a ra ser reconduzido a cada renovação dos mem-
indicação política não aparece como uma via im- bros do CS.
portante para ter assento no CS. Com respeito a mudanças nas atitudes rela-
A renovação da representação é outro dado rele- tivas aos poderes públicos, buscou-se indagar
vante para aquilatar a qualidade da representação. se a participação no CS teria contribuído para
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um maior interesse por conhecer ou entender o das políticas de saúde e os problemas ligados à
funcionamento do governo e do poder legislati- sua implementação que se desenvolvem os tra-
vo, bem como a relação entre esses poderes. balhos do CS, embora não haja unanimidade
A participação no CS despertou muito inte- entre os conselheiros nesse sentido.
resse em: o governo – 73%; o legislativo – 48%; Olhando os resultados em seu conjunto, é
as relações entre executivo e legislativo – 60% possível apreciar que em todos os temas inda-
A participação despertou pouco ou nenhum gados figura uma proporção de conselheiros re-
interesse em: o governo – 25%; o legislativo – presentantes dos usuários que não parece envol-
48%; as relaciones entre executivo e legislativo vida na missão que deveria cumprir, ou lhe é
– 37% indiferente, ou tem mesmo percepção negativa
Se há demonstração efetiva de que a partici- do cargo que desempenha. Neste sentido, seria
pação no CS causou, na grande maioria, o au- necessário realizar estudos mais refinados para
mento do interesse pelos assuntos de governo explicar essa apatia.
local, o fato de as questões ligadas ao legislativo
despertarem interesse bem menor revelaria o Controle social
baixo apreço que se tem pela atividade parla-
mentar e pelos políticos profissionais em geral. Para captar as opiniões dos entrevistados a
Esse resultado estaria relacionado a problemas respeito do exercício do controle social sobre as
tais como práticas clientelistas, debilidade dos decisões e atos das autoridades setoriais, os pro-
partidos e desconfiança quanto à honestidade de gramas implementados e o funcionamento dos
alguns parlamentares. A alta ponderação dada à serviços, entre outros, foram formuladas per-
relação entre os poderes merece breve comentá- guntas semi-abertas. Esta alternativa permitiu
rio. Embora as arenas parlamentares no país te- apreender que se trata de um tema de abordagem
nham pouca gravitação na formulação de políti- difícil, cuja compreensão revela-se paradoxal.
cas locais devido aos amplos poderes legislativos O controle social funciona na prática: sem-
do executivo, o interesse por essas relações teria pre ou muitas vezes – 30%; poucas vezes ou
a ver com o importante papel intermediador nunca – 65%; não sabe – 5%
cumprido pelos políticos locais junto às prefei- Foi solicitada, também, a justificativa da res-
turas, no sentido de encaminhar pleitos das suas posta, mas, dos 60 entrevistados, somente 33 o
bases eleitorais, conforme analisa Bezerra (1999). fizeram. Destes, 21 atribuíram o não funciona-
De qualquer forma, as respostas mostram cla- mento do controle social à falta de vontade polí-
ramente que a participação no CS de certa for- tica ou de interesse das autoridades. O teor des-
ma obriga os conselheiros a se manterem mais sa afirmação é muito relevante porque demons-
bem informados sobre o funcionamento das tra uma inversão de valores que é ratificada pe-
instituições públicas, quer dizer, desperta inte- las respostas segundo as quais o controle social
resse por questões ligadas à vida cívica. funciona graças ao empenho da autoridade de
Nessa mesma linha, foi indagado o grau de saúde (“o gestor é sério”, “é honesto”, “é compro-
contribuição do CS em relação aos direitos e de- metido”) e as que definem “que é controle so-
veres do cidadão e à participação política. cial” como equivalente ao poder das autoridades
O CS contribuiu para despertar interesse de controlar a vida dos cidadãos.
por questões ligadas ao exercício da cidadania: Em síntese, essas assertivas revelam que,
muito – 75%; pouco ou nada – 22% apesar de o tema do controle social ter sido um
Esses dados reafirmam a contribuição posi- objetivo fundamental da construção democrá-
tiva do CS no que se refere a um interesse maior tica do SUS, e continuar sendo tema central das
por questões cívicas. Não obstante, para quase conferências de saúde em todos os níveis, de in-
um terço dos entrevistados a participação teve contáveis debates e de numerosas publicações,
efeito praticamente nulo. em geral não é percebido como uma realidade
Por último, indagou-se até que ponto o na prática dos CS. E quando isso sucede, é en-
conselheiro passou a se informar melhor sobre tendido como sendo uma função das autorida-
as temáticas da saúde. des e não como um meio para os cidadãos exer-
A participação no CS contribuiu para des- cerem vigilância sobre as ações dos poderes pú-
pertar interesse pelas políticas de saúde: muito blicos de modo que atendam o bem comum. A
– 88%; pouco ou nada – 12% esse respeito, um ponto de suma importância é
O alto percentual de respostas positivas é o controle dos conselheiros representantes dos
um resultado esperado, porquanto é no âmbito usuários sobre as contas do gestor, prerrogativa
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Labra, M. E. & St.Aubyn F. J.

essa contemplada nas atribuições do CS. Sem tado apontam interessantes contornos ao mos-
embargo, tem sido a meta mais difícil de alcan- trar que, apesar do desfavorável contexto para o
çar em praticamente todos os CS do país, salvo pleno desenvolvimento de uma verdadeira ci-
experiências de orçamento participativo, como dadania, é possível o exercício de práticas demo-
a de Porto Alegre, cujo ineditismo tem tido res- cráticas, de tolerância e de cooperação median-
sonância internacional (Abers, 2000). te a participação em colegiados públicos como
são os CS, destacando o alto valor concedido pe-
los conselheiros à sua participação nessa instân-
Conclusões cia. Os entrevistados reconhecem, em geral, que
essa participação os levou a se interessar por as-
A discussão teórica inicial sobre democracia, as- suntos relativos ao papel e funcionamento dos
sociativismo, participação e cultura cívica colo- poderes públicos, a buscar a superação pessoal
cou em relevo a importância de criar arenas de e a acumular um capital cultural, social e políti-
deliberação na esfera estatal nas quais a sociedade co que, em resumo, os têm levado a se sentirem
civil organizada esteja representada. Considerou- mais cidadãos, mais pertencentes à comunidade
se, assim mesmo, que a aquisição de uma cultura e mais responsáveis perante ela pela qualidade
cívica está vinculada a maiores graus de igualda- do atendimento à saúde. E na reprodução dessa
de socioeconômica entre os cidadãos, sendo esses dinâmica, a associação que representam é cen-
dois fatores os meios mais idôneos para avançar tral para a legitimidade e o respaldo que conce-
no aperfeiçoamento da democracia substantiva. dem àqueles escolhidos, tanto pelos seus dotes
Nessa trajetória, o Brasil é um exemplo pa- pessoais e nível educacional, como pela expe-
radoxal de permanência de abissais iniqüidades riência prévia para assumirem esse encargo, tão
e, ao mesmo tempo, de extraordinários avanços valorizado socialmente.
em termos de uma democratização política con- No início desta exposição foi formulada a
seguida a muito custo por grandes mobilizações hipótese de que a participação da cidadania nos
populares de cujas bandeiras fez parte a con- CS fomenta um círculo virtuoso que tende a in-
quista do direito à saúde. cutir valores próprios de uma comunidade cí-
Produto desses processos foi a criação do Sis- vica ao incentivar a acumulação de capital social
tema Único de Saúde, de cuja engenharia insti- que concorre, em última instância, para o forta-
tucional fazem parte os Conselhos de Saúde, lecimento da democracia. O conjunto de dados
hoje funcionando em praticamente todo o país. apresentado sugere que os CS têm grande po-
Essas arenas deliberativas se distinguem por um tencial nesse sentido. Para tanto, algumas con-
desenho que as qualifica como espaços formais dições decisivas estão presentes: o apoio de se-
de democracia semidireta, na medida em que tores reformistas da esfera estatal; a adesão da
deles devem fazer parte representantes de orga- massa apreciável de brasileiros de diferentes es-
nizações da sociedade civil. Esta, por sua vez, tratos sociais envolvida no funcionamento sis-
para poder participar dessas arenas, foi levada temático dos CS; mecanismos legais que exi-
a desenvolver variadas estratégias de fortaleci- gem a existência desses colegiados como uma
mento do associativismo, de recrutamento de forma de accountability, além do próprio avan-
membros mais bem preparados e de envolvi- ço da democracia.
mento nas temáticas do “bom governo” em ge- Por outro lado, os resultados reiteraram
ral e da saúde em particular. conclusões de outros estudos no que diz respei-
O estudo realizado com o objetivo de apre- to ao controle social. De fato, o mencionado cír-
ender até que ponto a participação nos Conse- culo virtuoso ainda é débil, posto que não con-
lhos de Saúde contribuiria para a aquisição de segue romper o círculo inverso, vicioso, alimen-
valores cívicos entre os representantes dos usuá- tado por políticos e burocratas e interesses par-
rios dos serviços do SUS revelou aspectos mui- ticulares empenhados em impedir que se atinja
to positivos. A pesquisa foi levada a cabo na Re- o objetivo mais importante – o acesso dos cida-
gião Metropolitana do Estado de Rio de Janei- dãos a informações vitais, como são as relativas
ro, onde reside uma população bastante carente a quanto, onde e como se gasta o dinheiro de
de todo tipo de equipamento urbano e de bens seus impostos no que se refere às ações destina-
culturais, e em cujas periferias persiste uma cul- das a cuidar da saúde da população.
tura política de mando dos caciques locais e de Nesse sentido, é pertinente finalizar esta ex-
submissão do povo a seus favores ou pressões. posição com as reflexões de Correia e de Ghon,
As informações recolhidas no estudo apresen- estudiosas dos temas aqui abordados.
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Conforme afirma Correia, o controle social blico se torne objeto de controle social (Cor-
sobre os recursos públicos da saúde é um desa- reia, 2000).
fio para os conselheiros, já que são inúmeras as Desde uma perspectiva complementar, Ghon
dificuldades para efetivá-lo. Primeiro, porque é postula que diagnosticar e analisar os impactos
uma prática recente que vem substituir toda das ações dos CS sobre a sociedade e sobre o
uma postura de submissão que trata os recur- próprio Estado são caminhos essenciais para a
sos como uma questão melindrosa e intocável, compreensão do processo de construção da ci-
restrita à esfera de técnicos e administradores. dadania, assim como para avaliar as possibili-
Em seguida, porque os instrumentos de presta- dades de um aprofundamento do processo de
ção de contas ainda são muito complexos, o que democratização da sociedade brasileira (Ghon,
dificulta a compreensão para fins de avaliação. 2001).
Ademais, as informações sobre as receitas são As reflexões e informações apresentadas
um domínio do gestor, de cujo critério depen- neste trabalho levantam questões relevantes pa-
de os dar a conhecer ou não ao CS. Em resumo, ra avançar nessas direções.
falta muito caminho a percorrer para que o pú-

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