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Ciro Flamarion Cardoso e Ronaldo Vainfas

Organizadores

Ana Maria Mauad • Edgard Ferreira Neto • Eulália L. Lobo


Francisco Carlos Teixeira da Silva • Francisco Falcon
Hebe Castro • Jacqueline Hermann • João Fragoso
Luciano R. Figueiredo • Magali Engel • Manolo Florentino
Maria Yedda Linhares • Mary Del Priore • Rachel Soihet
Ronald Raminelli • Sheila de Castro Faria • Virgínia Fontes

Domínios da História
Ensaios de teoria e metodologia

5ª Edição
 12 

HISTÓRIA DAS MULHERES

Rachel Soihet

Mulheres como objeto da história

P arafraseando Lucien Febvre — para quem o conhecimento


histórico deve ter como referência “os homens, nunca o
Homem” — torna-se inadequado falar-se, hoje, em uma “história
da mulher”. Diversas em sua condição social, etnia, raça, crenças
religiosas, enfim, na sua trajetória marcada por inúmeras
diferenças, cabe, portanto, abordar-se a “história das mulheres”. A
grande reviravolta da história nas últimas décadas, debruçando-se
sobre temáticas e grupos sociais até então excluídos do seu
interesse, contribui para o desenvolvimento de estudos sobre as
mulheres. Fundamental, neste particular, é o vulto assumido pela
história cultural, preocupada com as identidades coletivas de uma
ampla variedade de grupos sociais: os operários, camponeses,
escravos, as pessoas comuns. Pluralizam-se os objetos da
investigação histórica, e, nesse bojo, as mulheres são alçadas à
condição de objeto e sujeito da história.
Ainda que escassos, alguns historiadores chegam, antes da
citada reviravolta, a desenvolver estudos sobre as mulheres.
Michelet detém-se nesse tipo de enfoque, realçando, de forma
coerente com o pensamento dominante no seu tempo, a
identificação deste sexo com a esfera privada. Na medida, porém,
em que a mulher aspire à atuação no âmbito público, usurpando
os papéis masculinos, transmuta-se em força do mal e da
infelicidade, dando lugar ao desequilíbrio da história. Respeitada,
porém, a identificação mulher natureza, em oposição àquela de
homem cultura, Michelet vê na relação dos sexos um dos motores
da história.1
A história positivista, a partir de fins do século XIX, provoca
um recuo nessa temática, em função de seu exclusivo interesse
pela história política e pelo domínio público. Privilegiam-se as
fontes administrativas, diplomáticas e militares, nas quais as
mulheres pouco aparecem.
A Escola dos Annales, por sua vez, busca desvencilhar a
historiografia de idealidades abstratas, preferindo voltar-se para a
história de seres vivos, concretos, e à trama de seu cotidiano, em
vez de se ater a uma racionalidade universal. Embora as mulheres
não fossem logo incorporadas à historiografia pelos Annales, estes,
porém, contribuem para que isto se concretize num futuro
próximo. O marxismo considera a problemática que divide homens
e mulheres uma contradição secundária, que encontrará
resolução com o fim da contradição principal: a instauração da
sociedade sem classes com a mudança do modo de produção. Não
se justifica, portanto, uma atenção especial do historiador para a
questão feminina. A partir da década de 1960, correntes
revisionistas marxistas, engajadas no movimento da história
social, apresentam uma postura diversa ao assumirem como
objeto de estudo os grupos ultrapassados pela história, as massas
populares sem um nível significativo de organização, e, também,
as mulheres do povo.2
O desenvolvimento de novos campos como a história das
mentalidades e a história cultural reforça o avanço na abordagem
do feminino. Apóiam-se em outras disciplinas — tais como a
literatura, a lingüística, a psicanálise, e, principalmente, a
antropologia — com o intuito de desvendar as diversas dimensões
desse objeto. Assim, a interdisciplinaridade, uma prática
enfatizada nos últimos tempos pelos profissionais da história,
assume importância crescente nos estudos sobre as mulheres.3
A onda do movimento feminista, ocorrida a partir dos anos
60, contribuiu, ainda mais, para o surgimento da história das
mulheres. Nos Estados Unidos, onde se desencadeou o referido
movimento, bem como em outras partes do mundo nas quais este
se apresentou, as reivindicações das mulheres provocaram uma
forte demanda de informações, pelos estudantes, sobre as
questões que estavam sendo discutidas. Ao mesmo tempo,
docentes mobilizaram-se, propondo a instauração de cursos nas
universidades dedicados ao estudo das mulheres. Como resultado
dessa pressão, criaram-se nas universidades francesas, a partir de
1973, cursos, colóquios e grupos de reflexão, surgindo um boletim
de expressão focalizando o novo objeto: Penélope. Cahiers pour
l’histoire des femmes. Multiplicaram-se as pesquisas, tornando-se
a história das mulheres, dessa forma, um campo relativamente
reconhecido em nível institucional. Na Inglaterra, reuniram-se os
historiadores das mulheres em torno da History Workshop e, nos
Estados Unidos, desenvolveram-se os Women’s Studies, surgindo
as revistas Signs e Feminist Studies.4
Tais estudos estenderam-se, ainda nos anos 70, a outras
partes da Europa e do mundo, incluindo o Brasil. Esse
reconhecimento, no entanto, ainda é frágil, não se podendo
afirmar que as relações entre os sexos sejam vistas como uma
questão fundamental da história.
Questões teórico-metodológicas

A emergência da história das mulheres como um campo de


estudo não só acompanhou as campanhas feministas para a
melhoria das condições profissionais, como envolveu a expansão
dos limites da história. No artigo citado, Joan Scott enfatiza a
importância das contribuições recíprocas entre a história das
mulheres e o movimento feminista. Os historiadores sociais, por
exemplo, supuseram as “mulheres” como uma categoria
homogênea; eram pessoas biologicamente femininas que se
moviam em contextos e papéis diferentes, mas cuja essência,
enquanto mulher, não se alterava. Essa leitura contribuiu para o
discurso da identidade coletiva que favoreceu o movimento das
mulheres na década de 1970. Firmou-se o antagonismo homem
versus mulher que favoreceu uma mobilização política importante
e disseminada.
Já no final da década, porém, tensões se instauraram, quer
no interior da disciplina, quer no movimento político. Essas
tensões teriam se combinado para questionar a viabilidade da
categoria das “mulheres” e para introduzir a “diferença” como um
problema a ser analisado. A fragmentação de uma idéia universal
de “mulheres” por classe, raça, etnia e sexualidade associava-se a
diferenças políticas sérias no seio do movimento feminista. Assim,
de uma postura inicial em que se acreditava na possível
identidade única entre as mulheres, passou-se a uma outra em
que se firmou a certeza na existência de múltiplas identidades.
Scott acentua, ainda, que o enfoque na diferença desnudou
a contradição flagrante da história das mulheres com os
pressupostos da corrente historiográfica polarizada para um
sujeito humano universal. Assim, as especificidades reveladas pelo
estudo histórico desses segmentos demonstravam que o sujeito da
história não era uma figura universal. Dessa forma, os estudos
sobre as mulheres dão lugar à derrocada daqueles pressupostos
que norteavam as ciências humanas no passado.
Um outro aspecto a ser ressaltado refere-se ao predomínio
de imagens que atribuíam às mulheres os papéis de vítima ou de
rebelde. De acordo com Mary Nash, o debate em torno da opressão
da mulher e seu papel na história teria se inaugurado na década
de 1940, por iniciativa da historiadora norte-americana Mary
Beard, que, na sua obra Woman as force in history, aborda a
questão da marginalização da mulher nos estudos históricos.
Beard atribui as escassas referências à mulher ao fato de a grande
maioria dos historiadores, sendo homens, ignorarem-na
sistematicamente. Esse argumento provocou uma réplica do
historiador J.M. Hexter, para quem a ausência das mulheres deve-
se ao fato de elas não terem participado dos grandes
acontecimentos políticos e sociais. Simone de Beauvoir em sua
pioneira obra, O segundo sexo, assume postura similar à de
Hexter, ao argumentar que a mulher, ao viver em função do outro,
não tem projeto de vida própria; atuando a serviço do patriarcado,
sujeitando-se ao protagonista e agente da história: o homem.5
Até a década de 1970, muito se discutiu acerca da
passividade da mulher, frente à sua opressão, ou da sua reação
apenas como resposta às restrições de uma sociedade patriarcal.
Em oposição à história “miserabilista” — na qual se sucedem
“mulheres espancadas, enganadas, humilhadas, violentadas, sub-
remuneradas, abandonadas, loucas e enfermas...” — emerge a
mulher rebelde. Viva e ativa, sempre tramando, imaginando mil
astúcias para burlar as proibições, a fim de atingir os seus
propósitos.
Surge daí a importância de enfoques que permitam superar
a dicotomia entre a vitimização ou os sucessos femininos,
buscando-se visualizar toda a complexidade de sua atuação.
Assim, torna-se fundamental uma ampliação das concepções
habituais de poder — para o que cabe lembrar a importância das
contribuições de Michel Foucault. Hoje é praticamente consensual
a recomendação de uma revisão dos recursos metodológicos e a
ampliação dos campos de investigação histórica, através do
tratamento das esferas em que há maior evidência da participação
feminina, abarcando as diversas dimensões da sua experiência
histórica. Tais recomendações convergem para a necessidade de
se focalizar as relações entre os sexos e a categoria de gênero.

A questão do gênero

Gênero tem sido, desde a década de 1970, o termo usado


para teorizar a questão da diferença sexual. Foi inicialmente
utilizado pelas feministas americanas que queriam insistir no
caráter fundamentalmente social das distinções baseadas no sexo.
A palavra indica uma rejeição ao determinismo biológico implícito
no uso de termos como “sexo” ou “diferença sexual”. O gênero se
torna, inclusive, uma maneira de indicar as “construções sociais”
— a criação inteiramente social das idéias sobre os papéis
próprios aos homens e às mulheres. O “gênero” sublinha também
o aspecto relacional entre as mulheres e os homens, ou seja, que
nenhuma compreensão de qualquer um dos dois pode existir
através de um estudo que os considere totalmente em separado.
Vale frisar que esse termo foi proposto por aqueles que defendiam
que a pesquisa sobre as mulheres transformaria
fundamentalmente os paradigmas da disciplina; acrescentaria não
só novos temas, como também iria impor uma reavaliação crítica
das premissas e critérios do trabalho científico existente. Tal
metodologia implicaria não apenas “uma nova história das
mulheres, mas uma nova história”.6
A maneira como esta nova história iria incluir e apresentar a
experiência das mulheres dependeria da maneira como o gênero
poderia ser desenvolvido como uma categoria de análise. Tornam-
se explícitas as preocupações de articular o gênero com a classe e
a raça. O interesse por estas categorias assinala não apenas o
compromisso do historiador com uma história que inclua a fala
dos oprimidos, mas também que esses pesquisadores consideram
que as desigualdades de poder se organizam, no mínimo,
conforme estes três eixos.
Um outro aspecto que se ressalta dos estudos sobre gênero
reside na rejeição ao caráter fixo e permanente da oposição binária
— masculino versus feminino — que, por tanto tempo, alimentou
as demandas feministas. Para isso, enfatiza-se a importância de
uma desconstrução autêntica, nos termos de Jacques Derrida;
revertendo-se e deslocando-se a construção hierárquica, em lugar
de aceitá-la como óbvia ou como estando na natureza das coisas
— antevendo-se para o futuro a transcendência dessa dualidade
cultural.
Dentre os historiadores que frisam a necessidade de se
ultrapassar os usos descritivos do gênero, buscando-se a
utilização de formulações teóricas, destaca-se a já citada Joan
Scott, que tece uma série de considerações a respeito. Argumenta
que, no seu uso descritivo, o gênero é, apenas, um conceito
associado ao estudo das coisas relativas às mulheres, mas não
tem a força de análise suficiente para interrogar e mudar os
paradigmas históricos existentes. Já Maria Odila da Silva Dias
discorda da necessidade da construção imediata de uma teoria
feminista, pois, a seu ver, mais cabe ao pensamento feminista
destruir parâmetros herdados, do que construir marcos teóricos
muito nítidos. Assim, para melhor integrar a experiência das
mulheres em sociedade, sugere partir de conceitos provisórios e
assumir abordagens teóricas parciais, pois, segundo a mesma, o
saber teórico implica também um sistema de dominação.7
Pretendendo fazer uma história de gênero temos a obra A
história das mulheres no Ocidente, surgida em fins de 1991, sob a
direção de Georges Duby e Michelle Perrot, que busca incorporar
muitas das inovações apresentadas. A obra cobre o período que
vai desde a Antigüidade até nossos dias, assumindo os autores a
periodização habitual da história ocidental. Os autores, após
afirmarem ser esta prática a única possível, questionaram, porém,
a sua pertinência conceitual; ou seja, se aos principais marcos da
histórica tradicional — como o Renascimento, a Reforma, as
guerras mundiais — correspondem os acontecimentos decisivos
na história das mulheres e das relações entre os sexos. Ao que
responde negativamente Silva Dias, uma das críticas de tal
postura. Considera insensatas obras de história universal das
mulheres, alegando que a adoção da moldura da história
evolutiva, linear, implica a incorporação de categorias de
dominação que a crítica feminista pretende neutralizar e a
historiografia contemporânea já abandonou.8

Mulheres numa perspectiva micro-histórica: alguns


enfoques
O desenvolvimento da história das mulheres, articulado às
inovações no próprio terreno da historiografia, tem dado lugar à
pesquisa de inúmeros temas. Não mais apenas focalizam-se as
mulheres no exercício do trabalho, da política, no terreno da

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