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JüHN STUART MILL

CLÁSSICOS DA DEMOCRACIA
-1-

DA LIBERDADE

Tradução de
E. JACY MONTEIRO

In RASA .~õ~~
.~ .

"'~
.

INSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE DIFUSÃO CULTURAL S.A. ~Q,


. . SÃO PAULO ~~
ver como possa esta resistir. Continuará a resistir com difi-
culdade cada vez maior a menos que a parte inteligente do pú- CAPíTULO IV
blico possa chegar a sentir-lhe a valia - convencer-se da con-
veniência resultante das diferenças, ainda mesmo que não sejam
para melhor, mesmo que, conforme se lhes possa afigurar, algll- DOS LIMITES DA AUTORIDADE
mas fôssem para pior. Se algum dia tiverem de ser reivindicados DA SOCIEDADE SõBRE O INDIVIDUO
os direitos da individualidade, a ocasião deve ser esta, enquanto
ainda falta muito para completar a assimilação em andamento.
Sàmente nos primeiros estádios pode oferecer-se com êxito qual-
quer resistência à usurpação. A exigência de que todos os mais
se pareçam conosco aumenta com o que a alimenta. Se a re-
sistência esperar até que a vida se reduza aproximadamente a
um único tipo uniforme, todos os desvios dêsse tipo passarão
a ser considerados ímpios, imorais, até mesmo monstruosos e
contrários à natureza, tornando-se os homens ràpidamente in-
capazes de conceber a diversidade quando por algum tempo se
desacostumarem dela. Q DAL, ENTÃO,
bre si mesmo?
o justo limite da soberania do indivíduo sô-
Onde começa a autoridade da sociedade? Qual
a parte da vida humana que se deve atribuir à individualidade
e qual à sociedade?
Cada um receberá a parte que lhe convém se cada um tiver
aquilo que mais particularmente lhe diz respeito. À individua-
lidade deve pertencer a parte da vida na qual está principalmente
interessado o indivíduo; à sociedade, a parte que interessa prin-
cipalmente à sociedade.
Embora a sociedade não tenha por base um contrato, e em-
bora a invenção de um contrato não venha satisfazer a qualquer
propósito bom, com o fito de deduzir-se dêle obrigações sociais,
todos os que recebem proteção da sociedade lhe devem uma
retribuição por êsse benefício, tornando a vida em sociedade
indispensável -que se limite cada um a observar certa linha de
conduta para com os demais. Tal conduta consiste, primeira-
mente, em não prejudicar os .direitos de outrem, ou antes, certos
interêsses que, seja por expressa provisão legal seja por enten-
dimento tácito, devem considerar-se como direitos; e, em segun-
do lugar, em cada um assumir a responsabilidade da parte que
lhe cabe (a fixar-se segundo certo princípio eguitativo) dos tra-
balhos e sacrifícios em que incorre a sociedade na defesa pró-
pria ou dos seus membros contra dano ou prejuízo. A socieda-
de pode justificadamente exigir o cumprimento dessas obriga-

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ções a todo custo de quantos se neguem a preenchê-las. Nem ampla direção dos sentimentos e objetivos visando a assuntos e
é tudo que pode fazer. Os atos de um indivíduo podem ser pre- contemplações sensatos ao invés de tresloucados, elevados em
judiciais a outros ou insuficientes na consideração devida ao lugar de degradantes. Entretanto, não se pode autorizar qual-
bem-estar dêles, sem que cheguem ao ponto de violar qualquer quer pessoa ou qualquer número de pessoas a dizer a qualquer
dos seus direitos constitucionais. Nêsse caso o ofensor pode outra criatura humana amadurecida em anos que não deve fazer
ser punido justamente pela opinião, embora não pela lei. Logo, com a vida, em benefício próprio, o que acha conveniente. O
qualquer parte da conduta de um indivíduo que afete prejudi- próprio indivíduo é quem mais se interessa pelo próprio bem-
cailmente os interêsses de outrem, a sociedade tem jurisdição estar: o interêsse que qualquer outra pessoa possa ter, salvo nos
sôbre ela, ficando aberta à discussão saber se o bem-estar geral casos de forte amizade pessoal, é insignificante em comparação
será ou não promovido pela interferência. Todavia, não há lugar com o que a própria pessoa tem; o interêsse que a sociedade
para alimentar dúvidas quando a conduta de uma pessoa afeta tem nela individualmente (com exceção da conduta em relação
os interêsses tão-só dela própria, ou não precise afetá-los a rae- a terceiros) é reduzido e inteiramente indireto, enquanto, rela-
nos que o queiram (todos os interessados sendo maiores e pos- tivamente aos sentimentos e circunstâncias que lhe são próprios,
suidores da inteligência comum). Em todos êsses casos, deverá o homem ou mulher mais comum possui meios de conhecimento
haver completa liberdade, legal e social, para levar a efeito a que ultrapassam de muito tudo quanto qualquer outra pessoa
ação e sofrer as conseqüências. possa ter. A interferência da sociedade para controlar-lhe os
Seria compreender muito imperfeitamente esta doutrina julgamentos e objetivos naquilo que só a êle interessa, deve ba-
supô-la importar em indiferença egoísta por pretender não terem sear-se em hipóteses gerais suscetíveis de serem inteiramente
os sêres humanos qualquer inte:rêsse na maneira por que qual- errôneas, e, mesmo se corretas, mui provàvelmente poderão ser
quer um conduz a própria vida, afirmando não deverem imis- mal aplicadas a casos individuais, por indivíduos que não conhe-
cuir-se no procedimento ou no bem-estar uns dos outros, senã.o cem melhor as circunstâncias de tais casos do que as que os
quando o seu interêsse próprio está envolvido. Ao invés de observam meramente de fora. Nêste departamento dos negócios
qualquer diminuição, há necessidade de maior esfôrço desinte- humanos, portanto, a individualidade possui o campo próprio
ressado a fim de promover o bem do próximo. A benevolêneia de ação. Na conduta dos sêres humanos em relação uns aos
desinteressada pode, contudo, lançar mão de outros instrumen- outros é necessário que sejam observadas, na generalidade dos
tos com o fito de persuadir às pessoas para o próprio bem que casos, regras gerais, a fim de que as pessoas possam saber o
não castigos e punições, seja em sentido próprio seja metafó- que esperar; mas no que diz respeito pràpriamente a cada um,
rico. Sou o último a subestimar virtudes de consideração para cabe à espontaneidade individual livre exercício. Podem ofe-
consigo mesmo; estão em segundo lugar em importância, se é recer-se considerações que lhe venham em auxílio do julgamento,
que estão, em relação às virtudes sociais. Cabe igualmente à exortações destinadas a reforçar-lhe a vontade, até mesmo for-
educação cultivar uma e outra. Mas até mesmo a educação age çadas; mas o próprio indivíduo é o último juiz. Todos os erros
mediante a convicção e a persuasão, tanto quanto pela com- que seja capaz de cometer contra conselhos e admoestações
pulsão, e é sàmente pela primeira que, uma vez terminado o ficam largamente contrabalançados pelo mal de permitir a ou-
período de educação, deverão inculcar-se as virtudes de con- trem constrangê-lo a fazer o que julgam ser o bem dêle.
sideração para consigo mesma. Os sêres humanos devem-se Não afirmo que os sentimentos segundo os quais as pes-
mutuamente auxílio para distinguirem o melhor do pior, bem soas encaram o próximo não devem de qualquer maneira ficar
como incentivo para a escolha do primeiro e abstenção do se- afetados pelas qualidades ou deficiências de consideração do
gundo. Deveriam constantemente estimular uns aos outros no indivíduo para consigo mesmo. Tal não é nem possível nem de-
sentido do maior exercício das faculdades mais elevadas e mais sejável. Se fôr eminente em qualquer das qualidades que con-
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duzem ao próprio bem, será, sem dúvida, objeto de admiração. que se entrega a prazeres grosseiros a exp~nsas d~s.~do senti-
Tanto mais perto se encontrará da perfeição ideal da natureza mento e da inteligência - deve esperar decalr na oplmao de ter-
humana. Se essas qualidades lhe faltarem em grande parte, será ceiros, ocupando lugar menor nos sentimentos favoráveis de
encarado com sentimento oposto ao de admiração. Encontra-se outrem; não tem, contudo, direito de queixar-se, ~ menos que
certo grau de loucura, e certo grau do que se poderia chamar lhes tenha caído nas graças por excelência espeCial nas rela-
(embora a expressão esteja sujeita a objeções) baixeza ou depra- ções sociais, conseguindo, dêsse modo, impor-lhes um título aos
vação de gostos que, embora não justifique se faça mal à pes- bons ofícios, não afetado pelos seus defeitos para consigo mesmo.
soa que a manifesta, torna-a necessária e pràpriamente objeto Pretendo afirmar que as desvantagens estritamente insepa-
de desagrado, ou, em casos extremos, mesmo de desprêzo: ne- ráveis do julgamento desfavorável de outros são as únicas a que
nhuma pessoa poderia possuir as qualidades opostas com a uma pessoa tem de submeter-se pela parte da conduta e do
necessária intensidade sem alimentar tais sentimentos. Embora caráter que entende com o seu próprio bem, mas qu.e .nã? afeta
sem fazer mal a quem quer que seja, uma pessoa é capaz de agir os interêsses de outros nas relações com ela. Atos lllJunosos a
de forma tal que nos obrigue a julgá-la e mesmo senti-la como terceirosexio-em tratamento totalmente diferente. Usurpação de
b . •
louco ou ente de ordem inferior; e, como êle preferirá evitar direitos; imposição de qualquer dano ou per~a. que seus pro-
tal julgamento e sentimento, será prestar-lhe um serviço preve- prios direitos não justifiquem; falsidade ou duphcldade em trata~
ni-lo dêle de antemão, bem como de qualquer outra conse- com o próximo; uso desleal ou mesquinho ?e vantaget;s;. ,a!e
qüência desagradável a que se expõe. Na verdade, seria conve- mesmo abstinência egoísta de. defender alguem contra lnJuna
niente se se prestasse êsse bom ofício muito mais livremente _ tais os objetos próprios de reprovação moral e, em casos
do que as noções comuns de polidez o permitem atualmente, graves, de castigo e punição moral. E não ~àme~te ês:es atos,
podendo uma pessoa honestamente apontar a outra que a acha mas as disposições que levam a êles, são objetos lmOraIS mere-
em falta, sem que a considerem descortês ou presunçosa. Temos cedores de desaprovação, que pode chegar à aversão. Crue~­
igualmente o direito de agir, por vários modos, de acôrdo com dade de disposição; malícia e maldade; essa paixão das !UalS
a opinião desfavorável que tivermos de qualquer pessoa, não anti-sociais e odiosas - a inveja; dissimulação e falta de smce-
para lhe oprimir a individualidade, mas para exercer a nossa. ridade irascibilidade por motivo insuficiente, ressentimento em
Por exemplo, não somos obrigados a procurar-lhe a sociedade; despr~porção à provocação; paixãopelo domínio sôbre outrem;
temos o direito de evitá-la (embora sem ostentar a abstenção) desejo de absorver mais vantagens do que lhe cabem (a ple~­
por termos o direito de escolher a sociedade que mais nos con- nexia dos gregos); orgulho derivado da satisfaçã~ pelo abaI-
vém. Temos o direito, que pode ser mesmo dever, de precaver xamento de outros; eggí§mo que leva a supor a SI e aos seus
outros contra ela se julgarmos que o exemplo ou conversa dela interêsses mais importantes do que tudo; decidindo tôdas as
é capaz de exercer efeito pernicioso sôbre aquêles com quem questões a favor próprio - tais os vícios morais que forméJ~
se associa. Podemos dar a outros preferência em relação a ela caráter moral mau e odioso; em contrário às faltas de conSI-
em bons serviços não obrigatórios, menos os que tendem a me- deração para consigo mesmo anteriormente assinaladas: g~le não
lhorá-la. Por essas diversas maneiras uma pessoa pode vir a são pràpriamente imoralidades, não chegando a constItmr a :n !-
sofrer severas penalidades às mãos de outras por faltas que só a vadez, seja qual fôr o grau a que cheguem. Podem :onstItm~
ela dizem respeito; mas só as sofre por serem conseqüências prova de loucura ou falta de dignidade pessoal e respeito por SI
naturais e, por assim dizer, espontâneas das próprias faltas, não próprio, mas constituem tão-só motivo de reprov~ç~o moral
porque lhe sejam impostas à guisa de castigo. Pessoa que revel;;t quando envolvem quebra de dever para com o ~roxlmo, por
arrebatação, obstinação, presunção, - que não é capaz de cuja causa o indivíduo é obrigado a cuidar de S1. O qUy se
viver com meios moderados; que não evita indulgência danosa; chama deveres para consigo mesmo não são socialmente obri-

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gatórios a menos que as circunstâncias os tornem ao mesmo a que eventualmente pode resultar de usarmos a mesma liber-
tempo deveres para com terceiros. A expressão dever para con- dade na regulação de nossos próprios negócios como lhe conce-
sigo mesmo, quando significa algo mais do que prudência, sig- demos nos dêle;
nifica respeito e desenvolvimentos próprios, e por nenhum dêstes Muitas pessoas recusarão admitir a distinção aqui assina-
o indivíduo é responsável perante terceiros, porque por ne- lada entre a parte da vida de uma pessoa que lhe diz sàmente
nhum dêles é para o bem dos homens que se pode considerar respeito e a que diz respeito a terceiros. Como (perguntarão)
o indivíduo responsável para com êles. poderá qualquer parte da conduta de um membro da sociedade
A distinção entre perda de consideração em que uma pes- ser matéria de indiferença para outros membros? Nenhuma
soa pode com razão incorrer, por falta de prudência ou de dig- pessoa é ser inteiramente isolado; é impossível para uma pessoa
nidade pessoal, e a condenação que deve receber por ofensa fazer algo de sério e permanentemente prejudicial a cIa própria
contra os direitos de terceiros, não constitui simplesmente dis- sem que o mal alcance pelo menos os que mais próximos estão
tinção nominal. Faz grande diferença não só nos nossos senti- dela e freqüentemente os que estão distantes. Se prejudica sua
mentos como em nossa conduta para com êle, se nos desagrada propriedade, faz mal aos que diretamente ou indiretament~ dela
naquilo em que supomos ter direito de o controlar ou naquilo derivam sustento, diminuindo usualmente, em volume malOr ou
em que sabemos não nos assistir tal direito. Se nos desagrada, menor, os recursos gerais da comunidade. Se prejudica as fa-
podemos exprimir-lho, cabendo afastarmo-nos de uma pessoa culdades físicas ou mentais, não só faz mal a todos quantos dela
tão bem como de um objeto que nos desagrade; mas nem por dependem, por qualquer parte da própria felicidade, mas tor-
isso podemos sentir-nos na obrigação de tornar-lhe a vida des- na-se incapaz de prestar serviços que deve aos seus semelhantes
confortável. Devemos refletir que êle já suporta ou terá de su- em geral, convertendo-se talvez em encargo para a afeição. e
portar a inteira penalidade de sua falta; se arruína a própria benevolência de outrem; e se tal conduta fôsse muito freqüente,
vida por desgovêrno, não devemos desejar, por êsse motivo, dificilmente qualquer ofensa cometida subtrairia mais da soma
estragá-la ainda mais; ao invés de desejar castigá-lo, esforçar- geral do bem. Finalmente, se pelos seus vícios ou maluquices
nos-emos de preferência por aliviar-lhe o castigo mostrando-lhe uma pessoa não faz diretamente mal a outrem, fá-Io-á (dirão)
como evitar ou sanar os males que a conduta dêle tende a acar- pelo exemplo, devendo ser compelida a controlar-se por causa
retar-lhe. Pode tornar-se para nós objeto de desagrado mas daqueles para os quais o espetáculo ou conhecimento da conduta
não de cólera ou ressentimento; não o trataremos como inimigo dela pudesse corromper ou transviar.
da sociedade; o pior que nos julgaremos justificados a fazer será E ainda mesmo (juntarão) que as consequencias da má
deixá-lo entregue a si mesmo, se não interferimos benevola- conduta se limitassem ao indivíduo vicioso e leviano, deverá a
mente mostrando interêsse ou preocupação para com êle. Será sociedade abandonar à própria dimção aquêles que são manifes-
mui diferente se infringiu as regras necessárias à proteção dos tamente incapazes para se condumem?§ect P!ºt~9ª0 a crian-
seus semelhantes, individual ou coletivamente. As más conse- ças e menores é confessadamente indispensável, não estará igual~
qüências dos seus atos não recaem então sôbre êle mesmo, mas mente a sociedade na obrigação de estendê-la a pessoas de idade
sôbre outros; e a sociedade, como protetora de todos os seus madura também incapazes de ~,e govemare1ll? Se o jôgo,' a
membros, tem de desforrar-se dêle, inflingindo-Ihe castigos para bebida, a incontinência, a ociosic,ade ou a falta de asseio preju-
o fim expresso de punição, devendo ter o cuidado de torná-los dicam a felicidade, sendo grande. obstáculo ao aperfeiçoamento
suficientemente severos. Em um caso, é delinqüente em nosso das pessoas, tanto quanto muitos dos atos proibidos por lei,
tribunal, e somos convocados não só para lavrar-lhe sentença, por que (perguntarão) não se esforçará a lei, no que fôr com-
mas, por uma ou outra forma, pôr em execução a sentença; no' patível com a praticabilidade e a conveniência social, em repri-
outro caso, não nos cabe infligir-lhe qualquer penalidade, exceto mi-los também? E, como suplemento às imperfeições inevitá-

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veis da lei, não se deverá pelo menos organizar poderosa polí~ interêsses e sentimentos de outrem, não sendo compelido por
~ia contra êstes vícios, condenando severamente os que os pra- algum dever mais imperativo ou justificado por preferência a si
tIcam? Não se trata aqui (poderá dizer-se) de limitar a indi- próprio permissívél, está sujeito à desaprovação moral por essa
vidualidade, ou impedir que se proceda a experiências originais e falta, mas não pela causa dela, nem pelos erros meramente pes-
novas na maneira de viver. O que se trata tão-só de prevenir soais para com êle mesmo, que possam ter remotamente con-
é o que se julgou e condenou desde o comêço do mundo até duzido àquela falta. Da mesma sorte, quando alguém se inca-
agora - o que a experiência tem mostrado não ser útil ou con- pacita, mediante conduta puramente egoísta, do cumprimento
veniente à individualidade df, qualquer pessoa. Deve decorrer de qualquer dever definido que lhe incumbe para com o público,
cert~ prazo e adquirir-se cf;rta experiência para que se possa é responsável por ofensa social. .Ninguém deve ser punido sim-
consIderar uma verdade moral ou sensata como estabelecida' plesmente por estar bêbedo; mas um soldado ou um policial de-
desejando-se simplesmente impedir que geração após geraçã~ verá ser castigado por beber quando em serviço. Em resumo,
venha a cair no mesmo precipício que foi fatal aos que a pre- sempre que houver dano definido, ou risco definido de dano,
cederam. seja para o indivíduo, seja para o público, o caso deixa a pro-
Admito inteiramente que o mal que uma pessoa faz a si víncia da liberdade para vir colocar-se na da moralidade e da lei.
próp~ia pode afetar seriamente, pelas simpatias de que goza e Contudo, no. que diz respeito ao meramente contingente ou,
mteresses que tem, não só aos que estão mais ligados a ela mas conforme poderá dizer-se, injúria construtiva que uma pessoa
em menor grau, à sociedade em geral. Quando, em virtude d~ causa à sociedade mediante conduta que não viola qualquer
conduta desta espécie, uma pessoa é levada a violar obrio-acão dever específico para com o público, nem ocasiona dano per-
di~tinta q,ue ~e pode atribuir a qualquer outra pessoa ou pe~s;as, ceptível a qualquer indivíduo, exceto a êle próprio, a sociedade
deIXa ? amb~t~ d~ classe de consideração para consigo mesma pode pennitir-se tolerar o dano, pela consideração do maior
para fIcar SUjeIta a desaprovação moral, no próprio sentido da bem para a liberdade humana. Se pessoas adultas devem ser
expressão. Se, por exemplo, um homem, por intemperança ou castigadas porque não cuidam convenientemente de si, seria pre-
extravagância, torna-se incapaz de pagar as dívidas contraídas, ferível que fôsse por sua própria causa do que sob o pretexto de
ou, tendo tomado a responsabilidade de sustentar família, fica impedi-las de se prejudicarem ou de proporcionarem benefícios à
pelo mesmo motivo incapaz de fazê-lo ou de educar os filhos, sociedade que esta não pretenda ter o direito de exigir. Não pos-
merece ser condenado, podendo ser castigado com justiça; tal se so, contudo, assentir na discussão dêsse ponto como se a socieda-
d~, . porém, por não ter cumprido com o dever para com a fa- de não dispusesse de meios para elevar os membros mais fracos
mI1m ou os credores, não por causa da extravagância. Se os re- ao padrão ordinário de conduta racional, senão esperar até que
cursos que deviam ter sido empregados para êles tivessem sido fizessem algo de irracional, para então castigá-los, legal ou mo-
desvia~os para investimento mais prudente, a culpabilidade mo- ralmente. A sociedade teve absoluto poder sôbre êles durante
ral t~na ~Ido. a mesma. George Barnwell matou um tio para tôda a primeira porção da existência; teve todo o período da
arranjar dmheIro para a amante, mas se o tivesse feito para esta- infância e da minoridade em que lhe foi possível experimentar
belecer-se seria por igual enforcado. Outrossim, no caso fre- se lhe era facultado torná-los capazes de conduta racional na
qüente de u~ ~omem que causa desgôsto à família por entregar- vida. A geração existente é senhora não só do treinamento como
s~ : maus ha~Itos, merece reprovação pela crueldade ou ingra- da existência inteira da geração vindoura; na verdade não pode
t~da?;. mas aSS1ffi também acontece por cultivar hábitos não em fazê-los perfeitamente sensatos e bons, por ser em si tão lastimà-
SI VIC.lOS0S, mas. de~agradáveis aos que com êle vivem, ou que, velmente deficiente em bondade e sabedoria; e os seus melhores
em VIrtude de hgaçoes pessoais, dêle dependem para terem con- esforços não são sempre, nos casos individuais, os mais bem
fôrto. Quem deixa em geral de considerar o que é devido aos sucedidos; mas é perfeitamente capaz de fazer a geração que

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surge, em conjunto, tão boa como ou um pouco melhor, do duta fôr censurada com justiça, tem de supor-se dever seguir-
que ela mesma. Se a sociedade deixar qualquer número consi- se-lhe em todos ou quase todos os casos.
~erável de seus membros desenvolver-se como simples crianças, Todavia, o argumento mais forte de todos contra a inter-
mcapazes de reagirem à consideração racional de motivos dis- ferência do público na conduta puramente pessoal é que, quando
tantes, terá de culpar-se a si mesma pelas conseqüên- interfere, é mais provável que o faça erradamente e em lugar
cias. Armada não só com todos os podêres da educâção, impróprio. Em questões de moralidade social, de dever para
n:~s con: a a~cendência ,q.ue sempre exerce a autoridade de opi- com o próximo, a opinião do público, isto é, de certa maioria
mao aceIta sobre os espmtos menos capazes de julgar por conta dominante, embora muitas vêzes errônea, é provável que seja mui
própria, e auxiliada pelas penalidades naturais que não se pode freqüentemente acertada, visto como em tais questões só se exige
impedir venham recair sôbre os que incorrem no desagrado ou que julguem dos interêsses próprios, da maneira por que certa
no desprêzo de quantos os conhecem - não pretenda a socie- espécie de conduta, se se lhe permitir efetivar-se, deveria afetá-
dade precisar, além de tudo isso, do poder de dar ordens e exigir los. Entretanto, a opinião de tal maioria, imposta como lei
obediência no que respeita aos interêsses individuais, nos quais, sôbre a minoria, em questões de interêsse próprio desta, é quase
por todos os princípios de justiça e boa política, a decisão deve tão certo ser errônea como acertada, desde que, em tais casos,
caber aos que terão de sofrer-lhe as conseqüências. Nem há opinião pública significa, na melhor hipótese, a opinião de algu-
algo que tenda mais a desacreditar e frustrar os melhores meios mas pessoas daquilo que é bom ou mau para outras, enquanto
de influir sôbre a conduta do que recorrer ao pior. Se houver mui comumente nem mesmo isso significa, - o público, com
entre aquêles a quem se tenta coarctar na direção da prudência a mais perfeita indiferença, deixando de lado o prazer ou a con-
ou temperança uma parte qualquer do material que entra na for- veniência daqueles cuja conduta censura e considerando tão-só
mação de caracteres vigorosos e independentes hão-de rebelar- a preferência que lhe é conveniente. Muitos há que consideram
se infallvelmente contra o jugo. Nenhuma dess~s pessoas algum como injúria qualquer conduta que lhes não agrade, ressentin-
dia s~ntirá terem outros o direito de controlá-la no que lhe diz do-a como ultraje aos próprios sentimentos; como o carola que,
respeIto, tal como o têm para impedir que os prejudique nos acusado de desrespeitar os sentimentos religiosos do próximo,
~êles; e com tôda naturalidade encara-se como sinal de espí- respondeu desconsiderarem-lhe êles os sentimentos pela persistên-
rIto e coragem fazer oposição a semelhante autoridade usurpa- cia que mostravam no seu culto ou credo abominável. Não há,
da, que procede ostensivamente na direção oposta do que se porém, qualquer paridade entre o sentimento de uma pessoa pela
pretende obrigar a fazer, conforme se deu de maneira brutal própria opinião e o sentimento de outrem, que se ofende porque
no tempo de Carlos lI, com a fanática intolerância moral dos êste a mantém, maior do que entre o desejo de um ladrão de
puritanos.. Relativamente ao que se diz da necessidade de pro- tomar a bôlsa a alguém e o desejo de quem a tem em conser-
teger a SOCIedade contra o mau exemplo que os viciados e como- vá-la em seu poder. E o gôsto de uma pessoa diz-lhe respeito
distas lhe apresentam, sem dúvida o mau exemplo pode resultar tão particularmente, como a opinião ou a bôlsa. Fácil a qual-
em efeitos perniciosos, especialmente quando em prejuízo de quer pessoa imaginar um público ideal que deixe a liberdade
outrem e com impunidade de quem o promove. Faiamos, con- e a escolha dos indivíduos em todos os assuntos incertos livres
tud~, agora de conduta que, enquanto não prejudica a outr.;)m, de qualquer perturbação, exigindo tão-só dêles que se abstenham
supoe-se trazer grande prejuízo ao próprio agente; e não vejo dos modos de conduta que a experiência universal condena. Onde
como aquêles que pensam assim podem pensar diferentemente se viu, porém, um público que estabelecesse limite tal à própria
senão. que o exemplo, afinal de contas, deve ser mais salutar do censura? Ou quando o público se preocupa com a experiência
que prejudicial, desde que, se revela a má conduta, também' universal? Quando interfere com a conduta pessoal, raramente
ll10stra as conseqüências penosas ou degradantes que, se a con- o faz pensando em algo que não o abuso de agir ou sentir de

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maneira diferente do que pensa ou age; e tal padrão de julga- repugnante beber vinho. A aversão que mostram contra essa
mento, tênuamente disfarçado, exibe-se à humanidade como di- carne do "animal pouco limpo" é, ao contrário, do caráter par-
tame de religião e filosofia por parte de nove décimos dos mora- ticular, afigurando-se antipatia instintiva, que a idéia de falta
listas e escritores teóricos. Ensinam que o direito é direito por- de asseio quando profundamente incutida nos sentimentos, pa-
que o é; porque sentimo-lo assim ser. Aconselham-nos a pro- rece des~ertar sempre, mesmo naqueles cujos hábitos pessoais
curar no próprio espírito e no próprio coração leis de conduta são escrupulosamente asseados, verificando-se como exemplo
aplicáveis por igual ao indivíduo mesmo e a todos os mais. notável o sentimento de falta de pureza religiosa, tão intenso
Que pode o pobre público fazer senão aplicar essas instruções, entre os hindus. Suponha-se agora que em um povo, cuja maio-
tornando os próprios sentimentos pessoais do bem e do mal, se ria é composta de muçulmanos, essa maioria insista em não per-
se julgarem toleràvelmente unânimes em relação a êles, obriga- mitir comesse alguém carne de porco dentro dos limites do país.
tórios para todo mundo? Tal fato não seria caso esporádico em países maometanos. *
O mal aqui assinalado não é dos que só existem em teoria; Seria exercício legítimo da autoridade moral da opinião
e pode talvez esperar-se que especifique os casos em que o público pública, e senão o fôsse, por que não? O público revolta~se
desta época e dêste país aplica impràpriamente as suas prefe- realmente contra tal prática. Pensa, igualmente com tôda sm-
rências com o caráter de leis morais. Não estou escrevendo ceridade, que a Divindade a proíbe e repele. Nem se p~deria
ensaio com respeito às aberrações do sentimento moral presente. censurar a proibição como perseguição religiosa. Podena ter
Tal assunto é por demais importante para discutir-se episàdica- sido religiosa a princípio, mas não teria sido perseguição por
mente, como se fôsse destinado à exemplificação. Contudo, os motivo religioso, desde que não há reli?i~o que torne o~r~ga­
exemplos tornam-se necessários para mostrar ser o princípio tório o consumo de carne de porco. Oumco pretexto aceltavel
que defendo de importância prática e séria, não pretendendo eu de condenação. seria no caber ao público interferir com os gos-
erguer barreira contra males imaginários. E não será difícil tos pessoais e os interêsses próprios da individualidade.
mostrar, em inúmeros casos, que estender os limites do que se Para esclarecer um tanto melhor o assunto: a maior p~rte
pode denominar política moral ao ponto de usurpar a liberdade
dos espanhóis considera como grosseir~ impiedade, ofensIva
menos legitimamente discutível do indivíduo constitui uma úas
no mais. alto grau ao Ser Supremo, adora-lo de outra _qualquer
inclinações humanas mais universais.
maneira senão conforme à Igreja Católica romana, nao sendo
Como primeiro exemplo, considerem-se as antipatias que admitida legalmente qualquer outra maneira em solo espanhol.
os homens alimentam sem melhor fundamento do que alegarem Os povos de todo o sul da Europa consideram o casamento ~e
a falta de prática das regras religiosas, especialmente quanto às sacerdotes como não-só contra a religião, mas contra a castl-
abstinências, por parte das pessoas cujas opiniões religiosas são
diferentes. Para citar exemplo um tanto trivial, nada no credo
*. O caso dos parses dé Bombaim pode apresentar-se como exemplo
ou prática dos cristãos contribui mais para envenenar o ódio dos curioso. Quando êsse povo industrioso e empreendedor, d~scendente. dos
maometanos contra êles do que comerem carne de porco. Pou- adoradores persas do fogo, fugindo do pll;ís natal p~~a evitar os califas,
cos são os atos que cristãos e europeus consideram com repug- chegou à índia ocidental, os soberanos hmdus admltlram-n?s com tole-
nância mais sincera que a maneira pela qual os muçulmanos rância, contanto não comesse carne de vaca. Quando maiS tarde essa
região caiu sob o domínio ~os con~uista~or~s muçulmanos, os _parses
encaram êste modo de satisfazer o apetite. Constitui, em pri- dêles obtiveram a continuaçao da mdulgencla, contanto que nao. ~o­
meiro lugar, ofensa contra a religião que professam; esta cir- messem carne de porco. O que a princípio se apresentava com~ Obe?len-
cunstância, porém, não explica de modo algum o grau ou a cia à autoridade tornou-se segunda natureza, e os parses ate hOJe se
espécie de repugnância; também o vinho é proibido pela religião abstêm tanto da carne de vaca como de porco. Embora não exigida
pela religião dêles, a dupla abstinência tornou-se com o tempo costume
muçulmana, e todos os maometanos consideram errado mas não do povo; e costume, no Oriente, coincide com religião.

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. oU religiosos dos calvinis-
, tos moraIS . . "
dade, indecente, grosseiro, repugnante. Que pensam os protes- permitidos pelos sentl.me~ os? Não deseJana ess~ ~lllo~a,
tantes dêstes sentimentos, perfeitamente sinceros, e da tentativa tas ou metodistas maIS, ngoros fôs sem tratar ~a propna VIda
de a êles obrigar os não-católicos? Entretanto, se se der razão cOm considerável autondade, que. doSaS da SOCIedade? Tal o
.
êssesmembros mtrusIva, ',mente pIe ualquer ' governo" ou a qua1-
aos homens em interferirem com a liberdade uns dos outros . dIzer a q d'
em assuntos que não interessam a terceiros, baseando-se em que exatamente se devena retensao ~ de impe Ir a quem quer
que princípio será possível coerentemente excluir tais casos? Ou quer público que tenh a a P Ih agrada, M as se a d ID1t1rmos "
ainda, quem poderá reprovar deseje alguém suprimir o que con- que seja de gozar o praz~r qne, e ém será dado objetar razoã-
sidera como escândalo na presença de Deus e do homem? Não o princípio de tal pretens ao , a ~dIngnda maioria, ou de qualquer
é possível apresentar caso mais decisivo a favor da proibição velmente seja adota do no sentl a1s ,o , e todo 1Uund o ver-se-a' ob' n-
de algo que se considere como imoralidade pessoal do que a outro poder preponderante no f de nm Estado cristão como o
supressão dessas práticas aos olhos daqueles que as consideram gado a conformar-se . .
com a ide1a da Nova Inglaterra, se uma
un'igrantes
como impiedades; e a menos que estejamos dispostos a adotar a entendiam os pnmeHoS , d"les fôsse capaz d e recuperar
lógica dos perseguidores, dizendo assistir-nos o direito de per- confissão religiosa semelhan~e a netecer tantas vêzes com certas
,
o poder perdIdo, como se VIn aco em deca d'"enCia,
seguir a terceiros porque temos razão, e que êstes não nos dewm
, .- upunha estarem
perseguir porque não a têm, devemos abster-nos de admitir um reI19lOes que se s ' , ência diversa, talvez com
princípio cuja aplicação a nós mesmos consideraríamos como Enfim pode-se una, . gl11'ar contl11g do' que a menClOna 'd '
a aCIma.
grosseira injustiça. , 'd hzar-·s e d'"
maior probabilidade e rea d aderno forte ten enCla no
Podem-se formular objeções aos exemplos precedentes, co- Nota-se claramente no mun ?, m da sociedade, acompanhada
mo colhidos de contingências impossíveis entre nós ~ não sendo . '~democratIca
sentido da constltUlçao ,. opulares, Af'Irma-se que, no
possível, na Inglaterra, que a opinião obrigue à abstinência de ou não por instituições pohtlcas , Pu mais completamente - no
" ' se real1Z0 vêmo sao ~ democra't'1COS, os
carnes ou interfira com as pessoas porque adoram ou porque País em que tal ten.denC1a
casam ou não casam, de conformidade com o credo ou a incli- d d mas o
qual não só a SOC1e a e , 't da malOna, que conS1'dera
go "
en
nação que seguem. O exemplo seguinte, contudo, pode colher- Estados Unidos - o sentIm "oC1'a de maneira de viver mais
, '
como desagradavel qua que 1 r aparen que1a com que esperam nva- ,
se na interferência com a liberdade cujo perigo, de todo, ainda
não está ultrapassado. Por tôda parte em que os puritanos se aparatosa ou dispendiosa do. que tràvelm.ente
e eficaz, sendo que
tornaram suficientemente poderosos, como na Nova Inglaterra lizar atua como lei suntuána tOt ma realmente difícil a uma
, U ·~o se o " d .
e na Grã-Bretanha ao tempo da República de Cromwell, pro- em muitas partes da ma UI'to grandes escobnr qual-
' entos m ~
curaram, com considerável êxito, suprimir todos os divertimen- Pessoa que possua rent ' 1m
d trair a reprovaçao popu1ar.
,
tos públicos e quase todos os divertimentos privados; especial- quer maneira de gas a- los sem a
, m sem dUV1 , 'da, mm'to exage-
mente a música, a dança, os jogos públicos, ou quaisquer outras Embora afirmações dêste teorf seja e~istentes, o estado de coisas
reuniões para fins de diversão, ou o teatro, Ainda existem, na radas como representaça-o de b', atos1 comO
. '1, sendo, porem,
pOss1ve '
Inglaterra, grandes grupos de pessoas em que, de acôrdo com as , -
assim descrito e nao so c 'once 1ve , d "d" d
, ento dem ocra'tI'co combma o 1a 1 ela e que
'd'IV]'dUOS
noções de moralidade e de religião que professam, tais recrea- resultado de sentIm " aneira pela qua os 111
ções devem ser condenadas; e pertencendo tais pessoas princi- o povo tem o direito de ~etar a m Só teremos de supor consi-
palmente à classe média, que constitui presentemente o poder , . r~ndlmentos,
gastam os propnos ._ cialistas para que se t' orne m 'fa-
ascendente nas condições atuais, sejam políticas ou sociais, não derável difusão deop1UlDes so 'r mais haveres do que peque-
, 'a pOSSUI " - .' d
será de modo algum impossível que consigam em qual- mante aos olhos da malDr,l ne quaIqu er renda nao provemente . ,. ,,o
quer ocasião obter maioria no Parlamento, Como encarará a na importância, ou do. ,- q semelhantes a esta em prmclplO Ja
parte restante da comunidade a preceituação dos divertimentos trabalho manual. Oplllloes
. 99
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prevalecem largamente nas classes artesãs, pesando opressiva- rem basear-se em princlplOs as opmlOes do político. A parte
mente sôbre quantos estão sujeitos principalmente à opinião des- de Lord Stanley nessa correspondência vem a calhar no sentido
sas classes, isto é, seus próprios membros. Sabe-se que os maus de reforçar as esperanças que depositam nêle quantos sabem
operários, que formam a maioria dos que trabalham em muitos quão raras são tais qualidades, segundo o revelam certas mani-
ramos da indústria, são decididamente de opinião que os maus festações públicas dêsse personagem entre os que figuram na
trabalhadores devem· receber os mesmos salários que os bons, vida política. O órgão dessa "Aliança", que "lastimaria profun-
não se permitindo a ninguém, por trabalho de tarefa ou de damente a aceitação de qualquer princípio arrancado para jus-
?ut:a 'Jualq~er forma, ganhar por habilidade superior ou por tificar carolismo e perseguição", toma a peito assinalar a "bar-
mdustna maIS do que os outros ganham. E fazem uso de polícia reira intransponível e larga" que separa tais princípios dos da
~oral, que ocasionalmente se transforma em polícia física, para associação. "Tôdas as questões que se referem a pensamento,
Impedir que os operários hábeis recebam, e os empregadores opinião, .consciência afiguram-se-me", diz êle, "situaram-se fora
paguem, maior remuneração por serviço mais útil. Se o público da esfera da legislação; dentro dela encontra-se tudo quanto
possui qualquer jurisdição sôbre interêsses privados, não enten- se refere a ato, hábito, relação, sujeitando-se tão-sàmente ao
do que possa estar errado, ou que qualquer público especial a poder discricionário investido no Estado, e não no indivíduo."
um indivíduo possa ser censurado por exigir que lhe seja defe- Não se faz qualquer menção de uma terceira classe, diferente de
rida a mesma autoridade sôbre a sua conduta individual que o qualquer das duas, isto é, atos e hábitos que não são sociais
público reivindica sôbre as pessoas em geral. mas individuais; embora seja a essa classe, com tôda certeza, que
Contudo, ao invés de insistir em casos hipotéticos, no- pertença o ato de beber licores fermentados. Vender bebidas
tam-se, em nossos dias, usurpações grosseiras realmente prati- fermentadas, porém, importa em comércio, e comerciar constitui
cadas contra a liberdade da vida privada e outras ainda maiores ato social. Mas a infração em foco não atinge a liberdade do ven-
a ameaçarem com visos de êxito, bem como a manifestação de dedor, mas sim a do comprador e consumidor; visto como o
opiniões que reivindicam o direito ilimitado do público, tanto Estado poderia tanto proibi-lo de beber vinho quanto proposi-
em proibir por lei tudo o que julga errôneo, mas proibir igual- tadamente tornar-lhe impossível adquiri-lo. Contudo, diz o se-
mente inúmeros atos admitidos como inocentes a fim de atingir cretário: "Exijo, como cidadão, o direito de legislar, sempre
o que julga ser errôneo. ' que os meus direitos sociais fôrem invadidos pelo ato social
. .. Sob o pretexto ele ÍlIlpedir a intemperança o povo de uma de outrem." E agora, para a definição dêsses "direitos so-
colônia inglêsa, e de quase metade dos Est~dos Unidos foi ciais": "Se há o que invada meus direitos sociais, certamente
proibido por lei de fazer qualquer uso de bebidas ferment~das, o comércio de bebidas fortes o faz. Vem destruir o meu direito
e~ceto para o .fim de tratamento médico, visto como a proibi- primário de segurança, criando e estimulando constantemente
çao da venda Importa, de fato, na proibição do uso. E muito a desordem social. Invade-me o direito de igualdade, derivan-
embora a impraticabilidade de execução da lei lhe motivasse do lucro da criação de miséria para cujo amparo devo pagar
a repulsa em vários Estados que a tinham adotado inclusive impostos. Impede-me o direito de livre desenvolvimento moral
aquêle cuja denominação havia tomado, deu-se início: não obs- e intelectual, cercando-me o caminho de perigos e enfraque-
tante, e muitos dos filantropos profissionais nêle prosseguiram cendo e desmoralizando a sociedade, da qual tenho o direito
com zêlo considerável, à prática de lei semelhante na Inglaterra. de exigir auxílio e relações mútuas". Teoria esta de "direitos
A associação ou "Aliança", conforme se denomina, que se cons- sociais", como provàvelmente nunca, foi fOl:1nulada em linguã:':
tituiu com êsse objetivo, adquiriu certa notoriedade devido à gero. clara, nada mais sendo do que o seguinte: é direito sociãl
publicidade que lhe deu a correspondência entre seu secretário absoluto de cada indivíduo exigir que ajam todos os outros, a to-
e um dos· poucos homens públicos inglêses que sustentam deve- dos os respeitos, exatamente como êle tem de agir; quem quer que

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deixe de fazê-lo, no menor detalhe, viola o meu direito social nos proventos; e não são obrigados a ficarem assim ocupados
e autoriza-me a pedir à lei a eliminação do dano. Princípio tão se preferirem o lazer a emolumentos. Se interessar outra solu-
monstruoso é muito mais perigoso do que qualquer interferên- ção, poderia estabelecer-se pelo costume um dia de folga, em
cia isolada com a liberdade; não existe violação de liberdade qualquer outro dia da semana, para esta classe especial de pes-
que assim se não justifique; não reconhece qualquer direito à soas. O único fundamento, portanto, em que se possa apoiar a
liberdade, seja qual fôr, exceto a de manter opiniões em segrê- defesa de quaisquer restrições às diversões dominicais tem' de
do, sem nunca chegar a manifestá-Ias, de vez que uma opinião ser considerá-Ias religiosamente errôneas - motivo para legis-
?Os lábios de qualquer um, por mim considerada prejudicial, lação contra o qual nunca se poderá protestar bastante veemen-
lllvade todos os "direitos sociais" a mim atribuídos pela "Alian- temente. "Deorum injuriae Diis curae". Resta provar que a
ça". A doutrina atribui a todos os homens direitos adquiridos sociedade ou qualquer dos seus representantes recebeu incum-
na perfeição moral, intelectual e mesmo física de cada um, sus- bência dos céus para vingar qualquer suposta ofensa à Onipo-
ceptíveis de definição de acôrdo com o padrão que adotar. tência Divina, que também não importe em dano às criaturas
Outro exemplo importante da interferência ilegítima na li- humanas. A idéia de que é dever de um homem que outro tenba
berdade equitativa do indivíduo, não simplesmente ameaçada, de ser religioso está no fundo de tôdas as perseguições religio-
mas há muito levada a efeito triunfalmente, consiste na legis- sas até agora perpetradas e, se admitida, as justificaria plena-
lação sabática. Sem dúvida, a abstinência em um dia da se- mente. Embora o sentimento que volta e meia se manifesta nas
mana, na medida em que o permitirem as exigências da exis- repetidas tentativas de suspender o tráfego das estradas de ferro
tência, das ocupações diárias usuais, embora de forma alauma aos domingos, na resistência à abertura de museus, e outras se-
obrigatória religiosamente, exceto entre os judeus, import: em melhantes, não se revista da crueldade dos antigos perseguidores,
costume altamente benéfico. E conquanto não se possa obser- o estado de espírito assim indicado é fundamentalmente o mes-
var semelhante costume sem consentimento geral das classes mo. É a resolução de não tolerar façam outros o que lhes per-
trabalhadoras, visto como se algumas pessoas trabalharem im- mite a própria religião, porque não o permite a do perseguidor.
porão essa mesma necessidade a outros, pode permitir-se à lei Importa em acreditar que Deus não só abomina o ato do incré-
garantir a cada um a observância por parte dos outros do cos- dulo, mas não nos considerará inocentes se o deixarmos em paz.
tume, interrompendo-se as operações da indústria em certo dia Não posso deixar de juntar a êstes exemplos da pouca im-
particular. Tal justificação, contudo, baseada no interêsse di- portância em que geralmente se tem a liberdade humana o da
reto que outros têm na observância da prática por parte de linguagem de franca perseguição que se manifesta na imprensa
cada um, não se aplica às ocupações de própria escolha nas dêste país sempre que se sente naobrigaçãodfe chamar a aten-
quais uma pessoa possa julgar conveniente empregar os seus ção para o notável fel1ômel1()~(j Mormonismo.) Muito poderia
lazeres, nem se aplica, no menor grau possível, às limitações dizer-se respeito ao-faío- inesperado~einstrutivo que pretensa
legais aos divertimentos. Verdade é que o divertimento de uns revelação nova e religião nela baseada - produto de impos-
corresponde ao dia de trabalho de outros; mas o prazer, para tura palpável, nem mesmo sustentada pelo prestígio de qualida-
não dizer a diversão útil, de muitos vale o trabalho de poucos, des extraordinárias possuídas pelo fundador -- mereça a cren-
contanto que a ocupação seja livremente escolhida e livremente ça de centenas de milhares de pessoas, tendo sido adotada como
abandonada. Os trabalhadores têm tôda razão em pensar que se base de uma sociedade na época dos jornais, estradas de ferro
todos trabalhassem aos domingos, ter-se-ia de dar sete dias de tra- e telégrafo. O que nos interessa nêste momento é que essa reli-
balho por seis dias de salários; mas desde que se interrompe o , gião tem os seus mártires, como outras e melhores; que o seu
trabalho por tôda parte, .o pequeno número que tem de traba- profeta e fundador foi, pelos seus ensinamentos, assassinado por
lhar ainda para o prazer de outros obtém aumento proporcional uma multidão; que outros dentre os seus adeptos perderam a

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vida pela mesma violência bárbara; que foram expulsos à fôrça, recimento a certo respeito, propôs (em suas próprias palavras)
em um corpo, da terra em que primeiro se desenvolveram, en- não uma cruzada mas uma "civilizada" contra essa comunidade
quanto, depois de terem sido perseguidos até solitário recesso poligâmica, a fim de acabar com o que êle pensa constituir um
no meio de um deserto, muita gente nêste país declara aberta- passotetrógrado na civilização. Assim também se me afigura,
mente ser justo (embora não conveniente) mandar uma expe~ mas não percebo que tenha qualquer comunidade o direito de
dição contra êles para obrigá-los à fôrça a se conformarem com forçar outra a civilizar-se. Enquanto os que sofrem em virtude da
as opiniões de terceiros. O artigo da doutrina mormonita que lei má não invocarem o auxílio de outras comunidades, não
provoca principalmente a antipatia, irrompendo de tal maneira posso admitir que venham pessoas, que relação alguma têm com
através das restrições ordinárias à tolerância religiosa, consiste êles, exigir que se ponha fim a uma situação que parece satisfazer
na sanção que empresta à poligamia; que, embora permitida a a quantos estão diretamente interessados, só porque constitui
ma.ometanos,hirtdus. eçj:lilleses, parece excitar animosidade inex- escândalo a pessoas situadas a milhares de quilômetros de dis-
tingJJÍ'vel. quartdo praticada por pessoas que falam inglês. e pro- tância, que não tomam parte nem têm interêsse nela. Que man-
f~.ssall1a..r~ligi.~().~~i~tã. Ninguém condenará mais profunda- dem missionários, se quiserem, pregar contra ela; e permita-se-
mente do que o autor essa instituição mormônica; entre outras lhes oporem-se por meios aceitáveis (entre os quais não se
razões porque, longe de ser patrocinada pelo princípio da liber- inclui fazer calar os missionários) à propagação da doutrina
dade, importa em infração direta dêsse princípio, consistindo contrária entre êles. Se a civilização tivesse dominado a barbá-
em apertar as cadeias de metade da comunidade, enquanto rie quando esta dominava o mundo, seria demasiado confessar
emancipa a outra da reciprocidade de obrigação para com a o receio de, após ter sido dominada, fôsse capaz de reviver e
primeira. Entretanto, deve lembrar-se que esta relação é tão vo- conquistar a civilização. Uma civilização que assim pudesse
luntária por parte das mulheres por ela afetadas, que se podem sucumbir aos inimigos vencidos teria de, antes de tudo, dege.
considerar como vítimas, quanto em qualquer outra forma de nerar de tal maneira que nem os seus sacerdotes ou mestres,
instituição nupcial; e por mais surpreendente que possa parecer, nem qualquer outra pessoa, tivesse capacidade ou se desse ao
tem explicação nas idéias e costumes comuns do mundo, que, trabalho de levantar-se· a favor dela. Se assim fôr, quanto mais
ensinando às mulheres a encararem o casamento como indispen- depressa tal civilização seja intimada a desaparecer, tanto me-
sável, fazem-nas compreender preferirem muitas delas serem lhor. Só poderia continuar de mal a pior até destruída e rege-
uma dentre muitas a ficar tôda a vida solteiras. Não se exige nerada (como se deu com o Império do Ocidente) por bárbaros
de outros países o reconhecimento de tais uniões, ou que liberem enérgicos.
parte dos seus habitantes das leis que lhes são peculiares a favor
das opiniões mormonitas. Mas quando os dissidentes concede-
ram aos sentimentos hostis de outros indivíduos muito mais do
que se poderia pedir com justiça; quando deixaram a região em
que as suas doutrinas não eram aceitas para se estabelecerem
em canto remoto da terra, que foram os primeiros a tornar habi-
tável por sêres humanos, difícil se torna ver em virtude de que
princípios, senão os da tirania, será possível impedi-los de viver
sob as leis que lhes agradam, contanto que não cometam qual-
quer agressão contra outros povos, concedendo inteira liberdade
para se retirarem àqueles· que não estiverem satisfeitos com a
situação. Há pouco um escritor, possuidor de considerável me-

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