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PERSPECTIVAS E DESAFIOS

PARA A PROTEÇÃO DO MEIO


AMBIENTE NA
CONTEMPORANEIDADE

18 E 19 DE OUTUBRO DE 2017
FACULDADE DE DIREITO DA UFMG
ANAIS DO I CONGRESSO MINEIRO DE
DIREITO AMBIENTAL:
PERSPECTIVAS E DESAFIOS PARA A
PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE

Daniel Gaio
Lara Ramos da Silva
(Organização)

Copyright © desta edição [2017] Initia Via Editora Ltda.


Rua dos Timbiras, nº 2250 – sl. 103, Lourdes
Belo Horizonte, MG - CEP 30140-061
www.initiavia.com

Editora-Chefe: Isolda Lins Ribeiro


Diagramação: Rita Magalhães de Oliveira

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reprodução total ou


parcial deste livro ou de quaisquer umas de suas partes, por qualquer
meio ou processo, sem a prévia autorização do Editor. A violação dos direitos autorais é punível
como crime e passível de indenizações diversas.

Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecária: Geyse Maria Almeida Costa de Carvalho CRB 11/973

S749a
Congresso Mineiro de Direito Ambiental: perspectivas e desafios para a
proteção do meio ambiente na contemporaneidade, 1.: 2017.275 p.

Anais do 1º Congresso Mineiro de Direito Ambiental: perspectivas


e desafios para a proteção do meio ambiente na contemporaneidade, Belo
Horizonte, 18 e 19 de outubro de 2017/ Coordenação: Daniel Gaio; Lara
Ramos da Silva. - Belo Horizonte, MG: UFMG, 2017.

ISBN: 978-85-9547-012-5

1. Direito Ambiental. 2. Meio Ambiente. 3. Minas Gerais. 4. Confli-


tos Ambientais. I. Gaio, Daniel. II. Silva, Lara Ramos da. III. Titulo.o

CDU: 349.6
CDD: 349
I CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL
Perspectivas e desafios para a proteção do meio ambiente na contemporaneidade
Universidade Federal de Minas Gerais 2017

PARECERISTAS

Alexandre Gaio
Beatriz Vignolo
Daniel Gaio
Érica Maria de Almeida Souza
Fernando Barotti
Luciano José Alvarenga
Luiz Carlos Garcia
Maraluce Maria Custódio
Márcio Luis de Oliveira
Samuel Fernandes dos Santos
Wallace Andrade Melilo Carrieri

APOIO
I CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL
Perspectivas e desafios para a proteção do meio ambiente na contemporaneidade
Universidade Federal de Minas Gerais 2017

APRESENTAÇÃO

Nunca se falou tanto em meio ambiente como nas últimas décadas, em grande parte
pelos desdobramentos das ações humanas que têm afetado profundamente a vida no planeta e
seus recursos naturais. Diante de tantos desafios acerca do tema, surgiu a necessidade de
realização de um Congresso que proporcionasse um espaço de debates e trocas de
informações na Universidade, bem como o desenvolvimento de pesquisa acadêmica de
interessados na área.
Assim, a partir de iniciativa dos alunos da Faculdade de Direito e Ciências do Estado
da Universidade Federal de Minas Gerais, com apoio da PRAE-UFMG e coordenado pelo
Grupo de Estudos de Direito Ambiental (GEDA-UFMG), juntamente com o Grupo de
Estudos de Direito Ambiental Internacional (GEDAI-UFMG) e o Projeto de Pesquisa RE-
HABITARE, concretizou-se a realização do I Congresso Mineiro de Direito Ambiental -
Perspectivas e desafios para a proteção do meio ambiente na contemporaneidade. A proposta
central consistiu em discutir assuntos relevantes e atuais envolvendo as questões
socioambientais, garantindo um ambiente aberto para debates, estudos, compartilhamento de
informações, análise crítica e produção acadêmica em torno de tal temática. Proporcionar a
visibilidade da temática socioambiental junto ao campo do Direito também fez parte do
propósito do evento, possibilitando que elementos teóricos ambientais sejam confrontados
com casos práticos, em especial no que se refere ao rompimento da Barragem de Mariana
(MG), que está completando 2 anos.
A possibilidade de submissão e apresentação de trabalhos científicos concretizou outro
objetivo do I Congresso Mineiro de Direito Ambiental, proporcionando aos alunos,
principalmente aos graduandos, a oportunidade de compartilharem suas pesquisas e
conhecimentos e participação em debates na área de interesse. A partir dos temas atualmente
discutidos e que tem recebido significativa atenção, o evento delineou cinco áreas temáticas
para a participação de estudantes: Mineração e Recursos Hídricos; Proteção de Biomas e
Espaços Ambientais Protegidos; Licenciamento Ambiental e Responsabilidade Ambiental;
Justiça Ambiental e Conflitos Socioambientais; e Proteção Internacional do Meio Ambiente.
Houve diversificada submissão de artigos científicos entre várias áreas do
conhecimento e instituições acadêmicas, sendo ao final aprovados 24 trabalhos, os quais
compõem esta publicação. Tendo como referência inicial as cinco áreas temáticas, observa-se
que os artigos que compõem estes Anais enfrentam grande parte dos conteúdos do direito
ambiental, perpassando pela abordagem constitucional e internacional do meio ambiente, pelo
licenciamento e pelos procedimentos administrativos ambientais; abrangendo também a
responsabilidade por danos ao meio ambiente, os princípios constitucionais e sua relação com
a sustentabilidade, os espaços ambientais protegidos, a educação ambiental e os mecanismos
de participação social. Ademais, destacam-se as abordagens relacionadas à justiça ambiental e
aos conflitos socioambientais, áreas que ainda são pouco estudadas no campo do Direito, mas
que se constituem inevitável tendência nos círculos acadêmicos, impulsionada pelos graves
impactos sociais às comunidades afetadas pela implementação de empreendimentos
minerários, hidrelétricas, e outros que alteram substancialmente as condições de vida da
população. Não poderia ser de outra forma, pois o papel de uma universidade é a de estar
inserida na realidade social, enfrentando e apontando novas perspectivas para os problemas
reais enfrentados pelo conjunto da população. Por último, cabe ressaltar o olhar crítico
presente nos trabalhos, que buscaram ir além das análises teóricas e rasas, promovendo
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aprofundados estudos com olhares multidisciplinares e proposições inovadoras diante de


assuntos já abordados no meio acadêmico.
Dessa forma, o I Congresso Mineiro de Direito Ambiental, assim como observado nos
trabalhos — que refletem o escopo temático escolhido para debate nos seus painéis —,
possibilitou a interação multidisciplinar de atores preocupados com a compatibilização entre
os aspectos ambientais, sociais e econômicos e proporcionou ambiente de debate que
culminou em relevantes discussões para a comunidade acadêmica.

Daniel Gaio
Lara Ramos Silva
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SUMÁRIO

MINERAÇÃO E RECURSOS HÍDRICOS


1. UMA INTRODUÇÃO SOBRE O CONFLITO ENTRE A PRESERVAÇÃO DOS
RECURSOS HÍDRICOS E O APROVEITAMENTO ECONÔMICO MINERAL NO
QUADRILÁTERO FERRÍFERO
Beatriz Vignolo Silva………………………………………………………..……………......09

2. OS USOS DA ÁGUA NAS COMUNIDADES RURAIS DE CONCEIÇÃO DO MATO


DENTRO: OS EFEITOS DO EMPREENDIMENTO MINAS-RIO E
TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS
Lívia Ferraz da Costa Duarte…………………………………………………………....…....17

3. A NATUREZA JURÍDICA DAS ÁGUAS ENQUANTO BEM MINERAL E


RECURSO HÍDRICO
Pietra Vaz Diógenes da Silva………………………………...……………………...…...…...27
4. PODER DE POLÍCIA, MEIO AMBIENTE, MINERAÇÃO E REINCIDÊNCIA
ADMINISTRATIVA SUSTENTÁVEL
Eduarda Calazans Silva Carneiro
Magno Federici Gomes…………………………………………………….……………..…..37

5. A PRODUÇÃO DE ENERGIA HIDRELÉTRICA NO BRASIL: UMA ABORDAGEM


SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL DA SUSTENTABILIDADE
Leandro José Ferreira
Wallace Douglas da Silva Pinto………………………………………...………...………......51

PROTEÇÃO DE BIOMAS E ESPAÇOS AMBIENTAIS PROTEGIDOS


6. PAISAGEM E A PROTEÇÃO DO ESPAÇO AMBIENTAL: O PRINCÍPIO DIREITO
FUNDAMENTAL E INTERGERACIONAL EM DWORKIN
Fernando Barotti dos Santos
Leonardo Cordeiro de Gusmão
Émilien Vilas Boas Reis…………………………………………...…………….……….......62

7. A RESERVA NACIONAL DO COBRE E ASSOCIADOS EM FACE DOS ESPAÇOS


AMBIENTAIS PROTEGIDOS: UMA ANÁLISE SOB OS INSTITUTOS JURÍDICOS
DE DIREITO MINERÁRIO E AMBIENTAL
Matheus Felipe Sales Santos
Melissa dos Santos Silva Araújo…………………………………………………......……….72

LICENCIAMENTO AMBIENTAL E RESPONSABILIDADE


AMBIENTAL
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8. A RESPONSABILIDADE DO ESTADO EM MATÉRIA AMBIENTAL SOB A


ÓTICA VINCULANTE DO PRINCÍPIO DA SUSTENTABILIDADE
Lucas Fonseca Marinho…………………………………………....………………....………81

9. A REESTRUTURAÇÃO DO SISTEMA ESTADUAL DE MEIO AMBIENTE E


RECURSOS HÍDRICOS DE MINAS GERAIS: POSSÍVEIS IMPLICAÇÕES SOBRE
O LICENCIAMENTO AMBIENTAL
Iara Marques da Rocha Vilela
Frederico Wagner de Azevedo Lopes…………………………………………...…....………95

10. EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO INSTRUMENTO DE CONSCIÊNCIA PARA A


PRÁTICA DO CONSUMO SUSTENTÁVEL EM PROL DA EVASÃO DA TRAGÉDIA
DOS COMUNS: RESPONSABILIDADE AMBIENTAL COMPARTILHADA
Vânia Ágda de Oliveira Carvalho
Thiago Loures Machado Moura Monteiro
Émilien Vilas Boas Reis…………………………………....…………………………..…...109

11. O INCIDENTE DE DEMANDAS REPETITIVAS E A INDENIZAÇÃO POR


DANOS MORAIS PELO ROMPIMENTO E GALGAMENTO DAS BARRAGENS NO
COMPLEXO MINERÁRIO GERMANO
Leonardo Custódio da Silva Júnior
Vanessa de Vasconcellos Lemgruber França…………………………………....……….….124

12. PRODUTOS PROGRAMADOS PARA MORRER: A RESPONSABILIDADE


CIVIL AMBIENTAL RELATIVA À OBSOLESCÊNCIA PLANEJADA E À
DESTINAÇÃO PÓS-CONSUMO
Fernanda Bernardes Monteiro de Castro
Lara Ramos da Silva
Maria Gabriela de Paula e Silva…………………...………....……………………..……….140

JUSTIÇA AMBIENTAL E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS


13. VIVENDO ABAIXO DO PERIGO: O JASSÉM E A BARRAGEM DE REJEITOS
DO PROJETO MINAS- RIO
Yasmin Rodrigues Antonietti…………………………………....……………….………….156

14. JUSTIÇA AMBIENTAL E DEMOCRACIA: UMA CONSTRUÇÃO PROCESSUAL


Lorena Machado Rogedo Bastianetto
Magno Federici Gomes…………………………………....………………....…………..….168

15. AÇÃO POPULAR AMBIENTAL E A VIABILIDADE DE REUNIÃO DAS


PRETENSÕES INDIVIDUAIS INDENIZATÓRIAS DECORRENTES DE DANOS
MORAIS
Leonardo Cordeiro de Gusmão
Fernando Barotti dos Santos….……………………....………………………………….….176

16. O DESASTRE NO RIO DOCE: ASPECTOS DE TEMPORALIDADES,


SOFRIMENTO SOCIAL E RESISTÊNCIA
Ilklyn Barbosa da Silva……………………......…………………………………...………..188
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17. GESTÃO PÚBLICA PARTICIPATIVA: O PAPEL DOS CONSELHOS


MUNICIPAIS DE MEIO AMBIENTE NA GESTÃO DESCENTRALIZADA LOCAL
Francis de Almeida Araújo Lisboa
Thaís Aldred Iasbik
Samuel Fernandes dos Santos…………………………….....…………………………..…..197

18. DA CONSTRUÇÃO DO RISCO AO DESASTRE QUE PERSISTE: O CASO DO


ROMPIMENTO DA BARRAGEM DE FUNDÃO
Maryellen Milena de Lima…………………………....………………………………..........211

19. SANEAMENTO BÁSICO COMO MECANISMO DE EFETIVAÇÃO DE


DIREITOS HUMANOS DAS MINORIAS RACIAIS
Maria Luísa Brasil Gonçalves Ferreira………………………....…………………………...221

20. A INTER-RELAÇÃO ENTRE HUMANIDADE E NATUREZA SOB A ÓTICA DO


MOVIMENTO SOCIAL ECOLÓGICO: UM INICIAR À COMPREENSÃO DA
EDUCAÇÃO AMBIENTAL
Amaro Bossi Queiroz……………………....…………………………………………..……231

21. DESASTRE AMBIENTAL DA BARRAGEM DO FUNDÃO EM MARIANA:


NECESSIDADE DE UM NOVO MARCO REGULATÓRIO
Glaucia Tavares…………………....……………………………………………………..….247

PROTEÇÃO INTERNACIONAL DO MEIO AMBIENTE


22. PROTEÇÃO INTERNACIONAL DO MEIO AMBIENTE: DO FRACASSO DE
QUIOTO ÀS NOVAS PERSPECTIVAS DO ACORDO DE PARIS
Isabela Cristina Carreiro Cavalcante
Laís Cardoso Queiroz……………………………....………………………………….…….262

23. DELIMITAÇÃO MARÍTIMA NOS TERMOS DA CONVENÇÃO DAS NAÇÕES


UNIDAS SOBRE O DIREITO DO MAR-CNUDM
Flávia Fagundes Carvalho de Oliveira
Joelma Beatriz de Oliveira
Karina Freitas Chaves..……………………....…………………………………….………..269

24. NOVO CÓDIGO FLORESTAL E O PROBLEMA DA EFETIVIDADE DAS


CONVENÇÕES DE DIREITO AMBIENTAL INTERNACIONAL
Matheus José de Souza Dias
Raphael de Souza Santana……………………………....…….……………………....…….278
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UMA INTRODUÇÃO SOBRE O CONFLITO ENTRE A


PRESERVAÇÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS E O
APROVEITAMENTO ECONÔMICO MINERAL NO QUADRILÁTERO
FERRÍFERO

An introduction on the conflict between the preservation of the


water resources and the economic mineral use in the Quadrilátero
Ferrífero

Beatriz Vignolo Silva 1

Resumo: A coincidência geológica entre reservas de minério e os mananciais subterrâneos de


abastecimento, no Quadrilátero Ferrífero, é um paradoxo que é pouco enfrentado pelo poder
público, empresas e sociedade, pois em grande parte das minas se extrai muito mais água que
minério, principalmente em lavras que se localizam abaixo do nível freático, pois demandam
a drenagem das águas em grandes escalas, provocando o rebaixamento do aquífero. Isso tem
causado diminuição na vazão de importantes mananciais hídricos que servem de
abastecimento direto e indireto da população da RMBH. No entanto esses impactos não têm
sido dimensionados de forma prévia nos processos de licenciamento mineral, ambiental,
outorga de direito de uso, diagnósticos de bacias e nos planejamentos hídricos e
metropolitanos. A resolução do conflito entre a preservação dos recursos hídricos e o
aproveitamento econômico mineral no Quadrilátero Ferrífero precisa passar pelo
entendimento de que é preciso controlar a lógica do capital que influencia na gestão pública
territorial.

Palavras-chave: impactos; conflitos; mineração; recursos hídricos; meio ambiente.

Abstract: The geological coincidence between mineral reserves and the underground supply
springs in the Quadrilátero Ferrífero is a paradox that is little faced by the public power,
companies and society, since in much of the mines is extracted much more water than ore,
mainly in mining that are located below the water table, because they demand the drainage of
the waters in great scales, causing the lowering of the aquifer. This has caused a decrease in
the flow of important water sources that serve as direct and indirect supply of the population
of the RMBH (Greater Belo Horizonte Metropolitan Region). However, these impacts have
not been previously stipulated in mineral licensing, environmental licensing, concession rights
for the use of, basin diagnostics and water and metropolitan planning. The resolution of the
conflict between the preservation of water resources and the mineral economic use in the

1 Mestranda em Direito (UFMG). Especialista em processo pela PUC-Minas. Advogada e Professora de Direito
Ambiental. Email: biavignolo@hotmail.com
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Quadrilátero Ferrífero must pass through the understanding that it is necessary to control the
logic of capital that influences the territorial public management.

Keywords: impacts; conflicts; mining; water resources; environment.

1. Introdução

A produção e exportação dos produtos primários foram intensificadas em Minas


Gerais nas décadas de 1970 e 1980, o que tem produzido grandes transformações nas
condições naturais e sociais do território mineiro e fez emergir um número indeterminado de
conflitos entre sociedade e empresas (ZHOURI; OLIVEIRA, 2010, p. 446).
A atividade mineral, desde a era colonial, tem destaque no cenário econômico
brasileiro. Reconhecida por seus impactos ambientais, hídricos e sociais irreversíveis e de
grandes proporções está presente em mais de 400 municípios mineiros e respondeu, em 2013,
por 49,4% das exportações brasileiras de minério de ferro e 69,5% de ouro (IBRAM, 2009, p.
2-3). Quase 90% dos investimentos privados em Minas Gerais foram destinados ao setor
mineral em 2010, e estão previstas para os próximos anos várias expansões minerárias na
Região Metropolitana de Belo Horizonte – RMBH, localizada sobre o Quadrilátero Ferrífero
(MINAS GERAIS, 2011b, p. 1051).
Os 34 municípios que compõem a RMBH estão sobre três bacias hidrográficas em
comprovada situação de escassez: bacia do rio das Velhas, bacia do rio Paraopeba e bacia do
rio Pará, todas sub-bacias do rio São Francisco. A bacia do rio das Velhas abrange 60% do
território da RMBH, a do Paraopeba 34,5% e do rio Pará 5,5%, todas se encontram com baixa
disponibilidade hídrica e qualidade das águas inadequada. Agrava esse quadro a previsão de
aumento da área urbana em 98% entre 2010 e 2050, ou seja, estima-se que em 40 anos a área
urbanizada será praticamente duplicada na RMBH (MINAS GERAIS, 2011a, p. 95).
Um dos fatores que qualificaram Belo Horizonte como a capital do Estado, no final do
século XIX, foi o potencial hídrico subterrâneo da região, encontrado, sobretudo, nas rochas
do grupo Itabira, responsáveis também por grandes reservas de minério (CPRM, 2005, p. 6).
A coincidência geológica entre reservas de minério e os mananciais subterrâneos de
abastecimento, no Quadrilátero Ferrífero, é um paradoxo que é pouco enfrentado pelo poder
público, empresas e sociedade. Em grande parte das minas se extrai muito mais água que
minério, principalmente em lavras que se localizam abaixo do nível freático, pois demandam
a drenagem das águas em grandes escalas, provocando o rebaixamento do aquífero. Além
desses impactos inerentes às frentes de lavra há necessidade de uso da água nas operações de
beneficiamento do minério e em minerodutos, mas o ponto crítico é que os impactos
hidrológicos podem perdurar por muito tempo (RUBIO, 2006, p. 19).
O rebaixamento do lençol freático em minas a céu aberto, frequentemente de ferro,
tem causado diminuição na vazão de importantes mananciais hídricos que servem de
abastecimento direto e indireto da população da RMBH. Os impactos do rebaixamento do
aquífero não têm sido dimensionados de forma prévia nos processos de licenciamento
mineral, ambiental, outorga de direito de uso, diagnósticos de bacias e nos planejamentos
hídricos e metropolitanos. As medidas mitigadoras, quando implementadas, não possuem
eficácia comprovada, pois demandam um longo período de recuperação das condições
originais, o que pode levar décadas (CPRM, 2005, p. 68).

2. Desenvolvimento

O art. 225, §1º, IV da CRFB/1988 dispõe que para instalação de empreendimento


potencialmente causador de significativa degradação ambiental deve ser exigido estudo prévio
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de impacto ambiental. Além disso, dispõe o parágrafo seguinte desse mesmo dispositivo que
aquele que explorar recursos minerais deve recuperar o meio ambiente degradado. Ocorre que
o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) não aprofunda a análise dos danos hidrogeológicos do
empreendimento mineral - especialmente o rebaixamento do lençol freático - sobre a área de
influência direta, indireta e a bacia hidrográfica em que se localiza. Tampouco é realizada uma
análise de impacto hídrico e ambiental integrada com outros empreendimentos.
O caput do art. 225 da Constituição impõe ao Poder Público o dever de preservar o
meio ambiente para as presentes e futuras gerações e, para reforçar a proteção ambiental da
biodiversidade e consequentemente dos mananciais hídricos, a Constituição impõe ao Poder
Público o dever de definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus
componentes a serem especialmente protegidos (art. 225, 1º, III da CRFB/1988).
A concepção de espaços especialmente protegidos iniciou nos Estados Unidos, no
século XX, e baseava-se na ideia de que o homem poderia degradar a natureza (transformar a
biosfera), mas com a possibilidade de destinar parte dos espaços para manutenção de seu
estado natural, primitivo, anterior à intervenção humana (DIEGUES, 2008, p. 25).
O Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC (Lei 9.985/2000)
estabelece as normas para a criação, implantação e gestão das unidades de conservação no
Brasil, divididas basicamente em dois grupos com características específicas: as unidades de
uso sustentável e as unidades de proteção integral. Nas unidades de uso sustentável há
permissão de uso direto dos recursos naturais daquele espaço delimitado (art. 2º, IX e X e art.
7º, da Lei 9.985/2000). Essa categoria, relativamente rara até os anos 1970, passou a ser muito
comum no Brasil, apesar do valor de proteção reduzido (RODRIGUES, 2005, p. 26).
Percebe-se verdadeira proteção especial apenas nas unidades de conservação de
proteção integral, já que nelas é admitido apenas o uso indireto dos recursos naturais, que, nos
termos do art. 2º, IX da Lei 9985/2000, é aquele que não envolve consumo, coleta, dano ou
destruição. No entanto, essas unidades não representam nem 1,9% do território nacional
(MILANO, 2001, p. 5) e 2,7% do território da RMBH (MINAS GERAIS, 2011a, p. 98), o que
indica um desequilíbrio na proteção da biodiversidade e dos mananciais hídricos.
Assim, a criação de unidades de conservação tem sido uma estratégia comum para a
conservação da natureza e os conflitos advindos da mineração no Estado de Minas Gerais,
decorrentes de seus impactos, ocasionou um recrudescimento de movimentos sociais que
reivindicam a criação de unidades de conservação de proteção integral nas áreas visadas por
empreendimentos minerais, a exemplo do Abrace a Serra da Moeda, Águas do Gandarela,
Movimento em Defesa das Serras e Águas de Minas e Águas de Casa Branca.
Há certa condescendência por parte do poder público com os danos hídricos,
ambientais e sociais oriundos dessa atividade econômica. Em nome do interesse nacional
preconizado pela Constituição (art. 176, §1º, CRFB/1988), defende-se a preponderância da
extração mineral sobre outros valores constitucionais de igual interesse público (TRINDADE,
2009, p. 63-64), como a proteção do meio ambiente, tratando o direito ao aproveitamento
econômico mineral em termos absolutos, ou seja, que não sofre limitação por outros direitos.
A Constituição, ao tratar a mineração como atividade de interesse nacional (art. 176,
§1º), cria uma figura jurídica peculiar, pois atribui o domínio dos recursos minerais à União e
garante ao minerador o direito de propriedade sobre o produto da lavra (art. 20, IX e art. 176,
CRFB/88) (FREIRE, 2010, p. 66).
Aponta a doutrina mineral que a diferenciação entre a propriedade dos recursos
minerais e do solo seria uma forma de viabilizar a “justiça distributiva” da exploração
mineral, porque seria uma forma de reverter para a população, por intermédio do Estado, os
benefícios advindos da exploração mineral (TRINDADE, 2009, p. 63-64).
Defende-se a preponderância da atividade mineral sobre outras de igual interesse
público, em razão de previsões legais de fomento que proíbem a paralisação das operações de
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pesquisa e lavra, sob pena de sanções, inclusive a caducidade do título obtido pelo
empreendedor, conforme arts. 29, II e 47, XIV do Código de Minas - Decreto-Lei nº 227/1967
(TRINDADE, 2009, p. 59). Há quem defenda, inclusive, a possibilidade de extração de
recursos minerais no interior de unidades de proteção integral (COSTA; AMORIM, 2009, p.
51).
Essa concepção reflete na maneira como cada autor enxerga a função social da
propriedade mineral. Há doutrinadores que defendem que a função social da propriedade
mineral assume dimensão plúrima, pois deve ser vista em face do Estado, do empreendedor
mineral e a coletividade. Para o Estado, representa a obrigação do Poder Público viabilizar e
fomentar o acesso aos recursos minerais; para o empreendedor significa utilizar o recurso de
forma racional, o transformando em riqueza efetiva; para a coletividade constitui no
compartilhamento de riquezas e benefícios da exploração mineral sem perder de vista a
sustentabilidade e a proteção do meio ambiente (TRINDADE, 2009, p. 71).
Por outro lado há autores que, ao promoverem uma análise mais crítica da atividade,
defendem que a apuração da função social da mineração demanda a avaliação dos impactos
socioeconômicos dessa atividade, que passa por dois eixos principais: o bem-estar que
significa promover melhores condições de vida; e o outro é avaliar se a atividade gera efeitos
fiscais positivos, com tributação justa e adequada. Apontam esses autores que a mineração
não tem sido capaz de promover melhores condições de vida para a população dos municípios
mineradores, e o Estado, por sua vez, não tributa o setor de forma justa e adequada. Esses
fatores levam ao entendimento de que o setor mineral não está orientado para cumprir sua
função social e tem sido incapaz de gerar dinamismo na economia, o que o caracteriza como
um “enclave” que é a característica das atividades que geram poucos elos produtivos e muitos
impactos para a coletividade (BATISTA JÚNIOR; SILVA, 2013, p. 503).
A busca pela função social da atividade de mineração se sobreleva principalmente
porque se utiliza de recursos não renováveis, fadados ao esgotamento, de modo a evitar a
exploração inadequada, o esgotamento prematuro ou a degradação ambiental irreparável
(BATISTA JÚNIOR; SILVA, 2013, p. 484).
Os bens minerais somente podem ser pesquisados, extraídos e comercializados com a
autorização do poder público, neste caso representado pelo Departamento Nacional de
Produção Mineral (DNPM), vinculado ao Ministério de Minas e Energia. O DNPM, órgão da
administração indireta, tem por objetivo o fomento da exploração e do aproveitamento dos
recursos minerais, responsável pelo processo administrativo de outorga de direitos minerários,
que deve obedecer aos princípios do devido processo legal e demais normas aplicáveis à
Administração Pública (TRINDADE, 2009, p. 165).
No entanto, em nome da missão de fomento à mineração, princípios constitucionais
básicos do Estado Democrático de Direito são preteridos, a exemplo do princípio da
publicidade que é atingido por Portaria do DNPM que considera sigilosos os processos
administrativos minerários, impedindo o acesso de terceiros aos processos de outorga desses
direitos (Portaria DNPM 155/2016, art. 26). Esse dispositivo, de constitucionalidade
duvidosa, considera apenas como terceiros interessados os superficiários das áreas oneradas e
os cessionários dos direitos minerários. Alega-se que o objetivo é proteger a propriedade
intelectual e industrial de seus titulares (art. 5º, XXIX, CRFB/88), que poderia ser violada
caso terceiros tivessem acesso aos dados e informações técnicas dos beneficiários dos títulos
minerários (BRAGA, 2010, p. 01).
Na prática, a Portaria impede que a população atingida por empreendimentos
minerários tome conhecimento prévio acerca dos projetos de exploração mineral previstos
para sua região, sendo garantida a publicidade apenas no licenciamento ambiental estadual, ou
seja, depois que o empreendimento já foi todo delimitado no âmbito federal. A exploração
mineral pretendida é aquela detalhada no plano de aproveitamento econômico (PAE)
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apresentado ao DNPM e que, muitas vezes, não é a mesma exploração retratada no estudo de
impacto ambiental apresentando ao órgão estadual. É comum que o empreendimento em
licenciamento ambiental se refira apenas a parte do PAE, o que causa um sub-
dimensionamento do empreendimento e consequentemente dos impactos, resultando no
fracionamento do licenciamento ambiental de projetos que já estavam previstos no PAE muito
tempo antes do licenciamento ambiental (MINAS GERAIS, 2012, p. 08).
A noção de injustiça ambiental ficou evidente a partir do movimento nascido nos
Estados Unidos nos anos 60 que articulou lutas de caráter social, territorial, ambiental e de
direitos civis. Os embates eram contra as condições inadequadas de saneamento,
contaminação química de locais de moradia e trabalho e disposição inadequada de lixo tóxico
e perigoso, acionando-se a noção de “equidade geográfica”. (ACSELRAD, 2004, p. 33).
O processo de industrialização deflagrado no Século XIX foi acompanhado de
problemas urbanos e ambientais que devem ser enfrentados pela sociedade atual. A transição
da produção artesanal para a industrial, e do capitalismo comercial e bancário para o
capitalismo concorrencial, acompanhou uma enorme crise social, pouco estudada no que diz
respeito aos impactos nas cidades, no sistema urbano (LEFEBVRE, 2001) e meio ambiente.
O crescimento econômico (quantitativo) vem desacompanhado do desenvolvimento
social (qualitativo), especialmente nos países mais pobres. A sociedade urbana demanda uma
planificação pautada nas necessidades sociais, de modo que a classe trabalhadora possa
efetivamente participar e influenciar na organização da cidade. Apontam os teóricos da cidade
a necessidade de se caminhar em direção a uma nova sociedade urbana, em que sejam
redefinidas as formas, funções, estruturas e necessidades sociais (LEFEBVRE, 2001).
As cidades, embora existam antes do capitalismo, foram modificadas profundamente
pelo capital, que busca adequá-las aos interesses de diversas forças do setor produtivo
(imobiliário, latifundiário, industrial, mineral etc.). O estudo dos problemas urbanos tem sido
negligenciado nas políticas públicas de desenvolvimento, nos cursos acadêmicos e também
nos debates da esquerda (MARICATO, 2015, p. 40).
O Estado possui papel relevante na forma de produção do espaço urbano devido à sua
competência de regulação e controle sobre o uso, ocupação do solo e meio ambiente. Nas
palavras da Professora Ermínia Maricato, o Estado “(..) é, portanto, o principal intermediador
na distribuição de lucros, juros, rendas e salários (direto e indireto), entre outros papéis”
(MARICATO, 2015, p. 25).
O problema é que muitas vezes o investimento público é pautado pelos interesses do
mercado, aqui incluído o marketing urbano, e pelos interesses eleitorais, desprovidos de um
planejamento urbano. Os espaços ambientalmente frágeis - quando desinteressantes
economicamente para o mercado legal - são ocupados por grande parte da população, com
consequências avassaladoras para vida humana, meio ambiente e recursos hídricos
(MARICATO, 2015, p. 26).
O ambiente urbano é moldado conforme as necessidades do capital, contudo a
produção do espaço urbano interessa mais especificamente a um determinado grupo
econômico que trata a cidade como mercadoria (MARICATO, 2015).
Esse modelo compromete o papel dos dirigentes políticos, colocando-os em uma
posição de vendedores, pois planejam as cidades inspirados em conceitos empresariais,
preocupados essencialmente com o fomento a novas indústrias e investimentos. Ver a cidade
como empresa significa concebe-la como agente econômico que atua no contexto do mercado,
sob suas regras e modelos, tomando decisões a partir de das informações e expectativas do
capital (VAINER, 2002).
O capital imprime um valor de troca na cidade - vista como mercadoria - em oposição
ao valor de uso por parte da população, mormente a classe trabalhadora, que necessita de
serviços públicos de qualidade e baixo custo, como o transporte, abastecimento de água,
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moradia, constituindo-se tais políticas públicas urbanas em salário indireto (MARICATO,


2015).
O predomínio dessa tendência de segregação social, espacial e também ambiental
compromete o próprio conceito de cidadania, diante do descompasso entre os direitos
teoricamente colocados e a realidade da cidade. Há necessidade de um esforço no sentido de
mudar a prática social de modo que a realidade urbana seja destinada aos usuários, e não ao
mercado especulativo capitalista (LEFEBVRE, 2001).

3. Considerações finais

O conflito no Estado de Minas Gerais entre o direito à água e o direito ao


aproveitamento econômico mineral imprime a necessidade aprofundamento da discussão
sobre esse modelo de crescimento que dá prevalência aos interesses do mercado, em
detrimento da segurança hídrica e ambiental da sociedade.
A resolução do conflito entre a preservação dos recursos hídricos e o aproveitamento
econômico mineral no Quadrilátero Ferrífero precisa passar pelo entendimento de que é
preciso controlar a lógica do capital que influencia na gestão pública territorial. As atividades
ou indústrias poluentes, a exemplo da mineração, são importantes para a geração de empregos
e receita pública, mas precisam se submeter a normas de controle e tecnologias apropriadas
que respeitem a saúde e qualidade de vida da população.

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OS USOS DA ÁGUA NAS COMUNIDADES RURAIS DE


CONCEIÇÃO DO MATO DENTRO: OS EFEITOS DO
EMPREENDIMENTO MINAS-RIO E TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS

The uses of water in the rural communities of Conceição do Mato Dentro:


the effects of the Minas-Rio project and social transformations.

Lívia Ferraz da Costa Duarte 2

Resumo: O empreendimento Minas-Rio, da empresa Anglo American no município de


Conceição do Mato Dentro, deflagrou um dos mais graves e significativos conflitos
socioambientais da atualidade em Minas Gerais. As comunidades rurais que ali vivem tiveram
suas vidas transformadas pelo empreendimento, alterando nas relações e dinâmicas
estabelecidas com o território. Uma dessas transformações significativas é o secamento e
destruição de nascentes, assoreamento e poluição dos recursos hídricos, outrora fundamentais
ao modo de vida rural das famílias atingidas. O presente trabalho busca fazer um panorama
geral desses efeitos e uma análise crítica das produções técnicas da empresa Anglo American,
que classifica o impacto da escassez da água como de “média magnitude” e “média
relevância”, contrapondo com as narrativas dos atingidos.

Palavras chaves: água; mineração; violação de direitos; Conceição do Mato Dentro; conflito
ambiental.

Abstract: The Minas-Rio project, owned by Anglo American in the municipality of


Conceição do Mato Dentro, is one of the most serious and significant socio-environmental
conflicts in Minas Gerais. The rural communities that live there had their lives transformed by
the enterprise, changing in the relations and dynamics established with the territory. One of
these significant transformations is the drying up and destruction of springs, silting and
pollution of water resources, once fundamental to the rural way of life of affected families.
The present work seeks to give an overview of these effects and a critical analysis of the
technical productions of Anglo American, which classifies the impact of water scarcity as
"medium magnitude" and "medium relevance", as opposed to the narratives of those affected.

2 Graduanda em Ciências Socioambientais pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Membro do
projeto “Água e território no entorno do Empreendimento Minas-Rio: usos e conflitos”, fomentado pelo CNPq,
vinculado no Projeto de Pesquisa “Poder, território e conflito: processos de territorialização e mineração em
Conceição do Mato Dentro (MG)”, que vem sendo realizada no âmbito do Observatório dos Conflitos
Ambientais em Minas Gerais, desenvolvido pelo Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais – GESTA/UFMG,
sob orientação da Profa. Dra. Ana Flávia Moreira Santos. E-mail: liviafcduarte@hotmail.com
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Keywords: water; mining; rights violations; Conceição do Mato Dentro, environmental


conflict.

1. Introdução

Para as comunidades rurais, as fontes d’água são percebidas como dádivas. As


nascentes que brotam em seus quintais são essenciais para as produções, plantas e hortaliças
nos fundos de suas casas, para a criação de pequenos animais e consumo doméstico,
fundamentais para o seu modo de vida tradicional. No entanto, a partir de projetos
desenvolvimentistas, como a mineração, esses recursos se tornam escassos, e aquilo que antes
se tinha em abundância, já quase não existe mais, comprometendo a reprodução social desses
grupos. A implementação do empreendimento Minas-Rio, da empresa Anglo American, teve
como um dos impactos mais emblemáticos a falta de água nas comunidades rurais do
município de Conceição do Mato Dentro, Minas Gerais. Entretanto, a empresa busca
naturalizar e subdimensionar o impacto, tratando-o como de baixa significância.
O empreendimento Minas-Rio, da empresa Anglo American, é um grande complexo
minerário que compreende a exploração de minério retirado no município de Conceição do
Mato Dentro (MG), seu beneficiamento e transporte até o porto do Açu, em São João da Barra
(RJ), através de um mineroduto de 525 km de extensão. Desde a implantação da mina e
demais estruturas complementares, em 2009, o empreendimento tem sido alvo de
contestações e denúncias sobre impactos ambientais e violação de direitos humanos pelos
atingidos e pelos movimentos sociais (PRATES, 2014).
A preocupação central deste trabalho nasceu a partir do meu ingresso na iniciação
científica em 2016, no projeto CNPq “Água e território no entorno do empreendimento
Minas-Rio: usos e conflitos” cujo objetivo é analisar os efeitos do empreendimento nas águas
das comunidades rurais de Conceição do Mato Dentro. A instalação e operação da exploração
de ferro tem sido acompanhada do assoreamento de córregos, da diminuição de vazão e
secamento de quase todas as nascentes utilizadas pelas famílias que ali vivem,
tradicionalmente, da agricultura, dificultando o modo de vida rural e provocando um
deslocamento in situ. Além de expor um panorama geral desses efeitos, este trabalho também
busca fazer uma análise crítica das produções técnicas da empresa Anglo American, que
classifica o impacto da escassez da água como de “média magnitude” e “média relevância”
subdimensionando-o, e contrapor o discurso da empresa com as narrativas dos atingidos e sua
realidade socioambiental, demonstrando a violação de um direito humano básico e o fim de
práticas produtivas, domésticas e de lazer.

2. Águas de Conceição: dádiva versus mercadoria

A água, recurso essencial para a existência humana, se transformou, nos últimos anos,
para as comunidades no entorno do empreendimento Minas-Rio, de um recurso farto e
ilimitado, em um recurso cujo acesso é crítico. O seu uso é disputado por diversos atores
dentro do campo ambiental, contrapondo, sobretudo, o consumo humano em moldes
tradicionais, envolvendo usos múltiplos e o uso industrial. Nesse contexto, podemos
considerar o conflito ambiental desse empreendimento como um dos mais emblemáticos no
que diz respeito ao tema água. Esses usos são envoltos por diferentes olhares em relação ao
recurso e tratam, conforme Galizoni (2005), das relações sociais em torno das formas de
apropriação dos recursos hídricos: uma dádiva, para as comunidades rurais; um bem
econômico que se torna mercadoria, para a empresa minerária. Na visão desenvolvimentista,
como afirma Diegues (2009, p.16 apud Zhouri et al 2012, p. 151), a água é tratada como um
bem controlado pela tecnologia, apropriado de forma privada ou corporativista, tornando-se,
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assim, uma mercadoria. Na perspectiva tradicional, por sua vez, e bem como observado na
região em tela, a água que corre nos quintais é fundamental no cuidado das hortas, pomares e
plantios; para o consumo doméstico, pesca, criação e dessedentação de animais, além de ser
elemento sagrado em batismos religiosos e rituais de cura.
Desde 2008, constam boletins de ocorrências e reclamações dos moradores
denunciando sobre as mudanças de cor nas águas de um dos córregos mais importantes na
localidade, impossibilitando o consumo e ensejando o aparecimento de coceiras nas peles dos
usuários. Conforme informação técnica elaborada em 2009 pelo Ministério Público Federal,
naquele ano já se constatavam diversos impactos nos cursos hídricos locais:

Durante as viagens [de campo], foram registradas inúmeras denúncias de poluição


das águas além da diminuição do lençol freático, devido a furos (de sondagens) não
tamponados pela empresa. Várias dessas denúncias encontram-se registradas na
documentação repassada a essa Procuradora da República pela população atingida;
vale entretanto registrar que, no decorrer das viagens de campo, foram
anotadas as seguintes denúncias, sobre a qualidade da água:
- Ferrugem: diminuição no nível da água, restringindo o uso doméstico e impedindo
a movimentação de um moinho dágua; a água sai vermelha quando chove, como se
fosse um “mingau”, não sendo possível sequer molhar plantas ou dar aos animais;
- Mumbuca/Água Santa: sujeira/poluição na água, água com gosto de borracha.
- Beco: contaminação do Ribeirão Vargem Grande, vindo do Córrego Pereira acima
3
da Ferrugem, única água disponível na propriedade de João Antônio (...). Segundo
o morador, em época de chuva a água fica ainda mais vermelha. A sujeira, que
adquiriu uma cor esverdeada e acinzentada, já provocou mortandade de peixes, já
causou coceiras no corpo de seus familiares e impede que a família [faça] uso da
única fonte de água de que [dispõe];
- Cabeceira do Turco: As águas da Cabeceira do Turco abastecem várias
comunidades; só o cano de captação do povoado do Turco abastece
aproximadamente trinta casas. O problema se iniciou em setembro de 2007, tempo
das águas, quando ela passou a descer suja e grossa com a cor avermelhada.
Representantes da comunidade do Truco procuraram a empresa e também
autoridades municipais, a fim de que estas intermediassem, junto à empresa, a
solução do problema. No tempo das águas de 2008, o problema retornou; a
comunidade voltou a solicitar, a uma autoridade local, a resolução do problema, que,
entretanto, permanecia em maio de 2009, apesar da construção de uma bacia de
contenção.
- Em 2010, a comunidade de Água Quente foi declarada em estado “emergencial”
devido à questão da água (MPF, 2009, p. 39 a 41).

Conforme Carvalhosa (2016), as estruturas necessárias ao funcionamento do


mineroduto, as obras de terraplanagem e drenagens superficiais, a construção e o
funcionamento dos canteiros de obra, nos anos subsequentes, impossibilitaram o uso da água
em diversos afluentes da sub-bacia do Rio do Peixe, afetando os córregos Pereira e Passa
Sete, que abasteciam as comunidades. Graves episódios de assoreamento e contaminação dos
cursos hídricos tornaram o uso dos recursos impossibilitado. Nos últimos anos, três denúncias
foram feitas em relação a mortandades de peixes no Córrego Passa Sete, a primeira em 2014,
a segunda em 2015 e a terceira em junho de 2017, tendo sido feitos boletins de ocorrência por
parte de moradores das comunidades atingidas. Esse córrego corta várias comunidades e,
embora o uso da água esteja prejudicado, ainda é um elemento importante na vida das
comunidades. Sua importância para a pesca e subsistência das famílias, no passado recente,
foi lembrada por uma moradora da comunidade do Passa Sete:

3 Nome fictício, alterado para a produção deste trabalho.


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Deixava a gordura esquentando lá e chega no rio, já que não tem carne hoje, vou ali
pegar o lambari pra eu comer agora, com um arroz, uma couvinha com angu. Podia
deixar a panela esquentando lá e ia lá e pegava, hoje não tem nada, morreram tudo,
eles mataram nossos peixes, acabou com o lazer da gente [...] hoje a gente como o
quê? Do mercado, se você tiver dinheiro, se não tiver, você come sem os peixes
(moradora da comunidade, 2017).

De acordo com um relatório elaborado pela empresa de consultoria Diversus (2014),


contratada para fazer estudos socioeconômicos na região do empreendimento, foi comprovada
a mortandade de peixes naquele ano, que teria sido causada pelo assoreamento dos córregos
Pereira e Passa Sete, incidindo sobre as “formas de obtenção de alimentos de comunidades de
agricultores de subsistência, portanto, em vulnerabilidade social” (p.142). O Estudo também
observava que o processo de assoreamento deveria também afetar outros córregos, conforme
avançasse o empreendimento. Ainda assim, o EIA/RIMA da Expansão da Mina do Sapo, para
a Fase 3 da expansão do empreendimento, aborda de forma superficial e genérica esse tipo de
impacto, não especificando os córregos que serão afetados com a expansão da mina e quais
comunidades fazem o uso tradicional da pesca. Além disso, a empresa classifica o impacto
como de baixa relevância e baixa magnitude e, contraditoriamente, o considera irreversível
(vol.V, p. 73/4). Ora, se não existem dados sobre a pesca, quais os critérios utilizados para que
o impacto fosse classificado pelo empreendedor como de baixa magnitude, sobretudo quando
é admitido que o impacto é irreversível?
O assoreamento dos rios é um grave impacto que altera substancialmente a qualidade
das águas, prejudicando outros usos pelas comunidades. Esse impacto já foi objeto de
discussões em reuniões URC Jequitinhonha e também de Parecer Técnico do Ministério
Público de 2014, o qual confirmou o assoreamento nos córregos Pereira e Passa Sete e os
efeitos nas comunidades e moradores situados em suas margens. Além disso, conforme consta
nesse Parecer Técnico do MP, houve o rompimento da bacia de contenção número 19,
localizada no Platô 18, em dezembro de 2011. Esse rompimento provocou uma erosão com
aproximadamente 300 metros de comprimento e 50 a 80 metros de largura, em área estimada
em 2,1 hectares. Ainda assim, conforme Parecer,

A empresa não executou nenhuma medida estrutural para estabilizar o processo


erosivo, limitando-se a instalar dispositivos paliativos, tais como barricadas de sacos
de areia e paliçadas com geotêxtil, para diminuir a velocidade e direcionar a água
para fora da erosão (p.44).

O EIA/RIMA da expansão da mina do Sapo, no entanto, afirma que diante de


resultados das campanhas de monitoramento em 2014, “é possível verificar que as condições
de turbidez dos cursos de água que abastecem as comunidades localizadas no âmbito do
Projeto Extensão da Mina do Sapo não sofreram alterações de suas águas decorrentes do
aporte de sedimentos gerados na implantação do Projeto Minas-Rio Mineração, durante
o período monitorado. Além disso, não foram registrados pela MDGEO (2014), em nenhum
dos relatórios disponibilizados, outros problemas nos mananciais que servem como fonte de
abastecimento para essas comunidades, quer seja de ordem qualitativa quer seja de ordem
quantitativa dos recursos hídricos” (FERREIRA ROCHA, 2014, apud EIA/RIMA, p. 224).
A empresa admite também a ocorrência de carreamento de sedimentos no córrego
Passa Sete na altura da comunidade de Água Quente; no entanto, não se responsabiliza,
transferindo a responsabilidade para “atrasos no Licenciamento Ambiental da Barragem de
Rejeitos, que funcionaria como contenção de sedimentos definitiva, bem como pela
concentração do período chuvoso nessa época” (EIA/RIMA, vol. II, p.224, grifo próprio).
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A água que tinha aqui hoje não tem mais. Essa é a frase mais ouvida durante as
vivências com os moradores. A empresa justifica a falta d’água como um fenômeno climático
natural, como afirma o Parecer Único da SUPRAM da Licença de Operação da Fase II da
expansão da mina do Sapo:

Pela análise dos fluviogramas apresentados verificou-se para os anos de 2014 e 2015
uma relativa redução de vazões nos cursos d’água monitorados. Entretanto,
percebeu-se também a redução do índice pluviométrico na região para esses anos,
conforme monitoramento pluviométrico apresentado. Dessa forma, entende-se haver
uma estreita relação da precipitação com a vazão de escoamento, infiltração e
abastecimento desses cursos d’água (2016, p. 20-21, grifo nosso).

Contudo, as comunidades associam o secamento das nascentes com a chegada da


empresa na região, como demonstra o relato de moradora da comunidade do Passa Sete:

Eles falam que a água tá acabando é por causa de chuva, não é por causa de chuva
não, porque eles prenderam a cabeceira da água, eu conheço toda a cabeceira
daquela água que tá presa. Eu comecei a trabalhar ali eu tava com sete anos, com
meus pais. Aí então, depois da água tá presa, é claro ela seca, se ela tivesse
derramando, pelo menos descia, né? Saía nascente de água pra todo lado [...] Lá
nessa barragem, é água ungida, a água de curar [...] É, água benta [...] Pra curar
ferida, pra curar doença [...] e hoje ela tá presa lá nesse represa lá que eles fizeram
(moradora da comunidade, 2017).

Dessa forma, o abastecimento de água das famílias encontra-se gravemente


comprometido. As comunidades rurais que sempre utilizavam da água diretamente dos
córregos e nascentes, hoje se veem dependentes de ações mitigadoras da empresa, do
cumprimento de condicionantes que, em sua maioria, não são cumpridas, e da realização, pela
mesma, de pequenos serviços para os agricultores, como se estivesse “cuidando” dos mesmos,
demonstrando preocupação em agradá-los. Uma dessas medidas compensatórias da empresa
foi a instalação de uma caixa d’água na comunidade Água Quente, considerada atingida
emergencial 4 através de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), por apresentar a
bomba queimada que não suportava a demanda de uso de água devido à ineficiente estrutura
oferecida pela empresa (CARVALHOSA, 2016).
De acordo com Torres (2014), em 2011 a empresa instalou um sistema de
abastecimento após diversas denúncias dos moradores nas reuniões URC Jequitinhonha,
resultando em uma condicionante que previa “soluções efetivas de abastecimento regular”.
Entretanto, posteriormente, esse sistema se mostrou ineficiente, haja vista os episódios de
falta de água durante vários dias consecutivos. Banheiros e fossas sépticas foram instalados,
contudo, moradores afirmam que, além de atrair insetos, exalam mau cheiro. O problema foi
relatado ainda em 2013, em vista do GESTA às comunidades, as quais denunciaram eventos
de vazamentos no sistema, que agravava o problema do mau cheiro. Ao abordar a
precariedade do sistema, Torres ainda relata que na semana anterior à sua última visita à
comunidade, os moradores haviam ficado novamente sem água, apenas três anos após a
instalação do sistema (2014, p.121-122).
Dentro da comunidade de Água Quente, vive a Família Silva 5, que se encontra em
uma área de herança familiar, composta por sete núcleos familiares diferentes. De acordo com
relatos dos moradores, antes da implantação do empreendimento, as famílias eram abastecidas
por uma nascente que fluía pelos seus quintais e pelo córrego Pereira, localizado a 100 metros

4 Em 2010, a comunidade de Água Quente foi considerada atingida emergencial em relação à água, devido à
piora significativa da qualidade das águas dos córregos Passa Sete e Pereira que cortam a comunidade.
5 Nome fictício
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da localidade. Aqui não faltava água não, foi o que mais ouvi por quase todos os moradores
mais velhos durante um trabalho de campo realizado neste mês de agosto. Essas águas,
outrora eram usadas para a irrigação das hortas e quintais, para a dessedentação dos animais –
galinhas e porcos – para tomar banho, beber, fazer comida, lavar roupas e vasilhas. As águas
começaram a secar em 2011 e, desde então, as famílias são abastecidas por caminhão pipa
através de duas caixas d’água, duas vezes na semana fornecidas pela Prefeitura de Conceição
do Mato Dentro. No entanto, os moradores não sabem a origem dessa água e as caixas d’água
estão completamente sujas, e até mesmo a Prefeitura já assumiu os riscos de se beber dessa
água:
A água tava amarela, mas nós usava dela mesmo assim. Aí depois eles falaram com
nós que não podia usar, num podia nem por na boca (moradora da comunidade,
2017).

O córrego Pereira, muito utilizado para lavar roupas, lazer e para a prática da pesca
artesanal, está hoje poluído, assoreado e com uma vazão bem menor que há alguns anos. O
secamento dessas águas tornou impossível alguns desses usos tradicionais, como a criação de
porcos, que necessita de muita água em sua alimentação; a pesca, dada a mortandade de
peixes; o encontro das mulheres para as prosas enquanto lavavam suas roupas e a manutenção
das hortas, o que altera gravemente na dieta alimentar das famílias, pois antes o que se tinha
em abundância, hoje deve ser adquirido nos mercados na cidade, bem como relata moradora:

Tinha horta, colhia muita verdura, alho, nos vendia alho, vazia aquelas trancinha, era
bonito demais. [...] era tempo bom mesmo. Agora se a gente quiser comer verdura
tem que comprar. Antigamente a gente vivia na fartura, hoje tem hora que tem que
comprar [...] se for pra lembrar tudo o que nós colhia, dava um caderno. A gente
acaba ficando triste também (moradora, 2017).

Além de comprometer os usos tradicionais, a dieta alimentar e os gastos das famílias,


a falta de água também provocou um deslocamento físico para a busca de água limpa para
beber e preparar a comida. Por três ou quatro vezes na semana, os moradores caminham
aproximadamente 2 quilômetros para buscar água em uma nascente, atividade que é realizada
principalmente pelas mulheres, que cuidam da casa durante o dia, enquanto os homens estão
na roça. Dessa forma, a busca por uma água limpa tem, também, causado atraso nas tarefas
domésticas e uma sobrecarga do trabalho feminino, podendo também acarretar futuros
problemas de saúde. Na minha vivência de 8 dias na localidade, fui três vezes com uma
moradora buscar água, eu carregando três galões de 5 litros e ela, quatro, totalizando
aproximadamente 35 litros de água. Com todo esse peso, de baixo de um sol quente, o trajeto
se torna longo e cansativo, sobretudo por pequenos “morrinhos” que compõem o caminho.
Caminhando de volta para casa, a moradora reclama:

Isso aqui atrasa a gente demais, minha filha. Olha só, a gente deve ter demorado
uma hora aqui.
Eu: E a senhora ia tá fazendo o quê agora se não tivesse que vir buscar água?
Ela: Ah, eu ia tá lavando roupa, fazendo comida pra quando os meninos chegar. [...]
A gente pena demais, viu [...] A gente tem que parar as obrigações da gente pra ir
buscar água.

As transformações territoriais, os processos de desterritorialização 6 e os conflitos


socioambientais estão intimamente relacionados com os processos de expansão das fronteiras

6 Compreende-se aqui por desterritorialização aquilo que define Haesbaert (2006, p. 67) como tanto pela
exclusão no acesso a terra enquanto meio de produção tanto quanto num nível simbólico. “Desterritorialização,
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econômicas no Brasil. As frentes pioneiras, agentes da modernização, entram em choque com


os territórios já tradicionalmente ocupados, produzindo aquilo que Oliveira (1998, apud
Little, 2002) identificou como “contextos intersocietários de conflito”. A mineração em Minas
Gerais pode ser considerada uma frente de expansão que produz situações de conflitos, novas
territorialidades e novas formas de apropriação do espaço pelas grandes empresas, as quais se
sobrepõem às territorialidades já existentes, ignorando direitos costumeiros, códigos
tradicionais de uso dos recursos e apropriação do território e os modos de vida tradicionais.
Nesse contexto, o empreendimento Minas-Rio instaurou uma forma de apropriação do
território baseada em uma visão desenvolvimentista, oposta à apropriação do território pelas
comunidades rurais, que se baseia em códigos sociais particulares, na relação com a natureza,
em uma “moral campesina” (Woortmann, 1990). Essa apropriação pela empresa nos
territórios tradicionais é marcada pela violação dos direitos das comunidades rurais e pelos
efeitos socioambientais que provocam, transformando os modos de vida das comunidades,
impossibilitando os seus modos de ser e fazer.
Portanto, configura-se em Conceição do Mato Dentro e Alvorada de Minas, com a
chegada da mineração da Anglo American, a desterritorialização das comunidades rurais,
aquilo que Feldman (2003, apud Zhouri et al, 2013, p.8) chama de deslocamento in situ, que
se refere aos “processos em que as pessoas permanecem no lugar mas têm suas condições de
existência significativamente alteradas”. Esse deslocamento não diz respeito a um movimento
físico, mas sim de um processo de injustiça social, em que as pessoas perdem o acesso à sua
natureza, às suas condições de vida na roça, à moradia, trabalho, redes de solidariedade e
laços de vizinhança e parentesco. A maior parte dos atingidos pelo empreendimento continua
morando nas comunidades, seja pela falta de condição de construir a vida em outro local, ou
de modo a resistir à chegada da mineração e manter a vida na roça. Entretanto, passaram a
viver em uma situação de vulnerabilidade socioambiental, com a dificuldade de acesso à água
impedindo a produção, os usos tradicionais que dela se fazia e, por fim, a própria reprodução
social das comunidades.
A empresa também utiliza da estratégia de tratar as denúncias dos moradores sobre as
secas das nascentes e córregos como uma mera percepção, de caráter subjetivo, de forma a
desconsiderar, deslegitimar e naturalizar o impacto, tirando de sua responsabilidade os efeitos
causados pela atividade minerária. Ademais, no EIA/RIMA de 2015, a questão da água ainda
é tratada como um impacto de média magnitude e de média relevância e, mesmo com todas as
denúncias dos moradores, relatórios técnicos produzidos pela Universidade e laudos técnicos
elaborados pelo Ministério Público de MG que relatam a má qualidade da água, a empresa
afirma que a qualidade das águas é em geral, boa ou mediana:

A configuração entre arcabouço estrutural, configuração regional do relevo e


pedologia, cobertura vegetal e processos erosivos, entre outros, resultaram na
estruturação das unidades aquíferas e na rede de drenagem superficial associada, os
quais apresentam grande potencial hídrico. A qualidade das águas superficiais
é resultado da interação de diversos elementos, tanto do meio físico quanto dos
meios biótico e socioeconômico sendo, de modo geral, boa ou mediana na área de
estudo (EIA/RIMA, 2015, Volume V, p. 01).

portanto, antes de significar desmaterialização, dissolução das distâncias, deslocalização de firmas ou debilitação
dos controles fronteiriços, é um processo de exclusão social, ou melhor, de exclusão socioespacial. (...) Na
sociedade contemporânea, com toda sua diversidade, não resta dúvida de que o processo de “exclusão”, ou
melhor, de precarização socioespacial, promovido por um sistema econômico altamente concentrador é o
principal responsável pela desterritorialização”.
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Ao descrever os impactos das respectivas etapas de planejamento e operação do


projeto de expansão da Mina do Sapo, ainda em fase de licenciamento prévio e de instalação,
o EIA/RIMA fragmenta as informações ao longo dos extensos cinco volumes e não esclarece
de forma transparente quais os córregos e nascentes que serão afetados nas construções das
estruturas necessárias. Para ilustrar, ao falar da alteração na dinâmica hídrica na etapa de
operação, se oculta os cursos d’água impactados:

(...) alterações de áreas de nascentes localizadas na área da mina, correspondendo a


um total de cerca de 21 nascentes na área da cava SA3 e seis, na cava NE1
(FERREIRA ROCHA, 2015, Volume V, p. 122)

Ora, pela extensão do documento, pelo arcabouço técnico que dificulta aos leigos nas
áreas de engenharia o compreender (o Estudo deve ser direcionado, sobretudo, aos atingidos
que, em sua maioria, não apresentam ensino médio e superior), deveria ser especificado de
maneira direta os pontos d’água que serão afetados, não deixando ao leitor que faça, além da
cansativa leitura, outra análise espacial minuciosa para se poder ter real dimensão do
empreendimento. Além do mais, os impactos são divididos a partir das etapas de
planejamento, operação e desativação do projeto de extensão da mina. Dentro dessa divisão,
há uma nova subdivisão, em impactos do meio biótico, do meio físico e do meio
socioeconômico, não fazendo uma relação entre elas, como se o ecossistema funcionasse de
maneira separada, e cultura e natureza pudessem ser dissociadas. Dessa forma, a análise
fragmentada feita pela empresa não permite uma compreensão total e real dos efeitos
socioambientais do empreendimento na região.
Além da estratégia de naturalização e subdimensionamento do impacto da qualidade
das águas, a violação de direitos em torno da questão da água é considerada, no entanto, um
mero impacto, uma mera externalidade a ser mitigada por programas e medidas de mitigação
e compensação. A empresa desconsidera as controvérsias científicas sobre o assunto,
desconsidera os diversos relatórios produzidos que comprovam a gravidade do impacto e as
próprias narrativas e vivências dos moradores. Tem sido apoiada pelo Estado, que licencia o
empreendimento e suas diversas fases, mesmo com as inúmeras condicionantes não
cumpridas. As comunidades são, portanto, excluídas do processo de desenvolvimento,
recebendo dele apenas as cargas dos danos ambientais, revelando uma condição de injustiça
social, bem como afirmam Zhouri e Laschefski:

Assim, esses conflitos ambientais denunciam contradições nas quais as vítimas não só são
excluídas do chamado desenvolvimento, como também assumem todo o ônus dele resultante.
Ou seja, eles evidenciam situações de injustiça ambiental, que é a condição de existência
coletiva própria a sociedades desiguais onde operam mecanismos sociopolíticos que destinam a
maior carga dos danos ambientais do desenvolvimento a grupos sociais de trabalhadores,
populações de baixa renda, segmentos raciais discriminados, parcelas marginalizadas e mais
vulneráveis da cidadania (2010, p. 04).

3. Conclusões

Conclui-se, portanto, que existem inúmeras falhas nos programas de mitigação da


empresa, falta de clareza e transparência na real dimensão dos impactos e do universo
sociocultural dos atingidos, além das ilegalidades e irregularidades que perpetuam o processo
de licenciamento ambiental, estas permitidas e incentivadas pelo Estado, que tem o dever de
assegurar os direitos civis, mas que aprova as licenças e flexibiliza as normas ambientais,
tornando possível, assim, “o exercício extralegal da violência” (SANTOS, 2014). Os
diferentes olhares sobre a água citados no princípio do texto, dádiva versus mercadoria, e a
luta dos moradores das comunidades rurais de Conceição do Mato Dentro e Alvorada de
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Minas, há 10 anos, apontam não somente para as diferentes percepções do que é o que
chamamos de natureza, mas também os conflitos que surgem a partir dessas diversas
apropriações, usos e significações, predominando uma visão ortodoxa, hegemônica (natureza
como mercadoria), o que se reflete em uma condição de injustiça ambiental. A água é de
domínio público, mas seu acesso efetivo é regulado pelo poder econômico.

Referências

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sociais e resistência da honra em comunidades rurais de Minas Gerais. Dissertação de
Mestrado, UFRJ, 2016.
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Horizonte, 2014.
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Gerais. Tese de Doutorado. UNICAMP, 2005.
GRUPO DE ESTUDOS EM TEMÁTICAS AMBIENTAIS - GESTA/UFMG. Notas de
campo em Conceição do Mato Dentro, nov. 2016 e jan. 2017.
GRUPO DE ESTUDOS EM TEMÁTICAS AMBIENTAIS – GESTA/UFMG. Considerações
sobre o “Estudo de definição sobre comunidades/famílias a serem reassentadas - Área
diretamente afetada (ADA) e Área de entorno da cava licenciada e estruturas
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HAESBAERT, Rogério. Concepções de Território para entender a desterritorialização. In:
SANTOS, Milton; BECKER, Bertha K. (Org.) Território, territórios: ensaios sobre o
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PRATES, Clarissa G. Mineração em Conceição do Mato Dentro: uma análise da REASA


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TORRES, Marina. Histórias de água e minério: os efeitos do Projeto Minas-Rio em Água
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WOORTMANN, Klaas. Com parente não se neguceia. O campesinato como ordem moral.
Anuário Antropológico/87. Brasília: UNB/Tempo Brasileiro, 1990.
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A NATUREZA JURÍDICA DAS ÁGUAS ENQUANTO BEM MINERAL


E RECURSO HÍDRICO

The legal nature of water as a mineral good and a hydric resource

Pietra Vaz Diógenes da Silva 7

Resumo: O presente trabalho objetiva analisar os conceitos de meio ambiente e de


sustentabilidade, para então explorar a definição e a natureza jurídica de águas minerais e de
recursos hídricos. Questiona ainda se a gestão das águas prevista na legislação brasileira é
adequada, assim como a gestão das águas minerais realizada pelo DNPM. Desenvolve-se sob
a perspectiva de que a água mineral não deixa de ser, eminentemente, um recurso hídrico.
Conclui-se que, enquanto direito humano, a água deve ser protegida de forma mais eficiente,
fazendo jus ao seu papel fundamental no meio ambiente.

Palavras-Chave: águas minerais; recursos hídricos; natureza jurídica; direitos humanos;


legislação.

Abstract: This paper aims to analyze the concepts of environment and sustainability in order
to check on the definition and the legal nature of mineral water and water resources. It
questions whether the water management presented in brazilian legislation is appropriate, as
well as the mineral water management carried out by DNPM. It grows under the perspective
that mineral water is primarily a water resource. It gets to the conclusion that, in attention to
water as a human right, it must be protected more efficiently, living up to its fundamental role
to the environment.

Keywords: mineral water; water resources; legal nature; human rights; law.

1. Introdução

O Brasil detém grande quantidade de um recurso cuja preservação vem atormentando


as novas gerações: água – inclusive subterrânea. Como dito por Freitas et al (2001, p. 652),
ela vem se tornando cada vez mais escassa e também sua qualidade sofre deteriorações. Nesse
contexto, a preocupação ambiental volta-se para a água, tão fundamental para a manutenção
da vida humana e do meio ambiente em geral. É importante, por isso, examinar a água no
contexto da legislação brasileira e observar se está sendo satisfatoriamente disciplinada. Para
tanto, faz-se necessária a análise de alguns tópicos conceituais.

7 Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Email: pietartar@gmail.com


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2. O Meio Ambiente

Para além do senso comum acerca do meio ambiente, sua definição extrapola a fauna,
a flora e as paisagens bucólicas. Abarca todo local em que há manifestação da vida, seja ela
humana ou de qualquer outro tipo, assim como quaisquer elementos que a componham, como
bem pontuado por Talden Farias (2009). Entende-se, dessa forma, que o meio ambiente é
formado de modo bastante integrativo, abrangendo desde vegetações, clima e solo até
condições sociais, culturais e econômicas.
A Lei 6.938 de 1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, traz
uma sucinta, porém ampla definição do meio:

Art. 3º Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:


I – Meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem
física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas
formas.

O vasto conceito foi desenvolvido pela doutrina, resultando em dadas divisões mais
específicas da definição jurídica do meio ambiente. São elas o meio ambiente natural, o
artificial, o cultural e o do trabalho. O meio ambiente natural, também chamado de meio
ambiente físico, é composto pelos recursos naturais, sendo justamente o que cotidianamente é
entendido como meio ambiente: água, atmosfera, solo, subsolo, animais e vegetações em
geral. Em contraposição a isso, o meio ambiente artificial é aquele que ostenta construções ou
modificações realizadas pela atividade humana. O conceito se aplica tanto para espaços
urbanos quanto rurais, embora possua maior fulcro nas cidades.
O meio ambiente cultural, por sua vez, engloba tanto bens materiais como imateriais:
edificações, patrimônios históricos e ecológicos, obras de arte, danças, cultos, costumes
alimentares, etc. A justificativa para a particularização desse aspecto do meio ambiente está
em seu simbolismo para o ser humano, uma vez que, com a vivência em dado local ou
sociedade, são construídas identidades e são dadas valorações a cada item que faz parte desse
ambiente. Pode o meio ambiente cultural ser percebido na Constituição Federal de 1988:
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e
imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à
identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade
brasileira, nos quais se incluem:
I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver;
III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às
manifestações artístico-culturais;
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico,
arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

Finalmente, o meio ambiente do trabalho é, segundo Farias (2009), o conjunto de


aspectos do meio que se relacionam com o ambiente de laboral, incluindo desde o próprio
local de trabalho até as máquinas, as ferramentas e as operações. A proteção do meio ambiente
do trabalho comporta, além disso, o próprio trabalhador e o exercício de sua profissão.
Analisando as noções de meio ambiente que existem no cenário brasileiro, vê-se que a
interação do ser humano com a natureza e o próprio meio é elementar para a vida,
relacionando-se com diversos aspectos da atividade humana. Tanto que Leite (2003) compara
o direito ao meio ambiente com outros notórios direitos fundamentais, como o direito à vida,
à liberdade e à igualdade.
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O Supremo Tribunal Federal já dispôs, em Mandado de Segurança, sobre o direito ao


meio ambiente e à sua integridade:

Constitui prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo


de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um poder atribuído,
não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas, num sentido
verdadeiramente mais abrangente, à própria coletividade social. [...] Os direitos de
terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos
genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade
e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e
reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores
fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade
(MANDADO DE SEGURANÇA 22164/SP).
Dessa forma, enquanto bem difuso e direito atribuído à coletividade, detém
importância que deve ser considerada não apenas pelos cidadãos em suas individualidades,
mas também em outros parâmetros. É um direito que deve ser lembrado, por exemplo, no
exercício de políticas públicas e de atividades empresárias. Assim, toda a ideia de meio
ambiente e do que dela pode ser depreendido relaciona-se com outro conceito essencial: o da
sustentabilidade.

3. A sustentabilidade

Sustentabilidade é outro termo cuja noção é popularmente ligada tão somente à


preservação da natureza, limitando-se, nesse contexto, ao crescimento econômico que não
compromete o acesso das futuras gerações aos recursos naturais. De fato, é essa uma das
facetas do desenvolvimento sustentável. Entretanto, como acertadamente diz Bellen (2005, p.
27), devem ser considerados fatores sociais, além dos ecológicos e dos econômicos.
É justo, sendo o meio ambiente arcabouço de todas as interações humanas, que a
sustentabilidade também seja uma definição ampla, que comporte as relações sociais e
ecológicas como um todo. É necessário que, com isso, qualquer tipo de relação possa
continuar existindo indefinidamente, inclusive aquela de caráter cultural. Bellen (2005),
evocando Constanza (1991), afirma essa ideia e destaca a importância de os efeitos das
atividades exercidas de forma sustentável não comprometerem “a diversidade, a
complexidade e as funções do sistema ecológico de suporte à vida” (1991, apud BELLEN,
2005, p. 24), além do bem-estar social.
Também Jacobi (2003) afirma que uma boa política de desenvolvimento sustentável
deve observar não só limitações ecológicas, mas igualmente dimensões culturais, sob pena de
apenas manter um padrão predatório de desenvolvimento. Observado tudo isso, torna-se dever
da geração atual preservar as condições ambientais, para que as futuras gerações também
satisfaçam suas demandas.
Um marco na preocupação global com o desenvolvimento sustentável foi a chamada
Conferência de Estocolmo, organizada pela ONU em 1972. O evento introduziu a temática
ambiental na discussão internacional, discutindo a preservação, o controle, o planejamento e a
gestão adequados. Com o crescimento do debate, foi criada pela ONU, em 1983, a Comissão
Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, que quatro anos depois publicou o
Relatório Brundtland. O documento foi vital para a conceituação de “desenvolvimento
sustentável”, expressão que ganhou especial evidência após a Conferência das Nações Unidas
para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, que ocorreu no Rio de Janeiro em 1992.
(GUIMARÃES, 2009, p. 32)
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Embora o contexto internacional tenha aumentado sua atenção para a sustentabilidade,


sua efetividade dá-se de forma turva. É necessário analisar as práticas ditas sustentáveis de
forma crítica, considerando a pressão antrópica exercida sobre os ecossistemas de forma mais
completa e menos idealizada – como defende José Eli da Veiga, que afirma que “a velha
utopia industrialista não é mais sustentável (...) com o inevitável pessimismo da razão”
(VEIGA, 1993, p. 04-05).

Se o critério decisivo for a retórica das relações internacionais, particularmente


aquelas que ocorrem no âmbito das Nações Unidas, com certeza pode-se concluir
que o desenvolvimento sustentável já é a grande utopia contemporânea. No entanto,
se o critério for a governança global, essa conclusão já começa a ficar inconsistente,
pois, por mais e melhor que tenham evoluído as instâncias e instituições de
governança do meio ambiente, elas permanecem bem distantes daquelas que
promovem a governança do desenvolvimento. Por isso, a rigor, não chega a haver
governança mundial da sustentabilidade, a menos que se entenda essa noção como
restrita à questão ambiental (VEIGA, 2017, p. 245).

A dificuldade prática da utilização dos recursos ambientais de forma racional,


promovendo o desenvolvimento sustentável, é notória no tocante às águas minerais.

4. As águas

4.1 Águas minerais

Apesar de ser coerente a problematização da ideia do desenvolvimento sustentável, vê-


se que seu surgimento adveio da busca do equilíbrio das atividades antrópicas que impactam o
meio ambiente com a proteção deste. Nesse sentido, é perceptível que as práticas executadas
pelo ser humano dependem dos recursos naturais, dentre os quais os minérios são
proeminentes. O IBRAM, Instituto Brasileiro de Mineração, estimou a demanda da população
brasileira por bens minerais, constatando que esta é de aproximadamente 1,8 bilhões de
toneladas de minérios por ano. Isso demonstra que o padrão de vida moderno depende da
exploração minerária.
Como dito por José Mendo Mizael de Souza (2003), a atividade minerária é de
utilidade pública, uma vez que é impossível a continuidade da vida da forma como se
apresenta hoje sem os minerais e os compostos metálicos. No entanto, há que se pensar para
além do conforto que atualmente se possui, questionando também a tolerância dos
ecossistemas às atividades minerárias.
Em material divulgado pelo portal do IBRAM, vê-se que o setor da mineração é de
grande importância econômica. Os dados, obtidos em julho de 2015 através do Ministério do
Trabalho e Emprego, mostram que a mineração gera 214.070 empregos diretos. Ademais, de
acordo com o Informe Mineral 2º/2014 do Departamento Nacional de Produção Minerária –
DNPM, o ramo extrativo da mineração estabelece um efeito multiplicador de 13 empregos
indiretos ou induzidos em toda a cadeia produtiva, chegando assim ao valor de quase 2,7
milhões de trabalhadores envolvidos na atividade minerária.
Convém destacar um bem mineral que foge do estereótipo da atividade minerária, que
primeiramente evoca a exploração de jazidas de metais e formações rochosas, ou até mesmo
cenas imaginárias do Ciclo do Ouro. Trata-se da água mineral, cuja produção brasileira em
2002, de acordo com o IBRAM, alcançou uma produção de água engarrafada de cerca de 4,8
bilhões de litros.
Ponto fulcral do presente trabalho, as águas minerais são reguladas pelo Código de
Mineração (Decreto-Lei 227/67) e, mais especificamente, pelo Código de Águas Minerais
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(Decreto-Lei 7.841/45). De acordo com o artigo 20, IX, da Constituição da República


Federativa do Brasil de 1988, os recursos minerais, inclusive os que se encontram no subsolo,
são pertencentes à União. Assim, as águas minerais se encaixam como bens da União,
conjuntamente com os outros bens e minérios.
As disposições preliminares do Código de Águas Minerais trazem informações básicas
a respeito das águas minerais, começando por sua definição. Tratam-se, de acordo com o
artigo 1º, das águas “provenientes de fontes naturais ou de fontes artificialmente captadas que
possuam composição química ou propriedades físicas ou físico-químicas distintas das águas
comuns, com características que lhes confiram uma ação medicamentosa”.
O artigo 3º do dispositivo traz o conceito das águas potáveis de mesa, que se
diferenciam das minerais na medida em que aquelas são de “composição normal provenientes
de fontes naturais ou de fontes artificialmente captadas que preencham tão somente as
condições de potabilidade para a região”. O artigo subsequente afirma que o aproveitamento
comercial tanto das fontes de águas minerais quanto das de mesa será realizado de acordo
com as disposições do Código de Mineração, necessitando assim de autorização de pesquisa e
lavra, que são conferidos pelo DNPM.
São fornecidos também pelo DNPM os dados para a elaboração dos critérios de
potabilidade. Além disso, o Diretor Geral do DNPM ainda ocupa a presidência da Comissão
Permanente de Crenologia, que, definida pelo artigo 2º do Código de Águas Minerais, busca
comprovar a ação medicamentosa de certas águas, elaborando as devidas estatísticas e
observações.
O artigo 88 do Código de Mineração, por sua vez, dispõe que “ficam sujeitas à
fiscalização direta do DNPM todas as atividades concernentes à mineração, comércio e à
industrialização de matérias-primas minerais, nos limites estabelecidos em Lei”. É certo que o
Departamento Nacional de Produção Mineral, assim, tem papel fundamental em relação às
águas minerais.
No entanto, é importante pensar a água para além de seu valor econômico enquanto
bem mineral. É inegável sua importância orgânica para a manutenção de toda a vida do
planeta. Tem-se, com isso a diferença notada por Boechat e Ferreira (2015) entre águas
minerais e recursos hídricos, que possuem tratamentos supostamente diversos no
ordenamento brasileiro.

4.2 Recursos hídricos

A Política Nacional de Recursos Hídricos, disposta na Lei 9.433/97, visa proteger a


água, apresentando seu conceito para os fins da Lei em seu artigo 1º, I e II. Assim, entende-se
a água como um bem de domínio público, além de recurso natural limitado e dotado de valor
econômico. O artigo 3º, I, constitui como diretriz geral de ação da referida Política Nacional a
gestão sistemática dos recursos hídricos, sem dissociação dos aspectos de quantidade e
qualidade. O artigo 11 da mesma disposição afirma que o regime de outorga de direitos de uso
de recursos hídricos tem como objetivos assegurar o controle quantitativo e qualitativo dos
usos da água e o efetivo exercício dos direitos de acesso à água.
Observando os artigos iniciais da Política Nacional de Recursos Hídricos, portanto, é
possível inferir que os recursos hídricos são uma categoria ampla, que engloba e ultrapassa as
águas minerais, por tratar da água de forma geral, considerando quaisquer características
quantitativas e qualitativas. A Lei propõe uma gestão integrada dos recursos hídricos, de
forma a preservá-lo enquanto bem primordial para a vida e, simultaneamente, passível de se
esgotar.
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5. A natureza jurídica das águas minerais

A Lei 6.938/81, que trata da Política Nacional do Meio Ambiente é anterior à atual
Constituição, mas esta a acolhe e promove a elevação de seu conteúdo a nível constitucional,
evidenciando a importância da matéria no ordenamento. O artigo que dá especial amparo à
PNMA é o art. 225 da Constituição, que dispõe que o meio ambiente equilibrado
ecologicamente é bem de uso comum e direito de todos, sendo ainda “essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Há indicação disso na Lei da Política
Nacional do Meio Ambiente:

Art 2º - A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação,


melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar,
no País, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da
segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana, atendidos os
seguintes princípios:
I - ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio
ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e
protegido, tendo em vista o uso coletivo;
II - racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do ar;
Ill - planejamento e fiscalização do uso dos recursos ambientais;

É interessante notar ainda o artigo 3º, V, da Lei. Na disposição, os recursos ambientais


são compostos, dentre outros, por águas interiores, superficiais e subterrâneas. Já se percebe
que a água subterrânea é identificada como recurso ambiental, embora possa, de acordo com
suas características, ser também um bem mineral.
A confusão da natureza jurídica das águas minerais pode ser exemplificada a partir do
artigo 26, I, da Constituição. Diz o dispositivo que as águas superficiais ou subterrâneas,
fluentes, emergentes e em depósito são bens do Estado, ressalvadas, na forma da lei, as
decorrentes de obras da União. No entanto, o artigo 20, IX, ainda da Constituição, afirma que
os recursos minerais, inclusive os do subsolo, são bens da União.
Observa-se que não é necessário que haja obras nas áreas em que as águas estão
presentes – como propõe a ressalva do artigo 26 –, havendo assim um impasse. Sendo as
águas subterrâneas um bem do Estado, mas as águas minerais – que são subterrâneas – bens
da União, é possível recorrer à especificidade da norma para separar os objetos. Nada
obstante, “registre-se que água mineral, antes que um bem essencialmente mineral, é água, e
deve ser entendida como recurso hídrico, bem ambiental” (GUIMARÃES, 2009, p. 51).
De acordo com Serra (2008, apud BOECHAT; FERREIRA, 2015), a determinação das
águas subterrâneas enquanto bens minerais deve considerar também a multiplicidade de uso
das bacias hidrográficas, concluindo que, por analogia, águas minerais são subterrâneas
concomitantemente. Além disso, é preciso que se repare no próprio ciclo hidrológico: as águas
subterrâneas, pela própria natureza da água, são interligadas às águas superficiais, como
sustenta Guimarães (2009, p. 71). Dessa forma, compreende-se a água primariamente como
recurso hídrico – e, logo, ambiental.
É manifesta a existência da preocupação jurídica com a praticabilidade da exploração
dos recursos minerais em harmonia com a proteção ambiental, sendo este um tema em voga
inclusive na doutrina. A mineração é uma atividade importante e que sua atividade in casu
relevante – a exploração das águas – deve continuar, até mesmo por garantir o acesso da
população à água.
A questão é relativa ao tratamento jurídico das águas, pois uma vez considerada
primeiramente bem mineral, é preocupante que não seja entendida como bem “de uso comum
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do povo, com atenção à representação dos valores culturais e ecológicos implícitos na sua
exploração” (GUIMARÃES, 2009, p. 193-194). Sua exploração sob uma perspectiva
unicamente mineral é ecologicamente inquietante, pois dificulta que volume e forma de
exploração e de fiscalização sejam adequadas à relevância do bem.
A falta de propriedade na afirmação jurídica da água mineral como um recurso
ambiental acima de quaisquer classificações gera impactos negativos na sua exploração
enquanto bem mineral, ainda que, como lembram Boechat e Ferreira (2015), seja necessário
licenciamento ambiental prévio para que seja feita a pesquisa mineral.

A deficiência da fiscalização (ao nível municipal, estadual e federal), certas


impropriedades da legislação e a desinformação técnica acerca da questão
agravaram a problemática que se observa em várias estâncias hidrominerais do País.
Assim, além dos problemas envolvendo a detecção de potencial contaminação dos
aquíferos, observa-se o crescimento de conflitos envolvendo o uso público das águas
minerais, por meio da administração dos balneários usados pela população e turistas,
e os interesses comerciais implementados pelas empresas engarrafadoras
(GUIMARÃES, 2009, p. 45).

6. O direito humano à água

O mais pungente motivo para justificar a predominância da água como recurso hídrico
em detrimento de como recurso mineral é seu reconhecimento como direito humano. Teve
isso início marcado pela Conferência das Nações Unidas sobre Água, que ocorreu na
Argentina em 1977 e aprovou o Plano de Ação de Mar del Plata, estipulando por exemplo que
era necessário assegurar um nível adequado de água para as necessidades do planeta e
aumentar a eficiência na gestão da água (AITH; ROTHBARTH, 2015).
Já em 1992, dois eventos importantes ocorreram: a Conferência Internacional sobre
Água e Meio Ambiente, na Irlanda; e a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente
e Desenvolvimento, no Brasil. Segundo Aith e Rothbarth (2015), o primeiro abordou de forma
inédita a necessidade de os países, em suas atividades, exercerem uma gestão de recursos
hídricos eficiente. Resultou dessa conferência a Declaração de Dublin, que ditou quatro
princípios básicos sobre o tema, sendo os mais relevantes para este trabalho o de que a água
doce é finita e essencial para a continuidade da espécie humana e o de que é necessária uma
abordagem participativa para o gerenciamento da água. O outro evento, também conhecido
como Eco 92 ou Cúpula da Terra, teve como resultado a Agenda 21, instrumento de
planejamento cujo Capítulo 18 trata da qualidade, da aplicação e do manejo dos recursos
hídricos.
O reconhecimento da água como direito humano propriamente dito, de acordo com
Aith e Rothbarth, foi dado pela ONU em 2010, através da Resolução A/RES/64/292. Esta
declarou que, juntamente com o saneamento, a água limpa e segura configura-se como direito
humano essencial para o usufruto da vida e de todos os outros direitos humanos.
Posteriormente, em 2015, foram elaborados Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da
Organização das Nações Unidas, cujo sexto objetivo refere-se à disponibilidade e à gestão
sustentável da água e ao saneamento, como consta no portal da ONU Brasil.
Apesar de não constar expressamente na Constituição Federal de 1988, o direito à
água se relaciona com muitos direitos fundamentais do ordenamento brasileiro. Já no artigo
1º, III, da Carta, tem-se a dignidade da pessoa humana como fundamento da República
Federativa do Brasil. Há uma firme relação ainda com direitos constitucionalmente
protegidos, como saúde, alimentação, segurança e a própria vida.
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7. Considerações finais

A premissa da universalidade e da inalienabilidade dos direitos humanos confirma a


necessidade de o direito à água ser, enfim, um direito com efeitos no plano prático. A atenção
que é devida às águas deve ser conferida especialmente às águas minerais, cuja natureza
jurídica se mostra confusa e, por vezes, inadequada; tendo por consequência um uso
ineficiente do recurso ou à sua exploração exagerada, o que viola o direito humano em
questão.
A divisão de competências que existe entre União e Estados no tocante às águas deve
ser melhor definida, de forma que a gestão dos recursos hídricos, em seu lato sensu, seja mais
proveitosa. As águas subterrâneas, detentoras ou não de características que as qualifiquem
como minerais, devem ser consideradas a partir de um caráter sobremodo ambiental, pois não
deixa a água de ser um bem de natureza difusa e cujo uso deve ser do povo.
A água mineral, assim, apesar de sua especificidade, deve ser vista como um recurso
hídrico pelo ordenamento jurídico, para que sua regulação e, consequentemente, exploração,
se dê de forma consciente e em consonância com a aclamada expressão “desenvolvimento
sustentável”. Afinal, a busca por um ideal de equilíbrio ecológico que não se adequa aos
parâmetros da legislação. Tão somente com a prudência no uso das águas, dada a partir do
esclarecimento normativo, a famigerada – e necessária – proposta de utilizar recursos de
forma a preservá-los para as futuras gerações será mais do que uma mera aspiração otimista.

Referências

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inciso XIX do art. 21 da Constituição Federal, e altera o art. 1º da Lei nº 8.001, de 13 de
março de 1990, que modificou a Lei nº 7.990, de 28 de dezembro de 1989. Diário Oficial da
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PODER DE POLÍCIA, MEIO AMBIENTE, MINERAÇÃO E


REINCIDÊNCIA ADMINISTRATIVA SUSTENTÁVEL 8

Policy power, environment, mining and sustainable administrative


recidivism

Eduarda Calazans Silva Carneiro 9


Magno Federici Gomes 10

Resumo: Em virtude da publicação da Medida Provisória (MP) nº 790/2017, faz-se


necessário analisar os impactos provocados no meio ambiente, no setor público e no privado,
tendo em vista o aumento do teto da multa administrativa pecuniária. O novo valor da exação
pode afetar de maneira desastrosa empreendedores reincidentes, principalmente por haver
grande discricionariedade do órgão administrativo julgador. Na realização desta pesquisa, foi
utilizado o método teórico-documental, com raciocínio dedutivo e técnica de pesquisa
bibliográfica e jurisprudencial. Concluiu-se que há necessidade de proteger o meio ambiente
de maneira robusta, mas talvez tal medida apenas iniba pequenos mineradores e dificulte a
livre concorrência. Deve-se lembrar que o meio ambiente é infungível e que multas
milionárias não irão proporcionar um meio ambiente ecologicamente equilibrado e muito
menos restaurar o dano causado.

Palavras-chave: direito administrativo ambiental; mineração; infração e sanção


administrativa; reincidência; aplicação de multa.

Abstract: Due to the publication of Provisional Measure (MP) nº 790/2017, it is necessary to


analyze the impacts on the environment, in the public and private sectors, in view of the
increase in the administrative fine. The new value of the levy can disastrously affect recidivist
entrepreneurs, mainly because of the great discretion of the administrative judge. In the
accomplishment of this paper, the theoretical-documentary method was used, with deductive
reasoning and technique of bibliographical and jurisprudential research. It was concluded that

8 Trabalho financiado pelo Edital nº 05/2016 (Projeto nº FIP 2016/11173-S2) do FIP/PUC, resultante dos Grupos
de Pesquisas (CNPQ): REGA, NEGESP e CEDIS (FCT-PT).
9 Graduanda em Direito da PUC Minas. Email: calazanseduarda@gmail.com
10 Pós-doutor em Direito Público e Educação pela Universidade Nova de Lisboa-Portugal. Pós-doutor em
Direito Civil e Processual Civil, Doutor em Direito e Mestre em Direito Processual, pela Universidad de Deusto-
Espanha. Mestre em Educação pela PUC Minas. Professor do Mestrado Acadêmico em Direito Ambiental e
Sustentabilidade na Escola Superior Dom Helder Câmara. Professor Adjunto da PUC Minas e Professor Titular
licenciado da Faculdade de Direito Arnaldo Janssen. Advogado Sócio do Escritório Moraes & Federici
Advocacia Associada. Integrante dos grupos de pesquisa: Regulação Ambiental da Atividade Econômica
Sustentável (REGA)/CNPQ-BRA, Centro de Investigação & Desenvolvimento sobre Direito e Sociedade
(CEDIS)/FCT-PT e Núcleo de Estudos sobre Gestão de Políticas Públicas (NEGESP)/CNPQ-BRA. Email:
federici@pucminas.br
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there is a need to protect the environment in a robust way, but perhaps such a measure only
inhibits small-scale miners and hinders free competition. It should be remembered that the
environment is infungible and that millionaire fines will not provide an ecologically balanced
environment and much less restore the damage caused.

Keywords: environmental administrative law; mining; administrative offenses and sanctions;


recidivism; fine application.

1. Introdução

Ao se ter em vista que o Código de Mineração era muito antigo, datado de 1978, havia
a necessidade de adequá-lo a situação atual do país, diante da necessidade de proteger o meio
ambiente e concomitantemente atrair e incentivar pesquisas minerais. Recentemente, houve a
publicação da Medida Provisória (MP) nº 790/2017, que alterou o Decreto-Lei nº 227/1967 –
Código de Mineração, e a Lei nº 6.567/1978, que dispõe sobre o regime especial para
exploração e aproveitamento das substâncias minerais.
O grande objetivo da citada medida é promover alterações atinentes a pesquisa no
setor minerário, com a execução dos trabalhos necessários à definição da jazida, incluindo sua
avaliação e seu aproveitamento econômico. Ademais, também disciplina obrigações,
concessões de trechos, sanções – incluindo valores – e normas atinentes a multas, desoneração
e regras para o relatório final de pesquisa. Desse modo, o objeto do presente estudo é analisar
de maneira aprofundada a questão da reincidência diante do aumento do teto da multa
disposta na MP nº 790/2017.
Ocorre que a modificação legislativa deveria ter por escopo a proteção do meio
ambiente e a busca por investidores internos e externos para o país, tendo em vista que a
situação atual da economia tem gerado instabilidade. Aliado a esse fato, a população tem
reivindicado maior ação do Estado, visando proteger o meio ambiente, em função do desastre
ambiental em Mariana.
O problema que se pretende responder é se o aumento exorbitante de multas poderá,
de fato, tutelar de maneira adequada o meio ambiente e atrair investimentos ao setor de
mineração. Nessa linha, objetivando compreender melhor os impactos da MP nº 790/2017, foi
necessário abordar, em primeiro momento, a ponderação entre os princípios do poluidor
pagador e do desenvolvimento sustentável. Em seguida de maneira rasa, abordar a questão
atinente a responsabilidade administrativa por danos ambientais, para aprofundar na temática
do presente estudo, que é a aplicação da sanção ambiental e conseguinte agravante. No que
tange a sanção ambiental, o presente estudo aborda de forma detalhada questões atinentes a
reincidência – termo inicial, conversão da sanção pecuniária em obrigações, caracterização da
reincidência específica, existência de mais de um auto de infração anterior ou posterior, marco
legal para tipificação da reincidência, prescrição e suspensão por decisão judicial da
exigibilidade do auto de infração que gerou a reincidência. Esclarece, por fim, o impacto da
MP nº 790/2017.
Utilizou-se o método teórico-documental nesta investigação, com raciocínio dedutivo
e técnica de pesquisa bibliográfica e jurisprudencial, cujo marco teórico foi a obra de Fiorillo
e Diaféria (1999).

2. Princípios do poluidor pagador e do desenvolvimento sustentável


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O princípio do poluidor pagador é fundamental na política ambiental, sendo inclusive


temática debatida na Conferência do Rio/92 na qual estabeleceu-se como cada Estado trataria
do assunto:
PRINCÍPIO 13 - Os Estados devem desenvolver legislação nacional relativa à
responsabilidade de indenização das vítimas de poluição e outros danos ambientais.
Os Estados devem ainda cooperar de forma expedita e determinada para o
desenvolvimento de normas de direito internacional ambiental relativas à
responsabilidade e indenização por efeitos adversos de danos ambientais causados,
em áreas fora de sua jurisdição, por atividades dentro de sua jurisdição ou sob seu
controle (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1992, p. 03).

Dessa forma, o Estado brasileiro definiu constitucionalmente, no art. 225, da


Constituição da República de 1988 (CR/1988) que é dever de todos defender, proteger e
respeitar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações, visto que todos têm direito ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado. Tal dever é da coletividade e do Poder Público,
dessa forma, havendo alguém que pratique alguma atividade lesiva ao meio ambiente,
suportará as sanções atribuídas a essa conduta, visando reparar a situação ocasionada,
independentemente de dolo ou culpa.
Nesse sentido, Derani (2008) entende que:

[...] durante o processo produtivo, além do produto a ser comercializado, são


produzidas externalidades negativas. São chamadas externalidades porque, embora
resultantes da produção, são recebidas pela coletividade, ao contrário do lucro, que é
percebido pelo produtor privado. Daí a expressão ‘privatização de lucros e
socialização de perdas’, quando identificados as externalidades negativas. Com a
aplicação deste princípio procura-se corrigir esse custo adicionando à sociedade,
impondo-se sua indenização (DERANI, 2008, p. 142-143).

Conforme exposto, a aplicação da multa aos infratores é uma das sanções aplicadas
pelo Estado, que busca por meio de políticas públicas estatais, o equilíbrio entre as
externalidades negativas e o lucro do produtor. As políticas públicas possuem caráter
pedagógico, prevenindo a prática reiterada de atos prejudiciais ao meio ambiente, buscando
reparar os prejuízos ambientais porventura ocasionados e por fim há também o aspecto
repressivo, ao reparar o impacto causado diretamente as pessoas.
O entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no que tange ao poluidor-
pagador e da reparação integral segue a seguinte linha:

[...] o sistema jurídico de proteção ao meio ambiente, disciplinado em normas


constitucionais (CRFB/1988, art. 225,§3º) e infraconstitucionais (Lei 6.938/81, arts.
2º e 4º), está fundado, entre outros, nos princípios da prevenção, do poluidor-
pagador e da reparação integral. Deles decorrem, para os destinatários (Estado e
comunidade), deveres e obrigações de variada natureza, comportando prestações
pessoais, positivas e negativas (fazer e não fazer), bem como de pagar quantia
(indenização dos danos insuscetíveis de recomposição in natura), prestações essas
que não se excluem, mas, pelo contrário, se cumulam, se for o caso [...] (BRASIL.
Superior Tribunal de Justiça. 01ª Turma. Recurso Especial nº 605.323 - MG
(2003/0195051-9), 2005, internet).

O princípio integrou o ordenamento jurídico brasileiro por meio da Política Nacional


de Meio Ambiente (PNMA), Lei nº 6.938/1981 ao prever no art. 4º a obrigação ao poluidor e
ao predador de recuperar e/ou indenizar os danos causados e no art. 14 aborda que
indenização será devida independentemente de culpa.
Lado outro, o princípio do desenvolvimento sustentável foi tratado pela primeira vez
na Conferência Mundial de Meio Ambiente em 1972 em Estocolmo, em atenção à constatação
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de que os recursos ambientais sãos finitos, de modo que as atividades econômicas devem
analisar esse fato durante sua produção, planejando de forma sustentável para que os recursos
não se esgotem 11. Desse modo, deve-se sopesar a produção e reprodução do homem e suas
atividades, garantindo igualmente uma relação satisfatória entre homens e destes com o meio
ambiente, para que as futuras gerações também tenham oportunidade de desfrutar o meio
ambiente da forma como é desfrutado atualmente 12.
Nessa senda, infere-se que o desenvolvimento econômico e a preservação ambiental
são pontos que devem coexistir, visto que são fundamentais para a sociedade, conforme
ponderam Fiorillo e Diaféria (1999, p. 58):

Assim, a livre iniciativa, que rege as atividades econômicas, começou a ter outro
significado. A liberdade de agir e dispor tratada pelo Texto Constitucional (a livre
iniciativa) passou a ser compreendida de forma mais restrita, o que significa dizer
que não existe a liberdade, a livre iniciativa, voltada à disposição de um meio
ambiente ecologicamente equilibrado. Este deve ser o objetivo. Busca-se, na
verdade, a coexistência de ambos sem que a ordem econômica inviabilize um meio
ambiente ecologicamente equilibrado e sem que este obste o desenvolvimento
econômico.

Por fim, o desenvolvimento sustentável deve ser sempre pensado visando atender os
objetivos constitucionais de garantir um meio ambiente equilibrado a todos, inclusive as
gerações futuras. O princípio do poluidor pagador faz-se necessário nessa ótica, tendo em
vista que é um instrumento utilizado para garantir o bom uso do princípio do desenvolvimento
sustentável, coibindo práticas contrárias a este.

3. Responsabilidade administrativa por danos ao meio ambiente

Na seara ambiental há tríplice responsabilidade por danos causados ao meio ambiente -


conforme disposição do art. 225, § 3º, da CR/1988, sendo elas: cível, penal e administrativa,
sendo tais responsabilidades aplicadas às pessoas físicas e jurídicas, independentemente da
obrigação de reparar os danos causados, visto que a legislação ambiental brasileira consagrou
expressamente a natureza propter rem da responsabilidade civil ambiental.
Embora haja a tríplice responsabilidade, o entendimento da responsabilidade
ambiental segundo STJ é objetivo, não sendo necessária a apuração de culpa, lado outro o
referido tribunal já dispôs sobre possibilidade da não aplicação da responsabilidade objetiva,
no caso em que agente não pode ser punido na esfera administrativa e penal por fatos que
precederam sua posse ou propriedade do bem, sendo estas impostas apenas a quem praticou a
atividade na qual está sendo imposta a sanção, conforme decisão do STJ:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO


AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC.
INOCORRÊNCIA. DANO AMBIENTAL. ACIDENTE NO TRANSPORTE DE
ÓLEO DIESEL. IMPOSIÇÃO DE MULTA AO PROPRIETÁRIO DA CARGA.
IMPOSSIBILIDADE. TERCEIRO.RESPONSABILIDADE SUBJETIVA.
I – A Corte de origem apreciou todas as questões relevantes ao deslinde da
controvérsia de modo integral e adequado, apenas não adotando a tese vertida pela
parte ora Agravante. Inexistência de omissão.
II – A responsabilidade civil ambiental é objetiva; porém, tratando-se de
responsabilidade administrativa ambiental, o terceiro, proprietário da carga, por não

11 Para analisar a ideia de desenvolvimento econômico em contraposição ao desenvolvimento sustentável e


estudar um caso concreto, ver: Bizawu; Gomes, 2016, p. 18-21.
12
Para aprofundamentos, ver: Fiorillo; Diaféria, 1999, p. 31.
41
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ser o efetivo causador do dano ambiental, responde subjetivamente pela degradação


ambiental causada pelo transportador.
III – Agravo regimental provido (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 01ª Turma.
Agravo em Recurso Especial Nº 62.584 - RJ (2011/0240437-3), 2015, internet).

No que tange às penalidades administrativas, são sanções aplicadas por órgãos


vinculados direta ou indiretamente aos entes estatais, de acordo com a legislação aplicável,
visando impor regras àqueles também ligados à administração. Nessa senda, segundo Fiorillo
(2013, p. 135), o elemento identificador da sanção, como natureza administrativa é o objeto
precípuo da tutela, que nesse caso é o interesse da administração.
Impende destacar que embora a natureza administrativa esteja ligada ao interesse da
administração, a tutela jurídica dos bens ambientais é feita por meio do poder de polícia, que
por sua vez está vinculado ao interesse difuso, conforme dispõe o art. 129, inciso III, da
CR/1988. Assim, os órgãos devem observar disposições constitucionais e o due process para
impor sanções, que podem se configurar como advertência, multas, apreensão de bens,
suspensão de venda ou fabricação de produtos, destruição ou inutilização de produtos e outras
restritivas de direitos.
Nessa senda, o órgão ambiental competente para julgar as infrações ambientais deve
observar o art. 8º do Decreto nº 6.154/2008 conjuntamente com o art. 6º da Lei nº 9.605/1998,
visto que no decreto há previsão da aplicação da multa com base em algumas possíveis
unidades de medida, já a Lei aborda que no caso da aplicação da pena, a autoridade
competente deve observar alguns aspectos subjetivos do infrator, além de sopesar a gravidade
do fato. Tal interpretação faz-se necessária visando evitar que eventuais penas sejam
desproporcionais e não cumpram com os objetivos constitucionais.
Cabe destacar que embora haja discussão administrativa, sempre haverá possibilidade
de levar tal demanda ao Poder Judiciário, visto que deve a Administração agir somente de
acordo com a previsão legal, de forma que, quando houver permissão, haverá incidência da
cláusula do due process também no âmbito administrativo.

4. Infrações ambientais, sanções administrativas e reincidência

Conforme demonstrado anteriormente, é cabível a responsabilização de qualquer


pessoa, seja ela física ou jurídica na esfera administrativa, por tanto que haja nexo de
causalidade entre a conduta praticada pelo agente e o dano. Ocorre que a sanção é exercida
por meio do poder de polícia do Estado, restringindo a liberdade dos particulares em busca do
bem comum. Nesse sentido, Magalhães e Vasconcelos (2010, p. 264) possuem o seguinte
entendimento:

O licenciamento ambiental, portanto, não pode ser entendido, exclusivamente, como


um meio de proteção do meio ambiente, em detrimento do desenvolvimento
econômico. As medidas restritivas ao princípio da livre iniciativa, impostas por meio
do licenciamento ambiental, não podem atingir o núcleo do direito fundamental e
devem ser excepcionais, ou seja, devem ser utilizadas exclusivamente nos caos em
que não seria possível adotar uma medida menos gravosa sobre a liberdade
individual do cidadão..

Desse modo, evidencia-se a importância da ponderação na seara ambiental, devendo


as sanções serem ponderadas, principalmente no tocante a reincidência, como será exposto a
seguir.
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4.1 Inexigibilidade da ocorrência de coisa julgada administrativa para a configuração da


reincidência

No tocante da coisa julgada administrativa, utilizando-a como expressão para designar


preclusão de efeitos internos, tem-se o seguinte posicionamento:

A denominada coisa julgada administrativa, que, na verdade, é apenas uma


preclusão de efeitos internos, não tem o alcance da coisa julgada judicial, porque o
ato jurisdicional da Administração não deixa de ser um simples ato administrativo
decisório, sem a força conclusiva do ato jurisdicional do Poder Judiciário
(MEIRELLES, 2008, p. 227).

Desse modo, a coisa julgada administrativa não se assemelha ao trânsito em julgado na


esfera judicial, visto que para uma decisão tornar-se administrativamente imutável, deve haver
uma autuação do infrator e conseguinte notificação do teor da infração. Após o recebimento
da notificação, o autuado possui duas alternativas, propor eventual recurso ou cumprir a
sanção administrativa imposta; na hipótese de transcorrer lapso temporal de 20 (vinte) dias da
intimação, o recurso não poderá ser interposto, sendo intempestivo, ocorrendo o trânsito em
julgado ao ser o interessado cientificado da última decisão irrecorrível.
Cabe destacar que no processo administrativo, a Administração pode rever seus atos a
qualquer tempo, por meio da revogação, a qual Meirelles define da seguinte forma:

Revogação é a supressão de um ato discricionário legítimo e eficaz, realizada pela


Administração – e somente por ela – por não mais lhe convir sua existência. Toda
revogação pressupõe, portanto, um ato legal e perfeito, mas inconveniente ao
interesse público. Se o ato for ilegal ou ilegítimo não ensejará revogação mas, sim,
anulação. A revogação funda-se no poder discricionário de que dispõe a
Administração para rever sua atividade interna e encaminhá-la adequadamente à
realização de seus fins específicos. Essa faculdade revogadora é reconhecida e
atribuída ao Poder Público, como implícita na função administrativa. É, ao nosso
ver, uma justiça interna, através da qual a Administração ajuíza da conveniência,
oportunidade e razoabilidade de seus próprios atos, para mantê-los ou invalidá-los
segundo as exigências do interesse público, sem necessidade do contraditório
(MEIRELLES, 2008, p. 228).

Inclusive, há possibilidade de revogação após o trânsito em julgado administrativo,


essa possibilidade se justifica baseada no controle que deve ser exercido pela própria
administração, por meio da autotutela administrativa, também substanciada no princípio da
autotutela.
Lado outro, no que tange ao processo administrativo sancionador ambiental, em
virtude da constituição de um crédito público há prescrição, de modo que a ação anulatória de
crédito público baseada em multa ambiental deve respeitar tal prazo, tema que será
amplamente abordado no item 3.8.
Em se tratando de reincidência, o instituto é tratado no art. 11 do Decreto nº
6.514/2008, entretanto não dispõe sobre a necessidade de eventual trânsito em julgado de auto
de infração anterior para imputar ao infrator tal instituto e conseguinte agravante. Insta
destacar que tal entendimento não era contemplado pelo decreto que vigorava anteriormente,
Decreto nº 3.179/1999. A Instrução Normativa IBAMA nº 08/2003, prevê expressamente no
art. 27, § 3º, a necessidade de haver decisão administrativa irrecorrível anterior para
configuração da reincidência.
Cabe destacar que o objetivo da Orientação Jurídica Normativa IBAMA nº 24/2010 ao
não contemplar a necessidade do trânsito em julgado da infração anterior visa assegurar maior
proteção ao meio ambiente e maior aplicação do princípio do poluidor pagador. Contudo, cabe
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destaque de que tal dispositivo não se aplica a autor de infração lavrados antes da publicação
do Decreto nº 6.514/2008.

4.2 Termo inicial para contagem da reincidência

Em virtude da mudança da regulamentação relacionada ao trânsito em julgado no


âmbito da reincidência, foi-se necessário estabelecer normas de transição visando esclarecer o
termo inicial da contagem da reincidência. Desse modo, tais normas estão previstas no art.
142 da Instrução Normativa IBAMA nº 14/2009, prevendo formas distintas de contagem do
termo inicial da reincidência, descrevendo normas de transição, levando em consideração as
disposições do decreto anterior, nº 3.179/1999 - o qual previa a necessidade do trânsito em
julgado do auto de infração anterior, e novo Decreto nº 6.154/2008 – que não faz menção a
necessidade do referido trânsito em julgado.
Tais situações de transição estão nos incisos do art. 142, havendo disposição no inciso
I, em que auto de infração lavrado sob a égide do Decreto nº 3.179/1999, cujo julgamento
tenha ocorrido antes da publicação do novo decreto, entretanto a análise do recurso ainda
esteja pendente, dever-se-á observar o lapso temporal de três anos entre a lavratura do auto de
infração reincidente e o trânsito em julgado do auto anterior. Lado outro, se o auto foi lavrado
sob a égide do Decreto anterior e o julgamento ocorreu após julho de 2008, estando pendente
análise de recurso, conforme inciso II, adotar-se-á a mesma regra disposta no inciso I,
entretanto se o segundo auto de infração foi lavrado sob a égide do novo decreto, o lapso
temporal observado será maior, observando cinco anos entre a lavratura do primeiro, com
relação ao auto de infração reincidente, desde que o reincidente tenha sido lavrado depois do
julgamento do primeiro.
Salienta-se que com o advento do novo decreto, alguns procedimentos precisam ser
observados, sendo necessário notificar o autuado para se manifestar sobre o auto de infração
no prazo de dez dias, devendo a autoridade julgadora após a manifestação do autuado decidir
pela aplicação ou não da reincidência, julgando o novo auto de infração. Cabe, contudo,
destacar que na hipótese de auto lavrado sob a égide do Decreto nº 3.179/1999 e posterior
reincidência lavrada sob o decreto vigente, havendo julgamento sem a devida notificação
prévia, estará configurada a reincidência, entretanto não será cabível a aplicação da agravante
pecuniária, visto que segundo o §3º do art. 142 o autuado será notificado da reincidência antes
do julgamento desta.
Face ao exposto, o cometimento de nova infração ambiental pelo mesmo infrator, no
decurso de cinco anos, contados da lavratura de auto de infração devidamente confirmado no
julgamento, configurar-se-á reincidência. Segundo o art. 124 do Decreto nº 6.154 as
autoridades julgadoras possuem prazo de trinta dias para julgar o auto de infração, decidindo
qual será a penalidade aplicada ao infrator, entretanto, insta salientar que a não observância do
prazo para julgamento não torna nula a decisão da autoridade julgadora e conseguinte
processo.

4.3 Sanções pecuniárias convertidas, pagas ou parceladas

Cabe a autoridade ambiental a conversão da multa simples em sanções alternativas,


como serviço de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente,
mediante requerimento do autuado no momento da apresentação da defesa. Caso a autoridade
ambiental responsável pela apreciação e julgamento da defesa defira tal medida, fica suspenso
o prazo para apresentação de recurso, e inicia-se o prazo para celebração do Termo de
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Compromisso, desse modo, a assinatura do referido termo implica na renúncia do direito de


recorrer.
Os serviços passíveis de serem abordados no Termo de Compromisso são: execução
de obras ou atividades de reparação de danos decorrentes da própria infração, implementação
de obras ou atividades de recuperação de áreas degradadas, bem como a preservação e
melhoria da qualidade do meio ambiente; custeio ou execução de projetos e programas
ambientais, visando proteção e conservação do meio ambiente e manutenção de espaços
públicos que tenham por objetivo a proteção do meio ambiente, não obstante demais situações
específicas do empreendimento.
Insta destacar, contudo, que a celebração do Termo de Compromisso não encerra o
procedimento administrativo, visto que haverá monitoramento por parte da autoridade
ambiental competente, com o fim de fiscalizar se estão sendo cumpridos os termos ajustados,
sob pena de imediata inscrição do débito em dívida ativa para cobrança integral da multa
definida no auto de infração, bem como execução judicial das obrigações assumidas no título,
tendo em vista que são títulos executivos judiciais.

4.4 Caracterização da reincidência específica

Com o advento do Decreto nº 6.514/2008 ficou mais claro e objetivo para o agente
sancionador caracterizar e aplicar a reincidência, além de permitir que o infrator reconheça
com maior precisão o nexo causal entre a norma e sua ação, garantindo maior segurança
jurídica. Sob a égide do Decreto nº 3.179/1999 havia a distinção das reincidências
relacionadas a natureza, sendo a específica quando era da mesma natureza e genérica em
natureza diversa.
O Decreto nº 6.514/2008 preferiu por excluir o uso da natureza como caracterizador de
determinado tipo de infração. Segundo Orientação Jurídica Normativa nº 24/2010 o art. 11 do
referido decreto deve ser interpretado relacionado ao dispositivo legal ofendido, de modo que
se aplica a multa em triplo no caso de reincidência de infração caracterizada no mesmo
dispositivo legal, contudo não se exige que todas as condutas praticadas – verbos e ações
indicadas na norma, encontrem-se descritas no caput ou em parágrafos ou incisos. Deve-se
interpretar o dispositivo como um todo, visto que o objetivo é tutelar o mesmo bem jurídico
ambiental.
No que tange a infrações distintas, a multas será aplicada em dobro, desse modo,
ocorre essa tipificação de reincidência no caso do cometimento de infração disposta em
dispositivo diverso da anterior, pelo mesmo agente. Por mais que não haja no Decreto nº
6.514/2008 o uso da expressão reincidência genérica e reincidência específica, a doutrina
continua por tratar o cometimento de mesma infração como reincidência específica e o
cometimento de infração distinta como genérica.
Do mesmo modo como ocorre na legislação penal, as infrações administrativas
possuem vários núcleos em um único tipo penal, como no caso do art. 47 que prevê
penalidade para quem recebe ou adquire sem licença e posteriormente vende ou transporta
produto sem documento de origem válida, podendo o agente ser autuado por receber sem
licença e posteriormente em situação diversa, reincidente ao transportar. Percebe-se que está
configurada a mesma infração ao cometer qualquer conduta elencada em dispositivos que são
multinucleares.
Cabe salientar que as regras de reincidência possuem natureza de direito material,
incidindo via de regra apenas sobre fatos praticados sob sua vigência.
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4.5 Mais de um auto de infração anterior

No tocante ao agravamento da reincidência, infere-se que a norma prevê a aplicação


apenas em virtude da lavratura de único auto de infração anterior, desse modo, o cometimento
de condutas inflacionárias anteriores no decurso de cinco anos, visto que tal instituto aplicar-
se uma única vez para cada sanção.
Lado outro, havendo determinado sujeito praticado conduta que acarrete na aplicação
de reincidência genérica e posteriormente conduta diversa gere reincidência especifica, será
aplicada a mais gravosa - específica, visto que não é possível agravar mais de uma vez a
mesma infração anterior. A escolha pela agravante dar-se-á de acordo com a que gere maior
aumento na sanção, baseada no princípio do poluidor pagador e da vedação ao retrocesso, já
que ao imputar ao infrator determinada multa no tocante da reincidência genérica e
posteriormente haver reincidência específica, se for suprimida a mais gravosa – genérica,
haverá retrocesso, prejudicando a sociedade, visto que a sanção não cumprirá seu objetivo.
No que se refere ao objetivo da sanção aplicada no âmbito ambiental, segundo Thomé
(2016, p. 581) a tutela administrativa ambiental visa a repressão dos prejuízos ao meio
ambiente, bem como coibir condutas potencialmente danosas aos recursos ambientais ou que
violem as normas ambientais em vigor. Infere-se, entretanto, que para determinada conduta
ser enquadrada como infração ambiental deve tal ação ser clara violação à eventual ato
administrativo previsto em Lei.
Cabe mencionar que existindo infrações capazes de gerar apenas reincidência
específica ou genérica, não há como aplicar o mesmo critério abordado anteriormente no
tocante a aplicação da reincidência específica em detrimento da genérica por ser essa mais
gravosa. Nessa senda, por haver aplicação da mesma consequência – majorante em dobro ou
em triplo, pode a autoridade julgadora indicar a infração mais recente ou a de maior valor para
caracterização da reincidência.
Insta destacar que no caso de o auto de infração aplicar sanções diferentes, como
imputar ao infrator advertência e em auto posterior aplicar multa, não há prejuízo para
aplicação da reincidência, visto que os requisitos dispostos no art. 11 do Decreto nº
6.514/2008 não versa sobre a necessidade das sanções serem coincidentes.

4.6 Mais de um auto de infração posterior

Em linha diversa da citada anteriormente relacionada a auto de infração anterior, no


tocante ao auto posterior não há qualquer óbice jurídico para que diversas sanções superiores
sejam utilizadas como agravante, sem haver bis in idem. Tal situação se justifica em função da
necessária observância da proporcionalidade da conduta e consequência jurídica a ela
atribuída. Nessa senda, Gomes e Khaddour possuem o seguinte entendimento: "[...] a
incidência da sanção penal e da sanção administrativa parece sem dúvida ferir de morte o
princípio da proibição do excesso, corolário dos direitos fundamentais" (GOMES;
KHADDOUR, 2016, p. 36).
O fato do infrator praticar determinada conduta reiteradamente evidencia sua
contumácia em infringir o ordenamento e que a sanção não está sendo efetiva, visto que a
sanção aplicada anteriormente possuía como um dos objetivos inibir a reincidência. Ante o
exposto, a Orientação Normativa do IBAMA nº 24/2010 entende que uma vez que a
reincidência for aferida separadamente nos autos de cada infração, ponderar-se-á aplicar a
pena dobrada ou triplicada, ainda que em outro processo o sujeito já tiver sido punido com o
agravamento da reincidência.
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No que tange a não aplicação do bis in idem, conforme já citado anteriormente, deve-
se observar a proporcionalidade da conduta visando evitar excessos, embora, a CR/1988 não
aborde expressamente a proibição de abusos por parte do Estado, tal concepção é tem sido
construída pela doutrina, baseada em disposições legais, como é possível notar no art. 4º do
Decreto nº 6.514/2008.

4.7 Marco legal para tipificação da reincidência

Sob a égide do Decreto nº 3.179/1999, a aplicação da reincidência seria aplicada


apenas após a publicação da referida norma, entretanto, no caso de infrações ambientais
cometidas antes da sua vigência, não há que se falar em aplicação de reincidência, tendo em
vista a impossibilidade de aplicação de norma anterior que agrave a pena do autuado – lex non
habet oculos retro, sendo aplicada a norma ambiental à época o princípio da irretroatividade
da lei mais gravosa. De tal forma que um auto de infração ambiental lavrado antes da
publicação do citado decreto não pode ser utilizado para gerar novo agravamento após
publicação e, da mesma forma, não pode ser agravado, caso existisse auto anterior de mesma
natureza.
Tal situação se justifica em função da previsão disposta no art. 5º, inciso XXXVI, da
CR/1988, a qual dispõe que a Lei não prejudicará ato jurídico perfeito, direito adquirido e
coisa julgada, de tal sorte que se antes da publicação do Decreto nº 3.179/1999 haveria ato
jurídico perfeito ou coisa julgada, não podendo essa situação ser agravada por norma ulterior.
Dessa forma, a retroatividade é a exceção, devidamente fundamentada em razões de ordem
pública.
Desse modo, seguindo o princípio da irretroatividade da norma em prejuízo do sujeito,
a jurisprudência repete o posicionamento adotado pelo Ministro do STJ, Herman Benjamin,
segundo o qual:

De toda maneira, não se deve esperar solução hermenêutica mágica que esclareça,
de antemão e globalmente, todos os casos de conflito intertemporal entre o atual e
anterior Código Florestal. No entanto, na ausência de formula pronta e acabada,
quase automática, podem aqui ser externadas algumas regras técnicas válidas para
outros campos do direito material informado pela ordem pública. O esquema é bem
simples: o novo Código Florestal não pode retroagir para atingir ato jurídico
perfeito, direitos ambientais adquiridos e a coisa julgada [...] (SÃO PAULO.
Tribunal de Justiça de São Paulo. 1ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente. Agravo
de Instrumento nº 2012816-29.2013.8.26.0000, 2013, internet).

No que tange à reincidência, conforme já abordado anteriormente, procurou o


legislador no Decreto nº 6.514/2008 prever normas de transição com objetivo de esclarecer
quais são as regras aplicadas para autos de infrações ainda não julgados quando a publicação
do novo decreto, pendentes de análise de recurso ou no caso de haver auto de infração
lavrados sob a vigência do Decreto nº 3.179/1999 e outro sob a égide do Decreto nº
6.514/2008.

4.8 Prescrição

A prescrição e a decadência administrativa ambiental foram tratadas pelo Decreto nº


6.514/2008 nos arts. 21 a 23 – Seção II, dos prazos prescricionais, embora não haja uso da
palavra decadência. No ordenamento, tal disposição encontra-se no art. 22, visto que há
decadência pelo recebimento do auto de infração ou cientificação pelo infrator por qualquer
meio do referido; por ato inequívoco da administração que importe na apuração do fato ou por
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decisão condenatória irrecorrível. Segundo Orientação Normativa PFE/IBAMA nº 24/2010 o


prazo de prescrição da pretensão punitiva se aplica no processamento de cada infração, não
espraiando efeitos no agravamento por reincidência evidenciada em outros autos.
Nessa senda, o prazo para a Administração Pública apurar a prática de infrações contra
o meio ambiente decai em cinco anos contada da prática do ato ou, no caso de infração
permanente ou continuada, do dia em que estiver cessado a infração. Cabe, contudo, destacar
que no caso de o objeto da infração ambiental também constituir crime, observar-se-á o prazo
previsto na lei penal.
O referido decreto também aborda no art. 21, §2º, questões atinentes à prescrição
intercorrente, na qual Thomé (2016) tece as seguintes considerações:
O instituto da prescrição intercorrente opera efeitos em benefício dos próprios
administrados. Prescrição significa a perda da ação atribuída a um direito em
consequência de seu não exercício no prazo legal. A prescrição limita a ação
punitiva do Estado, em prestígio ao clássico princípio da segurança jurídica. O não
exercício de uma pretensão acarreta perda do direito de exercê-la. Pela prescrição,
mantendo-se inerte, ao Poder Público, é subtraído o seu poder de aplicar sanções
ambientais. Deve o Poder Público observar o princípio da duração razoável do
processo administrativo, não se admitindo delongas injustificadas na execução de
atos necessários à efetiva proteção do meio ambiente (THOMÉ, 2016, p. 597).

Desse modo, incide a prescrição no procedimento de apuração do auto de infração


paralisado por mais de três anos, que ainda esteja pendente de julgamento ou despacho, cujos
autos serão arquivados de ofício mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da
responsabilidade funcional decorrente da paralisação.
Na mesma linha, a Súmula nº 467 do STJ versa sobre o prazo prescricional, de iguais
cinco anos, para a Administração Pública promover a execução da multa aplicada no auto de
infração ambiental. Tal prazo começa a fluir após encerrado o processo administrativo no qual
configurou-se a penalidade, visto que a partir desse momento, não há mais dúvidas com
relação à obrigação de pagar, já que está definitivamente constituída a infração e consequentes
sanções.

4.9 Suspensão por decisão judicial da exigibilidade de auto de infração que gera
reincidência

Conforme já citado anteriormente, há possibilidade de revogação de atos inclusive já


transitados em julgado, desse modo, também é cabível a suspensão da exigibilidade de um
auto de infração em virtude de eventuais informações supervenientes. Cabe destacar que o
motivo da suspensão é fato determinante para verificar os desdobramentos e eventuais
impactos na reincidência.
Como regra geral, segundo Orientação Normativa do IBAMA nº 24/2010, a suspensão
da exigibilidade de determinado auto de infração obsta a produção de todos os efeitos
jurídicos decorrentes, inclusive a possibilidade de uso do instituto da reincidência. Desse
modo, em virtude da suspensão do auto de infração, decorrente de questionamento quanto a
legalidade do conteúdo do referido, ou da existência de vicio insanável, não há que se falar
em agravamento por meio de reincidência. Entretanto, é possível que o órgão julgador, ao
proferir a decisão, não suspenda integralmente o auto de infração, especificando
separadamente quais efeitos serão suspensos e eventual possibilidade de incidir reincidência.
Tal fato se justifica tendo em vista que a razão da suspensão pode não comprometer o
ato jurídico perfeito, como no caso em que a exigibilidade foi suspensa em virtude de
prescrição da pretensão executiva em função do decurso do tempo. Pode o órgão julgador
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sentenciar justificando que a sanção não é mais aplicada em função da prescrição, abordando
a futura possibilidade de uso de tal ato para caracterização da reincidência.

5. Impacto da medida provisória nº 790/2017: Código de Mineração e licenciamento


mineral no âmbito das penalidades

Com o advento da MP nº 790/2017, a estrutura das sanções administrativas foi


alterada, listando advertência, multa e caducidade, além de aumento do valor da multa
simples, variando de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a R$30.000.000 (trinta milhões de reais),
majorando ao dobro no caso de reincidência específica em até dois anos. No mesmo sentido, o
valor da multa diária também foi ampliado, variando entre R$100,00 (cem reais) a
R$50.000,00 (cinquenta mil reais). Cabe destacar que, no que tange às multas, os valores só
serão ajustados e aplicados conforme a MP nº 790/2017 a partir de 1º de janeiro de 2018.
Desse modo, as mudanças nas sanções administrativas agravam as penalidades para o
empreendedor, tendo em vista que se cria a possibilidade de suspender temporariamente, total
ou parcialmente as atividades; apreender o minério, bens e equipamentos, além de aplicar a
caducidade do título. No que tange a caducidade, é possível aplicá-la em três hipóteses: se
configurado abandono da mina ou jazida, independentemente de multa; prosseguimento de
lavra ambiciosa, apesar de multa, ou, por último, um novo desdobramento da reincidência,
que seria o caso do não atendimento de repetidas notificações, com auto de infração
prescrevendo multas como sanções, no caso de segunda reincidência específica no intervalo
de dois anos.
Por fim, destaca-se que, antes da citada medida provisória, o teto das multas em sua
maioria era R$3.300,00 (três mil e trezentos reais), com a mudança do teto para
R$30.000.000,00 (trinta milhões de reais). O valor atual é nove mil e noventa vezes maior do
que vigorava anteriormente. Entretanto, o método para aplicação das multas ambientais
seguirá os critérios já citados no presente artigo: gravidade da infração, circunstâncias
agravantes e atenuantes e, ainda, o poder econômico do infrator.

6. Considerações finais

Através da presente investigação, considerando o princípio do poluidor pagador,


juntamente com o desenvolvimento sustentável, relacionado com a mudança do teto da multa
por meio MP nº 790/2017 que será aplicada a partir de 1º de janeiro de 2018, percebe-se que o
legislador buscou atualizar o teto das multas, que anteriormente era um valor ínfimo, em
busca de aumentar o caráter educativo e impeditivo da sanção.
Cabe, contudo, destacar que o Governo anunciou que o programa apresentado consiste
em três medidas provisórias. Ele é uma busca incessante para atrair investidores privados para
o setor minerário. A questão se pretende levantar é até que ponto a discricionariedade do
órgão julgador em adequar o valor da multa à gravidade da infração, ponderando com
agravantes e atenuantes, juntamente com o poder econômico do infrator, servirá para impedir
que danos ambientais ocorram ou apenas irá afastar investimentos, tendo em vista que haverá
mais insegurança jurídica e dificuldade em prever qual será o valor aplicado da multa pelo
Poder Público concedente.
Em um período de instabilidade econômica, no qual a população clama por melhoria
na qualidade de vida imediata e para as gerações futuras, era necessário que algumas medidas
fossem tomadas, já que multas em valor ínfimo de nada resolveriam o problema ambiental
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existente. Resta saber se valores elevados serão suficientes para garantir a tão desejada
qualidade de vida.
Destaca-se que aplicar multas exorbitantes ao empreendedor não irá corrigir o
passado, tão pouco impedir que o meio ambiente seja afetado. Por outro lado, os efeitos
advindos dessa majoração podem desencadear mudanças que impactam inclusive no livre
mercado.
Diante do exposto, como a multa será aplicada a partir de janeiro de 2018, não é
possível verificar se os objetivos almejados serão alcançados. Entretanto, conclui-se
provisoriamente que, diante do cenário político/econômico atual, as modificações apenas
aumentaram a insegurança jurídica, afastando os desejados investimentos.
Logo, o uso da ponderação entre os princípios do poluidor-pagador e do
desenvolvimento sustentável são fundamentais, considerando conjuntamente o princípio da
livre iniciativa para garantir um meio ambiente equilibrado às gerações presentes e futuras.

Referências

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A PRODUÇÃO DE ENERGIA HIDRELÉTRICA NO BRASIL: UMA


ABORDAGEM SOCIAL, ECONÔMICA E AMBIENTAL DA
SUSTENTABILIDADE

The hydro energy production in Brazil: a social approach, economic and


environmental sustainability

Leandro José Ferreira 13


Wallace Douglas da Silva Pinto 14

Resumo: Trata-se de estudo direcionado ao potencial de energia hidrelétrica no Brasil. Na


contemporaneidade a vida sem energia é inimaginável, pois o direito à energia elétrica guarda
estrita relação com o princípio da dignidade da pessoa humana, portanto deve ser fornecida de
modo limpo e eficiente, pautada na sustentabilidade, em respeito à qualidade ambiental das
presentes e das futuras gerações. Por isso uma análise das dimensões, social, econômica e
ambiental da sustentabilidade se faz necessária, de modo a evidenciar quais bases devem ser
respeitadas para a instalação de uma usina hidrelétrica. A sustentabilidade tem papel
fundamental nesse estudo. O presente estudo pretende demonstrar que o fornecimento de
energia elétrica por meio das usinas hidrelétricas deve ser orientado pela sustentabilidade em
suas dimensões, social, econômica e ambiental. Para tanto foram utilizados na realização
deste artigo, o método vertente jurídico-teórico e raciocínio dedutivo com a técnica de
pesquisa bibliográfica.

Palavras-Chave: hidrelétrica; energia elétrica; sustentabilidade; dimensão social; dimensão


econômica; dimensão ambiental.

Abstract: This It is directed to study hydropower potential in Brazil. In contemporary life


without energy is unimaginable, since the right to electricity keeps strict relationship with the
principle of human dignity, therefore it must be provided in a clean and efficient, based on
sustainability, with respect to the environmental quality of present and of future generations.
Therefore an analysis of, social, economic and environmental sustainability is necessary, in
order to identify which bases to be respected for the installation of a hydroelectric plant.

13 Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Pós-Graduado em Direito
Processual pelo IEC – Instituto de Educação Continuada da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Mestrando em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável na Escola Superior Dom Helder Câmara –
ESDHC. Pesquisador. Advogado sócio da CDG Consultoria Especializada Ltda.. Email:
leandrojfadv@gmail.com
14 Graduado em Ciências Econômicas pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Pós-Graduado em
Finanças e Controladoria pelo IEC - Instituto de Educação Continuada da Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais. Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Advogado Sócio do
Escritório Ferreira e Silva Advogados Associados. Email: advogados.ferreira.silva@gmail.com
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Sustainability plays an important role in this study. The study conclude that the supply of
electricity through hydroelectric plants should be guided by sustainability in its dimensions,
social, economic and environmental. For that were used in the making of this article, the legal
and theoretical strand method and deductive reasoning with the technical literature.

Keywords: dam; electricity; sustainability; social dimension; economic dimension;


environmental dimension.

1. Introdução

A dependência do Brasil da produção de energia para seu desenvolvimento pleno e


completo torna necessário o estudo sobre energia no país. No entanto, pesquisas demonstram
que os modelos de energia baseados em combustíveis fósseis, em combustíveis fósseis além
de prejudicar o meio ambiente são fontes esgotáveis que em determinado momento irão
acabar.
Por isso, um estudo sobre as chamadas energias limpas, energias renováveis, se faz
necessário, na medida em que a sociedade precisa avançar na utilização eficiente e consciente
do potencial energético mundial e também nacional.
Grande parte da energia elétrica brasileira é produzida diretamente nas usinas
hidrelétricas e ainda que a energia produzida por essas usinas, consideradas como limpas, é
necessário averiguar quais os impactos ambientais, sociais e econômicos derivados dessa
atividade. Para tanto, será abordada a natureza multidimensional da sustentabilidade, nas
dimensões ambiental, social e econômica desenvolvidas por Freitas (2016).
Há que se considerar a importante dependência que a sociedade brasileira tem da
energia produzida pelas usinas hidrelétricas, mas há também a necessidade de se analisar os
impactos sociais, ambientais e econômicos derivados dessa atividade, sobretudo no meio
ambiente devido, principalmente, devido às grandes extensões de terras necessárias para
formar as represas e construir as hidrelétricas e os impactos na fauna e flora local.
O presente estudo se justifica na medida em que o fornecimento de energia elétrica
derivada das usinas hidrelétricas no Brasil precisa ser melhor desenvolvido, de modo a
promover a proteção ambiental, sem, contudo, prejudicar o crescimento econômico da
população nacional que precisa de energia para se desenvolver.

2. A energia hidrelétrica produzida no Brasil

Não há como pensar em desenvolvimento no mundo moderno sem a produção de


energia, principalmente a energia elétrica. A eletricidade é força que movimenta o mundo das
mais variadas formas e, por isso, essencial ao ser humano, segundo Goldemberg e Lucon
(2013) a “eletricidade gerada a partir de hidrelétricas (movidas a energia hidráulica),
termelétricas (movidas a combustíveis fósseis, calor geotermal, biomassa ou fissão nuclear),
usinas eólicas, painéis fotovoltaicos.”
Somente a energia elétrica gerada a partir de hidrelétricas é considerada limpa. A fonte
de energia primária para ser considerada renovável deve ter condições de se recompor em
curto período de tempo, conforme afirmam Goldemberg e Lucon, (2012) e por isso ela precisa
existir de modo sustentável e eficiente em substituição à energia produzida por combustíveis
fósseis de modo a garantir condições mínimas de qualidade de vida para as presentes e futuras
gerações.
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A produção de energia baseada em combustíveis fósseis ainda impera no cenário


mundial e é responsável por grandes danos causados ao meio ambiente e contribuem de modo
preponderante para as emissões de CO , degradando o meio ambiente e desta forma não sendo
consideradas sustentáveis, de acordo com Goldembert e Lucon (2012, p. 176-177):
Os efluentes líquidos e resíduos sólidos decorrentes de geração de eletricidade
também precisam ser levados em conta. Os mais importantes são os resíduos ácidos
de minas de carvão, os vazamentos de petróleo e os rejeitos radiativos. Os resíduos
da biomassa também constituem um problema, mas podem ser reaproveitados mais
facilmente para gerar energia, como ocorre com o bagaço de cana-de-açúcar. Na
grande maioria dos casos, usinas de geração de eletricidade precisam se localizar
junto a corpos d’água, causando impactos ao entorno. As usinas termelétricas
impactam os cursos d’água, principalmente pelo uso consuntivo (isto é, sem
reposição ao corpo d’água, devido a perdas por evaporação) para resfriamento das
turbinas e à poluição térmica causada pelos efluentes devolvidos ao corpo d’água
com temperaturas elevadas, o que afeta espécies que dependem de uma faixa
bastante estreita de temperaturas para viver, procriar e migrar.

O enorme impacto da devastação ambiental, mostra que a produção de energia baseada


em fontes fósseis não devem ser adotadas, sob pena de não cumprir com o princípio da
sustentabilidade de proteção ambiental necessárias à sadia qualidade de vida para as presentes
e para as futuras gerações.
Nesse sentido, o Brasil surge na contramão da produção de energia mundial, ao não se
utilizar de fontes fósseis para a produção de sua energia interna, desenvolvendo seu potencial
de energia elétrica através de usinas hidrelétricas que utilizam de fontes limpas e renováveis
para a produção de energia. Segundo Goldemberg; Lucon (2012), as fontes renováveis de
energia contribuem para a redução das emissões de dióxido de carbono com relação às
alternativas fósseis.
Nessa concepção, o Brasil avança na adoção de fonte limpa para a produção de
energia, conforme assevera a doutrina:
O Brasil é internacionalmente reconhecido por sua produção de energia elétrica a
partir de fontes sustentáveis. De acordo com o Balanço Energético Nacional de
2011, que se refere aos dados obtidos em 2010 (EPE, 2011), a chamada energia
limpa oferece 86% da energia elétrica do país, sendo que 74% do total provêm da
matriz hidráulica. Essa possibilidade está associada à disponibilidade de recursos
hídricos que o Brasil possui, já que seu território concentra 12% da água doce do
planeta. De qualquer forma, o Brasil está atrás apenas da China na produção de
energia hidrelétrica no mundo e detém o maior potencial hidráulico entre todos os
países. Além disso, somente a Noruega supera o Brasil em percentual relativo à
participação das fontes hidráulicas no fornecimento de energia elétrica.
(AGOSTINI; BERGOLD, 2013, p. 170-171).

Verifica-se, portanto que o Brasil está no rumo certo ao adotar fontes renováveis para
a produção de energia demonstrando a determinação do país em avançar na proteção e
preservação do bem ambiental cumprindo o ideal de desenvolvimento sustentável que norteia
a política nacional do meio ambiente. “O Brasil sem dúvida alguma foi vanguardista na
utilização da água como fonte de energia em larga escala. Foi, assim, o precursor na questão
da utilização de energias renováveis” (LIMA; CARVALHO, 2016, p. 71).
O Art. 176 da Constituição Federal, bem com seu § 4º, tratam timidamente da energia
renovável:
Art. 176. As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de
energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de
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exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a


propriedade do produto da lavra.
§ 4º Não dependerá de autorização ou concessão o aproveitamento do potencial de
energia renovável de capacidade reduzida (BRASIL, 1988).

O tratamento constitucional dado ao tema energia renovável é bastante simplório,


segundo Lima é:
(...) percebe-se que à época em que foi formulada a Constituição o legislador não
tinha idéia do surgimento de várias fontes de energia, só se tinha notícia de
potenciais hidroenergéticos, ou seja, a matriz energética brasileira se delimitava a
fontes não renováveis, como o petróleo, gás natural” (LIMA, 2012, p. 9).

Não obstante, O Brasil cumprir os ideais de sustentabilidade propostos nos Objetivos


do Desenvolvimento Sustentável e no o Acordo de Paris sobre mudanças climáticas,
conforme assevera Freitas (2016): “(...) inovação precípua em segurança energética, com o
redesenho do plexo normativo e regulatório, apto a conferir prioridades às inovações
científicas e tecnológicas de ponta, sobremodo em energias renováveis” (FREITAS, 2016, p.
95).
Apesar do avanço representado pela produção de energia limpa e renovável pelas
hidrelétricas em consonância com o princípio da sustentabilidade, algumas discussões devem
ser levantas quando da implementação desses empreendimentos prestigiando a
sustentabilidade em suas dimensões social, econômica e ambiental. Conforme assevera a
doutrina, sérios estudos prévios de impacto ambiental devem ser realizados:
O alagamento é um indicador importante para o impacto ambiental de hidrelétricas,
mas não o único. Dentre outros impactos, as populações são removidas (inclusive as
indígenas tradicionais), a alteração no regime dos rios a jusante da barragem, o
assoreamento a montante da barragem, barreiras à migração de peixes, a
proliferação de algas (eutrofização), aguapés e mosquitos, a extinção de espécies
endêmicas, a perda de patrimônio histórico, arqueológico e turístico. Devem ser
considerados também os riscos associados ao rompimento das barragens
(GOLDEMBERG; LUCON, 2012, p. 179).

Para a instalação de uma hidrelétrica de modo sustentável é necessário estudos para


prevenir danos ambientais e fomentar o desenvolvimento da região sem prejuízos à
população, à cultura e características locais. Direitos fundamentais sociais como moradia,
trabalho digno, saúde e educação devem ser respeitados e promovidos de forma adequada.
Com o objetivo de evidenciar quais direitos sociais devem ser adequadamente regulados na
instalação e operação hidrelétricas permitindo o desenvolvimento sustentável passa-se a
discutir sobre a dimensão social no próximo tópico.

3. A dimensão social da sustentabilidade

Segundo Freitas (2016) “Sustentabilidade é multidimensional, porque o bem-estar é


multidimensional. Para consolidá-la, nesses moldes, indispensável cuidar do ambiental, sem
ofender o social, o econômico, o ético e o jurídico-político” (FREITAS, 2016, p. 61).
Para efeitos do tema proposto serão analisadas apenas três das cinco dimensões da
sustentabilidade tratadas por Freitas (2016), quais sejam: dimensão social; dimensão
econômica e dimensão ambiental.
Na dimensão social da sustentabilidade devem estar previamente atendidos os direitos
sociais fundamentais que devem ser garantidos de forma positiva pelo Estado ao cidadão
conforme definidos por Silva (2014, p. 289):
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Por isso, sem preocupação com uma classificação rígida, e com base nos arts. 6º a
11, agrupá-los-emos nas seis classes seguintes: (a) direitos sociais relativos ao
trabalho; (b) direitos sociais relativos à seguridade, compreendendo o direito à
saúde, à previdência e assistência social; (c) direitos sociais relativos à educação e
cultura; (d) direitos sociais relativos à moradia; (e) direitos sociais relativos à
família, criança, adolescente e idoso; (f) direitos sociais relativos ao meio ambiente.

Na concepção social da sustentabilidade verifica-se a possibilidade do


desenvolvimento pautado no desenvolvimento social do cidadão, promoção da pessoa humana
e da garantindo a todos direitos à educação, à moradia, ao trabalho, e à saúde devidamente
garantidos. Freitas (2016, p. 63) aponta o que se tem entendido por dimensão social da
sustentabilidade nos seguintes termos:
Nesse ponto, na dimensão social da sustentabilidade, abrigam-se os direitos
fundamentais sociais, que requerem os correspondentes programas relacionados à
universalização, com eficiência e eficácia, sob pena de o modelo de governança
(pública e privada) ser autofágico e, numa palavra, insustentável. Os milhões de
idosos, por exemplo, têm de ser protegidos contra qualquer exclusão ou desamparo.
O direito à moradia, por sua vez, exige a regularização fundiária e justifica,
observados os pressupostos, o direito à concessão de uso de bem público.

Não adianta, portanto, a promoção da proteção ambiental se seus destinatários não


tiverem garantidos seus direitos sociais, tendo como foco a redução das desigualdades sociais,
conforme afirma Freitas:
Cumprem-se, nessa ótica, os compromissos, não apenas com a mitigação ou a
adaptação ambiental, porém, antes de tudo, com a prevenção e com a precaução, no
desiderato de evitar danos previsíveis e, ao mesmo tempo, gerar o bem-estar
sustentável (2016, p. 78).

Assim, a dimensão social da sustentabilidade deve ser entendida como aquela que
promova melhores condições de vida para o indivíduo e para a comunidade, de modo a incluir
os menos favorecidos e marginalizados na busca por uma sociedade mais igualitária. É
justamente a definição apontada por Almeida e Araújo:
A dimensão social, que se entende como a criação de um processo de
desenvolvimento que seja sustentado por outro crescimento e subsidiado por uma
visão do que seja uma sociedade boa. A meta é construir uma civilização com maior
equidade na distribuição da renda e de bens, de modo a reduzir o abismo entre os
padrões de vida dos ricos e dos pobres (2013, p. 28).

Nesse contexto de inclusão social, importante frisar sobre o sendo, portanto, imperioso
a adoção ou criação de um processo seletivo includente com a disponibilização do maior
número possível de vagas possíveis. O direito fundamental à educação se bem trabalhado e
desenvolvido pode modificar o cenário nacional em poucas décadas tal como pode se verificar
nas grandes potências econômicas mundiais.
Noutro giro, o direito à moradia digna deve ser estendido a todos os cidadãos mediante
uma política pública includente e participativa de nivelamento pelo trabalho. Mais do que
isso, não basta indenizar um morador que perdeu sua casa, foi obrigado a sair do meio onde
morava e perdeu valores culturais sob o argumento de que a construção de uma hidrelétrica
naquela região é necessária para o crescimento econômico, pois conforme afirma
Goldemberg; Lucon (2012) a realocação das populações é um problema social de magnitude
em muitos casos.
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Verifica-se que em determinadas situações a geração de energia por meio de fontes


renováveis como as produzidas pelas hidrelétricas é de substancial importância por ser menos
agressiva ao meio ambiente. De todo modo, não adianta a construção de usinas hidrelétricas
sem se levar em conta o impacto ambiental e os impactos na vida dos moradores locais.
4. A dimensão econômica da sustentabilidade

Não se pode falar em desenvolvimento sustentável deixando de lado o fator


econômico, pois uma economia saudável e responsável possibilita a igualdade social com
desenvolvimento sustentável. Conforme a doutrina, não há desenvolvimento sem crescimento
sustentável:
Para os limites desta pesquisa, o desenvolvimento sustentável será considerado um
conceito sistêmico que traduz num modelo de desenvolvimento global que incorpora
os aspectos de desenvolvimento ambiental no modelo de desenvolvimento
socioeconômico, ou seja, uma forma de integração entre desenvolvimentos
econômico, meio ambiente e inclusão social (ALMEIDA; ARAÚJO, 2013, p. 21).

O crescimento econômico é fundamental para o desenvolvimento da espécie


humana, contudo, tal crescimento precisa ser pautado na sustentabilidade permitindo
alcançar o desenvolvimento sustentável com a proteção do meio ambiente, evitando a
degradação ambiental oriundos do modelo econômico voraz e seletivo do capitalismo de
consumismo exagerado verificado nas grandes potências mundiais, conforme explica
Machado:
Graças a uma política de degradação ambiental, os países desenvolvidos puderam
elevar o nível de vida de suas populações, provocando com isso um grau de poluição
global que faz com que a adoção agora, pelos países em desenvolvimento, de uma
política semelhante tornaria o mundo quase inabitável (MACHADO, 2016, p. 64).

O desenvolvimento sustentável é, portanto, um desafio a ser superado por todas as


nações, sobretudo aquelas que se fortaleceram economicamente em detrimento da qualidade
ambiental e que nos dizeres de Sachs (2009) é o desafio que requer estratégias
complementares entre Norte e Sul.
A dimensão econômica da sustentabilidade está voltada para uma melhor distribuição
de renda sem comprometer a qualidade do meio ambiente, sendo, portanto, a adoção do
desenvolvimento econômico pautado no ajuste de contas com a natureza e conforme afirma
Freitas (2016) que a natureza não seja vista como o capital e a regulação estatal sustentável.
A dimensão econômica da sustentabilidade mostra que a economia precisa ser
devidamente contrabalançada de modo a permitir o crescimento econômico a longo prazo,
duradouro, sério e comprometido com o futuro da humanidade e do planeta. Assim,
necessário se faz a implementação coerente e responsável de planos econômicos voltada para
o crescimento justo de modo a consubstanciar novos e melhores indicadores de crescimento
capazes de refletir o verdadeiro crescimento sustentável. Nas palavras de Sachs:
É necessário uma combinação viável entre economia e ecologia, pois as ciências
naturais podem descrever o que é preciso para um mundo sustentável, mas compete
às ciências sociais a articulação das estratégias de transição rumo a este caminho”
(2009, p. 60).

O desenvolvimento econômico sustentável pautado nos pilares da sustentabilidade


somente será possível mediante a reorganização dos paradigmas ambientais e
socioeconômicos, conforme denota Freitas (2016, p. 72):
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Em última análise, a visão econômica da sustentabilidade, especialmente iluminada


pelos progressos recentes da economia comportamental, revela-se decisivo para que
(a) a sustentabilidade lide adequadamente com os custos e benefícios, diretos e
indiretos, assim como o “trade-off” entre eficiência e equidade intra e
intergeracional; (b) a economicidade (princípio encapsulado no art. 70 da CF)
experimente o significado de combate ao desperdício “lato sensu” e (c) a regulação
do mercado acontecerá de sorte a permitir que a eficiência guarde real subordinação
à eficácia.

Assim, a dimensão econômica da sustentabilidade deve ser implementada e


desenvolvida com o prévio estudo de viabilidade econômica e ambiental sopesando custos
econômicos do empreendimento com respeito às condições ambientais e sociais locais,
conforme leciona Agostini e Bertold:
A construção de usinas hidrelétricas impõe uma reflexão crítica a partir da premissa
de que a exploração do potencial energético, quer ocorra por meio dos agentes
econômicos ou pelo serviço público, constitui empreendimento causador de
significativo impacto socioambiental. Com efeito, tanto a natureza quanto as
populações envolvidas pelo raio de influência direta da atividade do porte de uma
usina hidrelétrica sofrem os efeitos danosos provocados pelo empreendimento
(2013, p. 183).

Necessário, portanto, a análise criteriosa das dimensões da sustentabilidade, social,


econômica e ambiental de forma que seja possível a implementação do empreendimento
respeitando os limites da natureza e da comunidade local., sem deixar de lado a consideração
de políticas públicas sérias e comprometidas com os recursos naturais e sociais.

5. Dimensão ambiental da sustentabilidade

No aspecto da dimensão ambiental da sustentabilidade, é inegociável a premissa de


que o meio ambiente equilibrado à sadia qualidade de vida para as presentes e futuras
gerações, deve ser devidamente preservado e protegido, sob pena de a natureza não suportar e
entrar em colapso.
Muito se fala e nada fazem, os discursos adotados são apenas palavras repetidas que
projetam mais sons do que conteúdos. Quantas conferências mais serão necessárias para que a
humanidade tenha a consciência ambiental embutida nas relações diárias? O meio ambiente
pode esperar tantas negociações acerca do efeito estufa? É possível poluir menos e
consubstanciar a vida no planeta terra de modo sustentável?
Algumas dessas respostas podem ser encontradas com o auxílio dos pilares sociais,
econômicos e ambientais da sustentabilidade, de modo que a vida plena no planeta depende
das escolhas de hoje para o afloramento da vida das gerações vindouras. Conforme denota
Amado (2016, p. 63):
Deveras, as necessidades humanas são ilimitadas (fruto de consumismo exagerado
incentivado pelos fornecedores de produtos e serviços ou mesmo pelo Estado), mas
os recursos ambientais naturais não, tendo o planeta Terra uma capacidade máxima
de suporte, sendo curial buscar a SUSTENTABILIDADE.

Os direitos fundamentais de terceira geração, dito direitos coletivos, direitos de


solidariedade e fraternidade, carregam em seu ínterim o direito ao meio ambiente equilibrado
à sadia qualidade de vida, que segundo Silva (2014) asseguram o direito fundamental à vida,
tal como leciona Teixeira:
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Os de terceira geração são orientados pelos princípios da solidariedade e


fraternidade e destinados à proteção de agrupamentos humanos, como o direito à
paz, à segurança, ao desenvolvimento, à livre determinação dos povos, à
comunicação, ao meio ambiente saudável, dentre outros (2008, p. 92).

Nesse contexto a dimensão ambiental da sustentabilidade pressupõe uma justa medida


de consumo para com o meio ambiente, basta apenas uma mudança de paradigma de tomar da
natureza somente aquilo que é suficiente para se alcançar o objetivo de se desenvolver
enquanto humanidade, enquanto povo e enquanto indivíduo.
A empreitada parece ser simples e fácil de ser concluída, no entanto, se mostra uma
tarefa árdua e que precisa de muitas escolhas acertadas para ser devidamente atingida. O ideal
de sustentabilidade requer premissas pétreas, haja vista que a natureza tem suas próprias
formas naturais de equilíbrio, e que na visão de Freitas (2016) o equilíbrio da natureza se
pauta no respeito às emissões de carbono e que através das ações humanas geram o
desequilíbrio ambiental. Almeida e Araújo (2013, p. 28) sustentam que:
A dimensão ecológica, que pode ser melhorada utilizando-se de ferramentas
ampliativas de forma a intensificar o uso do potencial de recursos dos diversos
ecossistemas, com um mínimo de danos aos sistemas de sustentação da vida.

Nesse mesmo sentido conclui Freitas que:


Em suma, (a) não pode haver qualidade de vida e longevidade digna em ambiente
degradado e, que é mais importante, no limite, (b) não pode sequer haver vida
humana sem o zeloso resguardo da sustentabilidade ambiental, em tempo hábil,
donde segue que (c) ou se posterga a qualidade ambiental ou, simplesmente, não
haverá futuro para a nossa espécie (2016, p. 70).

Ponto que merece ser evidenciado é de que o planeta está preparado para se equilibrar
sozinho, contudo, como dito alhures, o que está sendo discutido é a existência humana no
planeta e seus constantes desequilíbrios. A humanidade precisa ser consciente de que suas
atividades estão causando desequilíbrio no planeta colocando em risco sua própria existência.
É como dizer que o ser humano está cavando sua própria cova ao desmatar e poluir de forma
negligenciada.
Desse modo, as dimensões social, econômica e ambiental da sustentabilidade tratadas
no presente artigo precisam ser aplicadas conjuntamente alcançar a sustentabilidade plena sem
embaraços e desrespeitos aos direitos das presentes e das futuras gerações. Segundo Freitas
(2016) “Não se trata, como visto, da singela reunião de características esparsas, mas de
dimensões intimamente vinculadas, componentes essenciais à modelagem do
desenvolvimento” (FREITAS, 2016, p. 77).
A energia é considerada limpa na medida em que se utilizada de uma fonte renovável,
no entanto, ressalvas a esse modelo de geração de energia precisa ser devidamente encarada
medida a premissa da dimensão social econômica e ambiental da sustentabilidade, com o
intuito de promover a justiça intergeracional.

6. Considerações finais

Conforme exposto, verificou-se que a produção de energia utilizando fontes


renováveis deve prevalecer sobre aquelas ditas não renováveis mediante a adoção de políticas
públicas para a difusão e ampliação dessa prática, principalmente pelo fato de serem menos
agressivas ao meio ambiente.
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Grande parte da energia elétrica gerada no Brasil é derivada de fonte renovável,


produzida por meio das usinas hidrelétricas colocando o Brasil como um dos pioneiros na
adoção da produção de energia limpa.
Contudo, ainda que a geração de energia hidrelétrica seja considerada por muitos,
como fonte de energia renovável e menos poluente, algumas ponderações precisam ser
evidenciadas para a instalação e funcionamento dessas hidrelétricas geradoras de energia, pois
a instalação dessas usinas hidrelétricas exige que vários quilômetros de terra sejam alagados
para o represamento da água. Essa prática afeta diretamente as comunidades que vivem na
região alagada, destruindo suas culturas, suas crenças e, sobretudo sua identidade com o local
onde vivem com o meio ambiente relegado a segundo plano.
Devido à magnitude do impacto da construção desses empreendimentos há
necessidade de estudos sérios quanto aos reflexos nas dimensões social, econômica e
ambiental da sustentabilidade. Importante se fazer análise da viabilidade da instalação e
funcionamento da usina hidrelétrica para que permita o desenvolvimento sustentável de modo
a adotar o mecanismo que promova ao mesmo tempo o desenvolvimento econômico
sustentável e a preservação do meio ambiente.
Imprescindível, portanto, que na análise dos custos do empreendimento seja levado em
conta os custos ambientais, a preservação da cultura local e garantia dos direitos sociais
fundamentais possibilitando a vida digna e sem embaraços de ordem econômica.
Nesse sentido, devem ser adotados mecanismos que sejam menos prejudiciais ao meio
ambiente lato sensu, pois a justiça intergeracional deve ser respeitada e promovida em
quaisquer circunstâncias.
Conclui-se, portanto que as energias renováveis são o melhor caminho para o
desenvolvimento pautado na sustentabilidade e que a energia derivada das hidrelétricas é um
caminho nobre para a geração de energia no Brasil, haja vista que o abandono dos
combustíveis fósseis na geração de energia elétrica representa verdadeiro avanço
epistemológico.
No entanto, essa assertiva deve ser vista e propagada com extrema cautela, pois o
empreendimento deve ser desenvolvido com base nas dimensões, social, econômica e
ambiental da sustentabilidade, haja vista que essas dimensões se implementadas e trabalhadas
em conjunto vão permitir o desenvolvimento sustentável que irá possibilitar a existência de
um meio ambiente equilibrado à sadia qualidade de vida para as presentes e futuras gerações.

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PAISAGEM E A PROTEÇÃO DO ESPAÇO AMBIENTAL: O


PRINCÍPIO DIREITO FUNDAMENTAL E INTERGERACIONAL
EM DWORKIN

Landscape and the protection of environmental space: the principle of


fundamental and intergerational law in Dworkin

Fernando Barotti dos Santos 15


Leonardo Cordeiro de Gusmão 16
Émilien Vilas Boas Reis 17

Resumo: O ensaio busca estudar a proteção da paisagem a partir da noção de espaço


ambiental, por meio do princípio do direito fundamental e intergeracional da paisagem.
Partindo dos conceitos do filósofo Ronald Dworkin sobre princípios, busca-se relacionar o
cenário paisagístico, demonstrando a possibilidade de proteção do ambiente pela norma
deontológica, bem como as semelhanças que as duas possuem, reforçando assim o
entendimento de proteção da paisagem. Ainda, busca-se compreender a organização jurídica
da proteção paisagística, por meio dos estudos de cartas e convenções internacionais, da
mesma forma que os textos nacionais a respeito da matéria. O presente trabalho foi
desenvolvido sob a metodologia jurídico-teórica e raciocínio dedutivo, com pesquisa
bibliográfica e documental. Conclui-se pela possibilidade de aplicação da normativa
principiológica para a proteção da paisagem enquanto espaço ambiental.

Palavras-chave: paisagem; princípio; espaço ambiental; direito intergeracional; Dworkin.

Abstract: The essay seeks to study the protection of the landscape from the notion of
environmental space, through the principle of the fundamental and intergenerational right of
the landscape. Based on the philosopher Ronald Dworkin's concepts about principles, the aim

15 Advogado. Mestrando em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável pela Escola Superior Dom
Helder Câmara. Graduado em Direito pela Escola Superior Dom Helder Câmara, pesquisador do grupo de
pesquisa MAPE: Meio-Ambiente, Paisagem e Energia. E-mail: fernando_barotti@hotmail.com
16 Advogado. Mestrando em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável na Escola Superior Dom Helder
Câmara. Pós-Graduado em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas. Graduado em Direito pela
Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce. Pesquisador do CEBID – Dom Helder (Centro de Estudos em
Biodireito). E-mail: leonardodegusmao.adv@gmail.com
17 Professor Orientador. Pós-doutorado em filosofia pela Universidade do Porto. Doutorado em filosofia pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Mestrado em filosofia pela Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul. Graduação em filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professor
adjunto da Escola Superior de Ensino Dom Helder Câmara, em nível de graduação e mestrado. Coordenador do
grupo “Pensar a cidade: seus aspectos ambientais, jurídicos e sociais” – Dom Helder. E-mail:
mboasr@yahoo.com.br
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is to relate the landscape, demonstrating the possibility of environmental protection by the


deontological norm, as well as the similarities that both have, thus reinforcing the
understanding of landscape protection. Also, it is sought to understand the legal organization
of landscape protection, through studies of international charters and conventions, in the same
way as national texts on the subject. The present work was developed under the juridical-
theoretical methodology and deductive reasoning, with bibliographical and documentary
research. It concludes by the possibility of applying the normative principle for the protection
of the landscape as an environmental space.

Keywords: landscape; principle; environmental space; intergenerational law; Dworkin.

1. Introdução

O objeto de estudo desta pesquisa é a paisagem enquanto espaço ambiental


necessário de preservação. Partindo de um raciocínio dedutivo com pesquisa qualitativa,
descritiva e explicativa, mediante uma análise bibliográfica e documental, será demonstrado a
plausibilidade da aplicação o princípio direito fundamental e intergeracional da paisagem
enquanto espaço ambiental merecedor de preservação utilizando-se da tese de Dworkin.
Tanto o poder público quanto a sociedade devem ser inseridos neste conjunto
protecionista da paisagem, de tal maneira a perceber que o cenário paisagístico, enquanto um
espaço de vínculo social afetivo é essencial para as gerações presentes e vindouras. Assim,
partindo da ideia de Dworkin sobre os princípios, tentará avaliar a possibilidade de utilização
do princípio para a preservação, ambiental e social da paisagem.
No primeiro item serão analisados os conceitos de paisagem, sua relação com a
sociedade e também a sistemática jurídica que a envolve, construindo uma base acerca do que
se constitui como espaço paisagístico além de expor a forma de analisá-lo à luz de suas
normas (princípios e regras). No segundo tópico abordar-se-ão os conceitos de princípios
partindo da concepção de Dworkin, sendo ele o marco teórico quanto à conceituação das
normas deontológicas.
Por fim, no segundo tópico tratar-se-á do princípio do direito fundamental e
geracional presente na ciência do direito de paisagem, avaliando-o e destrinchando seus
detalhes no intuito de fomentar uma melhor compreensão da norma, fazendo um esboço de
como ela pode contribuir para a efetivação da proteção paisagística. Ao final serão
demonstradas as semelhanças entre princípios e paisagens, no panorama estrutural de ambas
as formações.

2. A paisagem: um espaço ambiental coletivo temporal e cultural

A paisagem era compreendida (tomada) em uma complexidade de elementos


naturais, do qual a presença do homem não era visualizada. A percepção da paisagem era
associada à natureza, sem interferência ou relação com homem, um espaço distante retratado
muitas vezes pelas artes. O cenário paisagístico não deixa de ser um espaço ambiental
merecedor de proteção, entretanto, esse espaço apresenta singularidades, desdobrando em um
objeto único e específico o espaço ambiental cultural, ou simplesmente paisagem.
Conforme elucida Machado (2015, p. 847), espaço ambiental protegido é "área
definida geograficamente, que é destinada, ou regulamentada, e administrada para alcançar
objetivos específicos de conservação". Esses espaços são protegidos de acordo com a
realidade social, uma dialética da natureza e cultura nutrida no tempo, pela sociedade da
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época, como veremos a seguir a paisagem apresenta tais condições para ser considerado um
espaço ambiental a ser protegido. Silva propõe que "nem todo espaço territorial especialmente
protegido se confunde com unidade de conservação" (1997, p. 161), desse modo, contribui
com a tese da paisagem ser um espaço especialmente protegido ou necessário a ser
preservado.
Oliveira e Lima (2017) destacam que a sociedade entra em um processo lento,
reconhecendo traços que lhes são próprios nessa paisagem, dessa forma, irrompe uma
mudança conceitual. A paisagem antes sinônima de natureza, desperta como um cenário
cultural o conjunto de interações sociais que atravessam o tempo, marcando o local por
aqueles que habitam o espaço.
Compreende-se a paisagem como espaço geográfico que reúne elementos naturais e
não naturais que permanecem sempre em constante transformação. Esse espaço paisagístico
nos conceitos da Geografia atém duas perspectivas: concreta e fenomenológica.
A visão concreta do cenário paisagístico é compreendida como aquele condicionado
a fatores naturais geológicos, geomorfológicos, ecoclimático, bem como, "[...] o resultado das
marcas que a(s) sociedade(s) humana(s) imprime na superfície terrestre ao longo do tempo"
(VERDUM; VIEIRA; PIMENTEL, 2016, p. 02-03). O seu aspecto concreto é nada mais que
as transformações físicas ocorridas no espaço por ações do homem ou do próprio espaço ao
longo do tempo.
O aspecto fenomenológico por sua vez, é o aspecto subjetivo daquele que percebe o
lugar, sendo esta a percepção exposta por Custódio:
[...] o processo mental pelo qual o ser humano, através dos sentidos conhece os
objetos e interpreta os fatos da vida. Ela é formada por atos sensoriais - moldados
pela cultura, história e sociedade em que vive o indivíduo - que em conjunto ou
individualmente criam uma representação do mundo exterior (2014, p. 189).

Portanto, a paisagem consiste numa construção social, um retrato temporal das


modificações sociais e naturais, não se condicionando num único conceito universal, mas
variável com cada cultura. O plano paisagístico são todas as referências, interpretações e
sentidos expressados no inconsciente do ser. "Cada pessoa, de acordo com a sua trajetória,
consciência e experiência, vê as paisagens de forma diferente e única [...]" (VERDUM;
VIEIRA; PIMENTEL, 2016, p. 03) ligado à história de uma sociedade e às experiências
individuais e comuns.
Dessa forma, a conjuntura que envolve todos esses elementos lança mão de uma
concepção sobre o que é entendido como paisagem: destacando-se como bem de um grupo
que representa o reconhecimento e seu pertencimento nesse espaço. A noção de pertencer a
um espaço comum, coabitado por outros indivíduos, de entender aquele cenário como
importante, traz ao indivíduo a busca pela proteção e preservação do espaço onde reside.
A ideia de proteção paisagística não surge somente por uma força jurídica ou
imposição social, mas por determinação do próprio indivíduo, pois compreende uma relação
em que inseridos estão, o espaço e o homem, um modificando o outro. A proteção jurídica da
paisagem é, portanto, concebida como extensão da proteção individual e principalmente
social.
No Brasil, a relação entre indivíduos e paisagem inicia-se com a formação das
comunidades indígenas, "[...] com um crescimento populacional e ocupação de áreas gerando
alteração e supressão da paisagem" (CUSTÓDIO 2014, p. 181). No contexto jurídico, a
proteção da paisagem no Brasil inicia-se na década de 1930 com a criação do SPHAN 18, atual

18 Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.


65
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IPHAN, em 1937, o órgão federal elabora o primeiro texto de caráter infraconstitucional,


sobre a paisagem:
O primeiro texto legal infraconstitucional a versar sobre paisagem é o Decreto-lei nº
25, de 1937, que ampliou o que seria considerado paisagem, ao estabelecer também
a proteção de belezas criadas culturalmente, incluindo-as junto às belezas naturais,
já consideradas patrimônio a ser protegido (CUSTÓDIO, 2014, p. 221).

Contudo, avalia-se que até a década de 1960 a proteção à paisagem era mínima,
sendo que apenas elementos isolados como prédios, parques ou monumentos mereciam olhar
protetor do Poder Público. A mudança na concepção da proteção espacial inaugura-se com a
Carta de Veneza (ICOMOS 1964), que vislumbra a preservação do patrimônio em seu todo e
não dos objetos em separado, apesar de não ser um texto com expressiva força jurídica,
apenas indicando um direcionamento.
A carta indica a preocupação do órgão internacional com a proteção dos monumentos
históricos, com objetivo de se mantê-los para as futuras gerações. Em outras palavras,
preservar a identidade e a cultura de uma sociedade para que as futuras gerações aprendam
sobre aquilo que existiu e, passem adiante para que não se perca o reconhecimento.
Em seu preâmbulo, a Carta de Veneza expressa sua atenção à preservação do
patrimônio histórico:
Portadoras de mensagem espiritual do passado, as obras monumentais de cada povo
perduram no presente como o testemunho vivo de suas tradições seculares. A
humanidade, cada vez mais consciente da unidade dos valores humanos, as
considera um patrimônio comum e, perante as gerações futuras, se reconhece
solidariamente responsável por preservá-las, impondo a si mesma o dever de
transmiti-las na plenitude de sua autenticidade (ICOMOS, 1964, p. 01).

O texto prescrito na carta oferece os primeiros substratos para a formulação de uma


norma, o Princípio da Paisagem como Direito Fundamental e Intergeracional. A norma
axiológica será fundamental para a estruturação do Direito de Paisagem.
Em 1977 ocorre a promulgação da Lei nº 6.153/77, dispondo a respeito de áreas para
turismo, bem como a sua preservação natural e cultural (CUSTÓDIO, 2014). Na Lei nº
10.257/01 (Estatuto da Cidade) também se encontram as diretrizes para a proteção da
paisagem. Tal lei estabelece as linhas gerais de proteção do cenário natural. A norma citada
valoriza e promove a segurança do meio ambiente e, de modo igual, a paisagem modificada
pelo ser humano.
A noção trazida pelas legislações a respeito da paisagem atrelou-a ao Direito
Ambiental e sua estrutura jurídica, envolvendo-a como patrimônio cultural paisagístico
pertencente ao Meio Ambiente. Não se compreendia, pois, que a paisagem é um objeto
jurídico proteção anterior à salvaguarda da natureza, possuindo o cenário paisagístico,
inclusive, ramo próprio do direito (Direito de Paisagem).
A Constituição Federal de 1988 destaca-se pela modernidade de seus institutos e de
como compreende as diferenças entre os ramos jurídicos e seus objetos. Diversamente das
legislações anteriores, que promoviam a proteção do espaço paisagístico inserida como rol do
Meio Ambiente, a atual Constituição abrigou dentro do Direito Ambiental o cenário cultural.
Inovou em seu texto constitucional, trazendo proteção particular e expressa. A mudança de
compreensão amplia, para Custódio (2014), o entendimento do espaço cultural, incluindo a
paisagem e também o que está a sua volta.
Outro ponto trazido pela normativa constitucional foi o estabelecimento do espaço
paisagístico como um direito difuso (OLIVEIRA; LIMA, 2017), pois tem como característica
não ser possível sua identificação ou mesmo individualizá-lo, visto não pertencer a alguém
66
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em particular. Dessa maneira, a CR/88 contribui para o entendimento para uma noção de que
todos são detentores da paisagem e igualmente contribuem para a formação dela.
A proposta da vigente Constituição Federativa enquadra-se na visão em âmbito
internacional da proteção da paisagem. Destacam-se a retomada da Carta de Veneza citada
anteriormente, mas também, as Convenções da UNESCO (Organização das Nações Unidas
para a Educação, a Ciência e a Cultura) sobre a temática, sendo uma das primeiras a aborda a
temática na convenção de 1972:
Posteriormente, pondremos sobre relieve la evidencia de este enfoque, realizado a
través del programa de protección de la Convención de la UNESCO de patrimonio
cultural y natural de 1972. En ambos casos se trata de soft law, aunque más
matizado en el último caso, sobre todo cuando las áreas con esta protección
coinciden con una protección local o cuando la misma es incorporada al derecho
doméstico, o al menos aceptada con tal rigor, que hace las veces de tal.
Naturalmente no presentamos todos los casos de protección que registra ese
programa, porque desnaturaliza el carácter ilustrativo del presente, enfocamos la
19
evidencia en países europeos, detectando uno en España (MOREL, 2014, p. 13).

A Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural apresenta-


se tímida quanto à preocupação com a manutenção da paisagem, deixando-a em segundo
plano, atrelando-a às questões estéticas. Foi um marco para as demais convenções, tratados e
acordos internacionais, promovendo em diversos países, como o Brasil, a procura por sua
proteção jurídica, como acima averiguado.
O que se pretende com esse ensaio é a demonstração da constitucionalização
proteção da paisagem tendo como sustentáculo a norma principiológica, permissionária de
uma ampla proteção. Ela que permitirá envolver o Poder Público e inserir as pessoas, e todos
aqueles que, por meio do reconhecimento do espaço, entendem sua importância sentimental e
histórica.
Partindo dessa relação afetiva de lugar, devem os indivíduos exigir a proteção do
meio no qual vivem, de tal forma que as presentes e futuras gerações se sintam pertencentes e
ligadas àquele lugar, promovendo, igualmente, a conservação do espaço paisagístico. Surge,
então, a necessidade de se buscar uma forma de proteção do espaço cultural, por meio do
Princípio da Paisagem como Direito Fundamental e Intergeracional em Dworkin como será
estudado.

3. Dworkin e a paisagem: o Princípio do Direito Fundamental e Intergeracional

O espaço paisagístico enquanto objeto de estudo do Direito de Paisagem é dotado de


sistematização, como todo o Direito. A Ciência Jurídica mais atual percebe em seu cerne a
existência de dois tipos de normas: regras e princípios, ambos embasam e sustentam o
Ordenamento Jurídico interno, havendo definições distintas de acordo com as referências
basilares. No constante desta pesquisa, escolhe-se a teoria de Ronald Dworkin (1961-2013)
sobre a norma jurídica, no que tange os princípios, regras e interpretação.
Dworkin (2010) analisa, primeiramente, as regras, essa espécie de norma para o filósofo
se submete à dimensão de validade, dessa forma, as regras valem ou não valem (tudo-ou-

19 Mais tarde, vamos destacar evidências sobre esta abordagem feita através do programa de proteção
Convenção da UNESCO sobre património cultural e natural 1972. Em ambos os casos envolvem soft law,
embora mais sutil em último caso, especialmente quando áreas com essa proteção coincidir com proteção local
ou quando ele é incorporado direito interno, ou pelo menos aceite com tal rigor que ele age como tal. Claro, nem
todos os casos apresentar protecção que registra esse programa, porque perverte o Ilustrativo desta personagem,
concentrando-se em evidência países os europeus, através da detecção de um em Espanha (tradução nossa).
67
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nada). O conflito aparente entre uma regra e outra será dirimido por critérios estabelecidos no
sistema jurídico do Estado, como exemplo a especificidade, a hierarquia ou temporalidade.
Os princípios, contudo, se diferem, no sentido de que não se expressam pela dimensão
da validade, mas, sim, pela dimensão do peso em relação às regras. Os princípios são normas
deontológicas, orientam o intérprete à aplicação do Direito, dessa forma, os princípios são
incutidos de dever e obrigação moral, como demonstra o jusfilósofo em seu pensamento:
“Denomino 'princípio' um padrão que deve ser observado, não porque vá promover ou
assegurar uma situação econômica, política ou social considerada desejável, mas porque é
uma exigência de justiça ou equidade ou alguma outra dimensão da moralidade”
(DWORKIN, 2010, p. 36).
Corroborando com a teoria principiológica, Barroso e Barcelos conceituam:
Princípios, por sua vez, contêm relatos com maior grau de abstração, não
especificam a conduta a ser seguida e se aplicam a um conjunto amplo, por vezes
indeterminado, de situações. Em uma ordem democrática, os princípios
freqüentemente (sic) entram em tensão dialética, apontando direções diversas (2003,
p. 34) (grifo no original).

Em Dworkin (2010), os princípios não se colidem, constituem uma massa valorativa


com igual valor e harmonia, porém podem vir a se encontrarem, necessitando de alguém para
interpretar os fatos em relação à norma. Na aplicação dos princípios, o intérprete não decreta
existência de uma norma axiológica mais forte que o outro, apenas entende que naquela
hipótese não deva aplicar determinado princípio, ou seja, determina o peso de um em face do
outro princípio.
Adverte Streck (2011) da impossibilidade dos intérpretes se utilizarem de forma
inadequada os princípios no ato hermenêutico e eventuais incongruências que possam existir
(ou já existem). Como consequência criariam aberrações jurídicas, tirando o papel original
dos princípios, de integridade e limitação do Poder Estatal, permitindo abertura interpretativa
e discricionariedade “Assim, a 'era dos princípios' não é – de modo algum – um 'plus'
axiológico interpretativo que veio para transformar o juiz (ou qualquer intérprete) em
superjuiz que vai descobrir os “valores ocultos” no texto, agora 'auxiliado/liberado' pelos
princípios” (STRECK, 2011, p. 241).
A interpretação por princípios visada por Dworkin (2010) e confirmada por Streck
(2011, p. 221) admite uma única resposta correta:
[...] os princípios têm a finalidade de impedir “múltiplas respostas”. Portanto, os
princípios “fecham” a interpretação e não a “abrem”, como sustentam, em especial,
os adeptos das teorias da argumentação, por entenderem que, tanto na distinção fraca
como na distinção forte entre regras e princípios, existe um grau menor ou maior de
subjetividade do intérprete. A partir disso é possível dizer que é equivocada a tese de
que os princípios são mandatos de otimização e de que as regras traduzem
especificidades (donde, em caso de colisão, uma afastaria a outra, na base do ‘tudo
ou nada’), pois dá a ideia de que os “princípios” seriam “cláusulas abertas”, espaço
reservado à “livre atuação da subjetividade do juiz”, na linha, aliás, da defesa que
alguns civilistas fazem das cláusulas gerais do novo Código Civil, que, nesta parte,
seria o “Código do Juiz”.

Reforçando o dito acima, os princípios têm um papel importante dentro do direito, de


serem aqueles que permitem uma interpretação e a integração da moral no direito. Os
princípios, como estrutura deontológica do direito, encontram uma diferença das garantias
fundamentais que também possuem valor. Mas os primeiros não precisam de postulação nos
textos legislativos, pois podem ser extraídos do texto legislativo ou constitucional ou do
sistema jurídico, desde que inseridos nos valores defendidos daquela sociedade.
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As garantias, por sua vez, derivam dos princípios, porquanto, também carregam um
teor axiológico. Ao serem positivadas no texto, trazem por trás a dimensão valorativa,
cabendo ao intérprete a função (dever) de extraí-los e aplicá-los, sempre que necessários.
Outra característica, indicada por Chueiri e Sampaio (2009), é que os princípios,
diferentemente das garantias fundamentais, limitam o Poder Público, já os direitos
fundamentais vinculam todas as esferas do poder (Legislativo e o Judiciário e Executivo),
devendo ser assegurados todos esses direitos estabelecidos na Carta Constitucional.
Nesse sentido, apesar de sua nomenclatura dar conotação de direito fundamental, o
Princípio do Direito Fundamental e Intergeracional da Paisagem é, sobretudo, norma
deontológica. O princípio possui dois elementos abrangentes: fundamentalidade e
intergeracionalidade. A primeira (fundamentalidade) expressa a intenção de ser essencial aos
seres viventes, de modo que "os argumentos de princípio justificam uma decisão política,
mostrando que a decisão respeita ou garante um direito de um indivíduo ou de um grupo"
(DWORKIN, 2010, p. 129).
Dessa forma, “(...) o Direito à Paisagem é o direito a ter acesso à memória de uma
comunidade que abriga a identidade social dos indivíduos” (CUSTÓDIO, 2014, p. 161). Em
outras palavras, é preciso manter preservado o cenário cultural, para que possa ser transmitido
a história e sentimentos que a paisagem representa.
Já a intergeracionalidade representa uma característica do Direito de Paisagem e,
igualmente, do Direito Ambiental: ser necessário para as futuras gerações. A preservação do
espaço cultural ou do meio ambiente cultural permite ao cidadão desfrutar do sentimento de
pertencimento desse cenário (meio) cultural presente na localidade que habita ou de sua
relação sensível. Ao mesmo tempo, proporciona às gerações vindouras a capacidade de
reconhecimento de importância existencial daquele espaço e de sua preservação.
Custódio defende que “os princípios são analisados de acordo com a moral social do
momento da aplicação, ou seja, são interpretados de acordo com o momento histórico”
(CUSTÓDIO, 2014, p. 150). Dessa forma, o princípio ora trabalhado reflete o objetivo do
Direito de Paisagem: manter seguro o espaço cultural para gerações do presente e do futuro.
O Direito Paisagístico, bem como seu princípio, promove a ideia de cenário cultural,
história e narrativa, construída em um lugar transformado ao longo do tempo por diversas
pessoas que ali passaram. A paisagem enquanto narrativa histórica leva em consideração
questões sociais presentes e passadas, podendo influenciar representações e sentimentos
futuros.
De igual modo, a narrativa histórica é presente na tese de Dworkin no que diz
respeito à interpretação dos princípios. Devem os intérpretes se assemelharem a romancistas
“(...) devem criar em conjunto, até onde for possível, um só romance unificado que seja da
melhor qualidade possível” (DWORKIN, 2010, p. 276). O jusfilósofo propõe a construção de
um direito como uma narrativa, no traço temporal. O intérprete-construtor deve erigir um
capítulo do livro, observando o que fora escrito, filtrando as informações postas para
transformar, atualizar ou manter a ideia anteriormente escrita, já interpretada:
Em tal projeto, um grupo de romancistas escreve um romance em série; cada
romancista da cadeia interpreta os capítulos que recebeu para escrever um novo
capítulo, que é então acrescentado ao que recebe o romancista seguinte, e assim por
diante. Cada um deve escrever seu capítulo de modo a criar da melhor maneira
possível o romance em elaboração, e a complexidade dessa tarefa reproduz a
complexidade de decidir um caso difícil de direito como integridade” (DWORKIN,
2010, p. 276)

O Princípio do Direito Fundamental e Intergeracional tem aderido em seu cerne à


tese dworkiana de narrativa. Os dois são igualmente uma construção social e moral de seu
tempo, assim, o sentimento ou interpretação deixado passará para os próximos, para que seja
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construído ou mantida uma relação com a paisagem da melhor forma possível, e, da mesma
forma, construir uma interpretação principiológica adequada aos anseios sociais, cabendo ao
intérprete essa observação, pois a ele está incumbida essa responsabilidade, como indica
Dworkin:
Ele deve ler tudo o que outros juízes escreveram no passado, não apenas para
descobrir o que disseram, ou seu estado de espírito quando o disseram, mas para
chegar a uma opinião sobre o que esses juízes fizeram coletivamente, da maneira
como cada um de nossos romancistas formou uma opinião sobre o romance escrito
até então. [...] Ele deve interpretar o que aconteceu antes porque tem a
responsabilidade de levar adiante a incumbência que tem em mãos e não partir em
alguma nova direção (2010, p. 283).

Portanto, a interpretação “[..] evolui conforme a realidade social vigente, da qual são
inerentes os aspectos natural e cultural, que, longe de serem estanques, evoluem
constantemente [...]” (ARAÚJO, 2010, p. 02). Se essa realidade presente em uma determinada
sociedade visa à proteção de uma ou mais paisagens, o princípio do Direito Fundamental e
Intergeracional se mostra o expoente para buscar a proteção do espaço ambiental, uma vez
que suas características, enquanto um princípio é de preservação temporal e histórica para as
gerações presentes e vindouras.
A viabilidade de aplicação do princípio ocorrerá no espaço hermenêutico do
intérprete, dentro da tese de Dworkin, deverá se basear no que já foi interpretado sobre o
tema, de modo a evoluir a interpretação do princípio na época da sua aplicação. Assim, a
paisagem se manterá protegida, na medida em que o intérprete observe todas as condições
para conservar o espaço paisagístico.

4. Considerações finais

A pesquisa, como exposto acima, demonstrou que a paisagem é um espaço que


surgiu a partir da relação de uma área com uma sociedade, deixando de ser somente um
espaço natural externo à vida dos habitantes a sua volta. A paisagem concebe a noção de
pertencimento daquele espaço, o qual deve ser protegido pelas pessoas e pelo poder público.
O espaço paisagístico insere-se na definição apresentada sobre espaços ambientais
protegidos, consistindo em uma área delimitada com objetivo especial de ser preservado. Com
isso, o plano paisagístico merece destaque como espaço a ser assegurado, uma vez que
estampa um retrato de determinada sociedade que interpreta, sente e expressa o pertencimento
daquele espaço em sua vida.
A participação do Poder Público na garantia da proteção paisagística tem ganhado
substrato, tendo como base Cartas Internacionais, que mesmo não apresentando uma força
jurídica vinculativa a seus representa uma declaração de intenções visando um maior de
cuidado com a paisagem. A Carta de Veneza de 1964 instaura uma amostra dessa percepção,
em especial em seu preâmbulo quando aborda a proteção de obras e monumentos para as
futuras gerações.
A convenção da UNESCO de 1972 foi um importante marco na proteção
paisagística, possuindo em seu texto uma força vinculativa aos seus assinantes de protegerem
a temática. Têm-se, com isso, as bases para um direito fundamental e intergeracional da
paisagem.
O citado princípio dentro da teoria dworkiana visa proteger a paisagem em prol das
presentes e futuras gerações, sendo essencial para a compreensão do passado e das mudanças
que ocorreram. Percebe-se, assim, a evolução que surge a partir da noção de pertencimento,
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ou seja, da sensação afetiva com o cenário paisagístico perdura, mas as interpretações e visões
se modificam. A noção de intergeracionalidade é vinculada à construção da paisagem no
tempo, de modo que ela deve ser protegida para que todos que ali habitam e possam vir a
reconhecê-la.
Assim, tanto o princípio quanto a paisagem se confundem, ambas possuem
características semelhantes de forma que elas se trançam permitindo a pertinência dessa
pesquisa. Princípios e paisagens são construções sociais e decorrem de interpretações ao
longo do tempo. Expressam um sentido, retirado do sentimento social que deve ser levado
para as presentes e futuras gerações possibilitando que essas revisem, seja para manter,
evoluir ou excluir a interpretação dada anteriormente.
Dessa forma, reconhece-se a plausibilidade da proteção da paisagem, como um
espaço ambiental a ser protegido, por meio, do princípio do direito fundamental e
intergeracional à paisagem, sob a ótica de Dworkin a respeito dos princípios.

Referências

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AGU, v. 98, p. 01-13, 2010.

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CHUEIRI, V. K. de; SAMPAIO, J. M. A. Como levar o Supremo Tribunal Federal a sério:


sobre a suspensão de tutela antecipada n. 91. Revista Direito GV, v. 5, p. 45-66, 2009.

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MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 23ª ed. São Paulo:
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de um direito fundamental individual e difuso. OLIVEIRA, Márcio Luís; CUSTÓDIO,
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direito fundamental individual e difuso. Belo Horizonte: D'Plácido, 2017.
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Aberto PPGG - UFRJ, v. 6, nº 01, p. 131–150, 2016.
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A RESERVA NACIONAL DO COBRE E ASSOCIADOS EM FACE


DOS ESPAÇOS AMBIENTAIS PROTEGIDOS: UMA ANÁLISE SOB
OS INSTITUTOS JURÍDICOS DE DIREITO MINERÁRIO E
AMBIENTAL

The national reserve of the copper and associates in face of the protected
environmental spaces: an analysis under the legal institutes of the mining
and environmental law

Matheus Felipe Sales Santos 20


Melissa dos Santos Silva Araújo 21

Resumo: O objetivo desse artigo é trazer os institutos jurídicos que regulam a mineração no
Brasil para compreender a criação, vigência e dissolução da Reserva Nacional do Cobre e
Associados – RENCA. Por meio de uma análise estritamente jurídica, busca-se expor
elucidações que possibilitem entender os proveitos e desvantagens da Reserva, afastando
qualquer argumento puramente emocional. Dessa forma, serão discutidos os elementos
constitutivos do decreto de criação e do decreto de dissolução da RENCA e, além disso, as
áreas protegidas que circunscrevem a região como, por exemplo, as unidades de conservação.

Palavras-chave: RENCA; minério; unidades de conservação; direito minerário; direito


ambiental.

Abstract: The aim of this article is to bring the legal institutes that rule the mining in Brazil to
understand the creation, validity period and dissolution of the National Reserve of the Copper
and Associates. By means of a strictly legal analysis, we seek to expose the elucidations that
make possible understand all the benefits and drawbacks of this reserve, keeping away any
pure emotional arguments. Therefore, will be discuss the constitutive elements of the creation
and dissolution decrees of the RENCA and, moreover, the protected areas that circumscribe
the region as, in instance, the conservation unites.

Keywords: RENCA; ore; conservation unites; mining law; environmental law.

20 Graduando em direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Email:felmatheuss@gmail.com


21 Graduanda em direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Email: melissa.saraujo@hotmail.com
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1. Introdução

Os recursos ambientais, após a constitucionalização brasileira em 1988 22, passaram a


ser tutelados e a integrarem a categoria de direitos difusos, dado que foram alocados como
bens de uso comum. Esse tratamento constitucional tem fundamental importância, pois eleva
o direito ambiental para o âmbito de princípios e diretrizes almejados pelo Estado brasileiro e,
além disso, possibilita uma expansão dos direitos ali garantidos por meio da legislação
infraconstitucional. Em contrapartida, em razão das especificidades que circunscrevem tal
ramo, os bens minerais obtiveram tratativa singularizada, porquanto o legislador estabeleceu
no artigo 176 proposições que orientam e, ao mesmo tempo, constituem o direito minerário
brasileiro.
Não obstante, é mister salientar que, apesar da classificação dos bens minerais como
bens, em última ratio, ambientais 23, não devemos ser conduzidos para a errônea percepção de
uma ramificação do direito ambiental. A institucionalização da mineração no Brasil é anterior
à preocupação dos constituintes com temas associados ao meio ambiente. É possível
vislumbrar na constituição de 1934 24, por exemplo, institutos jurídicos muito semelhantes aos
adotados na nossa vigente ordem constitucional.
A premissa basilar do direito minerário brasileiro é a dissipação dominial de solo e
subsolo para efeitos jurídicos, positivada no art. 176, possibilitando, dessa forma, a
exploração dos recursos minerais por meio da iniciativa privada, mas não necessariamente
vinculada ao proprietário do solo, ou seja, ao superficiário.
Apesar da classificação dos recursos minerais como bens da união 25, em raros casos há
a exploração por algum ente público, pois os investimentos necessários para realização da
pesquisa geológica de certa área freiam qualquer tentativa de monopolização desse setor.
Contudo, apesar de custosas, as pesquisas minerais devem ser realizadas pelo Estado também.
O reconhecimento do potencial geológico do território nacional é uma valiosa ferramenta para
impulsionar o setor mineral, uma vez que exime o minerador de um dos maiores riscos da
atividade: a incerteza quanto à viabilidade de determinada jazida.
O almejo vital então para propulsar a exploração dos recursos minerais no Brasil deve
ser no intuito de minimizar a incerteza quanto ao potencial mineral do nosso subsolo. Cabe
dizer que não há qualquer óbice na atuação do Estado enquanto membro de fomento da
atividade, pois além de necessária e essencial para manutenção do nosso consumo industrial, a
mineração favorece também o desenvolvimento socioeconômico das comunidades nas quais
os empreendimentos são instalados. Isso se deve ao fato do aumento exponencial de empregos
após a instalação de uma estrutura de lavra em determinada área, sejam estes essenciais ou
estruturais, e o incremento da arrecadação dos municípios com os impostos que incidem sobre
a atividade, merecendo especial atenção a Compensação Financeira pela Exploração dos
Recursos Minerais 26 que possui um manejo para os municípios de 65% do arrecadado.
Para além do já mencionado, a relevância da exploração dos recursos minerais é
assegurada e constatada no art. 5°, alínea F, do decreto 3.365/1941, que define a mineração
como uma atividade de utilidade pública. Em razão dessa constatação, o aproveitamento
mineral sobrepõe-se, em regra, a qualquer outra atividade privada, pois esta carrega em seu
âmago o interesse particular, que não pode sobrepor-se ao interesse público.

22 Vide art. 225, CR/88.


23 Vide art. 2°, IV, lei 9.985/2000.
24 Vide art. 118, CR/34.
25 Vide art. 176, CR/88.
26 Vide art. 20, §1°, CR/88.
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Em consonância ao exposto, foi instituída, intentando a ampliação e desenvolvimento


da mineração no país, a Reserva Nacional do Cobre e dos Associados 27. Tal reserva, que será
exaustivamente discutida e comentada neste trabalho foi criada em 1984 em uma área que
engloba os estados do Amapá e do Pará.
A problemática central que está sendo calorosamente debatida se deve ao fato da
extinção dessa reserva por meio do decreto n° 9.142/2017, que maximizou os debates sobre
proteção ambiental e preservação da Floresta Amazônica. O que se propõe neste trabalho é
pautar a importância e utilidade dessa reserva, os resultados trazidos com a sua criação e os
impactos de sua extinção, buscando conjugar todos os elementos que fundamentam a
existência de tal área e a importância no desenvolvimento e expansão da atividade minerária
nacional.

2. Reserva Nacional do Cobre e Associados – RENCA


Para melhor compreensão da RENCA, é necessário, primariamente, delimitar quais
foram as intenções do decreto 28 que a instituiu. Diante de tal primordialidade, o art. 2° merece
a nossa atenção inicial.
O objetivo principal do governo com a criação da RENCA foi de realizar o
reconhecimento geológico da região que, em razão das características geográficas,
demonstrava potencial elevado de recursos minerais, em específico cobre, ouro e ferro. No
que concerne então as pesquisas necessárias para constatação desses bens minerais, a intenção
do decreto foi de cambiar essa obrigação até então imposta aos mineradores para o governo,
por meio da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais – CPRM. No artigo 2° então foi
imputada à CPRM a obrigação de realizar a pesquisa dessa área demarcada para que
posteriormente pudesse haver o aproveitamento mineral, caso a viabilidade fosse apurada.
A partir desse primeiro fator, é possível observar que em nenhum momento a criação
da Reserva teve como objeto a tutela do meio ambiente ou à preservação ambiental. O
objetivo, desde o início, foi de delimitar uma área com possível potencial mineral e, a partir
disso, negociar com as mineradoras interessadas.
Além disso, a criação da RENCA não extinguiu as atividades minerárias que já
existiam na região. Em consonância ao exposto, no art. 5° do decreto, os títulos minerários
que já abrangiam a área permaneceriam mesmo com a sua criação. Desse modo, as
autorizações de pesquisa e as concessões de lavra que já haviam sido outorgadas nessa
localidade, continuaram com as suas atividades e deram andamento nos respectivos processos
minerários, não havendo nenhuma paralisação ou caducidade dos títulos, reiterando que o
objetivo não era a proibição da mineração, mas sim o fomento.
Outro argumento que foi erguido diz respeito à vulnerabilidade da região após a
extinção da RENCA. Posteriormente iremos tratar especificamente dos instrumentos de
proteção ambiental que circunscrevem a região, no entanto, de antemão, é necessário salientar
que a criação da reserva não extingue ou limita as terras indígenas e as unidades de
conservação integral e de uso sustentável que constam na área. Sendo assim, não há qualquer
medida facilitadora ou protetora promovida ou intentada pela RENCA.
Cabe mencionar ainda que a extinção dessa reserva demonstra a dependência do nosso
país com o atual sistema de concessão previsto no Código de Mineração de 1964, visto que o
Estado, por meio da CPRM, não conseguiu arcar com todos os custos que envolvem a
pesquisa mineral.

27 Vide decreto nº 89.404/1984.


28 Decreto nº 89.404/1984.
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O insucesso da RENCA não se deve a qualquer contrariedade ao meio ambiente, mas


tão somente à incapacidade do Estado de promover as pesquisas que eram previstas no
decreto de criação. Destarte, a extinção transfere para os particulares novamente a obrigação
de realizar a fase de pesquisa para conquistar o direito de lavrar.
Por outro lado, tal transferência para o modelo padrão do nosso país não garante
nenhum privilégio, os requisitos já impostos tanto pelo direito minerário quanto pelo
ambiental para realização de pesquisa e lavra ainda devem guiar esses futuros processos
minerários. Todas as condicionantes e deveres já estipulados para a atividade permanecem
vigentes.
Extrai-se então que o efeito proposto pelo decreto de extinção da RENCA foi de dar
finalidade econômica para essa área, pois a criação da reserva, que possuía esse fim, não
logrou êxito, restando evidente que, enquanto não houvesse essa imputação do mapeamento
geológico ao particular, a região permaneceria com o subsolo desconhecido.
Com o intuito de evitar confusões conceituais, iremos trazer a definição de unidades
de conservação integral e de uso sustentável e de terras indígenas, visando esclarecer se há
possibilidade de realização de atividade minerária nessas áreas e, em caso afirmativo, se
haverá condicionantes para o aproveitamento desses recursos minerais.

3. Unidades de Conservação e Terras Indígenas

As unidades de conservação podem ser compreendidas como áreas que, em razão de


suas características, foram destinadas ao estudo e preservação da flora e da fauna, por meio de
ato do Poder Público. É válido ressaltar que o estabelecimento das unidades de conservação
foi o primeiro passo tangível em observância à preservação ambiental (ANTUNES, 2007, p.
559).
A sistematização dessas áreas é essencialmente definida na Lei do Sistema Nacional
de Unidades de Conservação 29. É possível encontrar nesse arcabouço jurídico todos os
critérios e normas necessários para a criação, implantação e gestão das unidades de
conservação, que são assim definidas:

“Art. 2° Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:


I - unidade de conservação: espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo
as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído
pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime
especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção;”

A partir dessa definição inicial, é mister salientar que as unidades de conservação


possuem duas modalidades: de uso sustentável e de proteção integral. As UC's de proteção
integral possuem como objetivo basilar a preservação da natureza, admitindo o uso indireto
dos seus recursos naturais, excetuando os casos previstos na lei. Enquanto as UC's de uso
sustentável visam à compatibilização entre a preservação da natureza e a permissão de uso
sustentável de parcela dos seus recursos naturais, com condicionantes (ANTUNES, 2007, p.
568).
Importante dizer que, conforme consta no Decreto n° 4.340 de 22 de Agosto de 2002,
nas UC's de proteção integral é vedada qualquer atividade minerária, enquanto nas UCs de
uso sustentável a atividade minerária, em regra, é permitida, no entanto serão impostas
condicionantes para a pesquisa e extração desses recursos minerais, como, por exemplo, um
plano de manejo que dependerá de aprovação pelo órgão gestor.

29 Lei n° 9.985, de 18 de julho de 2000.


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Na área na qual se situa a RENCA há atualmente sete unidades de conservação, sendo


quatro de proteção integral e três de uso sustentável. As UCs de proteção integral são: o
Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque (22 de agosto de 2002), a Estação Ecológica
do Jari (12 de abril de 1982) e a Reserva Biológica do Maicuru (04 de dezembro de 2006), já
as UCs de uso sustentável são: a Reserva Extrativista do Rio Cajari (12 de março de 1990), a
Reserva Desenvolvimento Sustentável do Rio Iratapuru (11 de dezembro de 1997), a Floresta
Estadual do Amapá (12 de julho de 2006) e a Floresta Estadual do Paru (14 de fevereiro de
2004). Além disso, na área há duas terras indígenas, que são a Waiãpi (24 de maio de 1996) e
a Rio Paru d’Este (04 de novembro de 1997).
No que tange às terras indígenas, a nossa vigente carta magna imputou ao poder
legislativo à função de criar uma lei que regule a exploração mineral nessas áreas 30. No
entanto, em razão da omissão do congresso nacional, atualmente é vedada qualquer atividade
minerária em terras indígenas.
Nesse cenário, as glebas da RENCA que estão situadas nas Unidades de Conservação
de proteção integral e nas terras indígenas não são objeto de exploração mineral e, com a sua
extinção, continuarão não sendo, estando bloqueada qualquer possibilidade de outorga de
títulos minerários nessas áreas. Por outro lado, nas Unidades de Conservação de uso
sustentável a mineração poderá ser conjugada com a preservação ambiental, todavia terá
condicionantes para além das ordinariamente impostas à atividade pelo licenciamento
ambiental.
Elucidados esses temas, passaremos a analisar o decreto de extinção da RENCA e as
suas implicações no âmbito minerário e ambiental.

4. Decreto nº 9.142, de 22 de agosto de 2017 e Decreto nº 9.147, de 28 de agosto de 2017 –


A extinção da Reserva Nacional de Cobre e seus associados

O Decreto nº 9.142, de 22 de agosto de 2017, extinguiu o monopólio estatal de


pesquisa mineral limitado pela RENCA baseando-se em aspectos fundamentais à
regulamentação da exploração mineral na área e considerando a necessidade de cessar a
exploração mineral ilegal praticada de maneira recorrente na região. No entanto, esse decreto
apresentou deficiência legística excluindo fundamentais especificações quanto às áreas de
sobreposição com unidades de conservação, terras indígenas e faixa de fronteira, apesar de
elucidar que a extinção da RENCA não afasta a aplicação da legislação específica sobre a
proteção das áreas supracitadas. A fim de suprir tal necessidade, em 28 de agosto de 2017, o
Presidente Michel Temer assinou o Decreto de nº 9.147/2017, revogando o decreto 9.142 e
expondo maiores detalhes sobre as áreas em que há sobreposição com as unidades de
conservação ou com terras indígenas, em razão das inúmeras manifestações que ocorreram
nas redes sociais.
As exposições e detalhamentos trazidos pelo Decreto 9.147/2017 foram extremamente
importantes para que sejam elucidados pontos ininteligíveis colocados em discussão pela
mídia de maneira controvertida. Há descrito de forma clara no decreto que a Agência
Nacional de Mineração, autoridade competente para a análise dos títulos minerários, deverá
atuar, em relação à pesquisa ou à lavra em área da extinta RENCA sobreposta a unidades de
conservação de natureza federal ou a terras indígenas demarcadas, iniciando os processos
administrativos para cancelamento dos títulos concedidos e indeferindo os requerimentos de
novos títulos que abarquem total ou parcialmente essas áreas. 31

30 Vide art. 176, §1°, CR/88.


31 Vide art. 4º, Decreto 9.147/2017.
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Por meio dessa constatação é possível observar que o decreto de extinção da RENCA
em nenhum momento suprimiu os direitos garantidos pelas áreas ambientalmente protegidas
na região. As UCs de proteção integral e de uso sustentável que constam nessa poligonal
continuam com as suas proibições e condicionamentos, da mesma forma que as terras
indígenas, nas quais a mineração, com a vigência ou não da RENCA, é proibida.
Além disso, o decreto que extingue a RENCA estabelece critérios para que a
exploração mineral na área, onde não haja sobreposição com unidades de conservação e terras
indígenas, atenda ao interesse público preponderante, interesse este que também vem
enumerado em lei, com o intuito de que não seja deturpada a interpretação do interlocutor. 32
O governo, diante da sua incapacidade de ingerência sobre a pesquisa mineral da área,
transferiu para o minerador essa missão, no entanto em nenhum momento facilitou os
procedimentos necessários para conquista do direito de lavrar, pois todas as mineradoras que
tiverem interesse na área terão que passar pelo ritual exigido no código de mineração e na
legislação ambiental.
Cabe salientar ainda, que o decreto condiciona a exploração dos recursos minerais na
região à aprovação por órgãos ligados a diversos campos, dentre eles o de controle ambiental
e econômico sustentável, conforme disposto em legislação específica ligada à cada um desses
planos. Essa disposição destaca que a exploração mineral na área da extinta RENCA está
vinculada a um esboço programado, sem ferir matéria contida em outras legislações 33.
A criação do Comitê de Acompanhamento das Áreas Ambientais da Extinta RENCA,
abarcado pela Casa Civil da Presidência da República sobreleva a valoração à região dada
pelo governo atual, liquidando a falácia de abandono e extermínio ambiental muito colocada
pelos meios de difusão de informação por figuras midiáticas. 34
Dessarte, há sobre a área da RENCA uma preocupação superior às demais do país, em
virtude do enorme potencial mineral e da riqueza da flora e da fauna. Assim, diante da
necessidade de realização de extração mineral na região, o governou cambiou a área
novamente para o regime ordinário de concessão mineral, todavia estabeleceu diretrizes e
obrigações que visam equilibrar essa tensão entre o aproveitamento de minérios e a
preservação do meio ambiente. Tal atitude, ainda que feita de forma pouco inclusiva, pois não
houve uma construção dialógica de estudos para dirimir impactos com a dissolução da
RENCA, é necessária para a ampliação da exploração mineral nacional e consequentemente,
do nível de exportações.
Atualmente, a análise de processos minerários na área da RENCA está suspensa por
120 dias 35 após muitos apontamentos e pressão realizada pela sociedade. A justificativa para a
suspensão amparou-se na importância de se discutir sobre as alternativas para a proteção da
região e na necessidade de proposição de medidas de combate à extração ilegal não somente
na região da RENCA, mas também na região da Amazônia em caráter geral. Conjuntamente,
o deferimento parcial da decisão de liminar na Ação Popular 1010839 91.2017.4.01.3400, que
se deu no sentido de suspender todo e qualquer ato administrativo que vise extinguir a
RENCA, também culminou na publicação da portaria que suspendeu a análise dos
procedimentos administrativos na área da RENCA, enfatizando ainda que a apreciação dos
processos minerários, em áreas passíveis de aproveitamento mineral, deve se dar apenas após
o encerramento dos debates com a sociedade.

32 Vide art. 5º, §1º, Decreto 9.147/2017.


33 Vide art. 5º, §3º, Decreto 9.147/2017.
34 Vide art. 9º, Decreto 9.147/2017.
35 Vide Portaria do Ministro de Minas e Energia nº 357, de 04 de setembro de 2017. Publicação em 05 de agosto
de 2017 no Diário Oficial da União.
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Contudo, a paralisação de títulos minerários que foram requeridos e conquistados


antes do período de criação da RENCA é completamente arbitrária, pois uma medida
superveniente não pode suprimir direitos adquiridos e atos jurídicos perfeitos.
As mineradoras que já estavam em funcionamento na região, ou que estavam com os
respectivos processos minerários em andamento, não podem ser lesadas em razão de uma
medida governamental que visa restaurar a popularidade após um decreto indigesto.
Evidentemente que reconhecemos a importância da realização de discussões sobre o
aproveitamento mineral na área da RENCA, mas essas discussões devem ser pautadas
primordialmente sobre futuros processos minerários que incidirão nessa poligonal.
A quebra da segurança jurídica nesse caso é completamente prejudicial para o cenário
de investimentos no setor mineral brasileiro, dado que os mineradores, mesmo após a
conquista do direito de lavrar, não possuem a garantia do prosseguimento das suas atividades.
Nesse sentido, é inaceitável que as ações desenvolvidas agora imputem sanções ou
condicionantes para aqueles que atenderam todos os requisitos exigíveis na legislação mineral
na época da conquista do direito minerário.

5. Considerações finais

Analisando os argumentos trazidos a fim de elucidar a distinção entre a RENCA e as


Unidades de Conservação Ambiental, observa-se que há uma clara diferença entre as áreas de
direito material abarcadas por esses temas, visto que esta liga-se inteiramente ao Direito
Ambiental e aquela está diretamente amparada pelo direito minerário. Ambos os ramos já
possuem legislação própria e doutrina muito bem estruturada, o que permite que sejam
colocadas em evidência suas diferenças e a extrema importância de analisar casos concretos
amparados à legislação devida.
O processo minerário deve guiar-se pelo direito minerário e, em determinados
assuntos, pelo direito ambiental, o que não pode nos impelir a uma ideia de hierarquização,
porquanto o direito ambiental não deve sobrepor-se ao direito minerário, ou o inverso. Há que
se almejar a conjugação desses dois ramos, pois a exploração mineral é necessária e a
preservação ambiental é essencial para garantia e cumprimento do princípio do
desenvolvimento sustentável, o qual impõe que a busca pelo atendimento das necessidades
das gerações presentes não pode prejudicar as necessidades das futuras gerações
(FIGUEIREDO, 2009, p. 96).
Ademais, não devemos sobrepor também a preservação ambiental sobre o
aproveitamento econômico dos recursos minerais, pois ambos trazem, de forma distinta,
benefícios para a sociedade. É mister salientar no que tange a esse tema, o princípio do
desenvolvimento por meio do qual o entendimento solidificado é de que as condições
ambientais somente poderão ser melhoradas se houver uma distribuição de renda mais
adequada entre a nossa sociedade (ANTUNES, 2007, p. 28). A mineração, dessa forma, é uma
das ferramentas capazes de alcançar esse fim, uma vez que, em razão do princípio da rigidez
locacional, as estruturas de lavra são instaladas, majoritariamente, em cidades periféricas do
país, provocando um aumento na quantidade de empregos e no nível de arrecadação
municipal.
No caso da RENCA, faz-se indispensável a aplicação da legislação e entendimentos
doutrinários de matéria cabível ao direito minerário, sustentada subsidiariamente pelo direito
ambiental, todavia não da forma como está sendo publicizado e abordado até mesmo por
representantes da sociedade no Congresso Nacional.
Às Unidades de Conservação, como corretamente destacado pelo Decreto nº
9.147/2017, devem ser aplicadas as legislações e princípios advindos do direito ambiental.
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Portanto, nas áreas em que não há sobreposição da delimitação da RENCA com Unidades de
Conservação e com territórios indígenas, cabe aplicação do direito minerário, por sua devida
atribuição, deixando que, como legislado pelo decreto, a legislação específica e adequada
regule as áreas com sobreposição da RENCA com Unidades de Conservação e com territórios
indígenas, uma vez que nessas regiões, pelo próprio decreto que extingue a RENCA, está
proibido que sejam deferidos títulos de pesquisa e exploração mineral, excetuando o caso das
Unidades de Conservação de uso sustentável, nas quais é possível a mineração, mas com
diversas condicionantes.
Por fim, entendemos que a extinção da RENCA é favorável ao estímulo da mineração
no país, entretanto, em decorrência das características ambientais da região, obriga-se uma
maior tutela desses processos minerário pelos instrumentos do órgão ambiental. Deve haver
observância, principalmente nesse caso, ao princípio do resultado global, que compreende que
o projeto de engenharia mineral deve ser analisado em conjunto com os projetos ambientais,
econômicos e sociais e que, somente após uma análise desses projetos em conjunto, o governo
poderá avaliar a viabilidade de determinado empreendimento minerário (SERRA, 2000, p.
27). Dessa forma, entendemos que os órgãos ambientais e a Agência Nacional de Mineração
devem trabalhar em conjunto para orientar o aproveitamento mineral na área de extinção da
RENCA e com isso, balancear a tensão entre o manejo dos recursos ambientais e a proteção
do meio ambiente.

Referências
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 10ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.

FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Curso de direito ambiental. 3ª ed. Curitiba: Arte
& Letra, 2009.

SERRA, Silvia Helena. Direitos minerários: formação, condicionamento e extinção. São


Paulo: Signus Editora, 2000.
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A RESPONSABILIDADE DO ESTADO EM MATÉRIA AMBIENTAL


SOB A ÓTICA VINCULANTE DO PRINCÍPIO DA
SUSTENTABILIDADE

State's responsibility in environmental matters bonded to the principle of


sustainability

Lucas Fonseca Marinho 36

Resumo: O presente trabalho visa analisar como o princípio da sustentabilidade pode servir
como instrumento para compatibilizar o desenvolvimento nacional e a preservação ambiental.
Tomando como base a Constituição Federal, notadamente os arts. 3º, 170, VI e 225, o Poder
Público se torna obrigado a elaborar e executar as políticas públicas com a observância das
múltiplas dimensões da sustentabilidade, de forma a garantir o desenvolvimento sustentável e
os direitos fundamentais das presentes e futuras gerações. A partir da análise da Constituição,
da legislação infraconstitucional, bem como das recentes decisões dos Tribunais Superiores,
buscou-se a reconceituação da responsabilidade ambiental do Estado de maneira una, sob o
viés da sustentabilidade, de forma a exigir da Administração Pública conduta proativa na
defesa ambiental e na garantia dos objetivos fundamentais da República, tornando-se
insustentável a omissão institucionalizada no presente sistema.

Palavras-chave: direito ambiental; responsabilidade ambiental do Estado; princípio da


sustentabilidade; meio ambiente; desenvolvimento sustentável.

Abstract: This work aims to analise how the principle of sustainability may serve as an
instrument to reconcile national development and environmental preservation. By the Federal
Constitution, notably arts. 3, 170, VI and 225, the Public Power becomes obliged to elaborate
and execute the public policies with the observance of the multiple dimensions of
sustainability, in order to guarantee the sustainable development and the fundamental rights of
the present and future generations. From the analysis of the constitution, the
infraconstitutional legislation and recent decisions of the Superior Courts, the
reconceptualization of the environmental responsibility of the State, under the sustainability

36 Bacharel em direito pela PUC/MG. Pós-graduando em Direito Ambiental e Minerário pela PUC/MG. Pós-
Graduando em Direito Público pela PUC/MG. Advogado atuante na área ambiental. E-mail:
fonseca_marinho@hotmail.com
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rule, was sought as in order to demand from the Public Administration proactive conduct in
the defense of the fundamental objectives of the Republic, rendering unsustainable the
institutionalized omission in the present system.

Keywords: environmental law; environmental responsibility of the State; principle of


sustainability; environment; sustainable development.

1. Introdução

A sociedade moderna foi fundada no capitalismo agressivo, tendo como base o


consumismo e o patrimonialismo. A partir daí, instaurou-se verdadeiro cenário de crise
ambiental no cenário mundial, com os impactos ambientais evoluindo para verdadeiras
catástrofes, como o aquecimento global, poluição das águas, perda de biodiversidade, entre
outros.
Referido cenário transformou-se em preocupação para toda a humanidade, uma vez
que se passou a observar que o equilíbrio e sadia qualidade do meio ambiente é essencial para
a existência da vida, estando organicamente relacionado a saúde e dignidade humana.
É nesse cenário que insurge ao Estado assumir o papel de protagonista na tutela dos
recursos naturais, posição esta que, no Brasil, lhe foi imputada pelo art. 225 da Constituição
Federal de 1988.
Desta forma, o presente trabalho procurou investigar se a sustentabilidade, enquanto
princípio fundamental vinculante da atuação estatal, pode servir como instrumento para exigir
do Estado a assunção de postura proativa na assunção de postura proativa deste na
concretização do Desenvolvimento Sustentável, de maneira a evitar as omissões sistêmicas
desse no seu dever de garantia dos direitos fundamentais de maneira intercalada,
principalmente na questão da garantia ao direito fundamental ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, para as presentes e futuras gerações.
Observa-se que a sustentabilidade é dotada de múltiplas dimensões, sendo base do
Princípio do Desenvolvimento Sustentável. Dessa forma, pergunta-se, ainda, se a
responsabilidade ambiental do Estado, vinculada à sustentabilidade, serviria como forma de
compatibilizar a defesa do meio ambiente às demais garantias fundamentais adotadas pelo
Estado Democrático de Direito Brasileiro.
Portanto, tomando como análise o livro do Professor Juarez Freitas: “Sustentabilidade,
Direito ao Futuro”, além do exame dos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais,
sem se esquecer da investigação dos julgados das Cortes Superioras, nota-se a necessidade de
o conceito de responsabilização ambiental do Estado ser vinculado à sustentabilidade, de
forma que o Poder Público se veja forçado a de fato adotar seu manto como guardião dos
direitos fundamentais e da tutela ambiental, elaborando suas políticas públicas de forma a
respeitar o meio ambiente e visando garantir o desenvolvimento sustentável.

2. O direito fundamental ao meio ambiente

Atualmente, a preocupação na preservação e no combate à degradação ao meio


ambiente é global, tendo se convertido como pauta prioritária de muitos países no mundo.
Essa atenção a questão ambiental muito se dá em face das inúmeras catástrofes e danos
ambientais que aconteceram no último século e que continuam a acontecer atualmente, de
maneira recorrente e sendo visíveis por todo o globo terrestre.
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Essa visão em relação à o meio ambiente só veio a adentrar na agenda da comunidade


internacional no final da sexta década do século XX. Segundo José Adércio Leite Sampaio
(SAMPAIO, 2016), antes disso, as primeiras normas de preservação ambiental eram muito
mais relacionadas a uma ótica social-cultural, tendo um caráter mais geral, relacionado à
proteção de aspectos fragmentados do meio ambiente, como recursos naturais específicos ou
locais relacionados ao patrimônio histórico cultural.
Com a crescente intensidade dos desastres ecológicos, despertou-se na comunidade
internacional o que o professor José Afonso da Silva classificou como “consciência
ecológica”. Surge, a partir daqui a necessidade da proteção jurídica do meio ambiente a partir
da lei, que deveria combater toda forma de perturbação da qualidade do meio ambiente e do
equilíbrio ecológico, ocasionando no surgimento de uma legislação ambiental na maioria dos
países (SILVA, 2011, p. 35).
O reconhecimento de um meio ambiente equilibrado como direito fundamental entre
os direitos sociais do Homem, sendo essencial para a vida humana, surge no cenário
internacional com a Declaração do Meio Ambiente, através da Conferência de Estocolmo de
1972, a qual objetivou interligar e organizar as relações humanas com o ambiente.
As disposições trazidas pela referida declaração foram reafirmadas e complementadas
20 anos mais tarde pela Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento, realizada na cidade do Rio de Janeiro, também conhecida como Rio+20,
que além de sustentar os princípios já trazidos em Estocolmo, acrescentou outros, com
destaque para o do desenvolvimento sustentável. Este, já tendo sido semeado em 1972, agora
é concretizado como pauta primordial, tanto que entre os 27 princípios trazidos pela Rio+20,
11 mencionam expressamente a palavra “desenvolvimento sustentável.
Destacam-se essas 2 grandes conferências como base internacional do Direito
Ambiental, sendo que delas derivam diversas outras, ratificando a agenda global de
preocupação na defesa e conservação do meio ambiente, sendo esta dever e obrigação de
todos e só havendo de ser alcançado pela cooperação de todas as esferas das sociedades.
Não há que se falar em sadia qualidade de vida, ou quiçá na própria vida, se não
tivermos um meio ambiente saudável, sendo, portanto, dever maior de todos os Estados a
preservação desse. Nesse sentido, o ilustre professor Paulo Affonso Leme Machado considera
que “(...) cada ser humano só fruirá plenamente de um estado de bem-estar e de equidade se
lhe for assegurado o direito fundamental de viver num meio ambiente ecologicamente
equilibrado” (MACHADO, 2013).
Registre-se que o direito fundamental ao meio ambiente equilibrado é dotado de
característica intergeracional. Ou seja, ele transcende as atuais gerações e se configura, já no
presente, como direito fundamental para as futuras gerações. É um direito contínuo no tempo,
e assegura as garantias dos que ainda estão por vir a poderem gozar dos mesmos privilégios
dos que já vivem, como o direito à sadia qualidade de vida e o acesso equitativo aos recursos
naturais.
Ressalta-se que o Direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado se configura
não só com um direito meramente objetivo, que somente estabeleceria diretrizes e princípios
de atuação estatal, mas também, e principalmente, como um direito subjetivo, inerente aos
sujeitos, que enquanto titulares detêm o poder de exigir do Poder Público a sua garantia,
podendo inclusive acionar o Judiciário para tal. Ora, se não há como se falar na garantia dos
demais direitos fundamentais sem um meio ambiente saudável e equilibrado, o mesmo deve
obviamente ser visto como direito fundamental.

2.1 A Constituição Federal de 1988 e a proteção ambiental no Brasil


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A proteção ambiental no Brasil, sob o prisma legal, se consolidou nas décadas de 80 e


90. Antes disso, a tutela ambiental era baseada fundamentalmente na questão sanitária e da
saúde pública, com alguns aspectos relacionados ao patrimônio histórico natural.
Nesse período inicial, destaca-se o Código Florestal de 1965 (Lei nº 4.771, hoje já
revogada pela Lei 12.651/2012), os Códigos de Águas (Decreto nº 24.643 de 1934) e de Pesca
(Decreto-Lei nº 794 de 1938), além do Decreto-Lei nº 248 de 1967, a Política Nacional de
Saneamento Básico, de caráter muito mais social do que propriamente ambiental.
Em 1981, surge A Lei Federal nº 6.938, a chamada Política Nacional do Meio
Ambiente, ícone normativo do Direito Ambiental Brasileiro, a qual foi a primeira norma
brasileira a tratar da questão ambiental de maneira mais direta, procurando normatizar a
relação do homem com o meio natural. Essa norma, atendendo a necessidade de unidade
política e normativa na área ambiental, buscou gerar uma normatividade mais ampla e
sistematizada, e trouxe muitos conceitos que inspirariam e se concretizariam na Constituição
de 1988, tendo como objetivo principal, conforme seu art. 4º, I, a “compatibilização do
desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do
equilíbrio ecológico.”.
No ano de 1988, temos o nascimento da nova Constituição Federal, aquela que
transformaria o Brasil, de fato, em um Estado Democrático de Direito, consagrando o
fenômeno da constitucionalização do Direito e tendo como imperativo a proteção dos direitos
fundamentais. Só há no que se falar em Estado de Direito se houver respeito a tais direitos.
Na seara ambiental, a Carta Magna de 1988 fixou a tutela ambiental no Brasil como
valor maior, sendo a primeira Constituição Brasileira em que a expressão “meio ambiente” é
mencionada, e, mais do que isso, tendo separado todo o Capítulo IV, do Título VIII, sobre a
“Ordem Social”, do seu texto, para a proteção e tutela ambiental. Trata-se de uma
Constituição verdadeiramente revolucionária para o Direito ambiental brasileiro, sendo
inclusive denominada por Édis Milaré de “Constituição Verde” (MILARÉ, 2009).
Segundo José Tarcízio de Almeida Melo, a Carta Maior “consagra o meio ambiente
como Direito Social e difuso do homem. Propõe mantê-lo no estado natural, porque é fator
condicionante da vida humana com saúde” (MELO, 2008, p, 1.243). Conforme dita Silva, é
no art. 225 da Constituição que o “Direito Ambiental encontra seu núcleo normativo” (SILVA,
2011, p.54), consagrando no ordenamento jurídico brasileiro o direito fundamental ao meio
ambiente equilibrado, essencial para a dignidade humana e sadia qualidade de vida,
enumerando os princípios reitores do meio ambiente e balizando as relações jurídicas-
ambientais no Brasil.
É por meio deste que podemos dizer que o meio ambiente foi promovido a qualidade
de direito fundamental, essencial à sadia qualidade de vida, sendo um dos elementos
estruturantes do Estado de Direito Ambiental no país, o qual alça a proteção ambiental e o
meio ambiente a valores fundamentais a serem tutelados pelo Estado e pela sociedade
brasileira, concebendo sobremaneira o princípio do direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado no ordenamento jurídico pátrio.
A Lei Maior, conforme ensinamentos de Canotilho e Moreira, imputa uma dupla face
do direito supracitado. Primeiramente como um direito negativo, que impõe ao Estado e aos
particulares uma espécie de obrigação de não-fazer, ou seja, propõe um dever de abstenção
por parte do Estado e dos particulares na prática de atos nocivos ao meio natural. Em
alternativa, propõe também a ideia de um direito positivo, “no sentido de defender e de
controlar as ações de degradação ambiental, impondo-lhe as correspondentes obrigações
políticas, legislativas, administrativas e penais” (CANOTILHO; MOREIRA, 2007, p. 845-
846).
85
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Por conseguinte, assegura-se, dado a posição de direito fundamental alcançada pelo


meio ambiente, a irradiação de efeitos para todo o ordenamento, norteando o agir público e
privado, bem como a interpretação das leis.
Para o controle sucessivo da proteção ambiental, atendendo ao princípio da natureza
pública da proteção ambiental e da exequibilidade do Direito Fundamental do Direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, tanto a Constituição quanto a legislação
infraconstitucional dispõe de diversos meios processuais para a garantia da salvaguarda da
Natureza, destacando-se a Ação Popular (prevista no art. 5º, LXXIII, CF e regulada pela Lei
nº 4.717/65), a Ação Civil Pública e a Ação Cautelar (agasalhada pelo art. 129, III, CF e
regulada pela Lei nº 7.347/85), o Mandado de segurança coletivo (art. 5º, LXX, CF) e a Ação
Penal, principalmente na figura da Ação popular penal.
Não deve ser esquecida a expressão “para as presentes e futuras gerações” que foi
inserida no texto constitucional. Essa frase é de primordial importância para o Direito
Ambiental, uma vez que dá conotação intergeracional ao direito fundamental ao meio
ambiente, explicitando este como indispensável a manutenção e preservação da vida e
dignidade, não só das presentes gerações, mas como as das que ainda estão por vir, por fim
balizando o princípio da responsabilidade intergeracional no ordenamento pátrio.
A Constituição Verde possui também outras diversas referências explícitas ao meio
ambiente e aos recursos naturais, de forma a demonstrar como a estrutura estatal conferida
pela norma maior procurou primar pela questão ambiental, estabelecendo de fato o Brasil
como um Estado de Direito Ambiental.
Por fim, importante salientar como, de maneira a confirmar o princípio do
desenvolvimento sustentável no Brasil, o constituinte reputou no art. 170, VI, a defesa do
meio ambiente como um dos princípios da ordem econômica, o que, segundo Silva, “envolve
a consideração de que toda atividade econômica só pode desenvolver-se legitimamente
enquanto atende a tal princípio” (SILVA, 2011, p.50).
Desse modo, fica evidenciado que o direito ao meio ambiente equilibrado, por força da
legislação constitucional e infraconstitucional pátria, reveste-se inequivocamente da natureza
de direito social fundamental, direito difuso e de caráter intergeracional, dotado de força
vinculante.
A questão ambiental foi tratada de tal forma pela Constituição Federal de 1988, que é
evidente a transmutação do Brasil para um Estado de Direito Democrático e Ambiental, o qual
preza pela tutela ambiental como valor maior, indispensável para a própria existência dos
demais direitos fundamentais. O meio ambiente é requisito para a vida, para a saúde e para a
dignidade humana e de todas as demais formas de vida, devendo sua proteção ser dever do
Estado e de toda a coletividade igualmente.

3. A sustentabilidade como direito constitucional e valor fundamental norteador do


desenvolvimento sustentável

Como dito anteriormente, a partir de meados do século XX, o contexto global


começou a mudar, tendo as sociedades começado a se conscientizar para a questão ambiental,
e o meio ambiente, a partir da Convenção de Estocolmo, passou a ser entendido como direito
fundamental essencial à existência e sadia qualidade de vida.
Nesse contexto, é proposto o conceito de desenvolvimento sustentável, pela Comissão
Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1987, ao elaborar o relatório de
Brundtland, chamado Nosso Futuro Comum, no qual esse termo foi definido como o
desenvolvimento capaz de suprir as necessidades da geração atual sem afetar a capacidade das
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gerações futuras de suprirem as suas próprias demandas, ou seja, sem esgotar os recursos
naturais ou degradar o ambiente, que o torna inadequado para a manutenção da vida.
Entra em pauta o modelo de desenvolvimento sustentável como máxima a ser atingida,
visando a conciliação do desenvolvimento econômico à proteção ambiental, enxergando-os
como complementares, e não antagônicos. Segundo Paulo Affonso Leme Machado,
“desenvolvimento sustentável é uma locução verbal em que se ligam dois conceitos. O
conceito de sustentabilidade passa a qualificar ou caracterizar o desenvolvimento”
(MACHADO, 2013, p. 73).
O desenvolvimento sustentável, pautado na sustentabilidade, solidifica-se em solo
brasileiro com a Política Nacional do Meio Ambiente e pela Constituição Federal de 1988.
Sustentabilidade essa, que segundo o professor Juarez Freitas, no sistema brasileiro, “é, entre
os valores, um valor de estatura constitucional. Mais: é um ‘valor supremo’, acolhida a leitura
da Carta endereçada à produção da homeostase biológica e social de longa duração”
(FREITAS, 2012, p 109).
Valor supremo retirado do preâmbulo da Carta, o qual instiga ao Estado Democrático
Brasileiro assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o
bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma
sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos. Tal importância se estende a
sustentabilidade se observarmos que o “desenvolvimento” em questão se trata, pelos próprios
fundamentos trazidos pela Constituição, do desenvolvimento sustentável, o qual encontra-se
em união simbiótica com a sustentabilidade.
O art. 3º da Constituição propõe como objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil garantir o desenvolvimento nacional e erradicar a pobreza e a
marginalização, reduzindo as desigualdades sociais e regionais. Trocando em miúdos, referida
norma requer um crescimento econômico que “envolva equitativa redistribuição dos
resultados do processo produtivo e a erradicação da pobreza, de forma a reduzir as
disparidades nos padrões de vida e melhor atendimento da maioria da população” (SILVA,
2011, p. 27).
Dessa sorte, emerge o desenvolvimento, moldado pela sustentabilidade (uma vez que
só por essa podem-se ser alcançados tais imperativos), como “incompatível com qualquer
modelo inconsequente de progresso material ilimitado que, às vezes, ostenta tudo, menos
densidade ética mínima” (FREITAS, 2012, p. 110).
Deve-se observar que o crescimento econômico, se entendido mormente pelas vias do
capital, nem sempre favorece uma boa qualidade de vida da população em geral, podendo não
ser sustentável. Sendo assim, tal concepção de desenvolvimento não cumpre com suas
disposições constitucionais, principalmente as contidas no artigo 3º. Deve este ser sustentável,
em sentido amplo, para que se adeque a visão da Carta Magna.
Não há que se falar em desenvolvimento se este não estiver ligado a sustentabilidade.
Vale dizer, enfim, que o conceito de desenvolvimento econômico deve alargar-se além das
definições com base no PIB ou PNB, devendo abarcar outras dimensões, tais como a
educação, a saúde, a qualidade do meio ambiente e a qualidade de vida.
Desta maneira, o crescimento econômico não deve ser entendido como único vetor do
desenvolvimento. Enquanto o primeiro se apoia apenas no ganho de capital e geração de
reservas econômicas, o segundo estende-se, englobando o conceito de crescimento social,
ético, ambiental, etc. Ou seja, enquanto aquele é unidimensional, este é multidimensional.
Para se alcançar o bem-estar intergeracional, a sustentabilidade deve ser entendida
como multidimensional, uma vez que o próprio bem-estar é multidimensional. O
desenvolvimento, segundo Ignacy Sachs, deve ser socialmente inclusivo, ambientalmente
sustentável e, ainda, economicamente sustentado, sustentando-se em sua
pluridimensionalidade, desenvolvendo-se, portanto, em 5 dimensões: social, econômica,
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ecológica, espacial e cultural. De maneira que um não pode ser visto separado do outro
(SACHS, 2008).
Segundo Freitas, o direito fundamental a sustentabilidade incorpora-se ao conceito de
desenvolvimento por força da análise sistemática de diversos artigos constitucionais, o qual a
elevam a tal categoria. Por exemplo, tem-se o art. 174, em seu parágrafo primeiro, que prevê o
planejamento do desenvolvimento equilibrado; o art. 192, que dispõe que o sistema financeiro
tem de promover o desenvolvimento que serve aos interesses da coletividade; o art. 205, que
vincula-o ao pleno desenvolvimento da pessoa; o art. 218, que propõe o desenvolvimento
científico e tecnológico, com o dever implícito de observância aos limites ecológicos, além do
artigo 219, segundo o qual será incentivado o desenvolvimento cultural e socioeconômico, o
bem-estar e a autonomia tecnológica (FREITAS, 2012).
Porém, o conceito de sustentabilidade está mais evidentemente exposto nos artigos
225 e 170 da Carta. No primeiro, ao impor o Poder Público e à coletividade o dever de
defender e preservar o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, sob a ótica
intergeracional, e no segundo ao consagrar expressamente a defesa do ambiente como
princípio de regência da atividade econômica, conceituando o conteúdo essencial da
sustentabilidade.
Dessarte, conclui Freitas que ao falar em desenvolvimento como objetivo fundamental
da República, a Constituição pretende necessariamente adjetivá-lo como sustentável,
intertemporal e durável. Ou seja, “(...) pretende que a sustentabilidade fixe os pressupostos
(sociais, econômicos, ambientais, jurídico-políticos e éticos) de conformação do
desenvolvimento constitucionalmente aceitável” (FREITAS, 2012, p. 110).
Sendo o desenvolvimento direito fundamental constitucionalmente garantido, e
considerando que o conceito de desenvolvimento trazido pela Carta só se concretiza se
avaliado sob a ótica da sustentabilidade, é evidente que essa se reveste também pelo manto de
direito fundamental. O direito fundamental à sustentabilidade.
Como muito bem conceitua o professor Freitas, a sustentabilidade é princípio ético-
jurídico, imediatamente vinculante, o qual molda e condiciona o desenvolvimento,
condicionando-o para o bem estar intergeracional, constituindo-se como valor constitucional
supremo e objetivo fundamental da República (FREITAS, 2012).

3.1 O princípio da sustentabilidade como instrumento para alcançar o direito


fundamental ao meio ambiente

Como dito no capítulo inicial do presente trabalho, o meio ambiente sustentável surge
como direito fundamental por expressa determinação constitucional (art. 225). Porém, a
Constituição dispõe também como objetivos fundamentais a serem alcançados o
desenvolvimento, a erradicação da pobreza, reduzir as desigualdades sociais e a construção de
uma sociedade livre, justa e solidária.
Ocorre que, se analisadas todas essas disposições detalhadamente, conclui-se estarem
essas interligadas. Ou seja, só podem ser alcançadas se analisadas em conjunto, pois uma é
intrínseca a outra. O desenvolvimento sustentável, pautado sob o princípio vinculante da
sustentabilidade, surge como o meio ideal para consolidar todas as esferas trazidas pela
constituição, principalmente por abarcar o tripé retirado do texto constitucional, o qual se
constitui de aspectos econômicos, sociais e ambientais.
Sachs foi perfeito ao exaltar o desenvolvimento sustentável transcrito sobre 5
dimensões interdependentes, as quais, analisadas em conjunto, propiciam-se como solução
para alcançar os objetivos fundamentais da República (SACHS, 2008). Para tal, Freitas ainda
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adiciona mais 2 dimensões valorativas da sustentabilidade, quais sejam: dimensão ética e a


dimensão jurídica política (FREITAS, 2012).
Insurge dessa análise, portanto, o princípio da sustentabilidade conceituado, segundo
Freitas, como:

Princípio constitucional que determina, com eficácia direta e imediata, a


responsabilidade do Estado e da sociedade pela concretização solidária do
desenvolvimento material e imaterial, socialmente inclusivo, durável e equânime,
ambientalmente limpo, inovador, ético e eficiente, no intuito de assegurar,
preferencialmente de modo preventivo e precavido, no presente e no futuro, o direito
ao bem-estar (2012, p. 41).

O direito fundamental ao desenvolvimento, valor supremo constitucional, deve ser


entendido, logo, pela ótica da sustentabilidade, para que possa conciliar todas as múltiplas
facetas deste. A simples observância de uma das dimensões, sem a correta interlocução entre
estas, invariavelmente fere os demais direitos fundamentais, de maneira que não demonstra
correta observância à vontade do constituinte.
O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado não requer que este bem seja
intocado, mas que as demais facetas do desenvolvimento, e as benesses trazidas por ele,
estejam em consonância a preservação dos recursos naturais e da saúde do meio, para as
presentes e futuras gerações igualmente. Faz-se necessário que o homem se reconheça como
produto do meio, como parte integrante do mundo e do ambiente, mesmo que dotado de
capacidade transformadora, sendo afetado e dependente do meio que o cerca.
Observa-se, que pela própria natureza do homem, e para o alcance do bem-estar, o
consumo de recursos naturais é inevitável, porém deve este ser feito sustentavelmente, de
maneira limitada e inteligente, de modo que não sobrecarregue a capacidade da Terra de repô-
los. Se assim não o for feito, cria-se um racha entre os princípios constitucionais, colocando
em xeque o caráter fundamental de todos os direitos supracitados.
Ora, não há como se falar em direito à dignidade humana, por exemplo, sem a geração
de energia elétrica, sem a construção adequada de moradias, sem recursos minerais
provenientes da mineração, sem estradas, sem a agricultura, pecuária e pesca para a geração
de alimentos, etc. Porém também não há também não há no que se falar em dignidade humana
se essas atividades interferirem no meio ambiente de tal forma que o danifique de maneira
irreparável, pondo em risco sua existência.
O desenvolvimento, portanto, é essencial para o ser humano e sua dignidade, porém só
se este for entendido sob a ótica da sustentabilidade, de maneira que este exista de maneira
harmoniosa com o meio ambiente ecologicamente equilibrado. A sustentabilidade surge como
meio de conexão entre as diversas garantias fundamentais humanas, entre essas o equilíbrio
do meio natural. O desenvolvimento sustentável é o desenvolvimento que respeita o ser
humano, com suas peculiaridades, como parte do meio, e não acima deste.
Uma economia só é sustentável se observada devido cuidado quanto ao uso de
recursos naturais. Uma economia de baixo carbono, por exemplo, não só é instrumento
essencial para a saúde ambiental, mas também traz grandes ganhos econômicos, conforme
demonstrado por reportagem veiculada no portal ecossociambiental por Laísa Mangelli, na
data de 23 de Outubro de 2015.
Nesta, demonstra-se que, segundo estudo produzido por um grupo de mais de 80
especialistas, a economia do Brasil cresce cerca de 4% mais com políticas mais ambiciosas de
redução de gases-estufa até 2030. Sendo que tais benesses não se limitam apenas a área
econômica, com a taxa de desemprego também caindo com os cenários de mitigação
adicional, além do aumento de renda e poder de compra de todas as classes sociais.
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Além disso, uma gestão pública sustentável, que diminua os índices de poluição e
deposição de resíduos potencialmente poluidores no meio natural não só age na seara
ambiental, como serve de garantia para o direito fundamental à saúde, além de ser mais
socialmente inclusivo, ao desenvolver as potencialidades locais e promover a diversificação
de setores, com minimização das externalidades negativas.
Os recursos não renováveis, por definição, se continuado a serem utilizados
imoderadamente como base econômica, não só geram danos ambientais irreversíveis, como
ao passar do tempo irão se esgotar. Logo, uma economia dependente de tais recursos tende a
entrar em colapso, conforme analisado em fatos históricos como a Crise do Petróleo de 1970.
Atualmente, o Brasil, por exemplo vive uma crise hídrica sem precedentes, o que interfere na
matriz energética do país, pouco diversificada e dependente em grande parte da energia
gerada pela água através das hidrelétricas. Observa-se na própria legislação pátria que o
desenvolvimento sustentável assume papel de destaque para gestão da água, tratando-se de
objetivo da Política Nacional de Recursos Hídricos, Lei nº 9.433/97, por meio do seu art 2º,
II, que fez constar “a utilização racional e integrada dos recursos hídricos, incluindo o
transporte aquaviário, com vistas ao desenvolvimento sustentável.
Grande exemplo de como o princípio da sustentabilidade serve como modelo para um
desenvolvimento que garanta as múltiplas facetas deste são as políticas de disposição e
reutilização de resíduos sólidos sob a ótica da responsabilidade pós consumo. Ao instaurar a
responsabilidade tanto do consumidor quanto das indústrias quanto a correta disposição dos
resíduos sólidos, com a previsibilidade de reutilização de resíduos sólidos, evita-se em grande
parte o colapso dos recursos naturais, e ainda é gerado novos empregos, por meio de
cooperativas de catadores e reciclagem, colaborando com a justiça social.
No Brasil, por exemplo, cabe ilustrar a Lei nº 12.395/2010, que institui a Política
Nacional de Resíduos Sólidos, e observa a multidimensionalidade do desenvolvimento
sustentável na gestão integrada de resíduos sólidos, por meio do seu art. 3º, XI, classificando-
a como “conjunto de ações voltadas para a busca de soluções para os resíduos sólidos, de
forma a considerar as dimensões política, econômica, ambiental, cultural e social, com
controle social e sob a premissa do desenvolvimento sustentável”
O princípio da sustentabilidade, portanto, já se encontra enraizado no ordenamento
brasileiro, destrinchado na ótica dos arts. 225 e 170, VI, da Constituição Federal, propondo a
proteção ambiental como direito e dever do Poder Público e da sociedade, vinculando esta
como princípio de regência da atividade econômica, aparecendo como premissa maior para
que seja alcançado o Direito Fundamental ao Meio Ambiente, uma vez que obriga o Estado a
elaborar suas políticas públicas sob a ótica do desenvolvimento sustentável, respeitando e
preservando os recursos naturais de maneira engenhosa, inventiva e responsável, por meio de
gestão ambiental inteligente, de caráter intergeracional.
Além disso, o desenvolvimento sustentável é pauta em várias normas
infraconstitucionais brasileiras, tendo sido introduzido, conforme já explanado, pela Lei nº
6.938/81, que estabelece a Política Nacional do Meio Ambiente, aparecendo ainda em
dispositivos da Lei nº 10.257/2001, da Lei nº 9.085/2000 e expressamente no art. 3º da Lei nº
8.666/1993.
Sendo assim, como assevera Freitas, não se pode falar em ausência de regras para
darem corpo ao valor constitucional do princípio da sustentabilidade. O que falta é que esse
valor seja injetado no tecido cultural brasileiro, cumprindo-se ler todos os comandos
normativos associando-os diretamente com o princípio da sustentabilidade, de maneira
plurilateral e sincronizada, de maneira a observar os direitos das presentes e futuras gerações e
os objetivos fundamentais da República.
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4. A responsabilidade ambiental do Estado vinculada a sustentabilidade

O princípio do desenvolvimento sustentável conceituado no art. 4º, I, da Lei nº


6.938/81, entendido no seu prisma multidimensional, observa que o homem, como ser
racional, naturalmente tende a modificar o seu meio para melhor se adaptar a ele. Para se
alcançar todos os objetivos do Estado Democrático de Direito, invariavelmente o homem
agirá sobre o meio ambiente. O que deve ser levado em consideração é a que medida essa
intervenção é razoável e permite ao meio natural a sua correta recuperação e manutenção de
equilíbrio.
O desenvolvimento é valor fundamental da República, assim como o é a preservação
ambiental. Desta forma, a preservação do meio ambiente deve se guiar sob a ótica vinculante
do princípio da sustentabilidade, que servirá como guia para preservação ambiental de forma
que esta coincida com as demais dimensões da sustentabilidade.
A responsabilidade ambiental do Estado, para tanto, deve estar vinculada a
sustentabilidade, visando impedir a persistência do quadro de omissão inconstitucional nas
relações administrativas e ambientais, tendo em vista o desenvolvimento aliado à preservação
ambiental e visando assegurar o bem-estar intergeracional.
Nasce a partir daí o conceito de responsabilidade ambiental do Estado, abrangendo,
conforme assevera Paulo Affonso Leme Machado, todos os seus 3 Poderes (Executivo,
Legislativo e Judiciário), que passam a ter, por expressa disposição constitucional, a missão
de preservação e defesa do meio ambiente, agindo eles de maneira harmônica e independente
(MACHADO, 2013).
Há de se falar, pois, na função social do Estado para com a proteção do meio
ambiente, enquanto direito público. Isso quer dizer que os institutos jurídicos e demais atos,
necessariamente, devem atentar para a eficácia que poderão ter no meio da sociedade. Tal
função socioambiental do Poder Público deve ser observada por exemplo, no ato legislativo
que cria normas protetivas, nos atos administrativos que dão sustento prático a estas e na
implementação de políticas de educação socioambiental na construção educacional da
população.
Deve-se observar o contexto do desenvolvimento sustentável, constitucionalizado pela
interlocução necessária de diversos artigos da Carta, destacadamente os arts. 170 e 225, para
se estabelecer a forma com que se prestará determinada atividade pública ou os meios de
proteção aos direitos individuais e coletivos, na medida proporcional entre o desenvolvimento
econômico-social e a conservação ambiental.
Posição esta que é destacada também pelo Supremo Tribunal Federal, na ADI 3540
MC/DF, de relatoria do Ministro Celso de Mello, a seguir ementado:

QUESTÃO DO DESENVOLVIMENTO NACIONAL (CF, ART. 3º, II) E A


NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE DO MEIO
AMBIENTE (CF, ART. 225): O PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL COMO FATOR DE OBTENÇÃO DO JUSTO EQUILÍBRIO
ENTRE AS EXIGÊNCIAS DA ECONOMIA E AS DA ECOLOGIA (BRASIL,
2006).

Vale dizer, ainda, que a responsabilidade ambiental do Estado, pautada pela


sustentabilidade, implica na valorização de todos os seres vivos sensíveis, pela correta
interlocução do art. 225, VII, da Constituição. Dessa análise, reflete-se que a responsabilidade
ambiental estatal deve estender às políticas públicas a proteção das demais formas de vida,
inserindo o homem no meio e não acima dele.
Referido disposição é reforçada pela Lei 9605/98, principalmente pelo seu art. 32, que
criminaliza a prática de maus tratos contra todos os tipos de animais, bem como pelo próprio
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STF, no julgamento da ADI nº 1.856/RJ, de relatoria do Ministro Celso de Mello, onde foi
sustentado que todas as formas de vida, e não só o gênero humano, tem direito a integridade e
dignidade, sendo vedado pela Constituição atos de crueldade contra a fauna em geral
(BRASIL, 2011).
Além disso, deve a responsabilidade ambiental, sob a ótica da sustentabilidade,
estender-se ao Poder Judiciário (integrante da estrutura do Poder Público), por meio do
controle judicial de políticas públicas, a partir de uma interpretação constitucional sustentável,
importando que “a discricionariedade ou a liberdade do intérprete esteja vinculada aos
princípios e direitos fundamentais das gerações presentes e futuras” (FREITAS, 2012, p. 293),
sendo essa interpretação uma que vise preservar ao máximo as garantias fundamentais
constitucionais, vedando as ações comissivas e omissivas que possam vir a causar dano
intergeracional, mesmo que esse dano seja “lícito”, devendo-se prezar pela prevenção e
precaução.
Para tal, surge a urgência da especialização do judiciário na matéria ambiental,
objetivando a defesa e melhores decisões visando a defesa do meio ambiente ecologicamente
equilibrado. Uma vez que o art. 225 impõe o dever da proteção ambiental ao poder público,
compreende-se ser também essa tarefa do julgador.
Não obstante, devem os julgamentos observar o princípio fundamental da
sustentabilidade, como princípio hermenêutico orientador do juiz. A sustentabilidade, pela sua
característica de ponderação, deve ser utilizado juntamente ao princípio da razoabilidade e da
proporcionalidade na atuação do judiciário, principalmente em relação à responsabilidade
estatal.
Imperioso, portanto, reconceituar a responsabilidade do Estado conforme disposto por
Freitas, ou seja, vinculada aos princípios da precaução, prevenção e reparação e balizada
sobre o princípio da sustentabilidade. A responsabilidade civil do Estado deve ser objetiva, de
forma a prevenir, indenizar e compensar todos os danos materiais e imateriais, individuais,
coletivos e/ou difusos, causados de maneira desproporcional à terceiros, independentemente
se por ação ou omissão (FREITAS, 2012).
Mister que a Administração Pública se faça civilmente responsável pelos eventuais
danos ambientais sofridos por terceiros em virtude de suas ações ou omissões, visando,
conforme assevera Machado, compelir o Poder Público a usar da prudência e cuidado nas suas
obrigações de vigiar, orientar e ordenar a saúde ambiental nos casos em que houverem
prejuízos para pessoas, propriedade e/ou recursos naturais, mesmo que estes sejam lícitos,
tendo observado os padrões oficiais, sob pena de responsabilidade solidária ao poluidor, por
colaborar com a atividade deste (MACHADO, 2013).
Desta feita, não mais há no que se falar no caráter de licitude da ação ou omissão
danosa do Estado, com destaque para a omissão fiscalizatória, uma vez que presente o nexo
de causalidade na ofensa ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e ao desenvolvimento
sustentável, tais condutas serão sempre antijurídicas em sentido sistêmico. Ambas as condutas
afetam nesse caso direitos fundamentais, configurando-se como insustentáveis.
Deve o Estado responder objetiva e solidariamente ao particular no caso de danos
ambientais, podendo, posteriormente, demandar regressivamente contra os poluidores de fato,
após a identificação destes. Referida afirmação encontra sustento até na jurisprudência do
STJ, conforme julgamento do Recurso Especial de nº 1071741 (BRASIL, 2010).
Cumpre ainda observar a responsabilidade do estado vinculada aos princípios
constitucionais da precaução e prevenção, não se admitindo a inércia do Estado em evitar os
danos ambientais, devendo estes serem observados em consórcio ao princípio constitucional
da sustentabilidade.
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Desta forma, o Poder Público será responsabilizado se não cumprir seu dever de,
baseado em fundamentos sólidos de fato e de direito, impedir a configuração do nexo de
causalidade entre atividade e dano, observado os efeitos deste a longo prazo.
Desta feita, o dano ambiental gerado pela morosidade e retardamento injustificado do
Poder Público na apreciação do pedido de licenciamento ambiental deve também
responsabilizar civilmente o Estado. O Estado não pode se esquivar do seu dever em apreciar
o licenciamento ambiental, instrumento essencial para prevenir e mitigar os danos ecológicos.
Além disso, conforme decidido pela Corte Superior de Justiça no julgamento do REsp
997.538, de relatoria do Ministro José Delgado, onde a concessão irresponsável da licença em
zona ambiental sem as exigências legais, tendo gerado dano ambiental, responsabilizou
solidariamente o Estado ao infrator (BRASIL, 2008).
É obrigação do Estado, ainda o policiamento ambiental ostensivo, visando sempre a
tutela correta, com prevenção e precaução, do meio ambiente. Desta feita, resta inegável que a
omissão injustificável do policiamento ambiental ostensivo, da qual resulte danos ao meio
ambiente, deve ser responsabilizada, objetivamente, podendo nesse caso buscar o regresso
contra o causador original, que responde integralmente pelo risco criado.
O dever do Poder Público na proteção do meio ambiente é compulsório, não
facultativo, daí porque não haver no que se falar na alegação de reserva do possível como
justificativa para a não implementação das políticas públicas ou omissão fiscalizatória que
resulte no dano ambiental.
Cabe, excepcionalmente, ao Estado, neste caso, a demonstração de justo motivo
objetivamente aferível para o descumprimento motivado da obrigação, havendo a
transferência do ônus da prova para este.

5. Considerações finais

Como demonstrado, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu o Brasil como um


verdadeiro Estado de Direito Ambiental, por força do seu art. 225, caracterizando a garantia
do meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental, social e difuso do
homem, bem de uso comum de todos e essencial à sadia qualidade de vida e a dignidade
humana. Não obstante, este foi traduzido como direito contínuo no tempo, dotado de caráter
intergeracional.
Porém, há de se reconhecer a natureza transformadora do ser humano, que adapta o
meio a sua volta para assim assegurar o seu desenvolvimento e sua existência digna. Deste
modo, surge o princípio da sustentabilidade como elo para se interpretar ao desenvolvimento,
dado o seu caráter multidimensional, de maneira a conduzir esse para que abarque, no seu
mérito, todas as garantias fundamentais asseguradas pela Constituição.
Logo, por força da interlocução dos arts. 3º, 170, VI e 225, bem como de extensa
análise da legislação infraconstitucional, com destaque para a Lei nº 6.938 de 1981, concluiu-
se que o Poder Público não pode se esquivar do seu dever legal em assumir conduta proativa
para o estabelecimento do desenvolvimento sustentável, baseado na sua
multidimensionalidade, de forma que seja responsável pela garantia de um desenvolvimento
que preze pelas diversas garantias fundamentais, agindo preferencialmente de maneira
acautelatória e preventiva, de modo a garantir o bem estar e as condições de vida das
presentes e futuras gerações.
Diante de todo o exposto, conclui-se, por fim, pela necessidade da apreciação da
responsabilidade ambiental do Estado sob a luz vinculante do princípio da sustentabilidade, de
forma forçar ao Poder Público a de fato adotar seu manto como guardião dos direitos
fundamentais e do meio ambiente, sem omissão injustificável, elaborando suas políticas
públicas de forma a respeitar o meio ambiente e o desenvolvimento sustentável.
93
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95
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Perspectivas e desafios para a proteção do meio ambiente na contemporaneidade
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A REESTRUTURAÇÃO DO SISTEMA ESTADUAL DE MEIO


AMBIENTE E RECURSOS HÍDRICOS DE MINAS GERAIS:
POSSÍVEIS IMPLICAÇÕES SOBRE O LICENCIAMENTO
AMBIENTAL

The restructuring of the state system of environment and water resources


of Minas Gerais and their implications on environmental licensing

Iara Marques da Rocha Vilela 37


Frederico Wagner de Azevedo Lopes 38

Resumo: A mudança do Sistema Estadual do Meio Ambiente ocorre desde a década de 80,
como uma forma do Estado ajustar a política ambiental para os seus interesses e se ajustar às
mudanças ocorridas no cenário ambiental mundial. Dessa maneira o trabalho buscou analisar
o processo de tramitação e consolidação da última mudança ocorrida no SISEMA, com a Lei
21.972/2016, que altera o sistema de emissão de licenciamento ambiental, bem como os
possíveis impactos da mudança da lei. Assim, foram levantadas, por meio de entrevistas
semiestruturadas, junto a atores sociais de movimentos sociais, empresas de consultoria
ambiental, universidades, e consulta e do poder legislativo, opiniões e posições sobre os
principais itens abrangidos na reestruturação do sistema de licenciamento ambiental em Minas
Gerais. A partir das entrevistas, foi possível observar que os entrevistados tiveram opiniões
que convergem em pontos, como a incerteza das câmaras técnicas. Entretanto, fica evidente o
embate entre a sociedade civil, por meio de movimentos sociais e parte do meio acadêmico,
visando defender do lugar do atingido, enquanto os empreendedores, buscam uma maior
celeridade no processo de análise e deliberação das licenças.

Palavras-chave: SISEMA; regularização ambiental; licenciamento ambiental; política


ambiental em Minas Gerais.

Abstract: The change of the State System of the Environment occurs since the decade of 80,
as a form of the State to adjust the environmental politics for its interests and to adjust to ace
occured changes in world-wide the environmental scene. In this way the work searched to
analyse the process of transaction and consolidation of the last occured change in the
SISEMA, with Law 21,972/2016, that it modifies the system of emission of the environmental
licensing, as well as the possible impacts of the change of the law. Thus, they were raised, by
means of semistructured interviews, next to social actors of social movements, companies of
environmental brain trust, university, and consults and of the legislative, opinions and position

37 Bacharel em Geografia pela Universidade Federal de Minas Gerais. Email: iaramarquesvilela@gmail.com


38 Doutor em Análise Ambiental, Professor Adjunto do Departamento de Geografia, Universidade Federal de
Minas Gerais. Email: fredericolopes@ufmg.br
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on the main abrangidos item in the reorganization of the system of the environmental
licensing in Minas Gerais. From the interviews, it was possible to observe that the interviewed
ones had had opinions that they converge in points, as the uncertainty of the chambers
techniques. However, it stays evident the shock between civil society, by means of social
movements and part of the half academic, aiming at to defend of the place of the reached one,
while the enterprisers, search a bigger quickness in the process of analysis and deliberation of
the licenses.

Keywords: SISEMA; environmental regularization; environmental licensing; environmental


policy in Minas Gerais.

1. Introdução

O progresso urbano-industrial da sociedade moderna proporcionou diversas melhorias


no modo de vida, especialmente em relação ao acesso aos serviços públicos e bens de
consumo. Entretanto, esse mesmo progresso acarretou em um cenário de devastação
ambiental, que comprometeu diretamente a qualidade de vida da população em geral, a partir
da crescente contaminação das águas, ar e solos. Neste contexto, principalmente a partir dos
anos de 1970, a questão ambiental emergiu no mundo, principalmente em função da pressão
advinda da sociedade civil organizada, que discutia o equilíbrio ambiental em contraposição à
grande exploração dos recursos para o mercado externo e a economia globalizada.
Como consequência desse cenário, e às crescentes pressões internacionais, por ONGs
e agências internacionais de financiamento, especialmente por causa da grande devastação da
Amazônia, o Brasil institui a Política Nacional do Meio Ambiente, em 1981, que normatiza os
instrumentos reguladores para a conservação ambiental, por meio da lei 6.938 de 1981. Como
resultado, os estados e municípios criaram, progressivamente, leis e órgãos reguladores, que
controlam as atividades poluidoras e protegem áreas prioritárias.
Para que as leis sejam efetivamente cumpridas, esses órgãos se organizam em
estruturas separadas, mas interligadas, para sistematizar o processo de análise e execução
ambiental. Como exemplo disso a organização do Sistema Nacional de Meio Ambiente-
SISNAMA, previsto pela lei supracitada, estabelecia, por exemplo, o Conselho Nacional do
Meio Ambiente – CONAMA, como órgão consultivo e deliberativo, e o Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, como órgão executor.
Mas ao longo dos anos, os sistemas que operacionalizam as políticas ambientais, nas
esferas federal, estadual e municipal, têm sofrido mudanças que intervêm diretamente nas
atividades potencialmente poluidoras e impactam a esfera socioambiental. Nesse contexto, em
Minas Gerais, a partir da década de 80, é estabelecida a Política Estadual do Meio Ambiente
(Lei 7772/ 1980), que institui o Sistema Estadual do Meio Ambiente. Desde então, esse órgão
passou por diversas mudanças estruturais, que repercutiram diretamente na gestão ambiental
do estado.
A última mudança, ocorrida logo após o maior desastre ambiental do Brasil, o
rompimento da barragem da mineradora Samarco, que derramou 50 milhões de m de lama,
atingindo seiscentos e sessenta e três quilômetros de rios e córregos, 1.469 hectares de
vegetação foram comprometidos; 207 de 251 edificações soterradas apenas no distrito de
Bento Rodrigues (CONTAS ABERTAS, 2016); foi a aprovação da Lei 21972/2016, em 21 de
janeiro de 2016, objetivando a otimização dos licenciamentos ambientais.
Contudo essa mudança tem sido severamente criticada por entidades socioambientais,
sindicatos e acadêmicos, por ter sido uma lei não discutida pela sociedade civil e que altera
drasticamente a estrutura do SISEMA, centralizando o poder de decisão do licenciamento,
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sucateando o Conselho de Política Ambiental de Minas Gerais - COPAM 39. Outra crítica
observada, refere-se ao processo de flexibilização e aceleração dos processos de regularização
ambiental, que pode aumentar os danos ambientais e os conflitos sociais (ECODEBATE,
2015).
Neste contexto, este trabalho tem como objetivo investigar o contexto da aprovação do
PL 2946/2015 e as mudanças ocorridas na legislação ambiental mineira até a sua última
promulgação, a Lei 21972/2016. A partir dessa análise, serão levantadas as opiniões de
diversos atores, sendo eles políticos ligados à aprovação da lei, os que criticam essa, o meio
empresarial e dos órgãos que analisam os processos sociais, sobre esses contextos e as
mudanças da lei, de tal modo observar o posicionamento de cada indivíduo que representa um
grupo social e inferir os prováveis impactos dessa modificação para sociedade.

2. Desenvolvimento

2.1 Material e métodos

Tendo em vista a natureza desta pesquisa, na qual serão levantadas opiniões e


percepções de atores sociais envolvidos diretamente na temática, sobre o processo de
tramitação e consolidação da última mudança ocorrida no SISEMA, optou-se como técnica
principal de obtenção de dados, a realização de entrevistas semiestruturadas. A entrevista
semiestruturada é aquela que obtém um roteiro, mas se amplia à medida que surgem
perguntas e discussões sobre o tema.

[...] aquela que parte de certos questionamentos básicos, apoiados em teorias e


hipóteses, que interessam à pesquisa, e que, em seguida, oferecem amplo campo de
interrogativas, fruto de novas hipóteses que vão surgindo à medida que se recebem
as respostas do informante. [...] (TRIVIÑOS, 1987, p. 146).

Assim Triviños (1987) apresenta que este método é mais flexível na discussão do
assunto, como uma vantagem na referida metodologia. No entanto, há o risco da entrevista
estender, desviando do tema pretendido, por isso, torna-se fundamental a adoção de um
roteiro para norteamento do processo.
Deste modo, foi elaborado um roteiro de entrevista, identificado o entrevistado por
setor, formação acadêmica, cargo atual, e tempo de atuação na área ambiental. Assim, as
questões norteadoras, buscaram contemplar os principais pontos polêmicos da nova Lei, de
forma a possibilitar a análise comparativa setorial.
Neste contexto, são apresentadas as questões norteadoras adotadas: 1- Qual a sua
opinião sobre a questão da participação do COPAM apenas nos licenciamentos de
empreendimentos de maior potencial poluidor e os conselhos regionais licenciarem o
restante?; 2- Qual sua visão sobre as câmaras técnicas especializadas, criadas para julgar
processos atrasados das Unidades Colegiadas?; 3- Como você vê a agilização da aprovação
dos processos proposta pelos legisladores e pelo governador?; 4- Qual o impacto do uso
institucionalizado do Ad referendum pelo governador?; 5- Qual sua opinião sobre o tempo
para análise dos EIA’s pelo órgão ambiental?; 6- Qual a sua visão do modelo de licenciamento

39 Instituído pelo Decreto nº 18.466, de 29 de abril de 1977, o Conselho de Política Ambiental - COPAM,
consiste em um órgão colegiado, normativo, consultivo e deliberativo, subordinado administrativamente à
Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável – SEMAD, composto por representantes
de diversos setores da sociedade.
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simplificado?; 7- Qual a sua visão geral das consequências socioambientais que irá gerar no
estado com essa nova legislação?
A seleção dos atores sociais convidados a colaborar com a pesquisa partiu da definição
de setores diretamente envolvidos na temática, de forma a se representar os diferentes pontos
de vista, possibilitando a análise setorial comparativa dos possíveis impactos da nova
regulamentação ambiental no Estado. Assim, o número de entrevistados, por setor, depende da
disponibilidade e interesse de seus representantes em colaborar com a pesquisa. Neste
contexto, foi assegurado o anonimato dos mesmos, de forma a deixar os entrevistados
confortáveis para expressar suas opiniões, sendo convidados, participantes dos seguintes
setores: i) Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD):
Profissionais envolvidos na gestão de processos de licenciamento ambiental no estado;
Conselheiros do COPAM; ii) Meio Acadêmico: Profissionais formadores de opinião que
atuam com a temática ambiental e com papel relevante na formação de recursos humanos; iii)
Empresas de consultoria ambiental: Profissionais representantes da iniciativa privada,
responsáveis pela elaboração dos estudos ambientais necessários ao processo de
licenciamento; iv) Movimentos sociais: Profissionais que atuam de forma crítica, com
importante papel na formação de opinião e influência nas decisões políticas; v) Ministério
Público Estadual: Profissionais que atuam na fiscalização das ações do poder público e
empresarial no estado de Minas Gerais, visando obter uma opinião legal sobre a mudança da
estrutura; vi) Poder Legislativo: Representante do poder públicos que participou diretamente
da elaboração da proposta de elaboração da reestruturação, por meio do Projeto de Lei.
Neste contexto, as entrevistas foram realizadas de duas formas: As presenciais,
realizadas nos dias 05, 15 e 28 de setembro de 2016 e por meio de questionário eletrônico, via
e-mail. As entrevistas dos representantes de empresa de consultoria ambiental, representante
dos movimentos sociais e da comunidade acadêmico-científica foram por meio presencial, e o
representante do poder legislativo respondeu o questionário por meio eletrônico, via e-mail.
Apesar das tentativas, não houve retorno dos representantes da Secretaria de Estado de
Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD) e do Ministério Público Estadual
para a entrevista. Deste modo, foram entrevistados quatro atores sociais, dos seguintes
setores: representante dos movimentos sociais, comunidade acadêmica-científica,
representante de empresa de consultoria ambiental e poder legislativo.
Cabe ressaltar, que o trabalho não buscou diagnosticar a postura setorial sobre os
impactos da promulgação da lei 21972/2016, mas sim, levantar a percepção de atores sociais,
envolvidos direta ou indiretamente no licenciamento ambiental em Minas Gerais, tendo que
em vista que as opiniões isoladas dos participantes, não necessariamente retratam a percepção
do todo. Entretanto, tais informações são fundamentais para se discutir e analisar possíveis
desdobramentos dessa mudança.

2.2 Resultados e discussão

2.2.1 Contexto da formulação do PL 2.946/2015 e a tramitação da Lei 21.972/2016

Minas Gerais mostra-se num contexto econômico bastante crítica: um dos estados
mais endividados da União, chegando a 135 bilhões de reais, várias áreas como educação e
saúde está em déficits e sucateado, além de gastos excessivos com a Cidade Administrativa
que chega á 120 milhões. Essa conjuntura reflete, também, na área ambiental: diversos
processos de licenciamentos ambientais atrasados e acumulados na SEMAD, cerca de 2 mil
processos de licenciamento, o que é, para o Governo, “R$ 5 bilhões de investimentos estejam
à espera de licenciamento” (Mello et al., 2015).
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Assim é visto que o setor produtivo pressione politicamente, para que se acelere o
processo de licenciamento ambiental, na justificativa de aumentar a dinâmica econômica
mineira. Desse modo o Projeto de Lei 2946 foi colocado em pauta pelo então Governador
Fernando Pimentel, junto à Assembleia Legislativa de Minas Gerais no dia 06 de outubro de
2016, em caráter de urgência.
O então projeto, que originaria a Lei 21972, em janeiro de 2016, contêm mudanças
que alteram diretamente o modo de elaboração dos licenciamentos ambientais em Minas
Gerais, como, por exemplo, a mudança da emissão de licenciamento pelo COPAM. Deste
modo, as Unidades Regionais Colegiadas licenciariam empreendimentos considerados de
pequeno ou médio porte poluidor, enquanto o COPAM deliberaria apenas nos casos
considerados como geradores de impactos significativos ao meio ambiente.

[...] Então existe uma leitura do poder econômico sobre a área ambiental que as leis
ambientais atrapalham. Então eles começaram a fazer pressão em cima do governo
do estado, para que esses mecanismos fossem desativados, só que a legislação
ambiental vem sendo construída, há muito tempo. Pelo menos há uns 40 anos ela
vem sendo implementada, vem sendo melhorada, vão sendo criado colegiados. Nós
tivemos a lei das águas em 97, que preconiza que as políticas na região ligada aos
recursos hídricos; essas políticas afinadas aos comitês de bacias e que a bacia
hidrográfica é a unidade de gestão. Então temos uma serie de melhorias que
começaram a incomodar muito o setor dito produtivo. Então esse projeto de lei veio
de uma maneira muito sutil, porém bastante avassaladora, desarticulando vários
desses mecanismos, por exemplo, a participação popular foi diminuída, o controle
do ministério público foi diminuído [...] (Entrevistado da área acadêmica, outubro de
2016).

Com isso o projeto se torna prioritário e é formulado de acordo com as diretrizes do


setor que o apoia. A agilização das licenças, a diminuição da participação popular e a urgência
do projeto foi uma das principais denúncias de ONGs da área ambiental, além do que foi
pouco divulgado e pautado pela sociedade, sendo “apelidado” de “AI -5 ambiental”.

O PL 2946, por alguns, apelidado de “AI-5 ambiental” (um cheque em branco com
força de lei), propõe a centralização do licenciamento, mediante a criação de um
setor específico de “projetos considerados prioritários” no âmbito do comando da
Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD).
A tentativa é de diminuir o controle social dos processos de licenciamento e
aumentar o poder do executivo nesses processos, sem contrapartida no que se refere
à fiscalização, controle e gestão (POLIGNANO, 2016).

Em nota assinada por 78 entidades, incluindo uma série de ONGs do segmento


ambiental, órgãos sindicais e acadêmicos manifestaram o descontentamento com as profundas
mudanças no sistema ambiental e o caráter de urgência solicitado para a análise do projeto
(ECODEBATE, 2015).

Este Projeto de Lei apresenta profundas alterações no Sistema Estadual de Meio


Ambiente e Recursos Hídricos (SISEMA) e no âmbito da política ambiental de
Minas Gerais, alterando consideravelmente a sua base conceitual, alicerçada até hoje
no dever constitucional do Poder Público e da coletividade defender o meio
ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à
sadia qualidade de vida. [...] Assim, as entidades que assinam o presente documento
requerem que este Projeto de Lei seja retirada do regime de urgência e que seja
analisado criteriosamente quanto à constitucionalidade e legalidade antes de tramitar
normalmente na ALMG, para que seu resultado seja duradouro e realmente aprimore
o atual SISEMA e respectivas instâncias e fluxos de tomadas de decisão.
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Além disso, nem mesmo a tragédia de Mariana, que pôs em cheque todo o processo de
licenciamento ambiental no estado, devido à exposição da fragilidade do poder público,
especialmente em relação à fiscalização, foi suficiente para a retirada do caráter de urgência
de aprovação desta lei. Assim, não houve tempo hábil para a discussão e participação dos
diversos setores correlatos. Pelo contrário, observou-se a ausência de audiências públicas,
como visto pela reportagem da AMDA, bem como a celeridade do processo de aprovação,
com tramitação de 4 meses até a sanção do Governador.

Após a primeira e até agora única audiência realizada, a AMDA fez contato por
diversas vezes com o gabinete do deputado Cássio Soares, presidente da Comissão
de Meio Ambiente, perguntando se haveria novas audiências. No início, a resposta
de sua assessoria era de que esta decisão lhe caberia e que não sabiam informar.
Após insistência, a resposta passou a ser que não estavam previstas (AMDA, 2015).

Outro problema apontado no projeto é que ele não prevê qualquer tipo de reforma e
melhoria no COPAM e nos órgãos ambientais, como treinamento de pessoas, contratação de
servidores e insumos para que seja possível a melhor análise do licenciamento, bem como a
fiscalização dos empreendimentos já em operação.

[...] Acumulamos na SUPRAM uma quantidade de funções que vão além da


elaboração de Pareceres Únicos. Por exemplo, a etapa crucial de avaliação do
desempenho e qualidade ambiental do empreendimento, por meio do cumprimento
das condicionantes, fica dificultada nesse contexto de acúmulo de atribuições.
Assim, após a concessão de cada licença ambiental, um rol maior de condicionantes
precisa ser acompanhado por cada servidor, o que é humanamente impossível, nas
precárias condições vigentes de trabalho. [...] Faltam equipamentos básicos para o
desenvolvimento das atividades, como computadores, GPS, veículos, softwares
licenciados, Equipamentos de Proteção Individual (EPIs); faltam treinamentos e
aperfeiçoamentos nas diferentes especialidades da regularização ambiental
(Servidores Estaduais de Meio Ambiente da SUPRAM Central Metropolitana,
2015).

De acordo com a carta feita pelos servidores da SUPRAM e do COPAM os


funcionários acumulam funções e atribuições, pois há uma quantidade de licenciamentos
maior do que os funcionários, o que dificulta uma análise e um acompanhamento melhor do
licenciamento. E com essa lei, que impõe um prazo máximo de análise dos licenciamentos
por esses órgãos, sem prever a contratação de novos servidores, os empregados sofrerão a
uma maior pressão para analisar os licenciamentos em menor tempo.

2.2.2 Discussões após a aprovação da Lei 21.972/2016

A Lei 21.972, de 21 de janeiro de 2016, foi promulgada mesmo sob críticas e


discussões sobre diversos pontos que afetariam a população e aos empreendimentos
licenciados. A primeira questão, refere-se à participação do COPAM apenas nos
licenciamentos de empreendimentos de maior potencial poluidor (Classes 5 e 6), ficando à
cargo das câmaras técnicas dos respectivos Unidades Regionais Colegiadas a deliberação
sobre os demais
Esse ponto é visivelmente criticado pelas Organizações Não Governamentais da área
ambiental e pontuado pelo entrevistado dos movimentos sociais, pois independentemente da
classe do empreendimento, os impactos a serem gerados, bem como as medidas mitigadoras e
compensatórias, não deveriam ser discutidas apenas tecnicamente, haja vista que a população
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interessada, tem o direito de participar do processo decisório para a implementação desses


empreendimentos.

Bom, essa mudança específica do PL, que foi implementada com o PL, acho que ela
tem uma série de efeitos negativos, sobretudo, para a participação popular no
processo de licenciamento ambiental. Sobretudo porque ele esvazia o COPAM, eu
acho, de uma das suas principais funções, [...] então retirar isso significa esvaziar o
COPAM [...] que tem a ideia inicial que foi a constituição do COPAM como um
conselho autônomo, né. Que tivesse soberania no poder de decisão, de uma
soberania que advêm, pelo menos teoricamente, a princípio, de uma soberania que é
paritária [...] (Entrevistado do Movimento social, outubro de 2016).

Entretanto, para os responsáveis técnicos pela elaboração de estudos ambientais e, o


novo sistema de regularização ambiental no estado é benéfico ao dar celeridade ao processo
de análise e aprovação dos requerimentos.

Eu acho no ponto de vista do trabalho vai facilitar, sem dúvida nenhuma, existem os
empreendimentos de menor potencial poluidor uma equipe técnica bem treinada, ela
tem total capacidade de se manifestar da viabilidade ou não de um projeto. E como é
sabido o estado não vai aparelhar o que ele não da conta de acompanhar, de maneira
sistemática, a montante de demanda de licenciamento que chega nesse órgão. Então
os projetos de baixo potencial poluidor, necessariamente podem ser dados por uma
equipe técnica, desde que ela seja qualificada para isso (Entrevistado da Consultoria
Ambiental, outubro de 2016).

A medida é importante no sentido de ficar com as superintendências regionais as


atividades de pequeno e médio portes, sem grande potencial poluidor, e de grande
porte, mas de pequeno potencial poluidor, visando agilizar o licenciamento das
Classes de 1 a 4 e realizá-lo nas proximidades dos empreendimentos (Entrevistada
do Poder Legislativo, novembro de 2016).

Para esses atores, o novo processo gera maior dinamismo da economia e ganho,
mesmo considerando que um dos problemas centrais pela demora da análise e aprovação dos
projetos esteja relacionado à estrutura incipiente dos órgãos ambientais.
Além disso, é esperado que o órgão se aparelhasse para conseguir essa agilidade, mas
não se considera se o estado irá resolver esse ponto, esquecendo a pressão incipiente que o
funcionalismo sofre, bem como deslocamentos de funcionários criteriosos para a agilização
dos processos e trocas constantes de gerências.

[...] O EIA/RIMA por si só já é um instrumento limitado e você estabelecer prazos,


no licenciamento fast track, que basicamente você entra na fila, o licenciamento é o
balcão de licenças, você apresenta o EIA/RIMA como formalidade do processo, por
mais que ele tenha defeitos, por mais que ele tenha problemas, por mais que ele seja
deficiente, que ele seja falho; ele vai ser complementado com condicionantes. Já
existe uma restrição em termos de pedido de informação complementar, não se pode
mais pedir, mesmo que as informações sejam centrais, em termos de dizer da
viabilidade socioambiental do empreendimento. Quer dizer, botar prazos para esse
processo de análise, com que a gente tem um sistema estadual do meio ambiente
completamente precário, com poucos técnicos. [...] Isso é efetivamente transformar
o licenciamento num mero procedimento formal, em que as questões centrais em
torno da viabilidade do empreendimento; em que esse empreendimento é para quem,
é para o que, o efeitos ele produz e portanto se ele e viável ou não (Entrevistada
dos movimentos sociais, outubro de 2016).

Em contraponto a essa opinião, é visto pelo entrevistado dos movimentos sociais,


assim como por Padovani (2016) que o licenciamento ambiental se tornou um mero
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procedimento de apresentação das vantagens econômicas do empreendimento excluindo a


população interessada. Além da falta de preocupação com a qualidade do estudo e as
informações postas, já que é citado pelo entrevistado dos movimentos sociais, “[...] um grande
elemento de lacunas, de imprecisões, de generalidades, que efetivamente não abarcava as
dinâmicas, todo o processo de mudança sociocultural [...]”, que, como consequência, pode
gerar atraso nas análises por partes dos órgãos, por ter que apontar as condicionantes do
projeto para que ele possa ser aprovado.

[...] Esvaziamento e descaracterização de etapas do Licenciamento Ambiental,


indicando para o silenciamento dos atingidos durante as Audiências Públicas que são
usadas apenas para transmissão de informações sobre benefícios econômicos dos
empreendimentos, se mostrando como um processo antidemocrático que deve ser
abordado em um universo mais abrangente da participação [...] (PADOVANI, 2016,
p. 58-59).

O outro foco de discordância é a criação das câmaras técnicas especializadas criadas


para julgar e processar casos atrasados nas Unidades Regionais. Inicialmente, antes do decreto
nº 43.278, de 22 de abril de 2003, que institucionaliza as Unidades Regionais, o COPAM era
constituído de câmaras técnicas, como citado pela entrevistada dos movimentos sociais, que
era composta por funcionários especializados para julgar processos de acordo com sua
jurisdição.

[...] porque no sistema antigo a gente tinha a FEAM como essa assessoria técnica
efetivamente das câmaras, você tinha equipes com funcionários, servidores com
carreira, com uma trajetória extensa dentro daquela temática, atuando na FEAM e
fornecendo subsídios para deliberação das câmaras técnicas, isso no sistema antigo,
antes da descentralização [...] (Entrevistada dos movimentos sociais, outubro de
2016).

Deste modo, com a nova proposta, não se sabe muito bem como será a operação delas,
bem como suas implicações, como é citado pelo entrevistado dos movimentos sociais. Como
não se tem clareza das configurações dessas câmaras, o que se sabe é que as mesmas irão
julgar os processos atrasados das URC's, sem a discussão de um órgão colegiado, indo direto
para apreciação e aprovação.

[...] a câmara técnica não significa a recuperação, o fortalecimento da capacidade


técnica de avaliação dos empreendimentos, em termos de viabilidade ambiental [...]
hoje como essas câmaras técnicas vão operar, a gente não tem muita clareza, como é
que vai ser isso, como vai funcionar na prática. [...] ai hoje a gente não tem muita
clareza de como essas câmaras técnicas vai funcionar, mas pelo projeto estabeleceu
e pelo que foi aprovado está muito explícito que isso não vai ser no modelo antigo,
que não vai ter essa configuração de equipes técnicas duradouras, integradas, com
experiência, trabalhando com a temática. Essa configuração a gente não vai ter mais.
Então essas câmaras técnicas, na verdade, corrobora com aquilo mesmo que eu falei,
de acelerar o processo de esvaziamento do próprio licenciamento ambiental
(Entrevistada dos movimentos sociais, outubro de 2016).
[...] O retorno das câmaras técnicas foi importante para o sistema de licenciamento
ambiental. Agilizará muitos processos, com garantia de sua avaliação técnica com
participação da sociedade. O regulamento, que ainda não foi publicado, definirá
como o órgão do COPAM (no caso, a câmara) decidirá sobre processo de
licenciamento ambiental cuja análise não foi concluída no prazo estipulado. Caberá
à respectiva câmara decidir sobre o processo: aprovação, complementação,
indeferimento ou até mesmo retorno ao órgão ambiental competente (Entrevistada
do Poder Legislativo, novembro de 2016).
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Com essa nova configuração, pode-se notar uma incerteza dos setores entrevistados
diante da indefinição dessa pauta. No entanto, para o setor empresarial e consultoria
ambiental, é esperada uma aceleração no processo decisório, sendo a demora no processo de
análise, exposta como ficar “à mercê do órgão”, conforme expressão utilizada pelo
entrevistado do setor de empresas de consultoria ambiental.

É isso é um perigo, talvez seja um dos pontos a se prestar atenção, eu acho que fazer
um julgamento rápido sem uma participação técnica efetiva, com base nos conselhos
que, às vezes não tem um acompanhamento, em que não se conhece a ação desse
projeto no devido território pode ser uma ação precipitada. Agora a gente tem que
apostar que nas unidades setoriais na SUPRAM nós vamos ter toda a condição de
fazer essa deliberação, de discutir e licenciar esse projeto sem a necessidade de
sobrecarregar e recorrer a essas câmaras técnicas ou esses conselhos que vão ser
criados para essa situação de urgência. [...] mas também o empresário não pode ficar
a vontade, a mercê da disposição do estado para tocar a vida ne? (Entrevistado da
Consultoria Ambiental, outubro de 2016).

Um ponto importante da nova lei consiste no prazo fixado para análise dos
licenciamentos pelos órgãos ambientais, sendo o máximo de seis meses e podendo se estender
até um ano, no caso de EIA/RIMA ou de licenciamentos passíveis da realização de audiência
pública. O prazo de suspensão para cumprimento das exigências é de sessenta dias, podendo
ser prorrogado uma única vez o mesmo período (MINAS GERAIS, 2016).
Ao estabelecer esse prazo máximo para análise, a lei gera em uma pressão sobre o
órgão licenciador, acarretando em um prazo exíguo para análises de projetos de grande porte,
com suas inerentes dificuldades e conflitos de interesses. Deste modo, discussões sobre
cumprimento de condicionantes e pedidos de informações complementares, deficitários no
EIA apresentado, vão sendo esvaziados e, por mais uma vez, a população perde a voz de
contestar questões do seu próprio território.

Essa mudança está na mesma linha do esvaziamento do licenciamento, da análise


técnica do licenciamento, efetivamente nós já trabalhamos em casos que eram
necessárias informações complementares, de existir dois, três pedidos de
informações complementares ao Eia rima. Porque o EIA RIMA era por era por si só
um grande elemento de lacunas, de imprecisões, de generalidades, que efetivamente
não abarcava as dinâmicas, todo o processo de mudança sociocultural que ocorreria
com a implantação do projeto. Na verdade o EIA RIMA por si só é muito limitado,
por que ele está focado no impacto, na identificação e mensuração dos impactos. A
gente trabalha numa outra perspectiva, que questiona essa categoria de impacto.
Porque impacto você tem até duração, você tem impacto temporário, permanente;
impacto reversível, irreversível. Quando a gente está falando de efeitos sociais do
projeto, estamos falando de processo de mudança social, onde toda dinâmica
produzida no território vai repercutindo numa duração que é impossível de mensurar
[...] (Entrevistada do Movimento social, outubro de 2016).

Se para a população, a restrição de tempo de análise e participação, como é visto na


fala do entrevistado dos movimentos sociais, acarreta em uma perda de espaço de discussão e
contestação sobre a viabilidade socioambiental, e consequente sobreposição de
empreendimento suas espacialidades, para os empresários e consultorias ambientais, os
processos serão mais lucrativos e rápidos.

O fato é que hoje o tempo médio dos projetos são de 3.8, 4.8 anos para um prazo
legal de 1 ano. Têm projetos aí, eu mesmo já toquei projetos, de 6, 7 anos, para
conseguir LP. E não é necessariamente porque a informação é frágil. Porque a
ciência ambiental não é uma ciência exata, então ela gera questionamentos de toda
sorte, a depender dos interlocutores que discutem um dado projeto, a depender dos
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stakeholders envolvidos na discussão. E muitas vezes os projetos se arrastam por


esse tempo muito mais por um embate político, ideológico e por lacunas no
conhecimento da ciência que não vão se resolver com 2,3, 5 anos de projeto. Todos
esses fatores faz com que muitos abandonem investimentos, desistam de
investimentos e procurem estados onde tem mais agilidade, procurem países onde
tem mais agilidade. Então nos temos que mudar o sistema (Entrevistado da
Consultoria Ambienta, outubro de 2016).

Essa duração do processo, que para esse segmento político-empresarial é considerado


excessivo, pode ser prejudicial à qualidade da análise técnica. Especialmente em órgão que se
encontra sucateado, com número insuficiente de servidores e analistas, atuando, muitas vezes
sob pressão e elevada rotatividade de processos de licenciamentos.

Quer dizer, botar prazos para esse processo de análise, com que a gente tem um
sistema estadual do meio ambiente completamente precário, com poucos técnicos,
que não funcionam como estava dizendo para você de equipes duradouras e com
experiência como era com a FEAM, mas técnicos hoje com altíssima rotatividade,
sobrecarregados, com número alto de processos que eles têm que dar conta e agora
prazos que eles têm que emitir uma avaliação técnica. Isso é efetivamente
transformar o licenciamento num mero procedimento formal, em que as questões
centrais em torno da viabilidade do empreendimento; em que esse empreendimento
é para quem, é para o que, os efeitos ele produz e, portanto se ele e viável ou não.
[...] Pelo menos vamos reconstituir e disputar, de novo, essa arena de disputas, dessa
arena de lutas, dentro dessa nova configuração do licenciamento (Entrevistada do
Movimento Social, outubro de 2016).

Indo de encontro com o contexto de declínio econômico e mudança na política


ambiental, atualmente no Brasil, está em tramitação, no Senado Federal, o projeto de Lei nº
654 de 2015, que busca simplificar ou desburocratizar o licenciamento ambiental de
empreendimentos de utilidade pública. Esse projeto, mais radical que o mineiro, tende a
retirar a obrigatoriedade dos licenciamentos, como por exemplo, asfaltamento de rodovias e
atividades agropecuárias extensivas. A pressão por parte da bancada ruralista fez com que
retirasse a obrigatoriedades no licenciamento de atividades de agropecuária extensiva, antes já
autorizada pelo Ministério do Meio Ambiente. Essa bancada exerce uma efetiva pressão para
aprovação desse projeto de lei, pois diversos pontos beneficiam suas atividades produtivas
(MIRANDA, 2017).
Essa tendência de flexibilizar o sistema ambiental para o crescimento econômico não é
exclusivo do Poder Legislativo, é observada a mesma opinião dentro de uns dos principais
órgãos do Brasil- o IBAMA. Na posse da nova presidente, Marilene de Oliveira Ramos
Murias dos Santos, ela proferiu em entrevista ao O Estado de São Paulo “O licenciamento é
lento em muitas situações. Existem casos em que conseguimos reduzir esse prazo. Mas é
mesmo lento, precisa ser mais rápido e focar naquilo que é importante para a questão
ambiental” (BORGES, 2015), demonstrando que o foco do licenciamento não é,
necessariamente, o estudo profundo de uma área impactada e sim o quanto o licenciamento
impede a economia.

O IBAMA também promete que não será entrave para os licenciamentos das novas
concessões de infraestrutura. “O que posso dizer é que aquilo que puder ser
agilizado, assim o faremos. Aquilo que o empreendedor tiver de cumprir, terá de
cumprir. Mais do que emitir licenças, o que queremos é ampliar o monitoramento de
ações de compensação após o licenciamento” (BORGES, 2015).

Com isso esses ideais vindos de órgãos ambientais, bem como leis federais que
flexibilizam o licenciamento refletem nos estados e municípios, que seguem em mudar suas
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legislações ambientais e prejudicar suas populações em prol de crescimento econômico e


competição no mercado internacional.
Desse modo, voltando para Minas Gerais, em outra alteração polêmica da lei
21972/2016, a possibilidade do licenciamento concomitante, que associa duas ou três fases da
emissão do procedimento de licenciamento, dependendo da fase, natureza e localização do
empreendimento. O problema de integrar etapas de análises é deixar de verificar
condicionantes e observações que poderiam existir e ser pedidas pela organização social e
pelo órgão ambiental, além de se ignorar a finalidade específica de cada licença, como por
exemplo, a discussão sobre as alternativas técnicas e locacionais, que deveriam ser objeto
central de discussão na fase de Licença Prévia- LP.

[...] então quer dizer aquilo que era feito como prática, desconstruindo
licenciamento, agora está no cerne da organização do nosso sistema ambiental, que é
o licenciamento simplificado ou concomitante, que é emitir LI e LP juntas, LI e LO
juntas. Isso não existe. O licenciamento, agora, não é mais trifásico, tem que assumir
que não existe mais licenciamento trifásico, o licenciamento é outra coisa, não é
aquilo que foi pensado, formulado, moldado lá em 86. Mudou o sistema de
regulação desses projetos de grande escala, o licenciamento daquele formato, que
era uma conquista da sociedade civil, ele já não existe mais. [...] quando falo de
esvaziamento, falo de esvaziamento do licenciamento como espaço político, ele vai
ser tornar uma mera formalidade de que legitima uma dinâmica de expropriação,
despossessão e espoliação dos territórios (Entrevistada do Movimento Social,
outubro de 2016).

O último ponto de controvérsia foi quanto à institucionalização do ad referendum pelo


governador de Minas Gerais, ou seja, em casos de extrema urgência econômica, o governante
poderá aprovar o licenciamento sem que haja deliberação do COPAM ou nas Unidades
Regionais Colegiadas.

O governador somente poderá avocar as competências do COPAM em caso de


urgência ou excepcional interesse público, o que deverá ser devidamente justificado.
Assim, o impacto somente poderá ser avaliado mediante análise de caso específico
em que for aplicado (Entrevistada do Poder Legislativo, outubro de 2016).

O uso desse recurso sem discussão na plenária pelo estado é visto como uma
ferramenta delicada por diversos setores, pois a tomada de uma decisão sem aporte técnico e
apenas econômico traz, juntamente com as outras mudanças, a concepção de que o meio
ambiente e a sustentabilidade pregada “[...] tornam-se categorias importantes para a
competição interterritorial e interurbana; para atrair capitais [...]” (ACSELRAD, 2010).

Tudo é uma situação muito difícil. Isso eu posso dizer uma coisa, vai depender da
ética do governador. Pode ser que ele vá dar um “ad referendum” e ele recorre a
profissionais super capacitados, que tem vivência do projeto sobre o aquilo que ele
vai decidir que tem vivência sobre o território sobre o qual o projeto se insere ele
pode ter um posicionamento seguro para dar o ad referendum. Mas se ele for um
sujeito movido por interesses mais imediatos pode dar um ad referendum para um
projeto que tem consequências imprevisíveis (Entrevistado da Consultoria
Ambiental, outubro de 2016).

A lei fala que o governador pode avocar as competências do sistema estadual, não é
competência do COPAM, do sistema estadual do meio ambiente. Pode chamar para
si essa responsabilidade, esse poder de dizer sobre a viabilidade de um
empreendimento, sem que isso tenha qualquer reação com universo da viabilidade
técnica do projeto, desde que ele seja considerado prioritário e estratégico para o
desenvolvimento. Só que o que a gente observa frequentemente os projetos de
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grande escala, em sua maioria, já são vistos com esse caráter, imprescindíveis para o
desenvolvimento econômico e social e até como inexoráveis. Uma vez que ele está
proposto e existe o capital necessário para realização. Aquilo vai acontecer, não
importa como (Entrevistada dos Movimentos Sociais, outubro de 2016).

Deste modo, direcionam-se os meios, a partir de dispositivos legais, para atração de


investimentos econômicos e crescimento do estado, em detrimento da preservação dos
ecossistemas e das comunidades futuramente atingidas.

Como mesmo eu falei: um quadro de esvaziamento político, isso passa a se


transformar num espaço de controle, onde a sociedade civil vai participar para
legitimar uma dinâmica, porque ela tem mais espaço de questionamento, de disputa
dentro desse sistema que está sendo reformado, e isso vem juntamente com a força
física mesmo, num processo de violência. Quanto menos político é o processo, mais
violento tende a ser (Entrevistada dos Movimentos Sociais, outubro de 2016).

Olha eu, sinceramente, se o estado for aparelhado, ou melhor instrumentalizado,


para fazer essa lei funcionar com qualidade, a gente não vai ter nenhuma
consequência negativa[...] Agora não podemos esquecer que ter garantia de
qualidade ambiental, ter garantia de operações, implantações de empresas,
loteamentos, de projetos agropecuários, de infraestrutura num dado local tem que ser
acompanhado por uma boa avaliação técnica (Entrevistado da Consultoria
Ambiental, outubro de 2016).

Nesse viés, a garantia dos espaços de discussão entre a sociedade, empreendedor e


estado torna-se cada vez mais excludente e centralizada, em que de um lado os empresários e
consultorias ambientais esperam a agilidade da aprovação bem como a aceitação de suas
condicionantes sem questionamento, de outro lado, o estado se posiciona para atrair
investimentos econômicos, sob a prerrogativa da geração de emprego e renda. E como
sempre, por último, a população, apoiada por movimentos socioambientais, buscam assegurar
suas espacialidades, mesmo com a contínua perda de espaços para participação e integração
no processo decisório dos atingidos e o meio ambiente sustentável para todos.

3. Considerações finais

O histórico de modificações da legislação ambiental no mundo, no Brasil e em Minas


Gerais, impacta diretamente o meio ambiente e, consequentemente, a sociedade. O destaque
para a legislação mineira, análise central do trabalho, significou um entendimento de como se
deu a consolidação do direito ambiental no território, um estado rendido pela exploração
minerário desde os primórdios e que levam a complexos danos socioambientais, como o
maior desastre ambiental do Brasil, por derramamento de rejeitos de mineração na bacia do
Rio Doce.
O que se observa é que, mesmo o estado mineiro envolto e devastado tragédia
ocorrida, foi aprovada uma lei amplamente contestada pela sociedade civil e por ONGs
ambientais. A partir disso surge um anseio de compreender o contexto pelo qual há um
embate desses atores, sociedade versus estado e empreendedores, tendo como base a
reestruturação do licenciamento ambiental.
A modificação desse instrumento de controle, do estado e da sociedade, para as
atividades potencialmente poluidoras, evidência visão estratégica do poder executivo e
legislativo de Minas Gerais, ou seja, mostra qual forma e para quem as políticas ambientais
vão estar voltadas.
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Com isso com o processo de tramitação demonstrou como a sua forma de política
ambiental está voltada: para a atração de novos investimentos e empreendimentos, esvaziando
o espaço de discussão- com poucos debates a sociedade civil e aprovando a lei em caráter de
urgência; viabilização de questões que não se tem a certeza de operação, como, por exemplo,
as câmaras técnicas; promovendo prazos de análises do licenciamento sem prever uma
reforma dos órgãos ambientais, já que os funcionários da SEMAD e da COPAM emitiram
uma nota denunciando o sucateamento dos órgãos.
Dessa maneira, os apontamentos a partir das opiniões dos atores alcançados
(movimento sociais, consultoria ambiental, poder legislativo e meio acadêmico) com a
temática e a problematização da lei, teve parte importante para analisar os lugares e a qual
viés eles seguem. É importante salientar que os entrevistados tiveram opiniões que convergem
em alguns pontos, como a incerteza das câmaras técnicas, mas esses discursos mostram a
realidade da análise do licenciamento e a implantação do empreendimento, um embate entre a
sociedade civil, com os movimentos sociais e parte do meio acadêmico, tentando defender do
lugar do atingido e os empreendedores, tentando impor suas condicionantes e ações
mitigadoras.
O estado, por fim, teria o lugar de mediador da problemática, tentando dispor para a
sociedade uma qualidade ambiental suficiente e ajustando o empreendimento ao local
pretendido. O que se vê nesse cenário é o local ajustando-se para que o empreendimento seja
posto, principalmente as grandes minerações. Nesse caso o estado, a partir das denúncias da
sociedade civil, tem corroborado em favor ao meio econômico aprovando diversos
empreendimentos com milhares de condicionantes, com a justificativa de atração de
investimento e promoção do crescimento econômico.

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EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO INSTRUMENTO DE


CONSCIÊNCIA PARA A PRÁTICA DO CONSUMO SUSTENTÁVEL
EM PROL DA EVASÃO DA TRAGÉDIA DOS COMUNS:
RESPONSABILIDADE AMBIENTAL COMPARTILHADA

Environmental education as an instrument of consciousness for the


practice of sustainable consumption in prole of the evasion of tragedy of
the commons: shared environmental responsibility

Vânia Ágda de Oliveira Carvalho 40


Thiago Loures Machado Moura Monteiro 41
Émilien Vilas Boas Reis 42

Resumo: O nível de degradação ambiental vislumbrada na tragédia dos comuns também se


deve à demanda do mercado consumista, oriundo do modelo econômico dominante, que
negligencia a sustentabilidade e a ética do consumo. Nesse cerne, visando consciência
ecológica crítica, quanto ao consumo sustentável, vislumbrada também nos parâmetros da
responsabilidade ambiental compartilhada, encontra-se a educação ambiental como
instrumento hábil em prol do meio ambiente ecologicamente equilibrado, direito fundamental
conforme previsto na constituição. Como resultado, pretende-se apontar como a educação
ambiental viabiliza o consumo sustentável e efetiva a responsabilidade cidadã, contribuindo
para a preservação do meio ambiente. Para tanto, o método de pesquisa foi o teórico-jurídico
com raciocínio dedutivo e técnica de pesquisa bibliográfica.

Palavras-chave: educação ambiental; ética do consumo; consumismo; tragédia dos comuns;


responsabilidade ambiental compartilhada.

Abstract: The level of environmental degradation envisaged in the tragedy of the commons is
also due to the demand of the consumer market, originating from the dominant economic
model, which neglects sustainability and the ethics of consumption. In this core, aiming at a

40 Mestranda em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável – Escola Superior Dom Helder Câmara, MG
Especialista em Direito Civil e Processo Civil - FADIVALE/MG. Graduada em Direito – Faculdade de Ciências
Jurídicas e Sociais Vianna Júnior/MG. Professora universitária –UNIFAMINAS – Muriaé/MG. E-mail:
vaniaagdaocarvalho@gmail.com
41 Mestre em Direito Ambiental - Escola Superior Dom Helder Câmara. Pós-graduado em Direito do Trabalho,
Processo do Trabalho e Direito Previdenciário pela FUMEC. Graduado em Direito pela PUC-MINAS. Professor
universitário - Escola Superior Dom Helder Câmara. Advogado. E-mail: thiagoloures.adv@gmail.com
42 Orientador. Pós-doutor em Filosofia – FLUP/Portugal. Doutor e Mestre em Filosofia – PUCRS. Graduado em
Filosofia pela UFMG- BH/MG. Professor de Filosofia e Filosofia do Direito na graduação e no mestrado da
Escola Superior Dom Helder Câmara -BH/MG. E-mail: mboasr@yahoo.com.br
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critical ecological conscience, as regards sustainable consumption, also seen in the parameters
of shared environmental responsibility, environmental education is seen as a skillful
instrument in favor of ecologically balanced environment, fundamental right as foreseen in
the constitution. As a result, it is intended to point out how environmental education enables
sustainable consumption and effective citizen responsibility, contributing to the preservation
of the environment. For that, the research method was the theoretical-juridical with deductive
reasoning and bibliographic research technique.

Keywords: environmental education; ethical consumption; consumerism; tragedy of the


commons; shared environmental responsibility.

1. Introdução

Por depender de alimentos, bem como moradia, vestuário, entre outros, pode-se
aferir que o consumo é atividade considerada imprescindível para a humanidade. Porém,
consumir sofreu alterações em seu conceito básico, haja vista a característica consumerista
imposta pelo capitalismo, que se prende à circulação de mercadorias para alcance do lucro.
Com isso, os recursos naturais, que, a princípio, são bens de uso comum, entraram
em um perigoso processo de escassez, tendo em vista a superexploração dos mesmos, atrelado
à ideologia de lucro a todo custo. Urge, então, a necessidade de viabilizar a conscientização da
sociedade no que se refere à preservação e tutela do meio ambiente, em prol da mantença da
própria espécie humana.
A educação ambiental urge como instrumento possivelmente capaz de conscientizar a
população dos resultados danosos obtidos pelo consumo desenfreado. Tal afirmativa funda-se
no certame de que por meio da educação ambiental a sociedade pode formar consciência
ecológica crítica, viabilizando o desenvolvimento sustentável, clamando a sociedade a
responsabilizar-se, juntamente com o Estado, com a tutela e preservação do meio ambiente,
conforme preceitos do art. 225 da Constituição Federal de 1988.
Nesse cerne, o presente artigo pretende associar a educação ambiental como
instrumento hábil na construção de um consumo sustentável, consubstanciado na ética
ambiental, em prol de minimizar a degradação do meio ambiente, vislumbrada na tragédia dos
comuns, o qual também se fez devido à demanda do mercado consumista. Ressaltará o
preconizado no texto constitucional, especificamente no art. 225, no que tange à
responsabilidade destinada à todo cidadão.
Esse artigo seguirá uma linha de exposição em três seções. No primeiro serão
abordadas considerações gerais acerca da tragédia dos comuns, referenciando à obra de
Hardin (1968), na tradução de Sánchez (1995), que será a base epistemológica para tal. No
segundo será abordada a sociedade de risco, de Beck, as “novas” necessidades humanas, em
uma interface com a modernidade líquida de Bauman. O terceiro capítulo trará a análise
quanto à educação ambiental como instrumento a viabilizar o consumo sustentável, pautada
numa ética do consumo, bem como abordagem referente à responsabilidade ambiental
compartilhada.
Após o desenrolar das abordagens serão apresentadas as considerações finais que se
alcançaram com o desenvolver do tema. Para o desenvolvimento deste artigo será adotado o
método teórico-jurídico com raciocínio dedutivo e técnica de pesquisa bibliográfica.

2. Considerações acerca da tragédia dos comuns: entrelaçamento com a prática


consumerista
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O termo “tragédia dos comuns” foi popularizado pelo ecologista Garret Hardin no
ensaio "The Tragedy of the Commons", publicado em 1968 na Revista Science. Porém, a obra
que servirá de marco para esse artigo é “La tragedia de los comunes”, uma tradução da
original, realizada por Horacio Bonfil Sánchez, em 1995.
Com intuito de atrelar a tragédia dos comuns à proposta do presente artigo, faz-se
necessário esclarecer o que venha a ser a tragédia dos comuns. Também conhecida por
tragédia dos bens comuns, refere-se à situação em que indivíduos, agindo de forma
independente e racional, de acordo com seus próprios interesses, comportam-se em
contrariedade aos melhores interesses de uma comunidade, proporcionando o esgotamento de
algum recurso comum, sendo entendido como bem o qual todos podiam utilizar.
Nesse viés, notória a contrariedade à noção de sustentabilidade atual, cujo o conceito
foi popularizado pela comissão Brundtland, em 1987, como a habilidade de suprir as
necessidades do presente sem comprometer a habilidade das futuras gerações de suprir as
suas.
Curiel (2015) menciona que, para a humanidade, a lição se apresenta de forma
ambígua, tendo em vista que pode ocorrer equilíbrio dinâmico, considerando a capacidade
planetária, ou, conforme salienta Varela e Carvalho (2016), pode ocorrer consumo para além
da capacidade, ocasionando decadência na civilização.
Assim, claro o liame entre a tragédia dos comuns e o consumo, tendo em vista que o
uso individualista dos recursos naturais por alguns indivíduos, no caso em pauta, transpassado
por meio do consumo, afeta toda a sociedade, tendo em vista o esgotamento dos recursos.
Hardin, segundo Sánchez (1995), exemplifica a tragédia dos comuns usando de uma
metáfora, denominada do caso do “pasto aberto para todos”, onde cada pastor buscaria manter
sobre a área comum a todos o maior número de cabeças de ovelhas quanto fosse possível,
retirando o máximo proveito de sua utilização. Assim, para referido pastor, ocorreria uma
maximização de seu ganho, em detrimento à comunidade. Entretanto, a tragédia estaria posta,
haja vista a finitude do pasto ao longo do tempo.
Sánchez (1995) ainda chama atenção para outro ponto abordado por Hardin, em seu
ensaio, ao alertar acerca da reação em cadeia, vez que a sequência de eventos segue
previsivelmente o comportamento dos indivíduos envolvidos. Ou seja, os demais membros da
sociedade são levados a tomar a mesma atitude do “pastor”, na leviana dominação sobre a
natureza, a super explorando, o que propicia a escassez dos recursos. Nesse sentido, torna-se
imperiosa uma visão ética, que por Hardin (1968), segundo Sánchez (1995), é tratada como
moralidade, no intuito de tentar minimizar a tragédia, interrompendo as ações humanas
lesivas ao meio ambiente. O presente artigo tratará do tema mais aprofundado, quando do
capítulo sobre educação ambiental, em uma abordagem da ética ambiental.
Entrelaçando com o tema consumo, fácil observar parâmetros de semelhança com a
metáfora da tragédia dos comuns, tendo em vista que, com o uso desprovido de
responsabilidade dos recursos naturais, tanto pelos fornecedores quanto pelos consumidores,
de maneira a estimular o consumo exacerbado, estará propiciando a escassez dos recursos do
meio ambiente.
Nesse sentido, relevante analisar, associado à questão do consumo, as necessidades
humanas, ou, o deflagrar dos desejos humanos, em especial, no contexto da sociedade de
risco, bem como adentrar nas perspectivas da modernidade líquida, conforme análise na seção
que se segue.

3. Interface entre sociedade de risco, modernidade líquida e atividade consumerista

A existência humana sempre foi permeada por riscos. Tais riscos, no entanto,
variaram, modo geral, levando em conta o próprio desenvolvimento das atividades as quais o
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homem se propôs a desempenhar. “A convivência com riscos faz parte da vida humana, mas
se antes eles eram preponderantemente naturais, com a Revolução Industrial e tecnológica
também passaram a se originar da própria atividade humana” (SOUZA, 2015, p. 82).
A Revolução Industrial, ocorrida nos séculos XVIII e XIX, fortificou a ideia que
defendia a atuação da ciência, a qual concebia os recursos naturais como infinitos e, com essa
forma em se pensar o mundo, se origina a crise ambiental em que se encontra a atualidade
(LEFF, 2007). Da fragmentação das ciências (permanecendo cada ciência com o seu objeto),
advém a racionalidade científica, que está intimamente ligada com a desconsideração do
homem como ser pertencente à natureza, colocando-se como superior a ela, com poder em
dominá-la, condizente com os interesses antropocêntricos dominantes:
[...] crise do pensamento ocidental: da “determinação metafísica”que, ao pensar o
ser como ente, abriu o caminho para a racionalidade científica e instrumental que
produziu a modernidade como uma ordem coisificada e fragmentada, como forma
de domínio e controle sobre o mundo (LEFF, 2007, p. 191).

Assim, “a dissociação entre as ciências (tal como estruturadas e organizadas), as leis,


os limites e a capacidade do Planeta Terra explicariam não somente a crise, mas a necessidade
de uma nova racionalidade para superá-la” (AVZARADEL, 2014, p. 149), uma racionalidade
ambiental.
Atualmente, com tanta possibilidade de tecnologia à disposição da humanidade e
com a imposição de novas necessidades, ocorreu uma complexificação advinda da
ocidentalização da vida intensificada, “por meio do modelo econômico capitalista,
reestruturado e intencionalmente disseminado (lógica de poder) sob a égide de um processo
global/globalização – desterritorialização – econômica, política e cultural da sociedade”
(SARAIVA; VERAS NETO, 2015, p. 341).
Ainda que não se prenda a dimensões históricas, consubstanciadas em períodos,
pode-se pensar na própria modernidade, entendida como um modo cultural de vida, pós
helenismo e cristianismo, marcada pela filosofia moderna e revolução científica, com as
evidentes intervenções no tocante a valores.
Notório também que os interesses econômicos imperantes a cada tempo afetam a
forma de se tutelar o meio ambiente e proporcionam as chamadas contradições culturais e
manejos ambientais.
Para o sociólogo alemão, Ulrich Beck, (2003), a Segunda Modernidade ou Sociedade
de Risco é baseada em um estilo de vida ainda extremamente dependente da utilização de
recursos naturais de outrora, e, portanto, acaba dando margem às ameaças globais, como os
riscos ecológicos, químicos, nucleares, genéticos, econômicos e demográficos.
Sustenta Beck que “os riscos e ameaças são um produto de série do maquinário
industrial do progresso, sendo sistematicamente agravada com seu desenvolvimento ulterior.”.
(BECK, 2003, p. 26). Dessa forma, nota-se que o risco tem ligação direta com a sociedade,
ainda que esta não seja capaz de aventar ou desejar tal possibilidade.
A Sociedade de Risco retrata “o contexto sócio-histórico de esgotamento e superação
do paradigma da Modernidade. Sua descrição gera muita polêmica e pouca unanimidade. [...]
a insegurança, o clamor por mudanças estruturais e por uma revolução cultural que refunde os
valores morais” (SERRAGLIO; AQUINO, 2015, p. 261), pautado em uma nova
racionalidade, ou seja, racionalidade ambiental, engendrada por uma ética ambiental,
conforme será abordado em capítulo próprio, no decorrer do artigo.
O meio ambiente ecologicamente equilibrado e, consequentemente a sadia qualidade
de vida foram afetados pelos riscos oriundos da produção de riquezas, comprometendo as
gerações humanas, vindo, segundo Beck (2003), a se tornar sua própria auto ameaça.
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O consumo pode ser compreendido como ato cotidiano, afinal, “[...] entende-se que
consumir é um ato da natureza do homem, pois para sua sobrevivência precisa de alimentos,
medicamentos, moradia, dentre outros que se configurem como essenciais” (VIEIRA;
REZENDE, 2015, p. 66).
De outro giro, o consumismo, expressão máxima da sociedade industrializada, utiliza
de cativantes publicidades, incutindo diretamente nas pessoas o sentimento de felicidade ao
adquirir um produto, que na maioria das vezes não é essencial. Esses indivíduos são tomados
por desejos imbuídos no consumo.
Nessa seara, o foco é o despertar, cada vez mais crescente, pelo desejo em consumir,
crendo atingir a felicidade e a realização, desenvolvendo nos indivíduos a pseudo necessidade
por novas mercadorias, alimentando, portanto, a indústria. Nesse sentido, Bauman (2008):

Aparentemente o consumo é algo banal, até mesmo trivial. É uma atividade que
fazemos todos os dias. Se reduzido à forma arquetípica do ciclo metabólico de
ingestão, digestão e excreção, o consumo é uma condição, e um aspecto, permanente
e irremovível, sem limites temporais ou históricos; um elemento inseparável da
sobrevivência biológica que nós humanos compartilhamos com todos os outros
organismos vivos. [...] Já o consumismo, em aguda oposição às formas de vida
precedentes, associa a felicidade não tanto à satisfação de necessidades (como suas
“versões sociais” tendem a deixar implícito), mas a um volume e uma intensidade de
desejo sempre crescentes, o que por sua vez implica o uso imediato e a rápida
substituição dos objetos destinados a satisfazê-la (BAUMAN, 2008, p. 37).

Zygmunt Bauman (2008) descreveria a intitulada Sociedade-Líquida Moderna tendo


como preponderantes características o acesso aos bens e produtos necessários, como também
às mercadorias supérfluas, vinculadas com a satisfação de desejos, com a busca pela
felicidade, conforme mencionado anteriormente.
Em uma análise à teoria de Maslow, Bauman elucida as necessidades ditas supérfluas
as quais encaminham os homens ao consumismo crescente, estimulados pela crença de
necessitarem de mercadorias para além de suas necessidades fisiológicas, de moradia e
segurança. É cediço:

Todo ser humano tornou-se um consumidor em potencial, ainda mais por estar
mergulhado em meio à larga e desenfreadas ofertas de crédito e a comunicação
empresarial. Diante disso, as necessidades humanas sofrem, diuturnamente,
interferências, haja vista que, cidadãos se veem compelidos a acreditar que
necessitam de algo que, de fato, não precisam (VARELA; CARVALHO, 2016, p.
143).

Maslow, um psicólogo americano, na segunda metade dos anos 1950, deu origem, a
uma famosa teoria acerca das necessidades humanas, aduzindo que as necessidades do
homem organizam-se numa hierarquia de relevância, representada na forma de uma pirâmide,
cuja base é preenchida pelas necessidades fisiológicas e de sobrevivência e o topo por
necessidades de status e auto-realização.
Todavia, segundo Varela e Carvalho (2016), tendo em vista os acontecimentos atuais,
questiona-se se tal teoria continua atual, posto que Maslow, no momento em que a pensou,
não presumiu o cerceado crivo da sociedade de consumo.
Varela e Carvalho (2016), em consonância com os ensinamentos de Marques (2011),
apregoam que a cultura de consumo suportada por empresas de comunicação, as quais
utilizam de meios de programação neurolinguística, viabiliza o alcance quase que maciço da
mente dos consumidores, fazendo crer que os produtos detém fator preponderante aos
homens, “mostrando-os como essenciais para a melhoria da qualidade de vida” (MARQUES,
2011, p. 31).
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Inegável que qualquer necessidade continua a ser traduzida por um processo


primário, configurado em torno da tensão fisiológica e psicológica, entre a satisfação e a
frustração, gerando padrões de massa, “fazendo com que, psicologicamente, gere no homem o
sentimento de que, se todos têm, ele também deva ter, porque isso é básico” (MARQUES,
2011, p. 31). Daí, um novo padrão, uma nova necessidade embutida na sociedade.
Varela e Carvalho apregoam que “(...) numa sociedade onde tudo parece ser ato de
consumo, coloca-se a possibilidade de se assistir a mudanças no ciclo motivacional, diluindo-
se o controle sobre os impulsos de consumo” (2016, p. 144).
A modernidade, aponta Bauman (2005), foi projetada a alcançar os recantos mais
longínquos do planeta, sendo que quase toda a produção e consumo tornou-se mediada pelo
dinheiro, mercado e lucro, com consequências residuais, não se dispondo mais de soluções
globais para problemas percebidos localmente. Gerou-se, conforme preceitos de Bauman
(2007) uma fluidez no sentido de não se vislumbrar ações a longo prazo, prendendo-se ao
presente, numa perspectiva imediatista e, nesse prisma, gerando irresponsabilidade ao
consumir exageradamente numa tentativa de se ver diluídos os problemas e as inconstâncias
sociais, consubstanciados na pseudo felicidade advinda do possuir.
Nesse prisma, a teoria motivacional de Maslow sofre relevantes questionamentos, já
que perante um mundo reduzido às relações de consumo e aos seus estigmas de status, o ser
humano se encontra submetido a uma inexorável ingerência psicológica, infligida por técnicas
de persuasão extremamente modernas.
Aliada a tal situação, está, conforme muito bem alude Beck (2003), o fato de se viver
em sociedade de risco a qual lida com os recursos naturais como insumos inesgotáveis, o que
acaba por condicionar o meio ambiente ao estado hodierno de degradação.
Vislumbrado os aspectos trazidos, fica clara a íntima relação entre uso inadequado e
desenfreado dos bens dos comuns, deixando nítida a escassez de bens industrializados e,
consequentemente, de recursos naturais que o geram. Marques aborda sobre o tema,
apresentando:
A escassez é gerada pelo crescente número de necessidades humanas, que se
mostram, cada vez mais, sem limites. A satisfação dessas necessidades impõe, com o
mesmo ritmo, o desgaste de recursos naturais. Considerando-se o crescimento
populacional, chegar-se-á a uma equação cujo resultado parece altamente
comprometedor, a menos que se façam ajustes em alguns de seus componentes:
melhor definição de necessidades; uso, com mais eficiência e de maneira racional,
dos recursos naturais disponíveis e contenção do aumento populacional. A
readequação de qualquer de seus componentes colabora para a proteção ambiental
(2011, p. 32).

Assim, a crença em necessidades aumentadas, leva a humanidade a um consumo


desenfreado que, aliado a técnicas de venda pautadas em neurolinguística, degradam o meio
ambiente, acelerando a finitude dos recursos naturais. “A ideia de infinitude dos recursos
naturais utilizados no processo produtivo das mercadorias lançadas ao mercado tende a
aumentar o número de lixo despendido ao meio” (VARELA; CARVALHO, 2016, p. 147).
Em relação ao tema do presente artigo, a degradação ambiental consubstancia-se no
consumo desmedido da população, estimulado pela prática da demanda do mercado (que se
funda na busca pelo crescimento econômico) e no uso inadequado dos bens comuns.
Diante disso, o consumo excessivo propicia grande degradação ambiental, haja vista
os índices consideráveis difundidos quanto à poluição do ar, dos mares e até mesmo dos lagos
e lagoas provenientes, por exemplo, do descarte do objeto de não mais desejo da população,
atrelados ao número cada vez mais crescente da população (outro ponto muito debatido por
Hardin, em seu ensaio de 1968, donde, inclusive, sugere o controle de natalidade –
(SÁNCHEZ, 1995) - e à gestão de resíduos sólidos que não consegue acompanhar a produção
do descarte.
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Aliado à cotidiana ideia de cada vez mais necessidades, está a assombrosa realidade
dos montes de lixo advindos da inconsequente atividade consumerista (VARELA;
CARVALHO, 2016). Nesse sentido, em busca por um consumo sustentável, um possível
instrumento, quiçá, conforme preconiza Seiffert (2014), o instrumento dos instrumentos de
gestão ambiental, a viabilizar a consciência no que tange à necessidade de se tutelar o meio
ambiente está a educação ambiental.

4. Educação ambiental para um consumo sustentável

“A questão do consumo está intimamente relacionada com a educação, haja vista a


necessidade de se pensar a responsabilidade recíproca entre consumidores e fornecedores”
(VARELA; CARVALHO, 2016, p. 147-148). Faz-se necessário construção política e
educacional, em prol de possibilitar aos cidadãos escolha consciente, baseado nas
informações contidas no mercado.
Marques (2011) elucida que a CRFB/1988 traz, em seu art. 225, V, que, em prol de
um ambiente ecologicamente equilibrado, o Poder Público deve “controlar a produção, a
comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a
vida, a qualidade de vida e o meio ambiente” (BRASIL, 1988).
Assim, fica nítida a preocupação em associar o consumo com a ideia de
desenvolvimento sustentável, por mais que não seja a verdade perpetrada na atualidade.
Entretanto, “(...) o Estado não pode limitar o consumo ou proibi-lo”[...]“deve buscar a
proteção ambiental por meio de adoção de políticas públicas, especialmente com campanhas
de conscientização e educação ambiental” (MARQUES, 2011, p. 40).
Nesse viés, estimular a escolha consciente é instrumento fundamental na busca pela
tutela ao meio ambiente, devendo, segundo Braga e Piovesan (2016), ser difundida tanto pela
iniciativa privada como pela pública, tendo em vista, a responsabilidade partilhada. Nesse
prisma:

Refletir sobre a complexidade ambiental abre uma estimulante oportunidade para


compreender a gestação de novos atores sociais que se mobilizam para a apropriação
da natureza, para um processo educativo articulado e compromissado com a
sustentabilidade e a participação, apoiado numa lógica que privilegia o diálogo e a
interdependência de diferentes áreas de saber. Mas também questiona valores e
premissas que norteiam as práticas sociais prevalecentes, implicando mudança na
forma de pensar e transformação no conhecimento e nas práticas educativas
(JACOBI, 2003, p. 191).

Assim, o desafio maior da educação ambiental “é estimular mudanças de atitude e de


comportamento nas populações, uma vez que as capacidades intelectuais, morais e culturais
do homem permitem que as responsabilidades para com outros seres vivos e para com a
natureza sejam respeitadas” (ROGÉRIO; NISHIJIMAP, 2015, p. 248). Ademais, como bem
salienta Varela e Carvalho (2016):

A partir do momento em que o indivíduo detém o conhecimento teórico e inicia a


sua prática na preservação ambiental, está corroborando para a perpetuação de todo
o ecossistema em que vive, possibilitando a qualidade de vida e, consequentemente,
agindo em solidariedade, tornando-se corresponsável na fiscalização e no controle
dos agentes de degradação ambiental (VARELA; CARVALHO, 2016, p. 148-149).

Dessa forma, relevância se encontra na inserção na sociedade atual, onde se impera


um consumo exacerbado, no sentido de evadir-se à anunciada tragédia dos comuns, a
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necessidade da preservação dos recursos naturais, que se faz possível por meio de uma
educação ambiental, posto que, tal instrumento viabiliza aos indivíduos consciência ecológica
crítica, em prol de valorizar e preservar o meio ambiente, trazidos em planos e metas
concretas.
Destarte, a educação ambiental, assim como a observância do princípio da
informação, atrelada às atividades de consumo, viabiliza o consumo sustentável,
possibilitando aos cidadãos exercerem pressão sobre as organizações as quais são
ambientalmente irresponsáveis. “A partir do momento em que se constata a ineficiência dos
instrumentos estatais para conter a degradação devem-se buscar novas alternativas, como o
consumo sustentável, forma de pressão econômica sobre as empresas” (THOMÉ, 2007, p.
54).
O mercado, segundo Thomé (2007) depende do consumidor, que pode ser analisado
como o mais importante elo da cadeia econômica, tendo em vista ser proveniente dele a opção
de escolher pelo produto e empresa que usufruem do processo produtivo mais condizente com
o menor impacto ambiental. Ou seja, referida perspectiva, dentro de análise coletiva,
“acarretará no sucesso ou no fracasso da atividade econômica da empresa” (THOMÉ, 2007, p.
54-55).
O cidadão deve exercer seu poder de interferência na economia agindo com mais
consciência ao consumir, buscando por empresas que internalizam as externalidades
negativas. Na era do consumismo, aludem Varela e Carvalho (2016), a educação ambiental e a
ética nas relações de consumo são ainda pouco expressivas, em que pese em muito se falar em
sustentabilidade, ainda que essa não seja concretamente implementada.

4.1 Educação em prol de uma ética ambiental

O homem que passa pelo processo adequado de educação, desenvolve a capacidade


de ascender o conhecimento, vislumbrando a realidade que é a causa dos fatos. Em analogia,
com uma educação ambiental verdadeiramente adequada, completa e eficaz, é possível
ocorrer uma modificação de comportamento, no sentido de se preservar o meio ambiente, que
se vê em vias de esgotabilidade de seus recursos, em uma perspectiva de ser pertencente ao
meio, num repensar da relação homem e natureza.
Dentro dessa premissa, a “relação entre ética e educação parece ser de necessária
simbiose, sem a qual dificilmente a humanidade pode realizar as amplas mudanças
necessárias em (e para) sua existência” (AVZARADEL, 2014, p. 160). Assim, vislumbra-se a
necessidade de se incorporar alguns valores ecológicos, com intuito de universalizar ideias e
práticas em prol do consumo sustentável.
Educação ambiental e ética dialogam no contexto da complexidade ambiental, no
sentido de questionar, segundo Avzaradel (2014), os excessos do antropocentrismo e a
maneira como a educação vem sendo trabalhada e perpetrada . A “ética antropocêntrica
atualmente predominante está fortemente inserida na nossa estrutura de ensino e, dessa forma,
traz sérios problemas para a efetivação de uma educação ambiental verdadeiramente
transformadora” (AVZARADEL, 2014, p. 161).
Assim, a mudança ética envolvida no movimento moral, torna-se viável com a
consideração do sistema em que a sociedade impera, devendo ser, sem sombra de dúvida,
matéria de educação ambiental. Com as mudanças ocorridas no transcurso da história e com a
supervalorização do acúmulo de riquezas, especialmente com o advento da Revolução
Industrial, conforme já apresentado, o ser humano despertou-se por preceitos relevantes,
como a preservação do meio ambiente, ou seja, a forma como se lidava com a apropriação dos
meios naturais a inserir no meio de produção.
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Nesse sentido, foi necessária a positivação da relação homem e natureza, inclusive,


como meio de pertença e perpetuação da própria espécie humana. Condiz como o aludido:

[...] relação do homem com o meio ambiente é objeto de proteção específica pelo
sistema positivo brasileiro. A CF/881, em seu artigo 225, é taxativa em afirmar que a
proteção do meio ambiente, direito das presentes e futuras gerações, insere-se no rol
de direitos a serem protegidos pelo Estado [...] (BARRETO; MACHADO, 2016, p.
323).

Contudo, apesar da urgência em se adotar uma ética ambiental, com o


reconhecimento da interdependência entre homem e natureza, Loureiro (2012) chama atenção
para o perigo de se esvaziar a responsabilidade também do terreno da ação política. É preciso,
sim, uma ética ambiental, mas não se pode voltar-se somente para a questão ambiental,
pautando-se em valores universais (ideais universais), em verdades únicas, em objetivos
moralistas. Não se pode esvaziar a educação ambiental dos parâmetros políticos. Lê-se:
Não há mudança ética possível quando se ignora a sociedade em que se move,
porque os valores não são um simples reflexo da estrutura econômica, mas são
definidos a partir de condições históricas específicas, inseridas num movimento
dialético de mútua constituição entre objetividade e subjetividade (LOUREIRO,
2012, p. 15).

Condiz com o perpetrado por Leff ao se referir o questionamento que a complexidade


ambiental faz no concernente às “formas pelas quais os valores permeiam o conhecimento do
mundo, abrindo um espaço para o encontro entre o racional e o moral, entre a racionalidade
formal e a racionalidade substantiva” (2012, p. 195).
Fornecer conhecimento, possibilitar formação, para que aconteça a superação de todas
as formas que possam ser entendidas como forma de dominação, apropriação, etc., que
limitam todo e qualquer processo emancipatório e que inviabilizam perceber o homem como
parte integrante da natureza é também o viés da Política de Educação Ambiental, tendo em
vista os princípios inerentes à educação ambiental. Nota-se que:

A Política de Educação Ambiental traz dentre os seus princípios, estabelecidos no


artigo 4◦, “o enfoque humanista, holístico, democrático e participativo”; a
consideração da “interde-pendência entre o meio natural, o socioeconômico e o
cultural”; “o pluralismo de ideias e concepções pedagógicas, na perspectiva da inter,
multi e transdisciplinaridade”; “a vinculação entre a ética, a educação, o trabalho e
as práticas sociais” (AVZARADEL, 2014, p. 166). (grifo nosso).

Corrobora com o trazido alhures a importância do discernimento político da educação


ambiental:
A educação é ato político [...], posto que constrói por meio das relações sociais e
pedagógicas a base instrumental, a consciência política e a capacidade crítica para se
agir na história, na busca permanente e dinâmica da sociedade que desejamos
(LOUREIRO, 2011, p. 100).

Nota-se, dessa forma, o reconhecimento da necessária conexão entre educação e ética,


cotejados pela legislação. Salienta-se, entretanto, o viés emancipatório que se deve destinar ao
processo educacional presente na educação ambiental, no sentido de mudar a realidade,
viabilizando mudanças de comportamentos e paradigmas consumeristas em busca pela
desejada felicidade que se faz descaracterizada pela modernidade líquida.
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4.2 Participação popular: o exercício da cidadania na esfera da responsabilidade


ambiental compartilhada

Ressalta-se que, a título de esclarecimento, o presente artigo não se pautará na


temática quanto ao ordenamento jurídico brasileiro, tomando por base a letra do artigo 225, §
3º, da CRFB/1988, do § 1º, do artigo 14 da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente e do
art. 927, parágrafo único, do Código Civil, os quais abordam a responsabilidade civil,
informando ser, a mesma, objetiva por danos ambientais. Vislumbrará a responsabilidade
compartilhada com todos os cidadãos, conforme preceitos instituídos no texto do art. 225,
caput, da CRFB/1988, que se vê atrelado aos princípios da educação ambiental no quesito
participação social, democracia e cidadania, inerentes ao Estado Democrático de Direito.
Dispensa-se o aprofundamento da temática específica da conceituação sobre Estado
Democrático de Direito e sua evolução até a atualidade, em virtude do recorte epistemológico.
Interessa-se visualizar o tema sob a perspectiva do Estado Democrático de Direito Ambiental
ou, conforme Ribeiro e Thomé (2015), Estado Democrático e Socioambiental de Direito.
Segundo os autores, “(...) no Estado Democrático e Socioambiental de Direito, os cidadãos
têm o direito e também o dever de participar das decisões que possam vir a afetar o equilíbrio
ambiental” (RIBEIRO; THOMÉ, 2015, p. 45).
Corrobora com a ideia de dever correspondente a direito, o postulado:

Falar de direitos é falar de limites para o comportamento humano. O cumprimento


do dever de cada um é exigência do direito de todos. Ou seja, a todo direito
subjetivo corresponde um dever jurídico. Portanto, não podemos falar de direitos
sem falar de deveres. O primeiro dever do ser humano é respeitar o direito dos
outros e de cada um. Um direito só é efetivo pela obrigação que ele suscita. Direitos
e deveres são elementos da democracia (DIAS, 2013, p. 37).

Nesse prisma, e com fundamentos no escopo primordial do Estado Democrático de


Direito Ambiental, a sustentabilidade é o objetivo basilar. E, para tal, faz-se necessário que os
indivíduos compartilhem a responsabilidade com o Estado no que tange à tutela e preservação
do meio ambiente, haja vista que, conforme preceituado acima, a todo indivíduo detentor de
direitos, equivale deveres na efetivação do direito fundamental ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado.
Contudo, não é suficiente a afirmativa de que a cada direito corresponde um dever do
indivíduo na tutela ambiental presente nas constituições, haja vista que, a democracia, em que
pese ter ganhado força com a inserção dos direitos nas constituições,“[...] é um método de
administrar, mas não é o conteúdo. Este se constitui nas declarações de direitos” (DIAS, 2013,
p. 25). Faz-se necessária a observância das declarações, que são a mais pura demonstração da
evolução e aumento dos conhecimentos humanos (DIAS, 2013).
Apresentada a relevância das declarações de direito como conteúdo presente na
democracia, de suma relevância trazer à baila, o princípio 10 da Declaração do Rio 92:

A melhor maneira de tratar questões ambientais é assegurar a participação, no nível


apropriado, de todos os cidadãos interessados. No nível nacional, cada indivíduo
deve ter acesso adequado a informações relativas ao meio ambiente de que
disponham as autoridades públicas, inclusive informações sobre materiais e
atividades perigosas em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar
de processos decisórios. Os Estados irão facilitar e estimular a conscientização e a
participação popular, colocando as informações à disposição de todos. Será
proporcionado o acesso efetivo a mecanismos judiciais e administrativos, inclusive
no que se refere à compensação e reparação de danos (MAZZUOLI, 2007, p. 581).
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Dentro do que preconiza e estabelece o princípio 10 da Declaração do Rio 92, para


que os indivíduos participem das questões ambientais, os Estados devem facilitar e estimular
a conscientização dos mesmos, disponibilizando, para tanto, todas as informações pertinentes.
Deve ser propiciado acesso efetivo a procedimentos judiciais e administrativos, inclusive no
que diz respeito à compensação e reparação de danos.
Nesse viés, Sampaio leciona que “(...) o princípio do Estado Democrático de Direito
não se consola apenas com a figura da representação política formal, exigindo
simultaneamente a participação popular e a colaboração judicial responsável nos exercícios de
concretização dos direitos fundamentais” (2003, p. 93).
Nota-se, do trazido até o momento, ser coerente e assertiva a afirmação de que, com
a participação popular no que tange à tutela ambiental, os cidadãos tornam-se corresponsáveis
com o Estado na busca pela efetividade do direito fundamental ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado. E, conforme se pode observar do capitulado no artigo 225 da
CRFB/1988, o compartilhamento da responsabilidade do Estado com os indivíduos quanto à
proteção ao meio ambiente deixa explícito a necessidade da sociedade em se preparar
adequadamente para participar da referida tutela. Para tal, o Estado deve fornecer
instrumentos que possibilitem a participação, bem como fornecer mecanismos que a viabilize,
entre eles, a educação ambiental.
O Princípio da Participação Popular assegura ao cidadão o direito à informação e a
participação na elaboração das políticas públicas ambientais, de modo que a ele deve ser
assegurado os mecanismos judiciais, legislativos e administrativos que efetivam esse
princípio.
No que diz respeito às vias executivas, esse princípio se manifesta, por exemplo, por
meio da participação da sociedade civil nos Conselhos de Meio Ambiente e do controle social
em relação a processos e procedimentos administrativos como o licenciamento ambiental e o
estudo de impacto ambiental e seu respectivo relatório, que são expostos à sociedade, de
maneira a possibilitar a “consulta” e discussões, em audiências públicas.
No que diz respeito às vias do Poder Legislativo, esse princípio se manifesta por
meio de iniciativas populares, plebiscitos e referendos de caráter ambiental e da realização de
audiências públicas que tenham o intuito de discutir projetos de lei relacionados ao meio
ambiente.
Concernente ao Poder Judiciário, manifesta-se por meio da possibilidade dos
cidadãos individualmente, por meio de ação popular, e do Ministério Público, das
organizações não governamentais, de sindicatos e de movimentos sociais de uma forma geral,
por meio de ação civil pública ou de mandado de segurança coletivo, questionarem
judicialmente as ações ou omissões do Poder Público ou de particulares que possam repercutir
sobre o meio ambiente, de maneira negativa.
A sociedade, segundo Thomé (2016), torna-se detentora de mecanismos de
participação direta na proteção da qualidade de vida e dos recursos naturais, sendo, pois,
importantes instrumentos para a manutenção do direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, do qual é titular. Diante disso, conforme preconiza Thomé (2016), a compreensão
de que a efetiva implementação do Estado Democrático e Socioambiental de Direito exige o
fortalecimento do princípio democrático, com a participação da sociedade nas questões
ambientais, entendendo a ação conjunta do Estado e da coletividade na preservação dos
recursos naturais.
Édis Milaré (2011) destaca que em matéria ambiental o direito à participação
pressupõe o direito à informação, já que somente ao ter acesso à informação é que os cidadãos
poderão formar opinião, articular estratégias e tomar decisões.
No mencionado princípio 10 da Declaração do Rio 92, tratado no subitem acerca do
Princípio da Participação Popular, também faz referência ao princípio da informação, ao fazer
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menção ao acesso que os indivíduos devem ter quanto às informações concernentes aos
assuntos referentes ao meio ambiente. Quanto às informações, tem-se, dessa forma, que os
dados ambientais “devem ser amplamente divulgados para que haja efetiva participação dos
interessados nas questões ambientais” (THOMÉ, 2016, p. 79).
Ademais, o texto Constitucional, em seu art. 5º, XXXII, também faz menção à
obrigatoriedade dos órgãos públicos em efetuar as informações que sejam de interesse
particular ou coletivo, ou geral. Thomé (2016) ainda destaca o inciso IV, do artigo 225 da
CRFB/1988, em que retrata a obrigatoriedade da publicidade dos estudos de impacto
ambiental, fornecendo aos interessados, em especial os interessados diretos do
empreendimento, “tempo suficiente para a adoção de efetivas providências administrativas
e/ou judiciais cabíveis nos casos de eventuais irregularidades constatadas no licenciamento de
atividades com potencial degradado” (THOMÉ, 2016, p. 79).
Entretanto, para que as informações realmente atinjam seu verdadeiro escopo, qual
seja, de possibilitar aos interessados uma possível atitude, referente à defesa do meio
ambiente é necessário que os mesmos compreendam as questões pertinentes. Equivale, dessa
forma, afirmar a necessidade de educação ambiental.
Diante disso, fica evidente a interdependência dos princípios da educação ambiental
e da informação, que, juntos, viabilizam o princípio da participação popular. Ademais, a partir
do momento em que se preserva o meio ambiente, propiciando qualidade de vida, garantindo
o próprio direito à vida (COSTA, 2010), se está exercendo a cidadania. Essa afirmação funda-
se no destrinchar do conceito de cidadania, sobre o prisma de que ser cidadão é ter a
consciência de que é sujeito de direitos, tais como à vida, ao meio ambiente equilibrado, à
liberdade, igualdade, direitos políticos e sociais, devendo, para tal, assumir o papel de dever
participativo junto aos interesses particulares e coletivos.

5. Considerações finais

O consumo em si é algo necessário e essencial aos humanos, posto que demandam de


alimentos, remédios, moradia, vestuário, dentre outros itens. Contudo, em busca do lucro,
escopo de um crescimento econômico, foi-se incutindo na sociedade-líquida, a ideia de
consumismo, sem se levar em conta os impactos ambientais inerentes ao consumo
desenfreado. Ademais, a sociedade se transformou na denominada sociedade de risco.
Buscou-se elucidar que o consumismo disseminado pelo sistema dominante, impacta
sobremaneira o meio ambiente, pela existência de demandas também frenéticas de matérias
primas, geralmente advindas da natureza.
A educação ambiental surge, nesse cenário, como ferramenta hábil a auxiliar o
homem, seja na condição de fornecedor, seja na condição de consumidor, em suas escolhas
que devem ser pautadas na sustentabilidade, possibilitando consciência ecológica crítica, no
viés de tutelar e preservar o meio ambiente, tornando-se, nessa será, corresponsável com o
Estado. É, pois, instrumento que proporciona mudanças de atitude, pautados por uma ética
ambiental, que se faz necessária diante a alarmante situação degradadora hodierna, onde os
bens comuns estão cada vez mais escassos, ocasionando a tragédia dos comuns.
Um novo paradigma de consumo, pautado na mudança de pré-compreensões
humanas há que ser traçado, rompendo a lógica do consumo exagerado que coloca em
situação de fragilidade, de liquidez, o ambiente ecologicamente equilibrado e a sadia
qualidade de vida.
Ademais, diante do que preconiza a CRFB/1988, em seu art. 225, bem como
preceitos do Estado Socioambiental de Direito, a sociedade é corresponsável pela tutela e
preservação ambiental, fazendo-se imprescindível a participação popular para a tomada de
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decisões do governo, conjuntamente com o incremento de alterações comportamentais que


acarretem sustentabilidade ao meio ambiente e, consequentemente, à vida humana.

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O INCIDENTE DE DEMANDAS REPETITIVAS E A INDENIZAÇÃO


POR DANOS MORAIS PELO ROMPIMENTO E GALGAMENTO DAS
BARRAGENS NO COMPLEXO MINERÁRIO GERMANO

The incident of repetitive demands and moral damages on Germano’s


mining complex dams burst case

Leonardo Custódio da Silva Júnior 43


Vanessa de Vasconcellos Lemgruber França 44

Resumo: O rompimento e o galgamento de barragens de jeitos no complexo minerário de


Germano, localizado no distrito de Bento Rodrigues/MG, levou a uma série de danos tanto na
esfera coletiva quanto individual. Na seara particular, número incontável de ações
indenizatórias por danos morais são protocoladas especialmente nos municípios de Colatina e
Linhares, no estado do Espírito Santo, e em Barra Longa e Governador Valadares, no estado
de Minas Gerais. O incidente de demandas repetitivas é inovação legislativa trazida pelo
Código de Processo Civil de 2015 e já é utilizado pelo judiciário de ambos os estados para
fixar entendimento sobre o problema apontado, ao mesmo tempo que guarda a igualdade e
evidencia celeridade. Pretende-se demonstrar, ao fim, que o IRDR pode ser instrumento que
leva a justiça ambiental, desde que particularidades e vulnerabilidades de casos específicos
sejam resguardados.

Palavras-chave: Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas; barragem de rejeitos;


meio ambiente; dano moral individual; isonomia.

Abstract: Dams burst in Germano’s mining complex, located in the district of Bento
Rodrigues, caused many lawsuits both in collective and individual spheres. On private sector,
countless claims for moral damages are under judgment, especially in the municipalities in the
states of Espírito Santo and Minas Gerais. The incident of repetitive demands is a new
instrument brought to Brazilian legal order by the Code of Civil Procedure of 2015 that aims
to maintain equality and celerity. It has already been used by judges of both states to firm
understanding about the moral damages issue. This paper intends to show that such
instrument may have even deeper application, since particularities are respected within an
isonomic context.

43 Graduando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Integrante da Clínica de Direitos
Humanos da UFMG. E-mail: leocustodiomg@gmail.com
44 Advogada. Bacharela em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Pós-graduada em Processo
Civil, Mediação, Conciliação e Arbitragem pela FADIVALE. Mestranda em Direito Ambiental pela Escola
Superior Dom Helder Câmara. E-mail: lemgrubervanessa@gmail.com
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Keywords: The Incident of Repetitive Demands; tailings dam; environment; moral damage;
equality.

1. Introdução

O presente trabalho discorre sobre a problemática não apenas dos danos morais cujo
direito adveio em decorrência do rompimento da barragem de rejeitos em Mariana/Minas
Gerais, mas também sobre a vasta numerosidade de litígios que surgiu desde o ocorrido.
Com o advento da nova sistemática processual civil em 2015, foi proposta uma
solução para uniformização de casos e para que o princípio da isonomia fosse respeitado ao
mesmo passo do amplo acesso ao poder judiciário. Nada será afastado da apreciação
jurisdicional, e casos jurídicos iguais devem ser tratados de forma isonômica.
Nesse contexto, a questão problema que orienta a pesquisa é: Qual a melhor solução
para que os casos de dano moral contra as mineradoras envolvidas no rompimento da
barragem em Bento Rodrigues, distrito de Mariana/MG, sejam tratados de forma isonômica?
Isso posto, o estudo trabalha com a hipótese de que há necessidade de instauração de
IRDR para as demandas de dano moral contra as mineradoras envolvidas no rompimento da
barragem em Bento Rodrigues, distrito de Mariana/MG tendo em vista a repetição de
processos e o risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica.
A Justiça Ambiental passa pela questão de Direitos Humanos ao passo que a
vulnerabilidade perante uma tragédia ambiental “pode ser considerada uma violação desses
direitos, ao evidenciar o sofrimento dos menos protegidos, por colocar em risco a sua vida, a
sua dignidade e o seu meio ambiente ecologicamente equilibrado” (DERANI; VIEIRA, 2014,
p. 152). Consequentemente, os mecanismos e instrumentos jurídicos devem ser meios para
proteção das garantias fundamentais.
A razão da escolha do tema está ligada aos diversos municípios afetados com o
rompimento da barragem, nos quais inúmeras demandas de danos morais têm sido objeto de
lide processual. Assim, com o intuito de prestigiar o Princípio da Isonomia e da Segurança
Jurídica (ANTUNES, 2012, p.170), o IRDR se mostra um instrumento adequado para tal
finalidade. Como procedimento metodológico, utilizou-se pesquisa bibliográfica e
jurisprudencial.
Após esta introdução são tratados o incidente de resolução de demandas repetitivas e,
em seguida, sua aplicação do caso de danos morais em decorrência do rompimento e
galgamento das barragens no complexo minerário de Germano. A conclusão é condensada
com as perspectivas e possibilidades da instauração de IRDR valorativo de dano moral
individual.

2. O incidente de resolução de demandas repetitivas no novo Código de Processo Civil

O NCPC enfrentou diversos problemas processuais que o Código de 1973 não havia
feito ou que, em virtude do período histórico não lhe pareceu necessário. O numerário das
demandas processuais cresce exponencialmente e um dos desafios do Código de 2015 foi
contornar – da forma possível – tal fato tanto nas instâncias inferiores como nos tribunais
superiores mediante criação e valorização de determinados instrumentos jurídicos. O
incidente de resolução de demandas repetitivas/IRDR (arts. 976 a 987) é apontado como um
deles.
Os objetivos do IRDR são plenamente identificáveis como economia processual,
previsibilidade, segurança jurídica e isonomia entre os jurisdicionados.
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Este instituto é manifestação da tendência de coletivizar demandas individuais.


Conforme ensina Theodoro Júnior (2015, p. 190):

O processo atual, nessa ordem de ideias, não pode mais ser visualizado apenas
dentro da sistemática do Código de Processo Civil, já que tão ampla e profunda foi
a marcha inovadora operada pela Constituição e legislação extravagante, após a
codificação de 1973. Atento a essa circunstância, o novo Código previu outros
meios coletivizantes de demandas individuais, como o incidente de resolução de
demandas repetitivas(...).

A importância do estudo deste instituto ganha cada vez mais espaço e, dentre suas
características, ressalta-se inicialmente as seis mais relevantes.
Primeira é o fato do IRDR, embasado na política de valorização da jurisprudência, ser
caso de rejeição liminar da demanda nas causas que dispensem a fase instrutória, tendo havido
ou não citação do réu, nos termos do art.332, inciso III; e, segunda, hipótese de negativa de
provimento a recurso que, conforme o art. 932, IV, contrarie o entendimento por ele firmado.
Ou seja, em linhas gerais, quando o pedido do autor contrariar entendimentos firmados
através do julgamento do incidente, além de súmulas ou acórdãos do STF e STJ, será caso de
rejeição liminar ou de provimento de recurso negado.
Destaca-se que a rejeição liminar do pedido, enquanto medida excepcional, requer a
preexistência de um dos requisitos do art. 332, sendo o IRDR um deles. Pouco importa que o
suporte fático afirmado seja ou não verdadeiro, pois o provimento judicial será
completamente negativo para o autor, e benéfica apenas àquela que seria constituída como
parte ré.
A rejeição liminar, que ocorre sem a citação do réu e em decorrência do IRDR, é
possível porque embasa-se em questão de direito. Não pode se falar em procedência liminar
pois as questões de direito são embasadas em fatos e, portanto, o juiz deverá ouvir o réu em
sua resposta ou aguardar a revelia. É impossível prever a resposta do réu frente à afirmações
de fato alegadas pelo autor em sua pretensão. Logo, o Código de Processo Civil permite o
julgamento liminar de causas repetitivas ou seriadas apenas quando se tratar de
improcedência. Nesse sentido, Theodoro Júnior (2015, p. 988) aduz que “(...) em tais
hipóteses, é perfeitamente possível liminar o julgamento à questão de direito, sem risco algum
de prejuízo para o demandado e sem indagar da veracidade ou não dos fatos afirmados pelo
autor”.
A terceira característica, no âmago da valorização do IRDR pelo novo ordenamento
processual civil, a regra geral constante no art. 12 do CPC/15, pela qual os magistrados devem
proferir sentença ou acórdão por sua ordem cronológica de conclusão, é excepcionada, dentre
outras hipóteses, pelo julgamento de IRDR.
O amicus curie, aquele que mesmo sem ser parte no processo é se propõe ou é
chamado a intervir em caso relevante em vista de sua representatividade, para trazer ao
julgador elementos qualificados para a lide, pode recorrer de decisão que julga o IRDR. Tal
opção legislativa constante no §3º do art. 138 é a quarta característica ora destacada e tem
como escopo o fato do entendimento firmado ser paradigma para questões futuras,
provavelmente influenciando o interesse institucional do referido interventor (THEODORO
JÚNIOR, 2015, p. 535).
A quinta característica é a presença do instituto do incidente de resolução de demandas
repetitivas enquanto causa de suspensão dos prazos quando de sua admissão, nos prelúdios do
art. 313, inciso IV do CPC/15. Como a suspensão não elimina o vínculo jurídico emanado da
relação processual nem lhe retira eficácia, tão logo cesse o julgamento do IRDR, a
movimentação dos processos deverão ser normalmente restabelecidas.
No que tange o fim da suspensão, Theodoro Júnior (2015, p. 936) afirma:
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(...) Determina o Código, ainda, cessar a suspensão dos processos pendentes que
versem sobre a mesma questão de direito se não for interposto recurso especial ou
recurso extraordinário contra a decisão proferida no incidente (art. 982, §5º). Ou
seja, interposto recurso para os Tribunais Superiores, a suspensão prevalecerá até
decisão deste. Superada a causa da suspensão, os processos individuais ou coletivos
retornarão curso e serão julgados mediante aplicação da tese de direito assentada
pelo tribunal (art. 985, I).

A suspensão será determinada pelo relator do incidente e será comunicada aos juízes
diretores do foro de cada comarca ou seção judiciária através de ofício, conforme art. 982,
§1º. Apesar de, enquanto a suspensão estiver em vigor, nenhum ato processual poder ser
praticado, é permitida a realização daqueles que forem urgentes para evitar dano irreparável (
art. 314), caso em que o juízo onde tramita o processo suspenso estará prevento para julgar
pedido de tutela de urgência (art. 982, §2º).
Última e sexta característica do IRDR é a exclusão do reexame necessário de sentença
contrária à Fazenda Pública que estiver lastrada em entendimento firmado pelo incidente (art.
496, § 4º, inciso III).

2.1 Pressupostos, limite para propositura e legitimados

Em síntese, os processos pendentes, sejam individuais ou coletivos, que tramitam no


estado ou na região, identificados como relativos à mesma questão de direito, ficarão
suspensos por força do IRDR, até que o órgão competente julgue a tese comum, com eficácia
para a completude do conjunto de demandas iguais, nos termos dos arts. 313, inciso IV e 982,
inciso I.
Porém, para que o incidente seja instaurado, dois pressupostos simultâneos devem
estar presentes. O primeiro deles é que a instauração do IRDR deve ser sobre a efetiva
repetição de processos sobre a mesma questão jurídica, ou seja, a multiplicidade de processos
já deve existir no presente, e não ser meramente uma especulação futura, conforme art. 976,
inciso I.
A mesma questão unicamente de direito pode ser tanto no ramo material quanto
processual (art. 928, parágrafo único). Por óbvio as lides tendem a versar tanto sobre questões
de direito quanto de fato, ainda que os aspectos fáticos tendam a se repetir nos processos.
Mas, contudo, a lei concentra-se na mesma questão essencialmente jurídica a se resolver e o
objeto do IRDR.
O segundo pressuposto legal é a existência do risco de violação da isonomia ou da
segurança jurídica, nos termos do art. 976, inciso II. Em outras palavras, os inúmeros
processos sobre a mesma questão de direito devem estar recebendo soluções distintas e sem o
tratamento uniforme em tempo presente, e não em potencial.
É necessário ressaltar que, caso o incidente tenha sido inadmitido por falta de qualquer
um dos pressupostos, ele poderá ser novamente suscitado assim que estiverem
simultaneamente presentes (art. 976, § 3º). Ademais, para que o incidente seja instaurado, ele
deve respeitar limites temporais. Pela leitura do art. 978 e seu parágrafo único, contata-se a
necessidade da existência de ao menos um processo em sede recursal ou sob competência de
tribunal; em primeiro grau a questão já deve ter sido julgada anteriormente a instauração do
IRDR.
Nesse sentido, Donizetti (2015, p. 745) ensina que “(...) a incidência da repetição pode
estar ocorrendo no primeiro ou no segundo grau ou em ambos os graus de jurisdição, mas,
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para instauração do incidente, pelo menos um feito (no sentido lato) versando a mesma
questão de direito deve estar tramitando no tribunal de segundo grau”.
É necessário, ainda, atentar-se ao fato de que, caso a tese jurídica estiver sendo
discutida em recurso extraordinário ou em recurso especial afetado para modalidade
repetitiva, o IRDR não será cabível, uma vez que o entendimento dos tribunais superiores
vincula tribunais e juízos de primeiro grau, conforme atesta o art. 976, § 4º. Este seria o
limite temporal máximo para instauração do incidente, visto que será cronologicamente
impossível, também seria aplicável quando houver julgamento de recursos repetitivos por
amostragem no STF ou STJ.
Os legitimados a propositura do incidente são identificáveis pela leitura do disposto no
art. 977 em seus incisos, sendo eles: o juiz; o relator; as partes; o Ministério Público e a
Defensoria Pública.
Quando levantado pelo juiz ou pelo relator, será de ofício e deve estar submetido ao
menos um processo para julgamento sob a competência deles. O juiz pode, por exemplo,
remeter reexame necessário ao tribunal para que este instaure o incidente. Pode-se levar em
conta os processos em curso em outras varas para aferição da repetição.
Caso seja levantado pelas partes, Ministério Público ou Defensoria Pública, o será por
meio de petição e com o objetivo de garantir a isonomia. As partes devem estar constituídas
no processo; e o Ministério Público e a Defensoria Pública terão legitimidade ainda que não
atuem nos processos repetidos, tendo em vista o interesse público em assentar tese jurídica de
forma célere e juridicamente segura (DONIZETTI, 2015, p. 747).

2.2 Procedimento e abrangência

Nos termos do CPC, o procedimento será instaurado perante os Tribunais de Justiça


dos Estados e do Distrito Federal ou Tribunais Regionais Federais. O pedido feito pelos
legitimados do art. 977 deverá ser dirigido ao Presidente do Tribunal, que o receberá e o
distribuirá a um relator, este incumbido de todas as providências até o julgamento pelo órgão
que o regimento indicar.
Se não comprovados os pressupostos, o órgão poderá inadimitir o incidente. Mas, caso
os pressupostos estejam presentes e restarem comprovados pela juntada de cópias de, por
exemplo, petições iniciais e de sentenças divergentes, o incidente seguirá para o julgamento,
cuja competência deverá recair num dos órgãos responsáveis pela uniformização de
jurisprudência do tribunal – grupos de câmaras, seção ou outro órgão – (art. 978). Logo,
admitido, acarretará concomitantemente os efeitos mencionados no art. 982, tais como a
suspensão dos processos pendentes, com a comunicação aos órgãos jurisdicionais vinculados
ao tribunal.
A suspensão das ações abarcadas pelo IRDR é decorrência automática e inafastável de
sua admissão, conforme entende-se pela leitura conjunta dos artigos 982, inciso I c/c 313,
inciso IV do Código de Processo Civil. Podendo este pedido vir ou não postulado por meio de
tutela provisória, que aplica-se a toda e qualquer pretensão, inexistindo, a priori, limitação a
sua incidência. O relator poderá requisitar informações a órgãos em cujo juízo tramita
processo no qual se discute o objeto do incidente. O Ministério Público será intimado para,
querendo, se manifestar. As partes e demais interessados na controvérsia serão ouvidas em
prazo comum, podendo requerer juntada de documentos e diligências. Ato contínuo, o
parquet manifestar-se-á. Os prazos serão de 15 dias após cada intimação (art. 983).
Há ordem a ser seguida no julgamento (art. 984), iniciando-se com a exposição do
relator; autor e réu; Ministério Público; e demais interessados. O julgamento deverá ocorrer
no prazo máximo de um ano, com preferência sobre os demais feitos, ressalvados aqueles que
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envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus (art. 980). Como o prazo é impróprio, não
há previsão de qualquer consequência para o seu descumprimento, podendo, entretanto,
ocorrer a cessação da suspensão dos processos pendentes de que trata o art. 982, inciso I. Mas,
em decisão fundamentada do relator, inclusive a cessação da suspensão pode ser evitada
(DONIZETTI, 2015, p. 747).
Uma vez julgado, a tese jurídica será aplicada a todos os processos coletivos ou
individuais que versem sobre idêntica questão de direito e que tramite na área do respectivo
tribunal; e a casos futuros, salvo revisão feita pelo mesmo tribunal (arts. 985 e 986). Da tese
firmada caberá reclamação se a mesma não for observada; e recurso extraordinário ou
especial com efeito suspensivo, conforme o caso (art. 985, §1º e art. 987). O Enunciado n. 94
do Fórum Permanente de Processualistas Civis 45 esclarece sobre os legitimados a interpor
recurso ao afirmar que “(...) a parte que tiver o seu processo suspenso nos termos do inciso I
do art. 982 poderá interpor recurso especial ou extraordinário contra o acórdão que julgar o
Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas”
Importante frisar que o julgamento do incidente deverá informar os fundamentos da
decisão e os dispositivos normativos a ela relacionados, inclusive para possibilitar a
manifestação do distinguishing 46, do overruling 47 e da superação de entendimento 48.

2.3 Segurança jurídica e isonomia

O incidente é uma técnica introduzida no ordenamento pátrio com o condão de


auxiliar quando da existência de enorme litigiosidade, sendo apreciadas apenas questões
comuns a todos os casos similares, deixando a decisão de cada caso concreto para o juízo do
processo originário. Ou seja, havendo processos em massa:

(...) todos terão uma mesma questão de direito homogênea, em sede de diferentes
juízos singulares ou colegiados, isso pode gerar o risco de decisões contraditórias –
o que, segundo a lei, ofenderia os princípios da isonomia ( no fato em que situações
jurídicas similares ensejariam, potencialmente, decisões divergentes) e da segurança
jurídica ( entendida como previsibilidade futura dos cidadãos quanto às
consequências jurídicas de suas ações) (THEODORO JÚNIOR et al., 2015, p. 386).

Desta feita, o IRDR é técnica de procedimento-modelo ou procedimento-padrão, pois


apenas analisa questões jurídicas e em comum às lides. Diferenciando-se, portanto, da escolha
de uma causa-piloto dos recursos extraordinários, que ocorre sem cisão cognitiva.
É necessária a cisão da cognição para a instauração do incidente pois os julgamentos
dos juízos em 1º grau seguirão, em seu início, o padrão decisório entendido no IRDR.

45 O referido enunciado versa sobre o artigos 982,§ 4º e 987 do CPC.


46 É distinção entre o caso concreto da lide e o stare decisis evidenciado pelo julgamento do IRDR. Pela
distinção se definirá a aplicação positiva ou negativa do entendimento.
47 Trata-se da superação de um entendimento em decorrência de alterações no entendimento e das concepções
da sociedade. Relaciona-se com a dinâmica dos fatos sociais que representam uma mudança de paradigma.
48 A superação é, em suma, o desgaste da congruência social do entendimento. São basicamente três
classificações e diferenciações das modalidades de superação. A primeira diferencia superação tácita da expressa,
sendo apenas esta última a adotada pelo direito brasileiro por meio dos julgados de seus tribunais, nos termos do
art. 927, § 4º do CPC. A segunda elenca a superação como difusa ou concentrada, sendo que aquela pode ocorrer
em qualquer tribunal por meio de qualquer ação, e esta apenas por procedimento autônomo. A terceira diz
respeito a superação antecipada e a parcial/overriding, sendo que aquela concerne a técnica de inaplicabilidade
preventiva do precedente por meio da análise de ementas de julgados, e esta por força de lei ou regra
superveniente e em sentido contrário ao precedente.
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Isso posto, o incidente é manifestação de diversos princípios preconizados no


ordenamento pátrio, em especial o da segurança jurídica e o da isonomia, constante no caput
do art. 5º no texto constitucional. Como há multiplicidade de casos cujas sentenças se
mostram conflitantes, é instrumento ideal para garantir a certa previsibilidade pelo
jurisdicionado em questões de direito idênticas.
De mesma sorte, não é isonômico que a tutela do direito de cada lide tenha diferente
provimento se versam sobre o mesmo ponto jurídico. O Incidente é verdadeiro garantidor de
tratamento igualitário e justo. Nesse sentido, Neves (2015, p. 2.870) afirma: “O tratamento
isonômico de diferentes processos que versam sobre a mesma matéria jurídica, gerando dessa
forma segurança jurídica e isonomia, é a justificativa do incidente ora analisado, como se
pode constatar da mera leitura do art. 976, caput, do Novo CPC”.
Por outro lado, ainda que pese a igualdade objetivada pelo incidente, é imprescindível
cautela para não incorrer em injustiças.
A tarefa de determinar critérios para isonomia não é fácil. Dentre todos os
jurisdicionados que serão afetados pela tese enunciada do julgamento do incidente, sempre
terão aqueles cuja afetação pode ser negativa, mesmo com o IRDR versando apenas sobre
questão de direito.
Nesse sentido, vejamos lição de Bobbio (1996, p. 11 e 12):

Já no caso de igualdade, a dificuldade de estabelecer esse significado descritivo


reside sobretudo em sua indeterminação, pelo que dizer que dois iguais sem
nenhuma outra determinação nada significa na linguagem política; é preciso se
especificar que entes estamos tratando e com relação a quê são iguais, ou seja, é
preciso responder a duas perguntas: a) igualdade entre quem?; e b) igualdade em
quê?

Ainda que se consiga estabelecer em que a igualdade incidirá, é impossível, via de


regra, delimitar a quem. Ou melhor, ainda que se delimite genericamente que “todos” serão
afetados, essa coletividade indicada é demasiado diversa entre si para ser julgada exatamente
da mesma forma. Daí a importância do cabimento de citadas técnicas do distinguishing e
overruling, por exemplo.

2.4 Aspectos controversos do IRDR

Apesar da técnica do incidente ser bem vista por grande parte da doutrina e de juristas,
alguns questionamentos e ponderações devem ser feitos. Um deles já dito acima: até que
ponto a busca pela isonomia não seria prejudicial a particularidade de cada indivíduo?
Além disso, o IRDR, enquanto manifestação da unificação de jurisprudências, pode
ser visto como sinônimo de celeridade e economia processual, porém deve-se ter cautela para
que o contraditório, a efetividade e acesso à justiça não fiquem comprometidos (PIMENTEL;
VELOSO, 2013, p. 67).
Tendo em vista um número indeterminado de interessados que podem querer se
manifestar, o prazo de 15 (quinze) dias pode se mostrar demasiado apertado para produção de
provas. Ademais, pode ser visto como uma ofensa ao princípio constitucional da ampla defesa
pois dificultaria o conhecimento pelos interessados do inteiro teor da demanda que terá efeitos
jurídicos a número indeterminado de pessoas.
O IRDR pode se mostrar muito mais como a busca por uma decisão rápida, em
distorção do princípio da celeridade processual, haja vista a potencial constrição aos
princípios fundamentais. Se configurada a constrição, a inconstitucionalidade poderá ser
arguida com base na impossibilidade do devido processo legal e afronta ao Estado
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Democrático de Direito. A celeridade é o provimento judicial em tempo hábil para solução de


conflitos, mas sem abrir mão de garantias processuais e constitucionais. A rapidez pela
rapidez pode se mostrar prejudicial aos jurisdicionados a longo prazo.
Para além disso, um efeito indireto dos entendimentos firmados por meio do IRDR é a
supressão do duplo grau de jurisdição, pois, uma vez instaurado o incidente, a segunda
instância será suprimida para todos os processos que ainda não tenham superado o juízo de
cognição.
Um segundo ponto de questionamento é a possibilidade da ideia de uniformização de
jurisprudência ser prejudicial, visto que transformações sociais ocorrem a todo tempo e a
própria natureza humana é falível. Logo, poderia se dizer que a uniformização seria um
aspecto negativo; se não fossem possíveis as superações de entendimento, a diferenciação de
casos e a possibilidade de recorrer do julgamento do incidente, além, claro, de iniciativas
legislativas.
Dito isso, o terceiro ponto e grande cerne problemático do IRDR é a multiplicidade de
questões de fato, ainda que embasadas na mesma questão de direito. Mesmo que o incidente
decida sobre a aplicabilidade jurídica e normativa, ainda assim subsistirá casos específicos
que deverão ser apreciados de forma diversa pelo magistrado.
Não há na redação do CPC/15 explanação clara e direta do que seria uma idêntica
questão de direito, nem como defini-la. Questão semelhante, ainda que não idêntica, pode ser
encaixada na incidência do julgado do incidente. Esta lacuna poderá ser suprida pelo
subjetivismo do aplicador do direito, inclusive quanto houver outros interesses não
explicitados na lide.

3. Do cabimento do incidente de resolução de demandas repetitivas para as demandas de


danos morais em decorrência do rompimento e galgamento das barragem no complexo
de Germano

O rompimento da barragem de rejeitos de Fundão e o e do galgamento da Barragem de


Santarém, ambas no distrito de Bento Rodrigues - Mariana/MG, localizadas no complexo
minerário de Germano, um empreendimento das empresas Samarco Mineração S.A., Vale
S.A. e BHP Billiton afetou diversas cidades dos estados de Minas Gerais e do Espírito Santo.
O referido desastre ocasionou consequências até o momento imensuráveis tanto a natureza
como a sociedade e individualmente a cada cidadão. É o maior desastre socioambiental
brasileiro (BRASILEIROS, 2016) e o maior do mundo envolvendo barragem de rejeitos
(AGÊNCIA BRASIL, 2016).
Além dos danos difusos e dos interesses coletivos, que tem sido objeto de diversas
medidas judiciais, como Ações Civis Públicas e Termos de Ajustamento de Conduta, a
contaminação do Rio Doce e seus afluentes ocasionou inúmeros problemas individuais a
população dos municípios e distritos diretamente afetados.
As primeiras semanas que sucederam o rompimento da barragem de rejeitos foram
pecuniariamente caóticas. Espécies endêmicas foram mortas, o Rio Doce transformado em
uma variação de mineroduto, comunidades tradicionais indígenas e de pescadores foram
imediatamente afetadas, e a chegada da lama no mar do estado do Espírito Santo foi
acompanhada passo a passo. Várias análises de água fora feitas que, à época, apontavam
como imprópria para consumo humano. Os laudos de análise de metais pesados e turbidez
mudam a cada dia, mas sempre atestando índices inadequados.
Os sistemas de tratamento de água buscaram se readequar com novas técnicas,
incluindo produtos da linha TANFLOC – coagulantes/floculantes. É consenso que o Rio Doce
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está contaminado, mas laudos atuais têm divergido sobre a potabilidade ou não da água para
consumo e atividades diárias, tais como banho, higiene e limpeza das casas.
A realização e a análise de relatórios sobre a qualidade da água são
incomensuravelmente importantes para a população, principalmente se feitos independente
das empresas mineradoras. Como asseverou o Ministério Público Federal na procedente Ação
Civil Pública de Colatina/ES, município abastecido pelo Rio Doce, há necessidade que as
mineradoras paguem perícias independentes, cuja indicação do órgão para auditoria será feita
pelo próprio MPF (GAZETA ONLINE, 2016).
As temáticas de contaminação da Bacia do Rio Doce e as incertezas na qualidade da
água são recorrentes em vários veículos de informação e reportagens. Por exemplo, em 23 de
outubro de 2016, foi objeto de matéria especial do Fantástico, programa de entretenimento da
Rede Globo (G1, 2016b). No decorrer da matéria, o Ministério Público Estadual de Minas
Gerais alertou para os níveis elevados de metais pesados e o risco à saúde.
A preocupação com a qualidade da água do Rio Doce é tamanha que a Defensoria
Pública da União em conjunto com o Ministério Público Estadual de Minas Gerais ajuizaram
Ação Civil Pública apontando, dentre outros fatores, a possibilidade de desenvolvimento de
doenças degenerativas na população, como Parkinson e Alzheimer (G1, 2016a).
Em decorrência de tudo isso, e como se não bastasse todo o desgaste socioambiental
sofrido pela coletividade ou por grupos determinados de pessoas, o cheiro de peixe em
decomposição pairava sobre os municípios, os pescadores ainda não sabiam qual seria uma
nova fonte de sustento, o racionamento de água, a busca pela água mineral - item raro nos
períodos iniciais pós-desastre - várias famílias pensaram em se mudar para outras cidades,
parte do comércio e o próprio Fórum de Governador Valadares ficaram fechados por certo
período.
Porém, de toda sorte, não apenas à época do ocorrido no complexo minerário de
Germano, mas até os dias atuais, os moradores sentem muita insegurança no consumo e uso
da água tratada. Várias residências têm buscado perfurar poços artesianos, ainda que seja por
meio de endividamento, – na maioria das vezes sem o sucesso esperado pois as análises
costumam indicar elevada presença de coliformes fecais e outras impropriedades – e fazem o
uso de água mineral para beber e cozinhar.
Mesmo que fosse possível a completa substituição, os problemas não se reduzem a
simplesmente na troca do consumo de água filtrada por água mineral. Ademais, não é simples
mudar o sistema de captação de água, direcionando-o para um rio diverso. A população dos
municípios banhados e abastecidos pelo Rio Doce estão em um completo estado de
desconfiança pois é impossível completamente acreditar em laudos de análise do manancial
hídrico e nenhuma medida efetiva foi tomada, até então, para limpar o Rio em sua extensão.
Não há consenso se, por exemplo, a água para tomar banho é adequada e há fortes
questionamentos sobre a potabilidade.
Ainda não se sabe a extensão dos danos causados e, conforme matéria da Revista
ISTO É (2016), não há como, até o momento, dimensionar e caracterizar o dano. Os rejeitos
que chegaram inclusive na costa marítima ocasionaram tamanha lesão a toda comunidade da
Bacia do Rio Doce que não é sabido nem quanto tempo vai levar para a recuperação
ambiental e social.
Mais recentemente, alguns especialistas da Fiocruz e outras entidades têm estudado
tese que associa o crescimento da epidemia de Zika, Febre Amarela, Chikungunya e Dengue
ao ocorrido, especialmente no estado de Minas Gerais, por ter contribuído com a degradação
ambiental. Como a vida de algumas espécies de sapos e lagartos (R7, 2016) foi prejudicada
com o rompimento e galgamento das barragens, os mosquitos vetores das referidas doenças
teriam se multiplicado (EL PAÍS, 2017). As requeridas conheciam os riscos iminentes do
rompimento da barragem (G1, 2016c).
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Tendo em vista todos esses fatos, os moradores das cidades afetadas, em especial em
Minas Gerais, têm entrado com ação de danos morais individuais em face às empresas
responsáveis pela exploração no complexo minerário de Germano. As questões jurídicas das
demandas são idênticas em sua maioria. E, como têm sido propostas nos Juizados Especiais, a
pauta de audiências ficou praticamente monotemática. A maioria dos processos pede R$
10.000,00 (dez mil reais) de indenização. E cada turma dos juizados, por sua vez, tem
decidido de forma diferente no que diz respeito aos valores. Para ações com mesmo
fundamento de direito e explanação de fato, inclusive para casos de vulneráveis, cada turma
tem fixado um valor próprio. No município de Governador Valadares em Minas Gerais, por
exemplo, há fixação R$ 7.000,00 (sete mil reais) e há fixação de R$5.000,00 (cinco mil reais).
Com isso em mente, e sabendo da previsão do instituto do IRDR no ordenamento
brasileiro, há questionamentos sobre a possibilidade de fixação de um mínimo para estes
casos envolvendo danos morais, que poderia ser majorado mediante comprovação de situação
especial. Em outras palavras, a determinação de um piso para a indenização, majorável se
demonstrado maior dano que o cidadão médio do município tenha sofrido. Especula-se ainda
que, cada cidade ou microrregião dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo venha a ter seu
próprio padrão mínimo estabelecido.
De fato, o número de demandas envolvendo essas questões é de tamanha
expressividade que o TJMG editou a Portaria Conjunta 561/2016 constituindo “Grupo de
Trabalho para estudar e apresentar propostas visando a efetiva prestação jurisdicional nos
conflitos” e suspendeu os processos em trâmite na Justiça Comum e nos Juizados Especiais
pelo prazo de 90 dias.

3.1 Do IRDR processo nº 1.0105.16.000562-2/001 em Minas Gerais

Um incidente que permeia a questão de danos morais já foi instaurado sob o nº


1.0105.16.000562-2/001 e admitido em 16 de março de 2017 pelo desembargador relator do
TJMG Amauri Pinto Ferreira. O objetivo de fixar tese jurídica, a ser aplicada a todos os
processos em curso e futuros, quanto a competência dos Juizados Especiais para processar e
julgar demandas cujo objeto é o fornecimento de água e/ou indenização por danos morais,
desde que tragam entre os fundamentos a dúvida acerca da qualidade da água fornecida pelo
sistema público de distribuição das cidades que captam água do Rio Doce em ações propostas
em decorrência da tragédia ambiental ocorrida em Bento Rodrigues/MG, considerando a
natureza técnica complexa da questão e a produção de prova pericial.
Conforme decisão do relator, o IRDR proposto preenche todos os requisitos e
pressupostos pelos motivos e fatos abaixo elencados, dentre eles o do art. 976, § 4º, pois não
há afetação nos Tribunais Superiores sobre a questão. Considerou, ainda, tratar-se de questão
unicamente de direito,visto o cunho estritamente processual e alusivo a competência ou não
dos Juizados para a matéria, sem qualquer atrelamento fático; e presença de elevado número
de processos com risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica, em decorrência de
existirem decisões que consideram ser necessária a realização de prova pericial com extinção
do feito sem resolução do mérito e outras decisões que consideram não ser. Só no município
de Governador Valadares são mais de 40 mil ações já propostas, com diversos entendimentos
e fixação do quantum indenizatório.
A imprevisibilidade das decisões judiciais contribui para enfraquecer o regime
democrático, porquanto desvalorizam a cidadania e a estabilidade das instituições.
A última decisão proferida em 01 de agosto de 2017 suspende todas as Ações que
fluam na Justiça Comum ou nos Juizados especiais que tenham como causa de pedir e/ou
pedido indenização moral decorrente da interrupção do fornecimento de água ou dúvida
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quanto a sua qualidade, após o retorno da catação e distribuição, em razão do rompimento da


barragem de rejeitos do Fundão, em Mariana, MG, que não tenham sido julgadas ou que, já
sentenciadas, estejam em fase recursal, excepcionando aquelas em que a sentença tenha
transitado em julgado ou que em segunda instância já se tenha esgotado a jurisdição do
Tribunal ou da Turma Recursal.
A competência para manejo do IRDR no âmbito do TJMG também merece ser
destacada. O art. 978 afirma que o órgão promovente da uniformização da jurisprudência no
Tribunal deverá julgar. Pela leitura art. 35, II do Regimento Interno do TJMG, fica claro que
compete a 1ª e 2ª Seções processar e julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas,
sendo que o feito foi distribuído para a 2ª Seção Cível. A legitimidade para propositura é
adequada visto que a parte ré requereu por meio de petição, juntamente com os documentos
necessários.
No que tange a exigência de haver pelo menos um recurso para julgamento no
Tribunal que verse sobre a matéria discutida, o relator entende adequado o trâmite nas
Câmaras Recursais e não no Tribunal de Justiça, tendo em vista que aquela é a instância
revisora das lides no Juizado. Os enunciados 45 e 47 do TJMG respaldariam tal
entendimento 49.
Se por um lado há o cabimento do IRDR e a necessidade de suspensão de feitos
semelhantes, por outro, há dúvidas e críticas sobre a competência da 2ª Câmara do TJMG para
julgar o incidente. Como o órgão uniformizador das teses dos Juizados Especiais é a Turma
Recursal, cabem dúvidas se não seria ela ao invés do TJ detentor da competência.
Cabe ressaltar também que, ao final do julgamento do incidente, será fixada tese
jurídica. A Samarco fez sugestão das teses jurídicas a serem fixadas. Em suma: apenas o
titular da conta de água seria legitimado processual; a prova seria feita pela colação da conta
de água; a prova pericial seria imprescindível para avaliar a qualidade da água, sem espaço
para dúvida subjetiva; reconhecimento de tentativas mitigadoras para abastecimento de água
por parte da empresa; e que o quantum não deveria ultrapassar o valor das duas últimas contas
de água que antecederam o desastre.
Dentre as críticas que podem ser feitas, destaca-se que era por imposição legal e
normativa, sob a égide dos princípios ambientais da precaução e prevenção, a Samarco
prestou alguma assistência à época da tragédia. Tais esforços não devem ser considerados
como mitigadores em lide indenizatória.

3.1.1 Do termo de transação, quitação e exoneração de responsabilidade

Apesar dos processos em trâmite no juizado especial estarem sobrestados, é


fundamental destacar que Termo de Transação, Quitação e Exoneração de Responsabilidade
estão sendo feitos entre os cidadãos e a Fundação Renova, designada para implementar,
executar e custear todas as ações ligadas ao Programa de Indenização Mediada, cujos
escritórios para tal finalidade encontram-se nos municípios de Colatina/ES; Linhares/ES;
Barra Longa/MG; e Governador Valadares/MG.
Tal acordo relaciona-se a todo e qualquer fato, impacto, efeito e/ou consequência
decorrente do rompimento da Barragem de Fundão e do galgamento da Barragem de
Santarém, ambas localizadas no complexo minerário de Germano, distrito de Bento

49 Enunciado 45 - (art. 976) O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas poderá ser suscitado com base
em demandas repetitivas em curso nos juizados especiais; Enunciado 47 - (art. 982, I, § 2º) Admitido o Incidente
de Resolução de Demandas Repetitivas, os seus efeitos alcançam também os processos de competência dos
Juizados Especiais.
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Rodrigues, Município de Mariana, Estado de Minas Gerais, ocorrido no dia 5 de novembro de


2015.
Dentre os termos presentes no acordo, destaca-se que os beneficiários outorgam “a
mais plena, ampla, geral, rasa, irrestrita, irretratável e irrevogável quitação em favor da
patrocinadora (Fundação Renova), da Samarco e de suas acionistas Vale S.A. e BHP Billiton
Brasil Ltda, bem como de suas respectivas seguradoras, em relação todos e quaisquer danos
patrimoniais e/ou qualquer outro tipo de dano, de natureza punitiva, exemplares,
compensatórios, consequenciais ou de qualquer natureza, relacionados, decorrentes ou
originários da suspensão no abastecimento e distribuição de água em consequência causada
pelo evento”. Ademais, os beneficiários do acordo também renunciam a quaisquer outros
direitos eventualmente existentes e presentes, sejam quais forem os resultados das
investigações sobre as causas do rompimento da barragem, inclusive por si e seus herdeiros
e/ou sucessores.
A Fundação Renova (2017) é pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos,
inscrita sob o CNPJ/MF nº 35.135.507/001-83. Conforme informações por ele disponibilizada
em seu sítio eletrônico, é responsável apenas por programas de reparação e mitigação dos
impactos e independente das empresas Vale, Samarco e BHP Billiton. Sua atuação pode ser
dividida em três frentes principais: o programa de indenização mediada; programas
socioeconômicos; e programas socioambientais, cuja presença se dá em todos os municípios
afetados de Minas Gerais e Espírito Santo.
Aqueles que assinam o termo de indenização mediada recebem um cartão para saque,
sendo os valores definidos como R$ 1.000,00 por pessoa, com acréscimo de R$ 100,00
quando tratar-se de vulnerável. É um valor baixo caso se pense no ocorrido, mas um pouco
menos injusto quando comparado com os R$ 10.000,00 e R$ 20.000,00 que os moradores de
Bento Rodrigues/MG desalojados e que perderam todas as posses materiais têm recebido.
A liminar que suspendia a feitura dos acordos por motivo de ilegalidades e cláusulas
abusivas foi alterada por decisão do Tribunal. Assim, os termos voltaram a ser firmados.
Porém, quando vulneráveis, o Ministério Público tem opinado pela homologação com
expressas ressalvas, inclusive porque o Programa de Indenização Mediada não seria mediação
de fato, tratando-se, em verdade, de contrato de adesão que excede limites da boa-fé,
finalidade social e pelos bons costumes.
Assim, o termo homologado pelo juiz, após parecer do Ministério Público, não vale
para eventuais danos futuros, mas apenas pela suspensão no abastecimento e distribuição de
água; a quitação é apenas em face da Fundação Renova, e não de terceiros; e é suprimida o
trecho que menciona a validade e perpetuidade do acordo independentemente de avaliações
futuras sobre as causas das problemáticas no complexo minerário de Germano.

3.2 Do IRDR processo nº 040/2016 no Espírito Santo

O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas nº 040/2016, interposto pelo


Ministério Público, foi deflagrado em razão das mais de 17.000 ações protocolizadas junto
aos Juizados Especiais Cíveis, especialmente em Colatina e Linhares. Este IRDR é o primeiro
a analisar questão relativa ao rompimento da barragem.
O objetivo é uniformizar o julgamento das ações que visam a reparação civil das
pessoas prejudicadas com a interrupção do abastecimento de água potável nas cidades
banhadas pelo Rio Doce e na Vila de Regência, em Linhares, onde ocorre o encontro do rio
com o mar.
A admissão foi feita pelo Supervisor dos Juizados Especiais, desembargador Ney
Batista Coutinho, com sobrestamento dos processos. São legítimos como suscitantes os
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magistrados componentes da turma recursal norte. O relator designado foi o juiz Marcelo
Pimentel, da 3ª turma recursal Região Norte.
Em 10 de março de 2017, a Turma Estadual de Uniformização de Jurisprudência do
Sistema de Juizados Especiais do Estado do Espírito Santo decidiu pela quantificação do
valor da indenização por danos morais em R$ 1.000,00 (um mil reais) individualmente,
considerando que “os municípios abastecidos pela água do Rio Doce não chegaram a ficar
cinco dias sem o serviço das concessionárias” (TJES, 2017).

4. Considerações finais: perspectivas e possibilidades da instauração de irdr valorativo


do dano moral individual

Conforme explanado ao longo do presente trabalho, o incidente de resolução de


demandas repetitivas se mostra como um instrumento aliado a isonomia, celeridade e a
segurança jurídica, desde que ressalvas possam ser feitas.
Em virtude disso, é um bom mecanismo para elidir contradições entre os julgados de
danos morais pela tragédia ambiental ocorrida em Bento Rodrigues/MG, ao passo que
contribui para a edificação e manutenção de sistema jurídico estável, seguro, célere e,
portanto, mais efetivo.
O IRDR julgado no Espírito Santo pela turma de uniformização dos juizados especiais
fixou valor para indenização individual. Por sua vez, o IRDR em trâmite no Tribunal de
Justiça de Minas Gerais tem delimitação clara: analisar apenas questão relativa a competência
dos juizados.
Ressalta-se que os dois incidentes relacionam-se ao período em que os cidadãos
ficaram sem o fornecimento de água, ou pela água fornecida em má qualidade pela
concessionária.
De toda sorte, em ambos os estados há o indicativo de que o valor de indenização é de
R$ 1.000,00 (mil reais), podendo ser majorado, conforme se vê nos Termos de Indenização
Mediada com a Fundação Renova, em R$ 100,00 (cem reais) quando se tratar de vulnerável.
Isso posto, cumpre, mais uma vez, notar que os danos morais individuais pelo
rompimento e galgamento das barragens do complexo minerário de Germano vão muito além
da interrupção do abastecimento e da incerteza da qualidade da água.
Os moradores das regiões cuja captação advém do Rio Doce tiveram danos diversos,
como os incontroversos: odor de peixe em decomposição, desânimo com a cidade;
impossibilidade de se banhar no rio. Além de outros fatores que podem ser melhor
comprovados, sendo o aumento dos casos de Zika, Dengue e Chikungunya um deles.
Destarte, o IRDR julgado no Espírito Santo possibilitaria, em tese, o peticionamento
de nova demanda embasada em fatos diversos para a indenização por danos morais. Se no
Termo de Transação a parte lesada afirma ter sido indenizada por qualquer dano referente a
tragédia em Bento Rodrigues/MG, o IRDR nº 040/2016 do Espírito Santo limita a interrupção
do abastecimento da água
Em Minas Gerais, por sua vez, ainda que o IRDR já instaurado não tenha como objeto
a fixação de quantum para os danos morais, o indicativo é que os julgados venham a provir o
mesmo valor base de R$1.000,00 (mil reais) individuais, assim como ocorre nas assinaturas
dos Termos com a Fundação Renova e nas ações afetas da tese do IRDR nº040/2016/ES.
Embora o IRDR vislumbre apenas questão jurídica, a jurisprudência capixaba nos
permite ponderar que a fixação de um valor mínimo para compensação por danos morais é
possível. A quantia que a Justiça e a Fundação Renova apontam é aquém das expectativas dos
jurisdicionados e dos atingidos. Os danos sofridos são de tamanha ordem que não é, até o
momento, estabelecer todas as implicações negativas da tragédia.
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Mas, ainda que o valor seja baixo, a análise do caso nos mostra que a fixação de um
piso indenizatório é possível. Em verdade, os danos morais são de natureza essencialmente
subjetiva. Mas, como uma coletividade foi afetada de forma bem similar e sentiu de forma
parecida os efeitos, há possibilidade de padronização das subjetividades. Evidentemente, por
outro lado, tais subjetividades podem e devem ser diferenciadas quando necessário.
Assim, parece razoável afirmar que o órgão julgador pode fixar uma quantia básica
individual a ser recebida, que poderá ser elevada se o jurisdicionado demonstrar que suas
condições fáticas necessitam de uma aplicação jurídica diversa. Uma grávida, por exemplo,
veio a abortar espontaneamente na lama quando a barragem se rompeu (BBC, 2016). Como o
índice de sódio de muitas marcas de água mineral é alto, hipertensos e idosos tiveram que
tomar cuidado redobrado.
Pode-se dizer, então, que a fixação de um quantum mínimo é para um cidadão médio,
uma abstração jurídica tal qual a mulher ou o homem médio, nem alto, nem baixo, nem
magro, nem gordo, nem velho, nem novo, nem branco, nem negro, nem sábio, nem tolo.
Cidadão médio como parâmetro para demais indenizações.
De toda forma, ainda existem muitos questionamentos sobre essa responsabilização.
Perguntas como: quem faz jus ao recebimento da indenização por danos morais? Apenas os
residentes da cidade? Aqueles que estudam e trabalham fora também fariam jus? Como
delimitar a extensão dos danos morais? Ao passo que ainda há sensação de insegurança e
desgosto, os danos se estendem até os dias atuais, como delimitar a extensão do dano? Danos
apenas pelas semanas que sucederam a tragédia?
Pela análise do caso, tais pontos serão objeto de teses firmadas pelo IRDR. Se não
houver uma mobilização e instrumentalização do processo como espaço de resistência para
efetivação dos direitos, eles não serão respeitados.
Cabe, portanto, aos demandantes a cobrança, e ao Estado o posicionamento de forma
célere e justa para que os atingidos pela tragédia socioambiental não continuem sendo
lesados.

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TJES. Justiça estadual fixa em R$ 1 mil as indenizações a serem pagas pela Samarco.
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serem-pagas-pela-samarco-em-razao-da-interrupcao-do-abastecimento-de-agua-potavel-no-
norte-do-estado/>. Acesso em: 20 ago. 2017.
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PRODUTOS PROGRAMADOS PARA MORRER: A


RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL RELATIVA À
OBSOLESCÊNCIA PLANEJADA E À DESTINAÇÃO PÓS-CONSUMO

Products scheduled to die: environmental responsibility for planned


obsolescence and post-consumer disposal

Fernanda Bernardes Monteiro de Castro 50


Lara Ramos da Silva 51
Maria Gabriela de Paula e Silva 52

Resumo: O consumismo tem sido peça-chave da sociedade contemporânea, tornando


basicamente um atributo desta. Na cultura consumista, fomenta-se o consumo daquilo que é
desnecessário, para movimentar uma cadeia de produção que objetiva o lucro a qualquer
custo. As práticas empresariais têm buscado cada vez mais estimular este consumo
exagerado, mantendo um ciclo de aquisição e rápido descarte pelos consumidores. Dentre as
estratégias para manter essa economia consumista, encontra-se a técnica da obsolescência
programada e da obsolescência percebida. Vale destacar que esta lógica causa diversos danos
ao meio ambiente por levar ao descarte de toneladas de lixo por ano, além de ser uma prática
que fere os direitos do consumidor. Diante desta problemática, o presente trabalho apresenta
instrumentos jurídicos que permitem coibir tais práticas mercadológicas abusivas,
demonstrando a relevância da aplicabilidade do princípio da responsabilidade civil ambiental,
amparada pela Constituição da República Federativa do Brasil, Lei da Política Nacional do
Meio Ambiente, Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos, Código de Defesa do
Consumidor e Código Civil, na produção de produtos com baixa durabilidade premeditada e
em relação ao descarte adequado dos produtos pós-consumo.

Palavras-chave: consumo; consumismo; obsolescência programada; responsabilidade civil


ambiental; responsabilidade pós-consumo.

Abstract: Consumerism has been a key part of contemporary society. The consumer culture
instigate the unnecessary consumption to encourage a production chain that aims profits at
any cost. Business practices have increasingly sought to stimulate overconsumption,
maintaining a cycle of acquisition and rapid disposal. Among the strategies to maintain this
consumer economy, there are the techniques of programmed or planned and perceived

50 Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Email:


fernandabmcastro@gmail.com
51 Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Email: laramosds@gmail.com
52Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Email:
mgabriela.silva@yahoo.com.br
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obsolescence. It is worth mentioning that this consumerist approach causes several damages
to the environment, leading to the disposal of tons of garbage per year. Besides this practice
also damages consumer rights. Having noticed all these problems, this article presents legal
instruments to curb these practices, showing the relevance of the environmental principles, the
Constitution and other Brazilian’s legislation.

Keywords: consumption; consumerism; planned obsolescence; environmental responsibility;


post-consumption responsability.

1. Introdução

Na busca do lucro, as sociedades contemporâneas têm desenvolvido cada vez mais sua
forma de produção, movidas pela lógica de que a maior quantidade de produtos produzidos
em menos tempo, somada ao rápido ciclo de aquisição e descarte pelos consumidores, é a
melhor alternativa. A questão que se mostra relevante ressaltar é a que custos essa corrida pelo
lucro tem sido feita, quem são os beneficiados e quais suas consequências.
Nota-se que as sociedades estão intrinsecamente afetadas pelo consumismo
desenfreado. Cada vez mais surge a necessidade de que os empresários reinventem a oferta de
produtos para manter o consumo elevado no cotidiano das pessoas, mantendo o ciclo rápido
de aquisição e descarte pelos consumidores. Assim, estratégias empresariais são
desenvolvidas e aplicadas para estimular tal consumismo desenfreado, sendo uma delas a
técnica da obsolescência programada ou percebida.
O consumo descontrolado e as técnicas utilizadas para estimular tal consumo têm
inúmeras consequências negativas que afetam o meio ambiente e os consumidores. O objetivo
do presente artigo é demonstrar como essas práticas e o sistema de produção e consumo
instalado na sociedade atual têm afetado diretamente o meio ambiente, causando problemas
graves que precisam de atenção.
A produção de mercadorias feitas para quebrar, ideia da técnica da obsolência
programada, é prejudicial para os consumidores por adquirirem um produto com durabilidade
prejudicada propositalmente, forçando que, em um curto espaço de tempo, um novo produto
seja adquirido, alimentando o sistema de produção e consumo. Além de contribuir para o
consumismo, essas práticas comprometem os recursos naturais e lançam quantidades
exorbitantes de resíduos no meio ambiente.
Assim, para combater a referida estratégia empresarial criada pelo mercado industrial,
será demonstrada a relevância da aplicabilidade do princípio da responsabilidade civil
ambiental, amparada pela Constituição da República Federativa do Brasil, Lei da Política
Nacional do Meio Ambiente, Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos, Código de Defesa
do Consumidor e Código Civil, na produção de produtos com durabilidade fraudulenta e em
relação ao descarte adequado dos produtos pós-consumo.

2. A sociedade consumista e os princípios ambientais: desafio contemporâneo de se


atingir a sustentabilidade

A palavra consumo pode ser entendida de uma maneira singela, como sendo algo
usual, comum. De acordo com a perspectiva de Zygmunt Bauman (2008), ao se pensar no
ciclo metabólico de ingestão, digestão e excreção, o consumo é uma condição, um elemento
inseparável da sobrevivência biológica que os seres humanos compartilham com outros
organismos vivos. Com a evolução da sociedade, a adoção do sistema capitalista e o
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desenvolvimento de novas tecnologias, o consumo passou a ser interpretado de uma forma


peculiar, inserido em um contexto de “revolução consumista”. É possível fazer uma distinção
entre consumo e consumismo, em que o primeiro consiste em uma satisfação de necessidades
e o segundo se caracteriza pelo desejo crescente por novos objetos, sem que estes sejam
realmente necessários para a sobrevivência. Assim, “o consumo é basicamente uma
característica e uma ocupação dos seres vivos como indivíduos, o consumismo é um atributo
da sociedade” (BAUMAN, 2008, p. 41).
A economia consumista se fundamenta no movimento de mercadorias, sendo que para
atender a todas as novas necessidades, impulsos, vícios e gerar novos mecanismos de
motivação, orientação e monitoramento de conduta, baseia-se na lógica do excesso e do
desperdício (BAUMAN, 2008). Produz-se uma quantidade exorbitante de produtos novos,
que rapidamente tornam-se obsoletos e, com isso, estimula as pessoas a comprarem novas
mercadorias, alimentando um ciclo vicioso, irrefletido e ambientalmente insustentável.
O advento do consumismo inaugura uma era de “obsolescência embutida”, “cultura
agorista”, “cultura apressada”, desvalorizando a durabilidade e igualando “velho” a
“defasado”, tornando os objetos impróprios para continuar sendo utilizados: “a
economia consumista se alimenta do movimento das mercadorias e é considerada
em alta quando o dinheiro mais muda de mãos; e sempre que isso acontece, alguns
produtos de consumo estão viajando para o depósito de lixo” (SILVA, 2012, p. 188).

No contexto de uma “sociedade de consumidores”, pautada em um consumo irrefletido


por parte de seus membros, surge uma nova discussão social a nível internacional que se
refere à preservação do meio ambiente. Em debates teóricos de diversas conferências voltadas
para a temática ambiental, entendeu-se que os recursos naturais são finitos e devem ser
conservados para a sobrevivência das presentes e futuras gerações. Entretanto, a ideologia
consumista torna difícil a implementação prática de mudanças estruturais que buscam frear a
produção e descarte em massa de mercadorias. Depara-se com a contraditória lógica da
sociedade produtora de mercadorias e de descartáveis, uma organização social que estimula o
consumo descontrolado e que, ao mesmo tempo, afirma a importância da preservação
ambiental como maneira de preservar a sua existência (LEAL et al., 2002).
Assim, diante deste contexto controverso, vê-se um grande desafio para o direito que é
o de conciliar as questões econômicas relativas ao consumo aos princípios ambientais que
regem a ordem jurídica nacional e internacional. Logo, observa-se que foi necessário um
redimensionamento do modo de exame do próprio Direito, coagindo a produção, aplicação e
efetividade das normas em geral sob o prisma de um novo paradigma de direitos difusos. Com
isso, introduziu-se na ordem jurídica princípios ambientais e deve-se, ao máximo, harmonizá-
los com a lógica econômico-consumista vigente.
Um dos princípios fundamentais do Direito Ambiental, presente na ordem jurídica
internacional, bem como na legislação brasileira, é o do Desenvolvimento Sustentável. É o
fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, que
encontra respaldo no art. 225 da Constituição Federal e também no art. 170 do mesmo
diploma legal. Este último dispositivo prevê que a ordem econômica deverá se fundar na
valorização do trabalho e na livre iniciativa, devendo assegurar uma existência digna,
conforme os ditames da justiça social, observados os princípios dispostos nos incisos, dentre
eles, a defesa do meio ambiente e a defesa do consumidor (MACHADO, 2014, p. 19-24).
Dessa forma, sob a perspectiva do consumismo, este princípio pode ser entendido como uma
forma de se repensar o consumo, racionalizando-o, para torná-lo sustentável. Deve-se
consumir o necessário, uma vez que aquilo que é desnecessário movimenta uma cadeia de
produção que objetiva lucro a qualquer custo.
Ainda sobre o debate acerca da sustentabilidade e o consumismo, é importante pensar
no princípio da equidade intergeracional, que traduz a necessidade de cada geração humana
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receber da anterior o meio ambiente natural ecologicamente equilibrado para que seja possível
o desenvolvimento da geração seguinte. Assim, nessa lógica, o consumo deve ser feito de
forma equilibrada, para que os recursos naturais possam ser aproveitados também pelas
próximas gerações. Dessa forma, recai sobre a nossa geração uma tensão potencial entre o
desenvolvimento econômico e sustentabilidade ecológica. Os recursos naturais passam a ideia
de serem valorados, em virtude do interesse depositado sobre eles. Busca-se, assim,
minimizar os riscos de findar com a oportunidade das gerações futuras usufruírem o meio
ambiente que vivemos (MACHADO, 2014, p. 19-24).
O princípio da responsabilidade ambiental também é fundamental no debate sobre o
consumismo. Este princípio faz com que os responsáveis pela degradação ambiental sejam
obrigados a arcar com os custos da reparação ou devem compensar o dano causado. Há
previsão constitucional para esse princípio no § 3º do art. 225, prevendo que “as condutas e
atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou
jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os
danos causados”. Dessa forma, é interessante pensar formas de inibir o consumismo
exacerbado na cadeia de produção, responsabilizando aqueles que incentivam condutas,
principalmente empresariais, que desconsideram a questão ambiental e visam meramente o
lucro.
Ademais, as consequências relativas à economia consumista, atinge também a seara do
Direito do Consumidor, podendo ser considerada também por este uma prática abusiva e
desleal. Percebe-se que se coloca ainda mais o consumidor em uma posição de
vulnerabilidade, pois ele acredita estar adquirindo um produto de boa qualidade, mas que, na
verdade, já está com sua durabilidade comprometida, o que irá forçá-lo a trocar sua
mercadoria rapidamente.
Tendo isso exposto, faz-se necessário discorrer sobre como a economia consumista se
concretiza em práticas empresariais abusivas de programação da durabilidade dos produtos,
além da problemática do descarte desses produtos que possuem curta vida útil. Deve-se,
assim, buscar formas de coibir tais práticas para se efetivar um direito ao desenvolvimento e
ao consumo em harmonia com as questões ambientais.

3. Feitos para quebrar: a técnica da obsolência programada

Uma das técnicas do sistema de produção e consumo exacerbado, que reflete as


questões apresentadas acima, é a obsolência programada, que atinge constantemente a
sociedade na atualidade. Utilizada por fabricantes para aumentar o lucro e incentivar o
consumo, a obsolescência programada é a produção de itens já com o término da vida útil
estabelecido, ou seja, o produto é planejado já com data para o fim de seu funcionamento,
criando a necessidade de nova compra ou conserto. Assim, percebe-se a lógica da
“descartabilidade” como política de consumo que guia a sociedade, desde a produção,
passando pelo consumo, até o descarte dos produtos, contribuindo para o acúmulo de lixo em
excesso.
Tal lógica não é recente, estando intrinsecamente ligada à transformação da sociedade
de produção em sociedade de consumo. Serge Latouche afirma que:

São necessários trê s ingredientes para que a sociedade de consumo possa prosseguir
o seu circuito diabólico : a publicidade, que cria o desejo de consumidor , o crédito,
que lhe fornece os meios, e a obsolescência acelerada e programada dos produtos
que, renova a sua necessidade (SANTOS, DOMINIQUINI, 2014, p. 3).
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Historicamente, o conceito de obsolência programada vem de programar para que um


objeto se torne obsoleto, ou seja, ultrapassado, “velho”. Essa lógica surgiu no início do século
XX, nos Estados Unidos, com a Grande Depressão, crise econômica histórica, sendo utilizada
para incentivar um modelo de mercado estruturado na produção em série e no consumo
desenfreado, com a finalidade de recuperar a economia do país. Nesse momento, Bernard
London, empresário do setor imobiliário estadunidense , escreveu o livro The new prosperity,
no qual ele afirmava que a saída da crise financeira era tornar obrigatória a obsolescê ncia
programada. Ele defendia publicamente que todos os produtos deveriam ter uma vida útil
limitada, pois acreditava que a baixa durabilidade dos produtos faria a máquina do consumo
girar naturalmente, com empresas produzindo, gente trabalhando e consumindo (SANTOS,
DOMINIQUINI, 2014, p. 6).
O Cartel Phoebus foi um marco na história da obsolência programada, com sede na
Suíça, era composto por empresas da área de lâmpadas elétricas, que acordaram,
secretamente, que as lâmpadas não deveriam durar mais que 1000 horas. A produção e
comercialização de lâmpadas foi limitada por esse acordo, levando a que lâmpadas produzidas
para durar muito mais tempo fossem barradas de entrar no mercado. A partir disso, passou-se
a implementar tal técnica em outros países além dos Estados Unidos, tornando-se cada vez
mais comum e presente com o passar do tempo e a perpetuação de sociedades consumistas.
Nota-se que as ideias perpetuadas nesse momento transformaram o paradigma da
finalidade da produção. Anteriormente, os engenheiros envolvidos nos projetos dos produtos
visavam à produção de produtos com alta durabilidade, a maior possível. Entretanto, a partir
desse momento, os engenheiros passaram a produzir com foco no fluxo de mercado e no
lucro, deixando a durabilidade totalmente de lado, buscando apenas a produção de produtos
que despertassem o desejo de consumo (SANTOS, DOMINIQUINI, 2014, p. 7-8). Os
motivos pelos quais a prática da técnica de obsolência programada prosperou podem ser
identificados pela conjuntura social e econômica encontrada, marcada pelo consumismo
desenfreado, despreocupação com as consequências ambientais e busca do lucro acima de
tudo.
Além do conceito de obsolência programada, atualmente, há também a questão da
obsolescência percebida, ou seja, propagação da ideia de que deve-se descartar produtos, que
estão em perfeito estado, para substituí-los por outros com nova aparência e “novas” funções.
Ao lado da obsolência programada, essas práticas estão inseridas na forma de produção,
marketing, consumo, envolvendo diretamente os consumidores na lógica da rápida
descartabilidade.
Inúmeras são as consequências de ambas as práticas, tanto na esfera ambiental, como
social e econômica. Na seara ambiental, é necessário ressaltar o uso ilimitado dos recursos
naturais, sem atenção aos desperdícios, emissão de gases estufa, produção exorbitante de
resíduos sólidos, de forma desnecessária, entre outros, que contribuem para a crise ecológica
atual. Na seara social e econômica, nota-se que os direitos do consumidor violados, pelo
vício oculto previamente inserido nos produtos, além da transferência do lixo produzido para
os países menos desenvolvidos, para que estes lidem com as externalidades negativas
decorrentes do consumo excessivo dos países mais desenvolvidos, prática conhecida como
injustiça socioambiental.
No que tange a essa prática de transferência de lixo entre os países, dos mais ricos aos
mais pobres, verifica-se legislações internacionais que a proíbem, principalmente quando se
trata de lixo eletrônico. Resta evidenciado o não cumprimento de tais normativas por diversos
países, sendo esse um problema de enorme repercussão nos países “depósito”. Isso porque, no
que se trata dos aparelhos eletrônicos, eles possuem diversos componentes não
biodegradáveis, além de materiais contaminantes.
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Essa prática é constante pois as técnicas necessárias para a reciclagem são caras e
trabalhosas, gerando um tráfico de lixo, conforme Elisabeth Rosenthal:

A exportaç ão ilegal de lixo a países pobres é um negócio internacional crescente. As


empresas tentam minimizar os custos de novas leis ambientais, como as da Holanda,
que taxam o lixo e exigem que ele seja reciclado ou dispensado de forma
ambientalmente correta. Roterdã, o porto mais movimentado da Europa, tornou-se o
principal duto de escoamento de detritos da Europa para destinos como a América
Latina. Nesses lugares , o lixo eletrô nico e o entulho de construções contendo
substâ ncias tóxicas costumam ser desmantelados por crianças , com grande prejuízo
para sua saúde (SANTOS, DOMINIQUINI, 2014, p. 10).

Um destaque deve ser dado aos produtos eletrônicos, tendo em vista a produção em
massa de celulares, smartphones, notebooks, tablets, etc. A indústria de aparelhos eletrônicos
tem crescido rapidamente e mostra-se como um ambiente propício para a obsolência
programada ou percebida. Novos produtos são produzidos a cada dia, com novas funções,
nova aparência, novos utensílios, levando os consumidores, por meio da publicidade, a
acreditarem que precisam substituir seus aparelhos antigos, pelos novos produtos ofertados no
mercado, apesar do bom funcionamento do obsoleto. Além disso, os produtos ofertados já são
programados pelos fabricantes para não durarem, sendo que, após um curto período, eles
começam a apresentar defeitos diversos. Quando a informação passada ao consumidor é que é
mais financeiramente viável o descarte de tal produto e a aquisição de um novo, concretiza-se
o ciclo da obsolência programada.
O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor realizou , em 2014, junto com a
Market Analysis, uma pesquisa sobre os hábitos dos consumidores brasileiros, com relaç ão ao
tempo de descarte de aparelhos eletrô nicos, eletrodomésticos, celulares e aparelhos digitais. O
resultado demonstrou que de todos os produtos pesquisados o celular é o que está mais sujeito
à estratégia da obsolescê ncia programada, conforme o quadro a seguir (VIEIRA; RESENDE,
2017, p. 241):

Além disso, dentro da pesquisa, identificou-se que existe uma baixa procura pelas
assistências técnicas quando se trata de aparelho celular , sendo que 81% dos brasileiros
trocam tal produto sem sequer encaminhá -los àquelas prestadoras de serviç o , pois muitas
vezes não existem peç as p ara reparo , ou seu valor é equivalente à aquisiç ão de um novo
produto.(VIEIRA, REZENDE, 2017, p. 241-242)
A obsolência programada ou percebida não está presente apenas no ramo dos
aparelhos eletrônicos, mas também na indústria da moda, automobilística, entre inúmeras
outras. Essa lógica tem gerado uma quantidade exorbitante de lixo , pelo incentivo ao descarte
e consumo de um novo produto . Os dados são alarmantes , segundo o relatório do PNUMA ,
onde estima -se que até o ano de 2020 o crescimento da produç ão de lixo eletrônico pode
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chegar a 500% na Índia comparando a 2007 e a 400% na China e na África do Sul (SANTOS,
DOMINIQUINI, 2014, p. 10).
Tal técnica afronta visivelmente os princípios de desenvolvimento sustentável e
equidade intergeracional. Isso porque não é compatível a lógica de produção e consumo
instalada atualmente, com a preservação dos recursos naturais e o desenvolvimento
sustentável. O desenvolvimento econômico só se mostra em descompasso com a preservação
do meio ambiente quando se perpetua a lógica nos moldes da demonstrada acima, de
desperdício de recursos, produção desenfreada de resíduos sólidos, ou seja, desenvolvimento
que não se atenta a necessidade de limites e de preservação do meio ambiente. Nesse quesito,
o princípio da equidade intergeracional se insere, pois é preciso que haja um desenvolvimento
sustentável para que as próximas gerações também possam utilizar, com consciência, dos
recursos naturais. No compasso do sistema de produção e consumo atual, pautado no uso
ilimitado dos recursos, tendo em vista a não regeneração de tais recursos no mesmo ritmo, não
restará recursos naturais para muitas gerações, além de que não terá espaço no planeta terra
para a convivência das próximas gerações com a quantidade de lixo gerada pelas anteriores.
Assim, é necessário o aumento da durabilidade dos produtos para que seja possível
atingir o equilíbrio indispensável à sociedade em todas as suas esferas, ambiental, econômica,
social, etc. Essa simples mudança na forma de produzir produtos teria resultados menos
negativamente impactantes para o meio ambiente, além de ser mais favorável ao consumidor.

4. Responsabilidade civil ambiental: reflexos sobre a obsolescência programada e o


descarte de produtos pós-consumo

Diante das múltiplas transformações tecnológicas e científicas, das práticas de vida


diferenciada, da complexidade crescente de bens valorados, bem como da emergência de
atores sociais, portadores de novas subjetividades (individuais e coletivas), o direito tem
sofrido adaptações para enfrentar os novos desafios. O estudo atento desses “novos” direitos
humanos relacionados às esferas individuais, sociais, metaindividuais, bioética e realidade
científico-tecnológica exige pensar e propor instrumentos jurídicos adequados para viabilizar
sua materialização e para garantir sua tutela jurisdicional. Impõe-se a construção de outro
paradigma para a teoria jurídica em suas dimensões civil, pública e processual, capaz de
contemplar o constante e o crescente aparecimento histórico de emergentes direitos
(WOLKMER, 2013, p. 4). Assim, faz-se necessário o debate acerca da postura que o direito
irá assumir frente às problemáticas questões relativas ao consumismo, principalmente em
matéria de responsabilidade por danos causados.
Inicialmente, faz-se necessário elucidar alguns conceitos gerais referentes à
responsabilidade. No que tange ao direito civil, pode-se dizer que, em linhas gerais, a
responsabilidade é composta de três pressupostos, cuja concomitância é sempre exigida para a
configuração do dever de indenizar: o dano, o nexo de causalidade e a conduta. Paralelamente
a tais requisitos, surge a figura da culpa lato sensu. Na hipótese da responsabilidade civil
subjetiva, a culpa se constitui como elemento indispensável para que se possa proceder à
responsabilização do agente, devendo-se comprovar adequadamente que o resultado danoso
decorreu de dolo, negligência, imprudência ou imperícia. Por outro lado, tratando-se de
responsabilidade civil de cunho objetivo, a aferição da culpa torna-se completamente
desnecessária. A lógica da responsabilidade objetiva reside na noção de risco inerente a
determinadas atividades, devendo os prejuízos causados em virtude tal “perigo” serem
ressarcidos objetivamente pelo indivíduo que optou por desempenhar essas atividades
potencialmente lesivas.
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Em matéria ambiental, a responsabilidade é independente de culpa, sendo, portanto,


objetiva, conforme o art. 14, § 1º da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81):

Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado,
independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados
ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da
União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e
criminal, por danos causados ao meio ambiente.

Vale ressaltar que, na responsabilidade ambiental, o sujeito passivo, isto é, a vítima, é a


coletividade e o objeto do prejuízo é o próprio meio ambiente (VIEIRA, REZENDE, 2015, p.
245). A proteção do meio ambiente é um direito difuso e deve ser entendida de maneira
ampla. A objetividade da responsabilidade, quando se trata de dano ambiental, decorre de
princípios sociais de caráter difuso e busca o respeito e o direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado. Em dispositivos do código civil também é possível imputar a
responsabilidade objetiva por dano ambiental, de acordo com o parágrafo único do art. 927,
que dispõe: “Parágrafo único: haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de
culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo
autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem” (VIEIRA,
REZENDE, 2015, p. 246). Dessa forma, percebe-se que tanto o texto constitucional quanto a
legislação infraconstitucional destacam a responsabilidade de reparação do dano para àqueles
que assumem o risco, com a sua atividade, de causar dano ao meio ambiente.

4.1 Responsabilidade civil ambiental pela obsolescência programada

Inicialmente, vale retomar o conceito supracitado de obsolescência programada que


consiste em uma estratégia da indústria para “encurtar” o ciclo de vida dos produtos, visando
à sua substituição por novos e, assim, fazendo girar a roda da sociedade de consumo. É uma
lógica da “descartabilidade” programada desde a concepção dos produtos. Isto é, os bens já
são feitos para durarem pouco (SILVA, 2012, p. 182). É válido destacar que a programação
planejada, no que tange ao término da funcionalidade de um produto ou ainda para que o
mesmo se torne obsoleto em curto prazo, é o planejamento proposital do fim da vida útil do
produto ou a possibilidade que ele se torne ultrapassado rapidamente. Diferentemente do
desgaste natural decorrente do uso, considerado algo normal.
A responsabilidade ambiental, como já apresentado, decorre da necessidade de
cumprimento da obrigação de respeito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. A
violação deste dever acarreta na responsabilidade de reparar o dano causado. Dessa forma,
sob o enfoque da obsolescência programada, os atores sociais que efetivam tal prática são
passíveis de responsabilização ambiental. Utilizar a “estratégia empresarial de programar a
diminuição da vida útil do produto gera imensuráveis e imprevisíveis impactos ao meio
ambiente, em função da exploração dos recursos naturais, e de toneladas de resíduos
produzidos, anualmente, em decorrência do pós-consumo” (VIEIRA, REZENDE, 2015, p.
248).
Insta salientar que a obsolescência programada também é responsável por violar os
direitos do consumidor, bem como a ordem econômica e social do país. Essa prática
empresarial é considerada ilegítima, pois lança novos produtos no mercado, acarretando na
inutilização das versões anteriores ou redução o respectivo ciclo de vida útil. Portanto,
percebe-se que há um vício intrínseco ao próprio produto (qualidade-adequação) que acarreta
sua imprestabilidade com notória ofensa à legítima expectativa e à incolumidade econômica
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do consumidor, impondo o descarte do bem adquirido e a imposição do ato de consumo


(TEIXEIRA, 2017, p. 2).
Em vista disso, a doutrina e a jurisprudência têm entendido que nos casos em que
demonstre que o produto comercializado possui vício que possa afetar sua qualidade e
finalidade, o consumidor estará resguardado pela lei consumerista. Isto significa que
consumidores que adquirem produtos com durabilidade propositalmente baixa, devido à
lógica da obsolescência programa, estão resguardados pelo CDC. Dessa forma, o art. 26 § 3º
do CDC prevê que “tratando-se de vício oculto, o prazo decadencial inicia-se no momento em
que ficar evidenciado o defeito”. Logo, comprovado que um produto teve sua durabilidade
premeditadamente reduzida, considerar-se-á um vício oculto e o consumidor terá em sua
defesa o diploma legal supracitado (SANTOS, DOMINIQUINI, 2014, p. 14). A adoção de tal
posicionamento por parte da jurisprudência tem sido recorrente, podendo-se citar, a título de
exemplificação, o Recurso Especial nº 984.106/SC, julgado pelo Superior Tribunal de Justiça
(STJ) em 04/10/2012. Visando a contextualizar de maneira sumária a decisão em tela, cabe
ressaltar que esta se deu no âmbito de uma ação de cobrança, ajuizada pela sociedade
empresária Sperandio Máquinas e Veículos Ltda. em face do consumidor Francisco Schlager,
na qual a supracitada sociedade pleiteava o ressarcimento pelo serviço de conserto prestado
no produto adquirido pelo réu (trator agrícola), após o prazo contratual de garantia (o vício se
manifestou 03 anos e 04 meses depois da compra). Em vista de tal conjuntura, o ministro Luís
Felipe Salomão manteve a improcedência, reconhecendo a presença de um vício oculto que se
inseria em um panorama de obsolescência programada contrário à boa-fé e à proteção do
consumidor:
Ressalte-se, também, que desde a década de 20 - e hoje, mais do que nunca, em
razão de uma sociedade massificada e consumista -, tem-se falado em obsolescência
programada, consistente na redução artificial da durabilidade de produtos ou do
ciclo de vida de seus componentes, para que seja forçada a recompra
prematura.[...]Certamente, práticas abusivas como algumas das citadas devem ser
combatidas pelo Judiciário, visto que contraria a Política Nacional das Relações de
Consumo, de cujos princípios se extrai a "garantia dos produtos e serviços com
padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho" (art. 4º,
inciso II, alínea "d", do CDC), além de gerar inegável impacto ambiental decorrente
do descarte crescente de materiais (como lixo eletrônico) na natureza.[...][E]m se
tratando de vício oculto não decorrente do desgaste natural gerado pela fruição
ordinária do produto, mas da própria fabricação, e relativo a projeto, cálculo
estrutural, resistência de materiais, entre outros, o prazo para reclamar pela
reparação se inicia no momento em que ficar evidenciado o defeito, não obstante
tenha isso ocorrido depois de expirado o prazo contratual de garantia, devendo ter-se
sempre em vista o critério da vida útil do bem, que se pretende seja ele "durável"
(STJ, REsp 984.106/SC, Min. Luís Felipe Salomão, 4ª Turma, Julgado em
12/10/2012 – trecho do voto do relator).

Nesse sentido, nota-se um grande avanço nas relações de consumo e nas questões
ambientais o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor e do meio ambiente frente à
tecnologia usada a serviço do capital e não ao bem-estar do ser humano, concretizada em
práticas como a obsolescência programada. Assim, é fundamental que os fornecedores
adaptem suas condutas empresariais aos princípios que regem a defesa do meio ambiente e do
consumidor, em um panorama de valorização dos direitos difusos. Além disso, é
imprescindível que os consumidores tenham o conhecimento de seus direitos e os órgãos de
defesa e tutela do consumidor possam fiscalizar a legitimidade de tais atos (TEIXEIRA, 2017,
p. 2).
149
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4.2. Responsabilidade civil ambiental pós-consumo: como reparar os danos decorrentes


do consumismo e da obsolescência programada

Como previamente elucidado no presente trabalho, o sistema capitalista que vigora na


atualidade estabeleceu sua base de sustento em uma ideologia de exploração e consumo
desenfreados que, diante de um contexto de recursos naturais finitos e sujeitos à degradação
provocada por agentes poluidores, se revela fatal para a manutenção do bem-estar e de
condições dignas de vida para o ser humano. Com efeito, percebe-se que o modelo
mercadológico ora em vigor ainda se alicerça em uma visão obsoleta e irresponsável perante o
Planeta, segundo a qual a atuação humana se mostraria superficial e incapaz de causar danos
permanentes na natureza, presumindo-se, “portanto, a autogestão da natureza, sendo
necessária uma visão ética que regulasse tão somente as relações humanas, numa perspectiva
plenamente antropocêntrica” (SANTOS, 2015, p. 05).
Entre os principais impactos ambientais decorrentes desse paradigma consumista que
domina a sociedade pode-se citar a questão relativa à produção exacerbada de resíduos não
biodegradáveis ou tóxicos, responsáveis por acarretar fortes danos ao meio ambiente caso não
sejam reutilizados ou descartados da forma mais adequada e ecológica.
Para reduzir os impactos resultantes do vertiginoso aumento do volume de lixo,
mostrou-se necessário que o Poder Público atuasse, sob a égide da Constituição Federal,
adotando mecanismos de exortação e responsabilização para todos os agentes que compõem o
ciclo produtivo das mercadorias, visando a promover a implementação de uma adequada
estrutura de disposição ou reaproveitamento dos resíduos. A entrada em vigor da Lei
12.305/2010, instituidora da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), e de sua norma
regulamentar, o Decreto 7.404/2010, claramente representa uma tentativa do Estado brasileiro
de corrigir os diversos problemas de cunho ambiental que enfrenta, na atualidade, com o
descarte inadequado de lixo.
A mencionada Lei 12.305/2010 apresenta como base norteadora o princípio poluidor-
pagador. Conforme asseveram Kozlowski e Arraes (2016), a principal finalidade de tal
princípio consiste no combate à tendência atual dos agentes econômicos de privatizar os
bônus e coletivizar os ônus de suas atividades, inserindo no mercado produtos não
biodegradáveis ou tóxicos sem arcar com os custos de seu descarte adequado. Tal preceito
reflete a necessidade de que os custos ambientais gerados pelas externalidades 53 negativas
sejam devidamente internalizados pelas atividades econômicas (KOZLOWSKI; ARRAES,
2016, p. 05). Nesse ínterim, insta salientar que o princípio poluidor-pagador possui tanto uma
dimensão reparatória, quanto uma preventiva, visando sempre à correção da iniquidade
cometida pelo setor empresarial ao alocar todo o custo ambiental de sua produção sobre a
sociedade. Frisa-se que este princípio não deve receber uma interpretação deturpada a ponto
de ser considerado um garantidor de um “direito de poluir” desde que os danos sejam
ressarcidos. A intenção desse preceito é exatamente aquela de evitar os prejuízos por meio da
internalização dos custos decorrentes do descarte da mercadoria, tanto que a própria PNRS
prevê diretrizes também para a fase de desenvolvimento e produção de equipamentos, dando
preferência ao design sustentável, ou seja, produtos que possam ser reciclados mais
facilmente, e a processos produtivos que gerem menor quantidade de resíduos sólidos
(SANTOS, 2015, p. 257).
Com o intuito de confiar concretude ao princípio poluidor-pagador, inserido em um
panorama de desenvolvimento sustentável e equidade intergeracional, a PNRS estabelece três

53 O termo “externalidades” indica um conceito, adotado no âmbito da economia, consistente nos “efeitos
colaterais da produção de bens ou serviços sobre outras pessoas que não estão diretamente envolvidas com a
atividade. Em outras palavras, as externalidades referem-se ao impacto de uma decisão sobre aqueles que não
participaram dessa decisão.
150
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mecanismos principais, quais sejam, (1) a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida
dos produtos; (2) a logística reversa; e (3) os acordos setoriais. Preliminarmente, antes de
discorrer acerca desses instrumentos positivados na Lei 12.305/2010, cabe notar que tal
diploma legal fornece um conceito amplo de resíduos sólidos (art. 3º, XVI, da Lei
12.305/2010), diferenciando-o da ideia de rejeitos 54 e abarcando, também, resíduos semi
sólidos, gasosos e líquidos, demonstrando um claro intuito do legislador de estender ao
máximo o âmbito de incidência da lei.
Passando à análise dos mecanismos de concretização do princípio poluidor-pagador,
vale comentar acerca da noção de logística reversa. Tal procedimento, definido no art. 3º, XII,
e no art. 33 da Lei 12.305/2010, tem como objetivo precípuo a internalização dos custos com
o descarte da mercadoria em sua cadeia de produção, fazendo com que os fabricantes
realmente assumam os riscos e ônus da atividade econômica que empreenderam para a
obtenção de lucros.

Estabelecida pelo art. 33 da PNRS, o referido procedimento caracteriza-se como


sendo o oposto da logística direta, representada pelo ciclo de vida do produto que
vai desde o fabricante até o consumidor. Sua função é operacionalizar, por meio
de instrumentos e processos, o retorno dos produtos utilizados pelo consumidor
aos fabricantes e importadores, por meio da coleta efetuada pelos centros de
assistência técnica e pelo comércio (SANTOS, 2015, p. 11) [grifo nosso].

A dinâmica da logística reversa pode ser esquematizada da seguinte forma:

Fonte: BRASIL, 2010.

Nos termos do Decreto 7.404/2010, responsável por regulamentar a Lei 12.305/ 2010,
a logística reversa pode ser implementada por meio de acordos setoriais, regulamentos
expedidos pelo Poder Público ou por termos de compromisso, sendo possível estipular tal
procedimento também por intermédio de leis, resoluções do Conselho Nacional do Meio
Ambiente (CONAMA) e processos de licenciamento ambiental. No que tange aos acordos
setoriais, segundo o art. 3º, I, da PNRS, estes consistem em “(...) atos de natureza contratual
firmados entre o poder público e fabricantes, importadores, distribuidores ou comerciantes,
tendo em vista a implantação da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida do
produto”. Cumpre pontuar que, até o ano de 2016, apenas três acordos setoriais foram
firmados, por meio do Comitê Orientador para a Implantação da Logística Reversa (arts. 33 e

54 Art. 3º, XV, Lei 12.305/10: “(...) resíduos sólidos que, depois de esgotadas todas as possibilidades de
tratamento e recuperação por processos tecnológicos disponíveis e economicamente viáveis, não apresentem
outra possibilidade que não a disposição final ambientalmente adequada”
151
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34 do Decreto 7.404/10), versando sobre: embalagens em geral; embalagens plásticas de óleo


lubrificante; e lâmpadas fluorescentes de vapor de sódio e mercúrio e de luz mista. No tocante
aos resíduos decorrentes de medicamentos e suas embalagens e de produtos eletroeletrônicos
e seus componentes, nota-se que já foram produzidos os Estudos de Viabilidade Técnica e
Econômica (EVTE) 55 a seu respeito desde 2014, mas, até 2016, não houve evolução no
processo de conclusão dos acordos setoriais, mesmo já havendo propostas de implementação
da logística reversa (KOZLOWSKI; ARRAES, 2016, p. 07).
Um exemplo interessante de logística reversa atualmente implantada no Brasil consiste
no “(...) Programa de Logística Reversa de Celulares, coordenado pelo Sindicato Nacional das
Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal (Sinditelebrasil), que tem por
escopo desenvolver procedimentos de disponibilização de postos de coleta, armazenamento,
triagem e envio para reciclagem de aparelhos celulares. Aderiram a esse projeto as seguintes
empresas de telefonia móvel: Claro, Nextel, TIM, Vivo e Oi” (SANTOS, 2015, p. 13-14).
Ademais, mostra-se interessante notar que, diferentemente daquilo que pode aparentar
à primeira vista, o mecanismo de logística reversa também pode se revelar bastante lucrativo
para o setor empresarial, conjuntura, essa, que estimula ainda mais a implementação desse
procedimento como maneira de beneficiar tanto o âmbito privado, quanto o público. Nesse
sentido, cabe mencionar as considerações feitas por Aline Beatriz Toledo (2013, p. 18-19):

Empresas conhecidas como ambientalmente responsáveis, representam uma forte


publicidade positiva, uma relação custo/benefício vantajosa. Apesar dos custos com
a estruturação de uma logística reversa os benefícios são positivos, aumentando
significativamente os lucros da empresa, visto que uma vez bem estruturada a
prática de reutilização de materiais como o alumínio, aço, computadores e outros,
acarreta na redução de custos de compra de matéria-prima. [...]A satisfação que um
produto proporciona não é relacionada apenas ao produto em si, mas também ao
pacote de serviços que o acompanha, como é o caso do recolhimento de embalagens
vazias.

No que concerne à lógica de “responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos


produtos” 56, cabe notar que a PNRS estabeleceu a responsabilização solidária de todos os
agentes da cadeia produtiva na implementação do descarte adequado dos materiais. Tal
solidariedade decorre de uma leitura conjunta da Lei 12.305/10, do art. 3º, IV, da Lei 6.938/81
e do art. 942 57 do Código Civil (SANTOS, 2015, p 19). Cumpre ressaltar que tal
responsabilidade não se limita ao setor empresarial, sendo aplicável, também, aos
consumidores, cuja atuação se revela essencial para promover a estrutura sustentável da
logística reversa:

Nessa esteira, observa-se que, se para que haja relação de consumo é necessária a
presença de ambos (fornecedor e consumidor), para que se evite ou repare os danos
ambientais oriundos de tal prática deve-se exigir, na mesma medida, a participação

55 O EVTE consiste em um estudo técnico que deve ser realizado para que se possa publicar o Edital de
Chamamento para propostas de procedimentos de logística reversa, etapa prévia essencial para a conclusão de
acordos setoriais (KOZLOWSKI; ARRAES, 2016, p. 07).
56 A responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos é definida pelo art. 3º, XVII, da Lei
12.305/10 como “conjunto de atribuições individualizadas e encadeadas dos fabricantes, importadores,
distribuidores e comerciantes, dos consumidores e dos titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de
manejo dos resíduos sólidos, para minimizar o volume de resíduos sólidos e rejeitos gerados, bem como para
reduzir os impactos causados à saúde humana e à qualidade ambiental decorrentes do ciclo de vida dos produtos,
nos termos desta Lei”.
57 Art. 942, CC: “Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à
reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela
reparação” [grifo nosso].
152
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de ambas as partes. Com efeito, a PNRS considera como geradores de resíduos todas
as pessoas, físicas ou jurídicas, particulares ou públicas, que, por meio de suas
atividades, produzem resíduos, advertindo, a lei, que aqui se encontra incluído o
consumo (SANTOS, 2015, p. 13).

Nesse sentido, verifica-se que, enquanto os produtores e comerciantes têm a obrigação


tanto de implementar estruturas físicas para o recebimento dos resíduos sólidos decorrentes
das mercadorias por eles introduzidas no mercado, quanto de fornecer aos consumidores
informações sobre a existência, a forma de acesso e a importância de tal estrutura, cabe aos
consumidores adotarem uma postura consciente, sustentável e cooperativa no sentido de
preferirem os produtos das sociedades que implementaram procedimentos de logística reversa
e de encaminhar tais produtos para os locais de recolhimento após o uso (SANTOS, 2015, p
251). Entretanto, malgrado a responsabilidade dos consumidores seja patente, nota-se grande
dificuldade em concretizá-la na prática. Com efeito, ainda que os Decretos 6.514/08 e
7.404/10 tenham estabelecido sanções seja para o setor empresarial, seja para o consumidor 58
e que o Centro de Estudos Judiciários do Conselho de Justiça Federal tenha fixado
entendimento de que o mero descarte da mercadoria não a desvincula do consumidor, resta
patente o fato de que, mesmo que se consiga provar o nexo de causalidade, seria preferível
buscar a responsabilização do setor empresarial, presumidamente dotado de mais recursos
para reparar o dano ambiental (SANTOS, 2015, p. 20).
Finalmente, mostra-se necessário ilustrar a temática da PNRS e do princípio poluidor-
pagador que o norteia mencionando o posicionamento da jurisprudência por meio da juntada
de acórdãos exemplificativos. Primeiramente, vale citar o Recurso Especial 684.753/PR,
julgado em 18/08/2014 pela 4ª Turma do STJ (Ministro relator: Antônio Carlos Ferreira), em
que se responsabilizou uma sociedade empresária fabricante de refrigerantes pelo descarte
inadequado de garrafas PET, utilizando como argumento o princípio poluidor-pagador. A
seguir, trecho do voto do Ministro Antônio Carlos Ferreira:

Com efeito, se por um lado os avanços tecnológicos induzem o emprego de


vasilhames tipo 'PET', obtidos a partir de matéria plástica, propiciando que as
empresas que delas se utilizam aumentem lucros e reduzam custos, não é justo que a
responsabilidade pelo crescimento exponencial do volume do lixo resultante seja
transferida apenas para o governo ou a população. Cuidando-se aqui da chamada
responsabilidade pós-consumo de produtos de alto poder poluente, é mesmo
inarredável o envolvimento dos únicos beneficiados economicamente pela
degradação ambiental resultante – o fabricante do produto e o seu fornecedor (STJ,
REsp 684.753/PR, 4ª Turma, Ministro Antônio Carlos Ferreira, julgado em
18/08/2014).

Ademais, cumpre mencionar o Recurso Especial 650.728/SC, julgado em 02/12/2009


pela 2ª Turma do STJ (Ministro relator: Antônio Herman Benjamin), em que resta clara o
posicionamento do Superior Tribunal de Justiça quanto à responsabilidade solidária de todos
os agentes envolvidos na produção do dano ambiental: “para o fim de apuração do nexo de
causalidade no dano ambiental, equiparam-se quem faz, quem não faz quando deveria fazer,
quem deixa fazer, quem não se importa que façam, quem financia para que façam, e quem se
beneficia quando outros fazem” (Trecho da ementa) .
Dessa forma, percebe-se que o Estado brasileiro desenvolveu diversos mecanismos
com o intuito de minimizar os riscos e danos ambientais decorrentes da lógica consumista que
rege a economia atual e da prática da obsolescência programada que a sustenta, criando

58 Arts. 61 e 62, Decreto 6.514/08 – estabelecem multa de R$ 50 mil a R$ 50 milhões para os membros do setor
empresarial e, no que tange aos consumidores, estabelecem pena de advertência ou, em caso de reincidência,
multa de R$ 50 a R$ 500.
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regulamentos aptos a guiar e estimular tanto o setor empresarial, quanto os consumidores a


aderirem a uma estrutura cooperativa de logística reversa, que contorna a prática desleal da
privatização dos bônus e socialização dos ônus.

5. Considerações finais

Diante do exposto no presente trabalho, nota-se que o paradigma de produção que


vigora na atualidade se revela egoísta e cegamente focado na via mais simples de obtenção de
lucros (redução dos gastos por meio da alocação dos custos para a sociedade). Tal perspectiva,
porém, afronta os princípios basilares do Estado Democrático de Direito, colocando em xeque
o direito difuso ao meio ambiente equilibrado e sustentável. Na verdade, o que se faz
necessário é uma redefinição do lugar do crescimento econômico e a promoção de um
desenvolvimento menos dependente da quantidade de mercadorias colocadas à disposição das
coletividades, levando-se em consideração a melhoria da qualidade de vida da população.
Portanto, deve-se buscar um modelo de crescimento econômico inverso àquele adotado pelo
sistema capitalista de desenvolvimento, que, ao confundir quantidade de mercadorias com
qualidade de vida, estimula o consumismo e, por conseguinte, a obsolescência programada.
Nesse ínterim, se torna premente a carência por um comportamento cooperativo e eficiente
entre todos os agentes envolvidos na cadeia produtiva, de forma que todos sejam beneficiados
e se reverta a lógica de privatização dos bônus e socialização dos ônus em nome de uma
atuação conjunta para a manutenção de um ecossistema adequado para a vivência digna e
respeitoso dos princípios da equidade intergeracional e do desenvolvimento sustentável.

Referências

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de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008.

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154
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aplicado à responsabilidade ambiental pós-consumo: a implementação incipiente da
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Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Rio de Janeiro, 2016.
156
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VIVENDO ABAIXO DO PERIGO: O JASSÉM E A BARRAGEM DE


REJEITOS DO PROJETO MINAS- RIO

Living under risk: jassem and the Minas-Rio project’s tailings dam

Yasmin Rodrigues Antonietti 59

Resumo: Conceição do Mato Dentro é um município localizado na mesorregião de Belo


Horizonte, possui cerca de 17.908 habitantes e, devido às grandes belezas naturais presentes
no seu território, representadas nos diversos ecossistemas que constituem a Serra do
Espinhaço, foi considerada a “capital mineira do ecoturismo”. Contudo, o cenário da cidade,
marcado pela diversidade sociocultural e econômica, foi profunda e permanentemente
modificado, em 2007, quando foi apresentado ao governo do estado de Minas Gerais a
proposta de um grande projeto minerário avaliado em 8 bilhões de dólares. O projeto Minas-
Rio, da mineradora sul-africana Anglo American, é um dos maiores complexos mínero-
portuários do mundo e desde as suas primeiras atividades, mesmo antes da licença prévia da
cava da mina, vem sendo objeto de contestação e de inúmeras denúncias de impactos
ambientais e violação de direitos humanos. As denúncias se concentram, majoritariamente,
sobre as definições de “áreas afetadas” adotadas pela empresa; o subdimensionamento dos
efeitos ambientais e sociais deflagradas pelo empreendimento; a flexibilização do processo de
licenciamento e o modo como a empresa conduz os processos de negociação com famílias
moradoras do entorno do empreendimento. Nesse sentido, o presente trabalho, buscou
compreender e etnografar a atual situação da comunidade rural de São José do Jassém frente à
chegada e implementação da empresa, substancialmente no que tange à localização da
comunidade, abaixo da barragem de rejeitos do empreendimento, consideradas as novas
dinâmicas resultantes do rompimento da barragem de rejeitos de Fundão, em Mariana, em
novembro de 2015.

Palavras-chave: Jassém; Conceição do Mato Dentro; mineração; Anglo American; conflitos


ambientais.

Abstract: Conceição do Mato Dentro is a municipality located in the Belo Horizonte’s


mesoregion. It has about 17,908 residents and, due to the great natural beauties present in its
territory, represented in the diverse ecosystems that make up the Serra do Espinhaço, was
considered the “ the capital of ecotourism ". However, the city's scenario, marked by socio-
cultural and economic diversity, was profoundly and permanently modified in 2007, when a
proposal for a large mining project evaluated at 8 billion dollars was presented to the Minas
Gerais state government. The Minas-Rio project of the South African mining company Anglo

59 Bacharel em Ciências Socioambientais (UFMG). Mestranda em Sociedade, Ambiente e Território


(UFMG/Unimontes). GESTA/UFMG. Email: antonietti.yasmin@gmail.com
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American, is one of the largest mining and port complexes in the world, and since its first
activities, even before the pre-license of the mine pit, has been subject of contestation and
numerous denunciations of environmental impacts and violation of human rights. The
denunciations focus mainly on the definitions of "affected areas" adopted by the company; to
the understatement of the environmental and social effects triggered by the enterprise; the
flexibilization of the licensing process and the way that company conducts negotiations with
families living in the surroundings of the enterprise. Therefore, the present work sought to
understand and ethnograph the current situation of the rural community of São José do Jassém
in relation to the arrival and implementation of the company, substantially with regard to the
location of the community, under the tailings dam of the project, considering the new
dynamics resulting from the disruption of the Fundão tailings dam, in Mariana, in November
2015.

Keywords: Jassém; Conceição do Mato Dentro; mining; Anglo American; environmental


conflicts;

1. Introdução

Conceição do Mato Dentro é um município localizado na mesorregião de Belo


Horizonte, possui cerca de 17.908 habitantes e, devido às grandes belezas naturais presentes
no seu território, representadas nos diversos ecossistemas que constituem a Serra do
Espinhaço, foi considerada a “capital mineira do ecoturismo” (IBGE, 2010). Foi declarada em
2005 reserva da Biosfera pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura (UNESCO) e integra o Circuito Estrada Real e o Circuito Serra do Cipó.
Destaca-se, também, para além dos atrativos naturais, nos traços e características
socioculturais presentes na região, tais como as festas religiosas, a produção de biscoitos,
doces e hortaliças pela agricultura familiar, o modo de vida tradicional de diversas
comunidades rurais e grupos étnicos, a exemplo de comunidades quilombolas como Três
Barras, Buraco e Cubas. Nesse contexto, vinha se consolidando no município uma economia
sustentável, baseada na agricultura familiar e no ecoturismo.
Contudo, o cenário anteriormente descrito, marcado pela diversidade sociocultural e
econômica, foi profunda e permanentemente modificado, em 2007, quando foi apresentado ao
governo do estado de Minas Gerais a proposta de um grande projeto minerário avaliado em 8
bilhões de dólares. Naquele ano, o então governador Aécio Neves assinou um protocolo de
intenções com o empresário Eike Batista, acionista da empresa MMX Mineração e Metálicos,
declarando o projeto como de “utilidade pública”, viabilizando sua implementação e dando
início ao processo de licenciamento ambiental. No ano seguinte, parte do capital da empresa
foi vendido para a empresa sul-africana Anglo American, que assumiu a construção da mina
de minério de ferro em Minas Gerais (MG).
O projeto Minas-Rio, com licença de operação desde 2014, hoje pleiteando as licenças
da terceira fase do empreendimento (“Step 3”), é um grande complexo minerário que envolve
uma lavra a céu aberto, uma usina de beneficiamento de minério de ferro, um complexo
industrial-portuário, além de compreender o maior mineroduto do mundo. Com capacidade
inicial de produção de 26,5 milhões de toneladas por ano, o minério é transportado de sua
cava, em Conceição do Mato Dentro (MG) até São João da Barra (RJ), passando por 33
municípios ao longo de 525 quilômetros.
Os vícios do processo de licenciamento, bem como o tratamento da área afetada pelo
empreendimento, contribuíram para a deflagração de diversos conflitos ambientais,
principalmente pelas áreas do projeto colidirem com terras tradicionalmente ocupadas e
ecossistemas protegidos, como a Serra do Espinhaço.
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Relatórios antropológicos elaborados pelo Ministério Público Federal (MPF) já


apontavam a especificidade dos modos de vida e reprodução das comunidades rurais atingidas
pelo projeto. Tratam-se de sítios familiares territorialmente articulados entre si, conformando
verdadeiras comunidades de parentesco, que, se caracterizam, em diversos casos, por terrenos
de herança cujo regime de posse conjuga formas apropriação privada à lógicas coletivas,
familiares, de acesso à terra e outros recursos (SANTOS, 2009/2010).
Entretanto, os efeitos do empreendimento Minas-Rio nos modos de ser e viver dessas
comunidades foram desconsiderados pelos estudos ambientais encomendados pela empresa,
nos quais o universo de atingidos se restringiu a apenas duas comunidades: Mumbuca/Água
Santa e Ferrugem. Esse entendimento prevaleceu no âmbito de todo o processo de
licenciamento, conduzido na Superintendência Regional de Meio Ambiente (SUPRAM) da
Unidade Regional Colegiada Jequitinhonha (URC-JEQ). Nesse contexto, se insere a
comunidade de São José do Jassém, que assim como mais duas comunidades, Passa Sete e
Água Quente, apesar de estarem submetidas ao risco de rompimento da barragem de rejeitos
do empreendimento, são desconsideradas como atingidas e, há 10 anos, lutam pelo seu
reconhecimento.
Antes de tratar da realidade específica da comunidade São José do Jassém e do
conflito ambiental deflagrado após a chegada da empresa Minas-Rio, farei uma breve
explanação do contexto macro relacionado à retomada de grandes empreendimentos
extrativistas no Brasil e, em seguida, levantar alguns aspectos do licenciamento ambiental do
projeto da Anglo American.

2. Neoextrativismo: a consolidação do processo de reprimarização da economia

Nos últimos anos, observa-se uma retomada do discurso de crescimento, calcado no


paradigma do desenvolvimento, na política econômica do Brasil e, de uma forma geral, na
maioria dos países da América do Sul. Na prática, notamos mudanças importantes nas
dinâmicas econômicas desses países, sejam por parte de governos liberais ou progressistas,
que apostam em um modelo de desenvolvimento voltado para a intensificação das atividades
extrativistas 60, acompanhada pela implementação de grandes obras de estrutura básica, como
ferrovias, portos, aeroportos, usinas hidrelétricas, entre outros. Esses investimentos são
apresentados como fundamentais e imprescindíveis para a inserção dos países no meio
econômico internacional, o que redundaria em benefícios econômicos e tecnológicos
(GUDYNAS, 2015).
A expansão da mineração nos países latino-americanos é uma das dimensões desse
processo, cujos governos apostam no setor como uma das fronteiras mais atrativas para a
inversão de capitais estrangeiros e nacionais. Segundo Bebbington (2011), um conjunto de
fatores contribuiu para a configuração desse cenário. Entre eles, o autor ressalta a adoção de
novas tecnologias de extração e reformas institucionais do setor, o incremento do dinamismo
econômico dos países do Atlântico Sul, a recente crise econômica enfrentada pelos países em
escala mundial e, por último, mas não menos importante, a entrada da China no mercado
mundial e, consequentemente, sua crescente demanda por commodities. Segundo o autor,
entre 1990 e 1997, a inversão em exploração mineral cresceu 90% no mundo, e 400% na

60 Assumo aqui a definição de extrativismo adotada por Gudynas (2015, p. 13) na qual o termo se refere a um
tipo de extração de recursos naturais, em grande volume e intensidade, e que estão orientados essencialmente a
ser exportados como matérias primas sem processar ou com um processamento mínimo. É importante ressaltar,
nesse sentido, que o autor assume enquanto extrativismo, para além de minerais e hidrocarbonetos, os
monocultivos destinados à exportação.
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América Latina; entre 1990 e 2001, 12 das 25 maiores inversões em projetos de mineração
foram realizadas em países latino-americanos.
Esse boom da mineração reafirmou o que os economistas definiram como
reprimarização da economia, ou seja, a primazia pela exportação de produtos com baixo
insumo agregado. Esse movimento foi acompanhado por mudanças profundas em diversas
outras dimensões, sejam elas econômicas, sociais e culturais, compondo o que diversos
autores denominam modelo neoextrativista (ACOSTA et al. 2016). Nesse sentido, Zhouri
(2016, p. 15) atenta para o fato de que esse processo se cumpre por meio de um complexo
processo de violência das afetações:

Trata-se de um processo que, definido alhures, pelos mercados mundiais,


materializa-se nos lugares promovendo a expropriação, a destruição de
ecossistemas, a desestruturação de economias regionais e locais, assim como a
morte de formas de ser, fazer e viver territorializadas. As “afetações” ao meio
ambiente, aos modos de vida comunitários, sejam indígenas ou tradicionais, são
também violentadoras dos processos participativos e dos marcos regulatórios. A esse
conjunto de violências intrínsecas à expansão da fronteira minerária nos países da
América do Sul se somam também outras modalidades de violência, tais como as
violências epistêmicas, simbólicas e raciais, caracterizando o que autores
lationoamericanos denominam de colonialidade do poder, do saber e do ser.

Ou seja, além de serem historicamente marginalizadas, camadas da sociedade como


índios, quilombolas, campesinos e comunidades tradicionais passam a ter que conviver com o
ônus desses processos. Essas comunidades são forçadas a monetarizar sua relação com os
recursos e com o território, tais como valores sentimentais, religiosos e culturais, bens
impossíveis de serem compensados economicamente, e por isso, são desconsideradas por
governos e empresas, configurando um cenário de inúmeras injustiças ambientais (ZHOURI,
2005).
Dessa forma, o projeto neoextrativista vem se consolidando América do Sul, os
governos locais buscam ampliar o mercado extrativo evidenciando os benefícios econômicos
de grandes projetos extrativistas ao mesmo tempo em que alteram profundamente os modos
de ser e viver das comunidades que são obrigadas a conviver com as novas condições
impostas por sua chegada. Assim, na medida em que se acentuam os impactos associados a
essa nova indústria, com eles crescem os movimentos de resistência por grupos e
comunidades atingidos em busca de justiça ambiental, como é o caso do conflito entre a
mineradora Anglo American e 22 comunidades rurais em Conceição do Mato Dentro.

3. O Projeto Minas-Rio

O Projeto Minas-Rio, da mineradora britânica Anglo American, é um dos maiores


complexos mínero-portuários do mundo. O Projeto divide-se em duas grandes zonas, uma
onde está localizada a lavra, que se estenderá por 12 km, entre as Serras do Sapo e da
Ferrugem, em Conceição do Mato Dentro (MG), até os limites de Itaponhoacanga, em
Alvorada de Minas. Nessa região, também estão instaladas a planta de beneficiamento e
tratamento do minério, as pilhas de estéril e a barragem de rejeitos, todas licenciadas em um
mesmo processo (GESTA, 2016). 61 A outra parte do complexo, localiza-se em São João da

61 Para um histórico detalhado do caso, consultar a ficha técnica “Resistência à Mineração da Anglo Ferrous
Minas-Rio S.A. em Conceição do Mato Dentro”, no Observatório dos Conflitos Ambientais de Minas Gerais
(GESTA, 2016).
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Barra, no litoral do estado do Rio de Janeiro, área onde foi instalado o Porto do Açu. Além
disso, o projeto abarca estruturas associadas, a saber, o maior mineroduto do mundo, com 529
km de extensão, que faz a ligação da cava até o porto, perpassando 33 municípios (26 em
Minas Gerais e 7 no Rio de Janeiro), uma linha independente de transmissão de energia
derivada da subestação da Companhia Energética do Estado de Minas Gerais (CEMIG), na
cidade de Itabira, e uma adutora de água, cuja captação se dá no Rio do Peixe (Bacia do Rio
Doce), no município de Dom Joaquim, para fornecimento de água limpa ao processo
industrial.
A produção de minério de ferro do Minas-Rio, hoje em processo de ramp-up 62,
pretende atingir a meta de produção de 26,5 milhões de toneladas por ano de minério de ferro,
para abastecimento do mercado exterior. Segundo o Parecer único da Secretaria de Estado de
Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustável (SISEMA, 2008, p. 8) “(...) apesar de viável
economicamente, o percentual médio do teor de ferro do jazimento é considerado baixo,
implicando extrações de grandes volumes, com grande geração de estéril e rejeitos”.
O Projeto Minas-Rio, desde as suas primeiras atividades, mesmo antes da Licença
Prévia (LP), vem sendo objeto de contestação e inúmeras denúncias de impactos ambientais e
violação de direitos humanos (PRATES, 2014, p. 11). As denúncias se concentram,
majoritariamente, sobre as definições de “áreas afetadas” adotadas pela empresa, que restringe
o reconhecimento do conjunto de comunidades atingidas; ao subdimensionamento dos efeitos
ambientais e sociais deflagradas pelo empreendimento; a flexibilização do processo de
licenciamento e; ao modo como a empresa conduz os processos de negociação com famílias
moradoras do entorno do empreendimento.
As primeiras denúncias remetem às aquisições de terras, em 2007, com a chegada da
empresa Borba Gato Agropastoril S.A. Com o discurso de aquisição de terras para criação de
cavalos, a companhia, subsidiária da MMX Mineração e Metálicos S.A., nunca revelou sua
real conexão com a empresa de Eike Batista. Um dos possíveis motivos seria esconder o
verdadeiro fim das áreas, para mineração,e que esse objetivo poderia causar resistência, por
parte dos moradores, para a venda 63 (DIVERSUS, 2011, p. 169).
Em 2008, foi assinado entre o empresário e o Governo de Minas, do então governador
Aécio Neves, um protocolo de intenções para investimento no estado. Em seguida, a MMX
vendeu as suas ações para a também acionária Anglo American, passando o projeto a ser
denominado com o nome fantasia de Anglo American Projeto Minas-Rio. No mesmo ano, a
empresa, a despeito das inúmeras manifestações contrárias a implantação do complexo –
inclusive em audiência pública –, recebeu a licença prévia, associada a inúmeras
condicionantes atreladas à etapa seguinte. Muitas dessas condicionantes nunca foram
cumpridas, fato que contribuiu para o aprofundamento do quadro de vulnerabilidade das
famílias que lutam até hoje pelo seu reconhecimento enquanto atingidas (PEREIRA;
BECKER; WILDHAGEN, 2013).
Esse processo, caracterizado como um "jogo de mitigação", caracteriza-se pela
prevalência da lógica de mercado vis-a-vis aos danos sociais e ambientais. Nesse jogo, as
políticas e normas ambientais são estigmatizadas como entraves ao desenvolvimento, e essas
comunidades são “sacrificadas” face ao crescimento econômico, restando a elas apenas
medidas mitigadoras e compensatórias. O processo de licenciamento torna-se, assim, um

62 É a fase inicial de um processo de produção, marcada pelo crescimento gradual da produção até alcançar a
sua estabilização.
63 Essa estratégia de negociação prévia com os moradores configura um modus operandi das grandes empresas,
uma vez que facilita a concessão de Licença Prévia junto ao Órgão Ambiental, ao mesmo tempo em que
fragmenta e individualiza as negociações, enfraquece os movimentos de resistência, relações familiares e com a
terra (RIBEIRO, 2015).
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instrumento legitimador da implantação de grandes projetos, contrariando seu pressuposto de


avaliação de sustentabilidade das obras (ZHOURI, 2008).
O caso Minas-Rio é, ainda, um exemplo emblemático de como o processo de
licenciamento foi flexibilizado em prol das licenças ao projeto. A mina foi licenciada pela
Superintendência Regional de Meio Ambiente (SUPRAM), órgão ambiental mineiro, o
mineroduto pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(IBAMA), e, o porto, pelo órgão ambiental do Rio de Janeiro, Instituto Estadual Ambiental do
Rio de Janeiro (INEA) (GESTA, 2016). O desmantelamento do processo, que demonstra a
lógica de apropriação do território pela companhia, além de não possibilitar uma visão
holística do projeto, contribui para o subdimensionamento de impactos, fragmentação de
famílias/sujeitos, bem como o processo de organização e luta. A questão torna-se ainda mais
complexa pelo fato das estruturas do projeto, bem como sua área de influência, colidirem com
terras tradicionalmente ocupadas (ZHOURI, 2016).
Segundo parecer antropológico elaborado pelo MPF em 2009 se tratam de sítios
familiares territorialmente articulados entre si, conformando verdadeiras comunidades de
parentesco, que, são caracterizados, em diversos casos, por terrenos de herança e, portanto,
uso comunal da terra (SANTOS, 2009). Esses territórios, mantidos através de dinâmicas
territoriais intrínsecas aos grupos, não foram considerados nos estudos de impacto ambiental
(EIA/RIMA), reduzindo toda a complexidade do sistema.
Outra tática marcante foi a fragmentação da Licença de Instalação (LI) em Fase I e II,
concedidas em dezembro de 2009 e dezembro de 2010 respectivamente, onde a fase I
correspondia às condicionantes cumpridas e a II às condicionantes não efetivadas, permitindo,
dessa forma a empresa acessar a licença de instalação com centenas de condicionantes não
cumpridas na licença prévia (LEITE, 2017, p. 22).
Em 2014, a Licença de Operação (LO) da mina foi concedida, sem que o universo dos
atingidos, tal como previsto na condicionante 45/2008, que era da fase da LP, fosse
reconhecido. A reunião da 86ª URC Jequitinhonha, no dia 29 de setembro de 2014, foi
marcada pela deslegitimação dos atingidos, desconsideração de denúncias e forte repressão
policial, inclusive com a prisão de integrantes do movimento social (PENNA, 2017).
Em outubro de 2015, foi concedida a licença prévia, concomitante com a licença de
instalação, da segunda etapa do empreendimento (“Step 2” - Otimização da Mina), mais uma
vez a despeito das inúmeras condicionantes não cumpridas, negligenciadas em todo o
processo. Um ano depois, em outubro de 2016 foi concedida a Licença de Operação do Step
2. Atualmente, tramita na URC Jequitinhonha o processo de licenciamento do Step 3 do
empreendimento, a expansão da Mina, em um cenário de perpetuação de denúncias dos
atingidos, falta de transparência e violações de direitos.

4. Disputas sobre as diferentes formas de apropriação do território: o caso do Jassém

São José do Jassém, ou apenas Jassém, é um distrito que divide sua administração
entre as prefeituras de Conceição do Mato Dentro e Alvorada de Minas. Ainda, é limítrofe de
um terceiro município, Dom Joaquim. É uma referência na compra de produtos e acesso a
serviços públicos, como por exemplo, é a sede da escola e posto de saúde utilizado por outras
comunidades rurais próximas a localidade, como por exemplo Água Quente e Passa Sete. Os
principais laços sociais dos moradores de São José do Jassém são constituídos por relações de
parentesco e de amizade. A comunidade é cortada ao meio pelo Rio São José, resultado da
junção dos córregos Passa Sete, Teodoro e Água Quente, recurso natural de fundamental
importância na construção da identidade do território, divisão física que marca, inclusive, a
distinção entre duas zonas do distrito: o Jassém e o Alto do Pompéu.
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A história da comunidade, segundo relatos dos moradores, se inicia com a doação de


terras de fazendeiros locais para Nossa Senhora da Conceição. Segundo Martins (2014, p. 18)
conta a tradição local que uma escrava, Maria Faustina, encontrou a imagem de Nossa
Senhora da Conceição na Fazenda Mombaça e levou-a para casa. No dia seguinte, a santa
teria desaparecido e retornado ao local onde foi encontrada e assim ocorreu por diversas
vezes. Tocados pela história, os fazendeiros da região mandaram construir uma capela para a
santa, local onde ela se encontra até os dias atuais. Com o tempo, segue a autora, os
trabalhadores que viviam “arranchados” nas fazendas da região migraram para a terra de
“Nossa Senhora”, que era “pra pobreza morar”. A comunidade enquadra-se, dessa forma, no
que Almeida (2008, p. 149) define como “terra de santo”. Quanto ao trabalho e produção, os
moradores remetem ao tempo dos plantios, revelando que o trabalho estava ligado,
majoritariamente, às plantações na “meia” 64 com os fazendeiros da região. Das festas
tradicionais do distrito, destaca-se a celebração do Jubileu de São Sebastião, no dia 20 de
janeiro. Diversas relações, sobretudo com o rio e com a produção, foram profunda e
permanentemente modificadas com a chegada do empreendimento Minas-Rio, que, desde
antes da sua etapa de instalação deflagrou inúmeros efeitos socioeconômicos na comunidade.

4.1 Os efeitos socioeconômicos dados pela chegada da empresa

A relação da população do Jassém com a empresa sofreu grandes mudanças após o


rompimento da barragem Fundão, em Mariana. Em um primeiro momento, notamos a tímida
participação dos moradores movimento de resistência. Contudo, após a tragédia da barragem
Fundão, e as recentes demissões de moradores pelas empresas terceirizadas, notamos que os
moradores passaram a participar das reuniões, audiências públicas, mobilizações, interrupção
de atividades da empresa e mesmo a paralisação de rodovia com objetivo de se fazerem ouvir.
Desde então, de forma pública e mais intensa do que averiguado nos anos anteriores, os
moradores passaram a denunciar os efeitos socioeconômicos dados pela chegada da empresa.
Uma das principais reclamações, presente em todos os relatos, para além da
localização da comunidade a jusante da barragem de rejeitos, é a diminuição da vazão do rio
São José. O curso d’água era utilizado pela comunidade para diversos fins, tais como a
dessedentação de animais, lavagem de roupas, vasilhas, água para consumo e banho, pesca e
lazer. As memórias do rio são contadas com muito saudosismo, ao mesmo tempo em que
trazem muita tristeza pelo comprometimento das atividades devido à diminuição da vazão e a
contaminação da água do rio pelo empreendimento.
Outros temas muito presentes nas denúncias dos entrevistados estão intimamente
ligados ao fato de o Jassém estar localizado em uma zona de Compensação Florestal do
empreendimento Minas-Rio. Além de estarem “ilhados” em meio a terras da empresa, os
moradores são obrigados a conviver com os efeitos dessa relação, como o aparecimento de
bichos estranhos e a proibição da retirada de lenha (MARTINS, 2014, p. 68).
A lenha, além de ser o principal combustível para os fogões, também era utilizada para
o cercamento de terrenos, construção de casas e também para a confecção de vassouras.
Depois da compra dos terrenos limítrofes ao Jassém, os moradores foram cerceados da
possibilidade de fazer a retirada da lenha e até mesmo adentrar nos terrenos da empresa. As
áreas, antes de livre acesso, foram cercadas e placas proibitivas fixadas.
Outra reclamação frequente se refere à presença de animais nunca antes encontrados
na região. Os moradores revelam que – apesar de nenhum documento oficial assumir que

64 Sistema de “parceria” entre o fazendeiro e o trabalhador, no qual o primeiro cede as terras e as sementes e o
segundo a força de trabalho. Ao fim do processo, a produção é dividida entre as partes conforme o acordo pré-
estabelecido, no caso em questão, a metade da produção
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existe soltura de animais nas zonas de compensação ambiental – a empresa faz a captura de
espécies na área de atividades da empresa e realiza a soltura nos terrenos a ela pertencentes
nas adjacências do Jassém. A presença desses animais prejudica as plantações - pisoteando, se
alimentando e destruindo as roças - e também comprometem as criações, já que, muitas vezes,
os animais que hoje são encontrados na região são conhecidos pela predação de crias de
pequeno porte, como, por exemplo, as galinhas. Nessa situação, muitos moradores se veem
obrigados a cercar parte do seu terreno, como medida protetiva às invasões, desembolsando
grande quantia para tal, já que, agora, são forçados a comprar a madeira para a manutenção
das cercas.
Para além disso, tomamos conhecimento de denúncias em relação ao barulho de
máquinas trabalhando a noite toda e ao aumento da insegurança na região. Os roubos e a
violência, conforme pudemos perceber pelas entrevistas, são resultado do trânsito de pessoas
desconhecidas, trazidas seja para trabalho na própria mineradora, ou atraídas pela
movimentação na região. Soma-se a esses efeitos, risco de o Jassém se localizar abaixo da
barragem de rejeitos do Minas-Rio.

4.2 O Jassém e a barragem de rejeitos

Conforme descrito no tópico anterior, são muitas e diversas as mudanças às quais os


moradores do Jassém se viram submetidos. Porém, no último ano, as reivindicações da
comunidade ganharam destaque devido à mudança de contexto desencadeada pelo
rompimento da barragem de rejeitos de Fundão, na cidade de Mariana, em novembro de 2015.
O desastre tecnológico, caracterizado como sendo o maior desastre ambiental da história do
país, foi responsável por mortes, contaminação de recursos hídricos, extinção de espécies,
comprometimento dos modos de vida e reprodução social de diversas comunidades
localizadas no rastro de destruição deixado pela lama proveniente da ruptura (ZHOURI;
BOLADOS; CASTRO 2016, p. 13). O caso de Mariana foi definitivo para reavivar o risco
real a que estão submetidas às comunidades localizadas a jusante da barragem de rejeitos
Minas-Rio.
A barragem de rejeitos do empreendimento, que possui capacidade de armazenamento
de 370.000.000 de m de rejeitos (aproximadamente 148.000 piscinas olímpicas), é 7,4 vezes
maior que a barragem de Fundão, em Mariana. A área do reservatório é de 875 hectares,
aproximadamente 1060 campos de futebol. Estima-se que a geração anual de rejeitos seja da
ordem de 28.000.000 toneladas por ano, que será encaminhado na forma de polpa até a planta
da barragem, onde, através do processo de sedimentação a polpa irá para o fundo e a fração
sobrenadante será recuperada em uma Estação de Tratamento de Esgoto (ETE). A cota da
barragem é de 725m, cujos estudos feitos pelo empreendedor indicam serem suficientes para
reserva dos rejeitos por cerca de 20 anos (BRANDT, 2007, p. 55).
A comunidade do Jassém está localizada a cerca de 8 km da barragem de rejeitos da
mineradora Anglo American, assim como outras duas comunidades, Passa Sete e Água
Quente. Essa distância enquadra-se na chamada zona de autosalvamento, segundo o projeto
de lei de iniciativa popular resultado da campanha “Mar de Lama Nunca Mais”, encabeçada
pelo Ministério Público de Minas Gerais. O projeto tem como objetivo aumentar a segurança
das barragens, bem como evitar desastres como o ocorrido em Mariana, tendo, como
princípio, evitar que sejam instaladas barragens de rejeito próximas a núcleos populacionais.
Como consta no seu art. 5º:

Não será autorizada a instalação de barragem que identifique comunidade na zona


de autossalvamento nos estudos de cenários de rupturas.
Parágrafo único. Considera-se zona de autossalvamento, para os fins deste
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dispositivo, a região a jusante da barragem em que se verifica não haver tempo


suficiente para uma intervenção concreta das autoridades competentes em caso de
acidente, tendo como área mínima o raio de 10 km a partir da estrutura
principal do empreendimento (grifo meu).

O rompimento da barragem de Fundão em Mariana intensificou a consciência dos


moradores acerca do risco a que estão, concreta e efetivamente, submetidos, e relatam que,
após o evento, não conseguem mais “ter paz”.
Porém, as reivindicações eram tratadas como questões de “percepção” dos atingidos,
tanto pela empresa, quanto pelo órgão ambiental e empresas de consultoria. O desastre de
Mariana foi fundamental, nesse sentido, para evidenciar o perigo real e concreto ao qual estão
sujeitos os moradores das comunidades do Jassém, Passa Sete e Água Quente.
Os moradores, com medo que a tragédia se repita com a barragem da Anglo American,
desde o final de 2015 vem se organizando em encontros e reuniões que tem como objetivo
discutir frente a empresa e o órgão licenciador encaminhamentos quanto a posição na qual se
encontram. Em todas as reuniões e manifestações públicas, os moradores trazem a pauta do
reassentamento. Nesse sentido, os moradores mostram-se conscientes que estão vivendo em
uma área de risco. Quase todos os relatos presenciados pelas denúncias em espaços públicos
de “diálogo” com a empresa trazem narrativas como: “eu deito e não sei se vou levantar”,
“não se brinca com água”, “essa empresa chegou para arrasar tudo, principalmente a minha
vida. Eu penso dia e noite nessa barragem”.
O temor é, ainda, impulsionado por dois fatores, os relatos de antigos trabalhadores
das empresas terceirizadas, que revelam terem tido contato com rachaduras na barragem e os
episódios de enchentes muito presentes na história comunidade, que, em determinadas épocas
lidam com áreas que ficam totalmente alagadas, exacerbando o medo da chuva e da
possibilidade de o fator contribuir para o extravasamento dos limites da barragem ou mesmo
seu rompimento.
A única medida tomada até agora pela empresa Anglo American, frente a todos os
danos descritos, envolve a tentativa de instalação de uma sirene de alerta para o rompimento
da barragem.
Todos os fatores já evidenciados, somados às tentativas da empresa de cumprir com a
instalação da sirene, criou um cenário em que os moradores viram a necessidade de se
posicionar pública e contrariamente à empresa, o que os engajou na luta e na resistência frente
ao empreendimento. Nesse cenário, a partir de 2016, notamos uma ativa participação dos
comunitários do Jassém em reuniões, oficinas, debates e manifestações, motivada,
substancialmente, pela intensificação da consciência do risco de rompimento da barragem a
que estão, concreta e efetivamente, submetidos, principalmente após o rompimento da
barragem de Fundão, em Mariana, em novembro de 2015.

5. Considerações finais

Segundo Castro et al. (2016), a exploração mineral sempre se mostrou bastante


problemática e isso se deve à natureza dessa atividade. Seu caráter poluidor, e a necessidade
de utilização de vastas áreas, impossibilitam a sobrevivência, simultânea, de comunidades
junto a esses projetos. Os processos expropriatórios se tornam, dessa forma, caso comum em
territórios de conflito entre grandes empresas frente às diferentes formas de apropriação do
espaço, através de um avanço gradativo de violências, imposições e desapropriações. O
conflito ambiental instaurado em Conceição do Mato Dentro é um exemplo emblemático
desse processo.
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Contudo, esses processos não são recebidos de modo unânime e consensual: conforme
se expande a fronteira de implementação de grandes empreendimentos, como o Minas-Rio,
também crescem as denúncias dos efeitos socioambientais associados a esses
empreendimentos. É esse, também o caso de Conceição do Mato Dentro, à medida que se
evidenciavam as irregularidades do licenciamento e as violações de direitos humanos, as
comunidades que sofrem os efeitos do empreendimento se organizaram na busca pela
efetivação dos seus direitos e pela justiça ambiental.
É importante ressaltar, nesse sentido, que a complexidade do caso, a extensão das
áreas afetadas e o modo como foi conduzido o licenciamento ambiental influíram sobre como
se deu o processo de mobilização e resistência. O movimento é caracterizado pela sua
heterogeneidade e sua fluidez, principalmente em termos temporais, na qual diferentes
comunidades se mostravam mais ou menos mobilizadas conforme se acentuavam os efeitos
do empreendimento ou a repressão por parte da empresa, apesar de em todos os momentos a
tônica do movimento se dar pela luta por justiça e reconhecimento (BEBBINGTON, 2011, p.
69; e FERREIRA, 2015).
Nesse contexto, a comunidade de São José do Jassém se insere nesse processo,
principalmente a partir de 2016 e passa a sustentar um importante discurso do movimento: a
luta pelo reconhecimento das comunidades localizadas a jusante da barragem de rejeitos.
Todavia é importante refletir como se deu essa inserção e o histórico da comunidade.
O Jassém e as dinâmicas estabelecidas em seu território foram profunda e
permanentemente modificadas a partir da chegada do empreendimento da Anglo American,
contudo, durante os primeiros anos de instalação e funcionamento do empreendimento, a
mobilização e presença da comunidade nos movimentos de resistência foram tímidas, ainda
que fossem relatadas denúncias do temor frente a barragem de rejeitos desde as primeiras
reuniões promovidas pelo Ministério Público de Minas Gerais. Porém, a recente inserção dos
moradores no movimento de resistência e o modo como esse processo se deu demonstra que
ao mesmo tempo em que a empresa colocava questões à comunidade, ela foi capaz de se
ressignificar e reagir. Uma leitura possível, considerando a rapidez desse processo e a maneira
firme que os moradores se impuseram é de que, nos primeiros momentos, essa reação se deu
através do que Scott define como “resistências cotidianas” até o momento em que a mudança
de contexto pressionou os moradores a adotarem outra postura.
Uma explicação é que esse turning point se deu a partir de um evento determinado: o
rompimento da barragem Fundão. O desastre demonstrou a concretização do risco a que
estavam vivendo, e, a partir de então, os moradores se conscientizaram que, para além das
trajetórias de vida, estavam unidos pelo risco de sofrerem os mesmos efeitos das comunidades
rurais de Mariana (MG). A partir de então, a comunidade se inseriu e se apropriou de um
papel importante no movimento de resistência, assumindo protagonismo na luta pelo
reconhecimento das comunidades localizadas à jusante da barragem de rejeitos e garantindo
“novo gás” à articulação.
O fator “união”, representado pelo risco, se torna, assim, a estratégia de articulação
dos moradores que, ao longo do último ano, permanecem mobilizados a despeito dos
inúmeros “boicotes” realizados pela empresa, tais como a paralisação de obras e a
implantação da sirene de emergência em terreno limítrofe à comunidade. Os moradores do
Jassém continuam, portanto, ativos na luta pelo reconhecimento de seus direitos e seguem
denunciando as inúmeras irregularidades do processo de licenciamento, fator de extrema
importância para o movimento, considerando o momento crítico atual, em que o
empreendedor requer as licenças do “Step 3” do projeto.

Referências
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JUSTIÇA AMBIENTAL E DEMOCRACIA: UMA CONSTRUÇÃO


PROCESSUAL 65

Environmental justice and democracy: a procedural construction

Lorena Machado Rogedo Bastianetto 66


Magno Federici Gomes 67

Resumo: A diretriz principiológica da justiça ambiental é um conceito em branco que impõe


substanciação pela matriz do Estado Democrático de Direito. Essa atividade hermenêutica é
ainda mais importante quando se trata de bens ambientais, cuja natureza difusa torna
complexa as tensões entre interesses privados e públicos. Na realização desta pesquisa, foi
utilizado o método teórico-documental, com raciocínio dedutivo e técnica de pesquisa
bibliográfica. Propõe-se ao estudo da construção processual dos princípios ambientais no
intuito de fortalecimento da democracia, para compreensão do que é justiça ambiental
democrática.

Palavras-chave: bem ambiental; justiça; Estado Democrático de Direito; processo


constitucional; direitos fundamentais.

Abstract: The principle of environmental justice is an imperfect concept which demands for
substantiality by the framework of the Democratic State of Law. This elucidative activity is of
greater importance when it comes to environmental assets of collective nature, once tensions
between private and common interests are complex. In the accomplishment of this paper, the
theoretical-documentary method was used, with deductive reasoning and technique of
bibliographical research. This work aims to study the procedural construction of

65 Trabalho financiado pelo Edital nº 05/2016 (Projeto nº FIP 2016/11173-S2) do FIP/PUC, resultante dos
Grupos de Pesquisas (CNPQ): REGA, NEGESP e CEDIS (FCT-PT).
66 Professora de Análise Econômica do Direito e Direito Tributário da Universidade Salgado de Oliveira; Mestre
em Direito Ambiental (Escola Superior Dom Helder Câmara/ESDHC/BH); Doutoranda em Direito Processual
pela PUC/MG. Advogada. E-mail: lorenarogedobastianetto@hotmail.com
67 Pós-doutor em Direito Público e Educação pela Universidade Nova de Lisboa-Portugal. Pós-doutor em
Direito Civil e Processual Civil, Doutor em Direito e Mestre em Direito Processual, pela Universidad de Deusto-
Espanha. Mestre em Educação pela PUC Minas. Professor do Mestrado Acadêmico em Direito Ambiental e
Sustentabilidade na Escola Superior Dom Helder Câmara. Professor Adjunto da PUC Minas e Professor Titular
licenciado da Faculdade de Direito Arnaldo Janssen. Advogado Sócio do Escritório Moraes & Federici
Advocacia Associada. Integrante dos grupos de pesquisa: Regulação Ambiental da Atividade Econômica
Sustentável (REGA)/CNPQ-BRA, Centro de Investigação & Desenvolvimento sobre Direito e Sociedade
(CEDIS)/FCT-PT e Núcleo de Estudos sobre Gestão de Políticas Públicas (NEGESP)/CNPQ-BRA. ORCID:
<http://orcid.org/0000-0002-4711-5310>. Currículo Lattes: <http://lattes.cnpq.br/1638327245727283>. Email:
federici@pucminas.br
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environmental principles in order to strengthen democracy, to understand what democratic


environmental justice is.

Keywords: environmental asset; justice; Democratic State of Law; constitucional process;


fundamental rights.

1. Introdução

Um dos questionamentos mais pertinentes para o Direito Ambiental contemporâneo se


revela na indagação a respeito do que é o Estado Democrático de Direito. Os livros, os artigos
e as pesquisas da literatura jurídica nacional, a fim de investigarem os mais diversos objetos
de estudo do Direito, partem do pressuposto de que o Brasil é um Estado Democrático de
Direito, justamente porque esse status lhe fora expressamente outorgado na Constituição da
República de 1988 (CR/1988).
Entretanto, sabe-se que princípios fundamentais como o do Estado Democrático de
Direito não se perfazem com a escrita, mesmo que essa escrita conste de um texto supremo do
povo brasileiro. A presunção do Estado Democrático de Direito pelo simples fato de constar
como princípio alicerce de toda a organização e exercício do poder no Brasil não passa de um
dogmatismo insubordinado a críticas e discussões, o que torna os princípios do Estado de
Direito e do Estado Democrático matrizes esvaziadas que enfraquecem todos os demais
princípios e institutos que neles se sustentam.
O problema que se objetiva responder neste artigo é: como se pode conter os abusos
econômicos e implementar a justiça socioambiental, resistindo a degradação ambiental
exploratória? Abordar-se-ão os pontos mais importantes que envolvem o Estado
contemporâneo e sua relação com o Estado de Direito. Far-se-á, também, uma vinculação
direta entre Estado de Direito e direitos fundamentais ambientais, propiciando a compreensão
de justiça ambiental democrática, sendo esse o objetivo central da investigação. Nesta
pesquisa foi utilizado o método teórico-documental, com raciocínio dedutivo e técnica de
pesquisa bibliográfica, cujo marco teórico é a obra de Leal (2013).

2. Teoria do Estado de Direito e Soberania Ambiental

A Teoria Jurídica do Estado, em acordo com Baracho (2015, p. 72-87), remete à ideia
de soberania, entendida pelo autor como um dogma da Ciência Jurídica destinado a exprimir o
“direito positivo” 68 vigente. O Direito, a partir dessa compreensão, seria gênero do qual o
Estado seria uma espécie. Santi Romano (2015, p. 76), na mesma esteira, entende o direito
positivo como uma instituição ou ordenamento único, sendo o Estado apenas uma modalidade
especial desse ordenamento.
O Estado de Direito, atual Estado Constitucional, é uma construção de refutação do
conhecido Polizeistaat – Estado de Polícia, este último fomentador da personificação da
soberania na figura do monarca. Oportuna é a menção, feita por Cretella Júnior (1999, p. 25),
de que a palavra “polícia” origina-se do grego politeia, estando esta etimologicamente ligada
ao termo “política”, derivativo de polis. Essa conexão com o poder de governar ampliou o
sentido de polícia a ponto de representar uma Teoria do Estado, cujo núcleo assentava-se no

68 Baracho (2015, p. 75) explica que o direito positivo é o direito vigente, aquele que tem força e potência e que
representa um poder, uma autoridade social.
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“poder-direito” 69 do soberano de zelar pelo bem comum de seus súditos, sem quaisquer
balizamentos normativos 70.
A teoria do Estado de Direito, por sua vez, reporta-se não a uma forma especial de
Estado ou governo, mas ao “Estado da razão ou do entendimento” (BRÊTAS, 2015, p. 59),
isto é, aquele no qual as decisões 71 são tomadas segundo a vontade racional geral do seu
povo. Esses traços marcantes do Estado de Direito, segundo as preleções de Carré de
Malberg 72, realçam a importância do que, contemporaneamente, concebe-se por processo
constitucional, com a visível demarcação da responsabilidade do Estado por atos ou decisões
jurídicas que causem prejuízos ambientais ao povo.
Portanto, em acordância com o escólio de Leal:
[...] na teoria da democracia, os direitos fundamentais são inafastáveis não porque já
estejam impregnados na consciência dos indivíduos, mas porque são requisitos
jurídicos da instalação processual da movimentação do sistema democrático, sem os
quais o conceito de Estado Democrático de Direito não se enuncia (LEAL, 2016, p.
27).

Ao suplementar esse esclarecimento, ressalta-se que a primeira metade do século XIX


na Alemanha representou um marco histórico para a inauguração de uma primeira tentativa de
formação de uma nação alemã unificada, após a derrota de Napoleão em Waterloo (1815) e a
derrocada de seu governo de Cem Dias 73. Nesse contexto, a chamada Confederação Alemã –
Deutscher Bund – consubstanciou-se na primeira associação dos estados alemães, fruto dos
esforços diplomáticos do Congresso de Viena (1815). Em 1834, Der Zollverein configurou-se
como a coalizão econômica preambular dos estados alemães, unificando a tributação dos bens
em circulação pela Confederação e nações fronteiriças 74. Portanto, a doutrina especializada
alemã, à primeira metade do século XIX, pôde desenvolver-se e projetar os pontos principais
da Teoria do Estado de Direito, que, aos poucos, se estabeleciam, quais sejam: a) Rejeição à
ideia teosófica de Estado; b) Certa limitação às tarefas e objetivos estatais no intuito de
preservação de direitos de liberdade individuais do povo; c) Organização e limitação do
Estado, segundo princípios racionais 75; d) Identificação das funções precípuas do Estado em
alusão à doutrina de Montesquieu como expressão da unicidade da nação alemã.
Por sua vez, o neoconstitucionalismo do século XX despontou a projeção do Estado
Democrático de Direito como princípio jurídico. A constitucionalização do ordenamento
jurídico implicou, contudo, segundo alerta Leonardo Martins, em um “problema” a ser
vencido pela contemporaneidade: "[...] a hipertrofia da função jurisdicional e o
enfraquecimento de institutos do direito privado, como o pacta sunt servanda e a autonomia
da vontade, esses últimos desnaturados pela sua interpretação em acordo com os direitos
fundamentais" (MARTINS, 2011, p. 77-78) 76.

69 Expressão empregada neste trabalho como técnica linguística de contraposição e alerta ao leitor acerca da
concepção atual de “dever-poder” das funções de Estado no modelo constitucional de Estado Democrático.
70 Ideação expressa na obra de Cretella Júnior (1999, p. 25-26).
71 Baracho (2015, p. 83) expressa a conceituação de soberania como decisão, já que esta é substractum daquela.
72 A respeito, consultar: (BRÊTAS, 2015, p. 61).
73 A respeito, consultar: (CHESNEY, 1868)
74 Sobre o assunto, consultar: (HENDERSON, 1939)
75 A primeira constituição do Estado Alemão unificado foi a Constituição Imperial Alemã de 1849 –
Paulskirchenverfassung –, a qual incorporou um catálogo de direitos fundamentais elaborado no ano anterior,
1848, pela Assembleia Constituinte. O próprio rei da Prússia, Frederico Guilherme IV, fomentou a formação da
Assembleia Constituinte por temor da onda revolucionária francesa.
76 Sobre o tema, ver: (MARTINS, 2011, p. 77-78).
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A partir de um juízo sintético 77, admite-se que a função jurisdicional encontra-se, sim,
inchada na conjuntura brasileira, e os juízes têm-se incumbido do privilégio de livre
interpretação do Direito, como se fossem arautos de uma “justiça” a ser perseguida a todo
custo, segundo suas concepções solipsistas. Porém, de acordo com os ensinamentos de Leal
(2013, p. 16), “(...) normas interpretativas são de índole sistêmico-operacional, logo
pertencem ao âmbito de reflexão do Direito Processual que não é mais, por estudos
avançados, instrumento da Jurisdição” 78.
O Estado Constitucional, atrelado ao que Vergottini (1981, p. 33 e seguintes) chama de
soberania habilitada, emana a decisão geral por órgãos estáveis do Estado, os quais
representam a vontade do povo por via indireta. Associa-se a essa intelecção a imperatividade
de controle dessas decisões emanadas indiretamente pelo próprio povo por meio da função
jurisdicional, bem como de uma accountability vertical e horizontal da própria função
jurisdicional. Referida fiscalidade efetivaria, tecnicamente, a garantia e efetividade dos
direitos fundamentais ambientais.
Portanto, a decisão relativa ao bem ambiental deve ser processualizada para a
fiscalidade e observância dos direitos e garantias fundamentais, dado que torna o ideal de
justiça ambiental tangível pelo processo e não pela autoridade da função jurisdicional.

3. A proteção ambiental processual e o povo

A jurisprudência nacional tem construído uma accountability vertical – vertical, pois


propulsionada pelo povo – de proteção à dignidade da pessoa humana com base na doutrina
alemã, especialmente por meio da fórmula de Dürig (1990), que analisa a proteção dos
direitos fundamentais a partir da detecção de sua reificação no processo, ou seja, pelo
impedimento de degradação de sua figura, de sua humilhação ou transformação em objeto no
âmbito dos processos estatais 79. Dessa forma, reconhece-se que o processo constitucional é
aquele que compreende os direitos fundamentais como elementos integrantes da identidade e
continuidade da Constituição 80; e é aí que se encontram as bases dos direitos fundamentais
ambientais, quais sejam: a proibição de reificação do povo pela exploração insustentável dos
bens ambientais pela ordem econômica, de modo que sua saúde e qualidade de vida reste
prejudicada.
No Brasil, frisa-se a relevância das políticas nacionais que versam sobre direitos
coletivos e que estatuem sistemas nacionais 81 pluriorgânicos, cujo centro normativo e
consultivo perfaz-se em um conselho 82 participativo para a discussão e elaboração das normas
subordinadas ou “secundárias”, as quais possibilitam a concretização das normas emanadas
do Legislativo pela influência direta do povo.
A partir das reflexões já empreendidas, erige-se uma problematização acerca do
“povo”, da identificação deste em acordância com o Estado Democrático de Direito, frise-se,
com os princípios do Estado de Direito e do Estado Democrático. Brêtas (2015, p. 609)
identifica o “povo” como:

77 Alusão à teoria kantiana em: Kant (2015).


78 “Ideação explícita” em: LEAL (2013, p. 16).
79 Referência expressa à concepção de Dürig em: BRASIL (2006).
80 Ideação expressa no mesmo pronunciamento acima à página 43: BRASIL (2006).
81 A título de exemplo, citam-se o SISNAMA (Sistema Nacional do Meio Ambiente), SNT (Sistema Nacional de
Trânsito) e o SNE (Sistema Nacional de Educação), todos criados por leis ordinárias.
82 A título ilustrativo, citam-se: Conselho Nacional de Educação (CNE), Conselho Nacional de Trânsito
(Contran), Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS), Conselho Nacional de Controle de Experimentação
Animal (CONCEA), Conselho Nacional de Política Cultural (CNPC) e o Conselho Nacional do Meio Ambiente
(CONAMA).
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[...] a comunidade política do Estado, composta de pessoas livres, dotadas de


direitos subjetivos umas em face de outras e perante o próprio Estado, fazendo parte
do povo tanto os governados como os governantes, pois estes são provenientes do
povo, sejam quais forem suas condições sociais, todos obedientes às mesmas normas
83
jurídicas, sobretudo à Constituição, que é o estatuto maior do poder político .

Munindo-se também do escólio de Jorge Miranda, o povo seria o substrato humano do


Estado, conceituação que implicaria as seguintes particularidades:

1) o povo é a razão de ser do Estado; 2) o Estado é resultante da obra da


coletividade, que há de ser o povo; 3) o poder político é o poder em relação a um
povo; 4) o poder política emerge-se do povo; 5) o poder político é exercido em
nome do povo; e 6) o território do Estado corresponde à área de fixação do povo
84
(BRÊTAS, 2016, p. 69) .

Conforme exposto, esse corpo jurídico uno que se denomina “povo”, apesar de deter
uma heterogeneidade avançada e apresentar anseios e necessidades vários que, muitas vezes,
não se convergem, possui, entre seus membros, um vínculo jurídico próprio que é
estabelecido pela ordem constitucional. Assim, a justiça e proteção ambientais não podem ser
definidas por outro instituto que não o processo constitucional, gama de direitos e garantias
do bloco constitucional para a construção de conceitos imperfeitos e indeterminados.
Segundo Kuhn, só há povo e comunidade científica se houver compartilhamento de
um paradigma entre os membros dessa comunidade e, em sendo esse paradigma o
constitucional, leia-se o do Estado de Direito e do Estado Democrático, estabelece-se um
sistema 85 disciplinar comum para o desenvolvimento da organização estatal, consolidada e
limitada pelo ordenamento jurídico, o qual, por sua vez, promove, precipuamente, a
efetivação e proteção dos direitos fundamentais.
Questão de vasta pertinência para o trabalho aqui exposto faz-se em relação à
instrumentalização da soberania habilitada 86, a qual tem como instituição rudimentar o
sufrágio universal para eleição dos representantes do povo, uma vez que a Constituição
promove outros instrumentos vários para a fiscalidade do exercício do poder pelo Estado pela
participação direta e accountability vertical e horizontal do cidadão nos atos e negócios de
interesse público.
Por isso é que todos os procedimentos de fiscalidade constitucional do Estado
Democrático de Direito só se empreenderão por meio do processo constitucional, o qual está
intrinsecamente vinculado à construção da justiça ambiental, intelecção que deve ser
normativa e não ofertada solipsisticamente pelas funções de Estado, mormente pela
jurisdicional.

4. Justiça ambiental e a constituição

A representação do Estado Democrático de Direito deve promover a desconstrução de


dogmas atávicos que vêm sustentando as bases de julgamento da justiça ambiental.

83 Definição de “povo” expressa da obra de Brêtas (2015, p. 69).


84 Conceituação de Jorge Miranda a respeito do povo, citado na nota de rodapé 117: (BRÊTAS, 2015, p. 69).
85 O vocábulo “paradigma”, em Kuhn, significa “sistema”, e não “padrão”, como classificamente utilizado pela
Filosofia. A respeito, conferir: (BRÊTAS, 2015, p. 67).
86 Ideação de Vergottini (1981, p. 33 e seguintes).
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A principiologia normativa do Estado Democrático de Direito, associada ao princípio


da dignidade da pessoa humana, aos princípios da precaução, prevenção e da máxima
proteção ao meio ambiente, formam uma matriz disciplinar comum para a elaboração,
aplicação e controle de toda a ordem econômica nacional, bem como do princípio do
desenvolvimento sustentável 87.
A efetividade da malha principiológica ambiental impõe o cumprimento, por parte do
Estado, do planejamento. O instituto do planejamento é um dos direitos mais importantes da
ordem econômica brasileira, já que determina, uma vez empreendido, a transformação de
políticas de governo em políticas de Estado, proporcionando maior segurança jurídica ao povo
e tornando as ações passadas, presentes e prospectivas das funções públicas sujeitas a maior
fiscalidade processual.
Segundo Veloso (2014, p. 23):

[...] o planejamento não pode ser utilizado para impedir a efetivação de direitos, mas
pelo contrário, ele deve ser utilizado para a concretização de direitos para o maior
número de pessoas possível, de forma racional, atendendo não só a um grupo de
pessoas, mas ao interesse público em geral, permitindo cada vez mais a efetivação
da Constituição, e, por conseguinte, dos direitos fundamentais.

O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e todos os demais direitos fundamentais


explícitos e implícitos na Constituição brasileira, em especial o de proteção ambiental, são
decorrentes daquele. Eminente a observação de que, segundo Grimm (2007, p. 162) 88, juiz do
Tribunal Constitucional alemão de 1987 a 1999, à exceção da dignidade humana, fonte de
todas as declarações de direitos, a Corte Constitucional alemã não reconhece uma hierarquia
de Direitos Fundamentais, afirmativa que impõe a compreensão de que a dignidade da pessoa
humana é o único direito fundamental hierarquicamente superior a todos os demais, segundo
parte da doutrina alemã.
A democracia, requisito fundante da cidadania, só se consolida pela participação
qualificada e de qualidade do povo nos assuntos de interesse público, impingindo uma
accountability vertical e horizontal nas cúpulas decisórias, as quais precisam ser
desmanteladas para recepcionar o processo constitucional e dar vida ao Estado de Direito e ao
Estado Democrático, pois necessitam da apreensão de que representam o povo brasileiro e
exercem uma função-dever limitada pelo ordenamento jurídico.
A Ciência Dogmática do Direito, antagônica ao Estado Democrático de Direito
(LEAL, 2013, p. 39-51), propaga o ocultismo da normatividade, o misticismo da essência de
justiça ambiental, do bem comum, do bem-estar social, cujos sentidos seriam de atribuição de
um ente categorial superior, de clarividência e sabedoria imanentes: o magistrado, apto a ditar
ritos procedurais 89 de completa subordinação do Direito à sua autoridade.
O Estado, segundo Leal (2013), é uma instituição meramente acessória na sociedade, e
não previamente existente. Por sua vez, o Direito jamais pode ser fruto de autorreflexão ou ser
entendido como “pós-ativo”, como mera comunicação formal de uma facticidade anteposta,
de costumes “antecedentes” a ele. A Ciência do Direito, na lógica da processualidade jurídico-
democrática, não se desenvolve pela aceitação de estruturas ou instituições ônticas ou
essenciais. Essa premissa só reforçaria o dogmatismo do Direito e a sua aplicação por

87 Para analisar a ideia de desenvolvimento econômico em contraposição ao desenvolvimento sustentável e


estudar um caso concreto, ver: (BIZAWU; GOMES, 2016, p. 18-21).
88 Intelecção expressa em Grimm (2007, p. 162).
89 A expressão “rito procedural” é do Professor Rosemiro Pereira Leal, e seu emprego deve ser empreendido
como uma crítica à dogmática analítica. Ver: (LEAL, 2013, p. 4).
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“judicação” 90. O Estado Democrático de Direito é aquele cuja base principiológica é o


processo, “matriz interpretante dos códigos ou direitos fundamentais por ele próprio
instituído” (LEAL, 2013, p. 40).
O processo constitucional, apto a efetivar os direitos fundamentais, representa a crítica
ao vetusto dogmatismo jurídico, que parte de premissas insujeitas a indagações e
testabilidade. Mesmo que o dogmatismo seja pretensiosamente democrático, sua petrificação
nos escritos constitucionais o torna matriz natimorta, apta a fundamentar práticas autoritárias,
desviadas e usurpadoras. Além disso, a construção da justiça ambiental é uma construção
processualizada, e não já posta pelas funções estatais.

5. Considerações finais

A justiça ambiental democrática é corolário do Estado Constitucional, o qual impõe a


ideia de decisão habilitada, ou seja, processualizada pelos marcadores dos direitos e garantias
fundamentais.
Assim como a intelecção de Estado Democrático de Direito não pode ser engessada ou
presumida pela mera existência da Constituição, a concepção de “justiça ambiental” não deve
ser dogmatizada ou presenteada ao povo pela autoridade operacionalizadora das funções de
Estado.
A construção participada de justiça ambiental, a partir da malha principiológica
constitucional, só estará apta a conter os abusos da ordem econômica se for processualizada
pelo povo. O processo constitucional, dessa forma, é o único instituto capaz de resistir à
degradação ambiental exploratória e a impingir de significação um conceito como a justiça,
através do qual se faz injustiças pela carência de referencial processual constitucional.
Há que se compreender que o dogmatismo impõe ao povo a petrificação de estruturas
históricas arbitrárias, de disposição de bens ambientais sem demarcadores de accountability,
especialmente pelo bem ambiental ser transindividual, uma concepção complexa de bem
particular e comum.
A conscientização de que as diretrizes constitucionais são construídas pelo processo
constitucional, e não pela tradição, proporcionará a efetividade do princípio do Estado
Democrático de Direito pela influência do povo na substanciação e fiscalidade dos atos e
decisões ambientais de Estado “supostamente” legítimos.

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90 “Judicação”, segundo o Professor Rosemiro Pereira Leal, deve ser compreendida como crítica à atividade
prestada pela “autoridade”, segundo a dogmática analítica. A respeito, consultar, (LEAL, 2013, p. 3-4).
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176
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Perspectivas e desafios para a proteção do meio ambiente na contemporaneidade
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AÇÃO POPULAR AMBIENTAL E A VIABILIDADE DE REUNIÃO


DAS PRETENSÕES INDIVIDUAIS INDENIZATÓRIAS
DECORRENTES DE DANOS MORAIS

Environmental popular action and the feasability of the reunion of


individuals indemnification claims resulting of moral damages

Leonardo Cordeiro de Gusmão 91


Fernando Barotti dos Santos 92

Resumo: A partir do método jurídico de raciocínio dedutivo com pesquisa qualitativa,


descritiva e explicativa, mediante uma análise bibliográfica e documental, verifica-se a
possibilidade de se reunir em ação popular ambiental as pretensões indenizatórias individuais
com origem em danos morais causados por degradação ambiental – caso se qualifiquem como
direitos individuais homogêneos. Trata-se de conclusão decorrente da necessidade de se
interpretar ampliativamente a garantia fundamental em prol do bom funcionamento do Poder
Judiciário e da dignidade da pessoa humana, aplicando-se adequadamente o microssistema do
processo coletivo resultante da Teoria do Diálogo das Fontes, o qual goza do reconhecimento
jurisprudencial.

Palavras-chaves: ação popular ambiental; pretensões individuais; indenização por dano


moral; microssistema do processo coletivo; dignidade da pessoa humana.

Abstract: From the juridical method of deductive reasoning with qualitative, descriptive and
explanatory research, through a bibliographical and documentary analysis, it’s verified the
possibility to get togheter in environmental popular action the individuals indemnification
claims originied from the moral damages caused by environmental degradation – if they get
classifyed as homogeneous individual rights. That conclusion arised from the need of a
broadly interpretation of the fundamental guarantee in favor of proper functioning of the
Judiciary and for the dignity of human person, with applying of collective mycro system
process resulting from the Theory of the Dialogue of Sources, wich enjoys jurisprudential
recognition.

91 Advogado. Mestrando em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável na Escola Superior Dom Helder
Câmara. Pós-Graduado em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas. Graduado em Direito pela
Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce. Pesquisador do CEBID – Dom Helder (Centro de Estudos em
Biodireito). E-mail: leonardodegusmao.adv@gmail.com
92 Advogado. Mestrando em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável pela Escola Superior Dom
Helder Câmara. Graduado em Direito pela Escola Superior Dom Helder Câmara, pesquisador do grupo de
pesquisa MAPE: Meio-Ambiente, Paisagem e Energia. E-mail: fernando_barotti@hotmail.com
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Keywords: environmental popular action; individual claims; moral damage indemnification;


collective mycro system process; dignity of human person.

1. Introdução

O trabalho em questão tem o intuito esclarecer se existe a possibilidade de reunião,


em ação popular ambiental, das pretensões indenizatórias individuais decorrentes de dano
moral resultante de degradação ambiental. Para tanto, será utilizado o método jurídico de
raciocínio dedutivo com pesquisa qualitativa, descritiva e explicativa, mediante uma análise
bibliográfica e documental.
Sob tal perspectiva, o primeiro tópico analisará como deve ser interpretada a ação
popular ambiental, que por se tratar de uma garantia fundamental prevista na Constituição da
República Federativa do Brasil de 1.988 (CRFB/88), deve gozar de máxima efetividade, em
prol da preservação da dignidade da pessoa humana. Far-se-ão tais considerações à luz do
Estado Democrático de Direito Constituído e do raciocínio doutrinário e jurisprudencial.
Adiante, no tópico seguinte investigar-se-á qual é a amplitude da ação popular
ambiental, verificando quais são os tipos de direitos coletivos – direitos difusos, direitos
coletivos stricto sensu e direitos individuais homogêneos – que podem ser tutelados por meio
de tal garantia constitucional. Isso será feito a partir do posicionamento da doutrina e da
jurisprudência em relação à aplicabilidade do microssistema do processo coletivo – que tem
como núcleo normativo a Lei 7.347/85 e o Código de Defesa do Consumidor (CDC) – à ação
popular ambiental.
Por derradeiro, será apurada a viabilidade de se reunir em ação popular ambiental as
pretensões individuais indenizatórias decorrentes de danos morais resultante de uma
determinada degradação ambiental – originárias do mesmo fato jurídico. Far-se-á tal análise
sob o prisma dos direitos à tutela jurídica efetiva e à duração razoável do processo, tomando
como exemplo, muito brevemente, a situação ocorrida no município de Governador
Valadares/MG, em que foram ajuizadas milhares de ações indenizatórias em razão da
degradação ambiental do Rio Doce, por rejeitos de minério decorrentes das atividades da
mineradora Samarco.

2. Interpretação e efetividade da ação popular ambiental no Estado Democrático de


Direito

O ordenamento jurídico brasileiro está sedimentado em preceitos relativos à


democracia, conforme se observa no preâmbulo da CRFB/88, o qual embora não tenha
qualidade normativa, segundo Paulo Gustavo Gonet Branco “[...] se torna de préstimo
singular para a descoberta do conteúdo dos direitos inscritos na Carta e para que se
descortinem as finalidades dos institutos e instituições a que ela se refere; orienta, enfim, os
afazeres hermenêuticos do constitucionalista” (BRANCO, 2017).
Seguindo a orientação esboçada pelo preâmbulo, o caput do artigo 1º 93 da CRFB/88
explicitou a formalização do Estado Democrático de Direito, que de acordo com seus incisos I
a V, se fundamenta na soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, nos valores sociais

93 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre
iniciativa; V - o pluralismo político (BRASIL, 1988).
178
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do trabalho e da livre iniciativa e também no pluralismo político. O parágrafo único 94 de tal


dispositivo ainda revela que toda forma de poder constituído tem sua origem na Soberania
Popular.
Por sua vez, o artigo 3º 95 da CRFB/88 traz em seus incisos os objetivos fundamentais
visados pelo Poder Constituinte, os quais deverão ser alcançados mediante a utilização dos
instrumentos democráticos disponíveis, em consonância com os valores fundamentais do
Estado Democrático de Direito, mencionados no parágrafo anterior. Significa dizer, por
exemplo, que a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, bem como o
desenvolvimento nacional, depende da concretização de direitos, garantias e deveres
relacionados à dignidade da pessoa humana.
Relevante, pois, frisar que a dignidade da pessoa humana é composta pelos direitos e
pelas garantias individuais fundamentais constantes no texto constitucional, cujo núcleo
normativo não pode ser sacrificado pela atuação dos poderes constituídos – executivo,
legislativo e judiciário –, uma vez que se tratam de cláusulas pétreas, nos termos do artigo
60 96, §4º, inciso IV, da CRFB/88.
Posto isso, há de se estabelecer, por consequência lógica, a seguinte premissa: na
aplicação jurídica da norma ao caso concreto, deverá o intérprete sempre focar na máxima
efetividade dos direitos fundamentais envolvidos e também das respectivas garantias jurídicas
– os instrumentos jurídicos – disponíveis para protegê-los diante de ameaça de dano ou
efetivo dano, na forma prevista pelo art. 5º 97, inciso XXXV, da CRFB/88. Vale trazer à tona,
por oportuno, os ensinamentos do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de
Moraes, em artigo escrito no ano de 2009:

A supremacia absoluta das normas constitucionais e a prevalência dos princípios que


regem a República, entre eles, a cidadania e o pluralismo político como seus
fundamentos basilares, obrigam o intérprete, em especial o Poder Judiciário, no
exercício de sua função interpretativa, aplicar não só a norma mais favorável à
proteção aos direitos humanos, inclusive aos direitos políticos, mas também, eleger
em seu processo hermenêutico, a interpretação que lhes garanta a maior e mais
ampla proteção [...] (MORAES, 2009)

Trata-se de acepção condizente com o Princípio da Máxima Eficácia dos Direitos e


Garantias Fundamentais, constante no art. 5º 98, § 1º, da CRFB/88. Nesses termos, ao tratar da
abrangência da ação popular – garantia fundamental – no julgamento da apelação cível
1.0672.14.032556-0/001/MG, o Desembargador Raimundo Messias Júnior, que atuou como
relator, argumentou que “(...) Não se pode esquecer que a ação popular [...] tem dignidade
constitucional de garantia constitucional fundamental e é instrumento de tutela dos direitos
primaciais da sociedade, razões pelas quais não é compatível interpretação restritiva a seu
respeito” (MINAS GERAIS, 2017, p. 07).
A incumbência de dar efetividade à norma, atribuída ao Poder Judiciário, também
decorre do direito fundamental à tutela adequada e efetiva, constante no art. 5º, inciso XXXV,

94 Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou
diretamente, nos termos desta Constituição (BRASIL, 1988).
95 Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a
pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (BRASIL, 1988).
96 Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: IV - os direitos e garantias
individuais (BRASIL, 1988)
97 XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (BRASIL, 1988)
98 § 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata (BRASIL, 1988).
179
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da CRFB/88 – supramencionado –, que de acordo com Luis Guilherme Marinoni e Daniel


Mitidiero “(...) deve ser analisado no mínimo sob três perspectivas: (i) do acesso à justiça; (ii)
da adequação da tutela; e (iii) da efetividade da tutela” (MARINONI; MITIDIERO, 2017).
No caso da ação popular, prevista no artigo 5º 99, inciso LXXIII, da CRFB/88, trata-se
de garantia constitucional que tem a finalidade de possibilitar o exercício da cidadania, que é
um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, demandando proteção jurisdicional
contra práticas que ameacem ou causem lesão à moralidade administrativa, ao patrimônio
público, histórico e cultural, bem como ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
essencial à sadia qualidade de vida nos termos do caput do art. 225 100 da CRFB/88.
A análise da efetividade da ação popular ambiental, portanto, dependerá da atuação
adequada do intérprete, que em atenção à centralidade dos direitos e garantias fundamentais
no âmbito do processo constitucional-democrático, deve possibilitar o exercício mais amplo
possível dessa ação constitucional, por meio da tutela jurídica mais adequada para o caso
concreto, em consonância com o grau da ameaça ambiental ou dos danos decorrentes de
degradação ambiental.
No tópico seguinte, pois, faz-se necessário demonstrar qual pode ser a amplitude da
ação popular ambiental, considerando a normatização constitucional e infraconstitucional, a
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e, ainda, algumas concepções doutrinárias
acerca do tema.

3. A amplitude do objeto da ação popular ambiental no Estado Democrático de Direito

O artigo 5º, inciso LXXIII, da CRFB/88 afirma que a ação popular tem a finalidade
de anular atos que se caracterizem como lesivos aos bens jurídicos que visa proteger. No
mesmo sentido dispõe o art. 1º 101 da Lei 4.717/65 – Lei da ação popular –, a qual, no entanto,
por ainda não ter sido atualizada, ainda não trata da tutela coletiva da moralidade
administrativa e nem do meio ambiente, não estando adequada ao texto constitucional.
Poder-se-ia pensar, assim, que a ação popular destina-se apenas ao combate de atos
comissivos ilegais que sejam lesivos ao patrimônio público, histórico e cultural, à moralidade
e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Entretanto, em razão do Princípio da
Máxima Eficácia dos Direitos e Garantias Fundamentais e da consequente necessidade de se
interpretar ampliativamente a ação popular, faz-se pertinente aplicar o denominado
“microssistema do processo coletivo”.
Esse microssistema normativo tem em seu núcleo as disposições constantes na Lei
7.347/85 – Lei da Ação Civil Pública – e a Lei 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor.
Trata-se de uma elaboração doutrinária sedimentada na Teoria do Diálogo das Fontes, que de

99 LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao
patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao
patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da
sucumbência (BRASIL, 1988)
100 Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e
essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações (BRASIL, 1988).
101 Art. 1º Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos
lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Municípios, de entidades autárquicas, de
sociedades de economia mista (Constituição, art. 141, § 38), de sociedades mútuas de seguro nas quais a União
represente os segurados ausentes, de empresas públicas, de serviços sociais autônomos, de instituições ou
fundações para cuja criação ou custeio o tesouro público haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por
cento do patrimônio ou da receita ânua, de empresas incorporadas ao patrimônio da União, do Distrito Federal,
dos Estados e dos Municípios, e de quaisquer pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas pelos cofres
públicos (BRASIL, 1965).
180
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acordo com Cláudia Lima Marques, possibilita a comunicação entre Leis gerais e também
especiais, no intuito de garantir a integridade do direito e, portanto, sua máxima efetividade.

Em resumo, também entre leis especiais há diálogo das fontes: diálogo sistemático
de coerência, diálogo sistemático de complementariedade ou subsidiariedade e
diálogo de adaptação ou coordenação. Note-se que raramente é o legislador quem
determina esta aplicação simultânea e coerente das leis especiais (um exemplo de
diálogo das fontes ordenado pelo legislador é ao RT. 117 do CDC, que mandou
aplicar o Título III do CDC aos casos da anterior Lei da Ação Civil Pública, Lei
7.347/1985 [...] (MARQUES, 2016, p. 147).

Essa atual dinâmica dos processos coletivos, considerando as múltiplas normas que
compõem seu microssistema, tem sua aplicação reconhecida pela jurisprudência consolidada
do Superior Tribunal de Justiça. É o que se observa no teor do Informativo de Jurisprudência
nº 0568 de setembro de 2015:

Ademais, ao se fazer uma interpretação sistemática dos diplomas que formam


o microssistema do processo coletivo, seguramente pode-se afirmar que, por força
do art. 21 da Lei 7.347/1985, aplica-se o Capítulo II do Título III do Código de
Defesa do Consumidor (CDC) à hipótese em análise. Com efeito, a tutela coletiva
será exercida quando se tratar de interesses/direitos difusos, coletivos e
individuais coletivos, nos termos do art. 81, parágrafo único, do CDC. Assim,
necessário observar que, no caso, o interesse tutelado referente à liberação do saldo
do PIS/PASEP, mesmo se configurando como individual homogêneo (Lei
8.078/1990), mostra-se de relevante interesse à coletividade, tornando legítima a
propositura de ação civil pública pelo Parquet, visto que se subsume aos seus fins
institucionais. REsp 1.480.250-RS, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em
18/8/2015, DJe 8/9/2015. (BRASIL, 2015)

Diante da pretensão em verificar a amplitude do objeto da ação popular ambiental,


primeiramente se faz necessário analisar as características dos tipos de direito – interesses –
manejáveis coletivamente. De acordo com o art. 81 102, parágrafo único, incisos I, II e III do
CDC, os interesses coletivos classificam-se como difusos, coletivo stricto sensu e individuais
homogêneos.
Segundo Leonardo Roscoe Bessa, os direitos difusos se originam do mesmo fato
jurídico, são metaindividuais, indivisíveis e se referem a uma coletividade indeterminável.
Embora também sejam indivisíveis e tenham origem no mesmo fato jurídico, os direitos
coletivos stricto sensu, diferentemente daqueles, são transindividuais e envolvem um grupo
de pessoas determináveis que detêm uma relação jurídica entre si ou com a parte adversa
(BESSA, 2016, p. 521, 522).
No que se refere aos direitos individuais homogêneos, o jurista ressalta que eles têm
um caráter divisível e se referem a pessoas determinadas. Somente são tratados coletivamente
por terem se originado do mesmo fato jurídico, sendo a reunião de tais pretensões individuais
recomendada para garantir a efetividade da tutela jurídica, haja vista que proporcionará
economia e celeridade processual, preservando o meio ambiente do Poder Judiciário (BESSA,

102 Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo
individualmente, ou a título coletivo.
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I - interesses ou direitos difusos, assim
entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas
indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para
efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de
pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; III - interesses ou direitos
individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.
181
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2016, p. 524). Merecem destaque, pois, as considerações de Rodolfo Mancuso acerca da


tutela coletiva dos direitos individuais homogêneos:

Sob o prisma subjetivo, nos três subtipos há um núcleo comum: todos são interesses
concernentes a coletividades numericamente expressivas, mas com diferenças
sensíveis [...] os individuais homogêneos apenas são manejáveis coletivamente pelo
fato de terem uma origem comum, que os aglutina e, assim, consente – ou até
recomenda – um trato processual unitário; e também, porque, se tais interesses
isomórficos fossem conduzidos ao plano da jurisdição singular, ter-se-ia um
litisconsórcio ativo facultativo multitudinário, atritando o disposto no parágrafo
único do art. 46 do CPC (MANCUSO, 2015, p. 47).

Nessa perspectiva, pode-se dizer, diante de todo o exposto, que em se tratando de


ação popular ambiental, deverá o intérprete garantir a máxima efetividade da garantia
constitucional e do direito fundamental protegido, possibilitando ao cidadão a tutela jurídica
de qualquer direito – difuso, coletivo stricto sensu e individual homogêneo – que esteja
ameaçado ou que tenha sido lesado em consequência à degradação ambiental.
Importante considerar, ademais, que o artigo 3º da Lei 7.347/85, ao tratar da ação
civil pública, diz que ela “poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento
de obrigação de fazer ou não fazer” (BRASIL, 1985). Diante das influências recíprocas
decorrentes do microssistema do processo coletivo e da insuficiência normativa da Lei
4.717/65, aliado ao dever de cuidado imposto a toda a coletividade pelo caput do artigo 225
da CRFB/88, pode-se afirmar que a ação popular ambiental não se limita ao pedido de
nulidade de ato ilegal lesivo ao meio ambiente.
Ressalte-se novamente que a aplicação do microssistema já é uma praxe adotada pela
jurisprudência no âmbito das ações coletivas, em especial no que se refere à ação civil
pública, que se aproveita, inclusive, de disposições contidas na Lei 4.717/65. É o que se
observa na ratio decidendi da Apelação Cível em Reexame Necessário de número
1.0342.12.013524-5/002, julgada em 22/01/2015 pela Desembargadora Heloísa Combat, do
Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA - COMARCA DE ITUIUTABA - RAZÕES


DO RECURSO - ART. 514, II, DO CPC - CONHECIMENTO - DIÁLOGO DAS
FONTES - AÇÃO POPULAR - REEXAME NECESSÁRIO [...]
[...]
Em razão da teoria do diálogo das fontes, tem-se entendido que o microssistema
processual da tutela coletiva deve ser regido pela influência subsidiária de seus
diversos diplomas, de modo que a remessa necessária assegurada na ação popular
pode perfeitamente ser aplicada na ação civil pública. [...] (MINAS GERAIS, 2015).

Deve o intérprete, portanto, interpretar ampliativamente a ação popular ambiental no


intuito de possibilitar ao cidadão, no exercício da democracia, manejar qualquer tipo de tutela
jurídica hábil à proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado. Vale trazer
mencionar, pois, alguns ensinamentos de Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero (2017):

Em um primeiro momento, poder-se-ia pensar que a ação popular visa à prestação


de tutela jurisdicional típica – sua finalidade constitucionalmente marcada
delimitaria o âmbito de providências que poderiam ser obtidas mediante seu
exercício. É preciso, contudo, ir além da interpretação meramente gramatical. É
que a finalidade da ação popular está em tutelar a moralidade administrativa, o meio
ambiente e o patrimônio histórico e cultural. Dessa forma, todas as tutelas do direito
que podem ser prestadas a esses bens jurídicos podem ser obtidas mediante ação
popular. É cabível, por exemplo, obtenção de tutela inibitória – que é
sabidamente preventiva e em nada se assemelha à anulação – para tutela da
182
I CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL
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moralidade administrativa, do meio ambiente e do patrimônio histórico e cultural


mediante ação popular. Uma interpretação mais arejada do sistema processual civil
abona semelhante solução.

Nesse sentido, revela-se totalmente descabido o famigerado posicionamento segundo


o qual a ação popular ambiental se prestaria somente ao pedido de declaração de nulidade de
ato ilegal e lesivo ao meio ambiente. Esse, inclusive, é o posicionamento adotado pelo
Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp. 889.766, que sob a relatoria do Ministro
Castro Alves afirmou que “(...) a ação popular é o instrumento jurídico que deve ser utilizado
para impugnar atos administrativos omissivos ou comissivos que possam causar danos ao
meio ambiente” (BRASIL, 2007).
Ante a necessidade de interpretação ampliativa da ação popular e da possibilidade da
tutela de ato omissivo que se caracterize como lesivo ao meio ambiente é possível afirmar que
a ação popular ambiental prescinde da prática de algum ato ilegal e do respectivo pedido de
anulação – na impugnação de omissão lesiva não há o que se anular. Em se tratando de ação
popular, portanto, deve-se garantir ao cidadão toda e qualquer tutela jurídica que se preste à
efetiva proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado, mediante demandas que se
insurjam contra ameaça e/ou ato ou omissão que se caracterizem como lesivos.
Demonstrar-se-á, adiante, que as pretensões indenizatórias individuais oriundas de
uma determinada degradação ambiental – mesmo fato jurídico – pode ser objeto de ação
popular ambiental com fulcro nas normas do microssistema do processo coletivo, haja vista se
tratar de direito individual homogêneo. Será exposta, ademais, como tal interpretação garante
maior efetividade ao direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado – que no caso
sofreu lesão.

4. A viabilidade do pedido de dano moral coletivo em ação popular ambiental

Em princípio faz-se necessário enfatizar que o ao artigo 225 103, § 3º, da CRFB/88
prevê uma ampla responsabilidade do poluidor – nas esferas penal, administrativa e cível. O
texto constitucional afirma de forma expressa que quem causar degradação ambiental será
obrigado a promover a reparação de todos os danos causados, não fazendo qualquer restrição
quanto à natureza deles, indicando ser suficiente que tenham origem naquele fato jurídico.
Embora a norma constitucional referida no parágrafo anterior possua eficácia jurídica
plena, produzindo seus principais efeitos de forma imediata – imposição de ampla
responsabilização ao poluidor –, fato é que nada impede uma atuação do legislador para lhe
dar melhores contornos. O artigo 14 104, § 1º, da lei 6.938/81, embora seja anterior à CRFB/88,
revela-se perfeitamente condizente com a ampla responsabilidade atribuída
constitucionalmente ao poluidor. A norma infraconstitucional, a um só tempo, consagra a
responsabilidade civil objetiva no caso de degradação ambiental, como também impõe a
obrigação de reparar e indenizar danos causados ao meio ambiente e a terceiros.

103 § 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas
ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados
(BRASIL, 1988).
104 Art 14 - Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não
cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela
degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores:
§ 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente
da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua
atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade
civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente (BRASIL, 1981).
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Em razão do princípio da unidade da constituição, deve o intérprete realizar uma


interpretação sistêmica no intuito de garantir a efetividade de todas as normas constitucionais,
prezando pela integridade do direito constituído. Assim, ao se deparar com uma situação de
degradação ambiental causadora de danos a direitos diversos, faz-se imprescindível
primeiramente considerar a centralidade dos preceitos trazidos pelo artigo 225 da CRFB/88,
no que tange às questões ambientais.
Deve, ademais, reconhecer o cabimento da ação popular – interpretando a garantia
constitucional de forma ampliativa – para a tutela de ameaça ou efetiva lesão ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado essencial, em conformidade com o artigo 5º, incisos
XXXV e LXXIII da CRFB/88. Caberá ainda ao intérprete, nesse contexto, como já bem
frisado neste trabalho, aplicar as normas do microssistema do processo coletivo, atentando
especialmente para o disposto no artigo 81, incisos I, II e III do CDC e artigo 3º da lei
7.347/85.
É inegável, nos dias atuais, a relação entre meio ambiente e a fruição de uma sadia
qualidade de vida pelos seres humanos, sendo tal condição devidamente reconhecida pelo
caput do artigo 225 da CRFB/88. Sob tal perspectiva, Émilien Vilas Boas Reis e Kiwonghi
Bizawu afirmam que “(...) Meio ambiente também pressupõe uma relação entre a natureza e a
sociedade. Hoje, não se podem ver estas duas esferas de maneira separadas, pois o social
influencia na natureza e a natureza influencia no social” (REIS; BIZAWU, 2015, p. 22).
Ante todo o exposto, há de se reconhecer o cabimento da propositura de ação popular
ambiental contra ato ou omissão que represente ameaça ao meio ambiente, hipótese em que se
fará pertinente uma tutela jurídica envolvendo pedidos de obrigação de fazer ou não fazer, no
intuito de fazer cessar o risco. No caso de efetiva degradação ambiental, seja por ato ou
omissão lesiva, também será viável a propositura de ação popular, articulando-se os pedidos
que se revelem adequados aos danos produzidos – a direitos difuso, coletivo stricto sensu ou
individuais homogêneos –, seja para promover sua mitigação/reparação mediante obrigação
de fazer, de não fazer ou de dar coisa, como também por meio de indenização – condenação
pecuniária.
Sendo o meio ambiente equilibrado condição indispensável à sadia qualidade de
vida, será possível que em razão de determinada degradação ambiental advenham danos
ambientais – difusos –, sociais – difusos ou coletivos stricto sensu – e/ou individuais –
individuais homogêneos. Se no caso concreto houver a violação de algum direito fundamental
desprovido de valor pecuniário, estará configurado o dano moral individual indenizável. De
acordo com Pablo Stolze Gagliano “(...) o dano moral consiste na lesão de direitos cujo
conteúdo não é pecuniário, nem comercialmente redutível a dinheiro” (GAGLIANO, 2014).
Por tudo o que foi dito, pode-se dizer que se no caso concreto uma determinada
degradação ambiental efetivamente causar dano moral a diversos indivíduos, as pretensões
indenizatórias decorrentes podem – e recomenda-se – ser manejadas coletivamente por
intermédio de ação popular ambiental, em conformidade com o artigo 5º, incisos XXXV e
LXXIII da CRFB/88; artigo 225, caput e § 3º da CRFB/88; artigo 81, parágrafo único, incisos
I, II e III do CDC; artigo 3º da lei 7.347/85; e artigo 14, § 1º, da lei 6.938/81.
Trata-se de hipótese em que direitos individuais homogêneos têm origem no mesmo
fato jurídico – degradação ambiental –, possibilitando a propositura de diversas demandas
individuais idênticas ou a formação de litisconsórcio ativo facultativo multitudinário. O
tratamento coletivo dessas pretensões individuais preservará o direito fundamental à duração
razoável do processo previsto no artigo 5º 105, inciso LXXVIII da CRFB/88, além de
representar em economia processual e manter o bom funcionamento do Poder Judiciário.

105 LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os
meios que garantam a celeridade de sua tramitação (BRASIL, 1988).
184
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Um exemplo acerca da possível utilidade da ação popular ambiental, seria sua


utilização na tutela coletiva das milhares de pretensões individuais indenizatórias existentes
no município de Governador Valadares/MG, resultantes do dano moral causado pela
suspensão injusta do serviço público essencial de fornecimento de água potável encanada, em
consequência à poluição do Rio Doce – única fonte de captação de água potável da cidade –
pelos rejeitos de minério provenientes do rompimento da barragem de Fundão, pertencente à
mineradora Samarco.
Vale ressaltar que a interrupção injustificada do serviço público essencial enseja em
indenização por dano moral, como bem reconhecido pelo Desembargador Belizário de
Lacerda, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, no julgamento da apelação cível
1.0024.14.060394-5/001 106, em 31 de janeiro de 2017.
A propositura de milhares de ações judiciais individuais na comarca de Governador
Valadares/MG causou na total obstrução do Poder Judiciário local, em prejuízo ao direito
fundamental à duração razoável do processo. Em consequência à interposição de diversas
demandas semelhantes, oriundas do mesmo fato jurídico, a Samarco suscitou Incidente de
Resolução de Demandas Repetitivas – IRDR número 1.0105.16.000562-2/001 – perante o
Tribunal de Justiça de Minas Gerais, sendo determinado pelo Desembargador Relator Amauri
Pinto Ferreira, a suspensão 107 de todos os processos em julho de 2017.
Nesse caso dever-se-ia considerar viável a qualquer cidadão o ajuizamento de ação
popular ambiental visando o agrupamento das milhares de pretensões individuais
indenizatórias num único processo, em prol da celeridade e economicidade processual. Isso
proporcionaria maior efetividade à garantia constitucional – ação popular – e aos direitos
fundamentais afetados pela grave degradação ambiental.
Admitindo-se a propositura de ação popular ambiental nos termos expostos, torna-se
pertinente esclarecer como seria a eventual sentença condenatória e sua respectiva execução.
Caso se considere questionável a possibilidade de fixação de um valor condenatório por meio
da ação coletiva, caberia a cada indivíduo interessado pedir pela liquidação da sentença por
arbitramento, na forma do artigo 509 108, inciso I, do Código de Processo Civil (CPC), antes de
executá-la.
Obviamente, os valores da condenação devem ser revertidos em favor de cada
indivíduo que tenha sofrido o dano moral e se habilitado nos autos da ação popular, não se
aplicando o disposto no artigo 13 109, caput, da Lei 7.347/85. Revela-se elucidativo, pois, as
palavras de Alexandre Freitas Câmara acerca da liquidação por arbitramento:

106 [...] Comprovado que a manutenção da interrupção no fornecimento de água ocorreu por omissão e
negligência da concessionária do serviço público, é cabível indenização por danos morais, notadamente em se
considerando o serviço essencial para as necessidades básicas de higiene e alimentação (MINAS GERAIS,
2017).
107 Ex positis, ad referendum pelo órgão colegiado da 2ª Seção Cível, admitido o presente incidente de
resolução de demanda repetitivas e determino a suspensão, até ulterior decisão a ser nele proferida, de todas as
Ações que fluam na Justiça Comum ou nos Juizados especial que tenham como causa de pedir e/ou pedido
indenização moral decorrente da interrupção do fornecimento de água ou dúvida quanto a sua qualidade, após o
retorno da captação e distribuição, em razão do rompimento da barragem de rejeitos do Fundão, em Mariana,
MG, que não tenham sido julgadas ou que, já sentenciadas, estejam em fase recursal, excepcionando aquelas em
que a sentença tenha transitado em julgado ou que em segunda instância já se tenha esgotado a jurisdição do
Tribunal ou da Turma recursal (MINAS GERAIS, 2017, p. 12).
108 Art. 509. Quando a sentença condenar ao pagamento de quantia ilíquida, proceder-se-á à sua liquidação, a
requerimento do credor ou do devedor:
I - por arbitramento, quando determinado pela sentença, convencionado pelas partes ou exigido pela
natureza do objeto da liquidação (BRASIL, 2015).
109 Art. 13. Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por
um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e
representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesado (BRASIL, 1985).
185
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A liquidação de sentença se fará por arbitramento nos casos em que já estejam


disponíveis nos autos todos os elementos necessários para a determinação
do quantum debeatur, só havendo necessidade de produção de uma perícia para a
fixação da quantidade devida [...] O material apresentado pelas partes pode até ser
suficiente para dispensar-se a perícia formal, caso em que o juiz decidirá de plano,
declarando o quantum debeatur [...] (CÂMARA, 2016).

Pode-se afirmar, portanto, pela possibilidade jurídica de se reunir em ação popular


ambiental pretensões individuais de indenização fundadas em dano moral, desde que tenham
origem na mesma degradação ambiental – no mesmo fato jurídico. Tal interpretação trará
grande benefício social, uma vez que além de promover economia processual e valorizar os
direitos fundamentais violados, dando-lhes efetividade, concretizará de forma satisfatória o
direito fundamental à duração razoável do processo.

5. Considerações finais

No primeiro tópico se firmou a primeira premissa necessária à conclusão do presente


trabalho. Nele, constatou-se que de acordo com a doutrina e a jurisprudência dominante, a
ação popular ambiental deve ser interpretada ampliativamente, haja vista se tratar de garantia
constitucional que visa proteger o meio ambiente ecologicamente equilibrado, o qual é
essencial à sadia qualidade de vida – imprescindível à efetivação da dignidade da pessoa
humana.
Depois, verificou-se que em razão da aplicação do microssistema do processo
coletivo, a ação popular ambiental pode ser ajuizada pelo cidadão no intuito de promover a
tutela jurídica necessária à efetiva proteção do direito fundamental ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado. Diante da existência de ato ou omissão que represente ameaça ou
efetiva lesão ao meio ambiente, será possível formular qualquer tipo de pretensão hábil à
proteção dos direitos que podem ou foram afetados, sejam eles difusos, coletivos stricto sensu
ou individuais homogêneos.
Ao final, chega-se à resposta da indagação feita na introdução, concluindo que em se
tratando de ação popular ambiental, será viável que o cidadão peça pela condenação do
poluidor ao pagamento de indenização por dano moral, reunindo-se, portanto, todas as
pretensões indenizatórias oriundas de degradação ambiental – direito individual homogêneo.
Não haverá problemas para se promover a execução da sentença – que serão revertidos para
cada indivíduo –, pois caso o juiz não defina, inicialmente, um valor certo para a indenização,
bastará que o interessado se habilite nos autos e peça pela liquidação por arbitramento.

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MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível nº


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MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Incidente de Resolução de


Demandas Repetitivas nº 1.0105.16.000562-2/004 – MG. Órgão Julgador: 2ª Seção Cível.
Relator: Desembargador Amauri Pinto Ferreira. Data de Julgamento: 27 jul. 2017. Disponível
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O DESASTRE NO RIO DOCE: ASPECTOS DE TEMPORALIDADES,


SOFRIMENTO SOCIAL E RESISTÊNCIA

Disaster in the Doce River: aspects of temporalities, social suffering and


resistance

Ilklyn Barbosa da Silva 110

Resumo: O artigo discute aspectos de diferentes temporalidades, sofrimento social e


resistência, no caso do desastre do rio Doce, iniciado no dia 5 de novembro de 2015, a partir
do rompimento da barragem de rejeitos de Fundão, localizada no município de Mariana,
Minas Gerais. Através de experiências etnográficas, busco analisar os processos sociais nas
quais os sujeitos atingidos foram submetidos, em decorrência das decisões políticas que
geraram o rompimento da barragem, além das formas de gestão de desastres, baseadas em
demandas empresariais que acabam por intensificá-los. Num primeiro momento, proponho
uma discussão sobre o conceito de desastre, abordando desde a concepção de desastre natural
até a definição do desastre como um fenômeno processual, não-natural, historicamente
produzido em decorrência de ações humanas que geram acúmulo de riscos e vulnerabilidades
sociais. O último tópico trata de uma análise das experiências de campo, em que são reveladas
as diferentes temporalidades, a partir das narrativas dos atingidos, que encadeiam e
embaralham passado, presente e futuro, pela ruptura brusca gerada no processo. As dinâmicas
e relações socioculturais que foram interrompidas pelo desastre, geram efeitos e sofrimentos
aos atingidos que se recompõem e transformam-se em sujeitos de luta por direitos.

Palavras-chave: desastre; mineração; temporalidades; sofrimento social; resistência.

Abstract: The present work discusses aspects of different temporalities, social suffering and
resistance in the case of Doce River disaster, began in November the 5th of 2015, started with
the Fundão’s tailings dam break, located in the city of Mariana, Minas Gerais state. Through
ethnographic experiences I intend to analyse the social processes in which the affected people
were submitted, also the disasters ways of management, based on business demands that end
up intensifying them. First, I propose a discussion about the concept of disaster, approaching
since the conception of ‘natural disaster’ until the definition of disaster as a processual, non-
natural and historically produced phenomenon by human actions that have generated risks
accumulation and social vulnerabilities. The last topic consists on the analyses of field
experiences, where different temporalities are revealed by the the affected people narratives,
in which they order and shuffle the past, the present and the future because of the sudden
break occurred in the process. The sociocultural dynamics and relations interrupted by the

110 Graduando em Ciências Socioambientais, Universidade Federal de Minas Gerais, Bolsista de Extensão no
Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais (GESTA). Email: ilklynb@gmail.com
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disaster produce sufferings and effects to the affected people, which recompose and transform
themselves in rights activists.

Keywords: disaster; mining; temporalities; social suffering; resistance.

1. Introdução

Falar de desastre é falar de ruptura, suspensão, desequilíbrio; é retardar e acelerar o


tempo simultaneamente; é marcar, permanentemente, vidas. No dia 5 de novembro de 2015,
ocorreu o rompimento da barragem de rejeito de Fundão, localizada em Bento Rodrigues,
Mariana, Minas Gerais e, consequentemente, a perpetuação de um desastre anunciado. A
barragem pertencia a empresa Samarco Mineração S.A, cujo capital era dividido entre as
empresas Vale S.A e BHP Billiton. O rompimento gerou a morte de 19 pessoas e danos a
outros milhares, que decorrem desde a restrição do uso da água de qualidade em algumas
cidades da bacia, até a suspensão das estratégias de vida das vítimas que perderam todo o
território onde reproduziam suas atividades econômicas, sociais e culturais.
A partir de então, os moradores, principalmente de Bento Rodrigues e Paracatu, foram
submetidos a uma dinâmica de vida onde diversas instituições passaram a atuar, não só as
empresas responsáveis pelo crime, mas o poder público (ministérios públicos e prefeituras),
movimentos sociais, ONGs e instituições de pesquisa. Com isso, foram obrigadas a se
adaptar, subitamente, a um cenário aflitivo, tendo de lutar pela reconstrução das suas vidas,
num contexto extremo de sofrimento e de violações diárias de direitos. Ante essa situação, o
evento catastrófico acarretado pelo rompimento da barragem passa a configurar-se como um
desastre.

2. Sobre o conceito de desastre

Para compreender esse conceito, é necessário desprender da concepção de “desastres


naturais”, em que o desastre produzido se deve a ação de eventos físicos da natureza.
Estas circunstancias desembocan en una situación en que la misma nomenclatura
utilizada para describir los desastres pone énfasis en lo anormal, y donde se ven
como fenómenos "inmanejables", "inesperados" y "sin precedentes", que resultan de
eventos "impredecibles" y que tienen impactos sobre poblaciones "impreparadas" o
"inconscientes" (ROMERO; MASKREY, 1993, p. 113).

Logo após o rompimento de Fundão, houve uma tentativa de disseminar as causas do


evento catastrófico aos abalos sísmicos registrados na região pelo Observatório sismológico
da UnB. No entanto, mesmo havendo abalos capazes de gerar a ruptura de barragens em
plenas condições de segurança, que não era o caso de Fundão, ainda assim, esse rompimento
se configuraria como um desastre, pois é a organização social que o propicia, através de
processos de vulnerabilização e iniquidades. Desastres não se restringem a causalidades
acarretadas por fenômenos naturais. Para Valencio (2009, p. 5) “(...) a compreensão dos
desastres [...] focaliza centralmente a estrutura e dinâmica social que, num âmbito
multidimensional e multiescalar, dá ensejo a variadas interpretações acerca das relações
sociais, territorial, institucional e historicamente produzidas”. No caso supracitado, essa
situação se relaciona, principalmente, aos moradores de Bento Rodrigues em que, como foi
abordado por Viana (2012, p. 230), 68% dos entrevistados já expressavam medo do
rompimento da barragem de rejeitos em 2012.
190
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Assim, os desastres se configuram como “(...) acontecimentos coletivos trágicos nos


quais há perdas e danos súbitos e involuntários que desorganizam, de forma multidimensional
e severa, as rotinas de vida (por vezes, o modo de vida) de uma dada coletividade” (ZHOURI
et al ., 2016, p. 37). Os estudos produzidos pelo Instituto Prístino que alertavam em 2013 o
risco de colapso da barragem de Fundão e a inexistência de um sistema de alarme sonoro nas
comunidades a jusante, revelam o descaso da empresa Samarco, resultado de uma elevação da
produtividade e diminuição de custos operacionais, após o chamado ‘boom das commodities’,
necessária para manutenção dos altos lucros, que implicou em estratégias gerenciais de piora
nas condições de trabalho e de segurança, por exemplo (POEMAS, 2015).
Esse desastre, então, passa a ser classificado por parte da crítica como um desastre
sociotécnico ou tecnológico, “(...) atribuído em parte ou no todo a uma intenção humana, erro,
negligência, ou envolvendo uma falha de um sistema humano, resultando em danos (ou
ferimentos) significativos ou mortes” (ZHOURI, et al., 2016, p.37). Ao mesmo tempo, essa
definição busca se contrapor a uma lógica institucional, difundida no Brasil, principalmente,
pelo Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil (SINPDEC), que se baseia nas teorias de
hazards para substanciar a naturalização do desastre, pois tais teorias operam no sentido de
canalizar as causas dos desastres aos aspectos físicos, invisibilizando as condições sócio-
econômicas das comunidades e as decisões de caráter político que o provocaram.
Entendendo então os desastres como processos historicamente construídos, produtos
da acumulação de riscos e de vulnerabilidade social (ACOSTA, 2005, p. 22), o estado atual
em que os atingidos se encontram em Mariana, evidencia a perpetuação dessa vulnerabilidade
– pelos diversos procedimentos tomados, tanto pela esfera pública, mas, principalmente, pelas
empresas responsáveis, desde novembro de 2015 – evidenciando um “processo de
vulnerabilização” (ACSELRAD, 2006) que não se restringe, apenas, a considerar a
vulnerabilidade como socialmente construída e produzida por decisões sócio-políticas, mas
para focar, também, a observação ao processo que está em curso.
Passada pouco mais de uma semana do rompimento, por exemplo, as vítimas tiveram
que se organizar em espaços de negociação que colocam todos como partes “interessadas”, o
que retira a condição de ré da empresa. Essa estratégia de negociação e mediação, recorrente
em casos de conflitos ambientais, é um mecanismo de governança que busca evitar os
processos de judicialização, propondo tecnologias para o alcance de consensos (ZHOURI et
al, 2016). Passados quase 2 anos do rompimento, as vítimas ainda continuam lutando pelo
reconhecimento como atingidos, aprendendo, inclusive, a tornar-se atingidos - através do
enfrentamento às situações burocráticas nas quais foram submetidos - em busca dos direitos
que são indeferidos diante das constantes atitudes de deslegitimação das empresas e violação
da dignidade, causadas pelos rumores, descompromissos, atrasos, que geram incertezas,
medos e ainda mais conflitos. Subordinadas às relações hierárquicas, as vítimas passaram a se
classificar como atingidos, pela característica de luta imbricada no termo, tendo que aprender
a resistir a um processo que desgasta, adoece e arruína ainda mais suas vidas. Ainda assim, na
peleja, se defendem e aspiram o luto ao mesmo tempo que procuram fôlego para os desafios
diários.

3. Sobre viver o desastre

“[...] eu pensei comigo que ia vir era uma água, não uma lama, porque a água vai
passando rápido, porque aqui é alto, você olha o rio depois lá em baixo, aqui é alto.
Aí aconteceu que chegou e levou foi tudo embora, o que tava no alto, embaixo ...
tudo embora”.
“[...]Era jabuticaba, era condensa, madeira. Não ficou nada ... A lama secou tudo,
acabou com tudo!”.
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A lama passou a ser, ao mesmo tempo, o marco e uma marca nas vidas dos moradores
que foram desterritorializados pelo desastre. J. e V., moradores de Paracatu de Baixo, tratam
respectivamente em suas falas de momentos diferentes do processo. Nos relatos coletados
através da oficina de cartografia social, organizada pelo GESTA (Grupo de Estudos em
Temáticas Ambientais), J. revela a sua surpresa, logo que voltou a Paracatu um dia após a
chegada da lama, sendo contrariado pelo seu imaginário da “barragem de água”. V., por outro
lado, demonstra o seu desgosto, ao ver o seu terreno seco, sem vida, um ano e três meses após
o rompimento. Nesses casos, o tempo toma uma característica veloz, revelando a tamanha
capacidade de destruição, em um dia, de tudo que demorou décadas para ser construído. Ao
mesmo tempo que provoca a impressão de aproximação das lembranças da vida anterior,
como algo tão recente, que, mesmo passado mais de um ano, é de admirar que tudo foi
realmente foi destruído. Viver o desastre talvez seja isso. Perder a noção do tempo, sentir que
o tempo passa rápido demais, mas demora tanto… Tentei iniciar esse tópico dessa forma,
buscando simbolizar uma descronologia do desastre, os processos apesar de serem marcados
por datas, não se limitam a elas.
O desastre do rio Doce, embora se inicie no dia 5 de novembro de 2015, atravessa a
temporalidade, por revelar vulnerabilidades históricas, além de ser marcado por narrativas que
encadeiam e embaralham passado, presente e futuro. Dessa forma, é necessário a
compreensão do desastre, a partir das vítimas, pois são elas que o vivenciam. Por isso, é tão
importante conhecer os sujeitos e as formas com que foram se constituindo, através das
histórias de vida e de suas relações com o lugar, entendendo o lugar na perspectiva em que as
estruturas espaciais, as localidades e os territórios são processos contingentes e socialmente
produzidos (APPADURAI, 2004), ao mesmo tempo que apresentam regularidades advindas
da conformação do espaço social, por exemplo, das iniquidades e fissões de classes.
Isso só é possível através do resgate das memórias que para Martins (2016, p. 132)
revelam “(...) a injustiça e a violência – longamente inscrita nos corpos e nos testemunhos –
crucial para que se edifique a necessidade de alternativas ao modo como a modernidade
produziu categorias de humano e sub-humano”. Ou seja, se há o sub-humano, a dignidade não
é uma propriedade inerente ao sujeito, é produto de processos históricos, relacionais. E são as
memórias que, apesar de parecerem inicialmente como um fenômeno individual, algo
relativamente íntimo, próprio da pessoa, “devem ser entendidas também, ou sobretudo, como
um fenômeno coletivo e social, ou seja, como um fenômeno construído coletivamente e
submetido a flutuações, transformações, mudanças constantes (POLLAK, 1992, p. 2). A
minha experiência com a cartografia social, revelou um pouco da peculiaridade temporal. O
caso da V. é um exemplo bastante emblemático, nesse sentido.
Em março de 2017, fizemos a primeira visita aos terrenos dos moradores de Paracatu
de Baixo que participaram da oficina de cartografia social, com o objetivo de levantar os
danos cometidos a eles pelo desastre. Uma das primeiras moradoras que eu acompanhei foi
Vera. Logo de início V. foi mostrando o terreno detalhadamente, resgatava pertences perdidos
dentro da lama seca, em um momento chegou a limpar um pedaço de cerâmica que tinha
comprado para a reforma da cozinha. Essas e outras ações feitas por Vera, me chamaram
atenção, pois revelam o significado da casa e o solapamento de suas estratégias de vida,
sobretudo a casa por significar estabilidade, segurança e privacidade. Perdê-la, revela também
a privação da possibilidade de reprodução social, das relações de amizade, de vizinhança e do
que Silva (2013) apontou como o ethos familiar. Nessa perspectiva, o material e imaterial se
misturam, a propriedade não se limita a extensão do terreno, ao tamanho da casa, ao tipo de
fogão e etc; mas do significado de cada um dos pequenos objetos, da formação da vizinhança,
dos calendários religiosos, e te tudo que contribuiu para a constituição de Paracatu de Baixo
como comunidade.
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Passados dois meses, retornamos à Mariana para concluir o trabalho da cartografia


com as famílias que ainda não tinham feito o mapeamento nas propriedades. Marcamos com o
filho da Vera, mas para a nossa surpresa, ela veio junto para nos acompanhar. Acabou que V.
refez, com gosto, a mesma trajetória em seu terreno, mostrando a casa, o lugar onde era a
horta, as plantações, a mina d’água, tudo da mesma forma com que tinha feito. Nessa segunda
visita, V. encontrou a sua panela de fazer arroz, cheia de terra e nos mostrou queixando por
não poder mais utilizá-la. É por isso que esse exemplo é tão marcante nessa perspectiva do
tempo. Voltar ao lugar significa materializar aspectos que passaram compor a esfera das
lembranças, e pela velocidade com que essas lembranças foram produzidas, acaba por gerar
sempre a sensação de anormalidade, quase uma incompreensão da situação vivenciada,
mesmo não sendo a primeira vez no lugar solapado.
O processo de ruptura da vida cotidiana é violento por quebrar as rotinas, os caminhos,
as vidas, que não poderão ser refeitas da mesma forma em outros marcos, o passado não
poderá ser recuperado, e assim, é impossível o retorno à normalidade. É nesse sentido que se
revela a afetação multidimensional dos desastres “(...) que se refere a simultaneidade de
sinergias entre dimensões objetivas e subjetivas, materiais e simbólicas de perdas, danos e
prejuízos” (VALENCIO; SIENA, 2013). Ao mesmo tempo que os processos foram rápidos, o
tempo social do novo cotidiano em Mariana é marcado pela morosidade, ansiedade e
desespero por um novo lugar. Como já abordei, os atingidos tiveram de se adaptar a uma nova
rotina, tendo que negociar o futuro com os mesmos que retiraram tudo que tinham.
A primeira grande luta dessas pessoas, foi pelo reconhecimento enquanto vítima. Os
desastres, normalmente, tendem a definir uma referência espacial daquilo que é chamado pela
defesa civil de “cenário do desastre”, baseado numa perspectiva geográfica que desconsidera
relações sociais existentes na localidade. Isso foi evidente no Programa de Levantamento e
Cadastro dos Impactados (PLCI), feito pela Synergia, empresa contratada pela Samarco, onde
foram separadas as áreas entre as categorias: impactada, residual e remanescente. Essas
categorias revelam a tentativa de diferenciar as áreas onde a lama não alcançou, com intuito
de definir quem são os “impactados” – conceito utilizado pelo programa – e que tipo de
medida compensatória cada um deverá receber, desconsiderando, por exemplo, os moradores
que apresentavam dupla moradia e que utilizavam a casa da cidade e do povoado; a
inviabilidade de permanência e uso da propriedade daqueles que não tiveram a casa atingida
pela lama; e as formas de trabalho informais que também foram impossibilitadas.
Essas situações supracitadas revelam uma faceta do sofrimento social, em que o
sofrimento não é visto, institucionalmente, como uma complexidade multidimensional, mas
como algo físico. Não acata, minimamente, as perdas das relações, das imaterialidades. O
atingido tem que se enquadrar nas peneiras para conseguir acesso à moradia provisória, a
indenização, ao cartão “benefício”. Isso é violência, na medida que gera uma relação
instrumental dos sujeitos danificados, que passam a cumprir quase uma função de figuração,
impulsionando a revitimização, o que significa a consolidação do estado de sub-humano.
A luta por direitos passou a ser a nova rotina exigida pela morada em Mariana. A lama
‘desterritorializou’, ‘desenraizou’ (SILVA, 2013) e impulsionou uma nova lógica de viver,
onde os ritmos de vida são ditados pelas instituições. Reuniões, frequentemente mais de uma
por dia, audiências públicas e grupos de trabalho, sobrecarregam e revelam outra
característica do sofrimento social:
“(...) um sofrimento que é constituído e agravado na luta, durante os esforços de
mobilização dos moradores que, ao desenvolverem habilidades no trato com
autoridades, técnicos e conselhos, são simultaneamente enredados em disputas nas
quais encontram um nítido limite de atuação marcado pela subalternização de suas
perspectivas (OLIVEIRA, 2014, p. 1).
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Essas novas formas de se comportar nesses espaços de negociação, mostram a


‘disciplinarização’ dos sujeitos, que Foucault (1990, p. 29) aponta como uma forma de “(...)
vigiar alguém, como controlar sua conduta, seu comportamento, suas atitudes, como
intensificar seu rendimento, como multiplicar suas capacidades, como colocá-lo no lugar onde
será mais útil” que marca relações de poder, além de evidenciar o que Goffman (1996) aponta
como ‘carreira moral’, que é a sequência de mudanças que produzem efeitos na identidade e
no esquema de imagens da pessoa. Trata-se de um conceito importante para compreender as
trajetórias de mudança e reordenação para o enfrentamento, através, por exemplo, da
familiarização de termos e linguagens técnicas, tendo que ocultar as emoções que são alvo de
deslegitimação nesses espaços, um modo de violência cultural. Em Mariana, esse processo é
ainda mais cruel, pois a ruptura foi súbita e as vítimas não tiveram tempo para, ao menos,
viver o luto.
Imbricados nessa dinâmica complexa de reordenação em meio a desordem, geradas
pelas iniquidades históricas, as novas rotinas desses sujeitos demonstram a permanência do
processo de vulnerabilização, que se refere “(...) à relação sociopolítica de violência que
esgarça o direito do outro através de lutas simbólicas, as quais pressionam os sujeitos menos
móveis a aceitar a degradação a que são levados” (ACSELRAD et al., 2009). É importante
pontuar que a aceitação apontada não é consensuada, é imposta. Um exemplo disso são as
moradias provisórias, em que os atingidos foram submetidos semanas após o rompimento da
barragem. A maioria dessas pessoas moram em apartamentos espalhados pela cidade. Nas
minhas visitas às casas de V. e I., moradoras de Paracatu, elas me contam das dificuldades de
viver nesses locais. São moradias que evocam uma forma urbana de relação com o espaço.
São privadas da lida com a terra, por não possuir quintal para o manejo da roça, das hortas;
são impossibilitadas as criações de animais que contribuíam para a renda familiar; além da
constante sensação de confinamento. Ademais, as duas se mostram insatisfeitas com os
móveis das casas cedidos pela Samarco que são iguais para todas as vítimas da bacia. V. diz:
“lá em Paracatu a gente tinha tudo diferente, quando um comprava uma coisa a gente ia lá e
comprava diferente”. Da mesma forma, I. relata estar trocando todos os móveis pois “não são
do meu gosto” como fala a própria. Essas dificuldades se intensificam pelo isolamento, as
duas são irmãs e moravam uma ao lado da outra em Paracatu. Hoje estão separadas e a
distância empata as relações diárias que tinham não só entre elas, mas com todo o resto da
comunidade agora espalhada pela cidade.
Nesta perspectiva, o desastre continua se processando enquanto estiver presente nas
experiências daqueles que lutam pela sobrevivência diária, quer seja na procura por
atendimento médico, remédios, trabalho, formação profissional ou no agenciamento
que dá voz à memória aos moradores da cidade, narrativas estas que se quer
silenciadas (SILVA, 2005, p. 23).

Além do mais, viver em Mariana passou a significar a convivência com a


‘estigmatização’, em que os efeitos do desastre passam a marcar as vítimas dele. Para
Goffman (1981) o estigma revela a situação do indivíduo que está inabilitado para a aceitação
social plena. Em Mariana essa característica é evidente através da corporificação da lama, que
se expressa na associação desses sujeitos ao ócio, à incapacidade de restabelecer a vida, à
atribuição da culpa da crise econômica na cidade, causada pelo fim das atividades de
mineração da Samarco, como se as disputas fossem por interesses individuais. Essas marcas,
no entanto, também passaram a ser motivo de disputa, reiterando as violências que foram
geradas e a identidade de luta do atingido.
É interessante destacar a luta e resistência desses sujeitos, que após um ano e nove
meses, passaram a traçar estratégias políticas para reafirmar suas identidades e pertencimento
com o lugar solapado. A preservação das festividades religiosas nas comunidades destruídas,
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expressa os efeitos do desastre, por impedir a permanência no território, mas, também, a


manutenção da tradição e a peleja pelo direito à volta, além da busca por um novo local onde
seja possível restabelecimento da vida.
A lama acarretou uma série de rupturas para os moradores, que inviabilizou estratégias
de vidas e culminou na perda de relações sociais. Porém, as festas religiosas, por exemplo,
resistiram e passaram a significar um instrumento de defesa do lugar. Entender essas festas
como rituais de resistência, significa perceber que no espaço-tempo em que elas passaram a
ocorrer – num cenário de destruição – houve uma nova atribuição de sentidos, que agora não
são apenas religiosos, mudando, assim, a forma com que as pessoas passaram a vivenciar o
propósito da experiência. Essas práticas podem ser caracterizadas como rituais que criam um
sentimento de ‘communitas’ (TURNER, 2008), retirando as pessoas dos cotidianos, que
foram alterados pelo desastre, ajudando a trazer uma reintegração essencial em situações de
dramas sociais que dialoga muito com a noção de desastre, pois essas situações se
materializam em processos de ruptura, crise e acentuação da crise.
As lutas não se restringem às ações mais publicizadas, elas estão presentes no
cotidiano e em atores que muitas vezes não são protagonistas em reuniões públicas,
audiências, ou na organização de tais festas. Pude perceber isso através das oficinas de
cartografia social, em que a maioria dos atingidos que participaram, demonstraram aspectos
políticos em seus discursos, mas não necessariamente possuem papel de destaque em
situações de negociação. Elas se mostram ativas em âmbitos às vezes difíceis de serem
analisados, pois, muitas vezes, apesar de serem organizadas, as ações são informais e
atravessam questões internas dos grupos. Ao acompanhar os preparativos da Festa de Junina
de Paracatu, realizada na Casa de Saberes em julho de 2017, em uma das conversas, A. me
contou que, apesar de estar mais à frente na organização, junto com mais outras duas
atingidas, a festa não seria possível sem o apoio de outros sujeitos da comunidade que não
estavam presentes, mas que contribuíram na busca de doações e no preparo das comidas da
festa, por exemplo.
A resistência cotidiana também se revela nas celebrações religiosas da comunidade
que ocorrem uma vez por mês em Mariana, pois, o momento que antes se restringia à
celebração, transformou-se na possibilidade de reencontro dos entes, dos amigos, das
crianças, dos padrinhos e afilhados que agora se encontram espacialmente separados na
cidade. A Casa dos Saberes, espaço conquistado pelos atingidos de Bento Rodrigues e
Paracatu, é bastante emblemática, nesse sentido, por ser outro local que possibilita,
minimamente, a autonomia e a continuação de uma comunidade sem território. Dessa forma,
o cotidiano se caracteriza também pela rotina de resistência, onde os atores vão produzindo
novos territórios e ressignificando determinados costumes.

4. Considerações finais

Tratando do estudo do caso supracitado, abordei sucintamente a discussão sobre a


ideia de desastre. A diferenciação das várias categorias levantadas é importante para enfatizar
os desastres como processos que não se limitam a uma parcela específica do tempo, no caso
do Desastre do rio Doce, não está circunscrito ao dia do rompimento da barragem, mas
perpassa pelo encadeamento de decisões que geraram a vulnerabilização de sujeitos, anterior e
posterior ao rompimento. Dessa perspectiva, as vítimas do desastre se tornam atingidas, a
partir do momento que uma barragem de rejeitos foi construída a montante da comunidade
onde residiam. Após o rompimento, é evidente a continuação desse processo de
vulnerabilização, através das providências que foram sendo tomadas, tanto pela esfera
pública, quanto pelas empresas responsáveis.
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Assim, é a partir desse estado atual em que os atingidos foram submetidos, tendo que
negociar um futuro ainda incerto, que busco analisar os efeitos das decisões e da ausência
delas. Posso adiantar que passados um ano e nove meses do evento catastrófico, o desastre
continua no cotidiano, através da estigmatização, da morosidade de resolução, das lembranças
do lugar perdido, da perda de autonomia e da dificuldade de se adaptar em uma dinâmica
totalmente distinta ao que tinham. Como retrata A., moradora de Paracatu, tiveram que
“aprender a ser atingidos” e o aprendizado vem com muita luta, desde às resistências diárias,
às peregrinações religiosas que revelam a ressignificação do lugar, através do movimento do
corpo nos espaços solapados.

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GESTÃO PÚBLICA PARTICIPATIVA: O PAPEL DOS CONSELHOS


MUNICIPAIS DE MEIO AMBIENTE NA GESTÃO
DESCENTRALIZADA LOCAL

Participative public management: the role of municipal environmental


councils in local decentralized management

Francis de Almeida Araújo Lisboa 111


Thaís Aldred Iasbik 112
Samuel Fernandes dos Santos 113

Resumo: A democracia participativa por meio de instrumentos como conselhos gestores com
a Constituição Federal de 1988 junto aos já clássicos institutos da democracia representativa
passam a viabilizar por intermédio de suas ações, a fiscalização, controle social e deliberação
sobre a política pública e seus recursos. O artigo visa analisar a aplicabilidade dos conselhos
municipais do meio ambiente na gestão pública participativa. Para tanto, recorreu-se à
metodologia teórico-dogmática com raciocínio dedutivo e técnica de pesquisa bibliográfica e
documental. Assim, se constatou que muito embora se possa verificar o caráter deliberativo e
normativo dos conselhos municipais de meio ambiente, na prática correm o risco de se
traduzirem em instrumentos meramente consultivos sem nenhuma força de articulação e
decisão política.

Palavras-chave: democracia participativa; participação popular; conselhos gestores; direito


ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Abstract: Participatory democracy through instruments such as management councils with


the Federal Constitution of 1988, together with the already classic institutes of representative
democracy, make viable, through their actions, control, social control and deliberation on
public policy and its resources. The article aims to analyze the applicability of municipal
councils of the environment in participatory public management. For that, we used the

111 Assistente Social e advogada. Pós-graduada em Métodos e Técnicas de elaboração de projetos sociais e em
Gestão de Políticas Sociais pela PUC/MINAS . Mestranda em Direito Ambiental e Desenvolvimento sustentável
pela Escola Superior Dom Helder Câmara-ESDHC (Belo Horizonte- MG), participante do grupo de pesquisa A
Mineração e o Desenvolvimento Sustentável nos Tribunais.
112 Advogada. Pós- Graduanda em Direito Urbanístico e Ambiental pela PUC/MG. Mestranda em Direito
Ambiental e Desenvolvimento sustentável pela Escola Superior Dom Helder Câmara-ESDHC (Belo Horizonte-
MG), participante do grupo de pesquisa A Mineração e o Desenvolvimento Sustentável nos Tribunais.
113 Advogado. Mestrando em Direito Ambiental na Escola Superior Dom Helder Câmara. Pós-graduado em
direito processual pelo Instituto de Educação Continuada da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Graduado em Direito pela Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas Newton Paiva. Pesquisador do Grupo de
Pesquisa Tutela Penal do Meio Ambiente. Currículo Lattes: <http://lattes.cnpq.br/4601228648624070 >. E-mail:
samuelfernandess@uol.com.br
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theoretical-dogmatic methodology with deductive reasoning and bibliographic and


documentary research technique. Thus, it was found that, although the deliberative and
normative nature of the municipal councils of the environment can be verified, in practice
they run the risk of being translated into mere consultative instruments without any force of
articulation and political decision.

Keywords: participatory democracy; popular participation; Management advice; Ecologically


balanced environment.

1. Introdução

O presente artigo visa analisar a aplicabilidade dos conselhos municipais de meio


ambiente (CONDEMAS) no que concerne à promoção da gestão pública participativa,
valendo-se como instrumento de democracia participativa na ampliação do acesso às políticas
públicas.
Para tanto levanta-se como problema se os conselhos municipais de meio ambiente nas
gestões locais funcionam como instrumentos válidos capazes de elegerem políticas públicas
que atendam ao interesse público, viabilizando o exercício da democracia participativa no
âmbito local.
Esse estudo é trans e interdisciplinar, pois aborda discussões envolvendo estudos da
Ciência Política, da Sociologia, promovendo a interface de informações com searas jurídicas
como o Direito Constitucional, o Direito Administrativo e o Direito Ambiental.
Como marco teórico do artigo, tem-se as ideias sustentadas por Maria da Glória Gohn
as quais estabelecem que os conselhos gestores apesar de se estabelecerem enquanto canais
participativos e deliberativos paritários, na maioria das vezes suas intervenções, se resumem a
meros instrumentos de consultas sem nenhuma força de articulação e decisão política.
Portanto, a participação popular, muito mais do que uma nova forma de exercício do
poder político no Estado ou, de um princípio norteador do processo interpretativo é um
mecanismo o qual garante a eficácia social da Constituição, ressaltando a soberania popular.
Nesse sentido artigo é dividido em três tópicos. Sendo o primeiro responsável por
discutir o surgimento da Democracia Participativa mediante surgimento Estado Democrático
de Direito, o qual visa efetivar a possibilidade de pleno exercício da cidadania a partir da
participação popular. Já o segundo tópico disserta sobre o direito constitucional ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado e a possibilidade de maior participação popular nas
decisões políticas via fenômenos descentralização e desconcentração. Por fim, o terceiro
tópico versa sobre natureza, composição e competência dos conselhos gestores na democracia
participativa e apresenta a discussão sobre os conselhos municipais de meio ambiente
(CONDEMAS), o qual por intermédio da discussão apontada possibilitou a confirmação da
hipótese levantada.
Desse modo, pela pesquisa bibliográfica e documental realizada e por meio do uso
método teórico-dogmático de raciocínio dedutivo pode-se concluir que apesar do caráter
deliberativo e normativo dos conselhos municipais de meio ambiente, na prática correm o
risco de se traduzirem em instrumentos meramente consultivos sem nenhuma força de
articulação e decisão política.

2. O Estado Democrático de Direito: o surgimento da democracia participativa e a


consolidação da participação popular
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A Constituição Federal de 1988 consolida uma nova feição no tocante ao Estado


mediante sua relação com o Direito, ao criar um elo entre as esferas privada e pública.
Eis que exsurge em seu artigo 1º, um novo paradigma estatal, qual seja, a instituição
do Estado Democrático de Direito, baseando-se nos valores sociais do trabalho, da soberania,
da cidadania, da dignidade da pessoa humana, da livre iniciativa e do pluralismo político.
Ainda, o parágrafo único do artigo em comento enfatiza a questão de ser o poder político
emanado do povo e exercido por representantes eleitos, ou manifestado de forma direta.
Esse novo modelo de Estado amplia o processo democrático, ao trazer o cidadão para
cena política enquanto coautor das deliberações públicas. Logo, “(...) o Estado depende da
participação direta do povo como colaborador na cogestão pública para tornar legítimas a
filtragem das demandas sociais e suas decisões administrativas” (AZEVEDO, 2007, p.57).
Dessa forma, conforme explicitado, a Constituição Federal de 1988 elege a
democracia como forma de exercício do poder. Para Kelsen “(...) a democracia é, sobretudo
um caminho: o da progressão para a Liberdade” (KELSEN apud BONAVIDES, 2014, p. 287).
Em vista disso, inaugura-se na sociedade brasileira a democracia participativa ou
semidireta com a inclusão do regime democrático no texto constitucional. Paulo Bonavides
prescreve: “(...) trata-se de modalidade em que se alteram as formas clássicas da democracia
representativa para aproximá-la cada vez mais da democracia direta” (BONAVIDES, 2014, p.
295). Busca a conciliação entre o intervencionismo estatal no plano socioeconômico e o
liberalismo no plano político e jurídico, almejando inibir os desmandos do Estado.
Desse modo, pode-se perceber que a Constituição Federal de 1988 ao viabilizar a
democracia participativa, a qual surge “(...) em face dos problemas representados pela
democracia representativa” (PEREZ, 2009, p. 32), legitima a participação popular como
caminho para uma gestão pública participativa, aspirando, assim, eleger a soberania popular
como instituto primordial no controle da atuação estatal.
A introdução da participação popular na gestão administrativa possibilita a
corresponsabilidade do cidadão nas decisões referentes à atuação da Administração Pública,
mediante a formação de instituições representativas como, por exemplo, os conselhos
gestores, os quais poderão interferir diretamente na gestão das ações estatais.
Dessa forma,
No âmbito administrativo, se por um lado isso pode gerar interferência nos limites
do poder discricionário do administrador público, por outro permite se fazer uma
releitura do papel dos administrados_ agora corresponsáveis pelas ações do próprio
Estado. Ao revés, não se limitando à prerrogativa de direção e governo a partir da
ideia dessa divisão de trabalho entre Estado e seus consortes, eis que o papel dos
cidadãos nesses conselhos também pode se inclinar para a verificação da
transparência na gestão pública (AZEVEDO, 2010, p. 4).

Tudo isso se coaduna com a conquista efetiva em termos de cidadania trazida pela
Constituição Federal de 1988, a qual incorporou mecanismos de controle social, por via de
sua gestão descentralizada e participativa, visando um novo redirecionamento das relações
entre o Estado e a sociedade civil rumo a uma democracia participativa plena.
Denota-se que o conselho gestor também deve ser considerado como eficiente
mecanismo de controle social, pois ele surge com o intuito de tornar a gestão pública mais
cristalina e próxima da realidade social vivida, implicando em relevante instrumento para a
participação social igualitária entre povo e Poder Público. Nesse diapasão, tem-se nos
mecanismos de controle importantes aliados para a participação democrática promovendo a
inclusão de toda a sociedade.
Com a participação efetiva da população na Administração Pública, a cidadania tem
sua atuação ampliada, não se restringindo mais à mera escolha de governantes. A participação
200
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passa a ser primordial em todas as funções estatais; ao Legislativo o referendo, a iniciativa


popular de lei, o plebiscito, além da fiscalização do Executivo; ao Judiciário as ações
populares, mandados de segurança, entre outros; à Administração Pública funções decisórias,
consultivas ou de controle (PEREZ, 2009).
Ao pretender a democratização plena do Poder Público, a Constituição Federal de
1988 transferiu competência legislativa para seus Municípios conforme preceitua o inciso I do
art.30: “I- legislar sobre assuntos de interesse local;” (BRASIL, 1988) com base nesse, surge
uma série de institutos, dentre eles os conselhos gestores, com o intuito de promover o
desenvolvimento regional não só no aspecto econômico, mas, sobretudo, social.
Segundo (BITTAR, 1999), não desconsiderando o universo macrossocial, deve-se
voltar os olhares para o Município, pois é nesse espaço que ocorre às relações de forças no
processo de implementação das políticas públicas. Por isso, sabendo que a reforma do Estado
veio em direção à construção da cidadania e transformações de base, o grande desafio das
administrações municipais públicas é assegurar o exercício da democracia participativa no
âmbito local a partir de instrumentos como conselhos gestores, os quais podem viabilizar a
eleição de políticas públicas em consonância com os anseios sociais.
Entretanto, tem-se um longo caminho a ser percorrido, pois o centralismo institucional
presente nas secretarias e suas estruturas burocratizantes são desapropriadas para uma gestão
que objetiva alterar suas prioridades e descentralizar o poder por intermédio de novos canais
participativos, devendo com isso, fugir do reducionismo da detenção do poder local, sendo,
portanto, necessário se democratizar o poder (BITTAR, 1999).
Dessa forma, a política para que seja cidadã deve passar pela cotidianidade do poder
local: “(...) para que mude esta cultura clientelista e de favores, é necessário: estimular canais
de participação individuais e de estimular os cidadãos a intervir coletivamente na definição,
execução e controle das políticas públicas” (BITTAR, 1999, p. 339).
Torna-se necessário ainda negar o clientelismo impregnado na cultura política
brasileira. Portanto, os conselhos gestores nascem como uma possibilidade de canalizar a
potencialidade dos agentes políticos da sociedade civil, transformando-se em sujeitos no
processo de construção da cidadania em prol da soberania popular no controle e gestão da
esfera pública.
Precisa-se, por outro lado, frisar acerca da soberania popular a qual é legitimada pela
Constituição Federal de 1988 como ponto nuclear da democracia, tendo em vista que, todas as
consequências, todos os vetores dali irradiados, dão ao povo as prerrogativas necessárias para
o exercício da democracia. Dentro desse contexto, não se pode falar em soberania do príncipe,
ou qualquer expansão de privilégios que impliquem ou possam indicar um sistema que seja
conflitante com a essência da soberania popular.
Essa é a determinação contida no parágrafo único do artigo 1º do texto constitucional
de 1988: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou
diretamente, nos termos desta Constituição” (BRASIL, 1988).
Ora, não se pode olvidar a importância dessa norma, tampouco banalizar esse
enunciado, visto que o poder pertence de forma integral ao povo e, como único soberano
poderá delegá-lo, excepcionalmente, para melhor satisfação dos seus interesses.
Essa discussão é pertinente para fundamentar o próximo item que discorrerá sobre o
direito constitucional ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem como, sobre os
fenômenos da descentralização e desconcentração, os quais têm possibilitado a busca por uma
gestão pública mais transparente e mais suscetível à participação popular.
Por conseguinte, tal discussão fundamentará a análise do papel dos Conselhos
municipais de meio ambiente enquanto legítimo representante da democracia participativa no
âmbito local.
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3. Gestão pública participativa no meio ambiente: a busca do fortalecimento da


participação popular por meio da descentralização das decisões políticas

A Constituição Federal de 1988 representou um ganho em termos da consagração dos


direitos fundamentais, elencando dentre eles o direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, no qual pela primeira vez, prioriza a proteção ambiental ao invés de apenas
vislumbrar questões relacionadas à apropriação e exploração econômica dos recursos naturais
e, pela via indireta de proteção à saúde, o que era feito pelas Constituições anteriores. Assim,
“(...) até a década de 60, a dominação da natureza não era uma questão e, sim, uma solução- o
desenvolvimento” (PORTO-GONÇALVES, 2006, p. 51).
No Brasil, a primeira referência que se faz ao tema ocorre pela implementação da
Política Nacional do Meio Ambiente, com a aprovação da Lei n. 6938/1981, a qual trouxe ao
Ordenamento Jurídico um instrumento de tutela ao meio ambiente trabalhando-o de forma
sistêmica, conforme preceitua o seu conceito no art. 3º: “Para fins previstos nesta Lei,
entende-se por: I- Meio ambiente, conjunto de condições, leis, influências e interações de
ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”
(BRASIL, 1988).
O texto constitucional de 1988 recepciona a Lei n. 6938/1981 e trata a questão
ambiental no art. 225 do Capítulo VI do título VIII- Da Ordem Social, o qual sistematiza a
temática no âmbito nacional. Nesse sentido, preceitua o artigo: “Todos têm direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (BRASIL, 1988). O dispositivo
constitucional visa proporcionar o desenvolvimento pleno, garantindo, a dignidade da pessoa
humana ao unir tutela ao meio ambiente à qualidade de vida (COSTA, 2016).
Ao estabelecer o meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito
fundamental, o constituinte requer a proteção de tudo que envolve o ambiente tanto natural,
artificial, cultural e do trabalho, levando em consideração todas as condições que possibilitam
a sadia qualidade de vida. Para tanto, requer instrumentos e técnicas os quais favoreçam a
manutenção, restauração e proteção da qualidade ambiental.
Assim, mediante o princípio da solidariedade intergeracional o constituinte passa a
demandar a proteção ambiental para o Estado e a sociedade civi, tratando-se de compromisso
ético da geração atual para com a geração futura, pois por sua natureza difusa, não há como
determinar a titularidade do bem ambiental protegido, pois, é um bem de todos e, só na
coletividade é que se pode concretizar a qualidade ambiental. Nesse sentido (COSTA, 2016,
p. 76) considera: “Por tudo isso, quando se fala na tríade “(...) vida, saúde e meio ambiente”,
todos esses elementos interligados pelo fio condutor da solidariedade [...]”.
De acordo com (MILARÉ, 2014), a Declaração de Estocolmo sobre Meio Ambiente
Humano, já em seu princípio 2, visando evitar o esgotamento total dos recursos naturais
estabeleceu que esses deveriam ser preservados, tendo em vista as gerações atuais e futuras.
Igualmente, a Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de
1992, em seu princípio 3, novamente firma tal princípio, dizendo ser necessário um
desenvolvimento econômico com responsabilidade pelas presentes e futuras gerações.
Dessa maneira, a natureza jurídica do bem ambiental é de interesse difuso ou
metaindividual, versando o termo uso disposto no texto constitucional sobre a possibilidade
de utilização por toda sociedade e em benefício de cada indivíduo isoladamente. Ao princípio
da solidariedade intergeracional elencado no caput do artigo 225 constitucional, cumpre
destacar também, a relevância do princípio da participação o qual advém do princípio da
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informação, mas com este não se confunde, ambos legitimam a democracia participativa
inaugurada no Brasil pela Constituição Federal de 1988.
Tais princípios foram estabelecidos pela Conferência das Nações Unidas sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento- RIO/92 em seu princípio 10. Para tanto, instrumentos, dentre
outros, os conselhos municipais de meio ambiente são essenciais para sua operacionalização
(PADILHA, 2010).
A esse respeito: “(...) a participação deve ser efetiva, e, para tanto, é essencial que a
sociedade seja devidamente informada sobre os relevantes assuntos que envolvem cada
decisão das políticas públicas com relação ao meio ambiente, para que possa efetivamente
delas participar” (PADILHA, 2010, p. 260).
A proteção ambiental é efetivada a partir da repartição de competência tanto estatal
quanto da sociedade civil, ao Estado cabe às políticas públicas e à sociedade civil o respeito e
cuidado quanto à proteção ambiental, participando dos instrumentos e mecanismos
disponíveis pelas leis ambientais almejadoras de melhor qualidade de vida (PADILHA, 2010).
Nesse sentido:

[...] é que se compreende, desde a divisão de competências entre todos os entes


federativos, para implementar e legislar sobre meio ambiente que passam pelas
definições das Políticas Públicas ambientais a nível nacional, estadual e municipal,
permeadas por uma necessária gestão democrática, até os instrumentos processuais à
disposição de diversos legitimados ativos, inclusive a sociedade civil, para acesso à
justiça da proteção ambiental (PADILHA, 2010, p. 118).

Portanto, é a partir dos dispositivos legais constitucionais que surgem as diretrizes de


municipalização pautadas nos princípios da descentralização e participação da sociedade,
ficando a cargo do gestor e da sociedade civil colocar em prática o que preceitua a
Constituição da Federal de 1988 e as leis e resoluções infraconstitucionais referentes ao meio
ambiente.
A descentralização é uma questão que influencia os municípios de forma geral, visto
ser essa é um processo de transferência de responsabilidades do governo Federal para o
Estado e deste para os municípios. Partindo dessa suposição, pode-se entender a
municipalização através de dois sentidos, sendo eles:

-Intragovernamental, compreendendo o deslocamento de poder do governo federal


para as esferas subnacionais (estadualização ou municipalização) ou de uma esfera
subnacional (estado) para outra (município).
-relacionado com democratização do país, envolvendo o deslocamento de poder do
Estado para a sociedade, isto é, introduzindo a participação dos cidadãos
(JOVCHELOVITCH, 1998, p. 37).

A descentralização não se resume na transferência de responsabilidades, mas também


contempla a participação da população, sendo esse o maior desafio encontrado no momento
no âmbito ambiental, pois consiste na mobilização da sociedade civil para participar das ações
referentes à política de meio ambiente. O primeiro passo do processo é o da busca por
movimentar as instituições sociais para que cada uma escolha um membro para representá-lo
nos conselhos municipais de meio ambiente (COMDEMA).
O sistema descentralizado e participativo visa delegar poder aos Municípios e ao
mesmo tempo divide essa responsabilidade com a sociedade civil. “(...) a descentralização
representa não só um rearranjo político, mas possibilidade de aprofundamento da democracia
e da participação” (STEIN, 1997, p. 30).
Princípios como da solidariedade intergeracional e da participação permitirão que
representantes de vários segmentos da sociedade civil possam conjuntamente decidir acerca
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das diretrizes do meio ambiente, propondo mediante institutos como conselhos gestores
preservar e proteger o meio ambiente. A discussão levantada visa subsidiar a discussão do
objeto propriamente dito do artigo, os conselhos gestores na seara ambiental, o que será feita
no tópico a seguir.

4. Os conselhos de meio ambiente: há viabilidade da democracia participativa no âmbito


local?

É fato que a participação popular no âmbito da gestão pública tem sido foco de estudo
de uma gama de pesquisadores, pois essa tem se tornado cada vez mais indispensável para o
desempenho administrativo no âmbito local, principalmente, a partir da descentralização
político-administrativa. Portanto, o instituto jurídico-administrativo denominado o conselho
gestor é um sinal do desenvolvimento da democracia participativa no Brasil, pois possibilita
ao cidadão administrado a possibilidade de se tornar coautor da gestão pública no país.
Os conselhos gestores surgem como forma de tornarem a gestão pública mais
transparente e mais próxima aos anseios da sociedade civil. Enquanto instrumentos
administrativos de representação e pressão popular favorecem a plenitude da democracia
participativa, permitindo a plena participação popular em nível de igualdade com o Poder
Público. Conforme Eder Marques de Azevedo:
Os conselhos gestores permitem a participação da sociedade nas discussões sobre o
planejamento e na gestão das diversas polícias estatais responsáveis pela promoção
de direitos fundamentais [...] Tais “órgãos administrativos” permitem um co-
gerenciamento do patrimônio público e o encaminhamento de ações destinadas ao
atendimento do interesse coletivo (AZEVEDO, 2010, p. 6).

A partir do início da década de 90 do século passado, os conselhos gestores se


tornaram instrumentos de efetivação e transparência administrativa, frutos dos movimentos
sociais que visavam um protagonismo dos cidadãos na arena pública. Sendo a Constituição
Federal de 1988, o diploma efetivador desse projeto mediante a criação de amplos canais de
participação, dentre eles os conselhos gestores, inaugurando a democracia participativa no
Brasil. Assim,

Observa-se uma crescente pulverização e multiplicação de conselhos, privilegiados


como forma de promover a participação cidadã, tendo em vista, principalmente, a
proliferação de programas e projetos para atendimento a problemas sociais
desencadeados com a crise de ajustamento brasileiro ao processo de mundialização
econômica (COSTA, 2009, p. 89).

Dessa maneira, infere-se ser os conselhos gestores frutos da necessidade de tornar as


decisões políticas mais próximas dos seus destinatários, isso acabou sendo possível com a
democracia participativa a qual teve na descentralização uma das maneiras de garantir a
participação na implementação e controle de políticas públicas.
Eder Marques de Azevedo assevera: “(...) a finalidade do controle popular da
Administração Pública é constatar se as ações desta estão se pautando em bases legais e
atendendo ao interesse coletivo, na busca do bem comum” (AZEVEDO, 2010, p. 5).
Sendo institutos administrativos democráticos permitem a real participação popular na
gestão pública, promovendo a partir do diálogo com o Poder Público, a soberania popular
consagrada constitucionalmente. Para Eder Marques de Azevedo: “(...) os conselhos gestores,
portanto, operam como canais de comunicação que propiciam meios de controle popular da
Administração Pública” (AZEVEDO, 2007, p. 96).
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Assim, fica evidente a paridade e a natureza híbrida dos conselhos gestores, enquanto
órgãos administrativos que contam com 50% (cinquenta por cento) da sua formação
pertencente à sociedade civil e 50% (cinquenta por cento) de membros de representantes do
Poder Público, garantindo teoricamente o diálogo igualitário e transparente na tomada de
decisões quanto à gestão pública.
Quanto à natureza, os conselhos gestores são classificados em consultivos ou
deliberativos, sendo os primeiros como o próprio nome indica órgãos de consulta sem
vinculação do Poder Público às suas sugestões, mas mesmo não vinculando, esses têm o
importante papel de exercer o controle sobre a gestão pública. Já a natureza deliberativa dá ao
conselho gestor a condição de vincular o poder público, isto é, suas decisões influem na
discricionariedade administrativa, portanto, o que decidem devem ser plenamente cumprido,
garantindo a eficácia popular na gestão pública.
Nesse sentido,
Reforça-se que a imperatividade resguardada pela força da lei nos conselhos
gestores deliberativos vinculam os efeitos de suas decisões discutidas e consumadas,
qualificando, em tese, os seus resultados. Dessa forma é que se identificam como
instrumentos de controle tanto do ponto de vista político, como social (AZEVEDO,
2007, p. 102).

Os conselhos gestores são criados por lei específica e essa irá definir sua estrutura e
funcionamento, objetivos e finalidades, natureza e representação. Quanto à regulamentação
dos conselhos gestores essa será realizada pelo ente político que os instituíram, via decreto do
Chefe do Executivo. Em relação à nomeação e exoneração dos representantes nos conselhos
gestores estará concretizada por decreto ou por portaria segundo a lei que os criou.
No que tange à competência dos conselhos gestores essa é ligada à jurisdição
administrativa do ente que os instituiu, ou seja, ao âmbito de competência estabelecido pela
Constituição Federal de 1988. Ainda segundo Eder Marques de Azevedo sua competência o
habilita: “(...) intervir na promoção, defesa e divulgação dos direitos e interesses coletivos
voltados às suas áreas específicas de atuação, de acordo com os moldes previstos na
legislação que os constitui” (AZEVEDO, 2007, p. 98).
Dessa maneira, diante das características apontadas, pode-se constatar que os
conselhos gestores são órgãos administrativos desconcentrados, pois não possuem
personalidade jurídica. E, apesar de não gozarem de autonomia gerencial, administrativa e
financeira, promovem a partir do deslocamento do poder decisório das mãos do chefe do
Poder Executivo para a sociedade civil a democracia participativa mediante a participação
popular.
Visando analisar a aplicabilidade dos conselhos gestores na gestão pública
participativa, enquanto instrumento administrativo desconcentrado e de descentralização
política, viabilizador da democracia participativa, tomou-se como objeto do artigo os
conselhos municipais de meio ambiente (CONDEMAS).
A Política Nacional do Meio ambiente Lei nº 6938/81 é a responsável por dar
efetividade à proteção ambiental, determina orientações e objetivos ao sistema de proteção. A
Lei nº 6938/81 dentre suas deliberações instituiu o Sistema Nacional do Meio Ambiente
(SISNAMA) o qual define órgãos e atribuições nas esferas nacional, estaduais, do Distrito
Federal e municipal. Criou o órgão colegiado denominado Conselho Nacional do Meio
Ambiente (CONAMA) o qual possui o caráter consultivo e deliberativo asseguradores por
intermédio de suas competências do estabelecimento de condições para o meio ambiente
ecologicamente equilibrado.
Respaldados pelo art. 6º da Lei nº 6938/1981 da Política Nacional de Meio Ambiente
insere os órgãos e entidades municipais como integrantes do SISNAMA e, pelo princípio da
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cidadania e participação popular, cria os conselhos municipais de meio ambiente


(CONDEMAS) órgãos imprescindíveis para a formulação de políticas ambientais pautadas
em parâmetros democráticos participativos.
Os CONDEMAS se embasam nas atribuições do Conselho Nacional de Meio
ambiente (CONAMA), visto ser esse responsável por fundamentar o conselho do governo na
elaboração de políticas e normas fundamentais para manter o meio ambiente ecologicamente
equilibrado (PADILHA, 2010).
Assim, depreende-se que os CONDEMAS são espaços construídos coletivamente para
o exercício da participação cidadã, bem como da defesa e preservação do meio ambiente,
garantindo, o princípio da solidariedade intergeracional. Para isso, há que se ter clareza de sua
atuação deliberativa e autônoma, sendo, portanto, necessário um processo educativo de
formação da consciência política participativa da sociedade civil (PADILHA, 2010).
A principal finalidade dos conselhos de meio ambiente é viabilizar o controle social
ambiental, sendo uma oportunidade de efetivação da cidadania e da plena participação
popular na pretensão pelo interesse público, pois a participação passa a ter uma denotação
política, haja vista que confere aos CONDEMAS, o caráter deliberativo, consultivo e
normativo (PADILHA, 2010).
Integrantes conforme já supracitado do SISNAMA, os CONDEMAS não possuem
personalidade jurídica, não são órgãos da Administração Pública, mas possuem ampla
autonomia na propositura de políticas ambientais. Possuem formação híbrida e em sua grande
maioria são criados pela Secretaria do Meio ambiente ou órgão similar municipal, essas
determinarão a atuação dos colegiados, assim, a União e os Estados não possuem nenhum
poder sobre o âmbito municipal. Sua desvinculação dos órgãos públicos os possibilitam
condições estruturais e institucionais para serem espaços realmente deliberativos visando à
efetiva construção de políticas ambientais democráticas.
Objetivando cumprir suas atribuições representativas os CONDEMAS deverão ser
paritários com igualdade numérica, podendo ser bipartites com representantes do poder
público e de segmentos empresariais, sindicais, acadêmicos e ambientalistas, dentre outros ou
tripartites com representatividade do poder público, empresarial e entidades sociais e
ambientalistas (CONSELHO DE MEIO AMBIENTE DO BRASIL).
Faz-se necessário o respeito à paridade para que não traga sérios prejuízos em termos
de garantia do interesse público. O comprometimento com a coisa pública é fundamental para
o pleno desenvolvimento da política ambiental no âmbito local. Nesse sentido, relevante as
considerações de Maria da Glória Gohn:

Nos municípios sem tradição organizativa-associativa, os conselhos têm sido apenas


uma realidade jurídico-formal, e muitas vezes um instrumento nas mãos dos
prefeitos e das elites, falando em nome da comunidade, como seus representantes
oficiais, não atendendo minimamente aos objetivos de mecanismos de controle e
fiscalização dos negócios públicos (2002, p. 22-23).

Cabem aos CONDEMAS as seguintes atribuições: propor e fiscalizar as políticas


ambientais; analisar e conceder licenças ambientais (apenas os conselhos estaduais de São
Paulo e Minas Gerais possuem essa competência); promover educação ambiental; sugerir ao
legislativo a criação de normas e leis ambientais; opinar sobre os impactos de políticas
federais ou estaduais no âmbito municipal; apurar denúncias referentes a questões ambientais
e sugerir as punições (CONSELHO DE MEIO AMBIENTE DO BRASIL).
No intuito de se averiguar a promoção da gestão pública participativa e democrática
por meio dos CONDEMAS, levantou-se como problema se os conselhos de meio ambiente
nas gestões locais funcionam como instrumentos válidos capaz de eleger políticas públicas
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que atendam ao interesse público, possibilitando o exercício da democracia participativa no


âmbito local.
Diante do estudo exposto, pode-se depreender que instrumentos como os conselhos
gestores, no caso, os CONDEMAS, podem contribuir com a gestão pública ambiental,
propiciando o controle social na gestão administrativa municipal, muito embora a natureza
deliberativa seja insuficiente para vincular os Chefes do Executivo. Assim,
[...] O fato de as decisões dos conselhos terem caráter deliberativo não garante sua
implementação, pois não há estruturas jurídicas que deem amparo legal e obriguem
o Executivo a acatar as decisões dos conselhos (mormente nos casos em que essas
decisões venham a contrariar interesses dominantes) (GOHN, 2002, p. 9).

Para tanto, faz-se fundamental a vontade política para garantir a igualdade política.
Nesse sentido: “(...) Sabemos, no entanto, que a igualdade formal não é suficiente para
garantir a igualdade política... afetando a possibilidade de uma participação equitativa nos
conselhos” (SCHEVISBISKI, p. 6).
Ademais, deve-se tomar o cuidado para que os CONDEMAS não se resumam a meras
aprovações de projetos e licenças elaborados sem a participação efetiva de todos os
conselheiros envolvidos. Dessa forma Renato Eliseu Costa e Erika Maria Carvalho Pavanelli
chamam a atenção:
Deve-se tomar cuidado, também, para que o Conselho deixe de exercer sua função
de fiscalização, de desenhar políticas e outros; e passe a ser um espaço somente de
troca de informações entre o poder público e os conselhos. O desvio da função não
pode nem ser considerado como um processo de transparência [...]. Dentro deste
aspecto, tem que se garantir que mesmo essas informações não sejam meramente
ilustrativas, mas que se tenha um debate qualificado (COSTA; PAVANELLI, p.4).

Outro cuidado a ser tomado diz respeito à rotatividade de conselheiros e a baixa


participação da sociedade civil, principalmente, em termos de apresentação de projetos, as
quais são capazes de comprometer a continuidade dos andamentos das deliberações. Com
isso, a precariedade da participação da sociedade civil pode afetar o próprio sentido da
existência dos CONDEMAS, qual seja a de buscar melhorias das condições ambientais
mediante a formulação de políticas públicas e fiscalização efetiva das ações municipais.
Para Renata S. Schevisbiski:

[...] os conselhos parecem estar mais capacitados para impedir o Estado de


transgredir, do que de induzi-lo a agir. Nesse caso, os conselhos estariam investindo
suas energias mais no controle das prestações de contas e dos serviços prestados
pelo Estado, do que na formulação de políticas. (SCHEVISBISKI, p. 10).

Ainda que se constate o caráter deliberativo dos CONDEMAS, esses podem muitas
vezes se resumirem apenas a seu aspecto consultivo e fiscalizador. Há a necessidade clara de
maior adesão popular ao processo democrático enquanto cogestor na pretensão por políticas
públicas mais próximas da realidade da população, mas mesmo de forma incipiente, esse
instituto administrativo tem contribuindo para uma maior transparência das gestões
ambientais.
Oportuna é a observação da Maria da Glória Gohn cujas ideias são utilizadas nesse
artigo como marco teórico a qual aduz o que se segue:

É preciso, portanto, que se reafirme, em todas as instâncias, seu caráter


essencialmente deliberativo porque a opinião apenas não basta. [...] os conselhos
tem sido apenas uma realidade jurídico-formal, e em muitas vezes um instrumento a
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mais nas mãos dos prefeitos e das elites, falando em nome da comunidade, como
seus representantes oficiais, não atendendo minimamente aos objetivos de se
tornarem mecanismos de controle e fiscalização dos negócios públicos (2007, p. 88-
89).

Assim, há que se confirmar a hipótese levantada que tal instituto pode contribuir para
a gestão pública local, principalmente, por seu papel fiscalizador, mas que apesar de ser
deliberativo, pode se mostrar na prática muito mais consultivo, se limitando a opiniões, não
tendo o poder de deliberação e vinculação do Chefe do Executivo.
Dessa forma, far-se-á necessário que a sociedade civil efetivamente assuma seu espaço
no funcionamento dos conselhos gestores e na gestão das políticas públicas. Porém, para que
esse fato se concretize é fundamental a adoção pelo Poder Executivo de mecanismos
democráticos e transparentes e, como primeira atitude, é preciso repassar informações aos
conselhos sinalizando uma nova postura do governo perante a sociedade.

5. Considerações finais

Este artigo discorreu sobre o papel dos conselhos municipais de meio ambiente
enquanto instrumentos democráticos de gestão de políticas públicas viabilizadoras da
democracia participativa nos âmbitos locais. O surgimento dos conselhos gestores enquanto
órgãos realmente fiscalizadores e deliberativos tanto no controle, quanto na gestão de suas
políticas públicas na Administração Pública local, promoveram novas bases de relação entre o
Estado e a sociedade civil. Sendo, portanto, um canal democrático e integrante da dinâmica da
Administração Pública.
A Constituição Federal de 1988 elegeu a participação popular como o caminho
necessário a efetivação da gestão pública participativa, sendo essa o veículo indispensável
para a garantia da soberania popular na gestão dos assuntos de interesse público. Ao modelo
democrático representativo incorporou elementos do modelo democrático participativo.
Mediante a legitimação da soberania popular na gestão de bens e recursos públicos a
Administração Pública possibilitou a efetivação da democracia participativa. No Estado
Democrático de Direito, a sociedade civil se tornou política e governamentalmente
responsável pela prestação dos serviços públicos. A descentralização política e a
desconcentração administrativa do poder estatal por via dos conselhos gestores inserem na
arena decisória local segmentos sociais antes, distantes das decisões políticas, possibilitando a
legitimação do interesse público na conquista do bem comum no âmbito local.
A Administração Pública tem sua execução afetada pela ampliação do espaço público,
pois as decisões antes centralizadas no Estado passam a partir do surgimento da democracia
participativa a contar com a participação da sociedade civil na criação e gestão das políticas
locais.
O cidadão antes administrado passa por intermédio da ampliação do espaço público a
cogerir junto ao Poder Público os interesses locais. Pois todas as decisões tomadas no âmbito
público são referentes a recursos públicos para concretização de políticas públicas, portanto,
são decisões puramente políticas.
Dessa maneira, os conselhos gestores, na qualidade de instrumentos desconcentrados
da Administração Pública Direta, enquanto órgãos administrativos desconcentrados e sem
personalidade jurídica, favorecem o controle popular e a efetivação da legitimação das
políticas públicas no âmbito local, não permitindo que a Administração Pública eleja o
interesse privado em detrimento do interesse público.
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Portanto, visam à garantia da participação das instâncias organizadas da população,


veiculando o máximo de informações possíveis ao pleno exercício de suas funções. Desse
modo, asseguram à sociedade e ao Poder Público meios concretos de garantia da gestão
democrática.
Na área do meio ambiente a participação da sociedade civil como instrumento de
controle social é evidenciada nos conselhos municipais de meio ambiente (CONDEMAS).
Esses conselhos gestores são compostos de forma participativa e integrada o que proporciona
a alocação de recursos destinados à satisfação do direito fundamental ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado de forma que atenda às demandas sociais. Os CONDEMAS
possuem o caráter deliberativo e paritário o que possibilita o aprimoramento da democracia na
tomada de decisão, pois coloca na cena política a população enquanto efetivo ator de
deliberação junto ao Poder Público.
A principal finalidade dos CONDEMAS é possibilitar o controle social sobre o meio
ambiente, sendo uma oportunidade de efetivação da cidadania e da plena participação popular
pelo interesse público. Pois a participação passa a ter uma conotação política, pois confere aos
CONDEMAS o caráter deliberativo. Logo, há que se refletir sobre o caráter deliberativo dos
CONDEMAS que embora possam contribuir para a gestão pública local, principalmente, por
seu papel deliberativo e fiscalizador, correm o risco de se mostrarem na prática muito mais
consultivo e informativo, se limitando a meras opiniões, não tendo o poder de deliberação e
vinculação do Chefe do Executivo.
O artigo mostrou ser a participação popular fundamental para uma democracia que se
quer democrática, porém essa deverá se dar de forma ampla e eficaz, a fim de garantir o
atendimento ao preconizado na criação dos conselhos gestores de meio ambiente. O controle
social garantido por ela é que faz com que as políticas públicas, no que se refere,
principalmente, aos direitos fundamentais, sejam de fato frutos da deliberação de seus
usuários.
Na atualidade, a preocupação que se tem é com a constituição de uma democracia
participativa efetiva na sociedade moderna, pois o que se pretende é ver instaurada
democracia com ampla participação popular. A ideia de uma sociedade com grande potência
na participação popular ainda faz parte do sonho daqueles que continuam a acreditar em
utopias, especialmente dos que aspiram ao desenvolvimento de uma sociedade participativa.

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DA CONSTRUÇÃO DO RISCO AO DESASTRE QUE PERSISTE:


O CASO DO ROMPIMENTO DA BARRAGEM DE FUNDÃO

From construction of risk to the disaster which persists: The case of the
breakup of the dam of Fundão

Maryellen Milena de Lima 114

Resumo: Em meio às discussões alarmantes sobre a catástrofe ambiental Ulrich Beck em


meados de 1980 apresenta o inovador conceito de “Sociedade de Risco”. A teoria trás a
perspectiva que a produção dos riscos é consequência do sucesso da modernidade. O que o
autor não considera é a desproporcionalidade na distribuição das ameaças resultando em
injustiças ambientais. Há um processo de vulnerabilização de grupos sociais historicamente
invisibilizados na tida modernidade que os expõe aos riscos, e consequentemente a desastres.
Diante de um dos maiores desastres do mundo, o rompimento da barragem de Fundão em
Mariana evidencia esse processo. O presente trabalho pretende trazer uma discussão sobre a
construção do risco ao desastre persistente do caso em questão. A morosidade do processo
intensifica o sofrimento social dos atingidos em Mariana e os colocam em um lugar de
incerteza quanto ao futuro.

Palavras chaves: risco; vulnerabilização; justiça ambiental; desastre.

Abstract: Amidst the alarming discussions on the environmental catastrophe, Ulrich Beck, in
the mid-1980s, introduces the groundbreaking concept of "Society of Risk." The theory
behind the perspective that the production of risks is a consequence of the success of
modernity. What the author does not consider is the disproportionality in the distribution of
threats resulting in environmental injustices. There is a process of vulnerability of social
groups historically invisible in the modernity that exposes them to risks, and consequently to
disasters. Faced as one of the biggest disasters in the world, the breakup of the dam of Fundão
in Mariana shows this process. The present work intends to bring a discussion about the
construction of the risk to the persistent disaster of the case in question. The slowness of the
process intensifies the social suffering of those affected in Mariana and places them in a place
of uncertainty about the future.

Keywords: risk; vulnerability; environmental justice; disaster.

114 Graduanda em Ciências Socioambientais da Universidade Federal de Minas Gerais. Bolsista de Iniciação
Cientifica pelo Programa Institucional de Auxílio à Pesquisa de Doutores Recém-Contratados da UFMG, ADRC,
no Grupo de Pesquisa em Temáticas Ambientais (Gesta/UFMG). Email: maryellenmilena@gmail.com
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1. Introdução

O risco como objeto de análise tornou-se um tema central para a modernidade. As


críticas acerca do modelo de desenvolvimento à custa da degradação ambiental, desde a
década de 1970, alarmou a sociedade impulsionando as análises sobre o risco global. Ulrich
Beck (2008) em meados da década de 1980 apresenta o inovador conceito de “Sociedade de
Risco”. Segundo Beck (apud AREOSA, 2008, p. 5) “(...) a sociedade de risco significa que
vivemos na idade dos efeitos secundários, isto é, habitamos um mundo fora de controle, onde
nada é certo além da incerteza.” O risco é tido como o sucesso da modernidade, que através
dos avanços técnico-científicos produziram uma sociedade à beira da catástrofe. Trazendo
uma perspectiva globalizante a análise do autor acaba por deixar de fora as desigualdades e
desproporcionalidade da distribuição dos riscos na sociedade. A luta por justiça ambiental por
diversos grupos sociais marginalizados e excluídos da dita modernidade evidencia que os
riscos não são experimentados igualmente por toda a sociedade.
Há um processo de vulnerabilização de determinados grupos sociais que está atrelado
à relação “sociopolítica de violência”, que os expõe ao risco e consequentemente à ocorrência
de desastres. Portanto, os desastres são resultados desse processo de vulnerabilização, que em
muitos casos se consolida o modelo de desenvolvimento reforçando as desigualdades sociais.
Sendo assim, “(...) o desastre é a consolidação de um risco” (VALENCIO, 2009, p. 176),
produzido pela “indiferença social”. As ações apresentadas pelas instâncias de poder
destinadas as tratativas dos desastres agravam o sofrimento social das vítimas, que de uma
“crise aguda” passa para uma “crise crônica”, pois persiste como um processo social
duradouro.
O caso do rompimento da barragem de rejeito de Fundão no município de
Mariana/MG, no dia 05 de novembro de 2015, evidencia o que foi sinteticamente exposto. O
desastre do rompimento da barragem pertencente à mineradora Samarco, que tem o capital
controlado pelas corporações Vale e Billiton BHP, causou de imediato 19 mortes. Além disso,
o desastre destruiu o Rio Doce, acabando com a fauna e flora e com as formas de reprodução
social de centenas de comunidades ribeirinhas ao longo da bacia que percorre entre os estados
de Minas Gerais e o Espírito Santo. Com isso, o presente trabalho pretende trazer uma
discussão sobre o processo de construção dos riscos ao desastre persistente no caso em
questão. Lembrando que os desastres não se limitam ao evento catastrófico, mas devido às
tratativas das instituições envolvidas é um processo duradouro que acaba intensificando o
sofrimento social das vítimas (ZHOURI et al, 2016).

2. Da construção do risco...
A teoria sociológica “Sociedade de Risco” apresentada por Ulrich Beck (2008) traz
uma perspectiva que os riscos gerados pela modernidade são globais, ou seja, todos estão
expostos ao risco e consequentemente às catástrofes. Risco, na perspectiva do autor, define as
sociedades modernas. A modernidade reflexiva vem numa perspectiva linear, existindo dois
estágios, onde a sociedade de risco sucede a sociedade industrial (MOTTA, 2014). Sendo
assim, o desenvolvimento das tecnologias advindo da sociedade moderna tem como
consequência a produção das “incertezas fabricadas”. Dentre os limites da teoria da Sociedade
de Risco está a desproporcionalidade de tais incertezas experimentada pelos diferentes grupos
sociais, ou seja, a teoria não considera a segregação das ameaças. O desastre do rompimento
da barragem de rejeito de Fundão em Mariana evidencia essa desproporcionalidade, ao quais
comunidades ribeirinhas, camponeses, indígenas, quilombolas, negros e os mais pobres, ao
longo da bacia do Rio Doce perderam sua fonte de reprodução social, e com gravíssimos
problemas de abastecimento de água. Além das comunidades de Bento Rodrigues, Paracatu de
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Baixo e Gesteira terem suas vidas “solapadas” pela lama. Estes grupos sociais estavam sob-
risco desde a instalação do complexo minerário em 2005, porém as ameaças não forma
consideradas. Passando assim por um processo de vulnerabilização sendo aqui entendido
como: “(...) a relação sociopolítica de violência que esgarça o direito do outro através de lutas
simbólicas, as quais pressionam os sujeitos menos móveis a aceitar a degradação a que são
levados” (ACSELRAD et al., apud VALENCIO, 2009).
Beck trouxe uma importante contribuição em suas análises, afinal o risco tecnológico
gerado pela modernidade acarreta de fato catástrofes ambientais, porém segundo Acserald
(2002, p. 50):

(...) a crítica desenvolvida por Beck dirige-se contra a "racionalidade técnico-


científica" e não contra o poder institucional do capital, posto que ele considera que
é no modo científico de pensar, e não na lógica capitalista que o mobiliza que
encontra-se o foco do risco.

A solução encontrada para os ditos problemas ambientais foi através da ideologia do


Desenvolvimento Sustentável, consolidado na “Cúpula dos Povos”, Eco-92. Desenvolvimento
este que mantém os padrões da modernidade e as degradações ambientais geradas desse
processo são consideradas cabíveis de serem resolvidas através da modernização ecológica.
“(...) tratam assim de agir no âmbito da lógica econômica, atribuindo ao mercado à
capacidade institucional de resolver a degradação ambiental, "economizando" o meio
ambiente e abrindo mercados para novas tecnologias ditas limpas” (ACSELRAD, 2002)
Na teoria de Beck a “racionalidade técnico-científica” é incapaz de resolver as
catástrofes, mas sim gerar cada vez mais riscos. Diferente da modernização ecológica que
sustenta a crença “(...) na capacidade tecnológica de previsão e redução dos riscos e impactos”
(OLIVEIRA; ZHOURI, 2005). Porém, tanto a “Sociedade de Risco” quanto à “modernização
ecológica” desconsidera a diversidade cultural, a desigualdade e desproporcionalidade da
distribuição dos riscos, advindo da lógica capitalista (ACSELRAD, 2002). Ignorando a
possibilidade da existência da relação entre a degradação ambiental e a injustiça social.
A luta por justiça ambiental no Brasil também é uma luta por significado, onde os
diversos grupos sociais que têm uma relação própria com os respectivos territórios divergem
com o sentido de “recurso ambiental” tratado pelas hegemonias do capital. Porém, não se trata
de confronto de interesses, mas de duas formas de apropriação distintas do território, onde os
agentes envolvidos ocupam posições assimétricas, gerando assim conflitos socioambientais.

Entende-se por conflito ambiental aquele que surge dos distintos modos de
apropriação técnica, econômica, social e cultural do mundo material. Os conflitos
ambientais têm sido associados a situações de disputa sobre a apropriação dos
recursos e serviços ambientais em que imperam condições de desproporcionalidade
no acesso às condições naturais, bem como na disposição dos efluentes (ZHOURI et
al, 2016).

Problemas relacionados à poluição das águas devido à operação das atividades da


Samarco e medo de desapropriação pela empresa já eram levantado pela comunidade de
Bento Rodrigues (comunidade localizada mais próxima do complexo minerário). Os
moradores de Bento também já apresentava desconfiança acerca da segurança das barragens
da Samarco antes do rompimento de Fundão. Porém, estes questionamentos eram tratados
como algo do senso comum, já que o debate sobre o risco está na arena do conhecimento
técnico, ou seja, dos especialistas da área.

O discurso em torno da “percepção de risco” dos grupos vulnerabilizados não é


somente estigmatizador, mas também despolitizador, porque retira as
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responsabilidades do bojo da relação sociopolítica, que protege direitos de


cidadania, para transformá-las em atributos do sujeito, invisibilizando as
deficiências, limitações e omissões do Estado naquilo que lhe compete nesta
interação” (SIENA, 2012, p. 46).

O desastre da Samarco se configura na concretização da ameaça levantada pelos


moradores de Bento. Na perspectiva da teoria “culturalista do risco”, por Mary Douglas, os
riscos são culturalmente construído de acordo com os modelos de organização social e dos
esquemas culturais acionados pelos grupos, além do contexto vivido por eles. Então:

(...) a avaliação de riscos e a preocupação em aceitar determinados riscos levanta


não apenas. problemas psicológicos, mas particularmente problemas sociais. A
percepção do risco é vista como uma resposta cultural às diversas ameaças sofridas
nas “fronteiras” do grupo, da organização ou da sociedade (AREOSA, 2008, p. 4).

O medo e insegurança da comunidade de Bento foram ignorados, desde 2013. A


tendenciosidade do discurso técnico acerca do risco é de violência tão extrema que além da
violação do “direito de saber” dos atingidos sobre a magnitude do risco, ou a sua existência,
nenhuma medida de emergência foi realizada antes do desastre. Os riscos já eram conhecidos
pelos órgãos ambientais, onde o laudo realizado pelo Instituto Prístino, solicitado pelo MPMG
em 2013, alertava sobre o risco da barragem. O caso do desastre da Samarco demonstra o
colapso do modelo desenvolvimentista brasileiro, baseado nas exportações de recursos
primários, onde o estado estabelece relação de dependência com grandes corporações
multinacionais numa lógica neoliberal, negligenciando os riscos exposto as populações. Há
um processo de vulnerabilização das populações atingidas sendo produzido desde a chegada
dos grandes empreendimentos tidos desenvolvimentistas, logo no início do licenciamento
ambiental. Sendo que nesta etapa há dificuldades no acesso a informação, invisibilização de
atingidos nos EIA/Rimas de linguagens técnicas, além de correlações de poder durante todo o
processo de licenciamento e assim, a impossibilidade do direito de escolha dos grupos
atingidos se desejam os empreendimentos em seus territórios. Portanto, o desastre não é uma
mera “fatalidade”, “acidente”, mas é fruto de um processo que vem sendo construído,
atingindo determinados grupos, reforçando assim desigualdades sociais.

3. …Ao Desastre que Persiste

O desastre é a concretização do risco. Segundo Acosta (2005, apud VALENCIO, 2014,


p. 32) os desastres derivam “(...) de riscos produzidos num processo histórico, no bojo do qual
se consolidam modelos de desenvolvimento que reforçam as desigualdades sociais,
perpetrando políticas de human insecurity”. Portanto, os desastres não são naturais, não são
meros acontecimentos do acaso, não podendo ser tratados assim como um acidente. E diante
do maior desastre do país as tratativas emergenciais advindas do governo de Minas Gerais
giraram em torno de colocar as empresas como mais uma vítima das circunstâncias. Em uma
tratativa de resolução de conflitos socioambientais, as vítimas foram colocadas em mesas de
negociação com as rés, de forma extremamente assimétrica (ZHOURI et al, 2016). Colocando
assim a tragédia como uma fatalidade, onde todos foram vítimas do acaso. “(...) a fatalidade é,
assim, uma narrativa bem urdida como o esteio representacional conveniente para diluir
responsabilidades e dar opacidade à tecnocracia e omissão, que são as causas mais frequentes
de desastres.” (VALENCIO, 2009, p. 181). O desastre, portanto, está sendo tratado como
conflito ambiental, sendo que segundo Zhouri (et al, 2016) ele é a concretização da ameaça
“ensejada por conflitos pretéritos” .
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De uma “crise aguda” a uma “crise crônica”, os desastres não são meros eventos
catastróficos, mas uma forma de “solapamento” da vida das vítimas em questão, onde os
processos de sua gestão acabam por intensificar o sofrimento social.

O conceito de sofrimento social permite evidenciar que as aflições e dores vividas


por determinados grupos sociais não são resultante exclusivamente de
contingências, infortúnios e acasos, mas consiste em experiência ativamente
produzidas e distribuídas no interior da ordem social (ZHOURI et al, 2016, p. 56).

Com isso, a vivência do risco e a experiência dos desastres engendram conjuntamente


o sofrimento social. Segundo Telma Silva (2005) esta condição de sofrimento envolve
simultaneamente saúde e bem-estar, mas também aspectos legais e morais relacionados à
culpabilidade, trauma, vitimização e indenização. Em trabalho de campo realizado em junho
de 2017 na cidade de Mariana, uma senhora de Bento Rodrigues relata sobre o medo de ir a
Bento Rodrigues devido ao risco de novo rompimento, além de pesadelo referente ao dia do
rompimento e sustos quando escuta algum barulho.
A comunidade de Bento vivia sobre o risco da catástrofe e quando de fato ocorreu
travaram uma nova luta em defesa do território. A construção de diques em Bento Rodrigues
pela mineradora Samarco como tentativa de conter rejeitos da mineração vindos da barragem
rompida em período chuvoso, fortalece as suspeitas que os moradores do distrito têm em
relação ao interesse da empresa pelo território da comunidade. Pois, a construção dos diques é
relacionada com a memória local devido, por exemplo, a presença constante da Samarco
(antes do desastre) realizando nas propriedades estudos e levantamentos de custo de
indenizações. Com isso, através da religiosidade se constituiu um movimento de resistência
em defesa do território dos moradores de Bento. O “Direito de Volta” se dá através das
festividades religiosas tradicionais que reafirmam sua identidade e pertencimento. A
mobilização coletiva se constitui a defesa de seus respectivos lugares, e assim se transforma
em veículo de pressão e legitimação da luta constante. A festa de Nossa Senhora das Mercês,
em setembro de 2016, e a festa de São Bento, em julho de 2016 e 2017, realizadas no
território da comunidade são exemplos dessa resistência. Os territórios sociais em questão são
constituídos pelos vínculos sociais, simbólicos e rituais que constituem no pertencimento do
lugar e assim a defesa dele.

A expressão dessa territorialidade, então, não reside na figura de leis ou títulos, mas
se mantém viva nos bastidores da memória coletiva que incorpora dimensões
simbólicas e identitárias na relação do grupo com sua área, o que dá profundidade e
consistência temporal ao território (LITTLE, 2002, p. 265).

Os atingidos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo tiveram diversas rupturas nas


vidas cotidianas, perdendo o que Giddens (1991, apud VALENCIO, 2014) denomina como
segurança ontológica. Em audiência pública, no dia 20 de junho de 2017, uma moradora de
Paracatu de Baixo disse: “A situação dos atingidos, com todos os atingidos, é como se tivesse
dado uma pausa na nossa vida. E a gente não consegue mais continuar, não consegue mais
dar o play”. A vida agora transformada em rotinas de reuniões, ao qual não se tem previsão de
quando os danos serão de fato reparados, acarreta na intensificação cotidiana do sofrimento
social.

O sofrimento coletivo multidimensional, espelhado na vida prática – que está


geográfica, material, social, política e simbolicamente referida – traz as narrativas de
rupturas, decomposições, deterioração, desmantelamento e desestruturação como
esteio para pleitear proteção, ressarcimentos, compensações, compromissos,
horizontes (VALENCIO, 2014, p. 27).
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A morosidade do processo de reassentamento das comunidades de Bento Rodrigues e


Paracatu de Baixo acarreta em baixas expectativas quanto ao futuro. Acomodadas em hotéis
da cidade, em dezembro de 2015, o Ministério Público de Minas Gerais decidiu ajuizar uma
ação civil pública após a decisão da Samarco em não assinar um Termo de Compromisso que
formalizaria as obrigações das empresas no direito das vítimas. Entre os direitos emergenciais
estava a garantia de moradias adequadas em casas alugadas e mobiliadas. Com isso, desde
então os atingidos vão vivendo em moradias temporárias no centro urbano de Mariana, ao
qual não corresponde aos seus modos de vidas. Em casas confinadas, num estilo de habitação
urbana, é impossibilitada a criação de animais e plantações, por exemplo, e isso faz com que a
ruptura da vida cotidiana intensifica a sensação de pausa, “eu vivo porque todo mundo vive,
mas não tenho mais vida”. (fala de uma atingida de Paracatu de baixo em uma oficina de
Cartografia Social em fevereiro de 2017). Além disso, a ideia de afetação faz com que os
indivíduos sejam enquadrados em uma massa de atingidos pelo desastre, deixando de lado a
especificidades de cada sujeito.

Como afetadas, as pessoas, famílias e comunidades são tratadas como massa, sujeita
a procedimentos padronizados e frugais de reabilitação por parte dos órgãos
governamentais, os quais supõem que sejam eficazes suas práticas de atendimento
mensuradas por um reducionismo quantitativista (VALENCIO, 2014, p. 35).

O formulário eletrônico, denominado Cadastro Integrado, do Programa de


Levantamento e Cadastro dos Impactados (PLCI) elaborado pelas empresas Samarco e
Synergia (Consultoria Ambiental contratada pela Samarco) é o único instrumento para o
levantamento das perdas e danos das populações atingidas pelo desastre ao longo de toda a
bacia do Rio Doce. Trata-se de um instrumento ‘reducionista quantitativista’, que “(...) se
concentra nos aspectos materiais e individualizados das propriedades afetadas” (GESTA,
2016, p. 19). Desconsiderando “(...) as diferenças constituídas no plano coletivo, em especial,
os efeitos do desastre sobre as redes de interação, trabalho e reciprocidade e sobre a formação
de identidades sociais e culturais” (GESTA, 2016, p. 19). Além disso, o direito a responder ao
cadastro é definido pela Samarco, invisibilizando um universo de atingidos que ultrapassa o
somatório definido pela própria empresa ré (Samarco). Com 471 páginas, as pessoas se
queixam da exausta duração das entrevistas, além dos termos serem estritamente técnicos,
dificultando a compreensão. Em Mariana os atingidos se negaram a responder o cadastro,
exigindo e conquistando o direito da contratação da assessoria técnica (GESTA, 2016).
Diferente do restante da bacia do Rio Doce o processo atual em Mariana é de reformulação do
cadastro, com o objetivo que de fato lhe garante a maior reparação das perdas e danos dos
atingidos.
Os sujeitos sociais estão sendo tratado como massa de atingido em vários processos,
como por exemplo, na mobilização da casa. “Lá em Paracatu a gente tinha tudo diferente,
quando um comprava uma coisa à gente ia lá e comprava diferente”. Percebe-se na fala de
Vera (atingida de Paracatu de baixo) que fatores relativos à identidade estão refletidos na casa,
e que são invisibilizados a partir do momento que a empresa padroniza todos os móveis sem
se atentar às especificidades dos indivíduos. Essa padronização também se deu quando em
julho de 2017 a Fundação Renova planejou e realizou uma festa junina para as comunidades
de Bento e Paracatu no centro de Convenções de Mariana, tirando ainda mais a autonomia das
pessoas e desconsiderando as diversidades culturas das duas comunidades.
As diversas reuniões realizadas com os atingidos acerca das reparações dos danos em
grande maioria utiliza-se de linguagem técnica, impedindo o entendimento de vários deles, se
constituindo, portanto, em mais uma violência simbólica. “eu entendo um pouquinho em um
dia, depois volto e tento entender mais um pouco.” diz uma atingida de Paracatu. As reuniões,
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por exemplo, que tratam do reassentamento de Bento e Paracatu quando presente as diversas
instituições envolvidas (Fundação Renova, SEMAD, SUPRI, SECIR, entre outras) é de
linguagem extremamente técnica, fazendo com que as pessoas de fato não entendam. Os
jargões técnicos utilizados, colocando o outro como desconhecedor do assunto, compõe o que
Bourdieu denomina de discurso de autoridade:

A especificidade do discurso de autoridade (...) reside no fato de que não basta que
ele seja empreendido (em alguns casos ele pode inclusive não ser compreendido sem
perder seu poder), é preciso que ele seja reconhecido enquanto tal para que possa
exercer seu efeito próprio (BOURDIEU, 1996, apud SILVA, 1999, p. 184).

Com isso, o que se percebe é uma desqualificação do outro, colocando o sujeito social
como leigo no assunto, e ditando com discurso técnico o destino da reconstrução das
comunidades.
Os reassentamentos das duas comunidades de Mariana estão sendo planejado de forma
urbanística, mesmo se tratando de comunidades rurais, sendo justificado devido à legislação
de uso e ocupação do solo contido no Plano Diretor do município. “A lei vai vim e mudar
nossa vida”, fala de uma atingida de Paracatu. Enquadrando, portanto os sujeitos a uma lógica
técnica e econômica, além de condicioná-los às leis de planejamento do município
desconsiderando o contexto de desastre.
O pertencimento ao lugar, aos modos de vida, de trabalho, de cuidado do que foi
construído durante toda a vida faz com que algumas pessoas permaneçam no território de
Paracatu de Baixo. Diferente de Bento Rodrigues, as edificações de Paracatu não foram todas
destruídas pela lama, com isso algumas pessoas resistem nos seus lugares e outras vão
recorrentemente. A vida na “roça” é adjetivada de liberdade por alguns moradores. E são os
idosos que sofrem mais com essa ruptura na rotina, na posição social que se tinha no âmbito
da casa, da família e no cuidado do que conquistou com uma vida de trabalho. A morosidade
no processo de reassentamento é motivo de preocupação para os idosos, no sentido de: “Os
mais idosos não vão ver a Nova Paracatu”, disse um morador que continua residindo na
comunidade. Além disso, o fato de estar morando em Mariana, com a perda da autonomia e
em casas que não representam a vida de trabalho que tiveram para terem seus pertences.
Assim, o reassentamento é o mais esperado para volta da autonomia, sentimento de pertença
daquilo que lhes foi solapado, quebrando a relação de dependência com da empresa. “Não
quero milhões, quero a minha dignidade de volta. Quero poder dizer que essa casa é minha e
não quero que me digam que “a Samarco deu pra você”, e sim “eu que fiz”. Não vou
carregar esse nome para o resto da minha vida” (depoimento no jornal A Sirene, março de
2017).
Desastre como evento é uma abordagem tecnicista, onde se é medido a sua causa,
magnitude, quantificando perdas e danos das dadas vítimas do momento. O desastre da
Samarco teve uma grande repercussão midiática, várias cenas de sobrevoos, vídeos, fotos
tiveram destaque causando impactos nos olhares dos espectadores. Invisibilizando assim, todo
o processo de vulnerabilização ocorrido antes e depois da tragédia. As pessoas atingidas
continuam com as “marcas da lama” também num processo de estigmatização em Mariana.
Além da associação com oportunismo, os atingidos são taxados como culpados pela
paralisação das atividades da Samarco pelos moradores do centro. “(...) As coisas hoje em dia
estão ruins, mas é muito difícil pelos outros, por esses preconceitos que a gente sofre. Falam
que a gente é culpado o tempo todo” (depoimento do jovem Júlio César, de Bento, no Jornal
A Sirene, março de 2017). Com isso, emergiram os movimentos Pró-Samarco e
posteriormente o discurso de que “Somos todos Atingidos”. Os direitos das vítimas são
transformados em benefícios aos quais aqueles que perderam o emprego na mineração estão
isento. Esvaziando assim todo o contexto de vulnerabilização, violação de direitos, sofrimento
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social dos atingidos pelo desastre, numa análise desumanizadora. Este fato também acaba por
desresponsabilizar e isentar o estado de Minas Gerais de pensar em novas alternativas
econômicas para os municípios reféns da mineração.
O desastre é marcado por um tempo social específico isto é “conforme salientou
Drabek (2007), o desastre dura enquanto durar a ruptura nos meios e nos modos de vida
regulares dos grupos afetados” (VALENCIO, 2014, p. 30). Contrastando, assim, com o tempo
cronológico das burocracias das instituições públicas e privadas envolvidas no caso.

4. Conclusão
“Da construção do risco ao desastre que persiste” foi uma sintética tentativa de
construir uma análise sociológica, discutida na disciplina “Sobre risco e Desastre:
Contribuições teóricas a partir das ciências sociais”. Além de discussões e atividades de
campo realizadas no Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais (GESTA/UFMG).
Os desastres não são naturais, e o caso do desastre da Samarco em Mariana evidencia
este fato. Há um processo de vulnerabilização sofrido por determinados grupos sociais que
são mais expostos a ameaças e consequentemente a desastre. A teoria da “sociedade de risco”
de Beck (2008) traz uma importante contribuição para a discussão do risco gerado pela
modernidade. Porém, essa modernidade não é experimentada de forma padronizada por toda a
sociedade. Além da diversidade cultural, os riscos são desproporcionalmente distribuídos. Os
segmentos da sociedade mais vulnerabilizados acabam por ficar com o ônus causado pelo
desenvolvimento ilimitado. Este que quando questionado a degradação ambiental foi
resolvido através da “modernização ecológica”, se abrindo mais um mercado. Bem diferente
do que trouxe Beck quando problematiza a produção de mais tecnologia, está geradora das
“incertezas manufaturadas”. A teoria de Beck e a ideologia do desenvolvimento sustentável
são desumanizadoras. Ambas desconsideraram as injustiças ambientais, está sendo:

“sociedades desiguais, do ponto de vista econômico e social, destinam a maior carga


dos danos ambientais do desenvolvimento às populações de baixa renda, aos grupos
raciais discriminados, aos povos étnicos tradicionais, aos bairros operários, às
populações marginalizadas e vulneráveis” (LEROY, 2011, p. 1).

Assim, invisibilizando a luta por justiça ambiental nos faz pensar em uma
modernidade que produziu categorias de humano e sub-humano. A tragédia do rompimento da
barragem de Fundão é mais um desastre que evidencia esse caráter desumanizador, de
omissão, negligência e de extrema indiferença social.
O processo histórico de vulnerabilização das vítimas é invisibilizado quando trata do
desastre como evento. O desastre é a concretização do risco, onde as vítimas têm endereço
certo. Além do fato que o desastre é um processo duradouro, que de “crise aguda” para “crise
crônica” se perpetua o sofrimento social. Os atingidos pelo desastre da Samarco, ao longo do
rio Doce, pescadores, indígenas, ribeirinhas, entre outros, perderam sua reprodução social
além da contaminação da água.

Os desastres são acontecimentos coletivos trágicos nos quais há perdas e danos


súbitos e involuntários que desorganizam, de forma multidimensional e severa, as
rotinas de vida (por vezes, o modo de vida) de uma dada coletividade (ZHOURI et
al, 2016).

Os atingidos pelo desastre das comunidades de Bento e Paracatu tiveram suas vidas
solapadas pela lama, com isso uma ruptura nas dinâmicas sociais. A morosidade que o
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processo de reparação dos danos, e, sobretudo do reassentamento os colocam em um lugar de


incerteza quanto ao futuro.

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SANEAMENTO BÁSICO COMO MECANISMO DE EFETIVAÇÃO DE


DIREITOS HUMANOS DAS MINORIAS RACIAIS

Basic sanitation as a mechanism for the effectiveness of human rights of


racial minorities

Maria Luísa Brasil Gonçalves Ferreira 115

Resumo: Saneamento básico é um direito humano reconhecido internacionalmente. Contudo,


sua efetivação em âmbito nacional esbarra numa série de fatores que vão desde a
desigualdade educacional até o racismo institucionalizado. A presente pesquisa busca analisar
brevemente os impactos que o denominado racismo institucional produz na política de acesso
universal ao saneamento básico. Para tanto, é necessário fazer um breve escopo histórico do
surgimento da Justiça Ambiental, além de analisar as exigências internacionais e
constitucionais de efetivação do acesso ao saneamento básico. Além disso, é necessário
realizar um cruzamento de dados entre o acesso ao saneamento básico e a percentagem de
população preta e parda de determinada região, sobretudo nas regiões mais pobres do Brasil –
Norte e Nordeste.

Palavras-chave: saneamento básico; racismo; justiça ambiental; universalização; direitos


humanos.

Abstract: Basic sanitation is an internationally recognized human right. However, its


implementation at the national level runs counter to a series of factors ranging from
educational inequality to institutionalized racism. The present research seeks to analyze
briefly the impacts that the so called institutional racism produces in the policy of universal
access to basic sanitation. To do so, it is necessary to make a brief historical scope of the
emergence of Environmental Justice, in addition to analyzing the international and
constitutional requirements for effective access to basic sanitation.

Keywords: basic sanitation; racism; environmental justice; universalization; human rigths.

1. Introdução

Os direitos humanos são direitos básicos, essenciais e inerentes a todos os seres


humanos, independente de raça, classe social, gênero, nacionalidade ou qualquer outro tipo de
discriminação. Com a promulgação da Declaração Universal de Direitos Humanos, em 1948,

115 Graduanda do 8o período de Direito pela Escola Superior Dom Helder Câmara; Estagiaria da Clínica de
Direitos Humanos da UFMG. Email: mlbrasil43@gmail.com
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a comunidade internacional celebrou acordo que visa garantir a todos, de forma equânime, o
exercício de seus direitos inatos.
Esta Declaração não elencou dentre o rol de direitos humanos o meio ambiente
ecologicamente equilibrado. Contudo, a Convenção de Estocolmo (ONU, 1972) inseriu o
meio ambiente neste rol, determinando que:

A proteção e a melhoria do meio ambiente humano constituem desejo premente dos


povos do globo e dever de todos os Governos, por constituírem o aspecto mais
relevante que afeta o bem-estar dos povos e o desenvolvimento do mundo inteiro.
(Declaração de Estocolmo, 1972) (grifos nossos).

Quase 45 anos depois da Convenção que inseriu o meio ambiente nas preocupações
internacionais, o direito ao saneamento básico foi reconhecido como um direito humano
distinto do direito à água potável. Este reconhecimento reflete a preocupação internacional
com a precariedade do saneamento básico em diversas partes do mundo: mais de 2,5 bilhões
de pessoas vivem sem acesso a banheiros e sistemas de esgoto adequados.
No Brasil, de acordo com estudo realizado pelo Instituto Trata Brasil, os Estados que
menos receberam investimentos em saneamento básico nos últimos três anos foram
Amazonas, Acre, Amapá, Alagoas e Rondônia, totalizando 1,7%. Todos esses Estados são da
Região Norte do país, onde se encontra a maior concentração de pobreza, portanto, manifesta-
se o primeiro problema: onde há menos acesso à infraestrutura é onde está a maior
concentração de pobreza – junto com a Região Nordeste.
Em paralelo a este cenário, é pertinente observar que as populações preta e parda do
Brasil estão majoritariamente localizadas nas regiões Norte e Nordeste, de acordo com censo
realizado em 2010 pelo IBGE. Surge então o segundo problema: a relação inversamente
proporcional entre saneamento básico e minorias raciais. Esta relação precisa ser investigada,
tendo em vista que a desigualdade do acesso às políticas públicas fortalece o racismo
institucional e ignora os ideais e objetivos da Justiça ambiental – que, curiosamente, nasceu
da luta contra o racismo ambiental.
Deve-se considerar que o investimento em medidas de saneamento significa a
efetivação de direitos humanos para todos. A condição racial é apenas um elemento da
exclusão de certos grupos dos benefícios ambientais e acesso aos recursos naturais, no qual o
principal fator é a pobreza. Contudo, com o intuito de desenvolver detalhadamente um desses
aspectos, este trabalho procura ater-se à questão racial, através de análise do racismo
institucional, do surgimento da Justiça Ambiental - que perpassa pelo racismo ambiental - e
das políticas públicas de saneamento básico como mecanismo de efetivação de direitos
humanos e fundamentais.
Portanto, sem a pretensão de esgotamento do tema e com a intenção de dar
visibilidade à questão racial no Direito Ambiental, esta pesquisa visa demonstrar que o
investimento em saneamento básico significa efetivação de direitos humanos das minorias
raciais - para além do direito ao saneamento básico - cumprindo determinações internacionais
que vão desde os Objetivos do Milênio até a própria Declaração de Estocolmo, além de
cumprimento de preceitos da Constituição da República.

2. Breve panorama do surgimento da justiça ambiental

A Justiça Ambiental é uma conquista popular. Em 1982, em Warren County na


Carolina do Norte - EUA, um grupo de representantes das minorias étnicas protestavam
contra a instalação de aterros de resíduos perigosos (Bifenil Policlorado) próximos a bairros
residenciais de negros. Este movimento alegava que tal medida traria benefícios à classe
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média em detrimento das comunidades vizinhas, compostas, em sua maioria, por grupos
desfavorecidos e minorias raciais, movimento que, inicialmente, foi denominado "racismo
ambiental".
O termo “racismo ambiental” foi criado pelo reverendo Benjamin Chaves em 1987.
Neste ano, a Comissão para a Justiça Racial da United Church of Christ realizou um estudo,
que serviu de inspiração para a criação do termo, denominado “Resíduos tóxicos e raça”. Este
estudo verificou que a raça é o principal critério de escolha da localização geográfica do
depósito de resíduos perigosos. COLE e FOSTER (apud CAVEDON, 2010) também
realizaram pesquisas referentes à distribuição de riscos ambientais e chegaram à mesma
conclusão: raça é o fator predominante na alocação dos riscos ambientais.
Estas pesquisas demonstraram que o racismo ambiental foi um fator determinante
para o surgimento da Justiça Ambiental. Hoje o termo racismo ambiental é entendido como
“políticas públicas ambientais, práticas ou diretivas que afetam de modo diferente ou
prejudicam (de modo intencional ou não) indivíduos, grupos ou comunidades de cor ou raça”
(BULLARD apud CAVEDON, 2010, p. 170), sendo impossível dissociar a essência da
Justiça ambiental do racismo. De acordo com SEGUIN (2011, p. 51):

Constata-se que, em todos os lugares, os grupos vulneráveis de uma sociedade,


como os hipossuficientes, são afetados desproporcionalmente pelos efeitos
negativos da legislação ambiental e pelas ações/omissões das ações
governamentais. Os grupos sociais de menor renda, em geral, são os que têm
menor acesso ao ar puro, à água potável, ao saneamento básico e à segurança
fundiária, consequentemente mais expostos a riscos de contraírem patologia (grifo
nosso).

E conclui dizendo que, em decorrência desta desigualdade, o mais justo seria


legitimá-los para participar efetivamente das decisões pelas quais serão diretamente afetados e
para pleitear compensação pelos danos sofridos, como forma de efetivo controle social. A
equidade foi, e continua sendo, a principal reivindicação dos grupos marginalizados e
hipossuficientes em relação ao acesso à bens ambientais, seja por meio da participação no
processo legislativo ou do acesso a políticas públicas de qualidade, tendo em vista que a
Justiça Ambiental "(...) contesta a ineficácia da legislação ambiental, que deixa de alcançar
todas as camadas sociais" (SEGUIN, 2011, p. 53) buscando evitar a marginalização de
determinadas comunidades.
O marco inicial do surgimento da Justiça ambiental no Brasil ocorreu apenas no ano
2000 com a publicação intitulada "Sindicalismo e Justiça Ambiental". Contudo, a
consolidação do movimento se deu em 2001 com o Colóquio Internacional sobre Justiça
Ambiental, Trabalho e Cidadania realizado pela Universidade Federal Fluminense. Este
Colóquio teve como resultado a criação da Rede brasileira de Justiça Ambiental e Declaração
de princípios da rede brasileira de Justiça Ambiental, assinada por 65 entidades. A criação
desta Rede teve o objetivo de incentivar as ações de articulação das lutas ambientais com as
lutas por justiça social, de forma a criar um movimento universalizado.
A Declaração definiu os objetivos da Justiça Ambiental, com um viés de cidadania,
muito além da divisão de benefícios, riscos e gravames. Para García (2011, p. 117) "(...) a la
justiça ambiental hermos entenderla como el tratamiento justo y la participación significativa
de todas las personas en los processos de desarrollo, implantación y aplicación de las leys,
reglamentos y politicas ambientales". Isto significa que a Justiça Ambiental vai além da
distribuição dos benefícios, riscos e gravames decorrentes da exploração ambiental, tendo a
função de aplicar leis e implantá-las, a fim de alcançar tratamento justo e participação
significativa de todas as pessoas, independente de raça, cor, classe social, em sintonia com a
própria Declaração Universal dos Direitos Humanos. Garcia (2011) também deixa claro que
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deve haver colaboração entre governantes e governados, a fim de que a administração,


aquisição, e acesso à justiça ambiental atinja sua máxima efetividade.
Atualmente, o movimento pela Justiça Ambiental gira em torno de uma agenda
comum de reivindicações de promoção da justiça e da cidadania, fortalecimento e autonomia
das comunidades, igual acesso ao poder e participação nos processos decisórios. O Estado tem
a obrigação de implantar políticas de aprimoramento do bem-estar da população e da
promoção de direitos humanos e respeito à dignidade da pessoa humana, alicerce de todos os
direitos fundamentais, que estabelece um vínculo indiscutível com a promoção de condições
existenciais mínimas – a qual destacamos aqui a universalização do acesso ao saneamento
básico (CAMATA, 2015).
Contudo, o Brasil apresenta atraso em relação à efetivação dos princípios da Justiça
Ambiental em decorrência do seu histórico de injustiças sociais. O modelo de
desenvolvimento brasileiro - baseado em distribuição desigual dos benefícios e custos
socioambientais - reflete diretamente nas possibilidades de acesso ao poder e na apropriação
de recursos ambientais, resultando num grande contingente marginalizado, tanto em aspectos
sociais como ambientais.

3. Saneamento básico nos âmbitos de direito internacional e interno

Em 1972 o meio ambiente entrou em foco no cenário internacional, por ocasião da


Conferência de Estocolmo realizada na Suécia. A Declaração de Estocolmo já demonstrava
preocupação com o saneamento básico, como é possível inferir da leitura do item 4 da
Declaração:

Nos países em desenvolvimento, os problemas ambientais são causados, na maioria,


pelo subdesenvolvimento. Milhões de pessoas continuam vivendo muito abaixo
dos níveis mínimos necessários a uma existência humana decente, sem
alimentação e vestuário adequados, abrigo e educação, saúde e saneamento. Por
conseguinte, tais países devem dirigir seus esforços para o desenvolvimento,
cônscios de suas prioridades e tendo em mente a premência de proteger e
melhorar o meio ambiente [...] (grifos nossos).

Em 2002, exatamente trinta anos após a Declaração de Estocolmo, o Comitê das


Nações Unidas para os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais adotou o comentário geral nº
15, cujo teor afirma que o acesso universal ao saneamento “(...) não [é] apenas fundamental
para a dignidade humana e a privacidade, mas também um dos principais mecanismos de
proteção da qualidade” dos recursos hídricos (ONU, 2002). Em abril de 2011, o Conselho de
Direitos Humanos, por meio da Resolução 16/2, adotou o direito à água potável segura e ao
saneamento como um direito humano e em 2015, o direito ao saneamento básico foi
reconhecido como direito humano distinto do direito à água potável, durante a 70ª sessão da
Assembleia Geral da ONU, criou-se a Agenda 2030 que definiu 17 objetivos de
Desenvolvimento Sustentável, que foi adotada por 193 países-membros das Nações Unidas,
inclusive o Brasil.
O Objetivo de Desenvolvimento nº 6, da referida Agenda, determinou que os países
devem se esforçar para que, até 2030, o acesso a saneamento e higiene adequados sejam
equitativos para todos, e também para acabar com a defecação a céu aberto, com especial
atenção para as necessidades das mulheres e meninas e daqueles em situação de
vulnerabilidade (item 6.2). Além disso, devem apoiar e fortalecer a participação das
comunidades locais na melhoria da gestão de água e saneamento (item 6, “b”). Este acordo de
colaboração fortalece as diretrizes da Lei da Política Federal de Saneamento Básico
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(BRASIL, 2007) e pressiona o Estado brasileiro, que adotou a Agenda 2030, a buscar a
efetivação dessas determinações.
Em âmbito nacional, a Constituição Federal do Brasil (1988), determina que é
competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios promover
programas de melhoria das condições de saneamento básico (art. 23, IX, CF/88). Contudo, é
competência exclusiva da União a instituição de diretrizes para o desenvolvimento urbano,
inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos (art. 21, XI, CF/88). Para tanto,
promulgou-se em 2007 a Lei da Política Federal de Saneamento Básico, instituindo tais
diretrizes. A lei trouxe o conceito de saneamento básico como o conjunto de serviços,
infraestruturas e instalações operacionais de:

a) abastecimento de água potável: constituído pelas atividades, infraestruturas e


instalações necessárias ao abastecimento público de água potável, desde a captação
até as ligações prediais e respectivos instrumentos de medição;
b) esgotamento sanitário: constituído pelas atividades, infraestruturas e instalações
operacionais de coleta, transporte, tratamento e disposição final adequados dos
esgotos sanitários, desde as ligações prediais até o seu lançamento final no meio
ambiente;
c) limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos: conjunto de atividades,
infraestruturas e instalações operacionais de coleta, transporte, transbordo,
tratamento e destino final do lixo doméstico e do lixo originário da varrição e
limpeza de logradouros e vias públicas;
d) drenagem e manejo das águas pluviais, limpeza e fiscalização preventiva das
respectivas redes urbanas: conjunto de atividades, infraestruturas e instalações
operacionais de drenagem urbana de águas pluviais, de transporte, detenção ou
retenção para o amortecimento de vazões de cheias, tratamento e disposição final
das águas pluviais drenadas nas áreas urbanas. (Art. 3º, lei 11.445/07) (grifos
nossos).

Esta lei estabeleceu a universalização do acesso como um dos princípios


fundamentais da prestação deste serviço público e definiu universalização como sendo a
ampliação progressiva do acesso de todos os domicílios ocupados ao saneamento básico (arts.
2º, a c/c art. 3º, d, III, Lei 11.445/07). Este princípio da universalização, mesmo após dez anos
de vigência da lei, não atingiu seu objetivo tendo em vista os números alarmantes de
população sem acesso ao saneamento básico no Brasil.

4. Racismo institucional como limite à efetivação do princípio da universalidade

A consciência de identidade enquanto brasileiros começou a surgir na metade do


século XIX, após a consolidação do processo de independência. Em 1872, no primeiro
Recenseamento brasileiro, foram definidos quatro grupos raciais: branco, preto, pardo e
caboclo. A classificação “pardo”, foi substituída por “mestiço” em 1890, no segundo
Recenseamento do Brasil. De acordo com Petrucelli (2013), o recenseamento de 1872 se deu
numa época de predominância de doutrinas racistas, com base nos traços aparentes, mas em
1890, esta classificação deu lugar à ideia de miscigenação, isto é, de mistura das raças, que
“(...) forneceu uma linguagem ambígua de inclusão e exclusão na nacionalidade: a cor”
(NASCIMENTO apud PETRUCELLI, 2013, p. 23). A respeito do conceito de “cor”,
Nascimento (2013, p. 56) problematiza que:

Essa lógica ditada pelas cores tem, ao longo da história brasileira, contribuído para
desvincular as origens africana e indígena de parcela significativa da população
nacional e, assim, minimizar o seu potencial político na esfera sociopolítica, ao
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subtrair, de maneira sub-reptícia, o sentimento de pertencimento étnico-racial


desses homens e mulheres (grifos nossos).

Esta ideia de miscigenação significava uma mistura de determinada raça com a raça
branca, significando uma verdadeira política de branqueamento da população, que,
posteriormente, foi denominada de democracia racial. O mito da democracia racial, sob
análise da Antropologia Social e Cultural, é como "(...) uma constante lembrança de que a
nossa sociedade foi formada em bases híbridas, onde a cor da pele dos indivíduos não
impediu uma relevante identidade e integração entre dominadores e dominados" (SILVA,
2015, p. 17) e esta é a ideia que a maioria da população tem a respeito do conceito de raça.
Esta ilusão ignora o fato de que a democracia racial foi, e ainda é, um mecanismo de
perpetuação das hierarquias sociais do Brasil.
Além disso, de acordo com Nascimento (2013), as cores – utilizadas no processo de
criação de estatísticas demográficas – representam uma linha divisória simbólica entre os
negros e os brancos, linha esta que é reproduzida socialmente e reconhecida como algo
natural, que concebe a existência do lugar do negro e do lugar do branco na sociedade
brasileira. O “(...) mito da democracia racial ajudou a impedir a constituição de uma
consciência mais detida sobre a realidade da população negra em nosso país” (PAIXÃO apud
CAVEDON, 2010, p. 170), e permitiu a marginalização da comunidade negra e
economicamente hipossuficiente em relação ao acesso aos recursos ambientais. Este mito se
baseou num discurso que incluía toda a população, de forma igualitária e harmônica, na
distribuição dos ônus e bônus decorrentes da exploração dos recursos ambientais. Contudo,
este tipo de discurso, universalizante e generalizador, impede a percepção das desigualdades
no processo distributivo e suas reais motivações e implicações.
Pertinente observar que, de acordo com a lei 12.990/2014, que dispõe sobre a reserva
de vagas para candidatos negros em concursos públicos, toda a população autodeclarada preta
ou parda é encaixada no conceito de negro. Petrucelli (2013), em entrevista para o Terra,
afirmou que o termo “negro” se refere a uma identidade social, considerando múltiplos fatores
que vão muito além da cor da pele, portanto, não seria adequado encaixar pretos e pardos
dentro deste grupo. Contudo, para todos os efeitos desta pesquisa será adotado o critério da
legislação federal e trataremos pretos e pardos como negros e, por consequência, como
minorias raciais.
Mister salientar que, apesar das raças preta e parda serem dois dos três maiores
grupos de raças no Brasil, a denominação “minoria” diz respeito ao aspecto qualitativo,
relacionando-se à representatividade da população negra em ambientes públicos, processos
decisórios, cargos de visibilidade e afins. Portanto, para dar sequência ao cruzamento de
dados entre acesso ao saneamento e minorias raciais, o conceito de minoria de Aurélio
Buarque de Holanda (2004, p. 556) será adotado daqui em diante:

Mi.no.ri.a sf. 3. Antrop. Sociol. Subgrupo que, dentro de uma sociedade, se


considera e/ou é considerado diferente do grupo dominante, e que não participa,
em igualdade de condições, da vida social (grifos nossos).

Esta dificuldade das minorias participarem em igualdade de condições dos processos


decisórios e de terem acesso igualitário aos benefícios ambientais legitima a discussão sobre a
institucionalização do racismo. De acordo com Lopez (2012), o racismo institucional está
presente no funcionamento cotidiano de instituições e organizações, gerando desigualdade na
distribuição de serviços, benefícios e oportunidades, sendo imprescindível a discussão sobre
os mecanismos utilizados pelas instituições que (re) produzem o racismo no Brasil. De acordo
com Bulllard (apud CAVEDON, 2010, p. 169):
227
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A legislação ambiental não tem beneficiado de maneira uniforme todos os


segmentos da sociedade. As populações não-brancas tem sofrido de modo
desproporcional, danos causados por toxinas industriais em seus locais de trabalho
ou nos bairros onde moram (grifos nossos).

No momento em que o Estado tem consciência desta realidade e não desenvolve


ações e políticas públicas de combate a esta desigualdade, o racismo deixa de ser uma conduta
individual e passa a ser uma prática institucionalizada em que há toda uma estrutura
institucional que favorece as práticas discriminatórias, extrapolando as relações interpessoais
e instaurando-se no cotidiano do Estado. "A essa modalidade de racismo convencionou-se
chamar de racismo institucional, em referência às formas como as instituições funcionam,
contribuindo para a naturalização e reprodução da desigualdade racial" (LOPEZ, 2012, p.
127). Não obstante, o próprio Estado se silencia e não se preocupa em criar políticas que
minimizem esta diferenciação e universalizem – de fato – o acesso ao saneamento básico, e a
diversas outras políticas públicas que não serão discutidas neste trabalho, mas que merecem
uma reflexão própria e detalhada.
O problema da omissão estatal em relação ao racismo institucionalizado está no
paradoxo, como apontado por Lopez (2012, p. 126) de que "(...) as instituições públicas
tenham de assumir que elas (re)produzem mecanismos de “racismo institucional” para
justificar a execução de políticas de igualdade racial". O processo de desconstrução desse
racismo institucionalizado exige a implementação de políticas públicas que provoquem um
processo de desracialização em conjunto com reflexões acadêmicas e pesquisas qualitativas
que problematizem como operam esses dispositivos no cotidiano das instituições, sob a
perspectiva etnográfica (LOPEZ, 2012).
A política pública relacionada ao saneamento básico já existe, e um dos seus
princípios basilares é a universalização do acesso, que se preocupa apenas com a igualdade
formal. "(...) O princípio da universalidade representa o alicerce estrutural do saneamento,
inspirando o início e o fim almejado de todo planejamento público" (CAMATA, 2015, p.
129), além de significar o acesso efetivo ao saneamento básico, e não ficar a mera disposição
da população. Ainda de acordo com Camata (2015), a universalização do acesso exige a
interrelação de diversos fatores territoriais, sociais, ambientais e humanos, já que impactam
diretamente na qualidade de vida das pessoas. Contudo, esse processo de universalização
desconsiderou as desigualdades preexistentes entre população branca e não-branca no Brasil,
e a dificuldade intrínseca das minorias raciais de terem acesso a qualquer serviço público,
tornando-se essencial políticas públicas inovadoras que penetrem no cerne da desigualdade e
se preocupem com a igualdade material de acesso ao saneamento básico.
Apesar da problemática efetivação do princípio da universalização, é válido pontuar
as melhorias no acesso ao saneamento básico ao longo dos dez anos de vigência da lei
11.445/07 (BRASIL, 2007). Em linhas gerais, os números de acesso ao tratamento de água e
esgoto aumentaram: o total de brasileiros atendidos por abastecimento de água tratada passou
de 80,9% para 83,3%; enquanto a população atendida por coleta de esgoto passou de 42%
para 50,3% e o percentual de esgoto tratado foi de 32,5% para 42,7%. Em que pese os
números terem aumentado, este percentual foi ínfimo considerando o decurso de tempo de
dez anos. Além disso, a Região Norte continua com os índices mais baixos do País (56,9%
para cobertura de água, 8,7% para esgoto e 16,4% para esgoto tratado), números muito
inferiores aos da Região Sudeste – que possui os melhores indicadores do País (91,2% de
cobertura de água, 77,2% tem acesso à rede de esgoto e 47,4% ao tratamento de esgoto), de
acordo com dados do Instituto Trata Brasil (2015).
Em ranking dos vinte melhores municípios em relação ao saneamento básico,
realizado em 2017 pelo Instituto Trata Brasil (2017), treze posições são ocupadas por
municípios da Região Sudeste (as quatro primeiras, inclusive), cinco posições ocupadas por
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municípios da Região Sul (todas são cidades do Paraná) e as duas posições restantes ocupadas
pela Região Nordeste (municípios da Bahia e Paraíba). Em contrapartida, o estudo apresentou
o ranking dos dez piores municípios: dois são da Região Sudeste (Rio de Janeiro), um da
Região Sul (Rio Grande do Sul), um da Região Centro-Oeste (Mato Grosso), um da Região
Nordeste (Pernambuco) e cinco municípios são da Região Norte (Amazonas, Amapá,
Rondônia e Pará).
Para elaboração deste ranking o estudo levou em consideração indicadores de
atendimento de água, coleta e tratamento de esgotos, índice de perdas e investimentos no
período de 2011 a 2015. Ao analisarmos os dez piores, encontram-se dados alarmantes: quatro
municípios da Região Norte (com exceção de Manaus – AM) atendem menos da metade de
sua população com água e o município de Santarém, no Pará, não realiza nenhuma coleta de
esgoto apesar de possuir mais de 200 mil habitantes. As análises dos dados de saneamento
básico na Região Norte são alarmantes, sobretudo se comparada com as outras regiões do
País.
Não obstante, cabe analisar os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
em relação à distribuição espacial da população preta e parda do Brasil. No último censo
demográfico, realizado em 2010, o IBGE inovou em relação aos três censos anteriores e
realizou a investigação de cor ou raça em relação a totalidade da população brasileira. De
acordo com esta pesquisa (IBGE, 2010); 47,7% da população se autodeclarou branca (cerca
de 91 milhões de pessoas); 43,1% parda (cerca de 82 milhões de pessoas); 7,6% preta (cerca
de 15 milhões); aproximadamente 2 milhões de pessoas se autodeclararam de cor amarela e
817 mil, como indígenas. O estudo, bastante completo, também analisou a distribuição
geográfica os três grupos de raça predominante e constatou maioria da população branca nas
Regiões Sul e Sudeste do País, enquanto a maioria da população autodeclarada preta estava
localizada em alguns estados da Região Nordeste e nos Estados de Minas Gerais e Rio de
Janeiro. Na Região Norte, a população que se denomina parda foi maioria.
Estas pesquisas do IBGE, embora totalmente desvinculadas uma da outra,
demonstraram que a desigualdade de acesso ao saneamento básico é enfrentada pela maioria
da população negra do Brasil, sendo necessário o debate a respeito de ações afirmativas que
minimizem – e exterminem – a desigualdade racial. A universalização do acesso ao
saneamento não admite excluídos e deve ser efetivada mediante uma política inclusiva, que
considere toda a carga histórica de discriminação sofrida pelas minorias raciais no Brasil,
levando em consideração também os mecanismos de (re) produção de racismo presentes na
própria seara estatal. Estes dados servem como provocação para um pensamento a respeito da
institucionalização do racismo e da sua implicação no acesso a políticas que garantem o
mínimo existencial e a qualidade de vida.

5. Considerações finais

Este trabalho em nenhum momento teve a pretensão de esgotar o tema tão vasto e
problemático que é a desigualdade do acesso a políticas de saneamento básico, sobretudo para
as minorias raciais. Conforme pontuado anteriormente, sabe-se que a pobreza e o principal
fator de exclusão dos benefícios ambientais e distribuição dos ônus decorrentes da exploração.
Contudo, o fato de a pobreza estar intimamente ligada à questão racial é extremamente
problemático, sobretudo no Brasil, onde, numericamente, a população negra é a maioria.
Além disso, há o sério problema de investimento em políticas de saneamento básico nas
regiões mais pobres do Brasil. O acesso ao saneamento básico é uma garantia do mínimo
existencial, de qualidade de vida e de efetivação do princípio da dignidade humana.
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A Justiça Ambiental deve fazer a conexão entre o Direito Ambiental e os direitos


humanos, devendo humanizar as relações ambientais, sobretudo ao considerar o fato que o ser
humano não pode se dissociar do meio ambiente, dele sendo criador e criatura
simultaneamente. Portanto, a Justiça Ambiental deve incorporar as questões ambientais
fatores socioeconômicos, culturais, políticos e raciais, e buscar a universalização do acesso ao
saneamento básico a toda população brasileiro. Imperioso lembrar que o acesso não se
confunde com a mera disposição da política pública.
Por fim, é necessário relembrar que a universalização do acesso ao saneamento básico,
além de significar o cumprimento da legislação federal, significa a efetivação de
recomendações internacionais e possibilita a efetivação de direitos humanos. A comunidade
internacional se preocupa com o saneamento e exige de seus membros a efetivação de seu
acesso, sobretudo por considerar que o saneamento básico está intimamente relacionado com
o direito à sadia qualidade de vida e com o próprio direito a dignidade.

Referências

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aos impasses econômicos e sociais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015.

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Perspectivas e desafios para a proteção do meio ambiente na contemporaneidade
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A INTER-RELAÇÃO ENTRE HUMANIDADE E NATUREZA SOB A


ÓTICA DO MOVIMENTO SOCIAL ECOLÓGICO: UM INICIAR À
COMPREENSÃO DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL

The inter-relationship between humanity and nature under the optics of


ecological social movement: a beginning in the understanding of
environmental education

Amaro Bossi Queiroz 116

Resumo: este artigo trata da necessária compreensão da inter-relação entre humanidade e


meio ambiente geradora de problemas socioambientais que estão intimamente relacionados
com a promessa não satisfeita do Estado do Bem-Estar Social, com a crise do sistema de
partidos, por falta de legitimidade democrática, e com a perda de intensidade da modernidade,
que, consequentemente, serviram de combustível para o surgimento de movimentos sociais,
notadamente o ambientalista, que serviram de justificativa para o surgimento de um novo
direito humano fundamental, o Direito Ambiental, que tem como um de seus temas mais
relevantes, a Educação Ambiental.

Palavras-chaves: humanidade e meio ambiente; movimentos sociais; crise civilizatória;


direito ambiental; educação ambiental.

Abstract: this article addresses the necessary understanding of the interrelationship between
humanity and the environment that generates social and environmental problems that are
closely related to the unfulfilled promise of the welfare state, the crisis of the party system,
lack of democratic legitimacy, and with the loss of intensity of modernity, which,
consequently, served as fuel for the emergence of social movements, notoriously the
environmentalist, which served as justification for the emergence of a new fundamental
human right, Environmental Law, which has as a its most relevant themes, Environmental
Education.

Keywords: humanity and the environment; social movements; civilization crisis;


environmental law; environmental education.

1. Introdução

116 Doutor em Sociologia Jurídica e Instituições Políticas junto à Universidade de Zaragoza/Espanha (UNIZAR)
– área de concentração em Direito Ambiental e Educação – com título doutoral apostilado junto à Universidade
de São Paulo (USP); Bacharelado pela UFMG; Professor Universitário junto à Pontíficia Universidade Católica
de Minas Gerais; Advogado; Email: amarobosque@yahoo.com.br
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A Educação Ambiental como um dos instrumentos efetivos para debelar a crise


civilizatória está entrelaçada visceralmente às questões ambientais, portanto, para que o
educador ambiental possa efetivamente contribuir na formação de sujeitos ecológicos, faz-se
necessário que ele tenha uma compreensão histórica das relações entre seres humanos e
natureza. Assim, a análise da problemática ambiental deve ser fruto de uma historicidade que
precisa ser compreendida por todos que querem praticar essa modalidade de educação.
O exercício da Educação Ambiental emancipatória, crítica e transformadora, adotada
no presente artigo, haverá de ser construído dentro de uma nova visão de mundo na qual
natureza, cultura e sociedade deverão ser abordadas de forma integrada e inter-relacionada. Os
conceitos e ideias sociopolíticos, econômicos e ambientais vigentes, são partes integrantes de
um mesmo conjunto e devem ser tratados sob o prisma da interdependência. O planeta não
pode ser refém de conceitos e práticas que, historicamente, têm se mostrado destrutivos por
gozarem de uma abordagem, predominantemente, naturalista-conservacionista e isolada do
contexto socioeconómico e político. Nesse sentido, o educador ambiental deverá afastar a
visão que dissemina um mundo natural descontextualizado de um mundo social e difundir a
visão socioambiental, na busca de superar a dicotomia entre natureza e ser humano.
No intuito de compreensão da experiência humana de estar no mundo e participar da
vida, o educador ambiental deverá estar informado dos acontecimentos históricos que
permeiam a relação entre seres humanos e natureza, tais como: os movimentos sociais,
sobretudo o ecológico; o Estado do Bem-Estar Social; a democracia e as gerações de direitos
humanos. Assim, para uma perfeita compreensão da Educação Ambiental crítica, torna-se
impossível não afrontar todos esses temas de grande importância para a contextualização
histórica e ampla da crise civilizatória a ser enfrentada pela difusão por parte dos educadores
ambientais dessa nova maneira de ver, interpretar e a atuar no mundo.
Portanto, sob esse prisma, o presente artigo, tem por objetivo maior a compreensão da
Educação Ambiental que renuncia à tradição naturalista e abarca uma visão socioambiental,
fazendo-se uma abordagem histórica, no tempo de longa e curta duração, da relação entre
humanidade e meio ambiente, notadamente, por meio do estudo dos movimentos sociais.

2. Da historicidade

A relação entre humanidade e meio ambiente é, na verdade, uma inter-relação na qual


a natureza é transformada em cultura a partir do momento em que os seres humanos captam a
realidade do meio ambiente que os cercam e lhes atribui significação por meio da linguagem e
sentidos, fazendo com que essa relação esteja sempre em uma dinâmica de transformação
mútua. A Educação Ambiental deve desvendar essa relação delicada entre humanidade e meio
ambiente, porque os seres humanos são, ao mesmo tempo, natureza e cultura, como disserta
Brandão (2002, p. 17):

Tal como os outros seres vivos com quem compartimos a mesma casa, o planeta
Terra, fomos criados com as mesmas partículas ínfimas e com as mesmas
combinações de matérias e energias que movem a Vida e os astros do universo. Algo
do que há nas estrelas pulsa também em nós. Algo que, como o vento, sustenta o vôo
dos pássaros, em outra dimensão da existência impele o vôo de nossas idéias, isto é,
dos nossos afetos tornados os nossos pensamentos. Não somos intrusos no Mundo
ou uma fração da Natureza rebelde a ela. Somos a própria, múltipla e infinita
experiência do mundo natural realizada como uma forma especial da Vida: a vida
humana.
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A Educação Ambiental, defendida aqui, ao abandonar a visão meramente naturalista


do problema ambiental, insere no contexto de prática educacional uma mescla entre natureza,
cultura e sociedade, alargando sobremaneira o seu campo de atuação. O aspecto cultural
inserido na prática educacional ambiental é salientado por Freire (1982, p. 70):

E nos pareceu que a primeira dimensão desse novo conteúdo com que ajudaríamos o
analfabeto, antes ainda de iniciar sua alfabetização (...) seria o conceito
antropológico de cultura, isto é, a distinção entre estes dois mundos: o da natureza e
o da cultura; o papel ativo do homem na sua realidade e com sua realidade; o sentido
de mediação que tem a natureza para as relações e a comunicação do homem; a
cultura como o acréscimo que o homem faz ao mundo que não criou; a cultura como
resultado de seu trabalho, de seu esforço criador e recriador.

Educar para combater a crise ambiental passa por um entendimento que nega o
atemporal e busca evidenciar as circunstâncias históricas que moldaram a relação entre
natureza e humanidade. Narrar essa relação no decorrer da história é evidenciar a existência
de dois tipos de temporalidade que afetam o meio ambiente: o tempo de longa duração e o de
curta duração 117. Na primeira, a falta de postura educacional ambiental é nutrida por uma
atitude antropocêntrica que até determinado ponto histórico foi aceitável, tendo em vista a
crença de que os limites naturais eram infindáveis como elemento supridor das necessidades
básicas e supérfluas dos seres humanos. Na segunda, ainda de caráter antropocêntrico, mas já
vinculada à sociedade moderna, os limites naturais já restam evidenciados na sua capacidade
finita não sendo, portanto, mais aceitável o baixo grau de atitude ambiental, evidentemente
desequilibrada, na relação entre humanidade e natureza.
O papel do educador ambiental – para se evitar uma compreensão ingênua da crise
estrutural– consiste na capacidade de mesclar a temporalidade de longa e de curta duração, o
que evidencia todos os desarranjos civilizatórios existentes. Na temporalidade de curta
duração, sociedade contemporânea, a problemática ambiental é tema central gerador de
preocupação e está atrelada aos acontecimentos históricos que marcaram a humanidade da
segunda metade do século XX até ao presente momento. Por outro lado, na temporalidade de
longa duração, as relações entre humanidade e natureza podem ser designadas como tradição.
Sob esse aspecto a crise ambiental é fruto de uma cultura desenvolvida ao longo da história,
fruto de modos pelos quais grupos sociais pensaram e manejaram suas relações com a
natureza desde os primórdios até hoje em dia (CARVALHO, 2008).
Assim, lidar com a Educação Ambiental exige uma visão histórica da relação entre
humanidade e natureza e, na intenção de ampliar a visão da educação pretendida, faz-se
fundamental introduzir uma perspectiva do tempo na leitura do meio ambiente natural. O
educador ambiental comprometido com a formação de um sujeito ecológico necessita refletir
sobre as várias experiências históricas que constituem o conjunto de vivências humanas em
relação ao mundo natural, além de compreender a própria história do planeta Terra e do
surgimento das várias espécies de vida. Ele precisa compreender para poder ensinar que, no
decorrer da história, a natureza já foi considerada em vários sentidos: em um determinado
momento, como algo nocivo e ameaçador e em outro momento temporal, como belo e bom 118.

117 Isabel Cristina de Moura Carvalho (2008): “O tempo de curta duração diz respeito ao que chamamos de
contemporaneidade, ou seja, àquilo que acontece dentro de um horizonte histórico recente, em torno de nosso
presente, e nos afeta mais proximamente. [...]. Mas também podemos entender nossa experiência contemporânea
do ambiente como parte de uma história social de longa duração que antecede, constitui seu horizonte histórico
mais abrangente e, de diferentes maneiras, influência os modos de compreensão vigentes” (CARVALHO, 2008,
p. 91).
118 Keith Thomas (2010): Esse historiador demonstra que a partir do século XV ao se firmar um modelo urbano
e mercantil de sociedade a natureza passou a ser considerado um lugar rústico, de pessoas incultas e selvagens,
bem como, representando o feio e o obscuro. Nos séculos XVI e XVII terra boa e bonita eram as terras
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A percepção desses sentidos que foram moldados no tempo de longa duração é fundamental
para se entender os comportamentos no tempo de curta duração, bem como, a visão atual da
relação entre humanidade e natureza.
Nesse sentido, remontar a história de longa e curta duração do meio ambiente e da
relação homem e natureza faz-se necessária para perfeita compreensão do papel do educador
ambiental. O tempo de longa duração tem por base histórica a característica da involução
relacional entre humanidade e natureza, para em seguida se optar por uma base
socioambiental, no tempo de curta duração, por parte do bloco capitalista, de um modelo de
Estado pautado em uma sociedade do trabalho que somente fez por agravar a situação
relacional entre seres humanos e natureza já, há muito anos, em amplo compasso de
deterioração.
Nesse contexto do tempo de curta duração, surge o Estado do Bem-Estar Social, que é
cenário gerador de muitas insatisfações sociais, fazendo com que surjam manifestações
populares que questionam os pilares políticos, económicos, democráticos e ambientais, nos
quais aquele Estado encontrava-se estruturado. Movimentos sociais que motivaram reações
políticas e novas demandas sociais que passaram a merecer tutela do Direito que se
movimentou no sentido de gerar novos ramos jurídicos agrupados na quarta geração de
direitos humanos 119, os quais visavam a regulamentação das demandas, entre eles o Direito
Ambiental no qual se encontra inserida a regulamentação da Educação Ambiental que é o
instrumento elegido para o enfrentamento da crise civilizatória.

3. Do contexto socioambiental

A Educação Ambiental nasce em contexto marcado por uma tradição naturalista em


que há um mundo biológico constituído em oposição ao mundo humano, entretanto, não há
como pensar em Educação Ambiental tendo o ser humano como se fosse alheio ao contexto
socioambiental. O homem é parte dela e não tem como se desvincular, posto que sua
existência depende do ambiente e daquilo que ele lhe oferece. Há uma interação relacional
entre os seres humanos e a natureza que, quando mal conduzida, leva a uma situação de crise
e de riscos, na qual a sociedade se encontra atualmente. Derani (2005, p. 641) fornece uma
visão sobre essa relação:

A natureza oferece aos seres humanos suas condições físicas de vida, assim como
seu espaço psíquico e de apoio, local onde ele se experimenta e se desenvolve como
ser humano. Há uma ambiguidade imanente na relação do ser humano com a
natureza. A natureza é vivida sempre de duas maneiras: como opressão e como
segurança; como anulação e como abertura para possibilidades; como desumana e
como humana; como caos e como lar. Quer dizer, não há o romantismo idílico da
vida do homem em harmonia com a natureza, pois, em realidade, ao mesmo tempo
em que a natureza se apresenta como fonte de vida, se mostra também como
ameaça. Os distintos comportamentos humanos revelam esta ambivalência, pois

exploradas pela humanidade através do cultivo. Essa visão utilitarista da natureza perdurou até o século XVIII
quando na Inglaterra ocorreu uma mudança importante no estilo de percepção do mundo natural denominado de
novas sensibilidades. Devido aos desarranjos ambientais ocorridos em virtude da revolução industrial ocorreu
um resgate de um sentimento de contemplação do natural. A natureza selvagem, sob o aspecto moral e estético,
passou a ser valorizada e um sentimento de proteção à natureza intocada surgiu em oposição à violência urbana e
ambiental praticada pela humanidade (THOMAS, 2010).
119 “En la medida en que se vinculan a esta red de movimientos, puede decirse que los derechos de cuarta
generación exigen una fuerte dinámica democratizadora y una mayor descentralización del poder político”.
Rodríguez Palop (2010): “Na medida em que se vinculam a esta rede de movimentos, pode se dizer que os
direitos de quarta geração exigem uma forte dinâmica democratizadora e uma maior descentralização do poder
político” (RODRÍGUEZ PALOP, 2010, p. 227 – tradução nossa).
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como preservar a natureza se é de seu consumo que o ser humano retira sua fonte de
existência. Do mesmo modo, quais seriam as medidas necessárias para que a
apropriação crescente da natureza para a produção de riqueza humana não resulte
em uma destruição dos recursos preciosos para o bem-estar.

Conforme Catalan (2005), a busca por uma melhoria de qualidade de vida, baseada em
uma sistemática econômica desenfreada, sem planejamento, em que as riquezas da Terra são
saqueadas e todo o ecossistema fica propenso a um colapso sistêmico, já gerou na
humanidade a ideia de que os recursos naturais são limitados, mas ainda não cristalizou uma
consciência no sentido de adequar as necessidades da humanidade às possibilidades de
fornecimento de recurso de todas as ordens do planeta. Conscientização que somente será
alcançada por meio de práticas educacionais gerais, notadamente, de aspectos ambientais.
A complexidade desse processo de transformação da Terra é crescentemente acelerada
pela postura humana e é afetado pelos riscos e danos socioambientais gerados, que são cada
vez mais notórios. Os grandes acidentes envolvendo usinas nucleares, derramamentos de óleo
bruto e contaminações tóxicas de grandes magnitudes, demonstram o exposto e provocam o
debate público e científico sobre as questões que envolvem a sociedade de risco 120 vivenciada
pela sociedade contemporânea. A preocupação com os riscos 121 que cercam o meio ambiente
manifesta-se a partir do momento em que sua degradação passa a ameaçar não só o bem-estar,
a qualidade da vida humana, mas se não a própria sobrevivência do ser humano e de todas as
outras espécies.
A crise ambiental, também denominada como civilizatória, é uma realidade cada vez
mais presente na humanidade e, desde a longínqua Antiguidade, existem estudos, alertas e
denúncias acerca da ação antrópica. Seus sinais são visíveis: câmbio climático; excesso
populacional; especulação e escassez dos combustíveis fósseis e sua queima; desastres
naturais potencializados; manutenção da exploração de recursos humanos e materiais dos
países do hemisfério sul por parte das nações desenvolvidas.
Vários são os doutrinadores, filósofos e pessoas de grande expressão que, na
linguagem de Philippi Jr e Caffé Alves (2005), muito contribuíram com seus trabalhos, no
plano nacional e internacional, divulgando a situação de degradação ambiental, entre eles hão
de serem citados: Platão, na Antiguidade; Friedrich Engels, em 1825; Charles Darwin, em
1859; Joaquim Nabuco, em 1883; Theodore Roosevelt, em 1914; Aldo Leopold e René
Dubos, 1945; Rachel Carson, em 1962. Dentre os vários pensadores citados, merece destaque
a obra Primavera Silenciosa da bióloga norte–americana, escritora e pesquisadora de
reconhecido talento científico e literário, Rachel Carson que foi alvo de comentário da
publicação Saturday Review, umas das crônicas mais importantes e respeitadas nos Estados
Unidos, que assim se pronunciou:

Primavera Silenciosa é um ataque devastador ao descuido, avareza e


irresponsabilidade do ser humano. O livro deve ser lido por todos os americanos que
não desejam escrever o epitáfio do mundo no seu fim, atualmente não muito longe
de nós. (SATURDAY REVIEW apud MOURA, 2008/2009, p. 44-52).

120 Expressão talhada por Ulrich Beck (2002) para delinear a época da modernidade em que os efeitos negativos
da industrialização e da visão utilitarista da natureza passam a representar uma ameaça ao planeta. A sociedade
industrial atual encontra-se diante de um conjunto de fatos imprevisíveis que geram riscos de alta complexidade
e para os quais a ciência não tem respostas precisas, pelo contrário, tendo em vista a complexidade das questões
ambientais, há no mundo científico uma grande dose de incertezas diante deles. O conhecimento científico
inabalável proporcionou a criação dá “sociedade de risco”, resultante da globalização e marcada pelo utilitarismo
(Metáfora Antropocêntrica). O risco, portanto, é fruto da modernidade, do comportamento antropocêntrico e
desenvolveu-se de diversas maneiras, principalmente sem a necessária sustentabilidade (BECK, 2002).
121 O risco é um “sinal de perspectiva e de escolha, de perigo e de desafio, de angústia e de ousadia, de atenção
e de cuidado” (FERNANDES, 2001, p. 19).
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A crise ocorre em escala generalizada, merecendo um amplo destaque na agenda


internacional em virtude da constatação de que o desenvolvimento econômico e social,
estabelecido pela sociedade moderna, está sendo sustentado às custas de uma aceleração da
degeneração ambiental, em certos casos, irreversível, que poderá colocar em risco a qualidade
de vida da humanidade, incluindo sua existência.
No século, passado a destruição ambiental chegou a patamares nunca antes
alcançados, despertando o interesse de uma parcela significativa dos saberes humanos na
busca de soluções para os problemas gerados pela própria humanidade, uma vez que, a
situação que se apresenta pode acarretar a perda da capacidade da Terra em suportar a vida.
Fica evidente, pela narrativa histórica, que desde o surgimento da vida humana há
influência negativa na cadeia de elementos naturais, ao ponto de gerar a crise civilizatória
atual, ou, como narrado por Edgar Morin (1995, p. 69), à configuração de uma agonia
planetária, afirmando que, “[...] durante o século XX, a economia, a demografia, o
desenvolvimento, a ecologia se tornaram problemas que doravante dizem respeito a todas as
nações e civilizações, ou seja, ao planeta como um todo”.
Assim, a crise ambiental apresenta duas estruturas articuladas entre si: uma que é
denominada de geoecológica, que deixa clara as distorções entre o modelo de
desenvolvimento adotado e a conservação ambiental; e outra, sociológica, que explicita as
várias formas de exclusão social e geográfica, causadas pela má distribuição das riquezas,
bens e serviços ambientais, que são ministrados por um número limitado de indivíduos. Sobre
o assunto o pensador Boff (2003) escreveu:

A relação depredadora para com a natureza – injustiça ecológica –, afetando as


águas, os solos, os ares, a base físico-química da vida, se transforma numa
generalizada degradação da qualidade de vida – a injustiça social –, penalizando
principalmente os mais fracos e os pobres. Estes se veem condenados a morar em
locais de risco, a servir-se de águas contaminadas, a respirar ares infectados de
poluição e a viver sob relações sociais altamente tensas devido à pobreza e à
exploração (BOFF, 2003, p. 49).

A crise civilizatória resultou em várias implicações de ordem natural e social, tendo


como consequência o desequilíbrio dos ecossistemas e da sociedade. Desequilíbrio constatado
pelas crescentes alterações da biosfera, hidrosfera e litosfera 122; pelos conflitos militares e
investimentos na indústria bélica; pelo aumento das desigualdades sociais em escala mundial
em virtude do acúmulo de riqueza por poucos em detrimento da maioria do contingente
planetário, gerando, por sua vez, baixo grau de cultura e de conscientização de uma parte
considerável da população mundial que vive na alienação.
A Educação Ambiental tem por objetivo tirar da alienação essa parcela da população
planetária e, para tanto, o educador deve conhecer a fundo todos os fatos históricos que
geraram aqueles problemas socioambientais que estão intimamente relacionados com a
promessa não satisfeita do Estado do Bem-estar social, com a crise do sistema de partidos
pela falta de legitimidade democrática e com a perda de intensidade da modernidade, que
consequentemente, serviram de combustível para o surgimento de movimentos sociais que,
por sua vez, clamavam pela necessidade de intervenção do Direito como instrumento capaz de

122 José Afonso da Silva (2007): “A ação predatória do meio ambiente natural manifesta-se de várias maneiras,
quer destruindo os elementos que o compõem, como a derrubada das matas, quer contaminando-os com
substâncias que lhes alterem a qualidade, impedindo seu uso normal, como se dá com a poluição do ar, das
águas, do solo e da paisagem. Atmosfera (ar, clima), hidrosfera (rios, lagos, oceanos) e litosfera (solo) são três
órbitas entrelaçadas que mantêm a vida orgânica. A contaminação de uma compromete também a pureza das
outras, direta ou indiretamente” (SILVA, 2007, p. 28).
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frear ou debelar a crise. Diante de seu surgimento e, sobretudo, em virtude de seu caráter
histórico, os movimentos sociais traçaram objetivos e, no intuito de modificar a sociedade,
passaram a gozar de amplo destaque dentro da sociologia.

4. Novos movimentos sociais

Os movimentos sociais, enquanto mobilizações em torno de temas específicos lograram


inscrever suas demandas na agenda política do mundo contemporâneo e, especificamente, na
seara ambiental, foram nutridos pelos vários desarranjos ambientais (crise ecológica)
geradores de uma crise social (crise civilizatória). Diante dessa socialização do ecológico,
surgiu a necessidade de reformular a sociedade sob vários aspectos, passando o tema a gozar
de vários estudos desde o ponto de vista das ciências sociais.
Entre todas as teorias que buscavam estruturar os movimentos sociais sob o aspecto
doutrinário, aquela que mais encontrou amparo na Europa e nos países latinos americanos,
inclusive no Brasil, foi a teoria dos Novos Movimentos Sociais que resultaram no nascedouro
de novos direitos humanos.
O contexto histórico no qual se inserem os Novos Movimentos Sociais é o mesmo que
demarca o surgimento dos direitos humanos de quarta geração, bem como da Educação
Ambiental, parte do movimento ecológico o qual, por sua vez, surge da preocupação de
grande parcela social com o futuro da vida e com a qualidade da existência das presentes e
futuras gerações. As reivindicações contidas no núcleo dos Novos Movimentos Sociais –
dentre eles o movimento ecológico – fez aflorar crítica contundente ao sistema de valores
estabelecidos pelo Estado do Bem-Estar Social que se baseia no crescimento econômico
puramente quantitativo. Este, por sua vez, lastreado na utilização da tecnologia como
ferramenta de desenvolvimento progressista ilimitado, expôs, por via de consequência, a
necessidade de revitalização dos instrumentos democráticos na busca de legitimação do poder
instituído que se encontrava totalmente sucumbido ao sistema capitalista dominante.
Vários fatores podem ser elencados como fomentadores dos Novos Movimentos
Sociais que surgiram na década de 1960, cabendo destacar: a derrocada do Estado do Bem-
Estar Social em virtude da fragilidade do sistema econômico que lhe amparava fazendo
transparecer a falta de credibilidade dos partidos políticos convencionais que naturalmente
demonstra toda a ilegitimidade democrática reinante; o modelo de desenvolvimento industrial
pautado em uma irracionalidade tecnológica destrutiva e na utilização ilimitada dos recursos
naturais, geradora da crise ambiental; e o crescimento de grupos sociais alijados do sistema
econômico instituído.
Muitos autores atribuem como causa do surgimento dos Novos Movimentos Sociais as
contradições existentes no modelo de Estado de Bem-Estar Social que foi adotado por grande
parte dos países capitalistas. Modelo que teve como base a doutrina do Report Beveridge e a
política econômica Keynesiana. Em ambas, o pensamento estruturante era que o Estado tinha
como fim erradicar a pobreza com o aumento da prestação de serviços sociais buscando
alcançar igualdade e, paralelamente, o incremento progressivo tributário sobre a receita
pessoal como elemento financiador do bem-estar, ou seja, o favorecimento do crescimento
econômico pelo Estado em busca da consecução do Bem-Estar Social (RODRÍGUEZ PALOP,
2010). Para Olivas (1991), sob o prisma jurídico, o modelo de Estado de Bem-Estar Social
apresentava um padrão inusitado, pois, ao mesmo tempo em que determinava uma
intervenção estatal na área social, preconizava a proibição da ingerência da esfera pública na
seara social, em outras palavras, uma reunião de intervenção e não intervenção complexa de
caráter jurídico, político e social.
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A não eliminação da estrutura patrimonial capitalista que se manteve latente no


modelo do Estado de Bem-Estar Social durante a sua consecução suplantou o consenso social
propiciador da paz alcançada e desencadeou o afloramento de vários desequilíbrios sistêmicos
que estavam abrandados ou ocultos, mas que nunca foram suprimidos em definitivo. Dentro
desse ambiente de desequilíbrios sistêmicos, surgem os Novos Movimentos Sociais que,
consequentemente, exigem a tutela do Direito e estruturam a base dos novos Direitos
Humanos, denominados como sendo de quarta geração.
Enfim, a crise do Estado do Bem-Estar Social é, ao mesmo tempo, uma crise de
legitimidade democrática e uma crise do modelo econômico adotado, estando intimamente
associadas. O consenso reinante naquele modelo de Estado encobre uma disputa acirrada
entre interesses públicos e interesses privados 123, afirmando Offe (1990) que toda a
contradição gerada está baseada no fato do aparelho estatal ter que desempenhar duas
condutas totalmente antagônicas ao mesmo tempo: favorecimento à acumulação de capital e
legitimação da democracia, gerando como resultado uma crise fiscal e o desmoronamento da
legitimidade política. A relação entre democracia e capitalismo, que submeteu quase por
completo aquela a este, gerou uma crise econômica que, automaticamente, desencadeou uma
crise política, fazendo com que os Novos Movimentos Sociais passassem a ser o protagonista
capaz de romper com esse ciclo.
Dentro desse contexto de derrocada do Estado de Bem-Estar Social, a compreensão da
Educação Ambiental como instrumento para conseguir reverter o quadro de crise civilizatória
passa pelo entendimento de como que, com o surgimento do “novo tempo”, a noção de
“tempo novo” foi abandonada na cultura ocidental. Desde então, os acontecimentos históricos
são utilizados como base para a renovação contínua do presente vivido e de um futuro
planejado. A atualidade, “(...) modernidade (...) abandonada a si mesma” (HABERMAS,
1987, p. 103), é reinventada a cada instante na busca da solução de problemas que o passado
nos deixou de herança tornando o tempo um recurso muito escasso na solução desse legado.
O passado desvalorizado e a modernidade como base estruturante da sociedade ocidental
explica o “espírito da época” (HABERMAS, 1987, p. 103).
O espírito da época passa a ser a fusão do pensamento histórico com o pensamento
utópico, aparentemente contraditórios. A postura política da modernidade reflete aquela fusão,
impregnando de utopia os problemas da atualidade e controlando os excessos utópicos com os
conhecimentos obtidos pelos sentidos no decorrer da história. Mas nem sempre a utopia
esteve atrelada à história. Em um primeiro momento, ela tinha características românticas e era
tida como um “(...) sonho do bem – sem meios para a própria realização, sem métodos”, na
visão de Fourier citado por Habermas (1987). Entretanto, no século XX, ser utopista deixa de
ser pejorativo e a utopia passa a ser viável como instrumento de projeto social e político.
Todavia o pensamento de utopia viável de outrora perdeu todo o seu potencial de alternativa
de vida politicamente eficaz na sociedade atual. A perspectiva de um futuro positivo perdeu-se
diante do quadro de ameaças que se presencia, principalmente, em virtude dos desarranjos na
relação entre humanidade e natureza, como retratada no ponto anterior.
A utopia na presente realidade afastou-se do pensamento histórico e está esgotada. Esse
esgotamento é fruto da falta de confiança que a sociedade ocidental deposita em sua própria
cultura que, ao invés de buscar soluções para um futuro melhor, perde-se no pessimismo dos
acontecimentos atuais e nos problemas impostos pelos desafios do mundo contemporâneo
gerados pelo próprio homem, como sintetizado por Freire (2005, p. 31):

123 Offe (1990): O Estado do Bem-Estar Social, por um lado, tem o objetivo de sustentar o sistema de
acumulação capitalista e, por outro, criar e manter mecanismos de contenção sociais através da obtenção da
“lealdade das massas” que aparentemente são protegidas pelo Poder Público que na verdade atua de forma
reiterada em nome do capital. (OFFE, 1990).
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Mais uma vez os homens, desafiados pela dramaticidade da hora atual, se propõem a
si mesmos como problema. Descobrem que pouco sabem de si, de seu “ponto no
cosmo”, e se inquietam por saber mais. Estará, aliás, no reconhecimento do seu
pouco saber de si uma das razões desta procura. Ao se instalarem na quase, senão
trágica descoberta do seu pouco saber de si, se fazem problemas a eles mesmos.
Indagam. Respondem, e suas respostas os levam a novas perguntas.

Motivos não faltam para o esgotamento da utopia nas sociedades complexas de hoje. A
utopia idealizada como uma forma de vida melhor para a humanidade e de uma sociedade
mais organizada em virtude dos avanços tecnológicos perdeu-se nos efeitos colaterais
daquelas tecnologias experimentadas por meio de constatações expressivas de disfunções
sentidas na história, fazendo despertar uma visão mais realista do presente e uma expectativa
pessimista de futuro.
Nesse contexto social, dentro de uma realidade que valoriza a razão instrumental,
inclusive na relação entre humanidade e meio ambiente, ocorre aparentemente o fim da
utopia. Estaria se alardeando o fim da fusão entre o pensamento utópico com o pensamento
histórico, caracterizando para alguns intelectuais uma transformação da moderna consciência
do tempo em geral. Entretanto, corroborando o pensamento filosófico de Habermas (1987),
não se acredita na dissociação entre utopia e história, mas no fim de uma utopia lastreada na
sociedade de trabalho com bases no Estado do Bem-Estar.
O modelo do Estado do Bem-Estar Social eliminou toda a utopia baseada em uma
sociedade do trabalho, mas, enquanto modelo, continua sendo viável a partir do momento em
que a sua base for reestruturada em pilares democráticos mais amplos, não conservadores,
frutos de um alto nível de reflexão, tal como defendido por Paulo Freire, ao estruturar uma
educação pautada no diálogo com total abandono de práticas anti-dialógicas 124, e por
Habermas, quando estrutura sua tese do agir comunicativo.
Demonstrada a queda do Estado do Bem-Estar Social, a qual foi amparada pela utopia
do trabalho, e, tendo em vista que o objetivo nesse artigo é desenvolver os temas entrelaçados
ao contexto da crise ambiental, segue-se com uma explanação da reivindicação de uma nova
democracia legitimada pelo diálogo e pela prática comunicativa. Tal reivindicação também
serviu de combustível aos Novos Movimentos Sociais que dão origem aos novos direitos
humanos no qual se insere o Direito Ambiental que, por sua vez, tem como um de seus pilares
a Educação Ambiental.

5. Novos movimentos sociais

O bom educador ambiental tem que ter em mente que os Novos Movimentos Sociais
são frutos de uma democracia que perdeu legitimidade em virtude dos partidos políticos
deixarem de representar interesses coletivos e defenderem interesses de grupos representantes
do capital. Assim, os Novos Movimentos Sociais buscam um novo desenho da democracia
estabelecida, uma democracia que, atualmente, perdeu grande parte da sua legitimidade e
precisa urgentemente ser ampliada para resgate de sua função social 125, que ressalta a
importância desses movimentos sociais, enquanto inquietudes sociais ao servirem como base

124 Paulo Freire (2009): “Enquanto na teoria da ação antidialógica a conquista, como sua primeira
característica, implica um sujeito que, conquistando o outro, o transforma em quase “coisa”, na teoria dialógica
da ação, os sujeitos se encontram para a transformação do mundo em co-laboração”. (FREIRE, 2009, p. 191).
125 María Eugenia Rodriguez Palop (2011): “O sea, se pretende ensanchar el marco formal de la democracia
representativa creando una cultura política activa” (RODRÍGUEZ PALOP, 2011, p. 186). Ou seja, pretende-se
alargar o marco formal da democracia representativa criando uma cultura política ativa (tradução nossa).
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argumentativa para estruturação de uma nova geração de Direito Humanos fundamentais – a


quarta geração.
Diante do surgimento dos Novos Movimentos Sociais, fica evidenciada uma certeza:
existe um baixo grau de legitimidade das democracias atuais, simplesmente porque não são
frutos de uma práxis. Isso não quer dizer que não haja sistemas democráticos em atuação no
mundo contemporâneo com a participação de um número expressivo de cidadãos; que não
haja pluralismo político; e tampouco proteção dos particulares e liberdade de informação,
entretanto, toda essa organização carece de legitimidade.
O poder político pode ser traduzido em duas versões, oficial e não oficial. Na versão
oficial, o povo é tratado como cidadão e cliente, ou seja, em um primeiro momento, os
poderes político, legislativo e administrativo são fruto da vontade popular exercida por meio
do voto e, posteriormente, o poder público legitimado nas urnas presta serviços ao povo como
clientes do aparelho estatal. Na versão não oficial e verdadeira presente nas sociedades atuais,
o poder político é manipulado por grupos de interesses e partidos políticos resultando em uma
“política simbólica” 126 que se encontra a serviço do capital.
Dentro desse embate entre versão oficial e não oficial, nas ciências políticas,
estruturou-se um modelo de arenas diferentes sobrepondo-se umas às outras, como delineado
por Claus Offe citado por Habermas (1987) que modelou três tipos: no primeiro modelo,
grupos políticos agem dentro do aparelho estatal estruturando seus objetivos; no segundo,
grupos sociais anônimos com controle sobre a mídia e os meios de produção se articulam e
exercem forte influência sobre o poder estatal no sentido de alcançarem suas metas; e por fim,
o terceiro modelo de arena em que não há um fluxo de comunicação palpável entre os seus
componentes os quais, mediante uma identidade cultural, buscam frear e alterar o sistema
político e econômico imposto de forma dominadora. Assim narra Freire:

Mas dizer a palavra verdadeira, que é trabalho, que é práxis, é transformar o mundo,
dizer a palavra não é privilégio de alguns homens, mas direito de todos os homens.
Precisamente por isto, ninguém pode dizer a palavra verdadeira sozinho, ou dizê-la
para os outros, num ato de prescrição, com o qual rouba a palavra aos demais.
(2005, p. 90).

Quando uma parte da sociedade é impedida de se manifestar ou suas manifestações


não são ouvidas, é preciso que, primeiramente, os privados e impedidos de manifestação
reconquistem o direito primordial de dizer a palavra. Essa é uma das bandeiras dos
denominados Novos Movimentos Sociais em prol de uma nova democracia legitimada como
fruto de vontade popular e não de grupos de interesses.
A democracia material, enquanto instrumento legitimador político, não protege
adequadamente os grupos mais fragilizados socialmente e, nos moldes em que se encontram
estruturados, ela não tem alcançado uma integração social autêntica, na qual o Poder Estatal
não pode ser indiferente a nenhum dos grupos que compõem o contexto social. Portanto, há a
necessidade, por intermédio da educação, de defender uma nova democracia material
alicerçada em articulações políticas inovadoras e capaz de enriquecer o processo de
legitimidade de elaboração normativa. Essa democracia será alcançada a partir de uma

126 Jürgen Habermas (1987): “Segundo essa versão não oficial que nos é apresentada recorrentemente pela
teoria dos sistemas, os cidadãos e os clientes aparecem como sócios do sistema político. Sob essa descrição
altera-se sobretudo o sentido do processo de legitimação. Grupos de interesse e partidos utilizam seu poder
organizativo a fim de alcançarem anuência e lealdade para seus objetivos de organização. A administração não só
estrutura o processo legislação, em grande parte ela também o controla: ela tem de, por seu lado, selar
compromisso com clientes poderosos. Partidos, corporações legislativas, burocracias têm de levar em conta a
pressão não declarada dos imperativos funcionais e coloca-los em harmonia com a opinião pública – “política
simbólica” – é o resultado. Também o governo tem de esforçar-se para obter simultaneamente o apoio das
massas e dos investidores privados” (HABERMAS, 1987, p. 106).
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racionalidade em que todos os setores sociais possam ser ouvidos, já que será fruto de uma
prática de debates públicos legitimadores de todo sistema político-social.
O alcance da igualdade necessária para desenvolvimento da democracia material
defendida neste artigo, com o fim de elaborar legislações ambientais legítimas, será
viabilizado por intermédio da prática da Educação Ambiental, dentro de uma postura
pedagógica humanista e revolucionária, totalmente contrária à exercida, em regra, nos
âmbitos escolares, conforme lição de Freire (2009, p. 73):

A concepção e a prática da educação que vimos criticando se instauram como


eficientes instrumentos para esse fim. Daí que um dos seus objetivos fundamentais,
mesmo que dele não estejam advertidos muitos do que a realizam, seja dificultar, em
tudo, o pensar autêntico. Nas aulas verbalistas, nos métodos de avalição dos
“conhecimentos”, no chamado “controle de leitura”, na distância entre o educador e
os educandos, nos critérios de promoção, na indicação bibliográfica, em tudo, há
sempre a conotação “digestiva” e a proibição ao pensar verdadeiro.

Assim, da mesma maneira que o aspecto formal se demonstrou falho como


legitimador da democracia instituída no modelo de Estado do Bem-Estar Social, o aspecto
material também não teve êxito por não proteger de forma adequada os menos favorecidos.
Sobre isso, Contreras Peláez adverte que “(...) a democracia, entendida como mecanismo de
composição de interesses, não garante por si só uma proteção adequada aos mais fracos.”
(CONTRERAS PELÁES, 1996, p. 80 – tradução nossa 127). Nessa condição de democracia
sem força legitimadora, o Poder Legislativo, os partidos políticos e as eleições diretas ganham
força como instrumentos direcionados à manutenção do poder econômico imperante - que
objetiva o controle da população em geral, como necessário para a manutenção da ordem
pública através do distanciamento popular na construção de decisões democraticamente
legítimas (OFFE, 1988).
Na tentativa de se evitar o colapso de legitimidade democrática naquele modelo de
Estado, dois caminhos foram estruturados: um que visa à redução das exigências sociais e
outro que almeja o incremento da estrutura estatal, porém ambos os caminhos levam a
situações de novas crises políticas, que são justamente as impulsionadoras dos Novos
Movimentos Sociais.
Assim, frente à derrocada da legitimidade democrática no Estado de Bem-Estar Social,
os Novos Movimentos Sociais buscavam estruturar mecanismos que recuperassem a força
legitimadora da democracia tendo como base o caráter dialógico e racional da construção
política. Nesse sentido, Habermas (1998) afirma que o importante não são os resultados
políticos obtidos em um processo democrático legítimo, mas a maneira pela qual os resultados
são construídos, ou seja, em um alto grau de discussão do debate público no qual a
racionalidade funciona como força legitimadora do sistema.
Diante da impossibilidade do Estado de Bem-Estar Social alcançar os objetivos de
crescimento econômico contínuo e ilimitado e de fracassar na constante geração de benefícios
sociais, bem como na crescente distribuição de igualdade socioeconômica, os Novos
Movimentos Sociais tiveram o poder crítico de denunciar uma crise econômica que está
totalmente envolta em um contexto muito mais de crise política, que fica evidenciada pela
pouca oportunidade de participação popular nas tomadas de decisões governamentais. Os
Novos Movimentos Sociais são reflexo de uma crise política proveniente de um desarranjo
estrutural, o qual colocou a democracia participativa e o capitalismo em pólos opostos, com
uma preponderância acentuada a favor do capital que, com o passar de alguns anos, tornou-se
incontrolável.

127 “[...] la democracia, entendida como mecanismo de composición de intereses, no garantiza por sí sola una
protección adecuada de los más débiles”.
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A democracia almejada pelos Novos Movimentos Sociais não tem por objetivo a
substituição da democracia representativa por uma democracia social na qual a sociedade civil
ocuparia em definitivo o lugar dos partidos políticos no sentido de representatividade. O que
se objetiva é a obtenção de uma mescla entre ambas, uma vez que isoladamente nenhuma das
duas é suficiente para o exercício de uma democracia plena (BOBBIO, 1996).
O terceiro fator que se elege como motivador do surgimento dos Novos Movimentos
Sociais é o modelo de industrialização adotado pelos países desenvolvidos que tem como
resultado mais nocivo a crise ambiental planetária. Nesse contexto, conclui-se que os Novos
Movimentos Sociais são fruto da tomada de consciência de que o extrapolar dos limites de
crescimento contínuo das sociedades modernas gera um ambiente de crise social, que tem
como ponto culminante a destruição do meio ambiente.
Parte da doutrina relaciona as ideias que nutriram os Novos Movimentos Sociais como
um marco divisório entre a modernidade e pós-modernidade 128, realçando que os valores e
características da pós-modernidade servem de base conectiva entre os novos movimentos
sociais e os direitos humanos de quarta geração. Assim, a crise do modelo de modernidade -
vista a partir criação - dos Novos Movimentos Sociais serve de prenúncio de uma nova época,
pós-moderna, na qual os valores mantenedores da ordem moderna deverão ser totalmente
alterados (RODRÍGUEZ PALOP, 2010).
Embora uma parte da doutrina tenha enxergado na crise do modelo do Estado do Bem-
Estar Social o fim da modernidade e começo da era pós-moderna cujos novos valores são
apontados como uma das causas dos Novos Movimentos Sociais, outra parte da doutrina,
entretanto, não aceita este tipo de fundamentação, pois crê que o projeto da modernidade
ainda se encontra em construção e é o único capaz de viabilizar as sociedades contemporâneas
democráticas dos tempos atuais (HABERMAS, 1987).
Em suma, os Novos Movimentos Sociais não propõem acabar com o sistema
estabelecido, mas buscam resolver as instabilidades internas existentes entre as várias classes
sociais que fazem parte da estrutura concebida de divisão de poder, no âmbito da sociedade
industrial, no anseio de uma maior participação nas decisões políticas e sociais em prol de
uma sociedade mais limpa, impessoal, educada, livre e democrática (INGLEHART, 1991). As
exigências dessa nova classe média não são exigências em nome de uma classe, mas são
direcionadas a toda a sociedade devido à dispersão de suas reivindicações que abarcam desde
questões ambientais a direitos humanos e defesa da paz (GIDDENS, 1989).
Os Novos Movimentos Sociais visam a ocupar o vácuo existente nas estruturas e
organizações sociais, questionando, na maioria das vezes, as estruturas existentes e propondo
maneiras inovadoras de organização política. E a primeira característica que há de ser realçada
em relação aos movimentos sociais é o seu caráter concreto, proveniente de lutas sociais
efetivas contra o poder político em busca de reconhecimento de valores e interesses reais,
muito embora os conceitos acerca do tema sejam bem abstratos, havendo, portanto, um
paradoxo entre a realidade viva dos movimentos sociais e o seu trato na doutrina (IBARRA;
LETAMENDÍA, 2005).
Por fim, o fato de o Estado do Bem-Estar Social ter alcançado em seu apogeu grande
prosperidade material e educacional fez com que parte da população beneficiada pudesse
canalizar seus olhares para questões de cunho ético e moral, uma vez que já tinha suas
necessidades básicas garantidas, o que teve como resultado imediato o surgimento dos Novos
Movimentos Sociais (SOSA, 1993). Ainda, dentro do aspecto de acesso ao conteúdo de
natureza educacional propiciado pelo Estado do Bem-Estar Social, o número significativo de
indivíduos que alcançavam formação profissional deparava-se com um mercado laboral em
baixa oferta de postos de trabalho, ocasionando uma reação social, a partir dos Novos

128 Bell (1976): Doutrina o autor que por pós-modernidade deve-se entender uma realidade que realçou os
princípios e valores modernos que entraram em colapso (BELL, 1976).
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Movimentos Sociais, contra a postura de acumulação ilimitada capitalista e os processos


modernos de desenvolvimento (OFFE, 1988). Sob esse aspecto, cogitou-se elencar como
elemento propulsor dos Novos Movimentos Sociais o fato de várias classes sociais estarem
situadas em posições de inferioridade em relação àqueles grupos que detém o poder de
decisões, ou seja, o núcleo dos Novos Movimentos Sociais seria constituído por pessoas que
não tinham influência nas decisões políticas tendo em vista suas raízes sociais.
Entretanto embora a argumentação de que os Novos Movimentos Sociais são
fenômenos provenientes de categorias que se encontram à margem da tomada de decisões,
não merece amparo tal assertiva, tendo em vista que são procedentes de extratos sociais,
novas classes médias, que possuem um alto grau de educação que lhes permite emitir juízos
de valores sobre questões econômicas, políticas, legais, ambientais, entre outras. (OFFE,
1988). Os atores sociais dos novos movimentos não são mais aqueles provenientes das
relações industriais, tais como operários e proletários, mas sim de setores mais amplos da
sociedade e atingem patamares conceituais mais amplos, tais como cidadãos e consumidores.

6. Movimento social ecológico como paradigma da mudança

Estabelecidos os motivos que fomentaram os Novos Movimentos Sociais e tendo em


vista que o objeto deste artigo, a Educação Ambiental, há o cuidado de se dar uma breve
notícia do Novo Movimento Social de essência ecológica que, entre os vários existentes, é o
que mais se identifica com os postulados defendidos até o presente momento e ainda tem o
poder de aglutinar ao seu entorno os demais movimentos sociais que, de uma maneira ou de
outra, estão sempre atrelados a uma vertente ambiental dada à importância do tema na
contemporaneidade.
Dentro de uma abordagem superficial, os movimentos ecológicos visavam apenas
estabelecer meios eficazes de impedir a destruição ambiental, mas, dentro de um estudo
pormenorizado, almejavam a participação popular inerente ao sistema democrático, fazendo
com que esses movimentos sociais buscassem muito mais do que apenas evitar a degradação
do meio ambiente, qual seja, a participação cidadã na tomada de decisões políticas. A
participação popular, o ser cidadão 129, tem suas raízes na sociologia política e reflete a ideia
de atuação da sociedade civil, que adota comportamentos espontâneos no sentido de exigir
atuação efetiva nas decisões políticas do Estado, de modo a fazer com que o Poder Público
assuma uma postura ética, social e comprometida com os valores e as funções que deve
respeitar e realizar.
Portanto, a cidadania ambiental traz em si a ideia de participação, de engajamento da
sociedade civil, reivindicando um envolvimento nos processos decisórios, dando-lhe clareza,
legitimação e estabilidade por meio de vários instrumentos de atuação 130. A participação

129 Jaime Pinsky (2003): “Ser cidadão é ter direito à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade perante à lei:
é, em resumo, ter direitos civis. E também participar no destino da sociedade, votar, ser votado, ter direitos
políticos. Os direitos civis e políticos não asseguram a democracia sem os direitos sociais, aqueles que garantem
a participação do indivíduo na riqueza coletiva: o direito à educação, ao trabalho, ao salário justo, à saúde, a uma
velhice tranquila. Exercer a cidadania plena é ter direitos civis, políticos e sociais” (PINSKY, 2003, p. 9).
130 Flávia Tavares Rocha Loures (2004): “O exercício da cidadania, como reflexo da aplicação do princípio da
participação popular, empresta legitimidade, transparência e segurança aos processos decisórios e pode
manifestar-se das seguintes formas: organização jurídica de comunidades (em associações de bairro, por
exemplo); participação popular no processo legislativo, desde a fase de discussões até a aprovação final do
projeto, e através dos mecanismos constitucionais de democracia direta (referendo, plebiscito e iniciativa
popular); pressão e controle sobre as autoridades públicas e busca pela efetividade das orientações e decisões
políticas emanadas dos órgãos ambientais; participação direta na gestão ambiental por meio de tais organismos,
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cidadã, no âmbito dos movimentos sociais, traduz-se em um movimento por Justiça


Ambiental e também em sujeitos coletivos de direitos, que agem junto aos órgãos estatais no
sentido de exigirem atuação ambiental e responsabilidade social por parte do próprio Estado e
do setor privado. Enfim, lutam pelo fim da injustiça ambiental, também denominada de
“iniquidade geográfica” ou “segregação socioespacial” 131.
As ações e movimentos sociais ecológicos inseriram o assunto meio ambiente no mapa
das discussões políticas internacionais em virtude dos novos riscos impostos ao planeta e,
consequentemente, à qualidade de vida das gerações atuais. Além disso, discute-se a
sustentabilidade ambiental para as gerações vindouras, passando a gozar de destaque e de
vários estudos no sentido de desvendá-los e entendê-los.
Os objetivos perseguidos no movimento social denominado ecologismo servem de
justificativa para o surgimento de um novo direito humano fundamental ao se tratar do tema
Direito Ambiental e, consequentemente, Educação Ambiental. Em suma, os novos
movimentos sociais ecológicos são portadores de reivindicações na busca de mudanças
direcionadas a uma nova sociedade e o mundo jurídico não fica alheio a esse clamor.

7. Considerações finais

O eclodir de todos esses Novos Movimentos Sociais, dentro de um contexto de


contracultura, reivindica novos direitos, que garantam diferentes formas de relação entre
sociedade e meio ambiente, novos estilos de vida, uma visão diferente de mundo e uma reação
à tecnocracia. A partir desses movimentos sociais, há a necessidade de se inserir na pauta
política a discussão de novos ordenamentos jurídicos nacionais e internacionais que passam a
configurar uma nova categoria de perfil ambiental, a qual deveria ter por objeto não só a
proteção da natureza em sua acepção natural, mas, sobretudo, provocar uma mudança
significativa nas estruturas políticas, sociais e econômicas, por meio de novas práticas
relacionais entre humanidade e natureza, instigadas por políticas educacionais direcionadas ao
ecológico com o sentido socioambiental.
Os Novos Movimentos Sociais, enquanto expressão coletiva, não podem reduzir seus
objetivos a atitudes conflitivas 132 e devem visar sempre uma melhor forma política de
estruturar, democraticamente, a sociedade. Por sua vez, a democracia, para poder legitimar-se
novamente, deve dar acolhida aos clamores provenientes dos movimentos sociais por serem
legítimas formas de expressão participativa de parcela significativa da sociedade. Portanto,
democracia e Novos Movimentos Sociais são mecanismos inseparáveis e necessários para que
haja um equilíbrio entre o capitalismo e sistema democrático; entre Estado Liberal e Estado
Social, dentro de uma linha político-econômica em que o capitalismo sempre esteja
controlado por instrumentos democráticos que traduzam as exigências e necessidades de
amplos setores da sociedade.

Referências

sejam de caráter consultivo ou deliberativo, federais, estaduais, distritais ou municipais; e, finalmente, utilização
séria e em e massa de instrumentos jurídicos-processuais de tutela do ambiente” (LOURES, 2004, p. 193).
131 Expressões sinônimas que traduzem o grau de injustiça ambiental atualmente existente na sociedade.
132 Riechmann y Fernández Buey (1995): os novos movimentos sociais não são apenas instrumentos de
protestos más sim uma busca alternativa de “otra forma de vivir, relacionarse y trabajar; nuevos modos de
producción, convivencia y consumo”. “[…] outra forma de viver, relacionar-se e trabalhar; novos modos de
produção, convivência e consumo” (Tradução nossa) (RIECHMANN y BUEY, 1995).
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DESASTRE AMBIENTAL DA BARRAGEM DO FUNDÃO EM


MARIANA: NECESSIDADE DE UM NOVO MARCO REGULATÓRIO

Environmental disaster of the fundão de Mariana dam:


need for a new regulatory framework

Glaucia Tavares 133

Resumo: O artigo representa um desafio em seu processo investigatório, pois propõe um


estudo do rompimento da barragem de rejeitos de minério de ferro do Fundão, ocorrido em
Mariana, em novembro de 2015, que liberou milhões de metros cúbicos de rejeitos
diretamente sobre a Bacia Hidrográfica do Rio Doce. O objetivo era averiguar a estratégia de
legitimidade da empresa envolvida no caso do desastre, a mineradora Samarco Mineração
S/A, verificando a importância dada às informações ambientais nos relatórios de
administração da companhia. Verificou-se que a empresa procura vincular seu nome sempre
às boas práticas adotadas ao longo dos anos, em seus raros projetos ambientais e sociais,
entretanto, a falta de amparo à população após o desastre manchou na lama tanto o nome da
Samarco, quanto da as multinacionais Vale S/A e a anglo-australiana BHP Billiton Brasil
Ltda. A falta até de água para população foi um destaque principalmente após as graves secas
que atingiram a região de Minas Gerais (MG). A empresa até tentou uma aproximação com a
população que sofreu os impactos da tragédia, entretanto, o desastre era grande demais para
ser reparado, sem afetar os altos lucros que as mineradoras buscam. Nem mesmo através de
corrupção do Executivo e Judiciário foi possível uma solução amigável com a sociedade. E a
questão do quantum indenizatório que cada cidadão foi vítima ficará anos na (in) Justiça para
definir, como exemplo disso foi prolatada a decisão de admissão do IRDR
nº 1.0000.16.000562-2/004. Outra luta é que o desastre foi propulsor da necessidade de um
novo marco legal no setor mineral e se fará uma análise dos textos dos Projetos de Lei
3.676/2016 (Comissão Extraordinária das Barragens) e 3.695/2016 (iniciativa popular a partir
da campanha “Mar de Lama Nunca Mais”). Assim, se propõe a discussão sobre como os
projetos de lei tratam os danos ambientais causados pelas barragens de resíduos, bem como
visam evitá-los.

Palavras-chave: Fundão; Mariana; desastre ambiental; reparação integral; projetos de lei;


novo marco legal setor mineral.

133 Graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Pós graduanda em Direito Ambiental.
Analista Judiciária no Ministério Público de Minas Gerais na 1ª Promotoria de Justiça da Comarca de Ribeirão
das Neves, que possuí titularidade do Promotor de Justiça Carlos Eduardo Ferreira Pinto. Email:
glauciatavares@mpmg.mp.br
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Abstract: A The work represents a challenge in its investigative process, as it proposes a


study of the disruption of the iron ore tailings dam at Fundão, in Mariana, in November 2015,
which released millions of cubic meters of tailings directly over the River Basin Sweet River.
The objective was to investigate the strategy of legitimacy of the company involved in the
disaster case, the miner Samarco, checking the importance given to environmental
information in the company's management reports. It was verified that the company always
tries to link its name to the good practices adopted over the years, in its rare environmental
and social projects, however, the lack of support to the population after the disaster stained in
the mud both the name of Samarco, Vale and the Spanish BHP. The lack of water for the
population was a highlight, especially after the severe droughts that affected the region of
Minas Gerais (MG). The company even attempted a rapprochement with the population that
suffered the impacts of the tragedy, but the disaster was too great to be repaired without
affecting the high profits mining companies are seeking. Not even through corruption of the
Executive and Judiciary was it possible a friendly solution with society. And the question of
the indemnity quantum that each citizen was victim will be years in (in) Justice to define, as
an example of that was issued the decision of admission of IRDR nº 1.0000.16.000562-2 /
004. Another struggle is that the disaster was the driving force of the need for a new legal
framework in the mineral sector and an analysis of the texts of Laws 3,666 / 2016
(Extraordinary Commission of Dams) and 3,695 / 2016 (popular initiative starting with the
campaign " Sea of Lama Never More "). Thus, it is proposed to discuss how the bills deal
with the environmental damages caused by the dams of waste, as well as to avoid them.

Keywords: Fundão; Mariana; environmental disaster; integral repair; new legal framework
mineral sector.

1. Introdução

O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito constitucional


fundamental e, via de consequência, indisponível, de forma que a Constituição Federal de
1988 ressalta sua indisponibilidade ao mencionar que é de interesse das presentes e das
futuras gerações a preservação do meio ambiente. Portanto é um dever não apenas moral, mas
jurídico e constitucional de todos para as gerações contemporâneas transmitir, nas melhores
condições possíveis, com base no desenvolvimento sustentável, o patrimônio ambiental às
gerações futuras. Sobre os direitos dessas gerações:
Este uso comum produz o que se denomina a “tragédia dos comuns”, isto é, a
ausência de incentivos individuais para protegê-los e evitar a sua super-utilização. A
massividade no uso de bens coletivos frequentemente leva ao seu esgotamento ou
destruição, pelo que se requerem regras limitadoras que definam o uso sustentável.
Isso significa que o uso do bem deve ser tal modo que não comprometa as
possibilidades de outros indivíduos e das futuras gerações (LORENZETTI, 2010, p.
21).

Esta temática representa verdadeiro desafio em seu processo investigatório, pois


propõe um estudo exploratório de diversos aspectos do rompimento da barragem de rejeitos
de minério de ferro do Fundão, ocorrido em Mariana, em novembro de 2015, que liberou
milhões de metros cúbicos de rejeitos diretamente sobre a Bacia Hidrográfica do Rio Doce.
Se por um prisma o assunto é extremamente amplo, de outro subsiste uma
precariedade na pesquisa jurídica sobre a necessidade de um novo marco regulatório, que vise
garantir uma maior proteção ao meio ambiente diante dos impactos da mineração.
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O autor Bergson Cardoso Guimarães, em sua obra “Direitos Coletivos Ambientais e a


exploração (in) sustentável das águas minerais”, expõe a importância de tema como direitos
humanos, proteção ambiental e desenvolvimento humano e como eles entraram na ordem do
dia – caso no caso do desastre de Mariana – em âmbito mundial. E expõe que:
O debate muitas vezes é imposto ante a constatação do fato de que o homem vem
destruindo um a um os sistemas de defesa do organismo planetário. Num país
subdesenvolvido como o Brasil tais questões atingem um contorno mais trágico, em
face das realidades que se nos apresenta tão injustas e, até, assustadoras. O direito
brasileiro, em contínua evolução, carece cada vez mais de enriquecimento conceitual
para enfrentar e regular os problemas socioambientais que, dia a dia, crescem sem
instrumentalização satisfatória (GUIMARÃES, 2009, p. 39).

O desastre ambiental da barragem do Fundão em Mariana causou uma repercussão


mundial e grande preocupação com a questão ambiental, visto os gravíssimos impactos
causados à qualidade de vida de toda coletividade. Entretanto, não há como desconsiderar que
o desenvolvimento sustentável é uma necessidade social significativa, uma vez que o
fenômeno vem assolando os mais diversos segmentos econômicos.
Sabe-se que se foi o tempo em que a natureza era concebida como bem infinito e
estava em sua plenitude a serviço da satisfação humana, nesse sentido é a lição de Ricardo
Luis Lorenzetti:
Os cientistas afirmam que chegamos às fronteiras do desenvolvimento colocando
em risco a natureza. Esta ideia, amplamente divulgada, baseia-se em um fato de
implicações culturais extraordinárias: a natureza, como um todo, é um recurso
escasso. (...) A novidade é que a “natureza”, como totalidade, e não só suas partes, é
o que agora aparece como escasso, o que apresenta um cenário conflituoso diferente
dos que conhecemos (LORENZETTI, 2010, p. 16-17).

No entanto, até hoje as empresas visam exclusivamente o lucro, sem qualquer


preocupação com a sociedade ou o meio ambiente, pois com objetivos de minimizar os
custos, suas operações de “megamineração” acarretam o que Gudynas (2015) define como
“amputação ecológica 134”, pois além da sua irreversibilidade, se verifica a impossibilidade de
compensação ou reparação dos impactos ambientais.
A lição de Bruno Milanez, em seu artigo Mineração, Ambiente e Sociedade: Impactos
Complexos e Simplificação da Legislação, explica a obra do autor boliviano Extractivismos.
Ecología, economía y política de un modo de entender el desarrollo y la Naturaleza, e cita que
“como forma de comunicar ao público não técnico os impactos da mineração” do autor
“Gudynas (2015) lança mão da ideia de ‘amputação ecológica’” e: e explica porquê de tal
construção:
A grande mineração, assim, seria um processo semelhante de amputação
da paisagem. As empresas mineradoras podem usar os melhores métodos de
gestão ambiental (recirculação de água, máquinas e equipamentos eficientes,
controle de material particulado e programa de recuperação de área degradada);
mas quando se fecha a mina, a montanha não está mais lá. No lugar da serra ou
do pico, existe um buraco. Assim é modificada toda a paisagem e, com ela,
mudam o microclima, a fauna, a flora, a dinâmica hidrológica. A função ecológica
que era exercida pela montanha é extinta. Esse impacto, da ausência do
material retirado, é inerente à atividade mineral e não pode ser evitado por nenhuma

134 Gudynas (2015) afirma que as empresas de mineração podem utilizar a melhor tecnologia possível, e
mesmo que o procedimento realizado seja adequado, quando a grande extração mineral termina, a paisagem não
está mais lá, semelhante a um processo de amputação.
250
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135
tecnologia de gestão (MILANEZ, Bruno, 2017).

Neste momento em que a humanidade visualiza uma grande crise ecológica, e percebe
sua influência na concepção na vida particular de cada indivíduos, o ambiente insere-se no rol
das principais preocupações sociais (conflito socioambiental).
A mineração também pode ser considerada de utilidade pública porque auxilia a
união em uma relevante função: a transformação dos recursos minerais em
benefícios econômicos e sociais. (...) Não há mineração, por sua própria
característica, sem intervenção nos recursos naturais. Se neste Século XXI, vive-se
numa sociedade altamente dependente dos recursos minerais, há necessidade de que
o sistema jurídico crie condições para o seu exercício (FREIRE, 2010, p. 59-60).

Além do sistema jurídico, esta tragédia exige do Legislativo também, além do


comando normativo existente para proteção ambiental, por isso o presente artigo versa sobre o
setor mineral rumo ao novo marco legal e propõe a discussão sobre como os projetos de lei
tratam os danos ambientais causados pelas barragens de resíduos, bem como visam evitá-los.
Ainda que não houvesse o comando normativo, a atividade mineral pode ser
considerada de utilidade pública por sua própria natureza e pelo modelo adotado
pelo Constituinte que elegeu o setor privado para arcar com os encargos e riscos da
atividade mineral. (...) O Autor continua: O setor mineral também pode ser
classificado como de utilidade pública porque recebeu a incumbência constitucional
de gerar riquezas a partir do aproveitamento dos nossos recursos minerais (FREIRE,
2010, p. 102).

Entretanto, antes de enfrentar a problemática proposta se fará uma breve síntese sobre
a responsabilidade do poder público enquanto concessor da licença ambiental no setor
mineral, ciente da necessidade do desenvolvimento da Mineração para população, bem como
o fracionamento do licenciamento e a garantia financeira como condicionante de
licenciamento ambiental de empreendimentos com barragens de rejeitos e resíduos.
A lição de William Freire fala dos interesses das mineradoras para extrair minerais de
uma área e segundo ele a existência da mina é condicionante para exploração, o que é feito
através do licenciamento de pesquisa, e após “enquanto não se conjugarem
concomitantemente os três atributos – viabilidade técnica, viabilidade econômica e
viabilidade ambiental – não se configura a existência da mina” (FREIRE, 2010, p. 79).
O autor continua expondo os benefícios que a exploração mineral proporciona para a
comunidade local, observe:

O Brasil subaproveita seu potencial mineral. Mesmo assim, a mineração já gera para
o país enormes benefícios econômicos e sociais. É o seguimento que tem a cadeia
produtiva mais importante, com participação destacada no PIB, geração d empregos
e no recolhimento de tributos. Se criamos condições, poderemos transformar o
Brasil e utilizar a mineração para alavancar seu crescimento de forma duradoura e
sustentável, como fizeram outros grandes países mineiros. Manter e desenvolver a

135 Gudynas (2014, p 432-433) finaliza sua obra afirmando que ecología, economía y política de un modo de
entender el desarrollo y la naturaleza e insertados en redes globales de producción y comercio. Este utilitarismo
presupone posturas de control y dominación sobre el entorno y la sociedad. Esta es una ética antropocéntrica.
Los valores sólo son asignados por los seres humanos, y prevalecen aquellos ligados directamente a los
beneficios y necesidades humanas. En algunas circunstancias aparecen posturas morales de compasión o
benevolencia hacia especies de fauna y flora amenazadas, o comunidades locales afectadas, casi siempre por
compensaciones económicas gracias a una justicia encogida. Pero este tipo de moral no implica poner en
discusión ni revisar la ética antropocêntrica La recuperación de otros valores en la Naturaleza, y en particular
cuando se le reconocen derechos propios, no sólo es un antídoto contra los extractivismos, sino que es una
alternativa a aquella ética antropocêntrica.
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mineração é socialmente relevante pelos benefícios que traz para o país e para as
comunidades onde está inserida (FREIRE, 2010, p. 105).

Muitos autores, pressionados por grandes mineradores, a respeito do Controle judicial


do licenciamento, alegaram que haveria um exagero no questionamento, via jurisdicional, de
processos de licenciamento ambiental, causando prejuízos nos cronogramas e na realização de
projetos.
Esta tentativa de caracterizar o Poder Judiciário como um “invasor da seara alheia”,
esconde o reconhecimento de que o licenciamento ambiental é um ato administrativo cujas
razões, devem, necessariamente, demonstrar a forma como se chegou à viabilidade ou não de
determinada atividade.
Se o licenciamento ambiental é um serviço público que deve realizar o balanço dos
interesses, as avaliações técnico-científicas e a participação pública na garantia da realização
do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado por meio de uma decisão
administrativa correta, ele deve ser orientado pelo regime jurídico-constitucional de controle
público.
Portanto, o descumprimento ou violação dessas normas que regem o regime jurídico
do licenciamento ambiental, por ação ou omissão da Administração ou de interessado, levam
necessariamente à possibilidade de controle jurisdicional desse processo administrativo.
Nesse sentido é a decisão do Superior Tribunal de Justiça, do Ministro Herman Benjamin
(Recurso especial n. 938.484, Segunda Turma, julgado em 08/09/2009):
Tendência atual da doutrina e da jurisprudência reconhece a possibilidade de
controle judicial da legalidade "ampla" dos atos administrativos. "em se tratando de
direitos da terceira geração, envolvendo interesses difusos e coletivos, como ocorre
com afetação negativa do meio ambiente, o controle deve ser da legalidade ampla",
ou seja, se o ato administrativo (no caso o licenciamento ambiental) afronta o
sistema jurídico, seus valores fundamentais e seus princípios basilares "não podem
prevalecer".

A repercussão do desastre socioambiental causado pelo rompimento da barragem do


Fundão da empresa Samarco Mineração S/A foi um propulsor do novo marco legal no setor
mineral e este será o cerne do presente artigo, pois tem como objetivo específico realizar uma
análise dos textos dos Projetos de Lei 3.676/2016 e 3.695/2016, ambos em tramitação na
Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais (ALMG).
O primeiro foi elaborado no âmbito da Comissão Extraordinária das Barragens e trata
do licenciamento ambiental e da fiscalização de barragens no Estado. Já o segundo, de
iniciativa popular, surgiu a partir da campanha “Mar de Lama Nunca Mais”, e enuncia
propostas de normas de segurança para barragens destinadas à disposição final ou temporária
de rejeitos de mineração em Minas Gerais.
O Projeto de Lei n.º 3.695/2016 foi protocolado pela Associação Mineira do
Ministério Público (AMMP) em julho de 2016, com mais de 56 mil assinaturas de eleitores de
todo o estado e o projeto foi anexado ao Projeto de Lei n.º 3676/2016 elaborado pela
Comissão Extraordinária de Barragens. Segundo parecer da Comissão de Constituição e
Justiça da ALMG, as propostas são coincidentes, de forma que o projeto de iniciativa popular
foi incorporado e serão analisados conjuntamente.
Para o Ministério Público de Minas Gerais:
No entanto, o projeto “Mar de Lama Nunca Mais” traz inovações importantes que
não estão contempladas no Projeto de Lei n.º 3676/2016, como obrigatoriedade de
licenciamento trifásico e impossibilidade de passar para a fase seguinte antes do
cumprimento das condicionantes da fase anterior; necessidade de realização de
Audiências Públicas em todas as comunidades afetadas; vedação de
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empreendimentos quando identificadas ocupações na área de autossalvamento;


obrigatoriedade de contratação de caução ambiental pelo empreendedor; priorização
de tecnologias de disposição de rejeitos a seco; vedação de barragens quando
disponíveis outras tecnologias; vedação de licenças ad referendum, entre outros
(MPMG, 2017, s/p).

Após a análise legislativa dos dois projetos citados acima, concluir-se-á o artigo com
as percepções acerca do tema estudado, reforço da necessidade de aprovação do projeto de
iniciativa popular, que possui respaldo da sociedade e representa um marco no aprimoramento
da segurança de barragens em Minas Gerais, além de listar os resultados e entendimentos
alcançados com a pesquisa, justificando o propósito da tese e do combate aos impactos
socioambientais vivenciados na sociedade.

2. Necessidade de um novo marco regulatório diante do desastre ambiental

O tratamento legal da questão ambiental, até então pautado primordialmente em


instrumentos de comando e controle para a formulação de políticas públicas de proteção
ambiental, é constituído por princípios basilares do Direito Ambiental e legislação sobre o
tema tutelam a proteção deste meio ambiente. Essas normas disciplinam as atividades
humanas (intervenções antrópicas), com o objetivo de garantir a proteção ambiental.
O autor William Freire, em sua obra Código de Mineração anotado, faz uma
comparação entre o desenvolvimento econômico, a proteção ambiental, o desenvolvimento
socioeconômico e o desenvolvimento sustentável veja:

Como esse desenvolvimento econômico não pode ocorrer de forma desordenada, é


imprescindível que seja exercido de forma harmonizada com a proteção ambiental.
Da compatibilização desses dois importantes objetivos – o desenvolvimento
socioeconômico e a proteção ambiental – emerge o conceito de desenvolvimento
sustentável. O princípio do desenvolvimento sustentável consiste, então, na
efetivação do desenvolvimento socioeconômico por meio de práticas que atuem para
minimizar os efeitos causados por este ao ambiente (2010, p. 110).

Dentro do ordenamento jurídico-ambiental estão previstas as regulamentações do uso


dos recursos naturais, na busca do equilíbrio do usufruto dos recursos naturais pela geração
presente, mas com a preservação desses recursos para as futuras gerações.
A Lei n. 9.985/2000, por sua vez, define a preservação ambiental no art. 2°, V,
conforme transcrição:
Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:
V - Preservação: conjunto de métodos, procedimentos e políticas que visem à
proteção a longo prazo das espécies, habitats e ecossistemas, além da manutenção
dos processos ecológicos, prevenindo a simplificação dos sistemas naturais.

Dessa forma, a preservação prevista no caput do art. 225, da CF, a preservação


ambiental busca preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações. A Lei 6.938
de 1981 instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, que foi um importante passo (marco
histórico) no que concerne à realidade ambiental nacional, inclusive na história da
Administração Pública no Brasil. Nesse sentido:

É importante registrar que a responsabilidade civil ambiental tal qual a conhecemos


hoje apenas foi consagrada pela Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n.º
6.938/81), no seu artigo 14, § 1º. Portanto, a introdução de tais conceitos pelo
Decreto n.º 79.437/77 – e em sintonia com o próprio preâmbulo (item 3) da
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declaração de Estocolmo (19720. - teve singular importância na matéria da


responsabilidade civil por dano ambiental, servindo, inclusive, conforme destaca
Érasmo Ramos (Direito Ambiental Comparado, p. 113), de base para o
desenvolvimento que se deu posteriormente na matéria (em especial, no caso da Lei
n.º 6.938/81) (SARLET, 2015, p. 184).

O que é confirmado pelo renomado jurista ambiental Édis Milaré:

Isto explica o caráter inovador da Política Nacional do Meio Ambiente. Sua


implementação, seus resultados, assim como a estabilidade e a efetividade que ela
denota, constituem um sopro renovador e, mais ainda, um salto de qualidade na vida
pública brasileira. Seus objetivos nitidamente sociais e a solidariedade com o
planeta Terra, que menos implicitamente, se acham inscritos em seu texto, fazem
dela um instrumento legal de grandíssimo valor para o País e, de alguma forma, para
outras nações sul-americanas com as quais o Brasil tem extensas fronteiras
(MILARÉ, 2014, p. 687).

O Projeto de Lei 3.695/2016 prevê licenciamento ambiental de três fases para


barragens destinadas à disposição final ou temporária de rejeitos de mineração no Estado,
independentemente do porte e potencial poluidor (art. 4º, I, II e III).
Para cada fase do procedimento, estipulam-se imposições técnicas específicas, como a
atinente à apresentação de estudos completos dos cenários de rupturas, mapas de inundação,
bem como plano de ações emergenciais que contenha, inclusive, medidas específicas para
alertar e resgatar todas as pessoas identificadas como passíveis de serem diretamente atingidas
pelas manchas de inundação, para mitigar impactos ambientais, para garantir o fornecimento
de água potável a comunidades e cidades que tenham a sua captação de água potencialmente
atingidas e para salvaguarda e resgate do patrimônio cultural; tudo isso para obtenção da
Licença de Operação – LO.
O Projeto de Lei 3.676/2016 também exige o licenciamento ambiental trifásico (art. 5º,
caput), entretanto, é tímido na especificação de medidas de prevenção e salvaguarda
socioambiental a serem efetivadas pelo empreendedor minerário. Esse projeto traz preceitos
de menor força vinculativa, portanto, com maior abertura à disposição do empreendedor e à
discricionariedade do administrador, no que diz respeito à exigibilidade de tais medidas.
Ele, ainda, contém previsões com melhor nível de proteção socioambiental, pois
estabelecem imposições vinculativas quanto à implementação de medidas precaucionais, fase
a fase, pelo empreendedor, bem como imposições essas que serão de exigibilidade obrigatória
pela Administração, e não postas à sua discricionariedade.
Ao passo que o Projeto de Lei n.º 3.695/2016 reforça, com efeito, o caráter vinculativo
de tais medidas, ao prever que o adimplemento delas deve ser comprovado “antes da
concessão das licenças, sendo vedada a inserção como condicionante para fase posterior do
licenciamento” (art. 4º, §1º), o que induz o empreendedor a uma postura pró-ativa na
implementação de ações e tecnologias para a segurança socioambiental do empreendimento.
Espera-se que as revisões dos marcos legais do licenciamento ambiental aprimorem as
condições de efetivação do Princípio 10 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento, segundo o qual:

A melhor maneira de tratar as questões ambientais é assegurar a participação, no


nível apropriado, de todos os cidadãos interessados. No nível nacional, cada
indivíduo terá acesso adequado às informações relativas ao meio ambiente de que
disponham as autoridades públicas, inclusive informações acerca de materiais e
atividades perigosas em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar
dos processos decisórios. Os Estados irão facilitar e estimular a conscientização e a
participação popular, colocando as informações à disposição de todos. Será
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proporcionado o acesso efetivo a mecanismos judiciais e administrativos, inclusive


no que se refere à compensação e reparação de danos (ONU, 1992, p. 2).

Continuando a análise o Projeto de Lei n.º 3.695/2016 veda expressamente a


“instalação de barragem que identifique comunidade na zona de auto salvamento nos estudos
de cenários de rupturas” (art. 5º, caput). Nesse quadro, a zona de auto salvamento é definida
como “região a jusante da barragem em que se verifica não haver tempo suficiente para uma
intervenção concreta das autoridades competentes em caso de acidente, tendo como área
mínima o raio de 10km a partir da estrutura principal do empreendimento” (art. 5º, parágrafo
único).
Já o Projeto de Lei n.º 3.676/2016 proíbe “instalação de barragem em cuja área a
jusante seja identificada alguma forma de povoamento ou comunidade ou haja reservatório ou
manancial destinado ao abastecimento público de água potável” (art. 7º, caput) e prevê que a
“área a jusante da barragem será definida pelo órgão competente do SISEMA e terá como
extensão mínima o raio de 10 km”.
As proposições são similares nesse ponto e confluem para a necessidade de proibir a
construção de barragens que possam implicar riscos à segurança de populações humanas. Há
consenso, de fato, em torno da necessidade de estabelecimento de vedação neste sentido.
A exigibilidade de contratação de caução ambiental pelo empreendedor é um fator
importante nesse nosso rumo legal, pois o Projeto de Lei n.º 3.695/2016 prevê exigência de
“proposta de caução ambiental, estabelecida em regulamento, que contemple a garantia de
recuperação socioambiental para casos de sinistro e para efetivação do descomissionamento”
entre as condições para obtenção da Licença Prévia (art. 4º, I, b).
A caução ambiental pode ser classificada como instrumento econômico da gestão
ambiental, com fundamento na Lei 6.938/1981 (art. 9º, XIII), que fixou a Política Nacional do
Meio Ambiente (PNMA). Essa garantia aparece como ferramenta para conciliar
desenvolvimento, para o qual contribui a iniciativa econômica do empreendedor (CR/1988,
art. 170, caput), e proteção da qualidade ambiental (CR/1988, art. 170, VI).
Trata-se de imposição legítima em relação à mineração, considerando-se o fato de
muitos empreendimentos, causadores de significativos danos ambientais, serem abandonados
após o esgotamento dos recursos minerais, deixando ao Poder Público e à coletividade áreas
degradadas e outros problemas sociais, além da exigência, desde o escalão normativo
constitucional, de que cabe ao explorador de recursos minerais “recuperar o meio ambiente
degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma
da lei” (CR/1988, art. 225, §2º).
A lição de Bergson Cardoso Guimarães na obra Direitos Coletivos Ambientais e a
exploração (in) sustentável das águas minerais faz uma crítica ao Estado e ao Judiciário que
permite que as “megamineradoras” abandonem as paisagens após o esgotamento dos recursos
minerais e esquecimento da população:

Em verdade, as questões ambientais vieram a fazer parte recentemente, das


Constituições mais modernas como direito fundamental da pessoa humana. O
arcabouço legal e os instrumentos criados não podem, no entanto, servir a interesses
políticos ou cair na letargia da burocracia judicial, fruto da falta de desvelo das
instituições. A tutela ambiental não efetivada com resultados concretos cria o risco
de criar na sociedade o aumento da sensação de impunidade (GUIMARÃES, 2009,
p. 43)

A exigibilidade da caução ambiental, conforme prevista, é uma forma de garantir à


coletividade, titular do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado
(CR/1988, art. 225, caput), que eventuais sinistros na operação da mineração e da barragem,
durante as atividades de mineração ou após o seu encerramento, serão suportados
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financeiramente pelo empreendedor, que aufere lucros durante e após a atividade extrativa, e
não pela sociedade.
O Projeto de Lei do Senado nº 224/2016, que propõe alterações na Lei 12.334/2010,
para reforçar a segurança do Programa Nacional de Segurança de Barragens (PNSB), da
mesma forma que o Projeto de Lei n.º 3.695/2016, originário da Campanha Mar de Lama
Nunca Mais, prevê exigência de seguro ou garantia financeira tanto para cobertura de danos a
terceiros e ao ambiente, em caso de acidente ou desastre, nas barragens de categoria de risco
alto e dano potencial associado alto; quanto para custear a desativação de barragens de
disposição final ou temporária de resíduos industriais ou rejeitos de mineração (art. 17, XV e
XVI).
O desastre do Fundão trouxe à tona a crise ecológica contemporânea que exige o
ajustamento de regulamentos e instrumentos (correspondentes) aos prejuízos causados,
cabendo rejeitar ou invalidar a priori determinações que diminuam as condições de proteção
do patrimônio natural e cultural ou estejam aquém delas. Como referem Ingo Sarlet e Tiago
Fensterseifer, veja:

[...] se, por um lado, impõe-se ao Estado a obrigação de “não piorar” as condições
normativas hoje existentes em determinado ordenamento jurídico – e o mesmo vale
para a estrutura organizacional-administrativa –, por outro lado, também se faz
imperativo, especialmente relevante no contexto da proteção do ambiente, uma
obrigação de “melhorar”, ou seja, de aprimorar tais condições normativas – e
também fáticas – no sentido de assegurar um contexto cada vez mais favorável ao
desfrute de uma vida digna e saudável pelo indivíduo e pela coletividade como um
todo (SARLET; FENSTERSEIFER, p. 151).

Esse estudo comparativo entre os Projetos Projetos de Lei 3.676/2016 e 3.695/2016,


ambos em tramitação na Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais (ALMG) trará
grande repercussão no universo jurídico-científico e social em que se inserirá.
É importante não esquecer que deve-se apresentar uma abordagem crítica sobre o
projeto de lei que flexibiliza o licenciamento ambiental em Minas Gerais, pois a proposta do
executivo de número 2.946/2015 foi aprovada em turno único no dia 25 de novembro de
2016 em meio a discussões sobre a tragédia causada pelo rompimento da barragem de
Fundão, cujas donas são as multinacionais Vale S/A e a anglo-australiana BHP Billiton Brasil
Ltda.

3. Considerações finais

O tema do dano material e moral ambiental alcançou grande maturidade no transcorrer


dos anos e chega mais próximo à moldura da vida moderna, principalmente, com o desastre
do rompimento da barragem do Fundão em Mariana. Assim, o passo atual é traçar a evolução
desta temática a fim de alcançar a proteção da dignidade da pessoa humana, tendo o valor
reparatório mais digno e justo em cada caso. Isso representa uma quantia que traga a
compensação da dor da vítima e um desestímulo à retomada da prática lesiva pelo ofensor.
O artigo demonstrou a grande farsa que foi a coletiva na sede da Samarco Mineração
S/A, em Mariana, em que o Governador Fernando Pimentel disse que o Projeto de Lei é uma
revisão na legislação ambiental e que não abre mão das exigências que são feitas hoje e
segundo ele o objetivo era dar prazos para que o licenciamento aconteça.
O Governador do Estado esteve no local da tragédia de Mariana no dia 06 de
novembro de 2015 e pode ver com os próprios olhos os grandes prejuízos causados pelas
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empresas Samarco S/A, pela multinacional Vale S/A e empresa anglo-australiana BHP
Billiton Brasil Ltda ao seu Estado, mas isso não fez com que ele se preocupasse em proteger o
meio ambiente e reparasse os danos ambientais sofridos.
O projeto de lei proposto pelo Governador Fernando Pimentel flexibilizou o
licenciamento ambiental em Minas Gerais, pois a proposta do executivo de número
2.946/2015 foi aprovada em turno único no dia 25 de novembro de 2016, um ano após o
grande desastre da barragem do Fundão, em meio a discussões sobre a tragédia causada pelo
rompimento, cujas donas são as multinacionais Vale S/A e a anglo-australiana BHP Billiton
Brasil Ltda e influenciaram por lobbies de influências exclusivamente empresariais.
Na verdade se percebeu pelo artigo que não se tratou de uma guerra jurídica,
ambiental ou política, mas sim uma guerra econômica, em que se compram todos os minérios,
paisagens e pessoas que estejam à venda, sendo que os grandes compradores são a empresa
Vale S/A e a empresa anglo-australiana BHP Billiton Brasil Ltda, financiadas pelo Banco
Mundial Americano.
Os autores Ingo Wolfgang Sarlet, Paulo Afonso Leme Machado e Tiago Fensterseifer
na obra Constituição e legislação comentadas expõem com brilhantismo a mobilização de
lobbies de interesses empresariais contra a execução de projetos de lei que limitem suas
atividades, bem como que impeçam aos órgãos público – pode-se mencionar, por exemplo,
alguns órgãos de fiscalização responsáveis pelo acontecido em Mariana: Departamento
Nacional de Produção Mineral (DNPM) e a Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam),
pois emitiram, pouco antes do acontecimento, relatórios que atestavam as condições de
segurança das barragens da Samarco Mineração S/A – a fiscalização e punição das grandes
mineradoras:

Políticas públicas ambientais no Brasil – principal desafio dessas políticas está no


processo de implementação, e não no processo de concepção e formulação. Por
outro lado, o mesmo não pode ser dito sobre o grau de implementação, pois, em sua
maioria, essas políticas não têm saído do papel. Isso ocorre por diversos motivos: a
mobilização de lobbies de interesses empresariais contra sua execução; a limitada
capacidade da máquina administrativa para efetivar, controlar e fiscalizar; estruturas
regulatórias de má qualidade técnica e indutoras de riscos jurisdicionais, entre outras
questões (SARLET, 2015, p. 25).

A cooperativa de artesãos de Bento Rodrigues se manifestou pela omissão do


Ministério Público, em suas atribuições funcionais estabelecidas no artigo 129, inciso III da
CF/88, e sugeriu a possibilidade de terceiros interporem a ação civil pública por ser uma
reparação que inclui danos coletivos a possibilidade para reparação dos danos coletivos
sofridos pelos moradores e vizinhos do referido distrito, devido ao grande prejuízo ambiental,
financeiro e pessoal para a população decorrente do rompimento das barragens em Mariana.
Denunciou, ainda, que a tragédia ocorreu devido à negligência por parte dos órgãos de
fiscalização, da própria Samarco e do governo e que a lama desceu em direção a Bento
Rodrigues, no momento do desastre, a água chegou a aproximadamente vinte metros de
altura, destruindo árvores, vegetação, os rios e córregos da região.
Vale lembrar que os funcionários de alto escalão do Banco Mundial ora trabalham para
Banco Mundial, ora se transferem para o Brasil e se tornam diretores da Vale S/A para
negociar e “dar a palavra final” nos acordos da empresa, inclusive os termos de ajustamento
de conduta com o Ministério Público, sempre de forma que privilegie a empresa e cônjuge
concomitantemente a permanência dos três atributos – viabilidade técnica, viabilidade
econômica e viabilidade ambiental.
Fica a dúvida – conforme Parecer Jurídico realizado pela cooperativa de artesãos de
Bento Rodrigues de Mariana/MG – sobre qual verdadeiro interesse do Ministério Público em
celebrar esses acordos totalmente desvantajosos para o meio ambiente quando é legítimo
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autor para propor uma Ação Civil Pública que beneficiaria efetivamente a população
prejudicada e a própria natureza. Nesse sentido:

Ao longo da existência da Lei de Ação Civil Pública cresceu a mobilização


processual na defesa do meio ambiente (…). Enfim, os órgãos legitimados pela lei
própria encontraram, ai, canal realmente eficiente para o cumprimento das garantias
essenciais de cidadania, previstas na Constituição Federal (GUIMARÃES, 2009, p.
42).

A lição de Hugo Nigro Mazziili, além de nos lembrar dos danos irreparáveis que essas
“megamineradoras” causam em nosso meio ambiente, também faz uma súplica para o
Ministério Público e Poder Judiciário cumpram seu papel de defender a sociedade e o meio
ambiente e não seus próprios interesses como vemos todos os dias na imprensa:

O uso irresponsável ou irregular dos recursos naturais destruirá ou contaminará os


mananciais, promoverá a erosão, eliminará espécies vegetais e animais, poluirá a
atmosfera, alterará o clima. Teremos danos incalculáveis com a degradação do
habitat, em prejuízo de todas as espécies.
É preciso conscientizar as pessoas, o Ministério público e o próprio Poder Judiciário
de que, além de um dever negativo de não polui, existe também um dever
consistente na prática de ato positivo, seja para impedir o dano ambiental, seja para
reparar o dano ocorrido (MAZZILLI, 2006, p. 147).

Cumpre analisar os aspectos referentes à proteção constitucional sobre meio ambiente


e os direitos de personalidade e demonstrar que os prejuízos causados ao bem estar íntimo,
afeta a moral e, causa dor e sentimento de perda, que merece reparo, através de uma
indenização advinda de uma amputação ambiental.
Vale a pena lembrar que, além da falta de acesso à Justiça pela população carente
atingida pelo rompimento das barragens, a Fundação Renova criada para reparar os danos
ambientais causados pela tragédia em nada auxiliou os moradores, conforme se verifica dos
vários relatos de Normalina Yacy Viana em sua obra Tragédia da barragem da Samarco:

No país em que a justiça é abarrotada de processos, como é o caso em tela: Tragédia


Samarco, Barragem de Fundão, Bento Rodrigues, Mariana/MG, o que faz com que
todas as vítimas entrem em desespero é exatamente esta única possibilidade de ver
os seus direitos atendidos, os prejuízos ressarcidos e as sus vidas retornarem à rotina
(VIANA, 2016, p. 09).
(...)apesar da condição financeira das três empresas: Samarco Mineração S/A, Vale
S/A e BHP Billiton Brasil, que são potenciais de nível nacional e internacional, pare
e pense: existe um DEUS que olha por todos esses hoje desabrigados (VIANA,
2016, p. 10/11).
E o que é ainda mais revoltante é que as empresas responsáveis por tudo isto nem
sequer nos recebem. Nem ao menos se dão ao trabalho de se manifestarem em todas
as ações que sobre elas pesam apenas afirmar que vão recorrer de todas as elas. Nem
Samarco, nem Vale s/a, e muito menos a poderosa BHP Billiton /Brasil (VIANA,
2016, p. 90).

Retomando a questão dos projetos de lei para proteção do meio ambiente em face das
mineradoras, verifica-se que o Projeto de Lei 3.695/2016 é categórico ao vedar a concessão de
licenças provisórias, ad referendum ou concomitantes a empreendimentos que empreguem a
disposição de rejeitos em seu funcionamento, portanto, é um grande entrave econômico para
as grandes mineradoras.
A realização de licenciamento ambiental trifásico (Licença Prévia, Licença de
Instalação e Licença de Operação) – com atenção especial às variáveis tecnológicas em
discussão e ampla participação cidadã, é indispensável para a construção de decisões justas,
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em termos socioambientais, quanto à viabilidade, instalação e operação do empreendimento


de extração mineral proposto – é um dos maiores inimigos econômicos das
“megamineradoras”, pois minimizam seus lucros de forma estrondosa. Ao passo que o Projeto
de Lei 3.676/2016 não prevê tal exigência, o que o torna extremamente falho para proteção e
reparação do meio ambiente.
Embora os projetos de lei 3.676/2016 e 3.695/2016 apresentem convergências, aquele
se mostra mais condizente com a necessidade de uma nova regulamentação do uso de
barragens para a disposição de rejeitos de mineração.
Entretanto, se vivemos numa sociedade democrática de direito e a redação do Projeto
de Lei 3.695/2016 decorreu de iniciativa popular, pelo que as proposições constantes em tal
Projeto devem ser privilegiadas em respeito ao princípio da participação pública na gestão
ambiental, consagrado na Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento e na
CR/1988 (art. 1º, parágrafo único c/c art. 225, caput), que incentivam formas diretas de
exercício da cidadania no que toca à gestão ambiental.
Para finalizar o presente artigo deixo para o leitor o poema de Carlos Drummond de
Andrade sobre o Rio Doce, que circula em redes sociais, nunca foi publicado em seus livros,
apenas em 1984 no jornal cometa itabirano, o que levou alguns a duvidarem da sua
autenticidade. Entretanto, é chamado de “Lira Itabirana” e o poema expõe a exploração das
terras mineiras pelas mineradoras para exportação e a eterna cadeia da dívida interna-externa.
Não conseguimos encontrar nada tão recente para expressar a dor do Rio Doce, do Vale
amputado e da população sobrevivente:

“Lira Itabirana”
I
O Rio? É doce.
A Vale? Amarga.
Ai, antes fosse
Mais leve a carga.
II
Entre estatais
E multinacionais,
Quantos ais!
III
A dívida interna.
A dívida externa
A dívida eterna.
IV
Quantas toneladas exportamos
De ferro?
Quantas lágrimas disfarçamos
Sem berro?
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PROTEÇÃO INTERNACIONAL DO MEIO AMBIENTE: DO


FRACASSO DE QUIOTO ÀS NOVAS PERSPECTIVAS DO ACORDO
DE PARIS

International environmental protection: from the failure of Kyoto to


the new perspectives of the Paris agreement

Isabela Cristina Carreiro Cavalcante 136


Laís Cardoso Queiroz 137

Resumo: O presente artigo pretende analisar os principais tratados internacionais de proteção


ao meio ambiente que surgiram após o despertar dos países sobre a necessidade e a urgência
de se tomar atitudes concretas frente às mudanças climáticas. Desse modo, examina-se o
Protocolo de Quioto, instituído na cidade homônima em 1997 e seus mecanismos de controle
das emissões dos Gases de Efeito Estufa, buscando-se entender os motivos de seu insucesso.
Posteriormente, faz-se uma análise do Acordo de Paris, o mais novo instrumento
internacional de preservação ambiental, avaliando as mudanças trazidas por ele, obtidas a
partir dos aprendizados de seu antecessor, e seu potencial face aos desafios do aquecimento
da Terra. Por fim, reflete-se sobre o papel do Brasil no Acordo de Paris e as consequências da
provável saída norte-americana.

Palavras-chave: proteção internacional do meio ambiente; mudanças climáticas;


desenvolvimento sustentável; Protocolo de Quioto; Acordo de Paris.

Abstract: This paper will analyze the most significant environmental agreements that
emerged following the publishing of evidence of climate change and realization by world
powers that action must be taken. The first of these to be analyzed is the Kyoto Protocol,
named for the city in which it was introduced in 1997, which attempted to introduce
mechanisms to control greenhouse gas emissions. Both the protocol itself, and the reasons it
failed, will be discussed. Secondly, the most recent attempt to preserve the environment, the
Paris Agreement, will be analyzed, both in comparison to the Kyoto Protocol and
independently. Finally, this essay will analyze Brazil’s role in the Paris Agreement and the
likely consequences of an imminent withdrawal from the agreement by the United
States.............................................................................................................

Keywords: international environmental protection; climate changes; sustainable


development; Kyoto Protocol; Paris Agreement.

136 Graduanda em Ciências do Estado pela UFMG. Email: isabelacavalcante97@gmail.com


137 Graduanda em Ciências do Estado pela UFMG e Direito pela PUC-MG. Email: laiscqueiroz@gmail.com
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1. Introdução

Durante milhares de anos, o ser humano utilizou os recursos naturais de maneira


desenfreada, sem pensar em sua finitude e escassez, tampouco nas consequências negativas
advindas desse uso. Apesar de opiniões contrárias de alguns governantes, a mudança
climática é um fato incontestável e os efeitos dessa nova dinâmica já têm se manifestado em
todo o mundo. Nesse sentido, o Quinto Relatório do Painel Intergovernamental sobre
Mudanças Climáticas (IPCC, da sigla do inglês), publicado em 2014, apresentou dados
alarmantes que contribuem para a ampliação do debate em torno da necessidade de
preservação do meio ambiente.
Segundo o Relatório, a temperatura média da Terra aumentou 0,85 graus Celsius
durante os anos de 1800 e 2012; as geleiras da Groenlândia e Antártida, bem como toda a
neve do Hemisfério Norte, diminuíram e continuam a perder massa e extensão desde os
últimos vinte anos; o nível dos oceanos cresceu aproximadamente 0,19 metros no período de
1901 a 2010 e a concentração de CO2 na atmosfera é, atualmente, 40 por cento maior do que
a da era pré-industrial. (IPCC).
Nesse contexto, os acordos internacionais figuram como tentativas de se conter o
avanço das mazelas ambientais e podem ser promissores na medida em que representam a
união de forças dos Estados para a consecução de um objetivo comum que não pode ser
alcançado de outra forma, senão coletivamente.

2. Desenvolvimento

Em meados do século XX, as condições de vida na Terra se tornaram cada vez piores
devido, principalmente, à poluição do ar e das águas, ao aumento da temperatura, e ao
desmatamento das florestas que, dentre outras causas, tornam o ideal de desenvolvimento
limpo do planeta um verdadeiro desafio. Por isso, desde o século passado a pauta
ambientalista ganhou destaque e tornou-se assunto da agenda mundial.
Um dos principais pontos discutidos era, e ainda é, o aquecimento global, resultado do
aumento das emissões de gases de efeito estufa (GEE) na atmosfera. Por ser fruto de
atividades cujas consequências ambientais não se limitam às fronteiras estatais, concluiu-se
que os esforços para o controle das emissões deveriam ser globais, principalmente porque os
países que mais sofrem com os efeitos dos GEE são justamente os países menos
desenvolvidos, ou seja, os que menos poluem, o que gera e reflete uma grande injustiça
ambiental.
A partir desse contexto aconteceu na cidade de Estocolmo, em 1972, a primeira grande
conferência internacional das Nações Unidas sobre o clima: a Conferência Mundial sobre o
Homem e o Meio Ambiente. Esse evento foi um marco histórico, pois evidenciou o despertar
dos países no sentido de que suas ações do presente podem trazer consequências desastrosas
para as futuras gerações. Assim, como produto dessa conferência, os países se
comprometeram a adotar medidas para minimizar os impactos ambientais oriundos da
atividade humana, visando à garantia de um Planeta digno para a posteridade.
Já no ano de 1980, foi criado pela ONU o Painel Intergovernamental sobre Mudanças
Climáticas. Esse órgão estaria incumbido de realizar relatórios científicos sobre os impactos
das ações antropogênicas no clima, principalmente relativos às emissões de GEE.
(BERTOLDI, 2016). O primeiro relatório foi publicado em 1990 e seus resultados levaram à
criação da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima na Rio-92 que,
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por sua vez, definiu como meta central a estabilização dos níveis de GEE na atmosfera a um
grau que não interferisse no clima mundial. (GRA, 2005).
Embora possa ser considerada um enorme avanço em termos de controle das emissões
de GEE, a Convenção não possui caráter obrigacional, com possibilidade de sanções nos
casos de violação de suas diretrizes. (HOPPE et al, 2011). Dessa forma, tornou-se necessária a
criação de outro mecanismo, capaz de assegurar o cumprimento e a eficácia das resoluções
trazidas pela Convenção-Quadro: o Protocolo de Quioto.

2.1. Protocolo de Quioto

O Protocolo de Quioto foi um tratado internacional anexo à Convenção Quadro sobre


Mudança do Clima da ONU, que tinha o intuito de concretizar o objetivo substancial da
Convenção, trazendo diversos mecanismos para o controle das emissões dos GEE. Foi
estatuído em 1997, na cidade de Quioto, no Japão, durante a 3ª Conferência das Partes.
Entretanto, somente passou a vigorar em 2005 com a assinatura da Rússia, contabilizando,
assim, a ratificação de 55 países que representassem no mínimo 55 por cento das emissões de
GEE.
O escopo central do Protocolo era a redução da emissão dos GEE pelos países
desenvolvidos em 5,2% dos níveis de 1990, no período de compromisso compreendido entre
os anos de 2008 e 2012 (PROTOCOLO DE QUIOTO, art. 3º). Inicialmente, a obrigação
recairia sobre todos os Estados-membros. No entanto, os Estados em desenvolvimento
arguiram que apenas os países desenvolvidos deveriam reduzir suas emissões, pois foram eles
os reais responsáveis pelas mudanças climáticas, devido aos anos de desenvolvimento
desmedido. Portanto, os países em desenvolvimento, incluindo o Brasil, negaram a redução de
suas emissões e defenderam uma política de desenvolvimento a todo custo.
Por consequência, os países-membros do Protocolo foram divididos em dois grupos:
Anexo I, contendo os países desenvolvidos; e não Anexo I, que englobava os países em
desenvolvimento, sendo que apenas os países do Anexo I tiveram obrigações jurídicas de
reduzir suas emissões. Tal discriminação se baseou no Princípio da responsabilidade comum,
porém diferenciada, isto é, cada país deveria colaborar na medida de sua capacidade e de sua
contribuição aos danos já causados. Portanto, os países desenvolvidos, por possuírem mais
recursos financeiros e tecnológicos e por serem os principais responsáveis pelas mudanças
climáticas, deveriam liderar os esforços na redução dos GEE e auxiliar os países em
desenvolvimento na mesma direção.
Outro ponto relevante do Protocolo de Quioto foi a criação dos Mecanismos de
Flexibilização, sendo eles: a Implementação Conjunta, prevista no Artigo 6° do documento; o
Comércio Internacional de Emissões, trazido no Artigo 17 e o Mecanismo de
Desenvolvimento Limpo (MDL), explícito no Artigo 12 da referida Convenção. Esses
mecanismos se baseiam na ideia de que a redução dos GEE deve ser feita de maneira
conjunta. Sob essa perspectiva, foi possível, por exemplo, que os países do Anexo I
mantivessem seus níveis de desenvolvimento a despeito de mudanças na matriz energética
utilizada e até mesmo de reduções reais de emissão de GEE devido à possibilidade de
comercialização de créditos desses gases como alternativa para compensar suas metas.
A Implementação Conjunta baseia-se no incentivo a projetos elaborados entre os
países desenvolvidos para a redução dos GEE. Por meio desse mecanismo, países do Anexo I
podem equilibrar suas emissões ao colaborarem em algum programa de redução dos GEE de
outro país do mesmo grupo. Assim,
(...) qualquer Parte incluída no Anexo I pode transferir para ou adquirir de qualquer
outra dessas Partes unidades de redução de emissões resultantes de projetos visando
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a redução das emissões antrópicas por fontes ou o aumento das remoções antrópicas
por sumidouros de gases de efeito estufa em qualquer setor da economia
(PROTOCOLO DE QUIOTO, art. 6°).

Já o Comércio de Emissões de Carbono parte do pressuposto de que os países possuem


um valor máximo estabelecido de emissões de gases nocivos, em forma de quotas de carbono.
Destarte, ao emitirem menos que o limite permitido, os países podem vender suas quotas para
outros. Da mesma maneira, aqueles que não alcançarem suas metas terão que comprar novas
quotas de outros países (SILVA; CARVALHO, 2015).
Esse sistema de mercado de carbono é conhecido como Cap and Trade, visto que o
limite de poluição é estabelecido (cap) e o governo estatal partilha créditos de carbono para
empresas e organizações, por exemplo, para transporte e indústrias. Dessa forma, tais órgãos
também podem negociar entre si (trade) a compra e a venda dos créditos da maneira que lhes
seja mais vantajosa, respeitando os limites preestabelecidos para que o resultado final das
emissões não se altere (SOUZA, 2007).
Por fim, o Protocolo trouxe o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), o único
dos três mecanismos de flexibilização que viabiliza a atuação dos países em desenvolvimento.
O MDL foi criado com o intuito de promover a colaboração entre os países do Anexo I e os
países em desenvolvimento, para que estes também possam se desenvolver de maneira
sustentável. Desse modo, os países industrializados receberiam créditos de carbono caso
apoiassem financeiramente projetos de redução dos GEE nos países em desenvolvimento.
Cabe ressaltar que um dos pontos cruciais no fracasso do aludido documento foi a não
participação dos dois maiores poluidores mundiais: China e Estados Unidos. Aquele, apesar
de ter ratificado o Protocolo, foi considerado um país em desenvolvimento, portanto, sem a
obrigação de reduzir suas emissões de GEE. Este, por sua vez, não ratificou o Protocolo, pois,
além de sua insatisfação de que países como China não tivessem o compromisso de reduzir as
emissões GEE, alegou ainda que o mesmo era uma ameaça ao seu desenvolvimento
econômico.
Outra razão que impossibilitou a concretude das metas do Protocolo foi a instabilidade
do mercado de créditos de carbono uma vez que, justamente por ser um mecanismo de
mercado, está sujeito às altas e baixas da economia e, portanto, a uma alta oscilação de
preços, o que inviabiliza ações expressivas no setor.
Ademais, o Protocolo passou a vigorar apenas em 2005, ou seja, oito anos após sua
criação. Por isso, o prazo final para o cumprimento da meta de redução de 5,2% dos GEE foi
prorrogado até 2020, já que não foi cumprido dentro do prazo anteriormente determinado, isto
é, 2012. Contudo, antes do novo prazo acabar, em 2015, os Estados criaram um novo tratado
internacional com o objetivo de “fortalecer a resposta global à ameaça da mudança do clima,
no contexto do desenvolvimento sustentável e dos esforços de erradicação da pobreza”
(ACORDO DE PARIS, art. 2°).
Diante do exposto, pode-se dizer que o Protocolo de Quioto trouxe importantes
avanços no que tange à proteção internacional do meio ambiente, mas que, no entanto, seus
objetivos foram frustrados uma vez que o mesmo não atingiu sua meta principal de redução
das emissões dos GEE.

2.2. Acordo de Paris

Assinado na capital francesa, em 2015, durante a 21ª Conferência das Partes da


Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, o Acordo de Paris foi um
marco na proteção internacional do meio ambiente. Pela primeira vez na história, todos os
países obrigaram-se a cumprir uma meta em conjunto: manter o aumento da temperatura
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média na Terra inferior a dois graus além dos níveis pré-industriais, empenhando-se para que
esse aumento seja inferior a um grau e meio (ACORDO DE PARIS, art. 2°, a).
A partir dos aprendizados proporcionados pelo insucesso do Protocolo de Quioto, o
Acordo de Paris inovou em diversos aspectos e trouxe mecanismos a fim de não ter o mesmo
fim de seu antecessor.
Uma das principais diferenças entre as duas convenções internacionais diz respeito ao
Princípio da responsabilidade comum porém diferenciada. Apesar de o Acordo de Paris
manter tal Princípio, ele se expressa de maneira bem diversa. Como dito anteriormente, todos
os países têm responsabilidade no cumprimento da meta. No entanto, os países desenvolvidos
devem exercer um papel de liderança para que o objetivo central seja atingido,
comprometendo-se a transferir 100 bilhões de dólares aos países em desenvolvimento, através
do chamado “Fundo Verde”.
Outro ponto relevante do Acordo de Paris, que se diferencia do Protocolo, são as
metas estabelecidas para os países, individualmente. Cada país ficou responsável por
estabelecer suas próprias obrigações, conhecidas como Contribuições Nacionalmente
Determinadas (NDC, na sigla em inglês). Dessa forma, cada Estado determina o que seria
exequível para si, considerando sua conjuntura econômica e social (ACORDO DE PARIS,
arts. 3° e 4°).
Pode-se dizer que o ponto acima foi um dos principais motivos para a adesão em
massa ao Acordo: foi aprovado por 195 dos 197 países Partes, sendo negado apenas pela
Nicarágua e pela Síria. Desse cenário, oposto do Protocolo, é possível verificar que metas
excessivamente elevadas e que não consideram as especificidades de cada país, levam a uma
insatisfação e, consequentemente, à não adesão dos países. Dessa forma, é preferível o esforço
em se alcançar objetivos mais tímidos e singelos que serão efetivamente cumpridos.
Ademais, o Acordo estabeleceu que as NDCs devem ser revistas a cada 5 anos, a partir
de 2023. Dessa forma, além de prestar contas de suas contribuições nacionalmente
determinadas, as Partes devem estabelecer metas cada vez mais ambiciosas, que acompanhem
o seu desenvolvimento, impeçam o retrocesso e que promovam a integridade ambiental.
As principais Contribuições Nacionalmente Determinadas do Brasil referem-se à
redução de 37% nas emissões de gases de efeito estufa até 2025, tendo como ponto de partida
as emissões de 2005 e a subsequente redução de 43% das emissões até 2030 (BRASIL, 2015).
Nesse sentido, cabe ressaltar que uma das preocupações do país ao implementar suas
contribuições têm como referência o Plano Nacional de Adaptação (PNA) na medida em que
este reforça, além da necessária capacidade de adaptação às novas medidas, a importância da
avaliação e da gestão de vulnerabilidades e riscos climáticos como estratégia de
desenvolvimento nacional.
Assim, para atingir seus objetivos, consideravelmente ousados, o Brasil deve
promover políticas que, dentre outras, impulsionem as fontes renováveis de energia, que
recuperem as áreas desmatadas e que caminhem no sentido contrário das ações internas
adotadas nos últimos anos pelo governo federal que, além de totalmente incompatíveis com as
metas propostas do acordo, violam o Princípio do não retrocesso, tão caro ao direito
ambiental. Dentre essas ações pode-se citar: a diminuição das Áreas de Preservação;
mudanças no licenciamento ambiental e do Código Florestal e, mais recentemente, a extinção
de reserva nacional com área superior a 46 mil km para exploração de minérios na Amazônia.
2

Diante desses retrocessos ambientais, é de se esperar que as emissões dos GEE


cresçam e afastem o Brasil do cumprimento de suas metas. Com isso, o país perde
credibilidade na proteção internacional do meio ambiente e pode inclusive deixar de ser
convidado a participar de importantes negociações sobre o tema.
Por fim, resta analisar a possível saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris e suas
consequências. No dia 1° de Junho de 2017, o presidente americano Donald Trump
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manifestou sua vontade de se retirar do Acordo, alegando ser ele injusto, pois cria
desvantagens para o seu governo em detrimento de beneficiar outros países. No entanto, o
documento, em seu artigo 28, autoriza a denúncia dos países membros apenas três anos após
sua entrada em vigor, o que aconteceu em 4 de novembro de 2016. Portanto, embora
provável, ainda é cedo para afirmar que os Estados Unidos realmente abandonarão o Acordo
de Paris.
Por ser o segundo maior emissor de GEE e a principal potência mundial, a saída dos
Estados Unidos, por certo, tornaria o acordo mais fraco. O país é responsável por 28% das
emissões globais de carbono e detém fonte significativa de recursos para a criação e a
implementação de tecnologias sustentáveis nos países em desenvolvimento.
Contudo, não seria correto afirmar que a denúncia americana inviabilizaria o Acordo
por completo. Com o espaço vago deixado pelos Estados Unidos, é de se esperar que outros
países ganhem destaque e manifestem-se como protagonistas na proteção internacional do
meio ambiente. Assim, China e União Europeia, por exemplo, poderiam assumir a liderança
global para o efetivo cumprimento do Acordo.
Não obstante a importância do Acordo de Paris, principalmente em relação ao
comprometimento global de se promover ações concretas para garantir a diminuição dos
GEE, algumas ressalvas devem ser feitas. Primeiramente, o Acordo poderia ser mais
inquisitivo na limitação do aquecimento global em 1,5 graus e estabelecer uma data limite
para o fim da utilização dos combustíveis fósseis. Entretanto, o ponto mais grave é que
mesmo se todas as metas forem cumpridas por todos os países, é de se esperar que a
temperatura global aumente em torno de 3 graus até 2030 (WATSON, 2016). Assim, a fim de
que o escopo central do documento possa ser logrado, os Estados devem estabelecer metas
mais audaciosas e com prazos de revisão mais curtos.
Ademais, há de se destacar a atuação de ONG’s, empresas, sociedade civil em geral e
governos sub federais uma vez que é dever de todos buscar mecanismos de proteção
ambiental, inclusive o não estatal, e exigir que a atuação governamental considere o
desenvolvimento limpo e sustentável do Planeta.

3. Considerações finais

Não restam dúvidas de que as mudanças climáticas são fruto da atividade


antropogênica, que tem transformado substancialmente o ambiente em que vivemos. A
mudança do clima na Terra é latente e perceptível em diversas áreas do globo e, por isso,
provoca a necessidade de se tomar atitudes energéticas e precisas em seu enfrentamento.
Nessa conjuntura, surgem os tratados internacionais de proteção ao meio ambiente.
Como foi demonstrado, da análise do Protocolo de Quioto às novas perspectivas advindas do
Acordo de Paris, verifica-se que os tratados internacionais nem sempre atingem seus escopos
centrais e, diante disso, não se pode prever ao certo quais serão as consequências, positivas ou
negativas do Acordo.
Nesse sentido, embora o Acordo de Paris possua mecanismos que permitem acreditar
em sua eficácia, o seu sucesso depende do comprometimento e engajamento das Partes em
cumprir suas metas, determinadas por si próprios, e em buscar metas cada vez mais
ambiciosas no sentido de promover a proteção do meio ambiente e a manutenção de
condições minimamente habitáveis na Terra para esta e para as futuras gerações.
Paralelamente, é fundamental que os nacionais de cada Estado cobrem ações efetivas dos seus
governantes e que estas sejam compatíveis com as NDCs propostas, para que, diferentemente
de seu antecessor, o Acordo tenha um futuro exitoso.
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Referências

BERTOLDI, Márcia Rodrigues; SEOANE, Yasmin Lange. As Mudanças Climáticas e o


Comprometimento da Existência da Vida na Terra: a Baixa Eficácia dos Acordos
Internacionais para a Estabilização das Temperaturas. Revista Brasileira de Direito
Internacional, v. 2, nº 1, p. 207-229, 2016.
BRASIL. Pretendida contribuição nacionalmente determinada para consecução do
objetivo da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. Disponível
em: <http://www.mma.gov.br/comunicacao/item/10570-indc-contribui%C3%A7%C3%A3o-
nacionalmente-determinada.> Acesso em: 13 ago. 2017.

DA SILVA, Iury Aragonez; DE CARVALHO, Samuel Rufino. Uma ordem mundial pós-
Kyoto: instabilidades e viabilidades dos mecanismos de flexibilização. Conjuntura Global,
v. 4, nº 3, 2015.
GRA, Leticia de Lara Cardoso. O Protocolo de Quioto e o contrato internacional de compra e
venda de créditos de carbono. Revista Brasileira de Direito Internacional-RBDI, v. 2, nº 2,
2005.

HOPPE, Letícia et al. Desenvolvimento sustentável e o Protocolo de Quioto: uma abordagem


histórica do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. Ensaios FEE, v. 32, nº 1, 2011.

INTERGOVERNMENTAL PAINEL ON CLIMATE CHANGE. Synthesis Report (2014) In:


IPCC. Climate Change 2014. Disponível em: <http://ar5-
syr.ipcc.ch/topic_observedchanges.php>. Acesso em: 17 ago. 2017.

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<http://unfccc.int/resource/docs/2015/cop21/eng/l09.pdf>. Acesso em: 13 ago. 2017.

SOUZA, Silvia Lorena Villas Boas. Os créditos de carbono no âmbito do Protocolo de


Quioto. Dissertação. 2007. Disponível em:
<https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/10760/1/Silvia%20Lorena.pdf.> Acesso em: 14
ago. 2017.

WATSON, R. et al. The truth about climate change. Fundación Ecológica Universal (FEU):
Buenos Aires, 2016.
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DELIMITAÇÃO MARÍTIMA NOS TERMOS DA CONVENÇÃO DAS


NAÇÕES UNIDAS SOBRE O DIREITO DO MAR-CNUDM

Maritime delinquency under the united nations convention on the law of


the sea

Flávia Fagundes Carvalho de Oliveira 138


Joelma Beatriz de Oliveira 139
Karina Freitas Chaves 140

Resumo: A Convenção das Organizações Unidas sobre o Direito do Mar – CNUDM


consolidou o Direito do Mar, que na contemporaneidade é um novo ramo do Direito. Dentre
diversas contribuições, a referida Convenção estabelece estrutura normativa para gerir os
espaços oceânicos, a forma de usá-lo e os recursos disponíveis. A CNUDM contém normas
que disciplinam o mar territorial, zona contígua, zona econômica exclusiva, plataforma
continental e alto mar. No presente artigo, analisamos um caso julgado pela Corte
Internacional de Justiça, entre a Romênia e a Ucrânia, sobre a delimitação marítima no Mar
Negro.

Palavras-chave: direito do mar; ONU; convenção das nações unidas sobre direito do mar;
delimitação; marítima.

Abstract: The United Nations Convention on the Law of the Sea - UNCLOS has
consolidated the Law of the Sea, which is now a new branch of Law. Among several
contributions, this Convention establishes a normative framework for managing ocean spaces,
how to use it and the resources available. UNCLOS contains rules that govern the territorial
sea, contiguous zone, exclusive economic zone, continental shelf and high seas. In this article,
we analyze a case judged by the International Court of Justice, between Romania and
Ukraine, on the maritime delimitation in the Black Sea.

Keywords: law of the sea; UN; united nations convention on the law of the sea; delimitation;
maritime

138 Professora de Processo Penal, Prática Simulada Penal e Direito Ambiental da Instituição de Ensino Nova
Faculdade. Mestranda em Direito Ambiental pela Escola Superior Dom Helder Câmara. Especialista em
Ciências Criminais pela Faculdade Newton Paiva. Advogada. Email: flaviaf2005@yahoo.com.br
139 Professora de Direito Internacional Privado, Introdução ao Estudo do Direito e Língua Portuguesa da
Instituição de Ensino Nova Faculdade, Especialista em Psicopedagogia e Programa internacional de
enriquecimento Instrumental e Formação de Oficiais do Exército, Graduada em Direito pela UFPR e Graduada
em Letras pela UFMG. Advogada. Email: joelmabeatrix@gmail.com
140 Mestranda em Direito pela Escola Superior Dom Helder Câmara. Promotora de Justiça no Maranhão.
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1. Introdução

O Direito do Mar solidifica-se atualmente como um novo ramo do Direito de


fundamental importância, visto que institui uma organização normativa quanto às formas de
gerir os espaços oceânicos e disciplina os recursos disponíveis. Além disso, contém inúmeras
normas que disciplinam o mar territorial, zona contígua, zona econômica exclusiva,
plataforma continental e alto mar, dentre outros não menos importantes.
A Convenção fornece regras que auxiliam os interesses dos Estados no exercício de
sua soberania, manutenção da vida, subsistência econômica, dentre outras. No entanto ainda
se trata de um assunto minimamente explorado, tendo em vista a dimensão de seu valor.
Ademais, o estabelecimento de diretrizes para soluções de conflitos e a separação
definitiva dos novos limites marítimos foram as maiores inovações trazidas pela Convenção
de Montego Bay, de 1982, Jamaica.
Neste sentido, o presente tem a pretensão de trazer uma reflexão sobre a Convenção
do Direito do Mar no que diz respeito às delimitações marítimas definidas em seu texto. Além
disso, a título de estudo de caso, traz uma análise sobre o tema julgado pela Corte
Internacional de Justiça, entre a Romênia e a Ucrânia, sobre o assunto, no Mar Negro. Para
tanto, recorre-se à pesquisa bibliográfica, doutrinária, revistas e livros jurídicos, além da
inclusão de material jurisprudencial, com o escopo de estabelecer a pesquisa acadêmica no
âmbito da prática judiciária.
Não se pretende esgotar o tema, nem explorar em sua totalidade todos os institutos
aqui presentes, mas, sim, refletir e buscar respostas para melhor aplicação das disposições da
Convenção, levando-se em conta a importância dos mares e oceanos para a humanidade.

2. Direito do mar

2.2 Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar

A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), conhecida


internacionalmente como United Nations Convention on the Law of the Sea (UNCLOS), é um
tratado celebrado pela ONU, em 10 de dezembro de 1982, Montego Bay, Jamaica, e tem
como objetivo codificar conceitos instituídos no direito internacional costumeiro.
O presente acordo foi um ponto de partida, ou seja, um marco fundamental dos
Estados com relação aos mares e oceanos. Dentre seus pontos mais importantes, o tratado
institui normas sobre jurisdição, soberania, direitos e obrigações. Além disso, é o instrumento
responsável pela delimitação dos espaços marítimos como mar territorial, zona contígua, zona
econômica exclusiva, plataforma continental e outros não menos importantes espaços até
então regulamentados por normas de caráter costumeiro.
A presente Convenção também normatiza as diversas modalidades de utilização desses
espaços, tais como a navegação, o sobrevoo, a exploração de recursos, a conservação, a pesca
e o tráfego marítimo.
As negociações para essa Convenção foram iniciadas em 1958, com a elaboração de
quatro Convenções separadas. A segunda Conferência, em 1960, com o intuito de novas
tentativas de negociações não obteve êxito. Somente em 1973, a Assembleia Geral da ONU
decidiu convocar a 3ª Conferência sobre o Direito do Mar, em Montego Bay, Jamaica,
negociações que perduraram aproximadamente dez anos. Participaram da conferência mais de
160 Estados e a abertura para assinaturas se deu em 1982.
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Assim, a Convenção de Montego Bay entrou em vigor, no Brasil, em 1994; e em


1995, por meio do Decreto nº1.530, o governo brasileiro internalizou-a, retroagindo sua
vigência à data em vigor da Convenção. Até hoje, o presente acordo distingue por ser um
instrumento internacional que conta com maior número de Estados signatários.
Atualmente, segundo informações do sítio do Tribunal Internacional do Direito do
Mar, existem 167 Estados Partes da presente Convenção, incluindo 166 membros e uma
organização internacional, a denominada Comunidade Europeia.
A CNUDM contém 320 artigos e nove anexos que definem zonas marítimas,
estabelecendo normas que demarcam limites marítimos, além disso, criou o Tribunal
Internacional do Direito do Mar, que prevê mecanismos para a solução das controvérsias,
dentre outros institutos não menos importantes.
O Ministério do Meio Ambiente, em seu site, traz de forma clara o conceito da
Convenção, que é: “(...) estabelecer um novo regime legal abrangente para os mares e oceanos
e, no que concerne às questões ambientais, estabelecer regras práticas relativas aos padrões
ambientais, assim como o cumprimento dos dispositivos que regulamentam a poluição do
meio ambiente marinho; promover a utilização equitativa e eficiente dos recursos naturais, a
conservação dos recursos vivos e o estudo, a proteção e a preservação do meio marinho”.

3. Delimitação marítima no cenário interno brasileiro

No Brasil, a ratificação da Convenção foi formalizada pelo Decreto Legislativo 05, de


09 de novembro de 1987; em 22 de junho de 1995 foi promulgada com o Decreto 1.530, que
declara a entrada em vigor, em âmbito nacional, da Convenção das Nações Unidas sobre o
Direito do Mar, concluída em Montego Bay, Jamaica, em 10 de dezembro de 1982.
Além de instituir um marco jurídico importantíssimo, a Convenção deu ensejo à
criação de uma legislação rica e específica para as questões marítimas nacionais. Neste
sentido, a Lei 8.617, de 04 de janeiro de 1993, dispõe sobre o mar territorial, a zona contígua,
a zona econômica exclusiva e a plataforma continental brasileira, e dá outras providências.

3.1 O mar territorial

O mar territorial, voltado para o cenário interno brasileiro, até 1966, manteve-se em
três milhas; quando, posteriormente, aumentou para 6 milhas, e, em 1969 estendeu-o para 12
milhas. No entanto, foi em 1970, por meio do Decreto nº 1.098/70, que o governo brasileiro
em ato unilateral tomou a decisão de ampliar seu mar territorial para 200 milhas marítimas.
No plano interno, diversos motivos contribuíram para a extensão do mar territorial
brasileiro para as duzentas milhas marítimas, sendo que a repercussão, à época, foi positiva,
uma vez que, no Congresso, os representantes do partido político MDB (Movimento
Democrático Brasileiro) uniram-se, pela primeira vez, aos seus opositores da ARENA
(Aliança Renovadora Nacional) para ratificar com entusiasmo um ato do governo, que
alargava a fronteira marítima nacional.
Como um jogo político, tendo em vista a atual conjuntura política que o governo
enfrentava, particularmente difícil, havia necessidade e urgência de medidas que causassem
impactos positivos aos brasileiros. Nessa época, o Brasil passava por um importante momento
político, havia um ano de vigência do ato institucional nº5, e os militares precisavam divulgar
aspectos positivos de sua ação governamental.
Nessa esteira, de acordo com Carvalho (CARVALHO, 1999, p. 100): “(...) houve,
então, a previsão que uma eventual ampliação do mar territorial brasileiro para duzentas
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milhas marítimas por parte do governo teria um impacto político positivo sobre a população.
Provia-se, ainda, que até mesmo os representantes da oposição não poderiam deixar de dar
apoio a uma medida governamental tão nitidamente nacionalista”.
Assim, o instituído Decreto-lei nº 1.098 de 1970, instrumento utilizado para a
ampliação do mar territorial para 200 milhas, fixava em seu artigo 1º: “o mar territorial do
Brasil abrange uma faixa de duzentas milhas marítimas de largura, medidas a partir da linha
de baixa-mar do litoral continental e insular brasileiro”. Reconhecia, desde já, o direito de
passagem inocente em seu artigo 3º: “é reconhecido aos navios de todas as nacionalidades o
direito de passagem inocente no mar territorial brasileiro”.
Insta salientar, que à época, ainda não havia qualquer norma de Direito Internacional
em vigor que determinasse aos Estados até qual limite poderiam, os Estados, estender seu mar
territorial. Nessa perspectiva, antes do Decreto brasileiro nº 1.098/70, foram o Chile e o Peru,
em 1947, também em ato unilateral, que adotaram 200 milhas como limite da soberania e
jurisdição nacional. Dessa forma, vários países do continente, com suas particularidades, por
ato unilateral, estenderam os limites de suas soberanias e jurisdições nacionais, iniciando por
Costa Rica, 1948, até o Brasil, em 1970.
O debate atravessou a década de 1970 e foi concluído somente em 1982, com a
realização da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, em MontegoBay, na
Jamaica, que adotou o limite de 12 milhas para o mar territorial e inovou ao criar as zonas
econômicas exclusivas, de 200 milhas. Nesse sentido, a CNUDM, artigo 3º, determina: “todo
Estado tem o direito de fixar a largura do seu mar territorial até um limite que não ultrapasse
12 milhas”.
No mesmo sentido, a Lei nº 8.617, de 4 de janeiro de 1993, que dispõe sobre o mar
territorial, a zona contígua, a zona econômica exclusiva e a plataforma continental brasileiros,
determina: “Art. 1º O mar territorial brasileiro compreende uma faixa de doze milhas
marítima de largura, medidas a partir da linha de baixa-mar do litoral continental e insular, tal
como indicada nas cartas náuticas de grande escala, reconhecidas oficialmente no Brasil.”
Por fim, a ausência de uma convenção que regulasse a delimitação dos espaços
marítimos, durante anos, trouxe uma série de conflitos entre Estados como se verá a seguir.

3.1.1 Conflitos relacionados ao mar territorial antes da nova regulamentação da


CNUDM

Graves entraves foram travados pela falta de consenso sobre a extensão das águas
territoriais, mesmo em países que possuíam boas relações. Nesse ponto de vista, em 1956,
ocorreu a “Guerra do Salmão”, em que o governo norte-americano apreendeu barcos
pesqueiros peruanos sob alegações de que estavam dizimando cardumes junto às costas do
Oceano Pacífico. Dois anos depois, em 1958, Inglaterra e Islândia travaram a "Guerra do
Bacalhau", que culminou com troca de tiros de canhão. E, logo em seguida, houve a "Guerra
do Arenque", em que a Guatemala reclamava pela incursão em suas águas de barcos
noruegueses.
A denominada “Guerra da Lagosta”, travada em 1963, em que os Franceses
argumentam que pescavam fora do mar territorial e brasileiros contra-argumentavam que,
embora nosso mar territorial, à época, fosse de três milhas marítimas, eles estavam pescando
na plataforma continental. Neste sentido, diversos conflitos estiveram, na maioria das vezes,
relacionados à falta de regulamentação dos espaços marítimos, dentre eles, muitos gerados
por confusões entre mar territorial e zona econômica exclusiva.
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3.1.2 A zona econômica exclusiva

A presente CNUDM representou, em nível internacional, para os Estados signatários


do presente tratado, a limitação do mar territorial em 12 milhas náuticas. No entanto, declarou
determinados direitos em uma faixa marítima designada de zona econômica exclusiva, com
prerrogativas para os Estados costeiros sobre os recursos vivos e não vivos, dentre outros.
Neste sentido, a zona econômica exclusiva compreende uma faixa de terra e a coluna
d’água que se estende de doze a 200 milhas marítimas, que também são contadas a partir das
linhas de base que servem para medir a largura do mar territorial.
Segundo artigo 56 da CNUDM, na zona econômica exclusiva, o Estado costeiro tem:
“ a)direitos de soberania para fins de exploração e aproveitamento, conservação e gestão dos
recursos naturais, vivos ou não vivos das águas sobrejacentes ao leito do mar, do leito do mar
e seu subsolo, e no que se refere a outras atividades com vista à exploração e aproveitamento
da zona para fins econômicos, como a produção de energia a partir da água, das correntes e
dos ventos; c) jurisdição, de conformidade com as disposições pertinentes da presente
Convenção, no que se refere a: i) colocação e utilização de ilhas artificiais, instalações e
estruturas; ii) investigação científica marinha; iii) proteção e preservação do meio marinho”.
No mesmo sentido, dispõe o artigo 7º da Lei 8.617/83: “Na zona econômica exclusiva,
o Brasil tem direitos de soberania para fins de exploração e aproveitamento, conservação e
gestão dos recursos naturais, vivos ou não-vivos, das águas sobrejacentes ao leito do mar, do
leito do mar e seu subsolo, e no que se refere a outras atividades com vistas à exploração e ao
aproveitamento da zona para fins econômicos”.
A zona econômica exclusiva é de suma importância para os Estados, pois, com os
avanços científicos e tecnológicos, estes compreenderam que o espaço marítimo é riquíssimo
em potencialidades de exploração econômica e fundamental para a subsistência energética,
alimentar e biológica.
Destarte contribuiu para ampliar os horizontes marinhos além do mar territorial, não
como um espaço de poder ilimitado, mas como área do exercício de certos poderes
necessários à exploração dos recursos nele presentes.
Portanto, por ser de interesse econômico, foi necessária a regulamentação desse
espaço, tanto por leis internas, como a Lei 8.617, de 1993; quanto acordos internacionais que
apreciam a matéria, naquilo que ratificado pelo Estado costeiro, como a Convenção de
Montego Bay, a fim de dirimir conflitos como os supracitados.
Por fim, insta mencionar o conceito de ZEE disposto no site da Marinha do Brasil:
“faixa situada além do MT, até o limite de 200 MN, sobre a qual o Estado costeiro exerce
soberania, para fins de exploração, aproveitamento, conservação e gestão dos recursos
naturais, vivos ou não vivos, das águas sobrejacentes ao leito do mar, do leito do mar e seu
subsolo e, no que se refere a outras atividades com vista à exploração e ao aproveitamento
para fins econômicos, como a produção de energia a partir da água, das correntes e dos
ventos. Além disso, o Estado costeiro também exerce jurisdição, no que se refere à colocação
e utilização de ilhas artificiais, instalações e estruturas, investigação científica marinha e
proteção e preservação do meio marinho”.
Outra questão relevante da Convenção, é que ela trouxe outra delimitação marítima
que consiste na plataforma continental, que é riquíssima em potencial energético e
econômico, como petróleo e gás natural, conforme se passa a expor adiante.

3.1.3 A plataforma continental


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Plataforma continental é a extensão natural do solo mar adentro, até o limite do talude
continental. A Convenção sobre Direito do Mar, artigo 77, parágrafo primeiro, determina o
direito do Estado costeiro sobre a plataforma continental: “O Estado costeiro exerce direitos
de soberania sobre a plataforma continental para efeitos de exploração e aproveitamento dos
seus recursos naturais”.
Com a nova determinação, somente o Estado costeiro poderá explorar e aproveitar os
recursos disponíveis na plataforma continental, exceto quanto o próprio Estado consentir, ou
seja, somente podem ser explorados pelo Estado costeiro ou sobre seu consentimento: “Os
direitos a que se refere ao parágrafo 1º, são exclusivos no sentido de que, se o Estado costeiro
não explora a plataforma continental ou não aproveita os recursos naturais da mesma,
ninguém pode empreender essas atividades sem o expresso consentimento desse Estado”.
O conceito de plataforma continental está disposto no artigo 76, parágrafo primeiro:

A plataforma continental de um Estado costeiro compreende o leito e o subsolo das


áreas submarinas que se estendem além do seu mar territorial, em toda a extensão do
prolongamento natural do seu território terrestre, até ao bordo exterior da margem
continental, ou até uma distância de 200 milhas marítimas das linhas de base a partir
das quais se mede a largura do mar territorial, nos casos em que o bordo exterior da
margem continental não atinja essa distância.

No mesmo sentido, a Lei 8.617, de 1993, consoante seu art. 11, a plataforma
continental: “A plataforma continental do Brasil compreende o leito e o subsolo das áreas
submarinas que se estendem além do seu mar territorial, em toda a extensão do
prolongamento natural de seu território terrestre, até o bordo exterior da margem continental,
ou até uma distância de duzentas milhas marítimas das linhas de base, a partir das quais se
mede a largura do mar territorial, nos casos em que o bordo exterior da margem continental
não atinja essa distância”.
Ressalta-se que a água que encobre a plataforma continental possui farta vida marinha
e considerável parte da pesca mundial se realiza nesta zona. Além disso, reafirma-se que é
nela que se encontra a maior parte da produção mundial de petróleo e gás procedentes das
rochas que se encontram submersas.
Segundo a Convenção, o Estado costeiro também exerce jurisdição sobre as ilhas
artificiais, as instalações e as estruturas sobre a plataforma continental, conforme artigo 80 c/c
60; as atividades de perfuração, art. 81; a colocação de cabos e dutos, art. 79; a pesquisa
marinha científica, art. 238; e a proteção e preservação ambiental, art. 208.
Todavia, a CNUDM, de modo específico, permitiu que os Estados costeiros que
pretendessem delimitar a sua plataforma continental além das 200 milhas náuticas, até um
limite de 350 milhas, das linhas de base sob as quais o mar territorial é medido, poderiam
submeter os dados e informações relevantes à Comissão sobre Limites da Plataforma
Continental – CLPC, órgão avaliador da CNUDM.
A Marinha do Brasil salienta que: “(…) caso a margem continental se estenda além
das 200 MN, o Estado costeiro poderá pleitear junto à ONU o prolongamento da PC, até um
limite de 350 MN, o que necessita ser comprovado, tecnicamente, mediante os apropriados
levantamentos. Em setembro de 2004, o Brasil apresentou à ONU seu pleito de extensão da
PC, coroando um grande esforço nacional, no qual, durante cerca de dez anos, com a
participação ativa da MB, da comunidade científica e da Petrobras, foram coletados 230 mil
km de dados”.
O Brasil foi um dos primeiros países signatários da Convenção a solicitar a plataforma
continental estendida e, até o presente momento, o pedido foi parcialmente concedido. Em
termos práticos, a plataforma continental estendida garante ao Brasil soberania na exploração
sobre os recursos daquela área, onde nenhum outro Estado poderá exercer essa exploração, a
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não ser mediante consentimento do governo brasileiro, nos termos da Convenção. E, por
derradeiro, a Convenção trouxe o conceito de alto mar, a seguir delineado.
3.1.4 O alto mar

O alto-mar compreende as regiões que ultrapassam o limite da zona econômica


exclusiva dos Estados. Não é determinado por uma extensão territorial, como as demais, mas
abrange toda a porção além das margens legais de determinação dos espaços jurídicos.
O alto-mar não é um espaço determinado para o uso de um país específico, ou seja,
nele é inviável quaisquer possibilidades de exercício de jurisdição, sendo de uso comum das
comunidades internacionais. Nestes termos, aduz o artigo 89 da Convenção: “nenhum Estado
pode legitimamente pretender submeter qualquer parte do alto mar à sua soberania”.
Assegura Menezes (2015, p. 115) que: “(...) antes do regime de MontegoBay, o alto-
mar era tudo o que se estendia além do mar territorial, mas, com o disciplinamento da zona
econômica exclusiva, suas dimensões foram relativamente diminuídas, não obstante a perda
geográfica tenha afetado seu princípio fundamental consuetudinariamente arraigado da
liberdade do alto-mar”.
Portanto, no alto-mar não existe qualquer possibilidade de soberania. Nesse sentido,
Menezes conclui (MENEZES, 2015, p. 115) que o alto-mar é, portanto, um espaço coletivo
comum, no qual todos os Estados têm direitos absolutamente iguais e onde não podem
invocar qualquer direito preferencial que não esteja consagrado na Convenção.
Pelo contrário, para o referido autor, no espaço do alto-mar, os Estados têm uma carta
de direitos e são coletivamente sujeitos a obrigações ligadas a uma dimensão universalista da
sociedade humana, devendo sempre ser utilizado para fins pacíficos, levando-se e conta o
cenário mundial.

4. Breves apontamentos sobre delimitação marítima no cenário mundial

Passados mais de trinta anos após abertura para assinatura e vinte anos após sua
entrada em vigor, a CNUDM continua a fornecer uma resposta eficaz, abrangente e global no
quadro jurídico internacional para os mares e oceanos.
Inclusive eles fornecem vitais recursos para sobrevivência humana, além de exercerem
papel fundamental na regulação do clima, na segurança alimentar, fornecendo subsistência
para milhões de pessoas, fontes de energia, meios de transporte, e desempenham um papel
central nas culturas de muitas comunidades costeiras. Portanto, são muito importantes para o
desenvolvimento econômico e social dos Estados e pode ajudar na erradicação da desnutrição,
no alívio da pobreza e no aumento do nível de vida.
No entanto os benefícios e as oportunidades que os oceanos podem fornecer a curto e
longos prazos estão subordinados a geri-los de forma sustentável e equitativa. Esta é uma
tarefa muito desafiadora considerando que os oceanos e seus recursos continuam sob
crescente atividade humana insustentável, tanto no mar como em terra, incluindo a pesca
excessiva e ilegal, não declarada e não regulamentada, a poluição, mudanças climáticas e os
impactos da acidificação dos oceanos, destruição dos habitats marinhos e extração
insustentável de não-vivos, recursos marinhos, para citar apenas alguns. Além disso, disputas
marítimas e atividades criminosas no mar também afetam direta e indiretamente.
Em contrapartida, a Convenção de Montego Bay regula e determina os limites da
soberania e jurisdição, bem como consolida princípios costumeiros, os quais deverão ser
observados pelos Estados na utilização conjunta dos mares e oceanos, na tentativa de aplacar
problemas distintos relacionados ao Direito do Mar.
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Além de todo exposto, a CNUDM, ainda, estabelece mecanismos para solução de


controvérsias, alargando seu alcance normativo, como os Tribunais Internacionais para
julgamento dos conflitos relacionados ao tema, uma vez que a Convenção tem efeito de
tratado internacional e o conteúdo normativo dos seus dispositivos tem caráter declaratório e
propositivo.
Em vista disso, não há dúvida de que uma implementação eficaz da CNUDM
contribuirá para o estabelecimento de uma ordem econômica internacional justa e equitativa,
principalmente no que diz respeito aos mecanismos de soluções de conflitos, com a criação do
Tribunal Internacional do Mar, uma vez que existem diversas disputas travadas por Estados
partes da Convenção dos mares, conforme estudo de caso relatado no capítulo abaixo.

5. Estudo de caso envolvendo delimitação marítima

Em 2009, a Corte Internacional de Justiça decidiu sobre a disputa entre a Romênia e a


Ucrânia, com a finalidade de delimitar uma única fronteira marítima entre a plataforma
continental e as zonas econômicas exclusivas pertencentes aos dois países.
A Corte Internacional de Justiça, então, utilizando-se de uma moderna metodologia,
denominada de três fases ou abordagem da equidistância/circunstância relevante, emitiu a
decisão do Processo, disputa essa travada no Mar Negro.
No entanto, embora a CIJ já tivesse se manifestado diversas vezes sobre o assunto,
qual seja, delimitação marítima, antes de 2009, em diversos casos, dentre eles, El Salvador v.
Honduras, em 1992; Dinamarca v. Noruega (Jan Mayen), em 1993; Guiné‐Bissau v. Senegal,
em 1995; Qatar v. Bahrain, em 2001; Camarões v. Nigéria, em 2002 e Nicarágua v. Honduras,
em 2007, havia apenas a aplicação de partes da metodologia que seria consolidada na disputa
discutida neste artigo. Há que se ressaltar que tais decisões serviram de base para o
pensamento maior a respeito da temática, no sentido de buscar, aprofundar e encontrar uma
metodologia precisa, como a que foi aplicada no caso ora em análise
A referida decisão, posteriormente, foi aplicada pelo Tribunal Internacional de Justiça
nos casos Bangladesh v. Myanmar, em 2012. Nicarágua v. Colômbia, em 2012 e no processo
Peru v. Chile, em 2014. Além de ter sido também utilizada pelo Tribunal Arbitral no processo
Bangladesh v. Índia, em 2014.
Assim, quando chamada determinar uma única linha de fixação de limites entre os
Estados, a Corte procede em etapas já definidas conforme as disposições da presente
Convenção sobre o Direito do Mar. Tal metodologia é de considerável importância, pois o
caso foi de suma relevância, uma vez que o Tribunal confirmou que a metodologia foi
consolidada e aprovada no sentido de dar uma solução equitativa a presente disputa,
constituindo o princípio diretivo primordial das disputas que ocorreram após a referida
decisão acerca do tema delimitação marítima, conforme consagrado nos artigos 74 e 83 da
Constituição dos Mares – CNUDM.

6. Considerações finais

Conclui-se que antes do advento da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do
Mar os Estados viviam sob conflitos de vários tipos com relação à ausência de um
instrumento eficaz que delimitasse os espaços marítimos, e nesse sentido, ela trouxe
significativa contribuição criando e delimitando o mar territorial, a zona econômica exclusiva,
a plataforma continental, dentre outros espaços marítimos não menos importantes.
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Além disso, a CNUDM trouxe estabilidade nas relações internacionais, bem como
mecanismos eficientes de solução de controvérsias, como se viu a partir do caso relacionado
entre Romênia e Ucrânia levado à Corte Internacional de Justiça para a delimitação do mar
territorial e da zona econômica exclusiva entre os opostos e adjacentes Estados, no Mar
Negro.
Dessa forma, a Convenção se configura num instrumento de aplicabilidade do Direito
do Mar de suma importância, mas pouco estudado e explorado, servindo como vasto espaço
para futuros estudos.

Referências

BRASIL. Lei nº 8.617, de 04 de janeiro de 1993. Disponível em:


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8617.htm> Acesso em: 03 dez. 2016.

CARVALHO, Gustavo de Lemos Campos. O mar Territorial brasileiro de 200 milhas:


estratégia e soberania, 1970-1982. Revista brasileira de política internacional. 1999, p.
100-126.

CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Direito do Mar. MontegoBay, Jamaica. 1982.

BRASIL. Decreto-lei nº 1.098, de 25 de março de 1970. Disponível em:


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1965-1988/Del1098.htm> Acesso em: 03
dez. 2016.

CEDIN. Delimitação marítima no Mar Negro. Disponível em:


<http://www.cedin.com.br/wp-content/uploads/2014/08/Casos-Contenciosos-2009-
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ITLOS. International Tribunal for the Law of the Sea. Disponível em:
<https://www.itlos.org/fileadmin/itlos/documents/cases/case_no.20/C20_Order_15_12_2012.
pdf.> Acesso em: 29 jun. 2016.

MARINHA DO BRASIL. Amazônia azul. Disponível em:


<https://www.marinha.mil.br/cgcfn/?q=amazonia_azul> Acesso em: 04 dez. 2016.

MENEZES, Wagner. O direito do mar. Fundação Alexandre de Gusmão, Brasília; 2015.

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do


Mar. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/assuntos-internacionais/temas-
multilaterais/item/885-direito-do-mar>Acesso em: 29 jun. 2016
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NOVO CÓDIGO FLORESTAL E O PROBLEMA DA EFETIVIDADE


DAS CONVENÇÕES DE DIREITO AMBIENTAL INTERNACIONAL

New Forest Code and the effectiveness problem of international


environmental law conventions

Matheus José de Souza Dias 141


Raphael de Souza Santana 142

Resumo: O presente trabalho tem como objetivo verificar as principais repercussões do novo
Código Florestal e as tensões oriundas do Código Florestal, que completou 5 anos de vigência
no ano de 2017. Para tanto, analisaremos os principais questionamentos feitos ao Código em
sede constitucional, bem como traçaremos um paralelo entre esta fonte normativa e os
princípios de Direito Ambiental Internacional.

Palavras-chave: direito ambiental; Código Florestal brasileiro; efetividade; soft Law; hard
law.

Abstract: This paper aims to check the main effects of the new Forest Code, which completed
5 years in 2017, as well as its results. Therefore, the paper analyses the elements in
constitutional scope, and compare this law with the principles of International Environmental
Law.

Keywords: environmental law; brazilian forest code; effectiveness; soft law and har law.

1. Introdução

A legislação ambiental passou por uma série de evoluções ao longo do tempo até
chegar ao momento atual, em que o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado
encontra respaldo constitucional e, por conseguinte, não poderá sofrer retrocessos em seu
ordenamento já constituído, ao menos em princípio.
O “novo” Código Florestal, datado de 25 de maio de 2012, apresenta um esforço do
legislador no sentido de regulamentar a proteção da vegetação, Áreas de Preservação
Permanente (APPs) e as Áreas de Reserva Legal, a exploração florestal e o controle dos
produtos que dela advêm. No entanto, o texto normativo apresenta problemas, sendo uma de
suas previsões mais controversas a anistia ao intenso desmatamento na Amazônia e no

141
Graduando de Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais.Email: matheusjosedias@gmail.com
142
Graduando de Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais.
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Cerrado, além das modificações nos critérios de definição das Áreas de Preservação
Permanente.
A questão da efetividade do Código também é um problema, pois algumas de suas
medidas, como o Cadastro de Ambientação Rural (CAR), ainda não foram implementadas.
Nesse sentido, este trabalho propõe a retomada da discussão principiológica do Direito
Ambiental Internacional que, desde a década de 70, com a Convenção de Estocolmo,
configura um esforço da comunidade internacional para o reconhecimento do direito ao meio
ambiente como um direito humano.
Este trabalho propõe-se a realizar breves considerações, sem pretensão de esgotar o
tema, sobre o Código Florestal, apresentando os questionamentos suscitados no Supremo
Tribunal Federal, retomando também a perspectiva do Direito Internacional, a fim de
enfrentar a questão da efetividade das normas ambientais no Brasil.

2. Os Códigos Florestais de 1934 e 1965

A primeira proposta para uma política de conservação da vegetação brasileira ocorreu


com a publicação do Código Florestal de 1934. Este código já previa a criação dos parques
nacionais, cuja função era a de resguardar áreas que, “em sua composição florística primitiva,
perpetuasse trechos do país que, por circunstâncias peculiares o merecessem (CAMARGOS,
2001, p. 17). Nessa época, a valoração da natureza era sobretudo por sua contribuição
paisagística.
Por sua vez, o Código Florestal de 1965, acompanhando as tendências discursivas em
esfera internacional, traz consigo a ideia da preservação radical do meio ecológico. O Código
prevê mecanismos que ampliam a capacidade de regulação ambiental e se aproxima dos
princípios ecológicos. São estabelecidas, dentre outras medidas, a criação da categoria de
manejo “Reserva Biológica”, mais restritiva às possibilidades de uso do ambiente
(CAMARGOS, 2001, p. 20).
Nas décadas posteriores, como uma forma de harmonizar os discursos em relação ao
uso do meio ambiente, surge a perspectiva do desenvolvimento sustentável. Os discursos
desenvolvimentistas enfatiza a necessidade de uso do meio ambiente para o benefício (a curto
prazo) do ser humano, por conta das necessidades sociais imediatas de consumo e sustento da
população. Por outro lado, os ambientalistas professavam a ideia de que a preservação total do
meio ambiente é imprescindível para continuidade da vida em nosso planeta.
A ideia de desenvolvimento sustentável concatena os discursos anteriores, sendo
apresentada como um conceito sistêmico que traduz um modelo de desenvolvimento global
que incorpora os aspectos de um sistema de consumo em massa que equilibra os fatores
Ecológico, Econômico e Social. Nesse sentido, o Relatório Brundtland, elaborado pela
Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, criada em 1983 pela
Assembleia das Nações Unidas explica que o conceito em questão visa possibilitar que as
pessoas, agora e num futuro próximo, atinjam um nível satisfatório de desenvolvimento social
e econômico e de realização humana e cultural, fazendo, ao mesmo tempo, uso razoável dos
recursos da terra e preservando as espécies e os habitats naturais (ONU, 1987). É pertinente
ressaltar, contudo, que a criação da ideia de desenvolvimento sustentável, apesar de
incorporada às convenções internacionais, não implica diretamente na extinção dos discursos
anteriores.

3. O Código Florestal de 2012


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A proposta de substituição do Código Florestal de 1965 foi apresentada inicialmente


pelo então deputado federal Sérgio Carvalho (PSDB-RN) em outubro de 1999, através do
Projeto de Lei nº 1.876, cujas discussões foram retomadas apenas no início de 2011, por meio
do relatório do deputado Aldo Rabelo (PCdoB-SP). O Código tornou-se uma realidade no
ordenamento jurídico brasileiro primeiro através da Lei 12.651, de 25 de maio de 2012,
publicada em 28 de maio de 2012. O projeto foi sancionado pela então Presidente da
República Dilma Rousseff, com vetos e a edição de uma Medida Provisória (MP 571/2012)
que, posteriormente, foi convertida na Lei nº 12.727, de 17 de outubro de 2012 (MUKAI,
2013, p. 17). O objetivo do Código é conciliar a conservação ambiental com a produção
agropecuária e o desenvolvimento socioeconômico.
Uma das inovações polêmicas do Código diz respeito às Áreas de Preservação
Permanente. Tal como a norma anterior, o Código Florestal determinou que a intervenção ou a
supressão de vegetação nativa em APPs poderá ser autorizada nas hipóteses de utilidade
pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental. Contudo, a norma alterou aspectos
nas hipóteses de utilidade pública e de interesse social, flexibilizando a proteção ambiental
dessas áreas.
A Revista Science publicou, em 2014, um artigo analisando as mudanças do Código
Floresta. Os pontos-chave do artigo são as proporções continentais da anistia dada aos
proprietários rurais que desmataram áreas protegidas até o ano de 2008. O estudo concluiu
que esse mecanismo acabou por reduzir o passivo ambiental brasileiro em 58%. Constatou-se
também que a conservação ambiental não impede o desenvolvimento agrícola, uma vez que o
Código fornece alternativas para que os agricultores recuperem as áreas devastadas, como a
compra de Cotas de Reservas Ambientais (SCIENCE, 2014, p. 363). O problema a ser
enfrentado, contudo, não são as contradições internas da matéria do Código, mas a própria
falta de eficácia e de efetividade de seus aspectos positivos.

4. A efetividade do Código e os questionamentos no Supremo Tribunal Federal

A efetividade da norma consiste no “desempenho concreto da função social da norma,


ou seja, a materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais” (SARLET, 2009). Ou
seja, é efetiva a norma que é aplicada no plano fático, na esfera imanente. Para aferir a
efetividade do Código Florestal, é necessário coletar dados acerca da implementação de seus
dispositivos.
O Observatório do Código Florestal, criado por sete instituições da sociedade civil,
que tem como objetivo monitorar a implementação do Código Florestal em todo o país,
sobretudo em relação aos Programas de Regularização Ambiental (PRAs) e Cadastro
Ambiental Rural (CAR), gera dados, informações e análises do novo Código. Em relatório
publicado pelo observatório, verificou-se o status dos principais instrumentos do Código
(OBSERVATÓRIO FLORESTAL, 2017).
O CAR consiste em um registro público, eletrônico e autodeclaratório de informações
ambientais georreferenciadas de todos os imóveis rurais do país. Este é o instrumento com
implementação mais avançada, contudo, a análise e a validação dos cadastros se mostra
atrasada e ineficiente. Já os Programas de Regularização Ambiental só foram regulamentados
por 15 Estados até 30 de setembro de 2016, com dois deles juridicamente suspensos por
inconsistências com a lei federal. Esse programa tem falhas técnicas e carece de profundidade
e definições importantes, como verificação e monitoramento dos planos de recuperação.
Inexistem ou ainda estão em fase de regularização: o Programa de Incentivos
Econômicos (art. 41), as Cotas de Reserva Ambiental (CRAs) (art. 44), o zoneamento
econômico-ecológico, o Programa de Conversão de Multas, a Política de Manejo e Controle
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de Queimadas e Incêndios Florestais, entre outros (OBSERVATÓRIO FLORESTAL, 2017, p.


10).
Além dos mecanismos que não se mostram eficientes, o Código Florestal enfrenta
problemas na seara constitucional. Em 13 de setembro de 2017, o Supremo Tribunal Federal
colocará em pauta todas as ações que tratam da constitucionalidade da Lei nº 12.651/2012. As
ADIs 4901, 4902, 4903 e 4937 foram ajuizadas pela Procuradoria-Geral da República e pelo
Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), considerando ilegais trechos essenciais da nova
legislação ambiental, como as atividades em áreas consolidadas, a redução da reserva legal,
áreas de preservação permanente e a anistia para a degradação ambiental. Caso o julgamento
seja favorável aos pedidos das ADIs, o setor de agropecuária sofrerá severas retaliações,
impactando, sobretudo, no PIB brasileiro.
Nesse sentido, é válido discutir, em momento mais oportuno, quais seriam as
alternativas menos danosas para resolver os problemas do Código. De todo modo, o Relatório
do Observatório Florestal já indica que há questões sensíveis e determinantes para a
implementação efetiva do Código Florestal. A transparência ativa de todos os dados e
informações, por exemplo, é essencial para que a comunidade civil contribua na efetivação do
Código:

(…) sem transparência, não há controle social, os problemas e os gargalos não são
identificados e solucionados de maneira eficiente, a sociedade, o mercado e o
sistema de crédito, mais especificamente, perdem a possibilidade de atuar de
maneira propositiva e de realizar a cogestão do processo, além de ocultar a atuação
de grupos com interesses escusos ligados à grilagem e ao desmatamento ilegal
(OBSERVATÓRIO FLORESTAL, 2017, p. 10).

5. A perspectiva do direito internacional

O Direito Ambiental Internacional, no que diz respeito à elaboração de normas e


princípio base da matéria ambiental, enquanto ramo do Direito Internacional Público, teve sua
evolução acelerada nas últimas décadas, seja porque as condições ambientais têm se
deteriorado a cada ano, seja porque existe uma maior consciência de que é necessário tomar
precauções para que seja possível remediar e prevenir os danos. Segundo Malcolm Shaw
(2010, p. 622), os últimos anos presenciaram um aumento considerável “do grau de
compreensão dos perigos que o meio ambiente mundial está enfrentando, e agora uma ampla
gama de problemas ambientais tornou-se objeto de grave interesse internacional”
A Conferência de Estocolmo, em 1972, é assim considerada como o marco inicial das
preocupações internacionais com o meio ambiente e da necessidade de se tomarem medidas
mais eficientes para sua proteção e preservação. Desde então, uma série de Convenções, como
a ECO-92, vem sendo realizada pela comunidade internacional. Desses esforços, surgiram
tratados e princípios próprios do Direito Ambiental Internacional, sendo eles: 1) princípio da
soberania sobre os recursos naturais e da responsabilidade de não causar danos ambientais
transfronteiriços; 2) princípio da prevenção; 3) princípio da cooperação; 4) princípio do
desenvolvimento sustentável; 5) princípio da precaução; 6) princípio do poluidor-pagador; 7)
princípio da responsabilidade comum porém diferenciada (SANDS, 2003, p. 231).
Os documentos produzidos em sede de Direito Ambiental Internacional são, em
grande parte, soft law. No Direito Internacional, aplica-se a diferenciação entre soft law e hard
law, sendo que esta refere-se a obrigações juridicamente vinculantes (1) que são precisas (2),
e que delegam (3) a uma autoridade o poder de interpretação e implementação da lei. Por
contraste, soft law é definida como uma categoria residual, ou seja, são normas que não
reúnem as três categorias necessárias para serem consideradas hard law: vinculação, precisão
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ou delegação (SHAFFER; POLLACK, 2010. p. 714). A título de exemplo, seriam soft law as
declarações, as instruções, as recomendações e as resoluções de agências internacionais.
Os princípios de Direito Ambiental Internacional, provenientes das declarações
elaboradas nas Convenções de Estocolmo em 1972 e do Rio de Janeiro em 1992 são também
exemplos de soft law. Isso não significa, contudo, que eles sejam vazios em seu conteúdo
normativo. A Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento indica, em seu
Princípio 3, que “o direito ao desenvolvimento deve exercer-se de forma tal que responda
equitativamente às necessidades de desenvolvimento e ambientais das gerações presentes e
futuras”. Indica, ainda, em seu Princípio 4, que “a fim de atingir o desenvolvimento
sustentável, a proteção do ambiente deverá constituir parte integrante do processo de
desenvolvimento e não poderá se considerar em forma isolada”.
O problema das normas soft law é que elas, apesar de serem um importante passo
inicial para a regulamentação ambiental, ajudando na sedimentação dos discursos relativos ao
meio ambiente, muitas das vezes são simplesmente ignoradas. Os princípios e recomendações
têm a função de suprir as lacunas legais, conferindo operacionalidade ao sistema jurídico,
oxigenando-o, portanto. Uma norma flexível, no entanto, não é equivalente a uma norma
inexistente. Tomemos como exemplo a cláusula geral da boa-fé no Direito Civil brasileiro:
apesar de maleável, a construção argumentativa doutrinária e jurisprudencial confere
concretude ao princípio. Do mesmo modo deveria acontecer a aplicação do princípio de
desenvolvimento sustentável, por exemplo. Contudo, o que se observa são os interesses
econômicos ditando a aplicação do princípio, que se torna residual.
Ora, o Código Florestal, elaborado, em princípio, sob a lógica do desenvolvimento
sustentável, apesar de caracterizado como hard law, vem sendo esvaziado em sua aplicação,
tal qual as normas soft law. A flexibilização da proteção das APPs, bem como a inefetividade
dos mecanismos previstos pela lei indicam que o interesse socioeconômico sobrepõe-se à
necessidade de proteção ao meio ambiente, prejudicando, assim, o equilíbrio entre os fatores
social, econômico e ecológico almejado pelo desenvolvimento sustentável.

6. Considerações finais

Considerando as contradições e a inefetividade do Código Florestal expostas acima,


concluímos que os mecanismos nacionais que se propõem a regulamentar as atividades que
afetam o meio ambiente devem dialogar com as tendências da esfera internacional, mesmo
que estas sejam constituídas por documentos soft law. Isso porque o argumento
desenvolvimentista, que desconsidera, muitas das vezes, a urgência de proteção do meio
ambiente, tem forte apelo nos núcleos de poder responsáveis pela tomada de decisão estatal.
Em outras palavras: caso não haja diálogo entre as esferas nacional e internacional, o meio
ambiente continuará sendo prejudicado.

Referências

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São Paulo: Atlas, 1998.

BRASIL. Decreto n.º 23.793, de 23 de janeiro de 1934. Rio de Janeiro, 1935.

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OBSERVATÓRIO DO CÓDIGO FLORESTAL. Código Florestal: Avaliação 2012 - 2016.


Disponível em: <http://www.observatorioflorestal.org.br/view-publicacoes> Acesso em: 03
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environment and development: our common future. Oslo, Norway: United Nations General
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