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18 E 19 DE OUTUBRO DE 2017
FACULDADE DE DIREITO DA UFMG
ANAIS DO I CONGRESSO MINEIRO DE
DIREITO AMBIENTAL:
PERSPECTIVAS E DESAFIOS PARA A
PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE
Daniel Gaio
Lara Ramos da Silva
(Organização)
Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecária: Geyse Maria Almeida Costa de Carvalho CRB 11/973
S749a
Congresso Mineiro de Direito Ambiental: perspectivas e desafios para a
proteção do meio ambiente na contemporaneidade, 1.: 2017.275 p.
ISBN: 978-85-9547-012-5
CDU: 349.6
CDD: 349
I CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL
Perspectivas e desafios para a proteção do meio ambiente na contemporaneidade
Universidade Federal de Minas Gerais 2017
PARECERISTAS
Alexandre Gaio
Beatriz Vignolo
Daniel Gaio
Érica Maria de Almeida Souza
Fernando Barotti
Luciano José Alvarenga
Luiz Carlos Garcia
Maraluce Maria Custódio
Márcio Luis de Oliveira
Samuel Fernandes dos Santos
Wallace Andrade Melilo Carrieri
APOIO
I CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL
Perspectivas e desafios para a proteção do meio ambiente na contemporaneidade
Universidade Federal de Minas Gerais 2017
APRESENTAÇÃO
Nunca se falou tanto em meio ambiente como nas últimas décadas, em grande parte
pelos desdobramentos das ações humanas que têm afetado profundamente a vida no planeta e
seus recursos naturais. Diante de tantos desafios acerca do tema, surgiu a necessidade de
realização de um Congresso que proporcionasse um espaço de debates e trocas de
informações na Universidade, bem como o desenvolvimento de pesquisa acadêmica de
interessados na área.
Assim, a partir de iniciativa dos alunos da Faculdade de Direito e Ciências do Estado
da Universidade Federal de Minas Gerais, com apoio da PRAE-UFMG e coordenado pelo
Grupo de Estudos de Direito Ambiental (GEDA-UFMG), juntamente com o Grupo de
Estudos de Direito Ambiental Internacional (GEDAI-UFMG) e o Projeto de Pesquisa RE-
HABITARE, concretizou-se a realização do I Congresso Mineiro de Direito Ambiental -
Perspectivas e desafios para a proteção do meio ambiente na contemporaneidade. A proposta
central consistiu em discutir assuntos relevantes e atuais envolvendo as questões
socioambientais, garantindo um ambiente aberto para debates, estudos, compartilhamento de
informações, análise crítica e produção acadêmica em torno de tal temática. Proporcionar a
visibilidade da temática socioambiental junto ao campo do Direito também fez parte do
propósito do evento, possibilitando que elementos teóricos ambientais sejam confrontados
com casos práticos, em especial no que se refere ao rompimento da Barragem de Mariana
(MG), que está completando 2 anos.
A possibilidade de submissão e apresentação de trabalhos científicos concretizou outro
objetivo do I Congresso Mineiro de Direito Ambiental, proporcionando aos alunos,
principalmente aos graduandos, a oportunidade de compartilharem suas pesquisas e
conhecimentos e participação em debates na área de interesse. A partir dos temas atualmente
discutidos e que tem recebido significativa atenção, o evento delineou cinco áreas temáticas
para a participação de estudantes: Mineração e Recursos Hídricos; Proteção de Biomas e
Espaços Ambientais Protegidos; Licenciamento Ambiental e Responsabilidade Ambiental;
Justiça Ambiental e Conflitos Socioambientais; e Proteção Internacional do Meio Ambiente.
Houve diversificada submissão de artigos científicos entre várias áreas do
conhecimento e instituições acadêmicas, sendo ao final aprovados 24 trabalhos, os quais
compõem esta publicação. Tendo como referência inicial as cinco áreas temáticas, observa-se
que os artigos que compõem estes Anais enfrentam grande parte dos conteúdos do direito
ambiental, perpassando pela abordagem constitucional e internacional do meio ambiente, pelo
licenciamento e pelos procedimentos administrativos ambientais; abrangendo também a
responsabilidade por danos ao meio ambiente, os princípios constitucionais e sua relação com
a sustentabilidade, os espaços ambientais protegidos, a educação ambiental e os mecanismos
de participação social. Ademais, destacam-se as abordagens relacionadas à justiça ambiental e
aos conflitos socioambientais, áreas que ainda são pouco estudadas no campo do Direito, mas
que se constituem inevitável tendência nos círculos acadêmicos, impulsionada pelos graves
impactos sociais às comunidades afetadas pela implementação de empreendimentos
minerários, hidrelétricas, e outros que alteram substancialmente as condições de vida da
população. Não poderia ser de outra forma, pois o papel de uma universidade é a de estar
inserida na realidade social, enfrentando e apontando novas perspectivas para os problemas
reais enfrentados pelo conjunto da população. Por último, cabe ressaltar o olhar crítico
presente nos trabalhos, que buscaram ir além das análises teóricas e rasas, promovendo
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Perspectivas e desafios para a proteção do meio ambiente na contemporaneidade
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Daniel Gaio
Lara Ramos Silva
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SUMÁRIO
Abstract: The geological coincidence between mineral reserves and the underground supply
springs in the Quadrilátero Ferrífero is a paradox that is little faced by the public power,
companies and society, since in much of the mines is extracted much more water than ore,
mainly in mining that are located below the water table, because they demand the drainage of
the waters in great scales, causing the lowering of the aquifer. This has caused a decrease in
the flow of important water sources that serve as direct and indirect supply of the population
of the RMBH (Greater Belo Horizonte Metropolitan Region). However, these impacts have
not been previously stipulated in mineral licensing, environmental licensing, concession rights
for the use of, basin diagnostics and water and metropolitan planning. The resolution of the
conflict between the preservation of water resources and the mineral economic use in the
1 Mestranda em Direito (UFMG). Especialista em processo pela PUC-Minas. Advogada e Professora de Direito
Ambiental. Email: biavignolo@hotmail.com
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Quadrilátero Ferrífero must pass through the understanding that it is necessary to control the
logic of capital that influences the territorial public management.
1. Introdução
2. Desenvolvimento
de impacto ambiental. Além disso, dispõe o parágrafo seguinte desse mesmo dispositivo que
aquele que explorar recursos minerais deve recuperar o meio ambiente degradado. Ocorre que
o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) não aprofunda a análise dos danos hidrogeológicos do
empreendimento mineral - especialmente o rebaixamento do lençol freático - sobre a área de
influência direta, indireta e a bacia hidrográfica em que se localiza. Tampouco é realizada uma
análise de impacto hídrico e ambiental integrada com outros empreendimentos.
O caput do art. 225 da Constituição impõe ao Poder Público o dever de preservar o
meio ambiente para as presentes e futuras gerações e, para reforçar a proteção ambiental da
biodiversidade e consequentemente dos mananciais hídricos, a Constituição impõe ao Poder
Público o dever de definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus
componentes a serem especialmente protegidos (art. 225, 1º, III da CRFB/1988).
A concepção de espaços especialmente protegidos iniciou nos Estados Unidos, no
século XX, e baseava-se na ideia de que o homem poderia degradar a natureza (transformar a
biosfera), mas com a possibilidade de destinar parte dos espaços para manutenção de seu
estado natural, primitivo, anterior à intervenção humana (DIEGUES, 2008, p. 25).
O Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC (Lei 9.985/2000)
estabelece as normas para a criação, implantação e gestão das unidades de conservação no
Brasil, divididas basicamente em dois grupos com características específicas: as unidades de
uso sustentável e as unidades de proteção integral. Nas unidades de uso sustentável há
permissão de uso direto dos recursos naturais daquele espaço delimitado (art. 2º, IX e X e art.
7º, da Lei 9.985/2000). Essa categoria, relativamente rara até os anos 1970, passou a ser muito
comum no Brasil, apesar do valor de proteção reduzido (RODRIGUES, 2005, p. 26).
Percebe-se verdadeira proteção especial apenas nas unidades de conservação de
proteção integral, já que nelas é admitido apenas o uso indireto dos recursos naturais, que, nos
termos do art. 2º, IX da Lei 9985/2000, é aquele que não envolve consumo, coleta, dano ou
destruição. No entanto, essas unidades não representam nem 1,9% do território nacional
(MILANO, 2001, p. 5) e 2,7% do território da RMBH (MINAS GERAIS, 2011a, p. 98), o que
indica um desequilíbrio na proteção da biodiversidade e dos mananciais hídricos.
Assim, a criação de unidades de conservação tem sido uma estratégia comum para a
conservação da natureza e os conflitos advindos da mineração no Estado de Minas Gerais,
decorrentes de seus impactos, ocasionou um recrudescimento de movimentos sociais que
reivindicam a criação de unidades de conservação de proteção integral nas áreas visadas por
empreendimentos minerais, a exemplo do Abrace a Serra da Moeda, Águas do Gandarela,
Movimento em Defesa das Serras e Águas de Minas e Águas de Casa Branca.
Há certa condescendência por parte do poder público com os danos hídricos,
ambientais e sociais oriundos dessa atividade econômica. Em nome do interesse nacional
preconizado pela Constituição (art. 176, §1º, CRFB/1988), defende-se a preponderância da
extração mineral sobre outros valores constitucionais de igual interesse público (TRINDADE,
2009, p. 63-64), como a proteção do meio ambiente, tratando o direito ao aproveitamento
econômico mineral em termos absolutos, ou seja, que não sofre limitação por outros direitos.
A Constituição, ao tratar a mineração como atividade de interesse nacional (art. 176,
§1º), cria uma figura jurídica peculiar, pois atribui o domínio dos recursos minerais à União e
garante ao minerador o direito de propriedade sobre o produto da lavra (art. 20, IX e art. 176,
CRFB/88) (FREIRE, 2010, p. 66).
Aponta a doutrina mineral que a diferenciação entre a propriedade dos recursos
minerais e do solo seria uma forma de viabilizar a “justiça distributiva” da exploração
mineral, porque seria uma forma de reverter para a população, por intermédio do Estado, os
benefícios advindos da exploração mineral (TRINDADE, 2009, p. 63-64).
Defende-se a preponderância da atividade mineral sobre outras de igual interesse
público, em razão de previsões legais de fomento que proíbem a paralisação das operações de
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pesquisa e lavra, sob pena de sanções, inclusive a caducidade do título obtido pelo
empreendedor, conforme arts. 29, II e 47, XIV do Código de Minas - Decreto-Lei nº 227/1967
(TRINDADE, 2009, p. 59). Há quem defenda, inclusive, a possibilidade de extração de
recursos minerais no interior de unidades de proteção integral (COSTA; AMORIM, 2009, p.
51).
Essa concepção reflete na maneira como cada autor enxerga a função social da
propriedade mineral. Há doutrinadores que defendem que a função social da propriedade
mineral assume dimensão plúrima, pois deve ser vista em face do Estado, do empreendedor
mineral e a coletividade. Para o Estado, representa a obrigação do Poder Público viabilizar e
fomentar o acesso aos recursos minerais; para o empreendedor significa utilizar o recurso de
forma racional, o transformando em riqueza efetiva; para a coletividade constitui no
compartilhamento de riquezas e benefícios da exploração mineral sem perder de vista a
sustentabilidade e a proteção do meio ambiente (TRINDADE, 2009, p. 71).
Por outro lado há autores que, ao promoverem uma análise mais crítica da atividade,
defendem que a apuração da função social da mineração demanda a avaliação dos impactos
socioeconômicos dessa atividade, que passa por dois eixos principais: o bem-estar que
significa promover melhores condições de vida; e o outro é avaliar se a atividade gera efeitos
fiscais positivos, com tributação justa e adequada. Apontam esses autores que a mineração
não tem sido capaz de promover melhores condições de vida para a população dos municípios
mineradores, e o Estado, por sua vez, não tributa o setor de forma justa e adequada. Esses
fatores levam ao entendimento de que o setor mineral não está orientado para cumprir sua
função social e tem sido incapaz de gerar dinamismo na economia, o que o caracteriza como
um “enclave” que é a característica das atividades que geram poucos elos produtivos e muitos
impactos para a coletividade (BATISTA JÚNIOR; SILVA, 2013, p. 503).
A busca pela função social da atividade de mineração se sobreleva principalmente
porque se utiliza de recursos não renováveis, fadados ao esgotamento, de modo a evitar a
exploração inadequada, o esgotamento prematuro ou a degradação ambiental irreparável
(BATISTA JÚNIOR; SILVA, 2013, p. 484).
Os bens minerais somente podem ser pesquisados, extraídos e comercializados com a
autorização do poder público, neste caso representado pelo Departamento Nacional de
Produção Mineral (DNPM), vinculado ao Ministério de Minas e Energia. O DNPM, órgão da
administração indireta, tem por objetivo o fomento da exploração e do aproveitamento dos
recursos minerais, responsável pelo processo administrativo de outorga de direitos minerários,
que deve obedecer aos princípios do devido processo legal e demais normas aplicáveis à
Administração Pública (TRINDADE, 2009, p. 165).
No entanto, em nome da missão de fomento à mineração, princípios constitucionais
básicos do Estado Democrático de Direito são preteridos, a exemplo do princípio da
publicidade que é atingido por Portaria do DNPM que considera sigilosos os processos
administrativos minerários, impedindo o acesso de terceiros aos processos de outorga desses
direitos (Portaria DNPM 155/2016, art. 26). Esse dispositivo, de constitucionalidade
duvidosa, considera apenas como terceiros interessados os superficiários das áreas oneradas e
os cessionários dos direitos minerários. Alega-se que o objetivo é proteger a propriedade
intelectual e industrial de seus titulares (art. 5º, XXIX, CRFB/88), que poderia ser violada
caso terceiros tivessem acesso aos dados e informações técnicas dos beneficiários dos títulos
minerários (BRAGA, 2010, p. 01).
Na prática, a Portaria impede que a população atingida por empreendimentos
minerários tome conhecimento prévio acerca dos projetos de exploração mineral previstos
para sua região, sendo garantida a publicidade apenas no licenciamento ambiental estadual, ou
seja, depois que o empreendimento já foi todo delimitado no âmbito federal. A exploração
mineral pretendida é aquela detalhada no plano de aproveitamento econômico (PAE)
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apresentado ao DNPM e que, muitas vezes, não é a mesma exploração retratada no estudo de
impacto ambiental apresentando ao órgão estadual. É comum que o empreendimento em
licenciamento ambiental se refira apenas a parte do PAE, o que causa um sub-
dimensionamento do empreendimento e consequentemente dos impactos, resultando no
fracionamento do licenciamento ambiental de projetos que já estavam previstos no PAE muito
tempo antes do licenciamento ambiental (MINAS GERAIS, 2012, p. 08).
A noção de injustiça ambiental ficou evidente a partir do movimento nascido nos
Estados Unidos nos anos 60 que articulou lutas de caráter social, territorial, ambiental e de
direitos civis. Os embates eram contra as condições inadequadas de saneamento,
contaminação química de locais de moradia e trabalho e disposição inadequada de lixo tóxico
e perigoso, acionando-se a noção de “equidade geográfica”. (ACSELRAD, 2004, p. 33).
O processo de industrialização deflagrado no Século XIX foi acompanhado de
problemas urbanos e ambientais que devem ser enfrentados pela sociedade atual. A transição
da produção artesanal para a industrial, e do capitalismo comercial e bancário para o
capitalismo concorrencial, acompanhou uma enorme crise social, pouco estudada no que diz
respeito aos impactos nas cidades, no sistema urbano (LEFEBVRE, 2001) e meio ambiente.
O crescimento econômico (quantitativo) vem desacompanhado do desenvolvimento
social (qualitativo), especialmente nos países mais pobres. A sociedade urbana demanda uma
planificação pautada nas necessidades sociais, de modo que a classe trabalhadora possa
efetivamente participar e influenciar na organização da cidade. Apontam os teóricos da cidade
a necessidade de se caminhar em direção a uma nova sociedade urbana, em que sejam
redefinidas as formas, funções, estruturas e necessidades sociais (LEFEBVRE, 2001).
As cidades, embora existam antes do capitalismo, foram modificadas profundamente
pelo capital, que busca adequá-las aos interesses de diversas forças do setor produtivo
(imobiliário, latifundiário, industrial, mineral etc.). O estudo dos problemas urbanos tem sido
negligenciado nas políticas públicas de desenvolvimento, nos cursos acadêmicos e também
nos debates da esquerda (MARICATO, 2015, p. 40).
O Estado possui papel relevante na forma de produção do espaço urbano devido à sua
competência de regulação e controle sobre o uso, ocupação do solo e meio ambiente. Nas
palavras da Professora Ermínia Maricato, o Estado “(..) é, portanto, o principal intermediador
na distribuição de lucros, juros, rendas e salários (direto e indireto), entre outros papéis”
(MARICATO, 2015, p. 25).
O problema é que muitas vezes o investimento público é pautado pelos interesses do
mercado, aqui incluído o marketing urbano, e pelos interesses eleitorais, desprovidos de um
planejamento urbano. Os espaços ambientalmente frágeis - quando desinteressantes
economicamente para o mercado legal - são ocupados por grande parte da população, com
consequências avassaladoras para vida humana, meio ambiente e recursos hídricos
(MARICATO, 2015, p. 26).
O ambiente urbano é moldado conforme as necessidades do capital, contudo a
produção do espaço urbano interessa mais especificamente a um determinado grupo
econômico que trata a cidade como mercadoria (MARICATO, 2015).
Esse modelo compromete o papel dos dirigentes políticos, colocando-os em uma
posição de vendedores, pois planejam as cidades inspirados em conceitos empresariais,
preocupados essencialmente com o fomento a novas indústrias e investimentos. Ver a cidade
como empresa significa concebe-la como agente econômico que atua no contexto do mercado,
sob suas regras e modelos, tomando decisões a partir de das informações e expectativas do
capital (VAINER, 2002).
O capital imprime um valor de troca na cidade - vista como mercadoria - em oposição
ao valor de uso por parte da população, mormente a classe trabalhadora, que necessita de
serviços públicos de qualidade e baixo custo, como o transporte, abastecimento de água,
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3. Considerações finais
Referências
BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves; SILVA, Fernanda Alen Gonçalves da. A função social da
exploração mineral no Estado de Minas Gerais. Revista da Faculdade de Direito UFMG,
Belo Horizonte, n: 62, p. 475-505, jan.-jun. 2013.
BRASIL. Lei nº. 9985, de 18 de junho de 2000. Regulamenta o art. 225, § 1o, incisos I, II, III
e VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da
Natureza e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9985.htm>. Acesso em: 10 nov. 2015.
COSTA, Solange Maria Santos; AMORIM, Lauro Angelo Dias de. Mineração e espaços
territoriais especialmente protegidos. In: GANDARA, Leonardo André et al. (Org.). Direito
minerário: estudos. Belo Horizonte. Del Rey. 2011.
FREIRE, William. Código de mineração anotado. 5ª ed. rev. atual. e ampl. – Belo
Horizonte: Mandamentos, 2010.
DIEGUES, Antônio Carlos. O mito moderno da natureza intocada. 6ª ed. São Paulo:
Hucitec, 2008.
FREIRE, William. Código de mineração anotado. 5º ed. rev. atual. e ampl. – Belo
Horizonte: Mandamentos, 2010.
MARICATO, Erminia. Para entender a crise urbana. 1ª ed. São Paulo: Expressão Popular,
2015.
MILANO, Miguel Serediuk. Unidades de conservação: técnica, lei e ética para a conservação
da biodiversidade. In: VIO, Antônio Pereira de Ávila et al. (Org.). Direito ambiental das
áreas protegidas: o regime jurídico das unidades de conservação. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, p. 03-42.
RUBIO, Rafael Fernandez. A gestão dos recursos hídricos e a mineração: visão internacional..
In: DOMINGUES, Antônio Felix; BÓSON Patrícia Helena Gamboji (Org.). Gestão dos
recursos hídricos e mineração. Brasília: Agência Nacional de Águas/Instituto Brasileiro de
Mineração, 2006. Disponível em: <http://ana.gov.br/publicacoes_2006>. Acesso em: 14 out.
2015.
Palavras chaves: água; mineração; violação de direitos; Conceição do Mato Dentro; conflito
ambiental.
2 Graduanda em Ciências Socioambientais pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Membro do
projeto “Água e território no entorno do Empreendimento Minas-Rio: usos e conflitos”, fomentado pelo CNPq,
vinculado no Projeto de Pesquisa “Poder, território e conflito: processos de territorialização e mineração em
Conceição do Mato Dentro (MG)”, que vem sendo realizada no âmbito do Observatório dos Conflitos
Ambientais em Minas Gerais, desenvolvido pelo Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais – GESTA/UFMG,
sob orientação da Profa. Dra. Ana Flávia Moreira Santos. E-mail: liviafcduarte@hotmail.com
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1. Introdução
A água, recurso essencial para a existência humana, se transformou, nos últimos anos,
para as comunidades no entorno do empreendimento Minas-Rio, de um recurso farto e
ilimitado, em um recurso cujo acesso é crítico. O seu uso é disputado por diversos atores
dentro do campo ambiental, contrapondo, sobretudo, o consumo humano em moldes
tradicionais, envolvendo usos múltiplos e o uso industrial. Nesse contexto, podemos
considerar o conflito ambiental desse empreendimento como um dos mais emblemáticos no
que diz respeito ao tema água. Esses usos são envoltos por diferentes olhares em relação ao
recurso e tratam, conforme Galizoni (2005), das relações sociais em torno das formas de
apropriação dos recursos hídricos: uma dádiva, para as comunidades rurais; um bem
econômico que se torna mercadoria, para a empresa minerária. Na visão desenvolvimentista,
como afirma Diegues (2009, p.16 apud Zhouri et al 2012, p. 151), a água é tratada como um
bem controlado pela tecnologia, apropriado de forma privada ou corporativista, tornando-se,
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assim, uma mercadoria. Na perspectiva tradicional, por sua vez, e bem como observado na
região em tela, a água que corre nos quintais é fundamental no cuidado das hortas, pomares e
plantios; para o consumo doméstico, pesca, criação e dessedentação de animais, além de ser
elemento sagrado em batismos religiosos e rituais de cura.
Desde 2008, constam boletins de ocorrências e reclamações dos moradores
denunciando sobre as mudanças de cor nas águas de um dos córregos mais importantes na
localidade, impossibilitando o consumo e ensejando o aparecimento de coceiras nas peles dos
usuários. Conforme informação técnica elaborada em 2009 pelo Ministério Público Federal,
naquele ano já se constatavam diversos impactos nos cursos hídricos locais:
Deixava a gordura esquentando lá e chega no rio, já que não tem carne hoje, vou ali
pegar o lambari pra eu comer agora, com um arroz, uma couvinha com angu. Podia
deixar a panela esquentando lá e ia lá e pegava, hoje não tem nada, morreram tudo,
eles mataram nossos peixes, acabou com o lazer da gente [...] hoje a gente como o
quê? Do mercado, se você tiver dinheiro, se não tiver, você come sem os peixes
(moradora da comunidade, 2017).
A água que tinha aqui hoje não tem mais. Essa é a frase mais ouvida durante as
vivências com os moradores. A empresa justifica a falta d’água como um fenômeno climático
natural, como afirma o Parecer Único da SUPRAM da Licença de Operação da Fase II da
expansão da mina do Sapo:
Pela análise dos fluviogramas apresentados verificou-se para os anos de 2014 e 2015
uma relativa redução de vazões nos cursos d’água monitorados. Entretanto,
percebeu-se também a redução do índice pluviométrico na região para esses anos,
conforme monitoramento pluviométrico apresentado. Dessa forma, entende-se haver
uma estreita relação da precipitação com a vazão de escoamento, infiltração e
abastecimento desses cursos d’água (2016, p. 20-21, grifo nosso).
Eles falam que a água tá acabando é por causa de chuva, não é por causa de chuva
não, porque eles prenderam a cabeceira da água, eu conheço toda a cabeceira
daquela água que tá presa. Eu comecei a trabalhar ali eu tava com sete anos, com
meus pais. Aí então, depois da água tá presa, é claro ela seca, se ela tivesse
derramando, pelo menos descia, né? Saía nascente de água pra todo lado [...] Lá
nessa barragem, é água ungida, a água de curar [...] É, água benta [...] Pra curar
ferida, pra curar doença [...] e hoje ela tá presa lá nesse represa lá que eles fizeram
(moradora da comunidade, 2017).
4 Em 2010, a comunidade de Água Quente foi considerada atingida emergencial em relação à água, devido à
piora significativa da qualidade das águas dos córregos Passa Sete e Pereira que cortam a comunidade.
5 Nome fictício
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da localidade. Aqui não faltava água não, foi o que mais ouvi por quase todos os moradores
mais velhos durante um trabalho de campo realizado neste mês de agosto. Essas águas,
outrora eram usadas para a irrigação das hortas e quintais, para a dessedentação dos animais –
galinhas e porcos – para tomar banho, beber, fazer comida, lavar roupas e vasilhas. As águas
começaram a secar em 2011 e, desde então, as famílias são abastecidas por caminhão pipa
através de duas caixas d’água, duas vezes na semana fornecidas pela Prefeitura de Conceição
do Mato Dentro. No entanto, os moradores não sabem a origem dessa água e as caixas d’água
estão completamente sujas, e até mesmo a Prefeitura já assumiu os riscos de se beber dessa
água:
A água tava amarela, mas nós usava dela mesmo assim. Aí depois eles falaram com
nós que não podia usar, num podia nem por na boca (moradora da comunidade,
2017).
O córrego Pereira, muito utilizado para lavar roupas, lazer e para a prática da pesca
artesanal, está hoje poluído, assoreado e com uma vazão bem menor que há alguns anos. O
secamento dessas águas tornou impossível alguns desses usos tradicionais, como a criação de
porcos, que necessita de muita água em sua alimentação; a pesca, dada a mortandade de
peixes; o encontro das mulheres para as prosas enquanto lavavam suas roupas e a manutenção
das hortas, o que altera gravemente na dieta alimentar das famílias, pois antes o que se tinha
em abundância, hoje deve ser adquirido nos mercados na cidade, bem como relata moradora:
Tinha horta, colhia muita verdura, alho, nos vendia alho, vazia aquelas trancinha, era
bonito demais. [...] era tempo bom mesmo. Agora se a gente quiser comer verdura
tem que comprar. Antigamente a gente vivia na fartura, hoje tem hora que tem que
comprar [...] se for pra lembrar tudo o que nós colhia, dava um caderno. A gente
acaba ficando triste também (moradora, 2017).
Isso aqui atrasa a gente demais, minha filha. Olha só, a gente deve ter demorado
uma hora aqui.
Eu: E a senhora ia tá fazendo o quê agora se não tivesse que vir buscar água?
Ela: Ah, eu ia tá lavando roupa, fazendo comida pra quando os meninos chegar. [...]
A gente pena demais, viu [...] A gente tem que parar as obrigações da gente pra ir
buscar água.
6 Compreende-se aqui por desterritorialização aquilo que define Haesbaert (2006, p. 67) como tanto pela
exclusão no acesso a terra enquanto meio de produção tanto quanto num nível simbólico. “Desterritorialização,
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portanto, antes de significar desmaterialização, dissolução das distâncias, deslocalização de firmas ou debilitação
dos controles fronteiriços, é um processo de exclusão social, ou melhor, de exclusão socioespacial. (...) Na
sociedade contemporânea, com toda sua diversidade, não resta dúvida de que o processo de “exclusão”, ou
melhor, de precarização socioespacial, promovido por um sistema econômico altamente concentrador é o
principal responsável pela desterritorialização”.
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Ora, pela extensão do documento, pelo arcabouço técnico que dificulta aos leigos nas
áreas de engenharia o compreender (o Estudo deve ser direcionado, sobretudo, aos atingidos
que, em sua maioria, não apresentam ensino médio e superior), deveria ser especificado de
maneira direta os pontos d’água que serão afetados, não deixando ao leitor que faça, além da
cansativa leitura, outra análise espacial minuciosa para se poder ter real dimensão do
empreendimento. Além do mais, os impactos são divididos a partir das etapas de
planejamento, operação e desativação do projeto de extensão da mina. Dentro dessa divisão,
há uma nova subdivisão, em impactos do meio biótico, do meio físico e do meio
socioeconômico, não fazendo uma relação entre elas, como se o ecossistema funcionasse de
maneira separada, e cultura e natureza pudessem ser dissociadas. Dessa forma, a análise
fragmentada feita pela empresa não permite uma compreensão total e real dos efeitos
socioambientais do empreendimento na região.
Além da estratégia de naturalização e subdimensionamento do impacto da qualidade
das águas, a violação de direitos em torno da questão da água é considerada, no entanto, um
mero impacto, uma mera externalidade a ser mitigada por programas e medidas de mitigação
e compensação. A empresa desconsidera as controvérsias científicas sobre o assunto,
desconsidera os diversos relatórios produzidos que comprovam a gravidade do impacto e as
próprias narrativas e vivências dos moradores. Tem sido apoiada pelo Estado, que licencia o
empreendimento e suas diversas fases, mesmo com as inúmeras condicionantes não
cumpridas. As comunidades são, portanto, excluídas do processo de desenvolvimento,
recebendo dele apenas as cargas dos danos ambientais, revelando uma condição de injustiça
social, bem como afirmam Zhouri e Laschefski:
Assim, esses conflitos ambientais denunciam contradições nas quais as vítimas não só são
excluídas do chamado desenvolvimento, como também assumem todo o ônus dele resultante.
Ou seja, eles evidenciam situações de injustiça ambiental, que é a condição de existência
coletiva própria a sociedades desiguais onde operam mecanismos sociopolíticos que destinam a
maior carga dos danos ambientais do desenvolvimento a grupos sociais de trabalhadores,
populações de baixa renda, segmentos raciais discriminados, parcelas marginalizadas e mais
vulneráveis da cidadania (2010, p. 04).
3. Conclusões
Minas, há 10 anos, apontam não somente para as diferentes percepções do que é o que
chamamos de natureza, mas também os conflitos que surgem a partir dessas diversas
apropriações, usos e significações, predominando uma visão ortodoxa, hegemônica (natureza
como mercadoria), o que se reflete em uma condição de injustiça ambiental. A água é de
domínio público, mas seu acesso efetivo é regulado pelo poder econômico.
Referências
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sociais e resistência da honra em comunidades rurais de Minas Gerais. Dissertação de
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LITTLE, Paul E. Territórios sociais e povos tradicionais no Brasil: por uma antropologia da
territorialidade”. Série Antropologia, n° 322, Brasília: DAN/UnB. 2002.
Abstract: This paper aims to analyze the concepts of environment and sustainability in order
to check on the definition and the legal nature of mineral water and water resources. It
questions whether the water management presented in brazilian legislation is appropriate, as
well as the mineral water management carried out by DNPM. It grows under the perspective
that mineral water is primarily a water resource. It gets to the conclusion that, in attention to
water as a human right, it must be protected more efficiently, living up to its fundamental role
to the environment.
Keywords: mineral water; water resources; legal nature; human rights; law.
1. Introdução
2. O Meio Ambiente
Para além do senso comum acerca do meio ambiente, sua definição extrapola a fauna,
a flora e as paisagens bucólicas. Abarca todo local em que há manifestação da vida, seja ela
humana ou de qualquer outro tipo, assim como quaisquer elementos que a componham, como
bem pontuado por Talden Farias (2009). Entende-se, dessa forma, que o meio ambiente é
formado de modo bastante integrativo, abrangendo desde vegetações, clima e solo até
condições sociais, culturais e econômicas.
A Lei 6.938 de 1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, traz
uma sucinta, porém ampla definição do meio:
O vasto conceito foi desenvolvido pela doutrina, resultando em dadas divisões mais
específicas da definição jurídica do meio ambiente. São elas o meio ambiente natural, o
artificial, o cultural e o do trabalho. O meio ambiente natural, também chamado de meio
ambiente físico, é composto pelos recursos naturais, sendo justamente o que cotidianamente é
entendido como meio ambiente: água, atmosfera, solo, subsolo, animais e vegetações em
geral. Em contraposição a isso, o meio ambiente artificial é aquele que ostenta construções ou
modificações realizadas pela atividade humana. O conceito se aplica tanto para espaços
urbanos quanto rurais, embora possua maior fulcro nas cidades.
O meio ambiente cultural, por sua vez, engloba tanto bens materiais como imateriais:
edificações, patrimônios históricos e ecológicos, obras de arte, danças, cultos, costumes
alimentares, etc. A justificativa para a particularização desse aspecto do meio ambiente está
em seu simbolismo para o ser humano, uma vez que, com a vivência em dado local ou
sociedade, são construídas identidades e são dadas valorações a cada item que faz parte desse
ambiente. Pode o meio ambiente cultural ser percebido na Constituição Federal de 1988:
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e
imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à
identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade
brasileira, nos quais se incluem:
I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver;
III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às
manifestações artístico-culturais;
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico,
arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
3. A sustentabilidade
4. As águas
A Lei 6.938/81, que trata da Política Nacional do Meio Ambiente é anterior à atual
Constituição, mas esta a acolhe e promove a elevação de seu conteúdo a nível constitucional,
evidenciando a importância da matéria no ordenamento. O artigo que dá especial amparo à
PNMA é o art. 225 da Constituição, que dispõe que o meio ambiente equilibrado
ecologicamente é bem de uso comum e direito de todos, sendo ainda “essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Há indicação disso na Lei da Política
Nacional do Meio Ambiente:
do povo, com atenção à representação dos valores culturais e ecológicos implícitos na sua
exploração” (GUIMARÃES, 2009, p. 193-194). Sua exploração sob uma perspectiva
unicamente mineral é ecologicamente inquietante, pois dificulta que volume e forma de
exploração e de fiscalização sejam adequadas à relevância do bem.
A falta de propriedade na afirmação jurídica da água mineral como um recurso
ambiental acima de quaisquer classificações gera impactos negativos na sua exploração
enquanto bem mineral, ainda que, como lembram Boechat e Ferreira (2015), seja necessário
licenciamento ambiental prévio para que seja feita a pesquisa mineral.
O mais pungente motivo para justificar a predominância da água como recurso hídrico
em detrimento de como recurso mineral é seu reconhecimento como direito humano. Teve
isso início marcado pela Conferência das Nações Unidas sobre Água, que ocorreu na
Argentina em 1977 e aprovou o Plano de Ação de Mar del Plata, estipulando por exemplo que
era necessário assegurar um nível adequado de água para as necessidades do planeta e
aumentar a eficiência na gestão da água (AITH; ROTHBARTH, 2015).
Já em 1992, dois eventos importantes ocorreram: a Conferência Internacional sobre
Água e Meio Ambiente, na Irlanda; e a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente
e Desenvolvimento, no Brasil. Segundo Aith e Rothbarth (2015), o primeiro abordou de forma
inédita a necessidade de os países, em suas atividades, exercerem uma gestão de recursos
hídricos eficiente. Resultou dessa conferência a Declaração de Dublin, que ditou quatro
princípios básicos sobre o tema, sendo os mais relevantes para este trabalho o de que a água
doce é finita e essencial para a continuidade da espécie humana e o de que é necessária uma
abordagem participativa para o gerenciamento da água. O outro evento, também conhecido
como Eco 92 ou Cúpula da Terra, teve como resultado a Agenda 21, instrumento de
planejamento cujo Capítulo 18 trata da qualidade, da aplicação e do manejo dos recursos
hídricos.
O reconhecimento da água como direito humano propriamente dito, de acordo com
Aith e Rothbarth, foi dado pela ONU em 2010, através da Resolução A/RES/64/292. Esta
declarou que, juntamente com o saneamento, a água limpa e segura configura-se como direito
humano essencial para o usufruto da vida e de todos os outros direitos humanos.
Posteriormente, em 2015, foram elaborados Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da
Organização das Nações Unidas, cujo sexto objetivo refere-se à disponibilidade e à gestão
sustentável da água e ao saneamento, como consta no portal da ONU Brasil.
Apesar de não constar expressamente na Constituição Federal de 1988, o direito à
água se relaciona com muitos direitos fundamentais do ordenamento brasileiro. Já no artigo
1º, III, da Carta, tem-se a dignidade da pessoa humana como fundamento da República
Federativa do Brasil. Há uma firme relação ainda com direitos constitucionalmente
protegidos, como saúde, alimentação, segurança e a própria vida.
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Perspectivas e desafios para a proteção do meio ambiente na contemporaneidade
Universidade Federal de Minas Gerais 2017
7. Considerações finais
Referências
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Acesso em: 25 ago. 2017.
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Universidade Federal de Minas Gerais 2017
8 Trabalho financiado pelo Edital nº 05/2016 (Projeto nº FIP 2016/11173-S2) do FIP/PUC, resultante dos Grupos
de Pesquisas (CNPQ): REGA, NEGESP e CEDIS (FCT-PT).
9 Graduanda em Direito da PUC Minas. Email: calazanseduarda@gmail.com
10 Pós-doutor em Direito Público e Educação pela Universidade Nova de Lisboa-Portugal. Pós-doutor em
Direito Civil e Processual Civil, Doutor em Direito e Mestre em Direito Processual, pela Universidad de Deusto-
Espanha. Mestre em Educação pela PUC Minas. Professor do Mestrado Acadêmico em Direito Ambiental e
Sustentabilidade na Escola Superior Dom Helder Câmara. Professor Adjunto da PUC Minas e Professor Titular
licenciado da Faculdade de Direito Arnaldo Janssen. Advogado Sócio do Escritório Moraes & Federici
Advocacia Associada. Integrante dos grupos de pesquisa: Regulação Ambiental da Atividade Econômica
Sustentável (REGA)/CNPQ-BRA, Centro de Investigação & Desenvolvimento sobre Direito e Sociedade
(CEDIS)/FCT-PT e Núcleo de Estudos sobre Gestão de Políticas Públicas (NEGESP)/CNPQ-BRA. Email:
federici@pucminas.br
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there is a need to protect the environment in a robust way, but perhaps such a measure only
inhibits small-scale miners and hinders free competition. It should be remembered that the
environment is infungible and that millionaire fines will not provide an ecologically balanced
environment and much less restore the damage caused.
1. Introdução
Ao se ter em vista que o Código de Mineração era muito antigo, datado de 1978, havia
a necessidade de adequá-lo a situação atual do país, diante da necessidade de proteger o meio
ambiente e concomitantemente atrair e incentivar pesquisas minerais. Recentemente, houve a
publicação da Medida Provisória (MP) nº 790/2017, que alterou o Decreto-Lei nº 227/1967 –
Código de Mineração, e a Lei nº 6.567/1978, que dispõe sobre o regime especial para
exploração e aproveitamento das substâncias minerais.
O grande objetivo da citada medida é promover alterações atinentes a pesquisa no
setor minerário, com a execução dos trabalhos necessários à definição da jazida, incluindo sua
avaliação e seu aproveitamento econômico. Ademais, também disciplina obrigações,
concessões de trechos, sanções – incluindo valores – e normas atinentes a multas, desoneração
e regras para o relatório final de pesquisa. Desse modo, o objeto do presente estudo é analisar
de maneira aprofundada a questão da reincidência diante do aumento do teto da multa
disposta na MP nº 790/2017.
Ocorre que a modificação legislativa deveria ter por escopo a proteção do meio
ambiente e a busca por investidores internos e externos para o país, tendo em vista que a
situação atual da economia tem gerado instabilidade. Aliado a esse fato, a população tem
reivindicado maior ação do Estado, visando proteger o meio ambiente, em função do desastre
ambiental em Mariana.
O problema que se pretende responder é se o aumento exorbitante de multas poderá,
de fato, tutelar de maneira adequada o meio ambiente e atrair investimentos ao setor de
mineração. Nessa linha, objetivando compreender melhor os impactos da MP nº 790/2017, foi
necessário abordar, em primeiro momento, a ponderação entre os princípios do poluidor
pagador e do desenvolvimento sustentável. Em seguida de maneira rasa, abordar a questão
atinente a responsabilidade administrativa por danos ambientais, para aprofundar na temática
do presente estudo, que é a aplicação da sanção ambiental e conseguinte agravante. No que
tange a sanção ambiental, o presente estudo aborda de forma detalhada questões atinentes a
reincidência – termo inicial, conversão da sanção pecuniária em obrigações, caracterização da
reincidência específica, existência de mais de um auto de infração anterior ou posterior, marco
legal para tipificação da reincidência, prescrição e suspensão por decisão judicial da
exigibilidade do auto de infração que gerou a reincidência. Esclarece, por fim, o impacto da
MP nº 790/2017.
Utilizou-se o método teórico-documental nesta investigação, com raciocínio dedutivo
e técnica de pesquisa bibliográfica e jurisprudencial, cujo marco teórico foi a obra de Fiorillo
e Diaféria (1999).
Conforme exposto, a aplicação da multa aos infratores é uma das sanções aplicadas
pelo Estado, que busca por meio de políticas públicas estatais, o equilíbrio entre as
externalidades negativas e o lucro do produtor. As políticas públicas possuem caráter
pedagógico, prevenindo a prática reiterada de atos prejudiciais ao meio ambiente, buscando
reparar os prejuízos ambientais porventura ocasionados e por fim há também o aspecto
repressivo, ao reparar o impacto causado diretamente as pessoas.
O entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no que tange ao poluidor-
pagador e da reparação integral segue a seguinte linha:
de que os recursos ambientais sãos finitos, de modo que as atividades econômicas devem
analisar esse fato durante sua produção, planejando de forma sustentável para que os recursos
não se esgotem 11. Desse modo, deve-se sopesar a produção e reprodução do homem e suas
atividades, garantindo igualmente uma relação satisfatória entre homens e destes com o meio
ambiente, para que as futuras gerações também tenham oportunidade de desfrutar o meio
ambiente da forma como é desfrutado atualmente 12.
Nessa senda, infere-se que o desenvolvimento econômico e a preservação ambiental
são pontos que devem coexistir, visto que são fundamentais para a sociedade, conforme
ponderam Fiorillo e Diaféria (1999, p. 58):
Assim, a livre iniciativa, que rege as atividades econômicas, começou a ter outro
significado. A liberdade de agir e dispor tratada pelo Texto Constitucional (a livre
iniciativa) passou a ser compreendida de forma mais restrita, o que significa dizer
que não existe a liberdade, a livre iniciativa, voltada à disposição de um meio
ambiente ecologicamente equilibrado. Este deve ser o objetivo. Busca-se, na
verdade, a coexistência de ambos sem que a ordem econômica inviabilize um meio
ambiente ecologicamente equilibrado e sem que este obste o desenvolvimento
econômico.
Por fim, o desenvolvimento sustentável deve ser sempre pensado visando atender os
objetivos constitucionais de garantir um meio ambiente equilibrado a todos, inclusive as
gerações futuras. O princípio do poluidor pagador faz-se necessário nessa ótica, tendo em
vista que é um instrumento utilizado para garantir o bom uso do princípio do desenvolvimento
sustentável, coibindo práticas contrárias a este.
destaque de que tal dispositivo não se aplica a autor de infração lavrados antes da publicação
do Decreto nº 6.514/2008.
Com o advento do Decreto nº 6.514/2008 ficou mais claro e objetivo para o agente
sancionador caracterizar e aplicar a reincidência, além de permitir que o infrator reconheça
com maior precisão o nexo causal entre a norma e sua ação, garantindo maior segurança
jurídica. Sob a égide do Decreto nº 3.179/1999 havia a distinção das reincidências
relacionadas a natureza, sendo a específica quando era da mesma natureza e genérica em
natureza diversa.
O Decreto nº 6.514/2008 preferiu por excluir o uso da natureza como caracterizador de
determinado tipo de infração. Segundo Orientação Jurídica Normativa nº 24/2010 o art. 11 do
referido decreto deve ser interpretado relacionado ao dispositivo legal ofendido, de modo que
se aplica a multa em triplo no caso de reincidência de infração caracterizada no mesmo
dispositivo legal, contudo não se exige que todas as condutas praticadas – verbos e ações
indicadas na norma, encontrem-se descritas no caput ou em parágrafos ou incisos. Deve-se
interpretar o dispositivo como um todo, visto que o objetivo é tutelar o mesmo bem jurídico
ambiental.
No que tange a infrações distintas, a multas será aplicada em dobro, desse modo,
ocorre essa tipificação de reincidência no caso do cometimento de infração disposta em
dispositivo diverso da anterior, pelo mesmo agente. Por mais que não haja no Decreto nº
6.514/2008 o uso da expressão reincidência genérica e reincidência específica, a doutrina
continua por tratar o cometimento de mesma infração como reincidência específica e o
cometimento de infração distinta como genérica.
Do mesmo modo como ocorre na legislação penal, as infrações administrativas
possuem vários núcleos em um único tipo penal, como no caso do art. 47 que prevê
penalidade para quem recebe ou adquire sem licença e posteriormente vende ou transporta
produto sem documento de origem válida, podendo o agente ser autuado por receber sem
licença e posteriormente em situação diversa, reincidente ao transportar. Percebe-se que está
configurada a mesma infração ao cometer qualquer conduta elencada em dispositivos que são
multinucleares.
Cabe salientar que as regras de reincidência possuem natureza de direito material,
incidindo via de regra apenas sobre fatos praticados sob sua vigência.
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Perspectivas e desafios para a proteção do meio ambiente na contemporaneidade
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No que tange a não aplicação do bis in idem, conforme já citado anteriormente, deve-
se observar a proporcionalidade da conduta visando evitar excessos, embora, a CR/1988 não
aborde expressamente a proibição de abusos por parte do Estado, tal concepção é tem sido
construída pela doutrina, baseada em disposições legais, como é possível notar no art. 4º do
Decreto nº 6.514/2008.
De toda maneira, não se deve esperar solução hermenêutica mágica que esclareça,
de antemão e globalmente, todos os casos de conflito intertemporal entre o atual e
anterior Código Florestal. No entanto, na ausência de formula pronta e acabada,
quase automática, podem aqui ser externadas algumas regras técnicas válidas para
outros campos do direito material informado pela ordem pública. O esquema é bem
simples: o novo Código Florestal não pode retroagir para atingir ato jurídico
perfeito, direitos ambientais adquiridos e a coisa julgada [...] (SÃO PAULO.
Tribunal de Justiça de São Paulo. 1ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente. Agravo
de Instrumento nº 2012816-29.2013.8.26.0000, 2013, internet).
4.8 Prescrição
4.9 Suspensão por decisão judicial da exigibilidade de auto de infração que gera
reincidência
sentenciar justificando que a sanção não é mais aplicada em função da prescrição, abordando
a futura possibilidade de uso de tal ato para caracterização da reincidência.
6. Considerações finais
existente. Resta saber se valores elevados serão suficientes para garantir a tão desejada
qualidade de vida.
Destaca-se que aplicar multas exorbitantes ao empreendedor não irá corrigir o
passado, tão pouco impedir que o meio ambiente seja afetado. Por outro lado, os efeitos
advindos dessa majoração podem desencadear mudanças que impactam inclusive no livre
mercado.
Diante do exposto, como a multa será aplicada a partir de janeiro de 2018, não é
possível verificar se os objetivos almejados serão alcançados. Entretanto, conclui-se
provisoriamente que, diante do cenário político/econômico atual, as modificações apenas
aumentaram a insegurança jurídica, afastando os desejados investimentos.
Logo, o uso da ponderação entre os princípios do poluidor-pagador e do
desenvolvimento sustentável são fundamentais, considerando conjuntamente o princípio da
livre iniciativa para garantir um meio ambiente equilibrado às gerações presentes e futuras.
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13 Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Pós-Graduado em Direito
Processual pelo IEC – Instituto de Educação Continuada da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Mestrando em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável na Escola Superior Dom Helder Câmara –
ESDHC. Pesquisador. Advogado sócio da CDG Consultoria Especializada Ltda.. Email:
leandrojfadv@gmail.com
14 Graduado em Ciências Econômicas pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Pós-Graduado em
Finanças e Controladoria pelo IEC - Instituto de Educação Continuada da Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais. Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Advogado Sócio do
Escritório Ferreira e Silva Advogados Associados. Email: advogados.ferreira.silva@gmail.com
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Perspectivas e desafios para a proteção do meio ambiente na contemporaneidade
Universidade Federal de Minas Gerais 2017
Sustainability plays an important role in this study. The study conclude that the supply of
electricity through hydroelectric plants should be guided by sustainability in its dimensions,
social, economic and environmental. For that were used in the making of this article, the legal
and theoretical strand method and deductive reasoning with the technical literature.
1. Introdução
Verifica-se, portanto que o Brasil está no rumo certo ao adotar fontes renováveis para
a produção de energia demonstrando a determinação do país em avançar na proteção e
preservação do bem ambiental cumprindo o ideal de desenvolvimento sustentável que norteia
a política nacional do meio ambiente. “O Brasil sem dúvida alguma foi vanguardista na
utilização da água como fonte de energia em larga escala. Foi, assim, o precursor na questão
da utilização de energias renováveis” (LIMA; CARVALHO, 2016, p. 71).
O Art. 176 da Constituição Federal, bem com seu § 4º, tratam timidamente da energia
renovável:
Art. 176. As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de
energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de
54
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Por isso, sem preocupação com uma classificação rígida, e com base nos arts. 6º a
11, agrupá-los-emos nas seis classes seguintes: (a) direitos sociais relativos ao
trabalho; (b) direitos sociais relativos à seguridade, compreendendo o direito à
saúde, à previdência e assistência social; (c) direitos sociais relativos à educação e
cultura; (d) direitos sociais relativos à moradia; (e) direitos sociais relativos à
família, criança, adolescente e idoso; (f) direitos sociais relativos ao meio ambiente.
Assim, a dimensão social da sustentabilidade deve ser entendida como aquela que
promova melhores condições de vida para o indivíduo e para a comunidade, de modo a incluir
os menos favorecidos e marginalizados na busca por uma sociedade mais igualitária. É
justamente a definição apontada por Almeida e Araújo:
A dimensão social, que se entende como a criação de um processo de
desenvolvimento que seja sustentado por outro crescimento e subsidiado por uma
visão do que seja uma sociedade boa. A meta é construir uma civilização com maior
equidade na distribuição da renda e de bens, de modo a reduzir o abismo entre os
padrões de vida dos ricos e dos pobres (2013, p. 28).
Nesse contexto de inclusão social, importante frisar sobre o sendo, portanto, imperioso
a adoção ou criação de um processo seletivo includente com a disponibilização do maior
número possível de vagas possíveis. O direito fundamental à educação se bem trabalhado e
desenvolvido pode modificar o cenário nacional em poucas décadas tal como pode se verificar
nas grandes potências econômicas mundiais.
Noutro giro, o direito à moradia digna deve ser estendido a todos os cidadãos mediante
uma política pública includente e participativa de nivelamento pelo trabalho. Mais do que
isso, não basta indenizar um morador que perdeu sua casa, foi obrigado a sair do meio onde
morava e perdeu valores culturais sob o argumento de que a construção de uma hidrelétrica
naquela região é necessária para o crescimento econômico, pois conforme afirma
Goldemberg; Lucon (2012) a realocação das populações é um problema social de magnitude
em muitos casos.
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Ponto que merece ser evidenciado é de que o planeta está preparado para se equilibrar
sozinho, contudo, como dito alhures, o que está sendo discutido é a existência humana no
planeta e seus constantes desequilíbrios. A humanidade precisa ser consciente de que suas
atividades estão causando desequilíbrio no planeta colocando em risco sua própria existência.
É como dizer que o ser humano está cavando sua própria cova ao desmatar e poluir de forma
negligenciada.
Desse modo, as dimensões social, econômica e ambiental da sustentabilidade tratadas
no presente artigo precisam ser aplicadas conjuntamente alcançar a sustentabilidade plena sem
embaraços e desrespeitos aos direitos das presentes e das futuras gerações. Segundo Freitas
(2016) “Não se trata, como visto, da singela reunião de características esparsas, mas de
dimensões intimamente vinculadas, componentes essenciais à modelagem do
desenvolvimento” (FREITAS, 2016, p. 77).
A energia é considerada limpa na medida em que se utilizada de uma fonte renovável,
no entanto, ressalvas a esse modelo de geração de energia precisa ser devidamente encarada
medida a premissa da dimensão social econômica e ambiental da sustentabilidade, com o
intuito de promover a justiça intergeracional.
6. Considerações finais
Referências
AGOSTINI, Andréia Mendonça; BERGOLD, Raul Cezar. Vidas secas: energia hidrelétrica e
violação dos direitos humanos no Estado do Paraná. Revista Veredas do Direito, Belo
Horizonte, v.10 nº 19, p. 167-192, jan.-jun. 2013.
COSTA, Beatriz Souza. Meio ambiente como direito à vida: Brasil, Portugal e Espanha. 2ª
ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013.
FREITAS, Juarez. Sustentabilidade: direito ao futuro. 3ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2016.
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 24ª ed. São Paulo:
Malheiros, 2016.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 37ª ed. São Paulo:
Malheiros, 2014.
Abstract: The essay seeks to study the protection of the landscape from the notion of
environmental space, through the principle of the fundamental and intergenerational right of
the landscape. Based on the philosopher Ronald Dworkin's concepts about principles, the aim
15 Advogado. Mestrando em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável pela Escola Superior Dom
Helder Câmara. Graduado em Direito pela Escola Superior Dom Helder Câmara, pesquisador do grupo de
pesquisa MAPE: Meio-Ambiente, Paisagem e Energia. E-mail: fernando_barotti@hotmail.com
16 Advogado. Mestrando em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável na Escola Superior Dom Helder
Câmara. Pós-Graduado em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas. Graduado em Direito pela
Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce. Pesquisador do CEBID – Dom Helder (Centro de Estudos em
Biodireito). E-mail: leonardodegusmao.adv@gmail.com
17 Professor Orientador. Pós-doutorado em filosofia pela Universidade do Porto. Doutorado em filosofia pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Mestrado em filosofia pela Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul. Graduação em filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professor
adjunto da Escola Superior de Ensino Dom Helder Câmara, em nível de graduação e mestrado. Coordenador do
grupo “Pensar a cidade: seus aspectos ambientais, jurídicos e sociais” – Dom Helder. E-mail:
mboasr@yahoo.com.br
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1. Introdução
época, como veremos a seguir a paisagem apresenta tais condições para ser considerado um
espaço ambiental a ser protegido. Silva propõe que "nem todo espaço territorial especialmente
protegido se confunde com unidade de conservação" (1997, p. 161), desse modo, contribui
com a tese da paisagem ser um espaço especialmente protegido ou necessário a ser
preservado.
Oliveira e Lima (2017) destacam que a sociedade entra em um processo lento,
reconhecendo traços que lhes são próprios nessa paisagem, dessa forma, irrompe uma
mudança conceitual. A paisagem antes sinônima de natureza, desperta como um cenário
cultural o conjunto de interações sociais que atravessam o tempo, marcando o local por
aqueles que habitam o espaço.
Compreende-se a paisagem como espaço geográfico que reúne elementos naturais e
não naturais que permanecem sempre em constante transformação. Esse espaço paisagístico
nos conceitos da Geografia atém duas perspectivas: concreta e fenomenológica.
A visão concreta do cenário paisagístico é compreendida como aquele condicionado
a fatores naturais geológicos, geomorfológicos, ecoclimático, bem como, "[...] o resultado das
marcas que a(s) sociedade(s) humana(s) imprime na superfície terrestre ao longo do tempo"
(VERDUM; VIEIRA; PIMENTEL, 2016, p. 02-03). O seu aspecto concreto é nada mais que
as transformações físicas ocorridas no espaço por ações do homem ou do próprio espaço ao
longo do tempo.
O aspecto fenomenológico por sua vez, é o aspecto subjetivo daquele que percebe o
lugar, sendo esta a percepção exposta por Custódio:
[...] o processo mental pelo qual o ser humano, através dos sentidos conhece os
objetos e interpreta os fatos da vida. Ela é formada por atos sensoriais - moldados
pela cultura, história e sociedade em que vive o indivíduo - que em conjunto ou
individualmente criam uma representação do mundo exterior (2014, p. 189).
Contudo, avalia-se que até a década de 1960 a proteção à paisagem era mínima,
sendo que apenas elementos isolados como prédios, parques ou monumentos mereciam olhar
protetor do Poder Público. A mudança na concepção da proteção espacial inaugura-se com a
Carta de Veneza (ICOMOS 1964), que vislumbra a preservação do patrimônio em seu todo e
não dos objetos em separado, apesar de não ser um texto com expressiva força jurídica,
apenas indicando um direcionamento.
A carta indica a preocupação do órgão internacional com a proteção dos monumentos
históricos, com objetivo de se mantê-los para as futuras gerações. Em outras palavras,
preservar a identidade e a cultura de uma sociedade para que as futuras gerações aprendam
sobre aquilo que existiu e, passem adiante para que não se perca o reconhecimento.
Em seu preâmbulo, a Carta de Veneza expressa sua atenção à preservação do
patrimônio histórico:
Portadoras de mensagem espiritual do passado, as obras monumentais de cada povo
perduram no presente como o testemunho vivo de suas tradições seculares. A
humanidade, cada vez mais consciente da unidade dos valores humanos, as
considera um patrimônio comum e, perante as gerações futuras, se reconhece
solidariamente responsável por preservá-las, impondo a si mesma o dever de
transmiti-las na plenitude de sua autenticidade (ICOMOS, 1964, p. 01).
em particular. Dessa maneira, a CR/88 contribui para o entendimento para uma noção de que
todos são detentores da paisagem e igualmente contribuem para a formação dela.
A proposta da vigente Constituição Federativa enquadra-se na visão em âmbito
internacional da proteção da paisagem. Destacam-se a retomada da Carta de Veneza citada
anteriormente, mas também, as Convenções da UNESCO (Organização das Nações Unidas
para a Educação, a Ciência e a Cultura) sobre a temática, sendo uma das primeiras a aborda a
temática na convenção de 1972:
Posteriormente, pondremos sobre relieve la evidencia de este enfoque, realizado a
través del programa de protección de la Convención de la UNESCO de patrimonio
cultural y natural de 1972. En ambos casos se trata de soft law, aunque más
matizado en el último caso, sobre todo cuando las áreas con esta protección
coinciden con una protección local o cuando la misma es incorporada al derecho
doméstico, o al menos aceptada con tal rigor, que hace las veces de tal.
Naturalmente no presentamos todos los casos de protección que registra ese
programa, porque desnaturaliza el carácter ilustrativo del presente, enfocamos la
19
evidencia en países europeos, detectando uno en España (MOREL, 2014, p. 13).
19 Mais tarde, vamos destacar evidências sobre esta abordagem feita através do programa de proteção
Convenção da UNESCO sobre património cultural e natural 1972. Em ambos os casos envolvem soft law,
embora mais sutil em último caso, especialmente quando áreas com essa proteção coincidir com proteção local
ou quando ele é incorporado direito interno, ou pelo menos aceite com tal rigor que ele age como tal. Claro, nem
todos os casos apresentar protecção que registra esse programa, porque perverte o Ilustrativo desta personagem,
concentrando-se em evidência países os europeus, através da detecção de um em Espanha (tradução nossa).
67
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nada). O conflito aparente entre uma regra e outra será dirimido por critérios estabelecidos no
sistema jurídico do Estado, como exemplo a especificidade, a hierarquia ou temporalidade.
Os princípios, contudo, se diferem, no sentido de que não se expressam pela dimensão
da validade, mas, sim, pela dimensão do peso em relação às regras. Os princípios são normas
deontológicas, orientam o intérprete à aplicação do Direito, dessa forma, os princípios são
incutidos de dever e obrigação moral, como demonstra o jusfilósofo em seu pensamento:
“Denomino 'princípio' um padrão que deve ser observado, não porque vá promover ou
assegurar uma situação econômica, política ou social considerada desejável, mas porque é
uma exigência de justiça ou equidade ou alguma outra dimensão da moralidade”
(DWORKIN, 2010, p. 36).
Corroborando com a teoria principiológica, Barroso e Barcelos conceituam:
Princípios, por sua vez, contêm relatos com maior grau de abstração, não
especificam a conduta a ser seguida e se aplicam a um conjunto amplo, por vezes
indeterminado, de situações. Em uma ordem democrática, os princípios
freqüentemente (sic) entram em tensão dialética, apontando direções diversas (2003,
p. 34) (grifo no original).
As garantias, por sua vez, derivam dos princípios, porquanto, também carregam um
teor axiológico. Ao serem positivadas no texto, trazem por trás a dimensão valorativa,
cabendo ao intérprete a função (dever) de extraí-los e aplicá-los, sempre que necessários.
Outra característica, indicada por Chueiri e Sampaio (2009), é que os princípios,
diferentemente das garantias fundamentais, limitam o Poder Público, já os direitos
fundamentais vinculam todas as esferas do poder (Legislativo e o Judiciário e Executivo),
devendo ser assegurados todos esses direitos estabelecidos na Carta Constitucional.
Nesse sentido, apesar de sua nomenclatura dar conotação de direito fundamental, o
Princípio do Direito Fundamental e Intergeracional da Paisagem é, sobretudo, norma
deontológica. O princípio possui dois elementos abrangentes: fundamentalidade e
intergeracionalidade. A primeira (fundamentalidade) expressa a intenção de ser essencial aos
seres viventes, de modo que "os argumentos de princípio justificam uma decisão política,
mostrando que a decisão respeita ou garante um direito de um indivíduo ou de um grupo"
(DWORKIN, 2010, p. 129).
Dessa forma, “(...) o Direito à Paisagem é o direito a ter acesso à memória de uma
comunidade que abriga a identidade social dos indivíduos” (CUSTÓDIO, 2014, p. 161). Em
outras palavras, é preciso manter preservado o cenário cultural, para que possa ser transmitido
a história e sentimentos que a paisagem representa.
Já a intergeracionalidade representa uma característica do Direito de Paisagem e,
igualmente, do Direito Ambiental: ser necessário para as futuras gerações. A preservação do
espaço cultural ou do meio ambiente cultural permite ao cidadão desfrutar do sentimento de
pertencimento desse cenário (meio) cultural presente na localidade que habita ou de sua
relação sensível. Ao mesmo tempo, proporciona às gerações vindouras a capacidade de
reconhecimento de importância existencial daquele espaço e de sua preservação.
Custódio defende que “os princípios são analisados de acordo com a moral social do
momento da aplicação, ou seja, são interpretados de acordo com o momento histórico”
(CUSTÓDIO, 2014, p. 150). Dessa forma, o princípio ora trabalhado reflete o objetivo do
Direito de Paisagem: manter seguro o espaço cultural para gerações do presente e do futuro.
O Direito Paisagístico, bem como seu princípio, promove a ideia de cenário cultural,
história e narrativa, construída em um lugar transformado ao longo do tempo por diversas
pessoas que ali passaram. A paisagem enquanto narrativa histórica leva em consideração
questões sociais presentes e passadas, podendo influenciar representações e sentimentos
futuros.
De igual modo, a narrativa histórica é presente na tese de Dworkin no que diz
respeito à interpretação dos princípios. Devem os intérpretes se assemelharem a romancistas
“(...) devem criar em conjunto, até onde for possível, um só romance unificado que seja da
melhor qualidade possível” (DWORKIN, 2010, p. 276). O jusfilósofo propõe a construção de
um direito como uma narrativa, no traço temporal. O intérprete-construtor deve erigir um
capítulo do livro, observando o que fora escrito, filtrando as informações postas para
transformar, atualizar ou manter a ideia anteriormente escrita, já interpretada:
Em tal projeto, um grupo de romancistas escreve um romance em série; cada
romancista da cadeia interpreta os capítulos que recebeu para escrever um novo
capítulo, que é então acrescentado ao que recebe o romancista seguinte, e assim por
diante. Cada um deve escrever seu capítulo de modo a criar da melhor maneira
possível o romance em elaboração, e a complexidade dessa tarefa reproduz a
complexidade de decidir um caso difícil de direito como integridade” (DWORKIN,
2010, p. 276)
construído ou mantida uma relação com a paisagem da melhor forma possível, e, da mesma
forma, construir uma interpretação principiológica adequada aos anseios sociais, cabendo ao
intérprete essa observação, pois a ele está incumbida essa responsabilidade, como indica
Dworkin:
Ele deve ler tudo o que outros juízes escreveram no passado, não apenas para
descobrir o que disseram, ou seu estado de espírito quando o disseram, mas para
chegar a uma opinião sobre o que esses juízes fizeram coletivamente, da maneira
como cada um de nossos romancistas formou uma opinião sobre o romance escrito
até então. [...] Ele deve interpretar o que aconteceu antes porque tem a
responsabilidade de levar adiante a incumbência que tem em mãos e não partir em
alguma nova direção (2010, p. 283).
Portanto, a interpretação “[..] evolui conforme a realidade social vigente, da qual são
inerentes os aspectos natural e cultural, que, longe de serem estanques, evoluem
constantemente [...]” (ARAÚJO, 2010, p. 02). Se essa realidade presente em uma determinada
sociedade visa à proteção de uma ou mais paisagens, o princípio do Direito Fundamental e
Intergeracional se mostra o expoente para buscar a proteção do espaço ambiental, uma vez
que suas características, enquanto um princípio é de preservação temporal e histórica para as
gerações presentes e vindouras.
A viabilidade de aplicação do princípio ocorrerá no espaço hermenêutico do
intérprete, dentro da tese de Dworkin, deverá se basear no que já foi interpretado sobre o
tema, de modo a evoluir a interpretação do princípio na época da sua aplicação. Assim, a
paisagem se manterá protegida, na medida em que o intérprete observe todas as condições
para conservar o espaço paisagístico.
4. Considerações finais
ou seja, da sensação afetiva com o cenário paisagístico perdura, mas as interpretações e visões
se modificam. A noção de intergeracionalidade é vinculada à construção da paisagem no
tempo, de modo que ela deve ser protegida para que todos que ali habitam e possam vir a
reconhecê-la.
Assim, tanto o princípio quanto a paisagem se confundem, ambas possuem
características semelhantes de forma que elas se trançam permitindo a pertinência dessa
pesquisa. Princípios e paisagens são construções sociais e decorrem de interpretações ao
longo do tempo. Expressam um sentido, retirado do sentimento social que deve ser levado
para as presentes e futuras gerações possibilitando que essas revisem, seja para manter,
evoluir ou excluir a interpretação dada anteriormente.
Dessa forma, reconhece-se a plausibilidade da proteção da paisagem, como um
espaço ambiental a ser protegido, por meio, do princípio do direito fundamental e
intergeracional à paisagem, sob a ótica de Dworkin a respeito dos princípios.
Referências
ARAÚJO, Luis Claudio Martins de. Espaços territoriais especialmente protegidos. Revista da
AGU, v. 98, p. 01-13, 2010.
BARROSO, Luiz Roberto; BARCELLOS, Ana Paula de. O começo da história. A nova
interpretação constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro. Revista da
EMERJ, v. 06, nº 23, p. 25-65, 2003. Disponível em:
<http://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/revista23/revista23_sumario.htm>.
Acesso em: 10 ago. 2017
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes. 2010.
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 23ª ed. São Paulo:
Malheiros Editores, 2015.
MOREL, Juan Claudio. Protección del paisaje minero historia y derecho comparado. Veredas
do Direito: Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável, [S.l.], v. 11, n. 22, p. 11, ago.
2015. Disponível em:
<http://www.domhelder.edu.br/revista/index.php/veredas/article/view/542/415>. Acesso em:
27 jun. 2017.
SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. São Paulo: Malheiros. 1997.
The national reserve of the copper and associates in face of the protected
environmental spaces: an analysis under the legal institutes of the mining
and environmental law
Resumo: O objetivo desse artigo é trazer os institutos jurídicos que regulam a mineração no
Brasil para compreender a criação, vigência e dissolução da Reserva Nacional do Cobre e
Associados – RENCA. Por meio de uma análise estritamente jurídica, busca-se expor
elucidações que possibilitem entender os proveitos e desvantagens da Reserva, afastando
qualquer argumento puramente emocional. Dessa forma, serão discutidos os elementos
constitutivos do decreto de criação e do decreto de dissolução da RENCA e, além disso, as
áreas protegidas que circunscrevem a região como, por exemplo, as unidades de conservação.
Abstract: The aim of this article is to bring the legal institutes that rule the mining in Brazil to
understand the creation, validity period and dissolution of the National Reserve of the Copper
and Associates. By means of a strictly legal analysis, we seek to expose the elucidations that
make possible understand all the benefits and drawbacks of this reserve, keeping away any
pure emotional arguments. Therefore, will be discuss the constitutive elements of the creation
and dissolution decrees of the RENCA and, moreover, the protected areas that circumscribe
the region as, in instance, the conservation unites.
1. Introdução
Por meio dessa constatação é possível observar que o decreto de extinção da RENCA
em nenhum momento suprimiu os direitos garantidos pelas áreas ambientalmente protegidas
na região. As UCs de proteção integral e de uso sustentável que constam nessa poligonal
continuam com as suas proibições e condicionamentos, da mesma forma que as terras
indígenas, nas quais a mineração, com a vigência ou não da RENCA, é proibida.
Além disso, o decreto que extingue a RENCA estabelece critérios para que a
exploração mineral na área, onde não haja sobreposição com unidades de conservação e terras
indígenas, atenda ao interesse público preponderante, interesse este que também vem
enumerado em lei, com o intuito de que não seja deturpada a interpretação do interlocutor. 32
O governo, diante da sua incapacidade de ingerência sobre a pesquisa mineral da área,
transferiu para o minerador essa missão, no entanto em nenhum momento facilitou os
procedimentos necessários para conquista do direito de lavrar, pois todas as mineradoras que
tiverem interesse na área terão que passar pelo ritual exigido no código de mineração e na
legislação ambiental.
Cabe salientar ainda, que o decreto condiciona a exploração dos recursos minerais na
região à aprovação por órgãos ligados a diversos campos, dentre eles o de controle ambiental
e econômico sustentável, conforme disposto em legislação específica ligada à cada um desses
planos. Essa disposição destaca que a exploração mineral na área da extinta RENCA está
vinculada a um esboço programado, sem ferir matéria contida em outras legislações 33.
A criação do Comitê de Acompanhamento das Áreas Ambientais da Extinta RENCA,
abarcado pela Casa Civil da Presidência da República sobreleva a valoração à região dada
pelo governo atual, liquidando a falácia de abandono e extermínio ambiental muito colocada
pelos meios de difusão de informação por figuras midiáticas. 34
Dessarte, há sobre a área da RENCA uma preocupação superior às demais do país, em
virtude do enorme potencial mineral e da riqueza da flora e da fauna. Assim, diante da
necessidade de realização de extração mineral na região, o governou cambiou a área
novamente para o regime ordinário de concessão mineral, todavia estabeleceu diretrizes e
obrigações que visam equilibrar essa tensão entre o aproveitamento de minérios e a
preservação do meio ambiente. Tal atitude, ainda que feita de forma pouco inclusiva, pois não
houve uma construção dialógica de estudos para dirimir impactos com a dissolução da
RENCA, é necessária para a ampliação da exploração mineral nacional e consequentemente,
do nível de exportações.
Atualmente, a análise de processos minerários na área da RENCA está suspensa por
120 dias 35 após muitos apontamentos e pressão realizada pela sociedade. A justificativa para a
suspensão amparou-se na importância de se discutir sobre as alternativas para a proteção da
região e na necessidade de proposição de medidas de combate à extração ilegal não somente
na região da RENCA, mas também na região da Amazônia em caráter geral. Conjuntamente,
o deferimento parcial da decisão de liminar na Ação Popular 1010839 91.2017.4.01.3400, que
se deu no sentido de suspender todo e qualquer ato administrativo que vise extinguir a
RENCA, também culminou na publicação da portaria que suspendeu a análise dos
procedimentos administrativos na área da RENCA, enfatizando ainda que a apreciação dos
processos minerários, em áreas passíveis de aproveitamento mineral, deve se dar apenas após
o encerramento dos debates com a sociedade.
5. Considerações finais
Portanto, nas áreas em que não há sobreposição da delimitação da RENCA com Unidades de
Conservação e com territórios indígenas, cabe aplicação do direito minerário, por sua devida
atribuição, deixando que, como legislado pelo decreto, a legislação específica e adequada
regule as áreas com sobreposição da RENCA com Unidades de Conservação e com territórios
indígenas, uma vez que nessas regiões, pelo próprio decreto que extingue a RENCA, está
proibido que sejam deferidos títulos de pesquisa e exploração mineral, excetuando o caso das
Unidades de Conservação de uso sustentável, nas quais é possível a mineração, mas com
diversas condicionantes.
Por fim, entendemos que a extinção da RENCA é favorável ao estímulo da mineração
no país, entretanto, em decorrência das características ambientais da região, obriga-se uma
maior tutela desses processos minerário pelos instrumentos do órgão ambiental. Deve haver
observância, principalmente nesse caso, ao princípio do resultado global, que compreende que
o projeto de engenharia mineral deve ser analisado em conjunto com os projetos ambientais,
econômicos e sociais e que, somente após uma análise desses projetos em conjunto, o governo
poderá avaliar a viabilidade de determinado empreendimento minerário (SERRA, 2000, p.
27). Dessa forma, entendemos que os órgãos ambientais e a Agência Nacional de Mineração
devem trabalhar em conjunto para orientar o aproveitamento mineral na área de extinção da
RENCA e com isso, balancear a tensão entre o manejo dos recursos ambientais e a proteção
do meio ambiente.
Referências
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 10ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.
FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Curso de direito ambiental. 3ª ed. Curitiba: Arte
& Letra, 2009.
Resumo: O presente trabalho visa analisar como o princípio da sustentabilidade pode servir
como instrumento para compatibilizar o desenvolvimento nacional e a preservação ambiental.
Tomando como base a Constituição Federal, notadamente os arts. 3º, 170, VI e 225, o Poder
Público se torna obrigado a elaborar e executar as políticas públicas com a observância das
múltiplas dimensões da sustentabilidade, de forma a garantir o desenvolvimento sustentável e
os direitos fundamentais das presentes e futuras gerações. A partir da análise da Constituição,
da legislação infraconstitucional, bem como das recentes decisões dos Tribunais Superiores,
buscou-se a reconceituação da responsabilidade ambiental do Estado de maneira una, sob o
viés da sustentabilidade, de forma a exigir da Administração Pública conduta proativa na
defesa ambiental e na garantia dos objetivos fundamentais da República, tornando-se
insustentável a omissão institucionalizada no presente sistema.
Abstract: This work aims to analise how the principle of sustainability may serve as an
instrument to reconcile national development and environmental preservation. By the Federal
Constitution, notably arts. 3, 170, VI and 225, the Public Power becomes obliged to elaborate
and execute the public policies with the observance of the multiple dimensions of
sustainability, in order to guarantee the sustainable development and the fundamental rights of
the present and future generations. From the analysis of the constitution, the
infraconstitutional legislation and recent decisions of the Superior Courts, the
reconceptualization of the environmental responsibility of the State, under the sustainability
36 Bacharel em direito pela PUC/MG. Pós-graduando em Direito Ambiental e Minerário pela PUC/MG. Pós-
Graduando em Direito Público pela PUC/MG. Advogado atuante na área ambiental. E-mail:
fonseca_marinho@hotmail.com
82
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Perspectivas e desafios para a proteção do meio ambiente na contemporaneidade
Universidade Federal de Minas Gerais 2017
rule, was sought as in order to demand from the Public Administration proactive conduct in
the defense of the fundamental objectives of the Republic, rendering unsustainable the
institutionalized omission in the present system.
1. Introdução
gerações futuras de suprirem as suas próprias demandas, ou seja, sem esgotar os recursos
naturais ou degradar o ambiente, que o torna inadequado para a manutenção da vida.
Entra em pauta o modelo de desenvolvimento sustentável como máxima a ser atingida,
visando a conciliação do desenvolvimento econômico à proteção ambiental, enxergando-os
como complementares, e não antagônicos. Segundo Paulo Affonso Leme Machado,
“desenvolvimento sustentável é uma locução verbal em que se ligam dois conceitos. O
conceito de sustentabilidade passa a qualificar ou caracterizar o desenvolvimento”
(MACHADO, 2013, p. 73).
O desenvolvimento sustentável, pautado na sustentabilidade, solidifica-se em solo
brasileiro com a Política Nacional do Meio Ambiente e pela Constituição Federal de 1988.
Sustentabilidade essa, que segundo o professor Juarez Freitas, no sistema brasileiro, “é, entre
os valores, um valor de estatura constitucional. Mais: é um ‘valor supremo’, acolhida a leitura
da Carta endereçada à produção da homeostase biológica e social de longa duração”
(FREITAS, 2012, p 109).
Valor supremo retirado do preâmbulo da Carta, o qual instiga ao Estado Democrático
Brasileiro assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o
bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma
sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos. Tal importância se estende a
sustentabilidade se observarmos que o “desenvolvimento” em questão se trata, pelos próprios
fundamentos trazidos pela Constituição, do desenvolvimento sustentável, o qual encontra-se
em união simbiótica com a sustentabilidade.
O art. 3º da Constituição propõe como objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil garantir o desenvolvimento nacional e erradicar a pobreza e a
marginalização, reduzindo as desigualdades sociais e regionais. Trocando em miúdos, referida
norma requer um crescimento econômico que “envolva equitativa redistribuição dos
resultados do processo produtivo e a erradicação da pobreza, de forma a reduzir as
disparidades nos padrões de vida e melhor atendimento da maioria da população” (SILVA,
2011, p. 27).
Dessa sorte, emerge o desenvolvimento, moldado pela sustentabilidade (uma vez que
só por essa podem-se ser alcançados tais imperativos), como “incompatível com qualquer
modelo inconsequente de progresso material ilimitado que, às vezes, ostenta tudo, menos
densidade ética mínima” (FREITAS, 2012, p. 110).
Deve-se observar que o crescimento econômico, se entendido mormente pelas vias do
capital, nem sempre favorece uma boa qualidade de vida da população em geral, podendo não
ser sustentável. Sendo assim, tal concepção de desenvolvimento não cumpre com suas
disposições constitucionais, principalmente as contidas no artigo 3º. Deve este ser sustentável,
em sentido amplo, para que se adeque a visão da Carta Magna.
Não há que se falar em desenvolvimento se este não estiver ligado a sustentabilidade.
Vale dizer, enfim, que o conceito de desenvolvimento econômico deve alargar-se além das
definições com base no PIB ou PNB, devendo abarcar outras dimensões, tais como a
educação, a saúde, a qualidade do meio ambiente e a qualidade de vida.
Desta maneira, o crescimento econômico não deve ser entendido como único vetor do
desenvolvimento. Enquanto o primeiro se apoia apenas no ganho de capital e geração de
reservas econômicas, o segundo estende-se, englobando o conceito de crescimento social,
ético, ambiental, etc. Ou seja, enquanto aquele é unidimensional, este é multidimensional.
Para se alcançar o bem-estar intergeracional, a sustentabilidade deve ser entendida
como multidimensional, uma vez que o próprio bem-estar é multidimensional. O
desenvolvimento, segundo Ignacy Sachs, deve ser socialmente inclusivo, ambientalmente
sustentável e, ainda, economicamente sustentado, sustentando-se em sua
pluridimensionalidade, desenvolvendo-se, portanto, em 5 dimensões: social, econômica,
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ecológica, espacial e cultural. De maneira que um não pode ser visto separado do outro
(SACHS, 2008).
Segundo Freitas, o direito fundamental a sustentabilidade incorpora-se ao conceito de
desenvolvimento por força da análise sistemática de diversos artigos constitucionais, o qual a
elevam a tal categoria. Por exemplo, tem-se o art. 174, em seu parágrafo primeiro, que prevê o
planejamento do desenvolvimento equilibrado; o art. 192, que dispõe que o sistema financeiro
tem de promover o desenvolvimento que serve aos interesses da coletividade; o art. 205, que
vincula-o ao pleno desenvolvimento da pessoa; o art. 218, que propõe o desenvolvimento
científico e tecnológico, com o dever implícito de observância aos limites ecológicos, além do
artigo 219, segundo o qual será incentivado o desenvolvimento cultural e socioeconômico, o
bem-estar e a autonomia tecnológica (FREITAS, 2012).
Porém, o conceito de sustentabilidade está mais evidentemente exposto nos artigos
225 e 170 da Carta. No primeiro, ao impor o Poder Público e à coletividade o dever de
defender e preservar o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, sob a ótica
intergeracional, e no segundo ao consagrar expressamente a defesa do ambiente como
princípio de regência da atividade econômica, conceituando o conteúdo essencial da
sustentabilidade.
Dessarte, conclui Freitas que ao falar em desenvolvimento como objetivo fundamental
da República, a Constituição pretende necessariamente adjetivá-lo como sustentável,
intertemporal e durável. Ou seja, “(...) pretende que a sustentabilidade fixe os pressupostos
(sociais, econômicos, ambientais, jurídico-políticos e éticos) de conformação do
desenvolvimento constitucionalmente aceitável” (FREITAS, 2012, p. 110).
Sendo o desenvolvimento direito fundamental constitucionalmente garantido, e
considerando que o conceito de desenvolvimento trazido pela Carta só se concretiza se
avaliado sob a ótica da sustentabilidade, é evidente que essa se reveste também pelo manto de
direito fundamental. O direito fundamental à sustentabilidade.
Como muito bem conceitua o professor Freitas, a sustentabilidade é princípio ético-
jurídico, imediatamente vinculante, o qual molda e condiciona o desenvolvimento,
condicionando-o para o bem estar intergeracional, constituindo-se como valor constitucional
supremo e objetivo fundamental da República (FREITAS, 2012).
Como dito no capítulo inicial do presente trabalho, o meio ambiente sustentável surge
como direito fundamental por expressa determinação constitucional (art. 225). Porém, a
Constituição dispõe também como objetivos fundamentais a serem alcançados o
desenvolvimento, a erradicação da pobreza, reduzir as desigualdades sociais e a construção de
uma sociedade livre, justa e solidária.
Ocorre que, se analisadas todas essas disposições detalhadamente, conclui-se estarem
essas interligadas. Ou seja, só podem ser alcançadas se analisadas em conjunto, pois uma é
intrínseca a outra. O desenvolvimento sustentável, pautado sob o princípio vinculante da
sustentabilidade, surge como o meio ideal para consolidar todas as esferas trazidas pela
constituição, principalmente por abarcar o tripé retirado do texto constitucional, o qual se
constitui de aspectos econômicos, sociais e ambientais.
Sachs foi perfeito ao exaltar o desenvolvimento sustentável transcrito sobre 5
dimensões interdependentes, as quais, analisadas em conjunto, propiciam-se como solução
para alcançar os objetivos fundamentais da República (SACHS, 2008). Para tal, Freitas ainda
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Além disso, uma gestão pública sustentável, que diminua os índices de poluição e
deposição de resíduos potencialmente poluidores no meio natural não só age na seara
ambiental, como serve de garantia para o direito fundamental à saúde, além de ser mais
socialmente inclusivo, ao desenvolver as potencialidades locais e promover a diversificação
de setores, com minimização das externalidades negativas.
Os recursos não renováveis, por definição, se continuado a serem utilizados
imoderadamente como base econômica, não só geram danos ambientais irreversíveis, como
ao passar do tempo irão se esgotar. Logo, uma economia dependente de tais recursos tende a
entrar em colapso, conforme analisado em fatos históricos como a Crise do Petróleo de 1970.
Atualmente, o Brasil, por exemplo vive uma crise hídrica sem precedentes, o que interfere na
matriz energética do país, pouco diversificada e dependente em grande parte da energia
gerada pela água através das hidrelétricas. Observa-se na própria legislação pátria que o
desenvolvimento sustentável assume papel de destaque para gestão da água, tratando-se de
objetivo da Política Nacional de Recursos Hídricos, Lei nº 9.433/97, por meio do seu art 2º,
II, que fez constar “a utilização racional e integrada dos recursos hídricos, incluindo o
transporte aquaviário, com vistas ao desenvolvimento sustentável.
Grande exemplo de como o princípio da sustentabilidade serve como modelo para um
desenvolvimento que garanta as múltiplas facetas deste são as políticas de disposição e
reutilização de resíduos sólidos sob a ótica da responsabilidade pós consumo. Ao instaurar a
responsabilidade tanto do consumidor quanto das indústrias quanto a correta disposição dos
resíduos sólidos, com a previsibilidade de reutilização de resíduos sólidos, evita-se em grande
parte o colapso dos recursos naturais, e ainda é gerado novos empregos, por meio de
cooperativas de catadores e reciclagem, colaborando com a justiça social.
No Brasil, por exemplo, cabe ilustrar a Lei nº 12.395/2010, que institui a Política
Nacional de Resíduos Sólidos, e observa a multidimensionalidade do desenvolvimento
sustentável na gestão integrada de resíduos sólidos, por meio do seu art. 3º, XI, classificando-
a como “conjunto de ações voltadas para a busca de soluções para os resíduos sólidos, de
forma a considerar as dimensões política, econômica, ambiental, cultural e social, com
controle social e sob a premissa do desenvolvimento sustentável”
O princípio da sustentabilidade, portanto, já se encontra enraizado no ordenamento
brasileiro, destrinchado na ótica dos arts. 225 e 170, VI, da Constituição Federal, propondo a
proteção ambiental como direito e dever do Poder Público e da sociedade, vinculando esta
como princípio de regência da atividade econômica, aparecendo como premissa maior para
que seja alcançado o Direito Fundamental ao Meio Ambiente, uma vez que obriga o Estado a
elaborar suas políticas públicas sob a ótica do desenvolvimento sustentável, respeitando e
preservando os recursos naturais de maneira engenhosa, inventiva e responsável, por meio de
gestão ambiental inteligente, de caráter intergeracional.
Além disso, o desenvolvimento sustentável é pauta em várias normas
infraconstitucionais brasileiras, tendo sido introduzido, conforme já explanado, pela Lei nº
6.938/81, que estabelece a Política Nacional do Meio Ambiente, aparecendo ainda em
dispositivos da Lei nº 10.257/2001, da Lei nº 9.085/2000 e expressamente no art. 3º da Lei nº
8.666/1993.
Sendo assim, como assevera Freitas, não se pode falar em ausência de regras para
darem corpo ao valor constitucional do princípio da sustentabilidade. O que falta é que esse
valor seja injetado no tecido cultural brasileiro, cumprindo-se ler todos os comandos
normativos associando-os diretamente com o princípio da sustentabilidade, de maneira
plurilateral e sincronizada, de maneira a observar os direitos das presentes e futuras gerações e
os objetivos fundamentais da República.
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STF, no julgamento da ADI nº 1.856/RJ, de relatoria do Ministro Celso de Mello, onde foi
sustentado que todas as formas de vida, e não só o gênero humano, tem direito a integridade e
dignidade, sendo vedado pela Constituição atos de crueldade contra a fauna em geral
(BRASIL, 2011).
Além disso, deve a responsabilidade ambiental, sob a ótica da sustentabilidade,
estender-se ao Poder Judiciário (integrante da estrutura do Poder Público), por meio do
controle judicial de políticas públicas, a partir de uma interpretação constitucional sustentável,
importando que “a discricionariedade ou a liberdade do intérprete esteja vinculada aos
princípios e direitos fundamentais das gerações presentes e futuras” (FREITAS, 2012, p. 293),
sendo essa interpretação uma que vise preservar ao máximo as garantias fundamentais
constitucionais, vedando as ações comissivas e omissivas que possam vir a causar dano
intergeracional, mesmo que esse dano seja “lícito”, devendo-se prezar pela prevenção e
precaução.
Para tal, surge a urgência da especialização do judiciário na matéria ambiental,
objetivando a defesa e melhores decisões visando a defesa do meio ambiente ecologicamente
equilibrado. Uma vez que o art. 225 impõe o dever da proteção ambiental ao poder público,
compreende-se ser também essa tarefa do julgador.
Não obstante, devem os julgamentos observar o princípio fundamental da
sustentabilidade, como princípio hermenêutico orientador do juiz. A sustentabilidade, pela sua
característica de ponderação, deve ser utilizado juntamente ao princípio da razoabilidade e da
proporcionalidade na atuação do judiciário, principalmente em relação à responsabilidade
estatal.
Imperioso, portanto, reconceituar a responsabilidade do Estado conforme disposto por
Freitas, ou seja, vinculada aos princípios da precaução, prevenção e reparação e balizada
sobre o princípio da sustentabilidade. A responsabilidade civil do Estado deve ser objetiva, de
forma a prevenir, indenizar e compensar todos os danos materiais e imateriais, individuais,
coletivos e/ou difusos, causados de maneira desproporcional à terceiros, independentemente
se por ação ou omissão (FREITAS, 2012).
Mister que a Administração Pública se faça civilmente responsável pelos eventuais
danos ambientais sofridos por terceiros em virtude de suas ações ou omissões, visando,
conforme assevera Machado, compelir o Poder Público a usar da prudência e cuidado nas suas
obrigações de vigiar, orientar e ordenar a saúde ambiental nos casos em que houverem
prejuízos para pessoas, propriedade e/ou recursos naturais, mesmo que estes sejam lícitos,
tendo observado os padrões oficiais, sob pena de responsabilidade solidária ao poluidor, por
colaborar com a atividade deste (MACHADO, 2013).
Desta feita, não mais há no que se falar no caráter de licitude da ação ou omissão
danosa do Estado, com destaque para a omissão fiscalizatória, uma vez que presente o nexo
de causalidade na ofensa ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e ao desenvolvimento
sustentável, tais condutas serão sempre antijurídicas em sentido sistêmico. Ambas as condutas
afetam nesse caso direitos fundamentais, configurando-se como insustentáveis.
Deve o Estado responder objetiva e solidariamente ao particular no caso de danos
ambientais, podendo, posteriormente, demandar regressivamente contra os poluidores de fato,
após a identificação destes. Referida afirmação encontra sustento até na jurisprudência do
STJ, conforme julgamento do Recurso Especial de nº 1071741 (BRASIL, 2010).
Cumpre ainda observar a responsabilidade do estado vinculada aos princípios
constitucionais da precaução e prevenção, não se admitindo a inércia do Estado em evitar os
danos ambientais, devendo estes serem observados em consórcio ao princípio constitucional
da sustentabilidade.
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Desta forma, o Poder Público será responsabilizado se não cumprir seu dever de,
baseado em fundamentos sólidos de fato e de direito, impedir a configuração do nexo de
causalidade entre atividade e dano, observado os efeitos deste a longo prazo.
Desta feita, o dano ambiental gerado pela morosidade e retardamento injustificado do
Poder Público na apreciação do pedido de licenciamento ambiental deve também
responsabilizar civilmente o Estado. O Estado não pode se esquivar do seu dever em apreciar
o licenciamento ambiental, instrumento essencial para prevenir e mitigar os danos ecológicos.
Além disso, conforme decidido pela Corte Superior de Justiça no julgamento do REsp
997.538, de relatoria do Ministro José Delgado, onde a concessão irresponsável da licença em
zona ambiental sem as exigências legais, tendo gerado dano ambiental, responsabilizou
solidariamente o Estado ao infrator (BRASIL, 2008).
É obrigação do Estado, ainda o policiamento ambiental ostensivo, visando sempre a
tutela correta, com prevenção e precaução, do meio ambiente. Desta feita, resta inegável que a
omissão injustificável do policiamento ambiental ostensivo, da qual resulte danos ao meio
ambiente, deve ser responsabilizada, objetivamente, podendo nesse caso buscar o regresso
contra o causador original, que responde integralmente pelo risco criado.
O dever do Poder Público na proteção do meio ambiente é compulsório, não
facultativo, daí porque não haver no que se falar na alegação de reserva do possível como
justificativa para a não implementação das políticas públicas ou omissão fiscalizatória que
resulte no dano ambiental.
Cabe, excepcionalmente, ao Estado, neste caso, a demonstração de justo motivo
objetivamente aferível para o descumprimento motivado da obrigação, havendo a
transferência do ônus da prova para este.
5. Considerações finais
Referências
ALMEIDA MELO, José Tarcízio. Direito constitucional do Brasil. Belo Horizonte: Del Rey,
2008.
BRAGA, Luiz Felipe Nobre. A responsabilidade do Estado por dano ambiental à luz da
jurisprudência e do pós-positivismo. Disponível em: <http://www.ambito-
juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7047#_ftn18>.
Acesso em: 10 jun. 2017.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 997.538/RN. Relator: Min. José
Delgado. Primeira Turma. Diário de Justiça, Brasília, 23 jun. 2008.
FREITAS, Juarez. Sustentabilidade direito ao futuro. 2ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2012.
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 21ª ed. rev., ampl. e atual.
São Paulo: Malheiros, 2013.
MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. 6ª ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2009.
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SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 9º ed. atual. São Paulo: Malheiros,
2011.
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Resumo: A mudança do Sistema Estadual do Meio Ambiente ocorre desde a década de 80,
como uma forma do Estado ajustar a política ambiental para os seus interesses e se ajustar às
mudanças ocorridas no cenário ambiental mundial. Dessa maneira o trabalho buscou analisar
o processo de tramitação e consolidação da última mudança ocorrida no SISEMA, com a Lei
21.972/2016, que altera o sistema de emissão de licenciamento ambiental, bem como os
possíveis impactos da mudança da lei. Assim, foram levantadas, por meio de entrevistas
semiestruturadas, junto a atores sociais de movimentos sociais, empresas de consultoria
ambiental, universidades, e consulta e do poder legislativo, opiniões e posições sobre os
principais itens abrangidos na reestruturação do sistema de licenciamento ambiental em Minas
Gerais. A partir das entrevistas, foi possível observar que os entrevistados tiveram opiniões
que convergem em pontos, como a incerteza das câmaras técnicas. Entretanto, fica evidente o
embate entre a sociedade civil, por meio de movimentos sociais e parte do meio acadêmico,
visando defender do lugar do atingido, enquanto os empreendedores, buscam uma maior
celeridade no processo de análise e deliberação das licenças.
Abstract: The change of the State System of the Environment occurs since the decade of 80,
as a form of the State to adjust the environmental politics for its interests and to adjust to ace
occured changes in world-wide the environmental scene. In this way the work searched to
analyse the process of transaction and consolidation of the last occured change in the
SISEMA, with Law 21,972/2016, that it modifies the system of emission of the environmental
licensing, as well as the possible impacts of the change of the law. Thus, they were raised, by
means of semistructured interviews, next to social actors of social movements, companies of
environmental brain trust, university, and consults and of the legislative, opinions and position
on the main abrangidos item in the reorganization of the system of the environmental
licensing in Minas Gerais. From the interviews, it was possible to observe that the interviewed
ones had had opinions that they converge in points, as the uncertainty of the chambers
techniques. However, it stays evident the shock between civil society, by means of social
movements and part of the half academic, aiming at to defend of the place of the reached one,
while the enterprisers, search a bigger quickness in the process of analysis and deliberation of
the licenses.
1. Introdução
sucateando o Conselho de Política Ambiental de Minas Gerais - COPAM 39. Outra crítica
observada, refere-se ao processo de flexibilização e aceleração dos processos de regularização
ambiental, que pode aumentar os danos ambientais e os conflitos sociais (ECODEBATE,
2015).
Neste contexto, este trabalho tem como objetivo investigar o contexto da aprovação do
PL 2946/2015 e as mudanças ocorridas na legislação ambiental mineira até a sua última
promulgação, a Lei 21972/2016. A partir dessa análise, serão levantadas as opiniões de
diversos atores, sendo eles políticos ligados à aprovação da lei, os que criticam essa, o meio
empresarial e dos órgãos que analisam os processos sociais, sobre esses contextos e as
mudanças da lei, de tal modo observar o posicionamento de cada indivíduo que representa um
grupo social e inferir os prováveis impactos dessa modificação para sociedade.
2. Desenvolvimento
Assim Triviños (1987) apresenta que este método é mais flexível na discussão do
assunto, como uma vantagem na referida metodologia. No entanto, há o risco da entrevista
estender, desviando do tema pretendido, por isso, torna-se fundamental a adoção de um
roteiro para norteamento do processo.
Deste modo, foi elaborado um roteiro de entrevista, identificado o entrevistado por
setor, formação acadêmica, cargo atual, e tempo de atuação na área ambiental. Assim, as
questões norteadoras, buscaram contemplar os principais pontos polêmicos da nova Lei, de
forma a possibilitar a análise comparativa setorial.
Neste contexto, são apresentadas as questões norteadoras adotadas: 1- Qual a sua
opinião sobre a questão da participação do COPAM apenas nos licenciamentos de
empreendimentos de maior potencial poluidor e os conselhos regionais licenciarem o
restante?; 2- Qual sua visão sobre as câmaras técnicas especializadas, criadas para julgar
processos atrasados das Unidades Colegiadas?; 3- Como você vê a agilização da aprovação
dos processos proposta pelos legisladores e pelo governador?; 4- Qual o impacto do uso
institucionalizado do Ad referendum pelo governador?; 5- Qual sua opinião sobre o tempo
para análise dos EIA’s pelo órgão ambiental?; 6- Qual a sua visão do modelo de licenciamento
39 Instituído pelo Decreto nº 18.466, de 29 de abril de 1977, o Conselho de Política Ambiental - COPAM,
consiste em um órgão colegiado, normativo, consultivo e deliberativo, subordinado administrativamente à
Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável – SEMAD, composto por representantes
de diversos setores da sociedade.
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simplificado?; 7- Qual a sua visão geral das consequências socioambientais que irá gerar no
estado com essa nova legislação?
A seleção dos atores sociais convidados a colaborar com a pesquisa partiu da definição
de setores diretamente envolvidos na temática, de forma a se representar os diferentes pontos
de vista, possibilitando a análise setorial comparativa dos possíveis impactos da nova
regulamentação ambiental no Estado. Assim, o número de entrevistados, por setor, depende da
disponibilidade e interesse de seus representantes em colaborar com a pesquisa. Neste
contexto, foi assegurado o anonimato dos mesmos, de forma a deixar os entrevistados
confortáveis para expressar suas opiniões, sendo convidados, participantes dos seguintes
setores: i) Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD):
Profissionais envolvidos na gestão de processos de licenciamento ambiental no estado;
Conselheiros do COPAM; ii) Meio Acadêmico: Profissionais formadores de opinião que
atuam com a temática ambiental e com papel relevante na formação de recursos humanos; iii)
Empresas de consultoria ambiental: Profissionais representantes da iniciativa privada,
responsáveis pela elaboração dos estudos ambientais necessários ao processo de
licenciamento; iv) Movimentos sociais: Profissionais que atuam de forma crítica, com
importante papel na formação de opinião e influência nas decisões políticas; v) Ministério
Público Estadual: Profissionais que atuam na fiscalização das ações do poder público e
empresarial no estado de Minas Gerais, visando obter uma opinião legal sobre a mudança da
estrutura; vi) Poder Legislativo: Representante do poder públicos que participou diretamente
da elaboração da proposta de elaboração da reestruturação, por meio do Projeto de Lei.
Neste contexto, as entrevistas foram realizadas de duas formas: As presenciais,
realizadas nos dias 05, 15 e 28 de setembro de 2016 e por meio de questionário eletrônico, via
e-mail. As entrevistas dos representantes de empresa de consultoria ambiental, representante
dos movimentos sociais e da comunidade acadêmico-científica foram por meio presencial, e o
representante do poder legislativo respondeu o questionário por meio eletrônico, via e-mail.
Apesar das tentativas, não houve retorno dos representantes da Secretaria de Estado de
Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD) e do Ministério Público Estadual
para a entrevista. Deste modo, foram entrevistados quatro atores sociais, dos seguintes
setores: representante dos movimentos sociais, comunidade acadêmica-científica,
representante de empresa de consultoria ambiental e poder legislativo.
Cabe ressaltar, que o trabalho não buscou diagnosticar a postura setorial sobre os
impactos da promulgação da lei 21972/2016, mas sim, levantar a percepção de atores sociais,
envolvidos direta ou indiretamente no licenciamento ambiental em Minas Gerais, tendo que
em vista que as opiniões isoladas dos participantes, não necessariamente retratam a percepção
do todo. Entretanto, tais informações são fundamentais para se discutir e analisar possíveis
desdobramentos dessa mudança.
Minas Gerais mostra-se num contexto econômico bastante crítica: um dos estados
mais endividados da União, chegando a 135 bilhões de reais, várias áreas como educação e
saúde está em déficits e sucateado, além de gastos excessivos com a Cidade Administrativa
que chega á 120 milhões. Essa conjuntura reflete, também, na área ambiental: diversos
processos de licenciamentos ambientais atrasados e acumulados na SEMAD, cerca de 2 mil
processos de licenciamento, o que é, para o Governo, “R$ 5 bilhões de investimentos estejam
à espera de licenciamento” (Mello et al., 2015).
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Assim é visto que o setor produtivo pressione politicamente, para que se acelere o
processo de licenciamento ambiental, na justificativa de aumentar a dinâmica econômica
mineira. Desse modo o Projeto de Lei 2946 foi colocado em pauta pelo então Governador
Fernando Pimentel, junto à Assembleia Legislativa de Minas Gerais no dia 06 de outubro de
2016, em caráter de urgência.
O então projeto, que originaria a Lei 21972, em janeiro de 2016, contêm mudanças
que alteram diretamente o modo de elaboração dos licenciamentos ambientais em Minas
Gerais, como, por exemplo, a mudança da emissão de licenciamento pelo COPAM. Deste
modo, as Unidades Regionais Colegiadas licenciariam empreendimentos considerados de
pequeno ou médio porte poluidor, enquanto o COPAM deliberaria apenas nos casos
considerados como geradores de impactos significativos ao meio ambiente.
[...] Então existe uma leitura do poder econômico sobre a área ambiental que as leis
ambientais atrapalham. Então eles começaram a fazer pressão em cima do governo
do estado, para que esses mecanismos fossem desativados, só que a legislação
ambiental vem sendo construída, há muito tempo. Pelo menos há uns 40 anos ela
vem sendo implementada, vem sendo melhorada, vão sendo criado colegiados. Nós
tivemos a lei das águas em 97, que preconiza que as políticas na região ligada aos
recursos hídricos; essas políticas afinadas aos comitês de bacias e que a bacia
hidrográfica é a unidade de gestão. Então temos uma serie de melhorias que
começaram a incomodar muito o setor dito produtivo. Então esse projeto de lei veio
de uma maneira muito sutil, porém bastante avassaladora, desarticulando vários
desses mecanismos, por exemplo, a participação popular foi diminuída, o controle
do ministério público foi diminuído [...] (Entrevistado da área acadêmica, outubro de
2016).
O PL 2946, por alguns, apelidado de “AI-5 ambiental” (um cheque em branco com
força de lei), propõe a centralização do licenciamento, mediante a criação de um
setor específico de “projetos considerados prioritários” no âmbito do comando da
Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD).
A tentativa é de diminuir o controle social dos processos de licenciamento e
aumentar o poder do executivo nesses processos, sem contrapartida no que se refere
à fiscalização, controle e gestão (POLIGNANO, 2016).
Além disso, nem mesmo a tragédia de Mariana, que pôs em cheque todo o processo de
licenciamento ambiental no estado, devido à exposição da fragilidade do poder público,
especialmente em relação à fiscalização, foi suficiente para a retirada do caráter de urgência
de aprovação desta lei. Assim, não houve tempo hábil para a discussão e participação dos
diversos setores correlatos. Pelo contrário, observou-se a ausência de audiências públicas,
como visto pela reportagem da AMDA, bem como a celeridade do processo de aprovação,
com tramitação de 4 meses até a sanção do Governador.
Após a primeira e até agora única audiência realizada, a AMDA fez contato por
diversas vezes com o gabinete do deputado Cássio Soares, presidente da Comissão
de Meio Ambiente, perguntando se haveria novas audiências. No início, a resposta
de sua assessoria era de que esta decisão lhe caberia e que não sabiam informar.
Após insistência, a resposta passou a ser que não estavam previstas (AMDA, 2015).
Outro problema apontado no projeto é que ele não prevê qualquer tipo de reforma e
melhoria no COPAM e nos órgãos ambientais, como treinamento de pessoas, contratação de
servidores e insumos para que seja possível a melhor análise do licenciamento, bem como a
fiscalização dos empreendimentos já em operação.
Bom, essa mudança específica do PL, que foi implementada com o PL, acho que ela
tem uma série de efeitos negativos, sobretudo, para a participação popular no
processo de licenciamento ambiental. Sobretudo porque ele esvazia o COPAM, eu
acho, de uma das suas principais funções, [...] então retirar isso significa esvaziar o
COPAM [...] que tem a ideia inicial que foi a constituição do COPAM como um
conselho autônomo, né. Que tivesse soberania no poder de decisão, de uma
soberania que advêm, pelo menos teoricamente, a princípio, de uma soberania que é
paritária [...] (Entrevistado do Movimento social, outubro de 2016).
Eu acho no ponto de vista do trabalho vai facilitar, sem dúvida nenhuma, existem os
empreendimentos de menor potencial poluidor uma equipe técnica bem treinada, ela
tem total capacidade de se manifestar da viabilidade ou não de um projeto. E como é
sabido o estado não vai aparelhar o que ele não da conta de acompanhar, de maneira
sistemática, a montante de demanda de licenciamento que chega nesse órgão. Então
os projetos de baixo potencial poluidor, necessariamente podem ser dados por uma
equipe técnica, desde que ela seja qualificada para isso (Entrevistado da Consultoria
Ambiental, outubro de 2016).
Para esses atores, o novo processo gera maior dinamismo da economia e ganho,
mesmo considerando que um dos problemas centrais pela demora da análise e aprovação dos
projetos esteja relacionado à estrutura incipiente dos órgãos ambientais.
Além disso, é esperado que o órgão se aparelhasse para conseguir essa agilidade, mas
não se considera se o estado irá resolver esse ponto, esquecendo a pressão incipiente que o
funcionalismo sofre, bem como deslocamentos de funcionários criteriosos para a agilização
dos processos e trocas constantes de gerências.
[...] porque no sistema antigo a gente tinha a FEAM como essa assessoria técnica
efetivamente das câmaras, você tinha equipes com funcionários, servidores com
carreira, com uma trajetória extensa dentro daquela temática, atuando na FEAM e
fornecendo subsídios para deliberação das câmaras técnicas, isso no sistema antigo,
antes da descentralização [...] (Entrevistada dos movimentos sociais, outubro de
2016).
Deste modo, com a nova proposta, não se sabe muito bem como será a operação delas,
bem como suas implicações, como é citado pelo entrevistado dos movimentos sociais. Como
não se tem clareza das configurações dessas câmaras, o que se sabe é que as mesmas irão
julgar os processos atrasados das URC's, sem a discussão de um órgão colegiado, indo direto
para apreciação e aprovação.
Com essa nova configuração, pode-se notar uma incerteza dos setores entrevistados
diante da indefinição dessa pauta. No entanto, para o setor empresarial e consultoria
ambiental, é esperada uma aceleração no processo decisório, sendo a demora no processo de
análise, exposta como ficar “à mercê do órgão”, conforme expressão utilizada pelo
entrevistado do setor de empresas de consultoria ambiental.
É isso é um perigo, talvez seja um dos pontos a se prestar atenção, eu acho que fazer
um julgamento rápido sem uma participação técnica efetiva, com base nos conselhos
que, às vezes não tem um acompanhamento, em que não se conhece a ação desse
projeto no devido território pode ser uma ação precipitada. Agora a gente tem que
apostar que nas unidades setoriais na SUPRAM nós vamos ter toda a condição de
fazer essa deliberação, de discutir e licenciar esse projeto sem a necessidade de
sobrecarregar e recorrer a essas câmaras técnicas ou esses conselhos que vão ser
criados para essa situação de urgência. [...] mas também o empresário não pode ficar
a vontade, a mercê da disposição do estado para tocar a vida ne? (Entrevistado da
Consultoria Ambiental, outubro de 2016).
Um ponto importante da nova lei consiste no prazo fixado para análise dos
licenciamentos pelos órgãos ambientais, sendo o máximo de seis meses e podendo se estender
até um ano, no caso de EIA/RIMA ou de licenciamentos passíveis da realização de audiência
pública. O prazo de suspensão para cumprimento das exigências é de sessenta dias, podendo
ser prorrogado uma única vez o mesmo período (MINAS GERAIS, 2016).
Ao estabelecer esse prazo máximo para análise, a lei gera em uma pressão sobre o
órgão licenciador, acarretando em um prazo exíguo para análises de projetos de grande porte,
com suas inerentes dificuldades e conflitos de interesses. Deste modo, discussões sobre
cumprimento de condicionantes e pedidos de informações complementares, deficitários no
EIA apresentado, vão sendo esvaziados e, por mais uma vez, a população perde a voz de
contestar questões do seu próprio território.
O fato é que hoje o tempo médio dos projetos são de 3.8, 4.8 anos para um prazo
legal de 1 ano. Têm projetos aí, eu mesmo já toquei projetos, de 6, 7 anos, para
conseguir LP. E não é necessariamente porque a informação é frágil. Porque a
ciência ambiental não é uma ciência exata, então ela gera questionamentos de toda
sorte, a depender dos interlocutores que discutem um dado projeto, a depender dos
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Quer dizer, botar prazos para esse processo de análise, com que a gente tem um
sistema estadual do meio ambiente completamente precário, com poucos técnicos,
que não funcionam como estava dizendo para você de equipes duradouras e com
experiência como era com a FEAM, mas técnicos hoje com altíssima rotatividade,
sobrecarregados, com número alto de processos que eles têm que dar conta e agora
prazos que eles têm que emitir uma avaliação técnica. Isso é efetivamente
transformar o licenciamento num mero procedimento formal, em que as questões
centrais em torno da viabilidade do empreendimento; em que esse empreendimento
é para quem, é para o que, os efeitos ele produz e, portanto se ele e viável ou não.
[...] Pelo menos vamos reconstituir e disputar, de novo, essa arena de disputas, dessa
arena de lutas, dentro dessa nova configuração do licenciamento (Entrevistada do
Movimento Social, outubro de 2016).
O IBAMA também promete que não será entrave para os licenciamentos das novas
concessões de infraestrutura. “O que posso dizer é que aquilo que puder ser
agilizado, assim o faremos. Aquilo que o empreendedor tiver de cumprir, terá de
cumprir. Mais do que emitir licenças, o que queremos é ampliar o monitoramento de
ações de compensação após o licenciamento” (BORGES, 2015).
Com isso esses ideais vindos de órgãos ambientais, bem como leis federais que
flexibilizam o licenciamento refletem nos estados e municípios, que seguem em mudar suas
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[...] então quer dizer aquilo que era feito como prática, desconstruindo
licenciamento, agora está no cerne da organização do nosso sistema ambiental, que é
o licenciamento simplificado ou concomitante, que é emitir LI e LP juntas, LI e LO
juntas. Isso não existe. O licenciamento, agora, não é mais trifásico, tem que assumir
que não existe mais licenciamento trifásico, o licenciamento é outra coisa, não é
aquilo que foi pensado, formulado, moldado lá em 86. Mudou o sistema de
regulação desses projetos de grande escala, o licenciamento daquele formato, que
era uma conquista da sociedade civil, ele já não existe mais. [...] quando falo de
esvaziamento, falo de esvaziamento do licenciamento como espaço político, ele vai
ser tornar uma mera formalidade de que legitima uma dinâmica de expropriação,
despossessão e espoliação dos territórios (Entrevistada do Movimento Social,
outubro de 2016).
O uso desse recurso sem discussão na plenária pelo estado é visto como uma
ferramenta delicada por diversos setores, pois a tomada de uma decisão sem aporte técnico e
apenas econômico traz, juntamente com as outras mudanças, a concepção de que o meio
ambiente e a sustentabilidade pregada “[...] tornam-se categorias importantes para a
competição interterritorial e interurbana; para atrair capitais [...]” (ACSELRAD, 2010).
Tudo é uma situação muito difícil. Isso eu posso dizer uma coisa, vai depender da
ética do governador. Pode ser que ele vá dar um “ad referendum” e ele recorre a
profissionais super capacitados, que tem vivência do projeto sobre o aquilo que ele
vai decidir que tem vivência sobre o território sobre o qual o projeto se insere ele
pode ter um posicionamento seguro para dar o ad referendum. Mas se ele for um
sujeito movido por interesses mais imediatos pode dar um ad referendum para um
projeto que tem consequências imprevisíveis (Entrevistado da Consultoria
Ambiental, outubro de 2016).
A lei fala que o governador pode avocar as competências do sistema estadual, não é
competência do COPAM, do sistema estadual do meio ambiente. Pode chamar para
si essa responsabilidade, esse poder de dizer sobre a viabilidade de um
empreendimento, sem que isso tenha qualquer reação com universo da viabilidade
técnica do projeto, desde que ele seja considerado prioritário e estratégico para o
desenvolvimento. Só que o que a gente observa frequentemente os projetos de
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grande escala, em sua maioria, já são vistos com esse caráter, imprescindíveis para o
desenvolvimento econômico e social e até como inexoráveis. Uma vez que ele está
proposto e existe o capital necessário para realização. Aquilo vai acontecer, não
importa como (Entrevistada dos Movimentos Sociais, outubro de 2016).
3. Considerações finais
Com isso com o processo de tramitação demonstrou como a sua forma de política
ambiental está voltada: para a atração de novos investimentos e empreendimentos, esvaziando
o espaço de discussão- com poucos debates a sociedade civil e aprovando a lei em caráter de
urgência; viabilização de questões que não se tem a certeza de operação, como, por exemplo,
as câmaras técnicas; promovendo prazos de análises do licenciamento sem prever uma
reforma dos órgãos ambientais, já que os funcionários da SEMAD e da COPAM emitiram
uma nota denunciando o sucateamento dos órgãos.
Dessa maneira, os apontamentos a partir das opiniões dos atores alcançados
(movimento sociais, consultoria ambiental, poder legislativo e meio acadêmico) com a
temática e a problematização da lei, teve parte importante para analisar os lugares e a qual
viés eles seguem. É importante salientar que os entrevistados tiveram opiniões que convergem
em alguns pontos, como a incerteza das câmaras técnicas, mas esses discursos mostram a
realidade da análise do licenciamento e a implantação do empreendimento, um embate entre a
sociedade civil, com os movimentos sociais e parte do meio acadêmico, tentando defender do
lugar do atingido e os empreendedores, tentando impor suas condicionantes e ações
mitigadoras.
O estado, por fim, teria o lugar de mediador da problemática, tentando dispor para a
sociedade uma qualidade ambiental suficiente e ajustando o empreendimento ao local
pretendido. O que se vê nesse cenário é o local ajustando-se para que o empreendimento seja
posto, principalmente as grandes minerações. Nesse caso o estado, a partir das denúncias da
sociedade civil, tem corroborado em favor ao meio econômico aprovando diversos
empreendimentos com milhares de condicionantes, com a justificativa de atração de
investimento e promoção do crescimento econômico.
Referências
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ambiental. Estudos Avançados. USP, São Paulo, v. 24, nº 68, p. 103-119, 2010.
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de meio ambiente e recursos hídricos (SISEMA). 2015. Disponível em:
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que-altera-sistema-estadual-de-meio-ambiente-e-recursos-hidricos-sisema/. Acesso em: 15
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MELLO. Alessandra; SOUTO. Isabella; CIPRIANE. Juliana. Situação em Minas é crítica,
afirma Pimentel. Jornal Estado de Minas. Abril de 2015. Disponível em:
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de Meio Ambiente e Recursos Hídricos – SISEMA – e dá outras providências. Minas Gerais.
Disponível em: <http://cbhsaofrancisco.org.br/wp-content/uploads/2012/05/LEI-
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análise do Termo Preliminar de Compromisso e Responsabilidade Socioambiental no
caso da mineração Manabi S.A. FAFICH/ UFMG. Belo Horizonte. Julho 2016. Disponível
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TRIVIÑOS, Augusto Nibaldo Silva. Introdução à pesquisa em ciências sociais. São Paulo:
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Abstract: The level of environmental degradation envisaged in the tragedy of the commons is
also due to the demand of the consumer market, originating from the dominant economic
model, which neglects sustainability and the ethics of consumption. In this core, aiming at a
40 Mestranda em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável – Escola Superior Dom Helder Câmara, MG
Especialista em Direito Civil e Processo Civil - FADIVALE/MG. Graduada em Direito – Faculdade de Ciências
Jurídicas e Sociais Vianna Júnior/MG. Professora universitária –UNIFAMINAS – Muriaé/MG. E-mail:
vaniaagdaocarvalho@gmail.com
41 Mestre em Direito Ambiental - Escola Superior Dom Helder Câmara. Pós-graduado em Direito do Trabalho,
Processo do Trabalho e Direito Previdenciário pela FUMEC. Graduado em Direito pela PUC-MINAS. Professor
universitário - Escola Superior Dom Helder Câmara. Advogado. E-mail: thiagoloures.adv@gmail.com
42 Orientador. Pós-doutor em Filosofia – FLUP/Portugal. Doutor e Mestre em Filosofia – PUCRS. Graduado em
Filosofia pela UFMG- BH/MG. Professor de Filosofia e Filosofia do Direito na graduação e no mestrado da
Escola Superior Dom Helder Câmara -BH/MG. E-mail: mboasr@yahoo.com.br
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critical ecological conscience, as regards sustainable consumption, also seen in the parameters
of shared environmental responsibility, environmental education is seen as a skillful
instrument in favor of ecologically balanced environment, fundamental right as foreseen in
the constitution. As a result, it is intended to point out how environmental education enables
sustainable consumption and effective citizen responsibility, contributing to the preservation
of the environment. For that, the research method was the theoretical-juridical with deductive
reasoning and bibliographic research technique.
1. Introdução
Por depender de alimentos, bem como moradia, vestuário, entre outros, pode-se
aferir que o consumo é atividade considerada imprescindível para a humanidade. Porém,
consumir sofreu alterações em seu conceito básico, haja vista a característica consumerista
imposta pelo capitalismo, que se prende à circulação de mercadorias para alcance do lucro.
Com isso, os recursos naturais, que, a princípio, são bens de uso comum, entraram
em um perigoso processo de escassez, tendo em vista a superexploração dos mesmos, atrelado
à ideologia de lucro a todo custo. Urge, então, a necessidade de viabilizar a conscientização da
sociedade no que se refere à preservação e tutela do meio ambiente, em prol da mantença da
própria espécie humana.
A educação ambiental urge como instrumento possivelmente capaz de conscientizar a
população dos resultados danosos obtidos pelo consumo desenfreado. Tal afirmativa funda-se
no certame de que por meio da educação ambiental a sociedade pode formar consciência
ecológica crítica, viabilizando o desenvolvimento sustentável, clamando a sociedade a
responsabilizar-se, juntamente com o Estado, com a tutela e preservação do meio ambiente,
conforme preceitos do art. 225 da Constituição Federal de 1988.
Nesse cerne, o presente artigo pretende associar a educação ambiental como
instrumento hábil na construção de um consumo sustentável, consubstanciado na ética
ambiental, em prol de minimizar a degradação do meio ambiente, vislumbrada na tragédia dos
comuns, o qual também se fez devido à demanda do mercado consumista. Ressaltará o
preconizado no texto constitucional, especificamente no art. 225, no que tange à
responsabilidade destinada à todo cidadão.
Esse artigo seguirá uma linha de exposição em três seções. No primeiro serão
abordadas considerações gerais acerca da tragédia dos comuns, referenciando à obra de
Hardin (1968), na tradução de Sánchez (1995), que será a base epistemológica para tal. No
segundo será abordada a sociedade de risco, de Beck, as “novas” necessidades humanas, em
uma interface com a modernidade líquida de Bauman. O terceiro capítulo trará a análise
quanto à educação ambiental como instrumento a viabilizar o consumo sustentável, pautada
numa ética do consumo, bem como abordagem referente à responsabilidade ambiental
compartilhada.
Após o desenrolar das abordagens serão apresentadas as considerações finais que se
alcançaram com o desenvolver do tema. Para o desenvolvimento deste artigo será adotado o
método teórico-jurídico com raciocínio dedutivo e técnica de pesquisa bibliográfica.
O termo “tragédia dos comuns” foi popularizado pelo ecologista Garret Hardin no
ensaio "The Tragedy of the Commons", publicado em 1968 na Revista Science. Porém, a obra
que servirá de marco para esse artigo é “La tragedia de los comunes”, uma tradução da
original, realizada por Horacio Bonfil Sánchez, em 1995.
Com intuito de atrelar a tragédia dos comuns à proposta do presente artigo, faz-se
necessário esclarecer o que venha a ser a tragédia dos comuns. Também conhecida por
tragédia dos bens comuns, refere-se à situação em que indivíduos, agindo de forma
independente e racional, de acordo com seus próprios interesses, comportam-se em
contrariedade aos melhores interesses de uma comunidade, proporcionando o esgotamento de
algum recurso comum, sendo entendido como bem o qual todos podiam utilizar.
Nesse viés, notória a contrariedade à noção de sustentabilidade atual, cujo o conceito
foi popularizado pela comissão Brundtland, em 1987, como a habilidade de suprir as
necessidades do presente sem comprometer a habilidade das futuras gerações de suprir as
suas.
Curiel (2015) menciona que, para a humanidade, a lição se apresenta de forma
ambígua, tendo em vista que pode ocorrer equilíbrio dinâmico, considerando a capacidade
planetária, ou, conforme salienta Varela e Carvalho (2016), pode ocorrer consumo para além
da capacidade, ocasionando decadência na civilização.
Assim, claro o liame entre a tragédia dos comuns e o consumo, tendo em vista que o
uso individualista dos recursos naturais por alguns indivíduos, no caso em pauta, transpassado
por meio do consumo, afeta toda a sociedade, tendo em vista o esgotamento dos recursos.
Hardin, segundo Sánchez (1995), exemplifica a tragédia dos comuns usando de uma
metáfora, denominada do caso do “pasto aberto para todos”, onde cada pastor buscaria manter
sobre a área comum a todos o maior número de cabeças de ovelhas quanto fosse possível,
retirando o máximo proveito de sua utilização. Assim, para referido pastor, ocorreria uma
maximização de seu ganho, em detrimento à comunidade. Entretanto, a tragédia estaria posta,
haja vista a finitude do pasto ao longo do tempo.
Sánchez (1995) ainda chama atenção para outro ponto abordado por Hardin, em seu
ensaio, ao alertar acerca da reação em cadeia, vez que a sequência de eventos segue
previsivelmente o comportamento dos indivíduos envolvidos. Ou seja, os demais membros da
sociedade são levados a tomar a mesma atitude do “pastor”, na leviana dominação sobre a
natureza, a super explorando, o que propicia a escassez dos recursos. Nesse sentido, torna-se
imperiosa uma visão ética, que por Hardin (1968), segundo Sánchez (1995), é tratada como
moralidade, no intuito de tentar minimizar a tragédia, interrompendo as ações humanas
lesivas ao meio ambiente. O presente artigo tratará do tema mais aprofundado, quando do
capítulo sobre educação ambiental, em uma abordagem da ética ambiental.
Entrelaçando com o tema consumo, fácil observar parâmetros de semelhança com a
metáfora da tragédia dos comuns, tendo em vista que, com o uso desprovido de
responsabilidade dos recursos naturais, tanto pelos fornecedores quanto pelos consumidores,
de maneira a estimular o consumo exacerbado, estará propiciando a escassez dos recursos do
meio ambiente.
Nesse sentido, relevante analisar, associado à questão do consumo, as necessidades
humanas, ou, o deflagrar dos desejos humanos, em especial, no contexto da sociedade de
risco, bem como adentrar nas perspectivas da modernidade líquida, conforme análise na seção
que se segue.
A existência humana sempre foi permeada por riscos. Tais riscos, no entanto,
variaram, modo geral, levando em conta o próprio desenvolvimento das atividades as quais o
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homem se propôs a desempenhar. “A convivência com riscos faz parte da vida humana, mas
se antes eles eram preponderantemente naturais, com a Revolução Industrial e tecnológica
também passaram a se originar da própria atividade humana” (SOUZA, 2015, p. 82).
A Revolução Industrial, ocorrida nos séculos XVIII e XIX, fortificou a ideia que
defendia a atuação da ciência, a qual concebia os recursos naturais como infinitos e, com essa
forma em se pensar o mundo, se origina a crise ambiental em que se encontra a atualidade
(LEFF, 2007). Da fragmentação das ciências (permanecendo cada ciência com o seu objeto),
advém a racionalidade científica, que está intimamente ligada com a desconsideração do
homem como ser pertencente à natureza, colocando-se como superior a ela, com poder em
dominá-la, condizente com os interesses antropocêntricos dominantes:
[...] crise do pensamento ocidental: da “determinação metafísica”que, ao pensar o
ser como ente, abriu o caminho para a racionalidade científica e instrumental que
produziu a modernidade como uma ordem coisificada e fragmentada, como forma
de domínio e controle sobre o mundo (LEFF, 2007, p. 191).
O consumo pode ser compreendido como ato cotidiano, afinal, “[...] entende-se que
consumir é um ato da natureza do homem, pois para sua sobrevivência precisa de alimentos,
medicamentos, moradia, dentre outros que se configurem como essenciais” (VIEIRA;
REZENDE, 2015, p. 66).
De outro giro, o consumismo, expressão máxima da sociedade industrializada, utiliza
de cativantes publicidades, incutindo diretamente nas pessoas o sentimento de felicidade ao
adquirir um produto, que na maioria das vezes não é essencial. Esses indivíduos são tomados
por desejos imbuídos no consumo.
Nessa seara, o foco é o despertar, cada vez mais crescente, pelo desejo em consumir,
crendo atingir a felicidade e a realização, desenvolvendo nos indivíduos a pseudo necessidade
por novas mercadorias, alimentando, portanto, a indústria. Nesse sentido, Bauman (2008):
Aparentemente o consumo é algo banal, até mesmo trivial. É uma atividade que
fazemos todos os dias. Se reduzido à forma arquetípica do ciclo metabólico de
ingestão, digestão e excreção, o consumo é uma condição, e um aspecto, permanente
e irremovível, sem limites temporais ou históricos; um elemento inseparável da
sobrevivência biológica que nós humanos compartilhamos com todos os outros
organismos vivos. [...] Já o consumismo, em aguda oposição às formas de vida
precedentes, associa a felicidade não tanto à satisfação de necessidades (como suas
“versões sociais” tendem a deixar implícito), mas a um volume e uma intensidade de
desejo sempre crescentes, o que por sua vez implica o uso imediato e a rápida
substituição dos objetos destinados a satisfazê-la (BAUMAN, 2008, p. 37).
Todo ser humano tornou-se um consumidor em potencial, ainda mais por estar
mergulhado em meio à larga e desenfreadas ofertas de crédito e a comunicação
empresarial. Diante disso, as necessidades humanas sofrem, diuturnamente,
interferências, haja vista que, cidadãos se veem compelidos a acreditar que
necessitam de algo que, de fato, não precisam (VARELA; CARVALHO, 2016, p.
143).
Maslow, um psicólogo americano, na segunda metade dos anos 1950, deu origem, a
uma famosa teoria acerca das necessidades humanas, aduzindo que as necessidades do
homem organizam-se numa hierarquia de relevância, representada na forma de uma pirâmide,
cuja base é preenchida pelas necessidades fisiológicas e de sobrevivência e o topo por
necessidades de status e auto-realização.
Todavia, segundo Varela e Carvalho (2016), tendo em vista os acontecimentos atuais,
questiona-se se tal teoria continua atual, posto que Maslow, no momento em que a pensou,
não presumiu o cerceado crivo da sociedade de consumo.
Varela e Carvalho (2016), em consonância com os ensinamentos de Marques (2011),
apregoam que a cultura de consumo suportada por empresas de comunicação, as quais
utilizam de meios de programação neurolinguística, viabiliza o alcance quase que maciço da
mente dos consumidores, fazendo crer que os produtos detém fator preponderante aos
homens, “mostrando-os como essenciais para a melhoria da qualidade de vida” (MARQUES,
2011, p. 31).
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Aliado à cotidiana ideia de cada vez mais necessidades, está a assombrosa realidade
dos montes de lixo advindos da inconsequente atividade consumerista (VARELA;
CARVALHO, 2016). Nesse sentido, em busca por um consumo sustentável, um possível
instrumento, quiçá, conforme preconiza Seiffert (2014), o instrumento dos instrumentos de
gestão ambiental, a viabilizar a consciência no que tange à necessidade de se tutelar o meio
ambiente está a educação ambiental.
necessidade da preservação dos recursos naturais, que se faz possível por meio de uma
educação ambiental, posto que, tal instrumento viabiliza aos indivíduos consciência ecológica
crítica, em prol de valorizar e preservar o meio ambiente, trazidos em planos e metas
concretas.
Destarte, a educação ambiental, assim como a observância do princípio da
informação, atrelada às atividades de consumo, viabiliza o consumo sustentável,
possibilitando aos cidadãos exercerem pressão sobre as organizações as quais são
ambientalmente irresponsáveis. “A partir do momento em que se constata a ineficiência dos
instrumentos estatais para conter a degradação devem-se buscar novas alternativas, como o
consumo sustentável, forma de pressão econômica sobre as empresas” (THOMÉ, 2007, p.
54).
O mercado, segundo Thomé (2007) depende do consumidor, que pode ser analisado
como o mais importante elo da cadeia econômica, tendo em vista ser proveniente dele a opção
de escolher pelo produto e empresa que usufruem do processo produtivo mais condizente com
o menor impacto ambiental. Ou seja, referida perspectiva, dentro de análise coletiva,
“acarretará no sucesso ou no fracasso da atividade econômica da empresa” (THOMÉ, 2007, p.
54-55).
O cidadão deve exercer seu poder de interferência na economia agindo com mais
consciência ao consumir, buscando por empresas que internalizam as externalidades
negativas. Na era do consumismo, aludem Varela e Carvalho (2016), a educação ambiental e a
ética nas relações de consumo são ainda pouco expressivas, em que pese em muito se falar em
sustentabilidade, ainda que essa não seja concretamente implementada.
[...] relação do homem com o meio ambiente é objeto de proteção específica pelo
sistema positivo brasileiro. A CF/881, em seu artigo 225, é taxativa em afirmar que a
proteção do meio ambiente, direito das presentes e futuras gerações, insere-se no rol
de direitos a serem protegidos pelo Estado [...] (BARRETO; MACHADO, 2016, p.
323).
menção ao acesso que os indivíduos devem ter quanto às informações concernentes aos
assuntos referentes ao meio ambiente. Quanto às informações, tem-se, dessa forma, que os
dados ambientais “devem ser amplamente divulgados para que haja efetiva participação dos
interessados nas questões ambientais” (THOMÉ, 2016, p. 79).
Ademais, o texto Constitucional, em seu art. 5º, XXXII, também faz menção à
obrigatoriedade dos órgãos públicos em efetuar as informações que sejam de interesse
particular ou coletivo, ou geral. Thomé (2016) ainda destaca o inciso IV, do artigo 225 da
CRFB/1988, em que retrata a obrigatoriedade da publicidade dos estudos de impacto
ambiental, fornecendo aos interessados, em especial os interessados diretos do
empreendimento, “tempo suficiente para a adoção de efetivas providências administrativas
e/ou judiciais cabíveis nos casos de eventuais irregularidades constatadas no licenciamento de
atividades com potencial degradado” (THOMÉ, 2016, p. 79).
Entretanto, para que as informações realmente atinjam seu verdadeiro escopo, qual
seja, de possibilitar aos interessados uma possível atitude, referente à defesa do meio
ambiente é necessário que os mesmos compreendam as questões pertinentes. Equivale, dessa
forma, afirmar a necessidade de educação ambiental.
Diante disso, fica evidente a interdependência dos princípios da educação ambiental
e da informação, que, juntos, viabilizam o princípio da participação popular. Ademais, a partir
do momento em que se preserva o meio ambiente, propiciando qualidade de vida, garantindo
o próprio direito à vida (COSTA, 2010), se está exercendo a cidadania. Essa afirmação funda-
se no destrinchar do conceito de cidadania, sobre o prisma de que ser cidadão é ter a
consciência de que é sujeito de direitos, tais como à vida, ao meio ambiente equilibrado, à
liberdade, igualdade, direitos políticos e sociais, devendo, para tal, assumir o papel de dever
participativo junto aos interesses particulares e coletivos.
5. Considerações finais
Referências
BAUMAN, Zygmunt. Tempos líquidos. Tradução: Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro:
Zahar, 2007.
BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a outra modernidade. 2ª ed. São Paulo: Editora 34,
2003.
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Horizonte: O Lutador, 2010.
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2017.
Abstract: Dams burst in Germano’s mining complex, located in the district of Bento
Rodrigues, caused many lawsuits both in collective and individual spheres. On private sector,
countless claims for moral damages are under judgment, especially in the municipalities in the
states of Espírito Santo and Minas Gerais. The incident of repetitive demands is a new
instrument brought to Brazilian legal order by the Code of Civil Procedure of 2015 that aims
to maintain equality and celerity. It has already been used by judges of both states to firm
understanding about the moral damages issue. This paper intends to show that such
instrument may have even deeper application, since particularities are respected within an
isonomic context.
43 Graduando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Integrante da Clínica de Direitos
Humanos da UFMG. E-mail: leocustodiomg@gmail.com
44 Advogada. Bacharela em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Pós-graduada em Processo
Civil, Mediação, Conciliação e Arbitragem pela FADIVALE. Mestranda em Direito Ambiental pela Escola
Superior Dom Helder Câmara. E-mail: lemgrubervanessa@gmail.com
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Perspectivas e desafios para a proteção do meio ambiente na contemporaneidade
Universidade Federal de Minas Gerais 2017
Keywords: The Incident of Repetitive Demands; tailings dam; environment; moral damage;
equality.
1. Introdução
O presente trabalho discorre sobre a problemática não apenas dos danos morais cujo
direito adveio em decorrência do rompimento da barragem de rejeitos em Mariana/Minas
Gerais, mas também sobre a vasta numerosidade de litígios que surgiu desde o ocorrido.
Com o advento da nova sistemática processual civil em 2015, foi proposta uma
solução para uniformização de casos e para que o princípio da isonomia fosse respeitado ao
mesmo passo do amplo acesso ao poder judiciário. Nada será afastado da apreciação
jurisdicional, e casos jurídicos iguais devem ser tratados de forma isonômica.
Nesse contexto, a questão problema que orienta a pesquisa é: Qual a melhor solução
para que os casos de dano moral contra as mineradoras envolvidas no rompimento da
barragem em Bento Rodrigues, distrito de Mariana/MG, sejam tratados de forma isonômica?
Isso posto, o estudo trabalha com a hipótese de que há necessidade de instauração de
IRDR para as demandas de dano moral contra as mineradoras envolvidas no rompimento da
barragem em Bento Rodrigues, distrito de Mariana/MG tendo em vista a repetição de
processos e o risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica.
A Justiça Ambiental passa pela questão de Direitos Humanos ao passo que a
vulnerabilidade perante uma tragédia ambiental “pode ser considerada uma violação desses
direitos, ao evidenciar o sofrimento dos menos protegidos, por colocar em risco a sua vida, a
sua dignidade e o seu meio ambiente ecologicamente equilibrado” (DERANI; VIEIRA, 2014,
p. 152). Consequentemente, os mecanismos e instrumentos jurídicos devem ser meios para
proteção das garantias fundamentais.
A razão da escolha do tema está ligada aos diversos municípios afetados com o
rompimento da barragem, nos quais inúmeras demandas de danos morais têm sido objeto de
lide processual. Assim, com o intuito de prestigiar o Princípio da Isonomia e da Segurança
Jurídica (ANTUNES, 2012, p.170), o IRDR se mostra um instrumento adequado para tal
finalidade. Como procedimento metodológico, utilizou-se pesquisa bibliográfica e
jurisprudencial.
Após esta introdução são tratados o incidente de resolução de demandas repetitivas e,
em seguida, sua aplicação do caso de danos morais em decorrência do rompimento e
galgamento das barragens no complexo minerário de Germano. A conclusão é condensada
com as perspectivas e possibilidades da instauração de IRDR valorativo de dano moral
individual.
O NCPC enfrentou diversos problemas processuais que o Código de 1973 não havia
feito ou que, em virtude do período histórico não lhe pareceu necessário. O numerário das
demandas processuais cresce exponencialmente e um dos desafios do Código de 2015 foi
contornar – da forma possível – tal fato tanto nas instâncias inferiores como nos tribunais
superiores mediante criação e valorização de determinados instrumentos jurídicos. O
incidente de resolução de demandas repetitivas/IRDR (arts. 976 a 987) é apontado como um
deles.
Os objetivos do IRDR são plenamente identificáveis como economia processual,
previsibilidade, segurança jurídica e isonomia entre os jurisdicionados.
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Perspectivas e desafios para a proteção do meio ambiente na contemporaneidade
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O processo atual, nessa ordem de ideias, não pode mais ser visualizado apenas
dentro da sistemática do Código de Processo Civil, já que tão ampla e profunda foi
a marcha inovadora operada pela Constituição e legislação extravagante, após a
codificação de 1973. Atento a essa circunstância, o novo Código previu outros
meios coletivizantes de demandas individuais, como o incidente de resolução de
demandas repetitivas(...).
A importância do estudo deste instituto ganha cada vez mais espaço e, dentre suas
características, ressalta-se inicialmente as seis mais relevantes.
Primeira é o fato do IRDR, embasado na política de valorização da jurisprudência, ser
caso de rejeição liminar da demanda nas causas que dispensem a fase instrutória, tendo havido
ou não citação do réu, nos termos do art.332, inciso III; e, segunda, hipótese de negativa de
provimento a recurso que, conforme o art. 932, IV, contrarie o entendimento por ele firmado.
Ou seja, em linhas gerais, quando o pedido do autor contrariar entendimentos firmados
através do julgamento do incidente, além de súmulas ou acórdãos do STF e STJ, será caso de
rejeição liminar ou de provimento de recurso negado.
Destaca-se que a rejeição liminar do pedido, enquanto medida excepcional, requer a
preexistência de um dos requisitos do art. 332, sendo o IRDR um deles. Pouco importa que o
suporte fático afirmado seja ou não verdadeiro, pois o provimento judicial será
completamente negativo para o autor, e benéfica apenas àquela que seria constituída como
parte ré.
A rejeição liminar, que ocorre sem a citação do réu e em decorrência do IRDR, é
possível porque embasa-se em questão de direito. Não pode se falar em procedência liminar
pois as questões de direito são embasadas em fatos e, portanto, o juiz deverá ouvir o réu em
sua resposta ou aguardar a revelia. É impossível prever a resposta do réu frente à afirmações
de fato alegadas pelo autor em sua pretensão. Logo, o Código de Processo Civil permite o
julgamento liminar de causas repetitivas ou seriadas apenas quando se tratar de
improcedência. Nesse sentido, Theodoro Júnior (2015, p. 988) aduz que “(...) em tais
hipóteses, é perfeitamente possível liminar o julgamento à questão de direito, sem risco algum
de prejuízo para o demandado e sem indagar da veracidade ou não dos fatos afirmados pelo
autor”.
A terceira característica, no âmago da valorização do IRDR pelo novo ordenamento
processual civil, a regra geral constante no art. 12 do CPC/15, pela qual os magistrados devem
proferir sentença ou acórdão por sua ordem cronológica de conclusão, é excepcionada, dentre
outras hipóteses, pelo julgamento de IRDR.
O amicus curie, aquele que mesmo sem ser parte no processo é se propõe ou é
chamado a intervir em caso relevante em vista de sua representatividade, para trazer ao
julgador elementos qualificados para a lide, pode recorrer de decisão que julga o IRDR. Tal
opção legislativa constante no §3º do art. 138 é a quarta característica ora destacada e tem
como escopo o fato do entendimento firmado ser paradigma para questões futuras,
provavelmente influenciando o interesse institucional do referido interventor (THEODORO
JÚNIOR, 2015, p. 535).
A quinta característica é a presença do instituto do incidente de resolução de demandas
repetitivas enquanto causa de suspensão dos prazos quando de sua admissão, nos prelúdios do
art. 313, inciso IV do CPC/15. Como a suspensão não elimina o vínculo jurídico emanado da
relação processual nem lhe retira eficácia, tão logo cesse o julgamento do IRDR, a
movimentação dos processos deverão ser normalmente restabelecidas.
No que tange o fim da suspensão, Theodoro Júnior (2015, p. 936) afirma:
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(...) Determina o Código, ainda, cessar a suspensão dos processos pendentes que
versem sobre a mesma questão de direito se não for interposto recurso especial ou
recurso extraordinário contra a decisão proferida no incidente (art. 982, §5º). Ou
seja, interposto recurso para os Tribunais Superiores, a suspensão prevalecerá até
decisão deste. Superada a causa da suspensão, os processos individuais ou coletivos
retornarão curso e serão julgados mediante aplicação da tese de direito assentada
pelo tribunal (art. 985, I).
A suspensão será determinada pelo relator do incidente e será comunicada aos juízes
diretores do foro de cada comarca ou seção judiciária através de ofício, conforme art. 982,
§1º. Apesar de, enquanto a suspensão estiver em vigor, nenhum ato processual poder ser
praticado, é permitida a realização daqueles que forem urgentes para evitar dano irreparável (
art. 314), caso em que o juízo onde tramita o processo suspenso estará prevento para julgar
pedido de tutela de urgência (art. 982, §2º).
Última e sexta característica do IRDR é a exclusão do reexame necessário de sentença
contrária à Fazenda Pública que estiver lastrada em entendimento firmado pelo incidente (art.
496, § 4º, inciso III).
para instauração do incidente, pelo menos um feito (no sentido lato) versando a mesma
questão de direito deve estar tramitando no tribunal de segundo grau”.
É necessário, ainda, atentar-se ao fato de que, caso a tese jurídica estiver sendo
discutida em recurso extraordinário ou em recurso especial afetado para modalidade
repetitiva, o IRDR não será cabível, uma vez que o entendimento dos tribunais superiores
vincula tribunais e juízos de primeiro grau, conforme atesta o art. 976, § 4º. Este seria o
limite temporal máximo para instauração do incidente, visto que será cronologicamente
impossível, também seria aplicável quando houver julgamento de recursos repetitivos por
amostragem no STF ou STJ.
Os legitimados a propositura do incidente são identificáveis pela leitura do disposto no
art. 977 em seus incisos, sendo eles: o juiz; o relator; as partes; o Ministério Público e a
Defensoria Pública.
Quando levantado pelo juiz ou pelo relator, será de ofício e deve estar submetido ao
menos um processo para julgamento sob a competência deles. O juiz pode, por exemplo,
remeter reexame necessário ao tribunal para que este instaure o incidente. Pode-se levar em
conta os processos em curso em outras varas para aferição da repetição.
Caso seja levantado pelas partes, Ministério Público ou Defensoria Pública, o será por
meio de petição e com o objetivo de garantir a isonomia. As partes devem estar constituídas
no processo; e o Ministério Público e a Defensoria Pública terão legitimidade ainda que não
atuem nos processos repetidos, tendo em vista o interesse público em assentar tese jurídica de
forma célere e juridicamente segura (DONIZETTI, 2015, p. 747).
envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus (art. 980). Como o prazo é impróprio, não
há previsão de qualquer consequência para o seu descumprimento, podendo, entretanto,
ocorrer a cessação da suspensão dos processos pendentes de que trata o art. 982, inciso I. Mas,
em decisão fundamentada do relator, inclusive a cessação da suspensão pode ser evitada
(DONIZETTI, 2015, p. 747).
Uma vez julgado, a tese jurídica será aplicada a todos os processos coletivos ou
individuais que versem sobre idêntica questão de direito e que tramite na área do respectivo
tribunal; e a casos futuros, salvo revisão feita pelo mesmo tribunal (arts. 985 e 986). Da tese
firmada caberá reclamação se a mesma não for observada; e recurso extraordinário ou
especial com efeito suspensivo, conforme o caso (art. 985, §1º e art. 987). O Enunciado n. 94
do Fórum Permanente de Processualistas Civis 45 esclarece sobre os legitimados a interpor
recurso ao afirmar que “(...) a parte que tiver o seu processo suspenso nos termos do inciso I
do art. 982 poderá interpor recurso especial ou extraordinário contra o acórdão que julgar o
Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas”
Importante frisar que o julgamento do incidente deverá informar os fundamentos da
decisão e os dispositivos normativos a ela relacionados, inclusive para possibilitar a
manifestação do distinguishing 46, do overruling 47 e da superação de entendimento 48.
(...) todos terão uma mesma questão de direito homogênea, em sede de diferentes
juízos singulares ou colegiados, isso pode gerar o risco de decisões contraditórias –
o que, segundo a lei, ofenderia os princípios da isonomia ( no fato em que situações
jurídicas similares ensejariam, potencialmente, decisões divergentes) e da segurança
jurídica ( entendida como previsibilidade futura dos cidadãos quanto às
consequências jurídicas de suas ações) (THEODORO JÚNIOR et al., 2015, p. 386).
Apesar da técnica do incidente ser bem vista por grande parte da doutrina e de juristas,
alguns questionamentos e ponderações devem ser feitos. Um deles já dito acima: até que
ponto a busca pela isonomia não seria prejudicial a particularidade de cada indivíduo?
Além disso, o IRDR, enquanto manifestação da unificação de jurisprudências, pode
ser visto como sinônimo de celeridade e economia processual, porém deve-se ter cautela para
que o contraditório, a efetividade e acesso à justiça não fiquem comprometidos (PIMENTEL;
VELOSO, 2013, p. 67).
Tendo em vista um número indeterminado de interessados que podem querer se
manifestar, o prazo de 15 (quinze) dias pode se mostrar demasiado apertado para produção de
provas. Ademais, pode ser visto como uma ofensa ao princípio constitucional da ampla defesa
pois dificultaria o conhecimento pelos interessados do inteiro teor da demanda que terá efeitos
jurídicos a número indeterminado de pessoas.
O IRDR pode se mostrar muito mais como a busca por uma decisão rápida, em
distorção do princípio da celeridade processual, haja vista a potencial constrição aos
princípios fundamentais. Se configurada a constrição, a inconstitucionalidade poderá ser
arguida com base na impossibilidade do devido processo legal e afronta ao Estado
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está contaminado, mas laudos atuais têm divergido sobre a potabilidade ou não da água para
consumo e atividades diárias, tais como banho, higiene e limpeza das casas.
A realização e a análise de relatórios sobre a qualidade da água são
incomensuravelmente importantes para a população, principalmente se feitos independente
das empresas mineradoras. Como asseverou o Ministério Público Federal na procedente Ação
Civil Pública de Colatina/ES, município abastecido pelo Rio Doce, há necessidade que as
mineradoras paguem perícias independentes, cuja indicação do órgão para auditoria será feita
pelo próprio MPF (GAZETA ONLINE, 2016).
As temáticas de contaminação da Bacia do Rio Doce e as incertezas na qualidade da
água são recorrentes em vários veículos de informação e reportagens. Por exemplo, em 23 de
outubro de 2016, foi objeto de matéria especial do Fantástico, programa de entretenimento da
Rede Globo (G1, 2016b). No decorrer da matéria, o Ministério Público Estadual de Minas
Gerais alertou para os níveis elevados de metais pesados e o risco à saúde.
A preocupação com a qualidade da água do Rio Doce é tamanha que a Defensoria
Pública da União em conjunto com o Ministério Público Estadual de Minas Gerais ajuizaram
Ação Civil Pública apontando, dentre outros fatores, a possibilidade de desenvolvimento de
doenças degenerativas na população, como Parkinson e Alzheimer (G1, 2016a).
Em decorrência de tudo isso, e como se não bastasse todo o desgaste socioambiental
sofrido pela coletividade ou por grupos determinados de pessoas, o cheiro de peixe em
decomposição pairava sobre os municípios, os pescadores ainda não sabiam qual seria uma
nova fonte de sustento, o racionamento de água, a busca pela água mineral - item raro nos
períodos iniciais pós-desastre - várias famílias pensaram em se mudar para outras cidades,
parte do comércio e o próprio Fórum de Governador Valadares ficaram fechados por certo
período.
Porém, de toda sorte, não apenas à época do ocorrido no complexo minerário de
Germano, mas até os dias atuais, os moradores sentem muita insegurança no consumo e uso
da água tratada. Várias residências têm buscado perfurar poços artesianos, ainda que seja por
meio de endividamento, – na maioria das vezes sem o sucesso esperado pois as análises
costumam indicar elevada presença de coliformes fecais e outras impropriedades – e fazem o
uso de água mineral para beber e cozinhar.
Mesmo que fosse possível a completa substituição, os problemas não se reduzem a
simplesmente na troca do consumo de água filtrada por água mineral. Ademais, não é simples
mudar o sistema de captação de água, direcionando-o para um rio diverso. A população dos
municípios banhados e abastecidos pelo Rio Doce estão em um completo estado de
desconfiança pois é impossível completamente acreditar em laudos de análise do manancial
hídrico e nenhuma medida efetiva foi tomada, até então, para limpar o Rio em sua extensão.
Não há consenso se, por exemplo, a água para tomar banho é adequada e há fortes
questionamentos sobre a potabilidade.
Ainda não se sabe a extensão dos danos causados e, conforme matéria da Revista
ISTO É (2016), não há como, até o momento, dimensionar e caracterizar o dano. Os rejeitos
que chegaram inclusive na costa marítima ocasionaram tamanha lesão a toda comunidade da
Bacia do Rio Doce que não é sabido nem quanto tempo vai levar para a recuperação
ambiental e social.
Mais recentemente, alguns especialistas da Fiocruz e outras entidades têm estudado
tese que associa o crescimento da epidemia de Zika, Febre Amarela, Chikungunya e Dengue
ao ocorrido, especialmente no estado de Minas Gerais, por ter contribuído com a degradação
ambiental. Como a vida de algumas espécies de sapos e lagartos (R7, 2016) foi prejudicada
com o rompimento e galgamento das barragens, os mosquitos vetores das referidas doenças
teriam se multiplicado (EL PAÍS, 2017). As requeridas conheciam os riscos iminentes do
rompimento da barragem (G1, 2016c).
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Tendo em vista todos esses fatos, os moradores das cidades afetadas, em especial em
Minas Gerais, têm entrado com ação de danos morais individuais em face às empresas
responsáveis pela exploração no complexo minerário de Germano. As questões jurídicas das
demandas são idênticas em sua maioria. E, como têm sido propostas nos Juizados Especiais, a
pauta de audiências ficou praticamente monotemática. A maioria dos processos pede R$
10.000,00 (dez mil reais) de indenização. E cada turma dos juizados, por sua vez, tem
decidido de forma diferente no que diz respeito aos valores. Para ações com mesmo
fundamento de direito e explanação de fato, inclusive para casos de vulneráveis, cada turma
tem fixado um valor próprio. No município de Governador Valadares em Minas Gerais, por
exemplo, há fixação R$ 7.000,00 (sete mil reais) e há fixação de R$5.000,00 (cinco mil reais).
Com isso em mente, e sabendo da previsão do instituto do IRDR no ordenamento
brasileiro, há questionamentos sobre a possibilidade de fixação de um mínimo para estes
casos envolvendo danos morais, que poderia ser majorado mediante comprovação de situação
especial. Em outras palavras, a determinação de um piso para a indenização, majorável se
demonstrado maior dano que o cidadão médio do município tenha sofrido. Especula-se ainda
que, cada cidade ou microrregião dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo venha a ter seu
próprio padrão mínimo estabelecido.
De fato, o número de demandas envolvendo essas questões é de tamanha
expressividade que o TJMG editou a Portaria Conjunta 561/2016 constituindo “Grupo de
Trabalho para estudar e apresentar propostas visando a efetiva prestação jurisdicional nos
conflitos” e suspendeu os processos em trâmite na Justiça Comum e nos Juizados Especiais
pelo prazo de 90 dias.
49 Enunciado 45 - (art. 976) O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas poderá ser suscitado com base
em demandas repetitivas em curso nos juizados especiais; Enunciado 47 - (art. 982, I, § 2º) Admitido o Incidente
de Resolução de Demandas Repetitivas, os seus efeitos alcançam também os processos de competência dos
Juizados Especiais.
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magistrados componentes da turma recursal norte. O relator designado foi o juiz Marcelo
Pimentel, da 3ª turma recursal Região Norte.
Em 10 de março de 2017, a Turma Estadual de Uniformização de Jurisprudência do
Sistema de Juizados Especiais do Estado do Espírito Santo decidiu pela quantificação do
valor da indenização por danos morais em R$ 1.000,00 (um mil reais) individualmente,
considerando que “os municípios abastecidos pela água do Rio Doce não chegaram a ficar
cinco dias sem o serviço das concessionárias” (TJES, 2017).
Mas, ainda que o valor seja baixo, a análise do caso nos mostra que a fixação de um
piso indenizatório é possível. Em verdade, os danos morais são de natureza essencialmente
subjetiva. Mas, como uma coletividade foi afetada de forma bem similar e sentiu de forma
parecida os efeitos, há possibilidade de padronização das subjetividades. Evidentemente, por
outro lado, tais subjetividades podem e devem ser diferenciadas quando necessário.
Assim, parece razoável afirmar que o órgão julgador pode fixar uma quantia básica
individual a ser recebida, que poderá ser elevada se o jurisdicionado demonstrar que suas
condições fáticas necessitam de uma aplicação jurídica diversa. Uma grávida, por exemplo,
veio a abortar espontaneamente na lama quando a barragem se rompeu (BBC, 2016). Como o
índice de sódio de muitas marcas de água mineral é alto, hipertensos e idosos tiveram que
tomar cuidado redobrado.
Pode-se dizer, então, que a fixação de um quantum mínimo é para um cidadão médio,
uma abstração jurídica tal qual a mulher ou o homem médio, nem alto, nem baixo, nem
magro, nem gordo, nem velho, nem novo, nem branco, nem negro, nem sábio, nem tolo.
Cidadão médio como parâmetro para demais indenizações.
De toda forma, ainda existem muitos questionamentos sobre essa responsabilização.
Perguntas como: quem faz jus ao recebimento da indenização por danos morais? Apenas os
residentes da cidade? Aqueles que estudam e trabalham fora também fariam jus? Como
delimitar a extensão dos danos morais? Ao passo que ainda há sensação de insegurança e
desgosto, os danos se estendem até os dias atuais, como delimitar a extensão do dano? Danos
apenas pelas semanas que sucederam a tragédia?
Pela análise do caso, tais pontos serão objeto de teses firmadas pelo IRDR. Se não
houver uma mobilização e instrumentalização do processo como espaço de resistência para
efetivação dos direitos, eles não serão respeitados.
Cabe, portanto, aos demandantes a cobrança, e ao Estado o posicionamento de forma
célere e justa para que os atingidos pela tragédia socioambiental não continuem sendo
lesados.
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chikungunya. Disponível em: <http://noticias.r7.com/minas-gerais/populacao-atingida-por-
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Abstract: Consumerism has been a key part of contemporary society. The consumer culture
instigate the unnecessary consumption to encourage a production chain that aims profits at
any cost. Business practices have increasingly sought to stimulate overconsumption,
maintaining a cycle of acquisition and rapid disposal. Among the strategies to maintain this
consumer economy, there are the techniques of programmed or planned and perceived
obsolescence. It is worth mentioning that this consumerist approach causes several damages
to the environment, leading to the disposal of tons of garbage per year. Besides this practice
also damages consumer rights. Having noticed all these problems, this article presents legal
instruments to curb these practices, showing the relevance of the environmental principles, the
Constitution and other Brazilian’s legislation.
1. Introdução
Na busca do lucro, as sociedades contemporâneas têm desenvolvido cada vez mais sua
forma de produção, movidas pela lógica de que a maior quantidade de produtos produzidos
em menos tempo, somada ao rápido ciclo de aquisição e descarte pelos consumidores, é a
melhor alternativa. A questão que se mostra relevante ressaltar é a que custos essa corrida pelo
lucro tem sido feita, quem são os beneficiados e quais suas consequências.
Nota-se que as sociedades estão intrinsecamente afetadas pelo consumismo
desenfreado. Cada vez mais surge a necessidade de que os empresários reinventem a oferta de
produtos para manter o consumo elevado no cotidiano das pessoas, mantendo o ciclo rápido
de aquisição e descarte pelos consumidores. Assim, estratégias empresariais são
desenvolvidas e aplicadas para estimular tal consumismo desenfreado, sendo uma delas a
técnica da obsolescência programada ou percebida.
O consumo descontrolado e as técnicas utilizadas para estimular tal consumo têm
inúmeras consequências negativas que afetam o meio ambiente e os consumidores. O objetivo
do presente artigo é demonstrar como essas práticas e o sistema de produção e consumo
instalado na sociedade atual têm afetado diretamente o meio ambiente, causando problemas
graves que precisam de atenção.
A produção de mercadorias feitas para quebrar, ideia da técnica da obsolência
programada, é prejudicial para os consumidores por adquirirem um produto com durabilidade
prejudicada propositalmente, forçando que, em um curto espaço de tempo, um novo produto
seja adquirido, alimentando o sistema de produção e consumo. Além de contribuir para o
consumismo, essas práticas comprometem os recursos naturais e lançam quantidades
exorbitantes de resíduos no meio ambiente.
Assim, para combater a referida estratégia empresarial criada pelo mercado industrial,
será demonstrada a relevância da aplicabilidade do princípio da responsabilidade civil
ambiental, amparada pela Constituição da República Federativa do Brasil, Lei da Política
Nacional do Meio Ambiente, Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos, Código de Defesa
do Consumidor e Código Civil, na produção de produtos com durabilidade fraudulenta e em
relação ao descarte adequado dos produtos pós-consumo.
A palavra consumo pode ser entendida de uma maneira singela, como sendo algo
usual, comum. De acordo com a perspectiva de Zygmunt Bauman (2008), ao se pensar no
ciclo metabólico de ingestão, digestão e excreção, o consumo é uma condição, um elemento
inseparável da sobrevivência biológica que os seres humanos compartilham com outros
organismos vivos. Com a evolução da sociedade, a adoção do sistema capitalista e o
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receber da anterior o meio ambiente natural ecologicamente equilibrado para que seja possível
o desenvolvimento da geração seguinte. Assim, nessa lógica, o consumo deve ser feito de
forma equilibrada, para que os recursos naturais possam ser aproveitados também pelas
próximas gerações. Dessa forma, recai sobre a nossa geração uma tensão potencial entre o
desenvolvimento econômico e sustentabilidade ecológica. Os recursos naturais passam a ideia
de serem valorados, em virtude do interesse depositado sobre eles. Busca-se, assim,
minimizar os riscos de findar com a oportunidade das gerações futuras usufruírem o meio
ambiente que vivemos (MACHADO, 2014, p. 19-24).
O princípio da responsabilidade ambiental também é fundamental no debate sobre o
consumismo. Este princípio faz com que os responsáveis pela degradação ambiental sejam
obrigados a arcar com os custos da reparação ou devem compensar o dano causado. Há
previsão constitucional para esse princípio no § 3º do art. 225, prevendo que “as condutas e
atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou
jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os
danos causados”. Dessa forma, é interessante pensar formas de inibir o consumismo
exacerbado na cadeia de produção, responsabilizando aqueles que incentivam condutas,
principalmente empresariais, que desconsideram a questão ambiental e visam meramente o
lucro.
Ademais, as consequências relativas à economia consumista, atinge também a seara do
Direito do Consumidor, podendo ser considerada também por este uma prática abusiva e
desleal. Percebe-se que se coloca ainda mais o consumidor em uma posição de
vulnerabilidade, pois ele acredita estar adquirindo um produto de boa qualidade, mas que, na
verdade, já está com sua durabilidade comprometida, o que irá forçá-lo a trocar sua
mercadoria rapidamente.
Tendo isso exposto, faz-se necessário discorrer sobre como a economia consumista se
concretiza em práticas empresariais abusivas de programação da durabilidade dos produtos,
além da problemática do descarte desses produtos que possuem curta vida útil. Deve-se,
assim, buscar formas de coibir tais práticas para se efetivar um direito ao desenvolvimento e
ao consumo em harmonia com as questões ambientais.
São necessários trê s ingredientes para que a sociedade de consumo possa prosseguir
o seu circuito diabólico : a publicidade, que cria o desejo de consumidor , o crédito,
que lhe fornece os meios, e a obsolescência acelerada e programada dos produtos
que, renova a sua necessidade (SANTOS, DOMINIQUINI, 2014, p. 3).
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Essa prática é constante pois as técnicas necessárias para a reciclagem são caras e
trabalhosas, gerando um tráfico de lixo, conforme Elisabeth Rosenthal:
Um destaque deve ser dado aos produtos eletrônicos, tendo em vista a produção em
massa de celulares, smartphones, notebooks, tablets, etc. A indústria de aparelhos eletrônicos
tem crescido rapidamente e mostra-se como um ambiente propício para a obsolência
programada ou percebida. Novos produtos são produzidos a cada dia, com novas funções,
nova aparência, novos utensílios, levando os consumidores, por meio da publicidade, a
acreditarem que precisam substituir seus aparelhos antigos, pelos novos produtos ofertados no
mercado, apesar do bom funcionamento do obsoleto. Além disso, os produtos ofertados já são
programados pelos fabricantes para não durarem, sendo que, após um curto período, eles
começam a apresentar defeitos diversos. Quando a informação passada ao consumidor é que é
mais financeiramente viável o descarte de tal produto e a aquisição de um novo, concretiza-se
o ciclo da obsolência programada.
O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor realizou , em 2014, junto com a
Market Analysis, uma pesquisa sobre os hábitos dos consumidores brasileiros, com relaç ão ao
tempo de descarte de aparelhos eletrô nicos, eletrodomésticos, celulares e aparelhos digitais. O
resultado demonstrou que de todos os produtos pesquisados o celular é o que está mais sujeito
à estratégia da obsolescê ncia programada, conforme o quadro a seguir (VIEIRA; RESENDE,
2017, p. 241):
Além disso, dentro da pesquisa, identificou-se que existe uma baixa procura pelas
assistências técnicas quando se trata de aparelho celular , sendo que 81% dos brasileiros
trocam tal produto sem sequer encaminhá -los àquelas prestadoras de serviç o , pois muitas
vezes não existem peç as p ara reparo , ou seu valor é equivalente à aquisiç ão de um novo
produto.(VIEIRA, REZENDE, 2017, p. 241-242)
A obsolência programada ou percebida não está presente apenas no ramo dos
aparelhos eletrônicos, mas também na indústria da moda, automobilística, entre inúmeras
outras. Essa lógica tem gerado uma quantidade exorbitante de lixo , pelo incentivo ao descarte
e consumo de um novo produto . Os dados são alarmantes , segundo o relatório do PNUMA ,
onde estima -se que até o ano de 2020 o crescimento da produç ão de lixo eletrônico pode
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chegar a 500% na Índia comparando a 2007 e a 400% na China e na África do Sul (SANTOS,
DOMINIQUINI, 2014, p. 10).
Tal técnica afronta visivelmente os princípios de desenvolvimento sustentável e
equidade intergeracional. Isso porque não é compatível a lógica de produção e consumo
instalada atualmente, com a preservação dos recursos naturais e o desenvolvimento
sustentável. O desenvolvimento econômico só se mostra em descompasso com a preservação
do meio ambiente quando se perpetua a lógica nos moldes da demonstrada acima, de
desperdício de recursos, produção desenfreada de resíduos sólidos, ou seja, desenvolvimento
que não se atenta a necessidade de limites e de preservação do meio ambiente. Nesse quesito,
o princípio da equidade intergeracional se insere, pois é preciso que haja um desenvolvimento
sustentável para que as próximas gerações também possam utilizar, com consciência, dos
recursos naturais. No compasso do sistema de produção e consumo atual, pautado no uso
ilimitado dos recursos, tendo em vista a não regeneração de tais recursos no mesmo ritmo, não
restará recursos naturais para muitas gerações, além de que não terá espaço no planeta terra
para a convivência das próximas gerações com a quantidade de lixo gerada pelas anteriores.
Assim, é necessário o aumento da durabilidade dos produtos para que seja possível
atingir o equilíbrio indispensável à sociedade em todas as suas esferas, ambiental, econômica,
social, etc. Essa simples mudança na forma de produzir produtos teria resultados menos
negativamente impactantes para o meio ambiente, além de ser mais favorável ao consumidor.
Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado,
independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados
ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da
União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e
criminal, por danos causados ao meio ambiente.
Nesse sentido, nota-se um grande avanço nas relações de consumo e nas questões
ambientais o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor e do meio ambiente frente à
tecnologia usada a serviço do capital e não ao bem-estar do ser humano, concretizada em
práticas como a obsolescência programada. Assim, é fundamental que os fornecedores
adaptem suas condutas empresariais aos princípios que regem a defesa do meio ambiente e do
consumidor, em um panorama de valorização dos direitos difusos. Além disso, é
imprescindível que os consumidores tenham o conhecimento de seus direitos e os órgãos de
defesa e tutela do consumidor possam fiscalizar a legitimidade de tais atos (TEIXEIRA, 2017,
p. 2).
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53 O termo “externalidades” indica um conceito, adotado no âmbito da economia, consistente nos “efeitos
colaterais da produção de bens ou serviços sobre outras pessoas que não estão diretamente envolvidas com a
atividade. Em outras palavras, as externalidades referem-se ao impacto de uma decisão sobre aqueles que não
participaram dessa decisão.
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mecanismos principais, quais sejam, (1) a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida
dos produtos; (2) a logística reversa; e (3) os acordos setoriais. Preliminarmente, antes de
discorrer acerca desses instrumentos positivados na Lei 12.305/2010, cabe notar que tal
diploma legal fornece um conceito amplo de resíduos sólidos (art. 3º, XVI, da Lei
12.305/2010), diferenciando-o da ideia de rejeitos 54 e abarcando, também, resíduos semi
sólidos, gasosos e líquidos, demonstrando um claro intuito do legislador de estender ao
máximo o âmbito de incidência da lei.
Passando à análise dos mecanismos de concretização do princípio poluidor-pagador,
vale comentar acerca da noção de logística reversa. Tal procedimento, definido no art. 3º, XII,
e no art. 33 da Lei 12.305/2010, tem como objetivo precípuo a internalização dos custos com
o descarte da mercadoria em sua cadeia de produção, fazendo com que os fabricantes
realmente assumam os riscos e ônus da atividade econômica que empreenderam para a
obtenção de lucros.
Nos termos do Decreto 7.404/2010, responsável por regulamentar a Lei 12.305/ 2010,
a logística reversa pode ser implementada por meio de acordos setoriais, regulamentos
expedidos pelo Poder Público ou por termos de compromisso, sendo possível estipular tal
procedimento também por intermédio de leis, resoluções do Conselho Nacional do Meio
Ambiente (CONAMA) e processos de licenciamento ambiental. No que tange aos acordos
setoriais, segundo o art. 3º, I, da PNRS, estes consistem em “(...) atos de natureza contratual
firmados entre o poder público e fabricantes, importadores, distribuidores ou comerciantes,
tendo em vista a implantação da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida do
produto”. Cumpre pontuar que, até o ano de 2016, apenas três acordos setoriais foram
firmados, por meio do Comitê Orientador para a Implantação da Logística Reversa (arts. 33 e
54 Art. 3º, XV, Lei 12.305/10: “(...) resíduos sólidos que, depois de esgotadas todas as possibilidades de
tratamento e recuperação por processos tecnológicos disponíveis e economicamente viáveis, não apresentem
outra possibilidade que não a disposição final ambientalmente adequada”
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Nessa esteira, observa-se que, se para que haja relação de consumo é necessária a
presença de ambos (fornecedor e consumidor), para que se evite ou repare os danos
ambientais oriundos de tal prática deve-se exigir, na mesma medida, a participação
55 O EVTE consiste em um estudo técnico que deve ser realizado para que se possa publicar o Edital de
Chamamento para propostas de procedimentos de logística reversa, etapa prévia essencial para a conclusão de
acordos setoriais (KOZLOWSKI; ARRAES, 2016, p. 07).
56 A responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos é definida pelo art. 3º, XVII, da Lei
12.305/10 como “conjunto de atribuições individualizadas e encadeadas dos fabricantes, importadores,
distribuidores e comerciantes, dos consumidores e dos titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de
manejo dos resíduos sólidos, para minimizar o volume de resíduos sólidos e rejeitos gerados, bem como para
reduzir os impactos causados à saúde humana e à qualidade ambiental decorrentes do ciclo de vida dos produtos,
nos termos desta Lei”.
57 Art. 942, CC: “Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à
reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela
reparação” [grifo nosso].
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de ambas as partes. Com efeito, a PNRS considera como geradores de resíduos todas
as pessoas, físicas ou jurídicas, particulares ou públicas, que, por meio de suas
atividades, produzem resíduos, advertindo, a lei, que aqui se encontra incluído o
consumo (SANTOS, 2015, p. 13).
58 Arts. 61 e 62, Decreto 6.514/08 – estabelecem multa de R$ 50 mil a R$ 50 milhões para os membros do setor
empresarial e, no que tange aos consumidores, estabelecem pena de advertência ou, em caso de reincidência,
multa de R$ 50 a R$ 500.
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5. Considerações finais
Referências
BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadorias. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008.
LEAL, Antônio Cezar et al. A reinserção do lixo na sociedade do capital: uma contribuição ao
entendimento do trabalho na catação e na reciclagem. Terra Livre. São Paulo, nº 19, p. 177-
190, jul.-dez. 2002.
WOLKMER, Antônio Carlos. Introdução aos fundamentos de uma teoria geral dos “novos”
direitos. Revista Jurídica-Unicuritiba, v. 2, nº 3, 2013.
Living under risk: jassem and the Minas-Rio project’s tailings dam
American, is one of the largest mining and port complexes in the world, and since its first
activities, even before the pre-license of the mine pit, has been subject of contestation and
numerous denunciations of environmental impacts and violation of human rights. The
denunciations focus mainly on the definitions of "affected areas" adopted by the company; to
the understatement of the environmental and social effects triggered by the enterprise; the
flexibilization of the licensing process and the way that company conducts negotiations with
families living in the surroundings of the enterprise. Therefore, the present work sought to
understand and ethnograph the current situation of the rural community of São José do Jassém
in relation to the arrival and implementation of the company, substantially with regard to the
location of the community, under the tailings dam of the project, considering the new
dynamics resulting from the disruption of the Fundão tailings dam, in Mariana, in November
2015.
1. Introdução
60 Assumo aqui a definição de extrativismo adotada por Gudynas (2015, p. 13) na qual o termo se refere a um
tipo de extração de recursos naturais, em grande volume e intensidade, e que estão orientados essencialmente a
ser exportados como matérias primas sem processar ou com um processamento mínimo. É importante ressaltar,
nesse sentido, que o autor assume enquanto extrativismo, para além de minerais e hidrocarbonetos, os
monocultivos destinados à exportação.
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América Latina; entre 1990 e 2001, 12 das 25 maiores inversões em projetos de mineração
foram realizadas em países latino-americanos.
Esse boom da mineração reafirmou o que os economistas definiram como
reprimarização da economia, ou seja, a primazia pela exportação de produtos com baixo
insumo agregado. Esse movimento foi acompanhado por mudanças profundas em diversas
outras dimensões, sejam elas econômicas, sociais e culturais, compondo o que diversos
autores denominam modelo neoextrativista (ACOSTA et al. 2016). Nesse sentido, Zhouri
(2016, p. 15) atenta para o fato de que esse processo se cumpre por meio de um complexo
processo de violência das afetações:
3. O Projeto Minas-Rio
61 Para um histórico detalhado do caso, consultar a ficha técnica “Resistência à Mineração da Anglo Ferrous
Minas-Rio S.A. em Conceição do Mato Dentro”, no Observatório dos Conflitos Ambientais de Minas Gerais
(GESTA, 2016).
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Barra, no litoral do estado do Rio de Janeiro, área onde foi instalado o Porto do Açu. Além
disso, o projeto abarca estruturas associadas, a saber, o maior mineroduto do mundo, com 529
km de extensão, que faz a ligação da cava até o porto, perpassando 33 municípios (26 em
Minas Gerais e 7 no Rio de Janeiro), uma linha independente de transmissão de energia
derivada da subestação da Companhia Energética do Estado de Minas Gerais (CEMIG), na
cidade de Itabira, e uma adutora de água, cuja captação se dá no Rio do Peixe (Bacia do Rio
Doce), no município de Dom Joaquim, para fornecimento de água limpa ao processo
industrial.
A produção de minério de ferro do Minas-Rio, hoje em processo de ramp-up 62,
pretende atingir a meta de produção de 26,5 milhões de toneladas por ano de minério de ferro,
para abastecimento do mercado exterior. Segundo o Parecer único da Secretaria de Estado de
Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustável (SISEMA, 2008, p. 8) “(...) apesar de viável
economicamente, o percentual médio do teor de ferro do jazimento é considerado baixo,
implicando extrações de grandes volumes, com grande geração de estéril e rejeitos”.
O Projeto Minas-Rio, desde as suas primeiras atividades, mesmo antes da Licença
Prévia (LP), vem sendo objeto de contestação e inúmeras denúncias de impactos ambientais e
violação de direitos humanos (PRATES, 2014, p. 11). As denúncias se concentram,
majoritariamente, sobre as definições de “áreas afetadas” adotadas pela empresa, que restringe
o reconhecimento do conjunto de comunidades atingidas; ao subdimensionamento dos efeitos
ambientais e sociais deflagradas pelo empreendimento; a flexibilização do processo de
licenciamento e; ao modo como a empresa conduz os processos de negociação com famílias
moradoras do entorno do empreendimento.
As primeiras denúncias remetem às aquisições de terras, em 2007, com a chegada da
empresa Borba Gato Agropastoril S.A. Com o discurso de aquisição de terras para criação de
cavalos, a companhia, subsidiária da MMX Mineração e Metálicos S.A., nunca revelou sua
real conexão com a empresa de Eike Batista. Um dos possíveis motivos seria esconder o
verdadeiro fim das áreas, para mineração,e que esse objetivo poderia causar resistência, por
parte dos moradores, para a venda 63 (DIVERSUS, 2011, p. 169).
Em 2008, foi assinado entre o empresário e o Governo de Minas, do então governador
Aécio Neves, um protocolo de intenções para investimento no estado. Em seguida, a MMX
vendeu as suas ações para a também acionária Anglo American, passando o projeto a ser
denominado com o nome fantasia de Anglo American Projeto Minas-Rio. No mesmo ano, a
empresa, a despeito das inúmeras manifestações contrárias a implantação do complexo –
inclusive em audiência pública –, recebeu a licença prévia, associada a inúmeras
condicionantes atreladas à etapa seguinte. Muitas dessas condicionantes nunca foram
cumpridas, fato que contribuiu para o aprofundamento do quadro de vulnerabilidade das
famílias que lutam até hoje pelo seu reconhecimento enquanto atingidas (PEREIRA;
BECKER; WILDHAGEN, 2013).
Esse processo, caracterizado como um "jogo de mitigação", caracteriza-se pela
prevalência da lógica de mercado vis-a-vis aos danos sociais e ambientais. Nesse jogo, as
políticas e normas ambientais são estigmatizadas como entraves ao desenvolvimento, e essas
comunidades são “sacrificadas” face ao crescimento econômico, restando a elas apenas
medidas mitigadoras e compensatórias. O processo de licenciamento torna-se, assim, um
62 É a fase inicial de um processo de produção, marcada pelo crescimento gradual da produção até alcançar a
sua estabilização.
63 Essa estratégia de negociação prévia com os moradores configura um modus operandi das grandes empresas,
uma vez que facilita a concessão de Licença Prévia junto ao Órgão Ambiental, ao mesmo tempo em que
fragmenta e individualiza as negociações, enfraquece os movimentos de resistência, relações familiares e com a
terra (RIBEIRO, 2015).
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São José do Jassém, ou apenas Jassém, é um distrito que divide sua administração
entre as prefeituras de Conceição do Mato Dentro e Alvorada de Minas. Ainda, é limítrofe de
um terceiro município, Dom Joaquim. É uma referência na compra de produtos e acesso a
serviços públicos, como por exemplo, é a sede da escola e posto de saúde utilizado por outras
comunidades rurais próximas a localidade, como por exemplo Água Quente e Passa Sete. Os
principais laços sociais dos moradores de São José do Jassém são constituídos por relações de
parentesco e de amizade. A comunidade é cortada ao meio pelo Rio São José, resultado da
junção dos córregos Passa Sete, Teodoro e Água Quente, recurso natural de fundamental
importância na construção da identidade do território, divisão física que marca, inclusive, a
distinção entre duas zonas do distrito: o Jassém e o Alto do Pompéu.
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64 Sistema de “parceria” entre o fazendeiro e o trabalhador, no qual o primeiro cede as terras e as sementes e o
segundo a força de trabalho. Ao fim do processo, a produção é dividida entre as partes conforme o acordo pré-
estabelecido, no caso em questão, a metade da produção
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existe soltura de animais nas zonas de compensação ambiental – a empresa faz a captura de
espécies na área de atividades da empresa e realiza a soltura nos terrenos a ela pertencentes
nas adjacências do Jassém. A presença desses animais prejudica as plantações - pisoteando, se
alimentando e destruindo as roças - e também comprometem as criações, já que, muitas vezes,
os animais que hoje são encontrados na região são conhecidos pela predação de crias de
pequeno porte, como, por exemplo, as galinhas. Nessa situação, muitos moradores se veem
obrigados a cercar parte do seu terreno, como medida protetiva às invasões, desembolsando
grande quantia para tal, já que, agora, são forçados a comprar a madeira para a manutenção
das cercas.
Para além disso, tomamos conhecimento de denúncias em relação ao barulho de
máquinas trabalhando a noite toda e ao aumento da insegurança na região. Os roubos e a
violência, conforme pudemos perceber pelas entrevistas, são resultado do trânsito de pessoas
desconhecidas, trazidas seja para trabalho na própria mineradora, ou atraídas pela
movimentação na região. Soma-se a esses efeitos, risco de o Jassém se localizar abaixo da
barragem de rejeitos do Minas-Rio.
5. Considerações finais
Contudo, esses processos não são recebidos de modo unânime e consensual: conforme
se expande a fronteira de implementação de grandes empreendimentos, como o Minas-Rio,
também crescem as denúncias dos efeitos socioambientais associados a esses
empreendimentos. É esse, também o caso de Conceição do Mato Dentro, à medida que se
evidenciavam as irregularidades do licenciamento e as violações de direitos humanos, as
comunidades que sofrem os efeitos do empreendimento se organizaram na busca pela
efetivação dos seus direitos e pela justiça ambiental.
É importante ressaltar, nesse sentido, que a complexidade do caso, a extensão das
áreas afetadas e o modo como foi conduzido o licenciamento ambiental influíram sobre como
se deu o processo de mobilização e resistência. O movimento é caracterizado pela sua
heterogeneidade e sua fluidez, principalmente em termos temporais, na qual diferentes
comunidades se mostravam mais ou menos mobilizadas conforme se acentuavam os efeitos
do empreendimento ou a repressão por parte da empresa, apesar de em todos os momentos a
tônica do movimento se dar pela luta por justiça e reconhecimento (BEBBINGTON, 2011, p.
69; e FERREIRA, 2015).
Nesse contexto, a comunidade de São José do Jassém se insere nesse processo,
principalmente a partir de 2016 e passa a sustentar um importante discurso do movimento: a
luta pelo reconhecimento das comunidades localizadas a jusante da barragem de rejeitos.
Todavia é importante refletir como se deu essa inserção e o histórico da comunidade.
O Jassém e as dinâmicas estabelecidas em seu território foram profunda e
permanentemente modificadas a partir da chegada do empreendimento da Anglo American,
contudo, durante os primeiros anos de instalação e funcionamento do empreendimento, a
mobilização e presença da comunidade nos movimentos de resistência foram tímidas, ainda
que fossem relatadas denúncias do temor frente a barragem de rejeitos desde as primeiras
reuniões promovidas pelo Ministério Público de Minas Gerais. Porém, a recente inserção dos
moradores no movimento de resistência e o modo como esse processo se deu demonstra que
ao mesmo tempo em que a empresa colocava questões à comunidade, ela foi capaz de se
ressignificar e reagir. Uma leitura possível, considerando a rapidez desse processo e a maneira
firme que os moradores se impuseram é de que, nos primeiros momentos, essa reação se deu
através do que Scott define como “resistências cotidianas” até o momento em que a mudança
de contexto pressionou os moradores a adotarem outra postura.
Uma explicação é que esse turning point se deu a partir de um evento determinado: o
rompimento da barragem Fundão. O desastre demonstrou a concretização do risco a que
estavam vivendo, e, a partir de então, os moradores se conscientizaram que, para além das
trajetórias de vida, estavam unidos pelo risco de sofrerem os mesmos efeitos das comunidades
rurais de Mariana (MG). A partir de então, a comunidade se inseriu e se apropriou de um
papel importante no movimento de resistência, assumindo protagonismo na luta pelo
reconhecimento das comunidades localizadas à jusante da barragem de rejeitos e garantindo
“novo gás” à articulação.
O fator “união”, representado pelo risco, se torna, assim, a estratégia de articulação
dos moradores que, ao longo do último ano, permanecem mobilizados a despeito dos
inúmeros “boicotes” realizados pela empresa, tais como a paralisação de obras e a
implantação da sirene de emergência em terreno limítrofe à comunidade. Os moradores do
Jassém continuam, portanto, ativos na luta pelo reconhecimento de seus direitos e seguem
denunciando as inúmeras irregularidades do processo de licenciamento, fator de extrema
importância para o movimento, considerando o momento crítico atual, em que o
empreendedor requer as licenças do “Step 3” do projeto.
Referências
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BEBBINGTON, Anthony. Elementos para una ecologia política de los movimientos sociales
y el desarrollo territorial en zonas mineras. In: BEBBINGTON, Anthony (Org.). Minería,
movimientos sociales y respuestas campesinas: una ecologia política de transformaciones
territoriales. Lima: IEP, CEPES, 2011, p. 23-46.
FERREIRA, Luciana. O que a gente quer é justiça: conflito, mobilização e a luta por justiça
dos atingidos pela mineração nas reuniões da Rede de Acompanhamento Socioambiental
(REASA), em Conceição do Mato Dentro/MG. Monografia de Conclusão do Curso.
Graduação em Antropologia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade
Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2015.
LEITE, Luciana. A empresa que é grande vai só crescendo e nós pequenos só diminuindo
– análise da controvérsia das disputas sobre a ‘categoria atingido’ no caso do
empreendimento Minas-Rio. Monografia de Conclusão do Curso. Faculdade de Filosofia e
Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2017.
ZHOURI, Andréa; BOLADOS, Paola; CASTRO, Edna. In: ZHOURI, Andréa; BOLADOS,
Paula; CASTRO, Edna (Org.). Mineração na América do Sul: neoextrativismo e lutas
territoriais. 1ª ed. São Paulo: Annablume, v. 1, 2016, p. 155-180.
Abstract: The principle of environmental justice is an imperfect concept which demands for
substantiality by the framework of the Democratic State of Law. This elucidative activity is of
greater importance when it comes to environmental assets of collective nature, once tensions
between private and common interests are complex. In the accomplishment of this paper, the
theoretical-documentary method was used, with deductive reasoning and technique of
bibliographical research. This work aims to study the procedural construction of
65 Trabalho financiado pelo Edital nº 05/2016 (Projeto nº FIP 2016/11173-S2) do FIP/PUC, resultante dos
Grupos de Pesquisas (CNPQ): REGA, NEGESP e CEDIS (FCT-PT).
66 Professora de Análise Econômica do Direito e Direito Tributário da Universidade Salgado de Oliveira; Mestre
em Direito Ambiental (Escola Superior Dom Helder Câmara/ESDHC/BH); Doutoranda em Direito Processual
pela PUC/MG. Advogada. E-mail: lorenarogedobastianetto@hotmail.com
67 Pós-doutor em Direito Público e Educação pela Universidade Nova de Lisboa-Portugal. Pós-doutor em
Direito Civil e Processual Civil, Doutor em Direito e Mestre em Direito Processual, pela Universidad de Deusto-
Espanha. Mestre em Educação pela PUC Minas. Professor do Mestrado Acadêmico em Direito Ambiental e
Sustentabilidade na Escola Superior Dom Helder Câmara. Professor Adjunto da PUC Minas e Professor Titular
licenciado da Faculdade de Direito Arnaldo Janssen. Advogado Sócio do Escritório Moraes & Federici
Advocacia Associada. Integrante dos grupos de pesquisa: Regulação Ambiental da Atividade Econômica
Sustentável (REGA)/CNPQ-BRA, Centro de Investigação & Desenvolvimento sobre Direito e Sociedade
(CEDIS)/FCT-PT e Núcleo de Estudos sobre Gestão de Políticas Públicas (NEGESP)/CNPQ-BRA. ORCID:
<http://orcid.org/0000-0002-4711-5310>. Currículo Lattes: <http://lattes.cnpq.br/1638327245727283>. Email:
federici@pucminas.br
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1. Introdução
A Teoria Jurídica do Estado, em acordo com Baracho (2015, p. 72-87), remete à ideia
de soberania, entendida pelo autor como um dogma da Ciência Jurídica destinado a exprimir o
“direito positivo” 68 vigente. O Direito, a partir dessa compreensão, seria gênero do qual o
Estado seria uma espécie. Santi Romano (2015, p. 76), na mesma esteira, entende o direito
positivo como uma instituição ou ordenamento único, sendo o Estado apenas uma modalidade
especial desse ordenamento.
O Estado de Direito, atual Estado Constitucional, é uma construção de refutação do
conhecido Polizeistaat – Estado de Polícia, este último fomentador da personificação da
soberania na figura do monarca. Oportuna é a menção, feita por Cretella Júnior (1999, p. 25),
de que a palavra “polícia” origina-se do grego politeia, estando esta etimologicamente ligada
ao termo “política”, derivativo de polis. Essa conexão com o poder de governar ampliou o
sentido de polícia a ponto de representar uma Teoria do Estado, cujo núcleo assentava-se no
68 Baracho (2015, p. 75) explica que o direito positivo é o direito vigente, aquele que tem força e potência e que
representa um poder, uma autoridade social.
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“poder-direito” 69 do soberano de zelar pelo bem comum de seus súditos, sem quaisquer
balizamentos normativos 70.
A teoria do Estado de Direito, por sua vez, reporta-se não a uma forma especial de
Estado ou governo, mas ao “Estado da razão ou do entendimento” (BRÊTAS, 2015, p. 59),
isto é, aquele no qual as decisões 71 são tomadas segundo a vontade racional geral do seu
povo. Esses traços marcantes do Estado de Direito, segundo as preleções de Carré de
Malberg 72, realçam a importância do que, contemporaneamente, concebe-se por processo
constitucional, com a visível demarcação da responsabilidade do Estado por atos ou decisões
jurídicas que causem prejuízos ambientais ao povo.
Portanto, em acordância com o escólio de Leal:
[...] na teoria da democracia, os direitos fundamentais são inafastáveis não porque já
estejam impregnados na consciência dos indivíduos, mas porque são requisitos
jurídicos da instalação processual da movimentação do sistema democrático, sem os
quais o conceito de Estado Democrático de Direito não se enuncia (LEAL, 2016, p.
27).
69 Expressão empregada neste trabalho como técnica linguística de contraposição e alerta ao leitor acerca da
concepção atual de “dever-poder” das funções de Estado no modelo constitucional de Estado Democrático.
70 Ideação expressa na obra de Cretella Júnior (1999, p. 25-26).
71 Baracho (2015, p. 83) expressa a conceituação de soberania como decisão, já que esta é substractum daquela.
72 A respeito, consultar: (BRÊTAS, 2015, p. 61).
73 A respeito, consultar: (CHESNEY, 1868)
74 Sobre o assunto, consultar: (HENDERSON, 1939)
75 A primeira constituição do Estado Alemão unificado foi a Constituição Imperial Alemã de 1849 –
Paulskirchenverfassung –, a qual incorporou um catálogo de direitos fundamentais elaborado no ano anterior,
1848, pela Assembleia Constituinte. O próprio rei da Prússia, Frederico Guilherme IV, fomentou a formação da
Assembleia Constituinte por temor da onda revolucionária francesa.
76 Sobre o tema, ver: (MARTINS, 2011, p. 77-78).
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A partir de um juízo sintético 77, admite-se que a função jurisdicional encontra-se, sim,
inchada na conjuntura brasileira, e os juízes têm-se incumbido do privilégio de livre
interpretação do Direito, como se fossem arautos de uma “justiça” a ser perseguida a todo
custo, segundo suas concepções solipsistas. Porém, de acordo com os ensinamentos de Leal
(2013, p. 16), “(...) normas interpretativas são de índole sistêmico-operacional, logo
pertencem ao âmbito de reflexão do Direito Processual que não é mais, por estudos
avançados, instrumento da Jurisdição” 78.
O Estado Constitucional, atrelado ao que Vergottini (1981, p. 33 e seguintes) chama de
soberania habilitada, emana a decisão geral por órgãos estáveis do Estado, os quais
representam a vontade do povo por via indireta. Associa-se a essa intelecção a imperatividade
de controle dessas decisões emanadas indiretamente pelo próprio povo por meio da função
jurisdicional, bem como de uma accountability vertical e horizontal da própria função
jurisdicional. Referida fiscalidade efetivaria, tecnicamente, a garantia e efetividade dos
direitos fundamentais ambientais.
Portanto, a decisão relativa ao bem ambiental deve ser processualizada para a
fiscalidade e observância dos direitos e garantias fundamentais, dado que torna o ideal de
justiça ambiental tangível pelo processo e não pela autoridade da função jurisdicional.
Conforme exposto, esse corpo jurídico uno que se denomina “povo”, apesar de deter
uma heterogeneidade avançada e apresentar anseios e necessidades vários que, muitas vezes,
não se convergem, possui, entre seus membros, um vínculo jurídico próprio que é
estabelecido pela ordem constitucional. Assim, a justiça e proteção ambientais não podem ser
definidas por outro instituto que não o processo constitucional, gama de direitos e garantias
do bloco constitucional para a construção de conceitos imperfeitos e indeterminados.
Segundo Kuhn, só há povo e comunidade científica se houver compartilhamento de
um paradigma entre os membros dessa comunidade e, em sendo esse paradigma o
constitucional, leia-se o do Estado de Direito e do Estado Democrático, estabelece-se um
sistema 85 disciplinar comum para o desenvolvimento da organização estatal, consolidada e
limitada pelo ordenamento jurídico, o qual, por sua vez, promove, precipuamente, a
efetivação e proteção dos direitos fundamentais.
Questão de vasta pertinência para o trabalho aqui exposto faz-se em relação à
instrumentalização da soberania habilitada 86, a qual tem como instituição rudimentar o
sufrágio universal para eleição dos representantes do povo, uma vez que a Constituição
promove outros instrumentos vários para a fiscalidade do exercício do poder pelo Estado pela
participação direta e accountability vertical e horizontal do cidadão nos atos e negócios de
interesse público.
Por isso é que todos os procedimentos de fiscalidade constitucional do Estado
Democrático de Direito só se empreenderão por meio do processo constitucional, o qual está
intrinsecamente vinculado à construção da justiça ambiental, intelecção que deve ser
normativa e não ofertada solipsisticamente pelas funções de Estado, mormente pela
jurisdicional.
[...] o planejamento não pode ser utilizado para impedir a efetivação de direitos, mas
pelo contrário, ele deve ser utilizado para a concretização de direitos para o maior
número de pessoas possível, de forma racional, atendendo não só a um grupo de
pessoas, mas ao interesse público em geral, permitindo cada vez mais a efetivação
da Constituição, e, por conseguinte, dos direitos fundamentais.
5. Considerações finais
Referências
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria geral da soberania. In: HORTA, José Luiz
Borges (Org.). Direito e Política: ensaios selecionados. Florianópolis: CONPEDI, 2015, p.
72-187.
BIZAWU, Kiwonghi; GOMES, Magno Federici. Oil exploitation at Virunga park as a threat
to the environment and to endangered animal species. Veredas do Direito, Belo Horizonte, v.
13, nº 27, p. 11-29, set.-dez. 2016. Disponível em:
<http://www.domhelder.edu.br/revista/index.php/veredas/article/view/897>. Acesso em: 20
jun. 2017.
90 “Judicação”, segundo o Professor Rosemiro Pereira Leal, deve ser compreendida como crítica à atividade
prestada pela “autoridade”, segundo a dogmática analítica. A respeito, consultar, (LEAL, 2013, p. 3-4).
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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Extradição: Ext no 986/BO. Min. Rel. Eros Grau,
Brasília, 23 out. 2006. Diário de Justiça da União, 23 out. 2006. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 01 maio 2017.
GRIMM, Dieter. A função protetiva do Estado. Tradução de Eduardo Mendonça. In: SOUZA
NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel (Org.) A constitucionalização do Direito:
fundamentos teóricos e aplicações específicas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 149-165.
HENDERSON, W.O. The Zollverein. New York: Cambridge University Press, 1939.
Disponível em: <https://archive.org/details/cu31924024320214>. Acesso em: 01 maio 2017.
KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. 2ª ed. São Paulo: Clube de Autores, 2015.
LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria processual da decisão jurídica. Belo Horizonte: D’Plácido,
2016.
MARTINS, Leonardo. Direito processual constitucional alemão. São Paulo: Atlas, 2011.
MAUNZ-DÜRIG. Grundgesetz kommentar. Band I, München: Verlag C.H. Beck, 1990, 1I.
18.
Abstract: From the juridical method of deductive reasoning with qualitative, descriptive and
explanatory research, through a bibliographical and documentary analysis, it’s verified the
possibility to get togheter in environmental popular action the individuals indemnification
claims originied from the moral damages caused by environmental degradation – if they get
classifyed as homogeneous individual rights. That conclusion arised from the need of a
broadly interpretation of the fundamental guarantee in favor of proper functioning of the
Judiciary and for the dignity of human person, with applying of collective mycro system
process resulting from the Theory of the Dialogue of Sources, wich enjoys jurisprudential
recognition.
91 Advogado. Mestrando em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável na Escola Superior Dom Helder
Câmara. Pós-Graduado em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas. Graduado em Direito pela
Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce. Pesquisador do CEBID – Dom Helder (Centro de Estudos em
Biodireito). E-mail: leonardodegusmao.adv@gmail.com
92 Advogado. Mestrando em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável pela Escola Superior Dom
Helder Câmara. Graduado em Direito pela Escola Superior Dom Helder Câmara, pesquisador do grupo de
pesquisa MAPE: Meio-Ambiente, Paisagem e Energia. E-mail: fernando_barotti@hotmail.com
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1. Introdução
93 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre
iniciativa; V - o pluralismo político (BRASIL, 1988).
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94 Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou
diretamente, nos termos desta Constituição (BRASIL, 1988).
95 Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a
pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (BRASIL, 1988).
96 Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: IV - os direitos e garantias
individuais (BRASIL, 1988)
97 XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (BRASIL, 1988)
98 § 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata (BRASIL, 1988).
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O artigo 5º, inciso LXXIII, da CRFB/88 afirma que a ação popular tem a finalidade
de anular atos que se caracterizem como lesivos aos bens jurídicos que visa proteger. No
mesmo sentido dispõe o art. 1º 101 da Lei 4.717/65 – Lei da ação popular –, a qual, no entanto,
por ainda não ter sido atualizada, ainda não trata da tutela coletiva da moralidade
administrativa e nem do meio ambiente, não estando adequada ao texto constitucional.
Poder-se-ia pensar, assim, que a ação popular destina-se apenas ao combate de atos
comissivos ilegais que sejam lesivos ao patrimônio público, histórico e cultural, à moralidade
e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Entretanto, em razão do Princípio da
Máxima Eficácia dos Direitos e Garantias Fundamentais e da consequente necessidade de se
interpretar ampliativamente a ação popular, faz-se pertinente aplicar o denominado
“microssistema do processo coletivo”.
Esse microssistema normativo tem em seu núcleo as disposições constantes na Lei
7.347/85 – Lei da Ação Civil Pública – e a Lei 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor.
Trata-se de uma elaboração doutrinária sedimentada na Teoria do Diálogo das Fontes, que de
99 LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao
patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao
patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da
sucumbência (BRASIL, 1988)
100 Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e
essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações (BRASIL, 1988).
101 Art. 1º Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos
lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Municípios, de entidades autárquicas, de
sociedades de economia mista (Constituição, art. 141, § 38), de sociedades mútuas de seguro nas quais a União
represente os segurados ausentes, de empresas públicas, de serviços sociais autônomos, de instituições ou
fundações para cuja criação ou custeio o tesouro público haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por
cento do patrimônio ou da receita ânua, de empresas incorporadas ao patrimônio da União, do Distrito Federal,
dos Estados e dos Municípios, e de quaisquer pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas pelos cofres
públicos (BRASIL, 1965).
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acordo com Cláudia Lima Marques, possibilita a comunicação entre Leis gerais e também
especiais, no intuito de garantir a integridade do direito e, portanto, sua máxima efetividade.
Em resumo, também entre leis especiais há diálogo das fontes: diálogo sistemático
de coerência, diálogo sistemático de complementariedade ou subsidiariedade e
diálogo de adaptação ou coordenação. Note-se que raramente é o legislador quem
determina esta aplicação simultânea e coerente das leis especiais (um exemplo de
diálogo das fontes ordenado pelo legislador é ao RT. 117 do CDC, que mandou
aplicar o Título III do CDC aos casos da anterior Lei da Ação Civil Pública, Lei
7.347/1985 [...] (MARQUES, 2016, p. 147).
Essa atual dinâmica dos processos coletivos, considerando as múltiplas normas que
compõem seu microssistema, tem sua aplicação reconhecida pela jurisprudência consolidada
do Superior Tribunal de Justiça. É o que se observa no teor do Informativo de Jurisprudência
nº 0568 de setembro de 2015:
102 Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo
individualmente, ou a título coletivo.
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I - interesses ou direitos difusos, assim
entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas
indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para
efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de
pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; III - interesses ou direitos
individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.
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Sob o prisma subjetivo, nos três subtipos há um núcleo comum: todos são interesses
concernentes a coletividades numericamente expressivas, mas com diferenças
sensíveis [...] os individuais homogêneos apenas são manejáveis coletivamente pelo
fato de terem uma origem comum, que os aglutina e, assim, consente – ou até
recomenda – um trato processual unitário; e também, porque, se tais interesses
isomórficos fossem conduzidos ao plano da jurisdição singular, ter-se-ia um
litisconsórcio ativo facultativo multitudinário, atritando o disposto no parágrafo
único do art. 46 do CPC (MANCUSO, 2015, p. 47).
Em princípio faz-se necessário enfatizar que o ao artigo 225 103, § 3º, da CRFB/88
prevê uma ampla responsabilidade do poluidor – nas esferas penal, administrativa e cível. O
texto constitucional afirma de forma expressa que quem causar degradação ambiental será
obrigado a promover a reparação de todos os danos causados, não fazendo qualquer restrição
quanto à natureza deles, indicando ser suficiente que tenham origem naquele fato jurídico.
Embora a norma constitucional referida no parágrafo anterior possua eficácia jurídica
plena, produzindo seus principais efeitos de forma imediata – imposição de ampla
responsabilização ao poluidor –, fato é que nada impede uma atuação do legislador para lhe
dar melhores contornos. O artigo 14 104, § 1º, da lei 6.938/81, embora seja anterior à CRFB/88,
revela-se perfeitamente condizente com a ampla responsabilidade atribuída
constitucionalmente ao poluidor. A norma infraconstitucional, a um só tempo, consagra a
responsabilidade civil objetiva no caso de degradação ambiental, como também impõe a
obrigação de reparar e indenizar danos causados ao meio ambiente e a terceiros.
103 § 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas
ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados
(BRASIL, 1988).
104 Art 14 - Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não
cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela
degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores:
§ 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente
da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua
atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade
civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente (BRASIL, 1981).
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105 LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os
meios que garantam a celeridade de sua tramitação (BRASIL, 1988).
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106 [...] Comprovado que a manutenção da interrupção no fornecimento de água ocorreu por omissão e
negligência da concessionária do serviço público, é cabível indenização por danos morais, notadamente em se
considerando o serviço essencial para as necessidades básicas de higiene e alimentação (MINAS GERAIS,
2017).
107 Ex positis, ad referendum pelo órgão colegiado da 2ª Seção Cível, admitido o presente incidente de
resolução de demanda repetitivas e determino a suspensão, até ulterior decisão a ser nele proferida, de todas as
Ações que fluam na Justiça Comum ou nos Juizados especial que tenham como causa de pedir e/ou pedido
indenização moral decorrente da interrupção do fornecimento de água ou dúvida quanto a sua qualidade, após o
retorno da captação e distribuição, em razão do rompimento da barragem de rejeitos do Fundão, em Mariana,
MG, que não tenham sido julgadas ou que, já sentenciadas, estejam em fase recursal, excepcionando aquelas em
que a sentença tenha transitado em julgado ou que em segunda instância já se tenha esgotado a jurisdição do
Tribunal ou da Turma recursal (MINAS GERAIS, 2017, p. 12).
108 Art. 509. Quando a sentença condenar ao pagamento de quantia ilíquida, proceder-se-á à sua liquidação, a
requerimento do credor ou do devedor:
I - por arbitramento, quando determinado pela sentença, convencionado pelas partes ou exigido pela
natureza do objeto da liquidação (BRASIL, 2015).
109 Art. 13. Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por
um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e
representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesado (BRASIL, 1985).
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5. Considerações finais
Referências
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 889766 – SP. Órgão Julgador:
Segunda Turma. Relator: Ministro Castro Meira. Data do Julgamento: 04 out. 2007.
Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/jurisprudencia/externo/informativo/?acao=pesquisar&processo=88976
6&operador=e&b=INFJ&thesaurus=JURIDICO.> Acesso em: 28 abr. 2017.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.480.250 – RS. Órgão Julgador:
Segunda Turma. Relator: Ministro Herman Benjamin. Data do Julgamento: 18 ago. 2015.
Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/jurisprudencia/externo/informativo/> Acesso em: 02
ago. 2017.
CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Atlas,
2016.
GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil. GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO,
Rodolfo Pamplona. (Org.). v. 3. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação popular. 8ª ed. atual. e ampl. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2015.
MARQUES, Cláudia Lima. Diálogo das Fontes. In: BENJAMIN, Antônio Herman V.;
MARQUES, Cláudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe (Org.). Manual de direito do
consumidor. 7ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.
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MORAES, Alexandre de. Lei transformou partidos em meras associações. Disponível em:
<http://www.conjur.com.br/2009-nov-23/lei-ms-coletivo-transformou-partidos-meras-
associacoes-classe.> Acesso em: 02 ago. 2017.
REIS, Émilien Vilas Boas; BIZAWU, Kiwonghi. A Encíclica Laudato Si à Luz do Direito
Internacional do Meio Ambiente. Revista Veredas do Direito: Direito Ambiental e
Desenvolvimento Sustentável. Belo Horizonte, v. 12, nº 23, 2015. Disponível em:
<http://www.domhelder.edu.br/revista/index.php/veredas/issue/view/37/showToc.> Acesso
em: 02 ago. 2017.
188
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Abstract: The present work discusses aspects of different temporalities, social suffering and
resistance in the case of Doce River disaster, began in November the 5th of 2015, started with
the Fundão’s tailings dam break, located in the city of Mariana, Minas Gerais state. Through
ethnographic experiences I intend to analyse the social processes in which the affected people
were submitted, also the disasters ways of management, based on business demands that end
up intensifying them. First, I propose a discussion about the concept of disaster, approaching
since the conception of ‘natural disaster’ until the definition of disaster as a processual, non-
natural and historically produced phenomenon by human actions that have generated risks
accumulation and social vulnerabilities. The last topic consists on the analyses of field
experiences, where different temporalities are revealed by the the affected people narratives,
in which they order and shuffle the past, the present and the future because of the sudden
break occurred in the process. The sociocultural dynamics and relations interrupted by the
110 Graduando em Ciências Socioambientais, Universidade Federal de Minas Gerais, Bolsista de Extensão no
Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais (GESTA). Email: ilklynb@gmail.com
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disaster produce sufferings and effects to the affected people, which recompose and transform
themselves in rights activists.
1. Introdução
“[...] eu pensei comigo que ia vir era uma água, não uma lama, porque a água vai
passando rápido, porque aqui é alto, você olha o rio depois lá em baixo, aqui é alto.
Aí aconteceu que chegou e levou foi tudo embora, o que tava no alto, embaixo ...
tudo embora”.
“[...]Era jabuticaba, era condensa, madeira. Não ficou nada ... A lama secou tudo,
acabou com tudo!”.
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A lama passou a ser, ao mesmo tempo, o marco e uma marca nas vidas dos moradores
que foram desterritorializados pelo desastre. J. e V., moradores de Paracatu de Baixo, tratam
respectivamente em suas falas de momentos diferentes do processo. Nos relatos coletados
através da oficina de cartografia social, organizada pelo GESTA (Grupo de Estudos em
Temáticas Ambientais), J. revela a sua surpresa, logo que voltou a Paracatu um dia após a
chegada da lama, sendo contrariado pelo seu imaginário da “barragem de água”. V., por outro
lado, demonstra o seu desgosto, ao ver o seu terreno seco, sem vida, um ano e três meses após
o rompimento. Nesses casos, o tempo toma uma característica veloz, revelando a tamanha
capacidade de destruição, em um dia, de tudo que demorou décadas para ser construído. Ao
mesmo tempo que provoca a impressão de aproximação das lembranças da vida anterior,
como algo tão recente, que, mesmo passado mais de um ano, é de admirar que tudo foi
realmente foi destruído. Viver o desastre talvez seja isso. Perder a noção do tempo, sentir que
o tempo passa rápido demais, mas demora tanto… Tentei iniciar esse tópico dessa forma,
buscando simbolizar uma descronologia do desastre, os processos apesar de serem marcados
por datas, não se limitam a elas.
O desastre do rio Doce, embora se inicie no dia 5 de novembro de 2015, atravessa a
temporalidade, por revelar vulnerabilidades históricas, além de ser marcado por narrativas que
encadeiam e embaralham passado, presente e futuro. Dessa forma, é necessário a
compreensão do desastre, a partir das vítimas, pois são elas que o vivenciam. Por isso, é tão
importante conhecer os sujeitos e as formas com que foram se constituindo, através das
histórias de vida e de suas relações com o lugar, entendendo o lugar na perspectiva em que as
estruturas espaciais, as localidades e os territórios são processos contingentes e socialmente
produzidos (APPADURAI, 2004), ao mesmo tempo que apresentam regularidades advindas
da conformação do espaço social, por exemplo, das iniquidades e fissões de classes.
Isso só é possível através do resgate das memórias que para Martins (2016, p. 132)
revelam “(...) a injustiça e a violência – longamente inscrita nos corpos e nos testemunhos –
crucial para que se edifique a necessidade de alternativas ao modo como a modernidade
produziu categorias de humano e sub-humano”. Ou seja, se há o sub-humano, a dignidade não
é uma propriedade inerente ao sujeito, é produto de processos históricos, relacionais. E são as
memórias que, apesar de parecerem inicialmente como um fenômeno individual, algo
relativamente íntimo, próprio da pessoa, “devem ser entendidas também, ou sobretudo, como
um fenômeno coletivo e social, ou seja, como um fenômeno construído coletivamente e
submetido a flutuações, transformações, mudanças constantes (POLLAK, 1992, p. 2). A
minha experiência com a cartografia social, revelou um pouco da peculiaridade temporal. O
caso da V. é um exemplo bastante emblemático, nesse sentido.
Em março de 2017, fizemos a primeira visita aos terrenos dos moradores de Paracatu
de Baixo que participaram da oficina de cartografia social, com o objetivo de levantar os
danos cometidos a eles pelo desastre. Uma das primeiras moradoras que eu acompanhei foi
Vera. Logo de início V. foi mostrando o terreno detalhadamente, resgatava pertences perdidos
dentro da lama seca, em um momento chegou a limpar um pedaço de cerâmica que tinha
comprado para a reforma da cozinha. Essas e outras ações feitas por Vera, me chamaram
atenção, pois revelam o significado da casa e o solapamento de suas estratégias de vida,
sobretudo a casa por significar estabilidade, segurança e privacidade. Perdê-la, revela também
a privação da possibilidade de reprodução social, das relações de amizade, de vizinhança e do
que Silva (2013) apontou como o ethos familiar. Nessa perspectiva, o material e imaterial se
misturam, a propriedade não se limita a extensão do terreno, ao tamanho da casa, ao tipo de
fogão e etc; mas do significado de cada um dos pequenos objetos, da formação da vizinhança,
dos calendários religiosos, e te tudo que contribuiu para a constituição de Paracatu de Baixo
como comunidade.
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4. Considerações finais
Assim, é a partir desse estado atual em que os atingidos foram submetidos, tendo que
negociar um futuro ainda incerto, que busco analisar os efeitos das decisões e da ausência
delas. Posso adiantar que passados um ano e nove meses do evento catastrófico, o desastre
continua no cotidiano, através da estigmatização, da morosidade de resolução, das lembranças
do lugar perdido, da perda de autonomia e da dificuldade de se adaptar em uma dinâmica
totalmente distinta ao que tinham. Como retrata A., moradora de Paracatu, tiveram que
“aprender a ser atingidos” e o aprendizado vem com muita luta, desde às resistências diárias,
às peregrinações religiosas que revelam a ressignificação do lugar, através do movimento do
corpo nos espaços solapados.
Referências
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Editores, Colômbia, 1993.
OLIVEIRA, Raquel. O dano e a prova, o risco e a dor: sofrimento social na luta dos
moradores do Bairro Camargos. 2014.
ROMERO, Gilberto; MASKREY, Andrew. Cómo entender los desastres naturales. Los
desastres no son naturales, p. 6-10, 1993.
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concepções de atendimento aos grupos sociais afetados. 2013.
SILVA, Roberto Antonio Capiotti da. Águas de novembro: estudo antropológico sobre
memória e vitimização de grupos sociais citadinos e ação da Defesa Civil na experiência de
calamidade pública por desastre ambiental. Blumenau, 2013.
Resumo: A democracia participativa por meio de instrumentos como conselhos gestores com
a Constituição Federal de 1988 junto aos já clássicos institutos da democracia representativa
passam a viabilizar por intermédio de suas ações, a fiscalização, controle social e deliberação
sobre a política pública e seus recursos. O artigo visa analisar a aplicabilidade dos conselhos
municipais do meio ambiente na gestão pública participativa. Para tanto, recorreu-se à
metodologia teórico-dogmática com raciocínio dedutivo e técnica de pesquisa bibliográfica e
documental. Assim, se constatou que muito embora se possa verificar o caráter deliberativo e
normativo dos conselhos municipais de meio ambiente, na prática correm o risco de se
traduzirem em instrumentos meramente consultivos sem nenhuma força de articulação e
decisão política.
111 Assistente Social e advogada. Pós-graduada em Métodos e Técnicas de elaboração de projetos sociais e em
Gestão de Políticas Sociais pela PUC/MINAS . Mestranda em Direito Ambiental e Desenvolvimento sustentável
pela Escola Superior Dom Helder Câmara-ESDHC (Belo Horizonte- MG), participante do grupo de pesquisa A
Mineração e o Desenvolvimento Sustentável nos Tribunais.
112 Advogada. Pós- Graduanda em Direito Urbanístico e Ambiental pela PUC/MG. Mestranda em Direito
Ambiental e Desenvolvimento sustentável pela Escola Superior Dom Helder Câmara-ESDHC (Belo Horizonte-
MG), participante do grupo de pesquisa A Mineração e o Desenvolvimento Sustentável nos Tribunais.
113 Advogado. Mestrando em Direito Ambiental na Escola Superior Dom Helder Câmara. Pós-graduado em
direito processual pelo Instituto de Educação Continuada da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Graduado em Direito pela Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas Newton Paiva. Pesquisador do Grupo de
Pesquisa Tutela Penal do Meio Ambiente. Currículo Lattes: <http://lattes.cnpq.br/4601228648624070 >. E-mail:
samuelfernandess@uol.com.br
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1. Introdução
Tudo isso se coaduna com a conquista efetiva em termos de cidadania trazida pela
Constituição Federal de 1988, a qual incorporou mecanismos de controle social, por via de
sua gestão descentralizada e participativa, visando um novo redirecionamento das relações
entre o Estado e a sociedade civil rumo a uma democracia participativa plena.
Denota-se que o conselho gestor também deve ser considerado como eficiente
mecanismo de controle social, pois ele surge com o intuito de tornar a gestão pública mais
cristalina e próxima da realidade social vivida, implicando em relevante instrumento para a
participação social igualitária entre povo e Poder Público. Nesse diapasão, tem-se nos
mecanismos de controle importantes aliados para a participação democrática promovendo a
inclusão de toda a sociedade.
Com a participação efetiva da população na Administração Pública, a cidadania tem
sua atuação ampliada, não se restringindo mais à mera escolha de governantes. A participação
200
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informação, mas com este não se confunde, ambos legitimam a democracia participativa
inaugurada no Brasil pela Constituição Federal de 1988.
Tais princípios foram estabelecidos pela Conferência das Nações Unidas sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento- RIO/92 em seu princípio 10. Para tanto, instrumentos, dentre
outros, os conselhos municipais de meio ambiente são essenciais para sua operacionalização
(PADILHA, 2010).
A esse respeito: “(...) a participação deve ser efetiva, e, para tanto, é essencial que a
sociedade seja devidamente informada sobre os relevantes assuntos que envolvem cada
decisão das políticas públicas com relação ao meio ambiente, para que possa efetivamente
delas participar” (PADILHA, 2010, p. 260).
A proteção ambiental é efetivada a partir da repartição de competência tanto estatal
quanto da sociedade civil, ao Estado cabe às políticas públicas e à sociedade civil o respeito e
cuidado quanto à proteção ambiental, participando dos instrumentos e mecanismos
disponíveis pelas leis ambientais almejadoras de melhor qualidade de vida (PADILHA, 2010).
Nesse sentido:
das diretrizes do meio ambiente, propondo mediante institutos como conselhos gestores
preservar e proteger o meio ambiente. A discussão levantada visa subsidiar a discussão do
objeto propriamente dito do artigo, os conselhos gestores na seara ambiental, o que será feita
no tópico a seguir.
É fato que a participação popular no âmbito da gestão pública tem sido foco de estudo
de uma gama de pesquisadores, pois essa tem se tornado cada vez mais indispensável para o
desempenho administrativo no âmbito local, principalmente, a partir da descentralização
político-administrativa. Portanto, o instituto jurídico-administrativo denominado o conselho
gestor é um sinal do desenvolvimento da democracia participativa no Brasil, pois possibilita
ao cidadão administrado a possibilidade de se tornar coautor da gestão pública no país.
Os conselhos gestores surgem como forma de tornarem a gestão pública mais
transparente e mais próxima aos anseios da sociedade civil. Enquanto instrumentos
administrativos de representação e pressão popular favorecem a plenitude da democracia
participativa, permitindo a plena participação popular em nível de igualdade com o Poder
Público. Conforme Eder Marques de Azevedo:
Os conselhos gestores permitem a participação da sociedade nas discussões sobre o
planejamento e na gestão das diversas polícias estatais responsáveis pela promoção
de direitos fundamentais [...] Tais “órgãos administrativos” permitem um co-
gerenciamento do patrimônio público e o encaminhamento de ações destinadas ao
atendimento do interesse coletivo (AZEVEDO, 2010, p. 6).
Assim, fica evidente a paridade e a natureza híbrida dos conselhos gestores, enquanto
órgãos administrativos que contam com 50% (cinquenta por cento) da sua formação
pertencente à sociedade civil e 50% (cinquenta por cento) de membros de representantes do
Poder Público, garantindo teoricamente o diálogo igualitário e transparente na tomada de
decisões quanto à gestão pública.
Quanto à natureza, os conselhos gestores são classificados em consultivos ou
deliberativos, sendo os primeiros como o próprio nome indica órgãos de consulta sem
vinculação do Poder Público às suas sugestões, mas mesmo não vinculando, esses têm o
importante papel de exercer o controle sobre a gestão pública. Já a natureza deliberativa dá ao
conselho gestor a condição de vincular o poder público, isto é, suas decisões influem na
discricionariedade administrativa, portanto, o que decidem devem ser plenamente cumprido,
garantindo a eficácia popular na gestão pública.
Nesse sentido,
Reforça-se que a imperatividade resguardada pela força da lei nos conselhos
gestores deliberativos vinculam os efeitos de suas decisões discutidas e consumadas,
qualificando, em tese, os seus resultados. Dessa forma é que se identificam como
instrumentos de controle tanto do ponto de vista político, como social (AZEVEDO,
2007, p. 102).
Os conselhos gestores são criados por lei específica e essa irá definir sua estrutura e
funcionamento, objetivos e finalidades, natureza e representação. Quanto à regulamentação
dos conselhos gestores essa será realizada pelo ente político que os instituíram, via decreto do
Chefe do Executivo. Em relação à nomeação e exoneração dos representantes nos conselhos
gestores estará concretizada por decreto ou por portaria segundo a lei que os criou.
No que tange à competência dos conselhos gestores essa é ligada à jurisdição
administrativa do ente que os instituiu, ou seja, ao âmbito de competência estabelecido pela
Constituição Federal de 1988. Ainda segundo Eder Marques de Azevedo sua competência o
habilita: “(...) intervir na promoção, defesa e divulgação dos direitos e interesses coletivos
voltados às suas áreas específicas de atuação, de acordo com os moldes previstos na
legislação que os constitui” (AZEVEDO, 2007, p. 98).
Dessa maneira, diante das características apontadas, pode-se constatar que os
conselhos gestores são órgãos administrativos desconcentrados, pois não possuem
personalidade jurídica. E, apesar de não gozarem de autonomia gerencial, administrativa e
financeira, promovem a partir do deslocamento do poder decisório das mãos do chefe do
Poder Executivo para a sociedade civil a democracia participativa mediante a participação
popular.
Visando analisar a aplicabilidade dos conselhos gestores na gestão pública
participativa, enquanto instrumento administrativo desconcentrado e de descentralização
política, viabilizador da democracia participativa, tomou-se como objeto do artigo os
conselhos municipais de meio ambiente (CONDEMAS).
A Política Nacional do Meio ambiente Lei nº 6938/81 é a responsável por dar
efetividade à proteção ambiental, determina orientações e objetivos ao sistema de proteção. A
Lei nº 6938/81 dentre suas deliberações instituiu o Sistema Nacional do Meio Ambiente
(SISNAMA) o qual define órgãos e atribuições nas esferas nacional, estaduais, do Distrito
Federal e municipal. Criou o órgão colegiado denominado Conselho Nacional do Meio
Ambiente (CONAMA) o qual possui o caráter consultivo e deliberativo asseguradores por
intermédio de suas competências do estabelecimento de condições para o meio ambiente
ecologicamente equilibrado.
Respaldados pelo art. 6º da Lei nº 6938/1981 da Política Nacional de Meio Ambiente
insere os órgãos e entidades municipais como integrantes do SISNAMA e, pelo princípio da
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Para tanto, faz-se fundamental a vontade política para garantir a igualdade política.
Nesse sentido: “(...) Sabemos, no entanto, que a igualdade formal não é suficiente para
garantir a igualdade política... afetando a possibilidade de uma participação equitativa nos
conselhos” (SCHEVISBISKI, p. 6).
Ademais, deve-se tomar o cuidado para que os CONDEMAS não se resumam a meras
aprovações de projetos e licenças elaborados sem a participação efetiva de todos os
conselheiros envolvidos. Dessa forma Renato Eliseu Costa e Erika Maria Carvalho Pavanelli
chamam a atenção:
Deve-se tomar cuidado, também, para que o Conselho deixe de exercer sua função
de fiscalização, de desenhar políticas e outros; e passe a ser um espaço somente de
troca de informações entre o poder público e os conselhos. O desvio da função não
pode nem ser considerado como um processo de transparência [...]. Dentro deste
aspecto, tem que se garantir que mesmo essas informações não sejam meramente
ilustrativas, mas que se tenha um debate qualificado (COSTA; PAVANELLI, p.4).
Ainda que se constate o caráter deliberativo dos CONDEMAS, esses podem muitas
vezes se resumirem apenas a seu aspecto consultivo e fiscalizador. Há a necessidade clara de
maior adesão popular ao processo democrático enquanto cogestor na pretensão por políticas
públicas mais próximas da realidade da população, mas mesmo de forma incipiente, esse
instituto administrativo tem contribuindo para uma maior transparência das gestões
ambientais.
Oportuna é a observação da Maria da Glória Gohn cujas ideias são utilizadas nesse
artigo como marco teórico a qual aduz o que se segue:
mais nas mãos dos prefeitos e das elites, falando em nome da comunidade, como
seus representantes oficiais, não atendendo minimamente aos objetivos de se
tornarem mecanismos de controle e fiscalização dos negócios públicos (2007, p. 88-
89).
Assim, há que se confirmar a hipótese levantada que tal instituto pode contribuir para
a gestão pública local, principalmente, por seu papel fiscalizador, mas que apesar de ser
deliberativo, pode se mostrar na prática muito mais consultivo, se limitando a opiniões, não
tendo o poder de deliberação e vinculação do Chefe do Executivo.
Dessa forma, far-se-á necessário que a sociedade civil efetivamente assuma seu espaço
no funcionamento dos conselhos gestores e na gestão das políticas públicas. Porém, para que
esse fato se concretize é fundamental a adoção pelo Poder Executivo de mecanismos
democráticos e transparentes e, como primeira atitude, é preciso repassar informações aos
conselhos sinalizando uma nova postura do governo perante a sociedade.
5. Considerações finais
Este artigo discorreu sobre o papel dos conselhos municipais de meio ambiente
enquanto instrumentos democráticos de gestão de políticas públicas viabilizadoras da
democracia participativa nos âmbitos locais. O surgimento dos conselhos gestores enquanto
órgãos realmente fiscalizadores e deliberativos tanto no controle, quanto na gestão de suas
políticas públicas na Administração Pública local, promoveram novas bases de relação entre o
Estado e a sociedade civil. Sendo, portanto, um canal democrático e integrante da dinâmica da
Administração Pública.
A Constituição Federal de 1988 elegeu a participação popular como o caminho
necessário a efetivação da gestão pública participativa, sendo essa o veículo indispensável
para a garantia da soberania popular na gestão dos assuntos de interesse público. Ao modelo
democrático representativo incorporou elementos do modelo democrático participativo.
Mediante a legitimação da soberania popular na gestão de bens e recursos públicos a
Administração Pública possibilitou a efetivação da democracia participativa. No Estado
Democrático de Direito, a sociedade civil se tornou política e governamentalmente
responsável pela prestação dos serviços públicos. A descentralização política e a
desconcentração administrativa do poder estatal por via dos conselhos gestores inserem na
arena decisória local segmentos sociais antes, distantes das decisões políticas, possibilitando a
legitimação do interesse público na conquista do bem comum no âmbito local.
A Administração Pública tem sua execução afetada pela ampliação do espaço público,
pois as decisões antes centralizadas no Estado passam a partir do surgimento da democracia
participativa a contar com a participação da sociedade civil na criação e gestão das políticas
locais.
O cidadão antes administrado passa por intermédio da ampliação do espaço público a
cogerir junto ao Poder Público os interesses locais. Pois todas as decisões tomadas no âmbito
público são referentes a recursos públicos para concretização de políticas públicas, portanto,
são decisões puramente políticas.
Dessa maneira, os conselhos gestores, na qualidade de instrumentos desconcentrados
da Administração Pública Direta, enquanto órgãos administrativos desconcentrados e sem
personalidade jurídica, favorecem o controle popular e a efetivação da legitimação das
políticas públicas no âmbito local, não permitindo que a Administração Pública eleja o
interesse privado em detrimento do interesse público.
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Referências
AZEVEDO, Eder Marques de. Os Conselhos gestores no controle popular das políticas
públicas. Disponível em: <http: // jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp\? Id=7691.> Acesso em:
08 jun. 2017.
BONAVIDES, Paulo. Ciência política. 21ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2014.
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COSTA, Beatriz Souza. Meio ambiente como direito à vida: Brasil, Portugal, Espanha. 3ª
ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016.
GOHN, Maria da Glória. Conselhos Gestores e Gestão Pública. In: Ciências Sociais,
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______. Conselhos Gestores e Participação Sociopolítica. 3ª ed. São Paulo: Cortez, 2007.
MILARÉ, Edis. Direito do ambiente. 9ª ed. rev. e atual e ampl. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2014.
From construction of risk to the disaster which persists: The case of the
breakup of the dam of Fundão
Abstract: Amidst the alarming discussions on the environmental catastrophe, Ulrich Beck, in
the mid-1980s, introduces the groundbreaking concept of "Society of Risk." The theory
behind the perspective that the production of risks is a consequence of the success of
modernity. What the author does not consider is the disproportionality in the distribution of
threats resulting in environmental injustices. There is a process of vulnerability of social
groups historically invisible in the modernity that exposes them to risks, and consequently to
disasters. Faced as one of the biggest disasters in the world, the breakup of the dam of Fundão
in Mariana shows this process. The present work intends to bring a discussion about the
construction of the risk to the persistent disaster of the case in question. The slowness of the
process intensifies the social suffering of those affected in Mariana and places them in a place
of uncertainty about the future.
114 Graduanda em Ciências Socioambientais da Universidade Federal de Minas Gerais. Bolsista de Iniciação
Cientifica pelo Programa Institucional de Auxílio à Pesquisa de Doutores Recém-Contratados da UFMG, ADRC,
no Grupo de Pesquisa em Temáticas Ambientais (Gesta/UFMG). Email: maryellenmilena@gmail.com
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1. Introdução
2. Da construção do risco...
A teoria sociológica “Sociedade de Risco” apresentada por Ulrich Beck (2008) traz
uma perspectiva que os riscos gerados pela modernidade são globais, ou seja, todos estão
expostos ao risco e consequentemente às catástrofes. Risco, na perspectiva do autor, define as
sociedades modernas. A modernidade reflexiva vem numa perspectiva linear, existindo dois
estágios, onde a sociedade de risco sucede a sociedade industrial (MOTTA, 2014). Sendo
assim, o desenvolvimento das tecnologias advindo da sociedade moderna tem como
consequência a produção das “incertezas fabricadas”. Dentre os limites da teoria da Sociedade
de Risco está a desproporcionalidade de tais incertezas experimentada pelos diferentes grupos
sociais, ou seja, a teoria não considera a segregação das ameaças. O desastre do rompimento
da barragem de rejeito de Fundão em Mariana evidencia essa desproporcionalidade, ao quais
comunidades ribeirinhas, camponeses, indígenas, quilombolas, negros e os mais pobres, ao
longo da bacia do Rio Doce perderam sua fonte de reprodução social, e com gravíssimos
problemas de abastecimento de água. Além das comunidades de Bento Rodrigues, Paracatu de
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Baixo e Gesteira terem suas vidas “solapadas” pela lama. Estes grupos sociais estavam sob-
risco desde a instalação do complexo minerário em 2005, porém as ameaças não forma
consideradas. Passando assim por um processo de vulnerabilização sendo aqui entendido
como: “(...) a relação sociopolítica de violência que esgarça o direito do outro através de lutas
simbólicas, as quais pressionam os sujeitos menos móveis a aceitar a degradação a que são
levados” (ACSELRAD et al., apud VALENCIO, 2009).
Beck trouxe uma importante contribuição em suas análises, afinal o risco tecnológico
gerado pela modernidade acarreta de fato catástrofes ambientais, porém segundo Acserald
(2002, p. 50):
Entende-se por conflito ambiental aquele que surge dos distintos modos de
apropriação técnica, econômica, social e cultural do mundo material. Os conflitos
ambientais têm sido associados a situações de disputa sobre a apropriação dos
recursos e serviços ambientais em que imperam condições de desproporcionalidade
no acesso às condições naturais, bem como na disposição dos efluentes (ZHOURI et
al, 2016).
De uma “crise aguda” a uma “crise crônica”, os desastres não são meros eventos
catastróficos, mas uma forma de “solapamento” da vida das vítimas em questão, onde os
processos de sua gestão acabam por intensificar o sofrimento social.
A expressão dessa territorialidade, então, não reside na figura de leis ou títulos, mas
se mantém viva nos bastidores da memória coletiva que incorpora dimensões
simbólicas e identitárias na relação do grupo com sua área, o que dá profundidade e
consistência temporal ao território (LITTLE, 2002, p. 265).
Como afetadas, as pessoas, famílias e comunidades são tratadas como massa, sujeita
a procedimentos padronizados e frugais de reabilitação por parte dos órgãos
governamentais, os quais supõem que sejam eficazes suas práticas de atendimento
mensuradas por um reducionismo quantitativista (VALENCIO, 2014, p. 35).
por exemplo, que tratam do reassentamento de Bento e Paracatu quando presente as diversas
instituições envolvidas (Fundação Renova, SEMAD, SUPRI, SECIR, entre outras) é de
linguagem extremamente técnica, fazendo com que as pessoas de fato não entendam. Os
jargões técnicos utilizados, colocando o outro como desconhecedor do assunto, compõe o que
Bourdieu denomina de discurso de autoridade:
A especificidade do discurso de autoridade (...) reside no fato de que não basta que
ele seja empreendido (em alguns casos ele pode inclusive não ser compreendido sem
perder seu poder), é preciso que ele seja reconhecido enquanto tal para que possa
exercer seu efeito próprio (BOURDIEU, 1996, apud SILVA, 1999, p. 184).
Com isso, o que se percebe é uma desqualificação do outro, colocando o sujeito social
como leigo no assunto, e ditando com discurso técnico o destino da reconstrução das
comunidades.
Os reassentamentos das duas comunidades de Mariana estão sendo planejado de forma
urbanística, mesmo se tratando de comunidades rurais, sendo justificado devido à legislação
de uso e ocupação do solo contido no Plano Diretor do município. “A lei vai vim e mudar
nossa vida”, fala de uma atingida de Paracatu. Enquadrando, portanto os sujeitos a uma lógica
técnica e econômica, além de condicioná-los às leis de planejamento do município
desconsiderando o contexto de desastre.
O pertencimento ao lugar, aos modos de vida, de trabalho, de cuidado do que foi
construído durante toda a vida faz com que algumas pessoas permaneçam no território de
Paracatu de Baixo. Diferente de Bento Rodrigues, as edificações de Paracatu não foram todas
destruídas pela lama, com isso algumas pessoas resistem nos seus lugares e outras vão
recorrentemente. A vida na “roça” é adjetivada de liberdade por alguns moradores. E são os
idosos que sofrem mais com essa ruptura na rotina, na posição social que se tinha no âmbito
da casa, da família e no cuidado do que conquistou com uma vida de trabalho. A morosidade
no processo de reassentamento é motivo de preocupação para os idosos, no sentido de: “Os
mais idosos não vão ver a Nova Paracatu”, disse um morador que continua residindo na
comunidade. Além disso, o fato de estar morando em Mariana, com a perda da autonomia e
em casas que não representam a vida de trabalho que tiveram para terem seus pertences.
Assim, o reassentamento é o mais esperado para volta da autonomia, sentimento de pertença
daquilo que lhes foi solapado, quebrando a relação de dependência com da empresa. “Não
quero milhões, quero a minha dignidade de volta. Quero poder dizer que essa casa é minha e
não quero que me digam que “a Samarco deu pra você”, e sim “eu que fiz”. Não vou
carregar esse nome para o resto da minha vida” (depoimento no jornal A Sirene, março de
2017).
Desastre como evento é uma abordagem tecnicista, onde se é medido a sua causa,
magnitude, quantificando perdas e danos das dadas vítimas do momento. O desastre da
Samarco teve uma grande repercussão midiática, várias cenas de sobrevoos, vídeos, fotos
tiveram destaque causando impactos nos olhares dos espectadores. Invisibilizando assim, todo
o processo de vulnerabilização ocorrido antes e depois da tragédia. As pessoas atingidas
continuam com as “marcas da lama” também num processo de estigmatização em Mariana.
Além da associação com oportunismo, os atingidos são taxados como culpados pela
paralisação das atividades da Samarco pelos moradores do centro. “(...) As coisas hoje em dia
estão ruins, mas é muito difícil pelos outros, por esses preconceitos que a gente sofre. Falam
que a gente é culpado o tempo todo” (depoimento do jovem Júlio César, de Bento, no Jornal
A Sirene, março de 2017). Com isso, emergiram os movimentos Pró-Samarco e
posteriormente o discurso de que “Somos todos Atingidos”. Os direitos das vítimas são
transformados em benefícios aos quais aqueles que perderam o emprego na mineração estão
isento. Esvaziando assim todo o contexto de vulnerabilização, violação de direitos, sofrimento
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social dos atingidos pelo desastre, numa análise desumanizadora. Este fato também acaba por
desresponsabilizar e isentar o estado de Minas Gerais de pensar em novas alternativas
econômicas para os municípios reféns da mineração.
O desastre é marcado por um tempo social específico isto é “conforme salientou
Drabek (2007), o desastre dura enquanto durar a ruptura nos meios e nos modos de vida
regulares dos grupos afetados” (VALENCIO, 2014, p. 30). Contrastando, assim, com o tempo
cronológico das burocracias das instituições públicas e privadas envolvidas no caso.
4. Conclusão
“Da construção do risco ao desastre que persiste” foi uma sintética tentativa de
construir uma análise sociológica, discutida na disciplina “Sobre risco e Desastre:
Contribuições teóricas a partir das ciências sociais”. Além de discussões e atividades de
campo realizadas no Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais (GESTA/UFMG).
Os desastres não são naturais, e o caso do desastre da Samarco em Mariana evidencia
este fato. Há um processo de vulnerabilização sofrido por determinados grupos sociais que
são mais expostos a ameaças e consequentemente a desastre. A teoria da “sociedade de risco”
de Beck (2008) traz uma importante contribuição para a discussão do risco gerado pela
modernidade. Porém, essa modernidade não é experimentada de forma padronizada por toda a
sociedade. Além da diversidade cultural, os riscos são desproporcionalmente distribuídos. Os
segmentos da sociedade mais vulnerabilizados acabam por ficar com o ônus causado pelo
desenvolvimento ilimitado. Este que quando questionado a degradação ambiental foi
resolvido através da “modernização ecológica”, se abrindo mais um mercado. Bem diferente
do que trouxe Beck quando problematiza a produção de mais tecnologia, está geradora das
“incertezas manufaturadas”. A teoria de Beck e a ideologia do desenvolvimento sustentável
são desumanizadoras. Ambas desconsideraram as injustiças ambientais, está sendo:
Assim, invisibilizando a luta por justiça ambiental nos faz pensar em uma
modernidade que produziu categorias de humano e sub-humano. A tragédia do rompimento da
barragem de Fundão é mais um desastre que evidencia esse caráter desumanizador, de
omissão, negligência e de extrema indiferença social.
O processo histórico de vulnerabilização das vítimas é invisibilizado quando trata do
desastre como evento. O desastre é a concretização do risco, onde as vítimas têm endereço
certo. Além do fato que o desastre é um processo duradouro, que de “crise aguda” para “crise
crônica” se perpetua o sofrimento social. Os atingidos pelo desastre da Samarco, ao longo do
rio Doce, pescadores, indígenas, ribeirinhas, entre outros, perderam sua reprodução social
além da contaminação da água.
Os atingidos pelo desastre das comunidades de Bento e Paracatu tiveram suas vidas
solapadas pela lama, com isso uma ruptura nas dinâmicas sociais. A morosidade que o
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220
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1. Introdução
115 Graduanda do 8o período de Direito pela Escola Superior Dom Helder Câmara; Estagiaria da Clínica de
Direitos Humanos da UFMG. Email: mlbrasil43@gmail.com
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a comunidade internacional celebrou acordo que visa garantir a todos, de forma equânime, o
exercício de seus direitos inatos.
Esta Declaração não elencou dentre o rol de direitos humanos o meio ambiente
ecologicamente equilibrado. Contudo, a Convenção de Estocolmo (ONU, 1972) inseriu o
meio ambiente neste rol, determinando que:
Quase 45 anos depois da Convenção que inseriu o meio ambiente nas preocupações
internacionais, o direito ao saneamento básico foi reconhecido como um direito humano
distinto do direito à água potável. Este reconhecimento reflete a preocupação internacional
com a precariedade do saneamento básico em diversas partes do mundo: mais de 2,5 bilhões
de pessoas vivem sem acesso a banheiros e sistemas de esgoto adequados.
No Brasil, de acordo com estudo realizado pelo Instituto Trata Brasil, os Estados que
menos receberam investimentos em saneamento básico nos últimos três anos foram
Amazonas, Acre, Amapá, Alagoas e Rondônia, totalizando 1,7%. Todos esses Estados são da
Região Norte do país, onde se encontra a maior concentração de pobreza, portanto, manifesta-
se o primeiro problema: onde há menos acesso à infraestrutura é onde está a maior
concentração de pobreza – junto com a Região Nordeste.
Em paralelo a este cenário, é pertinente observar que as populações preta e parda do
Brasil estão majoritariamente localizadas nas regiões Norte e Nordeste, de acordo com censo
realizado em 2010 pelo IBGE. Surge então o segundo problema: a relação inversamente
proporcional entre saneamento básico e minorias raciais. Esta relação precisa ser investigada,
tendo em vista que a desigualdade do acesso às políticas públicas fortalece o racismo
institucional e ignora os ideais e objetivos da Justiça ambiental – que, curiosamente, nasceu
da luta contra o racismo ambiental.
Deve-se considerar que o investimento em medidas de saneamento significa a
efetivação de direitos humanos para todos. A condição racial é apenas um elemento da
exclusão de certos grupos dos benefícios ambientais e acesso aos recursos naturais, no qual o
principal fator é a pobreza. Contudo, com o intuito de desenvolver detalhadamente um desses
aspectos, este trabalho procura ater-se à questão racial, através de análise do racismo
institucional, do surgimento da Justiça Ambiental - que perpassa pelo racismo ambiental - e
das políticas públicas de saneamento básico como mecanismo de efetivação de direitos
humanos e fundamentais.
Portanto, sem a pretensão de esgotamento do tema e com a intenção de dar
visibilidade à questão racial no Direito Ambiental, esta pesquisa visa demonstrar que o
investimento em saneamento básico significa efetivação de direitos humanos das minorias
raciais - para além do direito ao saneamento básico - cumprindo determinações internacionais
que vão desde os Objetivos do Milênio até a própria Declaração de Estocolmo, além de
cumprimento de preceitos da Constituição da República.
média em detrimento das comunidades vizinhas, compostas, em sua maioria, por grupos
desfavorecidos e minorias raciais, movimento que, inicialmente, foi denominado "racismo
ambiental".
O termo “racismo ambiental” foi criado pelo reverendo Benjamin Chaves em 1987.
Neste ano, a Comissão para a Justiça Racial da United Church of Christ realizou um estudo,
que serviu de inspiração para a criação do termo, denominado “Resíduos tóxicos e raça”. Este
estudo verificou que a raça é o principal critério de escolha da localização geográfica do
depósito de resíduos perigosos. COLE e FOSTER (apud CAVEDON, 2010) também
realizaram pesquisas referentes à distribuição de riscos ambientais e chegaram à mesma
conclusão: raça é o fator predominante na alocação dos riscos ambientais.
Estas pesquisas demonstraram que o racismo ambiental foi um fator determinante
para o surgimento da Justiça Ambiental. Hoje o termo racismo ambiental é entendido como
“políticas públicas ambientais, práticas ou diretivas que afetam de modo diferente ou
prejudicam (de modo intencional ou não) indivíduos, grupos ou comunidades de cor ou raça”
(BULLARD apud CAVEDON, 2010, p. 170), sendo impossível dissociar a essência da
Justiça ambiental do racismo. De acordo com SEGUIN (2011, p. 51):
(BRASIL, 2007) e pressiona o Estado brasileiro, que adotou a Agenda 2030, a buscar a
efetivação dessas determinações.
Em âmbito nacional, a Constituição Federal do Brasil (1988), determina que é
competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios promover
programas de melhoria das condições de saneamento básico (art. 23, IX, CF/88). Contudo, é
competência exclusiva da União a instituição de diretrizes para o desenvolvimento urbano,
inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos (art. 21, XI, CF/88). Para tanto,
promulgou-se em 2007 a Lei da Política Federal de Saneamento Básico, instituindo tais
diretrizes. A lei trouxe o conceito de saneamento básico como o conjunto de serviços,
infraestruturas e instalações operacionais de:
Essa lógica ditada pelas cores tem, ao longo da história brasileira, contribuído para
desvincular as origens africana e indígena de parcela significativa da população
nacional e, assim, minimizar o seu potencial político na esfera sociopolítica, ao
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Esta ideia de miscigenação significava uma mistura de determinada raça com a raça
branca, significando uma verdadeira política de branqueamento da população, que,
posteriormente, foi denominada de democracia racial. O mito da democracia racial, sob
análise da Antropologia Social e Cultural, é como "(...) uma constante lembrança de que a
nossa sociedade foi formada em bases híbridas, onde a cor da pele dos indivíduos não
impediu uma relevante identidade e integração entre dominadores e dominados" (SILVA,
2015, p. 17) e esta é a ideia que a maioria da população tem a respeito do conceito de raça.
Esta ilusão ignora o fato de que a democracia racial foi, e ainda é, um mecanismo de
perpetuação das hierarquias sociais do Brasil.
Além disso, de acordo com Nascimento (2013), as cores – utilizadas no processo de
criação de estatísticas demográficas – representam uma linha divisória simbólica entre os
negros e os brancos, linha esta que é reproduzida socialmente e reconhecida como algo
natural, que concebe a existência do lugar do negro e do lugar do branco na sociedade
brasileira. O “(...) mito da democracia racial ajudou a impedir a constituição de uma
consciência mais detida sobre a realidade da população negra em nosso país” (PAIXÃO apud
CAVEDON, 2010, p. 170), e permitiu a marginalização da comunidade negra e
economicamente hipossuficiente em relação ao acesso aos recursos ambientais. Este mito se
baseou num discurso que incluía toda a população, de forma igualitária e harmônica, na
distribuição dos ônus e bônus decorrentes da exploração dos recursos ambientais. Contudo,
este tipo de discurso, universalizante e generalizador, impede a percepção das desigualdades
no processo distributivo e suas reais motivações e implicações.
Pertinente observar que, de acordo com a lei 12.990/2014, que dispõe sobre a reserva
de vagas para candidatos negros em concursos públicos, toda a população autodeclarada preta
ou parda é encaixada no conceito de negro. Petrucelli (2013), em entrevista para o Terra,
afirmou que o termo “negro” se refere a uma identidade social, considerando múltiplos fatores
que vão muito além da cor da pele, portanto, não seria adequado encaixar pretos e pardos
dentro deste grupo. Contudo, para todos os efeitos desta pesquisa será adotado o critério da
legislação federal e trataremos pretos e pardos como negros e, por consequência, como
minorias raciais.
Mister salientar que, apesar das raças preta e parda serem dois dos três maiores
grupos de raças no Brasil, a denominação “minoria” diz respeito ao aspecto qualitativo,
relacionando-se à representatividade da população negra em ambientes públicos, processos
decisórios, cargos de visibilidade e afins. Portanto, para dar sequência ao cruzamento de
dados entre acesso ao saneamento e minorias raciais, o conceito de minoria de Aurélio
Buarque de Holanda (2004, p. 556) será adotado daqui em diante:
municípios da Região Sul (todas são cidades do Paraná) e as duas posições restantes ocupadas
pela Região Nordeste (municípios da Bahia e Paraíba). Em contrapartida, o estudo apresentou
o ranking dos dez piores municípios: dois são da Região Sudeste (Rio de Janeiro), um da
Região Sul (Rio Grande do Sul), um da Região Centro-Oeste (Mato Grosso), um da Região
Nordeste (Pernambuco) e cinco municípios são da Região Norte (Amazonas, Amapá,
Rondônia e Pará).
Para elaboração deste ranking o estudo levou em consideração indicadores de
atendimento de água, coleta e tratamento de esgotos, índice de perdas e investimentos no
período de 2011 a 2015. Ao analisarmos os dez piores, encontram-se dados alarmantes: quatro
municípios da Região Norte (com exceção de Manaus – AM) atendem menos da metade de
sua população com água e o município de Santarém, no Pará, não realiza nenhuma coleta de
esgoto apesar de possuir mais de 200 mil habitantes. As análises dos dados de saneamento
básico na Região Norte são alarmantes, sobretudo se comparada com as outras regiões do
País.
Não obstante, cabe analisar os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
em relação à distribuição espacial da população preta e parda do Brasil. No último censo
demográfico, realizado em 2010, o IBGE inovou em relação aos três censos anteriores e
realizou a investigação de cor ou raça em relação a totalidade da população brasileira. De
acordo com esta pesquisa (IBGE, 2010); 47,7% da população se autodeclarou branca (cerca
de 91 milhões de pessoas); 43,1% parda (cerca de 82 milhões de pessoas); 7,6% preta (cerca
de 15 milhões); aproximadamente 2 milhões de pessoas se autodeclararam de cor amarela e
817 mil, como indígenas. O estudo, bastante completo, também analisou a distribuição
geográfica os três grupos de raça predominante e constatou maioria da população branca nas
Regiões Sul e Sudeste do País, enquanto a maioria da população autodeclarada preta estava
localizada em alguns estados da Região Nordeste e nos Estados de Minas Gerais e Rio de
Janeiro. Na Região Norte, a população que se denomina parda foi maioria.
Estas pesquisas do IBGE, embora totalmente desvinculadas uma da outra,
demonstraram que a desigualdade de acesso ao saneamento básico é enfrentada pela maioria
da população negra do Brasil, sendo necessário o debate a respeito de ações afirmativas que
minimizem – e exterminem – a desigualdade racial. A universalização do acesso ao
saneamento não admite excluídos e deve ser efetivada mediante uma política inclusiva, que
considere toda a carga histórica de discriminação sofrida pelas minorias raciais no Brasil,
levando em consideração também os mecanismos de (re) produção de racismo presentes na
própria seara estatal. Estes dados servem como provocação para um pensamento a respeito da
institucionalização do racismo e da sua implicação no acesso a políticas que garantem o
mínimo existencial e a qualidade de vida.
5. Considerações finais
Este trabalho em nenhum momento teve a pretensão de esgotar o tema tão vasto e
problemático que é a desigualdade do acesso a políticas de saneamento básico, sobretudo para
as minorias raciais. Conforme pontuado anteriormente, sabe-se que a pobreza e o principal
fator de exclusão dos benefícios ambientais e distribuição dos ônus decorrentes da exploração.
Contudo, o fato de a pobreza estar intimamente ligada à questão racial é extremamente
problemático, sobretudo no Brasil, onde, numericamente, a população negra é a maioria.
Além disso, há o sério problema de investimento em políticas de saneamento básico nas
regiões mais pobres do Brasil. O acesso ao saneamento básico é uma garantia do mínimo
existencial, de qualidade de vida e de efetivação do princípio da dignidade humana.
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Referências
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Abstract: this article addresses the necessary understanding of the interrelationship between
humanity and the environment that generates social and environmental problems that are
closely related to the unfulfilled promise of the welfare state, the crisis of the party system,
lack of democratic legitimacy, and with the loss of intensity of modernity, which,
consequently, served as fuel for the emergence of social movements, notoriously the
environmentalist, which served as justification for the emergence of a new fundamental
human right, Environmental Law, which has as a its most relevant themes, Environmental
Education.
1. Introdução
116 Doutor em Sociologia Jurídica e Instituições Políticas junto à Universidade de Zaragoza/Espanha (UNIZAR)
– área de concentração em Direito Ambiental e Educação – com título doutoral apostilado junto à Universidade
de São Paulo (USP); Bacharelado pela UFMG; Professor Universitário junto à Pontíficia Universidade Católica
de Minas Gerais; Advogado; Email: amarobosque@yahoo.com.br
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2. Da historicidade
Tal como os outros seres vivos com quem compartimos a mesma casa, o planeta
Terra, fomos criados com as mesmas partículas ínfimas e com as mesmas
combinações de matérias e energias que movem a Vida e os astros do universo. Algo
do que há nas estrelas pulsa também em nós. Algo que, como o vento, sustenta o vôo
dos pássaros, em outra dimensão da existência impele o vôo de nossas idéias, isto é,
dos nossos afetos tornados os nossos pensamentos. Não somos intrusos no Mundo
ou uma fração da Natureza rebelde a ela. Somos a própria, múltipla e infinita
experiência do mundo natural realizada como uma forma especial da Vida: a vida
humana.
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E nos pareceu que a primeira dimensão desse novo conteúdo com que ajudaríamos o
analfabeto, antes ainda de iniciar sua alfabetização (...) seria o conceito
antropológico de cultura, isto é, a distinção entre estes dois mundos: o da natureza e
o da cultura; o papel ativo do homem na sua realidade e com sua realidade; o sentido
de mediação que tem a natureza para as relações e a comunicação do homem; a
cultura como o acréscimo que o homem faz ao mundo que não criou; a cultura como
resultado de seu trabalho, de seu esforço criador e recriador.
Educar para combater a crise ambiental passa por um entendimento que nega o
atemporal e busca evidenciar as circunstâncias históricas que moldaram a relação entre
natureza e humanidade. Narrar essa relação no decorrer da história é evidenciar a existência
de dois tipos de temporalidade que afetam o meio ambiente: o tempo de longa duração e o de
curta duração 117. Na primeira, a falta de postura educacional ambiental é nutrida por uma
atitude antropocêntrica que até determinado ponto histórico foi aceitável, tendo em vista a
crença de que os limites naturais eram infindáveis como elemento supridor das necessidades
básicas e supérfluas dos seres humanos. Na segunda, ainda de caráter antropocêntrico, mas já
vinculada à sociedade moderna, os limites naturais já restam evidenciados na sua capacidade
finita não sendo, portanto, mais aceitável o baixo grau de atitude ambiental, evidentemente
desequilibrada, na relação entre humanidade e natureza.
O papel do educador ambiental – para se evitar uma compreensão ingênua da crise
estrutural– consiste na capacidade de mesclar a temporalidade de longa e de curta duração, o
que evidencia todos os desarranjos civilizatórios existentes. Na temporalidade de curta
duração, sociedade contemporânea, a problemática ambiental é tema central gerador de
preocupação e está atrelada aos acontecimentos históricos que marcaram a humanidade da
segunda metade do século XX até ao presente momento. Por outro lado, na temporalidade de
longa duração, as relações entre humanidade e natureza podem ser designadas como tradição.
Sob esse aspecto a crise ambiental é fruto de uma cultura desenvolvida ao longo da história,
fruto de modos pelos quais grupos sociais pensaram e manejaram suas relações com a
natureza desde os primórdios até hoje em dia (CARVALHO, 2008).
Assim, lidar com a Educação Ambiental exige uma visão histórica da relação entre
humanidade e natureza e, na intenção de ampliar a visão da educação pretendida, faz-se
fundamental introduzir uma perspectiva do tempo na leitura do meio ambiente natural. O
educador ambiental comprometido com a formação de um sujeito ecológico necessita refletir
sobre as várias experiências históricas que constituem o conjunto de vivências humanas em
relação ao mundo natural, além de compreender a própria história do planeta Terra e do
surgimento das várias espécies de vida. Ele precisa compreender para poder ensinar que, no
decorrer da história, a natureza já foi considerada em vários sentidos: em um determinado
momento, como algo nocivo e ameaçador e em outro momento temporal, como belo e bom 118.
117 Isabel Cristina de Moura Carvalho (2008): “O tempo de curta duração diz respeito ao que chamamos de
contemporaneidade, ou seja, àquilo que acontece dentro de um horizonte histórico recente, em torno de nosso
presente, e nos afeta mais proximamente. [...]. Mas também podemos entender nossa experiência contemporânea
do ambiente como parte de uma história social de longa duração que antecede, constitui seu horizonte histórico
mais abrangente e, de diferentes maneiras, influência os modos de compreensão vigentes” (CARVALHO, 2008,
p. 91).
118 Keith Thomas (2010): Esse historiador demonstra que a partir do século XV ao se firmar um modelo urbano
e mercantil de sociedade a natureza passou a ser considerado um lugar rústico, de pessoas incultas e selvagens,
bem como, representando o feio e o obscuro. Nos séculos XVI e XVII terra boa e bonita eram as terras
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A percepção desses sentidos que foram moldados no tempo de longa duração é fundamental
para se entender os comportamentos no tempo de curta duração, bem como, a visão atual da
relação entre humanidade e natureza.
Nesse sentido, remontar a história de longa e curta duração do meio ambiente e da
relação homem e natureza faz-se necessária para perfeita compreensão do papel do educador
ambiental. O tempo de longa duração tem por base histórica a característica da involução
relacional entre humanidade e natureza, para em seguida se optar por uma base
socioambiental, no tempo de curta duração, por parte do bloco capitalista, de um modelo de
Estado pautado em uma sociedade do trabalho que somente fez por agravar a situação
relacional entre seres humanos e natureza já, há muito anos, em amplo compasso de
deterioração.
Nesse contexto do tempo de curta duração, surge o Estado do Bem-Estar Social, que é
cenário gerador de muitas insatisfações sociais, fazendo com que surjam manifestações
populares que questionam os pilares políticos, económicos, democráticos e ambientais, nos
quais aquele Estado encontrava-se estruturado. Movimentos sociais que motivaram reações
políticas e novas demandas sociais que passaram a merecer tutela do Direito que se
movimentou no sentido de gerar novos ramos jurídicos agrupados na quarta geração de
direitos humanos 119, os quais visavam a regulamentação das demandas, entre eles o Direito
Ambiental no qual se encontra inserida a regulamentação da Educação Ambiental que é o
instrumento elegido para o enfrentamento da crise civilizatória.
3. Do contexto socioambiental
A natureza oferece aos seres humanos suas condições físicas de vida, assim como
seu espaço psíquico e de apoio, local onde ele se experimenta e se desenvolve como
ser humano. Há uma ambiguidade imanente na relação do ser humano com a
natureza. A natureza é vivida sempre de duas maneiras: como opressão e como
segurança; como anulação e como abertura para possibilidades; como desumana e
como humana; como caos e como lar. Quer dizer, não há o romantismo idílico da
vida do homem em harmonia com a natureza, pois, em realidade, ao mesmo tempo
em que a natureza se apresenta como fonte de vida, se mostra também como
ameaça. Os distintos comportamentos humanos revelam esta ambivalência, pois
exploradas pela humanidade através do cultivo. Essa visão utilitarista da natureza perdurou até o século XVIII
quando na Inglaterra ocorreu uma mudança importante no estilo de percepção do mundo natural denominado de
novas sensibilidades. Devido aos desarranjos ambientais ocorridos em virtude da revolução industrial ocorreu
um resgate de um sentimento de contemplação do natural. A natureza selvagem, sob o aspecto moral e estético,
passou a ser valorizada e um sentimento de proteção à natureza intocada surgiu em oposição à violência urbana e
ambiental praticada pela humanidade (THOMAS, 2010).
119 “En la medida en que se vinculan a esta red de movimientos, puede decirse que los derechos de cuarta
generación exigen una fuerte dinámica democratizadora y una mayor descentralización del poder político”.
Rodríguez Palop (2010): “Na medida em que se vinculam a esta rede de movimentos, pode se dizer que os
direitos de quarta geração exigem uma forte dinâmica democratizadora e uma maior descentralização do poder
político” (RODRÍGUEZ PALOP, 2010, p. 227 – tradução nossa).
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como preservar a natureza se é de seu consumo que o ser humano retira sua fonte de
existência. Do mesmo modo, quais seriam as medidas necessárias para que a
apropriação crescente da natureza para a produção de riqueza humana não resulte
em uma destruição dos recursos preciosos para o bem-estar.
Conforme Catalan (2005), a busca por uma melhoria de qualidade de vida, baseada em
uma sistemática econômica desenfreada, sem planejamento, em que as riquezas da Terra são
saqueadas e todo o ecossistema fica propenso a um colapso sistêmico, já gerou na
humanidade a ideia de que os recursos naturais são limitados, mas ainda não cristalizou uma
consciência no sentido de adequar as necessidades da humanidade às possibilidades de
fornecimento de recurso de todas as ordens do planeta. Conscientização que somente será
alcançada por meio de práticas educacionais gerais, notadamente, de aspectos ambientais.
A complexidade desse processo de transformação da Terra é crescentemente acelerada
pela postura humana e é afetado pelos riscos e danos socioambientais gerados, que são cada
vez mais notórios. Os grandes acidentes envolvendo usinas nucleares, derramamentos de óleo
bruto e contaminações tóxicas de grandes magnitudes, demonstram o exposto e provocam o
debate público e científico sobre as questões que envolvem a sociedade de risco 120 vivenciada
pela sociedade contemporânea. A preocupação com os riscos 121 que cercam o meio ambiente
manifesta-se a partir do momento em que sua degradação passa a ameaçar não só o bem-estar,
a qualidade da vida humana, mas se não a própria sobrevivência do ser humano e de todas as
outras espécies.
A crise ambiental, também denominada como civilizatória, é uma realidade cada vez
mais presente na humanidade e, desde a longínqua Antiguidade, existem estudos, alertas e
denúncias acerca da ação antrópica. Seus sinais são visíveis: câmbio climático; excesso
populacional; especulação e escassez dos combustíveis fósseis e sua queima; desastres
naturais potencializados; manutenção da exploração de recursos humanos e materiais dos
países do hemisfério sul por parte das nações desenvolvidas.
Vários são os doutrinadores, filósofos e pessoas de grande expressão que, na
linguagem de Philippi Jr e Caffé Alves (2005), muito contribuíram com seus trabalhos, no
plano nacional e internacional, divulgando a situação de degradação ambiental, entre eles hão
de serem citados: Platão, na Antiguidade; Friedrich Engels, em 1825; Charles Darwin, em
1859; Joaquim Nabuco, em 1883; Theodore Roosevelt, em 1914; Aldo Leopold e René
Dubos, 1945; Rachel Carson, em 1962. Dentre os vários pensadores citados, merece destaque
a obra Primavera Silenciosa da bióloga norte–americana, escritora e pesquisadora de
reconhecido talento científico e literário, Rachel Carson que foi alvo de comentário da
publicação Saturday Review, umas das crônicas mais importantes e respeitadas nos Estados
Unidos, que assim se pronunciou:
120 Expressão talhada por Ulrich Beck (2002) para delinear a época da modernidade em que os efeitos negativos
da industrialização e da visão utilitarista da natureza passam a representar uma ameaça ao planeta. A sociedade
industrial atual encontra-se diante de um conjunto de fatos imprevisíveis que geram riscos de alta complexidade
e para os quais a ciência não tem respostas precisas, pelo contrário, tendo em vista a complexidade das questões
ambientais, há no mundo científico uma grande dose de incertezas diante deles. O conhecimento científico
inabalável proporcionou a criação dá “sociedade de risco”, resultante da globalização e marcada pelo utilitarismo
(Metáfora Antropocêntrica). O risco, portanto, é fruto da modernidade, do comportamento antropocêntrico e
desenvolveu-se de diversas maneiras, principalmente sem a necessária sustentabilidade (BECK, 2002).
121 O risco é um “sinal de perspectiva e de escolha, de perigo e de desafio, de angústia e de ousadia, de atenção
e de cuidado” (FERNANDES, 2001, p. 19).
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122 José Afonso da Silva (2007): “A ação predatória do meio ambiente natural manifesta-se de várias maneiras,
quer destruindo os elementos que o compõem, como a derrubada das matas, quer contaminando-os com
substâncias que lhes alterem a qualidade, impedindo seu uso normal, como se dá com a poluição do ar, das
águas, do solo e da paisagem. Atmosfera (ar, clima), hidrosfera (rios, lagos, oceanos) e litosfera (solo) são três
órbitas entrelaçadas que mantêm a vida orgânica. A contaminação de uma compromete também a pureza das
outras, direta ou indiretamente” (SILVA, 2007, p. 28).
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frear ou debelar a crise. Diante de seu surgimento e, sobretudo, em virtude de seu caráter
histórico, os movimentos sociais traçaram objetivos e, no intuito de modificar a sociedade,
passaram a gozar de amplo destaque dentro da sociologia.
123 Offe (1990): O Estado do Bem-Estar Social, por um lado, tem o objetivo de sustentar o sistema de
acumulação capitalista e, por outro, criar e manter mecanismos de contenção sociais através da obtenção da
“lealdade das massas” que aparentemente são protegidas pelo Poder Público que na verdade atua de forma
reiterada em nome do capital. (OFFE, 1990).
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Mais uma vez os homens, desafiados pela dramaticidade da hora atual, se propõem a
si mesmos como problema. Descobrem que pouco sabem de si, de seu “ponto no
cosmo”, e se inquietam por saber mais. Estará, aliás, no reconhecimento do seu
pouco saber de si uma das razões desta procura. Ao se instalarem na quase, senão
trágica descoberta do seu pouco saber de si, se fazem problemas a eles mesmos.
Indagam. Respondem, e suas respostas os levam a novas perguntas.
Motivos não faltam para o esgotamento da utopia nas sociedades complexas de hoje. A
utopia idealizada como uma forma de vida melhor para a humanidade e de uma sociedade
mais organizada em virtude dos avanços tecnológicos perdeu-se nos efeitos colaterais
daquelas tecnologias experimentadas por meio de constatações expressivas de disfunções
sentidas na história, fazendo despertar uma visão mais realista do presente e uma expectativa
pessimista de futuro.
Nesse contexto social, dentro de uma realidade que valoriza a razão instrumental,
inclusive na relação entre humanidade e meio ambiente, ocorre aparentemente o fim da
utopia. Estaria se alardeando o fim da fusão entre o pensamento utópico com o pensamento
histórico, caracterizando para alguns intelectuais uma transformação da moderna consciência
do tempo em geral. Entretanto, corroborando o pensamento filosófico de Habermas (1987),
não se acredita na dissociação entre utopia e história, mas no fim de uma utopia lastreada na
sociedade de trabalho com bases no Estado do Bem-Estar.
O modelo do Estado do Bem-Estar Social eliminou toda a utopia baseada em uma
sociedade do trabalho, mas, enquanto modelo, continua sendo viável a partir do momento em
que a sua base for reestruturada em pilares democráticos mais amplos, não conservadores,
frutos de um alto nível de reflexão, tal como defendido por Paulo Freire, ao estruturar uma
educação pautada no diálogo com total abandono de práticas anti-dialógicas 124, e por
Habermas, quando estrutura sua tese do agir comunicativo.
Demonstrada a queda do Estado do Bem-Estar Social, a qual foi amparada pela utopia
do trabalho, e, tendo em vista que o objetivo nesse artigo é desenvolver os temas entrelaçados
ao contexto da crise ambiental, segue-se com uma explanação da reivindicação de uma nova
democracia legitimada pelo diálogo e pela prática comunicativa. Tal reivindicação também
serviu de combustível aos Novos Movimentos Sociais que dão origem aos novos direitos
humanos no qual se insere o Direito Ambiental que, por sua vez, tem como um de seus pilares
a Educação Ambiental.
O bom educador ambiental tem que ter em mente que os Novos Movimentos Sociais
são frutos de uma democracia que perdeu legitimidade em virtude dos partidos políticos
deixarem de representar interesses coletivos e defenderem interesses de grupos representantes
do capital. Assim, os Novos Movimentos Sociais buscam um novo desenho da democracia
estabelecida, uma democracia que, atualmente, perdeu grande parte da sua legitimidade e
precisa urgentemente ser ampliada para resgate de sua função social 125, que ressalta a
importância desses movimentos sociais, enquanto inquietudes sociais ao servirem como base
124 Paulo Freire (2009): “Enquanto na teoria da ação antidialógica a conquista, como sua primeira
característica, implica um sujeito que, conquistando o outro, o transforma em quase “coisa”, na teoria dialógica
da ação, os sujeitos se encontram para a transformação do mundo em co-laboração”. (FREIRE, 2009, p. 191).
125 María Eugenia Rodriguez Palop (2011): “O sea, se pretende ensanchar el marco formal de la democracia
representativa creando una cultura política activa” (RODRÍGUEZ PALOP, 2011, p. 186). Ou seja, pretende-se
alargar o marco formal da democracia representativa criando uma cultura política ativa (tradução nossa).
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Mas dizer a palavra verdadeira, que é trabalho, que é práxis, é transformar o mundo,
dizer a palavra não é privilégio de alguns homens, mas direito de todos os homens.
Precisamente por isto, ninguém pode dizer a palavra verdadeira sozinho, ou dizê-la
para os outros, num ato de prescrição, com o qual rouba a palavra aos demais.
(2005, p. 90).
126 Jürgen Habermas (1987): “Segundo essa versão não oficial que nos é apresentada recorrentemente pela
teoria dos sistemas, os cidadãos e os clientes aparecem como sócios do sistema político. Sob essa descrição
altera-se sobretudo o sentido do processo de legitimação. Grupos de interesse e partidos utilizam seu poder
organizativo a fim de alcançarem anuência e lealdade para seus objetivos de organização. A administração não só
estrutura o processo legislação, em grande parte ela também o controla: ela tem de, por seu lado, selar
compromisso com clientes poderosos. Partidos, corporações legislativas, burocracias têm de levar em conta a
pressão não declarada dos imperativos funcionais e coloca-los em harmonia com a opinião pública – “política
simbólica” – é o resultado. Também o governo tem de esforçar-se para obter simultaneamente o apoio das
massas e dos investidores privados” (HABERMAS, 1987, p. 106).
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racionalidade em que todos os setores sociais possam ser ouvidos, já que será fruto de uma
prática de debates públicos legitimadores de todo sistema político-social.
O alcance da igualdade necessária para desenvolvimento da democracia material
defendida neste artigo, com o fim de elaborar legislações ambientais legítimas, será
viabilizado por intermédio da prática da Educação Ambiental, dentro de uma postura
pedagógica humanista e revolucionária, totalmente contrária à exercida, em regra, nos
âmbitos escolares, conforme lição de Freire (2009, p. 73):
127 “[...] la democracia, entendida como mecanismo de composición de intereses, no garantiza por sí sola una
protección adecuada de los más débiles”.
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A democracia almejada pelos Novos Movimentos Sociais não tem por objetivo a
substituição da democracia representativa por uma democracia social na qual a sociedade civil
ocuparia em definitivo o lugar dos partidos políticos no sentido de representatividade. O que
se objetiva é a obtenção de uma mescla entre ambas, uma vez que isoladamente nenhuma das
duas é suficiente para o exercício de uma democracia plena (BOBBIO, 1996).
O terceiro fator que se elege como motivador do surgimento dos Novos Movimentos
Sociais é o modelo de industrialização adotado pelos países desenvolvidos que tem como
resultado mais nocivo a crise ambiental planetária. Nesse contexto, conclui-se que os Novos
Movimentos Sociais são fruto da tomada de consciência de que o extrapolar dos limites de
crescimento contínuo das sociedades modernas gera um ambiente de crise social, que tem
como ponto culminante a destruição do meio ambiente.
Parte da doutrina relaciona as ideias que nutriram os Novos Movimentos Sociais como
um marco divisório entre a modernidade e pós-modernidade 128, realçando que os valores e
características da pós-modernidade servem de base conectiva entre os novos movimentos
sociais e os direitos humanos de quarta geração. Assim, a crise do modelo de modernidade -
vista a partir criação - dos Novos Movimentos Sociais serve de prenúncio de uma nova época,
pós-moderna, na qual os valores mantenedores da ordem moderna deverão ser totalmente
alterados (RODRÍGUEZ PALOP, 2010).
Embora uma parte da doutrina tenha enxergado na crise do modelo do Estado do Bem-
Estar Social o fim da modernidade e começo da era pós-moderna cujos novos valores são
apontados como uma das causas dos Novos Movimentos Sociais, outra parte da doutrina,
entretanto, não aceita este tipo de fundamentação, pois crê que o projeto da modernidade
ainda se encontra em construção e é o único capaz de viabilizar as sociedades contemporâneas
democráticas dos tempos atuais (HABERMAS, 1987).
Em suma, os Novos Movimentos Sociais não propõem acabar com o sistema
estabelecido, mas buscam resolver as instabilidades internas existentes entre as várias classes
sociais que fazem parte da estrutura concebida de divisão de poder, no âmbito da sociedade
industrial, no anseio de uma maior participação nas decisões políticas e sociais em prol de
uma sociedade mais limpa, impessoal, educada, livre e democrática (INGLEHART, 1991). As
exigências dessa nova classe média não são exigências em nome de uma classe, mas são
direcionadas a toda a sociedade devido à dispersão de suas reivindicações que abarcam desde
questões ambientais a direitos humanos e defesa da paz (GIDDENS, 1989).
Os Novos Movimentos Sociais visam a ocupar o vácuo existente nas estruturas e
organizações sociais, questionando, na maioria das vezes, as estruturas existentes e propondo
maneiras inovadoras de organização política. E a primeira característica que há de ser realçada
em relação aos movimentos sociais é o seu caráter concreto, proveniente de lutas sociais
efetivas contra o poder político em busca de reconhecimento de valores e interesses reais,
muito embora os conceitos acerca do tema sejam bem abstratos, havendo, portanto, um
paradoxo entre a realidade viva dos movimentos sociais e o seu trato na doutrina (IBARRA;
LETAMENDÍA, 2005).
Por fim, o fato de o Estado do Bem-Estar Social ter alcançado em seu apogeu grande
prosperidade material e educacional fez com que parte da população beneficiada pudesse
canalizar seus olhares para questões de cunho ético e moral, uma vez que já tinha suas
necessidades básicas garantidas, o que teve como resultado imediato o surgimento dos Novos
Movimentos Sociais (SOSA, 1993). Ainda, dentro do aspecto de acesso ao conteúdo de
natureza educacional propiciado pelo Estado do Bem-Estar Social, o número significativo de
indivíduos que alcançavam formação profissional deparava-se com um mercado laboral em
baixa oferta de postos de trabalho, ocasionando uma reação social, a partir dos Novos
128 Bell (1976): Doutrina o autor que por pós-modernidade deve-se entender uma realidade que realçou os
princípios e valores modernos que entraram em colapso (BELL, 1976).
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129 Jaime Pinsky (2003): “Ser cidadão é ter direito à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade perante à lei:
é, em resumo, ter direitos civis. E também participar no destino da sociedade, votar, ser votado, ter direitos
políticos. Os direitos civis e políticos não asseguram a democracia sem os direitos sociais, aqueles que garantem
a participação do indivíduo na riqueza coletiva: o direito à educação, ao trabalho, ao salário justo, à saúde, a uma
velhice tranquila. Exercer a cidadania plena é ter direitos civis, políticos e sociais” (PINSKY, 2003, p. 9).
130 Flávia Tavares Rocha Loures (2004): “O exercício da cidadania, como reflexo da aplicação do princípio da
participação popular, empresta legitimidade, transparência e segurança aos processos decisórios e pode
manifestar-se das seguintes formas: organização jurídica de comunidades (em associações de bairro, por
exemplo); participação popular no processo legislativo, desde a fase de discussões até a aprovação final do
projeto, e através dos mecanismos constitucionais de democracia direta (referendo, plebiscito e iniciativa
popular); pressão e controle sobre as autoridades públicas e busca pela efetividade das orientações e decisões
políticas emanadas dos órgãos ambientais; participação direta na gestão ambiental por meio de tais organismos,
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7. Considerações finais
Referências
sejam de caráter consultivo ou deliberativo, federais, estaduais, distritais ou municipais; e, finalmente, utilização
séria e em e massa de instrumentos jurídicos-processuais de tutela do ambiente” (LOURES, 2004, p. 193).
131 Expressões sinônimas que traduzem o grau de injustiça ambiental atualmente existente na sociedade.
132 Riechmann y Fernández Buey (1995): os novos movimentos sociais não são apenas instrumentos de
protestos más sim uma busca alternativa de “otra forma de vivir, relacionarse y trabajar; nuevos modos de
producción, convivencia y consumo”. “[…] outra forma de viver, relacionar-se e trabalhar; novos modos de
produção, convivência e consumo” (Tradução nossa) (RIECHMANN y BUEY, 1995).
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BECK, U. La sociedad del riesgo – Hacia una nueva modernidad. Ed. Paidós Ibérica.
Barcelona. Espanha. 2002.
FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 50ª ed. São
Paulo, 2009.
FREIRE, P. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. 6ª ed. Rio de Janeiro: Paz e
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MOURA, R. M. de. Rachel Carson e os agrotóxicos 45 anos após primavera silenciosa. Anais
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PINSKY, J; PINSKY, Carla Bassanezi (Org.). História da Cidadania. 2ª ed. São Paulo:
Contexto, 2003.
RODRÍGUEZ PALOP, M. E. Claves para entender los nuevos derechos humanos. Madrid:
Catarata, 2011.
SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 6ª ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 2007.
SOSA, N. M. Movimiento ecologista y cambio social (el caso español). Ecología política,
nº 5, 1993.
133 Graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Pós graduanda em Direito Ambiental.
Analista Judiciária no Ministério Público de Minas Gerais na 1ª Promotoria de Justiça da Comarca de Ribeirão
das Neves, que possuí titularidade do Promotor de Justiça Carlos Eduardo Ferreira Pinto. Email:
glauciatavares@mpmg.mp.br
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Keywords: Fundão; Mariana; environmental disaster; integral repair; new legal framework
mineral sector.
1. Introdução
134 Gudynas (2015) afirma que as empresas de mineração podem utilizar a melhor tecnologia possível, e
mesmo que o procedimento realizado seja adequado, quando a grande extração mineral termina, a paisagem não
está mais lá, semelhante a um processo de amputação.
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tecnologia de gestão (MILANEZ, Bruno, 2017).
Neste momento em que a humanidade visualiza uma grande crise ecológica, e percebe
sua influência na concepção na vida particular de cada indivíduos, o ambiente insere-se no rol
das principais preocupações sociais (conflito socioambiental).
A mineração também pode ser considerada de utilidade pública porque auxilia a
união em uma relevante função: a transformação dos recursos minerais em
benefícios econômicos e sociais. (...) Não há mineração, por sua própria
característica, sem intervenção nos recursos naturais. Se neste Século XXI, vive-se
numa sociedade altamente dependente dos recursos minerais, há necessidade de que
o sistema jurídico crie condições para o seu exercício (FREIRE, 2010, p. 59-60).
Entretanto, antes de enfrentar a problemática proposta se fará uma breve síntese sobre
a responsabilidade do poder público enquanto concessor da licença ambiental no setor
mineral, ciente da necessidade do desenvolvimento da Mineração para população, bem como
o fracionamento do licenciamento e a garantia financeira como condicionante de
licenciamento ambiental de empreendimentos com barragens de rejeitos e resíduos.
A lição de William Freire fala dos interesses das mineradoras para extrair minerais de
uma área e segundo ele a existência da mina é condicionante para exploração, o que é feito
através do licenciamento de pesquisa, e após “enquanto não se conjugarem
concomitantemente os três atributos – viabilidade técnica, viabilidade econômica e
viabilidade ambiental – não se configura a existência da mina” (FREIRE, 2010, p. 79).
O autor continua expondo os benefícios que a exploração mineral proporciona para a
comunidade local, observe:
O Brasil subaproveita seu potencial mineral. Mesmo assim, a mineração já gera para
o país enormes benefícios econômicos e sociais. É o seguimento que tem a cadeia
produtiva mais importante, com participação destacada no PIB, geração d empregos
e no recolhimento de tributos. Se criamos condições, poderemos transformar o
Brasil e utilizar a mineração para alavancar seu crescimento de forma duradoura e
sustentável, como fizeram outros grandes países mineiros. Manter e desenvolver a
135 Gudynas (2014, p 432-433) finaliza sua obra afirmando que ecología, economía y política de un modo de
entender el desarrollo y la naturaleza e insertados en redes globales de producción y comercio. Este utilitarismo
presupone posturas de control y dominación sobre el entorno y la sociedad. Esta es una ética antropocéntrica.
Los valores sólo son asignados por los seres humanos, y prevalecen aquellos ligados directamente a los
beneficios y necesidades humanas. En algunas circunstancias aparecen posturas morales de compasión o
benevolencia hacia especies de fauna y flora amenazadas, o comunidades locales afectadas, casi siempre por
compensaciones económicas gracias a una justicia encogida. Pero este tipo de moral no implica poner en
discusión ni revisar la ética antropocêntrica La recuperación de otros valores en la Naturaleza, y en particular
cuando se le reconocen derechos propios, no sólo es un antídoto contra los extractivismos, sino que es una
alternativa a aquella ética antropocêntrica.
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mineração é socialmente relevante pelos benefícios que traz para o país e para as
comunidades onde está inserida (FREIRE, 2010, p. 105).
Após a análise legislativa dos dois projetos citados acima, concluir-se-á o artigo com
as percepções acerca do tema estudado, reforço da necessidade de aprovação do projeto de
iniciativa popular, que possui respaldo da sociedade e representa um marco no aprimoramento
da segurança de barragens em Minas Gerais, além de listar os resultados e entendimentos
alcançados com a pesquisa, justificando o propósito da tese e do combate aos impactos
socioambientais vivenciados na sociedade.
financeiramente pelo empreendedor, que aufere lucros durante e após a atividade extrativa, e
não pela sociedade.
O Projeto de Lei do Senado nº 224/2016, que propõe alterações na Lei 12.334/2010,
para reforçar a segurança do Programa Nacional de Segurança de Barragens (PNSB), da
mesma forma que o Projeto de Lei n.º 3.695/2016, originário da Campanha Mar de Lama
Nunca Mais, prevê exigência de seguro ou garantia financeira tanto para cobertura de danos a
terceiros e ao ambiente, em caso de acidente ou desastre, nas barragens de categoria de risco
alto e dano potencial associado alto; quanto para custear a desativação de barragens de
disposição final ou temporária de resíduos industriais ou rejeitos de mineração (art. 17, XV e
XVI).
O desastre do Fundão trouxe à tona a crise ecológica contemporânea que exige o
ajustamento de regulamentos e instrumentos (correspondentes) aos prejuízos causados,
cabendo rejeitar ou invalidar a priori determinações que diminuam as condições de proteção
do patrimônio natural e cultural ou estejam aquém delas. Como referem Ingo Sarlet e Tiago
Fensterseifer, veja:
[...] se, por um lado, impõe-se ao Estado a obrigação de “não piorar” as condições
normativas hoje existentes em determinado ordenamento jurídico – e o mesmo vale
para a estrutura organizacional-administrativa –, por outro lado, também se faz
imperativo, especialmente relevante no contexto da proteção do ambiente, uma
obrigação de “melhorar”, ou seja, de aprimorar tais condições normativas – e
também fáticas – no sentido de assegurar um contexto cada vez mais favorável ao
desfrute de uma vida digna e saudável pelo indivíduo e pela coletividade como um
todo (SARLET; FENSTERSEIFER, p. 151).
3. Considerações finais
empresas Samarco S/A, pela multinacional Vale S/A e empresa anglo-australiana BHP
Billiton Brasil Ltda ao seu Estado, mas isso não fez com que ele se preocupasse em proteger o
meio ambiente e reparasse os danos ambientais sofridos.
O projeto de lei proposto pelo Governador Fernando Pimentel flexibilizou o
licenciamento ambiental em Minas Gerais, pois a proposta do executivo de número
2.946/2015 foi aprovada em turno único no dia 25 de novembro de 2016, um ano após o
grande desastre da barragem do Fundão, em meio a discussões sobre a tragédia causada pelo
rompimento, cujas donas são as multinacionais Vale S/A e a anglo-australiana BHP Billiton
Brasil Ltda e influenciaram por lobbies de influências exclusivamente empresariais.
Na verdade se percebeu pelo artigo que não se tratou de uma guerra jurídica,
ambiental ou política, mas sim uma guerra econômica, em que se compram todos os minérios,
paisagens e pessoas que estejam à venda, sendo que os grandes compradores são a empresa
Vale S/A e a empresa anglo-australiana BHP Billiton Brasil Ltda, financiadas pelo Banco
Mundial Americano.
Os autores Ingo Wolfgang Sarlet, Paulo Afonso Leme Machado e Tiago Fensterseifer
na obra Constituição e legislação comentadas expõem com brilhantismo a mobilização de
lobbies de interesses empresariais contra a execução de projetos de lei que limitem suas
atividades, bem como que impeçam aos órgãos público – pode-se mencionar, por exemplo,
alguns órgãos de fiscalização responsáveis pelo acontecido em Mariana: Departamento
Nacional de Produção Mineral (DNPM) e a Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam),
pois emitiram, pouco antes do acontecimento, relatórios que atestavam as condições de
segurança das barragens da Samarco Mineração S/A – a fiscalização e punição das grandes
mineradoras:
autor para propor uma Ação Civil Pública que beneficiaria efetivamente a população
prejudicada e a própria natureza. Nesse sentido:
A lição de Hugo Nigro Mazziili, além de nos lembrar dos danos irreparáveis que essas
“megamineradoras” causam em nosso meio ambiente, também faz uma súplica para o
Ministério Público e Poder Judiciário cumpram seu papel de defender a sociedade e o meio
ambiente e não seus próprios interesses como vemos todos os dias na imprensa:
Retomando a questão dos projetos de lei para proteção do meio ambiente em face das
mineradoras, verifica-se que o Projeto de Lei 3.695/2016 é categórico ao vedar a concessão de
licenças provisórias, ad referendum ou concomitantes a empreendimentos que empreguem a
disposição de rejeitos em seu funcionamento, portanto, é um grande entrave econômico para
as grandes mineradoras.
A realização de licenciamento ambiental trifásico (Licença Prévia, Licença de
Instalação e Licença de Operação) – com atenção especial às variáveis tecnológicas em
discussão e ampla participação cidadã, é indispensável para a construção de decisões justas,
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“Lira Itabirana”
I
O Rio? É doce.
A Vale? Amarga.
Ai, antes fosse
Mais leve a carga.
II
Entre estatais
E multinacionais,
Quantos ais!
III
A dívida interna.
A dívida externa
A dívida eterna.
IV
Quantas toneladas exportamos
De ferro?
Quantas lágrimas disfarçamos
Sem berro?
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1
Referências
FREIRE, Wiliam. Código de mineração anotado. 5ª. ed. rev. Belo Horizonte: Mandamentos,
2010.
LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria geral do direito ambiental. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2010.
MAZZILI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente,
consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 19ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2006.
______. ______. 9ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.
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MINAS GERAIS. Comissão das Barragens. Relatório final. Belo Horizonte: Assembleia
Legislativa do Estado de Minas Gerais, 2016.
ONU. Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, 1992. Disponível em:
<http://www.onu.org.br/rio20/img/2012/01/rio92.pdf>. Acesso em: 24 jul. 2017.
Abstract: This paper will analyze the most significant environmental agreements that
emerged following the publishing of evidence of climate change and realization by world
powers that action must be taken. The first of these to be analyzed is the Kyoto Protocol,
named for the city in which it was introduced in 1997, which attempted to introduce
mechanisms to control greenhouse gas emissions. Both the protocol itself, and the reasons it
failed, will be discussed. Secondly, the most recent attempt to preserve the environment, the
Paris Agreement, will be analyzed, both in comparison to the Kyoto Protocol and
independently. Finally, this essay will analyze Brazil’s role in the Paris Agreement and the
likely consequences of an imminent withdrawal from the agreement by the United
States.............................................................................................................
1. Introdução
2. Desenvolvimento
Em meados do século XX, as condições de vida na Terra se tornaram cada vez piores
devido, principalmente, à poluição do ar e das águas, ao aumento da temperatura, e ao
desmatamento das florestas que, dentre outras causas, tornam o ideal de desenvolvimento
limpo do planeta um verdadeiro desafio. Por isso, desde o século passado a pauta
ambientalista ganhou destaque e tornou-se assunto da agenda mundial.
Um dos principais pontos discutidos era, e ainda é, o aquecimento global, resultado do
aumento das emissões de gases de efeito estufa (GEE) na atmosfera. Por ser fruto de
atividades cujas consequências ambientais não se limitam às fronteiras estatais, concluiu-se
que os esforços para o controle das emissões deveriam ser globais, principalmente porque os
países que mais sofrem com os efeitos dos GEE são justamente os países menos
desenvolvidos, ou seja, os que menos poluem, o que gera e reflete uma grande injustiça
ambiental.
A partir desse contexto aconteceu na cidade de Estocolmo, em 1972, a primeira grande
conferência internacional das Nações Unidas sobre o clima: a Conferência Mundial sobre o
Homem e o Meio Ambiente. Esse evento foi um marco histórico, pois evidenciou o despertar
dos países no sentido de que suas ações do presente podem trazer consequências desastrosas
para as futuras gerações. Assim, como produto dessa conferência, os países se
comprometeram a adotar medidas para minimizar os impactos ambientais oriundos da
atividade humana, visando à garantia de um Planeta digno para a posteridade.
Já no ano de 1980, foi criado pela ONU o Painel Intergovernamental sobre Mudanças
Climáticas. Esse órgão estaria incumbido de realizar relatórios científicos sobre os impactos
das ações antropogênicas no clima, principalmente relativos às emissões de GEE.
(BERTOLDI, 2016). O primeiro relatório foi publicado em 1990 e seus resultados levaram à
criação da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima na Rio-92 que,
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por sua vez, definiu como meta central a estabilização dos níveis de GEE na atmosfera a um
grau que não interferisse no clima mundial. (GRA, 2005).
Embora possa ser considerada um enorme avanço em termos de controle das emissões
de GEE, a Convenção não possui caráter obrigacional, com possibilidade de sanções nos
casos de violação de suas diretrizes. (HOPPE et al, 2011). Dessa forma, tornou-se necessária a
criação de outro mecanismo, capaz de assegurar o cumprimento e a eficácia das resoluções
trazidas pela Convenção-Quadro: o Protocolo de Quioto.
a redução das emissões antrópicas por fontes ou o aumento das remoções antrópicas
por sumidouros de gases de efeito estufa em qualquer setor da economia
(PROTOCOLO DE QUIOTO, art. 6°).
média na Terra inferior a dois graus além dos níveis pré-industriais, empenhando-se para que
esse aumento seja inferior a um grau e meio (ACORDO DE PARIS, art. 2°, a).
A partir dos aprendizados proporcionados pelo insucesso do Protocolo de Quioto, o
Acordo de Paris inovou em diversos aspectos e trouxe mecanismos a fim de não ter o mesmo
fim de seu antecessor.
Uma das principais diferenças entre as duas convenções internacionais diz respeito ao
Princípio da responsabilidade comum porém diferenciada. Apesar de o Acordo de Paris
manter tal Princípio, ele se expressa de maneira bem diversa. Como dito anteriormente, todos
os países têm responsabilidade no cumprimento da meta. No entanto, os países desenvolvidos
devem exercer um papel de liderança para que o objetivo central seja atingido,
comprometendo-se a transferir 100 bilhões de dólares aos países em desenvolvimento, através
do chamado “Fundo Verde”.
Outro ponto relevante do Acordo de Paris, que se diferencia do Protocolo, são as
metas estabelecidas para os países, individualmente. Cada país ficou responsável por
estabelecer suas próprias obrigações, conhecidas como Contribuições Nacionalmente
Determinadas (NDC, na sigla em inglês). Dessa forma, cada Estado determina o que seria
exequível para si, considerando sua conjuntura econômica e social (ACORDO DE PARIS,
arts. 3° e 4°).
Pode-se dizer que o ponto acima foi um dos principais motivos para a adesão em
massa ao Acordo: foi aprovado por 195 dos 197 países Partes, sendo negado apenas pela
Nicarágua e pela Síria. Desse cenário, oposto do Protocolo, é possível verificar que metas
excessivamente elevadas e que não consideram as especificidades de cada país, levam a uma
insatisfação e, consequentemente, à não adesão dos países. Dessa forma, é preferível o esforço
em se alcançar objetivos mais tímidos e singelos que serão efetivamente cumpridos.
Ademais, o Acordo estabeleceu que as NDCs devem ser revistas a cada 5 anos, a partir
de 2023. Dessa forma, além de prestar contas de suas contribuições nacionalmente
determinadas, as Partes devem estabelecer metas cada vez mais ambiciosas, que acompanhem
o seu desenvolvimento, impeçam o retrocesso e que promovam a integridade ambiental.
As principais Contribuições Nacionalmente Determinadas do Brasil referem-se à
redução de 37% nas emissões de gases de efeito estufa até 2025, tendo como ponto de partida
as emissões de 2005 e a subsequente redução de 43% das emissões até 2030 (BRASIL, 2015).
Nesse sentido, cabe ressaltar que uma das preocupações do país ao implementar suas
contribuições têm como referência o Plano Nacional de Adaptação (PNA) na medida em que
este reforça, além da necessária capacidade de adaptação às novas medidas, a importância da
avaliação e da gestão de vulnerabilidades e riscos climáticos como estratégia de
desenvolvimento nacional.
Assim, para atingir seus objetivos, consideravelmente ousados, o Brasil deve
promover políticas que, dentre outras, impulsionem as fontes renováveis de energia, que
recuperem as áreas desmatadas e que caminhem no sentido contrário das ações internas
adotadas nos últimos anos pelo governo federal que, além de totalmente incompatíveis com as
metas propostas do acordo, violam o Princípio do não retrocesso, tão caro ao direito
ambiental. Dentre essas ações pode-se citar: a diminuição das Áreas de Preservação;
mudanças no licenciamento ambiental e do Código Florestal e, mais recentemente, a extinção
de reserva nacional com área superior a 46 mil km para exploração de minérios na Amazônia.
2
manifestou sua vontade de se retirar do Acordo, alegando ser ele injusto, pois cria
desvantagens para o seu governo em detrimento de beneficiar outros países. No entanto, o
documento, em seu artigo 28, autoriza a denúncia dos países membros apenas três anos após
sua entrada em vigor, o que aconteceu em 4 de novembro de 2016. Portanto, embora
provável, ainda é cedo para afirmar que os Estados Unidos realmente abandonarão o Acordo
de Paris.
Por ser o segundo maior emissor de GEE e a principal potência mundial, a saída dos
Estados Unidos, por certo, tornaria o acordo mais fraco. O país é responsável por 28% das
emissões globais de carbono e detém fonte significativa de recursos para a criação e a
implementação de tecnologias sustentáveis nos países em desenvolvimento.
Contudo, não seria correto afirmar que a denúncia americana inviabilizaria o Acordo
por completo. Com o espaço vago deixado pelos Estados Unidos, é de se esperar que outros
países ganhem destaque e manifestem-se como protagonistas na proteção internacional do
meio ambiente. Assim, China e União Europeia, por exemplo, poderiam assumir a liderança
global para o efetivo cumprimento do Acordo.
Não obstante a importância do Acordo de Paris, principalmente em relação ao
comprometimento global de se promover ações concretas para garantir a diminuição dos
GEE, algumas ressalvas devem ser feitas. Primeiramente, o Acordo poderia ser mais
inquisitivo na limitação do aquecimento global em 1,5 graus e estabelecer uma data limite
para o fim da utilização dos combustíveis fósseis. Entretanto, o ponto mais grave é que
mesmo se todas as metas forem cumpridas por todos os países, é de se esperar que a
temperatura global aumente em torno de 3 graus até 2030 (WATSON, 2016). Assim, a fim de
que o escopo central do documento possa ser logrado, os Estados devem estabelecer metas
mais audaciosas e com prazos de revisão mais curtos.
Ademais, há de se destacar a atuação de ONG’s, empresas, sociedade civil em geral e
governos sub federais uma vez que é dever de todos buscar mecanismos de proteção
ambiental, inclusive o não estatal, e exigir que a atuação governamental considere o
desenvolvimento limpo e sustentável do Planeta.
3. Considerações finais
Referências
DA SILVA, Iury Aragonez; DE CARVALHO, Samuel Rufino. Uma ordem mundial pós-
Kyoto: instabilidades e viabilidades dos mecanismos de flexibilização. Conjuntura Global,
v. 4, nº 3, 2015.
GRA, Leticia de Lara Cardoso. O Protocolo de Quioto e o contrato internacional de compra e
venda de créditos de carbono. Revista Brasileira de Direito Internacional-RBDI, v. 2, nº 2,
2005.
WATSON, R. et al. The truth about climate change. Fundación Ecológica Universal (FEU):
Buenos Aires, 2016.
269
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Perspectivas e desafios para a proteção do meio ambiente na contemporaneidade
Universidade Federal de Minas Gerais 2017
Palavras-chave: direito do mar; ONU; convenção das nações unidas sobre direito do mar;
delimitação; marítima.
Abstract: The United Nations Convention on the Law of the Sea - UNCLOS has
consolidated the Law of the Sea, which is now a new branch of Law. Among several
contributions, this Convention establishes a normative framework for managing ocean spaces,
how to use it and the resources available. UNCLOS contains rules that govern the territorial
sea, contiguous zone, exclusive economic zone, continental shelf and high seas. In this article,
we analyze a case judged by the International Court of Justice, between Romania and
Ukraine, on the maritime delimitation in the Black Sea.
Keywords: law of the sea; UN; united nations convention on the law of the sea; delimitation;
maritime
138 Professora de Processo Penal, Prática Simulada Penal e Direito Ambiental da Instituição de Ensino Nova
Faculdade. Mestranda em Direito Ambiental pela Escola Superior Dom Helder Câmara. Especialista em
Ciências Criminais pela Faculdade Newton Paiva. Advogada. Email: flaviaf2005@yahoo.com.br
139 Professora de Direito Internacional Privado, Introdução ao Estudo do Direito e Língua Portuguesa da
Instituição de Ensino Nova Faculdade, Especialista em Psicopedagogia e Programa internacional de
enriquecimento Instrumental e Formação de Oficiais do Exército, Graduada em Direito pela UFPR e Graduada
em Letras pela UFMG. Advogada. Email: joelmabeatrix@gmail.com
140 Mestranda em Direito pela Escola Superior Dom Helder Câmara. Promotora de Justiça no Maranhão.
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1. Introdução
2. Direito do mar
O mar territorial, voltado para o cenário interno brasileiro, até 1966, manteve-se em
três milhas; quando, posteriormente, aumentou para 6 milhas, e, em 1969 estendeu-o para 12
milhas. No entanto, foi em 1970, por meio do Decreto nº 1.098/70, que o governo brasileiro
em ato unilateral tomou a decisão de ampliar seu mar territorial para 200 milhas marítimas.
No plano interno, diversos motivos contribuíram para a extensão do mar territorial
brasileiro para as duzentas milhas marítimas, sendo que a repercussão, à época, foi positiva,
uma vez que, no Congresso, os representantes do partido político MDB (Movimento
Democrático Brasileiro) uniram-se, pela primeira vez, aos seus opositores da ARENA
(Aliança Renovadora Nacional) para ratificar com entusiasmo um ato do governo, que
alargava a fronteira marítima nacional.
Como um jogo político, tendo em vista a atual conjuntura política que o governo
enfrentava, particularmente difícil, havia necessidade e urgência de medidas que causassem
impactos positivos aos brasileiros. Nessa época, o Brasil passava por um importante momento
político, havia um ano de vigência do ato institucional nº5, e os militares precisavam divulgar
aspectos positivos de sua ação governamental.
Nessa esteira, de acordo com Carvalho (CARVALHO, 1999, p. 100): “(...) houve,
então, a previsão que uma eventual ampliação do mar territorial brasileiro para duzentas
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Perspectivas e desafios para a proteção do meio ambiente na contemporaneidade
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milhas marítimas por parte do governo teria um impacto político positivo sobre a população.
Provia-se, ainda, que até mesmo os representantes da oposição não poderiam deixar de dar
apoio a uma medida governamental tão nitidamente nacionalista”.
Assim, o instituído Decreto-lei nº 1.098 de 1970, instrumento utilizado para a
ampliação do mar territorial para 200 milhas, fixava em seu artigo 1º: “o mar territorial do
Brasil abrange uma faixa de duzentas milhas marítimas de largura, medidas a partir da linha
de baixa-mar do litoral continental e insular brasileiro”. Reconhecia, desde já, o direito de
passagem inocente em seu artigo 3º: “é reconhecido aos navios de todas as nacionalidades o
direito de passagem inocente no mar territorial brasileiro”.
Insta salientar, que à época, ainda não havia qualquer norma de Direito Internacional
em vigor que determinasse aos Estados até qual limite poderiam, os Estados, estender seu mar
territorial. Nessa perspectiva, antes do Decreto brasileiro nº 1.098/70, foram o Chile e o Peru,
em 1947, também em ato unilateral, que adotaram 200 milhas como limite da soberania e
jurisdição nacional. Dessa forma, vários países do continente, com suas particularidades, por
ato unilateral, estenderam os limites de suas soberanias e jurisdições nacionais, iniciando por
Costa Rica, 1948, até o Brasil, em 1970.
O debate atravessou a década de 1970 e foi concluído somente em 1982, com a
realização da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, em MontegoBay, na
Jamaica, que adotou o limite de 12 milhas para o mar territorial e inovou ao criar as zonas
econômicas exclusivas, de 200 milhas. Nesse sentido, a CNUDM, artigo 3º, determina: “todo
Estado tem o direito de fixar a largura do seu mar territorial até um limite que não ultrapasse
12 milhas”.
No mesmo sentido, a Lei nº 8.617, de 4 de janeiro de 1993, que dispõe sobre o mar
territorial, a zona contígua, a zona econômica exclusiva e a plataforma continental brasileiros,
determina: “Art. 1º O mar territorial brasileiro compreende uma faixa de doze milhas
marítima de largura, medidas a partir da linha de baixa-mar do litoral continental e insular, tal
como indicada nas cartas náuticas de grande escala, reconhecidas oficialmente no Brasil.”
Por fim, a ausência de uma convenção que regulasse a delimitação dos espaços
marítimos, durante anos, trouxe uma série de conflitos entre Estados como se verá a seguir.
Graves entraves foram travados pela falta de consenso sobre a extensão das águas
territoriais, mesmo em países que possuíam boas relações. Nesse ponto de vista, em 1956,
ocorreu a “Guerra do Salmão”, em que o governo norte-americano apreendeu barcos
pesqueiros peruanos sob alegações de que estavam dizimando cardumes junto às costas do
Oceano Pacífico. Dois anos depois, em 1958, Inglaterra e Islândia travaram a "Guerra do
Bacalhau", que culminou com troca de tiros de canhão. E, logo em seguida, houve a "Guerra
do Arenque", em que a Guatemala reclamava pela incursão em suas águas de barcos
noruegueses.
A denominada “Guerra da Lagosta”, travada em 1963, em que os Franceses
argumentam que pescavam fora do mar territorial e brasileiros contra-argumentavam que,
embora nosso mar territorial, à época, fosse de três milhas marítimas, eles estavam pescando
na plataforma continental. Neste sentido, diversos conflitos estiveram, na maioria das vezes,
relacionados à falta de regulamentação dos espaços marítimos, dentre eles, muitos gerados
por confusões entre mar territorial e zona econômica exclusiva.
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Perspectivas e desafios para a proteção do meio ambiente na contemporaneidade
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Plataforma continental é a extensão natural do solo mar adentro, até o limite do talude
continental. A Convenção sobre Direito do Mar, artigo 77, parágrafo primeiro, determina o
direito do Estado costeiro sobre a plataforma continental: “O Estado costeiro exerce direitos
de soberania sobre a plataforma continental para efeitos de exploração e aproveitamento dos
seus recursos naturais”.
Com a nova determinação, somente o Estado costeiro poderá explorar e aproveitar os
recursos disponíveis na plataforma continental, exceto quanto o próprio Estado consentir, ou
seja, somente podem ser explorados pelo Estado costeiro ou sobre seu consentimento: “Os
direitos a que se refere ao parágrafo 1º, são exclusivos no sentido de que, se o Estado costeiro
não explora a plataforma continental ou não aproveita os recursos naturais da mesma,
ninguém pode empreender essas atividades sem o expresso consentimento desse Estado”.
O conceito de plataforma continental está disposto no artigo 76, parágrafo primeiro:
No mesmo sentido, a Lei 8.617, de 1993, consoante seu art. 11, a plataforma
continental: “A plataforma continental do Brasil compreende o leito e o subsolo das áreas
submarinas que se estendem além do seu mar territorial, em toda a extensão do
prolongamento natural de seu território terrestre, até o bordo exterior da margem continental,
ou até uma distância de duzentas milhas marítimas das linhas de base, a partir das quais se
mede a largura do mar territorial, nos casos em que o bordo exterior da margem continental
não atinja essa distância”.
Ressalta-se que a água que encobre a plataforma continental possui farta vida marinha
e considerável parte da pesca mundial se realiza nesta zona. Além disso, reafirma-se que é
nela que se encontra a maior parte da produção mundial de petróleo e gás procedentes das
rochas que se encontram submersas.
Segundo a Convenção, o Estado costeiro também exerce jurisdição sobre as ilhas
artificiais, as instalações e as estruturas sobre a plataforma continental, conforme artigo 80 c/c
60; as atividades de perfuração, art. 81; a colocação de cabos e dutos, art. 79; a pesquisa
marinha científica, art. 238; e a proteção e preservação ambiental, art. 208.
Todavia, a CNUDM, de modo específico, permitiu que os Estados costeiros que
pretendessem delimitar a sua plataforma continental além das 200 milhas náuticas, até um
limite de 350 milhas, das linhas de base sob as quais o mar territorial é medido, poderiam
submeter os dados e informações relevantes à Comissão sobre Limites da Plataforma
Continental – CLPC, órgão avaliador da CNUDM.
A Marinha do Brasil salienta que: “(…) caso a margem continental se estenda além
das 200 MN, o Estado costeiro poderá pleitear junto à ONU o prolongamento da PC, até um
limite de 350 MN, o que necessita ser comprovado, tecnicamente, mediante os apropriados
levantamentos. Em setembro de 2004, o Brasil apresentou à ONU seu pleito de extensão da
PC, coroando um grande esforço nacional, no qual, durante cerca de dez anos, com a
participação ativa da MB, da comunidade científica e da Petrobras, foram coletados 230 mil
km de dados”.
O Brasil foi um dos primeiros países signatários da Convenção a solicitar a plataforma
continental estendida e, até o presente momento, o pedido foi parcialmente concedido. Em
termos práticos, a plataforma continental estendida garante ao Brasil soberania na exploração
sobre os recursos daquela área, onde nenhum outro Estado poderá exercer essa exploração, a
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não ser mediante consentimento do governo brasileiro, nos termos da Convenção. E, por
derradeiro, a Convenção trouxe o conceito de alto mar, a seguir delineado.
3.1.4 O alto mar
Passados mais de trinta anos após abertura para assinatura e vinte anos após sua
entrada em vigor, a CNUDM continua a fornecer uma resposta eficaz, abrangente e global no
quadro jurídico internacional para os mares e oceanos.
Inclusive eles fornecem vitais recursos para sobrevivência humana, além de exercerem
papel fundamental na regulação do clima, na segurança alimentar, fornecendo subsistência
para milhões de pessoas, fontes de energia, meios de transporte, e desempenham um papel
central nas culturas de muitas comunidades costeiras. Portanto, são muito importantes para o
desenvolvimento econômico e social dos Estados e pode ajudar na erradicação da desnutrição,
no alívio da pobreza e no aumento do nível de vida.
No entanto os benefícios e as oportunidades que os oceanos podem fornecer a curto e
longos prazos estão subordinados a geri-los de forma sustentável e equitativa. Esta é uma
tarefa muito desafiadora considerando que os oceanos e seus recursos continuam sob
crescente atividade humana insustentável, tanto no mar como em terra, incluindo a pesca
excessiva e ilegal, não declarada e não regulamentada, a poluição, mudanças climáticas e os
impactos da acidificação dos oceanos, destruição dos habitats marinhos e extração
insustentável de não-vivos, recursos marinhos, para citar apenas alguns. Além disso, disputas
marítimas e atividades criminosas no mar também afetam direta e indiretamente.
Em contrapartida, a Convenção de Montego Bay regula e determina os limites da
soberania e jurisdição, bem como consolida princípios costumeiros, os quais deverão ser
observados pelos Estados na utilização conjunta dos mares e oceanos, na tentativa de aplacar
problemas distintos relacionados ao Direito do Mar.
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6. Considerações finais
Conclui-se que antes do advento da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do
Mar os Estados viviam sob conflitos de vários tipos com relação à ausência de um
instrumento eficaz que delimitasse os espaços marítimos, e nesse sentido, ela trouxe
significativa contribuição criando e delimitando o mar territorial, a zona econômica exclusiva,
a plataforma continental, dentre outros espaços marítimos não menos importantes.
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Além disso, a CNUDM trouxe estabilidade nas relações internacionais, bem como
mecanismos eficientes de solução de controvérsias, como se viu a partir do caso relacionado
entre Romênia e Ucrânia levado à Corte Internacional de Justiça para a delimitação do mar
territorial e da zona econômica exclusiva entre os opostos e adjacentes Estados, no Mar
Negro.
Dessa forma, a Convenção se configura num instrumento de aplicabilidade do Direito
do Mar de suma importância, mas pouco estudado e explorado, servindo como vasto espaço
para futuros estudos.
Referências
ITLOS. International Tribunal for the Law of the Sea. Disponível em:
<https://www.itlos.org/fileadmin/itlos/documents/cases/case_no.20/C20_Order_15_12_2012.
pdf.> Acesso em: 29 jun. 2016.
Resumo: O presente trabalho tem como objetivo verificar as principais repercussões do novo
Código Florestal e as tensões oriundas do Código Florestal, que completou 5 anos de vigência
no ano de 2017. Para tanto, analisaremos os principais questionamentos feitos ao Código em
sede constitucional, bem como traçaremos um paralelo entre esta fonte normativa e os
princípios de Direito Ambiental Internacional.
Palavras-chave: direito ambiental; Código Florestal brasileiro; efetividade; soft Law; hard
law.
Abstract: This paper aims to check the main effects of the new Forest Code, which completed
5 years in 2017, as well as its results. Therefore, the paper analyses the elements in
constitutional scope, and compare this law with the principles of International Environmental
Law.
Keywords: environmental law; brazilian forest code; effectiveness; soft law and har law.
1. Introdução
A legislação ambiental passou por uma série de evoluções ao longo do tempo até
chegar ao momento atual, em que o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado
encontra respaldo constitucional e, por conseguinte, não poderá sofrer retrocessos em seu
ordenamento já constituído, ao menos em princípio.
O “novo” Código Florestal, datado de 25 de maio de 2012, apresenta um esforço do
legislador no sentido de regulamentar a proteção da vegetação, Áreas de Preservação
Permanente (APPs) e as Áreas de Reserva Legal, a exploração florestal e o controle dos
produtos que dela advêm. No entanto, o texto normativo apresenta problemas, sendo uma de
suas previsões mais controversas a anistia ao intenso desmatamento na Amazônia e no
141
Graduando de Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais.Email: matheusjosedias@gmail.com
142
Graduando de Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais.
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Perspectivas e desafios para a proteção do meio ambiente na contemporaneidade
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Cerrado, além das modificações nos critérios de definição das Áreas de Preservação
Permanente.
A questão da efetividade do Código também é um problema, pois algumas de suas
medidas, como o Cadastro de Ambientação Rural (CAR), ainda não foram implementadas.
Nesse sentido, este trabalho propõe a retomada da discussão principiológica do Direito
Ambiental Internacional que, desde a década de 70, com a Convenção de Estocolmo,
configura um esforço da comunidade internacional para o reconhecimento do direito ao meio
ambiente como um direito humano.
Este trabalho propõe-se a realizar breves considerações, sem pretensão de esgotar o
tema, sobre o Código Florestal, apresentando os questionamentos suscitados no Supremo
Tribunal Federal, retomando também a perspectiva do Direito Internacional, a fim de
enfrentar a questão da efetividade das normas ambientais no Brasil.
(…) sem transparência, não há controle social, os problemas e os gargalos não são
identificados e solucionados de maneira eficiente, a sociedade, o mercado e o
sistema de crédito, mais especificamente, perdem a possibilidade de atuar de
maneira propositiva e de realizar a cogestão do processo, além de ocultar a atuação
de grupos com interesses escusos ligados à grilagem e ao desmatamento ilegal
(OBSERVATÓRIO FLORESTAL, 2017, p. 10).
ou delegação (SHAFFER; POLLACK, 2010. p. 714). A título de exemplo, seriam soft law as
declarações, as instruções, as recomendações e as resoluções de agências internacionais.
Os princípios de Direito Ambiental Internacional, provenientes das declarações
elaboradas nas Convenções de Estocolmo em 1972 e do Rio de Janeiro em 1992 são também
exemplos de soft law. Isso não significa, contudo, que eles sejam vazios em seu conteúdo
normativo. A Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento indica, em seu
Princípio 3, que “o direito ao desenvolvimento deve exercer-se de forma tal que responda
equitativamente às necessidades de desenvolvimento e ambientais das gerações presentes e
futuras”. Indica, ainda, em seu Princípio 4, que “a fim de atingir o desenvolvimento
sustentável, a proteção do ambiente deverá constituir parte integrante do processo de
desenvolvimento e não poderá se considerar em forma isolada”.
O problema das normas soft law é que elas, apesar de serem um importante passo
inicial para a regulamentação ambiental, ajudando na sedimentação dos discursos relativos ao
meio ambiente, muitas das vezes são simplesmente ignoradas. Os princípios e recomendações
têm a função de suprir as lacunas legais, conferindo operacionalidade ao sistema jurídico,
oxigenando-o, portanto. Uma norma flexível, no entanto, não é equivalente a uma norma
inexistente. Tomemos como exemplo a cláusula geral da boa-fé no Direito Civil brasileiro:
apesar de maleável, a construção argumentativa doutrinária e jurisprudencial confere
concretude ao princípio. Do mesmo modo deveria acontecer a aplicação do princípio de
desenvolvimento sustentável, por exemplo. Contudo, o que se observa são os interesses
econômicos ditando a aplicação do princípio, que se torna residual.
Ora, o Código Florestal, elaborado, em princípio, sob a lógica do desenvolvimento
sustentável, apesar de caracterizado como hard law, vem sendo esvaziado em sua aplicação,
tal qual as normas soft law. A flexibilização da proteção das APPs, bem como a inefetividade
dos mecanismos previstos pela lei indicam que o interesse socioeconômico sobrepõe-se à
necessidade de proteção ao meio ambiente, prejudicando, assim, o equilíbrio entre os fatores
social, econômico e ecológico almejado pelo desenvolvimento sustentável.
6. Considerações finais
Referências
LOUBET, Luciano Furtado. Dois anos do novo Código Florestal: breves anotações pontuais
sobre a Lei nº 12.651/2012. Disponível em <http://www.mpambiental.org/site/review/72>
Acesso em: 03 set. 2017.
MUKAI, Toshio. O novo Código Florestal: anotações à Lei 12.651, de 25 de maio de 2012,
com as alterações da Lei 12.727 de 17 de outubro de 2012. Rio de Janeiro: Forense, 2013.
SHAFFER, Gregory C.; POLLACK, Mark A. Hard vs. soft law: alternatives, complements,
and antagonists in international governance. Minnesota Law Review, v. 94, 2010, p. 706-
799.
SOARES-FILHO, Britaldo; RAJÃO, Raoni. Cracking Brazil’s Forest Code. Science, v. 344,
2014, p. 363-364.