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FOZ DO RIO SÃO FRANCISCO – CHANCELA DA PAISAGEM CULTURAL

BRASILEIRA

MARTINS, FÁTIMA DE M. (1); MONGELLI, MÔNICA DE M. (2)

Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan


Departamento do Patrimônio Material e Fiscalização – Depam
Coordenação-Geral de Patrimônio Natural – CGPN
SEPS Quadra 713/913 Bloco D 3º andar - Asa Sul
CEP.70.390-135 Brasília/DF
(1) fatima.martins@iphan.gov.br
(2) monica.mongell i@iphan.gov.br

RESUMO
No âmbito de uma política que procurava direcionar estudos para realizar o mapeamento cultural de
territórios, foi executado o inventário do patrimônio cultural das localidades ribeirinhas do Rio São Francisco,
abrangendo cinco estados da Federação: Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Sergipe e Alagoas. Esta
iniciativa teve como desdobramento a criação de grupos de trabalho interinstitucionais destinados a realizar
ações de preservação e difusão do patrimônio. Por meio de uma solicitação formal de tombamento da Foz
do Rio São Francisco, o Iphan voltou seu olhar para esta região e, a partir de um seminário local que
envolveu entes públicos e privados, colocou a chancela da Paisagem Cultural Brasileira como o instrumento
mais adequado a tratar da complexidade da área em questão. A proposta foi aceita pelos participantes do
evento e o Iphan iniciou estudos visando à compreensão da área em seus aspectos humanos, histórico,
geográfico, paisagístico e ambiental. Para dar cabo a semelhante tarefa, será contratada uma empresa
especializada formada por técnicos da área de arquitetura, geografia cultural, história e antropologia, os
quais aplicando as metodologias de inventário de conhecimento e outras bases existentes no Iphan irão
fornecer os subsídios necessários à criação de um Plano de Preservação da Foz do São Francisco e a uma
proposição de Pacto a ser firmado entre os diversos atores sociais.

Palavras-chave: Paisagem Cultural. Foz do Rio São Francisco. Patrimônio Cultural. Patrimônio Ambiental.
Gestão Compartilhada.
1. INTRODUÇÃO
O Brasil reúne bens culturais diversos e belezas naturais únicas, cujo reconhecimento e
proteção constituem dever da sociedade brasileira. Na área cultural, o Iphan e os órgãos
de preservação estaduais e municipais representam a população e promovem, através
dos respectivos instrumentos legais, a proteção e valorização do patrimônio. Dentre esses
instrumentos, destacamos a Chancela da Paisagem Cultural Brasileira, criada pela
Portaria Iphan nº.127/2009 para preservar porções territoriais singulares do Brasil.
Ainda em fase de experimentação, já que se trata de um instrumento recente, a chancela
foi criada para valorizar expressões culturais materiais e imateriais representativas das
tradições dos diversos grupos sociais nas diferentes regiões do Brasil, mantendo vínculos
indissociáveis com as paisagens.
A preservação desse patrimônio dinâmico, relacionado aos modos de vida das
comunidades nessas porções territoriais, às memórias e identidades locais, deve ser
considerada no escopo das políticas públicas e das ações estratégicas de
desenvolvimento econômico e social do país. Isso inclui entender o patrimônio como um
caminho para o desenvolvimento, buscando, entre outros, a qualidade de vida dos grupos
sociais, a salvaguarda das referências culturais, o ambiente equilibrado, as alternativas
para a geração de renda e a garantia de que esse legado cultural e ambiental venha a
beneficiar as gerações futuras.
Desse modo, é importante assistir os grupos sociais, que muitas vezes se encontram em
situação vulnerável e, junto a eles e a outros envolvidos por meio de parceria, articular
ações de valorização, planejamento e gestão do patrimônio.
Entre os passos necessários para o estabelecimento da chancela, que é uma espécie de
selo de qualidade, está a pactuação entre os diversos agentes, que podem ser
representantes do poder público, da sociedade civil e da iniciativa privada, todos
trabalhando em prol da preservação dos valores de determinada paisagem cultural.
Em princípio, consideramos a paisagem da Foz do Rio São Francisco como merecedora
de reconhecimento, por conta de seus atributos culturais e ambientais singulares. Trata-
se de um lugar excepcional, com formações paisagísticas notáveis, diversidade de
ecossistemas correlacionados – como restingas, mangues, dunas – em que a água
estrutura a paisagem através de barras e meandros do rio, culminando no imbricado
encontro entre o rio e o mar. Nesse ambiente natural paradisíaco, iluminado com luz
nordestina e profusão de cores tropicais, encontram-se diversos exemplares da fauna
local, entre peixes, aves, crustáceos, mariscos. Para além dos atributos ambientais, são
identificáveis múltiplos valores patrimoniais, os quais serão detalhados no corpo do artigo.
Esse artigo pretende mostrar os caminhos trilhados institucionalmente desde a concepção
do trabalho temático e territorial de identificação do Patrimônio Cultural dos municípios na
calha do Rio São Francisco, em escala nacional, até os desdobramentos em reuniões
regionais e locais, que culminaram com a solicitação para que o Iphan orientasse e
desenvolvesse o trabalho de preservação da Foz do Rio São Francisco. O intuito de
apresentar esse percurso de ações e trabalhos realizados é o de contextualizar inclusive
o instrumento da Chancela da Paisagem Cultural Brasileira, cuja gênese está ligada ao
mesmo momento do panorama institucional.
No decorrer do texto, são apresentadas algumas razões que levaram à necessidade de
criação do instrumento da chancela, e em quê difere dos demais disponíveis, sendo
inclusive debatidos alguns pontos desafiadores inerentes ao seu estabelecimento prático,
como o processo de pactuação entre os agentes e o próprio Plano de Gestão
compartilhada.
Ao final, são apresentadas as opções atuais do Iphan para a continuidade desse trabalho
e as ações sendo realizadas para o reconhecimento da Paisagem Cultural da Foz do Rio
São Francisco.

2. RIO SÃO FRANCISCO – O PROCESSO E O IDEÁRIO DO TRABALHO


INSTITUCIONAL
Quando o Iphan se propôs a abordar o patrimônio cultural do Rio São Francisco,
envolvendo cinco Estados da Federação (Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Sergipe e
Alagoas), sobressaía a necessidade de se identificar o território em sua complexidade,
considerando o patrimônio cultural e natural, a geodiversidade, as diferentes formações
paisagísticas e as manifestações culturais dos variados grupos sociais em municípios
selecionados da calha do rio. Estava em pauta a valorização da expressividade dos bens
culturais em porções ampliadas do território, observando se formavam conjuntos e se
havia nexos entre eles, constituindo as chamadas redes do patrimônio, nas quais
temáticas de cunho econômico-social e histórico recebiam destaque. Em busca dessas
narrativas e da ampliação do estoque patrimonial, e ainda no âmbito dos inventários de
conhecimento, sistematizados através do SICG – Sistema Integrado de Conhecimento e
Gestão, o Rio São Francisco – Rio da Integração Nacional ou Rio da Unidade Nacional –
foi priorizado.
No decorrer dos trabalhos visando à definição de ações voltadas para a preservação do
patrimônio cultural relacionado ao rio, e atentando para as diferenças regionais e grandes
distâncias a serem percorridas, foi inevitável reforçar a divisão geográfica corrente: Alto,
Médio, Sub-médio e Baixo São Francisco. Como dados gerais extraídos do inventario do
patrimônio cultural do rio São Francisco, este apresenta uma extensão de
aproximadamente 2700 km, com a nascente no município de São Roque de Minas – MG,
e a foz entre Sergipe e Alagoas, nos municípios de Brejo Grande e Piaçabuçu. Sua bacia
hidrográfica tem uma superfície de aproximadamente 640 mil km², correspondendo a
cerca de 8% do território nacional (CBHSF, 2004). Nela vivem cerca de 15,5 milhões de
pessoas, distribuídas por 503 municípios. A divisão corrente em trechos corresponde às
quatro regiões geográficas classificadas como: I. a faixa das cabeceiras – Alto São
Francisco; II. o verdadeiro coração do rio – Médio São Francisco; III. a faixa das
corredeiras e cataratas, quase contínuas – Sub-médio São Francisco; e IV. a faixa
virtualmente ao nível do mar – Baixo São Francisco. (fonte: FARE, Demacamp,
2009/2010).
Figura 1 – Expressões do Patrimônio Cultural do Rio São Francisco

Fonte: Acervo Iphan, 2009 e 2010.

Após a realização do inventário e a partir dos valores culturais aferidos, o Iphan se


aproximou de parceiros potenciais para o desenvolvimento dos trabalhos de preservação.
Esses representantes e outros interessados foram se envolvendo a partir de seminários e
discussões temáticas em fóruns específicos, que passaram a se realizar também
regionalmente, como um reforço a que as ações se desdobrassem entre os parceiros
agrupados em nível regional e local, com maior vinculação ao território.
Foram formados grupos de trabalho regionais, que expressaram suas expectativas e
projetos relacionados ao patrimônio cultural do rio. Entre as propostas que refletiam os
anseios dos grupos de trabalho, figurou a solicitação do tombamento da paisagem da Foz
do Rio São Francisco. Coube então ao Iphan, imbuído do seu dever de examinar a
solicitação expressa, refletir sobre a adequação do instituto do tombamento ao caso em
pauta. Uma questão relevante, após a necessária consideração sobre os valores que
justificariam o tombamento, foi sobre os efeitos posteriores deste, os quais estão
fundamentados e organizados pelo Decreto-lei nº.25/1937 e outras bases legais,
implicando a fiscalização pelo Iphan de uma grande área distante das sedes das unidades
administrativas e que apresenta dificuldades para locomoção. Porém, esse lado da
questão não foi visto isoladamente – atentou-se para as características peculiares do
lugar, suas potencialidades e a existência de um grupo disposto a lutar pela preservação
do vasto patrimônio local. É certo que outras ações vinham sendo tentadas para proteger
o ambiente, entre as quais a criação, pelo Ministério do Meio Ambiente/ Instituto Chico
Mendes de Biodiversidade - ICMBio, de uma APA federal da Foz do São Francisco. De
qualquer maneira, tornava-se necessário observar a presença do elemento humano e sua
relação com a realidade físico-territorial – uma relação estreita e baseada na convivência
respeitosa com o elemento natural por meio de técnicas não predatórias e desenvolvidas
desde os primeiros tempos de ocupação do rio.
Para dar continuidade a essas discussões, o Iphan junto à Associação Canoa de Tolda –
Sociedade Socioambiental do Baixo São Francisco, a Universidade Federal de Alagoas –
UFAL e outros parceiros promoveram o Seminário “Patrimônio Cultural e Natural do Baixo
São Francisco”, ocorrido em maio de 2012, nas dependências da UFAL, na cidade de
Penedo/AL. Na ocasião, representantes do Iphan, de universidades e da sociedade civil
colocaram a necessidade de se proteger a foz do rio, devido a sua rica e variada
expressão patrimonial. Por meio de palestras e de uma oficina entre os participantes,
foram debatidos alguns instrumentos de proteção do patrimônio. Como conseqüência, ao
final, o grupo reunido solicitou ao Iphan que prosseguisse com os trabalhos de
reconhecimento do valor cultural da Foz do Rio São Francisco, com vistas ao
estabelecimento da chancela da Paisagem Cultural Brasileira, nos moldes da Portaria
Iphan nº.127 de 2009.
Para tanto, foram esclarecidos certos pressupostos do reconhecimento de uma Paisagem
Cultural Brasileira, como: o necessário trabalho compartilhado entre os parceiros pela
preservação do patrimônio; a delimitação do objeto e de sua área de ocorrência; o
envolvimento das comunidades locais e seu desejo de integração e articulação; a
possibilidade de se avançar com o planejamento territorial e urbano junto aos variados
atores com poder de gestão do território; a necessária elaboração do Dossiê da Paisagem
Cultural para apresentação ao Conselho Consultivo do Iphan e posterior homologação
pela Ministra da Cultura; o fato de a chancela ser uma declaração de valor, válida por dez
anos, e que pode ser mantida mediante relatórios de monitoramento dos trabalhos de
preservação, entre outros.
Chancelar uma área como paisagem cultural implica observar as relações de interação
entre o homem e o meio em que vive, atentar para os símbolos afetivos e para as práticas
culturais tradicionais, aprimoradas por várias gerações. A chancela introduz um fato novo:
o da gestão compartilhada que é, ao mesmo tempo, o ponto mais forte e de mais difícil
consecução, haja vista o grau de especialização e os interesses individuais que se
conflitam com os coletivos.
O desafio está lançado. Mas, obter êxito nessa operação pressupõe um conhecimento da
realidade físico-territorial da área, a capacidade de se articular com entes públicos que
possuam ingerência sobre essa e, principalmente, conhecer as expectativas e desejos da
população detentora desse patrimônio.
Diferentemente do que costuma ocorrer no âmbito dos trabalhos de patrimônio imaterial, a
chancela da paisagem cultural brasileira pode e deve incorrer em intervenções, no sentido
de que o pressuposto é agir sobre o território; usar de planejamento urbano e territorial,
como é parte do conhecimento do arquiteto e urbanista, do geógrafo e de outros
profissionais de formação afim, no intuito de se preservar a paisagem. Além desse
pressuposto de ação, há um universo de outras iniciativas possíveis para os trabalhos de
preservação e salvaguarda do patrimônio identificado no local.
Na ocasião do Seminário sobre o Baixo São Francisco, o Iphan realizou visita técnica de
reconhecimento do território da foz e verificou que tanto as expressões do patrimônio
cultural quanto do natural são notáveis, plenas de potencialidades de desenvolvimento de
trabalhos de preservação. Entretanto, apenas essas observações sensíveis e o conjunto
de fatos até aqui apresentados não são o bastante para a constituição do Dossiê da
Paisagem Cultural. Para isso, a investigação dos valores da paisagem e a relação entre
os grupos sociais, os lugares e as expressões patrimoniais devem ser aprofundadas.
Com esse intuito, o Iphan está contratando serviços técnicos especializados a serem
realizados por equipe multidisciplinar em campo, para verificar os atributos da paisagem
cultural, realizar entrevistas com representantes dos grupos sociais locais, aferir as
referências culturais, realizar consulta aos órgãos públicos e entidades locais ou
regionais, com ingerência na paisagem, buscar documentos e bases legais para sua
administração, promover debates locais e buscar a mediação dos conflitos, entre outros,
até gerar o Dossiê da Paisagem Cultural, contendo assinatura dos pactuantes e o Plano
de Preservação da Foz do Rio São Francisco.

3. FOZ DO RIO SÃO FRANCISCO


Na foz do Rio São Francisco, os ecossistemas são diversos e as formações incluem
restingas, com suas várzeas e brejos, manguezais e dunas, configurando espaços
paradisíacos, de grande valor paisagístico e ambiental. Como não poderia deixar de ser,
essa paisagem formada por água doce e salgada, praias, vegetação e clima litorâneo,
com suas luzes, cores e texturas, faz reproduzirem-se os significados, as representações,
as expressões artísticas e os vínculos afetivos entre a população no geral e o território.
Quanto às comunidades ribeirinhas e aos grupos sociais que têm sua base de vida
estabelecida no território, o que se intenta observar é a permanência de estreita relação
com o rio e com os ecossistemas. Muitas famílias ainda sobrevivem do sistema
extrativista e de atividades básicas como a cata do caranguejo, a pesca artesanal, a
coleta de mariscos, a agricultura de subsistência, entre práticas que refletem apurados
saberes e conhecimento popular, como a carpintaria naval tradicional, a navegação a
vela, a produção de artesanato, a confecção de doces etc.
Na área proposta para ser chancelada como Paisagem Cultural Brasileira, constatamos a
existência de apenas dois municípios, Brejo Grande/SE e Piaçabuçu/AL, porém,
compostos por numerosos povoados que incluem assentamentos quilombolas, colônias
de pescadores, áreas rurais dos agricultores familiares e vilas urbanas reunindo
comunidades tradicionais. A tarefa que se impõe nessa etapa inicial é o conhecimento
desses assentamentos humanos, suas questões fundiárias, impactos a que é submetida a
área e expectativas dessa população em relação ao projeto proposto pelo grupo de
trabalho protagonizado pelo Iphan.
Como metodologia para o trabalho a ser desenvolvido, buscamos a articulação entre o
patrimônio material e imaterial aplicando o instrumental técnico disponível no Iphan e
trabalhando conjuntamente num processo de análise e síntese de todo material
pesquisado.
Com base no reconhecimento dos valores culturais imbricados na paisagem, o Iphan vem
buscando aproximar-se dessas comunidades, compreender suas principais demandas e
identificar os sentidos coletivos de memória. A partir de então, contando com a pactuação
entre os diversos agentes e a cooperação entre os partícipes, intenta conceber ações
visando à salvaguarda desse patrimônio e à melhoria de qualidade de vida no local.

4. PIAÇABUÇU/AL – IMPACTOS E POTENCIALIDADES


Entretanto, temos uma tarefa que antecede a pactuação e a proposição das ações de
preservação do patrimônio da Foz do São Francisco (Plano de Preservação). Inicialmente
é necessário conhecer as características físico-territoriais e sócio-econômicas da área, o
que se fará mediante complementação de pesquisa arquivística e documental e,
posteriormente, levantamentos de campo.
Um dos pontos mais estratégicos a ser verificado é a questão dos impactos ambientais e
culturais que afetam a área. O São Francisco tem papel decisivo no cotidiano das
comunidades, no entanto, esta fonte de riquezas e sobrevivência vem apresentando, a
cada ano, agravamento do assoreamento, diminuição da navegabilidade, crescimento
acentuado da vegetação aquática, devastação das matas ciliares, baixo teor de nutrientes
nas águas e a consequente redução do número de peixes e das espécies.
Por ser a última cidade antes da foz do São Francisco, Piaçabuçu absorve a maioria dos
impactos ocorridos ao longo do seu extenso percurso, sobretudo com a implantação das
barragens para hidrelétricas, o que vem causando alterações na paisagem e no perfil
socioeconômico da cidade.
É importante destacar que Piaçabuçu é uma das cidades mais pobres do Baixo São
Francisco – segundo o Censo IBGE 2000, 60,94% da população apresenta incidência de
pobreza. Dados do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), de setembro de 2009,
indicam que 2.556 famílias recebem a bolsa-família, o que corresponde a cerca de 58%
da população local. A taxa de analfabetismo (para maiores de 15 anos) é de 40%. Dos
17.466 habitantes (IBGE, Contagem da População, 2007), cerca de 60% da população é
urbana (Censo IBGE 2000), mas somente 3% da população vive em área com rede de
esgoto. Esses dados apontam para as deficiências e carências do sítio e são
fundamentais para nortear a proposição de ações relativas ao processo de chancela da
paisagem cultural da Foz.
Como potencial de desenvolvimento sócio-econômico, assinalamos que o delta alagoano
do São Francisco pertence ao município, no qual se destaca o seu patrimônio natural.
Está inserido na unidade geoambiental da Baixada Litorânea, apresentando relevo
formado pelas Áreas Arenosas Litorâneas, onde se incluem as restingas, dunas e
mangues. Essa unidade apresenta um alto potencial de água de superfície, com rios que
deságuam em estuários e formam um sistema bastante intricado de circulação de água,
com frequentes contaminações pela água do mar formando os mangues, ecossistemas
frágeis, de grande biodiversidade e que demandam uma atenção especial em relação à
sua preservação.
A vegetação é basicamente formada por Florestas Perenifólia de Restinga, mas existem,
ainda, áreas de Caatinga e Cerrado, vegetação litorânea e áreas antrópicas (cana, arroz,
coco e pecuária). Piaçabuçu apresenta uma diversidade fitogeográfica que propicia a
existência de tipos biótipos e abiótipos, essencialmente dinâmicos, a ela característica,
enriquecendo o potencial ambiental da região. A paisagem formada por palmeiras de coco
da Bahia está incorporada à representação local e sua imagem é um dos traços mais
característicos da região.

O sítio urbano de Piaçabuçu (sede do município) está implantado à margem esquerda do


São Francisco, em uma pequena península, e seu cais possui aporte de pequenas
embarcações destinadas, principalmente, à pesca e transporte de passageiros com
deslocamento local, assim como aquelas que realizam passeios turísticos à foz do rio São
Francisco. O cais é bastante movimentado, principalmente em sua porção sul, sendo
ocupado por restaurantes e bares, estabelecimentos comerciais em geral, além de
algumas residências e do Mercado Municipal. Ao longo do cais foi executado um muro de
concreto com parapeito, que a água do rio banha diretamente, inexistindo ali faixa de terra
entre o rio e o arrimo. Em alguns locais é possível acessar, diretamente, o rio por degraus
executados no muro.

5. BREJO GRANDE/SE – IMPACTOS E POTENCIALIDADES


Há uma solicitação formal de criação de uma APA federal na região do delta sergipano do
rio São Francisco, o qual é quase todo pertencente ao município de Brejo Grande. Por
sua formação geológica, o município é, em grande extensão, formado por dunas e
restingas, entremeadas por lagoas e apicuns. Apresenta um clima megatérmico seco e
semi-úmido com pequeno ou nenhum excesso de água, temperatura média anual de
26°C e precipitação pluviométrica média no ano de 1.200 mm. Os seus solos são
hidromórficos, podzol, areias quartizosas marinhas e solos indiscriminados de mangues.
O relevo é caracterizado pelo domínio dos depósitos sedimentares de planície litorânea,
que engloba as planícies marinha e fluvial. São dezenas de ilhas, com um denso e rico
manguezal. A vegetação é composta por campos limpos e sujos, capoeira, caatinga e
formações higrófilas e sua geomorfologia é de planície flúvio marinha, com vegetação de
restinga e vegetação típica de lagoas de água doce. Uma parte substancial desse
ecossistema ainda está preservado, daí a necessidade de se protegê-lo através da
constituição de uma unidade de conservação e de outras ações que incluem o
planejamento territorial e investimentos na oferta turística de baixo impacto.
Uma característica importante da feição geomorfológica e hidrológica do local a ser
considerada no Plano de Preservação é a existência de um canal principal do São
Francisco, o qual mostra uma derivada à direita, quase junto à foz, conhecida como canal
do Parapuca, que se estende por cerca de 30 km ao longo de um manguezal de cerca de
10.000 ha, indo desaguar mais ao sul da foz principal. Esta segunda foz é bastante móvel,
permutando em geral entre a costa à frente do povoado de Ponta dos Mangues
(pertencente ao município vizinho de Pacatuba) e um trecho da costa conhecido como
Costinha, mais ao norte, mas ainda a cerca de 10 km da foz principal. A cada mudança da
linha da costa, pelos efeitos dos ventos, marés e da força do rio São Francisco, a foz
secundária abre-se em outro ponto. Há como conseqüência, a destruição e recriação de
extensos trechos do manguezal próximo à praia e da vegetação às margens do oceano.
Foi constatado que há um grande esforço da atual administração municipal para
implementar ações de fomento ao turismo na região, tendo como principal objetivo reduzir
os índices locais de desemprego. A justificativa de implantação dos projetos relacionados
ao turismo está, principalmente, no patrimônio natural. Nesse sentido, o município tem
procurado solucionar a carência de infraestrutura com vistas ao recebimento de turistas.
Foram realizadas obras de saneamento básico na sede do município, sob coordenação
da Codevasf e com financiamento do Ministério das Cidades.
O município de Brejo Grande possui, além de Terra Vermelha e Brejão dos Negros,
outros 8 povoados – Ilha da Tereza, Praúna, Cajuipe, Carapitanga, Novo Cabeço, Carro
Quebrado, Mulatas e Saramém.
Segundo depoimento de locais, o povoado de Saramém abriga hoje os moradores do
antigo povoado de "Cabeço”, localizado na foz do rio e destruído por uma invasão do mar.
O antigo povoado Cabeço foi quase que completamente tragado pelas águas do Oceano,
resultado das alterações provocadas no rio ao longo dos últimos trinta anos, sobretudo
depois da inauguração da Usina Hidrelétrica de Xingó, no final da década de 80. O
represamento do São Francisco na hidrelétrica de Xingó, mais acima, fez com que o rio
perdesse força e permitisse o avanço do mar por 800 m, cobrindo ruas, casas e a igreja
do povoado.
Em 1998, os moradores tiveram de abandonar o local. O cemitério do povo também foi
invadido pela água. Hoje resta apenas uma faixa de areia e parte de um farol histórico,
erguido em 1876, o qual ficava a 1,5 km do oceano e, agora, está dentro da água.
Exposta ainda, a torre envergada está a ponto de tombar e afundar definitivamente.
Como o principal atrativo do local é o patrimônio natural, a pressão especulativa em busca
de lugares paradisíacos para instalar seus complexos turísticos vem crescendo na região,
gerando conflitos com os moradores locais. A região da Resina, por exemplo, onde vivem
dezenas de famílias de pescadores artesanais também remanescentes de quilombolas,
foi comprada em 2007 para a construção de um Resort. Houve grande resistência da
comunidade, que não deixou a região, o que obrigou a empresa a fazer um acordo com o
povoado para mantê-los no local.

Brejo Grande possui, seguramente, um grande potencial turístico, devido a suas dezenas
de ilhas, com um denso e rico manguezal e paisagens estupendas. Entretanto a
exploração da atividade ainda é feita de maneira rústica e primitiva. Sem dúvida, o
município precisa ainda de grandes investimentos em infra-estrutura para projetar a
atividade dentro do estado de Sergipe, porém essa deve se pautar por uma exploração
turística de base sustentável e que garanta a seus moradores seu papel como guardião
do patrimônio cultural e natural.
6. AS TRANSFORMAÇÕES CULTURAIS – PERDAS E GANHOS
A região da Foz do Rio São Francisco é uma área que permaneceu em relativo
isolamento pelo menos até a década de 1960 quando as estradas de rodagem e o avanço
dos meios de comunicação de massa começaram a transformar o modo de vida e de
apropriação do espaço da população local. Até então, pode-se dizer que a população
vivia em completa harmonia com o meio ambiente, dele tirando somente o necessário à
sua sobrevivência. Preocupações e impactos com o meio ambiente eram desconhecidos:
vivia-se da pesca artesanal e da agricultura de subsistência – principalmente as
plantações em várzeas que formou um típico habitante do São Francisco – o vazanteiro.
A dieta dessa população era basicamente composta de arroz e peixe, desconheciam-se
os produtos industrializados, quase tudo o que se consumia ali era produzido localmente.
O isolamento a que foi submetida a região permitiu que seus ecossistemas fossem
preservados, não obstante os impactos gerados por atividades que ocorriam ao longo do
curso do rio.
Esse quadro de vida foi sendo modificado à medida que se implantavam, no Médio e
Submédio São Francisco, as hidrelétricas, a começar da Usina de Delmiro Gouveia na
década de 1940 até a Hidrelétrica de Xingó, inaugurada na década de 1980. Desde então,
alterou-se o regime de cheias do rio, o que afetou a rizicultura e a pesca.
A modernização enfim chegou àquela região que até então vinha se mantendo em seus
modos de produção artesanal. As embarcações à vela foram sendo substituídas pelos
barcos a motor afetando também a carpintaria naval. A pesca e a agricultura de vazantes
já não eram suficientes para alimentar a população que assistira à chegada dos produtos
industriais, os quais passaram a ser consumidos de modo precário devido ao baixo nível
de renda da população.
Hoje, o que se observa é um modo de vida misto de tradição e modernidade com a perda
gradativa das práticas tradicionais e sua substituição por outros meios gerados pelo
progresso tecnológico. Os filhos já não querem aprender os ofícios dos pais e isso afeta
sobremaneira o ofício de carpinteiro naval. Segundo Carlos Eduardo Ribeiro, da entidade
Canoa de Tolda, as técnicas de construir embarcações tradicionais estão se perdendo,
pois os mestres estão envelhecendo e há poucos (ou nenhum) interessados em perpetuar
essa tradição.
Essa perda de tradições enraizadas na população aponta para uma perda de identidade e
memória. Entendemos que se trata de um processo irreversível e todo o trabalho de se
preservar os modos de vida que formam a paisagem cultural do Rio São Francisco seria
inútil se não contássemos com um trunfo poderoso: a ligação afetiva dos moradores com
o rio e a importância deste na formação da identidade do povo que ali reside.
A partir desse ponto é que buscamos interpretar as noções de significado e pertencimento
relacionados ao modo de viver ribeirinho para podermos investir em um plano de gestão
que pretende preservar tradições, preservar o meio ambiente e proporcionar uma vida
digna a seus habitantes. Importa ressaltar que esta é uma tarefa que só poderá ser
concretizada a partir de uma pactuação entre todos os envolvidos. O conhecimento da
área sob vários aspectos, social, econômico, ambiental e da preservação do patrimônio
cultural é uma etapa preliminar à construção de um Plano de Preservação em que as
partes estejam acordadas através do Pacto firmado.
Com isso queremos dizer que não pretendemos congelar o patrimônio, musealizá-lo ou
impor alteração para o curso das mudanças. Entendemos que o caminho é outro: trata-se
da construção de um plano que leva em conta tanto os anseios imediatos do ser humano
como seus sentimentos mais profundos de pertencimento a um lugar.
Não esperamos, por exemplo, que toda a frota pesqueira se resuma a embarcações a
vela, mas desejamos que ainda continue havendo regatas de veleiros, que uns poucos
interessados continuem a fabricar e vender barcos a vela e que esse conhecimento se
preserve.
Nosso posicionamento é análogo quanto ao turismo, à pesca, à agricultura familiar, enfim
a todas as atividades existentes e possíveis que se desenvolvam de modo não predatório
evitando que essa região se torne ainda mais um foco de exploração econômica até
exaurirem-se seus recursos.

7. VALORAÇÃO DA PAISAGEM CULTURAL DA FOZ DO RIO SÃO FRANCISCO


Ainda que seja necessário aguardar os resultados formais da pesquisa e de entrevistas
junto aos grupos sociais com suas tradições culturais supostamente relacionadas à
paisagem da foz do Rio São Francisco, alguns pontos já são mais do que suficientes para
levar ao reconhecimento de que são numerosos os valores culturais ali manifestos.
Aliás, conforme expresso na Carta da Declaração Nacional do Valor Cultural do Rio São
Francisco, um documento elaborado por mais de cinqüenta representantes reunidos em
um dos seminários promovidos pelo Iphan (Petrolina/PE, Junho de 2011), “o Rio São
Francisco reúne um dos mais relevantes conjuntos de bens culturais, um riquíssimo
patrimônio – material e imaterial – de valor histórico, artístico, paisagístico, naval,
arqueológico, rural, industrial, legendário, pitoresco, simbólico, religioso, mítico, sagrado e
outros”.
Totalmente contido em nossos domínios territoriais, o “Velho Chico” é referenciado e
reverenciado em variadas mídias nacionais sempre como patrimônio brasileiro. A ele
foram dedicadas coleções de registros gráficos e textuais, memórias de viagem, além de
vídeos, músicas, histórias, lendas, anedotas, filmes, documentários, fotografias e outras
tantas formas de expressão artística, jornalística ou da cultura popular.
E é na foz do Rio São Francisco, provavelmente um de seus trechos mais vulneráveis,
que encontramos uma paisagem de nos tirar o fôlego. O mar límpido, transparente, com
faixa costeira de grande extensão adentra o rio calmamente e forma os diferenciados
ecossistemas, todos frágeis. Há vegetação de mangue, com suas raízes aéreas de
aparência escultórica; vegetação de restinga escondendo bandos de aves que transitam
entre os ambientes; os meandros e barras do rio que definem o sublime encontro entre a
água doce e a água salgada; as dunas e terrenos de areia clara, onde o sol bate e deixa
sua expressão de luz; os restos de conchas, denotando a atividade humana tão presente
e associada à vida local; algumas embarcações, a maioria motorizada, poucas
conduzidas ao sabor do vento, como ocorria antigamente, quando da navegação à vela.
Nesse local residem famílias, que têm suas práticas culturais ensinadas geração após
geração. São pescadores, carpinteiros navais, catadores de caranguejos, pequenos
agricultores, jovens artesãs, senhoras doceiras e tantos outros tipos humanos que
completam o sentido histórico e patrimonial da região. É por esses grupos que o Iphan e
seus parceiros devem continuar o seu trabalho de reconhecimento e valorização do
patrimônio.

Figura 2 – Imagens da visita de campo à Foz do Rio São Francisco

Fonte: Acervo Iphan, 2012. Autoria: MONGELLI, Mônica.

8. CONCLUSÃO

O “Rio da Unidade Nacional” que percorre cinco estados brasileiros encontra por fim o
seu destino: o mar. E nesse momento forma-se uma paisagem peculiar, rica de elementos
minerais, vegetais e animais configurados em ecossistemas diversos e abundância de
matérias-primas que até então permitiram aos seus habitantes uma perfeita interação
entre o ser humano e a natureza.
Ao adotar o conceito de paisagem cultural e seus desdobramentos, acreditamos que este
pode, juntamente com outros mecanismos de proteção ambiental e cultural, assegurar um
modo de vida sustentável aos habitantes da região da Foz do Rio São Francisco.

A chancela da paisagem cultural pretende abrigar no âmbito de sua atuação, os diversos


instrumentos, propiciados pelo poder público e pela vontade dos cidadãos, na melhoria
das condições de vida da população tendo como norteador a preservação do patrimônio
cultural e natural.

Trata-se de um instrumento inovador, ambicioso no que concerne aos seus objetivos,


porém completamente adequado a enfrentar as condicionantes da vida moderna, na qual
o processo de globalização acelerado e a degradação do meio ambiente são questões a
enfrentar na defesa da sobrevivência do planeta.

AGRADECIMENTOS
Carlos Eduardo Ribeiro, Luiz Fernando de Almeida, Dalmo Vieira Filho, Maria Regina
Weissheimer, Carlos Fernando de Moura Delphim e todos os parceiros que vêm ajudando
no desenvolvimento do trabalho.

REFERÊNCIAS
Acervo Iphan – Inventário do Patrimônio Cultural das Localidades da Calha do Rio São
Francisco. Empresas contratadas: Fare Arquitetura (2009) e Demacamp (2010).
Acervo da Sociedade Sociambiental do Baixo São Francisco – Canoa de Tolda.
Documentos gentilmente cedidos por Carlos Eduardo Ribeiro.
BARROS, Francisco Reinaldo Amorim de. ABC das Alagoas – Dicionário Bibliográfico,
Histórico e Geográfico de Alagoas. Tomo II. G – Z. Vol. 62-B. Brasília: Edições Senado
Federal, 2005.

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Programas de Ações Estratégicas e Integradas para


o Desenvolvimento do Turismo Sustentável na Bacia do Rio São Francisco – Programa
de Revitalização da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco – Conhecer para Revitalizar.
Brasília: Secretaria Executiva, 2006.

<http:// www.desenvolvimentomunicipal.com.br>
Governo do Estado de Sergipe. Sergipe: Seplantec/Supes, 1997/2000.

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