Вы находитесь на странице: 1из 7

Contexto e Conceitos:

história da ciência e “vulgarização


científica” no Brasil do século XIX

Moema de Rezende Vergara

RESUMO

Pretende-se analisar a história do termo vulgarização struíram, notadamente a institucionalização da ciência, espe-
científica. Ao fazer uma reflexão sobre o conceito também cíficamente no século XIX no Brasil.
analisa-se sua prática e quais os processos sociais que o con-

ecentemente tem cresci- No caso inglês, a popu- Estados Unidos há o National Science
do na historiografia da larização da ciência passou a ser anali- Board Indicator, fundado em Chicago
ciência estudos sobre sada a partir da abordagem conhecida no 1957, e que vem desenvolvendo pes-
a prática da divulgação ou vulgarização como public understanding of science. quisas sobre as formas de apreensão do
da ciência. Procura-se aqui, relacionar Estes estudos nasceram da preocupação público sobre o processo científico, a
alguns trabalhos produzidos nos últimos dos próprios cientistas sobre o conhe- compreensão dos termos e dos conceitos
anos que norteiam as pesquisa sobre a cimento do público acerca da ciência, científicos e o impacto social de ciência
relação entre público e ciência. A grande e não constituiriam uma disciplina aca- e tecnologia. Os críticos do public un-
parte destes estudos encontrou no con- dêmica convencional, mas um campo derstanding of sci­ence afirmam que o li-
texto mundial após 1945 um momento emergente de estudos interdisciplinares. mite desta abordagem está em partir de
propício para seu desenvolvimento. Neste Estes estudos não formariam um modelo um modelo que vê a ciência como algo
período testemunhamos uma maior liga- universalmente aceito, muito menos um “suficiente” e o público “deficiente” em
ção entre ciência e Estado e assistimos corpo estabelecido de seguras teorias. termos de conhecimento (Gross, 1994).
à consolidação do conceito de ciência Ao invés disso, o que existe é “uma ri- A vulgarização científica seria uma via
como força produtiva e estratégica, re- queza de práticas complementares, con- de mão única com a missão de preen-
percutindo na maior preocupação da so- trastantes e ocasionalmente conflitantes” cher a falta de saber dos leigos.
ciedade com os assuntos científicos. (Durant, 1992: 1). Entre alguns dos mais Paralelamente a esses
Em resposta a este qua- conhecidos teóricos desta área, estariam es­tudos, nos anos 1945-60 foi inaugura-
dro, a comunidade científica, inicialmen- Gerald Holton, autor de The Scientific da nos Estados Unidos a sociologia da
te na Inglaterra, observou a necessidade Imagination: case studies (1978) e John ciência, com ênfase maior às condições
de se colocar à disposição da sociedade Durant, editor da revista Public Unders- culturais e históricas de cada sociedade.
um conhecimento que até então estava tanding of Science, publicada pelo Mu- A partir destas considerações, os autores
fora do alcance do público. Os métodos seu de Ciência de Londres desde os anos de estudos sobre público e ciência procu-
tradicionais de organização e controle de 1990. O processo de vulgarização raram fugir de um modelo de mão úni-
da informação, existentes na época, não científica nos Estados Unidos se asseme- ca e enfatizaram uma compreensão mais
conseguiram resolver de forma com- lha em muito ao caso inglês, conforme dialógica da atividade científica com o
petente o problema do enorme fluxo de demonstrou Steve Miller do University contexto social que engendrou sua respec-
informação. Ainda em 1949, reunidos na College, Londres. Contudo, Miller escla- tiva prática científica. Assim, observa-se
Royal Society, cientistas de áreas como rece que, nos Estados Unidos, o públi- o surgimento de um enfoque dos estudos
física, química e biologia, resolveram as- co-alvo são as crianças e os adolescen- da ciência influenciado por Robert Mer-
sumir o desafio da organização e contro- tes, diferindo da Inglaterra, que visa a ton (Merton, 1974). Para ele, a ciência é
le da informação ( Braga, 1996). atingir principalmente os adultos. Nos “considerada uma instituição social, com

PALAVRAS CHAVE / História da Ciência / Institucionalização da Ciência / Vulgarização Científica /


Recebido: 05/03/2007. Modificado: 13/03/2008. Aceito: 14/03/2008.

Moema de Rezende Vergara. Doutora em História, Pontifícia Universidade de Rio de Janei-


ro. Pesquisadora, Museu de Astronomia e Ciências Afins/MCT, Brasil. Endereço: Rua Gal. Bruce 586, Rio de Janiero, RJ, Brasil.
e-mail: moema@mast.br

324 0378-1844/08/05/324-07 $ 3.00/0 MAY 2008, VOL. 33 Nº 5


um ethos característico, submetida a uma Entre estes pesquisadores, há uma per- os especialistas da área. O objetivo deste
análise funcional” (Quevedo, 1997: 43). cepção de que existe um déficit de análi- trabalho é tentar uma aproximação entre
Nesse período constituiu-se uma tradição se sobre o problema da vulgarização, isto a história da ciência e as reflexões his-
de investigação empírica específicamente é, a história das ciências deixou espaço toriográficas, ao reconhecer que o ofí-
sociológica, ocupada em decifrar o que por ocupar. Esta via francesa tem o pro- cio do historiador consiste em enfrentar,
faz com que a ciência seja considerada blema de atribuir ao que é estritamente quotidianamente, o problema da natureza
como a principal entre as instituições pro- francês um primado universal, ou seja, dos conceitos, os que são tanto seus ins-
dutoras de cultura. Esta sociologia da ci- conta esta história a partir da perspecti- trumentos, quanto o lugar do progresso
ência, mais histórica do que epistemológi- va francesa, ignorando o que aconteceu da historiografia (Veyne, 1992). A busca
ca, tem por principal objetivo explicar as no resto do mundo. Esta tendência pode pela precisão de um conceito não signifi-
origens da ciência moderna no séc. XVII, ser constatada no livro La Science pour ca apenas aprofundar o conhecimento so-
relacionando sua genealogia a sua ascen- Tous: 1850-1914 (Béguet, 1990). Nesta bre um determinado objeto, mas também
são a uma posição de monopólio cogniti- mesma linha interpretativa, pode-se citar criar novas possibilidades de análise. A
vo sobre certas esferas de decisão. a obra de Bensaude-Vicent e Rasmussen construção conceitual pode partir de uma
Por volta de 1970, a he- (1997), a que amplia o campo de investi- experiência histórica concreta que per-
gemonia mertoniana começou a ser desa- gação, analisando os processos de popu- mita a elaboração teórica e o recorte de
fiada por alternativas programáticas que larização científica em outros países, ao objetos muitas vezes negligenciados até
propunham reverter o que consideravam convidar especialistas de outras naciona- então.
uma dissociação exagerada dos aspectos lidades para participar desse projeto. Como indico-se, a ex-
sociais da atividade científica a respeito No Brasil do séc. XIX pressão “vulgarização científica” é hoje
dos aspectos cognitivos. A virada anti- o termo “vulgarização científica” desig- tida como pejorativa, evitada pelos que
mertoniana neste período foi feita por nava específicamente a ação de falar de trabalham com o tema da relação entre
David Bloor, “um filósofo e matemático, ciência para os leigos. Contudo, no sécu- público e ciência. O seu sentido negati-
que afirmava que as regras de argumento lo seguinte aquele termo foi caindo em vo já podia ser encontrado no início do
e os critérios de verdade são internos ao desuso em favor de outro, que se refere séc. XIX, como demonstra o Dicionário
sistema social ou mesmo de um conjunto a várias instâncias da comunicação da da Língua Portuguesa de Morais Silva
de sistemas sociais” (Vessuri, 1991: 61). ciência, ou seja, “divulgação científica”. (1813); o substantivo vulgarização é de-
As considerações sobre uma nova defini- Gostaria de deixar claro para o leitor finido como ato ou ação de vulgarizar,
ção sobre a prática científica desta socio- que não pretende-se “ressuscitar” o uso cuja definição se manteve durante as
logia da ciência influenciaram em muito de “vulgarização científica”. A proposta edições subseqüente no decorrer de todo
os trabalhos dos que estarão preocupados é simplesmente fazer algumas conside- séc. XIX, asim:
com a sociodifusão da ciência, como nos rações sobre sua trajetória, para poder
casos de Turner (1980), Shapin e Shaffer nuançar a compreensão da complexida- Reduzir ao estado do plebeu, e homem
(1985), e Stewart (1992). de dos vários níveis de comunicação da vulgar. Fazer comum, com abatimento
Na França, os estudos ciência. Além disso, analisar os percur- da nobreza, gradação de apreço, res-
sobre os processos de popularização da sos deste termo mostra como ele recebeu peito. Traduzir em vulgar, romancear.
ciência são mais recentes. A interseção uma carga semântica positiva e posterior- Publicar a todos, prostituir-se.
de todos os estudos franceses sobre a vul- mente negativa. Esta oscilação é indicati-
garização está justamente na articulação va do processo de crescimento da relação A questão da tradução é
das relações sociais com as práticas dis- entre o conhecimento científico e a idéia uma das características da vulgarização,
cursivas que as qualificam. Um ponto de de democracia, questão que nem sempre presente em suas primeiras definições,
convergência entre os autores franceses e esteve presente nas preocupações da cha- mesmo em um momento em que o termo
ingleses estaria na afirmação de que não mada “ciência moderna”. Se em um de- vulgarização científica, ainda não pos-
existiria tanto no public understanding of terminado momento utilizar o termo vul- suía uma definição dicionarizada. Con-
science ou na historiografia francesa, uma garização não trazia nenhum desconfor- tudo, a tradução inerente ao texto vulga-
teoria da vulgarização, mas um conjunto to, a ampliação do conceito de cidadania rizado tem gerado inúmeras discussões:
de trabalhos convergentes que delimitam pode ter acessado a lembrança de que o alguns teóricos percebem este aspecto
o campo. O livro Vulgariser la Science: vulgus na Roma clássica era uma catego- como definidor da prática vulgarizadora,
le procès de l’ignorance (Schiele e Jacobi, ria inferior que não votava, diferente de como por exemplo Jacqueline Authier,
1988) seria um exemplo desse esforço de populus, os cidadãos (Gallardo, 2005). para quem o texto da vulgarização ou
tratar a vulgarização científica como uma Esta explicação pode dar pistas sobre a da divulgação seria sempre um discurso
imbricação de fatores sociológicos e dis- atual utilização de divulgação ou popu- derivado de um original, ou seja, o da
cursivos. larização da ciência, no Brasil e divul- ciência (Zamboni, 2001). Neste sentido
Na França pode-se ob- gación em outros países da América La- se justificaria o papel do vulgarizador
servar que a preocupação seminal, além tina. Zamboni afirma que em português como mediador, gerando a imagem do
da análise de discurso, está em narrar empregam-se os termos popularização e “terceiro homem”. Para outros, como Ja-
a história do processo de formação da vulgarização científica indistintamente, cobi, a vulgarização seria um continuum
empresa vulgarizadora. Estas pesquisas mas resolveu utilizar divulgação cientí- da comunicação da ciência, complemen-
teriam como objeto os vulgarizadores, a fica porque lhe pareceu mais adequado, tar à prática científica (Schiele e Jacobi,
construção de contextos para a origem “por estar imune à eventual crítica de 1988).
do termo, o rastreamento de importantes carregar conotação pejorativa” (Zambo- Voltando a atenção para
coleções como Bibliothèque des Merveil- ni, 2001: 49), mesmo assim, ao longo de o verbete de 1813, pode-se perceber a
les, as revistas dedicadas à vulgarização seu livro ela utiliza todos aqueles termos idéia de que no ato de vulgarizar há uma
científica, como a Cosmos e a Revue como sinônimos. Cabe a ressalva de que perda da “aura” e deslocamento de va-
D’Astronomie Populaire, os livros dedi- na França até hoje a expressão vulgari- lores, o que antes era nobre passa a ser
cados às crianças, só para citar alguns. sation scientifique é um consenso entre agora plebeu, culminando com a cor-

MAY 2008, VOL. 33 Nº 5 325


rupção máxima que seria a prostituição. Dr. Almondega às famosas conferências Ilustração Brasileira, editada por Henri-
Para melhor entender esta questão é im- da Glória. Segue o autor: que Fleiuss, cujo perfil se enquadra nos
portante ver o que significa “tradução”, vários periódicos científico-literários que
cujo sentido atual vem da Renascença, O ilustrado (fórmula necessária) pro- circularam na cidade do Rio de Janei-
quando o verbo traducere foi introduzido fessor, o Sr. Dr. Almondega, disseram ro. Nesta revista há, em seus primeiros
pelos humanistas italianos, para designar todos os jornais, sobe á cadeira da Es- números, um artigo anônimo que define
a reprodução do original em outro códi- cola da Glória, no domingo próximo, vulgarização asim: “A vulgarização dos
go (Cachin e Bruyère, 2001). A missão às 11 horas da manhã, a fazer uma conhecimentos gerais da ciência, em nos-
do tradutor era então de transladar, de conferência sobre esta sua tese: da pa- so tempo, não é só uma necessidade, é
difundir as obras primas da antiguidade, tologia social dos seres mancos em re- um dever imperioso para as nações que
de torná-las acessíveis a todos. Segun- lação às exterioridades negativas. compreendem e acompanham os progres-
do George Steiner (Cachin e Bruyère, sos reais da civilização” (Revista Cien-
2001:505), a arte da tradução consiste Que síntese bonita! Nin- tífica, 1876: 56). A título de exemplo, o
em produzir uma terceira linguagem, que guém a entendeu; porém quanto mais artigo cita um dos maiores problemas,
seria a linguagem da humanidade, da sábio era apregoado o leitor, tanto mais que segundo os relatos da época era um
compreensão: a tradução seria um ins- entendido se presumia. Foi um verdadei- empecilho para colocar o Brasil “ao ní-
trumento de construção de algo universal ro reboliço em toda aquela aristocrática vel de seu século”: a febre amarela.
(apud, idem). localidade!
A tradução está marca- A idéia de uma biblio- Passemos, portanto a tratar de uma das
da tanto pelo limite da fidelidade a algo teca dos bondes já é em si um traço de questões que infelizmente entre nós
anterior a si mesma quanto pelo senti- modernidade e remete para uma novi- tem sempre uma certa oportunidade.
mento de impossibilidade de transmissão dade da cidade: um novo tipo de trans- Se bem que o flagelo da febre amarela
integral do sentido em questão. Segundo porte público no qual poder-se-ia ler tenha cessado neste momento os seus
Paul De Man, “o tradutor, por definição, durante a viagem. Esta passagem ironi- estragos, nem por isso nos parece fora
fracassa. O tradutor nunca pode fazer o za as conferências considerando-as mais de propósito, ou antes, julgamos bem
que o texto original fez” (Penna, 2004: como um evento social do que um local cabido ocupar-nos ainda desta questão
362). Mas a tradução também é uma de atualização dos conhecimentos cien- e tanto mais que o podemos fazer ago-
“sobrevida do original. (...) Ela atualiza tíficos. A sátira é um indicador de como ra sem ser debaixo da pressão exercida
e transforma o original. (...), o põe em estes artefatos de modernização eram as- pela presença desagradável do sinistro
movimento, retirando-o de sua imobili- similados pela sociedade. O esforço dos hóspede (Revista Científica, 1876: 56).
dade” (Penna, 2004: 364). O que Steiner historiadores é ver a prática de vulgari-
e De Man estão discutindo é a possibili- zação como algo construído socialmente, Desta passagem, depre-
dade ou não de tradução entre todas as que permite incluir nas crônicas palavras ende-se a noção de etiologia daquele mo-
línguas, remetendo à imagem mítica da antes restritas ao espaço da ciência ins- mento, que via a forte determinação do
Torre de Babel, quando toda a humanida- titucionalizada, como o caso de “patolo- meio ambiente como causadora das do-
de perde a possibilidade de comunicação gia” no trecho citado. enças. Além disso, também informa que
com o surgimento de vários idiomas, ori- O projeto existente des- naquele momento a febre amarela, um
ginando o caos. Assim temos na tradu- de o séc. XIX até os nossos dias, de grave problema de saúde pública da Cor-
ção a busca de uma língua universal que uma ciência passível de ser compreen- te no final do séc. XIX, estava passan-
restauraria a harmonia entre os homens. dida por todos é uma questão que deve do por um período de baixa ocorrência,
A vulgarização cien- ser vista com atenção, já que a entida- sem que o autor deixe de mostrar a sua
tífica do séc. XIX trazia consigo vários de “público” é uma abstração necessária preocupação com relação a esta doença.
dos elementos enunciados pela tradução: para a prática do vulgarizador, uma vez Para ele a solução do problema estaria
o limite na transmissão dos conteúdos; a que o emissor sempre precisa de um re- nos estudos da climatologia, pois o Rio
preocupação de estar ao alcance de todos ceptor, mesmo que imaginado. A passa- de Janeiro seria mais vulnerável à doen-
e assim conferir um efeito universal ao gem acima leva a pensar que há vários ça devido à pouca circulação dos ventos
conhecimento; além de carregar consi- níveis de compreensão da ciência pelo por conta da Serra do Mar, dirá ele: “o
go também a centelha do novo. Se isto público, ou seja, a mensagem será enten- clima aqui é enervador”. O artigo con-
é verdade, então pode-se afirmar que a dida de forma diferenciada dependendo clui com uma afirmação da fé na ciên-
vulgarização ou divulgação é uma ati- de uma série de fatores, como por exem- cia: “Em todos os ramos da ciência e em
vidade criadora, ou seja, faz surgir algo plo, nível de escolaridade, classe social quase todos os países do mundo, os es-
que não existia anteriormente. No caso e interesses pessoais. tudos profundos, as investigações sérias,
da vulgarização do séc. XIX, ela estava Para os historiadores, a atraem as atenções e dão mais largo e
anunciando as inovações do mundo da análise dos textos de vulgarização é uma fecundo desenvolvimento à atividade da
ciência que a partir daquele momento fa- fonte de uma riqueza inesgotável, pois inteligência humana”. E convoca o Brasil
riam parte da cultura letrada, como ele- ele é mais permeável aos demais discur- a seguir o mesmo rumo: “Acompanhare-
tricidade, vacina, telefone, entre outros, sos da sociedade do que o texto cientí- mos este movimento, dando conta sucin-
mesmo que o seu princípio científico per- fico strictu senso. Assim podem-se ver ta das nossas apreciações em tão vasto e
manecesse pouco conhecido. Para ilustrar outras informações veiculadas juntamen- varrido campo, ainda infelizmente entre
a questão dos limites de compreensão te com o conhecimento científico, con- nós tão pouco explorado”
dos esforços de vulgarização, citamos tribuindo para entender vários aspectos Assim, por volta dos
um artigo anônimo intitulado “As Con- do contexto da produção daquele texto. anos de 1870 o termo vulgarização cien-
ferências Populares”, de uma publicação Isto também ajuda a ver até que ponto tífica já era utilizado no Brasil. Muito
satírica intitulada A Biblioteca dos Bon- este esforço vulgarizador viabiliza a in- provavelmente este termo passou para o
ds: publicação diária por uns literatos clusão da ciência na cultura num sentido vocabulário dos brasileiros a partir dos
desocupados de 1876, que narra a ida do mais amplo. Como pode-se ver na revista livros franceses. Uma possibilidade de

326 MAY 2008, VOL. 33 Nº 5


“contágio” estaria na obra do vulgariza- Entre os literatos, Augusto Emílio Zalu- Nature, o Journal des Voyages... Há
dor francês Camille Flammarion, autor ar, tido como autor da primeira obra de milhares de livros de vulgarização
de Astronomia Popular, que era bastan- ficção científica no Brasil, o Dr. Benig- científica, cujo tipo é representado pe-
te conhecido pelo público brasileiro. Um nus de 1875, explicitava nessa obra o que los trabalhos de Figuier; ou ainda ro-
exemplo da presença de Flammarion em entendia por vulgarização científica, que mances, que, graças a escritores como
nossa imprensa é a tradução de um seu seria “vulgarizar os resultados da ciência Júlio Verne, Macé, Hetzel, vão incutir
artigo “As terras do céu” publicado n´O e fazer subir por esse meio o nível inte- nas mais tenras inteligências o gosto
Vulgarizador em 1877. A familiarida- lectual do povo” (Zaluar, 1994: 295). de saber e indagar. (Couty, 1879).
de deste autor entre nós pode ser vista Dois anos mais tarde,
também na crítica do astrônomo Luiz Zaluar editou um periódico com o suges- Esta passagem é ilustra-
Cruls, que o censurou por seu estilo de tivo nome de O Vulgarizador: jornal dos tiva para perceber como aquela geração
poeta na Revista Brasileira, pois ao des- conhecimentos úteis, (1877-1880), que ti- estava sintonizada com as publicações de
crever uma “chuva de estrelas sob co- nha por objetivo “estar ao alcance de to- caráter de “vulgarização” que já circula-
res tão sedutoras” (Cruls, 1897) que, na das as inteligências”, entretendo o leitor vam na Europa e Estados Unidos e que
verdade, o fenômeno não ocorreu como com as novidades do mundo da ciência. via a necessidade de se implementar esta
descrito por Flammarion fazendo com Nessa publicação, ele manteve os mes- prática no Brasil. Cabe chamar a atenção
que o público atribuísse o malogro a al- mos ideais, já anunciados em seu livro, para o local de trabalho de Couty, o la-
gum engano dos astrônomos. de que através da vulgarização científica boratório, que já existia em vários pon-
Segundo Béguet (1990) estaria promovendo o desenvolvimento tos do globo, principalmente a partir de
o termo “vulgarização” seria raro antes intelectual do povo brasileiro. Esse peri- 1860-1870, e significava uma nova orga-
do séc. XIX, e foi apresentado como um ódico contava com a colaboração de li- nização do trabalho científico (Ben-Da-
neologismo no Dictionnaire de la Langue teratos convidados a escrever sobre ciên- vid, 1974). O Laboratório de Fisiologia
Française de Littré em 1881. Este dicio- cia, como Afonso Celso, que traduziu um Experimental no Museu Nacional era um
nário, bastante usado por nossos intelec- poema sobre Giordano Bruno. A convite indício da inclusão do Brasil nas práticas
tuais do final do séc. XIX, atribui sua de Zaluar, José de Alencar, romancista de mundialização da ciência. Lá Couty e
origem a Mme. de Stäel, que no início do de grande prestígio na época, colaborou João Batista Lacerda pesquisaram a com-
século utilizara a palavra vulgarité como com um texto que comentava as recentes posição do curare e desenvolveram um
algo que perde sua distinção e amplia teorias sobre a origem do homem ame- contraveneno de cobras, utilizando o mé-
seu uso e domínio (Raichvarg e Jacques, ricano: “... associo-me cordialmente ao todo experimental, inspirados em Claude
1991). Já Bensaude-Vincent e Rasmussen seu nobre intuito de vulgarizar a ciência” Bernard (Benchimol, 1999).
(1997) assinalam que a “maioria dos di- (Alencar, 1877). O crítico literário Ran- A mesma idéia presente
cionários data a aparição do verbo vul- gel S. Paio publicou uma série de artigos no texto de Couty pode ser vista, alguns
gariser de 1826 e o substantivo vulgari- intitulados “Cartas a uma senhora” com anos mais tarde, no editorial de estréia
sation nos anos 1850-1870 – a expressão o objetivo de explicar o dar­winismo para da revista do Observatório do Rio de Ja-
vulgarisation scientifique foi utilizada por o público feminino. A publicação tam- neiro de responsabilidade do astrônomo
Zola em 1867”. bém abria suas páginas para a participa- Luiz Cruls, que afirmava:
No Dicionário da Lín- ção de importantes cientistas da época,
gua Portuguesa (Morais Silva, 1891) brasileiros ou estrangeiros radicados em Na Europa e nos Estados Unidos não
nota-se um acréscimo àquela primeira instituições científicas nacionais, como são poucas as publicações criadas para
definição de 1813: “tornar alguma coisa o botânico João Barbosa Rodrigues, o o mesmo fim, e é inegável a influência
geralmente conhecida, sabida, tornar-se engenheiro F. Keller Leuzinger e os ge- benéfica que tiveram para o desenvol-
geral, vulgar, espalhar-se muito; divul- ólogos Charles F. Hartt e Orville Derby, vimento e vulgarização da mais atrati-
gar-se”. Somente na 10a edição, em 1945, membros da Comissão Geológica do Im- va das ciências. (Cruls, 1886).
entre os usos de vulgarização, consta pério.
“ato ou efeito de divulgar. Vulgarização Um dos textos emblemá- No século seguinte, em
de conhecimentos científicos especializa- ticos da história da divulgação científica 1931, o médico Miguel Ozório de Almei-
dos, pondo-se assim ao alcance do maior no Brasil é o texto do médico Luiz Cou- da lançou o livro A vulgarização do sa-
número possível de indivíduos, isto é, do ty (Couty, 1879) publicado na época em ber (Almeida, 1931) no qual fala da im-
vulgo; por definição”. É próprio dos di- que trabalhava no Museu Nacional. Nes- portância do público compreender, pelo
cionários canonizarem as palavras após se artigo Couty defendia a necessidade menos em linhas gerais as bases dos
a ampla utilização das mesmas na socie- de desenvolver uma ciência nacional para desenvolvimentos científicos. Para Cahan
dade. Desta forma, há alguns indícios do cuidar dos problemas do país, e susten- (1995) em meados do séc. XIX houve
emprego da palavra “vulgarização” no tava a idéia de que, para obter apoio da o que ele chamou de “Iluminismo tar-
intervalo 1850-1890, ou seja antes de sua sociedade para suas atividades, o cien- dio”, que promoveu uma grande mudança
entrada no dicionário, período caracteri- tista deveria comunicar os seus avanços na estrutura social da ciência. Pode-se
zado por uma intensificação da vulgari- para o público em geral. A respeito da constatar que iniciativas de vulgariza-
zação cientifica tanto internacional quan- vulgarização ele se pronuncia: ção científica se intensificaram a partir
to nacionalmente, quando ocorreu uma dos anos 70 do séc. XIX, quando surgem
proliferação de veículos e ações a ela Além das revistas periódicas, das so- publicações especializadas e este termo
destinadas, tais como revistas, jornais, ciedades e congressos, possuem ainda começava a suplantar a expressão mais
palestras públicas e exposições. os mais adiantados países da Europa antiga de ciência popular. Neste contex-
Cabe destacar que no meios inumeráveis de propaganda cien- to, o séc. XIX testemunhou também uma
Brasil, do séc. XIX até os anos de 1930, tífica destinadas não já diretamente aos expansão enorme e sem precedente da
os cientistas e literatos utilizavam regu- sábios, mas principalmente ao público educação formal, bem como o aumen-
larmente “vulgarização” para designar a ilustrado e culto. Há ali publicações to de locais de leitura, como livrarias e
atividade de comunicação com os leigos. especiais, jornais científicos, como La bibliotecas. Como resultado, a produção

MAY 2008, VOL. 33 Nº 5 327


literária aumentou e o acesso a livros e nal, Instituto Histórico e Geográfico Bra- e a especialização crescente dos diversos
jornais tornou-se relativamente fácil. O sileiro, Comissão Geológica do Império, ramos do saber formarão as caracterís-
mercado de leitores potenciais aumentou Jardim Botânico, entre outros (Dantes, ticas principais da prática científica no
e paralelamente a este processo de ex- 2001). Apesar da aparente pulverização séc. XIX.
pansão do número de leitores, a ciência destes lugares de ciência na socieda- Sem dúvida, a ciência
também passou a ser considerada como de brasileira, eles tinham em comum a começou a apresentar um aspecto de
essencial à industrialização, ao bem-estar produção de uma imagem de cientistas maior apelo para o público, na medida
e ao progresso. Assim, ciência e progres- desinteressados, além de conferir um va- em que as conseqüências práticas des-
so tornaram-se práticamente sinônimos lor à ciência como algo intrinsecamente te conhecimento que se ampliava e das
para quase todos, trabalhadores e indus- bom para a sociedade. Couty apontava a técnicas mais elaboradas se tornavam
triais, funcionários públicos e estadistas, vulgarização como um meio de conven- mais evidentes na vida diária (Roman,
que estavam interessados em avanços po- cimento da sociedade para legitimar a 1983). Simmel (1971) mostra que há um
líticos e econômicos. prática científica: descompasso na modernidade entre uma
A origem do termo vul- cultura objetiva que produz coisas que
garização científica remete para aspec- Foi com esses meios de vulgarização incorporavam um estado de alta elabo-
tos extralingüísticos, como a mudança que pouco a pouco se estabeleceu na ração e desenvolvimento, e uma cultura
da relação entre ciência e público. Se- Europa a geral corrente científica, que subjetiva no sentido de bildung. A com-
gundo Koselleck (2006) todos os ele- eu desejava ver no Brasil. Foram tais plexidade e a extensa divisão do trabalho
mentos que podemos eleger como extra- sociedades e sobretudos aqueles diferen- fazem com que essa cultura objetiva se
lingüísticos dependem da mediação da tes jornais e revistas que levaram a toda transforme em um domínio autônomo.
linguagem, o que tornaria a afirmação a parte o gosto pelos estudos científi- As coisas se tornam mais perfeitas e de
anterior contraditória. Contudo, ele afir- cos e o conhecimento de sua utilidade. alguma maneira mais controladas por
ma também que cabe ao historiador dis- Deve-se, pois, evidentemente recorrer a uma lógica objetiva e interna ligada à
criminar o que considera fatores lingüís- iguais meios para conduzir o Brasil ao sua instrumentalidade; mas o cultivo do
ticos e extralingüísticos como forma de mesmo fim. (Couty, 1879: 237). sujeito não aumenta na mesma proporção.
conhecimento do passado. Assim, para Em vista do enorme aumento da cultura
o nosso argumento é crucial entender a A vulgarização científi- objetiva, na qual o mundo das coisas é
institucionalização da ciência como fator ca e a especialização das disciplinas são dividido entre incontáveis trabalhadores,
extralingüístico e analisar seu caráter de processos correlatos ao longo dos oito- a cultura subjetiva não pode ser aumen-
tradução no âmbito de um mesmo idio- centos, erigindo fronteiras entre o que tada da mesma forma. Assim, o mundo
ma como um dos aspectos lingüísticos era ciência ou não. Assim, surgiu a ne- moderno está cindido entre os produtos
da vulgarização. cessidade da figura do vulgarizador, cujo da cultura objetiva e o nível cultural dos
A institucionalização da papel de tradutor viabilizou a construção indivíduos. Na modernidade há uma dis-
ciência se desenrolou ao longo do séc. de uma forte confiança na ciência jun- sociação entre o progresso técnico em
XIX e visava a profissionalização dos to ao público. Na medida em que a so- todas as áreas e o aprofundamento de
cientistas e a garantia de sua autonomia ciedade aceitasse a idéia geral de que o uma insatisfação devida ao fato de que
e auto-regulamentação, frente ao Estado trabalho do cientista é desinteressado e as técnicas estão se tornando cada vez
e à sociedade. Este processo postulava a que este está sempre em busca do bem mais complexas e elaboradas, enquanto
instrução sistemática e a nítida separa- comum, o apoio da sociedade para a ati- os homens são menos hábeis diante da
ção entre leigos e especialistas, criando vidade científica deveria ser incondicio- perfeição dos objetos (Simmel, 1971).
o ethos da comunidade científica (Mer- nal e a ciência se desenvolveria, segundo Para ilustrar esta questão basta lembrar
ton, 1974). Outra característica deste seus critérios de auto-regulamentação, a passagem da conferência proferida por
processo foi a distinção entre as disci- independente da opinião pública, justifi- Max Weber em 1918:
plinas acadêmicas, e não por acaso este cada por seu aspecto utilitário.
é o momento em que a palavra “cientis- As raízes do caráter Aquele, dentre nós, que entra em um
ta” é cunhada por William Whewell, em aplicado da ciência estão em um momen- trem não tem noção alguma do meca-
1834 (Cahan, 1995). Mesmo podendo to ainda mais remoto, o da Enciclopédia. nismo que permite ao veículo pôr-se
ser vista como um fenômeno mundial, Este era um projeto de universalização em marcha – exceto se for físico de
sendo seu aspecto internacional um dos do saber que lutava contra a ignorância, profissão. Aliás, não temos necessi-
elementos que a caracteriza, a institucio- “principal abrigo das superstições” (An- dade de conhecer aquele mecanismo.
nalização ocorreu de forma diferenciada drade et al., 1989: 13) e tinha na utilida- Basta-nos poder “contar” com o trem e
localmente. O caso exemplar na Europa de do conhecimento seu principal aliado. orientar, conseqüentemente, nosso com-
foi o alemão, que organizou a pesqui- O aspecto utilitário e prático da Enciclo- portamento; mas não sabemos como
sa científica nas universidades, prin- pédia pode ser entendido como um pro- se constrói aquela máquina que tem
cipalmente após 1870, rompendo com grama político e científico amplo, “de condições de deslizar. O selvagem, ao
o passado medieval destas instituições valorização da ação transformadora do contrário, conhece, de maneira incom-
como o lugar da teologia e da filosofia. homem sobre a natureza, em que a técni- paravelmente melhor, os instrumentos
O surgimento de sociedades científicas ca é quase um prolongamento do mundo de que se utiliza. (Weber, 1997: 199).
especializadas, que muitas vezes con- natural, uma conseqüência necessária do
corriam com as academias científicas conhecimento” (Kury, 2001: 131). Kury Para apaziguar esta in-
estabelecidas, pode ser visto como um defende que, no final do séc. XVIII, a satisfação com o progresso científico e
indício deste grau de especialização. prática científica passava por transforma- tecnológico surge o vulgarizador, bus-
No Brasil, este processo ções. A atividade científica deveria in- cando traduzir a linguagem utilizada pe-
não ocorre nas universidades, que só sur- cluir naturalmente a questão da utilidade los cientistas para a do homem comum,
girão no séc. XX, mas em espaços como e não ser um conhecimento meramente de um nível da mesma língua a outro.
o Observatório Nacional, Museu Nacio- livresco. O compromisso com a utilidade Como já foi dito anteriormente, a vul-

328 MAY 2008, VOL. 33 Nº 5


garização passa a ser, desta maneira, o brando que naquela época o Brasil ainda tíficas ou jornalistas responsáveis pelos
meio pelo qual a ciência, escrita em uma era escravista. editoriais de ciência. Não obstante, tam-
linguagem específica, pode ser expressa O estudo da vulgariza- bém os estudos sociais da ciência devem
em uma linguagem comum (Pradal apud, ção oitocentista abre inúmeras possibili- estar atentos às características próprias
Scheile e Jacobi, 1988:18). dades para compreender a participação desta prática.
A necessidade de tra- da ciência na cultura letrada, a organiza- Devido à divisão do tra-
dução da ciência é resultado da divisão ção da atividade científica e a contribui- balho intelectual e ao alto grau de espe-
do trabalho cientifico na sociedade. Os ção da comunicação com os leigos para cialização das disciplinas atuais, a ativi-
críticos da vulgarização científica a têm a institucionalização da ciência, ao forne- dade de divulgação é essencial para toda
por superficial justamente em sua in- cer espaço para a formulação de deman- a sociedade. Para físico Lévy-Leblond
capacidade de transmitir o rigor do co- das de recursos e reconhecimento frente uma das características de nosso tempo é
nhecimento científico. No movimento de à sociedade. Para pensar a necessidade justamente o questionamento de uma su-
translação dos conhecimentos, estes são de se estudar a história da divulgação, posta dicotomia entre o público, comple-
progressivamente descontextualizados. A há uma interessante citação atribuída a tamente desprovido de conhecimento e o
vulgarização não é capaz de difundir in- Goethe de que “a história da ciência é cientista e ele utiliza a própria experiên-
tegralmente o conhecimento. Traduzir a a própria ciência. Não podemos saber o cia pessoal que se sente inseguro quando
ciência para um grande número de pes- que possuímos sem saber o que os ou- os assuntos provêm de outro campo que
soas é uma tarefa complexa, nem sempre tros possuíram antes de nós. Não po- não a física, ou seja, é por meio da di-
cumprida à risca. Contudo, os esforços dermos séria e honestamente apreciar as vulgação que parte da comunidade cien-
de vulgarização fizeram com que a ci- vantagens de nossa época enquanto não tífica se intera da atividade dos demais
ência passasse a existir na consciência conhecermos as das épocas anteriores” cientistas (Lévy-Leblond, 2006). Segun-
do público, implantada na sua realidade (Lévy-Leblond, 2005: 48). Desta forma, do ele a divulgação é um paradoxo, sen-
quotidiana, mesmo sem dar atenção aos analisar a história da vulgarização cientí- do ao mesmo tempo necessária e carre-
processos de construção deste conheci- fica ajuda a compreender esta prática nos gando em si algo de impossível, uma vez
mento. Desta forma, estavam-se veicu- dias de hoje. Há idéias recorrentes, tais que há instâncias da ciência que seriam
lando outros valores além dos puramente como ciência para todas as inteligências, intraduzíveis para todos.
científicos. Assim, lemos n`O Vulgari- divertir e ensinar, e não utilizar fórmu- Do ponto de vista da
zador uma notícia sobre uma fábrica de las matemáticas, que formam as balizas prática social, observa-se uma crescente
cerveja, tida como um os melhoramentos da vulgarização/divulgação até os dias preocupação em relacionar a divulgação
industriais da Corte do Rio de Janeiro: atuais. Reconhecer estas permanências do conhecimento científico à cidadania.
ajuda a ver a trajetória desta prática e Esta premissa alimenta a idéia de que o
... apraz-nos por esta ocasião o benévo- suas marcas de origem. Ao debruçar- cidadão ideal é aquele que possui as in-
lo acolhimento que a idéia de vulgari- se sobre sua história, pode-se ter mais formações necessárias para atuar na po-
zar pela publicidade esta forma utilís- elementos para assumir uma posição no lis moderna, uma democracia composta
sima de atividade social tem encontra- debate atual que questiona se a divulga- por cidadãos conscientes e responsáveis
do entro os nossos produtores. O nos- ção é uma mera tradução ou se possui por suas decisões. Neste sentimento difu-
so fim principal é despertar por este uma instância epistemológica própria. so identifica-se uma politização da divul-
modo a emulação no aperfeiçoamento Há um equívoco ao entender a dimen- gação, remetendo a um aspecto utópico
das indústrias nacionais e criar novos são de tradução como sendo produto de que imagina uma sociedade melhor, cujo
elementos de progresso ao desenvolvi- um discurso hierarquicamente inferior, projeto seria o acesso de todos ao co-
mento moral e material do Brasil (Za- desqualificando o trabalho do divulgador nhecimento que agora poucos partilham.
luar, 1878: 191). e não considerando sua atividade como Assim, ao invés de atribuir à divulgação
criadora. Assim, ao considerar o discur- algo de impossível, seria melhor vê-la
Não pode-se esquecer so divulgador como mais permeável a como uma utopia, ou seja, um projeto
que cerveja era um assunto da ciência outros discursos, se comparado ao texto que busca incessantemente novas formas
no séc. XIX. Os estudos de Pasteur so- científico tout court, admite-se que existe de aumentar a compreensão de todos do
bre fermentação alcoólica tiveram apoio um continuum entre público e cientistas, mundo da ciência, tanto de seu modus
parcial das cervejarias francesas e sua pois estes teriam acesso às demandas e operandi, quanto de seus resultados.
dissertação de 1860 sobre a fermentação expectativas sociais, influenciando as di-
alcoólica foi um divisor de águas no de- retrizes da pesquisa científica. AGRADECIMENTOS
bate em torno das explicações biológicas Contudo, os desafios da
versus químicas do fenômeno. Em 1873 vulgarização científica se renovaram, já A autora agradeçe o
Pasteur patenteou o processo de fermen- não são os mesmo do momento em que apoio do CNPq para realização desta
tação industrial da cerveja, no que pode estava intimamente ligada à instituciona- pesquisa.
ser visto como uma das aplicações do lização da ciência. Hoje a vulgarização
conhecimento de laboratório levada à in- ou divulgação científica se instituiu em Referências
dústria (Geison, 2002). Se os princípios um campo de estudos, com seus méto-
de fermentação não estavam presentes no dos e objetos próprios. A figura do lite- Alencar J (1877) O Homem pré-histórico na
texto d´O Vulgarizador (o que poderia rato vulgarizador, como Emílio Augusto América. O Vulgarizador 5: 34-35.
ser considerado uma falha do ponto de Zaluar, no Brasil, e Camile Flammarion, Almeida MO (1931) A vulgarização do saber.
vista educativo da vulgarização), pode-se na França, desapareceu de cena, dando Ariel. Rio de Janeiro, Brasil. 239 pp.
ver a preocupação com uma modernida- lugar para outros profissionais. Para uti- Andrade, J A R, Filker, R, Nascimento, M M,
de derivada da ciência que repercutiria lizar um termo mais contemporâneo, a Marques Neto, J C, Matos, L F F, Romano
R. (1989) Diderot e D’Alembert. Enciclo-
também na esfera moral e de comporta- percepção pública da ciência passa a ser pédia ou Dicionário Raciocinado das Ci-
mento da sociedade, além do desenvol- um problema para os “divulgadores” que ências, das Artes e dos Ofícios. São Paulo,
vimento de uma indústria nacional, lem- trabalham em museus e instituições cien- Unesp. 200 pp.

MAY 2008, VOL. 33 Nº 5 329


Anônimo (1876) Revista científica. Ilustração do século XVIII à transição ao século XX). nuscrito ao hipertexto. Rui Barbosa e Vieira
Brasileira 2: 26. Asclepio. 2: 107-123. Lent. Rio de Janeiro, Brasil. pp. 361-370.
Béguet B (1990) La Science pour tous, 1850- Gallardo S (2005) Los médicos recomiendam: Raichvarg D, Jacques J (1991) Savants et Igno-
1914. Bibliotheque du Conservatoire Na- um estudio de las notas periodísticas so- rants: une histoire de la vulgarisation des
tional des Arts et Métiers. Paris, França. bre salud. Eudeba. Buenos Aires, Argenti- sciences. Seuil. Paris, França. 290 pp.
168 pp. na. 217 pp. Rey-Debove, J; Rey, (1993) A Nouveau Le Petit
Benchimol J (1999) Dos micróbios aos mosqui- Geison G (2002) A ciência particular de Louis Robert: Dictionnaire de la langue française.
tos: febre amarela e a revolução pasteuria- Pasteur. Contraponto/FIOCRUZ. Rio de Ja- Paris: Dictionnaires Le Robert.
na no Brasil. Fiocruz Editora - UFRJ. Rio neiro, Brasil. 455 pp. Revista científica (1876) Ilustração Brasileira. 2
de Janeiro, Brasil. 498 pp. Gross A (1994) The role of rhetoric in the pu- (I): 26.
Ben-David, J (1974) O papel do cientista na so- blic understanding of science. Public Un- Roman CA (1983) História ilustrada da ciência:
ciedade: um estudo comparativo. Pioneira. derst. Sci. 3: 3-23. a ciência dos séculos XIX e XX da Univer-
São Paulo, Brasil. 281 pp. Hoaiss (2001) Dicionário Eletrônico da Língua sidade de Cambridge. Circulo do Livro. São
Bensaude-Vicent B, Rasmussen A (1997) La Portuguesa, CD-Rom. Paulo, Brasil. 136 pp.
science populaire dans la presse et l’édition Holton G (1978) The Scientific Imagination: Schiele B, Jacobi D (1988) Vulgariser la scien-
XIXe et XXe siécle. CNRS. Paris, França. case studies. Cambridge University Press. ce: le Procès de l’ignorance. Ed. Champ
297 pp. Cambridge, RU. Vallon. Seyssel, França. 291 pp.
Braga WD (1996) O deus secular da ciência Koselleck R (2006) Futuro Passado: contri- Shapin S, Shaffer S (1985) Leviathan and
e seu filho discurso: a legitimação do sa- buição à semântica dos tempos históricos. the air-pump. Princeton University Press.
ber científico na mídia. Dissertação. ECO/ PUC. Rio de Janeiro, Brasil 366 pp. EEUU. 456 pp.
UFRJ. Rio de Janeiro, Brasil. 210 pp. Kury L (2001) Entre utopia e pragmatismo: a Simmel G (1971) On individuality and social
Cachin MF, Bruyère C (2001) La traducion au história natural no iluminismo tardio. Em forms. The University of Chicago Press.
carrefour des cultures Em Mollier JY, Mi- Soares LC (Ed.) Da Revolução Científica à Chicago, EEUU. 412 pp.
chon J (Eds.) Les mutations du livre et de big (business) science. Hucitec/Eduff. São Stewart L (1992) The rise of public science.
l'edition dans le monde du XVIIIe siècle Paulo, Brasil. pp. 105-154. Cambridge University Press. Cambridge,
à l'an 2000. Université Laval/Harmattan. Lévy-Leblond JM (2005) Deficiências. Em Mas- UK. 487 pp.
Québec, Canadá. pp. 506-530. sarani L, Morerira ICE, Turney J (Eds.) Turner F (1980) Public science in Britain 1880-
Cahan D (1995) Science and Culture: popular Terra Incógnita: a interface entre ciência 1919. Isis 71: 589-608.
and philosophical essays. University of Chi- e público. Casa da Ciência. Rio de Janeiro,
cago Press. Chicago, EEUU. 418 pp. Brasil. Veyne P (1992) Como se escreve a história.
UNB.. Brasília, Brasil. 198 pp.
Couty L (1879) Os Estudos Experimentais no Lévy-Leblond JM (2006) Cultura científica: im-
possível e necessária. Em Vogt C (Ed.) Cul- Vessuri H (1991) Perspectivas en el estudio de
Brasil. Revista Brasileira 2: 215-239.
tura Científica: Desafios. Edusp/FAPESP. la ciencia. Interciencia 16: 60-69.
Cruls L (1886) Editorial. Rev. Imp. Observ. Rio Weber M (1997) El Político y El Científico.
São Paulo, Brasil. pp. 28-43.
de Janeiro 1: 1. Alianza. Madrid, España. 231 pp.
Merton RK (1974) Os imperativos institucionais
Cruls L (1897) Revista Científica. Revista Brasi- Zaluar AE (1878) Comércio, Indústria e Artes:
da ciência. Em Deus JD (Ed.) A crítica da
leira 12: 371. Fábrica de Cerveja da Rua da Guarda Ve-
ciência. Zahar. Rio de Janeiro, Brasil. pp.
Durant J (1992) Editorial. Public Underst. Sci. 37-52. lha. O Vulgarizador 24: 191.
1: 1-6. Morais Silva A (1813) Dicionário da língua Zaluar AE (1994) O Doutor Benignus. Rui Bar-
Dutra EdeF (2005) Rebeldes literários da Re- portuguesa. Edição 1a [1813], 4a [1831], bosa/UFRJ. Rio de Janeiro, Brasil. 376 pp.
pública. UFMG. Belo Horizonte, Brasil. 6a [1858], 7a [1878], 8a [1891], 10a [1945]. Zamboni LMS (2001) Cientistas, jornalistas e
227 pp. Lisboa: Ed. Confluência. a divulgação científica: subjetividade e he-
Figueirôa, S (1998) Mundialização das Ciências Penna JC (2004) A tradição como crítica. Em terogeneidade no discurso da divulgação
e Respostas Locais: sobre a institucionaliza- Süssekind F, Dias T (Eds.) A historiografia científica. FAPESP/Autores Associados. São
ção das Ciências Naturais no Brasil (de fins literária e as técnicas de escrita: do ma- Paulo, Brasil. 167 pp.

Context and ideas: History of science and public understanding of science in 19th century
Brazil
Moema de Rezende Vergara
SUMMARY

The history behind the Portuguese term “vulgarização cientí- social processes that have led to the construction, in particular
fica”, known in English as public understanding of science, is the institutionalization of science all over the world, and more
reconstructed. The study of the term helps to better analyze the specifically the 19th century in Brazil.

CONTEXTO Y CONCEPTOS: HISTORIA DE LA CIENCIA Y LA “VULGARIZACIÓN CIENTÍFICA” EN EL BRASIL


DEL SIGLO XIX
Moema de Rezende Vergara
RESUMEN

Se pretende analizar la historia del término vulgarización notadamente la institucionalización de la ciencia, específica-
científica. Al hacer una reflexión sobre el concepto también se mente en el siglo XIX en Brasil.
analiza su práctica y los procesos sociales que lo construyeron,

330 MAY 2008, VOL. 33 Nº 5

Вам также может понравиться