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Transcriação: teoria e prática


O poeta brasileiro Haroldo de Campos (1929–2003), autor de
numerosas “transcriações”, prestou uma valiosa contribuição teórica
à tradução poética.

O poeta Haroldo de Campos (1929–2003) é um caso raro de fertilidade não


só na produção de criações originais e de traduções referenciais em língua
portuguesa, como, também, de escritos críticos e teóricos sobre poesia e
sobre tradução. Sem dúvida, entre os poetas que o Brasil já teve, é o
exemplo máximo de pensamento sobre tradução poética, tendo publicado um
grande número de textos que se somam num conjunto dos mais densos e
coerentes acerca do assunto. Além dos artigos incluídos em livros, há outros
que apareceram apenas em periódicos; estes, felizmente, integrarão um
novo volume (de cuja organização participo), que não tardará a ser lançado:
contendo a maturidade do pensamento de Haroldo sobre tradução poética, representará uma
contribuição única, em todo o mundo, à discussão do tema.

Por que a tradução de poesia é diversa da tradução de outro tipo de texto?

Falamos em tradução; mais especificamente – e esta especificidade diz tudo, porque indica que
um poema requer procedimentos próprios de leitura e de tradução – tradução poética. Este tipo de
tradução é diferenciado, porque seu objeto apresenta peculiaridades, que podem ser desveladas à
luz dos fundamentos teóricos escolhidos para tanto. No caso de Haroldo de Campos, as referências
que adota progressivamente para a construção do próprio pensamento se articulam de modo a
alimentar um plano existente desde o início, atento a tudo de que pode se servir para firmar-se. O
ensaísta tece, fio a fio, uma teia de ideias que se torna mais intrincada à medida que se
desenvolve, embora seu contorno já estivesse originalmente definido.

Haroldo sempre pensou a tradução de poesia como uma “re-criação”, ou seja, um fazer de novo.
Em seu primeiro artigo de fôlego sobre o assunto, “Da tradução como criação e como crítica”, de
1962, uma das fontes de que o autor se vale é a noção de “informação estética” (do filósofo
alemão Max Bense), que, própria da linguagem poética, seria marcada pela imprevisibilidade e
pela fragilidade: a informação de um texto poético é “inseparável de sua realização”, ou seja, é
coincidente com a totalidade desse texto; o modo como ele está organizado constitui o tipo de
informação que o caracteriza. Ao valer-se dessa referência, Haroldo revela sua opção pela ideia
central de que a operação tradutora em poesia não pode ser apenas pela via do “conteúdo”, ou
“significado” do texto, via que se liga a ideias como as de “fidelidade” ao original e de
“literalidade”. Porque, sendo a informação de um poema o poema todo, não se poderia considerar
a mera reprodução do “sentido” como uma tradução satisfatória desse texto. Mas um problema se
coloca: se a informação estética é “frágil”, porque qualquer mudança de seus constituintes a
transforma, não se poderá traduzir um poema, uma vez que “passá-lo” a outra língua sempre
envolverá mudança...

Outro referencial teórico adotado posteriormente por Haroldo também desemboca na


“intraduzibilidade” do poema: é a noção de “função poética da linguagem”, do linguista russo
Roman Jakobson. Esta função, dominante da “arte verbal” (o poeta é um designer da linguagem,
segundo Décio Pignatari) implica o “tratamento da palavra como objeto”: a palavra passa a
chamar a atenção a si mesma (coisificando-se, portanto) e às relações (“materiais”) que compõem
a trama textual, marcada por trocadilhos e outros recursos sonoros. Sendo essa trama
irreproduzível, só se poderia realizar, como propõe Jakobson, a “transposição criativa” de um
poema.

Para Haroldo de Campos, a “tradução de textos criativos será sempre recriação, ou criação
paralela, autônoma porém recíproca”; nela “não se traduz apenas o significado”, mas a
fisicalidade, a materialidade da palavra: suas propriedades sonoras e imagéticas. O significado
será apenas “a baliza demarcatória do lugar da empresa recriadora“, o que indica que se está “no
avesso da chamada tradução literal”.

Dois “cristais” diferentes, mas iguais


A fim de esclarecer, metaforicamente, sua noção de “criações paralelas”, Haroldo lança mão (em
seu referido texto de 1962) de um conceito da cristalografia, o de “isomorfismo”: o poema original
e o poema recriado seriam como dois cristais isomorfos – duas substâncias de composição química
diferente, mas com a mesma estrutura cristalina. No caso dos poemas, seriam “diferentes
enquanto linguagem”, mas se cristalizariam “dentro de um mesmo sistema”, como os corpos
isomorfos. Mais tarde, o poeta preferiria adotar o termo “paramorfismo” (o grego pará- significa
“ao lado de”, como em paródia, “canto paralelo”).

Se não se pode “traduzir”, pode-se “transcriar” poesia

Transposição criativa. Numa só palavra, transcriação: este o termo adotado em definitivo por
Haroldo de Campos, para designar essa atividade que será criação, inevitavelmente.

Na busca de referências alimentadoras de sua concepção, Haroldo elege um contraponto ideal às


ideias de Jakobson, vistas por ele como uma física da tradução: as concepções do pensador
alemão Walter Benjamin, para ele uma metafísica da tradução, complementar à primeira.

Em seu artigo “Transluciferação mefistofáustica”, presente no livro Deus e o diabo no Fausto de


Goethe (1981), Haroldo refere-se à “teoria do traduzir” de Benjamin como um pensamento que
“inverte a relação de servitude que, via de regra, afeta as concepções ingênuas da tradução como
tributo de fidelidade (a chamada tradução literal ao sentido, ou, simplesmente, tradução ‘servil’)”.
O autor faz uma leitura do famoso texto “A tarefa do tradutor”, de Benjamin, de modo a colher
dele uma dimensão mais objetiva; operacionaliza um texto alegórico, extraindo dele indicações
para a atitude do tradutor diante do original. Diz o poeta que “na perspectiva benjaminiana da
‘língua pura’” (um conceito-chave de Benjamin), “o original é quem serve de certo modo à
tradução, no momento em que a desonera da tarefa de transportar o conteúdo inessencial da
mensagem”: neste modo de ver, o essencial será a “fidelidade à reprodução da forma”, e não a
“fidelidade ao sentido”. Haroldo postula que a teoria de Benjamin é “orientada pelo lema
rebelionário” de uma “tradução luciferina”.

Ousadia, rebelião, “h´ybris”

O “significado” do texto delimita o campo de sentido em que o tradutor vai trabalhar; a


“estrutura” do poema deverá ser recriada em outra língua, outro tempo, outro espaço, outra
cultura. Para se criar, não se pode ser servil; é preciso ousar, desafiar os limites. Pode-se, até,
ampliar os limites da própria língua, estendendo seu alcance. O tradutor, para Haroldo, é um
“usurpador”: ele quer “transformar, por um átimo, o original
na tradução de sua tradução”. A tradução passa a ser, também, “original”: um cristal paramórfico.
Essa é a h´ybris – palavra grega referente a excesso, a orgulho desafiante, insolência – do
tradutor, que se torna trans-criador.

Mas para se criar um novo cristal deve-se partir do primeiro, que terá de ser desvendado, e, por
isso, não poderá ser visto como um diamante intocável. A transcriação envolveria uma
“coreografia móvel” – em que “se desmonta e se remonta a máquina da criação” –, uma “pulsão
dionisíaca” que “dissolve a diamantização apolínea do texto original”, colocando “a cristalografia
em reebulição de lava”: o cristal se torna, de novo, magma que se poderá remoldar em nova ação
criadora. Há algo de orgânico nisso: Haroldo também fala em realizar, no poema original, uma
vivissecção, à semelhança da operação de animal vivo para estudo de sua fisiologia interna
(vendo-se o poema como um “ser de linguagem”), a fim de se conhecer seu funcionamento antes
de recriá-lo em outra língua.

Transcriar é fazer de novo ou refazer o novo?

Poesia vem do substantivo grego poíesis, ligado ao verbo poiéo, que significa fazer, produzir,
fabricar, criar. Assim, transcriar um poema é fazê-lo de novo. Mas também será fazer, de novo, o
novo: renovar o poema de origem, seguindo o lema make it new, proposto pelo poeta e tradutor
norte-americano Ezra Pound. Ao transcriar um poema segundo a concepção de Haroldo de
Campos, será preciso pensar em, uma vez conhecida sua “forma”, fazer um novo poema inserido
em novo lugar e novo tempo, em vez de se fazer uma “arqueologia” de sua função social, cultural
ou histórica. Assim, ao traduzir um haicai (modelo clássico japonês de poema breve) de Bashô,
em vez de ser apenas “fiel” a seu conteúdo ou, mesmo, a certos aspectos “sociais” da prática
dessa poesia na época, Haroldo procura recriar, em português, um poema dotado de visualidade
(a escrita ideogrâmica é visual por natureza) e capaz de re-produzir a concisão do original,
valendo-se, por exemplo, da criação de uma palavra nova, uma “palavra-valise” à maneira de
Lewis Carroll ou James Joyce: o verbo saltombar corresponderia ao verbo tobikomu, composto de
tobu, saltar, mais komeru, entrar.

furu ike ya / kawasu tobikomu / mizu no oto

o velho tanque
rã salt´
tomba tumba
rumor de água

Pode-se causar um certo “estranhamento” no leitor deste novo tempo e espaço, embora o poema
a ele se dirija, renovadoramente: há uma tendência, na transcriação, de “levar o leitor (de uma
língua) ao autor (de outra)”, privilegiando um dos dois caminhos identificados pelo pensador
romântico alemão Schleiermacher para a tradução (o outro seria “levar o autor ao leitor”).

Para citar outro exemplo, tomemos um elemento da transcriação, feita por Haroldo, do Bere’shit,
o Gênese. No início do texto, aparece a expressão “fogoágua”, correspondente à palavra hebraica
shamáyim, normalmente traduzida por “céu”. Baseando-se numa hipótese sugerida por Henri
Meschonic, de que se poderia entrever, nessa palavra, um composto de ’esh (fogo) e máyim
(água), Haroldo fornece em “fogoágua” (“imagem cósmica de um magma de fogo e água”) um
correspondente “concreto” ao abstrato “céu” (abstrato porque já conceptualizado), uma
representação reveladora, informação que surge nova, de novo...

De modo análogo, em suas traduções da épica grega Campos vale-se frequentemente de


compostos inusitados em nossa língua, criados à semelhança das composições vocabulares do
grego. Para sua transcriação da Ilíada – e de alguns fragmentos da Odisseia –, o poeta procura
remontar, em versos dodecassílabos, a intrincada dinâmica entre som e sentido da poesia
homérica. Vejam-se, como exemplo, estes dois versos:

Hos ephat´, edeisen d´ho géron kai epeíteto mýthoi;


be d´akéon pará thina polyphloísboio thalásses:

Findou a fala e o ancião retrocedeu medroso,


mudo, ao longo do mar de políssonas praias.

Note-se, particularmente no verso 34 – considerado por Ezra Pound um exemplo de “melopeia


intraduzível”, marcada pela palavra onomatopaica polyphloísboio – a recriação do efeito rítmico-
melódico relativo às ondas do mar, buscado e obtido especialmente na formulação de Haroldo de
Campos.

As transcriações realizadas pelo poeta são, já – ao lado dos poemas recriados em nossa língua por
Augusto de Campos, seu irmão – reconhecidas como modelares, exemplos do que de melhor se
produziu em português. Resta, contudo, obter-se amplo reconhecimento relativo à sua preciosa
contribuição teórica à tradução poética, para o qual, creio, o livro que ora organizamos,
denominado Transcriação, será de fundamental importância.

Marcelo Tápia (1954,Tietê, São Paulo, Brasil)


é editor, professor, poeta e tradutor, com diversos livros publicados. Formado em Português e
Grego pela Universidade de São paulo, prepara, no momento, tese sobre as traduções da épica
grega para o português, considerando-se centralmente a realizada por Haroldo de Campos. Dirige
atualmente o museu biográfico e literário Casa Guilherme de Almeida, em São Paulo, onde
organiza um Centro de Estudos de Tradução Literária.

Copyright: Goethe-Institut e. V., Humboldt Redaktion


Maio 2010

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