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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA


ESCOLA DE DANÇA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DANÇA

ALINE SOARES DE LUCENA

PROCESSOS COCRIATIVOS EM DANÇA:


AÇÃO CORPORAL LABANIANA NAS EXPERIÊNCIAS DO QUE NOS
É COMUM

Salvador
2017
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ALINE SOARES DE LUCENA

PROCESSOS COCRIATIVOS EM DANÇA:


AÇÃO CORPORAL LABANIANA NAS EXPERIÊNCIAS DO QUE NOS
É COMUM

Dissertação apresentada ao programa de Pós-


Graduação em Dança, Escola de Dança da
Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial
para a obtenção do grau de Mestre em Dança.

Orientadora: Prof.ª Dra. Lenira Peral Rengel.

Salvador
2017
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A Alfredo e Marineuza por me possibilitar o conhecer através da vida.


Marcilio, por conhecer comigo em sintonia e sorriso.
Théo, continuidade do sorriso, do gene e do amor.
Liu e Tay, intensa proposição de co no sentido de estar com: amorosa tríade que
enraíza e cocria nossos novos ramos e rumos.
À todas as professoras e professores, incentivadores do conhecimento, da
autonomia e da mu(DANÇA).
A eles, a ampliação da certeza e do mistério do contínuo conhecer.
5

AGRADECIMENTOS

À toda a comunidade da Escola de Dança da Universidade Federal da Bahia pela


acolhida amorosa, autônoma, paciente e instigadora. Sou grata por ter a
possibilidade de tantos encontros especiais desde 2009 até o tempo em que viver.

À FAPESB – Fundação de Amparo ao Pesquisador do Estado da Bahia pelo


fomento financeiro desta pesquisa e que possibilitou a compreensão pessoal do
compromisso social enquanto produtora de conhecimento em Dança.

À Lenira Rengel pela orientação afetiva, dedicação, paixão calorosa em conhecer e


confiança na palavra JUNT@S. Agradeço por ter vivenciado neste encontro o
sentido da palavra corresponsabilidade. Não senti desamparo em momento algum e
as ações de empoderamento que recebi me ajudaram a manter firme a maior
escolha que fiz em minha vida: observar, conhecer e aprender. O que permanece é
o compartilhamento de motivos para viver em Arte.

À banca pelo cuidado com a pesquisa, durante a qualificação e agora, neste


momentâneo desfecho. À Rita Aquino, que admiro a competência enquanto
pesquisadora, educadora e artista. Vejo e aprendo silenciosamente em suas ações
sobre amor à Dança, Educação e Arte. À Kathya Godoy pelo olhar afetivo diante
das palavras escritas.

À turma de 2015 do Mestrado em Dança, pelo incentivo, carinho e empenho.


Vocês fizeram toda a diferença! Kiran, Bruno, Patricia, Arilma, Edeise, Guilherme,
Aline, Mariana, Evie, Sônia, Thais, Lina, Andreia e Roselia. Guardarei momentos
cotidianos e lindos com vocês! Em especial agradeço à Camila Gonçalves, prova
da construção paciente em Dança e amizade que começou timidamente nos
primeiros anos de Escola de Dança e desejo que fique para os próximos anos de
vida. O compartilhamento de dúvidas, longas conversas, sorrisos, boas notícias
(gratidão a você também, pequena Maya) e danças construíram cada segundo deste
processo.

Aos espaços compartilhados nos quais pude vivenciar intensas experiências: turma
de 2014 da Licenciatura em Dança do curso noturno com Daniela Guimarães,
outro grande amor e paz que encontrei no caminho. Cada olhar carinhoso, cada
conselho gentil e cada gesto de amor dançado são parte de mim; o elenco e a
equipe da intervenção Trilhos e Estações: uma viagem dançada da Calçada a
Paripe; e o Grupo X de Improvisação em Dança.

Ao grupo de pesquisa Corponectivos: Dança/Artes/Interseções, pelo espaço de


acolhida, conhecimento e afeto e ao grupo de pesquisa de Estudos Avançados na
Arte do Movimento de Rudolf Laban.

Ao Felipe Sousa, amor, companheiro de vida, de desejo de (r)evolução e Arte.


Choque orbital, visceral, embebido em fuzz e movimento.

À Lia Sfoggia, pelo primeiro sopro labaniano.


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À Leda Muhana por ter confiado, amado, dançado. Aprendi anos-luz com seu
sorriso! A David Iannitelli, pelos conselhos, iluminações, improvisações. Admiro o
amor de vocês à arte da vida, a vida na arte, a vida da arte, a arte na vida...
À Jussara Setenta, pela acolhida, aprendizagens, sorrisos e compromisso com a
produção de conhecimento em Dança.

A Jacson Espírito Santo que me ensina sobre honestidade, conhecer, gestão com
amor, jogo de cintura, compromisso e, acima de tudo me ensina sobre o poder de
uma boa gargalhada!

À Tamires Maia e Larissa Medeiros, mais uma tríade que os tempos presentes
trouxeram para mais perto. Gratidão pelas experiências em movimento desde 1998.

Por fim, à todas as mulheres presentes em minha vida: mãe, amigas-irmãs,


educadoras, escritoras, artistas, pesquisadoras, mulheres conhecidas e
desconhecidas, por nosso feminismo e força serem necessários nos dias de hoje,
em todos os contextos, a todo segundo!

A todos os outros co que estiveram durante o caminho. Gratidão!


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“Tudo que nunca foi achado ficará também conhecido se procurado com
curiosidade”.
Tom Zé
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LUCENA, Aline Soares de. Processos cocriativos em Dança: ação corporal


labaniana nas experiências do que nos é comum. 119 f. il. 2017. Dissertação
(mestrado) – Escola de Dança, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2017.

RESUMO
Esta é uma pesquisa artístico-educacional que busca discutir e apresentar indícios
afetivos nos quais as ações corporais enquanto ações comuns entre a maioria de
nós, possam ser potenciais motes cocriativos em Dança. As ações corporais
consideradas aqui a partir de pressupostos da Arte do Movimento de Rudolf Laban
(1978) e autores atualizadores como Rengel (2015), são ações comuns entre nós,
ações que todos podem fazer, de acordo com as possibilidades de cada um. Essas
ações são compreendidas de maneira não dualista, portanto corponectiva
(RENGEL, 2007). O prefixo co, articulado com criação, traz uma inclusiva
contribuição para compreendermos que nossas ações corporais, presentes em
nossas relações diárias, se afetam simultaneamente, cenicamente ou não, de
maneira assimétrica. Sob atualizações de estudos provenientes das Ciências
Cognitivas e pesquisadores de processos de criação em Dança, descobrimos um
caminho transdisciplinar para efetivarmos as ações corporais como mote para
propostas cocriativas em Dança. Os conceitos de amor nos auxiliam a compreender
processos artístico-educacionais enquanto espaço de aceitação do outro como
legítimo na convivência (MATURANA, 1998), do diálogo (FREIRE, 1967, 2016) e da
cooperação (SENNETT, 2013) para agirmos cocriativamente. Ações corporais não
bastam em suas definições. É necessário buscar caminhos para efetivar seus
enunciados enquanto ação comum, compartilhada. Encontramos indícios para o
estudo dessas ações: improvisação, estudos sob o prisma da atenção e da
percepção de padrões de movimento e aspectos qualitativos do movimento. A
experiência, enquanto conceito abordado para nos auxiliar na compreensão da
nossa integralidade enquanto pessoa e espécie, é considerada enquanto fazer e
estar sujeito a algo, sob a perspectiva também das Ciências Cognitivas, dessa vez
com contribuições de Lakoff e Johnson (1999), além de autores como Dewey (2010)
e Larrosa (2014). Sendo assim, o intuito de estudar Dança de maneira
corresponsável, de modo que não restrinja seu fazer a determinado tipo de pessoa,
se faz necessário para assumirmos uma postura amorosa em mediações artístico-
educacionais. A abordagem metodológica adotada foi a bricolagem (DENZIN;
LINCOLN, 2006) enquanto postura ativa, flexível e estimuladora na construção e
reconstrução de conhecimento. As proposições apresentadas nesta pesquisa
encontraram seu espaço de movimento em três ambientes artístico-educativos
(“Quebra-cabeças Diários”, “Trilhos e Estações: uma viagem dançada da Calçada
a Paripe” e “Se quiser, deixe sua lembrança”), com três características em comum:
improvisação, apresentação em espaço público e criação compartilhada, ou
seja, cocriação.

Palavras-chave: Dança; Ação corporal labaniana; Cocriação; Amor; Rudolf Laban.


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LUCENA, Aline Soares de. Co-creative processes in dance: labanist bodily action on
the experiences of what is common for us. 119 pp. ill. 2017. Master Dissertation –
Escola de Dança, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2017.

ABSTRACT
This is an artistic-educational research that aims at discussing and presenting
affective evidence, in which the body actions as common actions among the majority
of us, may be potential co-creative themes in Dance. The body actions considered
here, from presuppositions of the Art of Movement by Rudolf Laban (1978) and
updating authors like Rengel (2015), are common actions, that everybody can
perform according to each one’s possibilities. Those actions are comprehended on a
non-dualist manner, therefore bodyconnective (RENGEL, 2007). The prefix co, linked
to creation, brings an inclusive contribution to the understanding that our bodily
actions, which are present in our daily relationships, affect themselves
simultaneously, scenically or not, in an asymmetrical way. Under study updates from
the Cognitive Sciences and researchers on creation processes in Dance, we
discovered a trandisciplinary way to carry out the bodily actions as a theme for co-
creative proposals in Dance. The concepts of love help us understanding artistic-
educational processes a space of acceptance of the other as legitimate in the
coexistence (MATURANA, 1998), of the dialogue (FREIRE, 1967, 2016), and of the
cooperation (SENNETT, 2013) to act co-creatively. Bodily actions do not suffice in
their definitions. It is necessary to seek ways of effect their enunciations as shared
common action. We have found indications for the study of those actions:
improvisation, studies on the prism of the attention and perception of movement
patterns and qualitative aspects of the movement. The experience, as an
approached concept to help us comprehend our integrality as a person and as
species, is considered as making and being subject to something, also under the
perspective of the Cognitive Science, this time with contributions from Lakoff and
Johnson (1999) besides authors like Dewey (2010) and Larrosa (2014). Therefore,
the intent of studying Dance in a co-responsible way, not restricting its making to a
specific kind of person, is necessary to assume a loving attitude on artistic-
educational mediations. The adopted methodological approach was the bricolage
(DENZIN; LINCOLN, 2006) as an active stance, flexible and stimulator the building
and re-building of knowledge. The propositions presented in this research found their
movement space in three artistic-educational environments (“Quebra-cabeças
Diários”, “Trilhos e Estações: uma viagem dançada da Calçada a Paripe” and “Se
quiser, deixe sua lembrança”), with three characteristics in common: improvisation,
perform on public space and shared creation, that is, co-creation.

Keywords: Dance; Labanist bodily action; Co-creation; Love; Rudolf Laban.


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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Quadro 1 Lista das oito ações básicas, de acordo com Laban ............................. 34

Quadro 2 Aspectos associados aos fatores de movimento .................................. 68

Figura 1 Desenho de pesquisa, 2015 ................................................................. 25

Figura 2 Aula na turma de Estudos dos Processos Criativos IV, 2016 ............... 76

Figura 3 Aula na turma de Estudos dos Processos Criativos IV, 2016 ............... 77

Figura 4 Aula na turma de Estudos dos Processos Criativos IV, 2016 ............... 78

Figura 5 Ensaio de espetáculo “Quebra-cabeças Diários”, 2016 ........................ 80

Figura 6 Ensaio de espetáculo “Quebra-cabeças Diários”, 2016 ........................ 81

Figura 7 Ensaio de espetáculo “Quebra-cabeças Diários”, 2016 ........................ 82

Figura 8 Espetáculo “Quebra-cabeças Diários”, no Painel Performático da


Escola de Dança da UFBA, 2016............................................................................... 83

Figura 9 Espetáculo “Quebra-cabeças Diários”, no Painel Performático da


Escola de Dança da UFBA, 2016............................................................................... 84

Figura 10 Espetáculo “Quebra-cabeças Diários”, no Painel Performático da


Escola de Dança da UFBA, 2016............................................................................... 86

Figura 11 Ensaio da intervenção “Trilhos e Estações: uma viagem dançada da


Calçada a Paripe”. Estação da Calçada, Salvador - BA, 2016 .................................. 90

Figura 12 Ensaio da intervenção “Trilhos e Estações: uma viagem dançada da


Calçada a Paripe”. Estação da Calçada, Salvador - BA, 2016 .................................. 91

Figura 13 Ensaio da intervenção “Trilhos e Estações: uma viagem dançada da


Calçada a Paripe”. Trem suburbano, Salvador - BA, 2016 ........................................ 92

Figura 14 Apresentação de “Trilhos e Estações: uma viagem dançada da Calçada


a Paripe”. Estação da Calçada, Salvador - BA, 2016 ............................................... 93

Figura 15 Apresentação de “Trilhos e Estações: uma viagem dançada da Calçada


a Paripe”. Trem suburbano, Salvador - BA, 2016 ...................................................... 95

Figura 16 Apresentação de “Trilhos e Estações: uma viagem dançada da Calçada


a Paripe”. Trem suburbano, Salvador - BA, 2016 ...................................................... 96

Figura 17 Apresentação de “Trilhos e Estações: uma viagem dançada da Calçada


a Paripe”. Trem suburbano, Salvador - BA, 2016 ...................................................... 97
11

Figura 18 Apresentação de “Trilhos e Estações: uma viagem dançada da Calçada


a Paripe”. Estação de Paripe, Salvador - BA, 2016 ................................................. 101

Figura 19 Encontro do Grupo X de Improvisação em Dança. Escola de Dança da


UFBA, Salvador – BA, 2016 ..................................................................................... 103

Figura 20 Encontro do Grupo X de Improvisação em Dança. Escola de Dança da


UFBA, Salvador – BA, 2016 ..................................................................................... 104

Figura 21 Encontro do Grupo X de Improvisação em Dança. Escola de Dança da


UFBA, Salvador – BA, 2016 ..................................................................................... 105

Figura 22 “Se quiser, deixe sua lembrança” no Congresso da UFBA – 70 anos,


2016 ........................................................................................................................ 107

Figura 23 “Se quiser, deixe sua lembrança” no Congresso da UFBA – 70 anos,


2016 ........................................................................................................................ 108

Figura 24 “Se quiser, deixe sua lembrança” no Congresso da UFBA – 70 anos,


2016 ........................................................................................................................ 109

Figura 25 “Se quiser, deixe sua lembrança” no Congresso da UFBA – 70 anos,


2016 ........................................................................................................................ 111

Figura 26 “Se quiser, deixe sua lembrança” no Congresso da UFBA – 70 anos,


2016 ........................................................................................................................ 112

Figura 27 “Se quiser, deixe sua lembrança” no Congresso da UFBA – 70 anos,


2016 ........................................................................................................................ 113
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LISTA DE SIGLAS

EPC IV – Estudos dos Processos Criativos IV

PPGDança – Programa de Pós-graduação em Dança

PUC-SP – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

UFBA – Universidade Federal da Bahia


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SUMÁRIO

MERGULHO CONTÍNUO... ...................................................................................... 14

CAPÍTULO I – CORPO, MOVIMENTO, DANÇA ...................................................... 26

1.1 AÇÃO: corporal, corponectiva, comum ................................................................ 27

1.2 COCRIAÇÃO: ações compartilhadas................................................................... 36

1.3 AMOR ENQUANTO DOMÍNIO DE AÇÃO: caminho para uma experiência


cocriada em Dança .................................................................................................... 43

CAPÍTULO II – POSSIBILIDADES EM AÇÃO.......................................................... 49

2.1 AÇÃO ENQUANTO PADRÃO DE MOVIMENTO: questionamentos e pistas nas


ações corporais .......................................................................................................... 50

2.2 ATENÇÃO E PERCEPÇÃO: experiência em ação .............................................. 57

2.3 FATORES E QUALIDADES DE MOVIMENTO: a transformação de padrões nas


ações corporais .......................................................................................................... 64

CAPÍTULO III – EXPERIÊNCIAS EM COCRIAÇÃO................................................. 70

3.1 QUEBRA-CABEÇAS DIÁRIOS ............................................................................ 72

3.2 TRILHOS E ESTAÇÕES: UMA VIAGEM DANÇADA DA CALÇADA A


PARIPE ...................................................................................................................... 88

3.3 SE QUISER, DEIXE SUA LEMBRANÇA ........................................................... 101

INDÍCIOS ................................................................................................................ 114

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 116


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MERGULHO CONTÍNUO...

Observar...
Observar os movimentos das outras pessoas e os nossos.
Observar de que maneira nos sentamos, como nos locomovemos ou como
correspondemos a um gesto de afeto. De que jeito nos relacionamos com pessoas
íntimas ou desconhecidas, observar como nos comportamos socialmente.

O que de meu tem no movimento do outro?


O que tem do outro no meu movimento?
O movimento trata-se de uma propriedade ou de uma comunidade?
O movimento é algo que se tem ou algo que se compartilha?

Estas e outras tantas perguntas permeiam a pesquisa que dissertamos,


juntos, a seguir. Com o intuito de estudar o potencial da Dança criativamente,
educacionalmente e afetivamente, de maneira corresponsável, de modo que não
restrinja seu fazer a determinado tipo de pessoa, a especificidade desta pesquisa é
considerarmos nossas ações corporais enquanto potência de experiências
cocriativas em Dança. De maneira não intencional, a pesquisa foi se construindo em
tríades, as quais fomos destacando de forma proposital ao longo do texto.
Desejamos por meio desta escrita corresponsável, traçar um caminho do
movimento, observando o que aconteceu, o que acontece agora e o que ainda
(possivelmente) está por vir.
Nesta introdução, vamos apresentar um breve histórico, termos e
entendimentos que consideramos relevantes, a abordagem metodológica e o
resumo dos capítulos que seguem.
Quando falarmos de Dança, não deixamos nenhum aspecto de fora, no
sentido de não estarmos ignorando nenhum tipo de pessoa, técnica ou modo de
fazer. Consideramos que é tudo com, no, e em movimento.
Primeira tríade: corpo, movimento e Dança.
A partir dela, o turbilhão de indagações iniciou.
15

Segunda tríade: Lia Sfoggia1, Rudolf Laban2, Lenira Peral Rengel3.


No início do bacharelado em 2009, aconteceu o primeiro indício: o encontro
com Lia Sfoggia, na época mestranda pela Escola de Dança da Universidade
Federal da Bahia (UFBA). Enquanto professora substituta do curso de Licenciatura
em Dança, Lia Sfoggia possuía um olhar para os estudos de Rudolf Laban diferente
do que conheço hoje, e que mais tarde viria entender que era apenas um dos
múltiplos ângulos que o estudo da Arte do Movimento4 pode proporcionar. Com uma
perspectiva sobre a notação de Dança, análise de movimento e processos criativos
sob indicativos de Laban, formamos um grupo de estudos, que mais tarde viraria um
duo, Lia Sfoggia e eu. Persistimos. Parece que alguma coisa naqueles encontros
soava genial, complexa, e ao mesmo tempo tão óbvia (!). E que continua ressoando,
nesse fluxo contínuo entre Arte e vida. Aprendi símbolos para mãos, dedos e
joelhos. Símbolos para cair, girar, torcer, além de possibilidades corporais a partir da
ênfase aos fatores e qualidades de movimento, ações e criação de Dança articulada
ao cotidiano.
No início do primeiro semestre de 2014, havia escolhido estudar ações
cotidianas (o segundo indício) como forma de abarcar o que cada um já sabe fazer e
a partir disso investigar novas possibilidades de criação e alargamento de repertório
corporal. Conseguimos formar um grupo bastante peculiar para experienciar tudo
aquilo que estava efervescendo em dois fechamentos de ciclos: o trabalho de
conclusão da Licenciatura e o artigo final da Especialização em Estudos
Contemporâneos em Dança (ambos em 2014, na UFBA). Todas as participantes
deste grupo foram amigas da época em que aulas de balé e jazz em Alagoinhas -
BA (entre 1998 e 2009) eram nosso ponto em comum. Elas tinham entre 22 e 27
anos e não haviam escolhido a Dança como modo de vida, seja profissional, artístico

1
Lia Sfoggia é mestre em Dança pela UFBA (2010), possui pesquisas voltadas para Composição
coreográfica, Sistema Laban/Bartenieff, Educação e Música. Atualmente é colaboradora da Oficina de
Composição Agora (OCA) e doutoranda do Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura
e Sociedade da UFBA.
2
Sugestão de consulta: 1.1 AÇÃO: corporal, corponectiva, comum, p. 26 e 2.3 FATORES E
QUALIDADES DE MOVIMENTO: a transformação de padrões nas ações corporais, p. 63.
3
Lenira Peral Rengel é professora doutora da Escola de Dança (UFBA). Coordenadora do Programa
de Pós-Graduação em Dança e líder do Grupo de Pesquisa Corponectivos:
Dança/Artes/Interseções. As ênfases de sua pesquisa são em ensino/aprendizagem em Dança,
desenvolvimento cognitivo e Dança, Arte do Movimento de Rudolf Laban e sua inserção no
pensamento contemporâneo da Dança e da Educação, procedimento metafórico do corpo e
Educação continuada.
4
Arte do Movimento é um termo usado para a reunião dos estudos propostos por Rudolf Laban por
meio da criação de nomenclaturas e noções espaciais e corporais. Alguns autores como Maria
Cláudia Alves Guimarães (2006) e Lenira Rengel (2006) também usam o termo Teoria do Movimento.
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ou social, eram estudantes de Veterinária, Direito, Oceanografia e Odontologia, que


nunca mais haviam feito periodicamente atividades em Dança. As aulas foram
argumentadas prioritariamente pelos estudos de Laban sobre ações, fatores e
qualidades de movimento e possuíam um planejamento flexível, de acordo com
cada momento, no qual a aula seguinte era influenciada pelas discussões da aula
anterior, de maneira processual. Durante nossos encontros não havia uma
hierarquia5 perceptível professor-aluno ou coreógrafo-dançarino, como era proposta
na academia que frequentávamos e ainda é em muitos espaços artístico-educativos.
Tive um lugar de mais proeminência porque era um estudo proposto por mim,
contudo a maneira como encarávamos os encontros não ignoravam as sugestões
das outras pessoas que participaram. Juntas, pudemos perceber que lidar com a
imprevisibilidade e trabalhar com Dança considerando o histórico de cada um exigia
bastante rigor. Durante a escrita do artigo e do trabalho de conclusão da
Licenciatura, e diante de tudo que vivenciamos ao longo de um ano fui percebendo o
quanto a forma que somos, a maneira como agimos, pode influenciar no processo
criativo que é de partida cocriativo, ou seja, corresponsável.
O terceiro indício também foi em forma de encontro: Lenira Peral Rengel.
Durante a segunda etapa do curso de Especialização em Estudos Contemporâneos
em Dança (UFBA), ela ministrou uma disciplina para a turma, chamada Introdução à
Teoria do Conhecimento. Dentre muitas experiências propostas, rememoramos o
aprofundado estudo sobre a Arte do Movimento de Rudolf Laban que Lenira Peral
Rengel propunha em sua vida acadêmica, educacional, artística e pessoal. Estando
cientes de que o objeto de estudo que eu havia escolhido era permeado por
algumas dessas noções, firmamos uma parceria desde o trabalho de conclusão da
Especialização até o Mestrado em Dança. E também, encontros do grupo de
pesquisa de Estudos Avançados na Arte do Movimento de Rudolf Laban6
aprofundaram ainda mais a imersão. Durante o período em que participei os
encontros foram guiados através de biografias, imagens, vídeos e experiências em
movimento, a partir dos Temas de Movimento propostos por Laban e a sua própria
trajetória enquanto artista. As propostas do grupo iam além de somente apresentar

5
Sobre hierarquia, é válido lembrar a origem da palavra, segundo Rocha (2014): “[...] o substantivo
feminino ‘hierarquia’ é derivado do latim hierarchia, que significa divisão dos anjos por ordem de
importância e do grego hierarkhia, que trata do comando de um alto sacerdote, esta palavra surge a
partir da junção entre as expressões ta hiera (ritos sagrados), mais arkhein (comando, domínio) [...]”
(ROCHA, 2014, p. 2-3).
6
O grupo de estudos foi criado em 2010 por Lenira Peral Rengel.
17

as pesquisas e motivos de Laban, mas também atravessavam assuntos


contemporâneos e até eram postos em questão, afinal nenhum conhecimento é tão
fechado que não possa ser transformado.
As maneiras de vincular ações cotidianas7 à criação em Dança, levando em
consideração que somos constituídos de tudo aquilo que fazemos, dizemos e da
forma como agimos, foram o início desse percurso. Ao longo do processo, essas
ações foram chamadas de ações corporais, ações comuns, ações corponectivas,
entre outros termos que no fim viriam designar o mesmo: ação enquanto o que nos é
comum, como deslocar-se, girar, dobrar, torcer, pressionar, entre outras,
considerando as possibilidades de cada pessoa. Em cada movimento de Dança, é
possível identificar ações em comum porém configuradas em modos e qualidades
de movimento diferentes. Entretanto, ações corporais como caminhar, sentar ou
estar de pé, tornam-se padrões, constituindo um amplo acervo dinâmico
constantemente modificado ao longo da vida. Junto às limitações e às possibilidades
de cada um, compreende-se que esses padrões são construídos na interação com o
meio, seja ele social, cultural, familiar ou qualquer outro.
Durante o desenvolvimento da pesquisa, nomenclaturas em consonância com
a palavra cocriação/cocriativo foram surgindo, tais como composição coletiva,
processos criativos compartilhados, coletivos, por exemplo. Porém mesmo que
esses termos difiram em nomenclatura, trata-se aqui da mesma intenção: criar junto,
em ação corresponsável. Não importa se a sequência de movimentos seja feita por
apenas uma pessoa ou em grupo, o que interessa é que temos a possibilidade de
estarmos conscientes de que não somos sem o outro, seja pessoa, objeto, ideia.
Estamos sempre entre as relações e vínculos, cocriando com emoções, com outros
corpos, cocriando com a forma que nos comportamos. Pensar um processo
cocriativo em Dança implica abranger para esse espaço de criação tudo o que nos
constitui corpo, independente do desejo de enfatizar um ou outro aspecto em cena
ou em sala de aula. O que queremos dizer é que quando criamos, ou melhor,


7
A perspectiva de ações cotidianas articulada no trabalho de conclusão da Licenciatura em Dança,
foi a partir de breves noções sobre os estudos de Laban. Principalmente em maneiras de criação a
partir de níveis, planos, direções, fatores e qualidades de movimento em ações familiares, a fim de
proporcionar uma criação compartilhada e a descoberta de novas possibilidades em movimento. É
válido lembrar que dançarinos e coreógrafos como Steve Paxton e Yvonne Rainer, durante a
atividade da Judson Dance Theater (1962-1964), em Nova Yorque, experimentavam levar para cena
ações do cotidiano, ou comportamentos do cotidiano, porém o recorte desta pesquisa difere desse.
18

cocriamos, não estamos isolados das nossas emoções, das outras pessoas, de
quem somos, é tudo correlacionado.
No decorrer das experiências datadas no nosso histórico, as concepções
sobre o que é/pode ser Dança começaram a ser modificadas a partir de perspectivas
contemporâneas, de transdisciplinaridade perante as formas de conhecimento.
Quem pode fazer Dança? Como se pode criar em Dança? Posso dançar sem
necessariamente estar em movimento perceptível? Desvincular a Dança da Música,
de passos codificados, de tempos preestabelecidos e de outros padrões do que se
espera que seja uma dança, foram partes dessa mudança de paradigma.
Argumentamos que a potência da Dança está presente também na
disponibilidade em compartilhar, em propor ações artístico-educativas amorosas.
Isso implica abrir um espaço de escuta que não doutrina a partir de relações
hierárquicas autoritárias, mas que pode provocar transformações em relações
assimétricas, no sentido de cada pessoa ter garantido seu espaço e importância de
atuação, independentemente do grau de criação cênica ou atuação na sala
(professor e aluno, por exemplo). O desenvolvimento de uma escuta refere-se ao
estar atento ao outro, seja pessoa, situação ou algum elemento cênico. Talvez, a
mais importante das mudanças de paradigmas tenha sido: compreender que só
somos possíveis via corpo que não é dualista (corpo e mente separados) e que esse
corpo necessita estar em contato, correlação com o outro, necessita estar em
vínculo para coexistir.
A respeito do termo vínculo, Sodré8 (2002) observa:

E qual a diferença entre o vínculo e a relação? É que o vínculo


atravessa o corpo, o afeto, passa por sentimento, ódio, enquanto a
relação entre pessoas pode ser completamente impessoal, ou seja,
são indivíduos atomizados, separados, que se relacionam
juridicamente, e polidamente por direito e por etiqueta. O vínculo
pode até ser atravessado pelo direito, mas ele é emocional, é
libidinal, é afetivo. (SODRÉ, 2002, p. 87)

O vínculo, sustenta o autor, diferentemente da relação, transforma a ação em


ação afetiva. A dimensão do afeto e do amor, é vista aqui como fio condutor das
ações propostas nesta pesquisa desde a Licenciatura em Dança até a escrita desta
dissertação. Se fôssemos resumir em uma palavra, e essa palavra fosse suficiente

8
Muniz Sodré é sociólogo, tradutor e jornalista, atua como professor emérito na Escola de
Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
19

para abarcar tudo que foi, está sendo e o que desejamos que continue a ser
experienciado, essa palavra seria amor.
Para dissertar sobre as experiências vivenciadas, faz-se necessário
argumentar sobre o entendimento de Educação, aqui em consonância com Paulo
Freire9 (1967, 1996, 2016), pelo caráter pedagógico do Tirocínio Docente10 e das
outras experiências. Argumentamos ainda que mesmo em processos artísticos,
acontecem processos educacionais, independentemente de estarmos inseridos em
ambiente institucionalmente educacional. Portanto, “[...] ensinar não é transferir
conhecimento, mas criar as possibilidades para sua produção ou a sua construção”
(FREIRE, 1996, p. 22). Frisamos também que os termos educativo, educação,
educacional ou outro relacionado à Educação, utilizados nessa pesquisa, não se
referem apenas ao ambiente escolar formal ou não formal, mas abarca o conhecer,
a Educação em termos de aprender/ensinar algo, de ensino/aprendizagem. Para
evitar desalinhos com nomenclaturas, denominaremos dois agentes: professor e
aluno, ou às vezes dançarino e coreógrafo/propositor quando nos referirmos a
aspectos com ênfase cênica. Em algumas partes do texto separamos o termo
artístico do termo educacional/educativo apenas por uma adaptação ao contexto
escrito ou quando desejamos dar ênfase a um aspecto mais do que outro. Porém é
necessário saber que os dois coexistem e suas características singulares são
coimplicadas, encarando assim o ato de fazer Dança como um modo de
ensino/aprendizagem do movimento como um todo.
A diversidade de conceitos abordados requereu buscar por um procedimento
metodológico que auxiliasse na compreensão da complexidade dos processos
cocriativos experienciados e que respeitasse a particularidade de cada um deles. O
modo que escolhemos para atuar nos processos foi o do bricoleur interpretativo,
como proposto por Denzin11 e Lincoln12 (2006).


9
Paulo Freire foi educador e filósofo brasileiro, considerado mundialmente um expoente pensador da
Pedagogia e da Pedagogia crítica, que acredita na emancipação do sujeito e em ações amorosas em
Educação.
10
Atividade obrigatória do Mestrado em Dança (UFBA) que consiste em ministrar aulas na
graduação, sob supervisão do professor do módulo/disciplina.
11
Norman Denzin é professor de Comunicação da University of Illinois, Urbana-Champaign (EUA). É
pesquisador nas áreas de Comunicação, Sociologia e Humanidades.
12
Yvonna Lincoln é professora na área de Administração Educacional do Departamento de
Desenvolvimento de Recursos Humanos na Texas A&M University, (EUA).
20

O bricoleur interpretativo entende que a pesquisa é um processo


interativo influenciado pela história pessoal, pela biografia, pelo
gênero, pela classe social, pela raça e pela etnicidade dele e
daquelas pessoas [...]. (DENZIN; LINCOLN, 2006, p. 20)

Para tanto, a bricolagem, desenvolvida aqui com esses autores, juntamente


com Kincheloe13 (2007) e Berté14 (2011, 2014), é considerada enquanto modo de
agir nas experiências vivenciadas e na escrita. Composta de construção,
reconstrução e negociação, a bricolagem é uma postura ativa que fomenta a
habilidade de atualização constante e se distancia de metodologias aplicáveis
universalmente (KINCHELOE, 2007).

A bricolagem, resultante do método do pesquisador bricoleur


interpretativo, é [...] uma colagem complexa, uma montagem, uma
estrutura reflexiva, um conjunto de imagens e de representações
mutáveis interligadas. A bricolagem é uma construção emergente
que sofre alterações e pode assumir novas formas ao longo do
processo de pesquisa, mediante o acréscimo de diferentes
instrumentos, métodos e técnicas de representação e interpretação
[...]. (BERTÉ, 2011, p. 13-4)

Enquanto pesquisadores pautados na bricolagem, nos referenciamos em


diversos materiais empíricos como textos, vivência pessoal, vídeos, relatos,
fotografias, produções culturais, entre outros (DENZIN; LINCOLN, 2006). Esses
materiais formam uma espécie de patchwork (colcha de retalhos) que se configura
em uma rede de cocriação, unindo todos em prol de algum objetivo em comum, no
nosso caso, fazer Dança. Nesse modo, não cabem maneiras absolutas de como
criar, mas a abertura de possibilidades em criar como se sabe. Essas estratégias
vão se construindo no decorrer do processo, de acordo com as particularidades dos
participantes e o contexto, portanto não são preestabelecidas. Esse tipo de
abordagem fez-se relevante devido à diversidade dos processos cocriativos dos
quais participei para compor parte desta pesquisa e seu uso não se restringe a
somente a experiência durante o Tirocínio Docente.


13
Joe Kincheloe (1950-2008) foi professor na faculdade de Educação em Montreal – Canadá, a
McGill University. Pesquisador nas áreas de Educação, Cognição, Estudos Culturais, entre outras.
Estudou e publicou sobre a bricolagem proposta por Norman Denzin e Yvonna Lincoln.
14
Odailso Berté é coreógrafo, professor de Licenciatura em Dança, na Universidade Federal de Santa
Maria (UFSM) – RS. Mestre em Dança (UFBA) e doutor em Arte e Cultura Visual pela Universidade
Federal de Goiás (UFG).
21

Nesta pesquisa, a bricolagem opera tanto como uma metodologia de


pesquisa qualitativa, quanto como uma experiência artística (BERTÉ, 2011).
Portanto, a bricolagem é vista enquanto um estímulo de uma visão artístico-
educacional contextualizada, composto de constante negociação entre os envolvidos
em cada processo.
Ao escolhermos a bricolagem não somente como procedimento metodológico,
mas também como proposição artística, buscamos compreender que os processos
cocriativos estão sujeitos a reorganizações, de acordo com as necessidades que
vão surgindo no momento e também das situações diárias que nos afetam (BERTÉ,
2011). Esses acontecimentos determinam assim o caráter processual tanto da
pesquisa, bem como das propostas artístico-educativas relatadas no terceiro
capítulo. Durante o processo aconteceram situações que fugiram do nosso controle
(se é que o temos) e foi necessária reorganização contínua. Sendo assim,
considerando essa característica de atualização, a bricolagem tornou-se a
possibilidade de desenvolvimento desta pesquisa.
A partir deste histórico e de concepções contemporâneas que evidenciam o
vínculo, o amor, a necessidade do fazer compartilhado e, sob a perspectiva de um
processo criativo que proponha as ações corporais como potencial cocriador, é
formulada a seguinte pergunta: de que maneira o estudo das ações corporais,
articulado aos estudos de Laban, contribui para a compreensão de uma perspectiva
afetivamente cocriativa diante processos de criação em Dança? Em busca de -
muito mais do que encontrar respostas - fomentar esta e outras perguntas nas
páginas a seguir, nós construímos essas palavras escritas argumentando com
autores, conversando com textos, dançando com as palavras, movimentando
conceitos, escutando letras, transcrevendo vozes.
Essa dissertação está organizada em três etapas, três capítulos, tríade.
O primeiro capítulo trata-se da tríade: ação, cocriação e amor. Ação corporal,
segundo Laban (1978), versado pelos estudos de Rengel (2015), apresenta na sua
abordagem uma perspectiva não dualista. Ou seja, a ação corporal exposta
enquanto uma ação comum indica ação enquanto corponectiva (RENGEL, 2007). O
segundo item deste capítulo aborda a conceituação de linguagem e de coordenação
22

de ação consensual (MATURANA15, 1998) para apresentar as possibilidades que


temos no criar junto, criar com, articulando-se com estudos provenientes das
Ciências Cognitivas16. Na investigação sobre cocriação, encontramos equivalências
em processos compartilhados detalhados por autores produtores de conhecimento
em Dança, tais como Feitoza17 (2011) e Barreto18 (2012), entre outros. A terceira
parte discorre sobre uma emoção necessária para a abordagem de Dança aqui
proposta, o amor (MATURANA, 1998, 2000; FREIRE, 1967, 2016), enquanto um
domínio de ação possível através do diálogo (FREIRE, 1967, 2016) e da cooperação
(SENNETT19, 2013). As noções de amor que propomos aqui argumentam sobre o
desejo de aceitar o outro enquanto outro legítimo na convivência (MATURANA,
1998).
Nosso segundo capítulo argumenta sob a perspectiva da tríade:
problematização, atenção, qualidade. No primeiro momento, apresentamos
questionamentos que foram surgindo durante a pesquisa e a possibilidade de
proporcionar suas transformações (NEVES20, 2008; HERCOLES21, 2011), a partir de
nossas ações corporais, nossos padrões de movimento. Encontramos indícios na
improvisação (GUIMARÃES22, 2012; SILVA23, 2014) para auxiliar os estudos sobre


15
Humberto Maturana é biólogo chileno e professor da Universidade do Chile. Junto com Francisco
Varela criou a biologia do conhecer. Pesquisa assuntos sobre Educação, Linguagem, Emoção, entre
outros temas.
16
Ciências Cognitivas é uma recente reunião de disciplinas, datada por volta de 1970.
Resumidamente, seus esforços são em volta da compreensão da mente humana através de uma
abordagem altamente interdisciplinar, permitindo a contribuição de várias linhas de pesquisa nas
áreas da Neurociência, Matemática, Filosofia, Linguística, Psicologia, Ciência da computação,
Biologia, entre outros.
17
Jonas Karlos Feitoza é professor assistente no curso de Licenciatura em Dança da Universidade
Federal de Sergipe (UFS), atua em danças de salão, dança contemporânea, entre outras.
18
Ivana Menna Barreto é bailarina e pesquisadora carioca. Doutora em Comunicação e Semiótica
pela PUC-SP e fundadora da companhia Movimento e Luz.
19
Richard Sennett é professor da London School of Economics (RU), New York City University e
Massachusetts Institute of Technology (EUA). Historiador e sociólogo norte-americano.
20
Neide Neves é doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Organizou didaticamente,
junto com Rainer Vianna a denominada Técnica Klauss Vianna.
21
Rosa Hercoles é professora do curso de Comunicação e Artes do Corpo da PUC-SP. Atua
principalmente nos seguimentos: Eutonia, Dança contemporânea, Dramaturgia e Ensino da Dança.
22
Daniela Bemfica Guimarães é professora doutora da Escola de Dança da UFBA e pesquisadora do
Grupo de Pesquisa Poéticas Tecnológicas (UFBA) desde 2008. Suas pesquisas são em torno da
improvisação, composição e processos criativos em Dança, Vídeo e Cinema. Daniela Guimarães foi
professora do módulo Estudos dos Processos Criativos IV.
23
Hugo Leonardo da Silva é doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da UFBA e
atua principalmente em improvisação e contato improvisação em Dança sob aspectos das Ciências
Cognitivas.
23

atenção (NEVES, 2008), percepção (GREINER24, 2010) e experiência (DEWEY25,


2010; LARROSA26, 2014; LAKOFF27 e JOHNSON28, 1999), tratados no segundo
momento deste capítulo. Os fatores de movimento (Fluência, Espaço, Peso e
Tempo), bem como suas qualidades serão detalhadas considerando a
Eukinética/Eucinética29, estudo da expressividade do movimento proposto também
por Laban (1978). Contando com o auxílio de autores atualizadores como Rengel
(2006, 2015), Leal30 (2006) e Sfoggia (2010).
A terceira e última parte diz respeito aos espaços artístico-educacionais em
Dança onde pudemos identificar as ações corporais cocriadas, questionadoras,
atenciosas e amorosas. Sob a tríade: ação, cocriação, improvisação. Relatamos e
dissertamos a coparticipação em três ações distintas, em diferentes graus de
cocriação cênica, abertas ao público, a saber: “Quebra-cabeças Diários”31; “Trilhos e
Estações: uma viagem dançada da Calçada a Paripe”32 e “Se quiser, deixe sua
lembrança”33. No caminho de observação desses espaços, encontramos na
improvisação em Dança indícios para os assuntos tratados na nossa pesquisa. São
sob essas perspectivas, a partir de uma dança sem bases referenciais fixas, que
creditamos as danças relatadas neste capítulo. Contudo, não significa que os modos
de fazer Dança através de alguma técnica são menos eficientes, apenas diferem da
proposição aqui pesquisada.


24
Christine Greiner é jornalista e atua principalmente nos temas: Teoria da Comunicação, corpomídia
(juntamente com Helena Katz), Cultura japonesa, Artes e Comunicação. É professora assistente da
PUC-SP, e atua também como membro do corpo editorial de diversos periódicos.
25
John Dewey (1859-1952) foi psicólogo, pedagogo e filósofo norte-americano. Embora seja
conhecido por suas publicações sobre educação, Dewey também escreveu sobre muitos temas, tais
como: Arte, Estética, Epistemologia, Ética, entre outros.
26
Jorge Bondía Larrosa é professor de Filosofia da Educação da Universidade de Barcelona (ESP).
Atua em temas como: Literatura, Educação, Filosofia e Linguagem.
27
George Lakoff aposentou-se como professor de Linguística e Ciência Cognitiva na University of
California, Berkeley (EUA). Atualmente é diretor no Center for the Neural Mind & Society.
28
Mark Johnson é professor de Artes Liberais e Ciências no departamento de Filosofia da University
Of Oregon (EUA). Atua em áreas como: Filosofia incorporada, Ciência e Linguística Cognitiva.
29
Sugestão de consulta: 2.2 ATENÇÃO E PERCEPÇÃO: experiência em ação, p. 56.
30
Patrícia Leal é artista, professora no departamento de Artes da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte (UFRN) e pesquisadora. Doutora em Artes na Unicamp – SP.
31
“Quebra-cabeças Diários” foi um espetáculo cocriado com a turma Estudos dos Processos Criativos
IV, curso de Licenciatura em Dança – noturno (UFBA), semestre 2015.2 com a profa. Dra. Daniela
Guimarães.
32
“Trilhos e Estações: uma viagem dançada da Calçada a Paripe” foi uma intervenção em espaço
público, contemplada pelo edital Arte em Toda Parte 2016, pela Fundação Gregório de Mattos
(Salvador – BA). Direção: Lilian Graça.
33
“Se quiser, deixe sua lembrança” foi uma instalação itinerante proposta pelo Grupo X de
Improvisação em Dança, em 2016.
24

Enquanto educadores, pesquisadores e artistas da Dança, consideramos que


ações que respeitem as diferenças, ou seja, pautadas em comportamentos
amorosos34, podem nos ajudar a compreender que processos criativos são sempre
cocriativos, intencionalmente ou não. Com isso, afirmando o lugar da Dança no
mundo, mantendo seu posicionamento enquanto linguagem, enquanto área de
conhecimento transdisciplinar, enquanto espaço de experiências amorosas. A
flexibilidade que o estudo das ações corporais possui, auxilia na criação de
vocabulário para Dança quando independe de uma técnica delimitada. Sendo assim,
do ponto de vista do que foi construído faz-se necessário compreender a
complexidade que envolve essas ações e aceitarmos que não daremos conta de
tudo em uma dissertação de Mestrado. Nos interessa mais despertar
questionamentos, críticas, apresentar questões, conversar, dialogar. Portanto, nas
páginas a seguir, convidamos você para cocriar conosco.


34
Sugestão de consulta: 1.2 COCRIAÇÃO: ações compartilhadas, p. 35.
25
26

CAPÍTULO I
CORPO, MOVIMENTO, DANÇA

A dança pode ser considerada como a poesia das ações corporais no espaço.
Rudolf Laban, 1978

O que de comum tem entre você e eu? Temos pele, temos músculos, ossos,
somos seres humanos, temos algumas ideias de passado, buscamos viver o
presente e quem sabe um futuro. Existem diferentes maneiras de lidarmos com o
tempo, com o espaço, com normas e regras... Temos interesses, hábitos, formas de
agir em determinadas situações. E tudo isso vai mudando conforme o passar do
tempo. Conhecemos, transformamos, criamos, tríade constante. E para não
esquecer, Boaventura de Sousa Santos35: “[...] todo conhecimento é
autoconhecimento”36. Conhecemos através de quem somos (ou de quem estamos?),
de quem os outros são/estão, da imagem, do som, do toque, do movimento, do
texto, dos sentidos. Ah! Outra coisa que temos em comum, não menos importante:
ações corporais37.

- Nossa, mas que óbvio! Todo mundo sabe andar, sorrir, falar, correr...
- Sim! Ou melhor, nem todo mundo, nem tudo igual. A grande maioria sabe
como se locomover, se comunicar... Se considerarmos o quê e como cada um faz
determinada ação, em determinado momento, sob determinada emoção...

No fim das contas nunca é tão simples, não é mesmo? Apesar de não ser
imediato de explicar como são de fazer, aqui nos perguntamos, por que essas ações
se tornam tão óbvias com o passar do tempo, ao ponto de nem questionarmos sua
existência? Ao ponto de não argumentarmos suas possibilidades de transformação,
portanto, de criação?


35
Boaventura de Sousa Santos é professor doutor aposentado da Faculdade de Economia da
Universidade de Coimbra, em Portugal. Cientista social, atua com o objetivo de desenvolver novos
paradigmas políticos para transformação social.
36
SANTOS, Boaventura de S. Um discurso sobre as ciências. 5ª edição. São Paulo: Cortez, 2008.
37
Em algumas vezes no decorrer da dissertação escrevemos apenas ações, ao invés de ações de
esforço básica, ação corponectiva ou ação corporal, por exemplo. Mas saibamos que tratam-se todas
de ações corporais, porque são corpo. Conversaremos sobre o assunto nas páginas a seguir.
27

Aqui, apresentamos os assuntos nucleares e, ao mesmo tempo,


ramificadores desta pesquisa, sob forma de tríade: ação, cocriação e amor. A
ação, baseada nos estudos da Arte do Movimento e sob perspectivas das Ciências
Cognitivas, pode ser compreendida enquanto ação corponectiva, ação corporal,
ação comum. Para cocriar, descobrimos que não há muito o que desvendar. Afinal,
estamos cocriando o tempo inteiro, inclusive aqui, agora, você e eu. O que fazemos
neste momento da escrita, é dialogar articulando produção de conhecimento em
Dança com as Ciências Cognitivas. Palavras e ações que nos auxiliam a entender
que somos sempre com, co. E para percorremos esse caminho, propomos estar sob
um domínio de ação específico: o amor, cognitivamente falando.
Cocriam conosco este primeiro capítulo, sem ordem de importância, apenas
juntos: Christine Greiner, Paulo Freire, Humberto Maturana, Albert Einstein, Richard
Sennett, Lenira Peral Rengel, Eleanor Rosch, Jorge de Albuquerque Vieira,
Gladistoni Tridapalli, Rita Aquino, Francisco Varela, Boaventura de Sousa Santos,
George Lakoff, Maria Claudia Guimarães, Lucas Rocha, José Roberto Aguilar, Jonas
Karlos Feitoza, Craig Stanford, Roberto Esposito, Evan Thompson, Ivana Barreto,
Rudolf Laban, Mark Johnson com todos os nossos co.
Sugerimos: são as ações corporais que permitem a cocriação, que por sua
vez requerem ações amorosas para serem adequadas ao tipo de troca que
propõem.

1.1 AÇÃO: corporal, corponectiva, comum


Antes de apontarmos nossos estudos sobre ação corporal, contextualizamos
o artista que nos inspirou e fundamentou parte desta pesquisa: Rudolf Laban. A
ideia proposta é de que seus pressupostos funcionem como uma provocação a ser
correlacionada e atualizada por outras formas de conhecimentos (no nosso caso,
conhecimento proveniente das Ciências Cognitivas), perpetuando a maneira como o
mesmo configurou suas pesquisas: transdisciplinarmente. Para pensarmos o termo
transdisciplinar, propomos Humberto Maturana (2000):

[...] a transdisciplinaridade é uma abordagem na qual temos


liberdade de olhar do outro lado sem sermos acusados de estarmos
pisando onde não devemos e sem temermos ser acusados de
estarmos pisando onde não devemos. Nesse sentido, tem a ver com
a reflexão e liberdade de reflexão, pois nos permite olhar de um lado,
28

olhar de outro, e relacionar esses dois campos ou aceitar a


legitimidade de sua separação. (MATURANA, 2000, p.114)

Buscamos compreender parte das pesquisas transdisciplinares de Laban


para então poder articular, questionar e desdobrar, considerando o tempo presente e
estudos recentes sobre o tema da nossa primeira tríade: corpo, movimento e Dança.
Rudolf Jean-Baptiste Attila Laban (1879-1958), Rudolf Laban, expoente
teórico nascido na Bratislava – Hungria (à época), foi um artista multirreferencial em
diversos aspectos, tendo contato com áreas de conhecimento como Arquitetura,
Psicologia, entre outras, porém mantendo a ênfase no estudo do movimento, na
Dança. Laban foi um estudioso e incentivador de uma educação através do
movimento e da criação pessoal e expressiva (RENGEL, 2015). Enquanto artista de
vanguarda, construiu um trabalho artístico-pedagógico assíduo, fundamentado por
diversas influências que fizeram com que a sua Arte do Movimento se tornasse
bastante híbrida, nutrindo não somente como foco o movimento dançado, feito por
dançarinos, mas também movimentos comuns de pessoas da época em que viveu.

[...] Laban foi uma pessoa muito eclética, visto que seu trabalho
recebera influências dos mais diversos tipos: tanto da filosofia
chinesa de Lao-tsé e K’ung Fu-tsé, como de filósofos como
Nietzsche, Kierkegaard e Heidegger; tanto da psicologia de Freud
como da de Jung; tanto do misticismo do tarô, dos princípios da
maçonaria, da antropossofia de Rudolf Steiner, da cristalografia de
Goldschmidt, como também da matemática de Platão e Pitágoras, da
obra de Darwin, de estudos sobre anatomia e fisiologia [...].
(GUIMARÃES38, M. C., 2006, p. 40)

Com a abrangência de suas pesquisas, Laban teve seus estudos creditados


como uma antecipação de assuntos que hoje são tratados amplamente nas Ciências
Cognitivas, constatando que “a leitura de suas idéias nos remete ao contexto atual
das ciências do complexo” (VIEIRA39, 2006a, p. 95). Segundo o autor, Laban antevia
ideias científicas da complexidade, mesmo que não se argumentasse
especificamente sobre o assunto, devido à época em que viveu, afinal as pesquisas
em Ciências Cognitivas datam mais recentes. Não podemos negar que os estudos

38
Maria Claudia Alves Guimarães é professora no curso de Licenciatura em Dança da Universidade
Federal de Pernambuco, atuante na área de ensino de História e Teoria da Dança.
39
Jorge de Albuquerque Vieira é doutor em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PUC-SP) e atualmente é professor assistente da Faculdade de Dança Angel
Vianna. Atua principalmente nos seguintes temas: Complexidade, Semiótica, Arte, Ciência e
Astronomia.
29

de Laban voltados às estruturas de movimento e às possibilidades expressivas as


quais dispomos, foram de suma importância durante seu tempo e continuam
reverberando, auxiliando em processos de criação e desdobrando-se nas salas de
aula e em espetáculos de Dança. Seus conteúdos podem abranger tanto
profissionais da Dança, amadores e qualquer outra pessoa, experienciando ritmos,
direções, ideias, sensações, etc. (GUIMARÃES, M. C., 2006), no decurso de sua
influência em trabalhos não somente em Dança mas também na Música, Teatro,
Educação e outras áreas de conhecimento.

Antes de qualquer sistematização do modelo estético, a pesquisa de


Laban procurou encontrar sentido no corpo vivo, o entendimento do
movimento como primeira instância da percepção e da consciência,
como é evidenciado mais tarde por estudos nas áreas de filosofia e
das ciências cognitivas. (GREINER, 2006, p. 80)

Em suas pesquisas, Laban organizou diversas terminologias teóricopráticas40


como a Corêutica, a Eukinética ou Eucinética, a Cinesfera41, os Fatores de
Movimento, o Icosaedro, entre tantas outras para designar principalmente três
aspectos do movimento: em termos espaciais (Corêutica), expressivos (Eukinética) e
em termos de registro do movimento (Kinetografia). Conceitos e noções esses que
se tornaram amplamente relacionados a ele através do tempo. É indiscutível que
esses conhecimentos (principalmente no que diz respeito aos fatores de movimento)
não são restritos aos seus estudos, afinal suas pesquisas eram atravessadas por
outras áreas de conhecimento que não somente a Arte ou a Dança. É possível
afirmar que qualquer pessoa, ao se propor estudar o movimento, se depara com
muitos temas em comum demonstrados nas investigações de Laban, assuntos que
parecem óbvios. E é, portanto, nesse contexto de obviedade que suas pesquisas
encontram potência ainda na contemporaneidade. Logo, a sistematização proposta
por ele não é fator impeditivo em promover novas possibilidades de movimento, ela
opera mais como um influxo criativo do que como uma receita de como fazer, como
uma fórmula.
Em seus estudos, Laban compreendia a correlação entre o corpo, a razão e


40
O termo teóricoprático, escrito junto, indica a não dicotomia da teoria e da prática. Quando lemos
ou escrevemos, estamos praticando, quando dançamos, estamos teorizando, cada um com sua
ênfase.
41
Sugestão de consulta: 2.3 FATORES E QUALIDADES DE MOVIMENTO: a transformação de
padrões nas ações corporais, p. 63.
30

as emoções, dando ênfase à importância do desenvolvimento da habilidade do


corpo em se movimentar expressivamente e de maneira integrada. A integração que
Laban estava chamando atenção, naquela época, era a integração corpo e mente,
assunto muito revisitado em diversas áreas, de Biologia à Filosofia. Neste sentido,
nos aproximamos da noção de corponectivo ou corponectividade, proposta por
Lenira Peral Rengel (2007), a qual aponta o corpo (corpomente) em ação,
coemergidos em aspectos sensório-motores e abstratos. Ou seja, [...] coisas como
perceber, inferir, raciocinar não acontecem somente dentro do cérebro ou mente, ou
do corpo; elas agem em rede sensório-motora lógica com o mundo, com as outras
pessoas [...] (RENGEL, 2007, p. 60).
A palavra corponectivo (adjetivo) surgiu através de experiências e pesquisas
sobre a tradução dos termos em inglês embodiment, embodied, to embody, em
parceria com o artista José Roberto Aguilar42. Nesse estudo emergiram também as
palavras corponectividade (substantivo) e corponectivar (verbo), afirmando
mentecorpo (ou corpomente) juntos, vinculando aspectos biológicos, psicológicos e
culturais, de acordo com pesquisas principalmente de Francisco Varela43, Evan
Thompson44 e Eleanor Rosch45 (1991) e de George Lakoff e Mark Johnson (1980,
1999). Corponectar designa o ato de entrar em relação com algo através de um
corpo que já é corponectivo (RENGEL, 2007). Sendo assim, corponectivo indica
mente e corpo em ação simultânea, integrada.

Nós nos conceituamos como divididos em duas entidades distintas


que podem estar em guerra, travadas em uma luta pelo controle
sobre o nosso comportamento corporal. Esta concepção metafórica
está profundamente enraizada em nossos sistemas conceituais
inconscientes, de tal forma que é preciso esforço considerável e
discernimento para ver como ele funciona como base para o
raciocínio sobre nós mesmos46 (Tradução nossa). (LAKOFF;
JOHNSON, 1999, p. 13)

42
José Roberto Aguilar é escultor, performer, pintor e artista multimídia brasileiro.
43
Francisco Varela (1946-2001) foi filósofo, biólogo e neurocientista chileno. Dentre suas pesquisas
estão temas sobre Cognição e sistemas vivos. Desenvolveu estudos com Humberto Maturana (que
foi seu professor) sobre a biologia do conhecer.
44
Evan Thompson é um filósofo que atua na área de Ciências Cognitivas, Fenomenologia e Filosofia
da mente. É professor de filosofia na University of British Columbia, no Canadá.
45
Eleanor Rosch é professora especializada em Psicologia cognitiva e pesquisa sobre pensamento,
memória, conceitos, entre outros temas. É professora de Psicologia na University of California,
Berkeley (EUA).
46
Texto original: “We conceptualize ourselves as split into two distinct entities that can be at war,
locked in a struggle for control over our bodily behavior. This metaphorical conception is rooted deep
in our unconscious conceptual systems, so much so that it takes considerable effort and insight to see
how it functions as the basis for reasoning about ourselves” (LAKOFF; JOHNSON, 1999).
31

Ou seja, é senso comum nos dividirmos em corpo e mente. Como se a mente


detivesse algum tipo de controle sobre o corpo, como se fosse algo a pairar acima
dele. É recorrente ouvirmos e dizermos frases do tipo: “Estou com a mente cansada,
mas o corpo está alerta” ou “Decidi isso usando apenas a razão, e não a emoção”,
afirmando a atitude dualista, que pode acarretar no desenvolvimento de outras
dicotomias e/ou binarismos. Contudo, em estudos recentes sobre o modo de operar
do corpo, principalmente em Ciências Cognitivas, redescobrimos que esse dualismo
não existe, pois somos seres corponectivos, coimplicados em conceito e sensório-
motor. Efetivar a noção de corponectividade, segundo Rengel (2007) é compreender
que não há fragmentação e que a nossa possibilidade de ser está no contato com o
outro, por sermos corponectados entre nós também, enquanto espécie, interesses,
ações corporais, etc. Nossas experiências em linguagens, sentidos, sons, ideias,
inconsciente e pensamentos acontecem e só podem acontecer no eucorpo47
correlacionado com o que acontece ao nosso redor, no mundo e consequentemente,
em nós. Portanto, nossas ações, qualquer uma delas, são corponectivas. Assim
sendo, é importante ressaltar que separações como razão-emoção, teoria-prática e
outras dicotomias são desconexões artificiais, pois essas instâncias acontecem
simultaneamente.

O modo de pensar o corpo dicotômico (corpo e mente separados)


independe de classe social. É constatado nos mais variados
ambientes escolares e midiáticos e se expande culturalmente nas
relações sociais. A mudança de perspectiva retiraria a hierarquia de
que o “mental”, ou “espiritual”, ou “racional” rege o físico, material,
concreto. Como dizer que um ato é mental ou que um ato é físico?
Atos não são corporais (enquanto físicoquímicobiológico) ou mentais,
apenas são... corponectivos. (RENGEL, 2007, p. 42)

Na argumentação proposta na Arte do Movimento de Rudolf Laban, ação


corporal é conceituada como uma correlação emocional, física e intelectual
(RENGEL, 2015). Nessa concepção, ação não é somente algo funcional, ela se faz
no todo que é, que constitui cada pessoa.

Num ser humano tais ações sempre comportam elementos


47
Lenira Rengel prefere usar a expressão eucorpo do que meu corpo, que acaba por reforçar o
dualismo.
32

expressivos, o que significa não poderem elas ser determinadas pelo


raciocínio lógico, nem tampouco apreendidas apenas por meio de
fatores mensuráveis. (LABAN, 1978, p. 112)

Ao usar o termo ação trata-se, portanto de ação corporal, corponectiva. O


termo ação enfatiza que processos sensório-motores são inseparáveis dos
processos da cognição (RENGEL, 2007). Os processos cognitivos abarcam desde o
processamento visual e auditivo à gramática, sistemas conceituais, processos de
memória, linguagem. Cognição não é algo somente conceitual como visto em
algumas tradições filosóficas, mas também envolve o sensório-motor (LAKOFF;
JOHNSON, 1999).
Assim a ação corporal não lida somente com um ato mecânico ou físico, mas
coimplica também em uma emoção, uma linguagem, uma maneira de conhecer,
uma experiência... Andar, como forma de locomoção, não é uma mera ação
automática que só inclui o fato de movimentar as pernas em determinada direção,
afinal o andar de cada um é alterado constantemente, de acordo com cada situação,
se uma pessoa manca de uma perna, se usa cadeira de rodas ou está atrasada para
o trabalho, por exemplo. Deste modo, indicar uma ação somente como física é
simplificar algo demasiado complexo que nem sempre nos damos conta, afinal

[...] mesmo a mais simples acção cognitiva requer uma quantidade


aparentemente infinita de conhecimento, que tomamos como
assegurado (é tão óbvio que se torna invisível) [...]. (VARELA;
THOMPSON; ROSCH, 1991, p. 196)

É também comum o entendimento de que ideia/pensamento é algo anterior à


ação corporal, mas segundo Rengel (2007) ideias são ações com seus graus de
abstrações, assim, também é incoerente dizer que ideias são apenas abstrações.
Pensar, dançar ou escrever, indicam ações corporais, no sentido que estamos
fazendo algo, biologicamente, emocionalmente, neuralmente, tudo junto. Ação,
portanto, é um conjunto vasto de variadas e por vezes muito sutis movimentações
(perceptíveis ou não), permeado de disposições corporais dinâmicas (MATURANA,
1998), que influenciam no desenvolvimento de determinada ação. Disposição
corporal dinâmica, do ponto de vista biológico, é o termo usado por Maturana para
designar um conjunto de possibilidades de domínios de ação sob determinada
emoção, sendo esse último um dos assuntos em constante presença durante o
33

desenvolvimento desta pesquisa, detalhado mais adiante.


Buscando uma Educação por meio do movimento, esse, por sua vez, também
motivado pelo meio ambiente e pelo contexto de quem se move, Laban ainda
descreve ação corporal como um impulso característico do movimento do ser
humano, executado com uma função, seja consciente ou inconsciente, ocorrendo no
espaço, durante certo tempo e empregando determinada força (LABAN, 1978). Nas
palavras de Rengel:

Ação e/ou ação corporal é uma sequência de movimentos onde uma


atitude do agente resulta num esforço definido, o qual, por sua vez,
imprime uma qualidade ao movimento. [...] Laban ressalta que
atitude, esforço e movimento dão-se simultaneamente e que o termo
corporal engloba os aspectos intelectuais, espirituais, emocionais e
físicos, ou seja, o corpo é uma totalidade complexa. Há infinitas
ações: correr, torcer, pular, engatinhar, saltitar, enfim todas as ações
que os agentes fazem, sempre com a ideia de Laban de que a ação
não é só física ou mecânica. (RENGEL, 2015, p. 1)

Laban dividiu as ações corporais em diversas terminologias. As ações


básicas, contrastantes, incompletas e análogas são caracterizadas por variações
entre as qualidades de movimento predominantes. As ações combinadas são ações
presentes em nossas ocupações diárias. As ações derivadas são aquelas que
operam como vertentes de outras, como por exemplo, empurrar como derivada de
pressionar. Há ainda outras três ações que Laban chamou de ações funcionais do
corpo, que compõem, a partir desse ponto de vista, todo e qualquer movimento
possível, através de uma, duas ou todas elas: dobrar, esticar e torcer. E ainda,
existem as ações consideradas fundamentais na movimentação humana, chamadas
por ele de ações de esforço principais: recolher (parte da extremidade do corpo para
próximo ao centro) e espalhar (parte do centro do corpo48 em direção as
extremidades) (RENGEL, 2015). Para constatar uma manifestação dessas ações
basta observar nossa respiração, no movimento de expansão e recolhimento do
tronco, por exemplo. Dentre os arranjos existentes entre os fatores de movimento,
as ações básicas se configuram em oito:


48
Laban denomina o centro do corpo na região do umbigo e sua conceituação espacial parte desse
centro. Porém o coreógrafo contemporâneo William Forsythe, estudioso das pesquisas de Laban,
propôs outra maneira de pensar o centro do corpo, a partir de centros do corpo que ocorrem
simultaneamente ou em sucessão (RENGEL, 2015). Ou seja, o centro é determinado a partir do
impulso criativo do dançarino/professor e não mais restrito a apenas uma região do corpo.
34

Quadro 1: Lista das oito ações básicas, de acordo com Laban

AÇÃO ESPAÇO PESO TEMPO


Torcer Flexível Firme Sustentado
Pressionar Direto Firme Sustentado
Chicotear Flexível Firme Súbito
Socar Direto Firme Súbito
Flutuar Flexível Leve Sustentado
Deslizar Direto Leve Sustentado
Sacudir Flexível Leve Súbito
Pontuar Direto Leve Súbito
Fonte: RENGEL, L. Dicionário Laban. 1ª edição digital. Curitiba: Ponto Vital, 2015.

Laban também utilizou outros termos para falar sobre ação básica, tais como:
ação corporal completa, ação primária, ação de esforço completo, ação elementar e
dinâmica de movimento. Ao analisarmos e esmiuçarmos as ações presentes no
nosso dia-a-dia (ações combinadas, ações incompletas, ações derivadas, dentre
outras), descobrimos que elas se transpõem nas ações básicas. Apesar da
conceituação sobre ação corporal, que tratamos aqui, não desejamos enclausurar a
ação somente dentro das oito possibilidades de ações básicas, apresentadas por
Laban, mas possibilitar através de relações teóricopráticas e experiências dançadas,
a reconfiguração dos seus estudos e disparar questionamentos. Aqui nesse estudo
propormos aprofundar em duas dessas noções, a saber: ação básica e ação
combinada.
Será que temos uma breve percepção da quantidade de informação presente
na ação de se deslocar em linha reta, por exemplo? Quais as ações presentes
nesse ato? No caso de pessoas que se locomovam com o uso das pernas,
precisamos esticar uma perna em direção à frente do corpo, repousar o pé sobre o
chão, suspender o pé de trás, dobrando o joelho e repetindo a ação de esticar a
perna em direção à frente do corpo e assim por diante, alternadamente. Somente
nesse exemplo no mínimo quatro ações predominantes: esticar (a perna em
determinada direção), levantar (o pé para dar outro passo), dobrar (o joelho) e
pressionar (o pé sobre o chão). Assim, há uma aglutinação de ações, deduzimos,
portanto, que por esse motivo Laban as denominou de ações combinadas. Isso sem
considerarmos toda a sensação, juntamente com as conceitualizações e correlações
35

que fazemos durante o ato de andar. As ações combinadas permeiam esta pesquisa
no que concerne ao processo de criação a partir de ações que todas as pessoas
sejam capazes de executar (considerando as possibilidades de cada um), ações do
dia-a-dia como pegar um copo, andar, varrer o chão, deitar, subir uma escada.
As ações tornam-se movimentos comuns entre as pessoas. Porém, o fato de
ser comum não significa que são idênticas entre si, muito menos se trata de uma
propriedade, enquanto algo que se possui. Esposito49 (2007) afirma que a
comunidade (o comum), não é um conjunto de pessoas que têm uma propriedade
(“propriedade”, nesta pesquisa, pode ser um repertório de ações, por exemplo). O
radical munus, significa dom, dívida, falta. Mas o sentido de “dom” não é algo que se
recebe, ao contrário, é algo que se deve doar, ou melhor, condoar. As nossas ações
atuam neste condoar, já que se manifestam em respeito a, em relação a, através do
vínculo. Em relação ao outro, à alteridade, ao mundo, ao espaço. Por isso, nas
experiências artístico-educacionais em Dança, ainda que ações sejam um repertório
reconhecido por várias pessoas, elas não caracterizam uma homogeneidade. O
comum e/ou sermos em comum e/ou termos em comum, sejam ações, movimentos,
danças, pensamentos, é buscarmos encarar os limites, nos expor, partir para o
outro. Onde não seja necessário chegar em uma ação única para todos, em um
espaço e em uma dança que se fecha em si mesma (RENGEL; LUCENA, 2015),
onde se considere as potências presentes na heterogeneidade das ações.
Dizemos que nossas ações corporais são comuns por serem comuns a outras
pessoas como locomover-se, girar, torcer, dobrar. E dizemos também que nossas
ações, ao longo do tempo se tornam um padrão de movimento50. O que queremos
dizer é que nossas ações corporais, enquanto comuns, pertencem a nossa esfera
coletiva, como ações que todos podem fazer (salvo possíveis limitações) e nossas
ações corporais enquanto padrões de movimento se referem à esfera particular, ao
jeito de fazer que cada um encontra em termos de movimento. Portanto, afirmamos
que possuímos ações em comum porém elas não são homogêneas, não são iguais
para todos. A cada dia em que andamos, mesmo que seja o mesmo trajeto, durante
uma média recorrente de tempo, esse andar nunca será igual, mesmo que se trate
da mesma ação de andar ou, na tentativa de um esforço intencional em “fazer do

49
Roberto Esposito é um filósofo italiano e professor de Filosofia Teórica. Atuante em temas como
Política, Bioplítica, Arte, Antropologia, e Teologia.
50
Sugestão de consulta: 2.1 AÇÃO ENQUANTO PADRÃO DE MOVIMENTO: questionamentos e
pistas nas ações corporais, p. 49.
36

mesmo jeito”. Essa heterogeneidade das nossas ações, se deve à mudança do


ambiente e do agente, simultaneamente. Uma pedra no meio do caminho, o
encontro com o amigo, o clima, interferem no nosso modo de andar. Portanto, ações
corporais são comuns, se tornam padrões, porém não se repetem porque nossas
ações se modificam simultaneamente com o ambiente, com a nossa relação com as
outras pessoas. Não há possibilidade de uma criação solitária, nem mesmo uma
criação a partir de coisas que ainda não sabemos fazer. Nada escapa da ação.

1.2 COCRIAÇÃO: ações compartilhadas


Vamos lembrar um indício que consta no início deste capítulo: são as ações
corporais que permitem a cocriação, que por sua vez requer ações amorosas para
serem adequadas ao tipo de troca que propõem. Aqui, avançamos argumentando
sobre as posturas que a cocriação preconiza, por meio de mais uma tríade:
linguagem, coordenação de ação consensual e cooperação.
Vieira (2006b), de acordo com a relatividade proposta por Einstein51,
argumenta que não existe um movimento absoluto, um movimento “em si”, porque
todos os movimentos são relativos a outros movimentos, assim “nenhum
deslocamento pode ser percebido a não ser em relação a algo que tenha um grau
diferente de movimento” (VIEIRA, 2006b, p. 97). Se somos seres em movimento,
essa afirmação deve ter alguma valia para os processos que vivemos, e tem. Se
somos seres correlacionados, não existimos independente dos outros. Não
existimos “em si” mas sempre “em relação a”. Partindo desse pressuposto, mais
uma vez com o auxílio de estudos recentes sobre o modo de operar do corpo, e
dessa vez, contando também com autores produtores de conhecimento em Dança,
expomos aspectos presentes em processos de criação compartilhada, ou seja, em
cocriação. Mas antes, gostaríamos de apresentar argumentos sobre a tríade supra
citada, por considerarmos favoráveis ao estado dialógico que a cocriação sugere.
Ao longo da evolução, o fato de nos tornarmos bípedes fez com que não
precisássemos mais alinhar nossa respiração à locomoção, e isso, possivelmente
nos permitiu a fala (STANFORD52, 2004). Sabemos que o tempo em termos nos


51
Albert Einstein (1879-1955) foi um expoente físico teórico alemão, da Física moderna, criador da
teoria da relatividade geral. Cientista de vanguarda, dispondo de teorias comprovadas até hoje como
a existência das ondas gravitacionais.
52
Craig Stanford é professor de Antropologia e Ciências Biológicas e Antropologia na University
Southern California (EUA).
37

tornado bípedes, a expansão cerebral e o desenvolvimento da fala ocorreram em um


largo espaço/tempo entre um evento e outro, entretanto de acordo com o autor,
proclamamos nossa condição de ser humano quando começamos a andar sobre
dois pés. Maturana (1998) relata que nosso diferencial dos outros seres vivos,
encontra-se na linguagem que é uma integração racional e emocional, uma maneira
de comunicar-se. Contudo, a linguagem não é limitada a linguagem verbal, ela
também é possível através do visual, olfativa, sonoro, gestual, “[...] é não-verbal,
verbal, proto, semi, meio-linguagem [...] entremeando-se em vinculações
assimétricas” (RENGEL, 2007, p. 113).

As linguagens, neste caso as humanas, são habilidades complexas e


especializadas, entrelaçadas com as experiências, percepções,
inferências, deduções, induções, abduções, inferências, raciocínios,
idéias, julgamentos morais... e coevoluem com o pensamento, o
comportamento, o ambiente. Os estudos das linguagens, de suas
propriedades expressivas, codificadoras e decodificadoras de
informação, permitem também chamar fenômenos complexos como
movimento, dança, política ou ciência, de linguagem. (RENGEL,
2007, p. 114)

Segundo Maturana (1998), a linguagem é vista comumente como um sistema


simbólico de comunicação, fazendo com que os símbolos secundários à linguagem
verbal, que também comunicam, não sejam vistos. Esses símbolos estão presentes
em outras maneiras que temos de nos comunicar que não apenas sob forma verbal.
Portanto, a linguagem aqui é abordada enquanto uma coordenação de ações
consensuais. Para explicar esse termo, o autor cita um exemplo:

Se vocês estivessem olhando duas pessoas pela janela, sem ouvir


os sons que emitem, o que vocês teriam de observar para dizer que
elas estão conversando? Quando se pode dizer que uma pessoa
está na linguagem? A resposta é simples, e todos nós sabemos:
dizemos que duas pessoas estão conversando quando vemos que o
curso de suas interações se constitui no fluir de coordenação de
ações. [...] A linguagem está relacionada com coordenações de ação,
mas não com qualquer coordenação de ação, apenas com
coordenação de ações consensuais. (MATURANA, 1998, p. 19-20)

Maturana propõe a coordenação de ações consensuais em condição de


respeito mútuo. Consenso, nesse sentido não diz respeito ao fato de todos estarem
de acordo com alguma ideologia ou proposta de Dança, por exemplo. Consenso se
vincula com aceitação, onde o único acordo preestabelecido é estarmos dispostos a
38

viver experiências, independente do que cada um acredita. No consenso as partes


não se tornam abusivas em seu conhecimento específico e consideram
reciprocamente o que o outro tem a oferecer, mesmo que discordem.
O autor complementa que a origem da linguagem está na coordenação de
ações consensuais que só foram possíveis ser estabelecidas através dos domínios
de ação do amor. Sobre o assunto, dedicamos uma parte desta dissertação a ele,
mas aqui adiantamos:

[...] O amor é a emoção que constitui o domínio de ações em que


nossas interações recorrentes com o outro fazem do outro um
legítimo outro na convivência. As interações recorrentes no amor
ampliam e estabilizam a convivência; as interações recorrentes na
agressão interferem e rompem a convivência. Por isso a linguagem,
como domínio de coordenações consensuais de conduta, não pode
ter surgido na agressão, pois esta restringe a convivência [...].
(MATURANA, 1998, p. 22-23)

“Co – (latim, cum, com) prefixo. Elemento com o sentido de companhia,


concomitância, simultaneidade” (Dicionário Online Priberam). Considerando essa
definição e de acordo com os argumentos levantados anteriormente, pensar um
processo cocriativo em Dança, com o uso do prefixo co, implica em abranger para
esse espaço tudo aquilo que nos constitui corpo e o que nos afeta53, independente
do desejo de enfatizar determinados aspectos na criação cênica. Um solo é uma
cocriação porque grande parte de nossas ações são comuns às outras pessoas, e
são corponectivas. Ou seja, não existe algo que não seja cocriado, já que não
existem coisas “em si”, como visto anteriormente em Vieira (2006b).
Cocriar, desse modo, implica dizer também que, assim como na vida
cotidiana, durante o fazer dança, estamos lidando com transformações e
ponderação de escolhas todo o tempo, assim como seus prováveis resultados
(ROCHA54, 2013) não necessariamente cênicos. Nessa perspectiva, o processo
cocriativo em Dança se dá em um espaço onde coabitam os sujeitos cocriadores
com suas particularidades, o contexto da criação (social, político, entre outros) e o
objetivo comum: produzir arte, em nosso caso produzir Dança, pressupondo assim


53
Afetar aqui é tratado não como noção de afeto, amizade ou simpatia. Afeto ou afetivo não é só
emocional. Afeto pelo fato de nos afetar, nos atingir, sem juízo de “bom” ou “mau”.
54
Lucas Valentim Rocha é professor da Escola de Dança da UFBA, mestre pela mesma instituição e
atua também como dançarino, produtor, coreógrafo, diretor e ator.
39

“um ambiente de negociações constantes, onde emergem as singularidades diante


de uma ação coletiva” (ROCHA, 2013, p. 27).
O prefixo co, proposto nessa pesquisa, encontra na cocondução, indicada por
Feitoza (2011) a partir da noção de corpohomólogo55 uma argumentação sobre as
possibilidades de atuação cocriativa em Dança.

O diálogo entre os corpos necessita que ambos atentem para as


minúcias, detalhe, qualidades que se processam, seja em, por
exemplo, relações de peso, fluência, ritmo e espaço. Esse
entendimento de diálogo que coopera para que o movimento
aconteça quebra a questão paradigmática do conduzir e do deixar-se
levar. A intenção mútua e a troca relacional de informações atuando
nos corpos corresponde uma ação de cocondução. Essa
compreensão é uma possibilidade para redefinir corpo nesta prática
a dois, e dizer que nessa ação o homem por si só não conduz, pois
quando se produzem os gestos e/ou passos nesta dança isso
aconteceu por toda relação feita a partir das condições propostas,
através de processos corporais, que ocasionaram uma instância
compartilhada. Não existe relação corporal nessa prática a dois que
não seja formada pela troca de informações. (FEITOZA, 2011, p. 34)

As noções presentes no trabalho do autor correspondem a questionamentos


particulares sobre Danças a dois, porém convergem com o pensamento de criação
compartilhada proposto nessa pesquisa. A cocondução é um modo de agir, portanto
de fazer dança, na qual os corpos envolvidos cooperam entre si em assimetria,
independentemente do nível de participação e proposição durante o processo
artístico-educativo ou cênico. Na cocondução, não importa qual lugar cada um está
ocupando, importa é que eles estão sempre cooperando para que a dança aconteça.
Por exemplo, se você está dançando com alguém, e essa pessoa diz que vai ficar
passiva, parada diante seus movimentos, esperar que você faça para então depois
compor com eles, ainda sim ela estará em ação, afinal ela escolheu estar passiva,
portanto, trata-se de uma tomada de posição, mesmo que a posição não seja tão
ativa quanto a sua.
Barreto (2012a) reforça a ideia de que os processos criativos em Dança são
cocriativos, quando diz que a criação contemporânea (em Dança) “[...] configura-se
como resultado de um processo de informações e associações; porém os graus de


55
[…] a cocondução, ou seja, a cooperação não como uma questão simétrica, ou medida das
qualidades e/ou quantidades de ações de movimento nesta dança, mas como corpohomólogo,
entendendo que as diferentes ações do corpo em relação aos diversos ritmos que compõem a prática
a dois se coadunam (FEITOZA, 2011, p.12).
40

participação, dedicação e função são diferenciados” (BARRETO, 2012a, p. 110). Isto


é, importa frisar que a cocriação já está acontecendo mesmo que de maneira
assimétrica entre os graus de ativo/passivo ou sendo notoriamente delimitados.
Mesmo quando o processo cênico ou a aula seja preestabelecida, no qual,
aparentemente, um dita e o outro executa (relações comumente delimitadas de
professor-aluno, coreógrafo-intérprete), existe a cocriação. E, ainda, quem dita, está
permeado pela reação/ação de quem executa (se formos usar termos
convencionados). Afinal, a partir do momento em que a informação perpassa o
aluno/intérprete, ela entra em contato com todos os aspectos que compõem aquela
pessoa, com o momento que ela está vivendo, os interesses que tem e o contexto,
aspectos que modificam nossas ações corporais. Exigir que em um processo
artístico-educacional todos façam de maneira idêntica, é ignorar um histórico e
circunstância vivenciada por cada um. Barreto (2012b) também argumenta que, em
uma criação compartilhada em Dança, não há como separar com exatidão o que foi
feito por uma ou outra pessoa já que a criação acontece na correlação dos dois. A
cocriação já aconteceu.

Como separar o que foi feito por um ou por outro, se a criação


acontece no “entre”? Há algo de singular na maneira como
organizamos o conhecimento, ou um processo de criação artística,
porém isto que nos diferencia é também a construção de um comum,
já contaminado, afetado pelo embate entre o que está no corpo e o
que circula pelo mundo. (BARRETO, 2012b, p. 38)

As assimetrias existentes nos graus de cocriação, só dependem de como


serão compreendidas em cada proposta. Por exemplo, durante o processo de “Se
quiser, deixe sua lembrança...”56, do Grupo X de Improvisação em Dança, o espaço
de cocriação era ampliado, qualquer um poderia fazer uma proposição mesmo
havendo uma temática específica. Na intervenção “Trilhos e Estações: uma viagem
dançada da Calçada a Paripe”57, por sua vez, foram construídas algumas
sequências coreográficas, fazendo com que os dançarinos atuassem também
enquanto intérpretes, com menor flexibilidade em questão de proposição de
movimentos mais pessoais e comuns a cada um, delimitando o espaço de trocas.


56
Sugestão de consulta: 3.3 SE QUISER, DEIXE SUA LEMBRANÇA, p. 100.
57
Sugestão de consulta: 3.2 TRILHOS E ESTAÇÕES: UMA VIAGEM DANÇADA DA CALÇADA A
PARIPE, p. 87.
41

Para Sennett (2013), troca significa a experiência de dar e receber entre os


animais. O autor argumenta que existem algumas possibilidades de estabelecimento
de trocas entre os envolvidos, em alguma ação em conjunto:

[...] trocas altruísticas, implicando autossacrifício; trocas ganhar-


ganhar, nas quais ambas as partes se beneficiam; trocas
diferenciadas, nas quais os parceiros se conscientizam de suas
diferenças; trocas de soma zero, nas quais uma das partes prevalece
em detrimento da outra; e trocas tudo-para-um-só, nas quais uma
das partes anula a outra. (SENNETT, 2013, p. 93)

Não colocamos um tipo de troca em detrimento de outra, afinal nos três


espaços artísticos-educacionais a modificação esteve apenas em questão de grau,
de acordo com cada etapa dos processos, que não se mantiveram lineares a apenas
um grau de cocriação. Sendo assim não existem posicionamentos hierárquicos, nem
imposição de saberes, existe troca. E, refletindo sobre os pontos levantados pelo
autor, sugerimos que essa troca seja como uma troca diferenciada, pois ela nos
permite a autorreflexão, o ato de nos conscientizarmos do que podemos e do que o
outro pode fazer. Assim sendo, esse tipo de troca ameniza os aspectos da
competição. “‘Diferente’ não precisa ser melhor ou inferior; a sensação de ser
diferente não precisa induzir uma comparação invejosa” (SENNETT, 2013, p. 104).
Afirmar a especificidade de cada um, ou seja, a diferença, nos ajuda a promover a
cooperação, nuance inseparável do processo cocriativo.

A contracorrente da competição é agressão e raiva, sentimentos


profundamente enraizados nos seres humanos. Ensaios, conversas,
coalizões, comunidades, oficinas podem contrabalançar esse
impulso destrutivo, pois o impulso da boa vontade também está
gravado nos nossos genes. Como animais sociais, precisamos
descobrir pela experiência como encontrar o equilíbrio. (SENNETT,
2013, p. 85)

Os processos de cooperação funcionam melhor quando há uma divisão do


trabalho, para fazermos em conjunto o que não conseguimos fazer sozinhos, porém
essa configuração deve ser flexível justamente pelo processo constante de mudança
que, tal qual nós mesmos, o ambiente é submetido (SENNETT, 2013). O autor
argumenta que todos os animais sociais58 operam de maneira colaborativa. Nem


58
Humberto Maturana argumenta sobre animais sociais e comunidades sociais: “[...] todas as
comunidades atuais de insetos sociais, colmeia, formigueiro ou cupinzeiro, qualquer que seja sua
42

todos os animais têm consciência disso, nem todos os animais operam no domínio
de ação que o amor sugere, o do compartilhamento, mas o aparato biológico dos
animais sociais, no qual nos encaixamos enquanto seres humanos, nos permite
essa condição. Isso não implica dizer que nos tornamos como uma só pessoa
quando trabalhamos em conjunto, implica dizer que nos tornamos uma unidade
coletiva. Ou seja, trabalhamos em prol de uma heterogeneidade respeitada e não de
uma homogeneidade imposta.

Cocriação. Compartilhamento. Comunicação.


Cooperação. Cocondução. Coletividade. Corresponsabilidade.

Quando dançamos, estamos em um estado ininterrupto de cocriação, de


corresponsabilidade. Dançar é criar junto, criar com. E esse tipo de noção não se
restringe apenas em danças a dois, em grupo ou danças de contato tátil perceptível.
Um solo, como dito anteriormente, também é criar com, no sentido em que é
impossível se desvincular de quem você é e de como se dão suas relações com o
ambiente e com as outras pessoas.

Quando o corpo está experimentando dança, ele também está


formalizando seu modo de comunicação em uma linguagem
específica, que é a linguagem da própria dança. Mas o corpo não é
outro corpo, como uma espécie de paralisia de todas as suas
atividades e afastamento de seus procedimentos anteriores e de
outros modos de formalizar. O corpo, ao dançar, organiza o que
antes era possibilidade, discerne lógicas de movimentos,
informações de um processo. É o corpo o tempo todo, não há mágica
para se dançar. Corpo/sujeito “vivente” e coimplicado no ambiente
cultural, social, político, por isso “coletivizado” e co-responsável na
produção de informações, que aprende porque aprender é o único
modo para se continuar existindo e sobrevivendo no mundo.
(TRIDAPALLI59, 2008, p. 24)


complexidade, são o presente de uma história de conservação de relações de aceitação mútua entre
seus membros, que começa na relação fêmea-ovo. Se as fêmeas tivessem se separado de seus
ovos ou os tivessem destruído ao tocá-los ou chupá-los, essa história não teria ocorrido. [...] Relações
humanas que não estão fundadas no amor — eu digo — não são relações sociais. Portanto, nem
todas as relações humanas são sociais, tampouco o são todas as comunidades humanas, porque
nem todas se fundam na operacionalidade da aceitação mútua” (MATURANA, 1998, p. 26).
59
Gladistoni Tridapalli é bailarina e produtora. Mestre em Dança pela UFBA. Professora da
Universidade Estadual do Paraná - UNESPAR.
43

Portanto, quando afirmamos um processo enquanto cocriativo, coletivo ou


compartilhado, quer dizer que suas ações são propostas não como uma reunião de
coisas iguais, mas como um vínculo entre pontos em comum porém não idênticos,
nem homogêneos. O nosso recorte, nosso ponto em comum são as ações corporais,
aquilo que já sabemos fazer. Nossa ação corporal é condição para a cocriação.

1.3 AMOR ENQUANTO DOMÍNIO DE AÇÃO: caminho para uma


experiência compartilhada em Dança
O terceiro ponto da tríade ação, cocriação e amor, diz respeito as condições
para que uma experiência artístico-educativa em Dança possa acontecer,
independente do seu espaço de acontecimento (sala de aula, palco, escrita, etc.).
Para nós, existe um modo de agir imprescindível para começarmos a desenvolver
processos que constituam uma experiência de respeito entre as pessoas: agir em
amor. O amor é a emoção nuclear na história evolutiva humana e se dá de uma
maneira em que a permanência de um modo de vida no amor, é condição
necessária para o desenvolvimento integral (físico, comportamental, psíquico, social,
espiritual) da criança e conservação desse desenvolvimento na fase adulta.
Precisamente, somos seres originados no amor e dependentes dele (MATURANA,
1998).
Lembra dos animais sociais, citados anteriormente, posição na qual nos
incluímos? Maturana (1998) argumenta que o amor é o fundamento do social, mas
pondera que nem todas as relações são sociais. O autor propõe que relações
sociais dizem respeito a um modo de convivência sob o domínio de ação que o amor
sugere: a aceitação do outro enquanto legítimo na convivência (MATURANA, 1998).
Argumentamos que cooperação (SENNETT, 2013) e diálogo (FREIRE, 1967; 2016)
são proposições de modos de agir que se vinculam à proposta de amor em
Maturana. Sem isso, não há relação social.

A emoção fundamental que torna possível a história da hominização


é o amor. Sei que o que digo pode chocar, mas insisto, é o amor.
Não estou falando com base no cristianismo. Se vocês me perdoam
direi que, infelizmente, a palavra amor foi desvirtuada, e que a
emoção que ela conota perdeu sua vitalidade, de tanto se dizer que o
amor é algo especial e difícil. O amor é constitutivo da vida humana,
mas não é nada especial. (MATURANA, 1998, p. 23)
44

É frequente o pensamento de que diferimos dos outros seres vivos pelo fato
de sermos racionais. A característica racional, de acordo com esta doxa, nos afasta
das emoções, ditas puramente instintivas, animais. O que significa isso senão a
cisão razão-emoção (e humano-animal, natureza-cultura), na qual atitudes
denominadas racionais são postas em evidência, em detrimento das emoções? Ao
nos declararmos seres racionais acabamos por viver

[...] uma cultura que desvaloriza as emoções, e não vemos o


entrelaçamento cotidiano entre razão e emoção, que constitui nosso
viver humano, e não nos damos conta de que todo sistema racional
tem um fundamento emocional. (MATURANA, 1998, p. 15)

As emoções especificam qual lugar ocupamos em nossas relações, na nossa


corporalidade e dessa maneira especificam nossas possibilidades de ação, o campo
relacional no qual agimos (MATURANA, 1998, 2000). Emoção, de acordo com o
autor, trata de disposições corporais dinâmicas que especificam e determinam cada
domínio de ação, o espaço em que nos movemos (MATURANA, 1998). Quando
mudamos de emoção muda-se nosso conjunto de possibilidades de ação, tornando
perceptível a modificação da maneira de agir, seja ela de ordem cênica, educativa
ou social. O corpo que dança não é um corpo (físico, químico, sensório e
atravessado pelo ambiente) muito diferente daquele que faz tarefas rotineiras,
estuda neurociências e arquitetura, gosta de filmes italianos e boceja quando o outro
boceja.

Quando mudamos de emoção, mudamos de domínio de ação. Na


verdade, todos sabemos isso na práxis da vida cotidiana, mas o
negamos porque insistimos que o que define nossas condutas como
humanas é elas serem racionais. Ao mesmo tempo todos sabemos
que, quando estamos sob determinada emoção, há coisas que
podemos fazer e coisas que não podemos fazer, e que aceitamos
como válidos certos argumentos que não aceitaríamos sob outra
emoção. (MATURANA, 1998, p. 15)

Compreendemos que, sendo o sistema racional coimplicado em determinada


emoção, criações em Dança são coimplicadas na maneira como agimos no mundo,
a partir de argumentos que consideramos válidos sob determinada emoção. Porém,
é preciso chamar atenção para prováveis determinismos que possam aparecer. Não
é porque alguém está muito triste que não possa agir de outra maneira em cena, ou
45

porque seu cotidiano na dança é tão cruel que não se possa agir com amor.

Não porque uma coisa dita na raiva seja menos racional que uma
coisa dita na serenidade, mas porque sua racionalidade se funda em
premissas básicas distintas, aceitas a priori, fundada numa
perspectiva de preferências que a raiva define. Todo sistema racional
se constitui no operar com premissas previamente aceitas, a partir de
uma certa emoção. (MATURANA, 1998, p. 15-6)

É pouco provável que aspectos do âmbito emocional não se façam ver em


atitudes, comportamentos, e por que não em Danças. Entretanto, não é porque se
quem dança está chateado ou feliz que isso consequentemente aparecerá em sua
criação cênica ou proposta em sua proposição de aula. Mas, por que nesta proposta
de Dança, a partir do uso de ações corporais como auxílio na compreensão de
processos cocriativos, é necessário que reconheçamos as nossas emoções? E mais
especificamente, o amor? Basicamente, porque, mais uma vez considerando
Maturana (2000), o amor amplia a nossa visão.
“[...] Não há ação humana sem uma emoção que a estabeleça como tal e a
torne possível como ato” (MATURANA, 1998, p. 22). Com ajuda do autor é possível
pensar que antes de sermos seres de linguagem, fosse necessária alguma
especificidade em nosso aparato corporal que nos mantivesse juntos, em
compartilhamento. Se, quando ainda não possuíamos a comunicação verbal que
hoje nos permite ser quem somos, então, o que faria com que nossos antecessores
conseguissem viver em coletivo? Maturana (1998) possibilita entendermos que essa
parte da nossa história tenha sido fundada por uma emoção chamada amor. Assim
como Jorge Vieira (2006b), Maturana defende que o amor é algo que está em
nossos genes, portanto, biologicamente possível. “Bondade e sensibilidade não são
portanto ficções ou idealizações extremadas, são possíveis, afinal” (VIEIRA, 2006b,
p. 103). O sentido de amor, como dito anteriormente, é aqui visto sob a condição de
aceitação do outro como legítimo outro em convivência (MATURANA, 1998).
Sendo o amor a emoção capaz de nos fazer estar juntos, a Dança encontra
potência para ser mais um espaço no qual esse tipo de experiência compartilhada
pode acontecer. Estando sob as disposições corporais dinâmicas as quais o amor
dispõe, como as noções de compartilhamento, de aceitação e de cooperação, é
possível estar consciente não somente da sua experiência, mas também da legítima
existência do e com o outro (MATURANA, 1998), estar disponível ao outro. “E é a
46

emoção que determina esta disponibilidade, pois influi diretamente na capacidade de


percepção de si próprio e do ambiente” (AQUINO60, 2015, p. 62).

O eu dialógico, [...], sabe que é exatamente o tu que o constitui. Sabe


também que, constituído por um tu – um não eu -, esse tu que o
constitui se constitui, por sua vez, como eu, ao ter no seu eu um tu.
(FREIRE, 2016, p. 257)

Segundo Freire (1967, 2016) o amor é a condição para o diálogo, para uma
atitude dialógica, ou seja, uma atitude de olhar para o outro, de alteridade. Rita
Aquino (2015), em vínculo com Paulo Freire, comenta que o diálogo trata de uma
relação horizontal entre duas (ou mais) pessoas, criticamente em sua origem e em
sua capacidade geradora de criticidade. “[...] quando os dois pólos do diálogo se
ligam assim, com amor, com esperança, com fé um no outro, se fazem críticos na
busca de algo. Instala-se, então, uma relação de simpatia entre ambos. Só aí há
comunicação” (FREIRE, 1967).

Não há diálogo, porém, se não há um profundo amor ao mundo e


aos homens. Não é possível a pronúncia do mundo, que é um ato de
criação e recriação, se não há amor que a infunda. Sendo
fundamento do diálogo, o amor é, também, diálogo. [...] Porque é um
ato de coragem, nunca de medo, o amor é compromisso com os
homens. (FREIRE, 2016, p. 136-7)

Estar em diálogo é estar disponível à escuta, é estar em domínio de aceitação


do outro (MATURANA, 1998), estar em diálogo é, portanto, estar em amor. Olhando
para o outro, vemos muito de nós mesmos, enquanto espécie, enquanto viventes de
um mesmo espaço-tempo interpretado de diversas maneiras que coexistem. Mesmo
que não concordemos com os pontos de vista de algumas pessoas, não podemos
ignorá-los e impor o que nós pensamos, mas aprender a lidar com as diferenças.
Para aprofundar a compreensão sobre como essas ações presentes no amor,
são capazes de propor outros modos de fazer Dança, as noções sobre objetividade-
entre-parênteses encontradas também em Maturana (1998) se fazem relevantes
para observar o modo de agir da pessoa que dança onde acontece a Dança (seja
em cena ou sem sala de aula). Cotidianamente, estando ou não cientes, nós nos


60
Rita Ferreira de Aquino é professora doutora na Escola de Dança e no Programa de Pós-
Graduação em Dança na UFBA. Atua como artista, educadora e pesquisadora com interesse em
práticas colaborativas.
47

deslocamos tanto na objetividade-sem-parênteses quanto na objetividade-entre-


parênteses, dois caminhos das relações humanas, como proposto por Maturana
(1998). A primeira considera que quem por ela age, aceita os fatos como fixos.
Abstém-se de poder se perguntar sobre as ditas verdades universais, tendendo à
negação do conhecimento alheio e considera respostas genéricas para
acontecimentos diferentes. Por sua vez, o segundo tipo de objetividade traz em cena
(cena em sentido ampliado: educacional, pessoal artística, política, social) o
contexto, sabendo que somos diferentes, temos experiências diferentes e
justamente por essa diferença, agimos em respeito mútuo (MATURANA, 1998). Na
objetividade-entre-parênteses adentra-se no campo das possibilidades
questionadoras em relação ao que está no mundo e em como podemos nos dar
conta das transformações presentes e poder agir não sobre, mas com elas, em
respeito mútuo.

Isto ocorre porque, nesses casos, não importa o que os outros digam
ou pensem, os interesses que tenham, nem se eles vivem em
domínios de coerências de ação diferentes das nossas. Nós os
aceitamos, sem dúvida alguma. No caminho explicativo da
objetividade-entre-parênteses não há verdade absoluta nem verdade
relativa, mas muitas verdades diferentes em muitos domínios
distintos. (MATURANA, 1998, p. 48)

Para processos cocriativos em Dança, uma postura tomada em concordância


com esses percursos promovidos através do amor, da aceitação do outro e
consequentemente do respeito, coimplica as particularidades dos agentes
promovendo diálogo entre as partes. Quando, em um processo cocriativo aceitamos
as singularidades considerando o que nos é comum, no nosso caso as ações e suas
infinitas potencialidades, interseções, conexões e rejeições, nos deslocamos na
objetividade-entre-parênteses. Afinal, partilhamos a ação, porém ela não acontece
igual para todo o mundo.
Pautadas em domínios de ação que o amor possui, as experiências artístico-
educacionais em Dança propostas aqui, são a favor do corpo, ou seja, relacionam-
se com o modo de atuar em Dança que respeita as possibilidades e limitações de
cada pessoa, seja uma dor na coluna, a perda de um ente querido ou o recebimento
de uma boa notícia. O fato de termos diferentes interesses, históricos e termos
passado por experiências distintas importa enquanto particularidade, mas não
enquanto juízo de valor. Assim, estabelecemos vínculos assimétricos entre as
48

pessoas, ao invés de relações hierárquicas. Ou seja, o que propomos aqui para


experiências artístico-educacionais em Dança, não é uma relação de um sobre o
outro, como é comumente visto em relações hierárquicas, mas sim uma relação de
um com o outro, dialógica (FREIRE, 1967). Os vínculos assimétricos têm a ver com
a função que cada um pode desenvolver durante o ato cocriativo, por exemplo. Não
necessariamente cada um vai desempenhar o mesmo papel, o mesmo grau de
atuação em alguma criação compartilhada, tampouco ser impedido de mudar de
graus e de papéis. O que importa é que seus conhecimentos, processos e contextos
pontuais ou recorrentes serão levados em consideração durante a cocriação61.
Outras maneiras de fazer Dança que não incentivem valores como alteridade,
generosidade ou compartilhamento, ou que se restrinjam dentro de códigos
estabelecidos previamente, não são invalidados. Porém, em espaços artístico-
educacionais é necessário o assentamento de experiências que motivem o respeito
mútuo para que aconteça um tipo de Dança que respeite as divergências e articule
os encontros em um ato de amor, de aceitação, de corresponsabilidade, de
cooperação (SENNETT, 2013). Sendo esses pontos de suma importância para se
cocriar, coletivamente ou não, em vínculo com outro. Favorecer um espaço que a
Dança aconteça alimentada pelo amor é amparar a aceitação dos conhecimentos e
contexto do outro como tão válidos quanto os nossos, sem impor juízo de valores
sobre técnicas ou maneiras de fazer Dança.


61
Sugestão de consulta: 1.2 COCRIAÇÃO: ações compartilhadas, p. 35.
49

CAPÍTULO II
POSSIBILIDADES EM AÇÃO

O importante é não parar de perguntar – único antídoto eficiente contra os preconceitos e a


superstição que a ignorância produz.
Helena Katz62, 2010

O que determina as escolhas que fazemos?


Os recortes, os focos, a orientação, os deslocamentos?
Quais caminhos percorrer?
O que é uma experiência?
O que é ter uma experiência?
Ou estar em experiência?
Ou fazer uma experiência?
O que possibilita uma experiência?
Uma experiência pode ser provocada?
Porque nos fazemos tantas perguntas?
Movimento é algo que se tem ou algo que se compartilha?
Qual ação corporal me aproxima do outro?
Que caminhos percorrer para cocriar?
Porque as ações corporais são potentes ações cocriativas?

Esse meio do caminho vem fazer perguntas, indicar pistas, sugerir ações. A
maneira que encontramos de prosseguir com os estudos sobre ações corporais foi
através de indícios contidos nas pesquisas das Ciências Cognitivas e nos estudos
de Laban, novamente. Consideramos argumentos sobre padrão (ou, padrão de
movimento), atenção, fatores e qualidades de movimento, enquanto conhecimentos
colaboradores para o estudo de ações corporais. Descobrimos pistas de um espaço
dinâmico de cocriação nos estudos sobre improvisação, por esse ter sido um fio
condutor nas três experiências artístico-educativas relatadas no terceiro capítulo.
Cocriamos, juntos: Richard Sennett, Christine Greiner, George Lakoff, Rudolf

62
Helena Katz é crítica de Dança e professora do curso de Comunicação e Artes do Corpo e no
Programa em Comunicação e Semiótica da PUC-SP. Desenvolve, em parceria com Christine Greiner,
o conceito de corpomídia.
50

Laban, Lenira Peral Rengel, Patrícia Leal, Lia Sfoggia, Francisco Varela, Linda
Davidoff, Neide Neves, Helena Katz, Daniela Guimarães, Mark Johnson, Jorge
Vieira, Eleanor Rosch, Camila Gonçalves, Humberto Maturana, Maria Claudia
Guimarães, John Dewey, Kathya Godoy, Evan Thompson, Rosa Hercoles, Hugo
Leonardo Silva, Alva Nöe, Jorge Larrosa e todos os nossos outros co.
Vale lembrar, mais uma vez, o indício apresentado na primeira parte: são as
ações corporais que permitem a cocriação, que por sua vez requer ações amorosas
para serem adequadas ao tipo de troca que propõe. Porém, percebemos que não
basta apenas saber sobre estes assuntos mas buscar caminhos de efetivar seus
enunciados. Durante o processo dessa pesquisa foram necessárias abordagens de
outros assuntos e caminhos para potencializar nossa ação principal, que aconteceu
também em forma de tríade: problematização, atenção, qualidade.

2.1 AÇÃO ENQUANTO PADRÃO DE MOVIMENTO: questionamentos


e pistas nas ações corporais
Ao longo da nossa vida, da construção e reconstrução de nossas ações
corporais, de nossas danças, vamos cultivando certos jeitos de fazer, mantendo
formas, desenvolvendo determinados padrões de movimento. Sennett (2013)
argumenta que os padrões são como sinais que sabemos fazer, que são
interpretados rapidamente por outros e têm a possibilidade de serem repetidos.
Sabemos disso quando, ao vermos o filho de uma amiga se comportando de
maneira semelhante a ela, falamos: “nossa, igualzinho à mãe!”, ou vemos alguém
dançando de maneira específica e dizemos: “Isso é dança moderna” ou “Parecem
passos de salsa”. Temos a capacidade de categorizar as coisas, de encontrar
padrões, de designar lugares pois

Sistemas vivos devem categorizar. Desde que somos seres neurais,


nossas categorias são formadas através de nossa corponectividade.
O que isso significa é que as categorias que formamos fazem parte
da nossa experiência! [...] A categorização não é, portanto, uma
questão puramente intelectual, ocorrendo após o fato da experiência.
É parte do que nossos corpos e cérebros estão constantemente
envolvidos63 (Tradução nossa). (LAKOFF; JOHNSON, 1999, p. 19)


63
Texto original: “Living systems must categorize. Since we are neural beings, our categories are
formed through our embodiment. What that means is that the categories we form are part of our
experience! […] Categorization is thus not a purely intellectual matter, occurring after the fact of
51

Segundo Neves (2008) e Vieira (2006b), a existência do padrão é a garantia


da nossa sobrevivência. De acordo com esses estudos, sabemos que precisamos
ter uma taxa de permanência, em forma de automatismos e funções vitais que nos
permitem a possibilidade do corpo funcionar independentemente de uma plena
consciência64 sobre cada ação corporal, como por exemplo o nosso fluxo sanguíneo,
nossa respiração e sinapses. Contudo, nossos padrões não são restritos apenas a
essas funções vitais e ao automatismo, refletem também na maneira como agimos
no mundo, com nossas ações. Além de serem necessários para nosso
reconhecimento enquanto espécie.

Desenvolvemos uma maneira própria de ser, de nos relacionarmos


com o mundo e de nos movermos. Tais habilidades são fruto da
nossa predisposição genética e das nossas experiências. Acontece
de modo inevitável porque parece ser da natureza de nosso aparato
biológico o desenvolvimento de um padrão pessoal de movimento,
que envolve diferentes experiências sensório-motoras e cognitivas.
Em princípio, é apenas esse padrão que nos distingue dos outros
seres humanos. É a nossa marca, DNA + experiência, impressos na
nossa expressão no mundo. [...] Somos seres flexíveis, plásticos,
móveis. Nosso desenvolvimento nunca termina; cada
momento/movimento é apenas o início de novas possibilidades.
Nunca um movimento é igual a outro; a cada experiência, todos os
fatores (sensorial, motor, cognitivo, imagens mentais, estímulos
externos) se combinam de maneira diferente. (NEVES, 2008, p. 45)

As nossas ações corporais, por sua recorrência, possuem larga capacidade


de padronizar-se, permanecer. Mas uma ação corporal, para se tornar um padrão,
precisa ser repetida, até se desenvolver e garantir certa estabilidade. É necessário
lembrar que nossas ações corporais, e sua padronização, não independem do
mundo, afinal nossa existência enquanto seres humanos, vem da convivência com o
outro (MATURANA, 1998), transformando e sendo transformado,
concomitantemente pelo ambiente, pelo social, artístico (sendo artista ou
espectador), cultural... Ou seja, nossas ações também são ações dos outros, nossos
padrões também são construídos a partir da nossa relação o mundo. Porém, nossa


experience. It is part of what our bodies and brains are constantly engaged in” (LAKOFF; JOHNSON,
1999, p. 19).
64
Sabemos que isso não é possível considerando nosso inconsciente cognitivo, assunto que
apresentaremos no item a seguir. Sugestão de consulta: 2.2 ATENÇÃO E PERCEPÇÃO: experiência
em ação, p. 56.
52

permanência enquanto espécie, não depende somente da estabilidade de nossos


padrões, mas também das possibilidades quando surgem novas informações.

[...] nossa permanência e evolução enquanto indivíduos e espécie


dependem tanto da estabilização de padrões que nos permitam nos
reconhecer, e ao mundo que nos cerca, quanto da flexibilidade para
lidar com novas informações que surgem no mundo e no próprio
organismo [...]. (NEVES, 2008, p. 18)

Portanto, a estabilização de padrões de movimento permite o reconhecimento


de nós mesmos enquanto espécie e, consequentemente, enquanto seres que
compartilham determinadas ações. Ações corporais são parte da nossa vida, do
nosso automatismo, da nossa rotina. Assim sendo, a ação corporal é também um
tipo de padrão de movimento, uma categorização que indica espécie, cultura,
peculiaridades, entre outros aspectos, em sua esfera pessoal e social. Apesar de
serem ações que todos podemos fazer (considerando as possibilidades e limitações
de cada um), elas são singulares, dependem do histórico de quem a faz, e são
sempre feitas no presente, contextualmente. Godoy65 (2016) comenta que esse tipo
de postura contextual tem a ver com uma construção de saberes estabelecidos pela
pessoa e pela capacidade que ela tem de conectar-se ao contexto que está. Cada
ação é sempre contextual. Não agimos igual em nenhum momento, não fazemos a
mesma ação corporal exatamente idêntica, nem mesmo um segundo após. Se as
coisas ao nosso redor mudam, as nossas ações também mudam. Tudo muda
simultaneamente, corresponsavelmente.
Antes de continuarmos, vamos argumentar sobre um ponto que pode causar
confusão no decorrer da escrita. Partimos da afirmação: Uma ação nunca se repete.
Mas como, se acabamos de mencionar que a característica do padrão é a repetição
e a ação corporal é um padrão de movimento? Consideramos uma ação corporal
como andar, pegar, sorrir, como um padrão devido a repetição de determinada ação
ao longo da vida e aspectos replicados que fazem com que identifiquemos essa
ação nas outras pessoas. Porém quando consideramos que nossas ações são
construídas através da nossa relação com o mundo, argumentamos que mesmo se
tratando de uma reprodução de movimento (alguém demonstra o que deve ser feito),


65
Kathya Maria Ayres de Godoy é professora no Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista
(UNESP), no curso de bacharelado em Artes Cênicas e Visuais, licenciatura em Arte e Teatro e no
Programa de Doutorado e Mestrado em Artes. É também bailarina e coreógrafa.
53

as ações nunca são repetições idênticas e sim reconstruções, a cada momento


(NEVES, 2008), não somente em relação a ação corporal sugerida pela pessoa mas
a cada vez que fazemos essa “mesma” ação.

Mesmo na relativa repetição de movimentos em uma sequência


determinada, não estamos lidando com uma reprodução apenas
mecânica, isto é, desvinculada dos estímulos do momento. Há
sempre um lugar para esses últimos [...]. (NEVES, 2008, p. 90)

Entretanto, quando os padrões de movimento se tornam alternativas


restritivas, é desejável que se reflita. Afinal, como citou Neves (2008) a nossa
evolução e permanência enquanto espécie não se deve apenas ao fato de
padronizarmos, mas também a abertura ao novo. Mas até o novo, cria suas
possibilidades de tornar-se padrão, pois quando uma nova instrução de movimento
chega ao corpo ocorre um processo que visa classificar essa instrução, ou seja, o
corpo se aproxima dessa nova informação a partir do que ele já conhece/sabe fazer
e opera por meio desse processo (HERCOLES, 2011a). “Pois, a forma como o corpo
tende a solucionar os problemas obedecerá aos padrões de comportamento
neuromusculares previamente definidos” (HERCOLES, 2011a, p. 19).
Quando se trata de ação corporal em Dança, no ato de levar para cena o que
fazemos no nosso dia-a-dia, corre-se um risco em ficarmos somente no campo da
representação do movimento, sem promover nenhuma transformação da ação
corporal. A exposição constante do corpo a algum tipo específico de treinamento,
ação ou comportamento, acaba delimitando seu espaço de possibilidade por conta
da recorrência. Consequentemente quando nos deparamos com alguma situação de
resolução de problemas, nos assentamos em comportamentos previamente
definidos, ou seja, a partir de respostas mais cômodas para nosso vocabulário
corporal (HERCOLES, 2011a). Se supomos que nossas ações, por serem tão
padronizadas, se afastam das possibilidades criativas, como seguir nessa pesquisa?

A existência do padrão é condição para a sobrevivência. Sem a


possibilidade de reproduzirmos padrões de comportamento e de
movimento não poderíamos garantir a aprendizagem e a
manutenção das respostas adaptativas ao mundo. Mas a abertura
para o novo existe pela mesma razão. Só evoluímos
adaptativamente porque somos capazes de renovação, de
reestruturação. [...] os padrões de movimento são necessários, mas
passíveis de mudanças. (NEVES, 2008, p. 71)
54

Seguimos porque – de acordo com descobertas e pesquisas atualizadas,


inclusive in loco, das Ciências Cognitivas, Neurociência e outras áreas do
conhecimento que nos auxiliam a ter compreensão do modo de operar do corpo –
nossos padrões não são anulados, mas podem se transformar pela nossa
capacidade de abertura, de disponibilidade ao novo, ao outro. Premissas essas
frisadas no capítulo anterior e enfatizadas durante toda a escrita. A observação das
nossas ações, possibilita junto à reconfiguração da própria movimentação, modos de
conhecer. Não importa se a improvisação ou passos codificados podem ser uma
reprodução mecanizada de ações como uma descrição, conduzindo à
previsibilidade. Importa a relevância da possibilidade de problematização dessas
ações, não apenas em nível de forma, mas também em suas relações com o
contexto e com o contato com outras pessoas (HERCOLES, 2011a), para
compreendermos a coexistência de variados jeitos para trabalhar com ação corporal
nas mediações artístico-educacionais em Dança. E trabalhar nossas ações
corporais, nossos padrões de movimento, ao mesmo tempo se torna nosso espaço
de risco e de possibilidade.
Estudar Dança com o objetivo de formatar seu conhecimento dentro do que é
permitido nesse ou naquele tipo específico de vocabulário é simplificar as
possibilidades que o movimento nos dá. Por exemplo, estudar balé restringindo-o
aos códigos preestabelecidos inviabiliza outras possibilidades criativas presentes no
próprio balé. Mais uma vez, o intuito aqui não é de depreciar alguma abordagem,
proposta, pressuposto ou ideia de Dança, e sim mostrar a potência de um estudo
sem convenções categoricamente definidas ou restritas. Sendo assim, o estudo das
ações corporais proposto nessa pesquisa amplia a flexibilidade do corpo como
propósito móvel, levando em conta o contexto coletivo e pessoal. De acordo com a
pesquisadora Rosa Hercoles (2011a):

Por exemplo: uma coisa é fazer aulas de balé com o propósito final
de ser um exímio bailarino, fato que requer a completa formatação do
movimento em um tipo definido de configuração neuromuscular,
portanto, menos plástica. Outra é fazer esse tipo de aula com o
propósito móvel de apreender as instruções de movimento e o
conhecimento que elas agregam. Trata-se, portanto, do estudo das
estruturas lógicas que operam naquele tipo de linguagem e, isto, é
possível de manipulação. (HERCOLES, 2011a, p. 28)
55

Para a apreensão e adequação da ação em Dança aqui proposta, é


necessário o reconhecimento de padrões de movimento para então partir para as
suas viabilidades adaptativas e de transformação. Pelo fato de estarmos
suficientemente automatizados em certos tipos de ações corporais, a recorrência
torna a ação mais distante de processos criativos, independente do seu nível de
complexidade (HERCOLES, 2011a). Todavia, investigando os aspectos qualitativos
do movimento, na procura por outras maneiras de fazer Dança, essas ações
corporais tornam-se passíveis de transformação sendo potenciais motes cocriativos.
Buscar compreender, investigar ações corporais - que acontecem nas relações -
como parte do processo cocriativo pode proporcionar um estar consciente de que
antes da Dança ser sobre algo ela já é sobre o corpo e suas possibilidades
expressivas, como ou sem a ênfase posta no movimento perceptível. Passos ou
sequências de dança podem ser vistos como derivações das ações corporais que já
sabemos fazer, ou seja, já são alternativas de transformação de maneira artística.
Nessa experiência, quando atentamos para ações corporais como andar, falar,
correr, pular, entre outras, o exercício perceptivo que se dá possibilita compreender
que o movimento não está somente relacionado com uma determinada sequência
de dança, mas compreende que o movimento cocriativo está presente em tudo que
fazemos, ao respirar, ao ler um livro ou saber que o coração pulsa.
Considerando a Dança como um propósito móvel, como propõe Rosa
Hercoles (2011a), reivindicamos um espaço que sugere abertura, atenção,
disponibilidade. Perguntamo-nos: em Dança, qual uma maneira de desestabilizar
padrões de movimento enquanto dançamos e consequentemente descobrir novos?
Durante as experiências artístico-educacionais propostas nos três espaços
públicos66, tivemos um indício que nos auxiliou: a improvisação.

Na construção dramatúrgica da Improvisação, entre uma escolha e


outra, existem percursos e pontos de ligação que margeiam as
decisões todo o tempo. A capacidade de construir estas pontes entre
escolhas em tempo presente é também um treinamento, não para
escolher melhor, mas para trabalhar um estado de corpo capaz de
agir na elaboração cênica de uma escolha, ao mesmo tempo em que
tenha a atenção nas novas possibilidades que este percurso em
movimento pode suscitar. (GUIMARÃES, D., 2012, p. 69)


66
Sugestão de consulta: CAPÍTULO III – EXPERIÊNCIAS EM COCRIAÇÃO, p. 69.
56

Os ambientes artístico-educativos relatados no terceiro capítulo solicitaram


uma constante atividade perceptiva de maneira mais enfática de dois aspectos:
tempo e espaço. Pela diversidade e quantidade de público, nós dançarinos tínhamos
que estar engajados naquele momento, prestando atenção, percebendo os detalhes
e as ações da nossa convivência no presente. Presença, para Silva (2014) é uma
maneira de concentrar-se nas relações corpomente e ambiente. Esse tipo de
qualidade foi necessário durante as experiências improvisadas para aprendermos a
lidar com o tempo presente, o tempo do outro e ambientes que nem sempre serão
acolhedores para ações de Dança, sobretudo em espaços públicos.

Improvisar em tempo presente na cena também funciona como


exercício de convivência, confiança, responsabilidade e
generosidade. Esta experiência tem a função de manter os instintos
aguçados para lidar com as instabilidades e incertezas na cena como
na própria vida, correndo o risco de passar por instantes de não
compreensão da lógica estabelecida – de não ser compreendido ou
de não se fazer compreender. As ações na cena são, a cada
instante, capazes de mobilizar novas decisões necessárias para o
desenvolvimento continuado de uma organização lógica operativa
também em tempo presente. (GUIMARÃES, D., 2012, p. 67)

Daniela Guimarães (2012) nos ajuda a entender o tempo presente enquanto


tomada de decisão, princípio básico quando se trata de improvisação. Tempo
presente enquanto tempo ao vivo da proposição cocriativa. Tomada de decisão tem
a ver com o quando, por que e onde agir na cena, características muito frisadas por
Daniela Guimarães durante as aulas, e adotada nas experimentações com ações
corporais. “Em tempo presente, não há ‘erro’ propriamente dito [...], mas sim,
aleatoriedade, probabilidades e acaso. Nada pode ser descartado em tempo
presente, uma vez que já ocorreu [...]” (GUIMARÃES, D., 2012, p. 18).
Nos três espaços artístico-educativos que relatamos no próximo capítulo,
categorizamos os tipos de improvisação em dois: improvisação estruturada e
improvisação temática. O que chamamos de improvisação estruturada acomoda
indicações mais delimitadas sobre o tipo do movimento, tempo ou espaço (um deles,
dois ou os três), porém não sabemos precisamente o que vai acontecer na estrutura.
Essa postura, se assemelha à noção de improvisação por score (partitura):

Por essa estratégia, o dançarino, ou o grupo de dançarinos, executa


uma dança mais ou menos delimitada em termos de tempo e espaço
57

e de elementos pré-escolhidos como balizadores de sua atuação.


(SILVA, 2014, p. 99)

Na improvisação temática, por sua vez, poderia existir um tópico ou um


assunto a ser tratado, mas quase nenhuma indicação temporal ou espacial. A
proposição é a de um campo de possibilidades mais ampliado.
Em improvisação, seja qualquer que seja sua organização, temos, ou melhor,
somos um vocabulário. Um vocabulário não tão definido por causa das nossas
transformações e as transformações do mundo, que somos nós também. Um
vocabulário estável, porém incerto, depende não somente de lembranças do
passado ou antecipação do que virá, mas também de viver o agora, o tempo
presente, estar disponível. Compartilhando ações, compartilha-se modos de dançar
e de viver.

2.2 ATENÇÃO E PERCEPÇÃO: experiência em ação


No decorrer dos estudos das ações corporais algumas palavras se fizeram
presentes repetidamente: percepção, atenção e experiência. Era comum, mais
enfaticamente nos jogos de improvisação que Daniela Guimarães propunha nas
aulas de EPC IV, por exemplo, que houvesse a tentativa de estarmos presentes,
prestar atenção no que estava acontecendo, no outro, no espaço, prestar atenção
em nós mesmos. Daniela Guimarães nos chamava atenção para o agora, para o
tempo presente67. Esse segundo momento é nosso segundo indício para trabalhar
com ações corporais: exercício perceptivo.
Considerando aspectos que envolvem nosso estar no mundo como viver
experiências, a aceleração das mudanças (climáticas, políticas, científicas, entre
outras), o desenvolvimento tecnológico, as novas formas de contato (principalmente
no que tange o virtual), os poderes da (auto)destruição, é fácil nos sentirmos
perdidos e quase sempre estarmos vivendo em função de um passado que
aconteceu ou de um futuro que estar por vir. Viver o agora e estar disponível a
mudanças, se tornaram tarefas muito complexas no mundo de hoje. Talvez por sua
agilidade, ou talvez por nossa comodidade. Estejamos atentos. Sendo assim, nas
mediações artístico-educativas em Dança (seja com crianças, adultos, leigos ou


67
Sugestão de consulta: 2.1 AÇÃO ENQUANTO PADRÃO DE MOVIMENTO: questionamentos e
pistas nas ações corporais, p. 49.
58

não), a proposição é a de que nos atentemos ao fato de que em grande parte dos
acontecimentos diários “pensamos e agimos mais ou menos automaticamente,
seguindo certas linhas de conduta, que não se deixam apreender facilmente”
(LAKOFF; JOHNSON, 1980, p. 46). E por isso, essas ações corporais requerem
atenção. O automatismo afasta nossa atenção. Nossa atenção possibilita uma
postura cuidadoso, amorosa, sendo estes argumentos básicos para uma cocriação
em Dança.
Christine Greiner (2010a), apresenta alguns conceitos considerados ao longo
do tempo sobre o que seria o ato de perceber, a percepção. O mais comum deles
diz respeito a considerar que a percepção é algo apenas conceitual (no senso
comum de que conceito é algo externo ao corpo) e anterior à ação corporal. Porém a
autora nos atenta à pesquisas recentes sobre a perspectiva das Ciências Cognitivas,
que afirmam uma mente corporificada68 (VARELA; THOMPSON; ROSCH, 1991), ou
seja, a integração dos nossos processos corporais, coimplicados em sistema
sensório-motor e conceitual. Vale lembrar:

A hipótese da mente corporificada, portanto, radicalmente diminui a


distinção percepção/concepção. Numa mente corporificada, é
concebível que o mesmo sistema neural envolvido na percepção (ou
no movimento corporal) desempenhe um papel central na
concepção. Ou seja, os próprios mecanismos responsáveis pela
percepção, movimentos e manipulação de objetos poderiam ser
responsáveis pela conceituação e raciocínio69 (Tradução nossa).
(LAKOFF; JOHNSON, 1999, p. 37-8)

Greiner (2010a), de acordo com Alva Nöe70 (2004), comenta que a percepção
é algo que fazemos, como uma ação, e não algo que acontece conosco.

[...] Assim, tornou-se plausível afirmar que perceber já é um modo de


agir. Alva Nöe (2004) esclarece que a percepção não é algo que
acontece para nós ou em nós. É algo que fazemos. O que
percebemos é determinado pelo que fazemos, pelo que sabemos
como fazer ou estamos prontos para fazer. Essas ações são


68
Termo original: embodied mind.
69
Texto original: “The embodied-mind hypothesis therefore radically undercuts the
perception/conception distinction. In a embodied mind, it is conceivable that the same neural system
engaged in perception (or in bodily movement) plays a central role in conception. That is, the very
mechanisms responsible for perception, movements and object manipulation could be responsible for
conceptualization and reasoning” (LAKOFF; JOHNSON, 1999, p. 37-8).
70
Alva Nöe é professor de Filosofia na University of California, Berkeley (EUA), seu foco de pesquisa
é a consciência e as teorias da mente.
59

sutilmente diferentes entre si, mas intimamente ligadas. (GREINER,


2010a, p. 73)

Se nossas ações corporais são o que nos possibilita o reconhecimento


enquanto espécie, o conhecimento, a comunicação e nossa capacidade de
compartilhamento, a percepção enquanto ação corporal, é também um modo de
conhecermos o mundo, sendo um processo dependente não somente da pessoa,
mas do entorno.

A percepção substitui o mero reconhecimento. Há um ato de


reconstrução, e a consciência torna-se nova e viva. Esse ato de ver
envolve a cooperação de elementos motores, embora eles
permaneçam implícitos, em vez de se explicitarem, e envolve a
cooperação de todas as ideias acumuladas que possam servir para
completar a nova imagem em formação. (GREINER, 2010a, p. 135)

“Preste atenção”. “Esteja presente”. “Se torne consciente da sua ação”.


“Vamos buscar uma maior consciência corporal...”. Esse tipo de frase é recorrente
em algumas aulas de Dança que propõe argumentos contemporâneos. Porém, será
que sabemos como prestar atenção? Será que podemos chegar a ter mais
consciência71 corporal? Davidoff72 (2001), em estudos sobre processos que
envolvem a atenção e a percepção, diz que nós podemos perceber algo sem
tomarmos consciência daquilo ou sem atentar-se, sendo influenciados por alguma
informação presente no ambiente. Ela usa um exemplo muito comum de quando
dirigimos e não temos lembrança de algumas partes do trajeto.

Dedicamos atenção mínima a eventos rotineiros e regulares e


atenção máxima a mensagens que não podem ser ignoradas com
segurança. Se atentássemos todo momento a tudo, indícios
importantes poderiam ficar perdidos em meio ao acúmulo de
informações. (DAVIDOFF, 2001, p. 145)

Sendo assim, os processos que acontecem conosco enquanto sistema global


(sem separação corpomente, ou seja, corponectivo) são complexos demais para
compreendermos em sua totalidade. “É possível ser eficiente na ação e não ter uma

71
Não vamos nos aprofundar no sentido de consciência ou considerar argumentos científicos que
amparem esse conceito. Usamos consciência, aqui nessa proposta, como maneira de estar atento ao
que está acontecendo consigo mesmo, em tempo presente, porém considerando também nossa
parcela inconsciente.
72
Linda Davidoff é psicóloga, autora do livro “Introdução à Psicologia”. Escreve sobre temas como
Emoção e Saúde, Percepção, Cognição, entre outros assuntos.
60

experiência consciente” (DEWEY, 2010). Por exemplo, podemos respirar


eficientemente para nos manter vivos, porém geralmente não temos uma
experiência consciente do ato de respirar, ou, não é comum refletirmos sobre tal ato.
Portanto, argumentamos que o primeiro passo é saber que não estamos
conscientes de tudo o tempo inteiro e que nossas ações são moldadas também por
uma parcela inconsciente, responsável por alguns processos “automáticos”, o
inconsciente cognitivo. De acordo com Lakoff e Johnson (1999), o inconsciente
cognitivo descreve operações mentais inconscientes correlacionadas ao significado,
à linguagem, inferência e sistemas conceituais (LAKOFF; JOHNSON, 1999). São
aquelas operações que não temos que estar conscientes, e, de fato, não temos
possibilidades de estar, para que aconteçam, como o fluxo sanguíneo, o
funcionamento das articulações usadas no ato de falar ou andar, a respiração, o
próprio automatismo da ação. Portanto, argumentamos que o primeiro passo é saber
que não estamos conscientes de tudo o tempo inteiro e que nossas ações são
moldadas também por essa nossa parcela inconsciente (LAKOFF; JOHNSON,
1999). Os autores usam um exemplo muito interessante: a análise das ações que
estão acontecendo, segundo após segundo, abaixo do nível de consciência, quando
estamos conversando.

[...] Acessando memórias relevantes para o que está sendo dito;


Compreendendo um fluxo de som como linguagem, dividindo-o em
características fonéticas e segmentos distintivos, identificando
fonemas e agrupando-os em morfemas; Atribuindo uma estrutura à
frase de acordo com o vasto número de construções gramaticais na
sua língua nativa; Escolhendo palavras e dando-lhes significados
apropriados ao contexto; Fazendo sentido semântico e pragmático
das sentenças como um todo; Enquadrando o que é dito em termos
relevantes para a discussão; Representando o que é dito em termos
relevantes para o que está sendo discutido; Construindo imagens
mentais onde for relevante e inspecionando-as; Preenchendo
lacunas no discurso; Percebendo e interpretando a linguagem
corporal de seu interlocutor; Antecipando onde a conversa está indo;
Planejando o que dizer em resposta [...]73 (Tradução nossa).
(LAKOFF; JOHNSON, 1999, p. 10)


73
Texto original: “[…] Accessing memories relevant to what is being said; Comprehending a stream of
sound as being language, dividing it into distinctive phonetic features and segments, identifying
phonemes, and grouping them into morphemes; Assigning a structure to the sentence in accord with
the vast number of grammatical constructions in your native language; Picking out words and giving
them meanings appropriate to context; Making semantic and pragmatic sense of the sentences as a
whole; Framing what is said in terms relevant to the discussion; Performing what is said in terms
relevant to what is being discussed; Constructing mental images where relevant and inspecting them;
Filling in gaps in the discourse; Noticing and interpreting your interlocutor's body language;
61

Se quando conversamos usando a linguagem verbal, como referenciam os


autores, já estamos fazendo uma quantidade infinita de ações para o
desenvolvimento do ato de conversar, imagine quando dançamos? Quando
experienciamos dança?
É comum ouvirmos falar em experiência em Dança, experienciar uma dança,
ter uma experiência de Dança, etc. Aqui, nesta dissertação, fala-se de experiência
muitas vezes. Muitos estudos, ensaios, livros, artigos refletem o conceito de
experiência enquanto conhecimento, experiência convertida em experimento, alguns
autores trazem afirmações, outros apresentam pistas, inquietações, escritas
ensaísticas. Propomos, a partir dos referenciais que apresentamos acerca da
temática que as experiências estão acontecendo o tempo inteiro, sob nosso
“controle” ou não, consciente ou inconsciente, sensório-motora e conceitual, como
“um modo de exploração do mundo” (GREINER, 2010a, p. 77). Experiência,
(propomos) é cheiro, toque, dança, barulho de água na torneira, sonho (mesmo que
a gente não lembre direito), olhar, carinho no gato, ter sobrinhos, virar a página de
um livro, abraçar quem sentimos saudade, olhar no olho, beber vinho, dormir na
rede, escrever uma dissertação, sorrir para um desconhecido, discordar de alguém,
aquela fotografia antiga, nosso agir no mundo...
Em nossos estudos sobre o termo experiência em Dewey (2010), Lakoff e
Johnson (1999) e Larrosa (2014), encontramos um ponto em comum: experiência
tem a ver com estarmos sujeitos e fazermos algo. Considerar uma experiência assim
não proclama aspectos dicotômicos como ação e reação, como se acontecesse
primeiro o pensamento e depois a experiência. Em uma experiência, fazemos e
estamos sujeitos a algo simultaneamente. Sendo assim, uma experiência tem a ver
com estarmos disponíveis. Tem a ver com estarmos atentos compreendendo que
não estamos conscientes de tudo, nem atentos a tudo.
Nenhum dos posicionamentos dos autores sobre o tema especifica, determina
ou conceitua experiência de modo absoluto, nem poderiam. Larrosa (2014)
argumenta que experiência é aquilo que nos acontece, aquilo que nos faz sentido,
não o que se passa ou o que acontece. Do ponto de vista das Ciências Cognitivas, a
experiência está sempre acontecendo, mesmo que não estejamos conscientes dela.

Anticipating where the conversation is going; Planning what to say in response […]” (LAKOFF;
JOHNSON, 1999, p. 10).
62

Mas, esse algo sempre acontece em relação a nós mesmos, portanto, há que
levarmos em conta a argumentação de Larrosa. Silva (2014), com referências em
Dewey (2010) e também em Nöe (2004) faz uma articulação entre percepção e
experiência, considerando-as enquanto ações do corpo, ou seja, elas são vistas de
acordo com uma abordagem enativa74, corponectiva, como vimos no capítulo
anterior. “Uma experiência tem padrão e estrutura porque não apenas é uma
alternância do fazer e do ficar sujeito a algo, mas também porque consiste nas duas
coisas relacionadas” (DEWEY, 2010, p. 122). Silva (2014), diz que para Dewey é
justamente na simultaneidade desses dois aspectos que os processos de percepção
são intensificados além da mera capacidade de reconhecimento.
Ajudando-nos com esses estudos introdutórios sobre o que é uma
experiência, Larrosa (2014) propõe dois lugares que nos interessa saber enquanto
mais uma postura acessível para possibilitar os estudos das ações corporais em
processos cocriativos em Dança: o sujeito da experiência e o saber da experiência.
O sujeito da experiência é um ser passivo, mas essa passividade se caracteriza
como disponibilidade, abertura e receptividade, em detrimento de uma mera
oposição entre ativo e passivo. Sujeito da experiência é considerado sujeito exposto,
espaço de acontecimentos, superfície sensível (LARROSA, 2014). É importante
frisar que esse espaço de acontecimentos não acontece como algo de fora que vem
para dentro, mas sempre numa permuta, de correlações corpo/mente,
corpo/ambiente, eu/você. Já o saber da experiência trata do sentido ou do não
sentido que damos ao que (nos) acontece, trata-se de um saber pessoal e relativo.
E, ainda que duas pessoas passem pelo mesmo acontecimento, a experiência de
cada uma é singular (DEWEY, 2010; LARROSA, 2014), assim como nossas ações
corporais.

Do ponto de vista da experiência, o importante não é nem a posição


(nossa maneira de pormos), nem a “oposição” (nossa maneira de
opormos), nem a “imposição” (nossa maneira de impormos), nem a
“proposição” (nossa maneira de propormos), mas a “ex-posição”,
nossa maneira de “ex-pormos”, com tudo o que isso tem de
vulnerabilidade e de risco. Por isso é incapaz de experiência aquele
que se põe, ou se opõe, ou se impõe, ou se propõe, mas não se “ex-
põe”. (LARROSA, 2014, p. 26)

74
“Efetivação ou enação (substantivo), efetivar ou atuar (verbo no sentido de agir corponectivamente
no mundo) e efetivado (adjetivo), são traduções para enactment, to enact, enactive. ROSCH (1996:
129) define a abordagem enactive como a efetivação do “corpo, mundo, mente com base em uma
história de ação corponectiva” (RENGEL, 2007, p. 60).
63

Portanto, nossa postura enquanto educadores/artistas da Dança requer um


exercício perceptivo, atenção ao ato de dançar. Para estudar ações tão habituais
quanto nossas ações corporais, sem estarmos atentos, sem compreendermos o
nível de corresponsabilidade presente nas ações, não podemos perceber a
existência dos padrões de movimento, desencadeando a restrição e tendendo a uma
repetição e execução desatenta (NEVES, 2008). Para experienciar a Dança aqui
proposta é necessário estar a par de que manter-se em experiência é permanecer
aberto, disponível. É saber que o processo de conhecer implica a criação de um
espaço que não é apenas o espaço onde a aula/cena é desenvolvida. Implica
também em saber que o movimento (e nesse caso seu estudo mais aprofundado)
faz parte da nossa condição como ser humano no mundo.
Argumentamos aqui que estar em exercício perceptivo, em um espaço
propício para provocar experiências perceptivas é, portanto, estar em ação, em
experiência de maneira consciente de que não podemos estar conscientes a todos
os processos que acontecem no eucorpo, é compreender que sempre estamos
sujeitos a algo que não controlamos à medida que fazemos. Sendo assim, nossa
ação corporal não é compreendida como somente algo que fazemos, mas algo que
nos sujeitamos, devido a nossa correlação com o espaço em que vivemos.
Consideremos um exemplo em Maturana (2000):

[...] Eu ando. Quando estou andando, será que eu estou fazendo o


andar? Movimentando minhas pernas, de maneira cíclica, eu ando.
Mas será que eu ando? Suponhamos que vocês me pendurassem
pelas axilas, e eu continuasse a fazer esse movimento cíclico. Então
eu andaria? Não. Porque andar emerge da interação com o meio [...].
(MATURANA, 2000, p. 90)

Com o auxílio dos fatores de movimento, nosso próximo indício, podemos


abrir possibilidades para a transformação dessas ações que se tornam bastante
padronizadas ao longo da vida. Andar diferente, experienciar sentar-se de maneiras
diferentes, vivenciar novos tempos, espaços, e através do conhecido, desvendar o
desconhecido, esse é o nosso ciclo.
Portanto, refletimos que estudar processos que considerem nossa capacidade
perceptiva auxiliam no caminho cocriativo das experiências com ações corporais.
Pelo fato de que ações corporais são geralmente atividades tão automáticas que
64

não nos damos conta das possibilidades expressivas que podem ser estimuladas
em seu estudo. Predispor-se a aprimorar os processos atentos é relevante nessa
pesquisa por argumentarmos que deste modo podemos observar o que ocorre
conosco quando nos movemos e as possibilidades de compartilhamento que temos
a partir do aparato corporal que temos/somos, sem restringir ninguém.
Compreendendo também que o nosso processo de percepção (que é ação corporal)
se organiza como mediador em tudo o que nos circunscreve, sendo nós construtores
do que percebemos, numa espécie de coautoria ininterrupta com o ambiente onde
cada processo implicará numa forma singular de organização (KATZ, 2003).

2.3 FATORES E QUALIDADES DE MOVIMENTO: a transformação de


padrões nas ações corporais
O terceiro e último indício apresentado nesta pesquisa diz respeito ao estudo
dos fatores de movimento, Fluência, Espaço, Peso e Tempo75, de acordo com a Arte
do Movimento de Rudolf Laban, para transformar padrões existentes nas ações
corporais. As qualidades de movimento são as gradações presentes nos fatores, por
exemplo: no fator Tempo existem as gradações entre tempo súbito e tempo
sustentado, como veremos a seguir. Apesar de cada fator de movimento ser
composto de duas polaridades, as qualidades consideram suas gradações entre
uma possível extremidade e outra, também, possível. Possível porque o máximo de
lentidão em um movimento, para uma pessoa, não é igual para a outra.
Dentre a sua terminologia conceitualmente teóricoprática, Laban propôs as
noções de Corêutica e Eukinética/Eucinética, além de inúmeros movimentos-
palavras (RENGEL, 2015), como Kinetografia/Labanotation, um sistema de símbolos
criados por Rudolf Laban para registro escrito do movimento. A notação proposta
nesse sistema é composta de linhas e outras formas geométricas que permite


75
A partir de pesquisas em Laban, Rengel (2015) descreve nos movimentos de um bebê, a
emergência de cada um dos fatores. O primeiro fator a surgir é a Fluência, como quando um bebê
ainda não tem um controle mais refinado/objetivo de seus movimentos e se move em fluência livre ou
controlada. O segundo é o Espaço, quando o bebê descobre sua mão, o berço, a mãe, ou seja, o seu
vínculo com o outro. Quando compreende que existe o “eu” e o “outro”. Em seguida vem o fator Peso,
quando o bebê começa a engatinhar e (salvo as possibilidades de cada um) a por força para ficar de
pé, lidando com a gravidade. E por último, o fator Tempo, quando a criança começa a compreender
que sua mãe sai para fora de casa mas volta. Quando existe a hora de dormir, de comer, etc. Porém,
nós não experienciamos esses fatores de maneira fragmentada ou linearmente consecutiva, os
quatro fatores acontecem de forma simultânea, o que modifica são as ênfases dadas em cada tipo de
movimento, em cada tipo de ação, de acordo com o contexto.
65

detalhar ações de movimento em níveis espaciais, direção, duração, entre outras


possibilidades. A Corêutica é o estudo da organização dos movimentos, tratando do
espaço e do corpo no espaço, o qual é sempre experienciado a partir do corpo,
tendo cada pessoa seu próprio espaço de mover-se, sua cinesfera. A cinesfera, por
sua vez, é o espaço pessoal de cada um, espaço em volta da pessoa que se
movimenta, sendo delimitada pelo alcance dos membros e outras partes do corpo a
partir de determinado ponto de apoio fixo (RENGEL, 2015). Nas palavras de Laban,
“[...] é a esfera ao redor do corpo, cuja periferia pode ser alcançada facilmente pelas
extremidades dos membros, sem que estes se desloquem do lugar onde está o
ponto de apoio de um dos pés [...] (LABAN, 1966 apud GUIMARÃES, M. C., 2006, p.
45). Nos estudos da Corêutica, são considerados as direções, os planos e suas
dimensões espaciais, amplitude, profundidade e comprimento, e os níveis (baixo,
médio e alto) (LEAL, 2006). A Eukinética ou Eucinética, por sua vez é o estudo da
dinâmica expressiva dos movimentos (LEAL, 2006) onde os fatores e qualidades de
movimento estão presentes.
Geralmente acompanhando a palavra ação, nos estudos de Laban, vêm
também o termo esforço. Ação de esforço básica, por exemplo. Esforço é
correlacionado aos aspectos qualitativos da ação e do movimento, de uma atitude
(consciente ou não) da pessoa em relação aos quatro fatores de movimento:
Fluência, Espaço, Peso e Tempo. Com o uso desse termo, Laban ressalta que o
movimento dispõe também de uma ação interna, sendo esta
emocional/intelectual/física. Todavia, com os avanços de pesquisas acerca do modo
de operar do corpo, sabemos que o impulso interno é também externo, ainda que
sua visibilidade a olho nu seja muito sutil ou mesmo não percebida. Apesar do
entendimento dicotômico que os termos esforço interno ou atitude interna, por
exemplo, possam causar, sabe-se atualmente da inseparabilidade dentro/fora. Deste
modo, convém acentuar o contexto histórico no qual Laban estava inserido – uma
época de modernização do mundo, de máquinas, de industrialização – e a
importância de frisar que o movimento também acontece “dentro” do corpo.
Portanto, ações, em Laban, são sempre ações de esforço, ou seja, ações com
determinados tipos de qualidades, acontecendo no dentro/fora do corpo.
A Fluência ou Fluxo demonstra nuances entre livre e controlado, tendo esse
fator a função de promover uma compreensão sobre integração, sensação de
unidade. Tem a ver também com progressão de movimento e pode indicar aspectos
66

que envolvem a emoção (RENGEL, 2015) e expressão de sentimentos (LEAL,


2006). Em termos de precisão e controle do movimento, esse fator possibilita
compreender o como do movimento (RENGEL, 2015; SFOGGIA, 2010). Além de um
fator implícito a toda ação corporal, como vimos anteriormente, a Fluência é
conceituada como “alimentadora dos outros fatores, porque, por vezes, é possível
observar em movimentos que qualidades de Espaço, Peso e Tempo permanecem
cristalizadas e só a Fluência muda” (RENGEL, 2015, p. 140). Podem ser usadas
diferentes nomenclaturas, de acordo como cada autor, tais como fluxo/fluência
continuada, livre, liberada, fluente, controlada, restrita, contida, cortada ou limitada.
“A fluência controlada em demasia pode evidenciar, por exemplo, uma pessoa
introspectiva, fechada, isolada; enquanto a fluência livre pode expressar a liberdade,
a espontaneidade” (LEAL, 2006, p. 57).
É importante frisar a implicação do fator Fluência em qualquer ação corporal.
A Fluência não é um fator com a qualidade condicionante, já que independente se a
especificidade da Fluência seja livre, controlada ou qualquer nuance entre esses
polos, a ação acontece (RENGEL, 2015). O domínio desse fator de movimento está
intimamente ligado com o controle das partes do corpo (LABAN, 1978). A fluência é
estabelecida entre duas atitudes principais: sensação do movimento e função, onde
os fatores não se dão na ausência dos outros fatores, o que muda são as ênfases
escolhidas, conscientemente ou não (LABAN, 1978). Sfoggia (2010), através da
análise de uma ocupação cotidiana (ação combinada), exemplifica o papel da
fluência nas ações quando diz que

[...] o fluxo se refere ao como do movimento, portanto esses impulsos


estão presentes prioritariamente na vida cotidiana onde as ações
predominantemente são aplicadas no cumprimento de tarefas
funcionais [...] Por exemplo: torcer um pano para passar no chão de
casa. Em princípio não importa se isso será feito de modo livre ou
controlado, o que importa é que envolva o espaço indireto para o
movimento de torção, com peso forte para conseguirmos apertar
bem o pano e a desaceleração devido à resistência do pano. A
atenção na variação do fluxo poderia prejudicar a realização dessas
ações com que essa combinação (espaço, peso e tempo) tornam-se
bastante funcionais. (SFOGGIA, 2010, p. 42)

O Espaço sugere as nuances entre espaço direto e flexível, em termos de


atenção para o movimento. Se dá de maneira pessoal (cinesfera), parcial e geral.
“Quando o agente começa a focalizar para fora, não existe mais a ideia de que tudo
67

é uma coisa só (como acontece com o fator fluência)” (RENGEL, 2015, p. 142),
facilitando assim o reconhecimento do eu e do outro, seja objeto ou pessoa. Sua
função é a comunicação, pode indicar aspectos intelectuais, expressando o onde do
movimento (RENGEL, 2015; SFOGGIA, 2010). O espaço direto é um uso mais
restrito e o espaço flexível o uso mais amplo do espaço (RENGEL, 2015).
Nomenclaturas possíveis: espaço indireto, único foco, multifocal, multifocado.

O espaço exageradamente multifocado, por exemplo, pode


expressar confusão de idéias; enquanto o espaço exageradamente
focalizado pode sugerir rigidez de pensamentos, boicotando as
ações por estreiteza de visão. (LEAL, 2006, p. 57)

O fator de movimento Peso é o fator que auxilia na conquista da verticalidade,


estabelecendo relação e gradações entre o firme e o leve, em termos de intenção,
sensação e resistência do movimento (RENGEL, 2015). O papel desse fator é
facilitar a objetividade, ou seja, afirmação da vontade e indica o quê do movimento
(RENGEL, 2015; SFOGGIA, 2010). “A qualidade de peso muito leve pode sugerir a
sensação de leveza, suavidade; enquanto o peso firme pode demonstrar
assertividade, segurança, firmeza...” (LEAL, 2006, p. 57). Rengel (2015) argumenta
que nesse fator, consideram-se quatro atributos: a gravidade, a força de atração que
rege o universo; a força cinética, energia necessária para movimentar o corpo no
espaço; a força estática, energia desempenhada para manter um estado ativo de
tensão muscular e a resistência externa, ocasionada pelo contato com outras
pessoas ou objetos. Nomenclaturas possíveis: peso suave, forte, pesado.
A qualidade Tempo determina o quão súbito ou sustentado é um movimento,
em termos de decisão e urgência de movimento (LEAL, 2006). A função do fator
Tempo é auxiliar na operacionalidade, comunicando o quando do movimento
(RENGEL, 2015; SFOGGIA, 2010). “O movimento na qualidade tempo lento, por
exemplo, pode expressar dúvida, protelação; enquanto que em tempo rápido pode
evidenciar adaptabilidade, agilidade na tomada de decisões” (LEAL, 2006, p. 57).
Apesar de ser livremente usadas diversas nomenclaturas sobre as nuances
desse fator, Laban preferia chamar de tempo sustentado e súbito para sobrepor a
qualidade de sustentação e aceleração ao invés de quantidade, como supõe os
termos rápido e lento (RENGEL, 2015). Nesse fator é necessário refletir sobre três
características: a duração (entre muito curta e muito longa), a velocidade (entre
68

muito rápida e muito lenta) e a não regularidade da velocidade, podendo haver


variações de aceleração e desaceleração em um mesmo movimento (RENGEL,
2015). Nomenclaturas possíveis: tempo acelerado, rápido, desacelerado, lento.

Quadro 2 - Aspectos associados aos fatores de movimento


Fluência Espaço Peso Tempo
Como? Onde? O quê? Quando?

Precisão Relação Intenção Decisão

Progressão Orientação Realização/Execução Manutenção

Emoção Intelecto Vontade Operacionalidade

Controle Atenção Resistência Urgência


Fonte: RENGEL, L. Dicionário Laban. 1ª edição digital. Curitiba: Ponto Vital, 2015; LEAL, P.
Expressividade artística. In: ______. Respiração e expressividade: práticas corporais fundamentadas
em Graham e Laban. São Paulo: Fapesp, Anablumme, 2006, p. 51-61; SFOGGIA, L. Rudolf Laban:
uma visão de dança, de corpo e de movimento. In: ______. Corpo, análise e criação: uma abordagem
indisciplinar da composição em dança através do sistema Laban/Bartenieff e da Motif-description.
2010. 173 f : il. Dissertação (Mestrado em Dança), Escola de Dança, Universidade Federal da Bahia,
Salvador.

Esses fatores ainda podem subdividir-se em qualidades afins, correlacionadas


entre si. Elas são divididas em dois grupos: fluência livre, espaço flexível, peso leve
e tempo sustentado e fluência controlada, espaço direto, peso firme e tempo súbito.
É necessário especificar que isso não significa que toda e qualquer ação corporal vai
desencadear em uma sequência consecutiva somente a partir de determinados
fatores de movimento. Ou seja, não é que todo movimento de fluência livre tenha
que ser combinada com espaço flexível, peso leve e tempo sustentado, porém
determinados fatores se articulam de maneira mais afinada entre si. Mesmo assim
não impede ações entre a combinação entre outros fatores de movimento, sendo
possível experimentar diversas combinações com essas qualidades.

[...] observar conscientemente a função de selecionar movimentos


apropriados às situações; isto quer dizer que temos condições de
nos conscientizarmos de nossas opções, podendo investigar por que
fizemos uma tal escolha. [...] A variabilidade do caráter humano
deriva da multiplicidade de atitudes possíveis frente aos fatores de
movimento e aí é que certas tendências poderão tornar-se habituais,
do indivíduo. (LABAN, 1978, p. 51)
69

Estudar as qualidades presentes em nossas ações corporais podem


caracterizar-se como uma perceptível articulação da Dança com o cotidiano,
afirmando o lugar da Arte nesse ambiente. Para considerarmos a Arte enquanto
modo de agir, enquanto propiciadora e propiciada por qualidades de movimentos, de
ações comuns, todavia não homogêneas, é necessário a mudança de muitos
paradigmas sobre a função que a Arte tem em nossas vidas. Aqui, vinculamos a
Arte, no nosso caso a Dança, como tão imprescindível à vida quanto as nossas
ações corporais, quanto o modo em como movemos no mundo. Sendo ação um
modo de agir integral com todos os nossos interesses, modos de comunicar e
interações com o meio é também Arte, presente na vida de todos nós, ação
indispensável à sobrevivência (VIEIRA, 2006). Não importando se somos produtores
ou espectadores, não importando se a relação com a Arte tem a ver com fazer aulas
de Dança ou escutar música em um rádio de pilha.

A arte, e no caso a dança, não é meramente uma expressão artística


no sentido trivializado que essa expressão costuma receber; não é
um devaneio de pessoas sem “praticidade” ou ainda um produto
supérfluo diante de concepções mais “objetivas”. É uma
manifestação de complexidade e de evolução, é um reflexo de
valores mais elevados, que a humanidade tem tentado vivenciar.
(VIEIRA, 2006a, p. 103)

Laban, em sua época, já argumentava que as nossas ações corporais eram


uma espécie de padrão de movimento76 repetido ao longo de nossa vida. Apontava
com sua análise e experimentação de movimentos com qualidades diferentes, uma
maneira de mover-se mais consciente de nossas possibilidades e de nossos
automatismos. As qualidades de movimento, são correlacionadas conosco, agentes,
de maneira integral. “Essa relação é aparente no movimento e se estrutura por meio
da capacidade mental emocional/racional e física, de forma consciente ou não”
(RENGEL, 2015, p. 135). Experienciar diferentes nuances qualitativas em
movimentos que já conhecemos, possibilita a observação desses padrões habituais
e a transformação deles, tendendo ao encontro de novos espaços e tempos.


76
Sugestão de consulta: 2.1 AÇÃO ENQUANTO PADRÃO DE MOVIMENTO: questionamentos e
pistas nas ações corporais, p. 49.
70

CAPÍTULO III
EXPERIÊNCIAS EM COCRIAÇÃO

AÇÃO.
COMUNICAÇÃO. CRIAÇÃO. COOPERAÇÃO.
IMPROVISAÇÃO.
COCRIAÇÃO.
AÇÃO.

Como criamos? O que nos motiva criar? Quando estamos criando, ou quando
não? O que impede criar? Criação é momento de dúvida, de crise, de...

Criação, momento de pausa.


De visceralidade, de silêncio, de turbulência, espaço-tempo. Corpo.
Comunicação. Afeto. Biologia. Dança. Cosmo. Livro, papel e chão. Criar é cimento,
madeira e grama. Criar em luz azul, em rabiscos e amontoamentos. Criar diz
respeito ao tempo. O tempo do outro, o tempo do trem, tempo da vida. Criar
memórias para lembrar agora, no tempo presente. Criar varal de afetos com gosto
de hibisco e tangerina, ao som do barulho do trem no trilho, som de presença.
71

Durante a terceira e última etapa desta pesquisa, vamos narrar como a tríade
corpo, movimento e dança, que desdobrou em ação, cocriação e amor em termos de
problematização, atenção e qualidade, se articulou com três espaços artístico-
educativos, a saber:

• Tirocínio Docente do Mestrado em Dança (UFBA). Com alunos do módulo


Estudos dos Processos Criativos IV (EPC IV). Cocriamos “Quebra-
cabeças Diários”;
• Processo de criação de intervenção de Dança em espaço público (projeto
contemplado em edital). Com grupo de dançarinos escolhidos via audição.
Cocriamos “Trilhos e Estações: uma viagem dançada da Calçada a
Paripe”;
• Processo de criação de performance em improvisação. Com Grupo X de
Improvisação em Dança. Cocriamos “Se quiser, deixe sua lembrança”.

Os três processos aconteceram quase simultaneamente entre março e


setembro de 2016, com três pontos em comum: improvisação, experiências em
espaço público e cocriação. As ações alternaram-se em improvisação estruturada,
improvisação temática e interpretação, possibilitando diferentes graus de cocriação
entre os dançarinos e outros artistas envolvidos. As ações corporais presentes em
cada processo não seguiram linhas sistematizadas especificamente pelos estudos
de Laban ou por mim, mas se fizeram perceber através do fazer, da ação. Andar,
torcer, empurrar, cair, girar, sentar, segurar, olhar...
Cocriamos: Gilberto Santiago, Bernardo Santos, Juliana Molla, William
Gomes, Daniela Guimarães, Elaine Fiuza, Caíque Melo, Ana Carolina, Mariana
Bastos, Pedro Canuto, Daniela Lisboa, Daniele Carvalho, Oaiana Sá, Van Sena,
Alexandre Espinheira, Géssica Moura, Rosaura Abreu, Francisco Fraser, Francielle
Souza, Simone Fidelis, Lorena Xavier, Taynara Bezerra, Rafaela Santana, Talita
Gomes, Bárbara Barbará, Lilian Graça, Mariana Gottschalk, Sérgio Diaz, Danilo
Lima, Lais Oliveira, Anderson Marcos, Indira Ramos, Ana Luiza Campos, Bob
Bastos, João Serafim, Fátima Daltro, Eduardo Oliveira, Juliana Castro, Fatima
Wachowicz, Cyça López, Sônia Gonçalves, Giorrdani Gorki (Kiran), Taynah Melo,
Natalia Ribeiro, Daiana Carvalho, Greyce Esposito, Sueli Ramos, Camila Gonçalves
e todos os nossos outros co, presentes também nos capítulos anteriores.
72

Adiantamos aqui que, por vezes, a escrita em primeira pessoa se faz


necessária por conta da adaptação ao contexto escrito e por estar sendo descrito
por mim, pesquisadora que narra, descreve e disserta. Entretanto, em meio a tantas
pessoas, conceitos e posturas artístico-educativas, é notória a cocriação presente
nestes relatos permeados de conceitualizações, não sendo extrínsecos aos
capítulos antecedentes. As fotografias operam enquanto parte do texto, são
cocriadoras do processo escrito.
Sugerimos: através destas falas afetivas, lembremos de como nossas ações
corporais, aquilo que sabemos fazer, podem nos estimular à cocriar um espaço de
possibilidade coartística, coeducativa77, cocriativa.

3.1 QUEBRA-CABEÇAS DIÁRIOS


O escrito a seguir discorre sobre três etapas durante o Tirocínio Docente do
Mestrado em Dança da UFBA: as aulas de Daniela Guimarães, aulas propostas por
mim no decorrer do módulo EPC IV78 e o processo de criação do espetáculo
“Quebra-cabeças Diários”. É importante frisar que a turma desse semestre foi
composta de licenciandos em Dança, alunos do Bacharelado Interdisciplinar da
UFBA e os músicos Alexandre Espinheira79 e Gilberto Santiago80, tornando o
ambiente mais disponível a outras profusões em Arte no que diz respeito também à
Teatro, Música e Performance. Enquanto tirocinante com esse grupo, pude
experienciar noções específicas propostas nesta pesquisa de duas maneiras,
assimetricamente: propondo (quando houve intervenção de experiências específicas
sobre o intuito da pesquisa) e observadora (quando constatava aspectos da
pesquisa sem necessariamente se falar sobre ela). Apesar da configuração
professor-tirocinante-aluno, o espaço era compartilhado, onde trabalhamos juntos
atravessando as pesquisas de cada um propunha particularmente.


77
Referenciamos esses dois termos (coartístico e coeducativo) citados por Kathya Maria Ayres de
Godoy, no parecer da qualificação desta pesquisa.
78
Estudos dos Processos Criativos IV (EPC IV) é um módulo obrigatório nos cursos de Licenciatura e
Bacharelado em Dança, na Escola de Dança da UFBA. O Tirocínio Docente aconteceu no semestre
2015.2 (que aconteceu em 2016 devido à greve na UFBA).
79
Alexandre Espinheira é doutor em Música pela UFBA. Atualmente é músico na Escola de Dança da
UFBA, atua nas áreas de Artes com composição, música eletroacústica e computacional, e é
percussionista.
80
Gilberto Santiago é músico e atua como percussionista na Orquestra Sinfônica da Bahia (OSBA),
além de compor o corpo de servidores técnicos da Escola de Dança da UFBA, atuando como
percussionista.
73

Uma característica especial da turma é que pela convivência criamos vínculos


afetivos uns com os outros. O que nos acontecia, enquanto coletivo ou
particularmente era respeitado, colocado em pauta, conversado. Muitos fatores
influenciaram as aulas e o processo criativo do espetáculo, tais como o horário de
término das aulas (devido ao perigo que alunos corriam de perder o último ônibus),
eventos na Escola de Dança que solicitaram nossa presença (que não deixa de ser
legítima), assaltos, paralisações, entre outras condições. Esse aspecto é afirmado
por Maturana (1998) quando argumenta sobre agirmos em objetividade-entre-
parênteses, ou seja, aceitar e respeitar as particularidades de cada um e aprender a
lidar com elas. Mesmo em situação de discordância ou atrito nós procurávamos nos
compreender e mesmo que não chegássemos a um consenso, o não consenso era
de maneira corresponsável. Devido ao espaço afetivo que construímos, as aulas e
cenas do espetáculo não seguiram uma regra de criação rígida, puderam ser
organizadas de acordo com vídeos que assistimos, texto que lemos, sonhos, diários
de bordo, luz, presenças e ausências.
As aulas do módulo, ministradas por Daniela Guimarães, foram organizadas
em sua maioria sob a perspectiva de jogos de improvisação. De variadas formas,
esses jogos nos ajudaram a lidar com atenção, presença, contenção de ansiedade
em estar ou sair de cena, generosidade e alteridade. Solicitava de nós um estado
atento ao momento que acontecia, ao presente. Daniela Guimarães nos incentivava
a observar o que estava acontecendo ao todo, enquanto estávamos em cena e a
não se preocupar somente com nosso próprio fazer. Era comum não haver
indicação de passos codificados, espaços ou tempos definidos, nós criávamos a
partir daquilo que cada um sabia fazer e como cada um podia fazer. Mesmo quando
Daniela Guimarães nos propunha uma sequência, não era exigido uniformidade nas
ações. Por vezes era solicitado sincronia, uma tentativa de delimitar as qualidades
de tempo com todos os participantes, porém distante de ações homogêneas. Como
por exemplo, em uma das cenas de “Quebra-cabeças Diários”, na qual estávamos
todos dispostos espalhados no espaço e nos movíamos de acordo com a indicação
dada pela música. Se a música parasse, nós parávamos. Só voltaríamos a nos
mover quando a música voltasse a tocar. O nosso espaço era mutável porque os
dançarinos corriam da plateia para o palco e as disposições foram mudando durante
os ensaios, consequentemente foi diferente no dia da apresentação. A indicação de
movimentação consistia em: se movimentar como se estivesse tirando e colocando
74

uma blusa, movimentos sinuosos, sem se deslocar no espaço, de costas para o


público. E cada dançarino era responsável pela qualidade de tempo dada a
movimentação, considerando a intervenção sonora.
As lógicas dos jogos de improvisação eram sugeridas por Daniela Guimarães
mas também criadas em tempo presente na sala de aula, o que requeria de nós
presença na cena e fora dela, observando os outros em cena. As indicações dadas
por ela também eram compostas de perguntas: Como desaparecer estando em
cena? Como dar potência a alguma cena? Como possibilitar o outro? Como
sustentar as regras do jogo? Como burlar as regras?

Neste âmbito, o jogo funciona como um meio, um insubstituível


espaço intermediário em que são estudadas as categorias de tempo
e espaço da cena, as manifestações sensoriais e motoras que
surgem no ato de criação e as tomadas de decisão dos jogadores ao
serem impulsionados ao diálogo com questões dramatúrgicas mais
objetivas durante o jogar, tais como: onde, quem, o que e para que
se joga. (GUIMARÃES, D., 2012, p. 124)

As pesquisas de Daniela Guimarães se articulam também com a linguagem


do Audiovisual e Cinema e em suas aulas no módulo EPC IV propôs criações a
partir de temas e termos comuns nas áreas tais como timeline81 e frame82. Em uma
dessas experiências nos dividimos em dois grupos, um compunha a cena e outro
observava. Um grupo formava três frames e o grupo que estava observando, após a
montagem, interagia com os frames propostos, alternando essa dinâmica entre um
grupo e outro. Em seguida a essa etapa, Daniela Guimarães indicou para que cada
grupo, durante a improvisação, formasse os frames construídos anteriormente, sem
combinar verbalmente. Essa parte do jogo foi bastante complexa devido ao número
de pessoas presentes por grupo (média de 9 pessoas), dificultando o grau de
atenção que tínhamos que ter na cena ao todo. Manter essa qualidade de
concentração coletiva de um grupo numeroso requer paciência. Insistimos algumas
vezes nessa etapa do jogo, mas só conseguimos fazer partes de cada frame

81
Timeline é um termo usado geralmente nas áreas de Audiovisual e Cinema, que se trata do
processo de edição de um filme. É construída uma timeline integrando conteúdos de imagem e som,
onde se tem a possibilidade de recortar partes e inserir em outros lugares, criando assim a linha do
tempo da narrativa do filme, linear ou não.
82
Frame é cada fotografia presente em imagens audiovisuais em movimento. Em conteúdo
Audiovisual, para formar uma imagem em movimento, são necessárias várias fotografias que juntas
dão a ilusão de movimento. No Cinema, por exemplo, fala-se de filmes em 24fps, ou filmes de 24
frames per second, ou 24 quadros por segundo. Significa que são necessárias 24 fotos/quadros para
compor o segundo da imagem em movimento.
75

proposto, reconhecidos pelo grupo que estava de fora, observando o jogo. Esse foi
um dos jogos de improvisação em que mais comentamos sobre saber quando e
como sair ou entrar em cena, prestar atenção no todo para ponderar se deve ou não
compor a cena ou se deixa ela acontecer sem você. “Abandonar para acontecer83”,
Daniela Guimarães frisava bastante sobre o aspecto da generosidade na
composição em improvisação, em deixar uma cena acontecer mesmo que você não
faça parte dela.
Durante os nossos processos criativos diários, os jogos em improvisação e as
indicações pertinentes de Daniela Guimarães nos fizeram compartilhar experiências
nas quais estávamos engajados no momento. Ou seja, compondo com o mesmo
objetivo: dançar juntos. Essas sensações e considerações eram apresentadas em
nossas conversas após cada dia de aula, momento que prezávamos bastante,
espaço de escuta e diálogo. As proposições de Daniela Guimarães auxiliaram na
busca de momentos mais presentes em cena e de certa forma na vida. O ambiente
que cocriamos era composto de intensidades presentes em nossos dias e solicitava
atenção e carinho com a Dança que compúnhamos em tempo presente. Um
ambiente de amor, de cocriação.
As aulas mediadas por mim tiveram um planejamento, porém o mesmo foi
flexível e decidido em partes no momento, enquanto acontecia a aula. Devido ao
desejo de transdisciplinaridade incluído nesse semestre84, também busquei articular
os planos de aula aos temas propostos por Daniela Guimarães, compondo também
com proposições em jogos de improvisação. Durante as aulas em que mediei,
estudamos mais especificamente as ações corporais (ações comuns), fatores e
qualidades de movimento e três ações, a saber: dobrar, esticar e torcer. Daniela
Guimarães também compunha seus jogos articulados com aulas que mediei,
tornando assim nosso trabalho cocriado. Como não abordamos nenhuma técnica
preestabelecida ou maneira fixa de criar em Dança, usamos aquilo que já sabemos
fazer ou que podemos fazer enquanto mote de cocriação, considerando as
especificidades de cada participante.


83
Frase dita por Daniela Guimarães, em aulas de EPC IV.
84
Durante esse semestre os professores dos módulos EPC IV, Estudos do Corpo IV e Estudos
Críticos-analíticos IV compuseram um planejamento compartilhado.
76

Figura 2 – Aula na turma de Estudos dos Processos Criativos IV, 2016

Registro: Aline Lucena (2016). Fonte: Acervo pessoal.

Em uma das aulas, a proposição foi: andar pela sala, refletindo sobre nosso
dia, sobre o que vivemos85. Após um tempo de caminhada, cada um poderia
procurar um local no espaço da sala para ficar de maneira confortável e
experimentar ações corporais presentes nesses momentos pensados. Essa primeira
ação serviu para focalizar a atenção em si e em como cada um desenvolve as ações
corporais, sendo as indicações postas de maneira contextual e a favor do corpo,
sem impor um modo específico de fazer, apenas sugerindo possibilidades em
direções, níveis e qualidades de movimento. Após o momento solo, propus que eles
se juntassem em duplas, trios ou grupos (o critério de escolha era de cada um) e
experimentassem dançar juntos, articulando suas cinesferas com as ações que
haviam experimentado no momento anterior. Surgiram encaixes, contato através do
olhar, sobreposições, articulação de cinesferas com ou sem contato tátil, atenção ao
movimento do parceiro, entre outras possibilidades. A experiência de composição
entre as cinesferas ajudou a compreender que a cocriação não necessariamente
precisa ocorrer de maneira simétrica entre os participantes, e que também não
precisa ser preestabelecida para acontecer, ela acontece o tempo inteiro.


85
Enfatizo o uso do plural porque na maioria das aulas eu comentava a proposição e fazia junto o
máximo possível, tomando distanciamento às vezes para observar.
77

Figura 3 – Aula na turma de Estudos dos Processos Criativos IV, 2016

Registro: Aline Lucena (2016). Fonte: Acervo pessoal.

Em outro momento voltamos a investigar três ações, dobrar, esticar e torcer,


de maneira mais focada e propondo, dessa vez, a cocriação de toda a turma, a partir
dessas ações corporais. A experiência foi composta de três etapas: ação; atenção e
composição. Dispomos a sala em três espaços, que eram percorridos no decorrer da
experiência, na qual cada uma das etapas acontecia em um espaço diferente. Na
primeira, a indicação era que cada um realizasse ações corporais presentes no seu
cotidiano e elegesse algumas para que estudássemos suas qualidades de
movimento, em tempo presente. Ou seja, no mesmo momento em que estávamos
fazendo essas ações, estávamos analisando as qualidades de seus fatores. No
segundo momento, nós mantivemos as ações corporais estudadas, mas dessa vez
nos atentamos as ações principais presentes nessas ações. Exemplo, a ação de
abrir a geladeira. Quais movimentos fazemos para abrir a geladeira? Estico (ação
principal esticar) o braço em direção a porta da geladeira, encaixo a minha mão,
dobrando os dedos (ação principal dobrar) no local onde segura para abrir e puxo a
78

porta em minha direção, dobrando (ação principal dobrar) levemente o braço. Ou,
quais ações faço ao abrir a porta de casa? Estico (ação principal esticar) o braço em
direção a porta, com a mão giro (ação principal torcer) a chave, seguro na maçaneta
e puxo a porta em direção a mim, dobrando o braço (ação principal dobrar). O
terceiro e último momento: cocriar uma cena com referência às etapas anteriores.
Nesta última etapa, Daniela Guimarães interferiu propondo mudanças na trilha
sonora que estava tocando. Por vezes ela abaixava o som ou tirava totalmente, para
podermos observar o que acontecia com o grupo diante essa intervenção.
Observamos o quanto ficamos suscetíveis a tantos fatores consideráveis à cena
como com quem dançamos, o tipo de chão onde dançamos, a disponibilidade do
grupo que dançamos, o som, como já citado, entre outros. A trilha sonora, neste
caso, geralmente os levava para um lugar menos atento e mais solto, sem muito
compromisso com o que estavam fazendo. Daniela Guimarães, ao perceber isso, fez
uma certeira intervenção.

Figura 4 – Aula na turma de Estudos dos Processos Criativos IV, 2016

Registro: Aline Lucena (2016). Fonte: Acervo pessoal.

Um dia, poucas horas antes da nossa aula, Daniela Guimarães avisou que
não iria comparecer porque o restaurante que estava durante o almoço havia sido
assaltado e ela até o momento prestava depoimento. Pediu para que eu explicasse
a situação e mediasse a aula. Quando cheguei na Escola de Dança, alguns já
sabiam o que havia acontecido e quando fomos confortados com a notícia de que
estava tudo bem, decidimos o que fazer enquanto grupo. Decidimos cocriar a aula.
79

Após uma conversa, decidimos trabalhar com algumas proposições em


86
Viewpoints , assunto sugerido por uma das alunas e, coincidentemente eu estava
frequentando aulas no mestrado sobre o tema, ministradas por Fatima Wachowicz87,
que trabalha com a técnica Viewpoints. Um dos exercícios consistia em andarmos
em linha reta, um do lado do outro, usando apenas nosso olhar periférico para
caminhar juntos, nos adaptando ao movimento em coletivo, estimulando a atenção.
Experimentamos esse exercício de diferentes formas, como um ponteiro de relógio,
por exemplo, onde o deslocamento dependia mais de quem estivesse na região
mais distante do centro do ponteiro. Escolhemos uma maneira mais informal de
mediar a aula, conversando, dançando, experimentando exercícios de composição
propostos em Viewpoints e os desdobramentos que eles poderiam ter. Essa aula,
particularmente, foi composta naquele momento, sem planejamento prévio, lidando
com as informações em tempo presente.
Nós decidimos organizar cenicamente experiências que vivenciamos em sala,
criando o espetáculo “Quebra-cabeças Diários”, produzido na articulação das aulas
de Daniela Guimarães e minhas, na criação de um diário de bordo e em tarefas
particulares ou coletivas a partir desses diários. Construídos ao longo do semestre,
esses diários foram feitos sob forma de caixa, música, cenas, timeline escrita,
recortes, entre outras configurações. A construção das cenas e o roteiro foram
desenvolvidos de maneira compartilhada, inclusive a direção de determinadas
cenas. Daniela Guimarães assinou a direção geral, ajustando as transições de cena
e o roteiro final. O espetáculo durou média de 30-35 minutos e contamos com a
música ao vivo conduzida por Alexandre Espinheira. A composição sonora de para
“Quebra-cabeças Diários”, não foi como algo sobreposto ao movimento, criando
apenas uma ambiência sonora, mas cocriado de acordo com nossos encontros em
sala de aula. O processo cocriativo do espetáculo foi prioritariamente pautado em
jogos de improvisação, seja como a própria cena ou enquanto caminho de
composição. Nossas criações, em sua maioria, foram permeadas de temas pessoais
que ganhavam diferentes qualidades quando dirigidas ou dançadas por outras


86
Viewpoints é uma técnica de composição desenvolvida por volta de 1970 por Mary Overlie,
coreógrafa, dançarina e professora. É dividido em seis categorias para analisar e criar danças:
espaço, movimento, emoção, tempo, forma e história.
87
Fatima Wachowicz é professora doutora da graduação e pós-graduação na Escola de Dança da
UFBA. Desenvolve pesquisas com temas em Dança, Teatro e Ciências Cognitivas.
80

pessoas. A estreia aconteceu no Painel Performático88 da Escola de Dança da


UFBA e depois nos apresentamos na Virada Artística da UFBA89. Aqui detalhamos o
processo vivido até o dia da primeira apresentação, no Painel Performático.

Figura 5 – Ensaio do espetáculo “Quebra-cabeças Diários”, 2016

Registro: Pedro Canuto (2016). Fonte: Página no Flickr de Daniele Carvalho


(https://m.flickr.com/#/photos/142637413@N08/sets/72157669213071662/).

Utilizamos os estudos de ações corporais e qualidades de movimento


também como meio de auxílio em cenas do espetáculo. Por exemplo, na primeira
cena nós ficávamos todos amontoados, um por cima do outro, em um canto do
Teatro Experimental de Dança90. Após um tempo de pausa, íamos dando alguns
espasmos em partes específicas do corpo e o movimento ia expandindo,
acontecendo em outras partes, ganhando espaço. Para desenvolver essa cena,
estudamos quais qualidades eram mais proeminentes na ação de “rabiscos” (como
nomeamos a cena) que fazíamos com as partes do corpo. Observando como cada
um fazia, vimos não somente “rabiscos” (ação básica: chicotear; espaço: flexível;
peso: firme; tempo: súbito) mas “pontuações” (ação básica: pontuar; espaço: direto;
peso: leve; tempo: súbito) e “socos” (ação básica: socar; espaço: direto; peso: firme;


88
O Painel Performático é um evento que acontece a cada final de semestre, promovendo mostras
processuais dos alunos da Escola de Dança da UFBA e turmas que tem atividades na escola, sendo
turmas de alunos regulares ou não.
89
A Virada Artística foi um evento promovido pela Escola de Teatro da UFBA, que fez parte do
Congresso da UFBA – 70 anos, em julho de 2016.
90
Teatro construído recentemente na Escola de Dança, além do Teatro do Movimento.
81

tempo: súbito). A observação e análise desses detalhes fazia com que nós
mantivéssemos a qualidade de movimento durante os encontros seguintes.

Figura 6 – Ensaio do espetáculo “Quebra-cabeças Diários”, 2016

Registro: Daniele Carvalho (2016). Fonte: Página no Flickr de Daniele Carvalho


(https://m.flickr.com/#/photos/142637413@N08/sets/72157669213071662/).

As cenas e o roteiro não estavam preestabelecidos desde o início do


processo cocriativo, foram construindo-se de acordo com as experiências de cada
encontro. Nós tínhamos também que estar preparados para lidar com mudanças no
planejamento dos encontros em decorrência de uma série de questões, tais como:
ausências dos alunos, eventos na Escola de Dança, discussões, greves,
paralisações, e outras eventualidades que aconteceram durante o semestre. Isso
consequentemente influenciou na cocriação do espetáculo. Contávamos com quem
estava presente, estávamos abertos aos que apareciam de vez em quando, mas
também não podíamos comprometer quem estava no processo desde o início.
Sendo assim, o espetáculo abordou diversas maneiras de cocriação por meio de
solos, quartetos, trios, cenas na qual todos participaram e outras configurações a
cada cena. Apesar do roteiro delimitado em uma sequência linear (a ordem das
cenas não mudava), o espaço e o tempo de feitura de cada cena mantinham certa
dose de flexibilidade. A marcação de mudança de cena por vezes estava na música,
por vezes estava no corpo, por vezes era decidido por uma pessoa, outras vezes
coletivamente. Existia uma média de tempo para cada cena mas que não era
82

totalmente rígido. O espaço que cada um ocupava, em algumas cenas, poderia ser
modificado a cada vez que ensaiávamos e certamente foi outro quando nos
apresentamos no Painel Performático e na Virada Artística. Sendo assim, o
espetáculo foi cocriado sob forma de improvisação estruturada, sendo esta quando
há direcionamentos temporais e/ou espaciais porém com certa abertura ao que
possa acontecer no momento presente.

Figura 7 – Ensaio do espetáculo “Quebra-cabeças Diários”, 2016

Registro: Pedro Canuto (2016). Fonte: Página no Flickr de Daniele Carvalho


(https://m.flickr.com/#/photos/142637413@N08/sets/72157669213071662/).

O processo das aulas e o processo de criação do espetáculo, em


determinado momento se tornaram um processo só, afinal os jogos de improvisação
propostos antes de ensaiarmos serviram para nos ajudar na atenção que
deveríamos ter durante o espetáculo. Tivemos pouco tempo para organizar o roteiro
e ensaiar com todos porque a cada dia um faltava, poucas vezes ensaiamos todos
juntos e tivemos que aprender a lidar com isso em cena. E também, devido à
diversidade de corpos, cada um no seu contexto, com sua maneira de criar, as
proposições não tiveram passos preestabelecidos e foram compostas daquilo que
cada um sabia fazer. O lugar afetivo dos nossos encontros abriu espaço para
aprofundar as relações e exercitar a alteridade, a atenção ao outro. Por fim,
compartilho aqui movimentosescrita de outros cocriadores do processo e registros
do espetáculo “Quebra-cabeças Diários”.
83

Figura 8 – Espetáculo “Quebra-cabeças Diários”, no Painel Performático da Escola


de Dança da UFBA, 2016

Fonte: Página no Vimeo de Daniela Guimarães (https://vimeo.com/170397606).

Chegou como silêncio premeditado


Trouxe abertura e devires mil
Devires mil entre níveis
De formação institucional
Abertura de aprendiz
Aprendizagem e ensino
Ensino-aprendizagem
Feito lagarta correndo no desconhecido
Transformou viewpoints em reticências
... trocas reticentes
Dialogando assim: daqui pra ali e vice-versa
De mano a mano de lado a lado
Feito turma, grupo, coletivo
Chegou como quem infiltra sob a dádiva da generosidade de estar junto
De estar junto
Burlando níveis formais de educação e predileção
Priorizou a troca
Já as conexões
Essas são de responsabilidades mútuas
84

Chegou de vez que logo agora já


Estava Ali.

William Gomes91, 2017

Figura 9 – Espetáculo “Quebra-cabeças Diários”, no Painel Performático da Escola


de Dança da UFBA, 2016

Fonte: Página no Vimeo de Daniela Guimarães (https://vimeo.com/170397606).

A condição da percepção é a presença.

Sensação. Ápice da percepção, o corpo é a referência.

Viver é correr o risco de se ultrapassar, se transformar através das experiências.


Ser profundamente tocado em seu afeto.


91
William Gomes atualmente é graduando em Licenciatura em Dança pela UFBA. Artista pesquisador
em Arte, Performance e Dança contemporânea.
85

Corpo, memória e esquecimento.

Transgredindo para transcender.


Transcender.

Porque a liberdade não existe sem resistência.


Na trilha, como as águas contornam os obstáculos.

Sou outra de mim, talvez os rastros não sejam válidos.


Não se apegue a minha forma de ser pois nada sou, estou sendo.

É melhor se sentir leve, porque o tempo é breve. Tente, olhar pra si e ver o outro.

Olhar pro outro e ver a si mesmo.


Com fraternidade, queima-se a vaidade.

Cria as oportunidades, nas possibilidades.


86

Por um triz.

Na sutileza da existência reverberada, trago a vida e por ela sou tragada.

Você está presente no presente?92


Géssica Moura93, 2017

Figura 10 – Espetáculo “Quebra-cabeças Diários”, no Painel Performático da Escola


de Dança da UFBA, 2016

Fonte: Página no Vimeo de Daniela Guimarães (https://vimeo.com/170397606).


92
Esse texto foi transcrito de um áudio enviado por Géssica Moura e livremente cocriado para
compor esse espaço escrito. Os espaçamentos são como os silêncios na fala dela.
93
Géssica Moura é aluna do Bacharelado Interdisciplinar de Artes (UFBA), compositora, cantora e
atriz no Grupo Harambê Nós é Nóis de Teatro (Salvador – BA).
87

Improvisar Em tempo presente, nA cena, É

con vivência , CONfiança, (H)abilidade


respons e

generos idade. Uma Experiência VIVA. Instintos aguçados


para lidar com instabilidades e incertezas como no

COti diA NO: O RiSCO de não ser compreendido ou de não se


fAZEr comPREender. SER CapaZ de mobilizar
novas ESCoLHAS e Decisões. A ação Improvis

entend ida como jogo PRECisa Desses riScos para

SOBRE viver
LiberDaDE, na viDa ou no
. A

improvisar, está em TERMOS qualquer coisa diante de


Nós , mas NãO todas as coisas. TER liberdade é não

deixar que as ExPECTAtiVaS de possuir tudo aniquile a ação


deESCOLher. Ter tudo é o mesmo que não possuir
NaDa. Por isso é preCiso, é emergencial fazer escolhas.
E escolher SIGN a
ific deixar possiBiliDaDES PARA

trás. O DEsafio de construIR sua PRÓpria


HIStória.
Daniela Guimarães, 2017
88

3.2 TRILHOS E ESTAÇÕES: UMA VIAGEM DANÇADA DA CALÇADA


A PARIPE
A intervenção “Trilhos e Estações: uma viagem dançada da Calçada a
Paripe”94 foi um trabalho complexo em termos de logística de realização por se tratar
de um projeto contemplado em edital95, com financiamento e prazos a cumprir,
audição de dançarinos, além de envolver uma grande equipe de produção. O projeto
contou com oito dançarinos, sendo quatro participantes das duas etapas e mais
quatro apenas da segunda etapa. O projeto foi divido em duas partes: o processo de
criação e gravação de uma videodança e o processo criativo de uma intervenção
que aconteceu na estação da Calçada (exibição da videodança e início do trajeto),
no trem suburbano e na estação de Paripe (final do trajeto), na cidade de Salvador -
BA. Este relato aborda mais enfaticamente a parte relacionada à improvisação,
durante os dias de ensaio e das apresentações nas estações. As fotos no decorrer
do escrito retratam as partes da intervenção compostas por improvisação, seja
estruturada ou temática.
Com concepção, criação coreográfica e direção artística de Lilian Graça96, a
intervenção foi criada a partir de uma memória pessoal dela: quando criança, viajava
no trem suburbano até Periperi (bairro de Salvador), onde sua avó morava. O desejo
de pesquisar a articulação da videodança e dança contemporânea em espaço
público, aproximou-se dessa memória e Lilian Graça decidiu trabalhá-los
artisticamente, partindo assim para uma pesquisa sobre a malha ferroviária de
Salvador. A relação do corpo do dançarino com as estruturas arquitetônicas das
estações e do trem hoje, foram estímulos criativos para intervenção. As sequências
coreográficas e temáticas propostas por Lilian Graça foram inspiradas na arquitetura
das estações além do sentido simbólico que representa o trem enquanto passagem,

94
Ficha técnica “Trilhos e Estações: uma viagem dançada da Calçada a Paripe”: Concepção, direção
artística e coreográfica: Lilian Graça. Direção geral e produção executiva: Ana Luiza Campos – ‘Olho
de Peixe Produções’. Direção de Arte: Alice Barreto. Cenotécnico: Gei. Dançarinos performances:
Danilo Lima, Bárbara Barbará, William Gomes, Aline Lucena, Anderson Marcos, Lais Oliveira, Sérgio
Diaz e Talita Gomes. Making of (câmera e edição): Thiago Andrade. Making of (edição): Ycaro Gallo.
Figurinista: João Serafim. Costureiras: Nalva dos Santos e Ceumar dos Reis. Fotógrafos Still: Mário
Neto e Thiago Andrade. Design Gráfico: Felipe Cordeiro. Assessoria de Comunicação: Geraldo Moniz
de Aragão – Moniz Comunicação. Assistentes de Comunicação: Bruno Ganem e Lucas Rosário.
Assessoria Contábil: Kátia Mata Virgem. Assessoria Jurídica: Teixeira de Villar Advogados. Apoios:
CTB, UFBA/IHAC, Acervo da Laje, FIGAM – Alagoinhas, Centro Cultural Ensaio.
95
O projeto foi contemplado em 2016 pelo edital Arte em Toda Parte, da Prefeitura Municipal de
Salvador – BA.
96
Lilian Graça é dançarina, coreógrafa e videasta. Atualmente é doutoranda no Programa de Pós-
graduação em Artes Cênicas da UFBA.
89

conexão, relação (GRAÇA et al., 2016). Lilian Graça, enquanto coreógrafa não
exigia homogeneidade, mesmo que os passos fossem coreografados, mas havia
uma qualidade de tempo e espaço mais definidas, sincronizadas entre os
dançarinos. As sequências coreográficas eram marcadas de acordo com a trilha
sonora, presente apenas em uma parte da intervenção na estação da Calçada.
A malha ferroviária foi inaugurada em 1860, construída pela Bahia and San
Francisco Railway Company na intenção de ir de Salvador até Juazeiro, mas só foi
até Alagoinhas, na estação São Francisco97. Durante o processo da videodança, o
grupo gravou algumas cenas em Alagoinhas e quando nós, os dançarinos da
segunda etapa do processo de criação, tivemos acesso as imagens, para contribuir
com o processo de criação da intervenção, adquiri mais um sentido para estar no
trabalho: as minhas memórias da estação. O projeto acabou tornando-se mais
pessoal por conta dessa ligação com a cidade onde mora minha família, onde morei
boa parte da minha vida e comecei a dançar. A estação São Francisco continua
belíssima, e ainda é palco de grande parte dos ensaios fotográficos na cidade. E
mesmo em ruínas e abandonada, a estação ainda mantém seu ar de imponência e
importância histórica.
Durante o processo de criação da segunda etapa estudamos relatos dos
dançarinos da etapa anterior, fotografias e fizemos visitas às estações onde
aconteceram as apresentações. Como durante a primeira etapa os dançarinos
tiveram vivências em outras estações e participaram de um processo criativo com
outras pessoas (Daniela Guimarães participou como assistente de direção), os
relatos e movimentos que chegaram para nós, participantes da segunda etapa, já
estavam contaminados com muitas informações. Algumas estruturas já estavam
consolidadas e o novo grupo de dançarinos apenas ia se adaptar àquela sequência.
Poucos dias antes de iniciarmos a temporada de apresentações, uma das
dançarinas se machucou, sendo substituída por outra que teve que se adaptar ao
que já estava estruturado. Esse momento foi desafiador para os dançarinos e mais
ainda para a nova dançarina, que não havia participado do processo de criação da
intervenção. Entretanto, consideramos essa mudança enquanto parte dos acasos
que podem ocorrer durante o processo e conseguimos lidar com isso de maneira


97
A Estação São Francisco foi construída em 1880, uma parte da malha ferroviária que ia de
Salvador a Juazeiro. Em 1990 o prédio já em ruínas foi tombado como patrimônio histórico da cidade
de Alagoinhas porém hoje está completamente abandonado.
90

afetiva. E de certo modo, tendo cocriado o início do processo com o grupo maior, de
oito pessoas, a dançarina que se machucou permaneceu conosco devido ao vínculo
criado durante os ensaios. No fim das contas, era como se estivéssemos dançando
nove dançarinos e não apenas oito, além de contaminações de pessoas envolvidas
durante o processo de criação da intervenção desde o início, os transeuntes que
assistiram e os que dançaram conosco.

Figura 11 – Ensaio da intervenção “Trilhos e Estações: uma viagem dançada da


Calçada a Paripe”. Estação da Calçada, Salvador - BA, 2016

Fotógrafo: Mário Neto (2016). Fonte: Site oficial do projeto “Trilhos e Estações: uma viagem dançada
da Calçada a Paripe” (http://trilhoseestacoes.wixsite.com/videodanca).

Nos momentos de improvisação estruturada havia indicações de tempo,


movimentação (de acordo com a temática) e espaço, porém não sabíamos
exatamente o que poderia acontecer porque era improvisado. Por exemplo: havia
uma cena a qual todos os dançarinos ficavam andando por um espaço delimitado na
estação da Calçada e em alguns momentos, escolhidos por qualquer um dos
dançarinos, montávamos uma estrutura com nossos corpos (ver figura 14),
enfatizando posições que exigiam equilíbrio entre todos, em uma estrutura onde se
um saía, desestabilizava o grupo. Nós tínhamos uma marcação na música, uma
quantidade de estruturas a serem feitas, a definição espacial de onde as estruturas
iam acontecer, porém o que iria acontecer exatamente, tínhamos apenas como
91

supor. Quanto mais fazíamos esta cena, mais tranquila de ser feita ela se tornava
para nós, então para não perder a característica do risco, estávamos sempre atentos
em nos desafiar, buscar outras configurações para as estruturas produzidas.
Durante os momentos que chamamos de improvisação temática, não
tínhamos indicação temporal, espacial ou de movimento muito definida. Era como se
o tempo não dependesse tanto de nós, era sempre o tempo do trem, o tempo da
viagem, o tempo do outro. Nesta estrutura de improvisação pudemos nos relacionar
de maneira mais pessoal com o espaço e com o que vivemos durante os ensaios,
nos articulando com a temática da intervenção, a arquitetura da estação, do trem, a
relação entre nós, dançarinos e o público.

Figura 12 – Ensaio da intervenção “Trilhos e Estações: uma viagem dançada da


Calçada a Paripe”. Estação da Calçada, Salvador - BA, 2016

Fotógrafo: Mário Neto (2016). Fonte: Site oficial do projeto “Trilhos e Estações: uma viagem dançada
da Calçada a Paripe” (http://trilhoseestacoes.wixsite.com/videodanca).

Para citar os diferentes espaços cocriativos, organizamos aqui neste escrito, a


intervenção em partes: parte 01 - exibição do videodança (estação da Calçada);
parte 02 - composta de sequências coreográficas e improvisação estruturada
(estação da Calçada); parte 03 – composta de improvisação temática que acontecia
na área de entrada dos passageiros para acessar o trem e dentro do vagão em
movimento; parte 04 – composta de improvisação estruturada (estação de Paripe).
92

Com citamos anteriormente, iremos escrever sobre as partes 02, 03 e 04, pois
quando estávamos dançando dispostos regularmente em um espaço delimitado com
atitudes mais voltadas para uma partitura coreográfica, não tivemos um contato
direto como o público como quando estávamos improvisando. E esse ponto de
relação com o outro e com o espaço, nos interessa enquanto potência cocriativa.

Figura 13 – Ensaio da intervenção “Trilhos e Estações: uma viagem dançada da


Calçada a Paripe”. Trem suburbano, Salvador - BA, 2016

Fotógrafo: Mário Neto (2016). Fonte: Site oficial do projeto “Trilhos e Estações: uma viagem dançada
da Calçada a Paripe” (http://trilhoseestacoes.wixsite.com/videodanca).

O ambiente que nos exigia mais atenção (característica espacial) e tomada de


decisão (característica temporal) era a improvisação dentro do trem e as
improvisações na plataforma anterior ao trem, na qual nós dançarinos ficávamos
mais expostos às influências do contexto, tendo que nos adaptar constantemente a
cada momento. Considerando também palavras emergidas durante o processo de
criação, tais como: arquitetura, passagem, contato, espaço, memória,
amontoamento, desequilíbrio, atenção, entre outras. Nestes momentos, cada
dançarino transpunha um modo mais pessoal de dançar durante a improvisação,
nutrindo uma relação mais intensa com os outros dançarinos e as pessoas que
estavam ao nosso redor.
93

A dança que acontecia em contato mais direto com o público, era a parte que
instigava em termos de descoberta de novas possibilidades a partir do que já
sabíamos fazer. Nós dançarinos, éramos solicitados a encontrar maneiras de se
comunicar com o público, de afetar. Buscávamos a aproximação através de ações
comuns a todos, nós dançarinos e eles: andar, sentar, segurar (nas alças de ferro do
trem), balançar (impossível não balançar com o movimento do trem), além de outras
ações que surgiam a cada dia. A partir dessas ações corporais, desdobrávamos elas
cenicamente, utilizando as nuances de qualidades de movimento. Encontramos
várias formas de nos aproximar do público, seja por gesto, por olhar, por disposição
espacial e através de uma explicação verbal. Com o número rotativo de pessoas
transitando naquele espaço, vivenciar maneiras de aproximação do público, se
tornou objetivo comum do grupo.

Figura 14 – Apresentação de “Trilhos e Estações: uma viagem dançada da Calçada


a Paripe”. Estação da Calçada, Salvador - BA, 2016

Fotógrafo: Mário Neto (2016). Fonte: Página do Facebook oficial do projeto “Trilhos e Estações: uma
viagem dançada da Calçada a Paripe”
(https://www.facebook.com/pg/trilhoseestacoes/photos/?ref=page_internal).

No decorrer das experiências no trem (ensaios e apresentações), Lilian


Graça, enquanto observadora atenta, foi captando algumas movimentações
recorrentes e que considerava potente durante a improvisação. Nós acabamos por
construir pistas durante a improvisação, onde um determinado movimento sugeria
outro a depender do entrosamento e atenção dos dançarinos. Por exemplo: durante
94

um dia de apresentação, criamos uma estrutura nos segurando uns aos outros ao
longo do corredor do trem, criando uma espécie de corrente. Essa estrutura de
repetiu algumas vezes, sendo composta algumas vezes com ajuda do público. As
cenas de amontoamento em cima dos bancos também se tornaram recorrentes
desde que achássemos algum banco vazio para poder fazermos a cena, ou adaptá-
la a outros lugares do trem como o final do corredor, por exemplo. Ou seja, mesmo
as cenas que se tornavam recorrentes entre nós, nunca eram exatamente iguais,
eram adaptadas de acordo com o que estava acontecendo no momento.
Como lidar com minha cinesfera menor e por vezes em total contato
epidérmico com o público? Como explorar movimentos amplos, por exemplo,
utilizando o vagão quase vazio? Como e quando amorosamente nos aproximar ou
nos afastar do público que nos assistia?
A recorrência dos corpos (dançarinos), o compartilhamento de espaço (vagão
de trem) e o vínculo afetivo que criamos durante o processo, proporcionou que
reconhecêssemos códigos, alguns sinais de movimento, como já falamos
anteriormente. Porém não tão recorrente ao ponto de determinar a improvisação,
afinal, estávamos sujeitos à muitas outras condições que não tínhamos controle.
Imprevistos aconteceram e não foram poucos: dias de trem muito cheio ou vazio;
dias em que haviam muitas pessoas conhecidas (e isso influenciava na nossa
postura em cena); dias de trem quebrado, onde não aconteceu essa parte da
intervenção; dias de chuva (bastante); dias com convidados especiais (um vagão
somente com crianças de uma escola); dias de duas sessões seguidas; dançarina
machucada... Estar em cena exigiu de nós uma tomada de decisão coletiva, estar
em exercício perceptivo constante.
As experiências em improvisação no vagão do trem, demandaram de nós
posturas atentas mais precisamente ao tempo e ao espaço. O trem tinha hora de
sair, nós não podíamos atrapalhar a fruição do fluxo de passageiros, o trem apitava
e as portas fechavam, o tempo em cada estação era curto, a superfície era instável,
às vezes estava molhada, sempre sujo. Tínhamos que estar atentos o tempo inteiro,
perceber detalhes, perceber potência no olhar curioso das crianças ou no rapaz
tirando foto. Atentos para encontrar possibilidades de movimento dentro do trem,
com um pregador das palavras de Deus que nos chamava de zombadores,
enquanto outros agradeciam pela sensibilidade, alegria, energia que nossa dança
95

havia proporcionado àquele dia comum. Nós, enquanto dançarinos, tínhamos que
estar atentos aos pequenos sinais que o público nos dava.

Figura 15 – Apresentação de “Trilhos e Estações: uma viagem dançada da Calçada


a Paripe”. Trem suburbano, Salvador - BA, 2016

Fotógrafo: Mário Neto (2016). Fonte: Página do Facebook oficial do projeto “Trilhos e Estações: uma
viagem dançada da Calçada a Paripe”
(https://www.facebook.com/pg/trilhoseestacoes/photos/?ref=page_internal).

Quando nos aproximávamos das pessoas a partir de ações mais comuns


entre nós, percebia que o público se sentia mais à vontade em interagir conosco,
algo que não acontecia durante as etapas que antecediam a improvisação no trem e
na cena final, na estação de Paripe (com uma exceção da presença de um cachorro,
registrada na figura 18 e relatada adiante).
A capitã da Base Comunitária do Bairro de Santa Cruz em Salvador, Sheila
Barbosa, levou cerca de 50 crianças para nos assistir em um dos dias de
apresentação. Neste dia, lembro de um momento no qual uma menina me segurou
firme pelo pulso e disse, de maneira tímida e ansiosa:

- Seu cabelo é muito lindo! Posso pegar?


- Obrigada, o seu também é! Pode!
96

Em questão de segundos, 05 meninas entre 10 e 12 anos e eu estávamos


criando uma das cenas a qual recordo com muito carinho. A cena em que todas
estavam mexendo freneticamente no meu cabelo, rindo muito, conversando sobre
Dança, conversando sobre nós, dançando juntas. Foi surpreendente observar como
a energia dos dançarinos transformou-se com a presença das crianças. As
movimentações se tornaram mais próximas de brincadeiras, um sorriso, uma mão
colocada em cima da perna de uma das crianças, um olhar tímido, essas pequenas
ações corporais eram imprescindíveis para que nos aproximássemos delas.

Figura 16 – Apresentação de “Trilhos e Estações: uma viagem dançada da Calçada


a Paripe”. Trem suburbano, Salvador - BA, 2016

Registro: Autor desconhecido (2016). Fonte: Página do Facebook oficial do projeto “Trilhos e
Estações: uma viagem dançada da Calçada a Paripe”
(https://www.facebook.com/pg/trilhoseestacoes/photos/?ref=page_internal).

Certa vez, durante uma das apresentações percebi um dos meus colegas de
cena bem perto de um homem. Estranhei porque fomos avisados para ter cuidado
com as aproximações mais diretas com o público, afinal, tínhamos que respeitar o
espaço do outro. E se fosse o caso de se aproximar, no caso de um desconhecido,
que não fosse de maneira incisiva. Depois de um tempo observando, pelas ações
deles pude perceber que estavam conversando, e tempos depois, percebi que o
homem era deficiente visual. Aproximei-me e a partir disso eu e meu colega, sem
indicar verbalmente um para o outro, começamos uma dança que fizesse com que o
97

nosso novo amigo percebesse a nossa dança através de outros sentidos. Guiamos
ele para andar no corredor sem se segurar, onde, apesar do medo e da instabilidade
causada pelo balanço do trem, ele aceitou nossa proposta e confiou em nós dois.
Fizemos barulho nas estruturas do trem, portas, no chão, falamos com ele,
dançamos bem perto dele, contato pele com pele.

Figura 17 – Apresentação de “Trilhos e Estações: uma viagem dançada da Calçada


a Paripe”. Trem suburbano, Salvador - BA, 2016

Fotógrafo: Mário Neto (2016). Fonte: Página do Facebook oficial do projeto “Trilhos e Estações: uma
viagem dançada da Calçada a Paripe”
(https://www.facebook.com/pg/trilhoseestacoes/photos/?ref=page_internal).

A seguir, um texto escrito a partir de experiências em um dos dias de


apresentação da intervenção “Trilhos e Estações: uma viagem dançada da Calçada
a Paripe”. As frases citadas no meio do texto são de diferentes músicas de Criolo98.

Tornou senso comum essa coisa de adjetivar negativamente o mês de


agosto. Hoje, 03.08.2016, gostaria de contar uma história coletivamente pessoal
com o desejo que ressoe em quem puder escutar. Gostaria de frisar que apesar de
escrito por mim, esse texto é de tanta coisa/gente/som/dança/sensação que não
cabe citar. Essa história é sobre vidarte, sobre dança, sobre crueza, sobre

98
Criolo é rapper e cantor de música popular brasileira. As frases destacadas no texto são do disco
lançado em 2006 e relançado em 2016 chamado “Ainda há tempo”.
98

sensibilidade. Aumentando sempre o desejo de horizontalizar algo que não deve ser
tratado como especial, ou algo difícil de se conseguir: o amor.

“Só pode falar de vida quem vive. Só pode falar de sofrimento quem sofre. Só
pode falar de amor quem ama. Só pode falar de flow quem desenvolve.”

Vivo, sofro, amo e com certeza por isso desenvolvo. Hoje, como dançarina e
improvisadora em um feliz encontro dançado, vivi experiências que me deixaram
tonta de vida. Tenho uma certeza: a dança é meu estilo de vida, hoje sei o que ela
me causa, ela me causa amor.

Os últimos dias tem sido intensos. Solar. Fogo. Trocas energéticas, mãos.
Subir montanhas pra olhar pra lua. Vênus em Câncer. Chorosa que só. Hoje, até
agora foram 5 pequenos choros. Água. A baía de todos os santos. A Bahia do
caminho até o trabalho, dos encontros calados e barulhentos das companhias das
cucas maravilhosas. O estar junto, o estar no mundo.

Assim que fomos a caminho do trem, já bati os olhos numa mulher que tinha
nos visto algumas vezes e que havia dançado conosco. Aquela que estava
segurando muitas sacolas pesadas de compras e deixou fluir o movimento, pulando
e falando: “pega a sacola!”, e “tira a calcinha da bunda!”, e “pega o celular!” e “olha
pra não perder o ponto!”. Um momento feliz lembrado em segundos de um gesto de
tchau afetuoso.

Em poucos minutos de improvisação estava sentada sozinha, na minha


pequena bolha, procurando formas de mover com aquele lugar. Quando abaixo a
cabeça ouço uma voz dizendo: “Foi lindo, viu? Parabéns!” E de repente minha visão
periférica vê uma mão idosa estendida na minha direção. Nessa mão tinha dois reais
ofertados a mim, seguido da frase: “Tome, pra você comprar um refrigerante”. Em 3
segundos eu não soube o que fazer, apenas agradeci. Fiquei zona, tremi. Fui até
uma amiga, pedi para que guardasse o dinheiro e compartilhei o que acabava de
acontecer. Voltei para improvisar mas de repente só tive vontade de correr e achar
aquela senhora. Corri, achei. “Você pode me dar um abraço?”, e ela com o maior
sorriso do mundo: “Sim!” e abriu os braços. Me aninhei nele e senti nosso
movimento apertado em carinho. Minha arte vale o quanto puderem pagar, como
puderem pagar. Minha arte vale dois reais e um abraço. Um olhar curioso, uma
desmistificação através do movimento.
99

“Eu tô falando é de atenção que dá colo ao coração e faz marmanjo chorar se


faltar um simples sorriso, às vezes, um olhar, que se vem da pessoa errada, não
conta. Amizade é importante, mas o amor escancara a tampa.”

O trem segue viagem...

Muitas perguntas: “Isso é o quê? Teatro?!”. “Isso é Dança!” Sorrisos


desconsertados, porém gentis. O trem não estava muito cheio. Nem tudo foi
delicadeza porém... “As pessoas não são más, mano, elas só estão perdidas. Ainda
há tempo.'' Aqui não quero compartilhar nada de ruim, não hoje. Nem por muito
tempo. Me permiti entrar novamente na bolha e contemplar a baía de todos os
santos, as casas do subúrbio, a visão do mar sobre a ponte, através da janela do
trem. Contemplei o mar, o lixo, o sol e o abandono. E pensei: “O que é que eu estou
fazendo aqui?” O primeiro pequeno choro.

“Não quero ver você triste assim, não. Que a minha música (nesse caso a
Dança) possa te levar amor...”

Respirei e soube o que estava fazendo. Estava respeitando espaços e


crenças. Compartilhando movimento, cotidiano e amor.

Em uma das últimas estações entra um grupo de jovens, a maioria com farda
de escola, na faixa de uns 15/17 anos. Ouvimos: “Vigi, que porra é essa?” “Menina,
isso é Dança? É sim, é Dança, sabia!”. Quando eles entraram ficamos eu e mais
alguns amigos em movimento, perto deles. Uns olhavam com medo, gritavam
eufóricos, riam, se afastavam. Em algum momento cogitaram a possibilidade de
mudar de vagão mas permaneceram. Começamos a nos movimentar timidamente
aguardando as reações. De repente, uma das meninas do grupo começou a dançar
conosco, fazendo o que estávamos fazendo, entrando em contato. Desmoronando e
construindo sobre o chão instável e sujo do trem. “Isso, ai! Tudo junto e misturado!”
De repente, muitos deles estavam dançando conosco. Eu não conseguia conter o
riso. Corremos todos para o fundo do trem e nos apertamos, um por cima do outro.
Juntos. Risos. Foram muitos risos durante a interação. Antes de sair formamos uma
grande corrente, com ajuda dos braços deles e de outras pessoas. Antes de sair do
trem para a finalização, continuei com uma experimentação com as mãos. Que
acabei me dando conta que é bastante recorrente, talvez seja meu ponto (um dos)
de troca de energia. E lembrei dos encontros que a Dança me proporcionou e que
permitiram isso. Mãos. Coloquei-as abertas, de frente pra pessoas, perto do meu
100

queixo. Alguns dos jovens fizeram a mesma coisa, bem perto das minhas mãos,
tocando-as suavemente e uma delas disse, meio eufórica: “Meu deus, eu quero
trocar essa energia!” A euforia foi minha. Depois dali senti a brisa no meu cabelo, vi
os meus amigos se movimentando, vi olhares acalentados para nós. Eu senti amor.

Ao final, na cena do desmoronamento coletivo, onde todos ficamos num


banco, um por cima do outro, ouvimos aplauso dos jovens que estavam dentro do
trem e uma delas, aquela que começou tudo disse em alto e bom som: “Um beijo,
alegrias do meu dia!”. Segundo pequeno choro, ali por baixo de corposamigos.

“Eu tenho fé nessa nova geração, nesse povo maravilhoso, a nossa juventude
toda. (...) Só a gente sabe que o sol pode iluminar a cabeça, a mente e os corações
de todos. Axé. Amém. Só o amor pode mudar. Não vamo perder nossa fé jamais.
Jamais desconectar da esperança em nossa geração.”

Solar. Gratidão. Movimento, Vida. Solar.

Aline Lucena, 2016

Foram muitas as cenas cocriadas nesses intensos dias de apresentação, o


último dia não poderia ser mais intenso do que foi. Choveu bastante e a nossa última
cena, onde permanecíamos todos amontoados uns por cima dos outros em um
banco da estação de Paripe, aconteceu de outra maneira. Assim que saímos do
trem, avistamos um cachorro perto da escada que nós fazíamos uma cena. Um de
nós chamou o cachorro para dançar e ele... veio. Todos achamos a cena divertida e
começamos a dar indicações verbais para o cachorro, de acordo com o que
estávamos fazendo e ele prontamente... fazia. Ninguém estava acreditando muito no
que estava acontecendo, mas estava. O cachorro fez a cena inteira conosco,
quando parávamos ele parava, quando descíamos a escada devagar ele também
descia devagar. Até quando descemos correndo para o banco da cena final, ele
também saiu correndo. Todos, ainda não acreditando no que estava acontecendo,
continuamos a cena enquanto o cachorro nos observava de longe. De repente, ele
resolveu voltar. Ficou por ali recebendo nossos carinhos e subiu no banco para
compor nosso abraço final.
Percebemos que não era o “espetacular” que aproximava o público, como
quando nos pendurávamos no teto ou nos empilhávamos uns nos outros. O que nos
101

aproximava era aquele pequeno gesto, o ato de sentar-se perto da pessoa, mover-
se de maneira parecida como ela se move, promover outras danças a partir do que
sabemos fazer.

Figura 18 – Apresentação de “Trilhos e Estações: uma viagem dançada da Calçada


a Paripe”. Estação de Paripe, Salvador - BA, 2016

Registro: Autor desconhecido (2016). Fonte: Página do Facebook oficial do projeto “Trilhos e
Estações: uma viagem dançada da Calçada a Paripe”
(https://www.facebook.com/pg/trilhoseestacoes/photos/?ref=page_internal).

3.3 SE QUISER, DEIXE SUA LEMBRANÇA


O terceiro e último espaço de escrita afetiva, dedico às experiências no Grupo
X de Improvisação em Dança99. Entre abril e setembro de 2016, após um
autoconvite, tive a honra de participar de encontros e de uma intervenção itinerante
chamada “Se quiser, deixe sua lembrança”100 . A temática do trabalho foi em torno de
memórias afetivas do grupo, a partir de experiências propostas em sala e em espaço
público.


99
O Grupo X de Improvisação em Dança foi criado por Fátima Daltro (Fafá) e David Iannitelli, em
1998. O X faz da improvisação a própria cena e não um meio para dançar. Além de improvisação, a
acessibilidade de pessoas com deficiência a bens culturais é assunto recorrente no grupo.
100
“Se quiser, deixe sua lembrança” foi uma intervenção itinerante apresentada no Congresso da
UFBA – 70 anos, em julho de 2016. Cocriamos: Fafá Daltro, Eduardo Oliveira (Edu O.), Greyce
Sposito, Taynah Mello, Cyça Lopes, Giorrdani de Souza (Kiran), Juliana Castro, Natalia Ribeiro,
Sônia Gonçalves e Sueli Ramos.
102

O Grupo X de Improvisação em Dança atua como um projeto de extensão da


Escola de Dança da UFBA, com atividades abertas à toda comunidade da Escola e
externa. No Grupo X não existe nenhuma espécie de audição, de seleção de
dançarinos. Não existe cobrança de presença, está quem puder estar. O trabalho
pautado em improvisação em Dança, dilata o espaço de cocriação, não
especificando nenhum tipo de técnica ou de corpo. Fátima Daltro101 , cocriadora do
grupo, possui pesquisas específicas sobre as potencialidades emergentes de
pessoas com deficiência, desmedindo ainda mais o espaço de ação do grupo. Ativo
desde 1998, já cocriaram no Grupo X muitos dançarinos que permaneciam durante
algum tempo no grupo, anos, meses ou dias. E se só pudesse aparecer de vez em
quando, também não tinha problema. O espaço criativo proposto é de imersão em
movimento, onde muitas coisas são atravessadas, vinculadas, correlacionadas. E
enquanto grupo dedicado à sua criação, os encontros ganham uma lógica coletiva
que acontece, se constrói e reconstrói a cada dia, compondo junto, criando com o
outro. Os jogos de improvisação do X são pautados em apresentar e acatar ideias,
fazer e estar sujeito. A temática e seus desdobramentos podem ser sugeridos por
um ou mais dos membros do grupo ou pode ir surgindo a cada encontro. O campo
de possibilidades criativas no Grupo X é amplo, no qual movimentos e temas podem
variar, podem levar para lugares que não prevemos.
Os encontros do Grupo X são imbuídos de conversas, cenas, conversas-
cena, muito riso e contaminação, predominantemente por ações corporais que todos
podemos fazer dentro da possibilidade de cada um. Como a composição cênica é
em improvisação, não especificamos o que é processo de sala e processo público
da intervenção, é tudo o mesmo processo e a apresentação era apenas outro
desfecho. Mesmo com a temática, cada dia é algo novo, o que muda são os acordos
estabelecidos diante os espaços e suas particularidades.


101
Fátima Daltro ou Fafá Daltro, como é conhecida artisticamente, atua no X até hoje e em pesquisas
no que concerne à processos colaborativos em improvisação em Dança e acessibilidade. É doutora
em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP e hoje é professora aposentada da Escola de Dança da
UFBA.
103

Figura 19 – Encontro do Grupo X de Improvisação em Dança. Escola de Dança da


UFBA, Salvador – BA, 2016

Registro: Sueli Ramos (2016). Fonte: Acervo do grupo.

O primeiro encontro que participei foi ansioso, curioso. Quase nenhuma


indicação verbal e bastante música: salsa. O espaço da timidez foi estraçalhado ao
sentir a disponibilidade dos corpos que ali encontrei. Os que chegavam mais tarde
ficavam observando, entravam aos poucos e logo estávamos dançando juntos. Os
movimentos sacudidos, pontuais, as experiências de novas maneiras de fazer
Dança me deixaram em êxtase. Pulei, rebolei, fiz caretas, ações que nunca imaginei
fazer em uma experiência em Dança. Esse dia foi especialmente turbulento, mas a
partir daí pude compreender a natureza incerta e altamente afetiva do Grupo X.
Após este primeiro encontro, adentrei no processo criativo que eles já haviam
iniciado, cuja temática era construída através de lembranças amorosas de cada um
e de experiências anteriores do grupo, proporcionando uma cocriação de memórias
afetivas pessoais e de ex-integrantes, por meio de fotografias, escritos e objetos. A
cocriação dessa intervenção itinerante obteve um caráter especial nesta pesquisa
também por conta da investigação de movimentos em situações comuns presente
na temática e nas movimentações do Grupo X.

O mote principal eram as lembranças individuais de seus componentes alimentadas por


frases e imagens trazidas em momentos de compartilhamento. Um varal que contaminava o
trajeto não apenas dos dançarinos, mas de todos os transeuntes que tiveram a oportunidade
de atravessar nosso caminho e deixar um pouco de si, num ir e vir de sentimentos, abraços,
sorrisos, recordações... Uma linha ininterrupta que liga nossas experiências e afetos. Se
104

você quiser deixe eu me deixar em ti, se deixe também aqui nas memórias dos meus afetos.
Deixemo-nos um tanto de cada um em nós para que haja flores, toques e sons pelas nossas
estradas de nuvens...
(Edu O., 2017)

Figura 20 – Encontro do Grupo X de Improvisação em Dança. Escola de Dança da


UFBA, Salvador – BA, 2016

Registro: Aline Lucena (2016). Fonte: Acervo do grupo.

Observei que o modo como Fafá Daltro e Eduardo Oliveira102 mediavam


algumas proposições era de acordo com cada momento, respondendo perguntas
tais como: Como compor respeitando o seu estado no momento, sem ignorá-lo?
Certo encontro, a maioria de nós estava visivelmente cansada e parecia que nossa
cocriação ia ficar por ali mesmo: pregando os papéis nos varais, lendo as
lembranças, movimentações rasteiras, mais lentas... E ficou. Em outro dia de
qualidade semelhante, Fafá Daltro propôs mudanças bruscas de qualidade de tempo
para burlar o cansaço e promover outras ações, porém acatava quem quisesse. Nas
criações do Grupo X não há “certo” ou “errado”, passos preestabelecidos ou fatores
impeditivos durante a cocriação. Os trabalhos do Grupo X possuem uma assimetria
nos lugares assumidos pelos membros durante o processo, mesmo sendo mediados
por Fafá Daltro e Edu O., o espaço de ação do grupo permite que esses lugares


102
Eduardo Oliveira, ou Edu O. é membro do Grupo de X de Improvisação em Dança desde 1999.
Hoje é professor efetivo da Escola de Dança da UFBA. Atua com pesquisas nos temas em Dança,
improvisação, arteterapia e política cultural. Atua também ministrando oficinas de artesanato e dança
para pessoas com deficiência.
105

sejam flexíveis, permite que qualquer membro possa sugerir e transformar uma
indicação.

Figura 21 – Encontro do Grupo X de Improvisação em Dança. Escola de Dança da


UFBA, Salvador – BA, 2016

Registro: Aline Lucena (2016). Fonte: Acervo do grupo.

A primeira experiência em público desse processo criativo foi mais


precisamente meu segundo encontro com o Grupo X. Antes de sairmos,
experimentamos um pouco do que poderíamos propor em público, mas conscientes
de que o que iria acontecer durante o percurso, só saberíamos quando acontecesse.
A última indicação dada: “Assim que sairmos da sala, já é cena”. Nesse dia, não sei
se foi o sapato engraçado de Fafá Daltro, as perucas coloridas ou o estado eufórico
que estavam os dançarinos, mas tudo foi comicamente movimentado. Logo na
saída, ao descermos a rampa com Eduardo Oliveira (Edu O.), alguém soltou um
pum. Riso frouxo por minutos seguidos... “Alguém botou tanta força que peidou!”
“Um pum pra Edu!” O riso espontâneo virou cena. Nós ríamos e as pessoas ao
nosso redor também riam. Nossas ações corporais contaminavam quem passava, a
ação de sorrir foi mote para a cocriação. O humor, assim como o riso, são elementos
estruturantes na temática da intervenção que transforma ações comuns, do
cotidiano social, em potência criativa.
106

Ainda neste dia, durante o percurso até a praça das Artes103 , fomos
interagindo com as pessoas que transitavam, compondo também com lógicas
preestabelecidas de filas, fileiras e grupos. Nossos trajes chamavam atenção por
conter elementos extravagantes, apesar de mantermos uma ideia de “traje à rigor”.
Saias rodadas pouco abaixo dos joelhos, calças sociais, perucas coloridas, salto
alto, acessórios como lenços e tecidos, além de outros materiais do acervo do Grupo
X compunham o figurino. Imitávamos o movimento um do outro, as ações corporais
das pessoas que passavam por nós. A cena era totalmente coimplicada na relação
espacial que estabelecíamos entre nós, as outras pessoas e o próprio espaço. No
nosso caminho as potências criativas estavam dispostas a todo momento e exigia de
nós um constante exercício perceptivo para captar essas possibilidades. Os
integrantes mais habituados com performances em espaços públicos, iam ajudando
iniciantes a tatear o espaço através da atenção ao que acontece ao redor. Os
transeuntes eram instigados à cocriar conosco e a maneira como eles interagiam
interferia na criação, sendo o público também gerador de ideias de composição em
improvisação.
No decorrer da cocriação até apresentarmos “Se quiser, deixe sua
lembrança”, reunimos indicações e estímulos criativos emergidos a cada encontro
do Grupo X: disposição espacial em filas, fileiras e grupos; espaços restritos
transformados em espaços potentes para dançar; fita crepe; espaço público;
barbantes; contaminação por ações comuns, cotidianas; varais de memórias com
fotos, escritos, recortes e desenhos; interação com o ambiente; atenção; presença;
compra e proposta de ideias; registros de celular; trajes à rigor e músicas antigas.
Propomos compor o espaço público com os transeuntes de maneira afetiva e bem-
humorada, através do estímulo sensível das lembranças amorosas tanto do Grupo X
quanto dos transeuntes.


103
A Praça das Artes fica no campus de Ondina da UFBA, em frente ao Restaurante Universitário.
107

Figura 22 – “Se quiser, deixe sua lembrança” no Congresso da UFBA – 70 anos,


2016

Registro: Indira Ramos (2016). Fonte: Acervo do grupo.

O relato que farei a partir de agora é a partir de anotações pessoais dos


encontros e de conversas em reuniões após o dia em que apresentamos a
intervenção. Por conta do tamanho do grupo composto por 11 dançarinos, era
impossível ter noção de tudo que aconteceu no dia da apresentação. Sendo assim,
a intervenção itinerante foi se construindo em solos, duos, trios, momentos com
todos e outras variações de dançarinos e pessoas do público compondo uma
mesma cena. A sensação de acolhimento e euforia que senti desde o primeiro
encontro, sintetizou-se afetuosamente em mais ou menos quatro horas de
intervenção no Congresso da UFBA. Estávamos programados para começar 17:00
mas começamos por volta das 15:30. Estávamos marcados para terminar 18:30,
terminamos umas 19:30... E nem tenho tanta certeza desses horários. O tempo do
Grupo X é complexo, acontece na hora que acontece. Neste dia, marcamos um
ponto de encontro e cada um foi chegando, conversando, vestindo o figurino,
arrumando as coisas, quando nos demos conta, já havíamos começado. Tínhamos
malas com objetos que levávamos conosco no decorrer do caminho, cheio de
fotografias, escritos, jarras, sapatos, perucas, copos e etc. Nosso figurino era
108

composto de toda sorte de materiais, tais como perucas, blusas, calças sociais,
botas, sapatos de salto, roupas feitas de sacos (bordados ou não), pregadores de
roupas, papéis escritos, tênis, saias rodadas, tudo em apenas três cores: preto,
branco e vermelho. O nosso traje à rigor.

Figura 23 – “Se quiser, deixe sua lembrança” no Congresso da UFBA – 70 anos,


2016

Registro: Aline Lucena (2016). Fonte: Acervo do grupo.

A partir da temática de lembranças amorosas, o público foi convidado a


compor junto, em cocriação, convidado a deixar suas lembranças, a fazer parte da
cena ou invertermos os lugares de cena e público. A maneira comum de interagir
com o público que transitava nos arredores da Praça das Artes era através das
ações corporais, ações de identificação comum como um sorriso, uma fala, andar do
lado deles, propor outros modos de andar. No decorrer do trajeto deixamos pelo
caminho trilhas compostas de rabiscos, teias de escritos e composições de Dança,
109

sempre mantendo contato próximo com o público. Espalhamos canetas, gizes e


pedaços de papel pelo chão para caso alguém quisesse registrar sua lembrança. O
varal de lembranças foi se formando pelas mãos de dois ou três integrantes
enquanto um corredor de bancos foi se organizando na passagem dos transeuntes
até a Praça das Artes. Mantivemos nossa dança ali por bastante tempo, porém a
instalação dos objetos era construída no decorrer da intervenção, em tempo
presente, e o espaço era mutável também. Os pequenos grupos se deslocavam
livremente pelo espaço ao tempo em que lembranças iam sendo deixadas pelo
caminho e outras levadas conosco, seja sob forma de frase escrita, objeto, música
ou movimento compartilhado.

Figura 24 – “Se quiser, deixe sua lembrança” no Congresso da UFBA – 70 anos,


2016

Registro: Eduardo Oliveira (2016). Fonte: Acervo do grupo.

A intervenção itinerante também cocriou com outras ações artísticas que


estavam acontecendo durante o Congresso. Em determinado momento um grupo
estava montando um espaço com esteiras para exibição de um filme. Fafá Daltro
observava de longe quando sugeriu: “Vamos sair correndo e nos deitar nas
esteiras!” Prontamente boa parte do grupo aderiu. Ficamos um tempo naquele
espaço fazendo poses deitados, propondo qualidades diferentes para as posições
ou vivendo a simples experiência de estar fazendo poses na esteira. Sendo assim,
110

as ações do X encontram potência beirando e burlando o cotidiano, promovendo


outras possibilidades para ações corporais, ações comuns.
Parte das intervenções artísticas daquele dia foram concomitantes, a praça
das Artes estava tomada por uma profusão de diferentes ações musicais, literárias,
movimentadas. O Grupo X, possuindo um caráter mais de intervir no espaço,
interagia com essas ações de maneira direta e indireta. Era o som da fanfarra lá
longe que reverberava na nossa movimentação, ou quando interagimos mais
diretamente. Por exemplo, em determinado momento da tarde, havia começado a
tocar uma banda de percussão próximo ao local que estávamos instalados com
nosso varal de lembranças e corredor de bancos. O som contaminava nossas
movimentações até que alguns de nós resolvemos interagir com a banda. Festa!
Permanecemos o jogo com os bancos, mudando de lugar, compondo filas, fileiras e
grupos; interagimos com as linhas no chão (algo que havia acontecido em um de
nossos encontros em público, antes da apresentação); sacodimos nossas saias em
uma espécie de ação de “abanar-se” (movimentação recorrente) e outras ações que
surgiam a cada momento.

Como tudo no Grupo X, as coisas vão se construindo e se delineando no seu próprio fazer,
no seu improvisar. “Se quiser, deixe sua lembrança” é um experimento performativo de
ocupação do espaço urbano que tenta acionar memórias, intervir na poética do espaço
público e produzir afetos. Um experimento de liberdade e compartilhamento, um exercício
de criatividade e construção coletiva que me colocou em um estado de atenção
desinteressada. Uma atenção aos meus estados corporais, aos dos companheiros de
performance, ao espaço e as pessoas que compartilhavam daquele espaço público, tudo
com o objetivo de produzir afetos sem a expectativa de um resultado pré-fixado ou um
produto, uma atenção aberta ao processo. Uma experiência de risco, onde o certo e o
errado deixam de existir para dar espaço a um caminho do meio, no qual tudo pode ser
poesia. Aproveitar cada momento imediato para retirar dele aquilo que pode afetar, a si e ao
outro. A princípio tanta liberdade me assustou, mas com o exercício e a prática, este lugar
do deixar vir e deixar ir sem apegos e de corpo aberto, foi intensificando em mim uma
prontidão para o presente potente. Consegui vivenciar no corpo o que entendo por devir, por
mergulhar de cabeça em um oceano infinito de possibilidades que se atualizam na ação
compartilhada. Um lugar de intensa produção de conhecimento sobre o fazer artístico
através da improvisação. Revelando para mim todo o potencial desta linguagem em criar
mundos e abraçar o desconhecido. Serei sempre grato por esta experiência.
(Giorrdani Gorki (Kiran), 2017)
111

Figura 25 – “Se quiser, deixe sua lembrança” no Congresso da UFBA – 70 anos,


2016

Registro: Autor desconhecido (2016).


Fonte: Acervo do grupo.

Em um dos espaços de cocriação criados ao longo da intervenção itinerante,


formamos uma cena onde nossas movimentações lembravam uma confraternização,
uma espécie de “hora do chá”, como apelidamos. O espaço escolhido na praça das
Artes, tinha um recuo que lembrava um palco, fazendo com que dessa vez a plateia
se dispusesse nos vendo somente de frente. Criamos uma teia de barbantes e
ficamos um tempo ali, confraternizando com água aromatizada de hibisco e
tangerina. Nesta ilha, foi o momento da intervenção que mais interagimos entre nós
dançarinos, sem tanta interferência do público.
Após um sinal de uma das dançarinas avisando que o Microtrio104 estava do
outro lado da praça, fomos todos para o local. Chegando lá, a festa estava quase
pronta, só faltava mais gente dançando... Mais propício para nossa intervenção,
impossível. Lá estava o Grupo X, improvisando, sendo contaminado por movimentos
uns dos outros. O X deixa a interpretação a cargo de cada um, seja dançarino ou


104
O Microtrio é projeto do músico Ivan Huol que consiste no desfile de um trio elétrico de pequenas
proporções que faz alusão a Fubica (o primeiro trio elétrico). Eles tocam músicas de diversas épocas
de carnaval, de samba reggae a marchinhas.
112

público. Naquele momento, para mim, a água já não era mais água e sim alguma
bebida que me deixou em uma espécie de embriaguez. O axé tocado pelo Microtrio,
a bebida nas mãos, muita gente... Carnaval. Em alguns momentos estávamos todos
compartilhando dessas sensações através de movimentos desequilibrados, afetados
pelo axé tocando, as pessoas dançando, a cocriação acontecendo.

Figura 26 – “Se quiser, deixe sua lembrança” no Congresso da UFBA – 70 anos,


2016

Registro: Hugo Leonardo (2016). Fonte: Acervo do grupo.

Nossa última cena compartilhada não poderia ser mais certeira: um grupo de
improvisação em Dança, intervindo dentro de uma universidade pública, durante um
cenário atual sociopolítico de horror. Fazendo Arte para todos, caminhando e
cantando... Cantarolando “Pra não dizer que não falei das flores”, de Geraldo
Vandré, em ritmo de marchinha de carnaval. Essa foi a nossa última cena, antes de
decidirmos nos despedirmos e dispersarmos de vez, afinal já estávamos esgotados.
Finalizamos assim mais um dia de afetos trocados, ali, em meio a uma multidão que
nos acompanhava com movimentos e olhares, e nós cocriamos com eles.

Pensando o X, percebo que tudo vem à tona é porque a implicaçãoafetoinspiraçãopaixão


estão assim colocadas no meu, nosso fazer X..... Quando estamos num processo de criação
são muitas interferências que me atravessam vindo das pessoas que estão ali naquele
instante que se delineia e nos põe num lugar privilegiado de disponibilidade.... Um olhar de
longe, um movimento do meu lado direito, ou um arfar de corpo esgotado mais distante, no
entanto em meu campo de visão me chamam a atenção, vivo esses momentos me cercando
113

dos afetos do outro, sem nem saber o que está movendo o outro, também não importa.....
Sigo junto e vou por outras rotas criando com esses pedaços dos outros.... Penso que meus
pedaços também se espalham em seus mundos.... Às vezes fico rindo por dentro sentindo
essa emoção caótica que gruda em mim.... Eu vou vivendo intensamente cada instante,
cada sorriso, cada corpo esparramado. jadour! E você Aline, quanto me inspira e desafia....
jadour! E Kiran com seu tempo esgarçado, Edu em seu deslizar sutil, Nat e as imagens que
expõe e tantos outros com suas espertezas e sugestões.... É um mundo de afetações sem
fim... Sem fim... Sem fim... Escrevo pensando em você e em meus saltos altos coloridos nos
caminhos que o X impõe e das deliciosas provocações que vivemos juntos..... É uma delícia
dançar... Sempre... Sempre... Sempre... Não sei onde vou chegar.........
(Fafá Daltro, 2017)

Figura 27 – “Se quiser, deixe sua lembrança” no Congresso da UFBA – 70 anos,


2016

Registro: Taynara Bezerra (2016). Fonte: Acervo do grupo.

A temática de “Se quiser, deixe sua lembrança”, tendo o cotidiano como um


dos motes criativos, além das lembranças afetivas dos dançarinos, ajudou a
compreender o quanto nossas ações enquanto aquilo que nos é comum, são
potências criativas que podem se desdobrar em muitas outras. A improvisação
presente no Grupo X, mesmo com temáticas, indicações e elementos organizados, é
uma caixa de surpresas por também articular-se com ações que só descobriremos
quando elas acontecerem. O empenho do X é sobretudo de estar junto, dançar uma
dança que não exclui. As ações no Grupo X se tornam alteridade, cocriação, afeto.
114

INDÍCIOS
As experiências vivenciadas neste bricolado processo cocriativo, com todas
as mudanças de rota e gestos detalhados, nos fizeram perceber que encontramos
indícios, pistas que nos fazem querer continuar...
Em um tempo em que criatividade é estilo de vida, onde o dia-a-dia nos exige
muitas alterações de postura, tomada ágil de decisão e criação de estratégias,
referenciar os anteriores em busca do novo é tomar parte de um passado
pertencente e relevante para a dança de hoje. É dessa maneira que refletimos sobre
os estudos da Arte do Movimento de Rudolf Laban. Não é a sua manutenção ao
nível de enclausurar teorias, exercícios e técnicas no pedestal intocável do tempo,
mas a proposição de desmistificar, tirar do uso comum, mobilizar, transformar.
Consideramos que os estudos de Laban, além de potencial na contemporaneidade,
possuem conhecimentos estruturais para uma experiência em Dança que respeita
as singularidades, criando com o que já sabemos fazer e assim descobrindo novas
possibilidades. O respeito às diferenças, enquanto postura, não é exclusiva das
pesquisas de Laban, pode ser coimplicada em qualquer processo em Dança, sendo
a técnica ou o fim um fator não limitador.
Os processos cocriativos em Dança, nos três ambientes artístico-
educacionais, foram diferentes em seus propósitos porém mantiveram uma
característica compartilhada que nos fez compreender que nossas ações corporais,
comuns entre nós, são potências geradoras e transformadoras da cocriação.
Enquanto tirocinante, improvisadora, intérprete e observadora, pude perceber que o
espaço incerto da improvisação e as experiências em público nos solicitaram
movimentos que nos aproximassem das pessoas, que gerasse uma ação afetuosa,
de preferência. As ações corporais foram recorrentes durante essas experiências: se
deslocar, sentar, tocar, sorrir, ações que todos sabem como fazer, que todos podem
retribuir da sua maneira.
Apresentamos nossos indícios e considerações abertas:
As ações corporais não são ações meramente mecânicas, são definidas de
maneira não dualista, vista enquanto ação integrada, corpomente;
Por serem ações que se tornam amplamente padronizadas, solicitam
experiências que trabalhem a atenção;
Por serem ações comuns nos aproximam do outro;
115

As categorias apresentadas por Laban auxiliam no desenvolvimento de aulas


e abordagens sobre ações corporais de maneira qualitativa;
O estudo dos fatores e qualidades de movimento potencializam a descoberta
de novas possibilidades cocriativas em ações que já sabemos fazer;
É favorável que essa aproximação aconteça sob domínios de ação presentes
no amor: compartilhamento, cooperação, aceitação;
Nos espaços públicos, a probabilidade de alguém dançar conosco era
evidente quando propúnhamos ações corporais que elas podiam fazer também.
Nem todos sabemos fazer as mesmas ações corporais. Considerando faixa
etária, contexto, limitações, domínios de ação, entre outros tantos fatores, cada ação
será feita de uma maneira, a cada momento. Apesar de serem comuns, nada têm de
homogêneas, cada ação tem sua especificidade. Andar de diferentes modos,
observar como andamos sob determinadas emoções ou situações, observar como
as outras pessoas andam. Tudo isso pode ser material para Dança, todo movimento
pode ser material para Dança, o movimento é seu espaço de acontecimento, nosso
comum heterogêneo.
Portanto, o estudo das ações corporais viabiliza a compreensão do vínculo,
da cocriação entre as pessoas. Por meio de um diálogo dançado este estudo
possibilita entender que antes da Dança ser sobre algum assunto ou temática
específica, ela já trata do corpo e seus vínculos corpo/outro corpo, corpo/outros
corpos, corpo/ambiente, corpo/contexto. A relevância em estudar ações comuns a
todos é considerada uma maneira de promover um ensino/aprendizagem do
movimento que não necessariamente esteja condicionado a uma técnica específica.
Essas ações e suas inúmeras possibilidades cocriativas podem fomentar o exercício
da coletividade e da escuta, da alteridade, do afeto, pelo seu sentido de serem
comuns a todos. Talvez o incentivo a um estudo do movimento através do que já
conhecemos, seja uma maneira mais acessível de entrar em contato com o outro,
independentemente de sua formação acadêmica ou técnica, seja dançarino ou não,
criando um espaço cocriativo onde as experiências se acomodem de acordo com
aquilo que cada um é/está e no momento no qual cada um está, a partir do que cada
um pode fazer.
Aos que ficaram até aqui, nessa compilação de afetos, gratidão.
116

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