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Resumo: a proposta desta comunicação é definir conceitualmente o intérprete schenkeriano e verificar quais
as implicações do conceito de coerência orgânica para a interpretação de obras musicais. Ao final do artigo,
realizamos uma análise schenkeriana do prelúdio BWV 927 de J. S. Bach, procurando relacionar aspectos
formais revelados pela análise com as escolhas interpretativas que se colocam para o intérprete.
Abstract: our purpose in this paper is the conceptual definition of the Schenkerian Performer and the
importance of the concept of Organic Coherence for the art of performance. We realized a Schenkerian
Analysis of the Prelude BWV 927 of J. S. Bach, trying to relate formal features and interpretative choices.
1 – Introdução
“Freedom of opinion, freedom to perform! The more ability man possesses, the more freedom does he also have.”
(Schenker, The Masterwork in Music, v.I, 1994, p.117)
Nossa pesquisa tem como objetivo uma avaliação crítica da obra de Heinrich
Schenker (1868-1935) e abrange diversos aspectos de seu pensamento, desde os
fundamentos filosóficos de sua teoria aos processos composicionais que servem de suporte
para a análise. Nesta comunicação limitaremo-nos ao estudo do conceito de organicidade e
suas implicações para a atividade do intérprete. Nesse caso, não estamos pensando na
análise como um fim em si, mas como uma ferramenta para o instrumentista, que pode
encontrar ali um elemento estruturador da interpretação. Acreditamos que o tipo de análise
que Schenker propõe é particularmente interessante para o intérprete pela aproximação que
promove dos processos composicionais através do contraponto e da harmonia. Há que
considerar ainda a ênfase de Schenker no repertório dos séculos XVIII e XIX, base da
formação do instrumentista erudito.
2 – Coerência Orgânica
"Os princípios da condução das vozes, organicamente fundados, permanecem os mesmos no nível
fundamental, nível intermediário e nível externo, mesmo quando ocorrem transformações. Neles está
baseado o mote do meu trabalho, semper idem sed non eodem modo (sempre o mesmo, mas nunca do
mesmo modo). Nada de novo deve ser esperado (...), nada realmente novo se manifesta: tudo o que
testemunhamos é uma sucessão de transformações." (ibid, p.6)
"Uma interpretação, fundada nas noções de nível fundamental, nível intermediário e nível externo pode
empregar uma enorme variedade de cores. Até mesmo as mais ricas e variadas fontes da interpretação
musical podem ser ensinadas - e aprendidas - com enorme exatidão. Por outro lado, o compromisso
com o nível fundamental, o nível intermediário e o nível externo exclui toda e qualquer interpretação
pessoal arbitrária" (SCHENKER, 1979, p.xxiii)
Portanto,
"A interpretação [performance] de uma obra musical pode basear-se apenas na percepção da coerência
orgânica desta obra. (...) O instrumentista que tem consciência da coerência de uma obra encontrará
meios interpretativos que possibilitam tornar essa coerência audível. Aquele que executa desta forma
tem o cuidado de não destruir as progressões lineares; uma vez destruídas, nossa participação [como
ouvintes] seria interrompida. Tampouco ele irá superestimar o valor da barra de compasso, que não
indica nem as progressões nem sua direção. Consequentemente, o conceito de nível fundamental, nível
intermediário e nível externo tem uma importância prática decisiva para a interpretação" (ibid, p.8)
3 – Forma e Organicidade
"um poema ou mesmo uma outra obra de arte resulta da Idéia do todo e não pode ser composta de uma maneira meramente atomística."
(Schlegel, Philosofie der Sprache und des Wortes. KA, XVIII, P.367-368 in Suzuki, 1998, p.205)
"Ao conceito de forma sonata, conforme os teóricos ensinaram até hoje, falta precisamente o principal
- a noção de organicidade - que determina o surgimento das vozes a partir da unidade da tríade
fundamental, i.e., o desdobramento da Urlinie e o arpejamento do baixo. A percepção desta
característica do acorde fundamental é privilégio dos gênios, que a Natureza graciosamente lhes
concedeu. (...) Tal sentimento não pode ser alimentado artificialmente; em outras palavras, somente a
criatividade baseada na improvisação pode garantir a unidade do processo composicional. Portanto, o
conceito de forma sonata, para fazer jus ao geral, deve incluir o seguinte: o todo deve originar-se da
improvisação, caso contrário trata-se apenas de uma mera colagem de partes independentes e motivos,
segundo um conjunto de regras." (SCHENKER, 1996, p.23)
1
Schenker, assim como os românticos, aprendeu a "lição kantiana que liga gênio e totalidade orgânica."
(SUZUKI, Marcio. O Gênio Romântico – Crítica e História da Filosofia em Friedrich Schlegel, São Paulo:
Iluminuras, 1998, p.6)
improvisa.
"(...) para conceber algo [a nível de interpretação] que se equipare ao plano mais elevado da
criatividade musical, é necessário o conceito de um espírito genial que, criado secretamente a partir do
nível fundamental de uma Ursatz, domina todos os arpejos dos muitos acordes individuais e todas as
diminuições das progressões lineares.
O intérprete que não consegue perceber o nível fundamental da obra e ainda não
descobriu o seu próprio fundamento (background) é duramente criticado por Schenker:
"Aqueles que buscam temas e melodias na sonata, como se buscassem momentos de prazer na vida,
estão assumindo uma posição baseada num modo de vida vulgar da vida cotidiana. O leigo aspira por
melodias em busca de gratificação imediata. (...)
"As chamadas melodias, temas e motivos dos teóricos anteriores não apontam o caminho para a forma
sonata. Aquilo que deveria ser compreendido como motivos-diminuições da forma sonata foi
apresentado nos exemplos acima, juntamente com muitos outros. Estes consistem, independentemente
do escopo da obra, em arpejamentos, acoplamento de oitavas e unidades em níveis mais altos,
estabelecidas por repetição, como, por exemplo, as notas vizinhas [bordaduras] nas figuras 3 e 5 e nas
figuras 4h e 4g, e assim por diante. Porém, sem uma compreensão dos motivos neste sentido, o escopo
e a abrangência da improvisação, a única capaz de criar coerência orgânica na forma sonata, jamais se
realizaria." (ibid, pp.29 e 30)
“Para o intérprete a linha fundamental [Urlinie] é, acima de tudo, um meio de orientação, da mesma
forma que o mapa de uma trilha para o montanhista; assim como o mapa da trilha poupa ao escalador a
necessidade de levar em consideração cada encruzilhada, cada pedra e cada pântano, assim também a
linha fundamental escusa o intérprete de atravessar cada diminuição do nível externo.” (SCHENKER,
1994, p.109)
Schenker observa, no entanto, que o intérprete não deve induzir o ouvinte à percepção
da linha fundamental simplesmente eliminando as diminuições que a encobrem. É
justamente por meio das diminuições que o compositor confere individualidade e caráter a
sua obra, ainda que em níveis mais profundos elas não estejam presentes.
“Palavras não podem expressar a extraordinária qualidade de uma interpretação que [re-]cria as
progressões lineares e diminuições a partir da linha fundamental! Mas onde se pode ouvir tal
interpretação? Podemos esperar encontrá-la hoje, quando o ouvido do intérprete falha até mesmo em
variações sobre um tema, isso sem mencionar as complexas diminuições que, nas obras dos mestres,
ultrapassam os limites da variação, no curso dos movimentos de sonata e rondó?” (ibid)
No artigo sobre a Organicidade na Fuga, Schenker inicia com uma longa citação de
Schumann e a escolha deste autor não é casual. As atividades de compositor, editor
musical, editor literário, a formação abrangente, que incluía de Jean Paul e Hoffman a
Schlegel, conferem à produção crítica de Schumann brilho, profundidade e alcance
dificilmente encontrados em outros autores. Seu artigo sobre as fugas de Mendelssohn trata
justamente da distância existente entre as regras propostas pelos métodos escolásticos que
ensinam a compor fugas, o de Marpurg, por exemplo, e aquilo que se pode verificar nas
fugas de Bach. Schumann comenta ainda que obras criadas a partir desses métodos são
caricaturas grotescas de uma arte que se perdeu no passado. Mendelssohn, entretanto, teria
conseguido realizar algo menor, porém digno, em seus Prelúdios e Fugas op.35.
Schumann aponta três atitudes básicas diante das fugas: a primeira é a do ouvinte
que repudia essa forma, fugindo sempre que possível da execução deste tipo de obra; a
outra é a do estudante de composição que se baseia nos tratados e, por conta disso,
considera as fugas de Bach, Beethoven e Haendel imperfeitas porque demasiadamente
livres; por fim, Schumann se confessa partidário de uma terceira atitude, a daqueles que se
“deliciam por horas nas fugas de Bach, Beethoven, Haendel” (SCHENKER, 1996, p.31) e
que não acreditam que, no presente, seja possível voltar a compor fugas. Todavia, ele
reconhece o valor relativo das fugas de Mendelssohn, que ele compara a singelas “flores”,
se consideradas ao lado das “florestas de carvalhos gigantes” que Bach cultivou. Schenker,
aproveitando esta imagem, dirá que Marpurg, com sua visão estreita, baseada em regras
artificiais, “não tem noção da ‘flor’ que Schumann viu.” (ibid, p.32) Ele diz ainda que a
fuga, “assim como todas as outras formas de vida, segue seu próprio curso.” A variedade de
imagens orgânicas que Schenker utiliza é marcante: ele fala em “organismos fugais”,
explica que a “vida da tríade” (ibid, p.34) decorre do desejo ou da necessidade desta
manifestar sua vida na dimensão horizontal e aponta a existência de “harmonias naturais”
que emergem do nível fundamental no momento da criação e das quais, por sua vez, brotam
as melodias que ornamentam o nível externo. (ibid, p.35) Nesta visão da música como
entidade orgânica, a percepção da unidade viva que é uma fuga contrasta com outras
interpretações analíticas:
"Como pode tal interpretação [a de Bruyck] e outras do mesmo tipo diferir tão absolutamente da
minha? Será que a diferença está apenas na terminologia, ou estará para além desta ou daquela 'teoria'
e depende de um modo completamente diferente de escuta? Um autor escuta três seções; eu, apenas
uma. Outro ainda escuta notas vibrando, intensificação e efeito poético; eu ouço uma linguagem
racional de sons, mais racional do que a própria linguagem falada. E, se aplicada à fala, poderá alguém
conceber tal diferença nos modos de escuta? Deixo que o leitor tire suas próprias conclusões." (ibid,
p.53)
“existem diversas abordagens que podem ser úteis para se tentar descobrir a essência da música,
inclusive aquelas baseadas na emoção e no caráter. Entretanto, se o entendimento [racional] não está
presente ali, o caráter [da música] permanecerá num nível superficial e Schenker é um dos poucos
autores que trata dos fundamentos contrapontísticos e harmônicos da música, ou seja, naquilo em que
ela se baseia
(…)
Até mesmo o compositor está sujeito a outras leis – às leis da música, leis da consonância e
dissonância, suas relações, suas preparações e suas resoluções; sujeitar-se a estas leis não é algo
subjetivo.” (RINK, 2001)
Perahia afirma não utilizar modelos formais tais como “forma sonata” na
abordagem das obras que executa. Segundo ele, em se tratando de repertório tonal, a chave
está na estrutura funcional da própria tonalidade.
Numa primeira redução da obra, podemos notar a subida inicial que conduz do
quinto até o primeiro grau Fá (c1-2) e, após insistir na repetição desta nota (c.3), prossegue
terceiro grau melódico, a nota Lá (c.4). Este é valorizado por uma dupla appoggiatura,
superior e inferior, que se configura como um momento particularmente expressivo no
contexto desta primeira frase. Do ponto de vista da harmonia, constata-se a permanência da
Tônica, o que se confirma pelo pedal do baixo sobre o grau I durante os três primeiros
compassos e pela resolução cadencial sobre a tônica no quarto compasso.
figura 1
A partir do Fá na voz do soprano, no último tempo do compasso 10, tem início uma
descida até o terceiro grau melódico no segundo tempo do compasso 13, coincidindo com
uma resolução na tônica no baixo. Esta resolução no tempo fraco do compasso tem caráter
provisório e uma nova subida melódica conduzirá, uma vez mais, ao terceiro grau melódico
no registro agudo (c.14), o mesmo que havia sido alcançado no início da peça (c.4),
configurando-se, portanto, uma nova transferência de registro sobre a nota lá.
A semelhança deste trecho com o início da peça (c.4) é reforçada pela repetição
enfática da appoggiatura temática. O mesmo desenho será repetido pelo contralto, que
ajuda a prolongar o segundo grau melódico até a resolução final.
2
O conceito de registro obrigatório implica no reconhecimento do grau melódico inicial (Kopfton) e sua
resolução na nota fundamental dentro do limite da oitava.
figura 2
Conclusão
Schenker deixa bem claro que o conhecimento das notas tais como se apresentam
na partitura é insuficiente pois impede que o executante expresse o conteúdo verdadeiro da
composição. Ao mesmo tempo, o autor justifica a necessidade do estudo aprofundado, pois
discute a tarefa do pianista como sendo mais complexa do que a do violinista ou cantor,
dada a multiplicidade de vozes contidas em um única voz como é o caso a peça analisada
nesse trabalho (SCHENKER, 2000, p.7). Portanto, o intérprete schenkeriano levará em
consideração não só os aspectos dos toques, articulações, do pedal, da condução das frases,
enfim todas as exigências de uma execução pautada na mais refinada técnica pianística,
mas pode ainda ampliar o sentido desse termo tão mal compreendido.
Conforme vimos no início desta comunicação, sua formação deverá incluir, além do
estudo da técnica instrumental, as disciplinas de contraponto de baixo cifrado. Somente a
intimidade com os processos de condução de vozes permitirá que ele perceba em toda sua
complexidade a perfeição estrutural das obras primas. A esse respeito, o próprio Schenker
manifesta-se "distorcer a composição no momento da execução é mais fácil do que
preencher todas as árduas condições para uma apresentação apropriada". (ibid, p.3) O autor
deixa muito claro que essas dificuldades podem ser sanadas através do conhecimento
aprofundado das leis que regem a composição visto que o conhecimento superficial da obra
de arte é insuficiente. Schenker exorta a uma busca metódica do conhecimento essencial e
completo das leis que regem a composição. Ele afirma que o conhecimento que possibilitou
ao compositor criar, de uma maneira diferente, vai possibilitar ao executante não só recriar
a composição, mas também aproximar-se do compositor e da realização mais verdadeira de
cada obra de arte. (ibid, p.4)
Referências Bibliográficas
RINK, John “Perahia’s Musical Dialogue”, Musical Times. Winter 2001. FindArticles.com.
30 Sep. 2007. http://findarticles.com/p/articles/mi_qa3870/is_200101/ai_n8934128
ROSEN, Charles, Poetas românticos, críticos e outros loucos, SP: Ateliê Editorial; Editora
da Unicamp, 2004
SALZER, Felix & SCHACHTER, Carl. Counterpoint in Composition – The Study of Voice
Leading, New York: McGraw-Hill Book Company, 1969, p.xix
SCHENKER, Heinrich. Free Composition (Der Freie Satz) – Volume III of New Musical
Theories and Fantasies, 2 v., New York: Longman Inc., 1979
___________. The Masterwork in Music, v.1, New York: Cambridge University Press,
1994
___________. The Masterwork in Music, v.2, New York: Cambridge University Press,
1996
___________. The Art of Performance, New York: Oxford University Press, 2000
Currículo dos autores: Guilherme Sauerbronn de Barros possui graduação em Piano pela
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (1994), mestrado em Música pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro (1998) e doutorado em Musicologia pela
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (2005). Atualmente é professor adjunto
da Universidade do Estado de Santa Catarina, onde orienta trabalhos de mestrado. Tem
vasta experiência como camerista e desenvolve pesquisa nas áreas de análise musical,
estética e interpretação musical.