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RESUMO:

“OLHARES NEGROS”,
DE BELL HOOKS
Na coletânea de ensaios críticos reunidos em ​Olhares Negros ​(2019), bell hooks interroga narrativas e discute a
respeito de formas alternativas de observar a negritude, a subjetividade das pessoas negras e a branquitude. Ela foca
no espectador – em especial, no modo como a experiência da negritude e das pessoas negras surge na literatura, na
música, na televisão e, sobretudo, no cinema –, e seu objetivo é criar uma intervenção radical na forma como nós
falamos de raça e representação. Em suas palavras, “os ensaios de ​Olhares Negros se destinam a desafiar e
inquietar, a subverter e serem disruptivos”.

“Eu não terei a minha vida reduzida. Eu não vou me curvar ao capricho ou à ignorância de outra pessoa.” – bell
hooks

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Elementos do resumo:

1. Pequena introdução sobre bell hooks


2. Contexto em que ​Olhares Negros​ foi escrito
3. Apontamentos iniciais do livro
4. Ideias centrais de ​Olhares Negros
5. Perguntas gerais sobre o livro
6. Perguntas específicas sobre o livro

1. PEQUENA INTRODUÇÃO SOBRE BELL HOOKS:

● bell hooks é uma aclamada intelectual negra, teórica feminista, crítica cultural, artista e escritora. Seu nome
de registro é Gloria Jean Watkins, o uso do pseudônimo bell hooks é uma homenagem a sua bisavó, Bell
Blair Hooks, um legado às mulheres fortes de sua vida. ​O uso das letras minúsculas no nome é um ato
político, para que o foco seja para as suas ideias.

● bell hooks já publicou mais de 30 livros e dezenas de artigos acadêmicos sobre as relações de gênero, raça
e classe, mais especificamente sobre como essas relações são usadas para garantir a perpetuação dos
sistemas de opressão. Entre as influências da autora, além de Martin Luther King, Malcom X e Eric
Fromm, figuram as teorias de educação defendidas pelo brasileiro Paulo Freire.

● De família numerosa – cinco irmãs, um irmão –, pertencente ao que os norte-americanos chamam de classe
trabalhadora, bell hooks usou a própria vida, a vizinhança e a escola como fontes dos seus primeiros
estudos sobre raça, classe e gênero, sempre buscando nesses três elementos os fatores da ​perpetuação dos
sistemas de opressão e dominação​. Seja de brancos contra negros; de homens (mesmo negros) contra
mulheres; de ricos contra pobres.

● Assim como outras mulheres negras, hooks apontou que o feminismo mainstream focava em um grupo
seleto de mulheres brancas, com ensino superior, de classe média e alta, centradas em ideais românticos de
liberdade e igualdade. Ela percebeu que as mulheres negras se encontravam em um dilema: apoiando o
movimento feminista, precisavam abdicar das discussões raciais, e lutando pelos direitos civis estavam à
mercê do patriarcado que o dominava.

2. CONTEXTO EM QUE ​OLHARES NEGROS​ FOI ESCRITO:

● Publicado originalmente em 1992, ​Olhares Negros foi relançado nos Estados Unidos em 2015, e agora, em
2019, finalmente chega ao Brasil.

● Mais do que uma ideia linear de progresso, o século XX mostrou, pelo triunfo do capitalismo e da
tecnociência, que o projeto de modernidade carrega em seu cerne um projeto de perpétua crise que se fez
sentir por todos os terrivelmente outros, não contemplados por uma concepção de humano e humanismo:
negros, indígenas, asiáticos e africanos. Já o século XXI está sendo marcado por uma época de embates da
ordem do imaginário, uma guerra de imagens e signos, por uma sede de representação e visibilidade da
sociedade do espetáculo. Numa sociedade capitalista inundada por imagens – do cinema à publicidade –
como a norte-americana, hooks teve um material extenso para observar, analisar, criticar e imaginar
narrativas alternativas.

● As invenções tecnológicas da modernidade (como, por exemplo: fotografia, cinematógrafo, televisão/vídeo


e imagem da informática) impactaram diretamente a construção do visível, modificaram a cultura e os
sujeitos, constituíram um universo visual congestionado. O apelo à transparência e à visibilidade, a tirania
da vigilância eletrônica (câmeras, imagens a partir de satélites, internet, redes virtuais) reposicionaram
várias questões alusivas à ​função do olhar​ na contemporaneidade.

● Considerando essa nova configuração do mundo, bell hooks se dedica a empreender uma crítica dos
produtos e dispositivos da indústria cultural (filmes, livros, programas televisivos, ícones da cultura pop)
que circulam na atmosfera das trocas comunicativas por força das redes de comunicação e expressão.

3. APONTAMENTOS INICIAIS DO LIVRO:

● Segundo a própria bell hooks, ​Olhares Negros (2019) trata-se de reflexões que levam a questionar os
pontos de vista, as perspectivas que cortam e recortam nossas visões de mundo, principalmente quando as
telas são emolduradas por pessoas negras e pelos signos da negritude. O foco se desloca das práticas
costumeiras que se dedicam a pensar apenas nos bons e maus conjuntos de imagens. Em suma, o livro
volta-se aos ​espectadores​. Talvez um dos maiores objetivos do livro, ao se voltar para o espectador, ​seja
implodir as formas de organização do olhar que esculpiram as pessoas negras e os símbolos da
negritude como objetos que se prestam à espoliação e ao consumo.

● Ao apontar o caráter traumático da experiência colonial, realçando o laço indissolúvel entre dominação e
representação, hooks nos oferece o lugar dos gestos de desobediência, da atitude revolucionária para
elaborarmos em prol da emergência de outras ordens de representação que supõem a adoção de outros
olhares. bell hooks não apenas reivindica uma transformação nos modos de ver, mas questiona que olhar é
esse que vê.

● Cada capítulo do livro se mostra como uma plataforma potente pra fazer surgir outro olhar e outros
sujeitos. Os ensaios críticos reunidos em Olhares Negros (2019) oferecem ferramentas teóricas e práticas
para reescrever a história dos dominados; são gestos de desobediência que representam a luta política de
hooks para ampliar as fronteiras da imagem, são ensaios sobre identidade.
4. IDEIAS CENTRAIS DE ​OLHARES NEGROS:

4.1. TEXTO “INTRODUÇÃO - ATITUDE REVOLUCIONÁRIA”:

● Importância de criar uma linguagem própria.


Sem uma forma de nomear a nossa dor, nós também não temos palavras para articular o nosso prazer. De
fato, uma tarefa fundamental dos pensadores negros críticos tem sido a luta para romper com os modelos
hegemônicos de ver, pensar e ser que bloqueiam nossa capacidade de nos vermos em outra perspectiva, de
nos imaginarmos, nos descrevermos e nos inventarmos de modos que sejam libertadores. Sem isso, como
poderemos desafiar e convidar os aliados não negros e os amigos a ousar olhar para nós de jeitos diferentes,
a ousar quebrar sua perspectiva colonizadora?” (hooks, 2019, p. 32-33)

● Imagens da negritude na era pré-colonial.


Segundo hooks, muito antes da supremacia branca chegar aos Estados Unidos, já havia se construído
imagens da negritude e de pessoas negras que sustentam e reforçam a noção de superioridade racial,
imperialismo político. e desejos de dominação e escravização. Para a autora, da escravidão em diante os
supremacistas brancos compreenderam que controlar as imagens é central para a manutenção de qualquer
esquema de dominação racial.

● Gestos de desobediência.
hooks afirma que, para aqueles que ousam pensar diferente, a questão da raça e da representação não se
restringe a apenas criticar o status quo. É também uma questão de transformar imagens, criar alternativas,
questionar quais tipos de imagens subverter, apresentar alternativas críticas e transformar visões de mundo
afastando-se de pensamentos dualistas acerca do bom e do mau. Abrir espaços para imagens transgressoras
é essencial em qualquer esforço para criar uma transformação. E, se houve pouco progresso, é porque
transformamos as imagens sem alterar os paradigmas, sem mudar as perspectivas e modos de ver.

● Internalização do racismo a partir da representação supremacista.


As formas de representação na sociedade supremacista branca ensinam as pessoas negras a internalizarem o
racismo tão profundamente em nossa consciência coletiva que podemos sentir prazer com imagens de
nossa morte e destruição.

4.2. CAP. 1 “AMANDO A NEGRITUDE COMO RESISTÊNCIA POLÍTICA”:

● Obsessão negra com a branquitude.


hooks chama atenção para a escassez de trabalhos acadêmicos com a temática do auto-ódio dos negros,
examinando as formas como a colonização e a exploração de pessoas negras é reforçada pelo ódio racial
internalizado via pensamento supremacista branco.

● Diferença entre opressores feridos e a dor dos oprimidos.


A autora afirma que muitos workshops para desaprender o racismo focam em ajudar pessoas brancas a ver
que elas também são muito feridas pelo racismo e, portanto, têm algo a ganhar participando da luta
antirracista. Só que, embora de certa forma isso seja verdadeiro, uma construção de solidariedade política
enraizada na vitimização compartilhada não apenas posiciona os brancos novamente no centro como
arrisca obscurecer determinadas maneiras em que a dominação racista impacta a vida dos grupos
marginalizados. A verdade é que muitas pessoas lucram com a dominação dos outros e não estão feridas ou
sofrendo de nenhum jeito que se aproxime da condição dos explorados e oprimidos.

● Negros podem ser preconceituosos, não racistas.


hooks afirma que, ao sugerir que pessoas negras também são racistas, a visão de homogeneidade cultural
tenta desviar a atenção ou criar desculpas para o impacto opressor da supremacia branca. Isso indica que a
cultura permanece ignorante a respeito do que é realmente o racismo e de como ele funciona; mostra que as
pessoas estão em negação. Os sentimentos preconceituosos que algumas pessoas negras têm em relação à
pessoas brancas não estão ligados ao sistema de dominação que não nos confere qualquer poder para
controlar coercitivamente as vidas e o bem-estar das pessoas brancas.

● O “turista cultural”.
A autora alega que andar com pessoas negras e expressar prazer com a cultura negra se tornou “legal” para
as pessoas brancas, mas a maioria delas não sente que esse prazer deveria estar associado a desaprender o
racismo: “Na realidade, existe com frequência um desejo de aprimorar o status do sujeito no universo da
‘branquitude’, ainda que o indivíduo se aproprie da cultura negra”. hooks afirma que o capitalismo “se
apaixonou” pela diferença à medida que a publicidade prospera vendendo coisas que aprimorem nossas
próprias individualidades (como, por exemplo: férias em locais exóticos do “Terceiro Mundo”, refeições
étnicas congeladas, acessórios culturais diferentes etc.). Por isso, faz sentido que pessoas negras ou
não-brancas se autossegreguem com frequência para se proteger desse tipo de interação objetificante do
que hooks chama de “turistas culturais”.

● O destino da crise da identidade negra.


Uma das ironias trágicas da vida contemporânea negra, segundo a autora, é o fato dos indivíduos muitas
vezes focarem-se em obter ganhos materiais, sacrificando suas conexões positivas com a cultura negra e a
experiência da negritude. hooks afirma que, enquanto pessoas negras forem ensinadas a rejeitar sua própria
história cultural como única maneira de alcançar qualquer grau de autossuficiência econômica ou ser
privilegiado materialmente, sempre haverá crise na identidade negra e o racismo internalizado continuará a
erodir a luta coletiva por autodefinição e massas de crianças negras vão sofrer por baixa autoestima.

4.3. CAP. 2 “COMENDO O OUTRO: DESEJO E RESISTÊNCIA”:

● A Outridade como tempero da cultura branca.


hooks demonstra como a fascinação do Ocidente com o primitivo tem a ver com sua própria crise de
identidade, com uma necessidade de demarcar claramente sujeito e objeto: “do ponto de vista do
patriarcado supremacista branco capitalista, a esperança é que os desejos pelo ‘primitivo’ ou fantasias sobre
o Outro possam ser explorados de modo contínuo, e que tal exploração ocorra de uma maneira que reforce
e mantenha o ​status quo​”.

● O sexo como antropofagia do Outro.


Para parte dos brancos, transar é uma maneira de confrontar o Outro, assim como uma forma de se
aprimorar, deixar pra trás a “inocência” branca e entrar no mundo dos “experientes”. Muitos acreditam que
pessoas não-brancas têm mais experiência de vida, são mais mundanas, sensuais e sexuais porque são
diferentes. Conseguir um pouquinho do Outro, nesse caso tendo relações sexuais com mulheres
não-brancas, é considerado um ritual de transcendência, um movimento de se aventurar num mundo em
que a diferença seria transformadora, um rito de passagem aceitável. O objetivo direto não é apenas possuir
o Outro sexualmente: é ser mudado de alguma forma pelo encontro. “Naturalmente” a presença do Outro e
o corpo do “Outro” são vistos como algo existente para servir às finalidades do desejo do homem branco.
Decide-se, portanto, utilizar o Outro como testemunha e participante dessa transformação. E para esses
rapazes brancos, discutir abertamente sobre seus desejos por moças ou rapazes não-brancos é uma
afirmação de pluralidade cultural, como uma mudança progressista de atitude dos brancos em relação às
pessoas não brancas. Eles não veem que estão perpetuando o racismo.

● Nostalgia do primitivismo.
Massas de jovens insatisfeitos com o imperialismo dos Estados Unidos, com o desemprego, com a falta de
oportunidades econômicas, sofrendo da doença pós-moderna da alienação, sem senso de origens e base,
sem identidade redentora, podem ser manipulados por estratégias culturais que oferecem a Outroridade
como apaziguamento. A crise de identidade contemporânea no Ocidente, especialmente vivida pelos jovens
brancos, é amenizada quando o “primitivo” é recuperado pelo foco na diversidade e no pluralismo que
insinuam que o Outro pode fornecer alternativas que deem sentido à vida. Ao mesmo tempo, diversos
grupos étnicos/raciais também podem aceitar essa noção de distinção, de que as histórias e experiências
uma vez vistas como dignas apenas de desprezo podem ser examinadas como reverência. A apropriação
cultural do Outro alivia os sentimentos de privação e de vazio que assaltam a psique da juventude branca
radical que opta por trair a civilização ocidental. Encontros com a Outroridade são claramente marcados
como mais excitantes, mais intensos e mais ameaçadores. O fascínio está na combinação de prazer e
perigo. No mercado cultural, o Outro é codificado como quem tem a capacidade de ser mais vivo,
guardando um segredo que permite a quem ousa e se aventura romper com a anedonia cultural e
experimentar renovação sensual e espiritual.

● A busca ocidental pelo prazer.


É precisamente o anseio pelo prazer que levou o Ocidente branco a sustentar uma fantasia romântica com o
“primitivo” e uma busca concreta pelo paraíso primitivo real, que poderia estar localizado em um país ou
num corpo, um continente escuro ou uma carne escura, percebidos como a encarnação perfeita dessa
possibilidade.

● Capitalização do nacionalismo negro.


O ressurgimento do nacionalismo negro como uma expressão do desejo das pessoas negras de se preservar
contra a apropriação cultural branca indica até que ponto a capitalização da negritude (incluindo a pauta
nacionalista) foi retomada e vendida com uma narrativa atávica, uma fantasia da Outridade que reduz
protestos a espetáculos e estimula um desejo ainda maior pelo “primitivo”. Dado esse contexto cultural, o
nacionalismo negro é mais um gesto de importância que de resistência crítica.

● Rap: a voz do jovem negro na linguagem da dor.


A dor física é difícil de expressar e essa incapacidade de expressão tem consequências políticas. Homens
negros são incapazes de articular completamente e reconhecer a dor em suas vidas. Eles não têm um
discurso público ou um espaço dentro da sociedade racista que lhes permita falar a respeito da sua dor.
Quando jovens negros adquirem presenças e vozes públicas via produções culturais, como tem acontecido
com a explosão do rap, não significa que contem com um veículo que lhes permita articular sua dor. O rap
apresenta narrativas que falam principalmente de poder e prazer, que defendem a resistência ao racismo,
mas apoiam o falocentrismo.

4.4. CAP. 4 “VENDENDO UMA BUCETA QUENTE: REPRESENTAÇÕES DA


SEXUALIDADE DA MULHER NEGRA NO MERCADO CULTURAL”:

● Representações da mulher negra na era escravocrata e na era contemporânea.


A representação de corpos de mulheres negras nas culturas populares contemporâneas raramente criticam
ou subvertem imagens da sexualidade da mulher negra que eram parte do aparato cultural racista do século
XIX e que ainda moldam as percepções de hoje. De Josephine Baker, passando por Tina Turner e Naomi
Campbell, a autora demonstra como o imaginário de uma sexualidade objetificada se encarna nas mulheres
negras que compuseram as diversas esferas do estrelato em diferentes épocas do século XX. O corpo da
sul-africana Sarah Baartman é o paradigma que oferece elementos para reafirmar uma sexualidade e uma
corporeidade desviante ou exótica.

● Cabelos tomam lugar do bumbum como símbolo sexual.


Cantoras negras que alcançaram o estrelato e projetam personas sexualizadas são obcecadas com o cabelo e
projetam nele a sexualidade animalesca. É ironicamente adequado que muitas dessas cabeleiras sejam
sintéticas, construídas artificialmente, da mesma forma que a imagem sexualizada deve evocar. Isso é
essencial para Tina Turner, Diana Ross e Beyoncé, por exemplo.

● Representatividade como estratégia de marketing.


A mudança cultural possibilita que os corpos das mulheres negras apareçam nas revistas de moda, mas não
como registros da beleza da pele escura, mas para chamar atenção para outras preocupações. São
representados para que os leitores percebam que a revista é racialmente inclusiva, ainda que suas matérias
com frequência distorçam esses corpos, contorcidos em posturas estranhas e bizarras, que fazem as
imagens parecerem monstruosas e grotescas. Eles parecem representar uma anti-estética, que zomba da
verdadeira ideia de beleza. Em geral, modelos negras aparecem em fotografias que as fazem parecer menos
com seres humanos e mais com manequins e robôs. Atualmente, modelos negras que não têm o cabelo
alisado são com frequência fotografadas usando perucas lisas; isso parece acontecer em especial no caso de
modelos que têm traços poucos convencionais, como lábios grossos ou a pele especialmente escura, que
não é algo comum de se ver nas revistas. Aliás, no senso de moda contemporâneo pós-moderno, a mulher
negra é o melhor meio para mostrar as roupas, pois sua imagem não tira os méritos do traje: está
subordinada a ele.

4.5. CAP. 11 “REPRESENTAÇÕES DA BRANQUITUDE NA IMAGINAÇÃO NEGRA”:

● Fascinação dos negros com a diferença dos brancos.


As pessoas negras, especialmente as que viveram durante o período histórico da segregação racial legal,
compartilham da mesma fascinação com a diferença que as pessoas brancas expressaram coletiva e
abertamente enquanto viajaram ao redor do mundo em busca do Outro e da Alteridade. Mantiveram de
forma similar uma curiosidade firme e constante em relação aos “fantasmas”, aos “bárbaros” que foram
obrigados a servir. Até mesmo hoje em dia, quando alguns negros imitam brancos (adotando seus valores,
discursos, modos de ser etc.), continuam a observar a branquitude com desconfiança, medo ou mesmo ódio.
É um desejo contraditório de possuir a realidade do Outro, ainda que seja uma realidade que fere e nega,
como uma expressão do desejo de entender o mistério, conhecer intimamente através da imitação, como se
esse conhecimento, usado como uma máscara, um amuleto, pudesse afastar o mal, o terror.

● Choque branco ao ver que pessoas negras pensam criticamente acerca da branquitude.
Geralmente brancos reagem com uma incredulidade ingênua quando pessoas negras avaliam criticamente
(a partir de um olhar etnográfico) a branquitude por acreditar que essa forma de olhar, que destaca a
diferença, subverte a crença liberal de uma subjetividade universal (​somos todos iguais)​ que, pensam eles,
fará o racismo desaparecer. Muitos ficam chocados ao ver que pessoas negras pensam criticamente a
respeito da branquitude porque o pensamento racista perpetua a fantasia de que o Outro que é subjugado,
que é sub-humano, não tem habilidade de compreender, de entender, de ver os feitos dos poderosos.

● A invisibilidade do olhar negro na História.


Numa sociedade supremacista branca, as pessoas brancas tendem a imaginar que são invisíveis para
pessoas negras, uma vez que o poder que garantiram historicamente (e que até hoje estabelecem
coletivamente sobre as pessoas negras) concedeu-lhes o direito de controlar o olhar negro. Pessoas brancas
acham fácil imaginar que as pessoas negras não podem vê-las se, dentro do seu desejo, não quiserem ser
vistas pelo Outro de pele escura. Uma marca de opressão era, nos tempos de ​apartheid e escravidão, as
pessoas negras serem obrigadas a assumirem um manto de invisibilidade, apagando todos os traços de suas
subjetividades, para assim serem servos melhores e/ou menos ameaçadores. Negros escravizados, depois
servos libertos poderiam facilmente ser punidos brutalmente por olhar, por parecer observar os brancos
enquanto estavam lhes servindo, pois apenas um sujeito pode observar, ou ver. Para ser totalmente um
objeto, era necessário não ter a capacidade de ver ou reconhecer a realidade. Essas relações de olhar foram
reforçadas conforme os brancos cultivaram a prática de negar a subjetividade dos negros (para melhor
desumanizar e oprimir), relegando-os ao domínio do invisível.

● A teia social da invisibilidade.


Embora a segregação racial não seja mais lei nos Estados Unidos, os hábitos que sustentaram e mantiveram
a supremacia branca institucional permanecem. Uma vez que a maior parte dos brancos não tem que “ver”
pessoas negras (aparecendo constantemente em outdoors, televisão, filmes, revistas etc.), eles nunca
precisam ficar na defensiva nem vigiar as pessoas negras para estar seguros: podem viver enquanto as
pessoas negras são invisíveis, e podem até imaginar que não existe representação da branquitude na
imaginação negra, especialmente uma que seja baseada na observação concreta ou na conjectura mística.
Pensam que são vistos pelas pessoas negras apenas como querem parecer.

● Não trata-se de uma inversão de estereótipos racistas.


Fala-se especialmente da representação da branquitude como aterrorizante. Sem evocar uma dicotomia
“nós e eles” simplista e essencialista – que sugere que pessoas as negras apenas invertem interpretações
racistas estereotipadas, então o negro se torna sinônimo de bondade e o branco, de maldade. hooks foca-se
na representação da branquitude que não é formada como uma reação a estereótipos, mas que surge como
resposta a uma dor traumática e à angústia que permanecem como consequência da dominação branca
racista, um estado físico que influencia e molda como as pessoas negras “veem” a branquitude.
Estereótipos que os negros mantêm sobre os brancos não são as únicas representações da branquitude na
imaginação negra. Surgem principalmente como reações aos estereótipos que os brancos têm dos negros.

● A sociedade contemporânea e o descarte do racismo.


A ansiedade com que a sociedade contemporânea descarta o racismo, substituindo o reconhecimento dele
por evocações de pluralismo e diversidade que mascaram ainda mais a realidade, é uma reação ao terror.
Isso também se tornou uma forma de perpetuar o terror concedendo-lhe um disfarce, um esconderijo.
Pessoas negras ainda sentem o terror, ainda o associam à branquitude, mas raramente são capazes de
articular as várias formas como somos aterrorizados porque é fácil silenciar diante de acusações de racismo
reverso ou de insinuações de que as pessoas negras que falam sobre como se sentem aterrorizadas pelos
brancos estão simplesmente evocando a vitimização para exigir tratamento especial.

● Mudança nas posições hegemônicas.


O processo de reposicionamento (ou seja: detentores dos discursos hegemônicos aprenderem a ocupar a
posição de sujeito do outro) tem o poder de desconstruir práticas racistas e tornar possível a dissociação da
branquitude com o pavor na imaginação negra. Como intervenção crítica, isso permite reconhecimento de
que o pensamento branco progressista que é antirracista pode ser capaz de compreender a forma como suas
práticas culturais reforçam a supremacia branca sem promover uma culpa paralisante ou negação.

5. PERGUNTAS GERAIS SOBRE O LIVRO:

● De que fala ​Olhares Negros​ (2019)?


Nos ensaios reunidos em ​Olhares Negros (2019), bell hooks propõe uma intervenção radical na forma que
falamos sobre raça e representação, desafiando cada aspecto da iconografia masculina supremacista branca.
hooks ressalta como os discursos transformadores produzidos por pessoas negras que desafiaram as
estruturas racistas foram capazes de resistir e pavimentar o caminho para uma atitude crítica revolucionária.
O livro é um exemplo de como a luta antirracista é capaz de desvendar as estruturas da nossa sociedade e
propor uma tomada de consciência coletiva. Segundo a própria bell hooks: “Nenhum outro livro de crítica
cultural que eu tenha escrito é tão essencial para a nossa compreensão das ligações entre raça,
representação, questões de autodefinição das pessoas negras e a descolonização de todos nós”. Na obra, a
autora trabalha os regimes de visibilidade a que pessoas negras e nativas são sujeitas, e pontua desde o
início de sua narrativa como a representação imagética está associada ao poder e as estruturas raciais e
sexuais da nossa sociedade. Ao mesmo tempo, bell também aborda literatura, música, televisão e cinema,
focando nas representações (muitas vezes errôneas) de negros norte-americanos.

● O que me diz a estrutura de ​Olhares Negros​ (2019)?


bell hooks tem uma escrita sucinta, direta, aprofundada, que mistura experiências pessoais com conceitos
acadêmicos e faz isso de propósito. O objetivo da autora é que a leitura seja exata e compreendida por
todos os tipos de leitores. ​Olhares Negros (​ 2019) tem 356 páginas divididas em 12 capítulos em que a
autora faz apontamentos radicais sobre os regimes de visibilidade e sugere formas alternativas de se
observar a negritude, a subjetividade de pessoas negras e a própria branquitude, como um sistema racial de
supremacia branca – tudo isso sem perder o tom compreensivo e questionador que investiga as narrativas
culturais do ponto de vista do espectador transformado em “outro”, aquele que poucas vezes foi
representado para além do estereótipo.

● Qual o objetivo do livro?


Interrogar criticamente as velhas narrativas sugerindo formas alternativas de contemplar a negritude, a
subjetividade de pessoas negras e, por necessidade, a branquitude. Os ensaios de ​Olhares Negros também
têm o objetivo de inquietar e desviar, sendo disruptivos e subversivos. A ideia é essa: provocar e engajar.

● Quais as principais críticas feitas à hooks?


A escritora sofreu uma série de críticas durante a sua carreira, sendo acusada inclusive por outras
feministas de não ser “acadêmica o suficiente”. Isso porque hooks não se submetia aos padrões tradicionais
da academia, na intenção de tornar o seu trabalho acessível para todos. Daí também seu grande interesse
pela educação – sobretudo pela educação das pessoas negras, historicamente privadas da academia.

6. PERGUNTAS ESPECÍFICAS SOBRE O LIVRO:

● Já não há um excessivo número de obras e críticas sobre a representação equivocada dos negros nos
órgãos midiáticos? Para que mais um livro como ​Olhares Negros​ (2014)?
Segundo bell hooks, há, de fato, um corpus crescente de crítica cultural que explora e desconstrói a
associação entre o auto-ódio internalizado pelas pessoas negras e o consumo constante de representações
odiosas, em especial nos domínios da cultura popular. Só que, apesar da existência desses trabalhos, que
estimulam todos a se manterem criticamente vigilantes em relação às imagens das quais nos cercamos, as
imagens que consumimos na mídia de massa continuam a apresentar ao público global as mesmas velhas
representações prejudiciais. Ironicamente, embora muitas pessoas negras tenham se tornado produtoras,
diretoras e roteiristas, muito do que elas produzem segue os mesmos padrões da cultura dominante
imperialista, supremacista branca, capitalista e patriarcal. hooks afirma: “Nós, que militamos em favor da
causa antirracista, continuamos insistindo que a supremacia branca e o racismo não terão fim enquanto não
houver uma mudança fundamental em todas as esferas da cultura, em especial no universo de criação de
imagens. (...) Infelizmente, parece que não só houve pouco progresso em relação às questões de raça e
representação, mas se aumentou a quantidade de mensagens odiosas. (...) A ausência de mudanças
progressistas gerais na representação racial torna um livro como ​Olhares Negros​ atual, necessário”.

● Por que ainda há resistência das pessoas em acreditarem que as imagens reproduzem estereótipos?
Muita gente resiste à ideia de que as imagens têm uma intenção ideológica. Isso também é verdade para o
público negro. Um questionamento crítico implacável às vezes é a única prática capaz de perfurar a barreira
de negação que os consumidores de imagens constroem para não ter que encarar o quanto o mundo real da
criação de imagens é político (e que a política de dominação influencia a forma como a grande maioria das
imagens que consumimos é elaborada e comercializada). Grande parte das pessoas negras não quer pensar
criticamente sobre os motivos pelos quais são capazes de sentar no escuro do cinema e sentir prazer com
imagens que ridicularizam e zombam da negritude. É por isso que os ensaios de ​Olhares Negros se centram
nos espectadores. Ainda nesse raciocínio, hooks faz um paralelo com Pecola, no romance O Olho Mais
Azul, de Toni Morrison: “as pessoas negras se afastam da realidade porque a consciência é dolorosa
demais. No entanto, só nos tornamos mais conscientes quando começamos a ver com clareza”.

● De que forma os sujeitos negros recriam o olhar colonial?


Segundo a própria autora: “A mercantilização da negritude criou um contexto social em que a apropriação
por pessoas não negras da imagem negra não conhece fronteiras. E se as muitas pessoas não negras que
produzem imagens ou narrativas críticas sobre negritude e negros não interrogam sua perspectiva, então
eles podem simplesmente recriar o olhar imperial – o olhar que procura dominar, subjugar e colonizar. (…)
As formas de olhar devem ser fundamentalmente alteradas. Elas devem ser capazes de envolver-se na luta
militante pelos negros para transformar a imagem. Como uma intervenção radical, devemos desenvolver
atitudes revolucionárias sobre raça e representação”.

● Para hooks, qual o poder do olhar?


No texto “The Oppositional Gaze: Black Female Spectators”, hooks afirma: “Ao pensar sobre as
espectadoras negras, lembro de que fui punida na infância por ficar encarando, pela forma firme e direta
com que as crianças olham para os adultos, olhares que eram vistos como confrontação, gestos de
resistência, desafios à autoridade. O ‘olhar’ sempre foi político na minha vida. Imagine o terror que a
criança sente quando, após repetidas punições, vem a entender que o olhar pode ser perigoso. A criança que
aprendeu tão bem a olhar para o outro lado quando preciso. No entanto, quando punida, os pais lhe dizem:
‘Olhe para mim quando falo com você!’. Só que a criança tem medo de olhar. Tem medo, mas é fascinada
pelo olhar. Há poder em olhar. Fiquei impressionada quando li nas aulas de história pela primeira vez que
os donos de escravo brancos (homens, mulheres e crianças) puniam os negros escravizados por olhar;
perguntei-me como essa relação traumática com o olhar havia influenciado os negros como espectadores, e
na criação de seus filhos. A política da escravidão, das relações de poder racializadas, eram tais que aos
escravos era negado o direito de olhar. Ao conectar essa estratégia de dominação àquela usada pelos
adultos nas comunidades rurais negras do sul, onde cresci, foi doloroso pensar que não havia diferença
alguma entre os brancos que haviam oprimido os negros e nós mesmos. (...) Desde que soube na infância
que o poder dominador que os adultos exerciam sobre mim e o meu olhar nunca era tão absoluto a ponto de
eu não ousar olhar, espiar, encarar perigosamente, eu soube que os escravos haviam feito o mesmo. Que
todas as tentativas de reprimir o poder nosso/das pessoas negras de olhar havia produzido em nós uma
ânsia avassaladora de olhar, um desejo rebelde, um olhar opositivo. Ao termos coragem de olhar, nós
desafiadoramente declaramos: ‘Eu não só vou olhar. Quero que meu olhar mude a realidade’”.

● E de que forma o olhar pode ser um meio de resistência?


Espaços de agenciamento existem para as pessoas negras, dentro dos quais podemos tanto interrogar o
olhar do Outro, mas também olhar para trás, e para nós mesmos, nomeando o que vemos. O “olhar” foi e é
um lugar de resistência para o povo negro colonizado ao redor do globo. Os subordinados em relações de
poder aprendem com a experiência que existe um olhar crítico, que “olha” para documentar, que é
opositivo. Na luta pela resistência, o poder do dominado para garantir o agenciamento ao reivindicar e
cultivar a “consciência” politiza as relações “do olhar” – aprende-se a olhar de um certo modo para resistir.
Quando a maioria dos negros nos Estados Unidos tiveram pela primeira vez a oportunidade de ver filmes e
programas de TV, eles o fizeram perfeitamente conscientes de que a mídia de massa era um sistema de
conhecimento e poder que reproduzia e mantinha a supremacia branca. Ver televisão, ou filmes comerciais,
envolver-se com suas imagens, era envolver-se com a negação da representação negra. Foi o olhar
opositivo que respondeu a essas relações do olhar ao desenvolver o cinema negro independente. Os
espectadores negros do cinema e da televisão convencionais puderam traçar o progresso dos movimentos
políticos pela igualdade racial via a construção de imagens, e assim o fizeram.

● O espectador é poderoso, portanto?


Sim. Ao escrever sobre as relações do olhar negro em ​Black British Cinema: Spectatorship and Identity
Formation in Territories​, Manthia Diawara identifica o poder do espectador: “Cada narração coloca o
espectador em uma posição de agenciamento; e a raça, a classe e as relações sexuais influenciam o modo
como essa subjetividade é preenchida pelo espectador”. Ele dedicou atenção especial aos momentos de
“ruptura”, quando o espectador resiste à “completa identificação com o discurso do filme”. Essas rupturas
definem a relação entre os espectadores negros e o cinema dominante anterior à integração racial. Assim, o
prazer de alguém com um filme no qual as representações de negritude eram estereotipicamente
degradantes e desumanizantes coexistiam com a crítica prática que restabelecia a presença onde ela havia
sido negada.

● E de que forma o olhar do espectador negro pode ser libertador?


Os olhares negros críticos e questionadores estavam principalmente preocupados com questões de raça e
racismo, e a forma como a dominação racial dos negros pelos brancos sobredeterminava a representação.
Raramente se preocupavam com gênero. Os espectadores negros podiam repudiar a reprodução do racismo
no cinema e na televisão, a negação da representação negra, ao mesmo tempo em que tinham a sensação de
que estavam se rebelando contra a supremacia branca ao ousarem olhar, ao se comprometerem com
políticas falocêntricas de espectatorialidade. Dadas as circunstâncias da vida real pública em que o homem
negro era assassinado/linchado por olhar para uma mulher branca, nas quais o olhar negro estava sempre
sujeito ao controle e/ou à punição pelo poderoso Outro branco, o campo privado das telas de televisão ou
das salas de cinema podiam libertar o olhar reprimido. Ali, eles podiam “olhar” para as mulheres brancas
sem a supervisão, a interpretação e a punição da estrutura dominante sobre o seu olhar..

● Como o cinema exclui a representação das espectadoras negras?


Com a possível exceção dos primeiros ​race films,​ as espectadoras negras tiveram de desenvolver relações
de olhar com o contexto cinematográfico que constrói nossa presença como ausência, que nega o “corpo”
da mulher negra com o intuito de perpetuar a supremacia branca e, com ela, a espectatorialiade falocêntrica
na qual a mulher a ser olhada e desejada é “branca”. (Filmes recentes não se encaixam nesse paradigma,
mas estou me voltando ao passado com a intenção de traçar o desenvolvimento da espectadora negra).
Mesmo quando as representações da mulher negra estavam presentes nos filmes, nossos corpos e seres
estavam lá para servir – para fortalecer e manter a mulher branca como objeto do olhar falocêntrico.

● De que forma as espectadoras negras se posicionam em relação à representatividade no cinema?


Após falar com espectadoras negras, e ler discussões escritas tanto na ficção quanto em ensaios acadêmicos
sobre a mulher negra, hooks percebe a conexão feita entre o campo da representação na mídia de massa e a
capacidade das mulheres negras de se construírem como sujeitos na vida diária. O quanto as mulheres
negras se sentem desvalorizadas, objetificadas, desumanizadas nesta sociedade determina o escopo e a
textura de suas relações de olhar. Essas mulheres negras cujas identidades foram construídas na resistência,
por práticas que se opõem à ordem dominante, eram as mais inclinadas a desenvolver um olhar opositivo.
Agora que existe um interesse cada vez maior nos filmes produzidos por mulheres negras, e esses filmes se
tornaram mais acessíveis ao público, é possível falar sobre a espectadora negra em relação a esse trabalho.
O olhar crítico da espectadora negra surge como um local de resistência só quando as mulheres negras
individualmente resistem de forma ativa à imposição de formas dominantes de saber e olhar. Embora cada
mulher negra com quem eu falei estivesse ciente do racismo, essa consciência não correspondia
automaticamente à politização, ao desenvolvimento do olhar opositivo. Quando isso ocorria, as mulheres
negras individualmente nomeavam o processo. Fazemos mais do que resistir. Criamos textos alternativos
que não são apenas reações. Como espectadoras críticas, as mulheres negras participam de uma ampla
gama de relações de olhar, contestação, resistência, revisão, interrogação, e invenção em inúmeros níveis.
Ao olharem e olharem de volta, as mulheres negras se envolvem em um processo por meio do qual vemos
nossa história como uma contramemória, usando-a como uma forma de conhecer o presente e inventar o
futuro.

● Em que medida o debate promovido pelo livro da bell hooks não é especificamente norte-americano?
Como pode ser transferido para a realidade brasileira?
É claro que as experiências estadunidenses são diferentes das nossas, mas a gente também pode aprender
muito com as trajetórias de lá. O livro da bell hooks é um clássico e, por ser um clássico, permite que se
fale a partir de uma perspectiva muito diferente da demonstrada na obra pois ele ilumina uma questão que é
geral. E eu diria que não é um problema estadunidense porque a bell hooks vai trabalhar com a imagem da
representação da destituição do olhar de todos os escravizados, então é um livro que pensa toda a diáspora
africana. Então se você pensar, a gente pode dizer “ah, os exemplos são estadunidenses”, mas é esse o lugar
que ela vê o mundo. Agora, dos exemplos que ela dá, ela apresenta chaves explicativas, analíticas e práticas
pra pensar esse fenômeno que é comum a todos os escravizados de pele negra da escravidão transatlântica:
como a subjugação do olhar aconteceu? Então eu acho que a gente nem pode enveredar por esse caminho.
Não é que a gente vá transportar um exemplo ao outro. O problema não são os exemplos, o que importa
para além dos exemplos é como eles podem servir de base para uma dinâmica que é a mesma no Brasil,
que é a mesma em Barbados, que é a mesma em qualquer país que sofreu escravidão. Eu lembro quando
teve a ascensão do rap entre os negros brasileiros e diziam que era uma coisa norte-americana. Só que não,
é ​nosso​. Porque é de todos os negros da diáspora, é uma experiência ​comum (até porque se fosse por isso o
samba não seria brasileiro, o samba seria africano).

● Poderíamos afirmar que já está acontecendo uma mudança de representação das negritudes na
mídia brasileira?
As indústrias criativas e culturais, para além de perpetuar racismo nas imagens, também continuam se
apropriando da negritude de forma desrespeitosa, sem um engajamento real com a luta anti-racista e sem ao
menos questionar seu papel, importância e responsabilidade. Para a indústria da moda parece ainda mais
difícil aprender com seus repetidos erros e mudar a linguagem que oprime mulheres. Mas encarar os
fantasmas é a única forma de transcender as estruturas atuais. Então o que é que mudou? De fato, muitas
coisas mudaram. Por exemplo: nós temos muito mais conjuntos de imagens. E agora a gente tem um
desafio maior porque os racistas reagiram e reagiram das piores formas: matando do ponto de vista
corpóreo (a mortalidade da juventude negra está aumentando cada vez mais) e também reagiram do ponto
de vista simbólico, das imagens (com o que a gente vê em cada filme, em cada representação). Todos os
dias o governo nos diz “bem vindos ao século XIX”. Então eu acho que esse “bem vindo ao século XIX”
tem uma dimensão racial pois esse retorno se dá por meio de tensões e brigas.

● Em que medida a discussão promovida por hooks não é muito estetizada? A representação não fica
um pouco desequilibrada em relação à política, ao social?
É preciso lembrar que, na concepção de hooks, a estética é política. A representação significa partilha do
sensível. O que se diz quando se fala em partilha do sensível: é que cada um de nós teria a possibilidade de
partilhar o comum e ser sujeito dos destinos de uma coletividade. Isso, mais do que a noção corrente de
estética (que é a arte do belo), é uma operação estética, isso é estetização. Portanto, chamar a obra de bell
hooks como muito estetizante não é nenhum demérito se a gente tomar estética no seu sentido radical. Será
demérito se a gente achar que estética é reducionista, apenas a arte do belo. Mas se a estética for tomada no
seu sentido político, radical, dessa partilha do comum. É pela estética que o jogo político se decide, é pela
estética que se tem corpos ministeriais só com homens brancos, é pela estética que se diz que meninos
usam azul, meninas usam rosa; é ela que aciona qualquer proposta e ação política.

● O que torna bell hooks tão essencial para uma discussão social?
bell hooks é uma feminista, negra, estadunidense, que vem pautando não só questões do feminismo negro,
mas aquelas para pensar uma outra teoria social e política, as pessoas, as nossas subjetividades. Ela e sua
obra caleidoscópica são essenciais em um tempo como o nosso, em que todo o tradicionalismo e o saber
ocidental macho-branco-hétero não comporta mais as emergências de novas subjetividades. Existe uma
reivindicação histórica das mulheres negras do que é o saber e do que é o conhecimento. Racismo,
feminilidades, masculinidades, crítica cultural, educação, descolonização, são tratados por ela de uma
maneira extremamente sensível e acessível, raridade em textos teóricos. Isso amplia e incentiva o acesso ao
tema por parte de pesquisadores, militantes, artistas e todos aqueles que já estão refletindo sobre racismo,
feminismo e descolonização no país. Quando bell nos convoca à reflexão, ela nos propõe uma nova forma
de fazer teoria, ação política, porque, veja, a experiência escravocrata no mundo afetou negros e brancos,
todos nós estamos marcados pela tragédia da escravidão. Se a gente não consegue pensar no capitalismo
hoje pensando também na escravidão, nós não sabemos pensar o capitalismo. Ela nos leva, inclusive, a
entender o presente e suas mazelas a partir do que é o nosso passado, a nossa história. bell hooks é um farol
para renovarmos não só a ação política como militantes, mas como seres humanos: que tipo de humanidade
queremos defender?

● Curiosidade: de que forma Paulo Freire influenciou o pensamento de hooks?


Assim como o brasileiro Paulo Freire, a escritora defende a pluralidade dos feminismos e compreende a
prática pedagógica como um lugar fundamentalmente político e de resistência nas lutas antirracista e
anticapitalista. Neste sentido valoriza todo o tipo de conhecimento e pedagogia, incluindo aqueles que
nascem fora dos ambientes acadêmicos, a partir das práticas cotidianas.

● Curiosidade: por que bell hooks escreve seu nome em letras minúsculas?
Para ela, nada tem mais importância do que as ideias e o conhecimento: “o mais importante em meus livros
é a substância e não quem sou eu”. Por isso, bell hooks escreve seu nome desta forma: somente com letras
minúsculas.

● Qual a relevância de ​Olhares Negros​ (2019) para os estudos da Comunicação?


Olhares Negros (2019) é uma referência obrigatória para os estudos visuais, as teorias da representação e
do reconhecimento e os tratados sobre política global. Nas reivindicações por outras incidências do
imaginário, é preciso requerer que os sentidos e os significantes asfixiados pela lógica da dominação
ganhem vida e circulem socialmente como discurso pois, como bem lembrou o psicanalista Alain
Didier-Weill, “o significante não detém somente o poder de anular o sentido do código, como nos
imprevistos, ele é também a pedra angular que pode ser substituída pelo rebotalho, pela escória: no lugar
onde o real não teve acesso ao simbólico, jaz, prescrito, o significante, que pode voltar e recuperar aquilo
que, um dia, deixou cair.” ​Olhares Negros (2019) é um regresso em busca daquilo que as narrativas
hegemônicas “deixaram cair” ao longo da história. Consolida-se como uma obra que nos impõe um
compromisso ao mesmo tempo epistemológico e ético.

“Não fomos vencidas pela anulação social, sobrevivemos à ausência na novela, no comercial. O sistema
pode até me transformar em empregada, mas não pode me fazer raciocinar como criada. Enquanto
mulheres convencionais lutam contra o machismo, as negras duelam pra vencer o machismo, o
preconceito e o racismo.” – Yzalú

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