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23/09/2019 A era da bestialidade

colunistas

A ERA DA BESTIALIDADE
Das palavras às coisas, o bolsonarismo em ação
FERNANDO DE BARROS E SILVA
25out2018_09h26

A
lguém falou, com razão, que o discurso de Jair Bolsonaro
transmitido ao vivo para seus seguidores na avenida Paulista, no
último domingo, é uma versão atualizada do “Brasil, ame-o ou
deixe-o”, o bordão ufanista criado no período mais sinistro da ditadura a
fim de promover o regime e esconder seus crimes. É muito provável que
o próprio capitão-candidato se orgulhe da comparação. Recolho algumas
frases dessa peça histórica:

“Nós somos a maioria.”

“Nós somos o Brasil de verdade.”

“A faxina agora será muito mais ampla” (se comparada as que foram
feitas pela ditadura e pelo impeachment de Dilma).

“Esses marginais vermelhos serão banidos da nossa pátria.”

“Você vai apodrecer na cadeia” (a “seu Lula da Silva”, como ele se refere
ao ex-presidente).

“O Haddad vai chegar aí também. Mas não será pra visitá-lo, não. Será
para ficar alguns anos ao teu lado.”

“Será uma limpeza nunca vista na história do Brasil.”

“Vocês, petralhada, verão a polícia civil e militar com retaguarda jurídica


para fazer valer a lei no lombo de vocês.”

“Bandidos do MST, bandidos do MTST, as ações de vocês serão


tipificadas como terrorismo. Ou vocês se enquadram ou vão fazer
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companhia ao cachaceiro lá em Curitiba.”

“Sem mentiras, sem fake news, sem Folha de S. Paulo. Nós ganharemos
essa guerra”

L
impeza, faxina, marginais, bandidos, petralhada, cachaceiro, lombo,
apodrecer na cadeia – o vocabulário de Jair Bolsonaro espelha de
modo transparente suas intenções e sua personalidade. Ele fala a
língua da tortura, a língua do extermínio, a língua da porrada. Exagero se
disser que a palavra “lombo” nos remete aos suplícios contra os negros na
época da escravidão?

Fiz questão de apresentar um pot-pourri desse discurso porque seu


alcance foi de certa forma menosprezado. Em parte, isso ocorreu porque,
no livre mercado das atrocidades em curso, no último final de semana
Bolsonaro perdeu a concorrência para o filho Eduardo – o deputado
federal mais votado do país –, que numa palestra falou que bastaria para
fechar o Supremo “um soldado e um cabo”. Gravado meses atrás, o vídeo
veio a público quase ao mesmo tempo em que seu pai saciava os instintos
mais primitivos das pessoas de bem em festa na Paulista.

Se tudo ocorrer conforme o previsto, daqui a quatro dias o homem cujo


ídolo é o torturador Brilhante Ustra estará eleito. A partir de 2019, se
tornará a autoridade máxima da República. Será o comandante supremo
das Forças Armadas, o novo chefe da Polícia Federal. Devemos esperar
uma conversão súbita da bestialidade em sabedoria? Devemos acreditar
que depois da posse seu extremismo cederá terreno à moderação? Que o
terrorismo retórico e as recorrentes ameaças à imprensa, às instituições e
à democracia são só arroubos de candidato? Não será mais realista supor
que as palavras – parte delas, pelo menos – irão se materializar em ações?
Não é isso que as pessoas vestidas de verde e amarelo estão pedindo
quando gritam “mito, mito”? As evidências recomendam que não se deve
subestimar a riqueza escondida no subsolo da alma do brasileiro.
Bolsonaro representa o desrecalque do pior de nós como nação.

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E
le será eleito sem fazer nenhuma concessão, nenhum movimento em
direção ao centro. Pelo contrário, está onde sempre esteve, muito à
vontade na extrema direita, representante genuíno do
obscurantismo raiz. Não participará de nenhum debate, só concedeu e
concederá as entrevistas que bem entender, nas condições que ele mesmo
estabelece. São, invariavelmente, fake interviews. Quase sempre,
Bolsonaro discorre em detalhes sobre a bolsinha que armazena seu cocô.
É uma fixação.

A facada o liberou de fazer qualquer aceno à civilização. Liberou também


as falanges que o circundam a partir antes mesmo da eleição da retórica
para a prática. Afinal, “a vítima foi o nosso capitão”, “a violência não
partiu de nós”.

No dia seguinte ao atentado de Juiz de Fora, um amigo manifestou seu


temor de que o país mergulhasse numa espiral ensandecida de
vinganças, com guerra campal, violência descontrolada, mortes em série.
No primeiro momento isso não aconteceu, pelo menos não dessa forma.
Assim que se definiu que o adversário a abater seria Fernando Haddad,
no entanto, a truculência logo recrudesceu.

Houve o assassinato – tão simbólico – de Moa do Katendê, na Bahia, e


começaram a pipocar pelo país, na internet e nas ruas, as intimidações, as
agressões físicas, os espancamentos, as ameaças de morte. Negros, gays,
travestis, nordestinos, petistas, portadoras do adesivo #elenão, artistas,
intelectuais, ativistas dos direitos humanos – o espectro de pessoas
insultadas, agredidas ou aterrorizadas é imenso. Ele inclui, como se sabe,
jornalistas.

P
atrícia Campos Mello, da Folha, se tornou alvo preferencial desses
grupos depois da reportagem sobre a confecção e distribuição em
massa de notícias falsas, via WhatsApp, financiadas por
empresários apoiadores de Bolsonaro. Recebeu telefonemas anônimos
intimidadores, teve seu WhatsApp invadido, se viu obrigada a desmarcar
um compromisso profissional do qual seria moderadora depois que

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grupos bolsonaristas convocaram sua militância pelas redes sociais para


constrangê-la.

Ela não é a única. O diretor executivo do Datafolha, Mauro Paulino,


também foi ameaçado de morte. Eis o teor de uma mensagem que lhe foi
endereçada na semana passada:

“Discutir e pesquisar democracia, tortura e etc nessa semana é muita


putaria sua seu filho da puta. Merece uma navalha na garganta!
Comunista ordinário e sem vergonha!!! Te dar tiro é desperdício! Você
não vale a bala! Mas só esperar! Bolsonaro vai te foder tanto quanto
merece!

VAGABUNDO!

SUJO!

COVARDE E FACCIOSO!

Eu teria um orgasmo se te desse um belo soco na cara!”

A Polícia Federal, ao que consta, está investigando o caso. É desse tipo de


coisas que estamos falando. Está se esboçando com nitidez no país uma
espécie de novo CCC, o Comando de Caça aos Comunistas que agiu na
ditadura.

É óbvio que num ambiente como esse o exercício do jornalismo


independente está ameaçado. É preciso, ainda assim, evitar a tentação da
estridência – uma reportagem apurada e escrita com zelo técnico e sem
paixão vale mais do que as reações exaltadas. Mas também é preciso ter
discernimento e coragem para chamar as coisas pelo nome.

A Folha, por exemplo, deveria fazer circular um Erramos pela Redação:


“Ao contrário do que dissemos outro dia, Bolsonaro é, sim, de extrema-
direita. Ele nos obrigou a reconhecer isso. Antes tarde do que nunca. Foi
mal.” O secretário de Redação Vinicius Mota, autor do memorando
interno que proíbe os profissionais da casa a identificar o capitão no
extremo do espectro político (ele seria apenas “de direita”), prestaria um

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serviço ao jornalismo se adotasse para si a autocrítica que, com carradas


de razão, cobra do PT.

Mas a Folha, a despeito dessa que é, mais do que um erro conceitual, uma
cegueira histórica, continua sendo o jornal mais arejado e relevante do
país. Isso se deve ao legado de Otavio Frias Filho. Está encarnado na
atuação da ombudsman, se manifesta na publicação de um texto como o
de Nuno Ramos (na seção Tendências/Debates do último dia 23), está
vivo quando Marcelo Coelho escreve uma coluna questionando a posição
editorial do jornal.

“Nunca tivemos um defensor explícito da tortura como candidato – e


disposto a cumprir a promessa. Será romper com o apartidarismo dizer
simplesmente ‘ele não’? E o que significa dizer ‘ele não e o outro também
não’? Será que significa ‘tortura pode ser?’”, perguntou Coelho na
Ilustrada do último dia 17. Está claro que ele reagia, sem que precisasse
dizê-lo explicitamente, ao editorial publicado na primeira página da
Folha em 29 de setembro, uma semana antes do primeiro turno.

Intitulado “A hora do compromisso”, o editorial se esforçava para manter


uma posição de equidistância entre Jair Bolsonaro e Fernando Haddad,
cobrando de ambos “manifestações de submissão ao enquadramento
democrático”, como se representassem ameaças equivalentes ao estado
de direito. O texto, que já nasceu torcido, envelheceu rápido e mal. Não
foram necessários nem trinta dias para que caísse numa espécie de
ridículo – o exercício algo escolar e formalista do apartidarismo ali
vocalizado foi triturado pela escalada da violência nas últimas semanas,
culminando com as palavras de inspiração claramente fascista –
chamemos as coisas pelo nome – proferidas no último domingo pelo
provável futuro presidente do Brasil.

Dizer com todas as letras que ele representa um retrocesso intolerável


não significa condescender com os erros e os crimes praticados pelo PT.
Para que isso ocorra é preciso desviar um pouco os olhos dos manuais e
observar a realidade a fim de ter mais clareza do que está em jogo. De
preferência antes que a bestialidade em gestação se transforme no nosso
novo normal, como aliás não cansa de repetir a imprensa estrangeira,
estupefata com o que estamos conseguindo fazer de nós mesmos.

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23/09/2019 A era da bestialidade

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