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Cultura Religiosa
Cultura Religiosa
F649c
ISBN 978-85-387-3725-4
1. Religião. I. Título.
O fenômeno religioso | 16
Religião e Arte | 16
Religião e Moral | 20
Religião e Ciência | 20
Religião e Filosofia | 21
Religião e Economia | 22
Religião e Educação | 22
As grandes religiões I | 25
Hinduísmo | 25
As grandes religiões II | 33
Confucionismo | 33
Xintoísmo | 38
Taoísmo | 40
Conclusão | 44
Ao final de cada semestre, fico surpreso com a reação dos alunos. A maioria considera a disciplina
muito interessante. É claro, que alguns resistentes ficam indiferentes, pois não tiveram a coragem
de abrir o coração e aceitar conceitos essenciais para se viver uma boa vida.
Trabalho em uma Universidade Confessional, isso significa que a mesma está ligada a uma
Instituição Religiosa. Mas nem por isso queremos impor o que pensamos. Vamos apenas
debater. Se puder ajudá-los com essa reflexão, com certeza o farei.
Você irá encontrar neste livro um panorama de algumas das maiores religiões do mundo.
Notará a pluralidade religiosa e terá uma ideia da riqueza de pensamento e valores das
religiões estudadas.
Nesta caminhada, muitos dos textos têm a participação de professores de Cultura Religiosa
que nesses 15 anos estão ao meu lado. Citamos aqui Ronaldo Steffen, Jonas Dietrich, Valter
Kuchenbecker, Egon Seibert, Ricardo Rieth, Valter Steyer, Thomas Heimann, Nereu Haag e Bruno
Muller. Além desses, não podemos deixar de citar o Capelão Geral da Universidade Luterana do
Brasil, pastor Gerhard Grasel e o Diretor do curso de Teologia da Ulbra, pastor Leopoldo Heimann.
São pessoas que têm ajudado não somente a construir esta trajetória em Cultura Religiosa, como
têm colaborado com o aprofundamento da reflexão e ajudado muitas pessoas.
Você já deve ter passado por alguma experiência religiosa. Se não pas-
sou, alguém ao seu lado já deve ter contado algo que o levou a refletir
sobre o assunto. Aqui, vamos ver que a experiência religiosa é mais rica
do que se imagina, além de ser universal.
Cultura Religiosa –
um tema controverso
Douglas Moacir Flor*
A palavra religião
Afinal, o que é religião? No texto a seguir temos uma definição que poderá ajudá-lo a enten-
der o sentido.
Etimologicamente, o termo religião surge na história da humanidade através dos autores clássicos, como Cícero, Lac-
tânio e Agostinho, respectivamente, nas palavras re-legere, que significa reler, re-ligare, que significa religar, e re-eligere,
que significa reeleger. Todos os conceitos nos dão a ideia de voltar a uma situação anterior, ou seja, ligar novamente a
criatura com o criador. É exatamente esta tentativa de religar com o Ser Superior, através de um conjunto de crenças,
normas, ritos ou costumes, que dá origem às diversas religiões o fenômeno religioso propriamente dito. (KUCHENBE-
CKER, 2000, p. 18)
Apesar de seguidamente ouvir-se que religião é coisa do passado, as menções acima indicam
uma direção contrária. Estão apontando para o fato de que o ser humano preocupa-se com o divino,
aqui entendido no sentido daquilo que ocupa lugar de destaque ou o primeiro lugar na vida.
Conhecimento religioso
Istockphoto.
Batismo.
Mestrando em Educação pela Universidade Luterana do Brasil. Graduado em Teologia pelo Seminário Concórdia – Instituição da Igreja
Luterana do Brasil – e em Jornalismo pela Unisinos. Professor de Cultura Religiosa e Jornalismo na Ulbra.
10 | Cultura Religiosa – um tema controverso
John Fries.
Istockphoto.
Peregrinos no rio Ganges. Monge budista.
Celebração judaica.
Ainda tentando responder o que é religião, podemos dizer que religião é um batismo numa igreja
cristã. É um ritual sagrado nas águas do rio Ganges. É a adoração num templo budista. Pode ser um muçul-
mano ajoelhado e orando para Alá. Ou os mesmos devotos do Islã peregrinando à Meca. Pode ser um judeu
diante do Muro das Lamentações em Jerusalém. São tantas as menções que seria impossível citar todas.
O que pretendemos fazer é ligar os fatos. As ciências da religião procuram responder o que as
atividades citadas acima têm em comum. Nós procuramos, como pesquisadores, investigar os rituais
de uma perspectiva externa. Buscamos semelhanças e diferenças. Queremos entender como se dá o
processo historicamente e o que isso representa para sociedade hoje.
Jostein Gaarder, em seu O Livro das Religiões, nos ajuda a responder à pergunta acima:
Um rápido olhar para o mundo ao redor mostra que a religião desempenha um papel bastante significativo na vida
social e política de todas as partes do globo. Ouvimos falar de católicos e protestantes em conflito na Irlanda do Norte,
cristão contra muçulmanos nos Bálcãs, atrito entre muçulmanos e hinduístas na Índia, guerra entre hinduístas e budis-
tas no Sri Lanka. Nos Estados Unidos e no Japão há seitas religiosas extremistas que já praticaram atos de terrorismo. Ao
mesmo tempo, representantes de diversas religiões promovem ajuda humanitária aos pobres e destituídos do Terceiro
Mundo. É difícil adquirir uma compreensão adequada da política internacional sem que se esteja consciente do fator
religião. (GAARDER, 2000, p. 14)
Além disso, explica Gaarder, um conhecimento religioso também pode ser útil num mundo que
se torna cada vez mais multicultural. Ainda mais quando falamos em globalização, apesar de que o
termo deve ser usado com cuidado. Muitos de nós viajamos pelo Brasil ou mesmo ao exterior, entrando
em contato com as diversas culturas religiosas. Esses povos têm costumes diferentes que devem ser
respeitados pelos seus visitantes. Se uma mulher estiver num país muçulmano, por exemplo, terá que
observar o tipo de roupa que usará nas ruas. É claro que não precisará andar com uma burca, mas terá
que cobrir seu corpo com roupas decentes.
Finalmente, acreditamos que o estudo das religiões pode ser importante para o desenvolvimen-
to pessoal do indivíduo. As religiões podem responder várias das perguntas existenciais que fazemos,
como: de onde viemos? o que somos? para onde iremos?
Este é um dos pontos mais importantes na nossa caminhada. Tolerância é o respeito pelas pessoas
que possuem diferentes pontos de vista em relação à religião. Não significa que precisamos concordar
com tudo o que as outras religiões praticam e seguir os mesmos rituais. Cada um tem o direito de seguir
aquilo que é melhor para si, pode ter uma fé sólida. Mas a tolerância não é compatível com atitudes como
zombar das opiniões alheias ou se utilizar da força e de ameaças. A tolerância não limita o direito de fazer
propaganda, mas exige que esta seja feita com respeito pela opinião dos outros (GAARDER, 2000, p. 15).
12 | Cultura Religiosa – um tema controverso
O respeito pela vida religiosa dos outros, pelas suas opiniões e pontos de vista, é um pré-requisito
para a nossa aula de Cultura Religiosa. Sem isso, é impossível começar, pois:
Com frequência, a intolerância é resultado do conhecimento insuficiente de um assunto. Quem vê de fora uma religião,
enxerga apenas as suas manifestações, e não o que elas significam para o indivíduo que a professa. (GAARDER, 2000,
p. 15)
Sincretismo religioso
No Brasil, é muito interessante falar sobre religião. Isto porque temos aqui uma pluralidade reli-
giosa bem interessante. Além disso, encontramos o que chamamos de sincretismo religioso. Isso acon-
tece quando misturamos elementos de várias religiões numa só. Sincretismo é o termo que os historia-
dores denominam de fusão ou associação de religiões, ritos, crenças e personagens cultuais. Os cultos
afro-brasileiros são um exemplo comprovado de sincretismo religioso. Queremos mostrar como isso
acontece através da fala de Riobaldo Tatarana, um personagem sertanejo do Grande Sertão: Veredas.
Hem? Hem? O que mais penso, testo e explico: todo-o-mundo é louco. O senhor, eu, as pessoas todas. Por isso é que se
carece principalmente de religião: para se desendoidecer, desdoidar. Reza é que sara da loucura. No geral. Isso é que é
a salvação-da-alma... Muita religião, seu moço! Eu cá, não perco ocasião de religião. Aproveito de todas. Bebo água de
todo rio... Uma só, para mim é pouca, talvez não me chegue. Rezo cristão, católico, embrenho a certo; aceito as preces
de compadre meu Quelemém, doutrina dele, de Cardéque. Mas, quando posso, vou no Mindubim, onde um Matias é
crente, metodista: a gente se acusa de pecador, lê alto a Bíblia, e ora, cantando hinos belos deles. Tudo me quieta, me
suspende. Qualquer sombrinha me refresca. Mas é só muito provisório. Eu queria rezar – o tempo todo. Muita gente
não me aprova, acham que lei de Deus é privilégios, invariável. E eu! Bofe! Detesto! O que sou? – o que faço, que quero,
muito curial. E em cara de todos faço, executado. Eu? – não tresmalho!
Olhe: tem uma preta, Maria Leôncia, longe daqui não mora, as rezas dela afamam muita virtude de poder. Pois a ela pago,
todo mês – encomenda de rezar por mim um terço, todo santo dia, e, nos domingos, um rosário. Vale, se vale. Minha mu-
lher não vê mal nisso. E estou, já mandei recado para uma outra, do Vau-Vau, uma Izina Calanga, para vir aqui, ouvi de que
reza também com grandes meremerências, vou efetuar com ela trato igual. Quero punhado dessas, me defendo em Deus,
reunidas de mim em volta... Chagas de Cristo! (ROSA, 1985)
Quem sabe você conhece alguém que se identifica com este personagem. É comum a gente
encontrar situações como esta. Nas aulas de Cultura Religiosa, quando perguntamos se nossos alunos
têm alguma religião, muitos respondem: sou católico apostólico romano, não praticante. Isto significa
que eles são católicos por tradição, mas não vão à igreja aos domingos. Muitos são católicos, mas não
deixam de ir ao terreiro ou ao centro espírita.
É importante ressaltar aqui a questão da tolerância. Religião sem o devido respeito perde o senti-
do. Não é possível pregar algo e praticar outra coisa. Por outro lado, a experiência religiosa é importante
na vida de todo o ser humano. Se você ainda não passou por isso, busque entender um pouco mais do
assunto. Leia, reflita sempre.
Cultura Religiosa – um tema controverso | 13
Atividades
1. Como você analisa a experiência religiosa?
Ampliando conhecimentos
Busque em jornais e revistas textos que o reporte a algum assunto relacionado à cultura religiosa e re-
flita sobre ele. Se possível, discuta com seus colegas.
Recomendamos a leitura do primeiro capítulo do livro:
KUCHENBECKER, Valter. O Homem e o Sagrado. Canoas: Editora da Ulbra, 2000.
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Autoavaliação
1. Você já passou por alguma experiência religiosa? Relate uma experiência que o tenha reportado
ao mundo religioso.
Referências
GAARDER, Jostein; HELLERN, Victor; NOTAKER, Henry. O Livro das Religiões. São Paulo: Cia. das Letras,
2000.
Kuchenbecker, Valter. O Homem e o Sagrado. 5. ed. Canoas: Editora da Ulbra, 2000.
ROSA, João Guimarães. Grande Sertão: Veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
SMITH, Huston. As Religiões do Mundo. São Paulo: Cultrix, 1991.
ZICMAN, Renée. Misticismo e Novas Religiões. Petrópolis: Vozes, 1994.
Resumo
O fenômeno religioso
Religião e Arte
A religião, enquanto fenômeno humano, tem provocado as mais belas obras artísticas. Isso pode
ser observado em qualquer religião desde os tempos mais antigos até os mais modernos.
No antigo Egito, citamos as pirâmides, o templo de Karnac, a esfinge de Gizé e uma quantidade
enorme de estátuas.
Corel/IESDE.
Esfinge.
Na Grécia Clássica, o Pathernon, as estátuas de Fídias e toda uma série de mitos que até hoje in-
fluenciam as artes e até mesmo as ciências.
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Pathernon.
O fenômeno religioso | 17
Wikipédia.
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Na Renascença italiana, a catedral de Florença; a basílica de São Pedro, em Roma. As pinturas so-
bre os mais variados assuntos religiosos, dentre as quais se sobressai o conjunto ímpar da Capela Sistina;
as esculturas como a Pietá; a Divina Comédia escrita por Dante Alighieri.
Wikipédia.
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Pietá de Michelângelo.
A música alemã, por sua vez, se torna a mais importante por seus inúmeros gênios, entre os quais
avultam Mozart, Beethoven, Buxtehude, Brahms e, principalmente, os 200 compositores da família Bach,
um em especial que deu o supremo nome da história musical: Johann Sebastian Bach (1685-1750).
O fenômeno religioso | 19
Nos Estados Unidos, a música gospel e o negro spiritual. Outras regiões do mundo com ou-
tras religiões também contribuíram significativamente para as artes em geral, como os pagodes
chineses, os jardins japoneses, os templos hindus, entre outros. Em suma: todo povo e toda religião
forneceram à Arte alguma coisa de muito valor que não deve, sob nenhuma hipótese, ser relegada
a segundo plano.
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Jardim japonês.
20 | O fenômeno religioso
Religião e Moral
A Moral vem a ser, num mundo que se vive em sociedade, um de seus pilares imprescindíveis. A
convivência de muitas pessoas dentro de um mesmo espaço físico exige regras e leis, deveres e obri-
gações, direitos e privilégios e, mais que tudo, virtudes e valores. A Moral nos diz o que é certo e o que
é errado. Mas o que diz à Moral se algo é certo ou errado, ou qual a hierarquia dos valores e virtudes,
é, na maioria das vezes, a religião que as pessoas aceitam. Há, evidentemente, religião sem moral e
moral sem religião, mas, na grande maioria dos casos, moral e religião mantêm um casamento mais
do que fechado.
Quando isso acontece, é a religião que dita as normas e ainda fornece toda a motivação para que
as normas sejam plenamente cumpridas.
Religião e Ciência
Se Religião, Arte e Moral formam um trio quase perfeito, Religião e Ciência, há tempos descasa-
dos, brigam muito, continuamente. A briga realmente esquentou no século XIX. Auguste Comte (1798-
1857), o fundador do positivismo, afirmou, na teoria dos três estágios do conhecimento, que a Religião
era, dos três, o mais antigo e o mais simplório, devendo ceder lugar à Filosofia que, por sua vez, entre-
garia o posto à Ciência. O incrível de tudo isso é o próprio Comte, depois de haver levantado essa ideia,
criar a religião da humanidade, um manual que, a partir da sua filosofia positivista, defende o amor
como causa, a ordem como meio e o progresso como fim.
O grande problema, no entanto, surge com Charles Darwin (1809-1882) e a Teoria Evolutiva. Até aí
não se via nenhuma dificuldade com o relato inicial do primeiro livro de Moisés. Acreditava-se, com toda
a candura, na criação do mundo em seis dias e na idade do universo em torno de seis mil anos, como
se o relato bíblico fosse uma reportagem dos tempos antigos. O universo ficou mais velho, e a rápida
mão do Criador cedeu lugar à lenta evolução. A imagem e a semelhança de Deus atribuída ao homem
desmanchou-se em crânios simiescos datados de algumas centenas de milhares de anos.
Wikipédia.
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As perguntas que, pois, se impõem são estas: há no big-bang e na evolução alguma verdade que pode
ser considerada final, ou tudo gira no terreno arenoso das hipóteses e da especulação? As narrativas bíblicas
têm a pretensão de ser uma afirmativa de caráter científico tal e qual entendemos hoje a ciência com seu
meticuloso método, ou foram desde o princípio concebidas na categoria de mitos, como verdades supe-
riores que só podem ser expressas em linguagem sublime e figurada? Sendo assim, podemos abrir mão da
literalidade da Criação para injetar nela as categorias da evolução? As respostas a cada uma dessas perguntas
dependerão da fé e da compreensão ou ausência de fé tanto em relação à religião como também em relação
à própria ciência, visto que essa, para muitos, constitui uma espécie de religião que, além de plantar certezas,
garante safras de soluções.
Religião e Filosofia
Religião e Filosofia são duas retas paralelas que ora divergem, ora se encontram, ora se comple-
mentam, ora se anulam.
Pode-se afirmar que o surgimento da Filosofia no Ocidente foi um ataque aos mitos gregos. Tales
de Mileto (625/4-558/6 a.C.) procura uma explicação fora deles e diz que a origem de tudo é a água.
Anaximandro (610/9 -547/6 a.C.) põe no lugar da água o indeterminado, e Anaxímenes (588-528/5 a.C.),
o ar. Xenófanes de Cólofon (Jônia, Ásia Menor, 570-528 a.C.) critica a antropomorfização de Deus na po-
esia de Homero e Hesíodo. Demócrito de Abdera (Trácia, 460-370 a.C.) é o pai do atomismo, afirmando
que tudo é formado por substâncias indivisíveis, as quais se combinam ou se separam, formando ou
desfazendo uma pessoa ou um objeto. Os sofistas, primeiros professores profissionais da história, tor-
nam tudo relativo segundo a famosa frase de Protágoras: “O homem é a medida de todas as coisas; do
ser enquanto existe e do não ser enquanto não existe”.
Sócrates (470-399 a.C.), reagindo ao relativismo sofista, introduz a teoria das ideias inatas, às quais
se poderia chegar pela maiêutica (partejamento de ideias). Com as ideias inatas, se pressupunha uma
vida anterior, abrindo, assim, caminho para a religião. Platão (428-347 a.C.), aluno de Sócrates, continua
na mesma trilha ao propor o mundo das ideias como a autêntica realidade (mito da caverna, corpo
prisão da alma).
A Idade Média, marcada profundamente pela religião cristã, desenvolve a tese de que a Filosofia
é a serva da Teologia (ciência da religião). Vale notar que os eruditos cristãos primeiramente usaram as
categorias platônicas e acabaram contaminando-se com um modo platônico de ver as coisas, mas em
seguida se apropriaram das concepções aristotélicas, sendo igualmente influenciados por elas (amor
ordenado, provas racionais da existência de Deus etc.).
Por outro lado, há quem visualize religião (ou teologia) e Filosofia não como concorrentes, mas
como dois métodos diferentes, não opostos, para tratar e compreender uma mesma realidade. Mar-
tin Heidegger (1889-1976), por exemplo, foi sepultado como católico romano. Edmund Husserl (1859-
1938), expoente do fenomenalismo, converteu-se à Igreja Luterana.
Em tempo: não se deve confundir religião e teologia. Embora sejam conceitos afins, não são a
mesma coisa. Religião é um conjunto de crenças que formam um sistema coeso. Teologia é a reflexão
crítica e sistemática sobre os dados oferecidos pela religião. Em outras palavras: teologia é a ciência, e
religião é o objeto ou a matéria dessa ciência.
22 | O fenômeno religioso
Religião e Economia
Toda crença, tão logo se institucionalize, passa a ter uma economia interna. Precisa manter suas
propriedades (escolas, templos, creches, asilos, seminários etc.) e pagar seus funcionários. Para tanto, se
utiliza de vários expedientes: cobrança de uma taxa, estabelecimento de um percentual dos ganhos do
fiel (o dízimo, por exemplo), ofertas livres, doações ou subvenções do governo.
A religião, no entanto, não se limita apenas a isso. Ela, para o bem ou para o mal, influencia
a economia da comunidade como um todo, embora nem sempre seja determinante. Max Weber
(1864-1920) tentou mostrar que o surgimento do capitalismo se deveu ao protestantismo de cunho
calvinista. Sabe-se, porém, que muito antes de Calvino já havia banqueiros e que até os papas se
utilizavam dos seus monetários serviços. Certamente, o que se pode afirmar é isto: certas ênfases
doutrinárias desta ou daquela religião podem motivar seus adeptos a ter uma ou outra resposta eco-
nômica. Contrastando-se o catolicismo medieval e contrarreformista com o luteranismo, é possível
ver algumas diferenças: no catolicismo a forma de se adorar e servir a Deus passava pela veneração
dos santos, orações, jejuns, penitências, peregrinações e culminava em tornar-se monge ou freira; no
luteranismo, o servir e adorar a Deus começava pela fé (considerada o supremo culto, prosseguia na
participação dos cultos, leitura da Bíblia, oração etc., e concretizava-se no trabalho diário, visto como
vocação de Deus, razão pela qual todo trabalho, fosse ele qual fosse, deveria ser bem feito porque era,
além de um culto a Deus, um serviço ao próximo).
Partindo-se daí, é possível admitir que o progresso dos países luteranos em relação aos católicos
tenha uma origem doutrinária. Contudo, pode-se também questionar se outros fatores não intervieram
com peso igual ou até superior. Um deles seria o posicionamento assumido pela nobreza medieval em
relação ao trabalho, que era de franco desprezo – calcula-se que na Espanha, no século XVI, apenas 3% da
população efetivamente se dedicava ao trabalho! Por não ter havido uma quebra de ordem cultural e so-
cial nos países em que a visão medieval permaneceu firme, não poderia estar aí também uma resposta?
Religião e Educação
Por ser a Religião um conjunto de ensinamentos (note-se o termo), segue-se que ela, para sobre-
viver, precisa apelar para a Educação. Não é por outro motivo que os primeiros professores foram todos
pessoas ligadas a um culto específico. No entanto, o que se quer discutir aqui é se a religião consegue
lançar os olhos para a Educação como um todo. Num primeiro exame, observa-se que a religião contri-
buiu com muito pouco ou mesmo nada nessa direção.
Na China, país de cultura milenar, a Educação esbarrava nos milhares de ideogramas que um
aluno precisava memorizar, pois era necessário tempo e dinheiro. Ao que tudo indica, não havia ne-
nhum plano de Educação abrangente. No primeiro projeto educacional conhecido, o confuciano (sé-
culo VI a.C.), a ênfase não era popular, mas elitista, já que Confúcio queria restabelecer o império, trans-
formado quase numa obra de ficção por causa do ínfimo poder exercido pelo imperador. O sistema
O fenômeno religioso | 23
idealizado pelo mestre visava a preparar os funcionários públicos, os mandarins, que seriam a base
burocrática do império. Deve-se notar que, embora seja atualmente considerado uma religião, o con-
fucionismo tinha a princípio uma função muito mais política e pedagógica do que propriamente reli-
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giosa.
Num certo sentido, é a Reforma que ata o nó bem firme da religião com a
educação. Lutero achava que ela poderia fazer de alguém um cidadão útil para o
Estado. Já nos primeiros anos da Reforma, recomendava aos príncipes e gover-
nantes que fundassem escolas e obrigassem os pais a enviar a elas os filhos. Por
outro lado, a fim de pôr em prática a noção de sacerdócio universal de todos os
crentes, advogava que todo cristão poderia ler a Bíblia e interpretá-la – não ale-
atoriamente – de modo objetivo, levando em conta as regras da gramática e da
retórica e todo o contexto geográfico, histórico, social etc.
Pode-se até afirmar, sem nenhum receio, que a educação brasileira não
seria hoje o que é sem as escolas confessionais, pois são milhares por toda
parte. Confúcio.
É interessante analisar a religião no intuito de abrir as lentes para um novo olhar. À medida
que conseguimos nos despir de preconceitos, avaliamos de outra maneira e enriquecemos cultu-
ralmente. Você vai perceber isso quando se deparar com notícias de jornais e televisão. O assunto
“religião” será percebido com mais atenção.
Atividades
1. Em grupos formados com quatro pessoas, refletir e listar sobre a influência da religião na vida
diária da sua cidade.
2. Num segundo momento, os grupos apresentam suas respostas e abrem o debate com o
grande grupo.
Ampliando conhecimentos
A dica de estudo é prática. Busquem o diálogo. Pesquisem na internet sites que mostrem a relação entre
arte e religião.
Ouçam músicas que tenham sido inspiradas pela religião. Pode ser música clássica, gospel ou mesmo popu-
lar. Muitos jovens, das mais diversas religiões, costumam compor músicas e gravá-las em CD.
24 | O fenômeno religioso
Autoavaliação
1. Com quais aspectos desta aula você se identificou? Escreva o relato sobre uma visita a algum
museu, o ouvir de uma música etc., que o tenha reportado à religião.
Referências
HOFFMANN, Martinho Lutero. O Fenômeno Religioso. Texto inédito, mas usado nas aulas de Cultura
Religiosa da Universidade Luterana do Brasil, 2002.
KUCHENBECKER, Valter. O Homem e o Sagrado. 5. ed. Canoas: Editora da Ulbra, 2000.
Resumo
Vamos partir para uma longa viagem. A ideia é dar a volta ao mundo
e estudar as grandes religiões. Se fôssemos numerar todas as religiões
existentes no mundo, possivelmente teríamos milhares. Portanto, va-
mos falar das principais, pois a partir dessas é que surgiram todas as
outras. Cada uma das grandes religiões produziu milhares de seitas ou
grupos menores que foram se subdividindo durante os séculos. Todas
produziram uma grande riqueza cultural e valores fundamentais para a
preservação do ser humano.
As grandes religiões I
Hinduísmo
É uma religião intrigante em muitos aspectos. Não tem um fundador, apenas um livro sagrado
ou regras singulares que nos ajudam a entender facilmente suas crenças e suas tradições. Nasceu há
cerca de 4 mil anos, na Índia. É difícil falar dela como uma religião só. O Hinduísmo tem uma infinidade
de ramos e divindades. A religião hindu passou por constantes transformações ao longo dos séculos –
resultado das sucessivas invasões que marcaram a história deste povo. Apesar da diversidade de deuses
e formas de encontrar o caminho, um aspecto é comum entre todos: a vida na Terra é parte de um ciclo
de nascimentos, mortes e renascimentos, do qual é preciso se libertar. A reencarnação, determinada
pela Lei do Carma, talvez explique a resignação e a satisfação pela vida que levam, mesmo diante de
costumes tão diferentes dos nossos e da “pobreza” (do nosso ponto de vista) em que vivem.
26 | As grandes religiões I
Origem
Não há uma precisão histórica sobre o início do Hinduísmo. Ele é resultado de um processo gra-
dual, provém das religiões primitivas tribais da Índia e toma forma com a invasão deste país, por volta
de 1500 a.C., pelos arianos indo-europeus. Seu sistema religioso está organizado em torno de quatro
escritos sagrados, conhecidos como Vedas.
As tradições religiosas eram inicialmente transmitidas oralmente. A partir de 800 a.C. é que surgem os
primeiros escritos. O Rig-Veda é o livro principal. Aos Vedas são acrescentados dois outros livros: os Brahmanas
e o Upanishads. As três obras contêm todo o Dharma, as obrigações da casta, uma espécie de lei.
A melhor definição é que
[...] projeta-se como a religião eterna e se caracteriza por sua imensa diversidade e pela capacidade excepcional que
vem demonstrando através da história de abranger novos modos de pensamento e expressão religiosa. (GAARDER,
2000, p. 40)
Por outro lado, encontramos algumas pistas que nos levam a entender o processo de construção
e consolidação do Hinduísmo:
[...] A invasão dos árias levou à Índia um politeísmo já organizado, como mitos e cultos próprios, de caráter naturalista
[...] Para assegurar o predomínio de sua casta, os sacerdotes arianos elaboraram uma doutrina sincretista, em que o
conceito de brahman, de alguma forma equivalente ao mana dos melanésios, era elevado a uma ordem superior, ab-
solutizada, que por vezes se identificava com a própria divindade (donde o deus Brahma, personificado). Desta forma,
valorizavam a sua mediação sacerdotal, pois pelos ritos sagrados podiam produzir e manipular o brahman (conceito
mágico). (PIAZZA, 1991, p. 246)
Muitos entendem que os arianos usaram o Hinduísmo para exercer o poder e governar os hindus
sem resistência, mas isso é apenas uma hipótese.
O povo hindu
Precisamos pensar nas pessoas, no povo hindu, e como a religião funciona no dia a dia. Olhan-
do o Hinduísmo como um todo – sua grande literatura, seus rituais complexos, sua difundida cultura
popular, sua arte opulenta – podemos resumir tudo numa única frase: “Você pode ter aquilo que
deseja.” (SMITH, 1991, p. 30).
Pense no que as pessoas buscam na vida: prazer, sucesso mundano (riqueza, fama e poder), ser-
viço e libertação. Os hindus não proíbem nenhuma dessas buscas. Para eles tudo tem o seu momento
na vida e se você desejar essas coisas deve buscá-las. Por outro lado também sabem que nem todas as
buscas vão trazer os resultados esperados.
A segunda grande limitação da vida humana é a ignorância. Dizem os hindus que ela pode
ser removida. Os Upanishads falam de “conhecer aquilo cujo conhecimento traz o conhecimento
de todas as coisas”.
Quanto à terceira grande limitação, a existência, o Hinduísmo leva essa ideia um pouco além, pro-
pondo um eu extenso, com vidas sucessivas, assim como uma única vida é feita de momentos sucessivos.
A literatura hindu é rica em metáforas e parábolas destinadas a nos despertar para as “minas de
ouro” que repousam ocultas nas profundezas do nosso ser.
Somos como reis que, vítimas de um ataque de amnésia, vagueiam pelo reino vestindo andrajos,
sem saber quem realmente são. Ou como um filhote de leão, separado da mãe, que é criado por ovelhas e
se acostuma a pastar e balir, acreditando ser também uma ovelha. Somos como o amante que, no sonho,
corre o mundo, desesperado em busca da amada, esquecido de que ela está deitada ao seu lado.
Divindades
O Hinduísmo possui uma tríade de grandes deuses – Brahma, o criador, Shiva, o destruidor, e Vishnu,
o conservador. Além desses, os hindus possuem milhões de divindades, chamadas de divindades dos lares.
É a religião no mundo com o maior número de deuses.
A única regra universalmente aceita pelo hindu é a de seguir as normas de sua casta, na expecta-
tiva de um futuro feliz para si mesmo.
Brahma, o criador
Nascido de uma flor-de-lótus que brotava do umbigo de Vishnu, Brahma é o criador, o respon-
sável pela construção do Universo. Ele é casado com Sarasvati, a deusa do conhecimento. Embora seja
central na mitologia hindu, Brahma não é muito cultuado porque já realizou sua tarefa e só voltará na
próxima criação do mundo.
28 | As grandes religiões I
Shiva, o destruidor
Esse possui dois aspectos principais, aterrorizante e benevolente, aparece sob muitas formas e
recebe mais de mil nomes. O primeiro é Rudra, um deus violento, o deus das tempestades. Durante a
dinastia Gupta, Shiva era ao mesmo tempo o deus do amor e da destruição. Suas manifestações podem
ser divididas em cinco categorias: o jovem asceta, o dançarino cósmico, o senhor da destruição, o de-
mônio Brairava e o marido amoroso. Ele é representado vestido ou nu, com o cabelo longo preso em
um coque ou usando uma coroa.
Vishnu, o protetor
Conhecido como deus preservador, Vishnu representa a força criadora que une todo o universo
e possibilita a luz e a vida. Ele incorpora o amor divino e controla o destino humano. Pode ser reco-
nhecido pela sua cor azul-escura e pelos quatro braços, que sugerem sua capacidade de alcançar
os quatro cantos do mundo. Vishnu é muito popular, principalmente sob a forma de avatares – suas
diversas encarnações.
Reencarnação
Os hindus acreditam na reencarnação ou transmigração das almas. É um processo de infinitas en-
carnações com o fim de ser absorvido o espírito pelo absoluto Brahma. Isto significa que as almas nunca
morrem, desde que façam parte do indestrutível tudo, Brahma. A alma de um homem de baixa posição
social poderá renascer como uma cobra ou até como um objeto não pertencente ao plano humano, de-
pendendo da segunda crença, a Lei do Carma. Entendem que o homem é hoje resultado de suas ações
anteriores a esta vida.
Os hindus dividem o povo em castas. O grupo de maior valor era formado pelos Brâmanes ou líderes
religiosos, também chamados de videntes. Logo abaixo aparecem os príncipes ou administradores, depois
os agricultores ou vassalos seguidos dos servos. Fora das castas estão os párias, ou intocáveis, uma espécie
de mendigos e miseráveis. Desta forma, para eles, é impossível questionar, duvidar ou aspirar a qualquer
posição social nessa existência.
Uma das explicações para a questão das castas é que os arianos (invasores europeus) mantinham
ligação com algumas religiões, como a grega, a romana e a germânica. Eles davam importância signifi-
cativa ao sacrifício e faziam diversas oferendas a seu panteão de deuses, a fim de conquistar favores e
manter sob controle as forças sobrenaturais. As crenças e os ritos, já existentes na região, foram incorpo-
rados ao sistema religioso dos invasores e originaram novos cultos. Aí está um exemplo de sincretismo
religioso, como também aconteceu no Brasil com as religiões africanas.
Animais sagrados
Ouvimos muitas histórias sobre animais sagrados na Índia, especialmente sobre a vaca. Realmente
existe o culto aos animais. A vaca é um animal sagrado, simbolicamente vista como Alimentadora Sagrada.
As grandes religiões I | 29
Não pode ser morta sob nehuma circunstância. A pessoa que toca a vaca fica ritualmente limpa, por isso
o leite e todos os seus derivados, como a manteiga, são utilizados em cerimônias de purificação. Até seus
excrementos são sagrados e podem ser usados como agentes de purificação. Também são considerados
sagrados animais como a cobra, o crocodilo e o macaco. Normalmente os hindus não gostam de tirar a vida
dos animais e muito menos comer sua carne, o que tornou a maioria dos fiéis vegetarianos.
Para concluir, é importante ressaltar que extraímos apenas algumas partes importantes que nos dão
uma ideia da religião. Mas entender em que os hindus acreditam é difícil, como nos conta o historiador:
É difícil descrever o Hinduísmo. É preciso vivenciar. Os sábios hindus parecem mais sábios do que nós; têm mais força,
mais alegria. Parecem ser mais livres no sentido de não se confinarem à ordem natural. Parecem serenos, até mesmo
radiantes. Pacifistas por natureza, seu amor flui para o mundo, para todos sem distinção. O contato com eles fortalece
e purifica. (SMITH, 1991, p. 41)
Budismo
Um príncipe hindu rico, possuidor de todos os bens necessários para uma vida agradável, sem pro-
blemas e pertencente a uma das maiores castas. Bem que Siddartha Gautama poderia desfrutar tudo isso e
viver sua vida com sua esposa, sua filha recém-nascida, nos palácios de seu pai. Mas faltava alguma coisa. Os
problemas existenciais o levaram a abandonar tudo em busca de uma solução para superar o sofrimento hu-
mano. Passou a ser conhecido como Buda ou “Iluminado”. Espalhou suas descobertas por toda a Índia dando
origem a uma das religiões mais influentes do mundo. Hoje, são mais de 400 milhões de adeptos.
Para se compreender o Budismo é necessário muita leitura. É uma religião complexa devido às
muitas seitas, escolas e pensamentos existentes, sempre de caráter nacionalista regionalizado.
O Budismo começou no século VI a.C. como uma dissidência do Hinduísmo, nas proximidades do
Himalaia. Siddartha Gautama, o fundador, foi um príncipe que não concordou com o poder salvador
dos Vedas, com os rituais e com a ascendência dos sacerdotes nas questões religiosas. Deixou tudo o
que tinha e durante seis anos procurou o verdadeiro caminho da salvação ou o sentido mais elevado e
permanente da vida.
Dentre as suas tentativas, buscou experiências que lhe respondessem aos anseios da vida. Tentou
os caminhos dos sacerdotes e do ascetismo, chegando próximo à morte por causa do sofrimento ao
seu corpo. Não foi nesse momento que encontrou a paz de espírito. Como um ascético, testava-se a si
mesmo, chegando ao extremo de comer suas próprias fezes para testar sua autodisciplina. Depois de
várias tentativas, veio a resposta: a salvação pode ser conquistada por um caminho intermediário entre
o desejo e a mortificação. Assim chegamos à ideia do “caminho do meio”.
As quatro verdades
Buda desenvolveu o seu pensamento em torno de quatro verdades, como mostra Steffen
(2000, p. 42):
::: a primeira verdade é que o sofrimento é universal;
::: a segunda identifica a causa do sofrimento (o desejo interno);
30 | As grandes religiões I
Os dez preceitos
O Budismo é rico em preceitos, cuidados a serem adotados para uma vida equilibrada. Quem
seguir determinadas regras vai encontrar benefícios no caminho com a finalidade de chegar à salvação.
Os dez preceitos incluem desde ordenamentos para não se destruir a vida até a abster-se da promis-
cuidade, enfatizando a necessidade de só possuir o que for dado como presente, afastar-se da mentira,
não beber álcool, fazer refeições apenas depois do surgimento da lua, além de regulamentar o uso de
ornamentos e metais preciosos. Quando Gautama morreu, por volta dos 80 anos, o movimento já esta-
va institucionalizado.
No livro O Homem e o Sagrado, o autor do texto que fala sobre o Budismo, Professor Ronaldo Ste-
ffen, faz uma referência interessante de Buda. Diz ele:
Buda era um humanista. Embora afirmasse a existência de uma multidão infinita de deuses e espíritos menores, era seu
parecer que essas divindades não tornavam os seres humanos melhores, pois eram seres finitos e sujeitos a todas as
fraquezas da natureza humana. Não acreditava num ser supremo nem em rituais puramente cerimoniais. Também não
via importância no ato de orar e na existência de sacerdotes. Ensinava seus seguidores a dependerem de si mesmos,
mas permanecendo benevolentes e amorosos com a humanidade. Aceitava, no entanto, a crença da transmigração
das almas e a lei do carma. Acreditava que os erros do passado poderiam ser superados por uma vida exemplar e que
a alma nada mais era do que a inter-relação de cinco energias, que se desintegravam quando o ser físico morria. (STE-
FFEN, 2000, p. 43)
As grandes religiões I | 31
Atividades
1. No que o pensamento hinduísta difere do pensamento ocidental?
2. Quais as lições que podemos tirar dos hindus para a nossa vida?
4. Quando falamos em reencarnação, qual religião da atualidade está relacionada a este pensamento
e como isso acontece?
Ampliando conhecimentos
Recomendo para estudo a leitura dos capítulos 2 e 3 do livro:
SMITH, Huston. As Religiões do Mundo. São Paulo: Cultrix, 1991.
Autoavaliação
1. Como você encararia a vida se tivesse que viver como os hindus e eles dissessem que você
pertencesse aos párias?
Referências
KUCHENBECKER, Valter. O Homem e o Sagrado. 5. ed. Canoas: Editora da Ulbra, 2000.
PIAZZA, Waldomiro. Religiões da Humanidade. São Paulo: Editora Loyola, 1991.
SMITH, Huston. As Religiões do Mundo. São Paulo: Editora Cultrix, 1991.
STEFFEN, Ronaldo. As grandes religiões do mundo. In: KUCHENBECKER, Valter. O Homem e o Sagrado.
5. ed. Canoas: Editora da Ulbra, 2000.
As grandes religiões II
Confucionismo
Vamos caminhar por terras orientais. Uma volta pela China é o nosso compromisso neste momen-
to. Vocês já devem ter observado que a China está despontando em todo o mundo pelo seu crescimen-
to econômico e aos poucos vem sendo reconhecida como uma grande potência mundial. Talvez, o que
você não saiba é que, “até 1911, a China foi uma potência imperial, onde o imperador reinava acima de
tudo. O imperador era considerado o representante do país diante do supremo deus Céu”. (GAARDER,
2000, p. 77).
O que havia por traz de tudo isso era uma ideologia confucionista. O conjunto de pensamentos,
regras e rituais sociais confucionistas, foi desenvolvido pelo filósofo K’ung-Fu-Tzu (551-479 a.C.). No Bra-
sil, o conhecemos como Confúcio. Além disso, Confúcio formulou normas para a vida religiosa, para os
sacrifícios e os rituais. Segundo Gaarder,
o confucionismo era, na verdade, uma religião estatal praticada pela elite e pelas classes dominantes, a qual, no entanto,
nunca se disseminou muito entre as massas, as camadas mais amplas da população. Da mesma forma que o imperador,
em seu palácio em Pequim, ficava remotamente afastado das pessoas comuns, o Céu era remoto e impessoal para a gran-
de massa dos chineses pobres, trabalhadores e camponeses. A religião dos pobres era a adoração dos espíritos, particular-
mente dos antepassados, religiosidade carregada de magia e traços de outras religiões. (GAARDER, 2000, p. 77)
A carreira de Confúcio não foi um sucesso. Sua ambição era bem maior. Alguns biógrafos che-
garam a criar a lenda de que, por volta dos 50 anos, Confúcio realizou uma brilhante administração
durante cinco anos, avançando rapidamente de ministro de Obras Públicas para ministro da Justiça e
primeiro-ministro, e fazendo de Lu uma província modelo. “A verdade é que os governantes da época
tinham medo da franqueza e da integridade de Confúcio, tanto medo que nunca o designariam para
qualquer posição de poder” (SMITH, 1991, p. 156).
Os escritos
Confúcio compilou alguns materiais, os quais foram utilizados em sua filosofia de vida. Dentre os
materiais, encontramos: Shih Ching (Livro de poesias), Li Chi (Livro dos ritos), I Ching (Livro das transfor-
mações), Shu Ching (Livro de história) e Ch’um Ch’íu (os anais da primavera e do outono).
A filosofia de Confúcio
A questão central na filosofia de Confúcio está no termo li. Significa cortesia, reverência, ritos e ceri-
mônias e o posicionamento ideal na vida pública e privada.
“O chinês mais moderno entende por ‘li’ uma ordem social ideal, com tudo em seu devido lugar e com
todas as pessoas prestando respeito e reverência aos outros na hierarquia social” (STEFFEN, 2000, p. 48).
De uma certa forma, a ideia era estabelecer a ordem e acabar com a queda do respeito desen-
cadeada pela ordem feudal. Confúcio acreditava que, se cada um soubesse o seu lugar, poderia haver
um comportamento de reciprocidade como um guia de vida. É aqui que vai surgir o dito “não faças aos
outros o que não queres que te façam”.
Político fracassado, Confúcio foi, sem dúvida, um dos maiores professores do mundo. Preparado
para ensinar história, poesia, governança, propriedade, matemática, música, adivinhação e esportes,
ele foi, à moda de Sócrates, um homem Universidade. Seu método de ensino também era socrático.
Sempre informal, ele não fazia preleções; preferia conversar sobre os problemas propostos pelos seus
alunos, citando leitura e fazendo perguntas. Ele se apresentava aos alunos como um companheiro de
viagem, comprometido com a tarefa de se tornar plenamente humano, mas modesto. Quanto ao ponto
a que chegou no cumprimento dessa tarefa, ele mesmo cita:
Há quatro coisas no Caminho da pessoa profunda, nenhuma das quais fui capaz de fazer. Servir ao meu pai, como
esperaria que um filho me servisse. Servir ao meu governante, como esperaria que meus ministros me servissem.
Servir ao meu irmão mais velho, como esperaria que meus irmãos mais novos os servissem. Ser o primeiro a tratar os
amigos como esperaria que eles me tratassem. Essas coisas não fui capaz de fazer. (CONFÚCIO)
As grandes religiões II | 35
Alguns provérbios
::: Verdadeiro filósofo não será aquele que, mesmo sendo reconhecido, jamais guarda ressenti-
mento?
::: Não faças aos outros o que não queres que te façam.
::: Não me entristece que os outros não me conheçam. Entristece-me não conhecer os outros.
::: Não esperes resultados rápidos nem procures pequenas vantagens. Se buscares resultados
rápidos, não alcançarás a meta final. Se te deixares desviar por pequenas vantagens, nunca
realizarás grandes feitos.
::: As pessoas mais nobres primeiro praticam o que pregam e depois pregam de acordo com a
sua prática. Se quando olhas dentro do teu coração não vês nada de errado, por que te preo-
cupas? O que há para temeres?
::: Quando conheces uma coisa, reconhecer que tu a conheces; e quando não a conheces, saber
que tu não sabes – isso é conhecimento.
::: Ir longe demais é tão mau quanto ficar aquém.
36 | As grandes religiões II
Pano de fundo
É claro que os provérbios, por si só, não explicam o sucesso de Confúcio. É necessário compreen-
der o que havia de errado na sociedade em que ele vivia.
A Antiga China não era nem mais nem menos turbulenta do que as outras terras. Do oitavo ao ter-
ceiro século a.C., porém, a China testemunhou o colapso da dinastia Chou, que foi um governo de paz
e ordem. Baronatos rivais ficaram em liberdade para fazer o que bem entendiam, criando uma situação
idêntica à da Palestina no período dos juízes: “Naqueles dias não havia rei em Israel; cada homem fazia
o que parecia certo a seus próprios olhos”.
A guerra quase contínua desse período começou dentro dos padrões do cavalheirismo. O carro
de guerra era sua arma, a cortesia era o seu código e os atos de generosidade conferiam honra. Diante
da invasão, o barão arrogante enviaria um comboio de provisões ao exército invasor. Ou, para provar
que seus homens estavam além do medo e da intimidação, ele enviaria, como mensageiro, soldados
que cortariam a própria garganta diante do invasor. Tal como na era de Homero, guerreiros de exércitos
inimigos se reconheciam, trocavam desdenhosos cumprimentos do alto de seus carros de guerra, be-
biam juntos e às vezes trocavam armas antes de entrar em combate.
Na época de Confúcio, porém, a guerra interminável degenerava; de cavalheiresca, tornara-se o
terror desenfreado do período dos Estados combatentes. O horror chegou ao auge no século seguinte
à morte de Confúcio. Os combatentes entre carros de guerra deram lugar à cavalaria, com seus ataques
de surpresa e reides súbitos. Em vez do ato nobre de manter os prisioneiros até receber o resgate, os
conquistadores promoviam execuções em massa. Populações inteiras, capturadas nos azares da guerra,
eram decapitadas, incluindo velhos, mulheres e crianças. Lemos descrições de chacinas de 60 mil, 80 mil
e até de 400 mil pessoas. Há relatos de vencidos atirados em caldeirões de água fervente e seus familia-
res forçados a beber aquela “sopa” humana.
A pergunta, nessa época, era: por que continuamos nos destruindo? Talvez aí esteja a resposta
para compreendermos o poder do Confucionismo. Confúcio viveu numa época em que a coesão social
havia se deteriorado até o ponto crítico.
Confúcio insistia que o amor ocupa um lugar importante na vida; mas também que o amor deve
ser apoiado por estruturas sociais e por um etos coletivo. Bater exclusivamente na tecla do amor é o mes-
mo que pregar os fins sem os meios. Quando perguntaram à Confúcio certa vez, “devemos amar nossos
inimigos, aqueles que nos causam mal?”. Ele respondeu: “De modo algum. Respondei ao ódio com a
justiça e ao amor com a benevolência. Caso contrário, estaríeis desperdiçando vossa benevolência.”
As grandes religiões II | 37
Respeito às tradições
O que chama a atenção nas religiões orientais é o respeito que todos cultivam pelos mais velhos.
A idade não é um peso, mas uma bênção. A experiência é importante para os mais novos, que a buscam
nas pessoas de maior vivência. Assim também são conservadas as tradições, transmitidas pelos mais
velhos. Sobre a socialização, o próprio Confúcio ensinou:
Deve ser transmitida dos velhos para os jovens, enquanto os hábitos e as ideias devem ser conservados como uma
teia ininterrupta de memória entre os portadores da tradição, geração após geração. [...] Quando a continuidade das
tradições de civilidade se rompe, a comunidade é ameaçada. A menos que essa ruptura seja consertada, a comunidade
se esfacelará em [...] guerras de facções. Isso porque, quando a continuidade é interrompida, a herança cultural não
está sendo transmitida. A nova geração se defronta com a tarefa de redescobrir, reinventar e reaprender, por tentativa
e erro, a maior parte daquilo que precisa saber. [...] Essa não é tarefa para uma única geração. (CONFÚCIO)
A tradição deliberada
A tradição deliberada segue, no esquema de Confúcio, cinco termos chaves:
::: Jen: Etimologicamente uma combinação dos caracteres correspondentes a “ser humano” e
“dois”, designa o relacionamento ideal que deve existir entre as pessoas. Traduzido das mais
variadas formas (bondade, fraternidade, benevolência e amor), talvez a melhor maneira de
transmitir a ideia seja pela expressão: “sensibilidade do coração humano”. Jen envolve simulta-
neamente um sentimento de compaixão pelos outros e de respeito por si mesmo, um senti-
mento indivisível da dignidade da vida humana, onde quer que ela apareça.
::: Chun Tzu: Se jen é o relacionamento ideal entre seres humanos, chun tzu refere-se ao termo
ideal nesses relacionamentos. Esse conceito tem sido traduzido como homem superior e o me-
lhor da humanidade. Talvez pessoa amadurecida seja uma tradução tão fiel quanto qualquer
outra. É o oposto de pessoa estreita, da pessoa mesquinha, da pessoa de espírito pequeno.
Somente quando aqueles que formam a sociedade se transformarem em chun tzus é que o
mundo poderá caminhar na direção da paz.
Se houver honra no coração, haverá beleza no caráter.
Se houver beleza no caráter, haverá harmonia no lar.
Se houver harmonia no lar, haverá ordem no país.
Se houver ordem no país, haverá paz no mundo.
::: Li: O terceiro conceito, li, tem dois significados. Seu primeiro significado é propriedade, a maneira
pela qual as coisas devem ser feitas. As pessoas precisavam de modelos, e Confúcio queria direcio-
nar a atenção delas para os melhores modelos oferecidos pela sua história social. Propriedade é um
conceito com amplo alcance, mas podemos perceber o âmago do interesse quando ele diz que:
Se as palavras não forem corretas [...] a linguagem não estará de acordo com a verdade das
coisas. Se a linguagem não estiver de acordo com a verdade das coisas, os negócios não pode-
rão ser concluídos com sucesso. [...] Portanto, um homem superior considera necessário que
os nomes por ele utilizados sejam falados apropriadamente, e também que aquilo que ele
fala possa ser transmitido apropriadamente. O que o homem superior requer é que em suas
palavras nada haja de incorreto.
38 | As grandes religiões II
Todo o pensamento humano avança por meio de palavras; logo, se as palavras forem oblíquas, o
pensamento não conseguirá avançar em linha reta. Aí é importante aquilo que Confúcio chamava de
“retificação dos nomes”.
A “retificação dos nomes”, na doutrina do meio, nas relações constantes, no respeito pela idade e
pela família, esboça importantes aspectos específicos de li no seu primeiro significado: propriedade ou
o que é certo. O outro significado da palavra é ritual, que transforma o certo – no sentido daquilo que
é correto fazer – em rito. Quando o comportamento correto é detalhado em minúcias confucionistas, a
vida inteira do indivíduo se estiliza numa dança sagrada. A vida social foi coreografada.
::: Te: O quarto conceito axial que Confúcio procurou elaborar para seus conterrâneos foi te. Sig-
nifica poder. Especificamente, o poder por meio do qual os homens são governados. Ele estava
convencido de que nenhum governante consegue reprimir todos os seus cidadãos o tempo
todo, nem mesmo grande parte deles na maior parte do tempo. O governo precisa contar com
uma aceitação da sua vontade, uma confiança apreciável naquilo que está fazendo. Confúcio
acrescentou que a confiança popular era de longe a mais importante, pois “se o povo não tiver
confiança em seu governo, este não se sustentará”. Para ele, somente são dignos de governar
aqueles que prefeririam não ter de governar.
Quando o Barão de Lu perguntou-lhe como governar, Confúcio respondeu:
Governar é manter-se reto. Se tu, senhor, dirigires teu povo em linha reta, qual de teus súditos
se arriscará a sair dessa linha?
::: Wen: O conceito final na estrutura confucionista é wen. Refere-se às “artes da paz”, enquanto
diferenciadas das “artes da guerra”, à música, à arte, à poesia, à soma da cultura no seu modo
estético e espiritual. Confúcio considerava apenas semi-humanas as pessoas que eram indi-
ferentes à arte. Mas o que atraía seu interesse não era a arte pela arte. Era o poder da arte de
transformar a natureza humana na direção da virtude que o impressionava – seu poder de
facilitar o interesse pelos outros.
Pela poesia, a mente é despertada; pela música, recebe-se o acabamento. As odes estimulam a
mente. Elas induzem à autocontemplação. Ensinam a arte da sensibilidade. Ajudam a evitar o ressenti-
mento. Fazem-no acreditar no dever de servir ao país e ao príncipe.
Corel/IESDE.
Xintoísmo
Não vamos nos ater muito a esta religião.
Apenas para cultura geral vamos tecer algumas
considerações sobre o Xintoísmo, que tem uma
influência muito grande sobre a cultura japone-
sa. A partir desta religião é que poderemos en-
tender um pouco mais a força desse povo, sua
seriedade, seus compromissos e sua devoção.
Templo xintoísta.
As grandes religiões II | 39
O Kojiki diz que as ilhas japonesas foram criadas por Izanami e Izanagi, que também habitaram
a terra como numerosas divindades, das quais os japoneses são descendentes. A família real é descen-
dente de Jimmu Tenno (cerca de 660 a.C.), o primeiro imperador humano, neto de Ni-ni-go, neto de
Amaterasu, a divindade feminina Sol. No Shinto, Amaterasu é reconhecida como a primeira no panteão
das divindades, mas não é a única. É apenas uma entre muitos. O Xintoísmo primitivo via o Japão como
a terra dos deuses, o que explica o caráter nacionalista da religião. Acreditam que todos os japoneses
têm origem divina, mas em especial o imperador, que é descendente da própria deusa do sol.
A partir de 500 d.C., o Xintoísmo enfrentou dura competição com o Budismo, e as duas religiões
acabaram por influenciar uma à outra. Não é raro, no Japão, o uso alternado de várias religiões. É tanto
que o país é chamado por muitos de laboratório religioso. Diferente de outras religiões, como o Cristia-
nismo e o Islamismo, o Xintoísmo não tem um fundador. É tipicamente uma religião nacional. Não conta
com nenhum credo ou código de ética expressamente formulado. A sua essência está na cerimônia e no
ritual, que mantêm o contato com o divino.
O Shinto, “o caminho dos deuses”, pode ser descrito como um modo ideal de comportamento. O
seu sistema ético inclui os seguintes preceitos:
::: lealdade ao imperador;
::: gratidão;
::: coragem diante da morte;
::: o serviço aos outros está acima dos interesses próprios;
::: verdade;
::: polidez até mesmo com os inimigos;
::: controle das manifestações de sentimentos e honra, que significa o ato de preferir a morte do
que a desgraça.
Os acontecimentos da Segunda Guerra Mundial nos mostram um pouco desses conceitos quan-
do os pilotos japoneses foram capazes de jogar seus próprios aviões para atingir o alvo e acabar com o
inimigo.
Principais ideias
O mito da origem japonesa parece ser uma resposta animista primitiva à natureza. A multiplicida-
de de deuses japoneses pode ser atribuída a condições civis primitivas, quando a nação era habitada por
um grande número de clãs independentes, cada um com seus próprios deuses e práticas religiosas.
40 | As grandes religiões II
As ideias confucionistas introduziram o culto aos ancestrais, segundo o qual, quando as pesso-
as morrem, adquirem poderes sobrenaturais. Acredita-se que os mortos são instrumentos de ajuda
e proteção aos vivos, razão que leva os vivos a honrá-los e reverenciá-los, tanto nos rituais fúnebres
como nos santuários domésticos.
As cerimônias religiosas ajudam a evitar acidentes, promovem a cooperação e o contato com os
Kamis, e geram o contentamento e a paz para o indivíduo e a sociedade. As cerimônias são feitas tanto
no próprio lar, como nas grandes festas anuais do templo – Morada dos Kamis. Quatro elementos estão
sempre presentes nestas cerimônias:
::: purificação;
::: sacrifício;
::: oração; e
::: refeição sagrada.
Taoísmo
É interessante observar que toda a filosofia chinesa está voltada para o social. Os problemas éti-
cos, sociais e políticos estão no centro das discussões da maioria das religiões orientais. É basicamente
a preocupação constante com o bem estar das pessoas. É a opção pelo ser e não pelo ter. Se as ideias de
Confúcio são estimulantes para governantes sérios, o Taoísmo apresenta uma visão transcendente das
preocupações com a vida. Apresenta uma visão diferente da vida. É uma cultura oposta ao que estamos
acostumados a viver no ocidente. Aqui apresentaremos um resumo do Taoísmo. Serão recomendadas
leituras complementares para quem tiver interesse maior em conhecer melhor as ideias de Lao-tsé – o
grande e velho mestre.
O Velho Mestre
A origem do Taoísmo é apresentada com o nome de um ho-
Wikipédia
Eu sei que um pássaro pode voar; sei que um peixe pode nadar, sei que os animais podem correr. Criaturas que correm
podem ser apanhadas em redes; as que nadam, em armadilhas de vime; as que voam, atingidas por flechas. Mas o
dragão está além do meu conhecimento; ele sobe ao céu nas nuvens e no vento. Hoje vi Lao-tsé, e ele é como o dragão.
(Confúcio)
O Tao Te King
Uma boa ideia do início do Taoísmo, como conta a tradição, é o que lemos no texto de Huston
Smith, que assim coloca:
A história tradicional conta que Lao-tsé, entristecido com o seu povo pela relutância em cultivar a bondade natural que
ele pregava e buscando maior solidão para os seus últimos anos de vida, montou nas costas de um búfalo e galopou
para o oeste, na direção do atual Tibete. No passo de Hankao, uma sentinela, percebendo o caráter incomum daquele
viajante, tentou convencê-lo a retornar. Não obtendo êxito, pediu ao velho que, ao menos, deixasse um registro de
suas crenças para a civilização que estava abandonada. Lao-tsé, concordando com o pedido, recolheu-se durante três
dias e retornou com um magro volume de 5.000 caracteres intitulado Tao Te King, ou O Caminho e o seu Poder. O livro
pode ser lido em meia hora ou durante toda a vida, e continua a ser, até os dias de hoje, o texto básico do pensamento
Taoísta. Um livrinho de apenas 25 páginas e 81 capítulos. (SMITH, 1991, p. 194)
É interessante fazer um paralelo entre Lao-tsé e Confúcio. O Velho Mestre não pregava, não orga-
nizava, nem promovia. Escreveu algumas páginas a pedido, foi embora e não ficou para dar respostas.
Confúcio teve que infernizar príncipes e barões tentando um cargo administrativo para pôr em prática as
suas ideias. Alguns acreditam que o Tao Te King foi escrito por mais de uma pessoa e afirmam que o livro
só alcançou a forma hoje conhecida na segunda metade do século III a.C. Não importa. O Taoísmo hoje
está tão presente na cultura que é mais importante a essência das palavras deixadas no Tao Te King.
administração bem ordenada, mas Lao-tsé acreditava que qualquer administração é má. “Quanto mais
leis e mandamentos existirem, mais bandidos e ladrões haverá”, diz o Tao Te King.
O Estado ideal de Lao-tsé era a pequena comunidade (a aldeia ou a cidade pequena) que, segundo
ele, já existia nos tempos antigos. Ali as pessoas viviam em paz e contentes, sem interesse em guerrear
contra seus vizinhos, como fizeram mais tarde as províncias chinesas. O líder devia ser um filósofo, e sua
única tarefa era que sua passividade e seu distanciamento servissem de exemplo para os outros.
Praticar a caridade não tem sentido para um Taoísta. Mas ele tem uma boa vontade sem limites
para com os outros, sejam eles bons ou maus.
A pessoa precisa deixar o Tao fluir para dentro e para fora de si mesma, até toda a sua vida se
tornar uma dança na qual não há febres nem desequilíbrios. Wu wei é a vida vivida acima da tensão:
Encha a tigela até a borda
E ela vai derramar
Fique sempre afiando a faca
E ela vai cegar
Wu wei é a materialização da maleabilidade, da simplicidade, da liberdade – uma espécie de
pura eficácia na qual não se desperdiçam movimentos em discussões ou exibições externas.
A pessoa pode caminhar tão bem que nunca deixa pegadas
Falar tão bem que a língua nunca comete deslizes,
Calcular tão bem que não precisa de ábaco. (cap. 27)
Uma eficácia dessa ordem obviamente exige uma capacidade extraordinária, o que é transmitido
pela lenda taoísta do pescador: com um simples fio, ele conseguia puxar para a terra peixes enormes,
porque o fio havia sido fabricado com tanta perfeição que não tinha um “ponto fraco”. A capacidade ta-
oísta raramente é notada porque, vista de fora, wu wei – nunca forçando, nunca sob tensão – parece não
exigir praticamente nenhum esforço. O segredo está na maneira pela qual ele busca os espaços vazios
na vida e na natureza, e se move por meio deles.
A água era o paralelo mais próximo ao Tao do mundo natural. Era também o protótipo do wu
wei. Os chineses observavam a maneira pela qual a água se adapta ao ambiente e procura os lugares
mais baixos. Por isso:
O bem supremo é como a água,
Que alimenta todas as coisas sem esforço.
Ela se contenta com os lugares baixos, que as pessoas desdenham.
Por isso, ela é como o Tao. (cap. 8)
Mas a água, apesar de se acomodar, tem um poder que não é conhecido pelas coisas duras e que-
bradiças. A água abre caminho além das fronteiras e por baixo dos muros divisórios. Seu fluxo suave
acaba dissolvendo as rochas e levando embora as orgulhosas montanhas que pensamos eternas.
As grandes religiões II | 43
Nada no mundo
É tão suave e maleável como a água
No entanto, para dissolver o duro e inflexível
Nada a suplanta.
O suave supera o duro;
O gentil supera o rígido.
Todos sabem que isso é verdade,
Mas poucos o põem em prática.
A pessoa que incorpora estas virtudes, diz o Tao Te King, “trabalha sem trabalhar”. Ela age sem
tensão, persuade sem argumentação, é eloquente sem floreios e alcança resultados sem violência,
coerção ou pressão. Enquanto o agente mal seja percebido, sua influência é de fato decisiva.
Quando o bom líder governa,
O povo mal percebe que ele existe.
O bom líder não fala, age.
Quando ele termina o trabalho,
O povo diz: “fomos nós que fizemos sozinhos”. (cap. 17)
Uma última característica da água, que torna apropriada sua analogia com o wu wei, é a clareza
que ela alcança ficando parada. “Água lodosa deixada parada”, diz o Tao Te King, “ficará límpida.”
Yin/yang
Outra característica do Taoísmo é a sua noção da relatividade de todos os valores e, como ideia
correlata, a identidade dos opostos. Nesse aspecto, o taoísmo está ligado ao tradicional símbolo chi-
nês do yin/yang:
Essa polaridade resume todas as oposições básicas da vida: bem/mal, ativo/passivo, positivo/negativo, claro/escu-
ro, verão/inverno, masculino/feminino. Mas as metades, embora estejam em tensão, não são francamente opos-
tas; elas se contemplam e se equilibram uma à outra. Cada uma invade o hemisfério da outra e faz sua morada no
recesso mais profundo do domínio de sua parceira. E, no fim, ambas se resolvem no círculo que os cerca, o Tao em
sua totalidade. A vida não se dobra sobre si mesma, e chega, completando o círculo, à percepção de que tudo é
um e tudo está bem. (SMITH, 1991, p. 210)
O Taoísmo segue seu princípio da relatividade até seu limite lógico, colocando a vida e a morte
como ciclos complementares no ritmo do Tao.
Há o globo,
O alicerce de minha existência física
Ele me gasta com trabalho e deveres,
Dá-me repouso na velhice,
E me dá paz na morte.
Pois quem me deu o que necessitei na vida
Também me dará o que necessito na morte. (Chuang Tzu)
Assim nós terminamos esta caminhada por estas religiões sapienciais. Naturalmente, cada uma
tem um vasto material para ser lido e analisado. A nossa ideia é dar apenas um panorama para que você
compreenda que existem pensamentos muito diferentes daquilo que estamos acostumados a ver no
Brasil. Aliás, no nosso país quase não encontramos movimentos ligados a estas três religiões.
Conclusão
Foram abordadas três religiões que nos apresentam valores interessantes. É difícil aplicarmos es-
tes valores no nosso dia a dia porque se diferenciam do nosso modo de vida. Na confusão em que vive-
mos, é difícil fazer comparações com a tranquilidade dos orientais.
As grandes religiões II | 45
Atividades
1. Após a leitura dos textos, procure identificar o que difere as religiões abordadas do nosso
pensamento ocidental.
2. Você considera possível aplicar os valores aqui encontrados na nossa vida? De que forma?
Ampliando conhecimentos
Nossa indicação de estudos é a leitura dos capítulos que falam sobre estas três religiões no livro:
PIAZZA, Valdomiro. Religiões da Humanidade. São Paulo: Loyola, 1991.
Autoavaliação
1. Das filosofias de vida destacadas no texto, o que melhor se encaixa com você? Faça uma relação
de pontos que o agradaram.
Referências
KUCHENBECKER, Valter. O Homem e o Sagrado. 5. ed. Canoas: Editora da Ulbra, 2000.
PIAZZA, Waldomiro. Religiões da Humanidade. São Paulo: Loyola, 1991.
SMITH, Huston. As Religiões do Mundo. São Paulo: Cultrix, 1991.
STEFFEN, Ronaldo. As grandes religiões do mundo. In: KUCHENBECKER, Valter. O Homem e o Sagrado.
5. ed. Canoas: Editora da Ulbra, 2000.
Resumo
Vamos trabalhar duas grandes religiões do mundo. São religiões impor-
tantes no contexto internacional. Ao mesmo tempo, são duas religiões
que dividem o mesmo espaço e têm como cidade santa Jerusalém. Não
é e nunca foi fácil manter a paz nesta cidade, já que ela é povoada tam-
bém por religiosos fundamentalistas, o que torna a tolerância um exer-
cício de difícil execução.
Wikipédia.
Jerusalém.
to de todos os lugares em que passaram. Foram perseguidos em muitas situações, mas na dispersão
sempre levaram a sua fé na certeza da existência de um Deus forte, que os acompanha, assim como
acompanhou o povo com Moisés na fuga do Egito em direção à Terra Prometida. É uma religião intima-
mente ligada à história. Aqui, religião e nacionalismo se misturam, assim como acontece também no
Islamismo. Queremos levar você a alguns estudos. O principal dele é entender hoje os conflitos entre
judeus e palestinos, matéria apresentada diariamente pelos meios de comunicação de todo o mundo.
Embarque agora nessa leitura.
Wikipédia.
Muro das Lamentações.
História
A história do povo judaico começa por volta de 1700 a.C., com Abraão, que parte de Ur da Caldeia,
na Babilônia, para Canaã, e depois para o Egito. Abraão gerou Isaac este gerou Jacó, que teve 12 filhos ho-
mens que deram origem às 12 tribos que constituíram a descendência de Abraão. Jacó se estabeleceu no
Egito, onde seu filho José era o primeiro-ministro do Faraó. Após a morte de José, o povo descendente de
Jacó e seus filhos foram oprimidos e escravizados. A libertação se dá através de Moisés, líder escolhido por
Deus para livrar o seu povo. Foram 40 anos de caminhada pelo deserto até a chegada ao Monte Sinai, nes-
te local recebem os Dez Mandamentos (Decálogo) e as leis cerimoniais e civis a serem observadas (Torá).
Recomendamos aqui uma leitura interessante. Na Bíblia você encontra a história completa no
Êxodo1. É um panorama bem interessante sobre o povo judeu.
De 1200 a 1000 a.C., ocorre, em Canaã, o estabelecimento das tribos nômades hebraicas, numa
espécie de ocupação da terra prometida.
Entre 1000 a 587 a.C., ocorre a fase da monarquia, destacando-se os reis Davi, Salomão e o profeta Samuel. A época é
difícil, pois o povo, encantado com as constantes vitórias e conquistas contra os povos vizinhos, esquece com facilidade
o Deus que os protegera e criara até então. É então que surgem os profetas, com a finalidade de recordar o povo da
aliança feita com Deus. Os profetas denunciam os desvios dos reis e do povo, anunciando juízos divinos, numa tentati-
va de fazê-los retornar à fé. Neste período também é estabelecida a existência de dois reinos entre os descendentes de
Jacó: o reino do Norte ou Israel, com capital em Samaria, e o reino do Sul, com capital em Jerusalém. O reino do Norte,
já em 722 a.C., deixa de existir ao cair sob o poder dos assírios. (KUCHENBECKER, 2000)
Seguindo o curso da história, vamos para 539 a.C., quando ocorreu o chamado cativeiro babilôni-
co. Depois, de 587 a 539 a.C., o reino do Sul caiu em poder dos babilônicos e sua população foi simples-
mente deportada para a Babilônia, de onde só foram libertados em 539 a.C., quando o imperador Ciro
conquistou a Babilônia. Com sua volta à terra prometida, observa-se que a grande maioria era perten-
cente à tribo de Judá (um dos filhos de Jacó), sendo, por isso, identificados como judeus. Seu modo de
cultuar passa a ser reconhecido como judaísmo.
O ano de 63 a.C. determina o começo do período de dominação romana. Na ocasião, os judeus já
estavam dispersos por todo o mundo conhecido. A dispersão é interessante porque ajuda na expansão
do Judaísmo pelo mundo. Jerusalém continuava sendo o grande centro de adoração e o ponto de refe-
rência do Judaísmo, enquanto religião e identificação do povo.
Em 70, os romanos destruíram o templo de Jerusalém e, mais uma vez, os judeus remanescentes são
dispersos, perdendo não só o seu ponto de referência, mas o completo controle da Terra Santa. Só em 1948
os judeus obtiveram (pela Organização das Nações Unidas – ONU) o reconhecimento mundial e sua terra,
com a criação do Estado de Israel. Jerusalém, o grande centro religioso judaico, é também centro de dois
outros grandes movimentos religiosos: o Cristianismo e o Islamismo.
No decorrer de toda a sua história, o povo judeu desenvolveu a convicção de ser o povo eleito,
o povo do Deus que sempre dirigiu os seus escolhidos mesmo nos momentos mais críticos. É especial-
mente a partir do cativeiro babilônico que se desenvolveu no judaísmo uma forte esperança de um fu-
turo melhor. Será quando Deus mesmo governará o seu povo através do Messias. Muitos judeus, ainda
hoje, aguardam a chegada desse momento.
Pontos principais
::: Deus criou e governa todos os seres.
::: Deus é uno.
::: Deus não tem corpo.
::: Deus é eterno.
::: Deus deve ser o único a ser adorado.
::: Todas as palavras dos profetas são verdadeiras.
::: Moisés é o maior dos profetas.
::: Toda a Torá (conjunto de leis) é a que foi dada a Moisés.
::: Esta lei não pode ser alterada.
::: Deus conhece todas as ações e todos os pensamentos dos homens.
::: Deus recompensa os que observam os seus mandamentos e pune os que os transgridem.
::: Deus fará vir o Messias.
::: Deus fará reviver os mortos (STEFFEN, 2000).
50 | As grandes religiões III
Quatro tendências
Wikipédia.
Judeu ortodoxo.
Costumes
Os judeus têm costumes muito antigos relativos ao ciclo da vida. São os seguintes:
::: Circuncisão – é feita oito dias após o nascimento. Somente os meninos são circuncidados, de
acordo com a Torá: “Deveis circuncidar a pele do prepúcio, e este será o sinal da aliança entre
nós”. A cerimônia é acompanhada pelos padrinhos. Junto são feitas orações numa cerimônia
de alegria e celebração.
::: Bar-Mitzvá – aos treze anos, o menino judeu passa a ser um Bar-Mitzvá. A expressão significa
“filho do mandamento”. A cerimônia acontece na sinagoga (templo judaico) no primeiro sába-
do após o seu 13.º aniversário. Antes, ele recebe aulas com um rabino para aprender as leis e os
costumes judaicos. Também aprende um trecho da Torá, que será lido no sábado. A partir daí,
o menino passa a ser membro da congregação, com todas as responsabilidades.
As grandes religiões III | 51
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Bar-Mitzvá.
A menina se torna automaticamente uma Bat-Mitzvá quando completa 12 anos. Por volta dos 15
anos, as meninas aprendem história e costumes judaicos, principalmente as regras alimentares, que são
responsabilidade da mulher.
::: Casamento – a família, como não poderia deixar de ser, desempenha um papel especial no
Judaísmo. O casamento é considerado o modo de vida ideal, instituído por Deus. É o único
tipo de coabitação que existe. É tradição que um judeu case com uma judia, apesar de que
hoje é comum vermos casamentos mistos. A cerimônia do casamento chama muito a atenção,
especialmente pelo seu ritual. O contrato de casamento é chamado de Ketubá. Ele é lido du-
rante o ritual. Nele estão registrados todos os deveres do noivo para com a noiva. O casamento
começa com a leitura de sete bênçãos especiais depois disso o casal toma vinho. O noivo en-
tão quebra uma taça com o pé, em memória da destruição do templo. Após o casamento, os
noivos são levados a um quarto particular, onde podem quebrar o jejum e ficar a sós.
O divórcio é permitido se sancionado por um tribunal rabínico e selado pelo marido, que dá à
esposa a carta de divórcio.
::: Enterro – o enterro deve ocorrer o mais rápido possível depois da morte em consideração às
condições do corpo. São contrários à cremação. Não usam flores nem música na cerimônia.
Note que os cemitérios judaicos não são ornamentados. Mesmo assim, são bem cuidados, pois
lá os corpos descansarão até a ressurreição.
Festas judaicas
As festas judaicas estão ligadas ao calendário judaico e são fundamentadas em acontecimentos
históricos. O calendário se apoia no ano lunar e tem 12 meses de 29 ou 30 dias, com 354 dias ao todo.
Acrescenta-se um mês extra sete vezes durante cada ciclo de dezenove anos, para alinhar o ano lunar
pelo ano solar. Desta forma, as datas festivas mudam a cada ano. O tempo é contado em relação à cria-
ção do mundo, a qual, segundo o nosso calendário, ocorreu em 3761 a.C.
52 | As grandes religiões III
Islamismo
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Mesquita.
Você vai ler e gostar desta história. É impressionante a tradição e a cultura islâmicas. Depois dos
atentados de 11 de setembro, milhões de pessoas no mundo desejam ler mais sobre o Islamismo. Querem
entender do fundamentalismo religioso, da coragem de homens prontos a morrer pelo seu Deus. Mas
cuidado! Somente 15% dos muçulmanos são radicais. Afinal, o Islã continua sendo a religião da paz.
Primeiras considerações
A fé islâmica é a que está mais próxima do Ocidente, tanto em termos geográficos como ideológicos. Isto porque em
termos religiosos pertence à família das religiões abraâmicas e, em termos filosóficos, baseia-se nos gregos. Mesmo
assim é a religião mais difícil de ser compreendida pelos ocidentais.
Em certas épocas e lugares, cristãos, muçulmanos e judeus conviveram harmoniosamente – basta pensar na Espanha
Moura. Mas durante boa parte dos últimos 14 séculos, o Islã e a Europa estiveram em guerra e as pessoas raramente
formam uma imagem justa de seus inimigos.
O termo maometismo não é aceito pelos muçulmanos. Além de inexato é ofensivo. Isso porque para eles Maomé não
criou essa religião; Deus a criou. Maomé foi apenas o porta-voz de Deus. Além disso, é ofensivo porque transmite a
impressão de que o Islã se concentra num homem e não em Deus.
Derivado da raiz s-l-m, que basicamente significa “paz”. Num sentido secundário, “entrega”, sua plena conotação é “a paz
que vem quando a pessoa entrega sua vida nas mãos de Deus”. (SMITH, 1991, p. 261)
Pano de fundo
Se perguntarmos como surgiu o Islamismo, eles vão responder que não foi com Maomé na Arábia
do século VI, mas com Deus. “No princípio Deus...”, diz o livro de Gênesis. O Alcorão concorda. A única
54 | As grandes religiões III
diferença está no uso da palavra Alá. Alá é formado pela união do artigo definido al (que significa o) com
Alah (Deus). Literalmente, Alá significa “o Deus”. Não um Deus, porque existe apenas um.
Deus criou o mundo e, depois, os seres humanos. O nome do primeiro homem era Adão. A des-
cendência de Adão chegou a Noé, que teve um filho chamado Sem. É daqui que provém a palavra “se-
mita”; literalmente, semita é do descendente de Sem. Abraão desposou Sara. Como Sara não teve filhos,
Abraão, querendo continuar sua linhagem, tomou Agar como segunda esposa. Agar deu-lhe um filho,
Ismael. Depois, Sara concebeu e teve um filho, chamado Isaac. Sara então exigiu que Abraão banisse
Ismael e Agar da tribo. Chegamos aqui à primeira divergência entre os corânicos e bíblicos. Segundo
o Alcorão, Ismael foi para o local onde se ergueria Meca. Seus descendentes, florescendo na Arábia,
tornaram-se muçulmanos; enquanto os descendentes de Isaac, que permaneceram na Palestina, eram
hebreus e se tornaram judeus.
Maomé
Nasceu na influente tribo de Meka, os Koreisch, aproximadamente em 570 d.C. e recebeu o nome
de Maomé, “altamente louvado”.
A vida foi marcada por tragédias. Perdeu o pai poucos dias antes de nascer; perdeu a mãe quando
tinha oito anos. Foi adotado por um tio que, em declínio, forçou o jovem a trabalhar duro cuidando dos
rebanhos da casa. Mesmo assim foi recebido calorosamente pela nova família.
A descrição de Maomé, segundo a tradição, é a de um jovem puro de coração e amado pelos seus.
Diz-se dele que tinha um temperamento meigo e gentil. Mais tarde era reconhecido como “o verdadeiro”,
“o reto”, “o fidedigno”. Ele permanecia afastado dos outros, de uma sociedade corrupta e degenerada.
Aos 21 anos começou a trabalhar para uma viúva chamada “Khadija”. Ela ficou impressionada com
a sua prudência e aos poucos a relação se aprofundou, tornando-se afeição e depois amor. Embora 15
As grandes religiões III | 55
anos mais velha do que ele, acabaram casando e tornaram-se felizes em todos os sentidos. Depois disso,
seguiram-se mais 15 anos de preparação.
Na caverna do monte chamado Hira, Maomé, precisando de solidão, começou a frequentá-la.
Sondando os mistérios do bem e do mal, incapaz de aceitar o barbarismo, a superstição e o fratricídio
que eram vistos como coisas normais, estendia suas mãos a Deus.
Por volta de 610, o profeta recebe a sua missão: na mesma caverna, depois de muitas visitas e ho-
ras de meditação, uma voz desce do céu e diz: “Tu és o escolhido”. Naquela noite, dizem os muçulmanos,
o livro foi aberto para uma alma já preparada.
Nessa primeira noite de poder, estava Maomé sentado no chão da caverna, com a mente absorta
na mais profunda contemplação, quando chegou até ele um anjo em forma de homem. O anjo lhe dis-
se: “Proclama!” e ele respondeu: “Não sou um proclamador.” Então, como o próprio Maomé relataria,
o anjo me tomou nos braços e apertou-me até alcançar o limite da minha resistência. Ele então me libertou e novamen-
te disse: “Proclama!”. Mais uma vez disse eu: “Não sou um proclamador”. E ele novamente me apertou em seu abraço.
Quando mais uma vez alcançou o limite da minha resistência, ele disse: “Proclama!”. E quando novamente eu protestei,
ele me apertou em seus braços pela terceira vez, dizendo agora:
Despertando do transe, Maomé sentiu que as palavras que ouvira tinham sido marcadas com ferro
em brasa na sua alma. Contou para a esposa que de início resistiu. Mas ouvindo toda a sua história, tornou-
se o primeiro caso de conversão.
Os muçulmanos relatam frequentemente este fato afirmando que “se há quem entenda o verda-
deiro caráter de um homem, esse alguém é sua mulher”.
“Rejubila-te, caro esposo meu, e enche teu coração de alegria”, disse ela. “Serás o profeta deste povo”.
A missão
Numa época carregada de sobrenaturalismo, em que os milagres eram aceitos como as ferramen-
tas características do santo mais comum, Maomé se recusou a fomentar a credulidade humana. Para os
idólatras famintos de milagres que buscavam sinais e portentos, ele esclareceu a questão: “Deus não me
enviou para fazer milagres. Ele me enviou para pregar a vós. Sou apenas um pregador das palavras de
Deus, o portador da mensagem de Deus para a humanidade. Somente os tolos pedem sinais aos céus,
pois a criação, em si, já é a maior prova! Maomé reivindicou apenas um único milagre: o próprio Alcorão.
Produzir essa obra da verdade, unicamente com seus próprios recursos, era a única hipótese naturalista
que ele não aceitava (SMITH, 1991, p. 221).
56 | As grandes religiões III
Wikipédia.
Caaba.
Dez anos depois, em 632 (ou 10 d.H., “depois da Hégira”), Maomé morreu tendo praticamente
toda a Arábia sob o seu controle.
A combinação incomparável de influência secular e religiosa intitula Maomé a ser considerada a
pessoa mais influente da história humana. A explicação dos muçulmanos para esse veredicto é simples:
toda a obra de Maomé, dizem eles, foi obra de Deus.
O milagre permanente
Maomé não foi apenas pastor, mercador, eremita, exilado, soldado, legislador, profeta-sacerdote-
rei e místico; foi também um órfão, o marido durante muitos anos de uma mulher bem mais velha do
que ele, o pai que sofreu a morte de muitos dos seus filhos, um viúvo e finalmente um marido com vá-
rias esposas, algumas bem mais jovens do que ele. Em todos estes papéis, ele foi exemplar.
Dizem os muçulmanos em gratidão: “que a paz esteja sobre ele”. Mas o centro terreno da fé dos
muçulmanos é o Alcorão.
O Alcorão
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Alcorão.
58 | As grandes religiões III
É interessante falar sobre o livro sagrado do Islamismo. O Alcorão é o livro mais recitado no mun-
do, segundo alguns pesquisadores. A revelação de todo o livro a Maomé nos chama a atenção:
Literalmente, a palavra árabe al-qur’na (de onde provém “corão”) significa leitura, recitação. Talvez seja o livro mais reci-
tado e lido no mundo. É, com certeza, o livro mais memorizado e, possivelmente, o que exerce maior influência sobre
quem o lê. Para eles, o livro é um milagre permanente. O fato de o próprio Maomé com tão pouca escolaridade a ponto
de ser analfabeto e mal conseguir escrever o seu nome ter sido capaz de produzir um livro que oferece os alicerces de
todo o conhecimento, sendo ao mesmo tempo, gramaticalmente perfeito e de poesia inigualável – isso, no entender
de Maomé e de todos os muçulmanos, é algo que desafia a crença. (SMITH, 1991, p. 225)
Com um tamanho que corresponde a 4/5 de Novo Testamento, o Alcorão se divide em 144 capí-
tulos, ou suras, que (com exceção do primeiro, um capítulo muito curto que figura nas preces diárias
dos muçulmanos) se arranjam em ordem descrescente de tamanho. A sura 2 tem 286 versículos, a sura
3 tem 200, e assim por diante, até chegar à sura 114, com apenas seis versículos.
As palavras do Alcorão chegaram até Maomé em segmentos de fácil manejo, ao longo de 23 anos
por meio de vozes que, de início, pareciam variar e às vezes soavam como a “reverberação dos sinos”,
mas que gradualmente se condensavam numa única voz que se identificou como a de Gabriel.
As palavras que Maomé exclamava nesses frequentes estados de “transe” eram memorizadas por
seus seguidores e registradas em ossos, cascas de árvores, folhas e pedaços de pergaminho, com Deus
preservando sua acuraria do início ao fim.
O Alcorão continua o Antigo Testamento e o Novo Testamento, primeiras revelações de Deus, e se
apresenta como a sua culminação. “Fizemos uma aliança com os filhos de Israel e em nada vos apoiais
enquanto não observardes a Torá e os Evangelhos” (SMITH, 1991).
O ritmo, a cadência melódica e a rima produzem um numeroso efeito hipnótico. Deste modo, o poder da revelação
corânica não está apenas no significado literal de suas palavras, mas também na língua em que se incorporou esse sig-
nificado, incluindo o seu som. É por isso que os muçulmanos sempre preferiram ensinar aos outros povos a língua na
qual, segundo a sua crença, Deus falou pela última vez, com força e clareza incomparáveis. (SMITH, 1991)
No Alcorão, Deus fala na primeira pessoa. Alá se descreve e torna conhecidas suas leis. O Alcorão
não fala da verdade: ele é a verdade.
É um memorando para o fiel, um lembrete para os atos diários e o repositório da verdade revelada.
É um manual de definições e garantias e, ao mesmo tempo, um mapa rodoviário para a vontade. Final-
mente, é uma colação de máximas para a meditação em particular, aprofundando infinitamente nosso
senso da glória divina. “Perfeita é a Palavra de teu Senhor, na justiça e na verdade” (Sura 6:115).
Conceitos teológicos
Com poucas exceções, os conceitos teológicos básicos do Islamismo são praticamente idênticos
aos do Judaísmo e do Cristianismo, seus predecessores.
::: Deus é imaterial e, portanto, invisível. Os muçulmanos temem Alá. O bem e o mal têm impor-
tância. As escolhas têm consequências, e desdenhá-las seria tão desastroso quanto escalar
uma montanha de olhos vendados. A crença no Alcorão ocupa lugar tão decisivo por ser aná-
loga à avaliação do monte Everest pelo alpinista: sua majestade é evidente, mas também são
evidentes os perigos que apresenta. Qualquer erro seria desastroso.
As grandes religiões III | 59
::: O mundo foi criado por um ato deliberado da vontade de Alá. Ele criou céus e terra.
::: Ele criou o homem, lemos na Sura 16:4, e a primeira coisa que observamos nessa criação é a
sua constituição perfeita.
::: A ideia de entrega (rendição, capitulação) está tão carregada de conotações militares que pre-
cisamos fazer um esforço consciente para perceber que ela também significa uma absoluta e
sincera doação de nós mesmos. Para eles, ser um escravo de Alá significa libertar-se de outras
formas de escravidão. Abraão é decididamente a figura mais importante do Alcorão: ele pas-
sou no teste último de estar pronto a sacrificar o filho, se isso lhe fosse pedido.
::: Toda vida é individual; não existe uma vida universal. Deus é, Ele próprio, um indivíduo; Ele é o
indivíduo mais singular. “Ó Filho de Adão, tu morrerás sozinho, entrarás sozinho em teu túmu-
lo e sozinho serás ressuscitado, e será contigo, contigo sozinho, que se fará o ajuste de contas.”
“Quem cometer delitos, comete-os apenas por sua própria responsabilidade. Quem se desvia
carrega consigo toda a responsabilidade por seu desnorteamento” (Sura 4:111 e Sura 10:103).
O Alcorão apresenta a vida como uma oportunidade breve, mas imensamente preciosa, que
oferece uma escolha “única para sempre”. Dependendo da maneira como se sai em seu julga-
mento, a alma será encaminhada ao céu ou ao inferno.
Os cinco pilares
São como uma ordem aos islâmicos. Seguem esses pilares diariamente por toda a vida. São eles:
::: caminho da retidão – Deus é um só e Maomé o profeta;
::: praticar as orações;
::: praticar a caridade. As pessoas que têm muito devem ajudar a aliviar o fardo dos menos afor-
tunados;
::: observar o mês de Ramadã. O jejum: jejuar obriga a pessoa a pensar; ensina a autodisciplina;
faz relembrar nossa fragilidade e dependência; sensibiliza a compaixão;
::: a peregrinação.
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Peregrino em Meca.
60 | As grandes religiões III
Existem outras coisas que eles não podem fazer: jogar, roubar, mentir, comer carne de porco, in-
gerir álcool e praticar a promiscuidade sexual.
A economia
Enquanto as necessidades básicas do corpo não forem satisfeitas, os interesses mais elevados não
conseguem florescer. O Islã não faz objeção ao lucro, à concorrência econômica ou à ousadia empresa-
rial. Veem o Alcorão como um manual de administração de empresas. A herança deve ser partilhada por
todos os herdeiros, filhas tanto quanto filhos. Um versículo do Alcorão proíbe a cobranças de juros.
Relações raciais
O Islã enfatiza a igualdade racial.
Abraão é um modelo para eles. Ele desposou Hagar, uma mulher de raça negra que é vista no Islã
como a segunda esposa de Abraão e não como uma concubina.
O uso da força
::: O Alcorão ensina a perdoar e a retribuir o mal com o bem quando as circunstâncias o permiti-
rem. “Afastai-vos o mal com algo melhor”, mas isso é diferente de não resistir ao mal.
::: Quando se estende o princípio de justiça para a vida coletiva, temos, por exemplo, a jihad, o
conceito muçulmano de Guerra Santa, cujos mártires têm assegurado o paraíso.
::: “Defendei-vos contra vossos inimigos, mas não o ataqueis primeiro: Deus não ama o agressor”.
(Sura 2:190).
::: O Islamismo, embora em certos momentos tenha sido difundido pela espada, difundiu-se
principalmente pela persuasão e pelo exemplo.
As grandes religiões III | 61
::: Eles negam que o registro de intolerância e agressão do Islã seja maior que as outras gran-
des religiões.
::: Jihad significa, literalmente, esforço (SMITH, 1991, p. 245).
Divisão
A principal divisão histórica foi entre os sunitas (tradicionalistas, de Sunnah – tradição), que com-
preedem 87% de todos os muçulmanos e os xiitas (literalmente partidários de Ali, o genro de Maomé)
que deveria ter sido o sucessor direto de Maomé, mas foi preterido três vezes e, quando finalmente
indicado líder muçulmano, foi assassinado.
::: Xiitas – Irã, Iraque.
::: Sunitas – Oriente Médio, Turquia e África, Paquistão e Bangladesh, Malásia, Indonésia, onde há
mais muçulmanos do que em todo mundo árabe.
Há indicativos de que o Islã está despertando de muitos séculos de estagnação, exacerbada sem
dúvida pela colonização. Contando com mais de 900 milhões de fiéis numa população global de seis
bilhões, hoje em dia uma pessoa em cada cinco ou seis pertence a esta religião.
Atividades
1. Quais são as similaridades o Judaísmo e o Islamismo?
62 | As grandes religiões III
3. Faça uma relação de valores que mais lhe agradaram neste texto.
Ampliando conhecimentos
Recomendo a leitura dos capítulos 6 e 7 do seguinte livro:
SMITH, Huston. As Religiões do Mundo. São Paulo: Cultrix, 1991.
As grandes religiões III | 63
Autoavaliação
1. Lendo o material apresentado, quais os preceitos do Judaísmo você conseguiria seguir sem mudar
seu estilo de vida?
Referências
BÍBLIA. Português. Bíblia Sagrada. Revista e atualizada. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 1999.
KUCHENBECKER, Valter. O Homem e o Sagrado. Canoas: Editora da Ulbra, 2000.
STEFFEN, Ronaldo. As grandes religiões do mundo. In: KUCHENBECKER, Valter. O Homem e o Sagrado.
Canoas: Editora da Ulbra, 2000.
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Cultura Religiosa
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