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Generosidade

Dana

Um tesouro
"E qual é o tesouro da generosidade? É o caso em que um nobre discípulo permanece em casa
com uma mente desprovida da mácula da avareza, espontaneamente generoso, mão aberta,
que se delicia com a renúncia, devotado à caridade, deliciando-se em dar e compartir. A isto
se denomina o tesouro da generosidade."

Cinco recompensas
"Bhikkhus, há cinco benefícios da generosidade. Quais cinco? (1) A pessoa é estimada pelas
pessoas em geral. (2) A pessoa tem pessoas verdadeiras como companheiros. (3) Ela desfruta
de boa reputação. (4) A pessoa não se esquiva das responsabilidades de um chefe de família.
(5) Na dissolução do corpo após a morte, ela renasce num destino feliz, no paraíso."

Superando a mesquinharia
Conquiste a raiva com a não raiva,
conquiste o mal com o bem,
com a generosidade conquiste a avareza,
conquiste a mentira com a verdade.

Aquilo que o ávaro teme quando ele não dá


é exatamente o perigo que ameaça o não doador.
A fome e a sede que o ávaro teme
afligem esse tolo neste mundo e no próximo.

Os avaros não vão para os paraísos,


os ignorantes não elogiam a generosidade,
mas o sábio que se delicia em dar
desfrutará de felicidade na vida futura.

Dando mesmo a sua última refeição


"Se os seres soubessem, como eu sei, os resultados de dar e compartir, eles não comeriam
sem antes ter dado, nem permitiriam que a mácula do egoísmo tome conta das suas mentes.
Mesmo se fosse o seu último bocado, a sua última mordida, eles não comeriam sem ter
compartido, se houvesse alguém com quem compartir. Mas porque os seres não sabem, como
eu sei, os resultados de dar e compartir, eles comem sem ter dado. A mácula do egoísmo toma
conta das suas mentes."

Aquilo que é dado está bem salvo


“Portanto, quando o mundo arde
Com [as chamas] do envelhecimento e morte,
Ele deveria remover [sua riqueza] sendo generoso:
Aquilo que é dado está bem salvo.
“Aquilo que é dado produz bons frutos,
Mas não aquilo que não é dado.
Ladrões ou reis roubam-no,
É queimado pelo fogo ou perdido.

Dando no momento adequado


Na época oportuna eles dão -
com sabedoria,
responsivos, livres da avareza.
Tendo dado na época oportuna,
com os corações inspirados pelos Nobres
- eretos, Assim -
as suas oferendas produzem abundância.
Aqueles que se regozijam com essa oferenda
ou dão assistência,
eles, também, compartem do mérito,
e a oferenda não fica esgotada por isso.
Assim, com a mente sem hesitação
a pessoa deve dar onde a oferenda produz bons frutos.
Mérito é o que estabelece
os seres na próxima vida

Para colher as maiores recompensas a quem devemos dar?


Estando sentado a um lado, o rei Pasenadi de Kosala disse para o Abençoado: "Onde, senhor,
deve uma oferenda ser dada?"
"Em qualquer lugar em que a mente sinta confiança, grande rei."
"Mas uma oferenda dada onde, senhor, resulta em grandes frutos?"
"Esta [questão] é uma coisa, grande rei - ‘Onde deve uma oferenda ser dada?’ - enquanto essa
- ‘Onde é que uma oferenda dada resulta em grandes frutos’ - é algo totalmente diferente. O
que é dado a uma pessoa virtuosa - ao invés de uma pessoa não virtuosa - resulta em grandes
frutos."

Muitos frutos
"É possível, senhor, apontar um fruto da generosidade visível no aqui e agora?"
"É possível, Siha. Quem é generoso, um mestre na generosidade, é querido e simpático para
as pessoas em geral. E o fato de que quem é generoso, um mestre na generosidade, ser
querido e simpático para as pessoas em geral: esse é um fruto da generosidade visível no aqui
e agora.
"Além disso, boas pessoas, pessoas íntegras, admiram quem é generoso, um mestre da
generosidade. E o fato de que boas pessoas, pessoas íntegras, admirarem quem é generoso,
um mestre na generosidade: esse, também, é um fruto da generosidade visível no aqui e
agora.
"Além disso, a fina reputação de quem é generoso, um mestre da generosidade, se difunde
amplamente. E o fato de que a fina reputação de quem é generoso, um mestre da
generosidade, se difundir amplamente: esse, também, é um fruto da generosidade visível no
aqui e agora.
"Além disso, quando alguém é generoso, um mestre da generosidade, se aproxima de uma
assembléia de pessoas - nobres guerreiros, brâmanes, chefes de família, ou contemplativos -
ele assim o faz com confiança e sem embaraço: e o fato de que quando alguém é generoso,
um mestre da generosidade, se aproximar de uma assembléia de pessoas - nobres guerreiros,
brâmanes, chefes de família, ou conntemplativos – fazê-lo com confiança e sem embaraço:
esse, também, é um fruto da generosidade visível no aqui e agora.
"Além disso, na dissolução do corpo, após a morte, aquele que é generoso, um mestre da
generosidade, renasce num destino feliz, no paraíso. E o fato de que na dissolução do corpo,
após a morte, aquele que é generoso, um mestre da generosidade, renascer num destino feliz,
no paraíso: esse, também, é um fruto da generosidade visível na próxima vida.
Quando isto foi dito, o general Siha disse para o Abençoado: "Quanto aos quatro frutos da
generosidade visíveis no aqui e agora que foram apontados pelo Abençoado, não é o caso de
que com relação a eles eu os aceite pela convicção no Abençoado. Eu os conheço também. Eu
sou generoso, um mestre da generosidade, querido e simpático para as pessoas em geral. Eu
sou generoso, um mestre da generosidade; pessoas boas, pessoas íntegras me admiram. Eu
sou generoso, um mestre da generosidade e minha fina reputação está amplamente
difundida: ‘Siha é generoso, ele faz, apóia a Sangha.’ Eu sou generoso, um mestre da
generosidade e quando me aproximo de uma assembléia de pessoas - nobres guerreiros,
brâmanes, chefes de família, ou contemplativos - eu o faço com confiança e sem embaraço.
"Porém quando o Abençoado me diz, ‘Na dissolução do corpo, após a morte, aquele que é
generoso, um mestre da generosidade, renasce num destino feliz, no paraíso.’ Isso eu não sei.
Isso eu aceito com base na convicção no Abençoado."
"Assim é, Siha. Assim é. Na dissolução do corpo, após a morte, aquele que é generoso, um
mestre da generosidade, renasce num destino feliz, no paraíso."
Muitas razões, muitos frutos
"Sariputta, há o caso em que a pessoa dá uma oferenda buscando seu próprio benefício, com
sua mente apegada [à recompensa], pensando em acumulá-la para si mesma [com o
pensamento], 'Eu a desfrutarei após a morte.' Ela dá uma oferenda - comida, bebida, roupas,
um veículo, um ornamento, perfume e ungüento, roupas de cama, moradia, uma lamparina -
para um brâmane ou um contemplativo. O que você pensa , Sariputta? Pode uma pessoa dar
uma oferenda como essa?"
"Sim, senhor."
"Tendo dado essa oferenda buscando seu próprio benefício, com sua mente apegada [à
recompensa], pensando em acumulá-la para si mesma [com o pensamento], 'Eu a desfrutarei
após a morte.' - na dissolução do corpo, após a morte, ela renasce no mundo dos devas dos
Quatro Grandes Reis. Então tendo esgotado aquela ação, aquele poder, aquele status, aquela
soberania, ela retorna, voltando a este mundo.
"Então há o caso em que a pessoa dá uma oferenda sem buscar seu próprio benefício, sem a
mente apegada [à recompensa], não pensando em acumulá-la para si mesma nem [com o
pensamento], 'Eu a desfrutarei após a morte.' Ao invés disso, ela dá uma oferenda com o
pensamento ‘A generosidade é boa.’ Ela dá uma oferenda - comida, bebida, roupas, um
veículo, um ornamento, perfume e ungüento, roupas de cama, moradia, uma lamparina- para
um brâmane ou um contemplativo. O que você pensa , Sariputta? Pode uma pessoa dar uma
oferenda como essa?"
"Sim, senhor."
"Tendo dado essa oferenda com o pensamento, ‘A generosidade é boa,’ na dissolução do
corpo, após a morte, ela renasce no mundo dos devas do Tavatimsa. Então tendo esgotado
aquela ação, aquele poder, aquele status, aquela soberania, ela retorna, voltando a este
mundo.
"Ou, ao invés de pensar ‘A generosidade é boa’ ela dá a oferenda com o pensamento, 'Isto foi
dado no passado, feito no passado, por meu pai e avô. Não seria correto que eu permitisse
que esse antigo costume da família fosse descontinuado' ... na dissolução do corpo, após a
morte, ela renasce no mundo dos devas do Yama. Então tendo esgotado aquela ação, aquele
poder, aquele status, aquela soberania, ela retorna, voltando a este mundo.
"Ou, ao invés de pensar ... ela dá uma oferenda com o pensamento, ‘Eu sou próspero. Eles não
são prósperos. Não seria correto, que em sendo eu próspero, não desse uma oferenda para
aqueles que não são prósperos ... na dissolução do corpo, após a morte, ela renasce no mundo
dos devas do Tusita. Então tendo esgotado aquela ação, aquele poder, aquele status, aquela
soberania, ela retorna, voltando a este mundo.
"Ou, ao invés de pensar … ela dá uma oferenda com o pensamento ‘Tal como no passado
houve o sacrifício dos sábios - Atthaka, Vamaka, Vamadeva, Vessamitta, Yamataggi, Angirasa,
Bharadvaja, Vasettha, Kassapa, e Bhagu - da mesma forma essa será a minha distribuição de
oferendas’ ... na dissolução do corpo, após a morte, ela renasce no mundo dos devas
Nimmanarati. Então tendo esgotado aquela ação, aquele poder, aquele status, aquela
soberania, ela retorna, voltando a este mundo.
"Ou, ao invés de pensar … ela dá uma oferenda com o pensamento, ‘Quando esta minha
oferenda é dada, a minha mente fica clara com serena confiança. Surgem a satisfação e a
alegria’ ... na dissolução do corpo, após a morte, ela renasce no mundo dos devas
Paranimmita-vasavatti. Então tendo esgotado aquela ação, aquele poder, aquele status,
aquela soberania, ela retorna, voltando a este mundo.
"Ou, ao invés de pensar ‘Quando esta minha oferenda é dada, a minha mente fica clara com
serena confiança. Surgem a satisfação e a alegria’ ela dá uma oferenda com o pensamento
‘Isto é um ornamento para a mente, um suporte para a mente.’ Ela dá uma oferenda - comida,
bebida, roupas, um veículo, um ornamento, perfume e ungüento, roupas de cama, moradia,
uma lamparina - para um brâmane ou um contemplativo. O que você pensa , Sariputta? Pode
uma pessoa dar uma oferenda como essa?"
"Sim, senhor."
"Tendo dado isso, sem buscar seu próprio benefício, nem com a mente apegada [à
recompensa], pensando em acumulá-la para si mesmo [com o pensamento], 'Eu a desfrutarei
após a morte.'
" – nem com o pensamento, 'A generosidade é boa,’
" – nem com o pensamento, 'Isto foi dado no passado, feito no passado, por meu pai e avô.
Não seria correto que eu permitisse que esse antigo costume da família fosse descontinuado,'
" - nem com o pensamento, ‘Eu sou próspero. Eles não são prósperos. Não seria correto, em
sendo eu próspero, não desse uma oferenda para aqueles que não são prósperos,' nem com
o pensamento, ‘Tal como no passado houve o sacrifício dos sábios - Atthaka, Vamaka,
Vamadeva, Vessamitta, Yamataggi, Angirasa, Bharadvaja, Vasettha, Kassapa, e Bhagu - da
mesma forma essa será a minha distribuição de oferendas,’
" – nem com o pensamento, ‘Quanto esta minha oferenda é dada, a minha mente fica clara
com serena confiança. Surgem a satisfação e a alegria,’
" – porém com o pensamento, ‘Isto é um ornamento para a mente, um suporte para a mente.’
- na dissolução do corpo, após a morte, ela renasce no mundo dos devas do Cortejo de Brahma.
Então tendo esgotado aquela ação, aquele poder, aquele status, aquela soberania, ela não
retorna. Ela não retornará a este mundo.
"Essa, Sariputta, é a causa, essa é a razão, porque uma pessoa dá uma oferenda de um certo
tipo e não resulta em grandes frutos ou grandes benefícios, enquanto que outra pessoa dá
uma oferenda do mesmo tipo e resulta em grandes frutos e grandes benefícios."

Oito Preceitos/Virtudes

Estas regras de treinamento são observadas por leigos durante os períodos de prática de
meditação intensiva.

É um costume os devotos comprometidos com a prática observar os Oito Preceitos em certos


dias do mês, principalmente nos dias de introspeção e meditação profunda. Eles retiram-se de
suas vidas diárias, cheias que são de demandas materiais e sensuais. O objetivo de observar os
Oito Preceitos é desenvolver o relaxamento e a tranquilidade, treinar a mente e desenvolver-
se espiritualmente.

Durante esse período de observação dos preceitos, os devotos passam seu tempo lendo livros
acerca da prática, ouvindo os Ensinamentos de Buddha, meditando e também ajudando nas
atividades. Após esse período, eles revertem dos Oito Preceitos para os Cinco Preceitos
destinados à observância diária e voltam para casa a fim de retomarem sua vida normal.

Os Oito Preceitos consistem na abstenção de:

1. matar; Eu tomo o preceito de abster-me de matar seres vivos.

2. roubar; Eu tomo o preceito de abster-me de tomar o que não for dado.

3. ações sexuais; Eu tomo o preceito de abster-me de comportamento não-casto.

4. mentir; Eu tomo o preceito de abster-me da linguagem mentirosa.

5. tomar intoxicantes; Eu tomo o preceito de abster-me do álcool e outras drogas que causam
a negligência.

6. ingerir alimentos após o meio-dia; Eu tomo o preceito de abster-me de comer após o meio
dia.

7. dançar, cantar, música, shows não apropriados, uso de adornos, perfumes e objetos que
tendem a embelezar a pessoa; Eu tomo o preceito de abster-me de dançar, cantar, ouvir
música, ver espetáculos de entretenimento, de usar ornamentos, usar perfumes, e embelezar
o corpo com cosméticos

8. usar camas e descansos altos e luxuosos; Eu tomo o preceito de abster-me de deitar em leitos
elevados ou luxuosos.

Os budistas não são contra o dançar, o cantar, a música, o cinema, os perfumes, ornamentos
e coisas luxuosas. Não há regra no Budismo que declare que os leigos budistas devam se abster
de tais coisas. As pessoas que escolhem se abster desses entretenimentos são devotos budistas
que observam os preceitos somente por um curto período como um modo de autodisciplina. A
razão para se afastar desses entretenimentos e ornamentos é acalmar os sentidos mesmo que
por umas poucas horas e treinar a mente no sentido de não ser escrava dos prazeres sensoriais.
Isso ajuda a compreender que tais ações somente aumentam a crença de um ego permanente.
Elas aumentam as paixões da mente e estimulam emoções que impedem o desenvolvimento
espiritual. Ocasionalmente abstendo-se delas, as pessoas progredirão no sentido de superar
suas fraquezas e exercer um maior controle sobre si mesmas. Entretanto, os budistas não
condenam esses entretenimentos como coisas erradas. É importante para nós apreciar que a
prática de tais preceitos é tomada, não por medo de transgressão, mas pelo entendimento do
benefício existente em ser humilde e levar uma vida simples.

A observância dos preceitos (tanto os Cinco como os Oito Preceitos), quando executada de
forma séria e sincera é de grande benefício. Ela traz grandes benefícios para esta vida,
especialmente no desenvolvimento da sabedoria de ver as coisas como realmente são. Dessa
forma, as pessoas deveriam tentar seu melhor no sentido de observar os preceitos com
compreensão e tão frequentemente quanto possam.

A Pequena Seção sobre a Virtude

43-62. “E como um bhikkhu é consumado em virtude? Abandonando tirar a vida de outros


seres, ele se abstém de tirar a vida de outros seres; ele permanece com a sua vara e arma
postas de lado, bondoso e gentil, compassivo com todos os seres vivos. Isto é parte da sua
virtude.

“Abandonando tomar o que não seja dado, ele se abstém de tomar o que não é dado; tomando
somente aquilo que é dado, aceitando somente aquilo que é dado, não roubando ele
permanece puro. Isto, também, é parte da sua virtude.

“Abandonando o não celibato, ele vive uma vida celibatária, vive separado, abstendo-se da
prática vulgar do ato sexual. Isto, também, é parte da sua virtude.

“Abandonando a linguagem mentirosa, ele se abstém da linguagem mentirosa. Ele fala a


verdade, mantém a verdade, é firme e confiável, não é um enganador do mundo. Isto,
também, é parte da sua virtude.

“Abandonando a linguagem maliciosa, ele se abstém da linguagem maliciosa. O que ele ouviu
aqui ele não conta ali para separar aquelas pessoas destas. O que ele ouviu lá ele não conta
aqui para separar estas pessoas daquelas. Assim ele reconcilia aquelas pessoas que estão
divididas, promove a amizade, ele ama a concórdia, se delicia com a concórdia, desfruta da
concórdia, diz coisas que criam a concórdia. Isto, também, é parte da sua virtude.

“Abandonando a linguagem grosseira, ele se abstém da linguagem grosseira. Ele diz palavras
que são gentis, que agradam aos ouvidos, carinhosas, que penetram o coração, que são
corteses, desejadas por muitos e que agradam a muitos. Isto, também, é parte da sua virtude.

“Abandonando a linguagem frívola, ele se abstém da linguagem frívola. Ele fala na hora certa,
diz o que é fato, aquilo que é bom, fala de acordo com o Dhamma e a Disciplina; nas horas
adequadas ele diz palavras que são úteis, racionais, moderadas e que trazem benefício. Isto,
também, é parte da sua virtude.

“Ele se abstém de danificar sementes e plantas.

“Ele come somente uma vez ao dia, privando-se da refeição noturna e de alimentos nas horas
incorretas.

“Ele se abstém de dançar, cantar, ouvir música e de ver espetáculos de entretenimento.

“Ele se abstém de usar ornamentos, usar perfumes e de embelezar o corpo com cosméticos.

“Ele se abstém de deitar em leitos elevados e luxuosos.

“Ele se abstém de aceitar ouro e dinheiro.

“Ele se abstém de aceitar grãos que não estejam cozidos ... carne crua ... mulheres e garotas
... escravos e escravas ... cabras e ovelhas ... aves e porcos ... elefantes, gado, cavalos e éguas
... terras e propriedades.

“Ele se abstém de fazer pequenas tarefas e levar mensagens ... de comprar e vender ... de lidar
com balanças falsas, metais falsos, falsas medidas ... do suborno, burla e fraude.

“Ele se abstém de mutilar, executar, aprisionar, roubar, pilhar e violentar.

“Isto, também, é parte da sua virtude.


Desvantagens (Perigos)
Adinava

As desvantagens da sensualidade
Mesmo que chovam moedas de ouro
os desejos sensuais não são saciados,
desejos sensuais são dukkha, proporcionam pouca alegria,
isso o sábio compreende.
Mesmo os prazeres celestiais
não oferecem deleite,
o discípulo do perfeito Buda
apenas se delicia com o fim do desejo.

“Chefe de família, suponha que um cão, subjugado pela fome e fraqueza, estivesse
esperando num açougue. Então um açougueiro habilidoso ou o seu aprendiz, descarnasse
um osso e o deixasse lambuzado de sangue sem nada de carne e o arremessasse ao cão. O
que você pensa chefe de família? Aquele cão iria dar fim à sua fome e fraqueza roendo
aquele osso lambuzado de sangue e sem carne ?” - “Não, venerável senhor. Porque não?
Porque aquilo é apenas um osso lambuzado de sangue e sem carne. No final das contas,
aquele cão iria só colher cansaço e desapontamento.”
“Da mesma forma, chefe de família, um nobre discípulo considera o seguinte: ‘Os prazeres
sensuais foram comparados a um osso pelo Abençoado; eles proporcionam pouca
gratificação, muito sofrimento, muito desespero e quanto perigo eles contêm.’

A gratificação, o perigo e a escapatória da sensualidade


“E o que, bhikkhus, é a gratificação no caso dos prazeres sensuais? Bhikkhus, existem esses
cinco elementos do prazer sensual. Quais cinco? Formas conscientizadas pelo olho que são
desejáveis, agradáveis e fáceis de serem gostadas, conectadas com o desejo sensual e que
provocam a cobiça. Sons conscientizados pelo ouvido…Aromas conscientizados pelo
nariz…Sabores conscientizados pela língua…Tangíveis conscientizados pelo corpo que são
desejáveis, agradáveis e fáceis de serem gostados, conectados com o desejo sensual e que
provocam a cobiça. Esses são os cinco elementos do prazer sensual. Agora o prazer e a
alegria que surgem na dependência desses cinco elementos do prazer sensual são a
gratificação no caso dos prazeres sensuais.
“E o que , bhikkhus, é o perigo no caso dos prazeres sensuais? Aqui, bhikkhus, por conta da
atividade pela qual um membro de um clã ganha a vida – quer seja registrando ou
contabilizando, ou calculando, ou cultivando, ou comerciando, ou administrando, ou como
arqueiro, ou a serviço do rei, ou qualquer outra atividade que seja – ele tem que enfrentar o
frio, ele tem que enfrentar o calor, ele se fere pelo contato com moscas, mosquitos, vento,
sol e criaturas rastejantes; ele se arrisca a morrer de fome e sede. Agora, esse é um perigo
no caso dos prazeres sensuais, uma massa de sofrimento visível no aqui e agora tendo o
prazer sensual como condição, tendo o prazer sensual como fonte, tendo o prazer sensual
como base, tendo como causa, simplesmente, os prazeres sensuais.
“Se nenhum bem é recebido pelo membro de um clã ao se empenhar e se esforçar no seu
trabalho, ele fica triste, se angustia e lamenta, ele chora batendo no peito e fica perturbado,
clamando: ‘Meu trabalho é em vão, meu esforço infrutífero!’ Agora, esse também é um
perigo no caso dos prazeres sensuais uma massa de sofrimento visível no aqui e agora tendo
o prazer sensual como condição, tendo o prazer sensual como fonte, tendo o prazer sensual
como base, tendo como causa, simplesmente, os prazeres sensuais.
“Se algum bem é recebido pelo membro de um clã ao se empenhar e se esforçar no seu
trabalho, ele experimenta dor e angústia ao protegê-lo: ‘Como farei para que nem reis nem
ladrões roubem os meus bens, nem o fogo os queime, nem as águas os carreguem, nem
herdeiros odiosos os levem?’ E enquanto ele guarda e protege os seus bens, reis ou ladrões
os roubam ou o fogo os queima, ou as águas os carregam, ou herdeiros odiosos os levam. E
ele fica triste, se angustia e lamenta, ele chora batendo no peito e fica perturbado,
clamando: ‘O que eu tinha não tenho mais!’ Agora, esse também é um perigo no caso dos
prazeres sensuais…tendo como causa, simplesmente, os prazeres sensuais.
“Além disso, tendo o prazer sensual como condição, tendo o prazer sensual como fonte,
tendo o prazer sensual como base, tendo como causa, simplesmente, os prazeres sensuais,
reis brigam com reis, nobres com nobres, brâmanes com brâmanes, chefes de família com
chefes de família; a mãe briga com o filho, o filho com a mãe, o pai com o filho, o filho com o
pai, o irmão briga com o irmão, o irmão com a irmã, a irmã com o irmão, o amigo com o
amigo. E nas suas brigas, rixas e disputas eles se atacam uns aos outros com punhos, pedras,
paus ou facas e com isso eles causam a si próprios a morte ou sofrimento igual à morte.
Agora esse também é um perigo no caso dos prazeres sensuais…tendo como causa,
simplesmente, os prazeres sensuais.
“Além disso, tendo o prazer sensual como condição...os homens tomam espadas e escudos e
afivelam arcos e coldres e eles se lançam na batalha, concentrados em fila dupla com flechas
e lanças voando e espadas cintilando; e ali eles são feridos por flechas e lanças e as suas
cabeças são decepadas por espadas e com isso eles causam a si próprios a morte ou
sofrimento igual à morte. Agora esse também é um perigo no caso dos prazeres
sensuais…tendo como causa, simplesmente, os prazeres sensuais.
“Além disso, tendo o prazer sensual como condição...os homens tomam espadas e escudos e
afivelam arcos e coldres, e eles se lançam contra bastiões escorregadios, com flechas e
lanças voando e espadas cintilando; e ali eles são feridos por flechas e lanças e molhados
com líquidos ferventes e esmagados sob objetos pesados e as suas cabeças são decepadas
por espadas e com isso eles causam a si próprios a morte ou sofrimento igual à morte. Agora
esse também é um perigo no caso dos prazeres sensuais…tendo como causa, simplesmente,
os prazeres sensuais.
“Além disso, tendo o prazer sensual como condição...homens arrombam casas, pilham
riquezas, cometem roubo, emboscam nas estradas, seduzem as mulheres dos outros e
quando capturados, os reis lhes infligem muitos tipos de tortura. Os reis fazem com que eles
sejam açoitados com chicotes, golpeados com vara, golpeados com clavas; as mãos são
cortadas, os pés são cortados, as mãos e os pés são cortados; as orelhas são cortadas, o nariz
é cortado, as orelhas e o nariz são cortados; eles são sujeitos ao ‘pote de mingau,’ ao
‘barbeado com a concha polida,’ à ‘boca de Rahu,’ à ‘grinalda ardente,’ à ‘mão ardente,’ às
‘lâminas de capim,’ à ‘túnica de casca de árvore,’ ao ‘antílope,’ aos ‘ganchos de carne,’ às
‘moedas,’ à ‘conserva em desinfetante’ ao ‘pino que gira,’ ao ‘colchão de palha
enrolado’; eles são molhados com óleo fervente, atirados para serem devorados pelos cães,
empalados vivos em estacas, decapitados com espadas – e com isso eles causam a si próprios
a morte ou sofrimento igual à morte. Agora esse também é um perigo no caso dos prazeres
sensuais…tendo como causa, simplesmente, os prazeres sensuais.
“Além disso, tendo o prazer sensual como condição, tendo o prazer sensual como fonte,
tendo o prazer sensual como base, tendo como causa, simplesmente, os prazeres sensuais,
as pessoas se entregam ao comportamento impróprio com o corpo, linguagem e mente.
Tendo feito isso, na dissolução do corpo, após a morte, elas reaparecem em estados de
privação, um destino infeliz, nos reinos inferiores, até mesmo no inferno. Agora esse
também é um perigo no caso dos prazeres sensuais, uma massa de sofrimento na vida que
está por vir tendo o prazer sensual como condição, tendo o prazer sensual como fonte,
tendo o prazer sensual como base, tendo como causa, simplesmente, os prazeres sensuais.
“E o que , bhikkhus, é a escapatória no caso dos prazeres sensuais? É a remoção do desejo e
cobiça, o abandono do desejo e cobiça pelos prazeres sensuais. Essa é a escapatória no caso
dos prazeres sensuais.

As desvantagens do corpo
“E o que, bhikkhus, é a gratificação no caso da forma material? Suponham que houvesse uma
jovem da classe dos nobres ou da classe dos brâmanes ou da casa de um chefe de família, no
seu décimo quinto ou décimo sexto aniversário, nem muito alta nem muito baixa, nem muito
magra nem muito gorda, nem com a tez muito escura nem muito clara. A sua beleza e
graciosidade estão no seu auge?” – “Sim, venerável senhor.” – “Agora o prazer e a alegria
que surgem na dependência dessa beleza e graciosidade são a gratificação no caso da forma
material.”
“E o que, bhikkhus, é o perigo no caso da forma material? Mais tarde alguém poderá ver
aquela mesma mulher com oitenta, noventa ou cem anos, idosa, curvada como o suporte de
um teto, redobrada, apoiada numa bengala, cambaleante, frágil, a juventude perdida, os
dentes quebrados, os cabelos grisalhos, careca, enrugada, com os membros todos
manchados. O que vocês pensam bhikkhus? A antiga beleza e graciosidade desapareceram e
o perigo se tornou evidente?” – “Sim, venerável senhor” – “Bhikkhus, esse é o perigo no caso
da forma material.”
“Além disso, alguém poderá ver aquela mesma mulher aflita, sofrendo e gravemente
enferma, deitada suja em seu próprio excremento e urina, levantada por alguns e deitada
por outros. O que vocês pensam bhikkhus? A antiga beleza e graciosidade desapareceram e
o perigo se tornou evidente?” – “Sim, venerável senhor” – “Bhikkhus, esse também é o
perigo no caso da forma material.”
“Além disso, alguém poderá ver aquela mesma mulher como um cadáver descartado num
cemitério, um, dois ou três dias morta, inchada, lívida e ressumando matéria. O que vocês
pensam bhikkhus? A antiga beleza e graciosidade desapareceram e o perigo se tornou
evidente?” – “Sim, venerável senhor” – “Bhikkhus, esse também é o perigo no caso da forma
material.”
“Além disso, alguém poderá ver aquela mesma mulher como um cadáver descartado num
cemitério, sendo devorada por corvos, gaviões, urubus, cães, chacais ou vários tipos de
vermes…um esqueleto com carne e sangue, mantidos unidos pelos tendões…um esqueleto
descarnado lambuzado de sangue, mantido unido pelos tendões…ossos desconectados
espalhados em todas as direções – aqui um osso da mão, ali um osso do pé, aqui um osso da
perna, ali um osso das costelas, aqui um osso do quadril, ali um osso da coluna, aqui o
crânio…ossos esbranquiçados, com a cor das conchas…ossos empilhados, com mais de um
ano…ossos apodrecidos e convertidos em pó. O que vocês pensam bhikkhus? A antiga beleza
e graciosidade desapareceram e o perigo se tornou evidente?” – “Sim, venerável senhor” –
“Bhikkhus, esse também é o perigo no caso da forma material.”
“E o que, bhikkhus, é a escapatória no caso da forma material? É a remoção do desejo e
cobiça, o abandono do desejo e cobiça pela forma material. Essa é a escapatória no caso da
forma material.”
“Que esses contemplativos e brâmanes, que não compreendem como na verdade é a
gratificação como gratificação, o perigo como perigo e a escapatória como escapatória no
caso da forma material, possam eles mesmos compreender completamente a forma material
ou instruir outra pessoa de modo que ela possa compreender completamente a forma
material – isso é impossível. Que esses contemplativos e brâmanes, que compreendem como
na verdade é a gratificação como gratificação, o perigo como perigo e a escapatória como
escapatória no caso da forma material, possam eles mesmos compreender completamente a
forma material ou instruir outra pessoa de modo que ela possa compreender
completamente a forma material – isso é possível.

"E qual é a percepção dos perigos? É o caso em que um bhikkhu, dirigindo-se à floresta, ou à
sombra de uma árvore, ou a um local isolado, reflete assim: ‘Este corpo é a fonte de muitas
dores, muitos perigos, pois neste corpo surgem todos os tipos de aflição, tais como: doenças
do olho, doenças do ouvido, doenças do nariz, doenças da língua, doenças do corpo; dores
de cabeça, caxumba, doenças da boca, dores de dente, tosse, asma, catarro, azia, febre, dor
de estomago, desmaio, disenteria, gripe, cólera, lepra, furúnculo, tuberculose, epilepsia,
coceiras, micoses, varíola, sarna, pústulas, icterícia, diabetes, hemorróidas, câncer, úlceras;
doenças que surgem da bílis, da fleuma, dos ventos, de um desequilíbrio [dos três], do
comportamento descuidado, da violência, dos resultados de Kamma; frio, calor, fome, sede,
defecação, urina.’ Assim ele permanece contemplando os perigos nesse mesmo corpo. Isso é
chamado a percepção dos perigos."

As desvantagens do envelhecimento, doença, morte, e contaminação


"Agora, essas quatro são buscas nobres. Quais quatro? É o caso em que uma pessoa, sujeita
ela mesma ao envelhecimento, dando-se conta das desvantagens daquilo que está sujeito ao
envelhecimento, busca aquilo que não envelhece, o descanso insuperável do
jugo: Libertação. Sendo sujeita ela mesma à doença, dando-se conta das desvantagens
daquilo que está sujeito à doença, ela busca aquilo que não adoece, o descanso insuperável
do jugo: Libertação. Sendo sujeita ela mesma à morte, dando-se conta das desvantagens
daquilo que está sujeito à morte, ela busca aquilo que é imortal, o descanso insuperável do
jugo: Libertação. Sendo sujeita ela mesma à contaminação, dando-se conta das
desvantagens daquilo que está sujeito à contaminação, ela busca aquilo que não se
contamina, o descanso insuperável do jugo: Libertação."

As desvantagens da raiva
Uma pessoa colérica é feia e dorme mal.
Tendo um ganho, ela o converte em uma perda,
causa danos com a linguagem e com atos.
Uma pessoa cheia de cólera
destrói sua fortuna.
Enlouquecida pela cólera,
ela destrói o seu status.
Parentes, amigos e colegas a evitam.
A cólera resulta em perda.
A cólera inflama a mente.
Ela não se dá conta
que o perigo nasce de dentro.
Uma pessoa colérica não conhece o seu próprio benefício.
Uma pessoa colérica não enxerga o Dhamma.
Uma pessoa conquistada pela cólera é uma massa de escuridão.
Ela tem prazer em atos perversos como se eles fossem bons,
porém mais tarde, quando a cólera passa,
ela sofre como se fosse queimada com fogo.
Ela é corrompida, maculada,
tal como o fogo envolto na fumaça.

As desvantagens de todos fenômenos que geram apego


Agora, quando alguém permanece contemplando o perigo nas coisas passíveis de apego, o
desejo cessa. Da cessação do desejo cessa o apego. Da cessação do apego cessa o ser/existir.
Da cessação do ser/existir cessa o nascimento. Da cessação do nascimento, então o
envelhecimento e morte, tristeza, lamentação, dor, angústia e desespero, tudo cessa. Essa é
a cessação de toda essa massa de sofrimento.

As Quatro Nobres Verdades


Cattari ariya saccani

Libertação

“Bhikkhus, é por não compreender, não penetrar as Quatro Nobres Verdades que eu, bem
como vocês, durante muito tempo perambulamos e transmigramos neste ciclo de
nascimento e morte. Quais são elas? Por não compreender a Nobre Verdade do
Sofrimento é que nós perambulamos e transmigramos, por não compreender a Nobre
Verdade da Origem do Sofrimento..., da Cessação do Sofrimento..., e do Caminho que
conduz à Cessação do Sofrimento que nós perambulamos e transmigramos neste ciclo de
nascimento e morte. E por compreender e penetrar essa mesma Nobre Verdade do
Sofrimento, da Origem do Sofrimento, da Cessação do Sofrimento e do Caminho que conduz
à Cessação do Sofrimento, que o desejo por ser/existir foi cortado, o suporte para o
ser/existir foi destruído, não há mais vir a ser a nenhum estado.”

A Pegada do Elefante

“Amigos, da mesma forma como a pegada de qualquer ser vivo que caminha pode ser
colocada dentro da pegada de um elefante e assim a pegada do elefante é declarada como a
líder delas devido ao seu grande tamanho; assim também todos estados benéficos podem
ser incluídos nas Quatro Nobres Verdades. Quais quatro? Na nobre verdade do sofrimento,
na nobre verdade da origem do sofrimento, na nobre verdade da cessação do sofrimento e
na nobre verdade do caminho que conduz à cessação do sofrimento.
As tarefas relativas a cada uma das Quatro Nobres Verdades

[O Buda fala a respeito da sua Iluminação:]

“’Esta é a nobre verdade do sofrimento’: assim, bhikkhus, com relação a coisas não ouvidas
antes, surgiram em mim a visão, a compreensão, a sabedoria, o verdadeiro conhecimento e a
iluminação.

“’Esta nobre verdade do sofrimento deve ser completamente compreendida: assim,


bhikkhus, com relação a coisas não ouvidas antes, surgiram em mim a visão, a compreensão,
a sabedoria, o verdadeiro conhecimento e a iluminação.

“’Esta nobre verdade do sofrimento foi completamente compreendida: assim, bhikkhus, com
relação a coisas não ouvidas antes, surgiram em mim a visão, a compreensão, a sabedoria, o
verdadeiro conhecimento e a iluminação.

“’ Esta é a nobre verdade da origem do sofrimento: assim, bhikkhus, com relação a coisas
não ouvidas antes, surgiram em mim a visão, a compreensão, a sabedoria, o verdadeiro
conhecimento e a iluminação.

“’Esta nobre verdade da origem do sofrimento deve ser abandonada: assim, bhikkhus, com
relação a coisas não ouvidas antes, surgiram em mim a visão, a compreensão, a sabedoria, o
verdadeiro conhecimento e a iluminação.

“’Esta nobre verdade da origem do sofrimento foi abandonada: assim, bhikkhus, com relação
a coisas não ouvidas antes, surgiram em mim a visão, a compreensão, a sabedoria, o
verdadeiro conhecimento e a iluminação.

“’Esta é a nobre verdade da cessação do sofrimento: assim, bhikkhus, com relação a coisas
não ouvidas antes, surgiram em mim a visão, a compreensão, a sabedoria, o verdadeiro
conhecimento e a iluminação.

“’Esta nobre verdade da cessação do sofrimento deve ser realizada: assim, bhikkhus, com
relação a coisas não ouvidas antes, surgiram em mim a visão, a compreensão, a sabedoria, o
verdadeiro conhecimento e a iluminação.
“’Esta nobre verdade da cessação do sofrimento foi realizada: assim, bhikkhus, com relação a
coisas não ouvidas antes, surgiram em mim a visão, a compreensão, a sabedoria, o
verdadeiro conhecimento e a iluminação.

“’Esta é a nobre verdade do caminho que conduz à cessação do sofrimento: assim,


bhikkhus, com relação a coisas não ouvidas antes, surgiram em mim a visão, a compreensão,
a sabedoria, o verdadeiro conhecimento e a iluminação.

“’Esta nobre verdade do caminho que conduz à cessação do sofrimento deve ser
desenvolvida: assim, bhikkhus, com relação a coisas não ouvidas antes, surgiram em mim a
visão, a compreensão, a sabedoria, o verdadeiro conhecimento e a iluminação.

“’Esta nobre verdade do caminho que conduz à cessação do sofrimento foi desenvolvida:
assim, bhikkhus, com relação a coisas não ouvidas antes, surgiram em mim a visão, a
compreensão, a sabedoria, o verdadeiro conhecimento e a iluminação.

“Enquanto, bhikkhus, meu conhecimento e visão dessas Quatro Nobres Verdades como na
verdade elas são, nas suas três fases e doze aspectos, não estava completamente purificado
desse modo, não reivindiquei ter despertado para a insuperável perfeita iluminação neste
mundo com os seus devas, maras e brahmas, esta geração com seus contemplativos e
brâmanes, seus príncipes e povo. Mas quando meu conhecimento e visão dessas Quatro
Nobres Verdades como na verdade elas são, nas suas três fases e doze aspectos, estava
completamente purificado desse modo, reivindiquei ter despertado para a insuperável
perfeita iluminação neste mundo com os seus devas, maras e brahmas, esta geração com
seus contemplativos e brâmanes, seus príncipes e povo. O conhecimento e visão surgiram
em mim: ‘A libertação da minha mente é inabalável. Este é o meu último nascimento. Não há
mais vir a ser.’
1ª Nobre Verdade - Dukkha
Dukkha ariya sacca

Definição

" Agora Bhikkhus, esta é a nobre verdade do sofrimento: nascimento é


sofrimento, envelhecimento é sofrimento, enfermidade é sofrimento, morte é sofrimento;
tristeza, lamentação, dor, angústia e desespero são sofrimento; a união com aquilo que é
desprazeroso é sofrimento; a separação daquilo que é prazeroso é sofrimento; não obter o
que se deseja é sofrimento; em resumo, os cinco agregados influenciados pelo apego são
sofrimento.

A análise do Venerável Sariputta

“E o que, amigos, é a nobre verdade do sofrimento? O nascimento é sofrimento; o


envelhecimento é sofrimento; a morte é sofrimento; tristeza, lamentação, dor, angústia e
desespero são sofrimento; não obter o que se deseja é sofrimento; em resumo, os cinco
agregados influenciados pelo apego são sofrimento.

“E o que, amigos, é nascimento? O nascimento dos seres nas várias classes de seres, o
próximo nascimento, o estabelecimento [num ventre], a geração, a manifestação dos
agregados, a obtenção das bases para contato – a isto se denomina nascimento.

“E o que, amigos, é o envelhecimento? O envelhecimento dos seres nas várias categorias de


seres, a sua idade avançada, os dentes quebradiços, os cabelos grisalhos, a pele enrugada, o
declínio da vida, o enfraquecimento das faculdades – a isto se denomina envelhecimento.

“E o que, amigos, é a morte? O falecimento de seres nas várias categorias de seres, a sua
morte, a dissolução, o desaparecimento, o morrer, a finalização do tempo, a dissolução dos
agregados, o cadáver descartado – a isto de denomina morte.
“E o que, amigos, é a tristeza? A tristeza, entristecimento, sofrimento, tristeza interior,
arrependimento interior, de alguém que sofreu alguma desgraça ou que está afetado por
alguma situação dolorosa – a isto se denomina tristeza.

“E o que, amigos, é a lamentação? O pranto e o lamento, chorar e lamentar, o choro e a


lamentação de alguém que sofreu alguma desgraça ou que está afetado por alguma situação
dolorosa – a isto se denomina lamentação.

“E o que, amigos, é a dor? Dor no corpo, desconforto corporal, a sensação dolorosa e


desconfortável que surge do contato corporal – a isto se denomina dor.

“E o que, amigos, é a angústia? Dor mental, desconforto mental, a sensação dolorosa e


desconfortável que surge do contato mental – a isto se denomina angústia.

“E o que, amigos, é o desespero? A confusão e o desespero, a tribulação e a desesperação de


alguém que sofreu alguma desgraça ou que está afetado por alguma situação dolorosa – a
isto se denomina desespero.

“E o que, amigos, é ‘não obter o que se deseja é sofrimento’? Para os seres sujeitos ao
nascimento surge o desejo: ‘Ah, que nós não estivéssemos sujeitos ao nascimento! Que o
nascimento não viesse para nós!’ Mas isto não pode ser obtido pelo desejo e não obter o que
se deseja é sofrimento. Para os seres sujeitos ao envelhecimento...sujeitos à
enfermidade...sujeitos à morte...sujeitos à tristeza, lamentação, dor, angústia e desespero,
surge o desejo: ‘Ah, que nós não estivéssemos sujeitos à tristeza, lamentação, dor, angústia e
desespero! Que a tristeza, lamentação, dor, angústia e desespero não surgissem para nós!’
Mas isto não pode ser obtido pelo desejo e não obter o que se deseja é sofrimento.

“E o que, amigos são os cinco agregados influenciados pelo apego que, em resumo, são
sofrimento? Eles são: o agregado da forma material influenciado pelo apego, o agregado da
sensação influenciado pelo apego, o agregado da percepção influenciado pelo apego, o
agregado das formações influenciado pelo apego e o agregado da consciência influenciado
pelo apego. Esses são os cinco agregados influenciados pelo apego que, em resumo, são
sofrimento. A isto se denomina a nobre verdade do sofrimento.
Definido em relação aos sentidos

"E qual, bhikkhus, é a nobre verdade do sofrimento? Deve ser dito: as seis bases internas dos
sentidos. Quais seis? A base do olho, a base do ouvido, a base do nariz, a base da língua, a
base do corpo, a base da mente. Isso é chamado a nobre verdade do sofrimento."

Dukkha como um incêndio violento

"Bhikkhus, o todo está em chamas. E qual é esse todo que está em chamas? O olho está em
chamas, as formas estão em chamas, a consciência no olho está em chamas, o contato no
olho está em chamas, e qualquer sensação que surja tendo o contato no olho como condição
– quer seja prazerosa, dolorosa ou nem prazerosa, nem dolorosa - isso também está em
chamas. Em chamas com o que? Em chamas com o fogo da cobiça, o fogo da aversão, o fogo
da delusão. Em chamas, eu lhes digo, com o nascimento, envelhecimento e morte, com a
tristeza, lamentação, dor, angústia e desespero.

"O ouvido está em chamas, os sons estão em chamas...

"O nariz está em chamas, os aromas estão em chamas...

"A língua está em chamas, os sabores estão em chamas...

"O corpo está em chamas, as sensações tangíveis estão em chamas...

"A mente está em chamas, os objetos mentais estão em chamas, a consciência na mente
está em chamas, o contato na mente está em chamas, e qualquer sensação que surja tendo
o contato na mente como condição - quer seja prazerosa, dolorosa ou nem prazerosa, nem
dolorosa. Em chamas com o que? Em chamas com o fogo da cobiça, o fogo da aversão, o
fogo da delusão. Em chamas, eu lhes digo, com o nascimento, envelhecimento e morte, com
a tristeza, lamentação, dor, angústia e desespero.
Dukkha deve ser conhecido

"’Dukkha deve ser conhecido. A causa porque dukkha se manifesta deve ser conhecida. A
diversidade de dukkha deve ser conhecida. O resultado de dukkha deve ser conhecido. A
cessação de dukkha deve ser conhecida. O caminho da prática para a cessação de dukkha
deve ser conhecido.' Assim foi dito. E com referência a que foi dito isso?

"Nascimento é dukkha, envelhecimento é dukkha, enfermidade é dukkha, morte é dukkha;


tristeza, lamentação, dor, angústia e desespero são dukkha; a união com aquilo que é
desprazeroso é dukkha; a separação daquilo que é prazeroso é dukkha; não obter o que se
deseja é dukkha; em resumo, os cinco agregados influenciados pelo apego são dukkha.

"E qual é a razão porque dukkha se manifesta? Desejo é a razão porque dukkha se manifesta.

"E qual é a diversidade de dukkha? Existe dukkha forte e fraco, que desaparece lentamente e
que desaparece rapidamente. Essa é chamada a diversidade de dukkha.

"E qual é o resultado de dukkha? Existem alguns casos em que uma pessoa tomada pela dor,
sua mente exausta, ela sofre, chora, lamenta, bate no seu peito e fica perturbada. Ou outra
tomada pela dor, sua mente exausta, começa uma busca no exterior, ‘Quem conhece uma
maneira para terminar com esta dor?' Eu lhes digo, bhikkhus, que dukkha resulta ou em
perturbação ou em busca. Esse é chamado o resultado de dukkha.

"E qual é a cessação de dukkha? A partir da cessação do desejo, cessa dukkha; e justamente
este nobre caminho óctuplo – entendimento correto, pensamento correto, linguagem
correta, ação correta, modo de vida correto, esforço correto, atenção plena
correta, concentração correta – é o caminho da prática que conduz à cessação de dukkha.

"Agora quando um nobre discípulo compreende desse modo dukkha, a causa porque dukkha
se manifesta, a diversidade de dukkha, o resultado de dukkha, a cessação de dukkha, e o
caminho da prática que conduz à cessação de dukkha, então ele compreende esta
penetrante vida santa como sendo a cessação de dukkha."
Dukkha

Não existe nem no Inglês nem no Português uma única palavra que expresse a completa
profundidade, extensão e sutileza desse importante termo dukkha em Pali. Na tentativa de
chegar ao cerne dessa palavra muitas traduções alternativas são utilizadas (sofrimento,
estresse, insatisfação, etc.). É bom no entanto não ficar muito à vontade com uma tradução
em particular da palavra dukkha, já que tudo ligado ao ensinamento do Buda impulsiona
continuamente à ampliação e aprofundamento do entendimento da natureza
de dukkha. Como regra geral, assim que você acreditar que encontrou aquela melhor
tradução para dukkha, pense outra vez pois não importa como você a descreva, ela será
sempre maior, mais sutil e mais insatisfatória do que isso.

A definição

"Nascimento é sofrimento, envelhecimento é sofrimento, enfermidade é


sofrimento, morte é sofrimento; tristeza, lamentação, dor, angústia e desespero são
sofrimento; união com aquilo que é desprazeroso é sofrimento; a separação daquilo que é
prazeroso é sofrimento; não obter o que se deseja é sofrimento; em resumo, os cinco
agregados influenciados pelo apego são sofrimento."

Uma definição contemporânea:

Dukkha é:

Perturbação, irritação, depressão, preocupação, desespero, medo, temor, angústia,


ansiedade, vulnerabilidade, ferimento, inabilidade, inferioridade; enfermidade,
envelhecimento, decadência do corpo e faculdades, senilidade, dor/prazer; excitação/tédio;
privação/excesso; desejo/frustração, supressão; saudades/estar sem rumo; esperança/sem
esperança; esforço, atividade, esforço/repressão; perda, querer, insuficiência/saciedade;
amor/falta de amor, falta de amigos; antipatia, aversão/atração; paternidade/desprovido de
filhos; submissão/rebelião; decisão/indecisão, vacilação, incerteza.

-- Francis Story em Suffering, no Vol. II de The Three Basic Facts of Existence (Kandy: Buddhist
Publication Society, 1983)

Somente dukkha

"Tanto antes, como agora, eu declaro somente o sofrimento e a cessação do sofrimento."

Três tipos de dukkha

"Há essas três formas de sofrimento, meu amigo: o sofrimento da dor, o sofrimento das
formações condicionadas e o sofrimento da mudança. Essas são as três formas de
sofrimento."

....

[Jambukhadika o errante:] "Mas há um caminho, há um meio para a completa compreensão


dessas formas de sofrimento?"

"Exatamente este Nobre Caminho Óctuplo, meu amigo – entendimento


correto, pensamento correto, linguagem correta, ação correta, modo de vida
correto, esforço correto, atenção plena correta, concentração correta. Esse é o caminho,
esse é o meio para a completa compreensão dessas três formas de sofrimento."
O Ciclo de Renascimentos
Samsara

Um oceano de lágrimas

"O que é maior, as lágrimas que vocês derramaram transmigrando e perambulando por este
longo, longo tempo - chorando e derramando lágrimas por estarem unidos ao que é
desagradável, separados do que é agradável - ou a água contida nos quatro grandes
oceanos?….Isto é maior: as lágrimas que vocês derramaram transmigrando e perambulando
por este longo, longo tempo - chorando e derramando lágrimas por estarem unidos ao que é
desagradável, separados do que é agradável - não a água contida nos quatro grandes
oceanos.

"Há muito tempo (repetidamente) vocês experimentaram a morte de uma mãe. As lágrimas
que vocês derramaram pela morte de uma mãe enquanto transmigravam e perambulavam
por este longo, longo tempo - chorando e derramando lágrimas por estarem unidos ao que é
desagradável, separados do que é agradável - não a água contida nos quatro grandes
oceanos.

"Há muito tempo (repetidamente) vocês experimentaram a morte de um pai...a morte de


um irmão...a morte de uma irmã...a morte de um filho...a morte de uma filha...perda de
parentes...perda de riquezas...perda relativa a enfermidades. As lágrimas que vocês
derramaram relativas a perdas por doenças enquanto transmigravam e perambulavam por
este longo, longo tempo - chorando e derramando lágrimas por estarem unidos ao que é
desagradável, separados do que é agradável - não a água contida nos quatro grandes
oceanos.

"Por que ocorre isso? Esse samsara não possui um início que possa ser descoberto. Um
ponto inicial não é discernido para os seres que seguem vagando e perambulando,
obstaculizados pela ignorância e agrilhoados pela cobiça. Há muito tempo vocês
experimentaram o sofrimento, experimentaram a dor, experimentaram a perda, inchando os
cemitérios - o suficiente para desencantar-se com todas as coisas condicionadas, o suficiente
para se tornarem desapegados, o suficiente para se libertarem."
O precioso nascimento humano

“Bhikkhus, suponham que este grande planeta terra estivesse completamente coberto com
água e um homem lançasse uma bóia com um único furo. Um vento do leste a empurraria
para o oeste, um vento do oeste a empurraria para o leste. Um vento do norte a empurraria
para o sul, um vento do sul a empurraria para o norte. E suponham que houvesse uma
tartaruga cega. Ela viria para a superfície uma vez a cada cem anos. Agora o que vocês
pensam, bhikkhus, aquela tartaruga cega, vindo para a superfície uma vez a cada cem anos,
colocaria o seu pescoço naquela bóia com um único furo?”

“Seria por mero acaso, venerável senhor, que a tartaruga cega, vindo para a superfície uma
vez a cada cem anos, colocasse o seu pescoço naquela bóia com um único furo."

“Assim também, é um mero acaso que alguém obtenha o estado humano. Assim também, é
um mero acaso que um Tathagata, um Arahant, perfeitamente iluminado, surja no mundo.
Do mesmo modo, é um mero acaso que o Dhamma e Disciplina expostos por um Tathagata
brilhe no mundo.

“Vocês obtiveram esse estado humano, bhikkhus. Um Tathagata, um Arahant, perfeitamente


iluminado, surgiu no mundo. O Dhamma e Disciplina expostos pelo Tathagata brilha no
mundo.

“Portanto, bhikkhus, um esforço deve ser feito para compreender: ‘ Isto é sofrimento…Esta
é a origem do sofrimento…Esta é a cessação do sofrimento…Este é o caminho da prática
que conduz à cessação do sofrimento.’"

Por que perambulamos pelo samsara?

"É por não compreender e não penetrar quatro coisas, que perambulamos e transmigramos
por um longo, longo tempo, você e eu. Quais quatro?
" É por não compreender e não penetrar a nobre virtude que perambulamos e
transmigramos por um longo, longo tempo, você e eu.

" É por não compreender e não penetrar a nobre concentração que perambulamos e
transmigramos por um longo, longo tempo, você e eu.

" É por não compreender e não penetrar a nobre sabedoria que perambulamos e
transmigramos por um longo, longo tempo, você e eu.

" É por não compreender e não penetrar a nobre libertação que perambulamos e
transmigramos por um longo, longo tempo, você e eu.

"Porém quando a nobre virtude é compreendida e penetrada, quando a nobre


concentração…nobre sabedoria…nobre libertação é compreendida e penetrada, então o
desejo por ser/existir é destruído, o guia (desejo e apego) para ser/existir tem fim, não há
mais ser/existir."

A Nobre Verdade da Origem de Dukkha


Dukkha samudaya ariya sacca

Definição

“Agora, bhikkhus, esta é a nobre verdade da origem do sofrimento: é este desejo que conduz
a uma renovada existência, acompanhado pela cobiça e pelo prazer, buscando o prazer aqui
e ali; isto é, o desejo pelos prazeres sensuais, o desejo por ser/existir, o desejo por não
ser/existir."

O Desejo inevitavelmente resulta em mais dukkha

Se no mundo
esse desejo pegajoso e grosseiro o subjuga,
as tristezas crescerão
como o capim após a chuva.

Se no mundo, você subjuga


esse desejo pegajoso e grosseiro, que é difícil de escapar,
as tristezas se esvairão,
como gotas de água num lótus.

Tal como uma árvore, embora cortada,


brota outra vez se as raízes permanecerem intactas e fortes,
da mesma forma,
até que o desejo latente tenha sido desenraizado,
o sofrimento irá brotar repetidas vezes.

Através do abandono do desejo, a possibilidade de alcançar a Iluminação surge

“Bhikkhus, paixão e cobiça pelo desejo por formas é uma corrupção da mente. Paixão e
cobiça pelo desejo por sons ... por aromas ... por sabores ... por tangíveis ... por objetos
mentais é uma corrupção da mente. Quando um bhikkhu abandonou a corrupção da mente
nesses seis casos, a sua mente se inclina pela renúncia. Uma mente fortificada pela renúncia
se torna maleável em relação àquelas coisas que devem ser realizadas através do
conhecimento direto.”

Desejo
Definição

"Há esses três tipos de desejo. Quais três? Desejo pela sensualidade, desejo por ser/existir,
desejo por não ser/existir. Esses são os três tipos de desejo."
Uma flecha no coração

"O desejo foi chamado de flecha pelo Contemplativo; o humor venenoso da ignorância se
espalha através do desejo, cobiça e má vontade."

Seis classes de desejo

"Existem essas seis classes de desejo: desejo por formas, desejo por sons, desejo por aromas,
desejo por sabores, desejo por tangíveis, desejo por objetos mentais."

O que nos aprisiona no samsara

"Bhikkhus, eu não concebo nenhum outro grilhão - pelo qual os seres aprisionados
seguem perambulando e transmigrando por um longo, longo tempo - como o grilhão do
desejo. Aprisionados pelo grilhão do desejo os seres seguem perambulando e transmigrando
por um longo, longo tempo."
-- It 15

Escravizados pelo desejo,


com as mentes castigadas pelo ser/existir e pelo não ser/existir,
escravizados pelos grilhões de Mara -
seres que não estão a salvo do cativeiro,
seres que permanecem perambulando,
dirigindo-se para o nascimento e morte.

Enquanto que aqueles que abandonaram o desejo,


livres do desejo por ser/existir e não ser/existir,
realizando o fim das impurezas,
embora estejam no mundo,
foram para mais além.
-- It 58

Uma causa de dukkha

"E qual é a razão porque dukkha se manifesta? Desejo é a razão porque dukkha se manifesta.

-- AN VI.63

Cortando as raízes do desejo

Tal como uma árvore, embora cortada,


brota outra vez se as raízes permanecerem intactas e fortes,
da mesma forma,
até que o desejo latente tenha sido desenraizado,
o sofrimento irá brotar repetidas vezes.
Dhp 338

Seres aprisionados pelo desejo


são aterrorizados como um coelho apanhado no laço.
Presos por grilhões e apegos
o seu sofrimento persiste por muito tempo.
Dhp 342

Contemplando os sinais de beleza,


atormentado por pensamentos,
dominado pelas paixões,
o desejo apenas cresce,
assim de fato os grilhões são fortalecidos.

Contemplando os aspectos repulsivos do corpo,


acalmando os pensamentos,
sempre com atenção plena,
o desejo terá um fim
assim de fato os grilhões serão rompidos.
Dhp 349-350

Onde surge o desejo e, onde ele se estabelece?

“E onde surge e se estabelece esse desejo? Qualquer coisa no mundo que seja cativante e
tentadora, nisso surge e se estabelece o desejo.

“E o que no mundo é cativante e tentador? O olho no mundo é cativante e tentador. O


ouvido... O nariz... A língua... O corpo... A mente no mundo é cativante e tentadora, nisso
surge e se estabelece o desejo. Formas, sons, aromas, sabores, tangíveis, objetos mentais no
mundo são cativantes e tentadores, nisso surge e se estabelece o desejo.

“Consciência no olho, consciência no ouvido, consciência no nariz, consciência na língua,


consciência no corpo, consciência na mente no mundo é cativante e tentadora, nisso surge e
se estabelece o desejo.

“Contato no olho, contato no ouvido, contato no nariz, contato na língua, contato no corpo,
contato na mente no mundo é cativante e tentador, nisso surge e se estabelece o desejo.

“Sensação tendo como condição o contato no olho, contato no ouvido, contato no nariz,
contato na língua, contato no corpo, contato na mente no mundo é cativante e
tentadora, nisso surge e se estabelece o desejo.

“Percepção de formas, sons, aromas, sabores, tangíveis, objetos mentais no mundo é


cativante e tentadora, nisso surge e se estabelece o desejo.
“Intenção por formas, sons, aromas, sabores, tangíveis, objetos mentais no mundo é
cativante e tentadora, nisso surge e se estabelece o desejo.

“Desejo por formas, sons, aromas, sabores, tangíveis, objetos mentais no mundo é cativante
e tentador, nisso surge e se estabelece o desejo.

“Pensamento aplicado às formas, sons, aromas, sabores, tangíveis, objetos mentais no


mundo é cativante e tentador, nisso surge e se estabelece o desejo.

“Pensamento sustentado nas formas, sons, aromas, sabores, tangíveis, objetos mentais no
mundo é cativante e tentador, nisso surge e se estabelece o desejo. A isto se denomina a
nobre verdade da origem do sofrimento.

Os Cinco Obstáculos

I. Textos gerais

"Esses cinco são obstáculos, obstruções, corrupções da mente, enfraquecedores da sabedoria.


Quais cinco?

O desejo sensual é um obstáculo, uma obstrução, uma corrupção da mente, enfraquecedor da


sabedoria. A má vontade é um obstáculo, uma obstrução ... A preguiça e o torpor são um
obstáculo, uma obstrução ... A inquietação e a ansiedade são um obstáculo, uma obstrução ...
A dúvida é um obstáculo, uma obstrução, uma corrupção da mente, enfraquecedora da
sabedoria.

E quando um bhikkhu não abandonou esses cinco obstáculos, obstruções, corrupções da


mente, enfraquecedores da sabedoria, quando ele não possui força e tem fraco
discernimento, que ele entenda aquilo que é benéfico para ele mesmo, que ele entenda aquilo
que é benéfico para os outros, que ele entenda aquilo que é benéfico para ambos, que ele
alcance um estado humano superior, que ele realize o verdadeiro nobre conhecimento e visão
– isso é impossível.
Agora, quando um bhikkhu abandonou esses cinco obstáculos, obstruções, corrupções da
mente, enfraquecedores da sabedoria, quando ele tem forte discernimento, que ele entenda
aquilo que é benéfico para ele mesmo, que ele entenda aquilo que é benéfico para os outros,
que ele entenda aquilo que é benéfico para ambos, que ele alcance um estado humano
superior, que ele realize o verdadeiro nobre conhecimento e visão – isso é possível."

***

“Bhikkhus, há essas cinco corrupções do ouro, através das quais o ouro nem é maleável, nem
manuseável e tampouco luminoso, mas quebradiço e sem as condições apropriadas para ser
trabalhado. Quais cinco? O ferro é uma corrupção do ouro, através da qual o ouro nem é
maleável, nem manuseável e tampouco luminoso, mas quebradiço e sem as condições
apropriadas para ser trabalhado. O cobre é uma corrupção do ouro ... O estanho é uma
corrupção do ouro ... O chumbo é uma corrupção do ouro ... A prata é uma corrupção do ouro
... Essas são as cinco corrupções do ouro, através das quais o ouro nem é maleável, nem
manuseável e tampouco luminoso mas quebradiço e sem as condições apropriadas para ser
trabalhado.

“Do mesmo modo, bhikkhus, há essas cinco corrupções da mente, através das quais a mente
nem é maleável, nem manuseável e tampouco luminosa, mas quebradiça e desprovida da
correta concentração para a destruição das impurezas. Quais cinco? O desejo sensual é uma
corrupção da mente, através da qual a mente nem é maleável, nem é manuseável e tampouco
luminosa, mas quebradiça e desprovida da correta concentração para a destruição das
impurezas. A má vontade é uma corrupção da mente ... A preguiça e o torpor são uma
corrupção da mente ... A inquietação e a ansiedade são uma corrupção da mente ... A dúvida
é uma corrupção da mente. Essas são as cinco corrupções da mente, através das quais a mente
nem é maleável, nem manuseável e tampouco luminosa, mas quebradiça e desprovida da
correta concentração para a destruição das impurezas.”

***

"E como um bhikkhu permanece contemplando os objetos mentais como objetos mentais
referentes aos cinco obstáculos?
Aqui, havendo nele desejo sensual, um bhikkhu compreende: 'Existe em mim desejo sensual';
ou não havendo nele desejo sensual, ele compreende: 'Não existe em mim desejo sensual'; e
ele também compreende como se despertam os desejos sensuais que ainda não despertaram
e como acontece o abandono de desejos sensuais despertos e como acontece para que
desejos sensuais abandonados não despertem no futuro.

Havendo nele má-vontade ... havendo nele preguiça e torpor ... havendo nele inquietação e
ansiedade ... havendo nele dúvida, um bhikkhu compreende: 'Existe dúvida em mim'; ou não
havendo dúvida nele, ele compreende: 'Não existe dúvida em mim'; e ele compreende como
se desperta a dúvida que ainda não se despertou e como acontece o abandono da dúvida
desperta e como acontece para que a dúvida abandonada não desperte no futuro."

***

Fazer uma nota mental imediatamente após o surgimento de um dos obstáculos, assim como
recomendado no texto anterior, é um método simples, mas também muito efetivo para
afastar essas e outras contaminações da mente. Fazendo isso, um "freio" é aplicado contra a
continuação do fluxo descontrolado dos pensamentos prejudiciais e, a vigilância da mente ao
reaparecimento deles é fortalecida. Esse método se baseia no simples fato psicológico que é
expressado pelos comentaristas da seguinte forma: "Um pensamento hábil e inábil não podem
ocorrer juntos ao mesmo tempo na mente. Portanto, na hora que se reconhece o desejo
sensual (que surgiu no momento precedente), aquele desejo sensual não mais existe (há
somente o ato de conhecer).

II. Os Obstáculos Individualmente

"Bhikkhus, tal como este corpo, sustentado pelo alimento, subsiste na dependência do
alimento e não subsiste sem alimento, assim também os cinco obstáculos, sustentados pelo
alimento, subsistem na dependência do alimento e não subsistem sem alimento."
1. Desejo Sensual

A. O alimento do desejo sensual

"Há, bhikkhus, o sinal da beleza: dar com frequência atenção sem sabedoria para isso, esse é
o alimento para o surgimento do desejo sensual que ainda não surgiu ou para o crescimento
e incremento do desejo sensual, uma vez que este tenha surgido."

***

B. A esfomeação do desejo sensual

" Há, bhikkhus, o sinal da repulsa: dar com frequência atenção com sabedoria para isso, essa
é a esfomeação que previne o surgimento do desejo sensual que ainda não surgiu e o
crescimento e incremento do desejo sensual, uma vez que este tenha surgido."

***

Seis coisas levam ao abandono do desejo sensual:

1. Aprender a meditar em objetos repulsivos;


2. Dedicar-se à meditação nos aspectos repulsivos;
3. Guardar as portas dos sentidos;
4. Moderação no comer;
5. Apoio de amigos admiráveis;
6. Conversa apropriada.
- Comentário do Satipatthana Sutta

***

1. Aprender a meditar em objetos repulsivos


2. Dedicar-se à meditação nos aspectos repulsivos

(a) Objetos repulsivos

"Naquele que está dedicado à meditação em objetos repulsivos, a repulsão com relação a
objetos belos é firmemente estabelecida. Esse é o resultado."
"Objetos repulsivos" refere-se, em particular, às contemplações dos cemitérios, assim como
dito no Satipatthana Sutta e explicado no Visuddhimagga; mas ela se refere também aos
aspectos repulsivos dos objetos dos sentidos em geral.

(b) A repugnância do corpo

"Novamente, bhikkhus, um bhikkhu examina esse mesmo corpo para cima, a partir da sola dos
pés e para baixo, a partir do topo da cabeça, limitado pela pele e repleto de muitos tipos de
coisas repulsivas, portanto: "Neste corpo existem cabelos, pêlos do corpo, unhas, dentes, pele,
carne, tendões, ossos, tutano, rins, coração, fígado, diafragma, baço, pulmões, intestino
grosso, intestino delgado, conteúdo do estômago, fezes, bílis, fleuma, pus, sangue, suor,
gordura, lágrimas, saliva, muco, líquido sinovial e urina."

"O corpo é mantido unido pelos tendões e ossos, encoberto pelos músculos e pele, a
verdadeira natureza do corpo não é percebida... Mas o tolo, tomado pela ignorância, pensa
que tudo isso é belo..."

(c) Outras contemplações

"Os prazeres sensuais oferecem pouca satisfação, muito sofrimento e muito desespero, e que
tão grande perigo existe neles."

"O desagradável com aparência de agradável, o desamado com aparência de amado, a dor
com a aparência de felicidade, subjugam aquele que é negligente."

***

3. Guardar as portas dos sentidos


"E como, amigo, ele guarda as portas dos meios dos sentidos? Neste caso, ao ver uma forma
com o olho, um bhikkhu não se agarra aos seus sinais ou detalhes. Visto que, se permanecer
com a faculdade do olho descuidada, ele será tomado pelos estados ruins e prejudiciais de
cobiça e tristeza. Ele pratica a contenção, ele protege a faculdade do olho, ele se empenha na
contenção da faculdade do olho. Ao ouvir um som com o ouvido ... Ao cheirar um aroma com
o nariz … Ao saborear um sabor com a língua … Ao tocar um tangível com o corpo … Ao
conscientizar um objeto mental com a mente, ele não se agarra aos seus sinais ou detalhes.
Visto que, se permanecer com a faculdade da mente descuidada, ele será tomado pelos
estados ruins e prejudiciais de cobiça e tristeza. Ele pratica a contenção, ele protege a
faculdade da mente, ele se empenha na contenção da faculdade da mente."

"Há formas conscientizadas através do olho e que são desejáveis, agradáveis e fáceis de serem
gostadas, conectadas com o desejo sensual e que provocam a cobiça, e se um bhikkhu não
busca nelas o prazer, não as acolhe e não permanece atado a elas, o deleite cessa. Não
havendo o deleite, não há paixão. Não havendo a paixão, não há grilhões. Libertado do grilhão
do deleite esse bhikkhu é chamado aquele que vive só. "Há sons conscientizados através do
ouvido … aromas conscientizados através do nariz … sabores conscientizados através da língua
… tangíveis conscientizados através do corpo ... objetos mentais percebidos através da mente
que são desejáveis, agradáveis e fáceis de serem gostados, conectados com o desejo sensual
e que provocam a cobiça, e se um bhikkhu não busca neles o prazer, não os acolhe e não
permanece atado a eles, o deleite cessa. Não havendo o deleite, não há paixão. Não havendo
a paixão, não há grilhões. Libertado do grilhão do deleite esse bhikkhu é chamado aquele que
vive só."

***

4. Moderação no comer
"Refletindo de maneira sábia, ele não usa os alimentos esmolados nem para diversão nem
para embriaguez, tampouco com o objetivo de embelezamento e para ser mais atraente,
somente com o propósito de manter a resistência e continuidade desse corpo, como forma de
dar um fim ao desconforto e para auxiliar a vida santa, considerando: 'Dessa forma darei um
fim às antigas sensações (de fome) sem despertar novas sensações (de comida em excesso) e
serei saudável e sem culpa e viverei em comodidade.'"

***

5. Apoio de amigos admiráveis

Aqui se refere, em particular a amigos que são experientes e que podem servir de exemplo e
ajuda na superação do desejo sensual, especialmente nas meditações em objetos repulsivos.
Mas também se aplica à amizade admirável em geral. Essa mesma explicação é válida para os
outros obstáculos fazendo as devidas substituições.

"Não diga isso, Ananda. Isso é toda a vida santa, Ananda, isto é, ter pessoas admiráveis como
bons amigos, companheiros e camaradas. Quando um bhikkhu tem pessoas admiráveis como
bons amigos, companheiros e camaradas, é de se esperar que ele desenvolva e se dedique ao
Nobre Caminho Óctuplo."

***

6. Conversa apropriada

Aqui se refere, em particular à conversa sobre a superação do desejo sensual, especialmente


sobre meditações em objetos repulsivos. Entretanto, também se aplica a toda conversa que
ajude alguém a progredir no caminho. Essa mesma explicação é válida para os outros
obstáculos fazendo as devidas substituições.

"Quando um bhikkhu está assim, se a sua mente se inclinar para conversar, ele decide: 'Essa
conversa é baixa, vulgar, grosseira, ignóbil, não traz benefício e não conduz ao
desencantamento, desapego, cessação, paz, conhecimento direto, iluminação e Nibbana, isto
é, conversa sobre reis, ladrões, ministros de estado, exércitos, alarmes e batalhas; comida e
bebida, roupas, mobília, ornamentos e perfumes, parentes; veículos; vilarejos, vilas, cidades,
o campo; mulheres e heróis; as fofocas das ruas e do poço; contos dos mortos; contos da
diversidade (discussões filosóficas do passado e futuro), a criação do mundo e do mar e falar
sobre a existência ou não das coisas: desse tipo de conversa eu não participo.' Dessa forma ele
possui plena consciência daquilo.

Mas ele decide: 'Aquelas conversas que tratam da obliteração, que favorecem a libertação da
mente, que conduzem ao completo desencantamento, desapego, cessação, paz,
conhecimento direto, iluminação e Nibbana, isto é, conversas sobre querer pouco, satisfação,
afastamento, distância da sociedade, despertar a energia, virtude, concentração, sabedoria,
libertação, conhecimento e visão da libertação: desse tipo de conversa eu participo.' Dessa
forma ele possui plena consciência daquilo."

***

As seguintes coisas também são úteis para superar o desejo sensual:

- Unificação da mente (ekaggata), dos fatores de absorção (jhananga);


- Atenção Plena (sati), das faculdades espirituaiss (indriya);
- Atenção Plena (sati), dos fatores da iluminação (bojjhanga).

***

C. Símile

"Suponha, brâmane uma tigela com água misturada com tinta vermelha, amarela, azul ou
laranja, se um homem com boa visão examinasse o reflexo da sua face, ele não a perceberia e
não a veria como na verdade ela é. Do mesmo modo, brâmane, quando alguém permanece
com a mente obcecada pelo desejo sensual ... mesmo os mantras que estão sendo recitados
há muito tempo não vêm à mente, sem falar naqueles que não estão sendo recitados."

2. Má-Vontade
A. O alimento da má vontade

"Há, bhikkhus, o sinal do repulsivo: dar com frequência atenção sem sabedoria para isso, esse
é o alimento para o surgimento da má vontade que ainda não surgiu ou para o crescimento e
incremento da má vontade, uma vez que esta tenha surgido."

***

B. A esfomeação da má vontade

"Há, bhikkhus, a libertação da mente através do amor-bondade: dar com frequência atenção
com sabedoria para isso, essa é a esfomeação que previne o surgimento da má vontade que
ainda não surgiu e o crescimento e incremento da má vontade, uma vez que esta tenha
surgido."

"Desenvolva a meditação do amor-bondade; pois quando você desenvolve a meditação do


amor-bondade, toda má vontade será abandonada.

Desenvolva a meditação da compaixão; pois quando você desenvolve a meditação da


compaixão, toda crueldade será abandonada.

Desenvolva a meditação da alegria altruísta; pois quando você desenvolve a meditação da


alegria altruísta, todo descontentamento será abandonado.

Desenvolva a meditação da equanimidade; pois quando você desenvolve a meditação da


equanimidade, toda aversão será abandonada."

***

Seis coisas levam ao abandono da má vontade:

1. Aprender a meditar sobre o amor-bondade;


2. Dedicar-se à meditação de amor-bondade;
3. Refletir que se é herdeiro e dono de suas próprias ações (kamma);
4. Reflexão frequente da forma a seguir:
"Estando com raiva de outra pessoa, o que nós podemos fazer a ela? Nós podemos destruir
as virtudes e boas qualidades dela? Nós não chegamos ao estado presente de acordo com
nossas ações, e isso também não continuará a ocorrer no futuro? Ter raiva com relação ao
outro é o mesmo que uma pessoa, querendo golpear outra, pegar com as mãos brasas
incandescentes, ou um anzol de ferro, ou excrementos. E, da mesma forma, se a outra
pessoa estiver com raiva de você, o que ela pode fazer a você? Ela pode destruir suas
virtudes e boas qualidades? Ela também chegou ao estado presente de acordo com suas
ações, e isso também não continuará a ocorrer no futuro? Da mesma forma como um
presente recusado, ou como um punhado de poeira jogado contra o vento, a raiva dela irá
cair sobre sua própria cabeça."
5. Apoio de amigos admiráveis
6. Conversa apropriada

***

As seguintes coisas também são úteis para superar a má-vontade:

- Êxtase (piti), dos fatores de absorção (jhanaanga);


- Convicção (saddha), das faculdades espirituais ((indriya);
- Êxtase (piti) e equanimidade (upekkha), ddos fatores da iluminação (bojjhanga).

***

C. Símile

"Suponha, brâmane uma tigela com água sendo aquecida ao fogo, com a água borbulhando,
se um homem com boa visão examinasse o reflexo da sua face, ele não a perceberia e não a
veria como na verdade ela é. Do mesmo modo, brâmane, quando alguém permanece com a
mente obcecada pela má vontade ... mesmo os mantras que estão sendo recitados há muito
tempo não vêm à mente, sem falar naqueles que não estão sendo recitados."

3. Preguiça e torpor
A. O alimento da preguiça e torpor

"Há, bhikkhus, a letargia descontente, o espreguiçamento preguiçoso, a sonolência após a


refeição e a preguiça mental: dar com frequência atenção sem sabedoria para isso, esse é o
alimento para o surgimento da preguiça e torpor que ainda não surgiram ou para o
crescimento e incremento da preguiça e torpor, uma vez que estes tenham surgido."

***

B. A esfomeação da preguiça e torpor

"Há, bhikkhus, o elemento do estímulo, o elemento do empenho, o elemento do esforço: dar


com frequência atenção com sabedoria para isso, essa é a esfomeação que previne o
surgimento da preguiça e torpor que ainda não surgiram e o crescimento e incremento da
preguiça e torpor, uma vez que estas tenham surgido."

"Com satisfação eu deixaria a carne e o sangue do meu corpo secar, deixando só pele, tendões
e ossos, se eu não tiver atingido o que pode ser atingido através da firmeza humana, da energia
humana e do esforço humano, não haverá nenhum relaxamento na minha energia."

***

Seis coisas que levam ao abandono da preguiça e torpor:

1. Saber que comer em excesso é uma de suas causas;


2. Trocar a postura do corpo;
3. Focar-se na percepção da luminosidade;
4. Ficar ao ar livre;
5. Apoio de amigos admiráveis;
6. Conversa apropriada.

***

As seguintes coisas também são úteis na superação da preguiça e torpor:


1. Contemplação sobre a morte
"Hoje o esforço tem que ser feito; amanhã a Morte poderá vir, quem sabe?"

2. Percepção do sofrimento naquilo que impermanente


"Quando um bhikkhu com frequência cultiva a percepção do sofrimento naquilo que é
impermanente, uma aguçada percepção do perigo e temor é estabelecida nele em relação à
letargia, indolência, preguiça, negligência, falta de determinação e desatenção, como em
relação a um assassino com a espada levantada."

3. Alegria altruísta
"Desenvolva a meditação da alegria altruísta; pois quando você desenvolve a meditação da
alegria altruísta, todo descontentamento será abandonado."

4. Contemplação da jornada espiritual


Tenho de seguir o caminho pelo qual os Budas, Budas "silenciosos" (pacceka-buddha) e
Grandes Discípulos caminharam; mas esse caminho não pode ser seguido por uma pessoa
indolente.

5. Contemplação sobre a grandeza do Mestre


A completa aplicação da energia era elogiada por meu Mestre, ele é incomparável em suas
instruções e uma incomparável ajuda para todos nós. Ele é respeitado por praticar o
Dhamma que ele descobriu, não por outra razão.

6. Contemplação sobre a grandeza da Herança


Eu tenho de tomar posse da Grande Herança, conhecida como o Bom Dhamma. Mas uma
pessoa indolente não pode fazê-lo.
7. Como estimular a mente
Como alguém deve estimular sua mente no momento em que for necessária a estimulação?
Se devido à lentidão na aplicação da sabedoria ou devido ao não atingimento da felicidade e
tranquilidade, a mente de alguém está desmotivada, então essa pessoa deveria fazer surgir a
energia através da reflexão em oito objetos motivadores. Esses oito são: nascimento,
decaimento, doença e morte; o sofrimento nos mundos miseráveis; o sofrimento do passado
enraizado na roda da existência; o sofrimento do futuro enraizado na roda da existência; o
sofrimento do presente enraizado na busca por alimento.

8. Como superar a sonolência


"Certa vez o Abençoado disse ao Venerável Maha-Moggallana: 'Você está cabeceando,
Moggallana? Você está cabeceando?' - 'Sim, venerável senhor.'
(1) Então, Moggallana, qualquer percepção que você tenha em mente quando a sonolência
surgir, não dê atenção para essa percepção, não insista nisso. É possível que, ao fazer isso,
você se livre da sonolência.
(2) Mas, se ao fazer isso, você não se livrar da sonolência, então traga para a memória o
Dhamma da forma como você o ouviu e memorizou, reexamine e pondere isso na sua
mente. É possível que, ao fazer isso, você se livre da sonolência.
(3) Mas, se ao fazer isso, você não se livrar da sonolência, então recite em detalhe o
Dhamma da forma como você o ouviu e memorizou. É possível que, ao fazer isso, você se
livre da sonolência.
(4) Mas, se ao fazer isso, você não se livrar da sonolência, então pressione os lóbulos das
orelhas e esfregue os membros com as mãos. É possível que, ao fazer isso, você se livre da
sonolência.
(5) Mas, se ao fazer isso, você não se livrar da sonolência, então levante do seu assento e
depois de lavar os olhos com água, olhe em volta em todas as direções e para cima para as
estrelas e as constelações. É possível que, ao fazer isso, você se livre da sonolência.
(6) Mas, se ao fazer isso, você não se livrar da sonolência, então coloque a sua atenção na
percepção da luz, permaneça resoluto na percepção da luz do dia, sendo o dia o mesmo que
a noite, a noite o mesmo que o dia. Assim com a atenção aberta e desimpedida desenvolva
uma mente luminosa. É possível que, ao fazer isso, você se livre da sonolência.
(7) Mas, se ao fazer isso você não se livrar da sonolência, então com os sentidos imersos
internamente, sem que a mente se disperse para o exterior, pratique a meditação andando,
caminhando para cá e para lá, com atenção plena e plena consciência. É possível que, ao
fazer isso, você se livre da sonolência.
(8) Mas, se ao fazer isso, você não se livrar da sonolência, então deite do lado direito, na
postura do leão, com um pé sobre o outro, atento e plenamente consciente, após anotar na
sua mente o horário para levantar. Assim que despertar, levante-se com rapidez, com o
pensamento, 'Eu não irei me entregar ao prazer de ficar deitado, o prazer de estar recostado,
o prazer da sonolência.'
Assim, Moggallana, é como você deve treinar."

9. Os cinco perigos ameaçadores


"Bhikkhus, quando um bhikkhu que habita as florestas considera cinco perigos futuros, isso é
o suficiente para que ele permaneça diligente, ardente e decidido para alcançar aquilo que
ainda não foi alcançado, para obter aquilo que ainda não foi obtido, para realizar aquilo que
ainda não foi realizado. Quais cinco?
(1) "Aqui, um bhikkhu reflete assim: 'Eu agora sou jovem, com o cabelo negro, dotado com as
bênçãos da juventude, no primeiro estágio da vida. Mas chegará o tempo em que a velhice
irá tomar conta do corpo. Agora, quando alguém é velho, subjugado pela idade, não é fácil se
ocupar com os ensinamentos do Buda; não é fácil viver em locais afastados nas florestas e
bosques. Antes que essa condição indesejada, não aspirada, desagradável recaia sobre mim,
que eu estimule a energia para alcançar aquilo que ainda não foi alcançado, para obter
aquilo que ainda não foi obtido, para realizar aquilo que ainda não foi realizado. Assim,
quando eu estiver naquela condição, permanecerei tranquilo muito embora esteja velho.'
Esse é o primeiro perigo futuro que considerado por um bhikkhu é o suficiente para que ele
permaneça diligente, ardente e decidido para alcançar aquilo que ainda não foi alcançado,
para obter aquilo que ainda não foi obtido, para realizar aquilo que ainda não foi realizado.
(2) "Novamente, um bhikkhu reflete assim: 'Eu estou raramente enfermo ou aflito,
possuindo uma boa digestão, que não é nem demasiado fria nem demasiado quente, mas
média, e adequada para o esforço. Mas chegará o tempo em que a enfermidade irá tomar
conta do corpo. Agora, quando alguém é enfermo, subjugado pela enfermidade, não é fácil
se ocupar com os ensinamentos do Buda; não é fácil viver em locais afastados nas florestas e
bosques. Antes que essa condição indesejada, não aspirada, desagradável recaia sobre mim,
que eu estimule a energia para alcançar aquilo que ainda não foi alcançado, para obter
aquilo que ainda não foi obtido, para realizar aquilo que ainda não foi realizado. Assim,
quando eu estiver naquela condição, permanecerei tranquilo muito embora esteja enfermo.'
Esse é o segundo perigo futuro que considerado por um bhikkhu é o suficiente para que ele
permaneça diligente, ardente e decidido para alcançar aquilo que ainda não foi alcançado,
para obter aquilo que ainda não foi obtido, para realizar aquilo que ainda não foi realizado.
(3) "Novamente, um bhikkhu reflete assim: 'Há abundância de comida, a colheita foi boa,
sendo fácil conseguir comida esmolada e é fácil subsistir. Mas chegará o tempo em que
haverá fome, a colheita será pobre, uma época em que será difícil conseguir comida
esmolada e não será fácil subsistir. Numa época de fome as pessoas migram para os lugares
em que há comida em abundância e as condições de vida são congestionadas e abarrotadas
de gente. Agora, quando as condições de vida são congestionadas e abarrotadas de gente,
não é fácil se ocupar com os ensinamentos do Buda; não é fácil viver em locais afastados nas
florestas e bosques. Antes que essa condição indesejada, não aspirada, desagradável recaia
sobre mim, que eu estimule a energia para alcançar aquilo que ainda não foi alcançado, para
obter aquilo que ainda não foi obtido, para realizar aquilo que ainda não foi realizado. Assim,
quando eu estiver naquela condição, permanecerei tranquilo muito embora esteja numa
situação de fome.' Esse é o terceiro perigo futuro que considerado por um bhikkhu é o
suficiente para que ele permaneça diligente, ardente e decidido para alcançar aquilo que
ainda não foi alcançado, para obter aquilo que ainda não foi obtido, para realizar aquilo que
ainda não foi realizado.
(4) "Novamente, um bhikkhu reflete assim: 'As pessoas vivem em concórdia, com apreço
mútuo, sem disputas, mesclando como leite e água, vendo um ao outro com bondade. Mas
chegará o tempo em que haverá perigo, turbulência na floresta, e as pessoas do campo,
montadas sobre os seus veículos fugindo para todos os lados. Numa época de perigo as
pessoas migram para os lugares seguros e as condições de vida são congestionadas e
abarrotadas de gente. Agora, quando as condições de vida são congestionadas e abarrotadas
de gente, não é fácil se ocupar com os ensinamentos do Buda; não é fácil viver em locais
afastados nas florestas e bosques. Antes que essa condição indesejada, não aspirada,
desagradável recaia sobre mim, que eu estimule a energia para alcançar aquilo que ainda
não foi alcançado, para obter aquilo que ainda não foi obtido, para realizar aquilo que ainda
não foi realizado. Assim, quando eu estiver naquela condição, permanecerei tranquilo muito
embora esteja numa situação de perigo.' Esse é o quarto perigo futuro que considerado por
um bhikkhu é o suficiente para que ele permaneça diligente, ardente e decidido para
alcançar aquilo que ainda não foi alcançado, para obter aquilo que ainda não foi obtido, para
realizar aquilo que ainda não foi realizado.
(5) "Novamente, um bhikkhu reflete assim: 'Não há tensão na Sangha - há concórdia,
harmonia; sem disputas, com uma única recitação. Mas chegará o tempo em que haverá um
cisma na Sangha. Agora, quando há um cisma na Sangha, não é fácil se ocupar com os
ensinamentos do Buda; não é fácil viver em locais afastados nas florestas e bosques. Antes
que essa condição indesejada, não aspirada, desagradável recaia sobre mim, que eu estimule
a energia para alcançar aquilo que ainda não foi alcançado, para obter aquilo que ainda não
foi obtido, para realizar aquilo que ainda não foi realizado. Assim, quando eu estiver naquela
condição, permanecerei tranquilo muito embora esteja numa situação de cisma na Sangha.'
Esse é o quarto perigo futuro que considerado por um bhikkhu é o suficiente para que ele
permaneça diligente, ardente e decidido para alcançar aquilo que ainda não foi alcançado,
para obter aquilo que ainda não foi obtido, para realizar aquilo que ainda não foi realizado."
***

As seguintes coisas também são úteis na superação da preguiça e torpor:

- Pensamento aplicado (vitakka), dos fatores de abbsorção (jhananga);


- Energia (viriya), das faculdades espirituais (indriya);
- Investigação dos fenômenos (Dhamma vicaya), enerrgia (viriya) e êxtase (piti), dos fatores
da iluminação (bojjhanga).

***

"Numa ocasião, bhikkhus, em que a mente ficar letárgica, é inoportuno desenvolver o fator da
iluminação da tranquilidade, o fator da iluminação da concentração e o fator da iluminação da
equanimidade. Por qual razão? Porque a mente está letárgica, bhikkhus, e é difícil estimulá-la
com essas coisas.

Numa ocasião, bhikkhus, em que a mente ficar letárgica, é oportuno desenvolver o fator da
iluminação da investigação dos fenômenos, o fator da iluminação da energia e o fator da
iluminação do êxtase. Por qual razão? Porque a mente está letárgica, bhikkhus, e é fácil
estimulá-la com essas coisas."

***

C. Símile

"Suponha, brâmane uma tigela com água coberta por musgo e plantas aquáticas, se um
homem com boa visão examinasse o reflexo da sua face, ele não a perceberia e não a veria
como na verdade ela é. Do mesmo modo, brâmane, quando alguém permanece com a mente
obcecada pela preguiça e torpor ... mesmo os mantras que estão sendo recitados há muito
tempo não vêm à mente, sem falar naqueles que não estão sendo recitados."

4. Inquietação e Ansiedade

A. O alimento da inquietação e ansiedade

"Há, bhikkhus, a mente conturbada: dar com frequência atenção sem sabedoria para isso, esse
é o alimento para o surgimento da inquietação e ansiedade que ainda não surgiram ou para o
crescimento e incremento da inquietação e ansiedade, uma vez que estas tenham surgido."

***
B. A esfomeação da inquietação e ansiedade

"Há, bhikkhus, a paz mental: dar com frequência atenção com sabedoria para isso, essa é a
esfomeação que previne o surgimento da inquietação e ansiedade que ainda não surgiram e
o crescimento e incremento da inquietação e ansiedade, uma vez que estas tenham surgido."

***

Seis coisas levam ao abandono da inquietação e ansiedade:

1. Conhecer as escrituras Budistas (Doutrina e Disciplina);


2. Fazer perguntas sobre elas;
3. Familiaridade com o Vinaya (o Código de Disciplina Monástica, e para os discípulos laicos,
os princípios de conduta ética);
4. Associar-se com aqueles maduros na idade e experiência, que possuem dignidade,
moderação e calma;
5. Apoio de amigos admiráveis;
6. Conversa adequada.

***

As seguintes coisas também são úteis na superação da inquietação e ansiedade:

- Concentração (samadhi), das faculdades espirituaais (indriya);


- Tranquilidade (passaddhi), concentração (samaadhi) e equanimidade (upekkha), dos
fatores da iluminação (bojjhanga).

"Numa ocasião, bhikkhus, em que a mente ficar excitada, é inoportuno desenvolver o fator da
iluminação da investigação dos fenômenos, o fator da iluminação da energia e o fator da
iluminação do êxtase. Por qual razão? Porque a mente está excitada, bhikkhus, e é difícil
acalmá-la com essas coisas.

Numa ocasião, bhikkhus, em que a mente ficar excitada, é oportuno desenvolver o fator da
iluminação da tranquilidade, o fator da iluminação da concentração e o fator da iluminação da
equanimidade. Por qual razão? Porque a mente está excitada, bhikkhus, e é fácil acalmá-la
com essas coisas."
***

C. Símile

"Suponha, brâmane uma tigela com água sendo agitada pelo vento, cheia de ondulações, se
um homem com boa visão examinasse o reflexo da sua face, ele não a perceberia e não a veria
como na verdade ela é. Do mesmo modo, brâmane, quando alguém permanece com a mente
obcecada pela inquietação e ansiedade ... mesmo os mantras que estão sendo recitados há
muito tempo não vêm à mente, sem falar naqueles que não estão sendo recitados."

4. Dúvida

A. O alimento da Dúvida

"Há, bhikkhus, coisas que são a base da dúvida: dar com frequência atenção sem sabedoria
para isso, esse é o alimento para o surgimento da dúvida que ainda não surgiu ou para o
crescimento e incremento da dúvida, uma vez que esta tenha surgido."

***

B. A esfomeação da Dúvida

"Há, bhikkhus, qualidades mentais que são hábeis e inábeis, benéficas e prejudiciais,
superiores e inferiores, claras e escuras com as suas contrapartidas: dar com frequência
atenção com sabedoria para isso, essa é a esfomeação que previne o surgimento da dúvida
que ainda não surgiu e o crescimento e incremento da dúvida, uma vez que esta tenha
surgido."

***

Das seis coisas que levam ao abandono da dúvida, as primeiras três e as duas últimas são
idênticas às dadas na seção da inquietação e ansiedade. A quarta é:

Firme convicção no Buda, no Dhamma e na Sangha.

***
Além disso, as seguintes coisas também são úteis na superação da dúvida:

- Pensamento sustentado (vicara), dos fatores de aabsorção (jhananga);


- Sabedoria (pañña), das faculdades espirituais (<indriya);
- Investigação dos fenômenos (Dhamma vicaya), dos fatores da iluminação (bojjhanga)

***

C. Símile

"Suponha, brâmane uma tigela com água que está túrbida, agitada, com lodo, colocada num
lugar escuro, se um homem com boa visão examinasse o reflexo da sua face, ele não a
perceberia e não a veria como na verdade ela é. Do mesmo modo, brâmane, quando alguém
permanece com a mente obcecada pela dúvida ... mesmo os mantras que estão sendo
recitados há muito tempo não vêm à mente, sem falar naqueles que não estão sendo
recitados."

Samaññaphala Sutta

I. O Sutta (DN 2)

" .... Dotado desse nobre agregado da virtude, essa nobre contenção das faculdades sensoriais,
essa nobre atenção plena e plena consciência, ele procura um local isolado: na floresta, à
sombra de uma árvore, uma montanha, uma ravina, uma caverna em uma encosta, um
cemitério, um matagal, um espaço aberto, uma cabana vazia. Depois de esmolar alimentos,
após a refeição, ele senta com as pernas cruzadas, com o corpo ereto e coloca a atenção plena
à sua frente. Abandonando a cobiça (equivalente ao desejo sensual) pelo mundo, ele
permanece com a mente livre de cobiça; ele purifica sua mente da cobiça. Abandonando a má-
vontade, ele permanece com a mente livre de má-vontade, com compaixão pelo bem-estar de
todos seres vivos; ele purifica sua mente da má-vontade. Abandonando a preguiça e o torpor,
ele permanece livre da preguiça e do torpor, perceptivo à luz, atento e plenamente consciente;
ele purifica sua mente da preguiça e do torpor. Abandonando a inquietação e a ansiedade, ele
permanece calmo com a mente em paz; ele purifica sua mente da inquietação e da ansiedade.
Abandonando a dúvida, ele assim permanece tendo superado a dúvida, sem perplexidade em
relação a qualidades mentais hábeis; ele purifica a mente da dúvida.

Suponha que um homem, tomando um empréstimo, invista no seu negócio. Os seus negócios
vão bem. Ele paga a dívida e sobra algo para sustentar a sua esposa. O pensamento lhe
ocorreria, 'Antes, tomei um empréstimo, investi no meu negócio. Agora o meu negócio foi
bem. Eu paguei a dívida e sobrou algo para sustentar minha esposa'. Por causa disso ele
experimentaria alegria e felicidade.

Agora suponha que um homem se enferme – com dores e seriamente doente. Ele não tolera
a comida e não há força no seu corpo. Conforme o tempo passa, ele finalmente se recupera
dessa enfermidade. Ele tolera a comida e há força no seu corpo. O pensamento lhe ocorreria,
'Antes, eu estava doente ... Agora estou recuperado daquela doença. Eu tolero a minha
comida, há força no meu corpo.' Por causa disso ele experimentaria alegria e felicidade.

Agora suponha que um homem está na prisão. Conforme o tempo passa, ele finalmente é
libertado dessa prisão, são e salvo, sem perda de patrimônio. O pensamento lhe ocorreria,
'Antes, eu estava na prisão. Agora estou livre da prisão, são e salvo, sem perda do meu
patrimônio.' Por causa disso ele experimentaria alegria e felicidade.

Agora suponha que um homem é um escravo, sujeito a outros, não sujeito a si mesmo, incapaz
de ir aonde queira. Conforme o tempo passa, ele finalmente é libertado daquela escravidão,
sujeito a si mesmo, não sujeito a outros, livre, capaz de ir aonde queira. O pensamento lhe
ocorreria, 'Antes, eu era um escravo … Agora estou livre daquela escravidão, sujeito a mim
mesmo, não sujeito a outros, livre, capaz de ir aonde queira.' Por causa disso ele
experimentaria alegria e felicidade.

Agora suponha que um homem, carregando dinheiro e mercadorias, está viajando por uma
estrada em uma região desolada. Conforme o tempo passa, ele finalmente emerge daquela
região desolada, são e salvo, sem perda de patrimônio. O pensamento lhe ocorreria, 'Antes,
carregando dinheiro e mercadorias, eu estava viajando por uma estrada em uma região
desolada. Agora emergi dessa região desolada, são e salvo, sem perda do meu patrimônio.'
Por causa disso ele experimentaria alegria e felicidade.

Da mesma forma, quando esses cinco obstáculos não são abandonados por ele, o bhikkhu os
considera como uma dívida, uma enfermidade, uma prisão, a escravidão, uma estrada através
de uma região desolada.

Porém, quando esses cinco obstáculos são abandonados, ele os considera como não ter
dívidas, ter boa saúde, estar livre da prisão, estar livre da escravidão, estar num lugar com
segurança.

Vendo que os obstáculos foram abandonados por ele, ele fica satisfeito. Satisfeito, o êxtase
surge. Com o êxtase, o seu corpo se acalma. Com o corpo calmo, ele sente felicidade. Sentindo
felicidade, a sua mente fica concentrada.

Então um bhikkhu afastado dos prazeres sensuais, afastado das qualidades não hábeis, entra
e permanece no primeiro jhana, que é caracterizado pelo pensamento aplicado e sustentado,
com o êxtase e felicidade nascidos do afastamento. Ele permeia e impregna, cobre e preenche
o corpo com o êxtase e felicidade nascidos do afastamento. Ele entra e permanece no
segundo... terceiro... quarto jhana ..."

II. O Comentário

A. Os Símiles para os Obstáculos

O texto do sutta diz: "Da mesma forma, quando esses cinco obstáculos não são abandonados
por ele, o bhikkhu os considera como uma dívida, uma enfermidade, uma prisão, uma
escravidão, uma estrada através de uma região desolada."

Aqui o Buda compara o não abandono do obstáculo do desejo sensual com estar endividado;
o não abandono da má-vontade com estar doente, e assim por diante. Esses símiles devem ser
entendidos da seguinte forma:
1. Desejo Sensual

Há um homem que se endividou, mas que agora está falido. Nesse caso, se os credores falarem
duramente ao pedirem que ele pague a dívida, ele não poderia retaliar e acabaria tendo de
tolerar essa situação. É devido à dívida que ele tem de tolerar isso.

Da mesma forma, se um homem está com a mente preenchida de desejo sensual por uma
outra pessoa, ele vai, cheio de desejos pelo objeto de desejo, se apegar a ele. Mesmo que essa
pessoa fale duramente com ele, o irrite, ou até mesmo o golpeie, ele terá de tolerar tudo isso.
É devido ao desejo sensual que ele tem de tolerar isso. É dessa forma que o desejo sensual
pode ser comparado com estar endividado.

2. Má Vontade

Se um homem sofre de uma doença que cause náusea, e recebe até mesmo mel ou açúcar,
ele não irá desfrutar do sabor. Ele vai rapidamente vomitar, reclamando, "É amargo, amargo!"

Da mesma forma, se alguém tem temperamento raivoso e é censurado por seu professor ou
preceptor, que querem o bem dele, ele não aceita o conselho deles. Dizendo "Vocês me
atormentam demais!" ele irá deixar a Comunidade, ou ir embora e perambular. Assim como
as pessoas que sofrem de uma doença nauseante não desfrutam do sabor do mel e do açúcar,
aquele que tem a doença da raiva não vai desfrutar do sabor do Ensinamento do Buda, que
consiste da felicidade dos estados de absorção meditativa, etc. É dessa forma que a má-
vontade se assemelha à doença.

3. Preguiça e Torpor

Uma pessoa foi mantida na cadeia durante um dia de festividades, e devido a isso, não pôde
ver nem o começo, nem o meio, nem o fim das festividades. Se ele for libertado no dia
seguinte, e ouvir pessoas dizendo: "Oh, como foi prazeroso o festival de ontem! Oh, aquelas
danças e canções!" ele não irá dar nenhuma resposta. E por que? Porque ele mesmo não
aproveitou o festival.

Da mesma forma, mesmo se o mais eloquente discurso no Dhamma for dado, um bhikkhu
dominado pela preguiça e torpor não saberá o começo, o meio ou o fim. Se depois do discurso,
ele ouve elogios: "Como foi agradável ouvir o Dhamma! Como foi interessante o tópico e como
os símiles foram bem colocados!" ele não poderá dizer nada. E por que não? Porque, devido à
sua preguiça e torpor ele não aproveitou o discurso. É dessa forma que a preguiça e torpor
podem ser comparados com o aprisionamento.

4. Inquietação e Ansiedade

Se um escravo que quer desfrutar de um festival, mas ouve de seu senhor: "Vá rapidamente
para tal e tal lugar! Existe trabalho urgente para se fazer. Se você não o fizer, eu irei cortar suas
mãos e pés, suas orelhas e nariz!". Ouvindo isso esse escravo vai fazer rapidamente o que lhe
foi ordenado, e não irá desfrutar de nenhuma parte do festival. Isso ocorre porque ele é
dependente dos outros.

Da mesma forma, se um bhikkhu não for um bom conhecedor do Vinaya (o Código de


Disciplina) e for para a floresta em busca de isolamento. Se em qualquer caso, devido à
questão da carne que pode ser consumida (Sub-Comentário: por exemplo: carne de porco) ele
acha que não poderia ser consumida (tomando-a como carne de urso), ele deve interromper
seu isolamento e purificar sua conduta, deve ir a um bom conhecedor do Vinaya. Assim, ele
não poderá desfrutar da felicidade originada do isolamento porque ele é afetado pela
inquietação e ansiedade. É dessa forma que a inquietação e ansiedade podem ser comparados
à escravidão.

5. Dúvida

Um homem viajando pelo deserto, sabendo que os viajantes podem ser saqueados ou mortos
por ladrões, ao menor ruído de um graveto ou pássaro ele se torna ansioso e cheio de medo,
pensando: "Os ladrões apareceram!". Ele vai dar poucos passos, e depois, tomado pelo medo,
parar, e continuar dessa forma; ou ele pode até se virar de costas. Parando mais
frequentemente que andando, somente com grandes esforços e dificuldades que ele vai
chegar em um local seguro, ou talvez nem chegar.

Ocorre algo semelhante com alguém em que surgiu a dúvida em relação a um dos oito objetos
de dúvida. [2] Tendo dúvidas se o Mestre é um Iluminado ou não, ele não pode aceitar isso
com confiança. Incapaz de fazê-lo, ele não poderá atingir os caminhos nem os frutos dos
estágios nobres. Assim, como um viajante no deserto não ter certeza se há ou não ladrões, ele
faz surgir em sua mente um estado de ondulação e vacilação, uma incerteza, um estado de
ansiedade; e assim ele cria para si mesmo um obstáculo para alcançar o terreno seguro dos
estágios do despertar (ariya-bhumi). É dessa forma que a dúvida pode ser comparada com um
viajante no deserto.

B. O Abandono dos Obstáculos

O texto do sutta diz: "Porém, quando esses cinco obstáculos são abandonados, ele os
considera como não ter dívidas, ter boa saúde, estar livre da prisão, estar livre da escravidão,
estar num lugar com segurança."

1. O Abandono do Desejo Sensual

Um homem, tendo tomado um empréstimo, usa-o para seus negócios e consegue prosperar.
Então ele pensa: "Essa dívida é uma causa de vexames". Ele devolve o empréstimo junto com
os juros e rasga a nota promissória. Depois disso ele não manda nem mensageiro nem carta
aos seus credores; e mesmo que ele se encontre com eles, ele poderá decidir se irá ou não se
levantar de seu assento e cumprimentá-los. E por que? Porque ele não deve mais nada a eles
e também não é dependente deles.

Da mesma forma, um bhikkhu reflete: "O desejo sensual é uma causa de obstruções". Então
ele cultiva as seis coisas que levam ao abandono desse obstáculo, e finalmente remove o
obstáculo do desejo sensual. Assim como alguém que se libertou da dívida não sente nem
medo nem ansiedade ao se encontrar com seus credores, aquele que abandonou o desejo
sensual não mais é apegado ou atado ao objeto de seu desejo; mesmo que ele veja formas
divinas, as paixões não o atingirão.

Por isso o Abençoado comparou o abandono do desejo sensual com estar livre da dívida.

2. O Abandono da Má Vontade
Da mesma forma como uma pessoa que sofre de uma doença que cause náusea, ao ser curado
por um medicamento, vai recuperar sua apreciação pelo sabor do mel e do açúcar, um
bhikkhu, refletindo, "Essa má vontade causa muitos males", desenvolve as seis coisas que
levam ao abandono desse obstáculo e, finalmente remove o obstáculo da má vontade. Assim
como o paciente curado aprecia o sabor do mel e do açúcar, esse bhikkhu recebe as regras de
treinamento com respeito e as cumpre apreciando o valor delas. Por essa razão o Abençoado
comparou o abandono da má vontade com a recuperação da saúde.

3. O Abandono da Preguiça e Torpor

Há uma pessoa que já esteve na cadeia num dia de festival. Mas quando ele é libertado e
celebra o próximo festival, ele vai pensar: "Antes, devido a uma desatenção em minha
conduta, tive de ficar na cadeia naquele dia e não pude aproveitar o festival. Dessa vez serei
atento". E ele permanece atento à sua conduta de forma que nada de prejudicial entre em sua
mente. Tendo aproveitado o festival, ele exclama: "Oh, como o festival foi bonito!"

Da mesma forma, um bhikkhu, percebendo que a preguiça e torpor causam grandes males,
desenvolve as seis coisas que os contrapõem, e finalmente ele remove o obstáculo da preguiça
e torpor. Assim como o homem libertado da prisão aproveita o festival inteiro, mesmo que
por sete dias, esse bhikkhu que abandonou a preguiça e torpor é capaz de aproveitar o
começo, o meio e o encerramento de um Festival do Dhamma (dhamma-nakkhata), e
finalmente atinge o estado de Arahant junto com o quádruplo conhecimento discernente
(patisambhida).

Por isso o Abençoado compara o abandono da preguiça e torpor com ser libertado da prisão.

4. O Abandono da Inquietação e Ansiedade

Há um escravo que, com a ajuda de um amigo, paga uma certa quantia ao seu senhor e se
torna um homem livre, podendo então fazer o que ele quiser. Da mesma forma, um bhikkhu,
percebendo a grande obstrução causada pela inquietação e ansiedade, cultiva as seis coisas
que os contrapõem, e finalmente abandona o obstáculo da inquietação e ansiedade. E depois
de abandoná-los ele é comparável a um homem verdadeiramente livre, podendo fazer aquilo
que ele quiser. Assim como ninguém pode impedir que um homem livre faça aquilo que ele
queira, a inquietação e ansiedade não podem impedir esse bhikkhu de andar feliz no caminho
da renúncia (sukhanekkhama-patipada).

Por essa razão o Abençoado comparou o abandono da inquietação e ansiedade com estar livre
da escravidão.

5. O Abandono da Dúvida

Há um homem forte que, com sua bagagem na mão, bem armado e acompanhado, viaja numa
região desolada. Se ladrões o vissem de longe, eles fugiriam rapidamente. Atravessando com
segurança a região desolada e chegando a um local seguro, ele se alegrará. Da mesma forma,
um bhikkhu vendo que a dúvida é uma causa de grandes males, cultiva as seis coisas que
servem como antídoto, e finalmente abandona a dúvida. Assim como um homem forte,
armado e bem acompanhado, considerando os ladrões em número menor assim como a
grama no solo, ele sairá da região desolada e chegará a um local seguro; similarmente um
bhikkhu, tendo atravessado a região desolada da conduta incorreta, finalmente chegará um
estado de suprema segurança, o estado imortal, Nibbana. Por isso o Abençoado comparou o
abandono da dúvida com chegar a um local seguro.

Notas:

[1] Esse sutta é um dos sete textos canônicos recomendados pelo imperador Asoka no
Segundo Edito de Pedra de Bhairat; "Veneráveis senhores, essas passagens da Lei, ou seja:
Temores daquilo que pode vir a ocorrer (anagata-bhayani)..., falados pelo Respeitável Buda –
eu desejo que muitos bhikkhus, bhikkhunis e laicos, sejam homens ou mulheres, possam ter a
oportunidade de ouvir e tomar como objeto de reflexão". (Vincent A. Smith, Asoka. 3ª edição,
pág. 54) [Retorna]

[2] Eles são, de acordo com o Vibhanga: dúvida a respeito do Buda, Dhamma, Sangha, o (triplo)
treinamento, o passado, o futuro, tanto o passado como o futuro, e o condicionamento dos
fenômenos. [Retorna]
***

Os cinco fatores de absorção:

1. Vitakka (pensamento aplicado)


2. Vicara (pensamento sustentado)
3. Piti (êxtase)
4. Sukha (felicidade)
5. Ekaggata (unificação da mente)

As cinco faculdades espirituais:

1. Saddha (convicção)
2. Viriya (energia)
3. Sati (atenção plena)
4. Samadhi (concentração)
5. Pañña (sabedoria)

Os sete fatores da iluminação:

1. Sati (atenção plena)


A palavra em Tailandês para sati é “reluk,” que significa recordar, trazer de volta a mente ao
presente. Com o sentido de atenção plena, sati significa estar sempre voltando para o presente
– Presença desapegada aos fenómenos mentais e sensoriais. Atenção plena também ter
consciência de tudo aquilo que surge na nossa experiência – chegar o mais próximo possível e
realmente observar aquilo que está acontecendo.
Ao praticarmos dessa forma, com atenção plena e plena consciência, (ou clara compreensão
- sampajañña), sem luta para remover (aversão) ou agarrar (apego) o que quer que seja, ou
abandonar (desapego) os gostos e desgostos em relação ao mundo (imparcialidade) – essa é
a verdadeira essência da prática. Ao praticarmos os quatro fundamentos da atenção plena de
forma correta – e deve ser enfatizado que a prática tem que ser correta – então todos os
dhammas do Budismo estarão presentes e assim será fácil para os fatores do despertar
surgirem e persistirem. Quando a atenção plena e a plena consciência são perfeitas, elas são
um antídoto para a interação dos gostos e desgostos, cobiça e aversão em relação ao mundo.
Quando a atenção plena está presente dessa forma, essa é a atenção plena fator do despertar.
Não se trata de dois tópicos distintos. Não precisamos praticar algo distinto para que a atenção
plena seja um fator do despertar. Tudo que precisamos fazer é observar a respiração longa
como respiração longa e a respiração curta como curta. A prática desse nível básico é o início
da atenção plena do despertar.
Quando somos capazes de observar a respiração longa ou curta com atenção plena suficiente,
estamos conscientes ou atentos à respiração ao longo de toda a duração da inalação ou
exalação.
Atenção plena é o estado da mente que reflete sobre si mesma para não ser aprisionada
pelo desejo, raiva e ignorância que causam o sofrimento tanto para a própria pessoa
como para os outros ou ambos.

2. Dhamma vicaya (investigação dos fenômenos)


Quando a atenção plena estiver dessa forma engajada, então teremos a capacidade ou a
oportunidade para o segundo fator do despertar: investigação, o escrutínio ou análise dos
dhammas. Podemos interpretar isso como a análise intelectual, ou podemos considerá-lo num
contexto meditativo como o escrutínio não intelectual. Dependendo da forma como
interpretamos essa análise, a palavra dhamma pode significar algo tão preciso quanto um
estado mental em particular, ou pode ter um significado mais amplo abrangendo tudo aquilo
de importância nas nossas vidas.
Quando a atenção plena estiver bem estabelecida, então essa atenção plena poderá tomar
uma parte da experiência e investigá-la – selecioná-la, mantê-la e submetê-la ao escrutínio.
Gosto de pensar na imagem de um joalheiro trabalhando com precisão. Você pode ver esses
artífices com os seus pequenos monóculos através dos quais eles observam uma jóia e
investigam-na com extremo cuidado. Eles examinam a sua cor, textura, brilho e formato. Eles
examinam-na para identificar se possui algum tipo de defeito. E eles não a mantêm numa única
posição; eles giram-na para ver como ela é sob a luz por diferentes ângulos, e assim por diante.
Esse processo de investigação é bastante ativo; há participação; é dinâmico; é engajado. O
meditador “investiga e examina esse estado com sabedoria e faz uma indagação completa a
respeito disso.” Essa é a qualidade de investigação que emerge naturalmente da atenção plena
como o segundo fator do despertar.
Na atenção plena na respiração, o que importa é que a mente esteja atenta – esteja
totalmente consciente a cada inspiração e expiração. Já a investigação é um pouco distinta da
mera notação. Na prática da notação podemos observar “ali está um pensamento, agora uma
sensação” e assim por diante. Existe um certo grau de atenção plena nisto, mas lhe falta a
qualidade de investigação que é a característica do segundo fator do despertar.
É importante observar aquilo que ocorre na mente, mas também é de grande ajuda examinar
o efeito que esses coisas causam. A maioria dos mestres explica a atenção plena de uma forma
que inclui algum tipo de investigação. Quer você fale sobre ela como duas coisas ou uma só, o
que importa é que a investigação ocorra. Essa é a prática consciente.

3. Viriya (energia)
4. Piti (êxtase)
5. Passaddhi (tranquilidade)
6. Samadhi (concentração)
7. Upekkha (equanimidade)

As Cinco Faculdades Espirituais

Um tema do Dhamma que está muito marcado em meu coração é aquele referente aos cinco
Indriya1 – as Cinco Faculdades Espirituais. Essas Cinco Faculdades Espirituais são qualidades da
prática e da mente que devem ser trazidas ao caminho espiritual. Há Saddha, que
é Fé; Viriya, Energia; Sati, Atenção Plena; Samadhi, que é Concentração Serena;
e Pañña, Sabedoria – eles se transformam em poderes da mente através dos quais ela se torna
dinâmica e capaz de dar um fim ao sofrimento.
1
Veja a descrição da palavra Indriya, em páli, no acessoaoinsight: faculdades. Nos suttas este
termo, em geral, se refere às seis bases internas (ayatana) ou os cinco fatores mentais que
fazem parte do conjunto dos apoios para a iluminação (bodhi-pakkhiya-dhamma):
convicção (saddha), energia (viriya), atenção plena (sati), concentração (samadhi),
sabedoria (pañña).
Saddha é, frequentemente, traduzido como Fé, Confiança ou Convicção. O Buddha disse que a
Fé provém de ter visto que a condição humana é insatisfatória. Ela é imperfeita, moldada com
insatisfação, descontentamento, dor, angústia, medo e ansiedade. Tendo percebido isso, a
mente – naturalmente – procura por um caminho que a leve para fora desse estado. Tal
caminho questiona o significado da vida e como encontrar paz interior.
Então, essa Fé procura por um caminho que leve para fora do sofrimento. Para as pessoas que
entestam com as palavras do Buddha, ouvir que há uma causa para a insatisfação, um fim
para a insatisfação e um caminho de prática por tal libertação – isso traz Fé. É frequente que,
devido ao fato de não termos compreendido Dukkha1 – ou porque nós pensamos que Dukkha
não deveria ocorrer – nós não nos lançamos nessa procura por uma saída.
1
Palavra em páli que se refere ao desconforto, insatisfação e sofrimento dos seres.
Recentemente, uma senhora veio falar comigo explicando que uma amiga dela houvera dado
à luz uma criança e que a mesma havia morrido. Essa senhora estava muito chateada porque
ela seria a madrinha, então ela disse: “Isso não deveria acontecer, isso é injusto!”. Existe uma
presunção de que a vida deveria ser justa. Mas através da experiência nós começamos a
perceber e compreender que a vida não é sempre justa. Logo, Dukkha é como a injustiça da
existência – não é uma “permanência justa”.
Assim, tendo visto Dukkha, nós procuramos uma saída. No caso dessa senhora, tendo
experimentado sofrimento, ela veio ao monastério e decidiu que ela praticaria o Dhamma 1 e
compartilharia os méritos da sua prática com a criança falecida2. Ela começou a procurar uma
maneira de lidar com o sofrimento.
1
Dhamma, com letra maiúscula, costuma se referir aos ensinamentos do Buddha ou a forma
como as coisas de fato são. No caso, o primeiro sentido é o conveniente, visto que se diz
"praticar o Dhamma". Às vezes, o sentido colocado é "praticar para enxergar o Dhamma".
Dhamma, com a primeira letra minúscula (dhamma), significa fenômenos.
2
Compartilhamento de mérito - o Buddha ensinou que podemos alimentar um sentimento de
compaixão por aqueles que morreram e compartilhar nossos méritos (nosso bom Karma) com
tais seres, para ajuda-los em seu renascimento e em sua permanência no reino em que tenham
renascido. Porém, há Suttas em que o Buddha define que somente o mérito compartilhado com
alguém que tenha renascido no reino dos Fantasmas Famintos (Petas) é frutífero.
Quando o Buddha descreveu Fé, ele falou sobre ela em quatro aspectos: fé no Buddha, a pessoa
que se tornou totalmente iluminada nesse mundo e que ensina o caminho para fora de Dukkha;
fé no Dhamma, que consiste nos ensinamentos do Buddha; fé na Sangha, constituída pelos
monges, monjas e leigos que perceberam a Verdade em suas próprias vidas; e fé no
treinamento. Esse último significa ter fé que esta prática que nós estamos fazendo renderá
resultados. Fé no treinamento também implica, intrinsecamente, fé em nossas próprias
habilidades para perceber a Verdade: fé de que nós somos capazes da fazer isso.
A falta de convicção em nossa própria habilidade para realizar a prática é um obstáculo
comum, então uma das responsabilidades de um professor é encorajar e erguer as pessoas.
Essa era uma das coisas que Ajahn Chah costumava fazer. Eu me lembro de uma vez em que
tive algumas dificuldades e eu fui até ele. Ele estava conversando, e quando ele se virou para
mim ele disse: “Tan Nyanadhammo, você tem tido poucas contaminações!”; isso foi em um
tempo quando parecia que a minha mente estava repleta de contaminações! Mas apenas
essas poucas palavras me deram encorajamento.
Houve outra ocasião quando eu era recém-ordenado. A comida no monastério de Ajahn Chah
era extremamente básica: arroz viscoso, folhas, curry – que eram todos colocados juntos em
um pote – e algumas bananas; era isso. Como havia muito pouco, alguns dos monges se
levantavam para servir a comida. Você se sentava com sua tigela na sua frente e eles
colocavam a sua comida dentro dela – você não tinha opção, você só podia dizer o que não
queria. Um dos monges ocidentais foi chamado para se levantar e distribuir a comida, mas ele
se recusou porque se ele se levantasse ele não poderia ficar de olho em sua tigela e, desse
modo, evitar que os monges tailandeses colocassem coisas nela que incomodassem seu
estômago. Devido a isso eles pediram para que eu me levantasse em seu lugar.
Alguns dias depois nós partimos numa mesma esmola de alimentos juntos dentro do vilarejo
e, assim que estávamos retornando para o refeitório, esse monge começou a reclamar dos
monges que distribuíam a comida. Uma raiva autojustificada surgiu dentro de mim e eu disse
a ele: “Em vez de reclamar dos outros monges, por que você não se levanta e nos ajuda?”; e
assim eu me retirei, mau humorado.
Enquanto eu caminhava, eu ouvi a voz de Ajahn Chah dizendo “Bom dia” em Inglês (as únicas
frases que ele sabia em Inglês eram “Bom dia” e “Uma xícara de chá”). Eu me virei para vê-lo
parado apenas três pés distantes de mim com um grande sorriso radiante em seu rosto. Eu
disse: “Oh! Bom dia, Luang Por1!”; e ele irradiou amor-bondade para mim, de tal maneira que
a aversão completamente desapareceu e eu fiquei realmente feliz 2.
1"
Luang" é um termo tailandês que significa "Venerável", e que costuma ser usado tanto em
contexto familiar quanto religioso para demonstrar respeito e admiração por outra pessoa ou
por um monge. "Por" é a palavra tailandesa para pai. Logo, "Luang Por" significa "Venerável
Pai", e geralmente é usada para se dirigir a monges sêniores.
2
"Irradiar amor-bondade" - os praticantes que desenvolvem Samadhi profundo são capazes de
influenciar as mentes das pessoas ao seu redor, e uma dessas influências é através da
irradiação de amor-bondade. Há muitos depoimentos de monges que sentiram um bem-estar
incrível quando se aproximaram de certos mestres - isso é irradiar amor-bondade.
Naquela noite eu decidi: “Como Ajahn Chah foi muito amigável comigo, eu irei oferecer a ele
uma massagem em seus pés.”; essa era uma maneira de prestar algum serviço a ele e,
geralmente, ele ensinava o Dhamma nessas ocasiões. Bom, ele estava sentado em uma cadeira
de cana comigo sentado no chão, massageando seus pés, quando o sino tocou para o cântico
da noite. Ele disse aos outros monges para irem para o cântico e eu fiquei com ele. Era uma
bela noite fresca, com a Lua cheia surgindo, e com o som de uns setenta monges entoando os
cânticos – era simplesmente maravilhoso. Ajahn Chah sentou em meditação enquanto eu
estava massageando seu pé – e minha mente estava nas nuvens, flutuando de alegria.
Nesse momento Ajahn Chah me chutou no peito, me derrubando de costas! Eu olhei para cima
em choque e Ajahn Chah apontou para mim, dizendo: “Percebe? De manhã alguém diz alguma
coisa que você não gosta e você fica chateado. Então, outra pessoa apenas diz 'Bom dia' e você
fica animado o dia inteiro. Não se permita ser escravizado por humores e emoções de gosto e
desgosto devido a o que as outras pessoas dizem.”.
Então ele me ofereceu uma palestra do Dhamma e eu ergui minhas mãos em Añjali 1 para ouvir
o seu Dhamma. Eu me lembro disso até hoje e isso sempre me traz uma ideia da tamanha
compaixão que ele tinha: ele viu que uma pessoa estava caminhando com sua cabeça
fumegando, disse “Bom dia” e, então, esperou até que o momento surgisse. Longe dos setenta
monges do monastério, e de todas as monjas, ele pensou “Hoje eu ensinarei esse indivíduo.
Esse é realmente teimoso, eu terei de dar a ele um chute! Ele não se lembrará se eu não ensiná-
lo com firmeza.”. O que ficou comigo foi uma sensação de fé de que o professor estava
preocupado e era motivado por compaixão a libertar seus discípulos do sofrimento. E aquela
confiança, aquela seriedade na mente, estimula a qualidade da Energia, Viriya, que é o
próximo aspecto do caminho espiritual.
1
Añjali é um sinal de respeito e atenção representado pela atitude de colocar as mãos unidas,
palma com palma, geralmente diante do peito.
O Buddha definiu Viriya como a aplicação de quatro coisas1. A primeira é: se um estado mental
inábil surgir, primeiro o indivíduo reconhece isso e, então, se esforça para superá-lo. Por
exemplo: se a raiva surgir, a pessoa reconhece “Eu estou furioso” e, então, se esforça para
superar aquela raiva. O próximo aspecto é se um estado mental inábil não tiver surgido então
o praticante se esforça para garantir que isso não surgirá – isso é preventivo. No exemplo da
raiva, esse é ocaso de que nós precisamos desenvolver amor-bondade (que é o antídoto para
a raiva) antes que ela surja. É muito difícil propagar amor-bondade quando nós já estamos
nervosos, não é? Então o preventivo é muito importante. Você perceberá que se você
desenvolver amor-bondade quando a mente estiver tranquila, isso permitirá que a mente
desenvolva força para evitar que a raiva nasça.
1
Isto é, os Quatro Esforços Correto: evitar um estado prejudicial que não surgiu, expulsar um
estado prejudicial que tenha surgido, gerar um estado benéfico que não tenha surgido,
sustentar um estado benéfico que já tenha surgido.
Se a mente adquire força e desenvolve essa qualidade que previne que estados prejudiciais
surjam, isso conduz para o próximo aspecto do Esforço Correto, que consiste em encorajar os
estados benéficos que não surgiram a surgirem. A pessoa cultiva esforço para,
propositalmente, um pensamento de amor-bondade nascer na mente. Se alguém não está
cultivando um pensamento de compaixão, então essa pessoa, intencionalmente, faz nascer um
pensamento de compaixão na mente. Se alguém não está alimentando um pensamento de
renúncia ou desapego, tal indivíduo faz surgir isso na mente, propositalmente. Quando essas
qualidades tiverem surgido, o aspecto final é sustenta-las: produza muitos pensamentos de
amor-bondade, compaixão ou renúncia; regozije-se nelas, torne-as maiores, infinitas e sem
limites. Assim essas qualidades ficam muito fortes. Esse é o esforço da mente – a seriedade de
criar qualidades hábeis, de fazê-las crescer e reconhecer qualidades inábeis para abandoná-las
e não permitir que elas surjam novamente.
A próxima faculdade é Atenção Plena Correta, e Atenção Plena tem dois aspectos: um deles é
a habilidade de lembrar e o outro é a habilidade de saber o que alguém está fazendo. Alguém
se lembra, como exemplo: “Eu estou observando a respiração.”, “Eu estou observando esta
expiração.”, “Eu estou observando esta inspiração.”. Depois, isso tem a habilidade de se
lembrar e recordar de qual é o propósito de observar a respiração e porque a pessoa está
fazendo isso.
Frequentemente, as pessoas são orientadas a observarem a respiração na ponta do nariz,
quando estão meditando, mas, atualmente, muitas pessoas acham isso uma distração. Se você
olhar nos Suttas, o Buddha nunca disse para que nós observássemos a respiração em um local
físico. Ele disse para saber quando você está inspirando e perceber quando você está
expirando. O importante é perceber isso no instante – então, “Estou inspirando nesse
momento, ou estou expirando nesse momento?”.
Atenção Plena também tem conhecimento de seu objetivo. Ela se recorda do motivo pelo qual
estamos observando a respiração: nós estamos conscientes da respiração, em cada momento
no tempo, com o propósito de acalmar a mente. Mas para alcançar a calma também é
importante abordar a meditação com a atitude correta – o meditador deve estar contente em
assistir a respiração, senão você não conseguirá observá-la e a mente irá para em algum outro
lugar. Então, essa sensação de contentamento é importante porque ela harmoniza a mente.
Havia um leigo que costumava vir e ver Ajahn Chah com várias reclamações: suas terras não
estavam produzindo muito, seu búfalo estava ficando velho, sua casa não era grande o
suficiente e suas crianças não estavam satisfazendo-o – e ele dizia que ele estava ficando
realmente doente em virtude do mundo, ficando, assim, desencantado.
Ajahn Chah disse: “Não, você não está. Você não está desencantado1. Se você conseguisse mais
búfalos – mais novos e saudáveis –, uma casa maior e uma boa saúde, então você perceberia
que o seu desencantamento com o mundo era muito temporário. Você apenas tem aversão ao
mundo.”. Ele continuou – “Em que você precisa meditar é: ‘Isso é bom o suficiente.’. O que quer
que seja que venha em sua mente: ‘Isso é bom o suficiente.’.”. Então, o homem praticou isso
por um tempo e a próxima vez em que ele retornou para ver Ajahn Chah ele havia se tornado
contente, apenas por meditar em “Isso é bom o suficiente”.
1
O sentido de "desencantado" utilizado provêm do páli "Nibbida", que significa
"Desencantamento". De acordo com os ensinamentos do Buddha, através de meditação
profunda vem o conhecimento das coisas como elas de fato são. Com o conhecimento das
coisas como elas de fato são, vem o Desencantamento - porque se enxerga profundamente a
Impermanência e Insatisfatoriedade dos fenômenos. Posterior a esse Desencantamento, vem
o Desapego, que conduz a Libertação - Nirvana. Mas Ajahn Chah esclarece que
Desencantamento e Aversão são coisas diferentes.
O Desejo surge porque nós temos descontentamento para com o que nós possuímos. Mas
quando nós temos essa sensação de “Isso é bom o suficiente”, então a mente começa a se
acalmar e a se estabelecer em um “local” tranquilo. E é desse “local” tranquilo, com bem-estar
e contentamento que a mente pode entrar em o que chamamos de Samadhi.
Samadhi – o próximo das Faculdades Espirituais – é frequentemente traduzido
como “Concentração”, mas eu prefiro o conceito de paz. Isso se refere a habilidade de
desapegar do que está perturbando para ir a um local na mente que é menos perturbador. À
medida que nós abandonamos as coisas e tranquilizamos a mente, ela se torna mais e mais
pacífica e bem-aventurada. Depois ela pode largar mesmo a bem-aventurança e ir a um estado
de equanimidade1.
1
Aqui Ajahn Nyanadhammo faz uma clara referência aos Quatro Jhanas, os estado de
meditação de absorção profunda que são o ápice do Nobre Caminho Óctuplo. No 2º Jhana, há
êxtase (piti), felicidade (sukha) e equanimidade (upekkha). No 3º, há o desapego do êxtase e,
assim, a cessação do mesmo, restando apenas felicidade e equanimidade. No 4º Jhana, há o
desapego mesmo da felicidade, da bem-aventurança, restando apenas a equanimidade.
A tranquilidade da meditação tem vários benefícios: ela confere energia para a mente uma vez
que disponibiliza um local de descanso. Então, quando a mente sai desse estado nós podemos
coloca-la para trabalhar. Isso é como com os nossos corpos: se nós ficamos excessivamente
cansados, nós precisamos descansar, e então quando nós tivermos dormido o suficiente nós
podemos nos levantar e ir trabalhar. Nós não dormimos demais sem trabalharmos, nem
trabalhamos demais sem dormirmos. Deve haver um equilíbrio. Cada indivíduo terá seu próprio
equilíbrio referente a quanto a mente precisa entrar em tranquilidade e quanto ela precisa
trabalhar para investigar e refletir a fim de desenvolver Insight e Compreensão.
Existem vários passos para acalmar a mente. O primeiro é desenvolver a sensação de bem-
estar e contentamento. Depois, o próximo é quando, daquele contentamento, surge uma
sensação de alegria. Quando há alegria na mente, isso a conduz para o êxtase. Esse êxtase,
então, conduz à tranquilidade do corpo, uma certa flutuabilidade do corpo, que conduz à
felicidade – uma felicidade da mente uma vez que ela se refugia em um estado benéfico e
salubre. Agora, quando isso surge, então a mente se torna concentrada. A pré-condição para
a concentração é felicidade. Se alguém perguntar: “Bem, por que eu não estou calmo e
concentrado?”, isso se deve porque a mente não está residindo com felicidade em um objeto
hábil. Logo, quando você observa a respiração, observe-a e veja sua beleza. Alegremente,
felizmente assista cada inspiração e reconheça-a como uma amiga que você não tem visto por
muito tempo. Em cada inspiração, você está alegre em cumprimentar a respiração; e em cada
expiração, você está alegre com a respiração. Alegre na inspiração, alegre na expiração. À
medida que fazemos isso, a mente, gradualmente, se desapega de distrações, se desapega do
corpo e abandona todos os pensamentos. Sente-se o corpo leve e a mente se tornar cada vez
mais calma e concentrada.
O resultado de acalmar a mente é que tem-se acesso à Sabedoria1. Nós usamos a sabedoria do
Buddha para desenvolver a nossa própria sabedoria. A sabedoria da iluminação do Buddha diz
que todas as coisas condicionadas são impermanentes, que todas as coisas condicionadas são
Dukkha e que todas as coisas são não-eu2. Nós recebemos isso, então nós colocamos isso para
funcionar em nossa experiência, usando sua sabedoria para cultivar a nossa própria. E, dessa
maneira, nós chegamos ao Entendimento Correto.
1
A última Faculdade Espiritual - pañña.
2
"Sabbe sankhara anicca, sabe sankhara dukkha, sabbe dhamma anatta" - sankhara está para
"formações condicionadas", dhamma está para "fenômenos"; logo, as duas primeiras orações
dizem: "Todas as formações condicionadas são impermanentes (anicca), todas as formações
condicionadas são Dukkha", mas a última oração, contida no Cânone em Páli, diz que não só
as formações condicionadas são não-eu, mas todos os fenômenos. Devido a isso, Ajahn
Nyanadhammo fez uma diferenciação quando diz que todas as coisas condicionadas são
impermanentes e insatisfatórias, mas que todas as coisas são não-eu - esse assunto é
contraditório no Cânone.
Primeiramente, o Buddha definiu Entendimento Correto em um sentido convencional, isto é,
como uma confiança na iluminação do Buddha, uma confiança no Dhamma e na Sangha;
convicção na eficácia da generosidade e crença no paraíso e inferno 1. Esses são fundamentos
do Entendimento Correto. Mas o Entendimento Correto que conduz à liberação é o
Entendimento Correto que é baseado nas Quatro Nobres Verdades 2.
1
Uma melhor tradução para samma-ditthi, o primeiro aspecto do Nobre Caminho Óctuplo
geralmente colocado como Entendimento Correto, seria "Ponto de Vista Correto"; isto é, um
certo entendimento que considera a realidade de um ponto de vista correto e ético, mesmo
sem ter visto por si mesmo. Logo, a crença num paraíso e inferno sob a Lei do Karma e
Impermanência seria, de acordo com o Buddha, o ponto de vista mais inteligente, porque
considera uma ética pós-morte (uma vez que não defende que a morte é o fim de tudo), mas
também considera a lei da impermanência que permeia todos os fenômenos condicionados,
descartando a possibilidade de uma estadia eterna no paraíso ou inferno após a morte. Para o
Buddha, esse seria um Ponto de Vista Correto, porque conduziria a uma prática de virtude e a
investigação da Impermanência até se chegar ao Entendimento realmente penetrante e
experienciado por si mesmo.
2
No início há samma-ditthi, o Entendimento ou Ponto de Vista Correto acerca das Quatro
Nobres Verdades. Através de um pouco de consideração, um praticante pode reconhecer a
validade de tais verdades, de que o Apego, de fato, conduz ao Sofrimento, como exemplo. Mas,
qual ele compreende e penetra isso por si mesmo através da experiência, então ele chega a um
fator que vem depois do último aspecto do Nobre Caminho Óctuplo, samma-samadhi, que é a
Sabedoria Correta, samma-nyana - esse, ao contrário de samma-ditthi, é um conhecimento
profundo resultante da própria experiência, e não apenas de um "ponto de vista". Depois disso,
vem samma-vimmuti, Libertação Correta, que seria Nibbana. Devido a esses dois fatores,
muitas vezes é dito que a prática, na verdade, resume-se ao Nobre Caminho Décuplo.
Esse Entendimento Correto também é definido como o oposto das quatro corrupções ou
distorções das percepções1. Essas distorções na percepção significam que nós não enxergamos
como o mundo como ele de fato é. Devido à corrupção da mente, nós vemos o que é
impermanente como permanente. Através da distorção da mente, nós vemos o que é Dukkha
como Sukha – o que é insatisfatório como satisfatório. Através das distorções e corrupções da
mente, nós vemos o que é não-eu como Eu. E nós vemos o que é não-belo como belo.
1
Isto é, "Vipallasas". Leia o Vipallasa Sutta.
Eu me lembro de uma vez em que perguntei a Ajahn Chah sobre como ele desenvolvera seu
imenso amor-bondade. Sua resposta foi: “Você é como uma criança que vê um adulto correndo
e, apesar de ainda não ter aprendido a caminhar, deseja correr também.” – essa foi a primeira
parte da sua resposta, a segunda parte foi: “Quando você vê que todas as coisas condicionadas
são impermanentes, então você, automaticamente, tem amor-bondade. Você não consegue
não ter amor-bondade.”. Isso era amor-bondade nascido da sabedoria, porque a sabedoria de
ver as coisas como elas realmente são significa que aversão não pode surgir mais. Ela é cortada
desde suas raízes.
Assim, essa habilidade de compreender as coisas com o Entendimento Correto (isso é
impermanente, isso é insatisfatório, isso é não-eu) é muito importante. Observe as condições
surgindo na mente – isto é permanente ou impermanente? Como exemplo, a dor no joelho
agora? Isso é permanente ou impermanente? E você percebe que isso muda, isso pulsa. Se isso
está pulsando, então isso é impermanente. Você não descobrirá nenhuma sensação que não
mude. E, se isso é impermanente, isso é insatisfatório. E qualquer coisa que mude e que não
consiga satisfazer ou ser satisfatória não é digna de ser chamada de “Eu” ou “Meu”. Assim,
aquele “processo de desapegar” pode ocorrer.
Ver o não-belo naquelas coisas que nós tomamos como bonitas – isso se refere a ver que o
corpo não é bonito. Nós decoramos o corpo, e a razão pela qual fazemos isso é para cobrir seus
aspetos não-belos. Se nós acreditamos “Esse corpo sou Eu, é meu, é bonito”, então, quando ele
envelhece, adoece e começa a desmoronar nós sofremos. Esse corpo é feito de muitas partes,
e nenhuma delas são, particularmente, bonitas em si mesmas. Então, se um cirurgião pega um
corpo separado e coloca seus vários órgãos em torno de um banco, não existe beleza nisso. A
beleza de um ser humanos vem através do Dhamma, através da virtude, através da paz da
mente e através da sabedoria. São essas qualidades que fazem um ser humano bonito.
Portanto, esse monastério é um Salão Bonito! Se nós cultivarmos e desenvolvermos essas Cinco
Faculdades Espirituais, então nós nos tornaremos mais e mais belos. Eu acho que eu disse o
suficiente por esta noite, então eu pararei por aqui – eu agradeço pela bondade de vocês em
me ouvirem.

Meditação Vipassana

A Meditação Vipassana baseada na plena atenção à respiração, ensinada pelo Buda, é um


caminho eficaz e completo para treinar a mente.

VIPASSANA significa olhar dentro de algo com clareza e precisão, ver distintamente cada
componente, penetrar todo o caminho, vendo assim a realidade mais fundamental de cada
coisa.

O objetivo central dessa prática é ver a verdadeira natureza do corpo/mente da forma como
realmente é, e não como aprendemos a acreditar ou supomos que seja. Ver as coisas como
são produz a compreensão correta e a sabedoria, por meio das quais a ignorância e o
sofrimento são eliminados.

A Meditação Vipassana é, portanto, essencialmente um processo ou uma jornada ao interior


do próprio corpo e mente para observarmos diretamente e compreendermos como corpo e
mente trabalham nos níveis sutis.

Vemos então a interconexão entre o corpo, a mente, os sentidos e a estimulação dos


sentidos. Vemos os condicionamentos e as reações automáticas de nosso corpo e mente ao
mundo interior e exterior.

Esta visão profunda e penetrante permite que a compreensão do sofrimento e das causas do
sofrimento seja vista claramente.

Com a prática, as fontes internas e externas de conflito, confusão e sofrimento físico e


psicológico são percebidas, enfraquecidas e, finalmente, transcendidas. Com isto um bem-
estar, estável, físico e mental desenvolve-se juntamente com a bondade e a compaixão para
consigo e para com todos os seres.

Saiba mais, lendo o texto abaixo (extraído da Casa de Dharma)

A palavra vipassana é formada por vi, que significa “dividir ou separar” e por passana, que
significa “ver”. O significado e a função de vipassana, portanto, é ver o processo corpo/mente
separado em partes, de forma a separar e dividir o todo em seus fatores elementares. Este
tipo de sabedoria especial e penetrante é cultivado através da prática sistemática da
meditação vipassana ou do insight.
O objetivo central dessa prática é ver a verdadeira natureza do corpo/mente da forma como
realmente é, e não como aprendemos a acreditar ou como supomos que seja. Ver as coisas
como são produz a compreensão correta e a sabedoria, através das quais a ignorância e o
sofrimento são eliminados, permitindo a realização das Quatro Nobres Verdades. Esta
compreensão tem como característica penetrar as essências ou estados individuais. A função
dessa compreensão é extinguir a escuridão da delusão, que oculta as essências individuais dos
estados. Esta compreensão se manifesta como não-delusão. Como ensinou o Buda: “Aquele
que tem concentração, sabe e vê corretamente”.

A meditação vipassana é, portanto, essencialmente um processo ou uma jornada ao interior


do próprio corpo e mente para observarmos diretamente e compreendemos como corpo e
mente trabalham nos níveis sutis. Vemos então a interconexão entre o corpo, a mente, os
sentidos e a estimulação dos sentidos. Vemos o condicionamento e as reações automáticas de
nosso corpo e mente ao mundo interior e exterior.

Esta visão profunda e penetrante permite que a compreensão do sofrimento e das causas do
sofrimento seja vista claramente. Com a prática, as fontes internas e externas de conflito,
confusão e sofrimento físico e psicológico são percebidas, enfraquecidas e, finalmente,
transcendidas. Um bem-estar estável físico e mental desenvolve-se juntamente com a
bondade e a compaixão para consigo mesmo e para com todos os seres. Por fim, a prática de
vipassana, ao lado dos outros passos do treinamento do Nobre Caminho Óctuplo, leva aos
estágios de Iluminação e Liberação de todo sofrimento.

O coração da meditação vipassana é penetrar as três características da existência:

1. Impermanência (annica);
2. Sofrimento (dukkha); e
3. Não-Eu (anatta).
O Buda explicou que estas três características constituem a natureza de todos os fenômenos
condicionados, incluindo nosso próprio corpo e mente e o mundo. Os objetos da meditação
vipassana são os Cinco Agregados do Apego:

1. Forma material (rupa);


2. Sensações ou apego (vedana);
3. Percepção (sanna);
4. Formações volitivas (sankhara); e
5. Consciência (vinnana).

O mecanismo do processo é sintonizar a atenção calma e concentrada momento a momento


no surgimento e desaparecimento dos estímulos sensoriais através dos seis sentidos de
maneira a alcançar a mais profunda compreensão da Impermanência, Sofrimento e Não-Eu.

Vipassana baseia-se nas instruções de meditação dadas pelo Buda no Discurso dos Quatro
Fundamentos da Plena Atenção (Satipatthana Suttra). A Plena Atenção é o instrumento básico
utilizado no desenvolvimento de vipassana.

Conforme vimos, o objetivo da meditação vipassana é penetrar o véu da delusão ou ignorância


da mente através da visão profunda das três características da vida: Impermanência,
Insatisfação e Não-EU. Esta visão especial produz a sabedoria, que arranca e destrói as
sementes das impurezas mentais que geram os pensamentos e ações que produzem
sofrimento.

O ideal é cultivar o poder de concentração/tranqüilidade ao menos até se atingir o primeiro


jhana antes de desenvolver a meditação vipassana. Entretanto, é possível iniciar a meditação
do insight antes disso. A Plena Atenção à respiração é o objeto primário da atenção. Se a
respiração já tiver sido utilizada como objeto da prática de samatha, melhor.

O Satippatthana Suttra, também conhecido como Discurso dos Quatro Fundamentos da Plena
Atenção, oferece a estrutura ou campo de atenção para orientar a plena atenção aos cinco
agregados. O nível inicial de contemplação do insight também requer uma certa dose de
análise investigativa.

O ponto de partida da plena atenção é o corpo físico. A plena atenção à respiração conduz a
atenção que se encontra voltada ao mundo exterior, ao passado e ao futuro para o momento
presente do corpo interior sutil. Então, a investigação divide mentalmente o corpo através da
dissecação de suas trinta e duas partes e, posteriormente, parte para a contemplação dos
quatro elementos. O objetivo é experimentar o corpo no final das contas basicamente como
apenas uma massa de vibrações/sensações mudando rapidamente – obtendo-se, dessa forma,
a sensação de desaparecimento do corpo sólido. Os insights de anicca, dukkha e anatta surgem
e a mente se separa de seus apegos e da auto-identificação com o corpo. O que é percebido é
“apenas o que é” – a natureza cumprindo sua função.

Com a atenção neste nível de desapego interior, a conscientização pode mudar seu foco para
o segundo fundamento da plena atenção: as sensações. Vemos que as sensações corporais e
os sentimentos são experimenta dos como agradáveis, dolorosos ou neutros sendo
produzidos pelo contato sensual com imagens, sons, odores, tato e objetos mentais.
Compreendemos que essas sensações (e sentimentos) são modos condicionados de
interpretar os estímulos sensoriais; vemos como nos tornamos programados para gostar
(considerar agradável) ou desgostar (considerar desagradável) e reagir com apego ou aversão
ao que, na verdade, são apenas vibrações vazias de intensidades variadas do sistema nervoso.
Vemos como as sensações (e sentimentos) também são apenas anicca, dukkha e anatta, e
então separamos a observação consciente que temos das sensações e sentimentos das
sensações e sentimentos em si, tornando-nos equânimes em relação a eles.

Enquanto praticamos dessa maneira, surgem também os estados mentais e os objetos mentais
(pensamentos, estados de espírito, emoções e qualidades mentais), e nós os contemplamos
da mesma forma como impermanentes, condicionados e fonte de sofrimento caso nos
identifiquemos ou nos apeguemos a eles, além de “não-eu” e “não-meu”. Separamos a
observação consciente que temos dos estados e objetos mentais dos estados e objetos
mentais em si e cultivamos equanimidade em relação a eles.

À medida que fazemos isso, a concentração aumenta, estabelece-se uma profunda calma, os
cinco agregados do corpo e da mente não causam mais grande desconforto (durante o período
de meditação) e obtemos uma compreensão mais profunda das Quatro Nobres Verdades.

Finalmente, através da prática sustentada, a meditação vipassana ou da plena atenção leva


aos quatro estágios da Realização/Iluminação/Liberação.

Duas Correntes de Meditação

Duas correntes de meditação Budista, aparentemente distintas, podem ser distinguidas,


embora elas sejam vistas como complementares quando a meditação estiver estabelecida.

Pode ser produtivo para algumas pessoas, cujas mentes são muito ativas e que sofrem com a
distração, acompanhar com atenção plena as acrobacias da mente traquinas. Como a mente
é na verdade uma série de eventos mentais que surgem e desaparecem com incrível rapidez,
sendo que, cada um desses eventos é uma mente completa com os seus fatores mentais de
apoio, no início este tipo de atenção plena é na verdade uma mente "plenamente atenta"
observando outras "mentes" (que logicamente estão todas dentro do próprio contínuo mental
da pessoa). Através disso a pessoa desenvolve a habilidade de olhar para a mente e ver para
onde ela está indo. Ela foi para o passado, presente ou futuro? Foi para a materialidade, ou
para as sensações, ou talvez para as perceções, para as atividades volitivas, ou ela foi para a
consciência? Através deste método, "Para onde ela foi”? a mente distraída, pouco a pouco, irá
se encontrar sob a vigilância da mente plenamente atenta, até que a atenção plena crie uma
base sólida para desenvolvimentos adicionais. Importante, embora mundana, a clareza mental
é ao mesmo tempo necessária e desenvolvida através desta prática, que, no entanto, deve ser
equilibrada pela tranquilidade das absorções (jhanas). Quando a mente tiver se acalmado, a
pessoa deve começar a praticar a concentração (jhanas), que será por seu lado a base para o
surgimento do verdadeiro insight. Este método é denominado "a sabedoria que conduz à
tranquilidade".

Outro método, adequado para aquelas pessoas cujas mentes no início não são tão
perturbadas, inclui os tradicionais quarenta objetos de meditação; e esses envolvem o uso de
um objeto específico para a concentração. Esse objeto pode ser o próprio corpo ou uma parte
dele, uma cor ou um desenho, uma palavra ou uma frase, ou a contemplação abstrata e assim
por diante. Todos esses métodos envolvem um tanto de disciplina mental, firme, porém gentil,
em que cada vez que a mente começar a vagar, ela precisa ser trazida de volta gentilmente
(com a atenção plena, é lógico), para se concentrar novamente no objeto escolhido.

Algumas pessoas possuem a ideia equivocada de que esse tipo de prática deve
necessariamente conduzir à tranquilidade, praticamente de imediato. Elas poderão se
surpreender ao iniciar a prática, visto que, de fato experimentarão mais problemas do que
tinham antes. Isso ocorre, primeiro, porque elas na verdade nunca olharam antes dentro da
própria mente para saber o estado em que ela sempre esteve; e segundo, porque ao disciplinar
a mente, é como se a pessoa agitasse um lago estagnado com uma vara , ou cutucasse com
uma vara um fogo latente sob as cinzas. O elefante selvagem da mente, há muito tempo
acostumado a vagar pela floresta dos desejos, não aceita a domesticação de bom grado, ou
ser amarrado ao poste da prática com as correias da atenção plena. No entanto, a diligência e
o zelo irão finalmente assegurar os frutos da tranquilidade.

Todos os quarenta objetos fazem parte do segundo método em que a calma obtida com a
prática é então usada para despertar a sabedoria. Por isso eles são chamados de métodos da
"tranquilidade que conduz à sabedoria" e são muito importantes nos tempos atuais de
distrações. A sua explicação completa pode ser encontrada no Path of Purification (Visuddhi-
magga), embora nem mesmo o grande ensinamento contido nesse livro possa substituir o
contato pessoal com um mestre.
Conselhos Práticos para Meditadores

Mudando do aspeto psicológico para o prático, a meditação para pessoas leigas pode ser
dividida em duas categorias: aquela que é feita de forma intensiva e aquela que é praticada
em conjunto com os demais afazeres da vida diária. A meditação intensiva também é de dois
tipos: meditação sentada diária e a prática ocasional em retiros.

Meditação Sentada Diária

Primeiro discutiremos o período diário regular de prática intensiva que deveria, sempre que
possível, ocorrer todos os dias na mesma hora. A pessoa deve evitar que isto se torne apenas
um ritual, encarando a prática com seriedade e permanecendo intensamente consciente da
razão por que medita. As sugestões a seguir também podem ajudar.

Quanto às condições físicas, o lugar para meditar deveria ser bem silencioso. Se tiver um
pequeno quarto que possa ser usado para esse propósito, tanto melhor, e de todos os modos
é melhor meditar só, exceto se outros membros da casa também meditarem. Quando esse for
o caso a pessoa deve garantir a pureza da sua mente em relação aos outros, pois de outra
forma a cobiça, a raiva e todo o resto da quadrilha de ladrões, com certeza, irão roubar os
frutos da meditação.

O silêncio pode ser conseguido despertando cedo, antes que os demais despertem; e essa
também é a ocasião em que a mente está clara e o corpo descansado. Portanto, o meditador
sincero observa os horários, pois ele sabe como é importante ter horas de sono em quantidade
suficiente para despertar renovado.

Após despertar e lavar-se a pessoa deve sentar-se com roupas limpas e confortáveis no local
de meditação. A pessoa pode ter um pequeno altar com objetos Budistas, mas isso não é
essencial. Algumas pessoas consideram benéfico começar fazendo oferendas de flores,
incenso e velas, refletindo com cuidado enquanto fazem isso. É muito comum nos países
Budistas prefaciar a meditação silenciosa com um cântico suave para si mesmo, "Namo tassa
bhagavato arahato samma-sambuddhassa," com os Refúgios e Preceitos. Se a pessoa
conhece as passagens em Pali em homenagem ao Buda, Dhamma e Sangha, elas também
podem ser usadas nesse momento.

Uma outra prática preliminar proveitosa é uma reflexão, uma recitação discursiva, sobre
algumas verdades do Dhamma, tal como o trecho sugerido a seguir:

"Obtendo esta preciosa oportunidade de um nascimento humano, tenho duas


responsabilidades no Dhamma: o meu próprio benefício e o benefício dos outros. Todos os
demais seres, quer sejam humanos ou não humanos, visíveis ou invisíveis, grandes ou
pequenos, próximos ou distantes, todos esses seres eu tratarei com nobreza e desejarei que
eles vivam em paz. Que eles possam ser felizes…. Que eles possam ser felizes…. Que eles
possam ser felizes…! Eu os ajudarei quando estiverem sofrendo e compartirei das suas alegrias
quando estiverem felizes. Que eu possa também desenvolver a incomparável equanimidade,
a mente em perfeito equilíbrio que nunca está perturbada!

"Ao me preocupar com o bem-estar dos outros, eu não me esquecerei do meu próprio
progresso no caminho do Dhamma. Que eu venha a entender, realmente, como, empurrado
aqui e ali pelos ventos do kamma, sofri uma infinidade de vidas em todos os planos de
existência! Eu também devo voltar a minha mente para o quão curta e passageira é esta vida.
Que a mente e o corpo estão mudando constantemente, surgindo e desaparecendo momento
a momento. Que nem a mente nem o corpo me pertencem, nenhum deles é meu. Eu também
devo voltar a minha mente para tomar em consideração o quanto esta breve vida é
importunada por problemas. Tendo sido gerado pelo desejo e nascido da ignorância, preciso
compreender que não há como escapar da morte, que o envelhecimento e a enfermidade são
acontecimentos naturais da minha condição. Preciso me esforçar para entender, por meu
próprio benefício e benefício de outros, que esta pessoa chamada 'eu' é um complexo de
mente e materialidade em que nenhuma entidade permanente, tal como uma alma ou eu,
pode ser encontrado.

"Que eu possa através desta prática experimentar o insight da impermanência, sofrimento e


não-eu! Que eu possa ser um dos que permanece no Vazio! E tendo entendido essa verdade
sublime que eu possa mostrar o caminho para outros!"
Ao sentar para meditar, deve-se tomar cuidado para que o corpo permaneça ereto, porém
relaxado. Não deve haver tensão, mas, tampouco a cabeça deve baixar e nem a região lombar
ceder. O corpo deve ser sentido aprumado e equilibrado. Embora a posição com as pernas
cruzadas (tal como a postura de lótus) seja a ideal se o meditador estiver sentado sobre um
tapete suficientemente macio, uma cadeira pode ser usada por aqueles desabituados com a
postura de lótus ou então incapazes de treinar para sentar nessa posição. Sentar na postura
em lótus ou meio lótus será muito mais fácil se uma almofada mais firme for usada para
levantar as nádegas. Dessa forma os joelhos irão tocar o solo e uma firme posição sentada
apoiada sobre três pontos (dois joelhos e as nádegas) será obtida.

O tempo de meditação deve ser o mesmo todos os dias até que, tendo mais habilidade em
concentrar a mente, automaticamente a pessoa irá ter vontade de ampliar a prática. Um
método amplamente usado para medir o período de meditação é meditar durante o tempo
que leva para consumir uma vareta de incenso. Tendo colocado as mãos relaxadas sobre o
regaço em posição para a meditação, os olhos podem ser cerrados ou deixados semiabertos
de acordo com o que for mais confortável.

Os métodos usados para auxiliar na concentração da mente são muitos e as duas principais
vertentes na meditação clássica foram brevemente comentadas na seção acima. Outros
métodos que podem ajudar incluem a repetição de uma palavra ou frase, quiçá com o uso de
um rosário. Se a pessoa praticar a atenção plena focada na respiração pode ser que considere
bom o uso de uma palavra como "Buddho," ou "Araham" para acalmar a mente. A primeira
sílaba é repetida silenciosamente ao inspirar e a pessoa se concentra na segunda sílaba ao
expirar. A contagem da respiração também (em geral não acima de dez para evitar que a
mente vagueie) é usada como um auxílio para a concentração. Mas todos esses auxílios devem
ser abandonados quando a concentração se tornar aprimorada. Quando a meditação se utiliza
de apenas uma frase, um rosário pode ser usado em conjunto, cada repetição marcada por
uma conta.

A meditação estará se desenvolvendo bem se a pessoa se der conta de que a mente está cada
vez mais absorvida no objeto de meditação escolhido, mas a pessoa não deve deduzir que a
meditação é inútil apenas porque por um período longo ou curto não forem experimentadas
muito mais do que sonolência e distrações. Esses obstáculos devem ser enfrentados; e se eles
surgirem, não será através da irritação ou desespero, mas através da observação calma, com
atenção plena, que eles poderão ser superados. Para obter-se êxito, é necessário uma grande
persistência e esforço equilibrado.

O período de meditação pode ser encerrado com alguma recitação, cujo objeto normalmente
é o bem-estar e a distribuição dos méritos para outras pessoas. Uma tradução, ou o original
em Pali, do Karaniya Metta Sutta (O Discurso do Amor Bondade) pode ser recitado nesse
momento e como não é um texto muito longo, pode ser memorizado facilmente. Como os
métodos de recitação podem variar, pode ser útil obter-se gravações feitas por bhikkhus dos
trechos que a pessoa queira aprender.

Aproveitando o tema de recitação, é muito útil conhecer alguns discursos do Buda em algum
dos idiomas clássicos do Budismo e de usá-los para unificar a mente se houver alguma ocasião
em que nenhuma concentração possa ser obtida. Nessas ocasiões o meditador não deve se
sentir deprimido, mas deve continuar sentado, recitando suavemente para si mesmo. Isso é o
que os monges Budistas fazem duas vezes por dia como parte do seu desenvolvimento mental
e é também útil para estimular uma abordagem mais devocional, necessária, como contrapeso
para os indivíduos com inclinações intelectuais. Um outro método proveitoso para a superação
da distração é a meditação andando, que pode ser feita em qualquer corredor da casa ou em
uma área isolada no jardim. Uma distância de vinte ou trinta passos será suficiente, pois se for
mais longa, a mente tenderá a vagar e se for mais curta, a distração poderá aumentar. A pessoa
pode caminhar no rítmo que for natural, com as mãos juntas e os braços relaxados na frente
do corpo. Ao final da caminhada a pessoa deve fazer a volta na direção horária.[1]

Talvez seja adequado mencionar algumas palavras sobre devoção, pois ela é muito importante
na prática de meditação. Ninguém que não seja um Budista devoto adotaria a
meditação Budista, pela simples razão de que ele não teria os ideais Budistas presentes no seu
coração. Tomar com seriedade o Refúgio Tríplice e a compreensão da Jóia Tríplice está
intimamente ligado com a meditação Budista. Um Budista realmente devoto, que dedica toda
sua vida ao Dhamma, não enfrentará dificuldades insuperáveis na prática de meditação.
Quaisquer obstáculos que ele encontre, ele irá superá-los, sustentado pela devoção. Ele está
preparado para um caminho longo e difícil, pois ele compreende que ele é quem o fez assim.
Se ele encontrar o seu caminho bloqueado, a sua meditação não progredindo e ele próprio
sem um mestre, ele não vacilará ou hesitará no caminho. Ele pensa, "Eu estou agora
experimentando os resultados de ações intencionais (kamma) praticadas por mim no
passado". E ele se recorda das últimas palavras do Buda: "Dessa forma, bhikkhus, eu os
encorajo: todas as coisas condicionadas estão sujeitas à dissolução. Esforçem-se pelo objetivo
com diligência". Todas as dificuldades são coisas condicionadas e por fim irão mudar;
enquanto isso, muito pode ser realizado com atenção plena, energia e devoção.

Se a pessoa não se sentir demasiado cansada após o trabalho e se houver uma oportunidade
à noite, um outro período de meditação poderá ser feito. De qualquer modo, antes de dormir,
praticar meditação é um hábito sábio, mesmo que sejam apenas alguns minutos, de forma a
purificar a mente antes de deitar. A pessoa pode pensar da seguinte forma: "Não existe
certeza, ao me deitar, que irei despertar". Uma pessoa pode, portanto, estar se deitando para
morrer e essa é uma boa reflexão para estimular estados mentais hábeis e benéficos e banir
estados inábeis e prejudiciais. Se a pessoa praticar dessa forma, "deitar-se pronta para
morrer", será uma excelente preparação para o acontecimento real, que irá ocorrer de
qualquer forma em algum momento no futuro. Pode até mesmo gerar as condições adequadas
para o surgimento do insight que permite à pessoa "morrer", soltando-se do apego às coisas
que não lhe pertencem, isto é, a mente e o corpo. A repetição de uma frase ou palavra do
Dhamma também pode ser usada até que a pessoa adormeça. Dessa forma o dia se inicia e se
encerra com a prática dos ensinamentos Budistas. E além da dedicação o dia inteiro a eles, o
que poderia ser melhor?

Retiros

Com relação à segunda divisão da prática intensiva, isto é, quando feita em retiro, muito irá
depender das facilidades disponíveis para o estudante sério. Existem alguns lugares no
Ocidente em que se pode buscar instruções de meditação. A coisa mais importante é ter
contato direto com um mestre de meditação capaz (livros servem no início, pois até mesmo
um mestre pode, mais tarde, se mostrar deficiente de alguma forma). Após satisfazer essa
condição, uma outra se faz necessária: a pessoa tem que se esforçar com diligência para
praticar e realizar os ensinamentos. Se essas duas condições forem satisfeitas, então essa
pessoa será uma das mais afortunadas entre os seres humanos.

Muitos não terão acesso a um mestre e alguns podem querer tentar um período de meditação
solitária em alguma parte remota do seu país. Isso deveria ser tentado apenas se a pessoa já
desenvolveu um bom poder de atenção plena. De outra forma, aquilo que se intencionava
como estímulo para a meditação pode se transformar num período inútil e até mesmo
acompanhado pela aparente intensificação das contaminações mentais.

Vida Diária

Quanto ao outro tipo de prática meditativa que é feita na vida diária, embora muito possa ser
escrito a respeito, as seguintes breves palavras podem servir como um guia. Primeiro, a pessoa
não deve enganar a si mesma com relação à concentração da mente. Não faz nenhum sentido
enganar a si mesmo ou aos outros de que a vida diária é meditação - a não ser é claro que
alguém já possua grandes poderes de concentração. Somente uma pessoa muito experiente,
com frequência alguém que tenha praticado durante muitos anos observando a disciplina
monástica é capaz de perceber a vida do dia a dia como meditação; e é muito improvável que
tal pessoa contasse para os outros esse fato. Recusando-se a dar ao orgulho uma oportunidade
para distorcer a verdadeira situação do seu estado mental, a pessoa deveria ser leal para
consigo mesma e admitir as suas próprias limitações. Isso já seria um grande passo adiante. A
pessoa leiga que já se considera um Arahant criou de maneira muito eficaz um bloqueio para
o verdadeiro progresso; enquanto que a pessoa honesta tem pelo menos a sabedoria de ser
humilde.

Muito pode ser alcançado com a atenção plena, enquanto que sem ela não existe nenhuma
esperança de meditação na vida diária. Como eventos comuns podem ser transformados em
meditação? Por meio da atenção plena que, para começar, pode ser definida como consciência
daquilo que se está fazendo no presente momento. Inicialmente, é necessário um grande
esforço para que uma pessoa mantenha a atenção plena naquilo que supostamente ela estiver
fazendo, nem ela deve esperar que essa atenção plena seja sempre agradável. Para escapar
de uma tarefa ou situação tediosa ou que não seja apreciada, tendemos a apelar para mundos
de fantasia, esperanças ou então para memórias, que são respetivamente as fugas delusas
para o presente, futuro ou passado. Mas para alguém que esteja realmente interessado em
conhecer a si mesmo, nenhuma dessas alternativas é muito recompensadora, já que elas são
compostas de delusão com vários ingredientes tais como medo, desejo e ignorância. Enquanto
que na prática estrita de meditação a atenção plena irá seguir todas as perambulações da
mente, na vida diária é melhor que a mente retorne constantemente para a tarefa a ser
realizada. A pessoa não deve "mandar" a mente para nenhum lugar, nem para um mundo de
sonhos nem para o passado, nem para o futuro. O Buda comparou esses períodos de tempo
da seguinte forma:

"O passado é como um sonho,


o futuro como uma miragem,
enquanto que o presente é como as nuvens."

Esse símile pode ser útil ao ilustrar a mente que se movimenta rapidamente entre sonhos,
miragens e nuvens, todos sem substância, embora o presente em constante mutação, tal
como as nuvens no céu, seja o único aspecto do tempo que pode ser comparado a coisas de
maior realidade. A pessoa também pode considerar a meditação como sendo o exercício de
atenção plena que mantém a mente "dentro" deste corpo, isto é, sempre focada em alguma
das suas facetas. É claro que somente os meditadores mais sinceros, que percebem nisso uma
vantagem maior do que qualquer prazer oferecido pelo mundo, é que provavelmente
praticarão dessa forma, já que isso corta não somente o interesse por objetos externos mas
também o entretenimento com ideias agradáveis e intrigantes.

De fato, com um trabalho que seja realmente interessante, o caminho da atenção plena é o
único meio de transformar o seu dia em algo que vale a pena. Os dias passam e nos aproximam
cada vez mais da morte e de um renascimento desconhecido, enquanto que agora é que existe
a oportunidade de praticar o Dhamma. Ao invés de reagir com aversão ou fantasias deludidas
em relação ao que não se gosta (ou em outras situações se entregando à cobiça), o Caminho
da Atenção Plena constitui a Prática do Caminho do Meio que transcende esses padrões
arcaicos de reação. Não existe necessidade de ser governado pela cobiça ou pela raiva, nem
de ser dominado pela delusão; mas somente a atenção plena pode mostrar o caminho para
superá-los.

Trazer a mente constantemente de volta e soltá-la dos seus enredos é a prática básica na vida
do dia a dia. É sábio, também, aproveitar aqueles momentos inesperados que surgem durante
um trabalho, enquanto se está aguardando para fazer algo, para encontrar alguém, ou
esperando um ônibus ou trem, ou a qualquer momento em que se esteja sozinho por alguns
minutos. Ao invés de pegar um jornal como distração, o celular ou uma outra pessoa para
fofocar, é mais produtivo fazer um "retiro interior". Desligando a atenção dos objetos
exteriores, coloque a atenção na respiração, ou na repetição de alguma frase do Dhamma, ou
numa palavra importante tal como "Buddho" ou "Arahant," fazendo isso até que novamente
tenha que dar atenção à sua tarefa. Voltar para dentro de si sempre que possível será muito
benéfico, fortalecerá a prática sentada da mesma forma que, por sua vez, fortalecerá a
habilidade de fazer os retiros interiores.

A atenção plena na respiração é particularmente boa como um método de concentração para


uso durante viagens e durante os períodos em que se está esperando impacientemente por
um ônibus ou trem. Porque ficar agitado ou impaciente? Um pouco de atenção plena na
respiração é a prática adequada para esses momentos, já que ela acalma os movimentos
exaltados da mente e os movimentos inquietos do corpo. A pessoa não precisa fitar a paisagem
sem propósito enquanto viaja! Porque ser um escravo do "domínio do olho" quando um pouco
de prática proveitosa pode tomar o seu lugar? A pessoa não precisa ouvir a conversa fútil dos
outros, então porque ser um escravo do "domínio do ouvido"? Não se pode fechar os ouvidos,
mas qualquer um pode de certa forma controlar a sua atenção ao praticar a atenção plena na
respiração.

É a atenção plena, também, que auxilia a colocar o foco em contemplações neutralizadoras. A


luxúria, por exemplo, é rapidamente dissipada com a imagem de um corpo em decomposição.
Os olhares concedidos a lindas garotas (ou homens bonitos) parecem ridículos quando se
pensa que velhas senhoras e igualmente homens anciãos nunca atraem esse tipo de atenção
cheia de desejo. Somente quando se vê como a cobiça incendeia aquele que a ela se entrega
é que parece valer a pena abandoná-la.

Igualmente com a gula, que mesmo de uma forma suave, pode ser demolida ao
contemplarmos os processos corporais associados à comida. A comida mastigada tem uma
aparência muito menos palatável do que aquela que, ainda não misturada com a saliva, é
servida bem apresentada no prato. O vômito é exatamente a mesma substância em processo
de mudança, mas não estimula exatamente o desejo. O excremento, mesmo se colocado no
mais fino prato de ouro, não será atrativo - no entanto, esse é o remanescente da comida que
foi devorada com tanta avidez! Quando houver contemplado a comida nesses três estágios, a
cobiça terá desaparecido completamente e a comida será tomada como se fosse um
medicamento para conservar o corpo.

A atenção plena também é responsável por tornar-nos suficientemente conscientes num


momento de raiva para que dirijamos a mente para outros objetos ou pessoas. É a atenção
plena que nos adverte sobre uma situação em que a raiva poderá surgir, e é ela que possibilita
que evitemos essa situação e permaneçamos com equanimidade, ou com amor
bondade (metta) quando as Moradas Divinas estiverem bem desenvolvidas.

Quando a inveja mostra a sua cara feia, a atenção plena proporciona presença de espírito para
saber que "a inveja surgiu" e se o esforço para despertar a alegria com a felicidade dos outros
falhar, será a atenção plena que irá ajudar a permanecer com equanimidade, ou se tudo falhar,
ajudará a desviar a atenção para outros objetos.

O Buda verdadeiramente disse, "A atenção plena, eu declaro, ajuda em todas as situações."

As implicações sociais da meditação deveriam ser óbvias pelo que foi dito acima. Aqueles que
possuem a delusão peculiar de que o Budismo é uma religião de isolamento meditativo, que
não oferece nenhum benefício social para a sociedade, devem compreender que um Budista
acredita que a sociedade só pode ser mudada para melhor e com algum grau de permanência,
começando o trabalho consigo mesmo. Os ideais Budistas de sociedade estão expressos num
grande número de importantes discursos dirigidos pelo Buda a pessoas leigas e neles o
desenvolvimento do individuo é sempre enfatizado como um fator necessário. As vantagens
de uma sociedade em que existe um grande número de pessoas vivendo em paz consigo
mesmas não precisam ser enfatizadas. O desenvolvimento de sabedoria e compaixão em uma
pessoa tem o efeito de fermentar toda a 'massa de pão' materialista que se encontra à sua
volta. O chamado Budista, portanto, consiste em primeiro conquistar a paz no próprio coração,
quando então surgirá, muito naturalmente, a paz no mundo. Tentar obter a paz pelo caminho
contrário não será prático, nem irá produzir uma paz duradoura, pois as raízes da cobiça, raiva
e delusão ainda terão o pulso firme sobre o coração das pessoas. Impraticável? Apenas para
aqueles que não praticam. Aqueles que se dedicam ao cultivo da atenção plena acabam

Usando o Não-eu na Meditação

Então, esta noite teremos uma palestra do Dhamma ao invés de uma sessão de perguntas e
respostas porque hoje pela manhã não tivemos a palestra do Dhamma, e um dos monges me
alertou durante o intervalo para o chá que já estamos na Quinta Feira neste retiro. Portanto,
restam apenas mais umas poucas palestras do Dhamma. Assim, ele me disse que já é hora de
abordar os temas mais ‘cabeludos’ e o tema ‘cabeludo’ desta noite será anatta. Vou falar
sobre isso agora, pois assim poderei conectar alguns temas que venho tratando. Se a palestra
for na direção que pretendo, falarei também sobre como fazer uso da perspectiva de anatta,
como desenvolver estágios mais profundos de meditação. Não importa em que ponto da
meditação, essa perspectiva, que olha para as coisas sob o prisma de anatta, poderá ajudar a
desenvolver a meditação em níveis mais profundos e intensos.
Mencionei numa palestra anterior que é através do poder da sabedoria que alcançamos
níveis profundos na meditação, não através da mera força de vontade e um pouco de insight,
um pouco de compreensão. Ver este processo sob uma perspectiva distinta resulta num
poder enorme para tranqüilizar a mente, e por isso eu gostaria de enfatizar, particularmente
na parte final desta palestra, como anatta pode ser usado neste processo de meditação. Mas
primeiro de tudo, devemos compreender o significado de anatta, que é um daqueles temas
ou o tema no Budismo, que para muitas pessoas é muito difícil de ser compreendido e
absorvido, e que em si mesmo é um excelente ponto para o surgimento do insight. Porque
dentre tantos ensinamentos no Budismo quando chegamos ao de anatta há algo no nosso
íntimo que se rebela? Essa é a ilusão do ego que fica desconfortável. Provocamos algo que
está profundamente enraizado no nosso íntimo, algo que não quer nem mesmo
considerar anatta, não-eu, e esse é um sintoma de todo o problema. O Buda foi bastante
inflexível ao ensinar anatta e essa é uma das razões porque as pessoas encontram tanta
dificuldade, porque não há como fugir. Quando lemos os ensinamentos do Buda, não há
como não chegar à conclusão de que aqui dentro não há ninguém. Não há um controlador.
Não há um conhecedor. Não há um fazedor. Não há um ego, não há nenhuma alma, nenhum
ser. E essa conclusão inexorável, à qual se chega estudando os ensinamentos, faz com que
investiguemos de fato porque tantos outros ensinamentos do Buda parecem tão poderosos,
tão profundos, tão eficazes e, no entanto, este parece ser o mais difícil. É o mais difícil porque
é na compreensão de anatta, na revelação da ilusão do ego, que revolve todo o caminho para
a iluminação. Esse é o insight, a descoberta, a compreensão, que faz com que alguém mude
de um mero ser que perambula pelo samsara, vida após vida, para aquele que se encontra no
caminho para além do samsara, destinado inevitavelmente, definitivamente, seguramente a
Nibbana. Esse é o ponto central, o sustentáculo de toda a prática. E porque isso é tão difícil
de se ver? É difícil porque não queremos ver, mas pelo menos podemos ter uma idéia sobre o
que o Buda estava falando, porque antes de tudo, ele pediu que não olhemos
para anatta sob um ponto de vista filosófico – um dos grandes erros quando o
intelectualizamos – mas que comecemos a ver anatta sob o ponto de vista prático: como isso
afeta as nossas opiniões, percepções, pensamentos, e particularmente, olhar para aquilo que
assumimos ser o ego, a alma, o eu. E é nesse ponto que realmente começamos a ter um
entendimento melhor do que é o ensinamento de anatta: como usá-lo. Ao invés de pensar
“existe um eu?” ou “quem sou eu?” dizemos “o que percebo como sendo meu eu? O que
percebo como sendo meu? O que penso ser o meu eu? O que penso ser meu? O que sei? O
que considero ser o meu eu? O que considero ser meu?” E em resposta, o Buda começou a
desmontar essa ilusão parte por parte.
Antes de mais nada, temos que identificar o que é essa ilusão. A ilusão são todas as nossas
percepções que pressupõem um ego, todos os nossos pensamentos que concluem que há um
ego e todas as nossas idéias que crêem existir alguém ali. O que é tudo isso? Isso é aquilo que
chamamos de miragem. O símile de uma miragem é poderoso porque nós sabemos que
numa miragem há um certo aspecto de realidade. Uma miragem não é pura imaginação.
Numa miragem há uma luz real chegando até os nossos olhos. Há uma imagem no fundo dos
nossos olhos. O ponto é que o cérebro ou a mente interpreta incorretamente aquilo que
estamos vendo, dando uma interpretação, dando um rótulo imerecido àquilo que é visto. A
miragem crê haver um lago ali, ou mais precisamente, a mente interpreta a miragem como
sendo um lago na estrada. Mas todos nós sabemos que é só a luz do sol refletida. Essa é a
miragem do ego. Agora, para descobrirmos que se trata de uma miragem necessitamos na
verdade compreender o que é que estamos interpretando incorretamente, compreender
essa experiência que estamos considerando ser um ego. É incrível que algumas vezes, mesmo
os aspectos mais corriqueiros da vida que deveríamos saber não nos pertencem, que não têm
nada que ver conosco, consideramos ser um ego. Quando temos algum tipo de preocupação
em relação ao nosso corpo, nós o consideramos como ego. Um ego possui propriedades. Um
ego é dono de certas coisas. Qualquer pessoa neste mundo tem posses, seus bens, a sua área
de controle, porque temos direitos em relação àquilo que possuímos. As pessoas pensam
terem direitos sobre os seus corpos porque crêem que o corpo lhes pertence. As pessoas
pensam terem direitos sobre as suas mentes porque crêem que a mente lhes pertence. Elas
crêem ter direitos sobre os seus pensamentos. Eu posso pensar aquilo que eu quiser. Vocês
não?
Estas são as coisas que possuímos. Primeiro de tudo, o nosso corpo. Vocês possuem o seu
corpo? Ele é seu? Quanto mais velhos nós ficamos mais nos damos conta do quanto o corpo
está fora de controle. Se há algum proprietário deste corpo, ele é a natureza, não nós. O
corpo fica enfermo, dói, envelhece, se recupera. E nós temos apenas alguma influência nisso,
mas não muita. No entanto, podemos compreender que sempre que assumimos que este
corpo é o ego ou que nos pertence, sofremos, porque assim que pensarmos que este corpo,
que o mosquito está picando, nos pertence, nós sofremos. Se pudéssemos imaginar
simplesmente que o mosquito está picando não o nosso corpo, mas digamos, este microfone
na minha frente, alguém se preocuparia com isso? Alguém teria algum interesse nisso? Não,
porque o microfone não pertence a ninguém. Se na verdade pudéssemos perceber, mesmo
que por meio da imaginação, que este braço ou esta perna que o mosquito está picando não
nos pertence, o sofrimento desapareceria de imediato. A preocupação desapareceria.
Haveria uma sensação de paz. Sempre que consideramos algo como não sendo nosso, o
resultado é aquilo que chamamos de “soltar”. Qual é o oposto de soltar? É chamado de
posse. Não vou chamar isso de controle. Vou chamar de posse porque a posse sempre
pressupõe um possuidor, e assim analisamos o que possuímos e o que nos pertence, ou
melhor, pensamos que nos pertence, e esse é o modo de obter acesso ao ensinamento
de anatta, usando os ensinamentos do Buda aos quais me referi antes, que se existe um ego,
uma alma, um eu, haverá coisas que pertencem a esse eu. Se há coisas que pertencem a esse
eu, se há posse, tem que haver um possuidor. Essas duas coisas andam juntas.
Assim analisamos o ensinamento de anatta, através daquilo que pensamos possuir. O que
possuímos neste mundo? Possuímos o nosso corpo? Se assim for, sofreremos. Se pensarmos
possuir o nosso corpo teremos apego por ele. Se pensarmos que possuímos o nosso corpo
não seremos capazes de nos soltar dele. Eu vi muitas pessoas nesse dilema, próximas da
morte, com dores, mas incapazes de se soltar do seu corpo. Algumas vezes é muito triste ver
uma pessoa se debatendo nos seus últimos momentos de vida, lutando para respirar, lutando
por uma posição confortável, lutando para evitar que a morte aconteça. Muito embora elas
sintam dores, elas preferem sofrer aquela dor e desconforto à morte. Porque isso? É o apego
ao corpo. Porque elas têm apego ao corpo? É porque pensam que o corpo lhes pertence. Elas
são incapazes de soltá-lo. É como uma criança com um urso de pelúcia. Alguém tenta tirá-lo
dela: “Não, largue dele, ele é meu. Não é seu.” Ela não largará aquele urso de pelúcia.
Podemos ver isso na criança e sabemos que a criança está sendo tola. No entanto, aquele
pequeno urso também é o corpo que carregamos conosco por todos os lados. Quando a
natureza o quer de volta nós gritamos. Nós gritamos: “Não, não, não. Eu sou demasiado
jovem para morrer. Tenho muitas coisas para fazer. Ainda não, talvez amanhã, mas hoje não,
não agora!”
É a isso que nos referimos ao falar sobre o apego e a causa disso é essa miragem do ego. Essa
miragem é a posse. Podemos na verdade observar isso acontecendo em certos momentos da
nossa vida, quando o corpo está ameaçado por alguma enfermidade, por uma doença, ou
mesmo só uma simples dor, quando sentimos dor nas pernas ao meditar. Qual é o problema?
Qual é o problema real? É a dor ou é porque pensamos que é a minha dor? Porque não
somos capazes de nos soltar da dor? Porque não vamos para a respiração e ficamos apenas
com a respiração?
Se observarmos com bastante atenção , saberemos que iremos para aquilo que nos
preocupa, que cremos ser do nosso interesse, que pensamos ser o que devemos fazer.
Iremos para aquilo que assumimos como nossa responsabilidade, aquilo que possuímos ou
pensamos possuir. Vamos para a dor nas pernas porque pensamos que as pernas são nossas.
É a nossa dor. Temos que fazer algo a respeito. Se nesse ponto pudéssemos compreender ou
imaginar o não-eu: “Isso não é meu. Não tem nada a ver comigo. Isso não me diz respeito.
Que o corpo cuide da dor. Eu me ocuparei com a respiração ou com o nimitta, ou com a
mente.” Poderíamos fazer isso. Mas só quando compreendemos que não possuímos essas
coisas é que somos capazes de nos soltar delas. O apego nasce da ilusão da posse.
Tentem isso da próxima vez que sentirem uma irritação, uma distração, soltem-se do corpo,
compreendendo que não o possuem, que ele pertence apenas à natureza. Vocês perceberão
que a perturbação da dor irá desaparecer e vocês estarão livres para voltar para o nimitta da
respiração, ou para o samadhi profundo. Não haverá preocupação com o corpo porque ele
não será considerado como meu. Este modo particular de encarar o corpo se torna
extremamente importante à medida que a meditação for se aprofundando, porque haverá
um momento, e essa é a ocasião em que o nimitta surge, em que estaremos a ponto de
deixar o corpo completamente e com isso vocês estarão abandonando os cinco sentidos
externos. Então, nesse ponto muitos meditadores experimentam o medo, porque este é um
dos upakkilesas, um dos grandes obstáculos para alcançar os jhanas. Poderemos chegar até
o nimitta, mas não poderemos entrar. Não poderemos nos absorver nele. Haverá algo
retendo-nos, um certo temor, uma inabilidade de nos soltarmos; e é bom poder
compreender do que somos incapazes de nos soltar e porque.
É nesse ponto que o insight começa a revelar apegos profundamente arraigados, ilusões
profundas que causam os apegos. Se chegarmos até este ponto muitas vezes e fizermos uma
investigação, descobriremos que o que tememos é o abandono deste corpo e desses
instrumentos dos cinco sentidos que nos proporcionam um senso de proteção e segurança
em relação à longevidade e proteção do corpo. A visão desaparece, os sons desaparecem, a
audição desaparece, o olfato, o paladar e especialmente as sensações físicas desaparecem,
não temos certeza sobre o que irá acontecer com este corpo, como se todos os vigias que
protegem este corpo fossem dormir, como se não tivéssemos vigias nas nossas casas,
nenhum alarme, nenhuma proteção; tememos que alguém possa entrar e roubar algo ou
destruir toda nossa casa. Somos incapazes de nos soltar porque nos preocupamos com a
segurança daquilo que ficou para trás. Estamos preocupados com o soltar do corpo.
A única forma possível de transpor esse obstáculo, ou a forma comum através da qual
podemos transpor esse obstáculo, é estarmos tão fascinados pelo nimitta a ponto de não nos
darmos conta daquilo que estamos abandonando. E uma excelente maneira de ultrapassar
esse obstáculo é compreender que nesse ponto aquilo que está sendo abandonado não tem
nada que ver conosco. O corpo não nos pertence. Os sentidos não nos pertencem. Não os
possuímos, não somos parte deles. Eles são apenas algo que tomamos e usamos e que
novamente poderemos deixar de lado. Mas, só estaremos livres para abandonar o corpo
quando compreendermos, num nível profundo, que ele não é nosso. Portanto, neste estágio
da meditação, um pouco de anatta, um pouco de não-eu, faz maravilhas para nos libertarmos
em direção aos jhanas mais profundos. Olhamos para esse corpo e somos capazes de
abandoná-lo. Sentimos segurança. Não é nosso de todos modos. Não importa se o corpo
morre durante o jhana e abandona todos esses meios dos sentidos. Compreendemos que
eles não têm nada que ver conosco. Não é nosso problema. Deixemo-los em paz. Soltemo-
nos e também larguemos do controle que sempre vem à tona. O controle que está sempre
tentando controlar especialmente o corpo. Abandonemos isso. Deixemos de lado. Não é
nosso. Não tem nada que ver conosco. E o controle que está tentando controlar a nossa
mente, tentando forçá-la na direção de jhana, tentando empurrá-la em direção ao jhana,
tentando moldá-la desta ou daquela maneira para que o jhana surja. Não tem nada que ver
conosco. Abandonemos isso.
Um dos grande monges na Tailândia, que já esteve nos visitando algumas vezes, diz que ao
meditar ele basicamente não faz nada. Ele simplesmente entra em jhanas profundos. Ele é
um grande meditador e essa é a forma como ele medita. Só com o abandono. O abandono do
fazedor; e a única razão porque ele é capaz de fazer isso é porque nada lhe pertence. Porque
devo fazer algo que não me diz respeito? Por exemplo, cortar a grama de outra pessoa num
fim de semana. Porque fazer isso? Que eles cortem a sua própria grama.
Então, isso é anatta, que é o que na verdade começa a nos empurrar para dentro dos jhanas;
e o Buda na verdade disse repetidas vezes quando começou a falar sobre olharmos não só
para o corpo como não-eu, mas também para os nossos sentidos. Ele disse com muita
clareza, está no Anattalakana Sutta, o segundo discurso que ele fez. Aquilo que vemos não é
nosso. A visão não é nossa. A consciência no olho não é nossa e não somos nós. O mesmo
com relação ao que ouvimos; o ouvido, a consciência no ouvido não é nossa. O olfato, o
paladar, o toque, as sensações no corpo, tudo isso não é nosso. O corpo não é nosso. A
consciência no corpo não é nossa. Os objetos mentais não são nossos. A consciência na
mente não é nossa. A mente não é nossa. Ele na verdade disse isso meticulosamente para
que as pessoas compreendessem que esses sentidos são parte da natureza. O caráter dessa
ilusão é como uma miragem, nós entendemos que essas coisas são algo que elas não são,
especialmente os cinco sentidos. Temos apego por eles e é por isso que somos incapazes de
abandoná-los. Supomos que eles nos pertencem, minha visão, minha audição, meu olfato,
meu paladar, meu toque físico, porque pensamos que eles nos pertencem, porque pensamos
possuí-los, nos preocupamos com eles.
Porque durante a meditação nos perturbamos com os sons lá fora? Vocês alguma vez já
investigaram isso? O ruído do tráfego, o barulho de alguém martelando ou o ruído de um
cortador de grama, ou dum helicóptero sobrevoando. Porque isso nos perturba? Qual o
motivo de dar ouvidos a esses sons? O que obtemos disso? Porque fazemos isso? A razão é
porque cremos que aquele som nos pertence e tememos soltá-lo. É como se sem a nossa
atenção, ele fosse desaparecer de uma vez por todas. Estamos habituados a fazer isso.
Crescemos assim. É como um bom amigo. Uma vez que ele se tenha ido, pensamos que
perdemos algo. Quantos anos depois de uma pessoa ter falecido e ter sido cremada, a outra
pessoa ainda sente que está faltando alguma coisa? Ela não se sente confortável. E não é o
mesmo com os cinco sentidos, aos quais estamos tão acostumados? Quando um desaparece,
quero dizer, realmente desaparece, fica faltando alguma coisa. Nós, deliberadmente, o
ligamos de novo. Queremos ouvir algo, ao invés de ter silêncio ou ao invés de ficar sem
nenhum som. E até mesmo com o corpo é assim. Crescemos com estas sensações no corpo.
Habituamo-nos a elas e quando todas essas sensações desaparecem, sentimos algo muito
estranho. Não estamos acostumados com isso, é como se faltasse algo em algum lugar.
Ficamos com medo. A nossa coberta de aconchego nos foi tomada e nós simplesmente a
agarramos de volta.
Praticando com esses cinco sentidos, se nos dermos conta que eles não têm nada que ver
conosco, um som, por exemplo, se torna como um telefone tocando mas a chamada é para
outra pessoa. Não para nós. Não temos nada que ver com isso. Se o corpo começa a coçar, é
como se fosse uma carta endereçada para outra pessoa. Não para nós. Então não abrimos o
envelope. Não nos comunicamos com aquilo que não nos pertence, que não nos diz respeito.
Se pudermos fazer isso, compreendendo o ensinamento do Buda em relação aos cinco meios
dos sentidos, como anatta, será fácil abandoná-los, desligá-los, não agarrá-los. Se pudermos
fazer isso, jhana se tornará muito fácil. O problema com relação a jhana são os mosquitos nos
picando, os sons nos perturbando, a dor nos joelhos e todos os pensamentos associados. Isso
é o que nos perturba. Se pudermos nos soltar do corpo, abandonar o corpo, jhana se torna
fácil.
Vocês se recordam da pergunta que alguém fez outro dia sobre aquele monge Cristão que
torturou o próprio corpo, açoitando-se até que os cinco sentidos se tornaram tão
desagradáveis que ele os desligou e abandonou? Essa é uma forma de abandonar os cinco
sentidos, tornando-os tão desagradáveis que seremos incapazes de suportá-los. Aí, nós os
colocamos de lado. Mas esse é o método mais difícil. O caminho mais fácil é compreender
que essas coisas não nos pertencem. Quando pudermos fazer isso, a meditação ficará muito
mais fácil. Poderemos abandonar essas coisas porque compreendemos que não são nossas.
Portanto, esse é o modo pelo qual usamos o entendimento de não-eu, anatta, em relação
aos cinco meios dos sentidos, para poder abandoná-los.
É muito mais difícil abandonar o mundo da mente porque temos muito mais apego a ele, até
mesmo mais do que ao mundo do corpo com os seus cinco meios dos sentidos.
Especialmente por que temos essa coisa que chamamos “pensamento”. E porque é tão difícil
abandonar os pensamentos? Outra vez, porque pensamos que sou ‘eu’ pensando. São os
meus pensamentos. Se pudéssemos na prática olhar para os pensamentos como uma
tagarelice irrelevante e se pudéssemos imaginar que todos esses pensamentos vêm desse
pequeno demônio dentro de nós, que logrou entrar pelo buraco do ouvido enquanto
dormíamos e está envolvido numa conversa estúpida com outro demônio que entrou
durante a noite pelo buraco do outro ouvido e eles estão tendo essa conversação
absolutamente tola, então compreenderíamos que não são nossos. São apenas dois
pequenos demônios dentro das nossas cabeças conversando um com o outro. E mesmo essa
fantasia deveria ser suficiente para compreendermos que esses pensamentos não são nossos.
Não é conversa nossa, então não damos ouvidos. Não damos importância. Compreendemos
que não é nossa responsabilidade. Não precisamos ouvir esses comentários. Mas só
poderemos abandoná-los quando compreendermos que não são nossos. Esse comentário
interno é aquilo que chamamos de ‘fazedor’, porque se dermos atenção a esse comentário
com muita freqüência – ele dá conselhos, faz críticas, elogio é raro, mas algumas vezes até
isso ele faz – perceberemos que está sempre dando ordens. É sobre isso que estamos
falando, o fazedor. Assim é como o fazedor se manifesta. Essa é a ordem, o discurso. Assim é
como o fazedor nos governa. Pensamos algo e em seguida seguimos esses pensamentos.
Uma ordem é dada e nós a obedecemos. Esse fazedor é aquilo que chamamos de “vontade”,
“escolha”. Podemos na verdade ver isso acontecendo. Não “vontade” e “escolha” como uma
idéia, mas “vontade” e “escolha” como uma experiência cuja ocorrência na mente pode ser
observada. Podemos na prática ver a mente se movendo para o pensamento e desse
pensamento seguir-se com freqüência uma ação. Assim é como as nossas ações com o corpo,
linguagem e mente são governadas. Assim é como percebemos a volição. Podemos
realmente observá-la acontecendo, e é isso que eu dizia ser condicionado. É a isso que eu me
referi quando disse que podemos ver as causas do surgimento dos dois pequenos demônios
que entraram pelas orelhas. Você não, não tem nada que ver com você. Não provém de um
eu. Não pertence a um eu em particular. Não são suas ordens. São palavras, pensamentos,
idéias completamente condicionadas. Porque pensamos esses pensamentos e não outros
pensamentos? Porque fazemos essas coisas e não outras coisas? Se observarmos com
atenção, poderemos ver as conexões, como um pensamento conduz a outro, como as
inclinações de um tipo conduzem a outra. O Buda nos ensinou a entender realmente como
funciona o pensamento e, particularmente, como o pensamento é cheio de delusão. E com
isso aprendemos sobre esses vipallasas, o funcionamento da delusão. A física disso, a sua
mecânica. De onde vêm os pensamentos? Começamos a ver, se observarmos com cuidado,
que os pensamentos são construídos a partir das percepções.
Por exemplo, sempre que almoçamos, se percebemos algo como delicioso, pensamos, “isso
está muito gostoso, acho que vou comer um pouco mais”. O que quer que seja que
percebamos, os pensamentos partem dessa percepção e constroem opiniões como, “isso é
delicioso” ou “Bianca é uma excelente cozinheira” ou “a comida neste lugar é realmente
boa”. As nossas idéias são construídas pelos pensamentos que por sua vez são construídos
pelas percepções, e de onde vêm as percepções? Percebemos de acordo com as nossas
idéias.
Eu sempre menciono um acontecimento da minha adolescência. Fui a um pub em Londres
para tomar o meu primeiro copo de cerveja Inglesa; eu ainda era menor de idade, mas isso
não tinha realmente importância. Foi apenas para desafiar os meus amigos e ao tomar aquele
primeiro gole de cerveja fiquei totalmente surpreso pelo seu sabor horrível. A minha
experiência na realidade foi de que aquilo era algo demasiado ruim, por seu sabor tão
amargo que absolutamente não me agradou. Mas a opinião, a idéia que prevalecia entre
todos os meus amigos, e na maioria da sociedade, era que aquilo era algo delicioso. Então,
aquela foi a primeira percepção que surgiu, mas depois de terminar de tomar aquele copo de
cerveja eu a mudei completamente, porque eu queria que o sabor fosse bom e assim, o sabor
se tornou bom. E desse modo, desenvolvi uma paixão pela cerveja Inglesa e gastei muito
dinheiro e muito tempo bebendo-a, e aí vocês podem ver como esse tipo de coisa acontece.
Por causa da idéia de que alguma coisa tem de ser deliciosa, ela se torna deliciosa e de
acordo com ela segue a percepção. A partir das nossas percepções construímos os
pensamentos e devido aos pensamentos, as idéias são reforçadas. Assim é como a delusão
ocorre e como nos mantém neste ciclo do qual cremos ser tão difícil sair.
Ao olharmos para os nossos pensamentos cremos que eles são verdadeiros porque eles se
encaixam com as nossas percepções e se encaixam com as nossas idéias. É claro que se
encaixam, porque é delas que eles são feitos. As nossas idéias criam as nossas percepções. As
nossas percepções constroem os nossos pensamentos. Os nossos pensamentos corroboram
as nossas idéias e lá vamos nós com mais percepções, pensamentos e idéias, cada um
apoiando o outro, confirmando o outro. E nunca podemos ver a falácia disso. Só quando
formos capazes de verdadeiramente parar esses pensamentos compreendendo que eles são
simplesmente parte da natureza – não confiando neles, nem pensando que eles nos
pertencem, sendo capaz de abandoná-los por saber que eles são os fazedores e que podem
ser abandonados. O fazedor é um dos maiores obstáculos que temos de superar, tanto na
meditação como na prática de insight, e muitos de vocês sabem o quão difícil é encontrar
uma forma para nos soltarmos desse fazedor.
Em relação ao fazedor que está se manifestando como pensamento, vejam se vocês
conseguem usar, só por alguns momentos, a sugestão, não-eu, não é meu. Não tem nada a
ver comigo. Não é meu. Não me diz respeito. Vocês se darão conta de que é muito mais fácil
nos soltarmos de algo quando não o possuímos. Quando não for da nossa responsabilidade;
nós não nos incomodaremos se alguém levá-lo embora. Se ouvíssemos que um ladrão entrou
no estacionamento e roubou um carro, e ao ir até lá descobríssemos que “Ah, não foi o meu
carro”, será que sentiríamos a mesma coisa se fôssemos até lá e descobríssemos que foi o
nosso carro? Vocês podem ver como a posse cria problemas. Não permitimos que as coisas
desapareçam. Não podemos deixá-las se pensarmos que realmente as possuímos, que são
minhas. Portanto, se fizermos um pouco de prática de anatta, chamada anatta sañña
- percepção de não-eu, notaremos que fica mais fácil deixar de pensar, mais fácil nos
soltarmos dos pensamentos. Anatta também significa que não há ninguém aqui, portanto,
não é você que medita. Como você pode fazer meditação? Quem pode fazer meditação? Essa
meditação então, passa a ser um processo natural. Deixa de ser você fazendo a meditação,
mas ela acontecendo quando você se solta do ‘eu’ e permite que as coisas desapareçam e se
acalmem.
Quando por um momento, de fato, praticamos anatta em relação ao fazedor, permitimos
que a meditação seja feita pelo não-eu, ao invés de provir de um eu, um fazedor, minha
meditação, eu fazendo isso. O outro lugar onde a ilusão de um ego morre é no conhecedor,
pois, novamente, pensamos que a consciência é o eu. Eu sou aquele que está consciente. Eu
sou aquele que experimenta tudo isso. Esta consciência pertence a mim, o que também é a
razão porque, se realmente pensarmos que a consciência é minha e que eu a possuo,
queremos reter a posse de tanta consciência quanto possível. Em outras palavras, queremos
experimentar o máximo possível neste mundo, que é em essência o caminho mundano. O
caminho da meditação é na realidade soltar-se de toda essa área da consciência, de todas as
experiências às quais poderíamos nos entregar durante estes nove dias do retiro. Ao invés
disso, estaremos nos limitando a uma área bastante pequena de toda a experiência
consciente possível, só à respiração, neste momento somente, nada no passado, nada no
futuro.
É interessante o que acontece quando abandonamos uma grande área de pastagem para a
consciência e a limitamos a um pequeno pasto. Em geral, a consciência pode ir a qualquer
lugar. Você pode estar consciente de qualquer coisa, experimentando todos os deleites,
todos os prazeres do mundo. Mas aqui, estamos colocando a consciência num pasto bem
pequeno e o que acontece quando deixamos de lado tanta pastagem para nossa consciência?
Dizemos, “Ah, estarei consciente exclusivamente da respiração. Estarei consciente somente
do momento presente. Renunciarei a todas as demais possibilidades.” E você descobre que
há liberdade. Que há paz. Isso é um tanto de felicidade.
Porque isso? O que está acontecendo? Começamos a compreender que todas essas outras
áreas não nos pertencem. Não nos dizem respeito. Abrimos mão delas e descobrimos que
quanto mais abrimos mão da consciência, quanto mais nos soltamos da consciência, nos
soltamos da consciência no olho, ouvido, nariz, língua e corpo, mais as coisas se tornam
pacíficas, muito agradáveis, se tornam muito livres. É porque pensamos que de alguma forma
a consciência nos pertence, que somos incapazes de abandoná-la. Desejamos estar vivos.
Queremos ouvir. Queremos pensar, porque lá no fundo não queremos que alguém tome isso
de nós. Pensamos que nos pertence. Que temos posse. É nossa propriedade e não estamos
dispostos a abandoná-la. Se pensarmos que a consciência nos pertence, aí será muito difícil
abandoná-la. No mínimo, poderíamos nos soltar da consciência dos cinco meios dos sentidos
e manter só um pouquinho da consciência de algo, mas pouco a pouco, à medida que
desenvolvemos jhana nos soltamos mais e mais da pastagem onde, em geral, a consciência
perambula, e pouco a pouco nos soltamos da própria consciência. Nós só podemos entrar no
último estágio de jhana, o da cessação, porque a cessação da consciência acontece. Mas o
abandono do último vestígio de consciência só ocorre quando compreendemos que essa
consciência não é o nosso eu, não nos pertence. Só então poderemos nos soltar dela. As
pessoas temem se soltar da consciência por pensarem que esta lhes pertence.
Portanto, assim é que podemos usar anatta para entender o primeiro jhana ou o segundo
jhana, no qual não há um fazedor. Vocês estão obtendo mais dados, mais experiências em
relação às quais podem comparar as suas idéias, podem checar se as suas percepções e
pensamentos são verdadeiros ou não. E mais uma vez, uma das razões porque o Buda
ensinou os jhanas, uma das razões porque monges como eu promovem os jhanas, não é
porque eles proporcionam uma experiência agradável quando experimentamos o êxtase
durante um retiro e queremos repetir aquilo. É porque quando entramos nesses jhanas
experimentamos antes de mais nada o fazedor desaparecendo. Algo que imaginávamos ser
nosso desaparece. Algo que pensávamos ser o eu desaparece. Não desaparece por apenas
um momento. Ele se vai por um longo tempo. É como se estivéssemos aqui sentados e o
braço desaparecesse. “Uau, para onde foi isso? Eu pensava que era meu, que fazia parte do
meu corpo. Como podemos ter um corpo sem um braço? Ah, aí está. Isso é muito estranho”.
Ao vermos o nosso braço indo e vindo, verdadeiramente indo e vindo, tudo se torna muito
claro. Ele não nos pertence. Vemos a nossa perna indo e vindo. Ela não nos pertence. Vemos
o fazedor desaparecer por longos períodos de tempo. Isto se torna tão óbvio como o nariz no
seu rosto. Essa coisa não nos pertence. Podemos existir sem ela e na verdade sentimos mais
felicidade sem isso, sem um fazedor.
Quando falo de um fazedor, me refiro a todas as manifestações da vontade, escolha, tomada
de decisões e julgamento. Tudo isso desparece nesses estados. O símile que emprego para
esses jhanas é como um girino que nasce na água. O girino que nasce e cresce na água. Ele só
conhece água. Na verdade, ele não conhece muito sobre água porque está demasiado
envolvido nela. Ele não tem nada com que compará-la e pensa que a água é o mundo todo,
até que o girino cresce e deixa aquele mundo, se torna um sapo e vai para terra firme. Aí
então, ele obtém dados adicionais acerca do mundo. E só quando formos para terra firme é
que saberemos o que significa a água. Somente quando conseguimos excluir o fazedor,
quando o fazedor desaparece, é que ficamos sabendo o que é o fazedor, que ficamos
sabendo o que ele é realmente. É água simplesmente. Não é o mundo todo. É apenas parte
da natureza. Não é a parte essencial do nosso ser. A maioria das pessoas, depois de ter
entrado em jhana ou de ter experimentado os jhanas e depois de sair desses estados pensa:
“Uau, isso foi realmente fantástico!”, pois em geral essa experiência é muito intensa e
maravilhosa, realmente muito poderosa. Mas no Budismo não só ensinamos a entrega ao
prazer de ter alcançado esses estados, como também que se faça a revisão, análise e
investigação dos mesmos: “O que foi isso?”
As experiências poderosas são muito fáceis de serem lembradas. Podemos relembrá-las com
muita clareza e analisá-las para ver o que ocorreu de tão estranho. O que naquela experiência
foi tão prazeroso? E uma das coisas que nos recordamos é que o fazedor havia desaparecido
por completo. O que isso significa realmente? Se nos recordarmos disso várias vezes,
chegaremos inevitávelmente ao insight. Não tem outro jeito. Não vejo como isso poderia ser
diferente. Veremos que uma grande parte de nós, uma grande porção que creíamos ser o eu,
que assumimos ser o ego, que pressupomos ser o ego, era um grande erro. A nossa soma
estava totalmente equivocada. Pressupomos algo sem ter todas as evidências, e agora todas
as evidências estão aqui, não conseguimos mais justificar a nossa hipótese. Da mesma
maneira como as pessoas pensavam que a Terra era plana. É óbvio que o mundo é plano, não
é? Vá e olhe lá fora. Tudo é plano. Podemos até usar um planímetro. Aí está – é plano. E para
muitas pessoas isso é óbvio.
“O mundo é redondo” exige um salto na percepção, particularmente se de algum modo
pudermos deixar o mundo e ir para o espaço num foguete ou espaçonave, e aí pudermos ver
que o mundo é de fato redondo. O mesmo com o fazedor sendo o eu. É tão óbvio que o
fazedor é o eu. Que eu estou fazendo essas coisas. Que eu estou escolhendo. Assumimos isso
o tempo todo. Se de algum modo pudéssemos nos separar, distanciar, nos isolar dele de
alguma forma e visualisá-lo como um panorama. Ver o fazedor desaparecer. Só então ficaria
claro que o fazedor não tem nada que ver com o eu. O fazedor se foi. A existência ainda está
ali. Temos consciência, sentimos que estamos presentes, mas o fazedor se foi. A consciência
permanece. Imagine o que aconteceria se na prática pudéssemos ver, compreender e aceitar
isso. Isso mudaria completamente o nosso ponto de vista em relação à força de vontade, em
relação às escolhas, às ações, aos desejos, às cobiças.
De todos modos o que é o desejo senão um outro tipo de fazer? Se pudermos de fato ver que
esse fazedor não é o eu, muitos desejos desaparecerão. Além disso, a outra parte que
pressupomos ser o eu é a experiência da consciência. Mesmo se alcançarmos só o primeiro
jhana poderemos experimentar por nós mesmos o fazedor cessando. Nisso ainda há como
que uma experiência consciente. A nossa mente estará plenamente desperta e ainda há o
conhecedor. Então, pouco a pouco, esse conhecedor desaparece. Antes de mais nada, se
pudermos ver o fazedor como não-eu, aí teremos pelo menos alguma confiança ou
poderemos ter alguma compreensão. É muito sugestivo. É a sugestão de que é possível que o
conhecedor possa não ser o seu eu tampouco. Se pudermos desenvolver um outro jhana,
poderemos ver uma grande parte do conhecedor desaparecendo. À medida que os jhanas
ficarem mais refinados, uma grande porção da consciência desaparece. Mais uma vez, então,
podemos ter uma noção, um indício de que a consciência não é o eu. E não somente isso,
porque no Dhamma, no Budismo, o Buda de alguma maneira descreveu a consciência como
ela na verdade é, como os seis sentidos. E cada um desses sentidos possui um tipo de
consciência totalmente distinto.
A consciência da visão, não é a mesma da audição, não é a mesma do olfato, não é a mesma
do paladar, não é a mesma do toque, não é a mesma da mente. Mas porque chamamos cada
uma dessas coisas de consciência como se todas fossem a mesma coisa? Porque é que
supomos haver um contínuo do conhecimento? O que é que faz com que pareça haver essa
identidade entre a visão, a audição, o olfato, o paladar e o toque? É nisso que a experiência
dos jhanas permite que comecemos a entender a ilusão da continuidade da consciência, que
nos dá a ilusão de que aqui há sempre um eu, ao invés da realidade da natureza fragmentada
da consciência, uma consciência surgindo e cessando e outra consciência completamente
distinta surgindo e depois cessando.
É com se vocês estivessem sentados aqui, mas agora fossem uma banana. Então, a banana
desaparece por completo e em seguida vocês são uma manga, a manga desparece por
completo e aí vocês são um melão, o melão desparece por completo e novamente vocês são
uma banana. E esta também desaparece e aí vocês são uma maçã, esta desaparece e vocês
voltam a ser uma manga novamente. Se essa fosse a experiência de vocês, de saber que a
cada momento vocês são uma fruta completamente diferente, vocês pensariam que
realmente existe alguma coisa continuando, passando de um momento para o outro? Vocês
pensaríam que há algum tipo de identidade existindo ali na banana ou presente na maçã, ou
presente na manga e assim por diante? Essa na verdade é a natureza fragmentada da
consciência. Agora, a razão pela qual as pessoas não vêm isso é porque tudo aquilo que é
visto pelos olhos, a mente também vê. A mente toma isso como objeto para a sua
consciência. Vemos algo, sabemos que vimos. Ver algo é a consciência no olho. Saber que
vimos é a consciência na mente. Ouvimos algo. Sabemos que ouvimos. A consciência no
ouvido seguida de imediato pela consciência na mente. Cheiramos, saboreamos, tocamos
algo. Sabemos que tocamos. A consciência no corpo seguida pela consciência na mente.
Mesmo se imaginamos algo. Sabemos que imaginamos. Um pensamento surge. Sabemos que
pensamos aquele pensamento. Se soubermos alguma coisa. Nós sabemos que sabemos que
sabemos.
O que acontece neste caso é que mesmo com a consciência na mente, qualquer coisa que
surja na mente, a mente pode tomar isso como seu objeto. A consciência na mente seguindo
a consciência na mente. Na realidade, na verdade, se formos mais precisos e exatos, não é
que sabemos. É que sabemos que sabemos. Se adicionarmos o fator tempo nisso, todo esse
processo que chamamos de autoconsciência se torna muito claro. É apenas a mente tomando
o último objeto da consciência e repetindo-o novamente, e é porque a consciência na mente
está ali com o que vemos, ouvimos, cheiramos, saboreamos e tocamos que a ilusão de
identidade é criada.
Regressemos ao símile com os vários tipos de fruta surgindo, se manifestando. É como se
houvesse uma fruta. Como se uma maçã surgisse com um coco ao seu lado. Ambas
desaparecem e depois surge uma banana com um coco ao seu lado. Depois surge uma maçã
com um coco ao seu lado, e aí surge uma manga com um coco ao seu lado. Depois surge uma
banana com um coco ao seu lado e depois surge um coco com um outro coco ao seu lado e
depois novamente surge uma banana com um coco ao seu lado. O coco representa a
consciência na mente. Sempre agarrada às outras consciências. Sempre ali presente criando a
ilusão de identidade. O que acontece quando entramos nos jhanas é que nesse estado tudo
que temos são cocos. Tudo que temos é a consciência na mente. Todas as demais cinco
consciências desaparecem por completo. Só se experimentarmos os jhanas poderemos
realmente compreender o que é a mente, o que é a consciência na mente, o que é um coco,
porque ele foi isolado. Nós o destilamos. Nós o purificamos. Nós ficamos sabendo o que essa
coisa, mente, consciência, na verdade é, ao invés de ficar só pensando ou filosofando a
respeito.
Uma vez que reconheçamos essa sexta consciência – chamemos de citta, viññana, mano,
...ou qualquer coisa que desejarmos; uma vez que compreendamos realmente o que é isso –
mente ou consciência na mente – ao sairmos dos jhanas seremos capazes de vê-la. Ao invés
de ter só a maçã/coco, ou manga/coco, pensando que se trata apenas de uma única fruta
com um certo tipo de identidade, poderemos efetivamente separar a consciência na mente.
Poderemos realmente ver que ali está a visão e que logo em seguida vem a consciência na
mente. Poderemos reconhecer isso. Veremos isso em toda a sua pureza, isolado, e
poderemos verdadeiramente ver a consciência no ouvido e depois a consciência na mente
vindo logo em seguida. O que de fato vemos, se pudermos reconhecer o que é
mente, citta ou consciência, é que podemos partir essa experiência sensual. Podemos de fato
enxergar a sua natureza fragmentada. Banana e depois coco. Maçã e depois coco. Não há
nada que esteja presente o tempo todo. A consciência muda. Seis tipos, cada uma distinta da
outra. “Qual delas é o seu eu?”, o Buda perguntou.
Se a consciência for o eu, se a experiência consciente for a identidade, o que afirmamos ser o
nosso ego e alma, qual delas seria o eu? Se for uma delas, então para onde vai o eu quando
aquela consciência que é o eu desaparece e uma das outras cinco está presente? Isso
simplesmente não faz sentido. Não dá para acreditar nisso. E quando virmos a sua natureza
fragmentada, nunca mais seremos capazes de olhar para a consciência como sendo o ego,
uma alma, o eu, como sendo meu.
Se a consciência fosse contínua, tivesse algum tipo de continuidade, poderíamos pensar que
ela é um ego ou alma. Algo que nos pertence. Mas só quando pudermos ver a sua natureza
fragmentada e depois o seu desaparecimento, é que poderemos permitir que a consciência
se vá. Poderemos permitir que ela cesse. Especialmente quando virmos esses dois que eu
chamo de “domicílio da delusão do ego”, o fazedor e a consciência, ou vontade e consciência,
poderemos compreender que nunca nenhum deles poderá ser considerado como o ego, o eu,
ou meu. Nada a ver com isso, e não há nenhum outro lugar onde o ego poderia morar. E
então poderemos ver que a consciência é apenas um processo, um processo natural. Que não
tem nada que ver com uma pessoa ou um ser. É algo que surge e cessa de acordo com
condições. O mesmo com a vontade, algo que surge e cessa de acordo com condições.
Quando algo não nos pertence podemos nos soltar dele. Podemos permitir que cesse.
Podemos deixar que termine. Só então Nibbana poderá ser possível. Nibbana é a cessação de
tudo isso. O Buda descreveu de modo muito claro o que Nibbana é. Quando uma chama se
extingue, isso é Nibbana. Para onde vai a chama? Ela vai se unificar com a entidade ‘Grande
Chama’? Ela vai para alguma grande morada onde todas as chamas vão, onde não as
podemos ver embora elas verdadeiramente estejam lá?
O Buda na verdade disse, “a chama vai para o leste?” Não. “Ela vai para o oeste?” Não. “Vai
para cima?” Não. “Vai para baixo?” Não. “Vai para algum lugar?” Não. Ela simplesmente
cessa. Isso é o que Nibbana significa. Aquilo que antes estava ali agora cessou, se foi. O
processo terminou. Nós podemos simplesmente deixar que isso aconteça. Faz sentido. Mas,
Nibbana só poderá ser uma possibilidade para nós se compreendermos que nada disso possui
uma essência, que nada disso tem a ver com o ego. Nada disso nos pertence ou pertence a
alguém outro. É apenas parte da natureza.
É claro que as pessoas dizem “Qual a vantagem de tudo isso se tudo terá um fim e de repente
desapareceremos, estaremos mortos? Eu não quero ir.” Porque não queremos ir? Porque
pensamos que ainda estamos aqui. A que estamos nos apegando que não queremos soltar?
Nibbana? No que temos tanto interesse? O que pensamos possuir? Quem é o proprietário
que não queremos reconhecer como sendo o vazio?
Se realmente pudermos entender isso e plenamente reconhecer e penetrar o não-eu, então
compreenderemos o que Nibbana significa, e só então poderemos compreender a que o
Buda se referia – sobre o processo, um processo natural, que conduz à cessação de tudo isso.
Mas basicamente as pessoas dizem, “pois é, isso pode soar muito bem, mas eu não estou
interessado! Talvez eu não queira Nibbana. Eu quero mesmo é me entreter.” Infelizmente
isso está fora do nosso controle.
Isso é o que tenho dito para muitas pessoas no retiro. Elas dizem “bem, eu acho que tenho
algumas dúvidas. Eu não tenho bem certeza se realmente quero fazer esse tipo de meditação
até chegar nos jhanas e, você sabe, me tornar um monge ou monja, e tipo largar de tudo para
alcançar Nibbana.” Elas não têm muita certeza disso. E eu digo, “não se preocupe com isso
porque você não tem escolha!”
É como se estivéssemos num ônibus e uma vez dentro do ônibus podemos gritar para o
motorista “deixe-me sair nesta parada.” Mas infelizmente é um ônibus expresso com uma
única parada no final da viagem. Ele não irá parar no meio do caminho. Não há botõezinhos
para apertarmos para avisar o motorista que ele deve parar. Estamos nisso até o fim. No final
das contas terminaremos nos soltando de tudo. É o abandono das coisas, o abrir mão das
coisas. Primeiro de tudo, abrimos mão do que está no exterior. Depois começamos a abrir
mão daquilo que está no interior. Interior, exterior é a mesma coisa. Abrimos mão de tudo
até que não reste mais nada.
É tão belo. Isso é o que chamamos vazio, sair, desaparecer, porque compreendemos que não
há nada ali, apenas uma ilusão. A ilusão foi vista e tudo conduz a que paremos, como aquela
máquina que mencionei ontem. Ela está ligada. Quem a ligou eu não sei, mas o propósito
todo é fazer com que aquela mão que surge da nossa fronte, vocês sabem, chamada
meditação, a desligue e então a sua função, a sua tarefa, estará concluída.
De qualquer modo, esta foi uma pequena palestra sobre anatta. Um pouco distinta daquela
que ensinei antes, com algumas sugestões sobre como usar anatta na meditação. Então
procurem aplicar isso. Vejam o que acontece quando vocês tiverem se soltado de tudo
completamente, soltando-se da fantasia de que há alguém aqui dentro.
descobrindo por si mesmos como ela ajuda a solucionar os problemas da vida.

Embora muitas viagens a lugares remotos e atrativos sejam agora realizadas com facilidade,
o caminho que conduz a Nibbana ainda requer esforço. Mas se o caminho às vezes é sombrio
tendo como única luz guia a atenção plena, pelo menos através da reflexão saberemos que o
objetivo é glorioso e de grande valor, não somente para si mesmo mas para os outros também.

A Integridade da Vacuidade

Apesar da sutileza dos seus ensinamentos, o Buda tinha um teste simples para medir a
sabedoria. Você é sábio, ele dizia, quando consegue fazer coisas que não gosta de fazer, mas
que sabe irão resultar em felicidade, e de evitar fazer coisas que você gosta de fazer, mas que
sabe irão resultar em dor e prejuízo.

Ele deduziu esse padrão de sabedoria do seu insight sobre a radical importância da ação
intencional em moldar a nossa experiência de felicidade e tristeza, prazer e dor. Dada a
importância das ações que, no entanto, são com frequência mal direcionadas, a sabedoria tem
de ser tática, estratégica, ao fomentar ações que sejam realmente benéficas. Tem de ser mais
astuta que as preferências míopes, para produzir uma felicidade duradoura.

Porque o Buda observou todos os aspetos da experiência, do grosseiro ao sutil, em relação às


ações intencionais e os seus resultados, o seu padrão tático para a sabedoria também se aplica
a todos os níveis, da sabedoria simples da generosidade até a sabedoria da vacuidade e da
perfeita iluminação. A sabedoria em todos os níveis é sábia, porque ela funciona. Ela influencia
aquilo que você faz e a felicidade resultante. E para que funcione, ela requer integridade: a
disposição para olhar com honestidade para os resultados das suas ações, admitir quando você
tiver causado dano e mudar o seu modo de agir para não repetir o mesmo erro outra vez.

O que impressiona em relação a esse padrão de sabedoria é a sua objetividade e praticidade.


Isso pode ser uma surpresa, pois a maioria das pessoas não pensa na sabedoria Budista como
bom senso e descomplicação. Ao invés, a frase “Sabedoria Budista” invoca ensinamentos mais
abstratos e paradoxais que desafiam o bom senso – sendo a vacuidade o principal exemplo. A
vacuidade, nos disseram, significa que nada possui existência inerente. Em outras palavras,
num nível básico, as coisas não são aquilo que por convenção tomamos por “coisas.” Elas são
processos que de forma nenhuma estão separadas de outros processos dos quais elas
dependem. Essa é uma idéia filosófica sofisticada que fascina o filosofante, mas que não
oferece um apoio muito claro para ajudá-lo a levantar mais cedo para meditar numa manhã
fria e tampouco para convencê-lo a abandonar um vício destrutivo.

Por exemplo, se você é alcoólatra, não é porque você sente que o álcool tem algum tipo de
existência inerente. É porque, de acordo com os seus cálculos, o prazer imediato derivado do
álcool tem mais peso que o dano a longo prazo que ele causa na sua vida. Esse é um princípio
geral: o apego a um vício não é um problema metafísico. Ele é um problema tático. Temos
apego às coisas e às nossas ações, não devido ao que pensamos que elas sejam, mas devido
ao que acreditamos que elas possam fazer pela nossa felicidade. Se prosseguirmos
superestimando o prazer e subestimando a dor que elas causam, continuaremos apegados a
elas independentemente do que, em última análise, acreditamos que elas sejam.

Como o problema é tático, a solução tem de ser tática também. A cura para o vício e para o
apego encontra-se na reeducação do seu pensamento e das suas intenções através do
desenvolvimento da noção do poder das suas ações e da possível felicidade que você poderá
alcançar. Isso significa aprender a ser mais honesto e sensível para com as suas ações e as suas
conseqüências, e ao mesmo tempo permitir-se imaginar e dominar rotas alternativas para
uma felicidade mais completa, com menos desvantagens. Idéias metafísicas podem algumas
vezes participar da equação, mas elas, no máximo, desempenham um papel secundário.
Muitas vezes são irrelevantes. Mesmo se você visse o álcool e o seu prazer como desprovidos
de existência inerente, ainda assim você buscaria esse prazer enquanto o visse valendo mais
que o dano causado. Algumas vezes, as idéias metafísicas da vacuidade podem na verdade ser
prejudiciais. Se você começar a focar em como o dano causado pela bebida – e as pessoas
prejudicadas pelo seu vício – são vazios de existência inerente, você poderá desenvolver uma
justificativa racional para continuar a beber. Portanto, o ensinamento da vacuidade metafísica
não parece que passaria no teste do próprio Buda para a sabedoria.

A ironia é que a idéia da vacuidade como ausência de existência inerente tem muito pouco a
ver com aquilo que o próprio Buda falou sobre a vacuidade. Os seus ensinamentos sobre a
vacuidade – tal qual relatado nos textos Budistas mais antigos, o Cânone em Pali – tratam
diretamente das ações e dos seus resultados, com as questões do prazer e da dor. Para
compreender e experimentar a vacuidade, conforme esses ensinamentos, não requer
sofisticação filosófica, mas a integridade pessoal disposta a admitir as reais motivações que se
encontram por detrás das suas ações e os reais benefícios e danos que elas causam. Por essas
razões, essa versão da vacuidade é mais relevante no desenvolvimento do tipo de sabedoria
que passaria no teste do Buda, baseado no bom senso, para medir o quão sábio você é.

Os ensinamentos do Buda, sobre a vacuidade - apresentados em dois discursos mais longos e


vários outros menores – definem-na de três modos distintos: como um método de meditação,
como um atributo dos sentidos e dos seus objetos e como um estado de concentração. Embora
essas formas de vacuidade difiram nas suas definições, em última instância elas convergem
para o mesmo caminho da libertação do sofrimento. Para ver como isso acontece,
precisaremos examinar os três significados da vacuidade um a um. Ao fazer isso, iremos
descobrir que cada um aplica o teste de sabedoria do Buda, baseado no bom senso em relação
às ações sutis da mente. Mas para compreender como esse teste se aplica nesse nível sutil,
primeiro precisamos ver como ele se aplica a ações num nível mais óbvio. Nesse sentido, não
há melhor introdução que o conselho do Buda para o seu filho Rahula, sobre como cultivar a
sabedoria ao realizar as atividades rotineiras do dia a dia.

Observando as Ações Diárias

O Buda disse para o seu filho Rahula, que tinha sete anos na época, para usar os seus
pensamentos, palavras e ações como se fossem um espelho. Em outras palavras, da mesma
forma que você usa um espelho para verificar se o seu rosto está limpo, Rahula deveria usar
as suas ações como um meio para descobrir se ainda havia algo impuro na sua mente. Antes
de agir, ele deveria tentar antecipar os resultados da ação. Se ele visse que ela seria prejudicial
para ele mesmo ou para os outros, ele não deveria dar seguimento à ação. Se ele não
antecipasse nenhum dano, ele poderia seguir adiante com a ação. Se, enquanto estivesse
praticando a ação, ele percebesse que ela estaria causando um dano inesperado, ele deveria
parar o que estava fazendo. Se ele não visse nenhum dano, ele poderia seguir adiante com a
ação.
Se, depois de ter praticado a ação, ele visse algum dano que tivesse sido causado, ele deveria
consultar algum companheiro na vida santa para entender melhor o que ele havia feito e como
evitar fazer aquilo novamente e depois determinar-se a não mais repetir o mesmo erro. Em
outras palavras, ele não deveria se sentir apreensivo ou envergonhado de revelar os seus erros
para pessoas que ele respeitava, pois, se ele começasse a esconder deles os seus erros, em
pouco tempo ele passaria a escondê-los de si mesmo. Se, por outro lado, ele não visse nenhum
dano resultando da ação, ele deveria se alegrar com o seu progresso na prática e continuar
com o seu treinamento.

O nome correto para esse tipo de reflexão não é “auto-purificação.” É “purificação da ação.”
Você desvia os julgamentos de bom e mau da sua noção de eu, onde eles podem atá-lo com a
presunção e a culpa. Ao invés disso, você foca diretamente nas ações em si mesmas, onde os
julgamentos permitirão que você aprenda com os seus erros e encontre uma alegria saudável
naquilo que você fez corretamente.

Continuando a refletir dessa forma, servirá vários propósitos. Primeiro e mais importante de
tudo, obriga-o a ser honesto com relação às suas intenções e com relação aos efeitos das suas
ações. A honestidade neste caso é um princípio simples: você não acrescenta nenhum tipo de
racionalização a posteriori para encobrir aquilo que você na verdade fez e tampouco tenta
subtrair da verdade através da recusa em aceitar os fatos. Porque você está empregando essa
honestidade em áreas onde a reação normal é sentir-se envergonhado ou com medo da
verdade, trata-se de mais do que um simples registro dos fatos. Requer também integridade
moral. É por isso que o Buda enfatizava a virtude como pré-condição para a sabedoria e
declarou que o princípio de virtude mais elevado é o preceito contra a mentira. Se você não
adquirir o hábito de admitir as verdades desconfortáveis, a verdade como um todo evadir-se-
á.

O segundo propósito dessa reflexão é enfatizar o poder das suas ações. Você vê que as suas
ações representam a diferença entre o prazer e a dor. Terceiro, você exercita a prática de
aprender com os seus erros sem sentir vergonha ou remorso. Quarto, você compreende que
quanto mais honesto você for na avaliação das suas ações, mais poder você terá para mudar
o seu modo de agir numa direção positiva. E por fim, você desenvolve boa vontade e
compaixão, considerando que você decidirá agir apenas com base em intenções que não
causem dano a ninguém e focar continuamente no desenvolvimento da habilidade de ser
inofensivo como a sua principal prioridade.

Todas essas lições são necessárias para desenvolver o tipo de sabedoria avaliadas no teste do
Buda para a sabedoria; e, no fim das contas, elas estão diretamente relacionadas com o
primeiro significado da vacuidade, como um método de meditação. Na verdade, esse tipo de
vacuidade toma simplesmente as instruções que Rahula recebeu para observar as suas ações
diárias e as amplia para a ação da percepção da mente.

A Vacuidade como um Método de Meditação

A vacuidade como um método de meditação é o mais básico dos três tipos de vacuidade. No
contexto deste método, a vacuidade significa “vazio de perturbações” – ou para colocar isso
em outras palavras, vazio de sofrimento. Você traz a mente para a concentração e depois
examina esse estado de concentração para detectar a presença ou ausência de perturbações
sutis, ou sofrimento, ainda presentes naquele estado. Ao encontrar uma perturbação, você a
segue até a percepção – o rótulo mental ou ato de identificação – na qual a concentração está
baseada. Então, você abandona aquela percepção por uma outra mais refinada, uma que
conduza a um estado de concentração com menos perturbação presente.

No discurso em que explica este significado de vacuidade (MN 121), o Buda ilustra a sua
explicação com um símile. Ele e Ananda estão num palácio abandonado que agora é um
silencioso monastério. O Buda diz para Ananda observar e apreciar que o monastério está
vazio das perturbações que continha quando era usado como palácio – as perturbações
causadas pelo ouro e prata, elefantes e cavalos, assembléias de mulheres e homens. A única
perturbação restante é aquela causada pela presença dos bhikkhus meditando em conjunto.

Tomando esse símile, o Buda deu início à descrição da vacuidade como um método de
meditação. (O símile é reforçado pelo fato de que a palavra em Pali para “monastério” ou
“residência” – vihara – também significa “atitude” ou “método”). Ele descreve um bhikkhu
meditando na floresta que está simplesmente notando para si mesmo que ele agora está na
floresta. O bhikkhu permite que a sua mente se concentre e desfrute dessa percepção,
“floresta.” Ele então retrocede mentalmente, observando e avaliando que esse modo de
percepção está vazio das perturbações que acompanham as percepções da vida no vilarejo
que ele deixou para trás. As únicas perturbações restantes são aquelas associadas à percepção,
“floresta” – por exemplo, quaisquer reações emocionais em relação aos perigos que a floresta
possa conter. Como referido pelo Buda, o bhikkhu vê com precisão quais perturbações não
estão presentes nesse modo de percepção; quanto às perturbações que restam, ele as vê com
precisão, “Isto está presente.” Em outras palavras, ele não adiciona e não elimina nada do que
ali está. Assim é como ele entra na vacuidade meditativa que é pura e não distorcida.

Depois, notando as perturbações presentes no ato de focar na “floresta,” o bhikkhu abandona


essa percepção e a substitui por uma percepção mais refinada, uma com menos potencial de
despertar perturbações. Ele escolhe o elemento terra, expelindo da sua mente todos os
detalhes das colinas e ravinas da terra, simplesmente tomando nota da sua qualidade terral.
Ele repete o processo aplicado na percepção da floresta – estabelecendo-se na percepção da
“terra,” desfrutando plenamente dela e depois retrocedendo para observar que as
perturbações associadas com a “floresta” desapareceram, enquanto que as únicas
perturbações presentes são aquelas associadas à unicidade da mente baseada na percepção,
“terra.”

Ele depois repete o mesmo processo com percepções ainda mais refinadas, estabelecendo-se
nos jhanas imateriais ou absorções meditativas: espaço infinito, consciência infinita, nada,
nem percepção, nem não percepção, e a concentração desprovida de objeto.

Por fim, vendo que mesmo essa concentração desprovida de objeto é fabricada e fruto da
vontade, ele abandona o seu desejo de continuar fabricando mentalmente alguma coisa.
Desse modo ele é libertado das impurezas mentais – desejo sensual, ser/existir, idéias e
ignorância – que poderiam fermentar num contínuo vir a ser. Ele observa que essa libertação
ainda contém as perturbações associadas ao funcionamento das seis bases sensuais, mas que
está vazia de todas as impurezas, de todo o potencial de mais sofrimento. Isto, conclui o Buda,
é a entrada na vacuidade pura e não distorcida, que é suprema e insuperável. É a vacuidade
na qual ele mesmo permanece e que, durante todo o tempo, nunca foi nem nunca será
superada.

Em cada ponto dessa descrição, a vacuidade significa uma coisa: vazio de perturbação ou
sofrimento. O meditador é ensinado a observar a ausência de perturbação como uma
realização positiva e de ver qualquer perturbação criada pela mente, não importando quão
sutil ela seja, como um problema para ser solucionado.

Quando você compreender a perturbação como uma forma sutil de dano, você verá as
conexões entre esta descrição da vacuidade e as instruções do Buda para Rahula. Ao invés de
tomar os seus estados meditativos como uma avaliação da sua identidade ou do seu valor
próprio – por ter desenvolvido um eu que é mais puro, mais expansivo, mais em harmonia
com o fundamento da existência – o bhikkhu encara aquilo simplesmente como ações e suas
conseqüências. E os princípios que aqui se aplicam, no nível meditativo, são os mesmos que
se aplicam aos conselhos do Buda para Rahula com relação à ação em geral.

Aqui, a ação é a percepção que suporta o seu estado de concentração meditativa. Você se
estabelece nesse estado ao repetir a ação de percepção continuamente até que esteja
perfeitamente familiarizado com ela. Assim como Rahula descobriu as conseqüências das suas
ações ao observar o dano óbvio causado para si mesmo e para os outros, aqui você descobre
as conseqüências da concentração naquela percepção, ao ver quanta perturbação surge da
ação mental. Ao perceber a perturbação, você pode mudar a sua ação mental, movendo a sua
concentração para uma percepção mais refinada, até que por fim você pode parar por
completo a fabricação de estados mentais.

No núcleo dessa prática meditativa encontram-se dois princípios importantes derivados das
instruções para Rahula. O primeiro é a honestidade: a habilidade para se libertar do
embelezamento ou negação que, sem adicionar nenhuma interpretação à perturbação
presente no momento, tampouco tenta negar o que está ali presente. Uma parte integral
dessa honestidade é a habilidade de ver as coisas simplesmente como ação e resultado, sem
lhes adicionar a presunção “Eu sou.”
O segundo princípio é a compaixão – o desejo de dar um fim ao sofrimento - considerando que
você continuará tentando abandonar as causas do sofrimento e das perturbações sempre que
você as encontrar. Os efeitos dessa compaixão se estendem não só até você, mas até os outros
também. Quando você não se sobrecarrega com o sofrimento, é menos provável que você seja
um fardo para os outros; você também estará em melhor posição para ajudá-los a carregar os
seus fardos quando for necessário. Dessa forma, os princípios de integridade e compaixão
estão na base até mesmo das expressões mais sutis da sabedoria que conduz à libertação.

Esse processo de desenvolvimento do vazio das perturbações não é necessariamente isento


de problemas e direto. Ele requer a força de vontade necessária para abrir mão de todos os
apegos. Porque um passo essencial para conhecer a percepção meditativa como uma ação é
aprender a se estabelecer nela, desfrutar dela – em outras palavras, apreciá-la por inteiro, até
o extremo do apego. Esse é um dos papéis da tranqüilidade na meditação. Se você não
aprender a desfrutar da meditação o suficiente para mantê-la com regularidade, você não se
familiarizará com ela. Se você não tiver familiaridade, o insight dos seus efeitos não irá surgir.

No entanto, a menos que você já tenha praticado usando as instruções para o Rahula, para
superar os apegos mais grosseiros, então, mesmo que você experimente o insight das
perturbações causadas pelo seu apego à concentração, faltará integridade ao seu insight.
Como você não teve nenhuma prática em relação aos apegos mais óbvios, você não será capaz
de se libertar dos apegos mais sutis de uma forma confiável. Você primeiro precisa
desenvolver o hábito de observar as suas ações e as suas conseqüências, acreditando com
firmeza, com base na experiência, no valor de abster-se do mal ainda que sutil. Só então você
terá a habilidade necessária para desenvolver a vacuidade como um método de meditação de
um modo puro e não distorcido, que irá conduzi-lo por todo o caminho até o objetivo
almejado.

A Vacuidade como um Atributo dos Sentidos e dos seus Objetos

A vacuidade como um atributo, quando usado como um ponto de partida para a prática,
conduz a um processo similar mas por uma rota diferente. Enquanto a vacuidade, como um
método de meditação, foca nas questões de perturbações e sofrimento, a vacuidade como um
atributo foca nas questões de eu e não-eu. E enquanto a vacuidade, como um método de
meditação, começa com a tranquilidade, a vacuidade como um atributo começa com o insight.

O Buda descreveu este tipo de vacuidade num discurso breve (SN XXXV.85). Novamente,
Ananda é o interlocutor, abrindo o discurso com uma pergunta: De que modo o mundo está
vazio? O Buda responde que cada um dos seis sentidos e os seus objetos estão vazios de um
eu ou algo que pertença a um eu.

O discurso não oferece explicações adicionais, mas discursos afins mostram que esse insight
pode ser colocado em prática de duas formas. A primeira é refletir sobre o que o Buda falou
sobre o “eu” e como as idéias de um eu podem ser compreendidas como formas de elaboração
mental. A segunda, que discutiremos na seção seguinte, é desenvolver a perceção de que
todas as coisas estão vazias de um eu como base para um estado de concentração refinada.
No entanto, como veremos, ambas as abordagens acabam no final conduzindo de volta ao uso
da primeira forma de vacuidade como um método de meditação para completar o caminho
para a iluminação.

Quando falava sobre o “eu,” o Buda se recusava a dizer se este existe ou não, mas dava uma
detalhada descrição de como a mente desenvolve a idéia de um eu como uma estratégia
apoiada sobre o desejo. Na busca pela felicidade, nós repetidamente agimos de um modo que
o Buda chamava de “fabricação de um eu” e “fabricação do meu” como formas de tentar
exercer controle sobre o prazer e a dor. Como a fabricação de um eu e a fabricação de um meu
são ações, elas se encaixam dentro do alcance das instruções do Buda para Rahula. Sempre
que agirmos dessa maneira, deveremos verificar se isso conduz à aflição; se assim for, então
deveremos abandoná-las.

Essa é uma lição que, num nível mais óbvio, aprendemos quando ainda criança. Se você disser
que é seu um doce que pertence à sua irmã, você irá se meter numa briga. Se ela for maior
que você, melhor você não dizer que o doce é seu. À medida que crescemos, muito da nossa
educação prática está situada no descobrimento de onde é benéfico criar um senso do “eu”
em torno de algo e onde não é.
Se você aprender a encarar a sua fabricação de um eu e fabricação do meu, sob a perspetiva
das instruções para Rahula, você irá em grande parte refinar esse aspeto da sua educação e
ao mesmo tempo se verá forçado a ser mais honesto, sábio e compassivo, vendo onde um
“eu” é um passivo e onde ele é um ativo. Num nível mais grosseiro, você irá descobrir que
enquanto há muitas áreas nas quais o “eu” e “meu” conduzem apenas a conflitos inúteis, há
muitas outras nas quais eles podem ser benéficos. A noção de “eu” que faz com que você seja
generoso e íntegro nas suas ações é um “eu” que vale a pena ser fabricado, digno de ser
dominado como uma técnica. Assim também é a noção de “eu” que pode assumir a
responsabilidade pelas suas ações e que está disposta a sacrificar um pequeno prazer no
presente por uma felicidade maior no futuro. Esse tipo de “eu,”com a prática, irá afastá-lo da
aflição e conduzi-lo a níveis crescentes de felicidade. Esse é o “eu” que em algum momento o
levará a praticar a meditação, pois você vê os benefícios a longo prazo, que provêm do
treinamento do seu poder de atenção plena, concentração e sabedoria.

No entanto, enquanto a meditação refina a sua sensibilidade, você começa a notar os níveis
sutis de aflição e perturbação que a fabricação de um eu e a fabricação do meu são capazes
de criar na mente. Eles podem fazer com que você se apegue a um estado de tranquilidade,
de tal modo que você ressinta quaisquer intrusões na “minha” tranquilidade. Eles podem fazer
com que você se apegue aos seus insights, de tal modo que você desenvolva orgulho pelos
“meus” insights. Isso pode ser um obstáculo para o progresso, pois a noção de “eu” e “meu”
podem impedi-lo de ver o sofrimento sutil sobre o qual estão baseadas a tranquilidade e o
insight. No entanto, se você se tivesse treinado nas instruções para Rahula, você valorizaria as
vantagens de aprender a ver até mesmo a tranquilidade e insight como vazios de qualquer
coisa que pertença ao eu. Essa é a essência do segundo tipo de vacuidade. Quando você
remove os rótulos de “eu” ou “meu” até mesmo dos seus próprios insights e estados mentais,
como você os vê? Simplesmente como ocorrências de sofrimento surgindo e desaparecendo
– perturbações surgindo e desaparecendo – sem adicionar ou eliminar nada. À medida que
você prosseguir com essa forma de perceção, você estará adotando o primeiro tipo de
vacuidade, como um método de meditação.

A Vacuidade como um Estado de Concentração


O terceiro tipo de vacuidade ensinada pelo Buda – como um estado de concentração – é em
essência uma outra forma de empregar o insight da vacuidade como um atributo dos sentidos
e dos seus objetos como um meio para alcançar a libertação. Um discurso (MN 43) descreve
isso da seguinte forma: um bhikkhu senta para meditar num local tranqüilo e de forma
intencional percebe os seis sentidos e os seus objetos como vazios de um eu ou daquilo que
pertença a um eu. Enquanto ele se dedica a essa percepção, isso não traz a mente diretamente
para a libertação, mas para o jhana imaterial da base do nada, que é acompanhado por forte
equanimidade.

Um outro discurso (MN 106) desenvolve ainda mais esse tema, observando que o bhikkhu
desfruta da equanimidade. Se ele permanecer só desfrutando dela, a sua meditação não irá
adiante. Mas se ele aprender a ver aquela equanimidade como uma ação – fabricada, produto
da vontade – ele poderá identificar o sofrimento sutil que isso implica. Se ele puder observar
esse sofrimento em si mesmo, surgindo e cessando, sem adicionar ou eliminar nenhuma outra
percepção, ele estará novamente adotando a vacuidade como um método de meditação.
Abandonando as causas de sofrimento onde quer que elas sejam encontradas na
concentração, ele por fim alcançará a forma mais elevada de vacuidade, livre de todas as
fabricações mentais.

A Sabedoria da Vacuidade

Portanto, os dois últimos tipos de vacuidade por fim acabam conduzindo de volta ao primeiro,
a vacuidade como um método de meditação – o que significa que os três tipos de vacuidade
acabam no final das contas conduzindo ao mesmo destino. Quer o tipo de vacuidade seja
interpretado com o significado de vazio de perturbações, (sofrimento), ou vazio de um eu,
quer estimule o insight através da tranquilidade ou a tranquilidade através do insight, todos
eles culminam numa prática que preenche as tarefas apropriadas a cada uma das quatro
nobres verdades: compreender o sofrimento, abandonar as suas causas, realizar a cessação
e desenvolver o caminho para essa cessação. O cumprimento dessas tarefas conduz à
libertação.
O que é distinto neste processo é o modo como ele evolui dos princípios da ação-purificação
que o Buda ensinou para Rahula, aplicando esses princípios a cada passo da prática do mais
elementar ao mais refinado. Como disse o Buda para Rahula, esses princípios são o único meio
possível através do qual a purificação pode ser alcançada. Embora a maioria das explicações
deste enunciado definam a purificação como pureza de virtude, a explicação do Buda sobre a
vacuidade, como um método de meditação, mostra que a purificação neste caso também
significa a pureza da mente e a pureza da sabedoria. Todos os aspetos do treinamento são
purificados ao vê-los como ações e suas consequências. Isso ajuda a desenvolver a integridade
que está disposta a reconhecer as ações inábeis e a boa vontade madura que permanece
objetivando consequências que impliquem cada vez menos em dano, perturbação e
sofrimento.

É nisso que este tipo de vacuidade difere da definição metafísica de vacuidade como sendo a
“ausência de existência inerente.” Enquanto a perspetiva metafísica da vacuidade não
necessariamente envolve integridade - visto que é uma tentativa de descrever a realidade
última da natureza das coisas e não de julgar ações – esta abordagem da vacuidade requer um
julgamento honesto das suas ações mentais e dos seus resultados. A integridade é dessa
maneira parte essencial dessa habilidade.

Desse modo, os níveis mais elevados de discernimento e sabedoria evoluem não do tipo de
conhecimento fomentado pelos debates e pela análise lógica, nem do tipo fomentado pela
pura atenção ou a mera notação, mas do conhecimento fomentado pela integridade,
desprovido de presunção, unido à compaixão e boa vontade.

A razão disso é tão óbvia que com frequência passa despercebido: se você quer dar um fim ao
sofrimento, precisa da compaixão para ver que esse é um objetivo que vale a pena e da
integridade para reconhecer o sofrimento que você causou no passado desnecessariamente e
por negligência. A ignorância, que faz surgir o sofrimento, ocorre não porque você não tem
conhecimentos suficientes ou não é sofisticado filosoficamente o suficiente para entender o
verdadeiro significado da vacuidade. Ela provém da sua recusa em admitir que o que você está
claramente fazendo, diante dos seus próprios olhos, está causando sofrimento. É por isso que
a iluminação destrói a presunção: ela o desperta completamente da cegueira deliberada que
o manteve por todo o tempo cúmplice dum comportamento inábil. Essa é uma experiência
purificadora. A única coisa honesta a ser feita em resposta a essa experiência é abrir-se para a
libertação. Essa é a vacuidade que é superior e insuperável.

Ao formular o caminho para essa vacuidade sobre os mesmos princípios que suportam os
níveis mais elementares da ação-purificação, o Buda conseguiu evitar a criação de dicotomias
artificiais entre a realidade convencional e a realidade última, na prática. Por essa razão, esta
abordagem para a sabedoria última ajuda também a validar os níveis mais elementares.
Quando você entender, que a compreensão não distorcida da vacuidade depende de
habilidades que são desenvolvidas com a adoção de uma atitude responsável, honesta e gentil
em relação a todas as suas ações, é mais provável que você trará essa atitude para tudo aquilo
que você fizer – grosseiro ou sutil. Você dará mais importância a todas as suas ações e às suas
consequências, você dará mais importância à sua noção de integridade, pois você compreende
que essas coisas estão diretamente relacionadas com as habilidades que conduzem à completa
libertação. Você não pode desenvolver uma atitude descartável em relação às suas ações e
respetivas consequências, pois você estará jogando fora a sua oportunidade para uma
felicidade verdadeira e incondicional. As habilidades que você precisa para se convencer a
meditar numa manhã escura e fria, ou para resistir a um trago numa tarde preguiçosa, são as
mesmas que no final das contas irão assegurar a realização não distorcida da paz mais elevada.

Assim é como os ensinamentos do Buda sobre a vacuidade nos encorajam a exercitar a


sabedoria em tudo aquilo que fizermos.

As Moradas Divinas e o seu Aperfeiçoamento


(Brahma-vihara)

O caminho em direção ao objetivo passa pelo que chamamos de Moradas Divinas, onde as
emoções profundamente enraizadas são transformadas de inábeis e prejudiciais em hábeis e
benéficas de acordo com o Dhamma. Como já foi enfatizado acima, o objetivo de uma pessoa,
bem como de todos os seres, é conquistar condições que produzam a felicidade. Portanto, a
pessoa deve agir de tal forma que a felicidade resulte das suas ações. A pessoa deveria, nesse
caso, tratar os outros da maneira como ela gostaria de ser tratada, pois cada ser vivo tem
muita estima por si mesmo e deseja o seu próprio bem-estar e felicidade. A pessoa não pode
esperar ter uma felicidade isolada que surja sem uma causa ou que não surja de si mesma,
nem a felicidade pode ser esperada se alguém maltrata outros seres, humanos ou não. Todos
os seres desejam a vida e temem a morte, sendo isso verdadeiro tanto para nós como para as
outras criaturas.

Somente uma pessoa, que conduz a sua vida com dignidade e compaixão constantemente,
tem realmente estima por si mesma, pois ela pratica ações que produzem grandes benefícios,
grande felicidade. Outras pessoas, embora pensem que têm estima por si mesmas, são na
verdade os seus piores inimigos, pois elas fazem para si mesmas aquilo que apenas um inimigo
lhes desejaria.

A boa conduta depende de uma mente bem treinada que gradualmente se libertou das garras
da cobiça, da raiva e da delusão. Ter tanta estima pelo próximo quanto verdadeiramente se
tem por si mesmo é fácil de falar mas difícil de fazer. É um mérito particular dos ensinamentos
do Buda sempre indicar como um método deve ser traduzido em experiência, o método neste
caso é o treinamento da mente nas Moradas Divinas. Quando mencionamos "mente", essa
palavra deve ser compreendida não no sentido restrito dos processos intelectuais, mas,
particularmente, ela deve incluir o escopo completo da mente-coração, intelecto e emoções.

Existem quatro estados que pertencem às Moradas Divinas: amor bondade, compaixão,
alegria altruísta e equanimidade. Esses, e especialmente o primeiro, são objetos de meditação
muito populares nos países Budistas. O que segue é uma breve explicação de cada um.

Amor bondade (metta) é um amor altruísta estendido a todos. Isto se torna fácil quando as
absorções (jhanas) são conquistadas e só então a qualidade do amor bondade se torna uma
parte integral do caráter da pessoa. Da forma como as coisas normalmente são, as pessoas
apenas "amam" aquelas poucas pessoas às quais estão especialmente ligadas por laços de
família, etc. Esse é o tipo de amor com apego sensual, um amor limitado, e aqueles que se
encontram fora desse amor ou são ignorados ou não se gosta deles. O amor sensual, portanto,
não somente está ligado ao apego (cobiça) mas também à raiva e à delusão, de forma que a
pessoa que está satisfeita com esse amor paga um alto preço por ele. Um amor sem apego
dificilmente pode ser concebido por muitas pessoas, mas esse tipo de amor é muito superior
ao anterior, não tendo apego ele pode se tornar infinito e não precisa estar confinado a este
ou aquele grupo de seres. Como ele pode se tornar infinito, sem deixar ninguém de fora, não
surge a questão das três raízes inábeis e prejudiciais estarem vinculadas a ele.

O amor bondade pode ser desenvolvido gradualmente a cada dia como parte da prática de
meditação, mas para ser realmente eficaz ele precisa se mostrar na vida diária da pessoa. Ele
torna a vida mais fácil transformando as pessoas que antes eram antipáticas e odiadas em
indiferentes, inicialmente, mas depois, à medida que a prática vai se fortalecendo, em objetos
para o surgimento do amor bondade. É o remédio do Buda para a enfermidade da raiva e da
antipatia. Finalmente, o amor bondade tem dois inimigos: o “próximo", que é o apego sensual,
com frequência denominado de "amor" de forma incorreta, enquanto que o inimigo "distante"
do seu desenvolvimento é a má vontade. No desenvolvimento do amor bondade é necessário
tomar cuidado com os dois.

Compaixão (karuna) é sensibilizar-se em relação aos sofrimentos de outros seres no mundo.


A compaixão supera a indiferença insensível para com os infortúnios dos seres que sofrem,
humanos ou não. Da mesma forma, mostra-se na vida diária de uma pessoa através da
vontade de sair da sua rotina para proporcionar ajuda aonde for possível e de auxiliar aqueles
que se encontram em aflição. Tem a vantagem de reduzir o próprio egoísmo pela
compreensão dos sofrimentos dos outros. É o remédio do Buda para a crueldade, pois como
alguém pode causar dano aos outros tendo visto o quanto eles estão sofrendo? A compaixão
também tem dois inimigos: o "próximo" que é a simples pena ou dó; enquanto que o inimigo
"distante" é a crueldade.

Alegria altruísta (mudita) é alegrar-se com os outros pelos seus êxitos, ganhos e felicidade. A
alegria altruísta supera a atitude de rancor em relação aos outros e a inveja que pode surgir
ao saber da alegria dos outros. Mostra-se na vida de uma pessoa como uma alegria espontânea
no momento exato em que ela toma conhecimento de que outras pessoas obtiveram algum
tipo de ganho, material ou imaterial. Tem a vantagem de fazer com que a pessoa seja franca
com as demais e elimina a dissimulação. Uma pessoa que desenvolve a alegria altruísta atrai
muitos amigos que lhe são devotados e com eles e os demais ela vive em harmonia. É o
remédio do Buda para a inveja e o ciúme que podem ser completamente inibidos. Os dois
inimigos da alegria altruísta são a simples alegria pessoal ao refletir sobre os próprios ganhos
- esse é o inimigo "próximo"; enquanto que o "distante" é a aversão ou o descontentamento.

Equanimidade (upekkha) deve ser desenvolvida para lidarmos com situações difíceis cuja
mudança, deveríamos admitir, está acima das nossas forças. A equanimidade supera a
preocupação e a distração inúteis em relação a assuntos que, ou não dizem respeito à pessoa,
ou não podem ser mudados por ela. Deve aparecer na vida diária da pessoa como uma
habilidade para enfrentar situações difíceis com tranquilidade e paz mental imperturbável. A
vantagem no seu desenvolvimento é que simplifica a vida com o desligamento de atividades
inúteis. É o medicamento do Buda para a distração e a preocupação e os seus inimigos são a
pura indiferença, que é o inimigo "próximo"; enquanto que a cobiça e o seu parceiro
ressentimento, que envolvem a pessoa de maneira inábil em tantos assuntos, são os seus
inimigos "distantes".

A mente que praticou bem essas quatro virtudes e depois treinou bem o seu uso na vida diária,
já conquistou muito.

Três das perfeições (parami), ou qualidades, praticadas por muitos Budistas que aspiram à
Iluminação também podem ser esboçadas a seguir, já que elas também possuem uma
influência profunda na prática da meditação.

A Paciência e seu Aperfeiçoamento


(Khanti-parami)

A paciência é uma excelente qualidade, muito elogiada nas escrituras Budistas. Ela pode ser
desenvolvida com facilidade apenas se a inquietação e a raiva já estiverem subjugadas na
mente, tal como é feito na prática de meditação. A impaciência, que tem a tendência de fazer
com que a pessoa se apresse muito e por isso perca muitas oportunidades boas, resulta da
inabilidade em ficar parado e permitir que as coisas se resolvam por si mesmas - o que algumas
vezes pode ocorrer sem que alguém tenha que intervir. A pessoa paciente acaba obtendo
muitas coisas de graça que não são obtidas pela pessoa empreendedora. Uma delas é uma
mente tranqüila, pois a impaciência agita a mente e traz consigo as conhecidas enfermidades
decorrentes da ansiedade do mundo moderno dos negócios. A paciência tolera em silêncio - é
essa qualidade que faz com que ela seja tão valiosa no treinamento mental e particularmente
na meditação. Não há motivo para esperar a iluminação instantânea depois de cinco minutos
de prática. O café pode ser instantâneo, mas a meditação não é e só haverá dano ao tentar
apressá-la. Ao longo dos anos o lixo foi se acumulando, uma pilha enorme de lixo mental, e
então quando alguém começa a removê-lo com uma pequena colher de chá, com que rapidez
pode-se esperar que ele irá desaparecer? A paciência é a resposta acompanhada pela energia
decidida. O meditador paciente realmente obtém resultados duradouros; aquele que busca
"métodos rápidos" ou "iluminação instantânea" está condenado por sua própria atitude a um
grande desapontamento. De fato, em pouco tempo deve ficar claro para qualquer um que
investigue o Dhamma, que esses ensinamentos não servem para as pessoas impacientes. Um
Budista enxerga a sua vida atual como algo breve, talvez com uma duração de oitenta anos,
mais ou menos, e a última das inúmeras vidas vividas até agora. Tendo isto em mente, ele
determina fazer o máximo que possa nesta vida para alcançar a Iluminação. Mas ele não
superestima a sua capacidade; ele calmamente e pacientemente segue vivendo o Dhamma no
dia a dia. Precipitar-se em direção à Iluminação (ou àquilo que a pessoa pensa ser), é como um
touro em uma loja de cristais, ele não irá fazer muito progresso, isto é, exceto se a pessoa for
de uma natureza excepcional que seja capaz de suportar esse tipo de tratamento e, o mais
importante, que seja dedicada a um mestre de meditação bastante habilidoso. Com paciência
a pessoa não irá se magoar, mas irá seguir pelo caminho de maneira cuidadosa, passo a passo.
Aprendemos que um Bodisatva está bem consciente disso e que ele cultiva a sua mente com
essa perfeição de forma que ele não seja perturbado por nenhuma das ocorrências
desagradáveis comuns neste mundo. Ele decide que será paciente com as condições externas
- não se perturbando se o sol estiver demasiado quente ou o clima demasiado frio. Ele não
ficará agitado se outros seres atacarem o seu corpo, tal como insetos e mosquitos. Nem ficará
perturbado quando as pessoas disserem palavras grosseiras, mentiras ou insultos a seu
respeito, quer seja diretamente ou pelas costas. A sua paciência não se abala nem mesmo
quando o seu corpo for submetido ao sofrimento, golpes, paus e pedras, torturas e até mesmo
a própria morte; ele irá suportar tudo isso firmemente, tão inabalável é a sua paciência. Aos
monges Budistas se recomenda praticar da mesma forma.

Na tradição Budista a perfeição da paciência é particularmente mais conhecida do que as


outras. Isso se deve ao exemplo dado em uma extraordinária História de Nascimento (Jataka).
A História do Nascimento de Khantivadi (O Mestre da Paciência)[2] deve ser lida com
freqüência e ser objeto de profunda e freqüente reflexão. Somente uma pessoa
excepcionalmente nobre, neste caso Gotama, em uma das suas vidas anteriores, quando ele
era chamado de o Mestre da Paciência, chegou a exortar um monarca enraivecido e bêbado
que devido à sua raiva enciumada vagarosamente esquartejava o seu corpo. O Bodisatva
possuía esse tipo de nobreza e essa nobreza, tolerância constante e benevolência, é exigida
de todos que tentam alcançar o objetivo da Iluminação.

A Energia e o seu Aperfeiçoamento


(Viriya-parami)

Assim como é inconcebível a Iluminação se a pessoa não tiver paciência, a Iluminação


também não pode ser alcançada sem esforço. O Dhamma nunca encoraja a doutrina do
fatalismo e os verdadeiros Budistas nunca pensam que os eventos sejam rigidamente
predeterminados. Esse tipo de fatalismo é combatido pela própria atenção plena e pela
própria energia. Esta perfeição é a contrapartida da anterior e é equilibrada pela prática,
ambas asseguram que o Budista sincero nem aceitará passivamente aquilo que ele deve
combater, nem se precipitará perturbando a si mesmo e aos outros quando ele deveria ter
paciência. Deveria ser mencionado aqui, como aviso, que no mundo Budista podem ser
encontrados um grande número de "métodos" que aparentam prometer as riquezas do
Dhamma num piscar de olhos. A pessoa ouve comentários do tipo, "Qual a utilidade de livros
e estudo?" Ou mesmo, "O desenvolvimento da concentração é uma perda de tempo! A pessoa
deveria apenas praticar vipassana." Esse tipo de abordagem tendenciosa não reflete a
sabedoria do Buda, que sempre ensinava a necessidade de um
desenvolvimento equilibrado da mente. Livros e o seu estudo são úteis para algumas pessoas
que desejam obter uma boa base daquilo que o Buda realmente disse, antes de adotar uma
prática mais intensiva. Quanto à outra afirmação, nenhum insight verdadeiro (apenas idéias
deludidas) irão surgir na pessoa cuja mente não experimenta a concentração. Idéias como
essas, que usualmente estão baseadas em alguma experiência peculiar dos "mestres" que as
originam, são capazes de enganar a muitos, já que o desejo por resultados rápidos, combinado
com a antipatia pelo trabalho duro necessário, são facilmente estimulados. Tem que haver
paciência para aceitar que as condições requeridas para obter sucesso na meditação (tal como
descrito aqui) têm que ser satisfeitas e que o único resultado, se assim não for feito, será
desviar-se do Caminho. O meditador se dedica com firmeza a qualquer tarefa que tenha que
desempenhar e ao concluí-la, não se sente cansado mas imediatamente toma um novo
objetivo.

Com respeito a isso, é interessante que há dois tipos de cansaço: aquele relativo à exaustão
física e o outro tipo que é induzido mentalmente e que envolve os fatores inábeis e prejudiciais
da preguiça e do torpor. Enquanto que o primeiro é obviamente inevitável, o último ocorre
apenas quando a raiz inábil e prejudicial da delusão (ou embotamento) se torna predominante
na mente. Isso ocorre quando há uma situação que é desagradável para "mim", não desejada
e da qual "eu" quero escapar. As pessoas se queixam que ficam muito mais cansadas ao
praticar meditação sentada intensamente do que quando por exemplo se dedicam a uma
leitura pesada. Quando o eu se sente ameaçado por um evento que poderá revelá-lo, então
esse eu, enraizado na ignorância, cria uma densa névoa de torpor que tem sua origem na
delusão. Por outro lado, muitos que têm praticado muita meditação observam que já não
precisam dormir tanto quanto antes, enquanto que a energia, quando se torna uma perfeição
tal como praticada pelo Bodisatva, é totalmente natural e não forçada.

Esta perfeição é ilustrada pela história do líder de uma caravana que salvou os mercadores,
homens e animais confiados ao seus cuidados, através da ação vigorosa. Quando outros teriam
se entregado à morte, já que a caravana havia tomado um caminho errado no deserto e todos
os suprimentos estavam exauridos, o líder forçou um deles a que cavasse em busca de água,
que foi encontrada. Dessa forma, em uma vida passada Gotama, como o líder da caravana, fez
esforço não somente pela sua própria vida mas também pelo bem estar dos outros. Os monges
também são chamados de "líderes de caravana" em muitos textos das escrituras em Pali,
mostrando que não é somente o Buda ou um Bodisatva que é capaz de guiar outros. Se
conduzirmos o nosso treinamento com energia então nós também teremos energia para o
progresso dos outros. Muitas outras histórias como essa podem ser encontradas nos textos
Budistas mostrando o quão necessária é a energia, da qual nascem a persistência e a
determinação para ver aquilo que é verdadeiramente real, Nibbana.

A Concentração e o seu Aperfeiçoamento


(Samadhi-parami)

Tomando em conta os significados dessa palavra em conjunto com outros termos


especializados como desenvolvimento da
mente (bhavana), absorções (jhana), insight (vipassana), unicidade da mente em um só
ponto (ekaggata) e exercício de meditação (kammatthana), poderemos agora examinar o que
constitui a concentração perfeita. O que distingue particularmente a boa prática Budista, quer
seja de um Bodisatva ou não, daquela de um meditador comum, (de qualquer religião), é que
este último irá muito provavelmente se apegar firmemente aos prazeres que ocorrem nos
níveis superiores do reino da esfera sensual, ou aos puros prazeres do reino da matéria sutil
e, como resultado, irá renascer em um desses estados divinos. Se uma pessoa se deixar
aprisionar em um desses destinos, onde os prazeres e alegrias são muitos e os sofrimentos
mínimos, então é improvável que ela venha ser capaz de gerar a energia necessária para o
aperfeiçoamento da sabedoria. Por isso, o bom meditador se torna proficiente nas absorções,
(de forma que ele possa penetrá-las quando quiser e emergir quando quiser), sem no entanto
apegar-se a elas. Mas deve-se notar que isso se aplica apenas ao meditador habilidoso que já
conquistou as absorções. Se alguém ainda não alcançou esses níveis, então a aspiração
ardente, não o desapego, será a atitude correta.

Depois que essas absorções tenham sido alcançadas, elas podem ser examinadas como
impermanentes, insatisfatórias e desprovidas de um eu ou
alma, (aniccam, dukkham, anatta), nesse momento o desapego em relação às absorções irá
surgir naturalmente e o insight, (vipassana), será experimentado. As absorções, (e os poderes
que podem surgir em conexão com elas), são portanto, no método Budista de treinamento,
nunca um fim em si mesmas mas são sempre usadas para promover o insight e a sabedoria
que surgem quando a mente concentrada toma a tarefa de examinar a mente e o corpo para
conhecer de forma completa as suas características.

Uma história que exprime o significado desta perfeição é a vida de Kuddalamuni. O seu nome
significa o sábio do Alvião e ele era assim chamado devido à dificuldade que tinha para livrar-
se do seu apego ao seu alvião. Em muitas ocasiões ao deixar a sua casa com a intenção de
meditar na floresta, ele era arrastado de volta pela memória do seu alvião e da sua antiga
ocupação de agricultor. Um dia, refletindo acerca da inconstância com a qual ele se dedicava
à meditação, ele tomou o seu alvião e girando-o sobre a sua cabeça o arremessou nas
profundezas do Ganges. Tendo feito isso, ele explodiu com um grande grito de alegria. O rajá
local, que estava passando por ali com o seu exército, enviou um homem para investigar
porque aquele agricultor estava tão feliz, o sábio replicou relatando a sua experiência. O rajá
e muitos outros ficaram muito impressionados com a resposta e alguns o seguiram para se
dedicar à vida meditativa na floresta, depois do que, nos contam, todos faleceram para
experimentar a vida no reino da matéria sutil. O sábio do alvião que não era outro que Gotama
em uma vida passada, exibindo um outro aspecto da perfeição da meditação: a habilidade
para treinar outros na meditação após ele mesmo ter obtido proficiência nela.

Por fim, podemos acrescentar algumas notas resumidas sobre alguns dos perigos da prática
de meditação.
Perigos na Meditação

Enquanto a quantidade de formas que podem fazer com que um meditador se desvie do
caminho são muitas, as mencionadas abaixo merecem atenção especial devido à sua
ocorrência frequente. Primeiro, um perigo que nunca é demais enfatizar é a falta da motivação
correta para a prática de meditação. Ao descrever o Nobre Caminho Óctuplo, na sua seção de
"sabedoria", imediatamente em seguida ao entendimento (inicialmente) intelectual correto,
vem a motivação (ou pensamento) correta, dessa forma enfatizando que as raízes emocionais
por trás da prática do Caminho devem ser hábeis: aquelas conectadas com a renúncia
(ausência de cobiça), amor bondade (ausência de raiva) e não violência são mencionadas. Se
alguém começar a praticar a meditação Budista sem o entendimento correto de dukkha e a
sua cessação e sem a motivação correta, então a meditação estará sujeita a seguir por
caminhos completamente errados.

Existem aqueles, por exemplo, que iniciaram a prática de meditação como forma de obter
poderes, para que pudessem facilmente influenciar ou hipnotizar os discípulos. Outros a viram
como uma maneira rápida de obter tanto discípulos como riquezas. A fama também pode ser
um motivo torpe. Tudo isso tomado como motivação para a meditação, pode facilmente
conduzir aquele que é descuidado à enfermidade e às vezes ao desequilíbrio mental. Não
existe nada pior na meditação Budista, onde a própria experiência pessoal é de suma
importância, do que um discípulo cru que se apresenta como um mestre.

Isto obviamente conduz a um outro tipo de perigo - o orgulho, do qual existem várias formas.
Uma delas é o orgulho da pessoa que viu manifestações de luz durante a meditação e supõe
que esse seja um sinal que antecede a absorção mental. Depois existe o orgulho daquele que
toca uma absorção mental apenas por um instante e como resultado assume que se tornou
um dos Nobres e isso pode ser um poderoso fator para convencer a si mesmo e até mesmo
aos outros. Pessoas comuns que se dedicam à meditação devem tomar cuidado com atitudes
de exibição de virtudes superiores: "Eu faço o esforço, enquanto que você…" ou, "Eu medito
todos os dias, enquanto que você…" O orgulho é um grande obstáculo a qualquer progresso e
na medida que somente um Buda ou Arahant está totalmente livre disso, cada um deveria ter
a atenção plena para manter o orgulho sob controle.

Relacionado a isso, existe o perigo para aquela pessoa que sempre está à procura do chamado
progresso. Ela está segura que está fazendo "progresso" porque na meditação ela vê luzes,
ouve sons, ou sente sensações estranhas. Ela se torna cada vez mais fascinada por essas
ocorrências à medida que o tempo passa e gradualmente se esquece de que começou com a
aspiração de encontrar o caminho para a Iluminação. A sua "meditação" então degenera para
visões e ocorrências estranhas, conduzindo-a para as esferas do ocultismo e da magia. Não
existe maneira mais segura do que esta para um meditador ficar confuso. A despeito de que
tais manifestações possam ser fascinantes, elas devem ser eliminadas com vigor lançando-se
mão da atenção plena, nunca permitindo que o pensamento discursivo a seu respeito surja e
assim evitando essas distrações.

Entre as "visões" que podem ocorrer, quer sejam internas (produzidas pela própria mente) ou
externas (produzidas por outros seres), alguns meditadores podem ter uma experiência
atemorizante, tal como uma visão do próprio corpo reduzido a ossos ou inchado como um
cadáver em decomposição. Se ocorrer uma experiência dessas, ou outras semelhantes, a
pessoa deve arrancar a mente da visão imediatamente, na hipótese de que ela não possua um
mestre. Visões atemorizantes que algumas pessoa experimentam podem ser muito úteis se
utilizadas da forma correta, mas sem a orientação de um mestre elas devem ser evitadas.

Um outro perigo é tentar meditar enquanto a pessoa ainda está insegura emocionalmente,
desequilibrada ou imatura. Compreender o valor de ações meritórias ou habilidosas pode ser
muito útil nesses casos. Como o mérito purifica a mente, é uma base excelente para o
desenvolvimento da mente e, ambos, a facilidade com que as absorções são alcançadas e a
facilidade com que o insight surge estão até certo ponto na dependência do mérito. Ações
meritórias não são difíceis de serem encontradas na vida. Elas são o núcleo da boa vida
Budista: donativos e generosidade, seguir os preceitos, ajudar e prestar serviços aos outros,
reverência, ouvir o Dhamma de todo coração, fazer com que o entendimento do Dhamma seja
correto, todas essas e muitas outras são ações meritórias que trazem a felicidade e maturidade
emocional. O Mérito, a pessoa deve se lembrar sempre, abre portas em todos os lugares. Cria
possibilidades, gera oportunidades. Ter uma mente que está todo o tempo focada em realizar
mérito é ter uma mente que poderá ser treinada no desenvolvimento das absorções e do
insight.

Obviamente que tentar praticar a meditação e ao mesmo tempo continuar mantendo os


antigos desejos, gostos e desgostos, é, no mínimo, dificultar o caminho, se não torná-lo
perigoso. A meditação implica em renúncia, e nenhuma prática terá êxito a não ser que a
pessoa esteja, no mínimo, preparada para fazer esforços para refrear a cobiça e a raiva,
controlar a luxúria e entender quando a delusão estiver obscurecendo o coração. Até que
ponto a renúncia é adotada e se isso envolve mudanças externas (tal como tornar-se um
monge ou monja), depende muito da pessoa e das suas circunstâncias, mas uma coisa é certa:
a renúncia interna, caracterizada pela atitude de desistência dos eventos mentais inábeis e
prejudiciais e da entrega aos prazeres corporais, são absolutamente essenciais.

Com freqüência, conectado aos perigos acima, existe um outro que é encontrado quando uma
pessoa, repentinamente, tem uma oportunidade para se dedicar a um período mais longo de
meditação. Ela senta com uma firme resolução, "Agora irei meditar", e apesar da sua energia
nunca ter estado tão boa e apesar de ela sentar e sentar, caminhar e caminhar, ainda assim a
sua mente continua perturbada e sem paz. Pode muito bem ser que o seu intenso esforço
tenha muito a ver com as suas distrações. Além disso, ela tem que aprender que é necessário
meditar conhecendo as limitações do seu caráter. Da mesma forma como um trabalhador
conhece os limites da sua força e toma cuidado para não se exaurir, o mesmo cuidado possui
o meditador habilidoso. Através da atenção plena a pessoa deve saber quais são os extremos
da preguiça e do esforço que devem ser evitados.

É provocando tensão ou forçando a prática da meditação que muitos estados emocionais


perturbados surgem. Explosões repentinas de raiva intensa por questões insignificantes,
desejos e luxúria intensos, delusões estranhas e fantasias ainda mais peculiares podem ser
produzidas pela prática árdua sem inteligência.
Com todos esses perigos, o que mais se necessita é um mestre para dar conselhos, de forma
que essas e outras direções erradas sejam evitadas e a pessoa se mantenha no caminho para
Nibbana. Aqueles que não possuem um mestre deveriam prosseguir com o máximo de cautela,
assegurando que o desenvolvimento da atenção plena seja realmente muito bom. Se tiverem
atenção plena e virem que apesar dos seus esforços, a sua prática de meditação não está
produzindo nenhuma diferença efetiva nas suas vidas em termos de uma maior paz interior,
ou externamente em relação aos outros, então é evidente que algo está errado. A meditação
pode ser deixada de lado durante algum tempo enquanto se faz um esforço para contactar
uma fonte de informação genuína, de preferência um mestre de meditação, enquanto isso,
deve-se atentar para problemas morais não resolvidos, pois até que eles sejam solucionados
não permitirão que a mente se desenvolva; e fazer um grande esforço para viver de acordo
com os padrões Budistas. Quando assuntos tão básicos desse tipo são negligenciados, a pessoa
não pode esperar realizar muito progresso na prática do Caminho do Meio.

Apêndice
40 Exercícios de Meditação
conforme relacionado no Caminho da Purificação (Visuddhimagga)

Se a pessoa não tem um mestre de meditação de quem possa solicitar um objeto de


meditação, então ela terá que contar com o seu próprio conhecimento sobre o seu caráter
para prescrever uma meditação adequada para si mesma. Existem quarenta exercícios de
meditação (kammatthana) registrados pelo eminente mestre Buddhaghosa como sendo
adequados para certos tipos de caráter. Para efeitos de meditação, ele considera seis tipos de
caráter: fiéis, inteligentes e especulativos (aqueles em que as raízes hábeis e benéficas da
ausência de cobiça, ausência de raiva e não delusão são dominantes de formas variadas); e
cobiçosos, raivosos e deludidos (em que as raízes inábeis e prejudiciais da cobiça, raiva e
delusão são dominantes). Existem dois problemas com essa classificação: primeiro, tipos
"puros" são raramente encontrados, sendo que a maioria das pessoas são mesclas de dois ou
mais tipos - e além disso uma mescla em constante mutação; e segundo, é particularmente
difícil julgar a qual classe pertence o caráter de uma pessoa já que a sua delusão e o orgulho
são capazes de nublar a sua capacidade de julgamento. Esse é um assunto aparentemente sem
importância no qual o valor de um mestre de meditação pode ser enxergado com facilidade.
No entanto, a pessoa pode aprender muito sobre si mesma, ao estar plenamente atenta no
momento em que algum evento inesperado ocorra. Nesse momento a pessoa pode identificar
a sua reação e as contaminações que estão presentes na mente. Julgamentos subseqüentes
não valem muito já que nesse momento a mente já estará convencida com as suas próprias
justificativas e outros tipos de distorções acerca do evento original.

Abaixo encontra-se a lista dos quarenta exercícios de meditação com algumas notas sobre a
sua prática, os tipos de caráter que se beneficiam e os tipos de contaminações que são
combatidas por cada um. Os exercícios de meditação usados com mais freqüência estão
indicados com um asterisco (*).

Dez Kasinas (esferas, lit: totalidades)

1. terra
2. água
3. fogo
4. ar
5. azul
6. amarelo
7. vermelho
8. branco
9. luz *
10. Espaço limitado

5-8 recomendados para a prática de personalidades enraivecidas devido às suas cores puras e
agradáveis.

Exceto pelos itens 5-8, nenhuma mácula moral em particular é contraposta por estas dez
kasinas. Como elas devem ser desenvolvidas através do olho, elas não são adequadas para
quem tenha a visão débil (de acordo com Buddhaghosa).
A única das dez kasinas que parece ser muito praticada atualmente é a kasina da luz, que
algumas pessoas descobrem surgir com bastante naturalidade ao começar concentrar a
mente. Apesar de que as explicações de Acariya Buddhaghosa no Caminho da
Purificação tendem a enfatizar a importância de se usar recursos externos para a prática
(como fazer a kasina da terra é descrito em grande detalhe), sempre que o autor ouviu sobre
o seu emprego (na Tailândia), elas foram sempre sob a forma de visões (nimitta) que surgem
internamente e são desenvolvidas a partir dessa base. Parece que a contemplação de uma
kasina externa é desconhecida na Tailândia.

Dez Tipos de Objetos Repulsivos (asubha)

11. O (cadáver) inchado contrapondo o deleite com a beleza das proporções


12. O lívido ... beleza das complexões
13. O supurado ... odores e perfumes
14. O esquartejado ... totalidade ou solidez
15. O consumido ... corpo bem provido de carnes
16. O disperso ... graça dos membros
17. O picado e disperso ... graça do corpo como um todo
18. O sangrento ... ornamentos e jóias
19. O infestado pelos vermes ... posse do corpo
20. O esqueleto ... ter ossos e dentes belos

11-20 recomendados para personalidades cobiçosas.

Estas e outras listas semelhantes no Satipatthana Sutta refletem uma época em que era
comum se desfazer dos cadáveres em cemitérios a céu aberto. Agora, no entanto, mesmo nos
países Budistas eles são difíceis de ser encontrados, sem falar nos países do Ocidente.
Atualmente, na Tailândia, os mestres enfatizam que o próprio corpo deve ser visto dessas
formas, como uma visão (nimitta), durante o processo de desenvolvimento da mente. Como
essas visões podem ser atemorizantes, a pessoa deve ter a orientação de um mestre hábil para
lidar com tais visões, quando então elas poderão ser de grande benefício. Deve ser enfatizado
aqui que não existe nada de mórbido na contemplação de visões como essas, interiores ou
exteriores. A decomposição do corpo é algo natural, mas normalmente não é visto assim
porque as pessoas não gostam de admitir isso. Ao invés de encarar a decomposição do corpo
e mostrá-la abertamente, os cadáveres são até mesmo preparados para parecerem atrativos
por embalsamadores e maquiadores e quando isso não pode ser feito, eles são arrumados em
bonitos caixões com flores resplandecentes, etc. O treinamento Budista faz com que a pessoa
olhe diretamente para esses aspectos da vida que normalmente (isto é, com cobiça) não são
considerados "bons", e faz com que a pessoa calmamente os encare em relação à sua própria
mente e corpo.

Dez Recordações (anussati)

21. sobre o Buda *


22. " o Dhamma
23. " a Sangha
24. " virtude (sila) ..... {contrapõe a contaminação (kilesa) da má conduta (duccarita)}
25. " generosidade ..... {contrapõe a mesquinhez (macchariya)}
26. " celestiais ..... {contrapõe a dúvida (vicikiccha)}
27. " morte ..... {contrapõe a preguiça}
28. " corpo * ..... {contrapõe a cobiça e a sensualidade (kama-raga)}
29. " respiração * ..... {contrapõe a delusão, preocupação}
30. " paz ..... {contrapõe a perturbação}

21-26 recomendado para os tipos de personalidade baseadas na fé


27 " " personalidades inteligentes
28 " " personalidades cobiçosas
29 " " personalidades deludidas/especulativas
30 " " personalidades inteligentes

Este grupo de dez possui características mais variadas do que os dois grupos anteriores. Ao
praticar as três primeiras recordações (21-23) a pessoa recita as listas das qualidades de cada
um. Ou, se a mente não ficar concentrada dessa forma, a pessoa escolhe uma qualidade em
particular para recitá-la silenciosamente e continuamente (tal como "Buddho" ou "Araham").
Rosários são usados em alguns lugares em conexão com este tipo de prática. As recordações
sobre virtude e generosidade são particularmente boas de serem cultivadas durante a velhice.
A pessoa revê todas as ações meritórias (puñña) praticadas ao longo da vida e ao recordá-las
a mente fica tranqüila e satisfeita, e tendo esse estado mental no momento da morte irá
assegurar um renascimento em condições muito favoráveis. A menos que tenha visto algum,
a pessoa somente poderá refletir sobre seres celestiais (deva) baseado na sua fama. Este tipo
de prática é adequada para aquelas pessoas que incrementaram o alcance das suas mentes e
dessa forma fizeram contato com outros seres mais sutis. A recordação sobre a morte pode
ser feita por personalidades inteligentes já que elas não ficarão atemorizadas pelas
possibilidades que este tipo de prática revela. É um grande incentivo praticar agora sabendo
que não existe certeza se daqui a um segundo a pessoa ainda estará viva. A recordação vinte
oito - sobre o corpo - é para personalidades cobiçosas, que precisam desenvolver desapego
em relação ao corpo. Isto é alcançado através da análise do corpo em trinta e duas partes
desprovidas de beleza e depois através da seleção de uma ou mais dessas partes e o seu
exame. No entanto, esta prática atinge a sua perfeição quando através do insight o corpo é
iluminado e os seus vários componentes são vistos com clareza e a sua natureza é
compreendida. A atenção plena na respiração é recomendada para acalmar e aclarar a mente
e pessoas de quase todos os tipos de temperamento podem praticá-la com benefício, embora
muito cuidado seja necessário nos níveis mais sutis desse exercício. A respiração nunca é
forçada mas observada constantemente com atenção plena, sendo que o ponto para a
concentração em geral é a ponta do nariz ou narinas. No entanto existem variações entre
mestres distintos. A recordação sobre a paz, diz o grande Acariya, somente beneficia quem já
experimentou Nibbana, tal como aqueles que já entraram na correnteza (sotapanna); mas
outras pessoas podem obter alguma calma através da recordação da tranqüilidade. A paz
mencionada nesse caso é na verdade Nibbana, e como uma pessoa não pode se recordar
daquilo que não conheceu, que é o caso de uma pessoa mundana (puthujjana), esta é uma
prática para os Nobres (ariya).

Quatro Moradas Divinas (Brahma-vihara)


31. amor bondade * ..... {contrapõe a impureza da raiva, má vontade}
32. compaixão ..... {contrapõe a indiferença insensível}
33. alegria altruísta ..... {contrapõe a inveja}
34. equanimidade ..... {contrapõe a preocupação}

31 recomendado para personalidades enraivecidas

Quatro Estados sem forma (arupa-bhava)

35. esfera do espaço infinito


36. " " consciência infinita
37. " " nada
38. " " nem percepção, nem não percepção

Estas absorções sem forma não podem ser desenvolvidas exceto se as quatro absorções da
forma já tiverem sido aperfeiçoadas. Diz-se que este grupo de quatro pode ser explorado com
base na quarta absorção (jhana). Como existe a possibilidade de que muito poucas pessoas
experimentem isto, seguimos adiante para:

Percepção do aspecto repulsivo da Comida

39. Enquanto isto é essencial para o bhikkhu que depende de alimentos esmolados (que
algumas vezes são bons outras não), as pessoas leigas também podem se beneficiar com esta
prática, que Acariya Buddhaghosa observou ser para personalidades inteligentes, e que está
projetada para diminuir e conduzir à destruição da cobiça e da gula.

Definição dos Quatro Grandes Elementos

40. Eles são a terra (solidez), água (coesão), fogo (temperatura), e ar (movimento), os quais
caracterizam os nossos corpos físicos. Esses elementos podem ser percebidos através de uma
análise baseada no uso da atenção plena. Se diz que esta prática é particularmente
aconselhada para as personalidades inteligentes.

Aquelas práticas que não fazem menção a um tipo de personalidade são adequadas para
todas. Como todas essas práticas possuem como objetivo o enfraquecimento e por fim a
destruição das contaminações (kilesa), a pessoa pode avaliar o quão importantes elas são
consideradas no treinamento Budista. Onde as contaminações são encontradas, ali a
penumbra da ignorância tem domínio, mas onde elas não são encontradas, ali brilha a
sabedoria e compaixão da Iluminação.

Vipassana Prática

Algumas vezes você poderá pensar que “estar com atenção plena o tempo todo” significa
colocar a atenção apenas naquilo que você estiver fazendo naquele momento em particular.
Isso, é claro, é o que toda pessoa que leva o seu trabalho a sério normalmente faz. Um artista,
pintor, escritor, cantor, compositor, pensador, orador, atirador, cozinheiro, etc. precisa
prestar atenção àquilo que está fazendo durante todo o tempo em que estiver engajado no
seu trabalho.

Não são só os seres humanos que fazem isso. Você deve ter notado como os gatos prestam
total atenção à sua presa para poderem capturá-la, sem cometer nenhum erro que possa
assustá-la. Tigres, leões, crocodilos prestam total atenção àquilo que estão fazendo para
capturar a sua presa. Pode ser que você tenha notado que as garças permanecem paradas
num único lugar por um longo tempo para agarrar um peixe. Cães pastores ficam totalmente
atentos aos movimentos das ovelhas para que possam correr com rapidez e dirigir o rebanho
na direção certa. Infelizmente nem o gato, a garça ou o cão pastor são capazes de remover a
sua cobiça, paixão, etc., ou cultivar um pouquinho que seja de insight prestando total atenção
aos seus objetos.

Prestar atenção ao que quer que seja que você esteja fazendo em todos os momentos não irá
eliminar o seu desejo, raiva e ignorância. Isso, na verdade, é exatamente o que você faz na
meditação da tranqüilidade ou concentração. Ao prestar atenção a uma coisa de cada vez não
será possível eliminar os irritantes psíquicos. Você pode focar a sua mente em apenas um
objeto durante cinqüenta anos e ainda assim a irritação psíquica na sua mente permanecerá
inalterada. Uma pessoa pode observar todas as regras de comportamento virtuoso. Uma outra
pode aprender de memória todas as escrituras. Outra ainda, pode obter a concentração. Outra
pode passar toda a sua vida em solidão. Todas elas podem pensar que serão capazes de
experimentar a libertação suprema de todos os irritantes psíquicos, que não está ao alcance
da pessoa comum. Mas nenhuma delas poderá ter esse tipo de experiência se não destruírem
todos os irritantes psíquicos. Então, em adição a tudo aquilo que elas praticam, elas também
precisam remover todas as suas impurezas psíquicas para que possam experimentar a
felicidade da emancipação de todos os tipos de dor.

O que fica faltando ao focar a total atenção num único objeto durante todo o tempo é a
sabedoria. A sua atenção plena deve estar combinada com a atenção com sabedoria ou
reflexão com sabedoria (yoniso manasikara). O que é atenção combinada com a reflexão com
sabedoria? É a atenção acompanhada pelas três raízes benéficas. O que são as três raízes
benéficas? Elas são a generosidade, o amor bondade e a sabedoria. Isso significa que quando
você prestar atenção em algo tente sempre colocar a sua atenção sem o desejo, raiva ou
delusão; com o pensamento de generosidade, amor bondade e sabedoria. Essas três são
chamadas de raízes benéficas; o desejo, a raiva e a delusão são chamadas de raízes
prejudiciais. Não permita que a sua mente seja influenciada pelas raízes prejudiciais ao prestar
atenção em algo. Deixe que os pensamentos de generosidade, amor bondade e sabedoria
dominem a sua mente enquanto estiver dando atenção a qualquer coisa.

Ao prestar atenção enquanto você lava as panelas, não é necessário pensar em termos de
generosidade, amor bondade e sabedoria em relação a elas. Você cultiva a atenção plena não
pelas panelas mas pelos seres vivos. Você deve prestar atenção a qualquer pensamento que
diga respeito a você ou a qualquer outro ser vivo. Aplique a reflexão com sabedoria ao vestir
a roupa, comer, beber, falar com alguém, ouvir um som, ver um objeto, caminhar ou dirigir.

Ao prestar total atenção refletindo com sabedoria, o seu desejo, raiva e delusão se diluem,
porque ao refletir com sabedoria a generosidade, amor bondade e sabedoria são ativados. Os
seus pensamentos de generosidade, amor bondade e sabedoria têm o poder de minimizar o
seu desejo, raiva e delusão em qualquer atividade que você esteja engajado. Ao prestar
atenção em algo, sem refletir com sabedoria, você poderá inadvertidamente desenvolver o
desejo, raiva e delusão. Você pode, por exemplo, ver um objeto. Aos seus olhos aquele objeto
pode parecer atraente, belo ou prazeroso ou ele pode não ser atraente. Naquele instante se
você não refletir com sabedoria, poderá acabar desenvolvendo o desejo ou aversão em
relação a ele ou poderá ter idéias absolutamente confusas a respeito dele. Ou poderá pensar
que o objeto é permanente ao invés de compreender que ele é impermanente; que traz a
satisfação ao invés da insatisfação; ou que possui um eu ao invés de estar desprovido de um
eu.

Você poderá então perguntar como é que os seus pensamentos generosos podem eliminar os
seus pensamentos desejosos, visto que estes querem se apegar ao objeto ou agarrá-lo. Ao
perceber o objeto com desejo, a sua mente se apega a ele e não aceita nenhum pensamento
no sentido de abandonar esse desejo. Pode ser que você não queira nem tirar os olhos do
objeto. Na verdade, naquele momento a sua mente fica cega a qualquer pensamento de
generosidade. Mesmo que queira soltar-se do apego ao objeto você assim o fará com grande
relutância. Você pode sentir que é generoso. Mas a sua generosidade servirá apenas para
satisfazer o seu propósito desejoso: como obter algo em troca, ou obter reconhecimento, ou
ficar famoso pela generosidade. O desejo possui um adesivo muito forte. Ao primeiro contato
com o objeto desejável a mente cola nele com rapidez. Soltar-se daquele objeto é tão doloroso
quanto cortar fora um membro ou algum pedaço do seu corpo, assim você não consegue soltar
o objeto da sua mente.

É quando você realmente precisa da atenção com sabedoria. É quando você precisa aprender
a ver a impermanência, insatisfação e ausência de um eu no objeto que você está observando.
A sua atenção com sabedoria indica que nem o objeto que você percebe nem a sua sensação
em relação ao objeto permanecem as mesmas, nem mesmo por dois momentos consecutivos.
Você não terá a mesma sensação mais tarde. Você muda, o objeto que você percebe muda.
Com a atenção com sabedoria você irá ver que tudo é impermanente. Esse entendimento da
impermanência permite que você se solte do seu ressentimento. Ao ver com sabedoria que
tudo aquilo que é insatisfatório é impermanente, você verá a conexão entre o desejo e o
insatisfatório. Como você está apegado a um objeto impermanente, você ficará desapontado
com as mudanças que ocorrem nele. Ao ver com sabedoria, verá que aquilo que é
impermanente e insatisfatório não possui um eu.
Então você poderá pensar “Ah! Como este objeto irá mudar, eu preciso ser rápido e esperto
para tirar vantagem deste objeto neste momento e obter minha satisfação tão rápido quanto
possível antes que ele desapareça. Amanhã ele não estará mais aqui.” Nesse caso você deve
se lembrar que a pressa é a inimiga da perfeição. Se você tomar decisões apressadas e fizer
algo tolo, irá se arrepender mais tarde. Algumas vezes você se sente atraído por uma pessoa,
por exemplo, e se empenha em conquistá-la sem dar muita atenção ao fato de que mais tarde
irá descobrir muitos defeitos nela. Nas decisões apressadas não existe atenção plena. Você
não pode vencer o processo de mudança, nem pode pará-lo tomando decisões apressadas e
tolas.

Quando a sua atenção plena está bem desenvolvida, então mesmo sob pressão você toma a
decisão acertada. A única coisa sensata a ser feita para vencer a impermanência é dar um
passo atrás e investigar a sua mente para ver se a decisão está sendo tomada com base na
sabedoria. Com a atenção plena você saberá como se beneficiar do momento presente de
forma a não se arrepender mais tarde. Qualquer decisão que você tome com atenção plena
fará com que você fique feliz e pacífico e nunca fará com que você se arrependa mais tarde.

Lembre-se sempre que a atenção plena é o estado mental pleno de generosidade, amor
bondade e sabedoria juntamente com a compaixão, alegria altruísta e equanimidade. Sempre
que você estiver prestando atenção em algo, você deve se perguntar se a sua mente contém
esses fatores. Se não contiver, você não está com atenção plena.

Com generosidade na mente você abandonará qualquer visão, som, aroma, sabor, tangível e
pensamento agradável sem hesitação. Você, seguramente, deverá reconhecê-los como
atraentes no sentido convencional. Compreenda que é devido à sua atratividade que as
pessoas se apegam a eles e se envolvem com eles. Quanto mais profundo for o envolvimento,
mais profundo será o sofrimento. Com amor bondade na mente você não tentará rejeitar
nenhuma visão, som, aroma, sabor, tangível e pensamento se eles não forem atraentes.
Com atenção plena compreenda que eles são impermanentes. Quando uma visão, som,
aroma, sabor, tangível ou pensamento parecer identificado com o eu, olhe para isso com
sabedoria como um conceito irreal, noções errôneas inculcadas na sua mente pelo
condicionamento ao longo de muitas gerações.

Atenção plena não é ter cuidado. Não é ser esperto. Qualquer pessoa pode ser cuidadosa e
esperta. Um equilibrista sobre o arame cem metros acima do solo é cuidadoso. Igual aos
acrobatas que realizam todo o tipo de façanhas. Os alpinistas que escalam montanhas
altíssimas com paredões inclinados, escorregadios, têm que ser muito cuidadosos. Muitos
ladrões são muito espertos e passam a perna na polícia. Muitos traficantes de drogas, ladrões
de bancos, criminosos são muito espertos. Não se pode considerar que nenhum deles tenha
atenção plena.

Atenção plena é o estado da mente que reflete sobre si mesma para não ser aprisionada pelo
desejo, raiva e ignorância que causam o sofrimento tanto para a própria pessoa como para os
outros ou ambos.

Quando dizemos para as pessoas que não cultivem o ressentimento, algumas pessoas nos
perguntam como podemos viver sem ressentimento? Esse é o milagre da atenção plena. Ao
praticar a atenção plena você aprende a fazer as coisas mais difícieis com facilidade. Não ficar
ressentido, desejoso ou confuso é muito dificil. Através do treinamento constante da atenção
plena você aprende a viver sem ressentimento, cobiça ou confusão. Por outro lado, estar com
a atenção plena é mais difícil do que estar sem a atenção plena. Mas você aprende a fazer o
que é mais difícil com facilidade, ao invés de fazer aquilo que é mais fácil. Por essa razão o
Buda disse:

Para o bom fazer o bem é fácil


Para o mau fazer o mal é fácil
Para o mau fazer o bem é difícil
Para o nobre fazer o mal é difícil

Isso significa que aquilo que é muito difícil no começo fica mais fácil através da prática
constante.
Definindo a Atenção Plena

O que significa ter atenção plena na respiração? Algo muito simples: manter em mente a
respiração. Continuemos lembrando da respiração sempre que inspiramos, sempre que
expiramos. O estudioso britânico que criou a expressão "atenção plena", (mindfulness), para
traduzir a palavra em Pali sati provavelmente foi influenciado pela prece Anglicana de estar
sempre atento às necessidades dos outros, em outras palavras, ter sempre as necessidades
destes em mente. Mas mesmo que a palavra "plenamente atento" tenha sido provavelmente
extraída de um contexto cristão, o próprio Buda definiu sati como a capacidade de lembrar,
ilustrando a sua função na prática da meditação com os quatro satipatthanas, ou fundamentos
da atenção plena.

“E o que, bhikkhus, é a faculdade da atenção plena? Neste caso, bhikkhus, o nobre discípulo
tem atenção plena, ele possui suprema atenção plena e discriminação, ele se recorda e lembra
aquilo que foi feito e dito há muito tempo. Ele permanece contemplando o corpo como um
corpo, ardente, plenamente consciente e com atenção plena, tendo colocado de lado a cobiça
e o desprazer pelo mundo. Ele permanece contemplando as sensações como sensações ... a
mente como mente ... os objetos mentais como objetos mentais, ardente, plenamente
consciente e com atenção plena, tendo colocado de lado a cobiça e o desprazer pelo mundo.
Essa é chamada a faculdade da atenção plena.” (SN XLVIII.10)

A análise completa dos satipatthanas, (Maha-satipatthana Sutta, DN 22), começa com


instruções de estar sempre atento na respiração. Instruções como "tragam a rasa atenção,
(bare attention), para a respiração", ou "aceitem a respiração", ou qualquer outra coisa que
os professores modernos nos dizem que a atenção plena é suposta ser, são na verdade funções
de outras qualidades mentais. Não são automaticamente uma parte de sati, mas podemos
trazê–las sempre que estas sejam apropriadas.

Uma qualidade que é sempre adequada no estabelecimento da atenção plena é estar vigilante
ou alerta. A palavra em Pali para vigilante, alerta ou plena consciência, sampajañña, é outro
termo que é muitas vezes mal compreendido. Não significa estar consciente do presente sem
escolha, ou compreender o presente. Exemplos do Cânone mostram que sampajañña significa
estar consciente do que está sendo feito ao movimentar o corpo, ao movimentar a mente.
Afinal, se é para obter insights sobre como estamos causando sofrimento, nosso foco principal
sempre tem que ser o que realmente estamos fazendo. É por isso que a atenção plena e a
plena consciência devem ser sempre usadas em conjunto na meditação.

No Satipatthana Sutta, ambos sati e sampajañña são combinados com uma terceira
qualidade: ardente, (atapi). Aqui ‘ardente’ significa estar aplicado naquilo que está sendo
feito, dando o melhor de si para fazê–lo com habilidade. Isso não significa que devemos nos
manter esforçando e suando o tempo todo, apenas que haja continuidade tanto no
desenvolvimento de hábitos benéficos, quanto no abandono dos hábitos prejudiciais.
Lembremos que nos oito elementos do caminho para a libertação, a atenção plena correta
nasce do esforço correto. O esforço correto é o esforço para ser habilidoso. A atenção plena
ajuda o esforço na medida em que nos lembra permanecer com ele, de modo que não o
abandonemos.

Todas estas três qualidades obtêm seu foco à partir do que o Buda chamava de yoniso
manasikara, a atenção com sabedoria. Note: trata–se de uma atenção com sabedoria, não
uma mera ou simples atenção. O Buda descobriu que a forma como damos atenção às coisas
é determinada por aquilo que consideramos importante: as dúvidas que trazemos para a
prática, os problemas que queremos que prática resolva. Nenhum ato de atenção jamais é de
mera atenção. Se não houvesse problemas na vida, poderíamos simplesmente nos abrirmos
para o que quer que surgisse. Mas o fato é que há um grande problema alí no meio de tudo
que fazemos: o sofrimento que vem ao agir com ignorância ou delusão. É por isso que o Buda
não nos diz para ver cada momento com os olhos de um principiante. Temos que manter
sempre em mente a questão do sofrimento e do seu fim.

Caso contrário a atenção sem sabedoria irá atrapalhar, voltando-se para questões como
"Quem sou eu?", "Eu tenho um eu?" – perguntas que tratam de questões existenciais e de
identidade. Estas questões, o Buda disse, nos levarão a um emaranhado de idéias e nos
deixarão presos em espinhos. As questões que levam à liberdade têm foco na compreensão
do sofrimento, no abandono da causa do sofrimento, e no cultivo do caminho para o fim do
sofrimento. O desejo de respostas para essas perguntas é que nos faz ficarmos alertas para as
nossas ações – pensamentos, palavras e atos – e nos torna ardentes para que sejam realizadas
com habilidade.

A atenção plena é o que mantém a perspectiva da atenção com sabedoria em mente.


Pesquisas psicológicas recentes têm mostrado que a atenção se dá em momentos discretos.
Podemos estar atentos a alguma coisa apenas por um período muito curto de tempo e temos
que nos lembrar, momento após momento, de voltar para aquilo se quisermos continuar a
estar atentos. Em outras palavras, a atenção contínua – o tipo que pode observar as coisas ao
longo do tempo – tem de ser costurada à partir de intervalos curtos. É para isso que existe a
atenção plena. Ela mantém em mente o objeto e o propósito da atenção.

Livros populares sobre meditação, no entanto, oferecem uma série de outras definições para
a atenção plena, e um monte de outras funções que esta deve cumprir – são tantas que a
pobre palavra fica totalmente distorcida, perdendo a sua forma. Em alguns casos, a atenção
plena é até mesmo definida como o Despertar, como na frase: "Um momento de atenção
plena é um momento de Despertar" – algo que o Buda nunca diria, porque a atenção plena é
condicionada e nirvana não é.

Estas não são apenas questões menores a serem discutidas pelos estudiosos críticos. Se não
vermos as diferenças entre as qualidades que estamos trazendo para a meditação, elas se
misturam e se confundem, tornando difícil surgir um insight real. Se assumirmos que um dos
fatores do caminho para o Despertar é o próprio Despertar, é como chegar no meio de uma
estrada e então cair no sono ali mesmo. Nunca chegaremos ao fim da estrada, e nesse meio
tempo estaremos fadados a sermos atropelados pelo envelhecimento, enfermidade e morte.
Assim necessitamos ter claro o nosso rumo, e isso exige, entre outras coisas, que saibamos
exatamente o que a atenção plena é e o que ela não é.

Eu já vi a atenção plena ser definida como "carinhosa ou afetuosa atenção" ou "atenção


compassiva", mas afeto e compaixão não são o mesmo que a atenção plena. São coisas
distintas. Se forem levadas para a meditação, é necessário que fique claro que essas
qualidades estão agindo ademais da atenção, porque a habilidade na meditação requer
discernir quando qualidades como a compaixão são úteis e quando elas não são. Como o Buda
diz, há momentos em que o afeto é uma causa para o sofrimento, portanto é bom estar atento.

Às vezes, a atenção plena é definida como apreciar o momento por todos os pequenos
prazeres que este nos pode oferecer: o gosto de uma uva passa, a sensação de uma xícara de
chá em nossas mãos. No vocabulário do Buda, esta apreciação é chamada de contentamento
ou satisfação, (pamojja). O contentamento é útil quando estamos enfrentando dificuldades
físicas, mas não é sempre útil no campo da mente. De fato, o Buda certa vez disse que o
segredo de sua iluminação foi que ele não permitiu se contentar com qualquer realização que
já tivera alcançado. Ele continuou avançando em suas realizações até que não houvesse nada
mais elevado para se atingir. Portanto o contentamento tem de conhecer o seu tempo e lugar.
A atenção plena, se não for misturada com contentamento, pode ajudar a manter esse fato
em mente.

Alguns professores definem a atenção plena como "não–reação" ou "aceitação radical." Se


olharmos para essas palavras no vocabulário do Buda, os termos mais próximos que iremos
encontrar serão equanimidade, (upekkha), e paciência, (khanti). Equanimidade significa
aprender a deixar de lado nossas preferências para que possamos observar o que realmente
está presente. Paciência é a habilidade de não ser perturbado pelas coisas que não gostamos,
não abandonar as situações difíceis, mesmo quando elas não sejam solucionadas tão
rapidamente quanto queiramos. No estabelecimento da atenção plena, no entanto,
permanecemos com as coisas desagradáveis não somente simplesmente aceitando-as, mas
sim observando e compreendendo. Uma vez que vejamos claramente que uma qualidade
particular, como a aversão ou cobiça é prejudicial para a mente, não poderemos permanecer
pacientes ou equânimes perante aquilo. Teremos que fazer o esforço necessário para nos
livrarmos disso e nutrir qualidades hábeis em seu lugar, lançando mão de outros fatores do
caminho: o pensamento correto, (samma–sankappo), e o esforço correto, (samma–vayamo).

A atenção plena, afinal, é parte de um caminho maior traçado pela atenção com sabedoria.
Temos que sempre lembrar de trazer o mapa maior para aplicá–lo em tudo o que fazemos.
Por exemplo, agora mesmo estamos tentando manter a respiração em mente porque vemos
que a concentração, como um fator do caminho, é algo que precisa ser cultivado, e a atenção
plena na respiração é uma boa maneira de fazê–lo. A respiração também é uma boa
perspectiva à partir da qual podemos observar diretamente o que está acontecendo na mente,
ver quais qualidades mentais estão dando bons resultados e quais não estão.

A meditação envolve muitas qualidades mentais, e temos que ter clareza sobre quais são elas,
o que as distinguem, e o que cada uma delas pode fazer. Dessa forma, quando as coisas estão
em desequilíbrio, podemos identificar o que está faltando e promover o que for necessário
para compensar a sua ausência. Se estamos nos sentindo confusos e irritados, tentemos trazer
um pouco de gentileza e contentamento. Quando estamos preguiçosos, reavivemos a noção
dos perigos dos hábitos prejudiciais e complacentes. Não se trata apenas de acumular mais e
mais atenção plena. Temos que acrescentar outras qualidades também. Primeiro temos que
estar atentos o suficiente para costurar as coisas, para manter as questões básicas da
meditação em mente e observar as coisas ao longo do tempo. Então tentamos notar –
vigilantes e alertas – de modo a ver o que mais colocar e mexer na panela.

É como cozinhar. Quando não gostamos do sabor da sopa fazemos ajustes, não podemos
apenas adicionar mais e mais sal. Às vezes acrescentamos cebola, às vezes alho, por vezes
orégano – o que quer sentimos ser necessário. Basta ter em mente o fato de que temos toda
uma prateleira de temperos para usar.

E lembremos que cozinhar tem um propósito. No mapa do caminho, atenção plena correta
não é o ponto final. Se supoem que ela conduza à concentração correta.

Com freqüência é dito que a atenção plena e a concentração são duas formas distintas de
meditação, mas o Buda nunca fez uma divisão clara entre as duas. Em seus ensinamentos, a
atenção plena se mistura com a concentração; e a concentração constitui a base para uma
atenção plena ainda melhor. Os quatro fundamentos da atenção plena também são os temas
de concentração. O mais elevado nível de concentração é aquele em que a atenção plena se
torna pura. Como observou uma vez Ajaan Lee Dhammadharo, um mestre da Tradição das
Florestas da Tailândia, a atenção plena, (sati), combinada com ardor, (atapi), se transforma no
fator de concentração chamado vitakka, ou "pensamento aplicado", no qual mantemos os
pensamentos sempre concentrados em uma coisa. E o estado alerta ou de plena consciência,
(sampajañña), combinado com ardor, (atapi), se transforma em outro fator de
concentração: vicara, a "avaliação" ou o "pensamento sustentado". Avaliamos o que está
acontecendo com a respiração. É confortável? Se for, continuamos com ela. Se não for, o que
podemos fazer para torná–la mais confortável? Tentamos torná–la um pouco mais longa, um
pouco mais curta, mais profunda, mais superficial, mais rápida, mais lenta. Vemos o que
acontece. Quando encontramos uma maneira de respirar que nutre um sentimento de
plenitude e estímulo, podemos então espalhar a plenitude por todo o corpo. Devemos saber
como nos relacionarmos com a respiração de modo que esta alimente um bom fluxo de
energia em todo o corpo. Quando nos sentimos assim estimulados, podemos nos acalmar com
facilidade.

Podemos ter apego à idéia de que nunca devemos mexer com a respiração, que devemos
apenas observá–la como ela ocorre. No entanto, a meditação não é apenas um processo
passivo de estar apenas presente diante do que quer que seja, sem julgar, sem realizar
qualquer mudança. A atenção plena permanece costurando as coisas ao longo do tempo, mas
ela também mantém em mente a idéia de que há um caminho a ser cultivado, e acalmar a
mente é uma parte habilidosa desse caminho.

É por isso que a avaliação, (vicara) – julgar a melhor maneira de maximizar o prazer da
respiração – é essencial para a prática. Em outras palavras, não abandonamos o nosso poder
de julgamento enquanto desenvolvemos a atenção plena. Simplesmente treinamos para ser
menos críticos e mais criteriosos, para produzir resultados tangíveis.

Quando a respiração fica realmente plena e estimulante por todo o corpo, podemos deixar de
lado a avaliação e simplesmente tornar-nos uno com a respiração. Esse senso de unicidade é
também algumas vezes chamado de atenção plena, em um sentido literal: a plenitude da
mente, (mind-fullness), um senso de unicidde que permeia todo o espectro da consciência.
Estamos em unicidade com qualquer coisa na qual o foco repouse, em unicidade com o quer
que estejamos fazendo. Não há nenhum "eu" independente. Este é o tipo de atenção que é
fácil de confundir com o Despertar, porque pode parecer tão libertadora, mas no vocabulário
do Buda esta não é nem a atenção plena, nem o Despertar. Isto é, cetaso ekodibhava, a
unificação da mente – um fator da concentração, presente em todos os níveis desde o
segundo jhana até a base da consciência infinita, (viññanañcayatana). Portanto, isto não é
nem mesmo o nível máximo de concentração que se pode alcançar, e muito menos o
Despertar.

O que significa que ainda há mais por fazer. É este o ponto em que a atenção plena, a vigilância,
e o ardor continuam o seu trabalho. A atenção plena lembra de que não importa o quão
maravilhoso seja este senso de unicidade, ainda não resolvemos o problema do sofrimento. O
estado de alerta tenta se concentrar no que a mente ainda está fazendo nesse estado de
unicidade – quais escolhas ocultas estão sendo feitas para dar continuidade a esse sentido de
unicidade, e quais níveis sutis de sofrimento essas escolhas estão causando – enquanto o ardor
tenta encontrar uma maneira de deixar de lado até mesmo essas escolhas sutis, de modo a se
livrar desse sofrimento.

Mas mesmo esse sentimento de unicidade é um meio para um fim mais elevado. Trazemos a
mente para um estado de firme unicidade, de modo a deixar de lado as suas formas normais
de dividir a experiência em “mim” e “fora de mim”, mas não paramos nisso. Tomamos então
essa unicidade e continuamos submetendo-a a todos os fatores da atenção plena correta. É
quando as coisas realmente importantes começam a se separar por conta própria. Ajaan Lee
usa a imagem do minério em uma rocha. Permanecer com o senso de unicidade é como se
contentar simplesmente com o conhecimento de que há estanho, prata e ouro na rocha: se
isso é tudo que fazemos, nunca obteremos qualquer uso para isso. Mas se aquecermos a rocha
até o ponto de fusão dos diferentes metais, estes irão se separar por conta própria.

O insight libertador vem do testar, do experimentar. Em princípio é assim que conhecemos o


mundo. Se não fôssemos criaturas ativas, não teríamos qualquer compreensão do mundo. As
coisas seriam esquecidas, ignoradas, e nós não saberíamos como elas foram conectadas
porque não teríamos nenhuma maneira de influenciá-las de modo a ver quais efeitos se dão
com a alteração de certas causas. É porque agimos no mundo que entendemos o mundo.
O mesmo acontece com a mente. Não podemos simplesmente sentar por aí na esperança de
que uma única qualidade mental – atenção plena, aceitação, contentamento, unicidade – faça
todo o trabalho. Se quisermos saber mais sobre os potenciais da mente, teremos que estar
dispostos a agir – com as sensações no corpo, com as qualidades na mente. É então que
conseguimos compreender causa e efeito.

E isso exige todos os nossos poderes de inteligência – e isso não significa apenas a inteligência
textual. Significa também a habilidade de notar o quê estamos fazendo, interpretar os
resultados do que fizemos, e descobrir meios engenhosos de agir de modo que cause cada vez
menos sofrimento e estresse: esperteza para o nobre caminho. A atenção plena permite que
vejamos essas conexões pois ela nos lembra sempre de permanecer com essas questões, de
permanecer com as causas até ver seus efeitos. Mas a atenção plena por si só não pode fazer
todo o trabalho. Não podemos ajustar a sopa simplesmente despejando mais pimenta nela.
Podemos adicionar outros ingredientes, conforme forem necessários.

Por isso é melhor não atribuir demasiados signfificados à palavra "atenção plena", ou atribuir-
lhe demasiadas funções. Caso contrário, não poderemos discernir com clareza quando uma
qualidade como o contentamento é útil ou não, quando precisamos conduzir a prática para a
unicidade e quando precisamos desmontar a prática em suas partes.

Dessa forma, mantenhamos as especiarias na prateleira claramente identificadas, e


aprendamos através do uso qual tempero é bom para qual efeito. Só então poderemos
desenvolver o nosso pleno potencial como um cozinheiro.

Meditação Guiada da Atenção Plena nas emoções e sensações ou Varredura

Nesse momento precisamos nos familiarizar com o ponto no corpo que chamamos de “topo
da cabeça”, que é uma depressão bem raza que todos temos no topo da nossa cabeça. Num
bebê, é a moleira, onde os ossos crescem e se juntam mais tarde. Podemos encontrá-la tres
ou quatro dedos de largura, para trás da raiz dos cabelos na testa. O outro ponto é a coroa da
cabeça, que é mais ou menos do tamanho de uma moeda grande, onde o cabelo cresce em
várias direções. Algumas pessoas têm-na do lado esquerdo, outras do lado direito e algumas
bem no meio da cabeça. Onde quer que a tenhamos, este é o ponto.

Comece prestando atenção à sensação gerada pelo ar da respiração nas narinas. Tome
consciência dessa sensação por algum tempo.

Agora transfira a sua atenção para o “topo da cabeça”, abandone a respiração e deixe tudo o
mais para trás. Ponha a sua total atenção no topo da cabeça e note qualquer sensação que
possa ser sentida ali: cócegas, peso, pressão, formigamento, se é agradável ou desagradável,
movimento, imobilidade, calor, frio – qualquer uma dessas ou qualquer outra. Você não
precisa nomear a sensação, mas se quiser, pode. Eu as estou nomeando para exemplificar.

Lentamente, mude a sua atenção do topo da cabeça para a coroa, movendo a sua atenção
para trás do topo da cabeça, ponto por ponto, consciente de cada ponto. Note a sensação, a
emoção; deixe-a e siga para o próximo ponto. Tente cobrir todo o topo da cabeça. Sensação é
física e emoção é emocional. Note qualquer coisa que possa surgir; abandone-a e foque no
próximo ponto: solidez, suavidade, pressão, formigamento, contração, expansão, calor,
pulsação, batimento, golpe, desagrado... a sensação pode ser na pele ou sob a pele. Pode ser
profunda ou na superfície. A única coisa que realmente importa é estar consciente dela.

Agora concentre-se na coroa, uma pequena área. Fique consciente da sensação. Tente voltar
para dentro de si mesmo de tal modo que os sentimentos e sensações se tornem aparentes.

Vagarosamente mude a sua atenção da coroa para toda a parte de trás da cabeça até a base
do crânio, onde o pescoço se junta com a cabeça. Dê a sua total atenção para cada ponto,
notando, abandonando o que notou e seguindo adiante para o próximo ponto.

Agora coloque a sua completa atenção no lado esquerdo da cabeça, lentamente movendo-a
do topo para baixo até a linha da mandíbula, e da raiz do cabelo, na frente, até a parte detrás
da orelha. Concentre-se em cada ponto, movendo a sua atenção vagarosamente para baixo,
tornando-se consciente de cada emoção ou de cada sensação... notando solidez, toque,
tensão, relaxamento, qualquer coisa que surgir. Note, abandone-a e siga adiante para o
próximo ponto.
Traga a sua atenção para o lado direito da cabeça, lentamente movendo do topo da cabeça
para a linha da mandíbula, da raiz do cabelo, na frente, até a parte detrás da orelha. Dê total
atenção a cada ponto à medida que você move a sua atenção para baixo, conscientizando-se
da sensação, conscientizando-se da emoção, na pele ou sob a pele, dentro ou na superfície.
Estar consciente é o que conta.

Coloque toda a sua atenção na raiz do cabelo sobre a testa e lentamente mova-a para baixo,
abrangendo toda a extensão da testa até as sombrancelhas, ponto por ponto. Note o que quer
que surja: pulsação, movimento, pressão, batimento, agradável ou desagradável.

Agora volte toda a sua atenção para o olho esquerdo, e tudo envolta dele, o globo ocular, as
pálpebras; note a sensação ou qualquer emoção: pressão, peso, escuridão, luz, o contato,
tremor, imobilidade.

Em seguida, transfira a sua atenção para o olho direito. Tudo em volta dele, o globo ocular, as
pálpebras; note a sensação ou qualquer emoção da qual você tenha consciência.

Concentre-se no ponto entre as sombrancelhas. Lentamente mova-a para baixo para a ponta
do nariz, notando ponto por ponto: solidez, suavidade, formigamento, pode ser qualquer uma
destas ou qualquer outra sensação da qual você tenha consciência.

Agora fixe a sua atenção nas narinas. Vagarosamente mova-a para dentro do nariz, notando a
sensação do ar, movimento, espaço, confinamento, abertura, coceira, humidade, sequidão,
contato.

Concentre-se na pequena área entre a ponta do nariz e o lábio superior, a extensão toda do
lábio superior. Note qualquer sensação ou qualquer emoção que surja: contato, movimento,
tremor, imobilidade, peso, leveza.

Mova a sua atenção para os lábios, superior e inferior. Note o contato, pressão, contração,
humidade, sequidão, agradável ou desagradável, qualquer uma destas ou quaisquer outras.

Coloque a sua atenção dentro da boca. Fique consciente de qualquer sensação ou emoção.
Mova de um ponto para outro, cobrindo toda a área.

Coloque toda a sua atenção no queixo. Fique consciente de como é que você o sente.
Mova a sua atenção para a bochecha esquerda, movendo-a lentamente para baixo, do olho
até a linha da mandíbula. Com a sua atenção em cada ponto, note qualquer sensação ou
emoção; abandone-a e mova para o próximo ponto.

Concentre-se na bochecha direita, movendo vagarosamente para baixo, do olho até a linha da
mandíbula, ponto por ponto. Conscientize-se da sensação ou emoção; notando, abandonando
e movendo para o próximo ponto. A sensação pode ser fraca ou definida, não importa.

Coloque sua atenção na garganta. Movendo lentamente da linha da mandíbula para onde o
pescoço se junta ao tronco, ponto por ponto, do lado de dentro ou do lado de fora, notando
o contato, calor, obstrução, peso, leveza, pulsação.

Mova a sua atenção para a parte de trás da garganta, começando na base da cabeça, movendo
lentamente para baixo onde o pescoço se junta ao tronco. Observe cada ponto, tenso,
relaxado, nodoso, agradável ou desagradável, como se houvesse algo cutucando, golpeando,
cócegas, formigamento – qualquer uma destas ou quaisquer outras.

Coloque toda a sua atenção no ombro esquerdo. Movendo lentamente do pescoço ao longo
do topo do ombro até onde o braço esquerdo se junta. Observe cada ponto, tornando-se
consciente de cada sensação ou emoção: tenso, relaxado, pesado, sobrecarregado; o que quer
que surja, observando, abandonando e seguindo diante para o próximo ponto.

Agora volte a sua atenção para a parte superior do braço esquerdo, movendo lentamente para
baixo, do ombro até o cotovelo, por todo o braço, conscientizando-se de cada ponto à medida
que você percorre essa área. Observe a sensação, a emoção; abandone-a e continue até o
próximo ponto. Note o contato, calor, movimento, peso, leveza, contração, expansão.

Concentre-se no cotovelo esquerdo. É uma pequena área, portanto deixe que tudo o mais se
vá. Preste atenção exclusivamente no cotovelo esquerdo e em nenhuma outra parte do corpo
e observe a sensação e a emoção que surgir.

Ponha toda a sua atenção no antebraço esquerdo. Vagarosamente mova do cotovelo até o
pulso, por todo o antebraço, ponto por ponto; observe, abandone e continue até o próximo
ponto, na pele ou sob a pele, na superfície ou mais profundamente. Chegue bem perto das
sua próprias sensações e emoções.

Mova a sua atenção para o pulso esquerdo, por todo o pulso. Note a pulsação, batimento,
contração, contato.

Em seguida, concentre-se no dorso da mão esquerda, do pulso até onde os dedos se juntam.
Coloque a sua atenção na palma da mão esquerda, do pulso até onde os dedos se juntam.
Foque a sua atenção na parte de baixo dos cinco dedos da mão esquerda. Lentamente mova
ao longo dos dedos até a ponta. Coloque toda a sua atenção na ponta dos cinco dedos e aí
mentalmente faça um movimento da ponta dos dedos para longe deles, para o interior da sala
de meditação.

Coloque toda a sua atenção no ombro direito. Movendo vagarosamente do pescoço ao longo
do topo do ombro até onde o braço direito se junta. Note cada ponto: peso, contração,
nodoso, tenso, relaxado, sobrecarregado, dor, tristeza, raiva, resistência, qualquer coisa, seja
o que for. Observe, abandone e siga para o próximo ponto.

Mova a sua atenção para o braço direito. Movendo lentamente do ombro para o cotovelo, por
todo o braço. Ponto por ponto, na pele ou sob a pele: solidez, suavidade, calor, frio, contato,
movimento, imobilidade.

Concentre-se no cotovelo direito. Deixe que tudo o mais se vá; preste atenção só nesta
pequena área e observe as sensações: latejante, contraído, elétrico.

Coloque a sua atenção no antebraço direito. Movendo lentamente do cotovelo para o pulso,
por toda parte. Observe a superfície ou bem profundamente.

Em seguida, mova a sua atenção para o dorso da mão direita, do pulso até onde os dedos se
juntam. Ponha a sua atenção na palma da mão direita, do pulso até onde os dedos se juntam.
Foque a sua atenção na parte de baixo dos cinco dedos da mão direita. Lentamente mova ao
longo dos dedos até a ponta. Coloque toda a sua atenção na ponta dos cinco dedos e aí
mentalmente faça um movimento da ponta dos dedos para longe deles, para o interior dentro
da sala de meditação.
Ponha toda a sua atenção no lado esquerdo da parte da frente do tronco. Mova lentamente
do ombro esquerdo até a cintura, tocando cada ponto à medida que você move a sua atenção.
Observe a emoção ou sensação: restrição, expansão, golpes, peso, leveza, formigamento,
solidez, suavidade, rejeição, resistência, preocupação, medo, o que quer que surja na
superfície, observe, deixe que se vá e continue até o próximo ponto.

Mova a sua atenção para o lado direito da parte da frente do tronco; movendo lentamente do
ombro direito até a cintura, tocando em cada ponto com plena atenção.

Coloque toda a sua atenção na parte da frente da cintura. Observe a sensação: firmeza,
flacidez. Mova lentamente da cintura para a virilha, até a parte mais baixa do tronco, ponto
por ponto, tomando consciência da sensação, da emoção, abandonando-a e movendo para o
próximo ponto, tornando-se consciente de como você sente cada ponto.

Coloque a sua atenção do lado esquerdo das costas, movendo lentamente do ombro até a
cintura, prestando atenção a cada ponto, tornando-se consciente da sensação e da emoção,
abandonando-a e observando o próximo ponto: tensão, nodoso, preocupação, contato, calor,
movimento, solidez, suavidade, formigamento.

Coloque toda a sua atenção no lado direito das costas, movendo lentamente do ombro até a
cintura, com plena atenção em cada ponto.

Ponha toda a sua atenção na parte de trás da cintura: contraída, expandida,


espasmódica, golpes, cutucação. Começando da cintura, mova lentamente até a nádega
esquerda, onde a perna se junta. Observe ponto por ponto, na pele, sob a pele, mais
profundamente ou na superfície. Observe, abandone e mova para o próximo ponto: peso,
contato, pressão.

Mova para o lado direito da parte de trás da cintura. Vagarosamente desloque a atenção para
a nádega direita, até onde a perna se junta. Observe cada ponto, cada sensação.

Concentre-se na coxa direita. Movendo vagarosamente da virilha até o joelho, por toda parte;
observando a pressão, contato, sensação desagradável, dor aguda, cutucação. Observe,
abandone e continue até o próximo ponto.
Concentre-se no joelho direito, por toda parte, dentro e fora.

Coloque a sua atenção na perna. Movendo lentamente do joelho até o tornozelo, por toda
parte, reconhecendo cada ponto.

Coloque a sua atenção no tornozelo direito. Observe a pressão, contato, solidez, suavidade.

Ponha a sua atenção no calcanhar direito, uma área pequena. Deixe que todo o resto se vá e
dê toda a sua atenção para essa área.

Coloque toda a sua atenção na sola do pé direito, movendo do calcanhar até onde os dedos
do pé se juntam. Fique consciente de cada ponto. Observe a sensação ou emoção: maciez,
aspereza, calor, contato, golpes, repuxo.

Coloque a sua atenção no peito do pé direito, do tornozelo até onde os dedos do pé se juntam,
ponto por ponto, observando dentro e fora. Ponha a sua total atenção na base dos 5 dedos do
pé direito. Lentamente movendo ao longo dos dedos até a ponta. Ponha a sua atenção na
ponta dos cinco dedos e faça um movimento com a mente para longe deles, da ponta dos
dedos para dentro da sala de meditação.

Em seguida, mova a sua atenção para a coxa esquerda. Lentamente mova da virilha para o
joelho, por toda parte, ponto por ponto. Observe, abandone e vá para o próximo ponto.

Ponha toda a sua atenção no joelho esquerdo, por toda parte, em volta, dentro, fora,
completamente consciente das emoções e sensações.

Concentre-se na perna esquerda. Lentamente mova do joelho para o tornozelo, por toda
parte. Observe a pressão, peso, solidez, dureza, contato, golpes, pontadas, formigamento. Seja
o que for, observe, abandone e mova a sua atenção para o próximo ponto.

Ponha toda a sua atenção no tornozelo esquerdo, por toda parte. Observe o contato, pressão,
resistência, rejeição.

Mova a sua atenção para o calcanhar esquerdo, uma pequena área. Deixe que tudo o mais se
vá. Dê total atenção para essa área.
Coloque toda a sua atenção na sola do pé esquerdo. Lentamente movendo do calcanhar para
onde os dedos do pé se juntam. Observe cada ponto: pressão, contato, calor.

Coloque toda a sua atenção no peito do pé, do tornozelo até onde os dedos do pé se juntam,
ponto por ponto, observando, completamente consciente. Mova a sua atenção para a base
dos cinco dedos do pé esquerdo. Movendo vagarosamente ao longo dos dedos até a ponta.
Ponha toda a sua atenção na ponta dos cinco dedos. Faça um movimento com a mente para
longe deles, da ponta dos dedos para o interior da sala de meditação.

Atenção Plena as Sensações

Um quarto dos ensinamentos do Buda tem por base a sensação, que é a primeira verdade do
que ele ensinou ao longo de quarenta e cinco anos. É por não entender essa verdade que
estamos atados de uma forma ou de outra à repetição do ciclo de nascimento e morte. As
sensações também representam um dos quatro fundamentos da atenção plena, tal como
exposto pelo Buda em vários Suttas. Uma pessoa comum e uma pessoa iluminada se
diferenciam pela forma como cada uma responde às sensações. Enquanto que uma pessoa
comum, por exemplo, se apega à sensação prazerosa e rejeita a não prazerosa, a pessoa
iluminada nem se apega à prazerosa, nem rejeita a não prazerosa. Ao invés disso, ela as encara
com atenção plena e sempre mantém a mente em pleno equilíbrio em relação a ambas.

Todos os seres vivos, sem exceção, sentem. Não muitos, entretanto, utilizam a sensação como
um meio para obter um insight mais profundo em relação à realidade daquilo que estão
experimentando e ao mesmo tempo evitar uma reação emocional. Aqueles seres humanos
que empregam a mente para pensar e criar estão em uma posição vantajosa. Infelizmente, no
entanto, não são muitos os seres humanos que usam as suas sensações para desenvolver o
seu humanismo ou qualidades humanas. Existem muitos seres humanos que não aprenderam
a usar as suas ilimitadas capacidades mentais e as sensações para o seu próprio
desenvolvimento mental.
Se alguém lhe perguntasse, “Como vai você?” Você responderia “Muito bem.” Ou “Nunca me
senti melhor.” Ou “Eu estou bem e você?” ou “Eu não me sinto muito bem hoje.” Ou “Eu me
sinto um pouco enjoado.” Ou “Eu estou me sentindo muito mal hoje.” Você estaria
expressando as suas sensações sem dar uma razão particular porque estaria se sentindo assim.
Se você fosse fazer uma análise psicológica faria uma distinção entre emoções e sensações.
Na linguagem cotidiana, no entanto, você usa esses dois termos indiscriminadamente. Para
manter a coerência neste artigo, eu também, portanto, usarei o termo “sensações”
indiscriminadamente significando ambos “emoções” e “sensações”. É melhor deixar a
diferença entre esses dois termos de lado até que você tenha terminado de ler este artigo.
Não estou tentando fazer aqui uma análise neurológica de como a sensação ocorre. Meu
objetivo é indicar como as sensações podem ser usadas como um objeto para o treinamento
da atenção plena, de forma que você possa ser capaz de viver com todos os tipos de sensações
sem que corra o risco de sofrer um colapso nervoso.

A sensação deveria ser usada como um mecanismo para obter um insight profundo sobre a
realidade das sensações. Sabemos que, do momento em que nascemos até o último suspiro,
funcionamos à base de sensações. As sensações surgem da periferia devido a um contato
específico, ou de dentro, do fundo do nosso próprio estado mental, devido a um contato que
deixou uma marca. Assim que os nossos sentidos entram em contato com os objetos nos
tornamos conscientes das nossas sensações provocadas pelo contato periférico. As sensações
principiam ao mesmo tempo que o desenvolvimento do nosso sistema nervoso central, elas
estiveram presentes até mesmo quando nos encontrávamos dentro do ventre materno.
Quando nossa mãe comia uma comida quente, sentíamos o calor. Quando ela comia uma
comida fria, sentíamos o frio. Quando ela estava com raiva, sentíamos a sua agitação e tensão.
Quando ela se movia sentíamos os seus movimentos. Quando ela cantava ouvíamos a sua voz.
Quando ela chorava ouvíamos o seu choro. Também ouvíamos o seu riso. Embora não sejamos
capazes de nos lembrar de tudo isso, apesar disso, sentimos tudo.

Assim que nascemos choramos, não somente porque sentimos tristeza por ter que deixar o
ventre materno, ou porque pensamos que por não chorar não nos dariam atenção, mas
porque sentimos a mudança de ambiente. Do ambiente escuro, quente e confortável na
barriga da mãe, fomos empurrados para um ambiente desconfortável, frio, com uma luz
brilhante que nos cega, cercado por várias pessoas. Nunca havíamos experimentado aquilo
antes. Do momento em que começamos a luta pela vida como um organismo unicelular,
estivemos experimentando sensações. Do momento em que as nossas células nervosas ou
neurônios começaram a se desenvolver, experimentamos sensações. Quando a sensação nos
agrada queremos mais daquilo e quando a sensação é desagradável queremos rejeitar aquilo.
Essa é a nossa reação natural. Toda nossa busca – esforço, realizações, melhorias,
desenvolvimentos, invenções, trabalhando duro ou não, desejando viver ou não – depende de
como nos sintamos. Nossa busca por comida, roupas, medicamentos, abrigo, sexo, calor, frio
e muito mais, depende das nossas sensações. Quando sentimos frio, procuramos o calor.
Quando estamos famintos, procuramos por comida. Quando queremos evacuar, buscamos
um lugar adequado para satisfazer aquela sensação. Temos feito descobertas, produzido,
desenvolvido ou melhorado muitas coisas devido àquilo que sentimos. Criamos e procriamos
de acordo com as nossas sensações. Até mesmo o nosso raciocínio teve início a partir das
nossas sensações. Tudo aquilo que fazemos depende das nossas sensações. Nossa reação a
uma dada situação depende de como nos sintamos. Depois de reagir a uma determinada
situação pode ser que racionalizemos nossa reação. Todas as nossas reações emocionais
dependem de como nos sintamos em relação à situação. Repetidas reações emocionais em
relação a sensações gradualmente alimentam o nosso ego. Quando a reação emocional se
converte num hábito, racionalizamos a nossa reação emocional e nos defendemos dizendo,
“Tenho todo direito de defender-me se alguém me magoa.”

Quando começamos a entender a natureza universal das sensações começamos a treinar a


nossa mente, a usá-la para o benefício de todos os seres vivos, ao invés de sermos egoístas.
Quando aprendemos a treinar as nossas mentes para usar as sensações como objeto do nosso
desenvolvimento mental, aprendemos mais a seu respeito e fazemos pleno uso delas com
entendimento mais profundo. Ao universalizar as suas sensações, você se torna mais atento,
evitando dizer coisas que possam magoar outras pessoas. Tampouco fará algo que resulte na
destruição de qualquer ser vivo. Todos os seres vivos temem a morte. É claro que se você
ignorar os sentimentos dos outros encontrará justificativa para fazer qualquer coisa. Na
maioria das vezes, a sua justificativa virá desprovida de qualquer sentimento. Você
racionalizará qualquer coisa se puder ignorar os sentimentos dos outros. Essa é uma atitude
típica dos fanáticos religiosos. Algumas pessoas, ao mesmo tempo em que colocam a sua
própria religião no pedestal mais alto, usam linguagem abusiva e depreciativa para atacar as
pessoas que pertencem a outras religiões, porque elas ignoram os seus sentimentos.

Esses são apenas alguns poucos exemplos de quanto você pode sofrer por causa das suas
próprias sensações. Se você encarasse as suas sensações com compreensão, você não se
sentiria tão perturbado em encontrar alguém diferente de você. Você não ficaria irritado se
alguém falasse num idioma que você não compreende. Se você compreender a natureza das
sensações poderá ouvir as queixas de dor de uma outra pessoa sem que você mesmo comece
a se queixar. Se você não compreender as sensações você poderá ser bastante insolente,
arrogante e ofensivo, e mais tarde sofrer muito por tal comportamento.

Ao treinar a si mesmo para ter a atenção plena nas sensações toda a sua atitude irá mudar e
você se sentirá mais à vontade ao notar as diferenças que há no mundo. Observe a sua
sensação – prazerosa, não prazerosa ou neutra – foque a sua total atenção na sensação sem
pensar ou dizer, “Ah! Minha cabeça dói,” ou “Minha perna dói,” etc. A não ser que você
dedique total atenção à sensação, você não conseguirá saber o que está por detrás dela.
Concentre total atenção na sua própria sensação e comece a observar a sensação prazerosa
que está por detrás da sensação não prazerosa. Somente dando total atenção a algo você
poderá notar o que se encontra por trás daquilo. Se você tiver paciência suficiente para
observar a sua sensação, você também irá notar que ela está sempre mudando. Você não
notaria essa mudança na sensação se não prestasse atenção nela. É a sua atenção, não a
palavra, que traz as coisas para a superfície da sua mente.

Suponha que você se sinta deprimido. Se você prestar total atenção a esse sentimento sem
adicionar nenhuma emoção, você irá notar a sua depressão diminuir gradualmente. É claro
que você poderá fazer com que a sua depressão se torne ainda mais miserável e poderá até
mergulhar num processo maníaco depressivo por vários dias, se você se apegar a ela. Ou você
poderá se livrar dela rapidamente, se aprender a aceitar a realidade de que as suas sensações
mudam a cada instante. Ainda bem que até mesmo as sensações desagradáveis são
impermanentes.

Suponha que você desperte uma manhã com uma terrível dor de cabeça. Imediatamente
encontre um lugar razoavelmente tranqüilo na sua casa ou apartamento e passe algum tempo
sentado quieto, fechando os olhos e observando a sua dor de cabeça sem assumir ou
preocupar-se com nada, mas prestando total atenção na dor. Em breve você irá notar que a
sua dor de cabeça irá diminuir gradualmente. Mas se você ficar preocupado por causa da dor,
poderá fazer com que a dor de cabeça piore ao adicionar-lhe mais pressão ou tensão porque
você adicionou outra sensação – preocupação – ao invés de lidar com apenas uma sensação –
dor de cabeça.

Suponha que numa noite ou por várias noites seguidas você não consiga dormir. Na manhã
seguinte você acorda e se sente um tanto desconfortável. Se você começar a se preocupar
pelo fato de não dormir, poderá ter ainda mais sensações desconfortáveis. Agora, é essa
preocupação, não a falta de sono que causa o maior desconforto. Se, por outro lado, você fica
tranqüilo e não se preocupa por não ter uma boa noite de sono, você se sentirá melhor. Isso
significa que você poderá usar as suas sensações para sentir-se confortável ou desconfortável,
dependendo da forma como você lida com as suas sensações.

Suponha que um certo dia você se sinta bastante tranqüilo, feliz e contente. Olhe para essa
sensação tal como ela é e tente prestar total atenção nela. Enquanto você estiver se sentindo
tranqüilo, feliz e contente tente prestar total atenção a essa sensação e permita que ela
desapareça quando começar a desaparecer. Não tente fazer com que ela seja permanente. Se
essa sensação desaparecer não fique aborrecido; simplesmente aceite o desaparecimento.
Receba as coisas como elas são. Ao aceitá-lo você permite a si mesmo recriar essa sensação
na sua mente numa outra ocasião. Se você se preocupa com o seu desaparecimento não irá
permitir que ela retorne. Aceitando o desaparecimento da sua sensação agradável, você na
verdade está aprendendo a relaxar e sentir-se confortável com as mudanças nas suas
sensações. Você não pode forçar uma sensação a permanecer com você de acordo com os
seus desejos. Ela escapa do seu controle. E quanto mais você tentar mantê-la com você, mais
rápido ela desaparecerá. Se você simplesmente aceitá-la quando surgir e soltá-la quando se
for, irá manter o seu equilíbrio e isso permitirá que você relaxe.

Da mesma forma, se surgir uma sensação desagradável, não tente rejeitá-la ou afastá-la
prematuramente. Demora algum tempo para que uma sensação desapareça. Você também
deve cultivar a paciência com as sensações desagradáveis. Se você perder a paciência, irá
perder aquilo de agradável que pode vir em seguida ao desagradável e até exagerá-lo. Quando
você não dá muita importância ao fato, você simplifica as coisas e as torna mais confortáveis
para você mesmo. Simplesmente, preste total atenção à sua sensação desagradável. Você
pode sentir uma certa sensação desagradável devido a um desequilíbrio químico no seu
cérebro. Você tem que admitir, quer goste ou não, que as coisas no seu corpo e mente estão
mudando todo o tempo. Se você experimentar sensações desagradáveis devido a um
desequilíbrio hormonal, você poderá prolongar o desequilíbrio pelo fato de se preocupar ou
de se impacientar. Se você relaxar e prestar total atenção ao desequilíbrio hormonal, a sua
mente irá gerar hormônios melhores e mais positivos para superar o desequilíbrio.

Sem se dar conta, você cultiva uma certa atitude mental em relação a muitas coisas e pessoas.
Essa atitude pode causar sensações agradáveis ou desagradáveis. Ao olhar para o seu estado
mental com atenção plena, você verá que é a sua própria atitude que criou aquele estado
mental que resulta numa sensação ou outra. A sensação não se origina do objeto que você
percebe mas do seu próprio estado ou atitude mental. É por essa razão que quando várias
pessoas olham para um mesmo objeto elas podem ter diferentes sensações e diferentes
opiniões sobre o objeto.

Se você observar a sua mente e sensações com atenção plena, verá de modo claro e
inequívoco que aquilo que você está sentindo é a sua própria criação e que você é totalmente
responsável por ela. Observar com atenção plena a mudança contínua das suas sensações
poderá fazer você evitar as reações emocionais e ver a verdade das suas sensações. A atenção
plena nas sensações não fará com que você tenha pensamentos obsessivos, ou pensamentos
abusivos, ou pensamentos maléficos. Ao pensar sem atenção plena você abusa da sua mente.
A mente que é abusada sempre produz sensações abusivas, que são sempre dolorosas.
O Caminho da Concentração e Atenção Plena

Muitas pessoas nos dizem que o Buda ensinou dois tipos diferentes de meditação - meditação
da atenção plena e meditação da concentração. A meditação da atenção plena, elas dizem, é
o caminho direto, enquanto que a prática da concentração equivale à rota panorâmica que
você toma por sua própria conta e risco, pois é muito fácil se deixar envolver e nunca mais
conseguir escapar. Mas quando você investiga aquilo que o Buda realmente ensinou, ele nunca
separou essas duas práticas. Ambas são partes de um todo. Todas as vezes em que ele explica
a atenção plena e o seu papel no caminho, ele esclarece que o propósito da atenção plena é
conduzir a mente ao estado de Concentração Correta - fazer com que a mente se acalme e
encoontre o lugar onde possa sentir-se realmente equilibrada, em casa, de onde possa olhar
para as coisas com constância e vê-las pelo que na verdade são.

Parte do problema das "duas práticas" se deve à forma como entendemos a palavra jhana, que
é um sinônimo para Concentração Correta. Muitos de nós ouvimos que jhana é um estado
bastante intenso, semelhante a um transe, que requer uma contemplação intensa e o bloqueio
do resto do mundo. Não soa nada parecido com a atenção plena. Mas se você procurar no
Cânone a descrição do Buda para jhana, esse não é o estado ao qual ele se refere. Estar em
jhana é estar absorvido, de forma muito agradável, na sensação de todo o corpo,
completamente. Uma sensação de consciência ampla preenche todo o corpo. Uma das
imagens usadas pelo Buda para descrever esse estado é aquela de uma pessoa misturando
água com pó de banho, de tal forma que a água permeie o pó de banho por toda a parte.
Outra, é um lago em que uma fonte fresca surge do fundo e se espalha por todo o lago.

Agora, quando você está com o corpo como um todo, você se encontra intensamente no
momento presente. Você está exatamente ali todo o tempo. Como o Buda disse, o quarto
jhana - em que o corpo está repleto com a consciência luminosa - é o ponto em que a atenção
plena e a equanimidade se tornam puras. Portanto, não deveria haver nenhum problema em
combinar a prática da atenção plena com a consciência de todo o corpo que se torna bastante
calma e tranqüila. Na verdade, o próprio Buda as combina na descrição dos quatro primeiros
passos da meditação da respiração: (1) estar consciente da respiração longa, (2) estar
consciente da respiração curta, (3) estar consciente de todo o corpo da respiração à medida
em que você inspira e expira, (4) acalmar a respiração. Isto, os textos nos dizem, é a prática
básica da atenção plena. Também é uma prática básica da concentração. Com esses passos
você estará entrando no primeiro jhana - Concentração Correta e ao mesmo tempo estará
praticando a Atenção Plena Correta.

Para ver como a Atenção Plena Correta e a Concentração Correta se auxiliam mutuamente na
prática, podemos verificar os três estágios da prática da atenção plena expostos no Sutta dos
Fundamentos da Atenção Plena. Tome o corpo como um exemplo. O primeiro estágio é
manter o foco no corpo, colocando de lado a cobiça e o desprazer pelo mundo. Isto significa
tomar o corpo como um corpo, sem pensar nele em termos do que ele significa ou do que ele
pode fazer no mundo. Ele pode ser bonito ou feio. Pode ser forte ou fraco. Pode ser ágil ou
desajeitado - todas as questões que nos preocupam quando pensamos sobre nós mesmos. O
Buda disse para colocar essas questões de lado.

Simplesmente, estar com o corpo, sentado exatamente aqui. Você fecha os olhos - o que você
sente? Existe a sensação corpórea resultante do fato de você estar sentado. Esse é o seu
fundamento. Tente permanecer com ela. Insista em trazer a mente de volta para essa
sensação corpórea até que ela capte a mensagem e comece a se acalmar. No início da prática
você irá ver a mente escapar para se agarrar a isto ou aquilo, você observa apenas o suficiente
para dizer-lhe que se solte daquilo, retorne ao corpo e permaneça ali. Então ela escapa para
se agarrar a alguma outra coisa, você lhe diz para se soltar, retornar e mais uma vez se prender
ao corpo. Até que, finalmente, você chega a um ponto em que consegue se fixar na respiração
e você não irá soltá-la, de acordo? Você a mantém fixa. A partir desse ponto, qualquer outra
coisa que venha a entrar em contato com a sua consciência será como algo surgindo e roçando
as costas da sua mão. Você não precisa notar isso. Você permanece com o corpo como o seu
fundamento básico. As outras coisas surgem e desaparecem, você tem consciência delas, mas
você não abandona a respiração para se agarrar a elas. Nesse ponto você realmente
estabeleceu o corpo como um fundamento sólido.
Ao fazer isso, você desenvolveu três qualidades na mente. Uma é a atenção plena (sati). O
termo atenção plena quer dizer ser capaz de lembrar, manter algo presente na mente. No caso
de utilizar o corpo como um fundamento, significa ser capaz de lembrar onde você deve
permanecer - com o corpo - sem permitir que você se esqueça. A segunda qualidade, plena
consciência (sampajañña), significa estar consciente daquilo que está acontecendo no
presente. Você está com o corpo? Você está com a respiração? A respiração está confortável?
Simplesmente, note o que está acontecendo no momento presente. Nós tendemos a
confundir atenção plena com plena consciência, mas na verdade elas são coisas distintas: a
atenção plena significa ser capaz de lembrar onde você quer manter a sua consciência; plena
consciência significa estar consciente daquilo que está realmente acontecendo. A terceira
qualidade, ardência (atappa), significa duas coisas. Um, se você se der conta que a mente está
vagando, você a traz de volta. Imediatamente. Você não permite que ela fique vagando,
cheirando as flores. Dois, quando a mente está com o seu fundamento, ardência significa
tentar, tanto quanto possível, ser sensível àquilo que está acontecendo - não sendo apenas
levado pelo momento presente, mas tentando realmente penetrar mais e mais os detalhes
sutis daquilo que realmente está ocorrendo com a respiração ou a mente.

Quando você possui essas três qualidades focadas no corpo, você não poderá deixar de
acalmar-se e sentir-se realmente confortável com o corpo no momento presente. É quando
você está preparado para o segundo estágio da prática, que é descrita como ter a consciência
da origem e da cessação. Nesse estágio você estará tentando entender causa e efeito tal como
eles ocorrem no presente. Com relação à prática da concentração, uma vez que você tenha
acalmado a mente, você deve entender a interação entre causa e efeito no processo de
concentração, de forma que você possa fazer com que ela se estabeleça de maneira mais
sólida por períodos de tempo mais longos, em todos os tipos de situação, na almofada de
meditação e fora dela. Para fazer isso, você precisa aprender como as coisas surgem e cessam
na mente, não somente pela observação, mas pelo real envolvimento com o seu surgimento
e cessação.

Você pode observar isso nas instruções do Buda de como lidar com os obstáculos. No primeiro
estágio, ele diz para ter consciência dos obstáculos conforme eles surgem e cessam. Algumas
pessoas pensam que se trata de um exercício de "consciência imparcial", no qual você tenta
não forçar a mente para qualquer direção, você simplesmente senta e observa, desejando ou
não, tudo aquilo que surge na mente. Em termos práticos, no entanto, a mente ainda não está
preparada para isso. O que você precisa neste estágio é de um ponto de referência fixo para
avaliar os eventos na mente, da mesma forma como quando você está tentando avaliar o
movimento das nuvens no céu: você precisa escolher um ponto fixo - tal como uma cumeeira
de um telhado ou um poste de luz - para o qual possa fixar o olhar de forrma a ter uma noção
da direção e velocidade das nuvens. O mesmo com relação ao surgimento e cessação dos
desejos sensuais, má vontade, etc., na mente: Você precisa tentar manter um ponto de
referência fixo para a mente - como a respiração - se você realmente quiser ter sensibilidade
para identificar quando os obstáculos na mente estiverem interferindo com o seu ponto de
referência ou não.

Suponha que a raiva esteja interferindo com a sua concentração. Ao invés de se envolver com
a raiva, você tenta simplesmente estar consciente de quando ela está presente e quando não.
Você olha para a raiva como um evento em si e por si mesmo - como ela surge, como ela
desaparece. Mas você não para por aí. O próximo passo - enquanto você ainda está
empenhado em focar na respiração - é o de reconhecer como fazer com que a a raiva
desapareça. Algumas vezes, apenas o ato de observá-la é o suficiente para fazer com que ela
despareça, outras vezes não e você terá então que lidar com ela de outras formas, tal como
debatendo as razões por trás da raiva ou lembrando a si mesmo das desvantagens da raiva.
Como parte do processo de lidar com ela, você terá que "por a mão na massa". Você terá que
tentar entender porque a raiva está surgindo, porque ela está desaparecendo, como você
pode fazer com que ela saia dali, pois você se dá conta de que ela representa um estado inábil.
E isso exige uma certa dose de improvisação. Experimentação. Você tem que tirar o ego e a
impaciência da frente para poder ter o espaço para cometer erros e aprender com eles, para
que você possa desenvolver a habilidade de lidar com a raiva. Não se trata apenas de odiar a
raiva e tentar colocá-la de lado, ou de amá-la e recebê-la de braços abertos. Essas abordagens
podem trazer resultados no curto prazo, mas no longo prazo elas não são particularmente
hábeis. O requisito neste caso é a habilidade para ver a composição da raiva e como você pode
desfazê-la.

Uma técnica que gosto de usar - quando a raiva está presente e estou numa situação em que
não preciso reagir imediatamente - é simplesmente perguntar a mim mesmo de maneira bem
humorada, "Muito bem, porque você está com raiva?" Ouça aquilo que a mente tem a dizer.
Então prossiga com o tema: "Mas porque você está com raiva disso?" "Claro que estou com
raiva. Pois…" "Bem, mas porque você está com raiva disso?" Se você prosseguir dessa forma,
a mente irá eventualmente admitir algo tolo, como por exemplo a suposição de que as pessoas
não deveriam se comportar assim - apesar de ser óbvio que elas são assim - ou que as pessoas
deveriam agir de acordo com os seus padrões, ou qualquer outra coisa pela qual a mente se
sente tão envergonhada que tenta esconder de você. Mas no final, se você continuar
sondando, ela irá se revelar. Desta forma, você obterá um profundo entendimento da raiva e
isso poderá enfraquecer o poder que ela tem sobre você.

Com relação às qualidades positivas como a atenção plena, tranqüilidade e concentração,


ocorre algo semelhante. Primeiro, você tem a consciência de quando elas estão presentes e
quando não estão para então se dar conta de que é muito mais agradável quando estão
presentes do que quando não estão. Assim, você tenta compreender como elas surgem e
como cessam. Você faz isso tentando manter conscientemente o estado de atenção plena e
concentração. Se você for realmente observador - e essa é a essência de tudo, ser observador
- você começará a perceber que existem formas hábeis de manter esse estado sem estar
preocupado em falhar ou ser bem sucedido, sem permitir que o desejo de obter um estado
mental tranqüilo interfira com o processo de tranqüilizar a mente. Você quer ser bem
sucedido, mas precisa ter uma atitude equilibrada em relação ao fracasso e ao êxito de forma
a aprender com eles. Ninguém está registrando num marcador ou avaliando notas. Você está
aqui para aprender em seu próprio benefício. Dessa forma, esse processo de desenvolver o
seu fundamento da atenção plena não é "simplesmente observar". É muito mais a participação
no processo de surgimento e cessação - na verdade brincar com o processo - de maneira que
você possa aprender com a experiência de como o fenômeno de causa e efeito atuam na
mente.
Certa vez, quando eu estava na universidade, escrevi para casa reclamando da comida e a
minha mãe me mandou um livro de receitas da Julia Child. No livro havia uma seção sobre
como lidar com ovos, onde ela dizia que um sinalizador de um bom cozinheiro era o seu
conhecimento a respeito de ovos. Assim, eu peguei um ovo. Você pode observar um ovo - você
pode aprender certas coisas apenas ao observá-lo, mas você não aprende muito. Para
aprender sobre ovos você tem que colocá-los em uma frigideira e tentar fritá-los. Se você fizer
isso durante algum tempo irá começar a compreender que os ovos possuem variações e que
eles se comportam de certas formas em relação ao calor e de outras em relação ao óleo,
manteiga ou o que quer que seja. E assim, ao trabalhar com o ovo e tentar fazer algo com ele,
você passa de verdade a entender de ovos. Ocorre algo semelhante com a argila: você
realmente não entende de argila até que se torne um oleiro e tente realizar algo com a argila.

E o mesmo ocorre com a mente: a não ser que você realmente tente fazer alguma coisa com
a sua mente, tente estabelecer um estado mental e mantê-lo, você não conhecerá a sua mente
verdadeiramente. Você não conhecerá os processos de causa e efeito dentro da mente. Tem
que existir um elemento de verdadeira participação no processo. Dessa maneira, você poderá
entendê-la. Tudo isso se resume em ser observador e desenvolver uma habilidade. A essência
do desenvolvimento de uma habilidade significa duas coisas. Um, você tem consciência de
uma situação tal como ela se apresenta, e dois, você tem consciência do seu envolvimento
nela. Quando o Buda fala sobre causas, ele diz que todas as situações são moldadas por dois
lados - as causas que vêm do passado e as causas que você está colocando no presente. Você
tem que estar sensível a ambas. Se você não tiver sensibilidade em relação àquilo que você
está colocando em uma certa situação, você nunca irá desenvolver nenhum tipo de habilidade.
Como você tem consciência daquilo que está fazendo, você também observa os resultados. Se
algo não estiver certo, você retorna e modifica o que fez - seguindo dessa forma até que
obtenha os resultados que você deseja. E durante o processo você aprende sobre a argila, os
ovos, ou qualquer outra coisa que você esteja tentando lidar com habilidade.

O mesmo se aplica à mente. É claro, você poderia aprender algo sobre a mente ao tentar
alcançar qualquer tipo de estado, mas para o propósito de desenvolver o insight realmente
penetrante, um estado de concentração estável, equilibrado e plenamente atento é o melhor
tipo de ‘suflê’ ou ‘pote de cerâmica’ no qual você irá querer estabelecer a sua mente. Os
fatores de prazer, conforto e , algumas vezes, até mesmo êxtase que surgem quando a mente
realmente se acalma ajudam você a permanecer com conforto no momento presente, com
um centro de gravidade baixo. Uma vez que a mente esteja firmemente estabelecida dessa
forma, você terá algo para investigar por um bom período de tempo, de maneira que possa
ver qual é a sua composição. No típico estado mental desequilibrado, as coisas aparecem e
desaparecem muito rapidamente para que você possa notá-las com clareza. Mas como o Buda
notou, quando você desenvolve a habilidade com jhana, você pode retroceder um pouco e ver
com clareza como as coisas são. Você pode ver, digamos, onde existe um elemento de apego,
onde existe um elemento de estresse, ou mesmo onde existe inconstância dentro do seu
estado equilibrado. É nesse ponto que você começa a obter o insight, quando você vê as linhas
naturais de segmentação entre os diferentes fatores da mente e, em particular, a linha de
segmentação entre a consciência e os objetos da consciência.

Uma outra vantagem desse estado plenamente atento e concentrado é que você irá se sentir
cada vez mais à vontade nele, você começará a se dar conta de que é possível ter felicidade e
prazer na vida sem ter que depender de coisas externas - pessoas, relacionamentos, aprovação
de outros ou qualquer outra coisa proveniente de ser parte do mundo. Essa compreensão
ajuda a libertá-lo dos seus apegos às coisas externas. Algumas pessoas temem se apegar a um
estado de tranqüilidade mas, na verdade, é muito importante que você se apegue nesse caso,
para que você comece a se acalmar e a se desfazer dos seus apegos externos. Só quando esse
apego à calma for o único restante, você irá começar a trabalhar para afrouxá-lo também.

Ainda uma outra razão porque a concentração sólida é necessária para o insight é que quando
o discernimento surge na mente, a lição básica que ele lhe ensinará é que você tem sido
estúpido. Você se apegou a coisas mesmo sabendo, lá no fundo, que não valia a pena. Agora,
tente convencer as pessoas disso quando elas estão famintas e cansadas. Elas reagirão de
imediato, "Você também é estúpido", e esse será o fim da discussão. Não se chegará a lugar
nenhum. Mas se você conversar com alguém que esteja bem alimentado e descansado, você
pode levantar todos os tipos de assuntos sem correr o risco de uma briga. É o mesmo com a
mente. Quando ela estiver bem alimentada com o êxtase e a tranqüilidade da concentração,
ela estará pronta para aprender. Ela aceitará as suas críticas sem se sentir ameaçada ou
maltratada.

Então, esse é o papel que a concentração desempenha neste segundo estágio da prática da
atenção plena. Ela lhe oferece algo com que brincar, uma habilidade a ser desenvolvida, para
que você possa começar a entender os fatores de causa e efeito dentro da mente. Você
começa a ver a mente apenas como um fluxo de causas com os seus efeitos retornando até
você. As suas idéias são parte desse fluxo de causa e efeito, as suas emoções, a sua noção de
quem você é. Esse insight começa a afrouxar os seus apegos a todo esse processo.

O que acontece, finalmente, é que no terceiro nível na prática da atenção plena a mente
alcança um estado de equilíbrio perfeito – onde você desenvolveu um tal estado de
concentração e de equilíbrio ao ponto de não ter que adicionar nada mais. No sutta dos
Fundamentos da Atenção Plena isso é descrito, simplesmente, como estar consciente - se você
estiver usando o corpo como fundamento- é estar consciente de que "Existe um corpo", o
suficiente para o conhecimento e a atenção plena, sem estar apegado a nada no mundo.
Outros textos denominam esse estado de "não formação". A mente alcança um ponto em que
você começa a compreender que todos os processos causais na mente - incluindo os processos
de concentração e insight - são como bonecas de piche. Se você gostar delas, você ficará
grudado; se você não gostar, você ficará grudado também. Então, o que fazer? Você tem que
chegar ao ponto em que na realidade não estará contribuindo com nada mais para o momento
presente. Você desata a sua participação dele. É quando as coisas se abrem na mente.

Muitas pessoas querem dar um salto e começar direto por esse nível, o de não adicionar nada
ao momento presente, mas não é assim que funciona. Você não consegue ter sensibilidade
para as coisas sutis que a mente está habitualmente adicionando ao presente, a não ser que
você tente conscientemente alterar aquilo que você está adicionando. À medida que a sua
habilidade for melhorando, você terá mais sensibilidade para as coisas sutis que você fazia,
mas não se dava conta. Você, então, alcança um ponto de desencantamento e é quando
compreende que a maneira mais hábil para lidar com o presente é eliminar todos os níveis de
participação, até mesmo aqueles que causam a mínima parcela de estresse na mente. Você
começa a desmontar os níveis de participação que aprendeu no segundo estágio da prática,
até o ponto em que as coisas alcançam o equilíbrio por si mesmas, onde existe o soltar-se de
tudo e o libertar-se.

Portanto, é importante compreender que existem esses três estágios na prática da atenção
plena, e de entender o papel que a prática deliberada da concentração desempenha em
conduzi-lo através dos dois primeiros. Sem ter como objetivo a Concentração Correta, você
não poderá desenvolver as habilidades necessárias para compreender a mente - pois é durante
o processo de conquista da habilidade da concentração plenamente atenta que o verdadeiro
insight surge. Da mesma forma como você não entende realmente o que é um rebanho de
gado, até que você o tenha arrebanhado com êxito - aprendendo com todos os seus fracassos
durante o processo - você não será capaz de obter a compreensão de todas as correntes de
causa e efeito que percorrem a mente, até que você tenha aprendido com os seus fracassos e
êxitos a fazer com que ela se mantenha num estado de concentração plenamente atenta e
atenção plena concentrada. E só quando você tiver realmente entendido e dominado essas
correntes - as do desejo que causam sofrimento e estresse e as da atenção plena e da
concentração que formam o Caminho - você poderá soltar-se e libertar-se delas.

Satipatthana Vipassana
Insight através da Atenção Plena

Introdução

Convidado pessoalmente pelo Honorável U Nu, Primeiro Ministro, e Thado Thiri Thudhamma
Sir U Thwin, Presidente da Budhha Sasananuggaha Association, o Venerável Mahasi Sayadaw,
Bhadanta Sobhana Mahathera, veio de Shwebo para Rangoon no dia 10 de Novembro de 1949.
O Centro de Meditação Thathana Yeiktha, localizado na Hermitage Road, Rangoon, foi
formalmente aberto no dia 4 de Dezembro de 1949, quando Mahasi Sayadaw começou a
ministrar para 15 praticantes o treinamento metódico do sistema correto de Satipatthana
Vipassana.
Desde o primeiro dia da abertura do Centro, um discurso expondo o Satipatthana Vipassana,
seu objetivo, o método de prática, os benefícios derivados, etc., tem sido proferido para cada
grupo de praticantes que chegam quase que diariamente ao Centro para se dedicar ao curso
de treinamento intensivo. O discurso em geral demora uma hora e trinta minutos e a tarefa
de falar dessa forma quase que diariamente se torna desgastante. Felizmente a Buddha
Sasananuggaha Association se ofereceu para aliviar a situação, doando um gravador e o
discurso proferido no dia 27 de Julho de 1951 para um grupo de 15 praticantes foi gravado.
Depois disso, esse discurso gravado tem sido usado constantemente, todos os dias, precedido
por algumas observações preliminares ditas por Mahasi Sayadaw.

Assim, devido à grande demanda de muitos centros de meditação afiliados ao Mahasi


Satipatthana Vipassana, bem como do público em geral, este discurso foi publicado em
formato de livro em 1954. O livro se encontra agora na sexta edição. Como existe também um
grande interesse e demanda entre praticantes de outras nacionalidades que não conhecem o
Birmanês, o discurso agora está traduzido para o inglês.

Satipatthana Vipassana

Namo Buddhasa
Homenagem ao Perfeitamente Iluminado

Ao encontrarmos o Ensinamento do Buda, é muito importante que cada um cultive as


qualidades da conduta virtuosa (sila), concentração (samadhi) e sabedoria (pañña). A pessoa
deve sem dúvida possuir essas três qualidades.

Para as pessoas leigas, o comportamento virtuoso mínimo esperado é a observação dos Cinco
Preceitos. Para os bhikkhus é a observação do Patimokkha, o código de disciplina monástica.
Qualquer um que seja bem disciplinado no comportamento virtuoso irá renascer num plano
feliz de existência como um ser humano ou como um deva.

No entanto, essa forma comum de virtude mundana (lokiya-sila) não servirá como proteção
contra a recaída nos planos inferiores de existência miserável, tal como os infernos, o reino
animal, ou o reino dos petas (fantasmas). É, portanto, desejável cultivar a forma superior de
virtude supramundana (lokuttara-sila). Quando alguém tiver adquirido a virtude
supramundana, estará seguro de não recair nos planos inferiores e irá ter sempre uma vida
feliz ao renascer como ser humano ou deva. Todos deveriam, portanto, tomar como tarefa o
trabalho pela virtude supramundana.

Existe uma real esperança de sucesso para qualquer um que se dedique com sinceridade e
seriedade. Seria de fato uma pena se alguém não tomasse esta oportunidade para adquirir
qualidades mais elevadas, pois tal pessoa será sem dúvida, mais cedo ou mais tarde, vítima do
seu próprio kamma ruim que irá puxá-la para os níveis inferiores de existência miserável nos
infernos, no reino animal, ou na esfera dos petas, onde a duração da vida se estende por
centenas, milhares ou milhões de anos. Fica, portanto, enfatizado que encontrar o
Ensinamento do Buda é uma oportunidade única para trabalhar pelo caminho da
virtude (magga-sila) e pelo fruto da virtude (phala-sila).

Não é, no entanto, aconselhável trabalhar apenas pela conduta virtuosa. É necessário também
praticar o samadhi ou concentração. Samadhi é o estado concentrado e tranqüilo da mente.
A mente comum ou não treinada tem o hábito de perambular por vários lugares. Ela não pode
ser mantida sob controle pois, segue atrás de qualquer idéia, pensamento ou imaginação, etc.
Para evitar essa perambulação, a mente deve ser treinada para dar atenção constante a um
objeto de meditação escolhido. Desenvolvendo essa prática a mente gradualmente abandona
as distrações e permanece fixa no objeto para o qual está direcionada. Isto é samadhi.

Existem dois tipos de concentração: concentração mundana (lokiya-samadhi) e concentração


supramundana (lokuttara-samadhi). Dessas duas, a primeira consiste de absorções
mundanas, tais como as quatro rupa-jhanas – as absorções correspondentes ao reino da
matéria sutil – e as quatro arupa-jhanas – as absorções correspondentes ao reino imaterial.
Essas absorções podem ser alcançadas através da prática da meditação da
tranqüilidade (samatha-bhavana) com métodos tais como a atenção plena na respiração,
amor bondade (metta), kasinas, etc. Como resultado dessas realizações ocorrerá o
renascimento no plano dos brahmas. O tempo de vida de um brahma é bastante longo e pode
durar um ciclo cósmico, dois, quatro, oito até um limite de 84.000 ciclos cósmicos, conforme
for o caso. Mas, ao fim desse tempo de vida um brahma irá morrer e renascer como um ser
humano ou um deva.

Se alguém leva uma vida virtuosa o tempo todo, poderá desfrutar de uma vida feliz num plano
de existência superior, mas, como não estará livre das impurezas da cobiça, aversão e delusão,
poderá cometer atos demeritórios em muitas ocasiões. A pessoa será então vítima do seu
próprio kamma ruim e irá renascer no inferno ou em outros planos inferiores de existência
miserável. Portanto, a concentração mundana também não oferece segurança definitiva. É
aconselhável trabalhar pela concentração supramundana, a concentração dos caminhos
supramundanos (magga) e dos seus frutos (phala). Para adquirir essa concentração é
essencial cultivar a sabedoria (pañña).

Existem dois tipos de sabedoria: mundana e supramundana. Hoje em dia, o conhecimento de


literatura, arte, ciência ou outros assuntos mundanos é em geral considerado como uma forma
de sabedoria, porém, essa forma de sabedoria não tem nada a ver com o desenvolvimento
mental (bhavana). Nem pode ser vista como proporcionando mérito real pois muitas armas
de destruição são inventadas por meio desse tipo de conhecimento que sempre está sob a
influência da cobiça, aversão e outras motivações inábeis. O verdadeiro espírito da sabedoria
mundana, por outro lado, só possui méritos e nenhum demérito de qualquer tipo. A
verdadeira sabedoria mundana inclui: o conhecimento empregado nas atividades de bem-
estar social e auxílio que não causam dano; aprender a obter o conhecimento do verdadeiro
significado ou sentido das escrituras (budistas); e as três classes de conhecimento para o
insight (vipassana-bhavana), que são o conhecimento proveniente do
aprendizado (sutamaya-pañña), o conhecimento proveniente da reflexão (cintamaya-
pañña) e o conhecimento proveniente do desenvolvimento meditativo (bhavanamaya-
pañña). A virtude de possuir a sabedoria mundana irá conduzir a uma vida feliz num plano
elevado de existência, mas, ainda não poderá prevenir o risco de renascer no inferno ou em
outros estados de existência miserável. Só o desenvolvimento da sabedoria
supramundana (lokuttara-pañña) poderá definitivamente remover esse risco.
A sabedoria supramundana é a sabedoria dos caminhos supramundanos e dos seus frutos.
Para desenvolver essa sabedoria é necessário praticar a meditação de insight (vipassana-
bhavana) tendo como base as três disciplinas da virtude, concentração e sabedoria. Ao
desenvolver de forma adequada a qualidade da sabedoria, as qualidades da virtude e
concentração também serão adquiridas.

O Desenvolvimento da Sabedoria

O método para desenvolver essa sabedoria é observar a materialidade (rupa) e a


mentalidade (nama) – os únicos dois elementos que existem num ser vivo – com o objetivo de
entender a sua verdadeira natureza. Na atualidade, os experimentos para a observação
analítica da materialidade são normalmente executados em laboratórios com o auxilio de
vários instrumentos, no entanto, esses métodos não são capazes de lidar com a mente. O
método do Buda não requer nenhum tipo de instrumento ou ajuda externa. Ele pode lidar com
ambos, a materialidade e a mentalidade com bastante êxito. A própria mente é utilizada para
efeitos de análise através da fixação da atenção plena sobre as atividades da materialidade e
mentalidade à medida que elas ocorrem na própria pessoa. Ao repetir continuamente este
tipo de exercício, a concentração necessária poderá ser alcançada, e quando ela for
suficientemente apurada, o fluxo contínuo de origem e cessação da mentalidade e
materialidade será percebido de modo vívido.

Um ser vivo consiste apenas dos dois grupos distintos de materialidade e mentalidade. A
substância sólida do corpo, tal como é encontrada, pertence ao grupo da materialidade. De
acordo com a enumeração usual dos fenômenos materiais, existem no total vinte oito tipos
de fenômenos materiais no grupo da materialidade, mas de forma simplificada pode ser
observado que o corpo é uma massa de materialidade. Por exemplo, é o mesmo que uma
boneca feita de argila ou trigo, que nada mais é do que uma coleção de partículas de argila ou
trigo. A materialidade muda a sua forma (ruppati) sob as condições físicas de calor, frio, etc.,
e devido a essa mutabilidade sob condições físicas diferentes, é denominada rupa em Pali. A
materialidade não possui nenhuma faculdade para conhecer um objeto.
No Abhidhamma, os elementos de mentalidade e materialidade são classificados
respectivamente como “estados com objeto” (sarammana-dhamma) e “estados sem
objeto” (anarammana-dhamma). O elemento de mentalidade possui um objeto, detém um
objeto, conhece um objeto, enquanto que aquele da materialidade não possui um objeto, não
detém um objeto e não conhece um objeto. Assim, pode-se ver que o Abhidhamma afirma de
forma direta que a materialidade não possui a faculdade de conhecer um objeto. Um
meditador também percebe desta maneira, que a “materialidade não possui a faculdade de
conhecimento.”

Lenha e colunas, tijolos, pedras e torrões de terra são massas de materialidade. Eles não
possuem a faculdade de conhecimento. O mesmo se dá com a materialidade que constitui um
corpo vivo - não possui a faculdade de conhecimento. As pessoas, no entanto, possuem em
comum a idéia de que a materialidade de um corpo vivo possui a faculdade de conhecer um
objeto e de que perde essa faculdade somente com a morte. Mas, na verdade não é assim. Na
verdade, a materialidade, quer seja num corpo vivo ou num cadáver, não possui a faculdade
de conhecer um objeto.

O que é então aquilo que conhece um objeto? É a mentalidade, que surge na dependência da
materialidade. É chamada nama em Pali porque se inclina (namati) em direção a um objeto. A
mentalidade também é referida como pensamento ou consciência. A mentalidade surge na
dependência da materialidade: na dependência do olho, a consciência no olho surge (visão);
na dependência do ouvido, a consciência no ouvido surge (audição); na dependência do nariz,
a consciência no nariz surge (olfato); na dependência da língua, a consciência na língua surge
(sabor); na dependência do corpo, a consciência no corpo surge (tangível). Existem muitos
tipos de tangíveis, bons e maus.

Enquanto os tangíveis possuem um amplo campo de ação ao percorrer toda a extensão do


corpo, internamente e externamente, o sentido da visão, audição, olfato e paladar surgem na
sua esfera particular – o olho, o ouvido, o nariz e a língua – cada um dos quais ocupando uma
área pequena e delimitada no corpo. Esses sentidos do tato, visão, etc., não são nada mais que
elementos da mente. Na mente também ocorre a consciência – pensamentos, idéias,
fantasias, etc. – que depende da base da mente. Todos estes são elementos da mente. A
mente conhece um objeto, enquanto que a materialidade não conhece um objeto.

Visão

Em geral as pessoas acreditam que, no caso da visão, é o olho que na verdade vê. Elas pensam
que a visão e o olho são a mesma coisa. Elas também pensam que: “A visão sou eu,” “Eu vejo
as coisas,” “O olho, a visão e eu somos uma única pessoa.” Não é assim, na realidade. O olho
é uma coisa e a visão é outra e não existe uma entidade separada tal como o “eu” ou “ego.”
Existe apenas a realidade da visão que surge na dependência do olho.

Para dar um exemplo, é como o caso de uma pessoa que está dentro de uma casa. A casa e a
pessoa são duas coisas distintas: a casa não é a pessoa, nem a pessoa é a casa. Da mesma
forma com a visão. O olho e a visão são duas coisas distintas: o olho não é a visão, nem a visão
é o olho.

Para dar um outro exemplo, é como o caso de uma pessoa num quarto, que ao abrir a janela
vê muitas coisas. Se ela for perguntada, “Quem é que vê? É a janela ou a pessoa que na verdade
vê?” a resposta é, “A janela não possui a habilidade de ver; é apenas a pessoa que vê.” Se
perguntada outra vez, “A pessoa será capaz de ver as coisas no exterior sem a janela?” a
resposta será, “Não é possível enxergar através da parede sem uma janela. Só é possível ver
através da janela.” Da mesma forma, no caso da visão existem duas realidades separadas, o
olho e a visão. O olho não é a visão, nem a visão é o olho, porém, não pode existir um ato de
ver sem o olho. Na realidade, a visão surge na dependência do olho.

Agora está evidente que no corpo existem apenas dois elementos distintos, de materialidade
(olho) e mentalidade (visão) em cada momento de ver. Além disso, existe também um terceiro
elemento de materialidade – o objeto visual. Em certas ocasiões o objeto visual é notado
dentro do corpo e outras vezes é notado fora do corpo. Com a adição do objeto visual serão
então três elementos, dois dos quais (o olho e o objeto visual) são a materialidade e o terceiro
(visão) a mentalidade. O olho e o objeto visual, sendo materialidade, não possuem a faculdade
de conhecer um objeto, enquanto que a visão, sendo mentalidade, pode conhecer o objeto
visual e determinar o que ele é. Agora está claro que existem apenas os dois elementos
separados de materialidade e mentalidade no momento de ver e o surgimento desse par de
elementos separados é conhecido como visão.

As pessoas que não possuem o treinamento e o conhecimento da meditação de insight têm a


idéia de que a visão pertence ou é o “eu”, “ego,” “uma entidade viva,” ou “uma pessoa.” Elas
acreditam que “a visão sou eu,” ou “eu sou a visão,” ou “eu sou o conhecimento.” Esse tipo
de idéia ou entendimento é chamado sakkaya-ditthi em Pali. Sakkaya significa o grupo de
materialidade (rupa) e mentalidade (nama) com suas existências distintas. Ditthi significa o
entendimento, idéia ou crença incorreta. A palavra composta sakkaya-ditthi significa o
entendimento incorreto ou crença num eu em relação a nama e rupa.

Para maior clareza, explicaremos um pouco mais sobre como o entendimento ou idéia
incorreta é sustentada. No momento de ver, as coisas que na realidade existem são o olho, o
objeto visual (ambos materialidade) e a visão (mentalidade). Nama e rupa são a realidade, no
entanto, as pessoas possuem a idéia de que esse grupo de elementos é o eu, ou ego, ou uma
entidade viva. Elas consideram que “ver é o eu,” ou “aquilo que vê é o eu,” ou “eu vejo meu
próprio corpo.” Portanto, esse entendimento incorreto toma o simples ato de ver como sendo
o eu, que é sakkaya-ditthi, o entendimento incorreto de um eu.

Enquanto a pessoa não se libertar do entendimento incorreto de um eu, não poderá, com
segurança, escapar do risco de cair num dos planos miseráveis dos infernos, animais ou petas.
Embora possa viver uma vida feliz no mundo humano ou dos devas por virtude dos seus
méritos, ainda assim estará sujeita, em qualquer momento, a cair num dos estados de
existência miserável quando os deméritos frutificarem. Por essa razão, o Buda apontou ser
essencial trabalhar pela completa erradicação do entendimento incorreto de um eu:

“Que um bhikkhu se empenhe com a atenção plena para abandonar a idéia de um


eu” (sakkaya-ditthippahanaya sato bhikkhu paribbaje)

Explicando: embora seja o desejo de todos evitar o envelhecimento, enfermidade e morte,


ninguém pode impedir o seu inevitável re-surgimento. Após a morte, segue o renascimento.
O renascimento em algum estado de existência não depende do desejo de cada um. Não é
possível evitar o renascimento nos infernos, no reino dos animais ou no reino
dos petas apenas através do desejo. O renascimento pode ocorrer em qualquer estado de
existência como conseqüência das próprias ações: não existe outra opção. Por essa razão, o
ciclo de nascimentos e morte, samsara, é tão terrível. Portanto, todo esforço deve ser feito
para que cada um se familiarize com as condições miseráveis do samsara, e então venha a
trabalhar para escapar do samsara para alcançar Nibbana.

Se escapar do samsara de vez não é possível no momento, um esforço deve ser feito para pelo
menos escapar do ciclo de renascimentos nos infernos, no reino animal e no reino dos petas.
Neste caso é necessário trabalhar pela completa remoção de sakkaya-ditthi, que é a causa
primária do renascimento nos estados miseráveis de existência. Sakkaya-ditthi só pode ser
completamente destruído através do nobre caminho e do seu fruto: as três qualidades
supramundanas da virtude, concentração e sabedoria. É, portanto, imperativo trabalhar pelo
desenvolvimento dessas qualidades. Como se deve trabalhar? Através da notação ou
observação a pessoa deve sair da esfera de influência das contaminações (kilesa). Ela deve
praticar notando ou observando constantemente cada ato de ver, ouvir, etc., que são os
processos físicos e mentais, até que se liberte de sakkaya-ditthi, o entendimento incorreto do
eu.

Por essas razões, o conselho para adotar a prática da meditação vipassana é invariavelmente
dado aqui. Agora, os meditadores que vieram a este Centro com o propósito de praticar a
meditação vipassana deverão ser capazes de completar o curso de treinamento e alcançar o
nobre caminho em pouco tempo. O entendimento do eu será então completamente removido
e a proteção contra o perigo de renascer nos reinos dos infernos, animais e petas será obtida.

Com respeito a isso, o exercício é simplesmente notar ou observar os elementos existentes


em cada ato de ver. Deve ser notado como “vendo, vendo” em cada ocasião que se vê. Os
termos “notar” ou “observar” ou “contemplar” significam o ato de manter a mente fixada no
objeto com o objetivo de conhecê-lo de forma clara.

Quando isso é feito, e o ato de ver é notado como “vendo, vendo,” em certas ocasiões o objeto
visual é notado, em outras a consciência de ver é notada, em outras a base do olho, o lugar do
qual se vê é notado. Será suficiente se a pessoa puder notar com clareza qualquer um dos três.
Se não, baseado neste ato de ver irá surgir sakkaya-ditthi, que irá enxergar sob a forma de
uma pessoa ou como pertencendo a uma pessoa, ou como sendo permanente, prazeroso e
como eu. Isso irá estimular as contaminações do desejo e do apego que por seu lado irão gerar
ações e as ações irão resultar num renascimento, numa nova existência. Assim opera o
processo de origem dependente e o círculo vicioso do samsara gira sem cessar. Para evitar o
círculo do samsara a partir desse ato de ver, é necessário notar “vendo, vendo” em cada
ocasião que estiver vendo.

Audição, Etc.

Da mesma forma, no caso da audição existem apenas dois elementos distintos, materialidade
e mentalidade. O sentido da audição surge na dependência do ouvido. Enquanto que o ouvido
e o som são dois elementos da materialidade, o sentido da audição é um elemento da
mentalidade. Para conhecer de forma clara qualquer um desses dois elementos de
mentalidade e materialidade, em cada ocasião que estiver ouvindo deve ser notado como
“ouvindo, ouvindo.” Assim também, “cheirando, cheirando” deve ser notado em cada ocasião
que estiver cheirando, e “saboreando, saboreando” em cada ocasião que estiver saboreando.

O tangível no corpo deve ser notado da mesma forma. Existe um tipo de elemento material
em todo o corpo conhecido como sensibilidade corporal, que recebe todas as sensações
tácteis. Todas as sensações tácteis, quer sejam agradáveis ou desagradáveis, em geral entram
em contato com a sensibilidade corporal e a partir disso surge a consciência no corpo que
sente ou conhece a sensação táctil de cada evento. Pode ser visto que a cada sensação táctil
existem dois elementos de materialidade – a sensibilidade corporal e o objeto tangível – e um
elemento de mentalidade – conhecendo a sensação táctil.

Para conhecer essas coisas de forma clara, a cada sensação táctil, a prática de notar como
“toque, toque” deve ser feita. Isto se refere apenas à forma comum da sensação táctil. Existem
formas especiais que acompanham as sensações dolorosas ou desagradáveis, tal como sentir
tensão ou cansaço no corpo ou membros, sentir calor, dor, dormência, incômodo, etc. Como
a sensação (vedana) predomina nesses casos, deve ser notado como “sensação de calor,”
“sensação de cansaço,” “sensação de dor,” etc., de acordo com o caso.
Também deve ser mencionado que ocorrem muitas sensações nas mãos, pernas, etc., em cada
ação de dobrar, esticar ou mover. Pelo fato da mentalidade querer mover, esticar ou dobrar,
as atividades materiais de mover, esticar ou dobrar, etc. ocorrem em sucessão. (Pode ser que
no início essas ocorrências não sejam notadas. Elas poderão ser notadas apenas depois de
algum tempo ao ganhar-se experiência com a prática. Isto é mencionado aqui para efeito de
informação geral.) Todas as atividades de movimento e mudanças, etc., são feitas pela
mentalidade. Quando a mentalidade quer dobrar, surge uma série de movimentos internos da
mão ou perna. Quando a mentalidade quer esticar ou mover, surgem uma série de
movimentos externos ou movimentos de ir e vir. Eles desaparecem imediatamente depois que
ocorreram, no ponto exato da ocorrência, como poderá ser notado com mais experiência.

Em cada evento de dobrar, esticar, ou outras atividades, surge primeiro uma série de
intenções, momentos de mentalidade, induzindo ou causando nas mãos e pernas uma série
de atividades materiais, tais como enrijecer, dobrar, esticar ou mover para cá e para lá. Essas
atividades vão de encontro a outros elementos materiais, a sensibilidade corporal, e em cada
evento de contato entre as atividades materiais e as qualidades de sensação surge a
consciência no corpo que sente ou conhece a sensação táctil. Fica, portanto, claro que as
atividades materiais são fatores predominantes nesses casos. É necessário notar esses fatores
predominantes. Se não, com certeza irá surgir o entendimento incorreto que considera essas
atividades como ações de um “eu” – “eu estou dobrando,” “eu estou esticando,” “minhas
mãos,” ou “minhas pernas.” A prática de notar como “dobrando,” “esticando,” “movendo,” é
feita com o propósito de remover esse entendimento incorreto.

Mente

Na dependência da base da mente surge uma série de atividades mentais, tais como pensar,
imaginar, etc., ou falando de uma forma geral, uma série de atividades mentais surgem na
dependência do corpo. Na realidade, cada caso é uma composição de mentalidade e
materialidade, a base da mente sendo a materialidade e o pensamento, imaginação e assim
por diante, sendo a mentalidade. Para ser capaz de notar a materialidade e a mentalidade com
clareza, “pensando,” “imaginando” e assim por diante, deve ser notado em cada caso.
Depois de haver executado a prática da maneira indicada por algum tempo, poderá ocorrer
uma melhoria na concentração. A pessoa irá notar que a mente não mais perambula por vários
lugares, mas permanece fixa no objeto para o qual está direcionada. Ao mesmo tempo, o
poder de observação terá se desenvolvido de forma considerável. Em cada ocasião em que
uma notação é feita, apenas dois processos de materialidade e mentalidade são observados
pela pessoa, um conjunto composto de um objeto (materialidade) e um estado mental
(mentalidade), surgindo ao mesmo tempo.

Prosseguindo com a prática de meditação, depois de algum tempo será notado que nada é
permanente, mas que tudo se encontra num estado de movimento. Novas coisas surgem a
cada instante. Cada uma delas é notada ao surgir. Tudo que surge desaparece imediatamente
e imediatamente outra coisa surge, a qual é novamente notada e depois desaparece. Assim o
processo de surgimento e desaparecimento continua, o que mostra com clareza que nada é
permanente. A pessoa, dessa forma, compreende que “as coisas não são permanentes”
porque pode ver que elas surgem e desaparecem imediatamente. Esse é o insight da
impermanência (aniccanupassana-ñana).

Então a pessoa compreende que “o surgimento e desaparecimento não são desejáveis.” Esse
é o insight do sofrimento (dukkhanupassana-ñana). Ela em geral também experimenta muitas
sensações dolorosas no corpo, tais como cansaço, calor, dores, e ao notar essas sensações a
pessoa se dá conta de que este corpo é uma coleção de sofrimentos. Isso também é o insight
do sofrimento.

Então, a cada momento em que uma notação é feita se observa que os elementos da
materialidade e mentalidade ocorrem de acordo com a sua respectiva natureza e
condicionamento e não de acordo com o desejo da pessoa. Assim ela compreende que “eles
são elementos; não podem ser governados; não são uma pessoa ou uma entidade viva.” Esse
é o insight do não-eu (anattanupassana-ñana).

Ao adquirir de forma plena esses insights da impermanência, sofrimento e não-eu, ocorre o


amadurecimento do conhecimento dos caminhos supramundanos (magga-ñana) e o
conhecimento dos seus frutos (phala-ñana), e Nibbana é realizado. Ao realizar Nibbana no
primeiro estágio, a pessoa estará livre do ciclo de renascimentos nos reinos de existência
miserável. Todos, portanto, deveriam se empenhar para realizar esse primeiro estágio, o
caminho e fruto de entrar na correnteza, como uma medida de proteção mínima contra um
renascimento desfavorável.

O Exercício para o Principiante

Já foi explicado que o método de prática na meditação vipassana é notar, ou observar, ou


contemplar as ocorrências sucessivas de ver, ouvir e assim por diante nas seis portas dos meios
dos sentidos. No entanto, não é possível que um principiante siga todos esses incidentes
sucessivos à medida que eles ocorrerem porque a sua atenção
plena (sati), concentração (samadhi) e compreensão (ñana) ainda são muito débeis. Os
momentos de ver, ouvir, cheirar, saborear, tocar e pensar ocorrem com muita rapidez. Parece
que ver ocorre ao mesmo tempo que ouvir, que ouvir ocorre ao mesmo tempo que ver, que
ver e ouvir ocorrem simultaneamente, que ver, ouvir, pensar e imaginar sempre ocorrem
simultaneamente. Como eles ocorrem com tal rapidez, não é possível distinguir qual ocorre
primeiro e qual vem em segundo lugar.

Na realidade, ver não ocorre ao mesmo tempo que ouvir, nem ouvir ocorre ao mesmo tempo
que ver. Esses incidentes só podem ocorrer um de cada vez. Um meditador que apenas tenha
começado a prática e que não tenha desenvolvido de forma adequada a sua atenção plena,
concentração e sabedoria não estará ainda em condições de observar todos esses momentos
individualmente, pois eles ocorrem em sucessão. Um principiante, portanto, não precisa notar
muitas coisas. Ele deve começar com bem poucas coisas.

Ver e ouvir apenas ocorrem quando se dá atenção aos seus objetos. Se a pessoa não prestar
atenção a nenhuma visão ou som, poderá passar o tempo sem que nenhum evento de ver ou
ouvir ocorra. Cheiros raramente ocorrem. A experiência de saborear ocorre somente ao
comer. No caso de ver, ouvir, cheirar e saborear, o meditador poderá notá-los quando eles
ocorrerem. As impressões corporais, no entanto, estão sempre presentes. Elas ocorrem de
forma clara o tempo todo. Enquanto a pessoa estiver sentada, as impressões corporais de
tensão ou a sensação de rigidez da posição são sentidas com clareza. A atenção deve, portanto,
estar fixada na posição sentada e a notação “sentada, sentada, sentada” deve ser feita.

Sentar

Sentar é uma postura ereta do corpo que consiste de uma série de atividades físicas que são
induzidas pela consciência e que se compõem de uma série de atividades mentais. É igual a
uma bola de borracha inflada que mantém a sua forma arredondada através da resistência do
ar dentro dela. A postura de sentar é semelhante, pois o corpo é mantido numa posição ereta
através do processo contínuo das atividades físicas. Uma boa dose de energia é necessária
para erguer e manter em posição ereta uma carga tão pesada como este corpo. As pessoas
em geral assumem que o corpo é levantado e mantido numa posição ereta através dos
músculos. Essa premissa é de certa forma correta pois os músculos, sangue, tendões e ossos
não são nada mais que materialidade. O elemento de tensão que mantém o corpo numa
posição ereta pertence ao grupo da materialidade e surge nos músculos, tendões, sangue, etc.,
por todo o corpo, da mesma forma como o ar na bola de borracha.

O elemento de tensão é o elemento ar, conhecido como vayo-dhatu. O corpo é mantido numa
posição ereta através do elemento ar sob a forma de tensão que se renova continuamente.
Durante o sono ou sonolência, a pessoa se deita porque o suprimento de novos materiais sob
a forma de tensão é interrompido. O estado mental quando há muita sonolência ou durante
o sono é chamado bhavanga, o “contínuo da vida” ou fluxo passivo subconsciente.
Durante bhavanga, as atividades mentais estão ausentes e por essa razão o corpo permanece
deitado durante o sono ou muita sonolência.

Durante o período desperto, as atividades mentais intensas e alertas estão continuamente


surgindo, e devido a isso, o elemento ar surge na seqüência sob a forma de tensão. Para
conhecer esses fatos, é essencial notar a postura corporal atentamente como “sentada,
sentada, sentada.” Isso não quer dizer necessariamente que essa impressão corporal de
tensão deva ser buscada e notada. A atenção deve ser fixada apenas no conjunto completo da
postura sentada, isto é, o tronco inferior numa forma circular dobrada e o tronco superior
mantido ereto.
Pode ser que o exercício de observar a mera posição sentada seja considerado fácil demais e
que não requeira muito esforço. Se for assim, há pouca energia (viriya) e
concentração (samadhi) em excesso. A pessoa irá em geral sentir preguiça e não irá querer
prosseguir repetindo por um longo tempo a notação de “sentada, sentada, sentada.” A
preguiça em geral ocorre quando existe um excesso de concentração e falta de energia. Nada
além de um estado de preguiça e torpor (thina-middha).

Mais energia deve ser desenvolvida e para que isso ocorra o número de objetos notados deve
ser aumentado. Depois de notar “sentada,” a atenção deve ser dirigida para um ponto no
corpo onde a sensação táctil é sentida e uma notação “toque” deve ser feita. Qualquer ponto
na perna, mão ou quadril onde uma sensação táctil seja sentida de forma clara irá servir. Por
exemplo, depois de notar a posição do corpo sentada como “sentada,” o ponto em que a
sensação táctil é sentida deve ser notado como “toque.” A notação deverá, portanto, ser
repetida usando esses dois objetos da posição sentada e do ponto do toque alternadamente,
como “sentada, toque, sentada, toque, sentada, toque.”

Os termos “notação,” “notar,” “observar” e “contemplar” são aqui usados para indicar a
fixação da atenção num objeto. O exercício consiste em simplesmente notar ou observar, ou
contemplar o “sentar, tocar.” Quem já possui alguma experiência na prática de meditação
poderá achar que este é um exercício fácil, mas aqueles que não possuem experiência prévia
poderão achar que é um exercício um tanto quanto difícil.

Expansão - Contração

Um exercício mais simples e fácil para um principiante é o seguinte: a cada respiração ocorre
no abdômen um movimento de expansão e contração. Um principiante deveria começar com
o exercício de notar esse movimento. Esse movimento de expansão e contração é fácil de
observar por sua característica mais tosca e portanto mais adequado para quem está
principiando. Como nas escolas onde as lições mais simples são mais fáceis de aprender, assim
também ocorre na prática da meditação vipassana. Será mais fácil para um principiante
desenvolver a concentração e o conhecimento através de um exercício simples e fácil.
Novamente, o propósito da meditação vipassana é de iniciar o exercício através da
contemplação dos fatores proeminentes do corpo. Dos dois fatores de mentalidade e
materialidade, o primeiro é sutil e menos proeminente, enquanto que o último possui uma
característica mais tosca e é mais proeminente. No princípio, portanto, o procedimento mais
comum para quem pratica a meditação de insight é de começar o exercício contemplando os
elementos materiais.

Com relação à materialidade, pode ser mencionado aqui que a materialidade derivada (upada-
rupa) é sutil e menos proeminente, enquanto que os quatro elementos físicos
primários (maha-bhuta-rupa) – terra, água, fogo e ar – são mais toscos e mais proeminentes.
Esses últimos portanto deveriam ter a prioridade na seqüência de objetos para contemplação.
No caso da expansão – contração, o fator que mais se destaca é o elemento ar, ou vayo-
dhatu. O processo de enrijecimento e os movimentos do abdômen que são notados durante
a contemplação não são nada mais que as funções do elemento ar. Dessa forma, será visto
que o elemento ar é perceptível no início.

De acordo com as instruções do Satipatthana Sutta, a pessoa deve estar plenamente atenta
às atividades de caminhar enquanto caminha, àquelas de ficar em pé, sentar e deitar enquanto
estiver em pé, sentada e deitada respectivamente. A pessoa também deve estar atenta a
outras atividades corporais à medida que cada uma delas ocorra. A respeito disto, é
mencionado nos comentários que a pessoa deveria estar plenamente atenta principalmente
ao elemento ar, em preferência aos outros três elementos. Na verdade, todos os quatro
elementos primários são dominantes em cada ação do corpo e é essencial perceber cada um
deles. Ao iniciar a meditação, um dos dois movimentos de expansão ou contração será notado
de forma mais clara com cada respiração e o princípio deve ser a notação desses movimentos.

Algumas das características fundamentais do sistema de meditação vipassana foram


explicadas para efeito de informação geral. Iremos lidar agora com o esboço dos exercícios
básicos.

Esboço dos exercícios básicos


Ao contemplar a expansão e contração, o discípulo deverá manter sua mente no abdômen.
Assim ele irá compreender o movimento para cima ou de expansão do abdômen ao inspirar e
o movimento para baixo ou contração ao expirar. Uma notação mental deve ser feita como
“expansão” para o movimento para cima e “contração” para o movimento para baixo. Se esses
movimentos não forem notados com clareza apenas com a fixação da mente sobre eles, então
uma ou as duas mãos devem ser colocadas sobre o abdômen.

O meditador não deve tentar modificar a sua maneira natural de respirar. Ele não deve tentar
reduzir a respiração através da retenção do ar, nem acelerar a respiração ou respirar fundo.
Se o fluxo natural da respiração for modificado surgirá logo o cansaço. Portanto, ele deve
manter o fluxo natural da respiração e dar prosseguimento à contemplação da expansão e
contração.

Ao ocorrer o movimento ascendente do abdômen, a notação mental “expansão” deve ser feita
e no movimento descendente do abdômen, a notação mental “contração” deve ser feita. A
notação mental desses termos não deve ser vocalizada. Na meditação vipassana é mais
importante conhecer o objeto do que conhecê-lo através de um nome ou termo. É portanto
necessário que o discípulo faça todo o esforço para estar plenamente atento ao movimento
de expansão desde o seu início até o seu final e da contração desde o seu início até o seu final,
como se esses movimentos estivessem na verdade sendo vistos com os olhos. Assim que
ocorrer a expansão, a mente que toma conhecimento disso deve estar próxima do movimento,
como no caso de uma pedra atingindo uma parede. O movimento de expansão, à medida que
ele ocorre, e a mente que toma conhecimento disso têm que se encontrar a cada momento.
Da mesma forma, o movimento de contração, à medida que ele ocorre, e a mente que toma
conhecimento disso, têm que se encontrar a cada momento.

Quando não existir nenhum outro objeto que seja evidente, o meditador deve dar
continuidade ao exercício de notar esses dois movimentos como “expansão, contração,
expansão, contração, expansão, contração.” Enquanto estiver ocupado com esse exercício,
poderá haver ocasiões em que a mente se desviará. Quando a concentração é fraca é muito
difícil controlar a mente. Embora esta seja dirigida para os movimentos de expansão e
contração, a mente não permanecerá com eles e irá se desviar para outras coisas. Essa mente
que se desvia para outras coisas não deve ser deixada em paz. Deve ser notada como “desvio,
desvio, desvio” assim que for notado que ela se desviou. Ao notar uma ou duas vezes, a mente
em geral pára de se desviar e em seguida o exercício de notar a “expansão, contração” deve
ser retomado. Quando novamente for observado que a mente chegou a algum lugar, deve ser
notado como “chegando, chegando, chegando.” O exercício de notar a “expansão, contração”
deve ser retomado assim que os movimentos da mente estiverem claros.

Ao encontrar com uma pessoa na imaginação, deve ser notado como “encontro, encontro,”
depois do que, o exercício usual deve ser retomado. Algumas vezes, o fato de que é pura
imaginação é descoberto quando a pessoa conversa com aquela pessoa imaginária, então,
deve ser notado como “conversando, conversando.” O verdadeiro objetivo é de notar cada
atividade mental à medida que ela ocorra. Por exemplo, deve ser notado como “pensamento”
no momento em que se estiver pensando e como “refletindo,” “planejando,” “conhecendo,”
“se preocupando,” “se alegrando,” “sentindo-se preguiçoso,” “sentindo-se feliz,” “sentindo-
se enojado,” etc., conforme for o caso, à medida que cada atividade ocorra. A contemplação
e notação das atividades mentais é chamada cittanupassana, contemplação da mente.

Como as pessoas não possuem conhecimento prático da meditação vipassana, elas em geral
não estão em posição de compreender o verdadeiro estado da mente. Isso as conduz
naturalmente ao entendimento incorreto de assumir que a mente é uma “pessoa,” “eu,”
“entidade viva.” Elas em geral crêem que a “imaginação” é o eu,” “eu sou o pensamento,” “eu
sou o planejamento,” “eu sou a compreensão” e assim por diante. Elas acreditam que existe
uma entidade viva ou eu que cresce da infância até a idade adulta. Na realidade, essa entidade
viva não existe, mas há um processo contínuo de elementos mentais que ocorrem um de cada
vez, em sucessão. A prática da meditação é portanto feita com o objetivo de descobrir a
verdadeira natureza deste complexo mente-corpo.

Com respeito à mente e a maneira como ela surge, o Buda menciona no Dhammapada (verso
37):
Durangamam ekacaram
Asariram guhasayam
Ye cittam saññamessanti
Mokkhanti Marabandhana.

Indo longe, perambulando só,


Sem forma e repousando numa caverna.
Aqueles que contêm a mente
Com certeza se libertarão dos grilhões de Mara.

Indo longe. A mente em geral perambula por todo lugar. Enquanto o meditador tenta dar
seguimento à prática de meditação na sala de meditação, com freqüência ele se dá conta de
que a sua mente escapou para muitos outros lugares, cidades, etc. Ele também se dá conta
que a mente num instante de imaginação ou pensamento pode errar para qualquer um dos
lugares distantes que ele tenha conhecido. Esse fato é descoberto com o auxílio da meditação.

Só. A mente ocorre de forma isolada, momento a momento em sucessão. Aqueles que não
percebem essa realidade acreditam que uma única mente exista no curso da vida ou
existência. Eles não sabem que novas mentes estão sempre surgindo a cada momento. Eles
pensam que ver, ouvir, cheirar, saborear, tocar e pensar no passado e no presente são parte
da mesma mente e que três ou quatro ações de ver, ouvir, tocar, conhecer, em geral ocorrem
ao mesmo tempo.

Esses são entendimentos incorretos. Na realidade, momentos isolados da mente surgem e


desaparecem continuamente, um após o outro. Isso poderá ser percebido com a prática. Os
casos de imaginação e planejamento são percebidos com facilidade. A imaginação desaparece
assim que for notada como “imaginação, imaginação,” e o planejamento também desaparece
assim que for notado como “planejamento, planejamento.” Essas ocorrências de surgir, notar
e desaparecer se assemelham a um cordão de contas. A mente que precede não é a mente
que segue. Cada uma é separada da outra. Essas características da realidade podem ser
percebidas por qualquer um e para lograr isso é necessário dar continuidade à prática da
meditação.
Sem forma. A mente não possui substância, não possui forma. Não é fácil distinguí-la como é
o caso da materialidade. No caso da materialidade, o corpo, a cabeça, as mãos e as pernas são
bastante proeminentes e notados com facilidade. Se for perguntado o que é a matéria, esta
poderá ser manuseada e mostrada. A mente, no entanto, não é descrita com facilidade porque
não possui substância ou forma. Por essa razão, não é possível submeter a mente a
experimentos analíticos em laboratório.

A pessoa pode, no entanto, compreender a mente plenamente se for explicado que é aquilo
que conhece um objeto. Para compreender a mente é necessário contemplá-la a cada
momento em que ela ocorre. Quando a meditação estiver avançada de forma razoável, o
acesso da mente ao seu objeto é compreendido com clareza. Parece que a cada momento
mental a mente está realizando um salto direto em direção ao objeto. Portanto, a meditação
é prescrita para conhecer a verdadeira natureza da mente.

Repousando numa caverna. Como a mente surge na dependência da base da mente e das
outras portas dos meios dos sentidos situadas no corpo, diz-se que ela está repousando numa
caverna.

Aqueles que contêm a mente com certeza se libertarão dos grilhões de Mara. É dito que a
mente deve ser observada a cada momento em que ela ocorra. A mente pode, portanto, ser
controlada através da meditação. Ao controlar a mente com êxito, o meditador irá conquistar
a libertação dos grilhões de Mara, o Rei da Morte. Com isso, pode ser visto que é importante
notar a mente a cada momento em que ela ocorre. Assim que for notado, aquele momento
mental desaparece. Por exemplo, ao notar uma ou duas vezes como “intenção, intenção,”
observa-se que a intenção desaparece de imediato. Em seguida o exercício tradicional de notar
a “expansão, contração, expansão, contração” deve ser retomado.

Durante o exercício usual, a pessoa pode sentir vontade de engolir saliva. Isso deve ser notado
como “desejo,” e ao acumular a saliva como “acumulando” e ao engolir como “engolindo,” na
ordem seqüencial das ocorrências. A razão para a contemplação neste caso é porque pode
haver uma idéia pessoal persistente que “querer engolir é o eu,” “engolir também é o eu.” Na
realidade, “desejar engolir” é a mentalidade e não um “eu” e “engolir” é a materialidade e não
um “eu.” Naquele momento apenas existe a mentalidade e a materialidade. Contemplando
desta forma a pessoa irá compreender com clareza o processo da realidade. Do mesmo modo,
no caso de cuspir deve ser notado como “desejo” quando a pessoa quer cuspir, como
“curvando” ao curvar o pescoço, (que deve ser feito vagarosamente), como “vendo” ao ver e
como “cuspindo” ao cuspir. Em seguida o exercício usual de notar “expansão, contração” deve
ser retomado.

Ao ficar sentado por um longo tempo, irão surgir no corpo sensações desagradáveis de tensão,
calor e assim por diante. Essa sensações devem ser notadas quando ocorrerem. A mente deve
ser fixada naquele ponto e a notação de “tenso, tenso” ao sentir tensão, de “quente, quente”
ao sentir calor, de “dor, dor” ao sentir dor, de “formigamento, formigamento” ao sentir
sensações de formigamento e de “cansaço, cansaço” ao sentir cansaço. Essa sensações
desagradáveis são dukkha-vedana e a contemplação dessas sensações
é vedananupassana, contemplação das sensações.

Devido à ausência de conhecimento em relação a essas sensações, persiste o entendimento


incorreto de tomá-las como sendo a própria identidade ou eu, dizendo, “eu sinto a tensão,”
“eu sinto a dor,” “antes eu estava me sentindo bem, mas agora me sinto desconfortável,”
como se fosse um único eu. Na realidade, as sensações desagradáveis surgem devido a
impressões desagradáveis no corpo. Tal como a luz numa lâmpada elétrica que poderá
continuar a arder enquanto houver suprimento de energia, o mesmo ocorre com as sensações
que surgem a cada ocasião de contato com impressões desagradáveis.

É essencial compreender essas sensações de forma clara. No início ao notar como “tenso,
tenso,” “quente, quente,” “dor, dor,” a pessoa poderá sentir que essas sensações
desagradáveis se intensificam, e em seguida irá notar que surge na mente o desejo de mudar
de postura. Esse desejo deve ser notado como “desejo, desejo.” Então, deve-se retornar à
sensação e continuar a notar como “tenso, tenso,” ou “quente, quente” e assim por diante.
Se, com grande paciência, a pessoa contemplar dessa forma, as sensações desagradáveis irão
desaparecer.
Existe um ditado que diz que a paciência conduz a Nibbana. É evidente que esse ditado se
aplica mais ao caso da meditação do que qualquer outra coisa. Muita paciência é necessária
no caso da meditação. Se um meditador não for capaz de suportar com paciência as sensações
desagradáveis e com freqüência mudar de posição durante a meditação, ele não pode esperar
atingir alguma concentração. Sem concentração não existe chance de obter o conhecimento
do insight (vipassana-ñana) e sem o conhecimento do insight os caminhos supramundanos, os
seus frutos e Nibbana não serão realizados.

A paciência é de grande importância na meditação. A paciência é necessária principalmente


para suportar as sensações desagradáveis no corpo. Raramente existem perturbações
externas que requeiram o exercício da paciência. Isso significa que khantisamvara, a
contenção pela paciência, deve ser observada. A postura não deve ser mudada de imediato ao
surgirem sensações desagradáveis, apesar delas a meditação deve continuar com as notações
das sensações como “tenso, tenso,” “quente, quente” e assim por diante. Essas sensações
dolorosas são algo absolutamente normal e irão passar. No caso de concentração firme, será
observado que dores intensas irão desaparecer quando forem notadas com paciência. Com o
desaparecimento do sofrimento ou dor, o exercício usual de notar “expansão, contração” deve
ser retomado.

Por outro lado, poderá ser observado que dores ou sensações desagradáveis não desaparecem
de imediato mesmo quando forem notadas com imensa paciência. Em tal caso, a pessoa não
tem outra alternativa senão mudar de posição. A pessoa deve, nesse caso, submeter-se às
forças superiores. Quando a concentração não for firme o suficiente, as dores intensas não
irão desaparecer com rapidez. Nessas circunstâncias, com freqüência surgirá na mente o
desejo de mudar de postura e esse desejo deve ser notado como “desejo, desejo.” Depois
disso, a pessoa deve notar “levantando, levantando” ao mover-se.

As ações com o corpo devem ser executadas de forma vagarosa e os movimentos lentos devem
ser seguidos e notados como “levantando, levantando,” “movendo, movendo,” “tocando,
tocando,” na ordem sucessiva do processo. Novamente, ao mover-se a pessoa deve notar
“movendo, movendo” e ao abaixar, notar “abaixando, abaixando.” Se, ao completar este
processo de mudança de postura não houver nada mais para ser notado, o exercício usual de
notar “expansão, contração” deve ser retomado.

Não deve haver interrupção ou intervalo no processo. O ato precedente de notar e aquele que
segue devem ser contíguos. Da mesma forma, a concentração que precede e aquela que segue
devem ser contíguas e o ato precedente de conhecer e aquele que segue devem ser contíguos.
Desta maneira ocorre o desenvolvimento gradual, em etapas, da atenção plena, concentração
e sabedoria e se houver o seu desenvolvimento completo, o estágio final de conhecimento do
caminho supramundano será alcançado.

Na prática da meditação vipassana é importante seguir o exemplo de uma pessoa que tenta
acender um fogo. Para acender um fogo no tempo em que ainda não haviam fósforos, uma
pessoa tinha que friccionar dois gravetos sem que houvesse a menor interrupção no
movimento. À medida que os gravetos se aqueciam, mais esforço era necessário e o ato de
friccionar tinha que ser executado sem cessar. Somente depois que o fogo tivesse sido
produzido a pessoa poderia descansar. Da mesma forma, um meditador tem que se empenhar
duro de forma que não haja interrupção entre a notação precedente e aquela que segue, entre
a concentração precedente e aquela que segue. Ele deve reverter ao seu exercício usual de
notar a “expansão, contração” depois de haver notado as sensações dolorosas.

Enquanto estiver ocupado com o seu exercício habitual, ele poderá outra vez sentir coceira
em algum lugar do corpo. Ele deverá, então, fixar a sua atenção no local e fazer a notação de
“coçando, coçando.” A coceira é uma sensação desagradável. Assim que ela é sentida, surge
na mente o desejo de coçar. Esse desejo deve ser notado como “desejo, desejo,” depois do
que, não se deve esfregar ou coçar, mas deve-se retornar ao ponto da coceira e a notação de
“coçando, coçando” deve ser feita. E ao contemplar desta forma, na maioria dos casos a
coceira desaparece e o exercício usual de notar a “expansão, contração” pode então ser
retomado.

Se, por outro lado, for observado que a coceira não desaparece e que é necessário coçar ou
esfregar, a contemplação dos estágios sucessivos deve ser feita notando a mente como
“desejo, desejo.” Depois deve-se prosseguir notando “levantando, levantando” ao levantar a
mão, “tocando, tocando” quando a mão tocar no ponto, “coçando, coçando” ou “esfregando,
esfregando” quando a mão coçar ou esfregar, “levantando, levantando” ao levantar a mão,
“tocando, tocando” quando a mão toca o corpo e depois a contemplação usual de “expansão,
contração” deve ser retomada. Em cada caso de mudança de postura a contemplação dos
estágios sucessivos deve ser feita da mesma forma, com cuidado.

Enquanto, assim cuidadosamente, a pessoa prossegue com a meditação, ela poderá observar
que sensações dolorosas surgem no corpo por sua própria conta. Normalmente as pessoas
mudam a postura assim que sentem a menor sensação desagradável de cansaço ou calor sem
tomar nota desses incidentes. A mudança de postura é feita de uma forma bastante negligente
ao mesmo tempo em que a dor começa a se intensificar. Assim, as sensações dolorosas não
ocorrem de maneira clara. Por essa razão se diz que, como regra, as posturas escondem as
sensações dolorosas. As pessoas em geral pensam que se sentem bem por dias e noites sem
fim. Elas crêem que as sensações dolorosas apenas ocorrem no momento de um ataque de
uma grave enfermidade.

A realidade é exatamente o oposto do que as pessoas pensam. Que alguém tente ver quanto
tempo consegue ficar sentado numa única posição sem se mexer. Ela irá sentir desconforto
depois de pouco tempo, digamos cinco ou dez minutos, para em seguida tornar-se
insuportável depois de quinze ou vinte minutos. A pessoa então se sentirá forçada a mudar de
posição quer seja mexendo a cabeça, movendo as mãos ou os pés, ou movendo o corpo para
frente ou para trás. Em geral, muitos movimentos ocorrem durante um breve intervalo e o seu
número seria enorme se fossem contados ao longo de um único dia. No entanto, ninguém
parece ter consciência desse fato porque ninguém presta atenção.

Isso é o que ocorre na maioria dos casos. Já no caso de um meditador que está sempre
plenamente atento às suas ações e que pratica meditação, as impressões corporais com a sua
respectiva natureza são notadas de forma clara. Não há como as sensações não se revelarem
completamente na sua própria natureza, porque ele permanece com plena consciência até
que elas sejam vistas na íntegra.
Apesar do surgimento de uma sensação dolorosa, ele permanece observando. Ele
normalmente não tenta mudar a sua postura ou mover-se. Assim, ao surgir na mente o desejo
de se mover, de imediato ele faz a notação disso como “desejo, desejo,” e em seguida retorna
para a sensação dolorosa e continua observando-a. Ele muda a postura ou se mexe apenas
quando a sensação dolorosa for insuportável. Neste caso, ele também começa pela
observação do desejo na mente e prossegue notando com cuidado cada estágio no processo
de mudança. É assim que as mudanças de postura passam a não esconderem mais as
sensações dolorosas. Com freqüência um meditador observa sensações dolorosas infiltrando-
se daqui e dali ou ele poderá sentir sensações de calor, sensações de dor, coceiras, ou todo o
corpo como uma massa de sensações dolorosas. É assim que se pode observar que as
sensações dolorosas são predominantes pois, as mudanças de postura já não as escondem.

Se ele intenciona mudar a postura de sentado para em pé, deveria primeiro notar a intenção
na mente como “intenção, intenção” e prosseguir com a disposição das mãos e pernas nos
estágios sucessivos notando “levantando,” “movendo,” “esticando,” “tocando,”
“pressionando” e assim por diante. Quando o corpo se inclina para a frente deve ser notado
como “inclinando, inclinando.” Durante o processo de ficar em pé ocorre no corpo uma
sensação de leveza juntamente com o ato de levantar. A atenção deve ser fixada nesses fatores
e a notação “levantando, levantando” deve ser feita. O ato de levantar-se deve ser feito
vagarosamente.

Durante a prática, o mais adequado é que o meditador aja em todas atividades com delicadeza
e vagarosamente como se fosse uma pessoa fraca, enferma. Talvez o caso de uma pessoa que
sofra de lumbago seja o exemplo mais adequado. O paciente precisa ser sempre cuidadoso e
mover-se vagarosamente para evitar as dores. Da mesma forma, um meditador deve sempre
tentar fazer os movimentos da forma mais lenta possível. O movimento lento é necessário
para possibilitar que a atenção plena, concentração e sabedoria possam acompanhá-lo.
Vivendo o tempo todo de forma descuidada, agora a pessoa apenas começa a se treinar
seriamente para manter a mente no corpo. É apenas o início e a atenção plena, concentração
e sabedoria ainda não estão adequadamente preparadas enquanto que os processos físicos e
mentais continuam a ocorrer na velocidade máxima. Por isso, é imperativo reduzir a
velocidade desses processos ao nível mínimo, para possibilitar que a atenção plena e a
sabedoria os acompanhe. Portanto, vale a pena executar os exercícios em câmara lenta
durante todo o tempo.

Além disso, é aconselhável que o meditador se comporte como uma pessoa cega durante o
período de treinamento. Uma pessoa sem autocontrole não possui uma aparência digna
porque em geral ela olha para as coisas e pessoas de forma libertina. Ela também será incapaz
de obter um estado mental calmo e estável. A pessoa cega, por outro lado, se comporta de
uma forma contida sentando-se com serenidade com os olhos abaixados. Ela nunca se vira
para os lados para olhar para coisas ou pessoas porque ela é cega e é incapaz de vê-las. Mesmo
que uma pessoa se aproxime e lhe diga algo, ela nunca se vira para olhar para aquela pessoa.
Essa atitude contida é digna de ser imitada. Um meditador deveria agir da mesma forma
durante a prática da meditação. Ele não deveria olhar para nada. A sua mente deveria estar
apenas focada no objeto da meditação. Enquanto estiver sentado ele deve notar com atenção
“expansão, contração.” Mesmo se coisas estranhas ocorrerem nas proximidades, ele não
deveria olhar para elas. Se acontecer dele ver algo, deve somente fazer uma notação “vendo,
vendo” e prosseguir com o exercício usual de notar a “expansão, contração.” Um meditador
deve ter um grande respeito por este exercício e executá-lo com toda consideração, a ponto
de ser confundido com uma pessoa cega.

A esse respeito, foi percebido que algumas mulheres, meditadoras, tiveram um


comportamento perfeito. Elas realizaram o exercício com todo respeito de acordo com as
instruções. Os seus modos foram contidos e elas sempre se aplicaram ao objeto da meditação.
Elas nunca olharam em volta. Ao caminhar elas sempre estiveram atentas aos seus passos. Os
passos foram leves, suaves e lentos. Todos os meditadores deveriam seguir o exemplo delas.

Também é necessário que um meditador se comporte como uma pessoa surda. Normalmente,
assim que uma pessoa ouve um som, ela se vira e olha para a direção de onde veio o som ou
ela se vira para a pessoa que lhe disse algo, para responder. Ela não se comporta de forma
serena. Uma pessoa surda, por outro lado, se comporta de forma serena. Ela não dá atenção
a nenhum som ou conversa porque ela nunca os ouve. Um meditador deve se comportar da
mesma forma sem dar atenção a conversas sem importância, nem deveria de forma
deliberada ouvir qualquer conversa ou discurso. Se acontecer dele ouvir um som ou conversa,
ele deveria de imediato fazer uma notação “ouvindo, ouvindo” e prosseguir com o exercício
usual de notar a “expansão, contração.” Ele deveria executar este exercício com toda
consideração, a ponto de ser confundido com uma pessoa surda.

Deve ser lembrado que a única preocupação de um meditador é se dedicar com atenção à
meditação. As demais coisas vistas ou ouvidas não lhe dizem respeito. Mesmo que elas
aparentem ser estranhas ou interessantes, ele não deve dar-lhes atenção. Ao ver algo, ele
deve ignorá-lo como se não o visse. Assim também, ele deve ignorar vozes ou sons como se
não os ouvisse. No caso de ações com o corpo, ele deve agir de forma lenta e delicada como
se estivesse enfermo ou muito fraco.

Outros Exercícios

Caminhar

Deve ser enfatizado, portanto, que o ato de erguer o corpo para ficar em pé deve ser
executado vagarosamente. Ao chegar na posição ereta, uma notação “em pé, em pé” deve ser
feita. Se por acaso a pessoa olhar em volta, uma notação “olhando, vendo” deve ser feita e ao
caminhar, cada passo deve ser notado como “pé direito, pé esquerdo” ou “caminhando,
caminhando.” A cada passo, a atenção deve ser fixada na sola do pé ao movê-la a partir do
ponto em que a perna é erguida, até o ponto em que é colocada no chão.

Ao caminhar com passos rápidos ou numa caminhada longa, será suficiente uma notação para
uma seção de cada passo como “direito, esquerdo” ou “caminhando, caminhando.” No caso
de caminhar lentamente, cada passo pode ser dividido em três seções – levantando, movendo
para a frente e abaixando. Ao iniciar o exercício, a notação de cada passo em duas partes deve
ser feita como “levantando” ao fixar a atenção no movimento ascendente do pé, do princípio
ao fim, e como “abaixando” ao fixar no movimento descendente, do princípio ao fim. Assim,
o exercício que começa com o primeiro passo notando “levantando, abaixando,” termina
agora.

Normalmente, quando o pé é abaixado e a notação “abaixando” é feita, a outra perna começa


a se levantar para iniciar o passo seguinte. Isso não deve ocorrer. O próximo passo deve
começar apenas depois que o passo anterior tenha terminado, assim: “levantando, abaixando”
para o primeiro passo e “levantando, abaixando” para o segundo passo. Depois de dois ou três
dias, este exercício se tornará muito fácil e então o meditador deverá realizar o exercício de
notar cada passo em três seções como “levantando, movendo, abaixando.” Por enquanto, os
meditadores devem iniciar o exercício notando “direito, esquerdo” ou “caminhando,
caminhando” ao caminhar rapidamente, e notando “levantando, abaixando” ao caminhar
lentamente.

Sentar

Enquanto estiver caminhando, a pessoa pode sentir o desejo de sentar. A pessoa deve então
fazer a notação “desejo.” Se acontecer da pessoa olhar para cima, deve ser notado como
“olhando, vendo, olhando, vendo”; ao se dirigir para o assento como “levantando, abaixando”;
ao parar como “parando, parando”; ao dar a volta como “virando, virando.” Ao sentir o desejo
de sentar, notá-lo como “desejo, desejo.” No ato de sentar ocorre no corpo uma sensação de
peso e também um puxão para baixo. A atenção deve ser fixada nesses fatores e a notação
“sentando, sentando, sentando” deve ser feita. Depois de haver sentado existirão movimentos
de colocar as mãos e pernas em posição. Estes devem ser notados como “movendo,”
“dobrando,” “esticando” e assim por diante. Se não houver nada para fazer e a pessoa estiver
calmamente sentada, ela deve retomar o exercício usual de notar “expansão, contração.”

Deitar

Se no transcurso da meditação a pessoa sentir dores ou cansaço, ou calor, deve ser feita uma
notação disso e depois reverter ao exercício usual de notar “expansão, contração.” Se a pessoa
sentir sonolência, deve fazer a notação “sonolência, sonolência” e prosseguir com a notação
de todos os atos da preparação para se deitar: note trazer as mãos e as pernas para uma outra
posição como “levantando,” “pressionando,” “movendo,” “apoiando”; ao inclinar o corpo
como “inclinando, inclinando”; ao esticar as pernas como “esticando, esticando”; e ao descer
o corpo e deitar como “deitando, deitando, deitando.”

Esses atos insignificantes ao deitar também são importantes e não devem ser negligenciados.
Existe uma real possibilidade de obter a iluminação durante esse breve intervalo. Com o pleno
desenvolvimento da concentração e da sabedoria, a iluminação pode ser alcançada durante
um movimento de dobrar ou esticar. Foi assim que o Venerável Ananda alcançou o estado
de Arahant no exato momento em que se deitava.

Por volta do início do quarto mês após a morte do Buda, foi organizado o primeiro concílio
de bhikkhus para que em conjunto classificassem, examinassem, confirmassem e recitassem
todos os ensinamentos do Buda. Naquela ocasião, quinhentos bhikkhus foram escolhidos para
realizar essa tarefa. Desses bhikkhus quatrocentos e noventa e nove eram Arahants enquanto
que o venerável Ananda era um sotapanna, ‘aquele que entrou na correnteza’.

Para participar do concílio como um Arahant, em pé de igualdade com os demais, ele fez um
tremendo esforço de meditação no dia anterior ao início do concílio. Isso ocorreu no quarto
minguante do mês de Savana (Agosto). Ele praticou a atenção plena no corpo e continuou com
a meditação andando por toda a noite. Pode ter sido com o mesmo exercício de notar
“esquerdo, direito” ou “caminhando, caminhando.” Ele estava dessa forma ocupado com a
intensa contemplação do processo de mentalidade e materialidade em cada passo até o
amanhecer do dia seguinte e ainda assim sem alcançar o estado de Arahant

Então o venerável Ananda pensou: “Eu fiz o máximo que pude. O Buda disse: ‘Ananda, você
possui todas as perfeições (paramis). Pratique a meditação. Com certeza você irá um dia
alcançar o estado de Arahant.’ Eu fiz o melhor que pude, tanto assim que sou um daqueles
que fizeram o melhor que podiam na meditação. Qual seria a razão para o meu fracasso?”

Então ele se lembrou: “Ah! Eu fui demasiadamente ávido ao praticar apenas a meditação
andando durante toda a noite. Existe um excesso de energia e falta de concentração que na
verdade é a razão para este estado de inquietação. Agora é necessário parar a meditação
andando para equilibrar a energia e a concentração e continuar com a meditação numa
posição deitada.” O venerável Ananda entrou então no seu quarto, sentou-se na cama e
começou a deitar. Conta-se que ele alcançou o estado de Arahant no exato momento em que
se deitava, ou melhor dizendo, no momento em que contemplava “deitando, deitando.”

Essa forma de alcançar o estado de Arahant foi registrada nos Comentários como um evento
estranho porque se encontra fora das quatro posturas normais de ficar em pé, sentado,
deitado e caminhando. No momento da sua iluminação, não se pode estritamente dizer que o
venerável Ananda se encontrava em pé porque os seus pés não estavam sobre o chão, nem
estava sentado porque o seu corpo já estava inclinado, estando próximo ao travesseiro, nem
poderia estar deitado pois a sua cabeça ainda não havia tocado o travesseiro e o seu corpo
ainda não estava na horizontal.

O venerável Ananda era um ‘que entrou na correnteza’ e por isso ele precisaria desenvolver
os outros três estágios superiores – o caminho e fruto daquele que retorna uma vez, o caminho
e fruto daquele que não retorna e o caminho e fruto do Arahant como realização final. Para
realizar tudo isso foi necessário apenas um instante. Portanto, é necessário muito cuidado
para manter a prática da meditação sem relaxamento ou omissão.

No ato de deitar, a contemplação deve ser realizada com muito cuidado. Quando um
meditador se sente sonolento e quer se deitar deve ser feita a notação “sonolência,
sonolência,” “desejando, desejando”; ao levantar a mão “levantando, levantando”; ao esticar
“esticando, esticando”; ao tocar “tocando, tocando”; ao pressionar “pressionando,
pressionando”; depois de inclinar o corpo e deitá-lo “deitando, deitando.” O ato de deitar-se
deve ser feito vagarosamente. Ao tocar o travesseiro deve ser notado “tocando, tocando.”
Existem muitos lugares no corpo com sensações tácteis mas, cada ponto deve ser notado
apenas um de cada vez.

Na posição deitada também existem muitos movimentos do corpo ao colocar as mãos e pernas
em posição. Essas ações devem ser notadas cuidadosamente como “levantando,” “esticando,”
“dobrando,” “movendo” e assim por diante. Ao virar o corpo a notação “virando, virando”
deve ser feita e quando não houver nada em particular para ser notado, o meditador deve
manter a prática usual de notar “expansão, contração.” Enquanto a pessoa estiver deitada de
costas ou de lado, em geral, não há nada em particular para ser notado e o exercício usual
“expansão, contração” deve ser mantido.

Pode acontecer que enquanto deitado surjam muitas oportunidades para que a mente escape.
Essa mente que escapa deve ser notada como “escapando, escapando,” ao escapar, como
“chegando, chegando” quando chega a algum lugar, como “planejando,” “refletindo” e assim
por diante para cada estado, da mesma maneira como na meditação na posição sentada. Os
estados mentais desaparecem ao serem notados por uma ou duas vezes. O exercício usual de
notar a “expansão, contração” deve ser retomado. Também pode haver ocorrências de engolir
ou cuspir saliva, sensações dolorosas, sensações de calor, sensações de coceira, etc., ou de
ações com o corpo ao mudar de posição, ou mover os membros. Estas devem ser
contempladas à medida que ocorrem. (Quando a concentração estiver firme o suficiente, será
possível manter a contemplação de cada ato de abrir e fechar as pálpebras e piscar). Depois,
quando não há mais nada para ser notado deve-se retornar ao exercício usual.

Dormir

Embora tarde da noite na hora de dormir, não é aconselhável que se abandone a meditação
para ir dormir. Qualquer um que esteja seriamente interessado na meditação deve estar
preparado para enfrentar a possibilidade de ficar várias noites sem dormir.

As escrituras são enfáticas sobre a necessidade de se desenvolver as qualidades dos quatro


fatores da energia (caturanga-viriya) na prática de meditação: “Na dura contenda, a pessoa
pode ficar reduzida a uma mera armação de pele, ossos e tendões quando o sangue e os
músculos murcharem e secarem, mas ela não deve abandonar o empenho enquanto não tiver
alcançado aquilo que pode ser alcançado através da perseverança, energia e esforço.” Essas
instruções devem ser seguidas com muita determinação. É possível permanecer desperto se
houver concentração firme o suficiente para repelir o sono, mas a pessoa irá adormecer se o
sono levar vantagem.

Quando a pessoa se sentir sonolenta, ela deverá notar isso como “sonolência, sonolência”;
quando as pálpebras estiverem pesadas como “pesado, pesado”; quando os olhos estiverem
ofuscados como “ofuscado, ofuscado.” Depois de contemplar dessa forma, pode ser que ela
consiga espantar o sono e volte a sentir-se novamente desperta. Essa sensação deve ser
notada como “desperta, desperta,” depois do que, o exercício usual de notar “expansão,
contração” deve ser retomado. No entanto, apesar dessa determinação, a pessoa pode sentir
que é incapaz de manter-se desperta se estiver muito sonolenta. Na posição deitada é mais
fácil adormecer. Um principiante deveria portanto tentar permanecer sentado e andando.

Quando a noite tiver avançado, no entanto, o meditador poderá se sentir forçado a deitar e
continuar com a contemplação da expansão e contração. Nessa posição ele provavelmente irá
dormir. Enquanto estiver dormindo, não é possível continuar com a tarefa da contemplação.
É um intervalo para que o meditador relaxe. Uma hora de sono irá lhe proporcionar uma hora
de relaxamento e se ele continuar a dormir por duas, três ou quatro horas, ele irá estar ainda
mais relaxado, mas não é aconselhável que um meditador durma mais de quatro horas que é
o tempo suficiente para um sono normal.

Despertar

Um meditador deve começar a contemplação no momento em que desperta. Estar


plenamente ocupado com intensa contemplação durante as horas em que esteja desperto
deve ser a rotina de um meditador que se empenha com afinco e que tem a verdadeira
aspiração de alcançar o caminho supramundano e o seu fruto. Se não for possível detectar o
momento do despertar, então ele deve começar com o exercício usual de notar a “expansão,
contração.” Se ele primeiro tomar consciência de uma reflexão, ele deve começar a
contemplação notando “refletindo, refletindo” e depois retomar o exercício usual de notar a
“expansão, contração.” Se ele primeiro tomar consciência de uma voz ou um outro som, ele
deve começar notando “ouvindo, ouvindo” e depois retomar o exercício usual de notar a
“expansão, contração.” Ao despertar podem ocorrer movimentos com o corpo ao virar para
este ou aquele lado, movendo as mãos ou pernas e assim por diante. Essas ações devem ser
contempladas em ordem sucessiva.

Se ele primeiro tomar consciência de estados mentais que conduzam a várias ações com o
corpo, ele deve começar a contemplação notando a mente. Se ele primeiro tomar consciência
de sensações dolorosas, ele deve começar a contemplação notando essas sensações dolorosas
e depois continuar com a notação das ações com o corpo. Se ele permanecer quieto, sem se
mover, o exercício usual de notar a “expansão, contração” deve ser retomado. Se ele tiver a
intenção de se levantar, ele deve notar isso como “intencionando, intencionando” e depois
prosseguir com a notação de todas as ações em ordem seqüencial ao colocar as mãos e pernas
nas suas posições. A pessoa deve notar “levantando, levantando” ao levantar o corpo,
“sentando, sentando” quando o corpo estiver ereto e numa posição sentada, e também deve-
se notar todas as demais ações para colocar as pernas e mãos nas suas posições. Se não houver
nada em particular para ser notado, então o exercício usual de notar a “expansão, contração”
deve ser retomado.

Até agora mencionamos as coisas que dizem respeito aos objetos de contemplação
conectados com as quatro posturas e as mudanças de uma para outra. Isto é uma mera
descrição do esboço geral dos principais objetos de contemplação que devem ser observados
ao longo da prática. No entanto, no início da prática é difícil seguir todos eles durante a
meditação. Muitas coisas serão omitidas mas, ao obter uma concentração firme o suficiente
será fácil seguir durante a meditação não somente os objetos enumerados, mas muitos outros.
Com o desenvolvimento gradual da atenção plena e da concentração, o progresso da
sabedoria se acelera e dessa forma muito mais objetos podem ser percebidos. É necessário
trabalhar, fazendo um esforço para alcançar esse nível elevado.

Banhar-se e Comer

A contemplação deve ser mantida ao lavar o rosto pela manhã ou ao tomar um banho. Como
é necessário agir com rapidez nessas ocasiões devido à natureza do próprio ato, a
contemplação deve ser feita de acordo com as circunstâncias. Ao esticar a mão para pegar o
sabonete, deve ser notado como “esticando, esticando”; ao pegar o sabonete como “pegando,
pegando”; ao molhar como “molhando, molhando”; ao trazer o sabonete para o corpo como
“trazendo, trazendo”; ao despejar água sobre o corpo ou a face como “despejando,
despejando”; ao sentir frio como “frio, frio”; ao esfregar como “esfregando, esfregando” e
assim por diante.
Também pode haver muitas ações diferentes com o corpo ao trocar ou arrumar a roupa, ao
arrumar ou trocar a cama, ao abrir a porta, e assim por diante. Essas ações devem ser
contempladas na seqüência, em detalhe, tanto quanto possível.

Ao tomar uma refeição, a contemplação deve começar no momento em que se olhe para a
mesa notando “olhando, vendo, olhando, vendo”; ao esticar a mão para o prato, como
“esticando, esticando”; quando a mão toca o alimento, como “tocando, quente, quente”; ao
juntar a comida, como “juntando, juntando”; ao pegar a comida, como “pegando, pegando”;
depois de erguer a mão e ao levantá-la, como “trazendo, trazendo”; ao dobrar o pescoço para
a frente, como “dobrando, dobrando”; ao colocar a comida na boca, como “colocando,
colocando”; ao retirar a mão, como “retirando, retirando”; ao tocar o prato com a mão, como
“tocando, tocando”; ao endireitar o pescoço, como “endireitando, endireitando”; ao mastigar
a comida, como “mastigando, mastigando”; ao saborear a comida, como “saboreando,
saboreando”; ao apreciar o sabor, como “apreciando, apreciando”; ao gostar do sabor, como
“gostando, gostando”; ao engolir, como “engolindo, engolindo.”

Essa é uma ilustração da rotina de contemplação ao tomar cada bocado de comida até que a
refeição esteja terminada. Neste caso também é difícil seguir todas as ações no início da
prática. Haverá muitas omissões. Apesar disso, os meditadores não devem hesitar, mas,
devem tentar prosseguir tanto quanto puderem. Com o gradual progresso na prática, será
mais fácil notar muito mais objetos do que aqueles aqui mencionados.

As instruções para os exercícios práticos de meditação estão quase completas. Como elas
foram explicadas em detalhe já há algum tempo, não será fácil lembrar de todas. Para facilitar
a memória, será dado um breve sumário dos pontos essenciais e importantes.

Sumário dos Pontos Essenciais

Ao caminhar, o meditador deve contemplar os movimentos de cada passo. Ao caminhar


depressa, cada passo deve ser notado como “direito, esquerdo” respectivamente. A mente
deve estar fixada com atenção na sola dos pés, nos movimentos de cada passo. Ao caminhar
vagarosamente, cada passo deve ser notado em duas partes como “levantando, abaixando.”
Enquanto estiver sentado, o exercício usual de meditação deve ser feito notando os
movimentos do abdômen como “expansão, contração, expansão, contração.” O mesmo tipo
de contemplação de notar os movimentos como “expansão, contração, expansão, contração”
deve ser feito enquanto estiver deitado.

Se for observado que a mente escapa durante o processo de notar a “expansão, contração,”
não se deve permitir que ela continue perambulando e isso deve ser notado de imediato. Ao
imaginar, isso deve ser notado como “imaginando, imaginando”; ao pensar, como “pensando,
pensando”; a mente escapando, como “escapando, escapando”; e a mente ao chegar num
lugar, como “chegando, chegando” e assim por diante para cada ocorrência e em seguida o
exercício usual de notar a “expansão, contração” deve ser retomado.

Ao ocorrerem sensações de cansaço nas mãos, pernas ou outros membros, ou sensações de


calor, formigamento, dor ou coceira, estas devem ser observadas e notadas como “cansaço,”
“calor,” “formigamento,” “dor,” “coceira,” e assim por diante conforme for o caso. O exercício
usual de notar a “expansão, contração” deverá em seguida ser retomado.

Ao ocorrerem as ações de curvar ou esticar as mãos ou pernas, ou mover o pescoço ou


membros, ou inclinar o corpo para frente e para trás, estes devem ser observados na ordem
seqüencial à medida que ocorrerem. O exercício usual de notar a “expansão, contração”
deverá em seguida ser retomado.

Isto é apenas um resumo. Quaisquer outros objetos que devam ser contemplados durante o
período de treinamento serão mencionados pelos instrutores durante a entrevista diária com
os discípulos, quando são dadas as instruções de meditação.

Se a pessoa praticar da maneira indicada, o número de objetos aumentará gradualmente com


o tempo. No início haverá muitas omissões, pois a mente está habituada a perambular sem
qualquer tipo de restrição. No entanto, um meditador não deve desistir por isso. Esse tipo de
dificuldade é muito comum no início da prática. Depois de algum tempo a mente não poderá
se evadir porque sempre será descoberta cada vez que queira escapar. Assim, ela
permanecerá fixa no objeto para o qual ela está dirigida.
Ao surgir um objeto a mente o registra e dessa forma o objeto e a mente coincidem. Com o
desaparecimento do objeto a mente registra isso e dessa forma o objeto e a mente coincidem.
Existe sempre um par, o objeto e a mente que conhece o objeto, a cada momento em que
uma notação é feita. Esses dois elementos, o objeto e a mente que conhece, sempre surgem
em pares, e, exceto por esses dois elementos, não existe nenhuma outra coisa sob a forma de
uma pessoa ou eu. Essa realidade será compreendida pessoalmente no seu devido tempo.

O fato de que a materialidade e a mentalidade são duas coisas distintas, separadas, será
percebido com clareza durante o processo de notar a “expansão, contração.” Os dois
elementos de materialidade e mentalidade estão conectados em pares e o seu surgimento
coincide, isto é, surgindo o processo de materialidade, surge junto o processo de mentalidade
que o conhece. Ao desaparecer o processo de materialidade, desaparece junto o processo de
mentalidade que o conhece. O mesmo acontece com o processo de levantar, mover, abaixar:
esses são processos de materialidade que surgem e desaparecem junto com os processos de
mentalidade que os conhece. Esse conhecimento da materialidade e da mentalidade surgindo
separadamente é denominado nama-rupa-pariccheda-ñana, o conhecimento que
discrimina mentalidade-materialidade. É o estágio preliminar em todo o processo de
conhecimento meditativo. É importante desenvolver este estágio preliminar de maneira
apropriada.

Dando continuidade à prática de meditação durante algum tempo, haverá progresso


considerável na atenção plena e concentração. Nesse nível será percebido que a cada notação,
cada processo surge e desaparece naquele exato momento. Mas, por outro lado, as pessoas
sem instrução em geral consideram que o corpo e a mente continuam num estado
permanente por toda a vida, que o mesmo corpo da infância cresceu até a idade adulta, que
a mesma mente jovem cresceu até a maturidade e que ambos, o corpo e a mente, são um e a
mesma pessoa. Na realidade, não é assim. Nada é permanente. Tudo surge por um momento
e depois desaparece. Nada permanece imutável nem mesmo durante um piscar dos olhos. As
mudanças ocorrem com muita rapidez e estas serão percebidas no seu devido tempo.
Ao praticar a meditação notando a “expansão, contração” e assim por diante, a pessoa irá
perceber que esses processos surgem e desaparecem um após o outro em rápida sucessão.
Ao perceber que tudo desaparece no ponto exato da notação, o meditador compreende que
nada é permanente. O conhecimento relativo à natureza impermanente das coisas
é aniccanupassana-ñana, o conhecimento meditativo da impermanência.

O meditador então compreende que esse estado de mudança constante é insatisfatório e não
é algo que deva ser desejado. Isso é dukkhanupassana-ñana, o conhecimento meditativo do
sofrimento. Ao sofrer com as muitas sensações dolorosas, este complexo de mente e corpo é
visto como um mero aglomerado de sofrimento. Isto também é o conhecimento meditativo
do sofrimento.

Neste ponto, ele percebe que os elementos da materialidade e mentalidade nunca obedecem
aos desejos da pessoa, mas, surgem de acordo com a sua própria natureza e condições. Ao se
ocupar com a notação desses processos, o meditador compreende que esses processos não
são controláveis e que eles não são nem uma pessoa, nem uma entidade viva, nem um eu. Isto
é anattanupassana-ñana, o conhecimento meditativo de não-eu.

Quando o meditador tiver completa compreensão do conhecimento da impermanência,


sofrimento e não-eu, ele terá realizado Nibbana. Desde tempos imemoriais,
Budas, Arahants e Ariyas (nobres) têm realizado Nibbana através deste método de vipassana.
No caminho que realiza Nibbana, vipassana consiste de quatro satipatthana, aplicações ou
fundamentos da atenção plena, e satipatthana é na verdade o caminho que realiza Nibbana.

Os meditadores que seguem este método de treinamento devem se lembrar que eles estão
no caminho que já foi percorrido por Budas, Arahants e Ariyas. Esta oportunidade lhes é
oferecida devido aos seus parami, isto é, os seus esforços anteriores buscando e desejando
isso e também devido às condições de maturidade espiritual deles. Eles devem se alegrar por
terem esta oportunidade. Eles devem também ter a certeza de que percorrendo este caminho
sem hesitação, obterão a experiência pessoal da concentração e sabedoria altamente
desenvolvidas, como anteriormente conhecidos pelos Budas, Arahants e Ariyas. Eles
desenvolverão um estado de concentração tão puro como nunca conhecido antes e como
resultado da concentração avançada irão desfrutar de muitos prazeres bem-aventurados.

A impermanência, sofrimento e não-eu serão compreendidos através da experiência pessoal


direta, e com a completa compreensão desses conhecimentos, Nibbana será realizado. Não
tardará muito para alcançar o objetivo, talvez um mês, ou vinte dias, ou quinze dias, ou, em
ocasiões raras, até mesmo em sete dias para aqueles poucos com parami extraordinários.

Os meditadores devem, portanto, se dedicar à prática da meditação com toda seriedade e com
plena confiança, acreditando que, com certeza, ela os conduzirá ao desenvolvimento dos
nobres caminhos supramundanos e os seus frutos e à realização de Nibbana. Eles, assim, se
verão livres do entendimento incorreto do eu e da dúvida, e não mais estarão sujeitos ao ciclo
de renascimentos nos estados miseráveis dos infernos, reino animal e na esfera dos petas.

Que os meditadores sejam bem sucedidos nesse nobre esforço.

Desembaraçando o Presente - O Papel da Atenção com Sabedoria

Se os caminhos da mente fossem simples, os seus problemas seriam simples e fáceis de


resolver. O Buda, ao mostrar como dar um fim a esses problemas, poderia ter dado instruções
simples e breves – uma abordagem única para tudo aquilo que ocorrer no presente, um nobre
caminho único: apenas atenção plena, apenas concentração, ou somente atenção não-reativa.
Ou ele poderia nem ter se preocupado muito em ensinar sabendo que as pessoas poderiam
facilmente resolver os seus problemas por conta própria. “Confiem,” ele poderia dizer, “na sua
natureza interior, no seu entendimento inato,” e deixado por isso mesmo. Mas não é assim
que a mente funciona e não foi assim que ele ensinou.

Mesmo apenas alguns minutos gastos observando os caminhos da mente podem mostrar
quão complexos e enrolados eles são. E isso significa que os seus problemas também são
complexos. Especialmente o problema do sofrimento: como o Buda advertiu, as causas do
sofrimento são como um novelo embaraçado, como uma corda embolada cheia de nós.
Qualquer pessoa que tenha solucionado problemas complexos sabe que o truque para
encontrar a solução encontra-se no modo como a questão é formulada: identificar o problema
e classificar o modelo dos fatores a ele relacionados. Vendo o modelo, você poderá decidir em
quais fatores focar como decisivos para a solução e quais fatores devem ser ignorados para
que você não seja desviado para becos sem saída. Formular a questão significa também decidir
como abordar cada um dos fatores decisivos, de modo que, ao invés de manter ou exacerbar
o problema eles auxiliem na solução. O que isso significa em resumo é, ao se defrontar com
um problema, saber quais perguntas serão benéficas e quais perguntas não serão.

Se, por exemplo, você for um médico numa sala de emergências e o seu paciente estiver se
queixando de dores no peito, você terá que tomar muitas decisões rapidamente. Você terá
que decidir quais exames serão necessários, quais perguntas fazer ao paciente e quais
sintomas físicos devem ser identificados antes de poder diagnosticar as dores como um
sintoma de indigestão ou o começo de um ataque cardíaco, ou alguma outra coisa
completamente diferente. Você também tem que decidir quais as perguntas que não devem
ser feitas para não ser atrapalhado por informações irrelevantes. Se você focar nos sintomas
errados, o paciente poderá morrer – ou irá passar desnecessariamente mais uma noite na
unidade de terapia intensiva, privando, assim, de um leito, um outro paciente que tenha de
fato sofrido um ataque cardíaco. Uma vez feito o diagnóstico, você terá que decidir qual
tratamento será adotado e como acompanhar o tratamento para ver se ele de fato está
funcionando. Se os sintomas forem interpretados de modo equivocado você poderá causar
mais dano que benefício. Se forem interpretados corretamente, você poderá salvar vidas.

O mesmo princípio se aplica na solução do problema do sofrimento, sendo que essa é a razão
porque o Buda atribuiu uma importância capital à habilidade de interpretar a questão do
sofrimento de modo apropriado. Ele chamou essa habilidade yoniso manasikara – atenção
com sabedoria – e ensinou que nenhuma outra qualidade interior gera mais benefício para
desenredar o sofrimento e conquistar a libertação (It 16).

Ao proferir a explicação mais detalhada sobre a atenção com sabedoria (MN 2), o Buda começa
com o exemplo da atenção sem sabedoria, que se centraliza nas questões de identidade e
existência: “Eu existo?” “Não existo?” “O que sou?” “Existi no passado?” “Existirei no futuro?”
Essas questões não são sábias porque elas conduzem a um “emaranhado de idéias, uma
confusão de idéias,” tais como “Tenho um eu,” ou “Não tenho um eu,” todas as quais
conduzem ao enredamento e nenhuma, ao fim do sofrimento.

Em contraste, o Buda então descreve a atenção com sabedoria como a habilidade de


identificar que “Isto é sofrimento,” “Esta é a origem do sofrimento,” “Esta é a cessação do
sofrimento,” “Este é o caminho que conduz à cessação do sofrimento.” Essas são as quatro
categorias que o Buda, no seu primeiro discurso, chamou de quatro nobres verdades. A
habilidade de interpretar a questão do sofrimento de acordo com essas categorias é aquilo
que permite em última instância dar um fim ao problema do sofrimento de uma vez por todas.
É por isso que esse tipo de atenção é sábia.

A lição mais óbvia que pode ser extraída desse método para distinguir a atenção com
sabedoria da atenção sem sabedoria é que a atenção sem sabedoria interpreta as questões da
mente como categorias abstratas, enquanto que a atenção com sabedoria as interpreta como
coisas que podem ser identificadas diretamente na experiência imediata como “Isto ... Esta …
Esta … Este.” As idéias de identidade e existência são a base do pensamento abstrato e muitos
filósofos têm argumentado que se encontram no fundamento de qualquer busca espiritual. O
Buda, no entanto, observou que a idéia “Eu sou o pensador” encontra-se na raiz de todas as
categorias e rótulos de proliferação conceitual, o tipo de idéia que pode se virar e atacar a
pessoa que a está empregando. São categorias notoriamente difíceis de identificar com
exatidão, dissolvendo-se frequentemente numa semântica arbitrária. “Eu existo?” – depende
do que você quer dizer com “existir.” “Tenho um eu?” – depende do que você quer dizer com
“eu.” As idéias guiadas por esse tipo de definições, com frequência, acabam sendo vítimas de
motivos ou intenções dissimuladas por trás das definições, significando que não são confiáveis.

No entanto, o sofrimento é algo que pode ser conhecido diretamente: pré-verbal, pessoal,
mas universal. Ao interpretar as questões da mente em torno do sofrimento, o Buda baseou
os seus ensinamentos numa aspiração plenamente confiável – o desejo dos seus ouvintes de
dar um fim a todo o sofrimento – e focou em algo que não depende de definições. Na verdade,
ele nunca oferece uma definição formal para o termo “sofrimento”. Ao invés disso, ele explica
através de exemplos – o sofrimento do nascimento, envelhecimento, enfermidade e morte –
e depois aponta para o elemento funcional que é compartido por todas as formas de
sofrimento mental: apego aos cinco agregados da forma, sensação, percepção, formações
mentais e consciência. O apego não é a totalidade do sofrimento, mas é o aspecto do
sofrimento mais útil para se focar com o propósito de dar um fim ao sofrimento.

Embora exista um discurso no qual o Buda define o apego como desejo-cobiça (SN XXII.121),
ele nunca descreve com precisão o que é desejo-cobiça. No que parece ser a parte mais antiga
do Cânone, o Atthaka Vagga (Snp IV), ele preenche uma longa discussão sobre o apego com
trocadilhos e jogos de palavras, um estilo que desencoraja qualquer tentativa de sistematizar
e definir, pela própria proliferação conceitual que isso gera. O que isso significa é que se você
quiser aperfeiçoar o seu entendimento com relação ao apego, desejo-cobiça e sofrimento,
você não poderá se apegar a palavras ou textos. Você tem de olhar de modo mais profundo
para a sua experiência presente.

No entanto, ao apontar repetidamente para a experiência direta, o Buda não desencoraja todo
tipo de pensamento e conceitos. A habilidade para distinguir as quatro categorias da atenção
com sabedoria requer pensamento e análise – o tipo de pensamento que questiona os
entendimentos e desentedimentos passados e pondera sobre aquilo que está acontecendo no
presente; o tipo de análise que é capaz de identificar conexões entre as ações e os seus
resultados e pode avaliar se foram benéficas ou não. Por exemplo, há desejos que agem como
causa do sofrimento e outros que podem formar parte do caminho que conduz ao seu fim.
Embora o Buda ofereça um delineamento geral para indicar que tipo de desejo funciona de
que modo, você deve aprender como observar os seus próprios desejos com cuidado e
honestidade para identificar que tipo de desejo eles são.

Ao prosseguir analisando o presente sob a perspectiva dessas quatro categorias, você estará
seguindo os passos do Buda à medida que ele se aproximava da iluminação. Tendo focado no
apego como suporte funcional do sofrimento, ele investigou as condições que constituíam a
sua base e as encontrou em três tipos de desejo ou sede: desejo pelos prazeres sensuais,
desejo por estados de existência e desejo de destruir estados de existência. Depois ele
identificou a cessação do sofrimento como o total desapego, a cessação e a libertação desse
tipo de desejos. E ele identificou as qualidades mentais e práticas que conduziriam a essa
cessação – entendimento correto, pensamento correto, linguagem correta, ação correta,
modo de vida correto, esforço correto, atenção plena correta e concentração correta – todos
elas podem potencialmente ser encontradas no momento presente.

Portanto, ao invés de simplesmente jogar o momento presente em você como um todo


monolítico, o Buda dirige a sua atenção para quatro coisas significativas que podem ser
encontradas ali. Isso porque há um padrão nas mudanças que experimentamos momento a
momento. A mudança nunca é tão aleatória ou radical de modo que o conhecimento obtido
no passado seja inútil no presente. Os conceitos ainda servem um propósito importante, muito
embora possam estar carentes do frescor do aqui e agora imediato. Quando você enfia o dedo
numa fogueira, é inevitável que você se queime. Se você cuspir contra o vento, é inevitável
que volte na sua cara. É bom ter em mente lições como essas. Embora os padrões que
sustentam o sofrimento possam ser mais enredados que aqueles por detrás do fogo e do
vento, eles ainda assim são padrões. Isso pode ser aprendido e dominado e as quatro
categorias da atenção com sabedoria são cruciais para compreender esses padrões e dirigi-los
para o fim do sofrimento.

Em termos práticos, distinguir entre as categorias só vale a pena se você tiver que tratar cada
categoria de modo distinto. Um médico que formula uma teoria de dezesseis tipos de dor de
cabeça só para, por exemplo, tratá-las todas com aspirina, estará perdendo o seu tempo. Mas
aquele que ao observar que diferentes tipos de dor de cabeça respondem a diferentes tipos
de medicamentos, e aí desenvolver um teste acurado para diferenciá-las, estará fazendo uma
genuína contribuição para a ciência médica. O mesmo princípio se aplica às categorias da
atenção com sabedoria. Como o Buda declarou no primeiro relato da sua iluminação, uma vez
que ele havia identificado cada uma das quatro categorias, ele viu que cada uma tinha de ser
tratada de forma distinta. O sofrimento tinha de ser compreendido, a sua causa abandonada,
a cessação realizada e o caminho para a sua cessação desenvolvido por completo.
O que isso significa é que, como meditador, você não pode tratar tudo no momento presente
do mesmo modo. Você não pode simplesmente permanecer não-reativo ou simplesmente
aceitar tudo aquilo que vier. Se momentos de calma e tranqüilidade surgirem na mente, você
não deve simplesmente notá-los e deixar que eles desapareçam. Você deve aprender como
evoluí-los para os jhanas – a plenitude do êxtase e felicidade da concentração correta que
constitui o núcleo do caminho. Quando o sofrimento mental surge, você não pode deixá-lo ir
simplesmente. Você deve focar todo o poder de concentração e sabedoria que tiver no
momento para tentar compreender o apego que se encontra por detrás daquilo.

O Buda e os seus discípulos ampliam esse ponto em discursos nos quais eles mostram como a
atenção com sabedoria deve ser aplicada aos vários aspectos do presente. Aplicada aos cinco
agregados da forma, sensação, percepção, formações mentais e consciência, atenção com
sabedoria significa vê-los de tal modo que induza um senso de desencantamento que irá
ajudar a aliviar o desapego (SN XXII.122). Aplicada às percepções de beleza ou irritação,
significa vê-las de tal modo que impeça a alimentação dos obstáculos à concentração correta,
assim como o desejo sensual ou a má vontade. Aplicada à sensação de tranqüilidade, o
potencial para o êxtase, significa vê-la de tal modo que ajude a desenvolvê-la como um fator
para a iluminação (SN XLVI.51).

Mesmo numa categoria em particular, não há apenas uma abordagem que funcione em todos
os casos. Num dos discursos o Buda observa que alguns estados mentais inábeis enfraquecem
se você simplesmente observá-los com equanimidade, enquanto que outros requerem um
esforço ativo para eliminá-los (MN 101). Num outro discurso, ele amplia essa observação
recomendando cinco maneiras de lidar com os pensamentos que distraem: substituindo-os
por pensamentos hábeis, focando nas suas desvantagens, ignorando-os conscientemente,
relaxando a tensão necessária para mantê-los e suprimindo-os com a força (MN 20). Em
nenhum discurso, no entanto, ele dá regras rígidas para dizer que tipo de pensamento irá
responder a que tipo de abordagem. Você terá que descobrir por si mesmo qual abordagem
funciona melhor. Você terá de descobrir por si mesmo afiando o seu discernimento através de
tentativa e erro identificando o que funciona e o que não funciona numa determinada
situação.
O mesmo princípio se aplica aos estados mentais hábeis. O Buda resumiu o caminho da prática
para o fim do sofrimento nos 37 apoios para a iluminação que estão agrupados em sete
conjuntos – quatro fundamentos da atenção plena, quatro esforços corretos, quatro bases
para o poder, cinco faculdades dominantes, sete fatores da Iluminação e o nobre caminho
óctuplo. E mais uma vez, cabe a você aprender através de tentativa e erro qual o modo de
conceber o caminho que será mais benéfico num determinado momento da sua prática.

Isso significa que a aplicação da atenção com sabedoria aos estados mentais hábeis e inábeis
não se resume numa única tentativa para que ela seja produtiva.

As tarefas conectadas com cada uma das quatro categorias da atenção com sabedoria devem
ser todas testadas através de tentativa e erro e serem aprendidas como uma técnica.
Emprestando uma analogia do Cânone, a perfeita iluminação não é uma questão de tomar um
arco e flecha e esperar que com sorte se acerte o alvo. O insight que conduz à iluminação
ocorre através da prática num alvo, até que você seja “capaz de atirar a longas distâncias,
atirar com precisão uma série rápida, e penetrar uma grande massa.” (AN IX.36).

Como observado pelo Buda no seu primeiro discurso, ele não reivindicou a perfeita iluminação
até que tivesse a completa maestria das tarefas apropriadas a todas as quatro categorias. Ao
desenvolver por completo os fatores do caminho, ele compreendeu completamente os cinco
agregados influenciados pelo apego ao ponto de abandonar todo desejo e cobiça por eles. Foi
então que ele realizou o fim do sofrimento. Com isso, as categorias da atenção com sabedoria
haviam realizado a sua tarefa na solução do problema do sofrimento, mas mesmo assim elas
ainda tinham utilidade. Como afirmou o Ven. Sariputta, mesmo um arahant perfeitamente
iluminado as aplica para desfrutar de uma permanência prazerosa no aqui e agora. (SN
XXII.122).

Em todos esses casos, a atenção com sabedoria significa ver as coisas em relação à sua função
– o que elas podem fazer – enquanto que o ato da atenção com sabedoria é em si mesmo um
tipo de ação adotada em função daquilo que ela é capaz de fazer pela mente. E o teste para a
atenção com sabedoria é que ela é na verdade eficaz no auxílio para dar um fim ao sofrimento.
Quando comparamos isso com os exemplos do Buda para a atenção sem sabedoria, vemos
que a atenção não é sábia quando interpreta as coisas como ser/existir e identidade, e é sábia
quando as interpreta como ações e seus resultados. Na verdade, a atenção com sabedoria
observa o ser/existir em si como uma ação, com cada ato de ser/existir, ou assunção de uma
identidade, sendo avaliado pelo prazer ou dor que ele produz. Quando olhamos para nós
mesmos com atenção com sabedoria, focamos não naquilo que somos, mas naquilo que
estamos fazendo – e em particular se aquilo que estamos fazendo é inábil – conduzindo ao
sofrimento – ou hábil, conduzindo ao seu fim.

Este é um ponto importante para ter em mente quando refletimos nas duas críticas que com
freqüência são formuladas contra as quatro categorias de atenção com sabedoria. A primeira
crítica é que elas proporcionam uma visão limitada da riqueza e variedade da vida, que elas
não abrangem o número praticamente infinito de meios hábeis de encarar as experiências. Ao
formular uma teoria da existência, você poderia argumentar que quanto mais variedade ela
contiver, tanto melhor. Mas ao escolher um médico, você não gostaria que ele insistisse em
explorar uma infinidade de métodos para avaliar a sua enfermidade. Você quer alguém que
foque nos métodos que têm mais probabilidade de funcionar. O mesmo se aplica à atenção
com sabedoria. As quatro categorias, com as suas tarefas respectivas, não têm o propósito de
abarcar a realidade, mas de focar a sua atenção nos fatores corretos para curar o problema
existencial mais básico. O Buda limita a sua discussão a essas quatro categorias porque ele não
quer que você se distraia do problema que está à vista.

A segunda crítica é que as quatro categorias são dualistas e, portanto, inferiores a uma visão
do mundo não dualista. Novamente, ao formular uma teoria da existência, você poderia
argumentar, baseado na maior abrangência do conceito não dual de existência comparado
com o dualista, que uma teoria não dualista seria superior a uma dualista e que, por
conseguinte resultaria numa teoria mais unificada. Mas a atenção com sabedoria não é uma
teoria da existência. É um guia para o que fazer no momento presente. Porque o momento
presente é tão enredado e complexo, as múltiplas categorias oferecidas para a atenção com
sabedoria são uma força ao invés de fraqueza. Ao invés de limitá-lo a um modo de
compreensão e interpretação dos eventos no presente, elas proporcionam um entendimento
mais perspicaz e uma variedade de opções sobre como lidar com os enredos e complexidades
do sofrimento.

Ao oferecer alternativas para solucionar um problema, em princípio, nenhuma quantidade de


opções em particular é superior a qualquer outra. O que importa é que as opções sejam
suficientemente adequadas para o problema, mas não em excesso de modo a obscurecer a
solução e acabarem se convertendo elas mesmas num enredo. Em outras palavras, as opções
têm de ser julgadas, não contra princípios abstratos, mas por aquilo que elas capacitam-no a
fazer. Embora o Buda descreva o seu caminho para o fim do sofrimento como a forma de fazer
que em última instância dá um fim ao fazer, enquanto você estiver fazendo algo no momento
presente, a atenção com sabedoria assegura que aquilo que você estiver fazendo permaneça
como parte do caminho: você sabe quais são os fios do nó do sofrimento que devem ser
puxados e quais devem ser deixados de lado. E uma vez que você desembaraçar o problema
do sofrimento, todo o mais também será desembaraçado.

Dois Estilos de Meditação Vipassana

Embora possamos inicialmente começar a meditação com a mente aberta e exploradora, num
certo ponto da nossa prática inevitavelmente iremos nos deparar com uma encruzilhada em
que seremos forçados a fazer uma escolha. Ou prosseguimos com a meditação como uma
prática puramente naturalista, uma disciplina sem conotação religiosa, ou poderemos
transpor a prática de volta ao seu contexto original de fé e compreensão Budistas. Se
escolhermos o primeiro caminho, poderemos aprofundar ainda mais a nossa meditação e
obter em ainda maior abundância os mesmos benefícios já obtidos até o momento, uma calma
ainda mais profunda, mais equanimidade, maior tolerância e até mesmo algum tipo de
penetração do aqui e agora. Todavia, mesmo que esses benefícios sejam altamente desejáveis
em si mesmos, comparados às palavras do Buda eles permanecem incompletos. Pois, para que
a prática da meditação de insight atinja o pleno potencial descrito pelo Buda, ela deve ser
suportada por várias outras qualidades para que se encaixe dentro do contexto dos
ensinamentos.
Dentre essas qualidades a mais importante é o par complementar da fé e entendimento
correto. Como um fator do caminho Budista, a fé (saddha) não significa a crença cega, mas a
disposição em aceitar com base na confiança algumas proposições que não somos capazes de
verificar por nós mesmos no atual estágio de desenvolvimento. Essas proposições dizem
respeito a ambos, a natureza da realidade e o alcance do caminho. No esquema tradicional do
treinamento Budista, a fé é colocada no início como um pré-requisito para os estágios
subseqüentes que compreendem a tríade da virtude, concentração e sabedoria. Os textos
canônicos não parecem contemplar a possibilidade de que uma pessoa carente de fé nos
princípios doutrinários específicos do Dhamma possa se dedicar à prática da meditação de
insight e colher resultados positivos. E no entanto, na atualidade, tal fenômeno tem se tornado
amplamente difundido. É bastante comum que os meditadores façam o seu primeiro contato
com o Dhamma através da prática intensiva de meditação de insight e depois usem essa
experiência como a pedra de toque para avaliar o seu relacionamento com os ensinamentos.

Nesse momento, a escolha que eles fazem divide os meditadores em dois amplos grupos. O
primeiro consiste naqueles que focam exclusivamente nos benefícios tangíveis que a prática
pode proporcionar no aqui e agora, deixando de lado toda a preocupação com aquilo que
esteja além do horizonte da sua própria experiência pessoal. O outro consiste naqueles que
reconhecem que a prática flui de uma fonte de entendimento muito mais profundo e amplo
que o deles mesmo. Para seguir essa sabedoria até a sua fonte, esses meditadores estão
preparados a subordinar as suposições bem conhecidas aos enunciados dos ensinamentos e
dessa forma abraçar o Dhamma na íntegra.

O fato de que a meditação de insight possa ser praticada com seriedade, mesmo fora do
domínio da fé Budista, levanta uma questão interessante que nunca foi colocada de forma
explícita no Cânone nem nos Comentários. Se a meditação de insight pode ser praticada
apenas visando os seus objetivos tangíveis imediatos, então qual o papel que a fé desempenha
no desenvolvimento do caminho? Com certeza, a fé, sendo a plena aceitação da doutrina
Budista, não é uma condição necessária para a prática Budista. Como vimos, aqueles que não
seguem o Dhamma como um caminho para a emancipação espiritual ainda assim podem
aceitar os preceitos éticos e praticar a meditação como uma forma de obter paz.
A fé, portanto, deve desempenhar um papel distinto daquele de simplesmente impulsionar a
ação, mas a natureza exata desse papel ainda permanece problemática. Talvez, a solução
venha a emergir se perguntarmos o que na verdade significa a fé dentro do contexto da prática
Budista. Deve ser esclarecido de imediato que a fé não pode ser explicada de forma adequada
como sendo a simples reverência ao Buda, ou de alguma liga de devoção, admiração e
gratidão. Pois, apesar de que essas qualidades com freqüência coexistem com a fé, todas elas
podem estar presentes mesmo estando a fé ausente.

Se examinarmos a fé mais de perto, veremos que além dos seus componentes emotivos, ela
também compreende um componente cognitivo. Este consiste em estar preparado a aceitar
o Buda como o único que descobriu e proclamou a verdade libertadora. Visto por esse ângulo,
a fé necessariamente implica uma decisão. A palavra decisão implica tomar um partido,
colocar a fé em algo é um exercício de discriminação. Portanto, a fé Budista acarreta, no
mínimo de forma implícita, a rejeição das reivindicações de outros mestres espirituais de que
eles são portadores de uma mensagem libertadora em pé de igualdade com o próprio Buda.
Sendo uma decisão, a fé também implica a aceitação. Envolve a disposição de estar aberto aos
princípios anunciados pelo Iluminado e ater-se a eles como guias confiáveis para o
conhecimento e conduta.

É essa decisão que separa aqueles que se dedicam à prática da meditação de insight como
uma disciplina puramente naturalista daqueles que a praticam dentro do contexto da fé
Budista. A primeira, ao suspender qualquer julgamento acerca da descrição feita pelo Buda
sobre a condição humana, limita os frutos da prática àqueles compatíveis com uma visão do
mundo secular e naturalista. A última, ao aceitar a descrição da condição humana feita pelo
Buda, ganha acesso ao objetivo que o próprio Buda anuncia como sendo a meta final da
prática.

O segundo pilar que sustenta a prática da meditação de insight é a contraparte cognitiva da


fé, isto é, o entendimento correto (samma dithi). Embora a palavra “entendimento” possa
sugerir que os praticantes na verdade possuam a experiência dos princípios que são
considerados como corretos, isso ocorre muito raramente no início do treinamento. Exceto
para um número muito reduzido de discípulos dotados, o entendimento correto no início
significa na verdade a crença correta, a aceitação dos princípios e doutrinas tendo por base a
confiança na iluminação do Buda. Embora Budistas modernistas algumas vezes afirmem que
o Buda disse que se deveria acreditar apenas naquilo que pode ser verificado por si mesmo,
nenhuma afirmativa desse tipo é encontrada no Cânone em Pali. O que o Buda disse é que os
ensinamentos dele não devem ser aceitos cegamente mas que o seu significado deve ser
investigado e que se deve tentar realizar a verdade que eles contêm.

Contrário ao modernismo Budista, existem muitos princípios ensinados pelo Buda, essenciais
ao entendimento correto, que não podemos, no nosso estado atual, ver por nós mesmos. De
forma nenhuma são aspectos insignificantes, pois eles definem a estrutura de todo o programa
de libertação Budista. Não somente eles descrevem as dimensões mais profundas do
sofrimento do qual necessitamos nos libertar, mas também apontam a direção onde a
verdadeira libertação se encontra e prescrevem os passos que conduzem à realização do
objetivo.

Esses princípios incluem a crença em ambos, no entendimento correto “mundano” e no


“transcendente”. O entendimento correto mundano é aquele que conduz a um destino feliz
dentro do ciclo de renascimentos. Envolve a aceitação dos princípios de kamma e os seus
frutos; a aceitação da distinção entre ações hábeis e inábeis; e a vasta extensão de reinos no
samsara nos quais o renascimento pode ocorrer. O entendimento correto transcendente é o
entendimento que conduz à completa libertação do samsara. Compreende o entendimento
das Quatro Nobres Verdades em suas ramificações mais profundas, oferecendo não um mero
diagnóstico do sofrimento psicológico mas uma descrição da escravidão samsárica e um
programa para a libertação final. É esse entendimento correto que se coloca no topo do Nobre
Caminho Óctuplo e que guia os demais sete fatores em direção à cessação do sofrimento.

Embora as técnicas para a prática da meditação de insight possam ser idênticas para aqueles
que a ela se dediquem como uma disciplina puramente naturalista e para aqueles que a
adotem como parte do desenvolvimento do Dhamma, os dois estilos de prática irão no
entanto diferir profundamente com respeito aos resultados que essas técnicas possam
produzir. Quando for praticada como parte de uma abordagem naturalista, a meditação de
insight poderá trazer uma maior calma, compreensão e equanimidade, até mesmo
experiências de insight. Ela poderá purificar a mente das impurezas mais grosseiras e resultar
na tranqüila aceitação das vicissitudes da vida. Por essas razões, este tipo de prática não deve
ser depreciado. No entanto, sob uma perspectiva mais profunda, essa apropriação da
meditação Budista permanecerá incompleta. Ela ainda estará confinada à esfera da existência
condicionada, ainda estará vinculada ao ciclo de kamma e aos seus frutos.

Quando, no entanto, a meditação de insight está sustentada pela profunda fé no Buda como
o perfeito mestre iluminado, e iluminada pela sabedoria dos ensinamentos, ela adquire uma
nova capacidade que falta à outra abordagem. Ela agora funciona com o apoio do desapego,
movendo-se em direção à libertação final. Ela se torna a chave para abrir as portas para o
Imortal, o meio para obter a liberdade que nunca poderá ser perdida. Assim, a meditação de
insight transcende os limites do condicionado, transcende até mesmo a si mesma para
alcançar o seu objetivo: a erradicação de todos os grilhões da existência e a libertação do ciclo
indeterminável de nascimento, envelhecimento e morte.

Meditação de Metta (Amor-Bondade)

Algumas vezes a prática da meditação de insight (vipassana) pode ser interpretada como
sendo um tipo de prática que faz com que o meditador se torne um ser sem coração ou
indiferente, como um vegetal que não possui amor e compaixão pelos outros seres vivos

Devemos, no entanto, lembrar que o Buda recomendou de maneira enfática que cultivemos
quatro moradas divinas ou estados sublimes da mente: amor
bondade (metta), compaixão (karuna), alegria altruísta (mudita) e equanimidade (upekha). O
primeiro desses quatro é tão importante que o Buda disse que alguém que dependa
inteiramente de outras pessoas para viver (isto é, um monge ou monja) poderá pagar a sua
dívida para com os seus patrocinadores através da prática de metta, dirigida a todos os seres
vivos, mesmo que seja por um período de tempo tão curto quanto uma fração de segundo por
dia. O Karaniya Metta Sutta diz: "…sempre que estiver desperto, cultive essa atenção plena: a
isto se denomina uma morada divina no aqui e agora."

A atenção plena é um dos fatores mais importantes em todo o conjunto dos ensinamentos do
Buda. Desde o dia que ele alcançou a iluminação, até o dia em que ele faleceu aos 80 anos, em
quase todos os discursos do Dhamma ele enfatizou a atenção plena. Ao equiparar a prática
de metta à atenção plena podemos entender a importância dessa prática dentro do conjunto
dos ensinamentos do Buda. O Buda aperfeiçoou a prática de metta para alcançar a Iluminação,
equilibrando-a com a sabedoria. Mesmo após haver alcançado a Iluminação, a primeira coisa
que ele fazia todos os dias era penetrar a realização da Grande Compaixão, que é o fruto da
prática de metta. Em seguida ele inspecionava o mundo para ver se havia seres que ele poderia
auxiliar na compreensão do Dhamma. Esses quatro estados sublimes da mente são
denominados Brahma Vihara, o comportamento ideal ou atitude ideal. Os três primeiros
possuem força suficiente para permitir alcançar os primeiros três jhanas e o último para
alcançar o quarto jhana. A sua importância na prática da meditação vipassana fica evidente
pelo fato deles estarem incluídos no segundo elemento do Nobre Caminho Óctuplo. Na
verdade, nenhuma concentração é possível sem esses estados sublimes da mente, porque na
ausência deles a mente fica cheia de raiva, rigidez, preocupações, temores, tensão e
inquietação.

Antes de nos dedicarmos à prática desses estados nobres da mente, devemos superar a raiva,
que é uma maneira impensada de desperdiçar a própria energia. A raiva, quando ativa, se
compara à água fervendo ou, quando não é expressa, ao preconceito. Ela pode destruir a nossa
prática de meditação e o treinamento das virtudes. A pessoa enraivecida se compara a um
pedaço de lenha meio queimado deixado em uma pira funerária. Ambas as extremidades da
lenha estão queimadas e transformadas em carvão e o meio está coberto com imundícies.
Ninguém pegaria esse pedaço de lenha para queimar ou para qualquer outro propósito porque
ficaria com as mão imundas. Da mesma forma a pessoa enraivecida será evitada de todas as
formas, se possível, por todos.
Precisamos começar a prática de metta com nós mesmos primeiro. Algumas vezes alguns de
vocês podem se perguntar porque devemos amar a nós mesmos primeiro. Isso não seria amor
próprio que conduz ao egoísmo? Se você investigar a sua mente cuidadosamente no entanto,
irá se convencer de que não existe nenhuma outra pessoa em todo o universo que você ame
mais do que você mesmo. O Buda disse, “Tendo atravessado todos os quadrantes com a
mente, ele não encontra em nenhum lugar alguém mais querido do que ele mesmo. Do
mesmo modo, toda pessoa considera a si mesma como a mais querida; por conseguinte quem
ama a si mesmo não deveria ferir os outros.” (Mallika Sutta). Quem não ama a si mesmo será
incapaz de amar aos outros. Da mesma forma, quem ama a si mesmo irá sentir o impacto
de metta e poderá então compreender quão belo seria se todos os corações no mundo
estivessem plenos com o mesmo sentimento de metta.

O tipo de amor bondade que queremos cultivar não é o amor comum tal como é entendido
no uso diário. Quando você diz, por exemplo, "eu amo tal pessoa" ou "tal coisa", o que você
realmente está querendo dizer é que você deseja a aparência, comportamento, idéias, tom da
voz ou a atitude em geral daquela pessoa, em relação a você particularmente, ou em relação
à vida de forma geral. Se aquela pessoa mudar as coisas pelas quais você a deseja, você poderá
decidir que não a ama mais. Se as preferências, caprichos e fantasias das pessoas mudarem,
elas não mais dirão "eu amo tal pessoa". Nessa dualidade de amor-ódio você ama uma pessoa
e odeia outra. Você ama agora e odeia depois. Você ama quando quiser e odeia quando quiser.
Você ama quando tudo está bem e sem problemas e odeia quando alguma coisa dá errado no
relacionamento entre você e a outra pessoa. Se o seu amor muda dessa forma de tempos em
tempos, de lugar em lugar e de situação para situação, então o que você chama de "amor" não
é metta mas sim desejo, cobiça ou luxúria - de nenhuma forma isso é amor.

O tipo de amor bondade que queremos cultivar através da meditação não possui um oposto
ou um motivo velado. Assim, a dicotomia amor-ódio não se aplica ao amor bondade cultivado
através da sabedoria ou da atenção plena, pois ele nunca irá se transformar em ódio à medida
que as circunstâncias mudarem. O verdadeiro amor bondade é uma faculdade natural que
está oculta sob o amontoado de desejo, raiva e ignorância. Ele não pode ser dado. Nós
precisamos encontrá-lo dentro de nós mesmos e cultivá-lo com a atenção plena. A atenção
plena o descobre, cultiva e mantém. A consciência do "eu" (ahankara) se dissolve com a
atenção plena e o seu lugar é tomado pelo amor bondade isento de egoísmo.

Por causa do nosso egoísmo odiamos algumas pessoas. Queremos viver de certo jeito,
queremos fazer certas coisas ao nosso modo, perceber as coisas de uma forma particular; e
não de outro jeito. Se outras pessoas não concordarem com as nossas opiniões, nossos jeitos
e nossos estilos, não só as odiaremos, mas também nos tornaremos tão cegos e irracionais,
devido à falta de atenção plena, que poderemos chegar ao ponto de negar-lhes o direito à
vida.

Quando você pratica metta você não fica colérico por não receber algum tipo de retribuição
de pessoas e seres para os quais você irradiou o seu metta, porque ao irradiar-lhes o seu amor
bondade você não possuía nenhum motivo oculto. Nessa rede de amor bondade você não
somente inclui todos os seres tal como eles são, mas você deseja que todos eles, sem qualquer
discriminação, sejam felizes. Você irá se portar de maneira gentil e agradável para com todos
e irá falar a respeito deles de forma gentil e agradável tanto na presença como na ausência
deles.

Ao meditar as nossas mentes e corpos se tornam naturalmente relaxados. Os obstáculos são


dissolvidos. A sonolência e o torpor por exemplo são substituídos pela vigilância. A dúvida é
substituída pela confiança, a raiva pela alegria, a inquietação e a preocupação pela felicidade.
Na medida que o ressentimento é substituído pela alegria, o amor bondade escondido no
nosso subconsciente se manifesta fazendo com que fiquemos ainda mais em paz e felizes.
Nesse estado de meditação obtemos concentração e superamos a nossa cobiça. Podemos ver
como a meditação destrói a raiva e cultiva metta, que por seu lado dá sustentação para a nossa
prática de meditação. Juntos, os dois operam em uníssono, culminando com a concentração e
o insight. Assim, para capturar na própria mente a energia do amor bondade a pessoa precisa
se aperfeiçoar através da prática da meditação da atenção plena.

A observação atenta dos nossos estados mentais pode fazer com que tenhamos consciência
do dano, destruição e dor causados por certos tipos de pensamentos. Enquanto que outros
são cheios de paz e alegria. Com isso, a nossa mente passa a rejeitar aquilo que é prejudicial e
a cultivar o que é pacífico e prazenteiro. Não aprendemos isso nos livros, com mestres, amigos
ou inimigos, mas através da nossa própria prática e experiência. Quando os pensamentos
prejudiciais surgem aprendemos a não lhes dar atenção e quando pensamentos benéficos
surgem nós permitimos que eles se expandam e permaneçam por mais tempo na mente.
Assim aprendemos com a nossa própria experiência como pensar de forma mais saudável.
Essa prática cria as condições na nossa mente para que o amor bondade cresça. Isso significa
que pensamentos benéficos que surgem na nossa mente por si mesmos, podem ser gerados
de acordo com a nossa própria vontade, mais tarde. Essa prática nos ajuda a compreender que
o amor bondade pode se desenvolver e crescer no fundo da nossa mente. Fatores ambientais
ou circunstanciais desempenham um papel importante nesse cultivo. Nenhum ser humano
está totalmente desprovido de amor bondade, não importa o quão cruel ele ou ela aparentem
ser. O amor bondade escondido no subconsciente de cada pessoa deve ser trazido à tona
através do desenvolvimento da habilidade da atenção plena.

"Mitra" na literatura védica e "Mitta" na literatura em Pali significam o sol. A natureza do sol
pode ser chamada de "Maitri" ou "Metta". Maitri ou Metta também significam amor bondade
ou amizade. Talvez a razão porque o amor bondade seja assim chamado é porque gera
sentimentos calorosos em relação a todos os seres. Da mesma forma como o calor vem do sol,
aquele que possui amor bondade possui uma coração pleno de calor para com todos. Da
mesma forma como o sol brilha sem discriminação sobre todos os objetos no mundo, "Metta"
ou "Maitri" permeiam todos os seres sem qualquer discriminação. Da mesma forma como o
sol dissipa a escuridão, o amor bondade destrói a escuridão da raiva. Da mesma forma como
alguns objetos absorvem melhor o sol do que outros, alguns seres vivos absorvem melhor o
amor bondade do que outros. Os seres que absorvem mais amor bondade do que outros são
aqueles que aprendem a relaxar devido ao seu Kamma.

O Buda cultivou metta tão potente que o fez amar o seu pior inimigo, Devadatta, que tentou
matá-lo várias vezes. Ele amava o assaltante e assassino Angulimala, que também tentou
matá-lo. Ele amava Dhanapala, um elefante que tentou matá-lo. Ele amava a todos da mesma
forma como amava o seu filho Rahula. Quando Devadatta morreu, ao ir ter com o Buda, os
monges perguntaram ao Buda qual seria o seu futuro. O Buda disse que no futuro ele se
converteria num Buda silencioso. Assim é o amor bondade, guiado pela atenção plena, que
nos permite viver em paz e harmonia.

O amor bondade ou metta não pode ser cultivado pela mera repetição de palavras de amor
bondade. Esse tipo de repetição é muito parecido com a repetição de uma receita para um
paciente num hospital ou de um cardápio para uma pessoa faminta em um restaurante.
Repetir uma lista de coisas nunca irá produzir o resultado tangível das palavras da lista. O amor
bondade é algo que tem que ser cultivado com intenção por nós mesmos nas nossas mentes.

O amor bondade é desenvolvido através da meditação. Quando a mente está relaxada, o


meditador é capaz de perdoar e esquecer todas as ofensas que foram cometidas contra ele. A
pessoa pode praticar metta através da meditação da tranqüilidade (samatha). Mas isso não
dura para sempre porque a tranqüilidade que é alcançada é apenas temporária. O amor
bondade cultivado através de vipassana, por outro lado, é perpétuo, porque os efeitos da
meditação vipassana se enraízam profundamente na mente da pessoa. A meditação vipassana
abranda a mente, e o amor bondade, cultivado em conjunto com o abrandamento da mente,
irá lançar raízes profundas na mente.

Quem pratica a meditação vipassana vê a impermanência nas formas, sensações, percepções,


formações mentais e consciência. Eles podem comparar as mudanças nesses agregados com
aqueles das outras pessoas. Dessa forma eles não vêm nenhuma pessoa ou coisa com ódio. Se
eles perguntarem a si mesmos quem eles odeiam, eles não irão encontrar nenhum indivíduo
para odiar. Da mesma forma, eles não encontrarão nenhum indivíduo pelo qual possam
cultivar o amor bondade. Tudo que eles percebem é o fenômeno do fluxo contínuo dos
eventos que ocorrem a cada momento, consigo mesmo e com os outros. Isso os capacita a
perdoar e esquecer as ofensas que outros agregados tenham cometido contra eles, ou seus
amigos, ou parentes. A meditação de metta é o processo verdadeiro que genuinamente
desenvolve as nossas nobres qualidades, que podem promover a paz e a felicidade. Não
podemos inculcar amor bondade nas mentes das outras pessoas. Nem as outras pessoas
podem fazer o mesmo conosco. Você não poderá inculcar amor bondade em mim pela força
se o meu Kamma impedir minha mente de aceitá-lo. Cada um de nós precisa preparar o
terreno para que o amor bondade se desenvolva e cresça dentro da nossa mente.

Você também deve tê-lo dentro de si antes que possa ensiná-lo aos outros, da mesma forma
como você não pode ensinar algo para alguém se você não conhecer o assunto primeiro.
Suponha que você tente ensinar algo para outras pessoas sem conhecer o assunto. Você irá
passar por tolo. Quanto mais você conhecer o seu assunto, melhor será para ensiná-lo aos
outros. Da mesma forma, quanto mais treinada for a sua mente na disciplina do amor
bondade, melhor será para ensiná-la ao mundo como cultivá-la. É óbvio que você não precisa
esperar até que o seu aprendizado e treinamento estejam completos para iniciar o seu ensino.
Enquanto pratica o amor bondade você estará ganhando experiência prática. Você não poderá
praticar no vazio. Tem que haver outros seres vivos para que você possa praticar de forma a
ganhar experiência. Portanto, ao mesmo tempo que você treina praticando o amor bondade,
estará também treinando os outros nessa prática. Enquanto ensina você aprende. Enquanto
aprende você ensina.

Até mesmo os Bodisatvas, enquanto se empenham com vigor na própria salvação, ajudam o
mundo. A sua prática os auxilia a alcançar a iluminação primeiro, para assim serem capazes de
ajudar o mundo a alcançar o mesmo objetivo. Se eles ensinarem os outros a praticar o amor
bondade sem que eles mesmos o pratiquem, eles não alcançarão a iluminação, nem serão
capazes de ajudar os outros a praticar o amor bondade.

Cada um de nós precisa cultivá-lo por si mesmo e para si mesmo. Você não pode cultivá-lo
pelos outros. Nem os outros podem cultivá-lo por você. Se eu prometer salvá-lo praticando o
amor bondade sem que você o pratique, então somente eu livrarei a minha mente da má
vontade, pois não serei capaz de livrar a sua mente desse estado negativo. Da mesma forma,
se você cultivar o amor bondade para mim e eu cultivá-lo para você, então, ambos estaremos
praticando. Eu não deveria esperar que você pratique o amor bondade por mim. Nem você
deveria esperar que eu o pratique por você. Se você disser, "Não pratique o amor bondade
que eu o farei por você", isso não funciona. Não diga "Como posso cultivar amor bondade por
tal pessoa que me odeia?" Se você odeia quem lhe odeia, ambos estarão fazendo o mal. Ao
fazer essa pergunta o que você está dizendo, em outras palavras é, "Como posso ser bom se
os outros são maus?" Ou "Como posso evitar cometer crimes se os outros cometem crimes?"
Você não pratica amor bondade porque os outros o cultivam. Você quer cultivá-lo justamente
porque os outros não o cultivam.

Em última análise a prática do amor bondade depende do desenvolvimento espiritual e do


Kamma da pessoa. As mentes de algumas pessoas possuem um Kamma tão desafortunado
que para elas é quase impossível sonhar quanto à eficácia do amor bondade quanto mais
praticá-lo, pois o seu Kamma impede que elas vejam o benefício do amor bondade. Se você
for ensinar uma classe de alunos irá notar que o desempenho dos alunos não é igual. Mesmo
gêmeos idênticos possuem desempenhos distintos. A individualidade é a forma de expressar
o desenvolvimento emocional, intelectual, físico e espiritual condicionado pelo Kamma da
pessoa. Nem mesmo o Buda pode interferir no Kamma de uma pessoa. Nós não somos criados
iguais, nascemos diferentes uns dos outros de acordo com o nosso próprio Kamma que divide
os indivíduos com qualidades superiores e inferiores. Se você praticar um ato com bom Kamma
e desfrutar do seu resultado, eu não serei capaz de roubá-lo ou tomá-lo de você seja pela força
ou por meios amigáveis. Se eu praticar o amor bondade para todos os seres poderei limpar a
minha mente da raiva. Assim a prática do amor bondade se manifesta no meu
comportamento. Começar a prática do amor bondade é começar a prática de bom Kamma,
pois nenhum bom Kamma pode ser praticado sem amor bondade. Ao apresentar os Quatro
Fundamentos da Atenção Plena o Buda disse aos meditadores que superassem a cobiça e a
raiva e o motivo é que durante a prática da atenção plena o meditador irá encontrar muitos
problemas com ambos, a cobiça e a raiva. Com freqüência as pessoas perguntam "Podemos
eliminar a dor, o sofrimento e a raiva das outras pessoas através do cultivo interior de amor
bondade?" Até mesmo o Buda é incapaz de erradicar a dor e o sofrimento de outras pessoas
desejando-lhes a paz e a felicidade. O Buda disse: "Você precisa trabalhar a sua própria
salvação. Os Budas apenas ensinam". Como cada indivíduo possui a sua parcela de Kamma,
cada um tem que se dedicar para obter a sua própria salvação. Se pudéssemos eliminar o
sofrimento dos outros desejando que eles se libertem da dor e do sofrimento, então fazer com
que todo o mundo tivesse paz e felicidade seria muito fácil. Se isso fosse possível então da
mesma forma, também deveria ser possível que uma pessoa vingativa destruísse todos os seus
inimigos desejando-lhes: "Que eles sejam feios, que eles sintam dores, que eles não sejam
prósperos, que eles não sejam ricos, que eles não sejam famosos, que eles não tenham amigos
e que eles após a morte renasçam em estados miseráveis de existência". Na realidade, aqueles
que fazem esses tipos de desejos inábeis é que poderão ficar feios, com dores, sem
prosperidade, sem riqueza, sem fama, sem amigos e após a morte poderão renascer em um
estado miserável de existência, porque eles cometem um Kamma ruim com a mente, por
terem um desejo consciente cheio de raiva. Pensamentos ruins têm o poder de fazer com que
os outros se sintam mal e bons pensamentos têm o poder de fazer com que se sintam bem.

Você pode se perguntar, "Se no sentido mais fundamental não existem seres, ou em nenhum
sentido algum tipo de eu, ou se existem seres em um sentido condicional e a minha prática de
amor bondade não elimina a sua dor e sofrimento, devido ao seu próprio Kamma, porque devo
cultivar o amor bondade?" Você deve se lembrar que quando a sua mente está cheia de
pensamentos ruins ou pensamentos cheios de raiva por exemplo, você fala de uma forma rude
com a linguagem grosseira, praguejando, difamando e caluniando. Você fala de forma
maldosa. Quando a sua mente está cheia de ódio, tudo que você vê gera dor; tudo que você
ouve gera dor; tudo que você cheira gera dor; tudo que você come faz com que fique enfermo,
tudo que você toca é desagradável para o corpo; e tudo que você pensa é doloroso. Você se
torna vingativo. Você sempre fala mal dos outros, nunca vê nada de bom nos outros. Você se
torna muito crítico. Você sempre encontra defeitos nos outros. Você nunca aprecia as coisas
boas que eles fazem. Você estará enciumado todo o tempo. Você se torna muito arrogante,
ingrato, malvado, com a mente muito mal intencionada. Você sempre pensa em causar dano
aos outros. Você se delicia em ver os outros sofrerem, com problemas, com dificuldades. Você
fica muito feliz em ver os outros fracassarem na vida. Assim o seu comportamento ultraja as
pessoas. Facilmente você faz com que as outras pessoas se sintam mal. O seu comportamento
será muito desagradável para as outras pessoas. Todos que estiverem ao seu redor sentirão
nojo em ter que trabalhar com você. Elas ficarão com dor de estômago e dor de cabeça. Elas
ficarão muito nervosas por estarem próximas de você. É assim que os seus pensamentos
inábeis afetam as outras pessoas.
Por outro lado se a sua mente estiver plena com amor bondade, você irá falar de forma gentil,
bondosa e amigável. Tudo que você ver será motivo para alegria; tudo que você ouvir será
agradável. A sua comida terá um sabor melhor. Tudo que você tocar fará com que fique
satisfeito. Tudo que você cheirar será agradável. Tudo que você pensar será muito agradável
e tranqüilo. Você não medirá esforços para ajudar as outras pessoas. Você se tornará bastante
compreensivo e circunspecto. Você terá muita paciência. Você se tornará muito amoldável.
Você sempre dirá a verdade. Você sempre irá procurar agradar aos outros. Você estará
preparado para esquecer o mal que lhe fizeram e perdoar as pessoas. Você sempre estará
relaxado. Você não terá um riso falso e desnecessário, mas um sorriso amigável. Assim as
pessoas irão amar trabalhar com você. Elas se sentirão confortáveis em sua companhia. As
suas mentes também se tornarão suaves e gentis em relação a você. Elas protegerão você.
Elas não falarão mal de você pelas suas costas mas, sim, bem. O seu nível de produtividade
aumentará. A sua reputação aumentará.

Além disso, você poderá perguntar "Qual é o proveito de praticar o amor bondade para com
todos os seres dizendo: ‘Todos os seres vivos que existem, fracos ou fortes, sem exceção,
compridos, grandes, médios, curtos, sutis, grosseiros, visíveis e invisíveis, próximos e distantes,
nascidos e por nascer: que todos os seres tenham os corações plenos de bem-aventurança!'
Porque se deveria desejar, ‘Que ninguém engane ou despreze outrem, em nenhum lugar, ou
devido à raiva ou inimizade deseje que alguém sofra. Tal qual uma mãe, colocando em risco a
própria vida, ama e protege o seu filho, o seu único filho, da mesma forma, abraçando todos
os seres, cultive um coração sem limites.’ Porque alguém deveria ‘Com amor bondade para
todo o universo, cultive um coração sem limites: acima, abaixo e em toda a volta,
desobstruído, livre da raiva e da inimizade. Quer seja parado, andando, sentado, ou deitado,
sempre que estiver desperto, cultive essa atenção plena?'"

Algumas vezes, também, as pessoas se perguntam como podemos desejar para os nossos
inimigos "Que os meus inimigos possam estar bem, felizes e tranquilos. Que nenhum mal lhes
aconteça; que eles não enfrentem nenhuma dificuldade; que eles não enfrentem nenhum
problema; que eles sejam sempre bem sucedidos. Que eles também tenham paciência,
coragem, compreensão e determinação para enfrentar e superar as inevitáveis dificuldades,
problemas e fracassos da vida?"

Precisamos lembrar que praticamos amor bondade para a purificação das nossas próprias
mentes, da mesma forma que praticamos a meditação para alcançar a iluminação. Ao
desenvolver amor bondade interiormente poderei me comportar de maneira mais amigável,
sem preferências, preconceitos, discriminação ou ódio. O meu nobre comportamento permite
que eu auxilie os demais seres condicionados, da forma mais prática, para reduzir a sua dor e
o seu sofrimento. São as pessoas compassivas que se comportam de forma suave e gentil para
fazer com que as pessoas ao seu redor se sintam confortáveis. Compaixão é a manifestação
do amor bondade em ação, pois quem não possui amor bondade é incapaz de ajudar os outros.
Comportamento nobre significa portar-se da forma mais cordial e amigável possível. O
comportamento inclui os pensamentos, linguagem e ações corporais. Se houver contradições
nessa forma tríplice de expressar o nosso comportamento, então existe algo de errado nele.
O comportamento contraditório não pode ser um comportamento nobre. Se alguém fala de
amor bondade mas se comporta de uma forma grosseira, ele/ela é hipócrita não é honesto/a.

Por outro lado, falando em termos pragmáticos, é muito melhor cultivar o nobre pensamento,
"Que todos os seres sejam felizes" do que o pensamento "Eu o odeio". O pensamento nobre
irá definitivamente encontrar a sua expressão no nosso nobre comportamento e o nosso
pensamento maldoso irá encontrar a sua expressão no mau comportamento.

Precisamos lembrar que os nossos pensamentos são transformados em linguagem e ação de


modo a alcançar o resultado esperado. A intenção ou pensamento traduzido em ação é capaz
de produzir um hormônio positivo no nosso cérebro. Esse hormônio positivo age como um
nutriente que alimenta e fortifica os nossos nervos. Quando os nossos nervos são estimulados
com esse hormônio positivo eles se fortalecem. Esse hormônio positivo será também
transportado através do nosso corpo pela circulação sanguínea, fazendo com que as nossas
células sejam saudáveis. Os nervos e células saudáveis fazem com que o nosso corpo e mente
sejam fortes e saudáveis.
Devemos sempre falar e fazer as coisas com atenção plena no amor bondade. Se, enquanto
fala de amor bondade, você age ou fala de uma forma diametralmente oposta, você será
repreendido pelos sábios. Na medida em que a atenção plena no amor bondade se
desenvolve, os nossos pensamentos, palavras e ações se tornam gentis, agradáveis,
relevantes, verdadeiros e benéficos para nós, bem como para os demais. Se os nossos
pensamentos, palavras ou ações causam dano para nós, para os outros, ou ambos, então
precisamos nos questionar se realmente estamos plenamente atentos ao amor bondade.

Em termos práticos, se todos os seus inimigos estivessem bem, felizes e tranqüilos, eles não
seriam seus inimigos. Se eles estiverem livres de problemas, dores, sofrimento, aflições,
neuroses, psicoses, paranóias, temores, tensões, ansiedades, etc., eles não serão mais os seus
inimigos. A sua solução prática para os seus inimigos é auxiliá-los a superar os problemas deles,
de forma que você possa viver em paz e feliz. Na verdade, se você pudesse, você deveria
preencher as mentes de todos os seus inimigos com amor bondade e fazer com que todos eles
realizem Nibbana, assim você poderia viver em paz e feliz. Quanto mais neuroses, psicoses,
temores, tensões, ansiedades, etc eles tiverem, tanto mais problemas, dores e sofrimento eles
poderão causar ao mundo. Se você conseguir converter uma pessoa má e cruel em uma pessoa
pura e santa então você terá realizado um milagre que o Buda nos permitiu realizar.
Cultivemos a sabedoria e o amor bondade nas nossas mentes para converter as mentes más
em mentes santas.

Meditação Andando

O Buda enfatizou desenvolver a atenção plena nas quatro posturas principais do corpo: em
pé, sentado, deitado e andando (DN 22, MN 10). Ele nos exortou que tenhamos atenção plena
em todas essas posturas de modo a desenvolver a clara compreensão e a lembrança daquilo
que estamos fazendo em qualquer uma dessas posturas.

Quando lemos sobre as vidas dos monges e monjas na época de Buda vemos que muitos
realizaram os estágios de iluminação enquanto praticavam a meditação andando. A meditação
andando é chamada cankama em pali, sendo uma atividade na qual é possível focar e
concentrar a mente e também desenvolver o conhecimento investigativo e a sabedoria.

Algumas pessoas descobrem serem naturalmente atraídas pela meditação andando porque
sentem que é mais fácil e mais natural do que a meditação sentada. A meditação sentada lhes
parece maçante, ou elas ficam tensas, ou são facilmente distraídas. Sua mente não se acalma.
Se este for o seu caso, não tente apenas perseverar, tente uma mudança de postura e faça
algo novo. Faça algo diferente, experimente com a meditação em pé ou tente a meditação
andando. Essa nova postura de meditação pode lhe dar alguns outros meios hábeis na
aplicação da mente. Todas as quatro posturas de meditação são apenas técnicas, métodos
para desenvolver e treinar a mente.

Experimente e desenvolva a meditação andando, pode ser que você veja os seus benefícios.
Na tradição das florestas da Tailândia há uma grande ênfase na meditação andando. Muitos
monges caminham por muitas horas como forma de desenvolver a concentração - às vezes
até dez ou quinze horas por dia!

O falecido Ajaan Singtong costumava praticar tanto a meditação andando que fazia uma trilha
profunda no caminho em que praticava, sendo que os noviços tinham que preencher o buraco
que se formava. O caminho de areia que ele usava para a meditação andando acabava se
transformando num buraco pelas tantas horas que ele caminhava por dia - às vezes até quinze
ou mais horas por dia! Sei de outro monge que praticava tanta meditação andando que nem
se importava em ir para o seu kuti à noite. Quando ficava realmente muito cansado depois de
praticar a meditação andando durante o dia todo e até tarde da noite, ele deitava ali mesmo
no caminho de meditação e usava o punho como travesseiro. Ele adormecia com atenção
plena, tendo feito uma determinação para levantar no momento em que acordasse. Assim que
acordava, ele começava a caminhar novamente. Basicamente, ele vivia andando no seu
caminho de meditação! Esse monge obteve resultados da sua prática rapidamente.

No Ocidente não há tanta ênfase na prática da meditação andando. É por isso que gostaria de
descrever o processo e recomendar que sirva como complemento para a prática da meditação
sentada. Estas instruções, espero irão ajudar a desenvolver o repertório de técnicas de
meditação - tanto na meditação formal como na vida diária. Como grande parte do tempo é
empregado com a atividade de caminhar, então, se vocês souberem como aplicar a atenção,
até mesmo o simples ato de caminhar em casa pode se tornar um exercício de meditação.

Os cinco benefícios da Meditação Andando

O Buda descreveu cinco benefícios da meditação andando no Cankama Sutta :

"Uma pessoa se torna capaz de viagens (caminhar longas distâncias), ela se torna capaz de se
esforçar, ela se torna saudável, o que ela come, bebe, consome e experimenta é digerido
corretamente, a concentração alcançada através da meditação andando é duradoura."

Desenvolver a resistência para caminhar longas distâncias. O primeiro benefício da


meditação andando é que favorece a resistência para caminhar longas distâncias. Isso era
particularmente importante na época do Buda, quando a maioria das pessoas viajavam a pé.
O próprio Buda regularmente perambulava de um lugar para outro caminhando até 16
quilômetros por dia. Assim, ele recomendava que a meditação andando fosse usada como
uma forma de desenvolver a aptidão física e resistência para percorrer grandes distâncias a
pé.

Os monges da tradição das florestas, ainda nos dias de hoje perambulam, isso é
chamado Tudong. Eles saem com as suas tigelas e mantos e caminham em busca de lugares
isolados para meditar. Em preparação para sair perambulando, eles progressivamente
aumentam o tempo de meditação andando de modo a desenvolver a sua aptidão física e
resistência. O número de horas é aumentado para pelo menos cinco ou seis horas por dia. Se
alguém caminha uma média de quatro ou cinco quilômetros por hora e faz cinco horas de
meditação andando por dia, o número de quilômetros vai se acumulando.

Bom para o esforço. Esforçar-se, especialmente para superar a sonolência, é o segundo


benefício. Ao praticar a meditação sentada, os meditadores podem se dar conta que tendem
a deslizar para estados tranqüilos, mas se forem demasiado "tranqüilos", sem atenção, então
pode acontecer de adormecerem ou até mesmo roncarem. O tempo passa rapidamente, mas
não há atenção plena ou clareza, muito embora possa haver paz. Sem atenção e clareza, a
meditação pode se transformar em uma "tranqüilidade" embotada, porque foi tomada pela
preguiça e torpor. Desenvolver a meditação andando pode contrapor essa tendência.

Por exemplo, Ajaan Chah costumava recomendar que uma vez por semana ficássemos
acordados a noite toda. Praticávamos a meditação sentada e a meditação andando durante
toda a noite. Em geral tendemos a ficar muito sonolentos por volta da uma ou duas horas da
manhã, por isso, Ajaan Chah recomendava fazer a meditação andando - para trás, como uma
forma de superar a sonolência. Ninguém consegue adormecer andando para trás!

Lembro-me de certa vez no Bodhinyana Monastery, saindo por volta das cinco horas da manhã
para praticar a meditação andando, vi um dos leigos, que estava hospedado no monastério
para o retiro das chuvas, fazendo um grande esforço para superar a sonolência. Ele na verdade
estava caminhando para cá e para lá no topo de um muro com dois metros de altura na frente
do monastério - muito atentamente andando para cá e para lá em cima do muro! Fiquei um
pouco preocupado porque ele poderia cair e se machucar. No entanto, ele estava realmente
se esforçando muito e tendo o cuidado de aplicar a atenção plena a cada passo, estando no
processo de superar a sonolência, ao desenvolver um senso aguçado de vigilância, esforço e
zelo.

Bom para a saúde. O Buda disse que a meditação andando leva a uma boa saúde. Esse é o
terceiro benefício. Todos sabemos que caminhar é considerado uma boa forma de exercício.
Nos dias de hoje até mesmo ouvimos falar de "caminhada poderosa" (power walking). Bem,
estamos falando de "meditação poderosa", desenvolver a meditação andando tanto como um
exercício físico como mental. Desta forma, a caminhada pode ser usada tanto como uma boa
forma de exercício, como uma maneira de cultivar a mente. Mas, para obter ambos benefícios,
temos que trazer a atenção para o processo de caminhar, em vez de simplesmente caminhar
e deixar a mente vagar, pensando em outras coisas.

Bom para digestão. O quarto benefício da meditação andando é ser bom para a digestão. Isto
é particularmente importante para os monges que comem uma refeição por dia. Depois de
uma refeição, o sangue vai para o estômago, para longe do cérebro. Assim, podemos nos sentir
sonolentos. Os monges da tradição das florestas enfatizam que depois da refeição deve-se
fazer algumas horas de meditação andando, porque caminhar para cá e para lá ajuda a
digestão. Para os meditadores leigos também, se tiveram uma refeição pesada, em vez de ir
para a cama, saiam e façam uma hora de meditação andando. Isso irá contribuir para o bem
estar físico e será uma oportunidade para cultivar a mente.

Bom para sustentar a concentração. O quinto benefício importante da meditação andando é


que a concentração que surge é sustentada durante muito tempo. A postura caminhando é
realmente uma postura meditativa bastante grosseira em comparação com a postura sentada.
Sentado é fácil manter a postura. Estamos com os olhos fechados para que não haja estímulos
sensoriais visuais, e não estamos envolvidos em qualquer movimento corporal. Então,
sentados, em comparação com uma caminhada, é uma postura muito simplificada em termos
das atividades envolvidas. Mesmo em pé é uma postura física mais simplificada, porque não
há nenhum movimento ocorrendo. A "postura do leão", deitado do lado direito, é também
uma postura meditativa mais simplificada.

Quando estamos caminhando há muitos estímulos sensoriais. Nós estamos olhando para onde
estamos indo, portanto, há o estímulo visual, e também há as informações sensoriais dos
movimentos do corpo. Portanto, se podemos concentrar a mente durante uma caminhada
mesmo recebendo todos esses estímulos sensoriais, então quando mudamos dessa postura
para uma mais simplificada, a concentração se torna mais fácil de manter. Isto é, quando nos
sentamos, a força mental e o poder de concentração é transferido mais facilmente para a
postura mais simplificada.

Enquanto que se alguém desenvolveu a concentração apenas na postura sentada, ao se


levantar dessa posição e realizar movimentos corporais como por exemplo caminhar, será
mais difícil manter esse estado de concentração. Isto ocorre porque a pessoa está se movendo
do simples ao mais complexo. Assim, vemos que a meditação andando pode ajudar a
desenvolver a força e a clareza da mente, e uma concentração que pode ser transferida para
outras posturas de meditação menos ativas.
Preparação para a Meditação Andando

Encontre um Lugar Adequado

Como se pratica a meditação andando? Em primeiro lugar, encontre um lugar calmo com
poucas distrações, propício para um caminho de meditação. O lugar onde o Buda praticou a
meditação andando em Bodhgaya, após a iluminação, ainda existe até hoje. O caminho tem o
comprimento de dezessete passos longos. Atualmente, os monges da tradição das florestas
tendem a fazer os seus caminhos de meditação muito mais longos. Eles podem chegar até
trinta passos longos. Um principiante pode achar trinta passos um pouco longo demais porque
a sua atenção ainda não está desenvolvida. No momento em que chegue ao final do caminho
a sua mente poderá ter dado uma volta "ao redor do mundo". Lembrem-se, caminhar é uma
postura estimulante e, inicialmente, a mente tende a vaguear muito. Geralmente é melhor
para os iniciantes começarem em um caminho mais curto; quinze passos seria um bom
tamanho.

Se for praticar a meditação andando num local aberto, encontre um lugar isolado, onde não
haja distrações ou perturbações. É bom encontrar um caminho dentro de uma área
delimitada. Pode ser uma distração andar em uma área aberta, onde exista uma bela
paisagem, pois a mente poderá ser atraída pela paisagem. Uma área delimitada é
especialmente adequada para personalidades especulativas que gostam de pensar muito pois
ajuda acalmar a mente ( Vsm III.103). Se o caminho é delimitado, isso tende a trazer a mente
para dentro, para dentro de si e para a paz.

Preparando o Corpo e a Mente

Uma vez que tenha escolhido um caminho adequado, fique em pé em uma das extremidades.
Pare ereto. Coloque à sua frente a mão direita sobre a esquerda. Não ande com as mãos atrás
das costas. Lembro-me de Tan Ajaan Tui, um mestre que visitou o nosso monastério, comentar
quando viu um dos convidados andando para cá e para lá com as mãos atrás das costas: "Ele
não está praticando a meditação andando, ele está passeando". Ele fez essa observação
porque ao não colocar as mãos à frente não havia determinação clara suficiente de focar a
mente na meditação andando - para diferenciar do ato de simplesmente caminhar.
A prática tem como objetivo desenvolver samadhi, o que exige esforço focalizado. A palavra
em pali samadhi significa focalizar a mente, conduzir a mente para a unicidade através de
vários graus de atenção e concentração. Para focar a mente, a pessoa tem que ser diligente e
determinada. Isso em primeiro lugar requer um grau de postura física, bem como postura
mental. A pessoa começa posicionando-se com as mãos à frente. Acalmando o corpo ajuda a
acalmar a mente. Tendo assim acalmado o corpo, deve-se em seguida, ficar parado quieto e
trazer a atenção plena para o corpo. Em seguida, levantar as mãos juntas em anjali, num gesto
de respeito, e com os olhos fechados refletir por alguns minutos sobre as qualidades do Buda,
do Dhamma e da Sangha (Buddhanusatti, Dhammanusatti e Sanghanusatti).

Também pode ser contemplada a toma de refúgio no Buda - no Sábio, Aquele que Sabe e Vê,
o Desperto, o Completamente Iluminado. Reflita com o seu coração por alguns minutos sobre
as qualidades do Buda. Depois lembre-se do Dhamma - a Verdade que estamos nos esforçando
para realizar e cultivar através da meditação andando. Finalmente, traga à mente a Sangha -
especialmente aqueles plenamente iluminados, que realizaram a verdade cultivando a
meditação. Então traga as mãos para baixo à sua frente e faça uma determinação mental sobre
quanto tempo irá praticar a meditação andando, seja meia hora, uma hora, ou mais. Não
importa quanto tempo determine, mas cumpra-o. Desta forma nessa fase inicial da meditação
a mente estará sendo alimentada com entusiasmo, inspiração e confiança.

Também é importante mencionar que ao caminhar, lembre-se de manter os olhos baixos,


cerca de um metro e meio à frente. Não olhe ao redor distraído por isso ou aquilo. Mantenha
a atenção nas sensações nas solas dos pés, e, dessa forma, desenvolva a atenção plena e a
plena consciência.

A Escolha de um Objeto de Meditação e Dando Início

O Buda ensinou quarenta diferentes objetos de meditação (Vsm III,104), muitos dos quais
podem ser usados na meditação andando. Contudo, alguns são mais adequados do que
outros. Vou discutir alguns desses objetos de meditação começando com o mais comum:
atenção na própria postura ao caminhar.

Atenção na Postura ao Caminhar


Neste método, ao caminhar, toda atenção é colocada nas solas dos pés, nas sensações à
medida que estas surgem e desaparecem (isso pressupõe que a pessoa estará caminhando
descalça, como a maioria dos monges. No entanto, a prática pode ser feita calçando sapatos,
especialmente se as solas forem finas). Ao começar a caminhar as sensações irão mudar.
Quando o pé é levantado e novamente baixado entrando em contato com o solo, novas
sensações surgem. Colocamos a atenção nessas sensações, tal como são sentidas na sola dos
pés. Novamente, ao erguer o pé, observamos mentalmente as novas sensações conforme vão
surgindo. Ao levantar um pé e baixá-lo, observamos as sensações que são sentidas. A cada
novo passo, algumas novas sensações são experimentadas e as antigas sensações cessam. Isto
deve ser percebido com plena atenção. A cada passo, há novas sensações que são
experimentadas - sensação que surge, sensação que desaparece; sensação que surge,
sensação que desaparece.

Colocamos a atenção plena na sensação de caminhar em si, em cada passo dado. Estamos
cientes sobre que tipo de vedana (sensações agradáveis, desagradáveis, ou neutras) surgem
nas solas dos pés. Quando estamos parados, há uma sensação do contato com o solo. Esse
contato pode produzir dor, calor, ou outras sensações. Colocamos a atenção plena nessas
sensações, compreendendo-as plenamente. Ao levantar o pé para dar um passo a sensação
muda assim que o pé perde o contato com o solo. Quando abaixamos o pé, mais uma vez surge
uma nova sensação quando o pé entra em contato com o solo. À medida que caminhamos, as
sensações estão constantemente mudando e novamente surgindo. Com atenção plena
notamos esse surgimento e desaparecimento das sensações conforme as solas dos pés se
levantam ou tocam o chão. Desta forma, estamos mantendo a nossa total atenção apenas nas
sensações ao caminhar.

Alguma vez vocês antes já realmente tinham notado as sensações nos pés ao caminhar? As
sensações ocorrem cada vez que caminhamos, mas nós tendemos a não perceber essas coisas
sutis da vida. Quando caminhamos as nossas mentes tendem a estar em algum outro lugar. A
meditação andando é uma maneira de simplificar o que estamos fazendo enquanto
caminhamos. Estamos trazendo a mente para o "aqui e agora", unificados com o caminhar, ao
caminhar. Estamos simplificando tudo, aquietando a mente e simplesmente percebendo as
sensações na medida em que estas surgem e desaparecem.

Quão rápido devemos caminhar? Encontre o seu próprio ritmo. Ajaan Chah recomendava
caminhar naturalmente, não muito lento ou muito rápido. Caminhando muito rápido, poderá
ser muito difícil concentrar-se no surgimento e desaparecimento das sensações. Será
necessário diminuir um pouco. Por outro lado, algumas pessoas podem realmente precisar
caminhar mais depressa. Depende de cada um. Cada um tem que encontrar o seu próprio
ritmo, aquilo que funciona melhor. Podemos começar mais devagar no início, e depois
gradualmente chegar ao nosso ritmo normal de caminhada.

Se a atenção plena for fraca (ou seja, se a mente divaga muito) então é melhor caminhar bem
devagar até que se possa permanecer no momento presente a cada passo. Comece
estabelecendo a atenção plena no início do percurso. Quando chegar no meio do caminho
pergunte mentalmente a si mesmo: "Onde está minha mente? Está nas sensações nas solas
dos pés? Estou ciente do contato aqui e agora, neste momento presente?" Se a mente se
afastou, então traga-a de volta novamente para as sensações nos pés e continue andando.

Chegando no final do caminho, vire lentamente e re-estabeleça a sua atenção plena. Onde
está a mente? Será que ela está percebendo as sensações nas solas dos pés? Ou será que ela
se perdeu? A mente tende a vaguear perseguindo pensamentos de ansiedade, medo,
felicidade, tristeza, preocupações, dúvidas, prazeres, frustrações e todos os outros
inumeráveis pensamentos que podem eventualmente surgir. Se a atenção plena no objeto de
meditação não estiver presente, restabeleça-a primeiro, e depois comece a andar. Restabeleça
a mente no simples ato de caminhar, e então comece a caminhar de volta para o outro
extremo do caminho. Quando chegar no meio do caminho, observe: "Estou agora no meio do
caminho" e verifique novamente se a mente está com o objeto. Então, quando chegar ao final
do caminho, note mentalmente: "Onde está a mente?" Desta forma, você caminha para cá e
para lá com atenção plena e plena consciência das sensações que surgem e desaparecem.
Enquanto caminha, constantemente re-estabeleça a sua atenção plena - puxando a mente de
volta, trazendo a mente para dentro, tornando-se consciente, percebendo as sensações a cada
momento, surgindo e desaparecendo.

À medida que sustentamos a atenção plena nas sensações nas solas dos pés, notaremos que
a mente fica menos distraída. A mente estará menos inclinada a sair em busca das coisas que
estão acontecendo ao nosso redor. Nos tornamos mais calmos. A mente vai se tornando
tranqüila. A mente se acalma. Uma vez que a mente se torna tranqüila e calma, notaremos
que a postura ao caminhar se torna uma atividade demasiado agitada para esse estado
mental. Nós só queremos ficar quietos. Então pare e fique em pé permitindo que a mente
possa experimentar essa calma tranqüilidade. Isto é conhecido como passaddhi, que é um dos
fatores da iluminação.

Se durante a caminhada a mente se torna muito refinada, podemos até achar ser realmente
impossível continuar. Caminhar implica na volição mental para se mover, e a mente pode estar
demasiado envolvida na meditação para se interessar por isso. Se for assim, pare e fique em
pé, e continue a prática nessa posição. A meditação diz respeito ao trabalho da mente, não
necessariamente a alguma postura em particular. A postura é apenas um meio conveniente
para melhorar o trabalho da mente.

A concentração e a tranqüilidade trabalham em conjunto com a atenção plena. Combinados


com os fatores da energia, investigação dos fenômenos, felicidade e equanimidade formam
os Sete Fatores da Iluminação. Quando na meditação a mente está tranqüila, então tendo
essa tranqüilidade como condição, irá surgir um sentimento de êxtase e felicidade. O Buda
disse que a felicidade da paz é a maior felicidade, (MN 66) e uma mente concentrada
experimenta essa paz. Esta paz pode ser experimentada nas nossas vidas.

Tendo desenvolvido a meditação andando em um contexto formal, então, quando estivermos


caminhando nas nossas vidas diárias - indo às lojas, caminhando de uma sala para outra, ou
mesmo indo ao banheiro - nós podemos usar esse ato de caminhar como meditação. Podemos
estar cientes apenas do caminhar, basta estar com esse processo. A mente poderá estar quieta
e pacífica. Essa é uma maneira de desenvolver a concentração e a tranqüilidade nas nossas
vidas diárias.
Empregando um Objeto da Meditação Sentada na Meditação Andando

Se durante a meditação sentada a mente se torna calma, então esse mesmo objeto pode ser
empregado na meditação andando. No entanto, com alguns objetos de meditação muito sutis,
como por exemplo a respiração, em primeiro lugar a mente tem que ter atingido um certo
grau de estabilidade e calma. Se a mente ainda não estiver suficientemente calma será muito
difícil tentar iniciar a meditação andando concentrando-se na respiração pois a respiração é
um objeto de atenção muito sutil. Neste caso, é melhor começar com um objeto de meditação
mais grosseiro, como as sensações que surgem nos pés.

Existem muitos objetos de meditação que podem ser bem transferidos da postura sentada
para a postura caminhando, como por exemplo, as Quatro Moradas Divinas: o amor bondade,
compaixão, alegria altruísta e equanimidade. Ao caminhar para cá e para lá, desenvolva o
pensamento expansivo com base no amor bondade: "Que todos os seres sejam felizes, que
todos os seres estejam em paz, que todos os seres estejam livres de todo o sofrimento". Use
a postura caminhando como um complemento para a postura sentada; desenvolva a
meditação com o mesmo objeto, mas numa postura e situação diferentes.

"Procurando por Buddho" - Escolhendo um Mantra

Se ao praticar a meditação andando perceber que está ficando sonolento, então, ao invés de
acalmar a mente pode ser necessário ativá-la usando um mantra, de modo que se torne mais
focada e desperta. Use um mantra como por exemplo a palavra Buddho, repetindo a palavra
mentalmente. Se a mente ainda vagueia, então passe a repetir Buddho com mais rapidez, e
também caminhe com mais rapidez para cá e para lá. Enquanto caminha, repita Bud-dho, Bud-
dho, Bud-dho. Dessa forma, a mente pode se tornar bastante focada muito rapidamente.

Quando Tan Ajaan Mun, o famoso mestre da tradição das florestas, estava entre as tribos das
montanhas no norte da Tailândia, elas não conheciam nada sobre meditação ou monges
meditadores. No entanto, as pessoas dessa região eram muito curiosas. Quando elas o viram
caminhando para cá a para lá no seu caminho de meditação, elas fizeram uma fila para
acompanhá-lo. Quando ele chegou no fim do caminho e se virou, todo o vilarejo ali estava!
Elas o viram caminhando para cá e para lá com os olhos baixos e tinham assumido que ele
estava procurando por algo. Elas perguntaram: "O que você está procurando, venerável
senhor? Nós podemos ajudá-lo a encontrar." Ele habilmente respondeu: "Estou procurando
Buddho, o Buda no coração. Vocês podem me ajudar a encontrá-lo, andando para cá e para lá
nos seus próprios caminhos de meditação, em busca do Buda". E com esta instrução simples
e bonita muitos desses moradores começaram a meditar, e Tan Ajaan Mun disse que
obtiveram resultados maravilhosos.

Contemplações: Investigando Como as Coisas São

A investigação dos Fenômenos (dhammavicaya) é um dos fatores da Iluminação. Esse tipo de


contemplação sobre os ensinamentos e as leis da natureza pode ser feita ao caminhar para cá
e para lá. Isso não significa que a pessoa simplesmente pensa ou especula sobre qualquer
coisa. Pelo contrário, é uma constante reflexão e contemplação sobre a Verdade (Dhamma).

Investigando a Mudança (anicca). Por exemplo, a impermanência pode ser contemplada


observando o processo de mudança e notando que todas as coisas estão sujeitas à mudança.
Desenvolvemos a percepção do surgimento e desaparecimento das experiências. "Vida" é um
processo contínuo de surgimento e desaparecimento, e toda a experiência condicionada está
sujeita a isso. Contemplando essa Verdade, vemos as características da existência. Vemos que
todas as coisas estão sujeitas à mudança. Todas as coisas não são satisfatórias. Todas as coisas
são não-eu. Pode-se investigar essas características da natureza praticando a meditação
andando.

Ao longo da história do Budismo, muitos monges e monjas realizaram o insight, a sabedoria, e


a iluminação, enquanto praticavam a meditação andando, por meio da investigação da
Verdade. Na tradição das florestas cada aspecto da nossa vida é tratado como uma
oportunidade para a meditação. Meditação não ocorre só quando estamos sentados nas
nossas almofadas de meditação. Todos os processos da vida são oportunidades para que
possamos investigar a realidade. Nós nos esforçamos para conhecer as coisas como elas são,
que as coisas surgem e desaparecem - para compreender a realidade como ela realmente é.

Recordando a nossa Generosidade e Virtude.


O Buda enfatizou continuamente a importância da generosidade (It. 26) e da virtude (SN
XLV.7). Durante a prática da meditação andando podemos desenvolver a recordação da nossa
própria virtude ou generosidade. Ao caminhar para cá e para lá pergunte a si mesmo: "Hoje,
quais foram as ações bondosas que pratiquei?"

Tan Ajaan Gunhah foi um professor de meditação com o qual pratiquei. Muitas vezes ele
costumava comentar que uma das razões porque os meditadores não conseguem ficar
tranqüilos é por não terem praticado suficiente bondade durante o dia. A bondade é uma
almofada para a tranqüilidade, uma base para a paz. Se fizemos atos de bondade durante o
dia - tendo dito uma palavra gentil, feito uma boa ação, tendo sido generoso ou compassivo -
então a mente vai sentir felicidade e êxtase. Esses atos de bondade e a felicidade que
naturalmente trazem torna-se o fator condicional para a concentração e a paz. O poder da
bondade e da generosidade leva à felicidade, uma felicidade benéfica que constitui a base para
a concentração e a sabedoria.

A recordação de boas ações é um bom tema de meditação quando a mente está inquieta,
agitada, irritada, ou frustrada. Quando a mente não está em paz, então, recorde as suas ações
bondosas passadas. A idéia não é tentar fabricar o ego, mas é na verdade uma celebração da
bondade e daquilo que é benéfico. Atos de bondade, virtude e generosidade, trazem felicidade
para a mente, e a felicidade é um fator de iluminação.

Recordar Atos de Generosidade. Refletir sobre os benefícios da generosidade. Lembrar da


própria virtude. Contemplar a pureza da não-violência, a pureza da honestidade, a pureza do
decoro nas relações sexuais, a pureza da veracidade, a pureza de não-confusão mental
evitando bebidas alcoólicas. Todas essas lembranças podem servir como objetos na meditação
andando.

Relembrando a Natureza do Corpo.

Podemos meditar sobre a morte e o morrer, ou sobre a natureza não-bela do corpo, as


contemplações asubha. Podemos visualizar dividindo o corpo em partes, assim como um
estudante de medicina que disseca um corpo. Nós "descascamos" a pele e "vemos" o que está
embaixo - as camadas de músculos, os tendões, os ossos, os órgãos. Podemos remover
mentalmente cada um dos órgãos do corpo de modo que possa ser investigado e
compreendido. De que é feito o corpo? Quais são os seus componentes? Isso sou eu? Isso é
permanente? É digno de ser chamado um eu?

O corpo é apenas um aspecto da natureza, como uma árvore ou uma nuvem - não é diferente.
O problema fundamental é o apego ao corpo; o apego da mente à idéia de que este corpo é
meu corpo, o deleite com o meu corpo, o deleite com os corpos de outras pessoas. Esse sou
eu. Isso é o eu. Eu sou o dono disso.

Podemos questionar esse apego ao corpo através da contemplação e da investigação.


Tomemos como objeto os ossos deste corpo. Nós visualizamos um osso durante a meditação
andando, vendo-o embranquecer, se decompondo e voltando para o elemento terra. O osso
é cálcio e é absorvido pelo corpo através do consumo de matéria vegetal e animal, sua origem
é da terra. Os elementos químicos se unem para formar o osso, e, finalmente, aquele osso irá
voltar para a terra. Cálcio apenas retorna para o cálcio; não há uma qualidade de meu cálcio
ou cálcio de outra pessoa. A terra só vai voltar para a terra, o elemento retorna à sua forma
natural. Isso não é o eu, não é meu, não é digno de ser chamado de eu. Nós meditamos sobre
a decomposição de um osso e retornamos os seus elementos de volta para a terra. Nós o
restabelecemos novamente e o decompomos de novo, e nós continuamos com esse processo
de forma contínua até que surja o insight claro.

Se você estiver meditando sobre o corpo dessa forma e ainda não decompôs completamente
o objeto de meditação nos quatro elementos (terra, ar, fogo e água) e, em seguida o
reconstituiu, o trabalho da meditação ainda não está terminado. O exercício mental ainda não
está completo, o trabalho não foi feito. Mantenha-se nisso. Continue andando. Caminhe para
cá a para lá e investigue até que seja capaz de estabelecer a percepção na mente de
ver asubha no subha - ver o não-belo, o não-delicioso, e o não-atraente no que se presume
ser belo, delicioso e atraente. Nós decompomos esse corpo retornando-o de volta aos seus
elementos naturais, a fim de vê-lo como ele realmente é.

O treinamento da mente para investigar a natureza conduz à sabedoria. Ao repetir esses


exercícios de decompor o corpo nos seus quatro elementos - terra, ar, fogo e água - a mente
vê e compreende que isso não é o eu, não é meu. A mente vê que os quatro elementos que
constituem este corpo são apenas aspectos da natureza. É a mente que se apega à idéia de
que o corpo é o eu. Assim, nós questionamos esse apego; não aceitamos isso cegamente,
porque é esse apego que causa todo nosso sofrimento.

Outras contemplações.

Outro objeto de meditação que o Buda recomendou foi refletir sobre a paz, a natureza da paz
(Vsm 197). Outro é considerar as qualidades da iluminação. Alternativamente, pode-se
caminhar para cá a para lá refletindo sobre as qualidades do Buda, as qualidades do Dhamma,
ou as qualidades da Sangha. Ou pode-se recordar dos seres celestiais, Devas, e as qualidades
necessárias para se tornar um ser celestial (Vsm III.105).

Algumas Palavras de Cautela sobre as Contemplações.

Há muitos objetos de meditação no repertório Budista. O objeto de meditação deve ser


escolhido com cuidado. Selecione um objeto de meditação que estimula a mente quando a
mente precisar de estímulo, ou pacifique a mente quando a mente precisar ser acalmada. Mas
algumas palavras de cautela são necessárias ao usar esses contemplações na meditação
andando para que a mente não divague e vá para o pensamento especulativo. Isso é muito
fácil de acontecer. Por isso temos que estar muito atentos e notar no início, no meio e no final
do caminho: "Estou realmente com o meu objeto de meditação ou estou pensando em alguma
outra coisa?" Se você estiver praticando a meditação andando por quatro horas, mas só há
atenção plena e plena consciência por um minuto durante essas quatro horas, você então só
terá meditado por um minuto.

Lembre-se que não importa quanta meditação fazemos, é a qualidade da meditação que
conta. Se enquanto estiver caminhando a mente estiver vagando em outro lugar, então não
estaremos meditando. Não estaremos meditando no sentido que o Buda usou a palavra
meditação - bhavana ou desenvolvimento mental. É a qualidade da mente e não a quantidade
de meditação que importa.

Conclusão
Nesta palestra sobre a meditação andando, espero ter-lhes dado algo que vai ampliar o seu
repertório de técnicas de meditação. A meditação andando é algo que pode ser usada na nossa
vida diária, quando estamos ativos bem como quando praticamos a meditação formal. A
meditação andando pode ser um outro meio para o desenvolvimento da mente. A meditação
andando ocupa a mente. Se alguém tem problemas com sonolência, não fique apenas ali
sentado cabeceando; levante-se e coloque a mente para trabalhar. Isso é kammatthana - o
trabalho fundamental da mente.

Na tradição das florestas sempre que um mestre de meditação visita um monastério, um dos
primeiros lugares aonde vai são os caminhos de meditação dos monges, para ver a quantidade
de pegadas. Se esses caminhos de meditação estiverem bem usados, então, isso é considerado
um sinal de um bom monastério.

Que o caminho de meditação de vocês também possa ficar bem usado.

Contemple o Corpo, Liberte a Mente

Quando as mentes dos meditadores, através da atenção plena e da sabedoria, alcançam a


genuína felicidade do Dhamma vendo claramente as quatro nobres verdades, nenhum deles -
nem um que seja - voltará a procurar a felicidade no mundo ou nas coisas materiais. Isso ocorre
porque a felicidade do Dhamma é duradoura: sólida, perfeita e genuinamente pura. Se
compararmos com a felicidade do Dhamma veremos que na felicidade mundana não há nem
mesmo um mínimo de felicidade real. A felicidade mundana não oferece nada além de
sofrimento, nada além de desvantagens. Então, por que pensamos ser a felicidade? Porque
ardemos com a dor e buscamos a felicidade e os prazeres mundanos para aliviar a dor, que
então desaparece por um tempo, mas depois novamente volta.

Por exemplo, o Buda disse que o nascimento é sofrimento, mas em geral as pessoas
consideram como algo feliz. Não vemos o sofrimento e a dor envolvidos. Contudo, uma vez
que a mente tenha alcançado a felicidade do Dhamma, podemos ver que o nascimento é
realmente sofrimento, assim como disse o Buda. A razão pela qual mesmo procurando cuidar
de nós mesmos não encontramos a paz, é porque as coisas que surgem nos perturbam.
Sentamos e sentimos algum prazer e tranquilidade estando sentados, mas depois de um
tempo, sentimos desconforto. Dizemos que é agradável deitar, mas isso é verdade apenas bem
no começo. Depois de deitados por um certo tempo, começa a ficar desagradável. Assim
temos que ficar mudando as posturas para sentir conforto. Procuramos isso ou aquilo, mas
assim que ganhamos um pouco de prazer, o sofrimento e a dor surgem no seu rastro. Se temos
uma família e um lar para vivermos juntos agradavelmente, desfrutamos apenas de pequenos
prazeres que nos enganam e iludem, enquanto há centenas e milhares de coisas
desagradáveis. A felicidade e o prazer que vêm das coisas externas, das coisas materiais, nunca
são suficientes. Seguem se desgastando, desgastando, e desgastando a nós mesmos, sem
nenhum propósito. É por isso que aqueles que alcançam o Dhamma não retornam a este
mundo tão cheio de tristezas e perturbações.

Por isso quero que vocês se esforcem para meditar, contemplando de acordo com o Dhamma.
Mesmo que alguém ainda não esteja convencido do Dhamma, pelo menos aceite os
ensinamentos do Buda como parâmetro para a meditação. Por exemplo, quando o Buda
ensina sobre as três características: impermanência, sofrimento e não-eu, devemos treinar
nossas mentes para estar em sintonia com esse ensinamento. Faça a tentativa. Por exemplo,
o Buda explica que esse nosso corpo está repleto de todo tipo de coisas impuras. Podemos
não concordar, mas pelo menos podemos tentar ver o que acontece quando observamos as
coisas de acordo com esse ensinamento. O Buda ensina que o corpo não é puro. Atthi imasmim
kaye - neste corpo existe: cabelos na cabeça, que não são puros; pêlos no corpo, que não são
puros; unhas, que não são puras. Não tenha pressa em rejeitar os ensinamentos do Buda.
Observe se essas coisas são realmente impuras ou não. Quando a mente foca nessas coisas
cada vez com mais estabilidade, começando a se sentir calma e relaxada, a verdade
gradualmente surge com mais clareza. A convicção no Dhamma, na prática, irá surgir. A
energia surgirá ao querermos ver mais. Conforme a atenção se intensifica, a mente se torna
mais luminosa e tranquila. Esse é o caminho de prática. Lembre-se desse princípio simples:
pratique meditação observando seu corpo, observando sua mente.
Use a atenção plena para acompanhar o corpo em si mesmo, de modo a conhecê-lo de acordo
com a verdade. Se não olhar para o corpo, olhe para a mente em si mesma. Ao observarmos
os movimentos do corpo e da mente, os prazeres e as dores que surgem com tanta frequência,
desenvolveremos a atenção e a habilidade. Aprendemos a lidar com as coisas de acordo com
os ensinamentos do Buda. Ganharemos a sabedoria que vê e conhece a verdade. Veremos as
coisas cada vez com mais clareza. Quando as coisas são vistas com mais clareza, a mente
desenvolve mais força e calma. Vemos o corpo como estressante e impuro, mas temos que
cuidar da mente, cientes que o estresse e a impureza dizem respeito ao corpo, não à mente.

O corpo sempre tem estado impuro. Vivemos com isso todo esse tempo, então não há
necessidade de ter medo de ver essas coisas, não há necessidade de rejeitá-las. Devemos
contemplar o corpo de modo a dar origem a um sentimento de desencantamento. Quando
abrir mão do corpo, faça-o de uma maneira criteriosa. Não abra mão de modo que a delusão
e o entendimento incorreto subjuguem a mente. Não fique enojado com o corpo ao ponto
que a mente fique inquieta e agitada e deixe de meditar. Esse tipo de aversão não é correta.
Quando olhar para aquilo que não gostamos, como a impermanência, o sofrimento e a falta
de atratividade do corpo, lembre-se que isso faz parte das Nobres Verdades. O Buda disse que
essas são observações muito benéficas.

Contemplar a falta de atratividade do corpo é muito benéfico porque serve a um propósito


importante. Se vemos o corpo adequadamente dessa maneira, isso ajuda a mente a se acalmar
com um sentimento de desencantamento. Sendo isso que vai curar nossas delusões e os
entendimentos incorretos. Por isso que na ordenação de um monge, o primeiro passo é
ensinar-lhe cinco temas de meditação - kesa, cabelo da cabeça; loma, pêlos do corpo; nakha,
unhas; danta, dentes; taco, pele - como forma de desenvolver sabedoria e conhecimento da
verdade.

Portanto tome esses objetos e continue contemplando-os, independentemente da mente


estar calma ou não. Sempre que tiver tempo livre, contemple-os. Você pode contemplá-los
mesmo enquanto trabalha. Contemple-os até os seus mínimos detalhes de modo que dê
origem a uma sensação de calma e tranquilidade.
É parecido com realizar um trabalho físico. Recebemos salário por cada hora trabalhada.
Quanto mais horas trabalhamos, maior o nosso salário. Mas se ficarmos gananciosos e
continuarmos trabalhando sem descanso, o corpo se desgasta, a mente fica fraca e não
conseguimos mais trabalhar. Então temos que descansar e nos alimentar para recuperar a
energia do corpo e da mente. Mesmo que não sejamos pagos pelo tempo que descansamos,
estamos dispostos a assumir essa perda para que o corpo e a mente ganhem força, para que
possamos lidar com o trabalho depois do descanso.

É parecido com a meditação: se continuamos contemplando e investigando, não demorará


muito para que a mente fique inquieta e agitada. Então temos que tranquilizar a mente para
evitar a inquietação e agitação. Com inquietação não haverá paz. A mente irá ficar toda
enrolada com o cansaço da meditação. Então, contemplamos por algum tempo até que
possamos sentir que a mente quer parar e descansar; em seguida, focamos novamente na
respiração ou em algum outro objeto que sirva como um ponto de calma para a mente.
Gradualmente abandonamos a contemplação, gradualmente deixamos a mente se acalmar,
de modo a ganhar energia da sensação de prazer e tranquilidade que surge desse estado. Não
nos preocupamos com quanto tempo ficamos nesse estágio. Mesmo que a mente não pareça
estar adquirindo nenhum conhecimento, não nos preocupamos com isso. É como quando
estamos descansando do trabalho físico: mesmo que não tenhamos nenhum trabalho durante
a hora do descanso, estamos dispostos a recuperar a energia - neste caso, a energia da mente.

Por essa razão que os nobres discípulos praticam constantemente a concentração,


constantemente conduzem a mente para se acalmar. Depois de contemplarem até o ponto
em que a mente fica cansada, fazem com que a mente se acalme. Depois de calma o suficiente,
retornam para a contemplação. Assim é como devemos praticar. Se praticarmos dessa
maneira, a mente ganhará energia e força, vendo as coisas como na verdade são ganhará
sabedoria até o ponto final de todo sofrimento e estresse. A pergunta feita outro dia - como
praticar quando voltamos para casa - foi uma boa pergunta. A resposta é: continue cuidando
da sua mente da maneira descrita aqui. Pratique exercitar sua atenção plena e sabedoria.
Como Praticar a Contemplação do Corpo

A primeira é a nobre verdade de dukkha, que está presente em todos os mundos de existência;
nos mundos superiores há menos dukkha e nos mundos inferiores há mais dukkha, ou
exclusivamente dukkha. A segunda nobre verdade diz respeito à origem de dukkha; todos os
nossos desejos causam dukkha, o desejo de existir ou não existir, o desejo de vir a ser, ou não,
e assim por diante. A terceira nobre verdade afirma que dukkha pode ter fim, e a quarta nobre
verdade é o caminho de prática que leva ao fim de dukkha. Esse é o caminho de prática que
estamos seguindo neste monastério, que consiste de três pilares; sila (moralidade ou
virtude), samadhi (concentração) e pañña (sabedoria através da investigação). Portanto,
devemos ser gratos por termos encontrado o ensinamento vivo de Buda que nos mostra a
verdade, a verdade sobre a nossa existência, e isso nos permite encontrar, aqui na Tailândia,
representantes de seus ensinamentos que se tornaram
Nobres: Sotapanna, Sakadagami, Anagami ou Arahant.

O Buda ensinou que existem dez grilhões (samyojana) que nos prendem aos ciclos de
nascimento e da morte. Se rompermos os primeiros três grilhões, alcançaremos o estado
de Sotapanna, o primeiro dos quatro estágios de iluminação. O primeiro grilhão diz respeito
ao entendimento correto e a necessidade de superar dúvidas ou incertezas, especialmente
com relação aos ensinamentos. Por exemplo, precisamos entender que o paraíso e o inferno
existem e que há seres nesses mundos. Isto é diferente da visão predominante hoje de que o
paraíso e o inferno existem somente nesta Terra. Precisamos aceitar que esses mundos
realmente existem; há cerca de 25 diferentes mundos no paraíso e 25 diferentes categorias
no inferno. Acreditando que temos apenas uma existência e que a morte é o fim de tudo é um
entendimento incorreto. O Buda ensinou que, se não tomarmos a decisão de escapar do
círculo vicioso dos renascimentos, teremos que passar pela vida, depois da vida, depois da
vida. O Buda também ensinou que kamma existe, que nossos pensamentos, palavras e ações
têm resultados e que esses resultados retornam para nós, sejam bons ou ruins. Se alguém não
acredita que existem outros mundos e não acredita que kamma existe, se não há confiança
nesses ensinamentos, irá permanecer preso ao infindável ciclo de nascimentos e mortes.
O segundo grilhão diz respeito à virtude e manter os cinco preceitos de forma irregular: mantê-
los, transgredi-los, depois mantê-los por um tempo e transgredi-los novamente, ou até mesmo
não mantê-los. Esse grilhão também nos aprisiona e, para removê-lo, precisamos decidir
manter os cinco preceitos a partir de um determinado momento e mantê-los pelo resto de
nossas vidas. Uma vez tomada essa decisão, esse grilhão não irá interferir na nossa prática.

O último dos três primeiros grilhões é a crença de que o corpo é "eu" - e esse é o grilhão mais
problemático. Para remover esse grilhão, temos que investigar o objeto ao qual estamos mais
apegados, a saber, o corpo. Como disse antes, a causa de dukkha é o desejo; desejar ser ou
desejar não ser, assim desejar ou não desejar um corpo também é dukkha e faz parte desse
grilhão. Temos que investigar a natureza do corpo e entender que não é nada além de um
robô biológico que habitamos. Nós o guiamos, o movemos e fazemos com que realize tarefas,
mas não tem nada a ver com a citta que está no interior. A citta diz ao corpo para se mexer,
abrir e fechar os olhos, dormir, comer e beber. Sem a citta não haveria movimento. O apego
ao corpo é um dos grilhões mais difíceis de lidar. Para superá-lo, o Buda ensinou a prática
de asubha - vendo os aspectos repulsivos do corpo. Isso não significa que temos que tornar o
corpo repugnante, como algumas pessoas pensam, mas sim que precisamos ver sua
repugnância. O corpo é o maior obstáculo na nossa prática, particularmente para pessoas do
Ocidente. Quando chegam ao monastério, todas as suas perguntas e todos os seus problemas
estão relacionados ao corpo, quer seja a meditação andando ou sentada; sentir cansaço, fome,
calor ou frio - todos são problemas relacionados ao corpo, problemas que começam com o
corpo. Elas dizem: "Não consigo sentar por muito tempo" ou "Não consigo andar por muito
tempo", mas isso não tem nada a ver com o treinamento da citta que está no interior do corpo.
O apego ao corpo é realmente um grande problema para as pessoas. Naturalmente, esse
apego também pode estar na direção negativa; algumas pessoas realmente detestam o
próprio corpo, mas isso não libera o grilhão, porque não gostar do corpo é um grilhão da
mesma forma que amá-lo. Por exemplo, as pessoas mais velhas tendem a não gostar de seus
corpos porque não funcionam tão bem como antes, mas ainda assim ficariam felizes em ter
outro corpo mais jovem que fizesse o que quisessem. A libertação desse grilhão só acontece
investigando o corpo tal como ensinado pelo Buda, fazendo a pergunta “O que é este corpo?”
Vendo-o como repugnante e decadente. Temos que ver isso. "O que é o corpo? Terra, ar, água
ou fogo?" Esses quatro elementos compõem o corpo e, para entender sua verdadeira
natureza, temos que investigar o corpo em todos os seus aspectos.

A prática de investigação do corpo continua ao longo dos primeiros três dos quatro estágios
da iluminação. Os resultados dessa prática nos permitem avançar até o primeiro estágio da
iluminação, sotapanna, em que o grilhão que consiste na visão equivocada da identidade - a
visão de que esse corpo é "eu" - é desfeita. O segundo estágio da iluminação é sakadagami,
que retorna uma vez. Para realizá-lo, a investigação do corpo é necessária para entender que
o corpo é o vaso no qual a planta da cobiça e da raiva está enraizada, de modo que a delusão
do corpo possa ser destruída. Se alguém tiver destruído em 50% a cobiça e a raiva, terá
atingido o estágio de sakadagami. Somente o anagami, que não retorna, conclui a tarefa de
investigar o corpo pois destruiu a delusão do corpo por completo e destruiu a cobiça e a raiva.
Os anagami destruíram o vaso no qual a cobiça e a raiva estão enraizados; a natureza do corpo
tal como é foi vista. Cada parte do corpo composta dos quatro elementos - terra, ar, água e
fogo foi vista; o corpo foi visto como repugnante e não-eu. Ele entendeu tanto a natureza do
corpo quanto a natureza da cobiça e da raiva que estão enraizadas no corpo, visto que a cobiça
e a raiva são o apego ao corpo, quer queiramos ou não.

A maior parte do trabalho que empreendemos para desenvolver a sabedoria no caminho


espiritual diz respeito à investigação do corpo. Temos que fazê-lo completamente, ano após
ano, até sabermos que terminamos a tarefa e avançamos para o estágio de anagami.
O anagami no entanto ainda tem que se livrar de outros cinco grilhões, e a tarefa também tem
que ser finalizada, envolvendo a investigação dos quatro nama khandhas (sensações,
percepções, formações mentais, consciência). A investigação do primeiro dos khandhas, o
corpo (rupa) junto com as sensações no corpo foi concluída, mas ainda falta investigar os
quatro nama khandhas, fazendo isso da mesma maneira que a investigação do corpo, vendo
como operam e vendo pelo que na verdade são.

A investigação do corpo constitui uma parte significativa da prática, mas é algo que não
gostamos de fazer. O corpo é o brinquedo favorito das kilesas; as kilesas sabem que se
descobrirmos e virmos o corpo como na verdade é, nunca mais retornaremos - nem para os
mundos paradisíacos, nem para o mundo humano e nem para os infernos. Por conseguinte
as kilesas vão dificultar muito o nosso progresso, sendo que por isso temos que colocar muito
esforço e muita determinação na prática. Também precisamos desenvolver sati (atenção
plena) - sendo que isso é o mais importante. Sati é como uma lanterna que olha dentro do
corpo e vê como é. Nós todos sabemos que quando abrimos o corpo, não gostamos do que
vemos. Essa é uma resposta natural, então não precisamos aprender que o corpo é
repugnante, a sensação simplesmente surge. Na verdade, nem precisamos abrir o corpo;
apenas temos que olhar para aquilo que sai do corpo. Nós gostamos, amamos ou pensamos
ser atraente, seja o que for que colocamos dentro do corpo ou sobre o corpo, mas ficamos
enojados com qualquer coisa que saia do corpo. Isso parece natural e está de acordo com as
nossas ideias. Não gostamos de ver o excremento saindo, mas gostamos de comer; não
gostamos da urina saindo, mas gostamos de beber. Não gostamos do suor saindo, da sujeira
que vem dos poros da pele, porque cheira mal. A sujeira não vem de fora, vem de dentro - a
gordura, o cheiro e o fedor podre de um peido vindo dos intestinos. Nós gostamos dessas
coisas? Não. Por que não? Porque isso tudo destrói a ideia que o corpo é algo bonito, perfeito
e desejável.

Tudo que fazemos com esse corpo é alimentá-lo, abrigá-lo, vesti-lo e cuidar quando estiver
doente. Toda nossa vida é construída em torno desse corpo. Quando olhamos para as nossas
próprias vidas, na medida em que o corpo cresce e se desenvolve, observamos que tivemos
que treiná-lo, torná-lo confortável e desenvolver a inteligência para que possa nos ser útil.
Depois de 16 a 18 anos, uma vez que o corpo é capaz, nos consideramos adultos, e não
precisamos mais ter os cuidados dos nossos pais. Então, começamos a trabalhar para ganhar
dinheiro para alimentar o corpo, abrigá-lo, vesti-lo e cuidar de sua saúde. Quando olhamos
para as vidas das pessoas, isso é tudo que elas fazem. Quanto tempo em geral a pessoa
realmente usa o corpo para o seu prazer? Muito pouco. Ela trabalha por oito horas, chega em
casa, alimenta o corpo, descansa, assiste TV e vai dormir, acordando na manhã seguinte para
fazer a mesma coisa. Ela vai para o trabalho, dia após dia, para quê? Para abrigar, vestir e
alimentar o corpo e cuidar de sua saúde. Quando olhamos para as 24 horas em um dia normal,
quanto tempo de fato NÃO estamos pensando no corpo, alimentando-o, abrigando-o e
vestindo-o. Muito pouco. Mesmo nos finais de semana, ainda temos que alimentar e
descansar o corpo, e ainda nos importamos com o corpo. Algumas pessoas exercitam,
treinando o corpo para ser saudável: correndo, pedalando ou escalando. Tudo diz respeito ao
corpo, então imagine quão difícil é a tarefa de praticar a investigação do corpo, dividi-lo em
partes e afrouxar o nosso apego. Pensem nisso: são necessários três estágios de iluminação
para se livrar do apego ao corpo, e cada passo é um passo importante. O passo
para sotapanna é provavelmente um dos mais difíceis - desfazer a identificação com o corpo.

O Buda oferece uma analogia para ajudar a quebrar o apego ao corpo - o exemplo de uma
carroça. Podemos desmontá-la e colocar os pedaços e partes lado a lado: rodas, tábuas, porcas
e parafusos, e nos perguntar "Onde está a carroça?" Quando olhamos para as partes, não
podemos ver uma carroça, mas quando as montamos novamente, a carroça repentinamente
reaparece. Podemos fazer o mesmo exercício com o corpo, desmontando-o mentalmente em
suas partes componentes. Comece com as mãos: podemos cortar a mão esquerda, ver do que
é feita e colocá-la à nossa frente.

Depois pegamos a outra mão, cortamos, olhamos os ossos, os músculos, os tendões, a pele e
os vasos sanguíneos, e colocamos na nossa frente. Agora, temos as duas mãos na nossa frente
e podemos visualizá-las claramente. Depois de cortá-las, elas não são mais nossas mãos, mas
simplesmente partes do corpo. Então, da mesma forma, cortamos o antebraço direito,
colocamos na nossa frente e olhamos, fazendo o mesmo com o antebraço esquerdo. Agora,
podemos visualizar duas mãos e dois antebraços. Fazemos o mesmo com o braço direito e o
braço esquerdo e os colocamos na nossa frente e depois continuamos com os pés direito e
esquerdo. Quando tiramos cada parte, olhamos vendo os ossos, os vasos, a pele, os músculos
e os tendões. Na medida em que cada parte é colocada à nossa frente, deixa de ser "eu" e
"meu", porque algo ali permanece sentado, observando as partes. Continuamos fazendo isso
com as outras partes do corpo, cortando-as parte por parte e colocando-as na nossa frente.
Estando na nossa frente, significa que não estão mais no lugar onde estamos sentados, mas
ainda temos a noção que o corpo é "eu" e "meu". Então, continuamos fazendo isso até que a
cabeça se torne a última parte a ser colocada à nossa frente. Nós a colocamos na nossa frente,
com os olhos voltados na nossa direção, para que possamos ver claramente. De repente, todas
as partes do corpo estão na nossa frente, e nos encontramos olhando para todo o corpo
desmontado. Essa prática pode ser feita com as partes do corpo maiores e mais grosseiras, tal
como foi descrito, ou pode ser feita com mais detalhes. Além disso, as partes podem ser bem
organizadas à nossa frente, ou simplesmente jogadas em uma pilha. Mas sempre que tiramos
uma parte e a colocamos na nossa frente, é importante que a parte seja vista ali, realmente
seja vista ali. Fazendo essa prática com frequência, cedo ou tarde, ocorre um momento súbito
no qual o "eu", a citta, se separa do corpo. Esse insight, essa percepção súbita, decorrente
dessa contemplação do corpo é tudo que precisamos para romper a auto-identificação com o
corpo.

Este é apenas um dos métodos para praticar a contemplação do corpo. Descrevi este método
porque o Buda deu a analogia do corpo como uma carroça que pode ser desmontada em suas
partes componentes. Onde está a carroça depois de desmontada e onde está o corpo quando
todas as suas partes estão dispostas na nossa frente? Mas, por favor, entenda que é necessário
tornar essa experiência real - devemos realmente ver as partes à nossa frente e realmente
sentir que elas não fazem mais parte do nosso corpo depois de cortadas. No final veremos
apenas uma coisa - a citta sentada observando as partes do corpo. E se fizermos isso com
bastante frequência, a delusão, a identidade do corpo como "eu" se romperá. Então, se
estivermos livres dos outros dois grilhões, esse grilhão - a crença de que o corpo é o "eu" - será
destruída.

Claro, também podemos praticar asubha e ver a repugnância do corpo. Por exemplo, quando
fechamos os olhos, podemos nos visualizar olhando no espelho tirando a pele para ver como
o corpo fica. Mas temos que tornar isso real, não apenas uma vaga imaginação. Temos que
sentir, como se estivéssemos pegando uma faca afiada e cortando o meio do seu rosto,
cortando para baixo a partir do topo da cabeça e lentamente puxando a pele para longe. O
que vemos? Então nos afastamos mais. O que vemos? Uma bagunça sangrenta. Em seguida,
nos afastamos mais e mais até que não haja mais pele e olhamos no espelho. É claro que dói -
um arrepio percorre a espinha quando abaixamos a faca e vemos sangue pingando.
Precisamos sentir que é real; tudo que precisamos fazer é sentir que é real. Quando afastamos
a pele, vemos o que está por baixo. Podemos tirar os olhos, cortar o nariz, tirar os lábios,
remover a carne e descer até o esqueleto. Todos nós já vimos esqueletos, então sabemos
como são. Podemos remover a pele da cabeça, doa ombros e ir pouco a pouco pelo corpo, e
depois remover um órgão após o outro. Depois de remover a pele, observamos de perto - o
exterior e o interior. Tem pêlos e cabelos do lado de fora, particularmente a pele da cabeça,
tem poros e na parte de baixo há gordura amarela. A pele é o revestimento que nos protege
de ver a repugnância do corpo; é a pele que produz a forma que desejamos. Normalmente,
vemos o corpo como uma coisa boa - o cabelo na cabeça, os pêlos no corpo, os dentes, as
unhas e a pele. Essas coisas nos fazem pensar que há algo bonito e desejável, mas no momento
em que cortamos a pele, vemos que não há absolutamente nada desejável. Se abrirmos a pele
de amigos ou amantes, não teremos vontade de abraçá-los, já que tudo o que veremos é uma
bagunça sangrenta com a gordura amarela pendurada, a carne, os tendões e uma confusão
macia e aquosa por dentro. Realmente queremos abraçar alguém assim? Sentimos vontade
de beijá-los? Sonhamos em ter relações sexuais com alguém sem pele? No momento em que
vemos a repugnância do corpo sem pele, os pensamentos de desejo simplesmente
desaparecem. As kilesas precisam pintar quadros repletos de peles desejáveis e formas
bonitas; é isso que querem, mas no momento em que mostramos para as kilesas a
repugnância do corpo - phut! De repente, surge o nojo. As kilesas que ficam excitadas são as
mesmas kilesas que ficam com nojo, sendo essa a razão porque fazemos a investigação do
corpo, por isso que temos que destruir a delusão de que o corpo é algo bonito. É claro que, se
continuarmos fazendo essa prática, vamos irritar as kilesas e elas reagirão. No momento em
que pratiquemos a contemplação do corpo do modo correto, as kilesas começarão a reagir.
Em primeiro lugar, surge uma ligeira irritação - ficamos irritados com coisas que não nos
incomodavam antes. Isso mostra que a prática está indo na direção certa, porque nós
realmente temos que perturbar as kilesas se quisermos destruir seu apego ao corpo.

Continuando com a investigação do corpo, podemos tirar a pele, descascar a pele, remover os
tendões e músculos, cortar as costelas, tirar e sentir os pulmões viscosos e trêmulos, tirar e
sentir o coração, e fazer o mesmo com os rins. Então vá para o estômago que acaba de receber
algo delicioso para digerir. Abra e olhe para dentro do estômago, veja o que aconteceu com a
comida - cheire, sinta, enfie os dedos nela. Porém, por favor lembre-se que o objetivo dessa
prática não é tornar o corpo repugnante; a aversão surge por si só. No momento em que
vemos a realidade do corpo, sentimentos de nojo surgem automaticamente dentro do coração
- não é preciso tornar o corpo repugnante porque já é repugnante; simplesmente não
gostamos daquilo que vemos. Por exemplo, qualquer coisa que entre parece bonita e qualquer
coisa que saia parece repugnante, por isso, não precisamos estimular o nojo pois os nossos
instintos naturais são ver aquilo que sai como imundo.

Quanto mais investigamos o corpo, mais nos acostumamos: tirando os órgãos, abrindo-os,
vendo-os, sentindo-os, segurando-os em nossas mãos, vendo a massa trêmula e viscosa que
constitui cada órgão. Todo cirurgião sabe qual a aparência e qual a sensação ao ver o corpo
por dentro, mas ele não associa esse conhecimento com o seu próprio corpo, e ele relutaria
em abrir o corpo de sua esposa ou namorada. A memória residiria dentro dele e ele não seria
capaz de dormir com ela ou acariciar o seu corpo, porque sempre que olhasse para ela, veria
o interior e se sentiria enojado. Por isso que os cirurgiões só operam outras pessoas, não seus
familiares ou parceiros. Não é necessário dizer para os cirurgiões que os corpos são nojentos.
A primeira vez que um estudante de medicina abre um corpo ele desmaia ou vomita, mesmo
que os alunos mais velhos avisem os alunos mais novos que isso irá acontecer. A reação
automática das kilesas ao ver um corpo aberto é desmaiar ou vomitar. Queremos que a
repugnância fique escondida sob a pele, mas temos que olhar. Por isso que realmente temos
que investigar a pele: arrancá-la, colocá-la de volta, arrancá-la, colocá-la de volta e ver a
diferença. Experimente com seus entes queridos, com sua antiga namorada ou namorado
favorito, marido ou parceiro. No momento em que você os vê como um todo, há desejo; no
momento em que você os abre, não há desejo. Então, quando são recompostos, o desejo
reaparece, mas quando são abertos novamente, o desejo desaparece.

Uma das coisas mais difíceis na prática da meditação é lutar contra raga-tanha (desejo sensual
ou sexual). Esta é uma grande batalha e as kilesas não cedem facilmente. Como já disse, se a
contemplação do corpo for praticada corretamente, a irritação surge no começo, mas a
irritação lentamente se aprofunda e se transforma em raiva. De repente, não apenas estamos
irritados, mas nos tornamos rancorosos; quanto mais nossa prática se aprofunda no corpo,
mais as kilesas reagem e mais raiva surge. Isso significa que precisamos tomar muito cuidado
ao fazer a investigação do corpo. Se praticar em casa como um leigo, tente se manter longe
de outras pessoas, porque sem perceber, a raiva que surge durante a investigação pode
explodir em outra pessoa, qualquer outra pessoa. Pensamentos ou palavras raivosas podem
surgir, e a outra pessoa nem saberá o que está acontecendo. Portanto, tenha cuidado e esteja
avisado - a investigação intensa do corpo induz a raiva. Para o praticante, no entanto, esta é
uma grande oportunidade, pois uma das razões para investigar o corpo é ver a raiva que surge
e aprender como lidar com isso.

Nesta prática, temos que ser capazes de lidar com a raiva e a cobiça de uma maneira que seja
saudável. No começo, investigamos a raiva porque a cobiça é difícil de controlar; com a cobiça,
tendemos a simplesmente querer algo e, na maioria das vezes, cedemos. Mas a raiva é mais
fácil de investigar porque fica mais tempo e não é fácil de se livrar. A maneira como lidamos
com a raiva é semelhante à maneira como lidamos com a dor. Quando nos sentamos por muito
tempo, surge a dor, e a prática é simplesmente ficar com a dor pelo tempo que for necessário,
investigando a dor e procurando sua fonte. A investigação do corpo também envolve comparar
a cobiça e a raiva quando surgem, investigando uma e a outra e perguntando qual é a diferença
entre as duas. Então, podemos voltar ao sentimento básico de raiva e ao sentimento básico
da cobiça; quanto mais profunda for a nossa investigação, menos diferença encontraremos.
Cobiça e raiva são dois lados da mesma moeda. A mente diz que isso é desejável (cobiça) e
aquilo é detestável (raiva), mas a diferença é apenas uma delusão criada pelas kilesas. O que
as kilesas querem é cobiça e aquilo que não querem é raiva, mas a sensação subjacente é a
mesma.

No início a investigação do corpo será muito, muito difícil. Claro, nós na verdade não pegamos
uma faca e cortamos o corpo, fazemos isso em nossa imaginação, e geralmente no começo é
necessário empregar imagens, pois pode ser difícil ver o corpo como na verdade é. A citta já
conhece o corpo de uma certa forma, se treinarmos a citta, eventualmente seremos capazes
de criar imagens reais do nosso próprio corpo. Também podemos usar imagens de outros
corpos em vez dos nossos - é nossa decisão qual escolher. Pode ser mais fácil inicialmente
treinar a citta para usar os corpos de outras pessoas, cortando-as em pedaços para ver a
repugnância. Ou podemos usar o cadáver de um animal, como uma galinha por exemplo, ou
observar a decomposição de ratos mortos por 15 dias; olhe para essas coisas, cheire-as. Nosso
corpo não é diferente. Se visitarmos um matadouro, lembraremos muito do nosso próprio
corpo ali pendurado. As partes do corpo chamadas carne e músculo que adoramos cozinhar,
grelhar ou fritar e adoramos colocar nas nossas bocas não são tão diferentes das nossas. Se
pendurarmos nosso próprio corpo em um matadouro e cortar a cabeça, braços e pernas, não
será muito diferente do torso de qualquer outro animal. Os animais que adoramos comer
todos têm corações, estômagos e rins - onde está a diferença?

Nos primeiros estágios da prática, a citta ou as kilesas não estão dispostas a revelar imagens
verdadeiras, então podemos contar com imagens anatômicas que achamos repugnantes de
livros ou outras fontes. Podemos escolher aquela imagem que achamos mais repugnante,
olhar por cinco minutos, fechar os olhos e, em meditação, reproduzir a imagem mental até
podermos retê-la e vê-la claramente. Uma vez que aprendemos a usar imagens dessa maneira,
podemos dar o próximo passo para ver a natureza real do corpo. Nós fazemos um tour pelo
corpo, olhando as 32 partes; uma parte se tornará mais interessante que as outras, e podemos
tomá-la como tema. Se por exemplo estivermos realmente interessados no fígado, em vez de
usar a palavra buddho como objeto de meditação, podemos pensar “fígado, fígado, fígado”,
tentando produzir a imagem do fígado na nossa mente até que fique clara e comecemos a vê-
la. Pode levar algum tempo para fazer isso, não apenas um ou dois dias, mas meses ou anos.
Então, não desista e diga: "Isso não está funcionando para mim"; não diga isso a si mesmo. Na
verdade, está funcionando, mas pode levar algum tempo dependendo da capacidade de
visualização da citta. Precisamos ser capazes de visualizar imagens para investigar o corpo,
mesmo nos estágios iniciais, quando colocamos pedaços do corpo à nossa frente. Temos que
nos treinar para de alguma forma visualizar; há livros de imagens asubha, ou imagens
mostrando o resultado de acidentes, que às vezes são apresentadas em detalhes gráficos em
jornais tailandeses. Uma vez que tenhamos treinado, usando essas imagens até que possamos
visualizá-las internamente, então poderemos visualizar o nosso próprio corpo ou o corpo de
outra pessoa e começar a cortá-lo. Podemos tomar uma parte diferente em cada vez; se hoje
estamos investigando o cabelo, podemos focar em um fio de cabelo, repetindo mentalmente
“cabelo, cabelo, cabelo” até ver a imagem e depois cortá-la, vendo o que é, vendo sua
verdadeira natureza. Qualquer parte do corpo servirá - cabelo, rins, coração, dentes, pulmões,
etc. Novamente, podemos pegar todo o corpo, visualizá-lo se decompondo e colocá-lo sobre
um fogo; enquanto queima, vemos as substâncias que exsudam em vários estágios e
observamos o que resta no final. Podemos optar por trabalhar com todo o corpo ou partes do
corpo - o que nos interessar nesse dia. Qualquer uma das 32 partes do corpo serve, e podemos
pegar uma parte diferente a cada dia ou ficar com uma delas por vários dias. Seja qual
escolhermos, pegamos, sentimos, cheiramos e entendemos a sua natureza. Poderíamos, por
exemplo, ver como o corpo se desintegra nos quatro elementos: terra, fogo, ar e água, para
perceber que cada parte do corpo é composta dos mesmos quatro elementos.

Não fique frustrado ou chateado por não funcionar no primeiro dia, na primeira semana, ou
mesmo no primeiro ano. Temos que realizar essa prática todos os dias e também precisamos
de sati (atenção plena). Se sati não for forte o suficiente, a contemplação do corpo levará
muito tempo, mas se a prática for afiada será mais rápida. Então, ao fazer a investigação do
corpo não devemos esquecer de estimular sati, afiar a faca que usamos para cortar o corpo.
De fato, esta prática é similar ao desenvolvimento de samadhi em que usamos a
palavra buddho internamente repetidas vezes. Nos estágios iniciais da contemplação do
corpo, repetimos “cabelo, cabelo, cabelo” e tentamos visualizar o cabelo - é semelhante à
prática de samadhi, mas com visualização. Mais pra frente no entanto, a imagem se torna mais
clara, e conseguimos cortar o corpo, queimá-lo ou fazer aquilo que facilitará entender sua
natureza. Podemos investigar tudo dessa maneira; dor, cobiça, ódio - qual é a sua natureza? É
particularmente importante descartar qualquer conhecimento médico que tenhamos sobre o
corpo. Nesta prática, queremos ser como um bebê recém-nascido; tudo que ele toca coloca
na boca e brinca para entender do que se trata. Na investigação do corpo, temos que nos
tornar como esse bebê recém-nascido que toca e brinca com um objeto até que sua função
seja compreendida e tudo sobre o objeto seja conhecido. Normalmente, sabemos os nomes
das coisas, como por exemplo fígado, mas na verdade não sabemos o que é "fígado". Qual é a
diferença entre o fígado e os rins, entre cobiça e raiva, entre desejo e raiva, entre dor e êxtase?
Temos que investigar, para conhecer essas coisas e entender sua verdadeira natureza.
Temos que nos esforçar muito para fazer essa prática, e o tempo que leva depende do caráter
de cada pessoa. Mas por favor não me diga que não funciona. Vai funcionar. Vai funcionar no
seu próprio tempo. Para uma pessoa o progresso será rápido, para outra lento. Para alguns,
pode levar uma vida inteira, para outros, alguns anos. Para Luangta Maha Bua,
cujo samadhi era excelente, levou oito meses; mesmo com o samadhi super afiado, como um
laser, ainda levou oito meses. Onde quer que colocasse sua atenção, ele cortava. Nossa
atenção se torna difusa em um ou dois segundos, então não vemos objetivamente aquilo que
estamos investigando; se esse for o caso, não entenderemos a verdadeira natureza do corpo.
Além disso, ficamos iludidos por nossas ideias e opiniões, especialmente ideias e opiniões
médicas sobre o corpo que são inúteis para este tipo de investigação. Pessoas com experiência
médica tendem a ter dificuldade em investigar o corpo, porque tudo o que vêem é um atlas
anatômico, mas não é isso que queremos saber ou entender. Então, pessoas com formação
médica terão que tornar a investigação mais real; tomando uma serra grosseira e cortando o
corpo, sentindo realmente a dor; só então conseguirão investigar o corpo.

Para resumir, a investigação do corpo revelará a verdadeira natureza do corpo e destruirá o


desejo e a raiva, especialmente o desejo sexual ou sensual. Esta prática leva-nos através das
três primeiras etapas da iluminação: Sotapanna, Sakadagami e, finalmente, Anagami,
respectivamente aquele que entrou na correnteza, aquele que retorna uma vez e aquele que
não retorna.

Qual é a atitude correta na Meditação?

A coisa mais importante ao meditar é ter a atitude correta. Quando estiver meditando:

Não foque com demasiada intensidade.

Não controle.

Não tente criar algo.

Não se force nem se limite.


E não rejeite o que estiver acontecendo.

Quando as coisas ocorrerem ou deixarem de ocorrer, não esqueça,

Esteja consciente disso.

Tentar criar algo é cobiça, (lobha).

Rejeitar o que está acontecendo é aversão, (dosa).

Não saber se algo está acontecendo ou parou de acontecer é delusão, (moha).

Com atenção e compreensão

Sabendo

Não pensando

Não refletindo

Não julgando.

Preste atenção ao que estiver surgindo exatamente no momento presente.

Não vá para o passado!

Não planeje o futuro!

O Caminho para a Paz

Sila, samadhi e pañña são os nomes dados aos diferentes aspectos da prática.
Praticar sila, samadhi e pañña, significa que praticamos com nós mesmos. Sila correto existe
aqui, samadhi correto existe aqui. Por que? Porque nosso corpo está bem aqui! Temos mãos,
temos pernas, bem aqui. Aqui é onde praticamos sila. É fácil descrever a lista de tipos de
comportamento errados encontrados nos livros, mas o importante é compreender que o
potencial para todos está dentro de cada um. O corpo e a linguagem estão conosco aqui e
agora. Praticamos a virtude, o que significa tomar cuidado para evitar as ações inábeis de
matar, roubar e má conduta sexual. Por exemplo, no passado podemos ter matado animais ou
insetos, ou talvez não tenhamos tomado muito cuidado com a linguagem: linguagem
mentirosa significa mentir ou exagerar a verdade; linguagem grosseira significa que estamos
constantemente sendo abusivos ou rudes com os outros - "idiota", "escória", e assim por
diante; linguagem frívola significa tagarelice sem objetivo, falar de modo estúpido sem
propósito ou substância. Nos entregamos a tudo isso - sem restrição! Em suma,
manter sila significa vigiar a si mesmo, vigiando as ações e a linguagem.

Então, quem será o vigilante? Quem assumirá a responsabilidade pelas ações? Quem é "aquele
que sabe" antes de mentir, ofender ou dizer algo frívolo? Contemple isso: quem quer que seja
"aquele que sabe" é ele quem deve assumir a responsabilidade por sila. Traga essa atenção
para vigiar suas ações e linguagem. Esse conhecimento, essa atenção, é o que usamos para
vigiar a prática. Para manter sila usamos aquela parte da mente que direciona as ações e que
nos leva a praticar o bem ou o mal. Pegamos o vilão e o transformamos num xerife. Agarre a
mente rebelde e discipline-a assumindo a responsabilidade por todas as ações e palavras. Olhe
para isso e contemple isso. O Buda nos ensinou a sermos cautelosos com as nossas ações.
Quem é o cauteloso?

A prática envolve o estabelecimento de sati, atenção plena, "naquele que sabe". "Aquele que
sabe" é aquela intenção mental que anteriormente nos motivou a matar seres vivos, roubar a
propriedade de outras pessoas, fazer sexo ilícito, mentir, difamar, dizer coisas tolas e frívolas
e engajar-se em todos os tipos de comportamento desenfreado. "Aquele que sabe" nos leva a
falar. Está dentro da mente. Foque a atenção plena (sati) - mantendo-a sempre na memória -
nesse "que sabe". Deixe o saber cuidar da sua prática. Use sati, ou atenção plena, para manter
a mente lembrando o momento presente e mantenha a compostura mental desse modo. Faça
a mente cuidar de si mesma. Faça bem feito.

Se a mente for realmente capaz de cuidar de si mesma, não será tão difícil vigiar a linguagem
e as ações, pois estas são supervisionadas pela mente. Em outras palavras, manter sila - cuidar
das nossas ações e linguagem - não é uma coisa tão difícil. Mantemos a atenção em todos os
momentos e em todas as posturas, seja em pé, caminhando, sentado ou deitado. Antes de
realizar qualquer ação, falar, ou se envolver em conversas, estabelecemos primeiro a atenção
plena. Devemos ter sati, estar com atenção plena, antes de fazer qualquer coisa. Praticamos
assim até sermos fluentes. Praticamos dessa forma para que possamos estar a par com o que
estiver acontecendo na mente, até o ponto em que a atenção plena se torna sem esforço e
estamos atentos antes de agir, atentos antes de falar. É assim que estabelecemos a atenção
plena no coração. É com "aquele que sabe" que cuidamos de nós mesmos. Cuidando da
linguagem e das ações, estas se tornam graciosas e agradáveis aos olhos e ouvidos, enquanto
permanecemos confortáveis e à vontade com essa contenção. Se praticarmos a atenção plena
e a contenção até que isso se torne algo confortável e natural, a mente se tornará firme e
resoluta na prática de sila e na prática da contenção. Consistentemente iremos prestar
atenção à prática e, assim, alcançaremos a concentração. A característica de estar inabalável
na prática da atenção plena e da contenção é chamada samadhi. A mente estará firmemente
concentrada nesta prática de sila e contenção. Estar firmemente concentrada na prática
de sila significa que há uniformidade e consistência na prática da atenção plena e da
contenção. Estas são as características dos fatores externos na prática de samadhi. No
entanto, também tem um lado interno mais profundo.

Uma vez que a intenção na mente para a prática, bem como sila e samadhi, estiverem
firmemente estabelecidos, seremos capazes de investigar e refletir sobre o que é benéfico e
prejudicial - perguntando a nós mesmos: "Isto está certo?" ... "Isso está errado?" enquanto
experimentamos diferentes objetos mentais. Quando a mente faz contato com diferentes
visões, sons, aromas, sabores, sensações táteis ou idéias, "aquele que sabe" surgirá e
estabelecerá a consciência de gosto ou não gosto, felicidade ou sofrimento, e os diferentes
tipos de objetos mentais que experimentamos. Veremos com clareza e veremos muitas coisas
diferentes. Se estivermos atentos, veremos os diferentes objetos que surgem na mente e a
reação que ocorre ao experimentá-los. "Aquele que sabe" irá automaticamente tomá-los
como objetos de contemplação. Uma vez que a mente esteja vigilante e a atenção plena esteja
firmemente estabelecida, notaremos todas as reações expressas através do corpo, da
linguagem, ou da mente, na medida em que os objetos mentais forem
experimentados. Pañña é o aspecto da mente que identifica e seleciona o bom do ruim, o
certo do errado, dentre todos os objetos mentais que fazem parte do campo da consciência.
Isto é pañña em seus estágios iniciais que amadurece como resultado da prática.

Isso significa que começamos a nos apegar ao que é bom ou saudável. Tememos quaisquer
defeitos ou falhas na mente - ansiosos que possam prejudicar nosso samadhi. Ao mesmo
tempo, começamos a ser diligentes e trabalhar duro, bem como amar e alimentar a prática.
Continuamos praticando assim tanto quanto possível, até que possamos chegar ao ponto em
que estaremos constantemente julgando e criticando todos aqueles que encontramos, onde
quer que formos. Estaremos constantemente reagindo com atração ou aversão ao mundo ao
nosso redor, tornando-nos cheios de todos os tipos de incerteza e continuamente nos
apegando a visões do modo correto e incorreto de praticar. É como se estivéssemos obcecados
com a prática. Mas não precisamos nos preocupar com isso ainda - nesse ponto é melhor
praticar muito do que pouco. Praticamos muito e nos dedicamos a cuidar do corpo, da
linguagem e da mente. Nunca faremos demasiado. A prática da atenção plena e da contenção
com o corpo, a linguagem, e a mente, e a distinção consistente entre o certo e o errado é o
que mantemos como objeto na mente. Nos tornamos concentrados dessa maneira e, estando
conectados firmes e inabaláveis a esse modo de prática, significa que a mente realmente se
torna sila, samadhi e pañña - as características da prática descritas nos ensinamentos.

À medida que continuamos a desenvolver e manter a prática, essas diferentes características


e qualidades são aperfeiçoadas juntas na mente. No entanto,
praticar sila, samadhi e pañña neste nível ainda não é suficiente para produzir os fatores
de jhana - a prática ainda é muito grosseira. Ainda assim, a mente já está bastante refinada -
no lado refinado do grosseiro! Para uma pessoa comum, não iluminada, que não tenha
cuidado da mente ou praticado muita atenção plena e meditação, somente esse tanto já é
algo bastante refinado. Neste nível, podemos sentir uma sensação de satisfação ao sermos
capazes de praticar em toda a dimensão completa da nossa habilidade. Isso é algo que
veremos por nós mesmos; algo que deve ser experimentado pela mente do próprio praticante.

Sendo assim, significa que o praticante já está no caminho, ou seja,


praticando sila, samadhi e pañña. Estes devem ser praticados em conjunto, pois se algum
deles estiver faltando, a prática não se desenvolverá corretamente. Quanto mais sila melhora,
mais firme se torna a mente. Quanto mais firme for a mente, mais confiante se torna pañña e
assim por diante ... cada parte da prática apoiando e aprimorando todas as outras. Conforme
aprofundamos e refinamos a prática, sila, samadhi e pañña irão amadurecer juntos no mesmo
ponto - são refinados a partir da mesma matéria-prima. Em outras palavras, o Caminho tem
um começo grosseiro, mas, como resultado do treinamento e refinamento da mente através
da meditação e da reflexão, torna-se cada vez mais sutil. À medida que a mente se torna mais
refinada, a prática da atenção plena torna-se mais concentrada, concentrando-se em uma área
cada vez mais limitada. A prática realmente se torna mais fácil à medida que a mente se volta
mais e mais para se concentrar em si mesma. Não cometemos mais grandes erros. Agora,
quando a mente for afetada por um assunto específico, surgirão dúvidas - por exemplo, se agir
ou falar de um certo modo será certo ou errado - simplesmente continuamos a conter a
proliferação mental e, intensificando o esforço na prática, continuamos dirigindo a atenção
cada vez mais fundo dentro da mente. A prática de samadhi se tornará progressivamente mais
firme e mais concentrada. A prática de pañña é aprimorada para que possamos ver as coisas
com mais clareza e com maior facilidade.

O resultado final é que somos claramente capazes de ver a mente e seus objetos, sem ter que
fazer qualquer distinção entre a mente, o corpo ou a linguagem. Conforme continuamos
dirigindo a atenção para dentro e a refletir sobre o Dhamma, a faculdade da sabedoria
gradualmente amadurece, e eventualmente ficamos contemplando a mente e os objetos
mentais - o que significa que começamos a sentir o corpo como imaterial. Através do insight,
não estaremos mais tateando ou incertos na compreensão do corpo e do modo como ele é. A
mente experimenta as características físicas do corpo como objetos imateriais que entram em
contato com a mente. Em última análise, estamos contemplando apenas a mente e os objetos
mentais - aqueles objetos que entram em contato com a consciência. Agora, examinando a
verdadeira natureza da mente, podemos observar que, em seu estado natural, não há
preocupações ou problemas que prevalecem. É como um pedaço de pano ou uma bandeira
amarrada ao final de um poste. Enquanto estiver por conta própria e sem perturbações, nada
acontecerá.
No seu estado natural não existe na mente amor ou ódio, nem a busca em culpar outras
pessoas. A mente é independente, existindo em um estado de pureza que é verdadeiramente
claro, radiante e imaculado. Em seu estado puro, a mente é pacífica, sem felicidade ou
sofrimento - na verdade, sem experimentar qualquer tipo de sensação (vedana). Esse é o
verdadeiro estado da mente. Portanto, o propósito da prática é a busca interior, procurando
e investigando até alcançar a mente original. A mente original também é conhecida como a
mente pura. A mente pura é a mente sem apegos, sem ser afetada por objetos mentais. Em
outras palavras, a mente não persegue os diferentes tipos de objetos mentais agradáveis ou
desagradáveis. Em vez disso, a mente está em um estado de contínua vigília e conhecimento -
completamente consciente de tudo o que está sendo experimentado. Quando a mente está
nesse estado nenhum objeto mental agradável ou desagradável que seja experimentado será
capaz de perturbá-la. A mente não "se torna" nada. Em outras palavras, nada pode abalá-la. A
mente se conhece como pura. Desenvolveu a sua própria independência verdadeira; alcançou
seu estado original. Como ser capaz de fazer com que esse estado original surja? Através da
faculdade da atenção plena, refletindo e vendo que todas as coisas são meras condições
surgindo da influência dos elementos, sem que nenhum indivíduo as esteja controlando. Assim
é como ocorre com a felicidade e o sofrimento que experimentamos. Quando esses estados
mentais surgem, eles são apenas "felicidade" e "sofrimento". Não há dono da felicidade. A
mente não é a proprietária do sofrimento - os estados mentais não pertencem à mente. Veja
por você mesmo. Na realidade, esses não são assuntos da mente, são separados e distintos.
Felicidade é apenas o estado de felicidade; o sofrimento é apenas o estado de sofrimento.
Somos meramente os conhecedores desses estados. No passado, porque as raízes da cobiça,
da raiva e da delusão existiam na mente, sempre que o mais trivial objeto mental, agradável
ou desagradável, fosse notado, a mente reagiria imediatamente - nós o tomaríamos
experimentando a felicidade ou o sofrimento. Continuamente estaríamos nos entregando a
estados de felicidade ou sofrimento. Assim é como ocorre enquanto a mente não se conhece
- enquanto não for clara e iluminada. A mente que não está livre é influenciada por quaisquer
objetos mentais que experimenta. Em outras palavras, não tem refúgio, incapaz de
verdadeiramente depender de si mesma. Recebemos uma impressão mental agradável e
ficamos de bom humor. A mente esquece de si mesma.

Em contraste, a mente original está além do bem e do mal. Essa é a natureza original da mente.
Se nos sentimos felizes por experimentar um objeto mental agradável, isso é uma delusão. Se
nos sentimos infelizes por experimentar um objeto mental desagradável, isso é uma delusão.
Objetos mentais desagradáveis fazem com que sofremos e os agradáveis nos fazem felizes -
esse é o mundo. Objetos mentais vêm com o mundo. Objetos mentais são o mundo, dando
origem à felicidade e sofrimento, bem e mal, e tudo o que está sujeito à impermanência e
incerteza. Quando alguém se separa da mente original, tudo se torna incerto - apenas há o
nascimento e a morte sem fim, a incerteza e a apreensão, o sofrimento e a dificuldade, sem
nenhuma forma de deter ou cessar esse ciclo, o ciclo interminável de renascimentos.

Samadhi significa uma mente firmemente concentrada, e quanto mais praticamos, mais firme
a mente se torna. Quanto mais firmemente a mente está concentrada, mais resoluta na prática
ela se torna. Quanto mais você contemplar, mais confiante ficará. A mente se torna
verdadeiramente estável - a ponto de não poder ser influenciada por nada. Estamos
absolutamente confiantes de que nenhum único objeto mental tem o poder de nos abalar.
Objetos mentais são objetos mentais; a mente é a mente. A mente experimenta estados
mentais bons e ruins, felicidade e sofrimento, porque é deludida pelos objetos mentais. Se não
for deludida pelos objetos mentais, não há sofrimento. A mente não-deludida não pode ser
abalada. Simplesmente falando, esse estado que surgiu é a própria mente. Se contemplamos
de acordo com a verdade o modo como as coisas são, podemos ver que existe apenas um
caminho sendo nosso dever segui-lo. Se nos apegamos à felicidade, estaremos fora do
caminho - porque se apegar à felicidade causará sofrimento. Se nos apegamos à tristeza, pode
ser a causa para o surgimento do sofrimento. Entendemos isso - já estamos com a atenção
plena e com o entendimento correto - mas, ao mesmo tempo, ainda não somos capazes de
abandonar completamente os nossos apegos.
Então, qual é a maneira correta de praticar? Temos que adotar o caminho do meio, o que
significa acompanhar os vários estados mentais de felicidade e sofrimento, enquanto que ao
mesmo tempo mantendo-os à distância.

Essa é a maneira correta de praticar - mantemos a atenção plena e a plena consciência, mesmo
se ainda não formos capazes de abrir mão. Esse é o caminho correto, pois sempre que a mente
se apega a estados de felicidade ou sofrimento, a consciência desse apego está sempre
presente. Isso significa que quando a mente se apega a estados de felicidade, não elogiamos
nem damos valor a isso, e sempre que a mente se apega a estados de sofrimento, não
criticamos. Desta forma podemos realmente observar a mente tal como ela é. A felicidade não
é correta, o sofrimento não é correto. Há o entendimento de que nenhum desses estados é o
caminho correto. Podemos ser incapazes de abandoná-los, mas podemos estar com a atenção
plena e a plena consciência. Com a atenção plena estabelecida, não atribuímos indevido valor
à felicidade ou ao sofrimento. Não damos importância a nenhuma dessas duas direções que a
mente pode tomar, sem restar qualquer dúvida. Sabemos que seguir qualquer um desses
caminhos não é o caminho de prática correto, então, em todos os momentos, consideramos
o meio-termo da equanimidade como o objeto da mente. Quando praticamos até o ponto no
qual a mente vai além da felicidade e do sofrimento, a equanimidade necessariamente surge
como o caminho a seguir. Devemos gradualmente segui-la, pouco a pouco - o coração sabendo
o caminho para além das contaminações, mas, sem estarmos prontos para finalmente
transcendê-las.

Sempre que a felicidade surge e a mente se apega, temos que contemplar essa felicidade, e
sempre que a mente se apega ao sofrimento, temos que contemplar esse sofrimento.
Eventualmente, a mente alcançará um estágio no qual estará plenamente consciente da
felicidade e do sofrimento. Nesse ponto será capaz de deixar de lado a felicidade e o
sofrimento, o prazer e a dor, e deixar de lado tudo o que é o mundo e assim nos tornamos o
"conhecedor dos mundos". Uma vez que a mente - "aquele que sabe" - possa abrir mão,
poderá se estabelecer nesse ponto.
É nesse ponto que a prática se torna realmente interessante. Onde quer que haja apego na
mente, continuamos insistindo naquele ponto, sem desistir. Se há apego à felicidade,
continuamos insistindo, não deixando a mente ser levada por esse estado. Se a mente se apega
ao sofrimento, nos agarramos a isso, realmente grudamos e contemplamos imediatamente.
Mesmo que a mente esteja presa em um estado mental insalubre, sabemos que é prejudicial
e que a mente não é negligente. É como pisar em espinhos: é claro que não procuramos pisar
em espinhos, tentamos evitá-los, mas mesmo assim às vezes pisamos em um. Mesmo que
saibamos disso, somos incapazes de evitar pisar naqueles 'espinhos'. A mente ainda segue
vários estados de felicidade e sofrimento, mas não se entrega completamente. Sustentamos
um esforço contínuo para destruir qualquer apego na mente - para destruir e eliminar tudo
aquilo que é o mundo da mente.

Algumas pessoas querem pacificar a mente mas não sabem o que é realmente a verdadeira
paz. Não conhecem a mente pacífica! Existem dois tipos de paz - a paz que vem através
de samadhi e a paz que vem através de pañña. A mente que está em paz através
de samadhi ainda está deludida. A paz que vem através da prática de samadhi depende da
mente estar separada dos objetos mentais. Quando não está experimentando nenhum objeto
mental, então há calma e consequentemente a pessoa se apega à felicidade que vem com essa
calma. No entanto, sempre que há impacto através dos sentidos, a mente cede
imediatamente. Tem medo dos objetos mentais. Tem medo da felicidade e do sofrimento; tem
medo de elogios e críticas; medo de formas, sons, aromas e gostos.

Quem experimenta a paz apenas através de samadhi tem medo de tudo e não quer se
envolver com ninguém ou nenhuma coisa. As pessoas que praticam samadhi desse modo
apenas querem ficar isoladas em uma caverna em algum lugar, onde possam experimentar a
felicidade de samadhi sem ter que sair. Onde quer que haja um lugar pacífico, elas se
esgueiram e se escondem. Esse tipo de samadhi envolve muito sofrimento - as pessoas acham
difícil deixar esse estado e conviver com outras pessoas. Elas não querem ver formas ou ouvir
sons, não querem experimentar nada! Elas têm que viver em algum lugar calmo e
especialmente reservado, onde ninguém venha e perturbe com conversas. Necessitam um
ambiente realmente pacífico.
Esse tipo de paz não produz os resultados esperados. O Buda não ensinou a
praticar samadhi com delusão. Se alguém pratica assim, então pare. Se a mente alcançou a
tranquilidade, use-a como base para a contemplação. Contemple a paz da concentração em
si e use-a para conectar a mente e refletir sobre os diferentes objetos mentais que a mente
experimenta. Contemple as três características
de anicca (impermanência), dukkha (sofrimento) e anatta (não-eu). Reflita sobre o mundo
todo. Quando tiver contemplado suficientemente, está tudo bem em restabelecer a calma
de samadhi. Pode reentrar em samadhi através da meditação sentada e depois, com calma
restabelecida, continuar com a contemplação. À medida que ganhamos conhecimento,
usamos para combater as contaminações, para treinar a mente.

A paz que surge através de pañña é distinta, porque quando a mente se retira do estado de
tranquilidade, a presença de pañña afasta o medo das formas, sons, aromas, sabores,
sensações táteis e idéias. Significa que, logo que ocorra o contato sensorial, a mente
imediatamente tem consciência do objeto mental. Assim que houver um contato num dos
meios dos sentidos, o deixamos de lado - a atenção plena é apurada o suficiente para
imediatamente abrir mão. Essa é a paz que surge através de pañña.

Quando praticamos com a mente dessa maneira, a mente se torna consideravelmente mais
refinada do que quando apenas desenvolvemos samadhi. A mente se torna muito poderosa e
não tenta mais fugir. Com tal energia nos tornamos destemidos. No passado tínhamos medo
de experimentar qualquer coisa, mas agora conhecemos os objetos mentais tal como são e
assim não há mais medo. Conhecemos nossa própria força mental e não temos medo. Quando
vemos algo, contemplamos. Quando ouvimos um som, contemplamos. Nos tornamos
proficientes na contemplação dos objetos mentais. Seja o que for, podemos abrir mão de tudo.
Vemos claramente a felicidade e abrimos mão. Vemos claramente o sofrimento e abrimos
mão. Onde quer sejam vistos, naquele exato momento abrimos mão. Todos os objetos
mentais perdem seu valor e não são mais capazes de nos influenciar. Quando essas
características surgem na mente do praticante, é apropriado mudar o nome da prática
para vipassana: conhecimento claro de acordo com a verdade. É disso que se trata -
conhecimento de acordo com a verdade sobre como as coisas são. Esta é a paz no mais alto
nível, a paz de vipassana.

Desenvolver samadhi para que possamos simplesmente ficar sentados e cultivar o apego por
estados mentais felizes não é o verdadeiro propósito da prática. Devemos evitar isso. O Buda
disse que devemos lutar essa guerra, não apenas nos escondermos em uma trincheira
tentando evitar as balas do inimigo. Quando é hora de lutar, realmente temos que sair com
armas em punho. Eventualmente temos que sair dessa trincheira. Não podemos ficar ali
dormindo quando a hora é de lutar. Assim é a prática. Não podemos permitir que a mente
apenas se esconda, encolhendo-se nas sombras.

Descrevi um esboço da prática. Você, como todos praticantes, deve evitar ser pego em
dúvidas. Não duvide do caminho da prática. Quando há felicidade, observe a felicidade.
Quando houver sofrimento, observe o sofrimento. Tendo estabelecido a atenção plena, faça
o esforço para destruir ambos. Abra a mão, jogue-os de lado. Conheça o objeto da mente e
continue abrindo mão. Se quiser fazer meditação sentada ou andando, isso não importa. Se
continuar pensando, não importa. O importante é manter a atenção plena, momento a
momento. Se estiver realmente aprisionado à proliferação mental, junte tudo isso e o
considere como um todo, rompendo-o desde o início, dizendo: "Todos esses meus
pensamentos, idéias e fantasias são simplesmente proliferação mental e nada mais. É
tudo anicca, dukkha e anatta. Nada disso é seguro de modo algum."

Na vizinhança de Nibbana

Exatamente agora, aqueles de nós que são monges e monjas Budistas, e aqueles que são
praticantes leigos sérios, estamos na vizinhança de nibbana. Estando nesta situação, devemos
lembrar que estamos praticando exatamente da mesma maneira que os homens e mulheres,
jovens e velhos, têm praticado nos últimos 25 séculos, e eventualmente, nós também
alcançaremos os mesmos resultados. Estamos na presença de nibbana no sentido que nos
dedicamos à prática que conduz a nibbana.
Às vezes é difícil perceber o quão perto podemos estar. Não nos damos conta que tudo que
temos que fazer é virar a nossa cabeça, fazer apenas uma ligeira mudança na nossa maneira
de ver as coisas, abrir-nos para a mesma verdade que o Buda viu, a mesma verdade que os
Veneráveis Sariputta, Mahamoggallana, Mahakassapa, Ananda, Anuruddha, e todos os outros
grandes arahants dos últimos vinte e cinco séculos viram. Estava lá então, e está aqui agora.

Devemos nos recordar disso com freqüência. Lembrar que houve milhares, dezenas de
milhares de arahants no passado, e que haverá muitas centenas, milhares, dezenas de
milhares de arahants no futuro. Uma das estrofes mais significativas no Dhammapada é o
versículo 372: Natthi jhanam apaññasa, pañña natthi ajjhayato, Yamhi jhanam ca pañña ca sa
ve nibbanasantike - "não existe concentração (jhana) sem sabedoria (pañña), não existe
sabedoria sem concentração. Aquele que tem ambos, concentração e sabedoria, está mais
próximo de nibbana." Este caminho ainda está disponível, e quando o caminho está disponível,
também estão os frutos. Há um livro chamado A Manual of a Mystic, um tratado antigo sobre
meditação encontrado em um obscuro monastério no Sri Lanka faz algumas décadas. [1] Parte
da prática de meditação descrita nesse manual é justamente a recordação mencionada acima,
a recordação de todos os arahants que realizaram no passado a felicidade sublime de nibbana.
E agora, aqui estamos, embarcando na mesma viagem, fazendo as mesmas coisas, que devem
dar origem aos mesmos frutos. Esta foi a promessa do Buda. Ele disse que este Dhamma leva
a um destino, e apenas um destino: nibbana. Se conseguirmos entrar na correnteza, seremos
levados por todo o caminho, até o mar.

Essas recordações, feitas com freqüência, dão origem a uma grande alegria, felicidade e
confiança; dão origem à fé nesta prática que chamamos de Budismo, o Dhamma. Esta fé, por
sua vez, dá origem à energia, para que possamos ter a vontade, a vontade sustentada, de fazer
o que for necessário para transformar o nosso lampejo inicial de fé na realização sustentada.

Estamos na presença de nibbana cada vez que abrimos um dos livros do Tipitaka e lemos os
ensinamentos do Buda. Estamos na presença de nibbana porque há apenas esse fino véu entre
nós e o Dhamma. Quando o Buda ensinou esses ensinamentos para os monges, como por
exemplo o Venerável Bahiya (Ud I.10), apenas os ensinamentos foram suficientes para dar às
pessoas desse calibre um grande insight. Um insight, que preencheu a lacuna que faltava
para nibbana. Eles não estavam apenas na presença de nibbana; eles fizeram disso aquele
passo adicional na direção de nibbana, para a completa realização de nibbana.

O Venerável Bahiya e os outros como ele provavelmente nunca imaginaram estarem tão perto
de um estado tão maravilhoso e sublime, mas eles se tornaram grandes discípulos do Buda.
Na verdade, quando as pessoas olham através das lentes da delusão, muitas vezes pensam:
"Como poderia alguém como eu algum dia realizar essa felicidade sublime de nibbana? Como
poderia alguém como eu algum dia alcançar um jhana? Como poderia alguém como eu algum
dia penetrar esse Dhamma profundo e difícil de compreender?" Mas o Buda disse que
podemos! Você pode, porque tem a segurança e a fé para vestir os mantos de cor ocre do
Buda, ou para praticar os seus ensinamentos com seriedade como um leigo.

Dando Ouvidos

Um aspecto importante do caminho, além da virtude e da boa conduta, é o estudo dos


ensinamentos do Buda. O Buda expressou de modo muito belo nos seus discursos: a pessoa
dá ouvidos, inclina a mente, escuta com interesse, e aplica a mente, de modo que aquilo que
é ouvido pode penetrar profundamente na mente e ali se estabelecer. Ao se firmar, ao longo
das semanas, meses e anos, irá crescer e dar frutos. Um dia essa fruta será muito doce, o fruto
do Despertar.

Dando ouvidos para o Dhamma, contemplando e permitindo que ele varra a mente como uma
bela brisa em um dia quente, permitindo que impregne e penetre profundamente na mente,
que penetre mais profundo do que o pensamento, mais profundo do que o intelecto, muito
mais profundo do que a mente que busca defeitos, e muito, muito mais profundo do que a
mente com a qual estamos acostumados. O Dhamma penetra naquela parte da mente que
ainda temos que conhecer - ali esperando, esperando, até que, através da prática da
meditação, entramos nesses estados mentais muito refinados, belos e sutis, onde as sementes
do Dhamma estão descansando, esperando para dar frutos, esperando para dar a bem-
aventurança do Despertar.
Temos segurança e fé porque sabemos que outros já realizaram isso no passado. Às vezes as
pessoas pensam que os grandes mestres, os monges e monjas do passado, eram de alguma
forma super-homens e super-mulheres. Mas muitos deles começaram de uma maneira não
muito distinta da maioria dos praticantes de hoje. Às vezes, os candidatos mais improváveis
tornaram-se os maiores santos. Eles se dedicaram ao treinamento com o melhor de suas
habilidades, perseveraram nas suas tentativas de domesticar a mente e acalmá-la, para levá-
la à unicidade, à quietude. Então, um dia, através do acúmulo de todos os seus esforços, do
acúmulo de toda a sua prática da virtude, do acúmulo da prática de meditação - algumas vezes
cabeceando, algumas vezes dispersos - através do acúmulo do aprendizado, e das suas
reflexões, dos seus pequenos insights, eles finalmente conseguiram quebrar as barreiras que
os separavam de seu objetivo.

Uma Gota de Cada Vez

O Buda compara a prática do Dhamma com encher um pote com uma gota de cada vez. Chega
o momento em que apenas mais uma gota cai no pote, e em seguida, ele transborda: o
Dhamma é visto. Nunca se sabe antes quando será o momento para a última gota. A pessoa
comum, não iluminada, não consegue ver esse pote sendo enchido, porque o pote fica numa
parte da mente na qual ela ainda não tem acesso - mas pouco a pouco o pote está sendo
enchido. Um dia irá estar completamente cheio e irá transbordar para a mente que é
conhecida agora; depois, levará para a fonte, para a mente interior mais profunda, que
geralmente está escondida pelas contaminações e pelos obstáculos. Assim é que começamos
a ver a fonte, que o Buda chamou de "o construtor de casas", o criador do nascimento e do
sofrimento.

Então, quer você seja um monástico ou alguém que treina com os preceitos leigos, você nunca
deve abandonar o esforço, nunca desista do treinamento. Este é um tema que está sempre
presente nos ensinamentos do Buda. Se alguém abandona o treinamento na virtude,
meditação e sabedoria, não terá nenhuma chance de sucesso. Mas se continuamos com o
treinamento, se continuamos seguindo as instruções do Buda, descobriremos que esse
treinamento conduz para apenas uma direção. Conduz a nibbana.
Esta mensagem está encapsulada de uma forma muito bela no melhor conselho que já recebi,
dado por um monge muito respeitado no Sri Lanka. É um conselho que dou grande valor e
mantenho sempre em mente. Ele me disse que no final das contas, não importa tanto qual
estágio tenha sido alcançado, ou o que tenha sido conseguido. O que realmente importa é se
naquele dia realmente praticamos até o limite da nossa capacidade - se realmente demos o
máximo - ou se ao invés disso fomos descuidados e negligentes, esquecendo os ensinamentos
do Buda, e esquecendo a fé que temos que esses ensinamentos realmente conduzem
a nibbana. Se no final do dia olharmos para trás e soubermos que tentamos nosso melhor,
então estaremos acumulando qualidades espirituais, estaremos sendo preenchidos
interiormente com essas gotas preciosas, e aproximando-nos da meta. Continuando desta
forma, isso irá acontecer e terá que acontecer, o Despertar virá. Esta reflexão é um meio para
desenvolver a fé nos ensinamentos do Buda.

O Buda não somente encorajava a fé usando a metafórica "cenoura" - o encorajamento, a


incitação, e a garantia de que esse caminho produz frutos; ele também usou a metáfora da
"vara". A vara é apenas refletir e ver com a sabedoria as conseqüências de seguir o caminho
errado - para o reino do desejo e do anseio, a decepção e frustração; para o reino do
sofrimento, para o reino de mais nascimentos - com certeza incertos. Nascimentos incertos
produzem resultados incertos, às vezes com grande sofrimento e tormento.

Essa é uma "vara" adequada, porque produz uma sensação de temor saudável (ottappa), o
temor das consequências de não continuar a fazer o esforço, de não continuar a trilhar este
caminho, de não continuar a progredir na medida em que a nossa capacidade permita. Não
importa onde estejamos no caminho, contanto que estejamos avançando, contanto que a
cada dia mais uma gota caia, enchendo aquele grande pote dentro de nós. Se fizermos isso,
então já estaremos na presença de nibbana, no sentido de que estamos seguindo o caminho
que leva a nibbana.

Virtude

O Buda e os nobres discípulos sempre dizem que o caminho é o Nobre Caminho Óctuplo - o
caminho da virtude (sila), concentração (samadhi), e sabedoria (pañña). Para trilhar o caminho
da virtude significa que não prejudicaremos qualquer ser vivo. Permanecemos com a intenção
na mente pela felicidade de todos os seres - a brandura de espírito ocupada com o bem-estar
de todos os seres onde quer que estejam, inclusive com nós mesmos. Essa virtude tem que ser
aperfeiçoada. Não é o suficiente ter 90% de virtude, ou 95% de virtude, ou até mesmo 99% de
virtude. A virtude deve ser completamente purificada; purificada em primeiro lugar pela fé.

O Buda disse que a virtude é a base do caminho. A virtude é o terreno sobre o qual se apoiam
os fatores e aspectos mais elevados do Nobre Caminho Óctuplo. Se esta parte do caminho for
fraca, se alguém toma liberdades com a sua própria virtude e flexiona as regras, então ele irá
enfraquecer a concentração e criar impedimentos para o surgimento da sabedoria. Assim, da
fé e convicção nos ensinamentos do Buda, e nos ensinamentos de todos os eminentes monges
e monjas conhecidos, permanecemos num lugar que é mais profundo do que as impurezas,
"Manterei esses preceitos, como se fossem um baú de ouro cheio de jóias; vou mantê-los
sobre a minha cabeça; vou valorizá-los e protegê-los. Eles são do Buda."

Um famoso professor de meditação costumava dizer para os seus discípulos monges que eles
deveriam cuidar das suas tigelas de esmolar alimentos como se fossem a cabeça do Buda.
Devemos considerar a virtude como aquilo que está acima da cabeça do Buda, ou até mais
elevado ainda. Devemos mantê-la em tal reverência e valor que não nos atreveríamos ir
deliberadamente contra qualquer conselho ou pronunciamento vindo de Buda.
Eventualmente, à medida em que desenvolvemos melhor concentração e mais sabedoria,
nossa fé e convicção nos ensinamentos do Buda crescem a tal ponto que não transgrediríamos
os preceitos até mesmo correndo risco de vida. Torna-se quase impossível fazer isso. A mente
os valoriza tanto, porque eles provêm do Tathagata, porque conduzem a nibbana, e porque,
ao capacitar a mente para atingir a concentração, abrem a porta para que a sabedoria entre.

No início temos apenas a convicção e a fé comuns. Mas com cada realização e com cada insight
profundo, nossa convicção e fé são transformadas - não em amor ou adoração, mas em algo
maior e mais profundo do que isso. São transformadas em um enorme respeito por aquilo que
é o mais elevado de tudo. Como é dito no Ratana Sutta: "Na tena dhammena samatthi kiñci -
Não existe nada que possa se igualar a esse Dhamma". Uma vez que compreendemos que o
Dhamma é mais valioso do que qualquer outra coisa no mundo inteiro, jamais
transgrediremos, danificaremos, desvalorizaremos, ou rebaixaremos a virtude.

Com o fortalecimento da virtude a concentração acontece por si só. Acontece simplesmente


porque a mente se torna pura. Tornar-se pura significa livrar-se das contaminações. São as
ações que contaminam a mente, as ações com o corpo e com a linguagem, e também os
pensamentos que precedem as ações. A prática da virtude significa controlar a mente que está
sendo contaminada por padrões habituais de reações inábeis, as reações de uma pessoa louca,
as reações de uma pessoa que simplesmente é incapaz de ver. A mente está coberta com
"gordura" e "poeira" de modo que realmente não é capaz de ver o que lhe proporciona bem-
estar. A prática da virtude é a primeira limpeza e brilho da mente, limpando a poeira e sujeira
acumuladas ao longo de muitas vidas.

Aqueles seres dotados de virtude, que falam e agem gentilmente e sabiamente, aparentam
não apresentar nada de ameaçador ou prejudicial. Eles irradiam beleza, uma atração
magnética, que vem da felicidade interior que experimentam através da sua virtude
imaculada. Cada praticante deste caminho deve conhecer essa felicidade, mas somente será
conhecida se for mostrada. Se uma pessoa virtuosa parar e olhar para a sua mente, dirigir o
aparato da percepção para o interior, verá que a sua virtude é muito pura, a virtude do Buda,
e, assim, irá ganhar mais fé e convicção nos ensinamentos do Buda.

Neste caminho para o despertar passamos por diferentes etapas, e cada uma dessas etapas
traz a sua própria felicidade. Estes sentimentos de felicidade são pequenas confirmações de
que este caminho está seguindo na direção certa. Eles dão encorajamento, e podemos nos
perguntar: "Se esta é a felicidade que consegui até agora, qual é a felicidade que me aguarda
na próxima etapa?" Esteja avisado, no entanto, que as contaminações fazem com que nos
afastemos do que é puro para o que é impuro. Devemos fazer um esforço deliberado para
notar que a felicidade pura, sutil e refinada, nasceu de um estilo de vida ilibado, de uma vida
de inocuidade.

Talvez consideremos que a nossa virtude ainda é imperfeita. Mas há suficiente perfeição; dias
e horas suficientes são gastos em um modo de vida puro, na linguagem pura e na ação pura,
devemos observar que o resultado é uma felicidade interior sem mácula. Voltemo-nos para
isso; reconheçamos e afirmemos isso. Assim teremos mais confiança nos ensinamentos do
Buda sobre a mente e sobre a prática correta com o corpo e a linguagem.

Contenção dos Sentidos

Desenvolvendo a virtude e a contenção que nasce da conduta virtuosa, compreendemos que


a maneira para alcançar a perfeição na virtude é através da contenção dos sentidos. Temos
que nos conter ao falar, olhar e escutar. Por que ouvir todas as conversas que acontecem à
nossa volta? "O que foi dito? O que eles estão fazendo?" Não nos diz respeito. É muito mais
benéfico afastar-se das conversas do mundo, afastar-se das atividades das pessoas. Nem
sequer olhar para o que está acontecendo lá fora; ao invés disso, olhamos e ouvimos as
atividades dentro de nós mesmos. Isto é chamado de contenção. Ao invés dos sentidos irem
para fora, eles se voltam para dentro e "observam" a atividade interna.

Na medida em que os sentidos se tornam mais contidos, começamos a experimentar um dos


primeiros estágios da felicidade nascida da paz, a felicidade nascida da contenção, a felicidade
que nasce quando a mente está começando a experimentar a calma. Os sentidos estão sendo
acalmados, pois estão sendo protegidos. Do que eles estão sendo protegidos? Eles estão sendo
protegidos do envolvimento com o mundo, aquilo que tende a excitar e perturbar as nossas
mentes.

O Buda disse que aqueles que praticam a contenção dos sentidos irão experimentar um
resultado muito prazeroso, puro e belo - uma felicidade tranquila, pacífica e estável. Aqueles
que praticam a sério, e particularmente aqueles que vivem e praticam em lugares calmos,
deveriam ser capazes de desfrutar desse estado maravilhoso de paz. Devemos observar e
valorizar essa felicidade.

Estamos seguindo os ensinamentos do Buda quando nos deliciamos com os estados benéficos
da mente. É imprudente e inútil deliciar-se com os estados prejudiciais, com os prazeres do
mundo dos cinco sentidos. O Buda disse que é nisso onde encontraremos os perigos. Mas
quanto à paz e a felicidade nascidas da virtude e da pura contenção dos sentidos, deliciemo-
nos com isso, apreciemos, desfrutemos, e celebremos isso. Façamos isso com base na fé no
Buda.

Atenção Plena e Plena Consciência

No treinamento gradual a contenção dos sentidos primeiro dá origem à atenção plena e plena
consciência. Assim, a mente tem a sua primeira experiência de estar no controle, de estar no
comando. Normalmente, em nossas vidas, os sentidos estão no controle, e nós não temos
liberdade. Assim que surge um objeto prazeroso, de imediato os sentidos vão até ele. Quando
uma pessoa atraente do sexo oposto passa, os olhos vão nessa direção. Assim que um cheiro
agradável vem da cozinha, o nariz vai para ele. Assim que surge uma conversa interessante ou
uma música agradável, as orelhas vão direto para isso. Os sentidos estão no controle, não a
mente, não a sabedoria.

No entanto, quando desenvolvemos o auto-controle, protegendo os sentidos, a atenção plena


encontra espaço para crescer. A mente adquire o poder de saber o que realmente está
acontecendo, para dirigir a atenção para aquilo que é hábil e útil, e para resistir perder-se em
complicações inúteis e atividades compulsivas. Quando a contenção dos sentidos dá origem a
essa atenção plena e plena consciência, começamos a desenvolver a base para os estados
maravilhosos de concentração onde por fim vemos com clareza o que realmente é a mente.

Concentração e Insight

O que Pensamos Ser, é Outra Coisa

Nos suttas, algumas vezes nos depararamos com pequenas frases de grande importância. Uma
dessas frases é: "Qualquer que seja a concepção, o fato é sempre distinto desta". [2] Esta é
uma das mais profundas descrições do Dhamma que podemos encontrar. O que quer que
concebamos que seja, vai ser outra coisa. Isso é tão verdade para jhana e insight como é
para nibbana. Depois de ter uma experiência desses estados, percebe-se como na verdade a
experiência é tão completamente diferente daquilo que pensávamos, lemos, e esperávamos
que fosse.

A mente conceitual não é capaz de apreender estes aspectos refinados da mente. Todos os
conceitos no mundo são justamente construídos à partir dos tijolos da experiência mundana.
Como poderia um mecanismo tão tosco e grosseiro como a mente conceitual apreender esses
estados? É bom lembrar disso, porque remove a confiança e segurança na mente conceitual.
Nós temos a tendência de colocar demasiada credibilidade na nossa capacidade de concepção,
tanto assim que perdemos nosso tempo discutindo sobre conceitos, sobre quem está certo e
quem está errado, ao invés de realmente embarcar na prática que nos permitirá ver e
conhecer a verdade além de conceitos.

Com base na fé no Buda, nossa tarefa e dever é usar a mente conceitual onde for apropriada,
e deixá-la de lado onde não é o seu lugar, onde não tem alcance, onde não faz parte. Onde
não faz parte é a esfera dos estados que estão além da experiência humana comum
(uttarimanussadhamma): os jhanas, os estados de insight, e nibbana. Nesses estados a mente
conceitual tem que ser abandonada.

Mas antes de tudo, temos que aceitar isso com base na fé - fé nos ensinamentos do Buda e
dos seus nobres discípulos. O que quero dizer com fé é que valorizamos tanto os ensinamentos
do Buda que permitimos que eles entrem na nossa mente. Algum dia, quando estivermos
próximos da concentração ou do insight, esses ensinamentos darão frutos, e abandonaremos
a mente conceitual.

O que cria o enredo conceitual é chamado de proliferação (papañca), uma forma mais
grosseira do desejo. Tendo abandonado papañca, a mente fica quieta e pacífica; vamos para
o outro lado do véu, por trás da causa do problema. Podemos dizer que a linguagem do eu, do
ego, são esses pensamentos e conceitos, e a única forma de ver esse ego é primeiro fazê-lo
calar a boca.

Então duvidamos dessa mente conceitual e, ao invés disso desenvolvemos a mente que tem
fé nos ensinamentos do Buda, que diz que este caminho pode levar a um só destino. A mente
conceitual pode dizer: "Eu não consigo fazer isso, é muito difícil para mim." Mas isso é só a
conversa do ego medroso, a conversa de Mara, [3] que está na defensiva, alarmado pelo nosso
progresso no caminho para nibbana. Ao invés de acreditar na mente conceitual, a mente
de Mara, confiamos nas palavras do Buda e nos conselhos dos nobres discípulos. Deixamos de
lado essas dúvidas conceituais, as deixamos ir, e as empurramos para fora. Vamos além, e
descobrimos que o Buda era sábio e Desperto: ele ensinou o Dhamma, e esse Dhamma
funciona. Isto se torna particularmente evidente quando a mente se torna pacífica.

Empurremos a mente conceitual para fora e despertemos o espírito da fé. Abrimos mão.
Deixemos de lado as ordens, a avaliação da situação, e o pensamento sobre o que fazer a
seguir. Deixe que o Dhamma assuma; permita que o curso natural da prática assuma. Se
estivemos praticando a virtude, a contenção dos sentidos, e a atenção plena, teremos a base
para a concentração; então abrimos mão e permitimos que a concentração aconteça.
Simplesmente permitimos que a mente se concentre, que reverta para o que poderíamos
chamar seu estado natural - a busca de satisfação e conforto dentro de si, ao invés de lá fora.

A mente, então, se torna auto-suficiente, auto-reconfortante, e auto-sustentável, de modo


que a porta da mente para os cinco sentidos externos é cortada, e a mente não vai para os
cinco sentidos. Em vez disso, a mente continua imersa em si mesma, na felicidade luminosa.
Se experimentarmos isso, nos deleitemos com isso, deliciar-se com isso é sábio e é bom. Temos
fé no Buda, que disse ser essa felicidade isenta de qualquer tendência subjacente ao desejo e
paixão.

Os Primórdios do Desejo

Assim que saimos desses estados de concentração, podemos experimentar os primórdios do


desejo, a mente começando a sair para buscar satisfação. Tal como estender a mão para uma
xícara de chá (ou qualquer coisa que pensemos trará alegria), vemos o quão estúpido é o
desejo. O desejo tem a sua medida de prazer: a antecipação, a alegria da atividade, o fazer, o
vir a ser, e o controle. Mas isso é alegria delusiva. Vemos o desejo sair e também vemos os
seus resultados.
Quando desenvolvemos o insight baseado nesses poderosos estados de concentração, algo
como o desejo, em vez de aparecer como uma idéia ou conceito, aparece como um animal ou
criatura que emerge da mente para sair. Vemos isso muito claramente; também podemos
entender muito claramente os perigos. A mente grosseira pode ver apenas o que é grosseiro
e superficial. A mente sutil, no entanto, pode ver o sutil.

Compreendemos a fonte e a essência do desejo: porque ele funciona, porque a mente se


deleita com isso, e as conseqüências desse deleite. Então, a mente pode desenvolver a repulsa
pelo desejo em si, repulsa por esses "animais" que emergem da mente e saem prometendo
felicidade e alegria, mas depois voltam para morder e atormentar a mente. O desejo não é fiel
à sua promessa; ele promete prazer, felicidade, satisfação e contentamento, mas no final traz
apenas tormento e decepção. A mente refinada pode ver isso.

A mente refinada pode ver onde esse desejo primeiro se origina. Ele primeiro se origina na
delusão do "eu" e na delusão do "meu". É a delusão de um "eu" (atta), que em primeiro lugar
precisa de alegria e satisfação. Este senso de ego, esse senso de "eu", é a fonte do desejo, e
isso não vai ser descoberto facilmente, pois fica muito profundo no interior. Precisamos da
mente poderosa, refinada, sutil, para até mesmo ser capaz de chegar perto da fonte e do
significado do eu, ou melhor, aquilo que consideramos ser o eu. Isso é uma coisa muito difícil
de ver, mas com fé e convicção nos ensinamentos do Buda, e colocando-os em prática,
chegamos cada vez mais perto.

Uma vez que vejamos o eu, ou melhor, o que nós consideramos ser o eu, então podemos
deveras dizer que estamos na presença de nibbana. Vemos o eu como apenas uma miragem,
algo que tem enganado a mente por tantas vidas. "Vemos" isso não como um conceito, mas
como um estado muito refinado que é muito difícil descrever para os outros. A linguagem não
chega até esses lugares.

Uma vez que o eu tenha sido visto, a delusão é destruída e o próprio solo do qual brota o
desejo é removido. O desejo então é como um pássaro, sem lugar para pousar. Ele ainda pode
seguir voando pelo céu, mas não pode voltar para pousar em algum galho ou no chão.
Eventualmente, ele irá se cansar, e então morrerá. Uma vez que a mente vê essas coisas - o
Dhamma, a origem de todas as coisas, para onde elas levam, a natureza da mente, e a natureza
da delusão - a fé se transforma em sabedoria. Transforma-se na experiência do Dhamma, em
sabedoria poderosa e que Desperta.

Muitos podem se perguntar como alguém pode obter tal refinada sabedoria. Mas aqueles que
têm fé no Buda sabem que há um caminho, há um meio, através do qual os seres humanos
podem obter essa sabedoria. Esse caminho é o Nobre Caminho Óctuplo. Desde o início até o
fim, não é tão longo, não leva tanto tempo assim. Apenas precisamos de paciência e de energia
nascidas da convicção.

Se essa energia vem de um sentimento de "eu", não vai ser muito produtiva. Se a energia que
despertamos para a prática vem de um senso de "eu" e "meu", por exemplo porque temos
vergonha do que temos feito até agora e queremos melhorar, isso não será nem de perto tão
eficaz como seria se viesse da fé nos ensinamentos do Buda. Se for a energia que nasce da fé,
não é a energia que vem do "eu", é a energia que vem do Buda. Se for a fé no Dhamma, ou se
for a fé na Nobre (ariya) Sangha, é a energia que nasce do Dhamma, a energia que nasce da
Sangha - Ariya Sangha. Se ouvimos um grande discurso de um dos Nobres, isso dá origem à fé,
e essa fé dá origem à energia. Ela nasce dos Ariyas, dos Nobres. Essa energia, poderosa e
penetrante, pode nos estimular a desenvolver nossa própria virtude imaculada, pode
aperfeiçoar a contenção dos sentidos, aguçar a atenção plena, e trazer a mente para a
concentração.

"Quer queiramos ou não, isso acontece": quer você pense que jhana é o caminho
para nibbana ou não, você entra em jhana. É uma parte natural do Nobre Caminho Óctuplo, e
isso acontece por si só. Planejá-lo ou não planejá-lo apenas atrapalha e adia o seu
acontecimento. A experiência de jhana ocorre naturalmente em uma mente na qual os
obstáculos foram suprimidos; na qual a fé tenha sido desenvolvida; na qual a pureza da virtude
foi desenvolvida; na qual a contenção dos sentidos foi desenvolvida; na qual a atenção plena
foi desenvolvida. Quer queiramos ou não, quer tenhamos decidido ou não, a felicidade trazida
por todas essas práticas preparatórias, naturalmente, dão origem aos lindos jhanas.

A Felicidade da Iluminação
O Buda chamou os jhanas a "Felicidade da Iluminação". [4] Os jhanas não são a verdadeira
libertação da iluminação, mas estão perto o suficiente em suas qualidades afetivas para dar o
sabor da liberdade. Os jhanas são também chamados a libertação da mente (cetovimutti). São
a primeira experiência real de liberdade para o meditador. Temos um gostinho do
que nibbana é verdadeiramente. A mente se acalmou, as impurezas se foram - embora apenas
temporariamente - e experimentamos a mente sem impurezas, que está simplesmente
"dentro de si mesma." Experimentamos contentamento, um lugar onde o desejo não chega,
um lugar onde Mara está de olhos vendados.

A experiência desses belos estados que o Buda descreveu dá uma indicação do que é nibbana.
Então, não precisamos mais nos preocupar com a fé. A experiência está presente e, uma vez
presente, a fé no Buda, Dhamma e Sangha se "tornaram grandes" (mahaggata). Se o
meditador confiar um pouco mais e voltar a atenção para onde o Buda indicou, ele começa a
desvendar a miragem do eu, aquilo que sempre foi tomado como sendo o "eu" ou "meu". Se
olharmos por trás da tela para a fonte do filme, a luz e o projetor em si, então começamos a
ver o Dhamma. Como foi dito anteriormente, então começamos a perceber a origem das
contaminações. A fonte dos obstáculos, a miragem do eu é descoberta. É essa delusão (avijja),
que é a causa do sofrimento.

Entrando na Correnteza

Se desenraizamos a miragem do eu, e vemos claramente com uma mente além dos conceitos,
com a mente livre através da prática do Nobre Caminho Óctuplo, então com certeza virá o
conhecimento de que entramos na correnteza e somos um sotapanna, tendo a Iluminação
como destino. Não há nenhuma maneira que isto possa ser revertido, por isso é dito que neste
estágio a fé no Buda, Dhamma e Sangha torna-se inabalável. Torna-se tão poderosa, elevada
e grande, que não há nenhuma maneira no mundo que alguém possa voltar atrás.

Tendo realizado o Dhamma, podemos nos deliciar com isso, deliciar-nos com a realização e a
singularidade do Buda. Com esta realização, nós realmente sabemos o que é o Buda. Como o
Buda disse: "Quem vê o Dhamma, vê o Buda". [5] Esse é um ditado profundo, e é preciso ter
realmente visto o Dhamma para entender seu significado. Em outras palavras, caso tenhamos
realmente visto o Dhamma, iremos valorizar o Buda, o Dhamma e a Sangha acima de todo o
restante. A convicção e fé no Buda atingem o seu pico e se tornam uma enorme fonte de
alegria e felicidade - a felicidade da pura convicção.

A fé não somente é a fonte da energia, mas de felicidade e prazer (sukha) também. E,


novamente, é um prazer e felicidade do qual não há nada que se sentir culpado ou ser temido.
É um lago do qual podemos beber, onde não há poluição e nada que cause lesão ou doença.
Assim, a fé é uma ferramenta poderosa. Ela nos conduz desde o início até o final deste reino
do samsara, e eventualmente nos liberta.

Exortação

Como mencionado antes, logo no início, a nossa fé pode ser fraca e debilitada pelas
contaminações, mas apenas observemos, como ao seguir o Caminho Óctuplo, cada estágio dá
origem a um maior grau de felicidade. Essas experiências de felicidade são reais e ali estão
para serem desfrutadas a qualquer momento em que sejam notadas. Elas são como
companheiros invisíveis que temos como certo e com frequência não percebemos. Eles nos
darão mais fé de que essa prática funciona, e à medida em que a fé se fortalece, ela irá nos
impulsionar ao longo do caminho.

Estamos na presença de Nibbana porque estamos praticando o Nobre Caminho Óctuplo. A


convicção nessa verdade pode justamente possibilitar que a mente aceite que nibbana está
apenas escondido atrás do mais fino dos véus. Pode justamente ser o incentivo para ir além e
alcançar os jhanas, realizar o insight, e tornar-se um dos Nobres. Então, notaremos que não
era tanto assim, não foi tão difícil. Basta dar um passo a mais para o interior da mente e um
passo a mais por trás das defesas da delusão do eu.

Caminho do Meio

‘O Caminho do Meio’, não se referem ao nosso corpo e linguagem, eles se referem à mente.
Quando surge uma impressão mental de que não gostamos, ela afeta a mente e há confusão.
Quando a mente está confusa, quando ele está ‘agitada’, não estamos no caminho correto.
Quando surge uma impressão mental de que nós gostamos, a mente se entrega ao prazer –
que também não é o caminho.

Não queremos o sofrimento, nós queremos a felicidade. Mas, na verdade a felicidade é apenas
uma forma refinada de sofrimento. Sofrimento propriamente dito é a forma grosseira. Você
pode compará-lo a uma cobra. A cabeça da cobra é a infelicidade, a cauda da cobra é a
felicidade. A cabeça da cobra é muito perigosa, tem as presas venenosas. Se você tocá-la, a
cobra vai morder imediatamente. Mas não importa a cabeça, mesmo se você agarrar a cauda,
ela vai se virar e morder-lhe da mesma forma, porque tanto a cabeça quanto a cauda
pertencem à mesma cobra.

Da mesma forma, tanto a felicidade quanto a infelicidade, o prazer ou a dor, surgem a partir
de um mesmo pai – o querer. Então, quando você está feliz, a mente não está em paz.
Realmente não está! Por exemplo, quando temos as coisas que gostamos, como riqueza,
prestígio, elogios ou felicidade, ficamos satisfeitos com o resultado. Mas a mente ainda abriga
uma inquietação, porque estamos com medo de perdê-los. Esse temor não é um estado
pacífico. Mais tarde poderemos perder aquilo e então realmente sofreremos.

Assim, se você não estiver consciente, mesmo se você estiver feliz, o sofrimento é iminente. É
exatamente o mesmo que agarrar a cauda da cobra – se você não deixar que ela se vá, ela
morderá. Então, se é cauda da cobra ou a cabeça da cobra, ou seja, condições benéficas ou
prejudiciais, elas são apenas características da Roda da Existência, de mudança sem fim.

O Buddha estabeleceu moralidade, concentração e sabedoria como o caminho para a paz, o


caminho para a iluminação. Mas, na verdade, essas coisas não são a essência do Buddhismo.
Elas são apenas o caminho. O Buddha as chamou de ‘magga’, que significa ‘caminho’. A
essência do Buddhismo é a paz, e a paz surge do conhecimento verdadeiro da natureza de
todas as coisas. Se investigarmos de perto, poderemos ver que a paz não é nem a felicidade
nem a infelicidade. Nenhuma delas é a verdade.
A mente humana, a mente que o Buddha exortou-nos a conhecer e investigar, é algo que só
podemos conhecer através da sua atividade. A verdadeira ‘mente original’ não pode ser
medida, não pode ser conhecida. Em seu estado natural, é inabalável, imóvel. Quando a
felicidade surge, o que acontece é que essa mente se perde numa impressão mental, há
movimento. Quando a mente se move assim, o apego e a ligação a essas coisas passam a
existir.

O Buddha estabeleceu o caminho da prática em sua totalidade, mas ainda não o praticamos,
ou se o fazemos, temos praticado apenas no discurso. Nossas mentes e nossa fala ainda não
estão em harmonia, nós estamos entregues a uma conversa vazia. Mas a base do Buddhismo
não é algo que pode ser debatido ou imaginado. A base real do Buddhismo é o pleno
conhecimento acerca da verdade da realidade. Se alguém conhece essa verdade, então não é
necessário nenhum ensinamento. Se alguém não conhece, mesmo que ele ouça o
ensinamento, ele realmente não ouvirá. É por isso que o Buddha disse: “O Iluminado apenas
aponta o caminho”. Ele não pode fazer a prática por você, porque a verdade é algo que não
pode ser colocado em palavras ou dado de presente.

Todos os ensinamentos são apenas símiles e comparações, meios para ajudar a mente a ver a
verdade. Se ainda não pudermos ver a verdade, sofreremos. Por exemplo, podemos dizer
vulgarmente ‘sankhāras’ [3] quando nos referimos ao corpo. Qualquer um pode dizer isso, mas
na verdade temos problemas simplesmente porque não sabemos a verdade desses sankhāras,
e, assim, nos apegamos a eles. Porque não conhecemos a verdade do corpo, sofremos.

Eis um exemplo. Suponha que uma manhã você está caminhando para o trabalho e um homem
grita ofensas e insultos a você do outro lado da rua. Assim que você ouve essas ofensas sua
mente muda de seu estado habitual. Você não se sente tão bem, você sente raiva e mágoa. O
homem continua agindo assim noite e dia. Sempre que você ouvir a ofensa, você ficará com
raiva, e mesmo quando você voltar para casa você ainda estará sentindo raiva porque você se
sente vingativo, você quer revidar.
Poucos dias depois, outro homem vem a sua casa e chama: “Ei! Aquele homem que lhe
ofendeu outro dia, ele é louco, ele é doido! Tem feito isso há anos! Ele ofende todo mundo
assim. Ninguém dá ouvidos ao que ele diz”. Assim que você ouve isso você se sente
repentinamente aliviado. Aquela raiva e mágoa que você vinha reprimindo em si mesmo
durante esses dias, se esvai completamente. Por quê? Porque agora você sabe a verdade sobre
aquilo. Antes, você não sabia, você pensava que o homem era normal, então você estava com
raiva dele. A forma como você interpretou os fatos lhe fez sofrer. Assim que você descobriu a
verdade, tudo mudou: “Ah, ele é louco! Isso explica tudo!”

Quando você entende isso, você se sente bem, porque você sabe por si mesmo. Tendo
compreendido então, você pode deixar passar. Se você não sabe a verdade você se apega ali
mesmo. Quando você pensou que o homem que o ofendeu era normal você poderia até tê-lo
matado. Mas quando você descobriu a verdade, que ele era louco, você se sente muito melhor.
Isso é o conhecimento da verdade.

Alguém que vê o Dhamma tem uma experiência semelhante. Quando apego, raiva e ilusão
desaparecem, também é assim. Enquanto não sabemos essas coisas nós pensamos: “O que eu
posso fazer? Eu tenho tanto desejo e raiva”. Esse não é o conhecimento claro. É o mesmo que
quando pensamos que o louco era são. Quando, finalmente, vimos que ele estava louco o
tempo todo, nós deixamos de nos afligir. Ninguém poderia nos mostrar isso. Só quando a
mente vê por si mesma pode desarraigar e abandonar o apego.

É o mesmo que acontece com este corpo que chamamos de sankhāras. Embora o Buddha já
tenha explicado que ele não é substancial ou tal como um ser real, ainda não aceitamos, nós
teimamos em nos apegar a ele. Se o corpo pudesse falar, ele provavelmente nos diria o dia
todo: “Você não é meu dono, sabe disso!” Na verdade ele está nos dizendo isso o tempo todo,
mas é na linguagem do Dhamma, portanto não conseguimos entendê-lo.

Por exemplo, os órgãos dos sentidos: olhos, ouvidos, nariz, língua e corpo estão em constante
mudança, mas eu nunca os vi pedir nossa permissão sequer uma vez! Como quando temos
uma dor de cabeça ou de estômago, o corpo nunca pede permissão antes, ele simplesmente
vai em frente, seguindo o seu curso natural. Isto mostra que o corpo não permite a ninguém
ser seu dono. Ele não tem um proprietário. O Buddha descreveu-o como um objeto vazio de
substância.

Não compreendemos o Dhamma e por isso não entendemos esses sankhāras, assumimos que
eles somos nós, que nos pertencem ou pertencem a outros. Isso gera o apego. Quando apego
surge, ‘vir-a-ser’ vem em seguida. Uma vez que surge o ‘vir-a-ser’, então há o nascimento. Uma
vez que há nascimento, então surgem velhice, doença, morte e toda a massa de sofrimento.

Isso é paticcasamuppāda [4]. Nós dizemos que a ignorância gera atividades volitivas, que dão
origem à consciência e assim por diante. Todas essas coisas são simplesmente eventos que
acontecem na mente. Quando entramos em contato com algo de que não gostamos, se não
temos plena vigilância, a ignorância estará ali. O sofrimento surge de imediato. Mas a mente
passa por essas mudanças tão rapidamente que não conseguimos acompanhá-las. É o mesmo
quando você cai de uma árvore. Antes que você se dê conta – ‘baque!’ – Você caiu no chão.
Na verdade, você passou por muitos ramos e galhos no caminho, mas você não poderia contá-
los, você não conseguia se concentrar neles à medida em que passava por eles. Você somente
caiu e então ‘baque!’

Com o paticcasamuppāda acontece o mesmo. Se o dividirmos como está nas escrituras,


diremos que a ignorância dá origem às atividades volitivas, as atividades volitivas dão origem
à consciência, a consciência dá origem a mente e à matéria, a mente e a matéria dão origem
às seis bases dos sentidos, e as bases dos sentidos dão origem ao contato sensorial, que dá
origem à sensação, que dá origem ao querer, que dá origem ao apego, que dá origem ao vir-
a-ser, que dá origem ao nascimento, que dá origem à velhice, à doença, à morte e a todas as
formas de sofrimento. Mas, na verdade, quando você entra em contato com algo que você
não gosta, há sofrimento imediato! Esse sentimento de sofrimento é, na verdade, o resultado
de toda a cadeia do paticcasamuppāda. É por isso que o Buddha exortava os seus discípulos a
investigar e conhecer plenamente as suas próprias mentes.
Quando as pessoas nascem no mundo elas não têm nomes – uma vez nascidas, recebem
nomes. Isso é uma convenção. Nós damos nomes às pessoas por uma questão de
conveniência, para termos como chamar uns aos outros. Às escrituras ocorre o mesmo.
Separamos tudo com etiquetas para facilitar o estudo da realidade. Da mesma forma, todas
as coisas são simplesmente sankhāras. Sua natureza original é somente a de coisas originadas
de condições. O Buddha disse que elas são impermanentes, insatisfatórias e não-eu. Elas são
instáveis. Nós não entendemos isso plenamente, nosso entendimento não é preciso, e por isso
temos uma visão errada. Esse ponto de vista equivocado é o que nos leva a pensar que os
sankhāras somos nós mesmos, que nós somos os sankhāras, ou que a felicidade e a infelicidade
somos nós mesmos, que somos a felicidade e a infelicidade. Ver desta forma não é conhecer
claramente a verdadeira natureza das coisas. A verdade é que não podemos forçar todas essas
coisas a seguir os nossos desejos, elas seguem o caminho da natureza.

Aqui está uma comparação simples: suponha que você vá se sentar no meio de uma
autoestrada com os carros e caminhões vindo em sua direção. Você não pode ficar com raiva
dos carros, gritando: “Não dirijam por aqui! Não dirijam por aqui!” É uma autoestrada, você
não pode dizer isso a eles. Então, o que você pode fazer? Você pode sair da estrada! A estrada
é o lugar onde os carros correm, se você não quiser que os carros estejam lá, você sofrerá.

É o mesmo com sankhāras. Nós dizemos que eles nos perturbam, como quando sentamos em
meditação e ouvimos um som. Nós pensamos: “Ah, esse o som está me incomodando”. Se
entendermos que o som nos incomoda, então sofreremos de acordo. Se investigarmos um
pouco mais, veremos que somos nós que saímos e perturbamos o som! O som é simplesmente
som. Se entendermos desta forma, então não haverá nada mais do que isso, nós o deixamos
em paz. Vemos que o som é uma coisa, nós somos outra. Aquele que pensa que o som vem
perturbá-lo é aquele que não consegue ver a si mesmo. Ele realmente não consegue! Depois
de ver a si mesmo, você estará tranquilo. O som é apenas o som, por que você deveria agarrá-
lo? Você vê que, na verdade, foi você quem saiu e perturbou o som.
Esse é o verdadeiro conhecimento da verdade. Você vê os dois lados, assim você terá paz. Se
você perceber apenas um lado, haverá sofrimento. Depois de ver os dois lados, você segue o
caminho do meio. Essa é a prática correta da mente. Isto é o que chamamos de endireitar a
nossa compreensão.

Da mesma forma, a natureza de todos os sankhāras é impermanência e morte, porém


queremos agarrá-los, nós os carregamos conosco e os desejamos. Queremos que eles sejam
verdadeiros. Queremos encontrar a verdade nas coisas que não são verdadeiras. Sempre que
alguém pensar assim e se agarrar aos sankhāras como sendo ele mesmo, sofrerá.

A prática do Dhamma não depende de ser um monge, um noviço ou um leigo; depende de


acertar a sua compreensão. Se nosso entendimento está correto, atingimos a paz. Se você tem
ordenação ou não, é a mesma coisa. Toda pessoa tem a oportunidade de praticar o Dhamma,
de contemplá-lo. Nós todos contemplamos a mesma coisa. Se você alcançar a paz, é a mesma
paz para todos, é o mesmo caminho, com os mesmos métodos.

Portanto, o Buddha não discriminava laicos e monges, ele ensinava a todas as pessoas a prática
de conhecer a verdade dos sankhāras. Quando conhecemos essa verdade, nós os deixamos
passar. Se conhecermos a verdade, não haverá mais vir-a-ser ou nascimento. Como não haverá
mais nascimento? Não há mais como ocorrer o nascimento porque conhecemos plenamente
a verdade dos sankhāras. Se conhecermos a verdade plenamente, então haverá paz. Ter ou
não ter, é tudo a mesma coisa. Ganho ou perda é a mesma coisa. O Buddha nos ensinou a
entender isso. Isso é paz; paz em relação à felicidade, infelicidade, alegria e tristeza.

Temos de ver que não há razão para nascer. Nascer em que sentido? Nascer dentro da alegria:
Quando temos algo que gostamos nós estamos contentes por isso. Se não há apego a essa
alegria, não há nascimento, se existe apego, há ‘nascimento’. Então, se temos algo, não
nascemos (dentro da alegria). Se perdermos, então nós não nascemos (dentro da tristeza). Isto
é o não nascido e o imortal. Nascimento e morte, ambos, são encontrados no apego e no amor
aos sankhāras.
Então o Buddha disse: “Não há mais nascimento para mim, a vida santa está finalizada, este é
o meu último nascimento”. Ele conhecia o sem nascimento e sem morte. Isto é o que o Buddha
constantemente exortava os seus discípulos a saber. Esta é a prática correta. Se você não
alcançá-la, se você não chegar ao Caminho do Meio, então, você não transcenderá o
sofrimento.

Meditação e a Compaixão

Estudo Mostra que Compaixão pode ser Treinada

Até agora, cientificamente, pouco se sabia sobre o potencial humano para cultivar a
compaixão - o estado emocional de importar-se com as pessoas que sofrem de modo a motivar
o comportamento altruísta.

Um novo estudo realizado por pesquisadores do Center for Investigating Healthy Minds no
Waisman Center da Universidade de Wisconsin-Madison mostra que adultos podem ser
treinados para serem mais compassivoe. O relatório, publicado na revista online Psychological
Science, é o primeiro a investigar se o treinamento na compaixão em adultos pode resultar em
um comportamento altruísta maior e alterações correspondentes nos sistemas neurais
subjacentes à compaixão.

"A nossa questão fundamental foi: 'A compaixão pode ser treinada e aprendida por adultos?
Podemos nos tornar mais compassivos se praticarmos essa propensão mental?'" diz Helen
Weng, uma estudante de pós-graduação em psicologia clínica e principal autora do estudo.
"Nossa evidência aponta que sim".

No estudo, os pesquisadores treinaram jovens adultos a desenvolverem a meditação da


compaixão, uma antiga técnica Budista para aumentar os sentimentos de compaixão para com
as pessoas que estão sofrendo. Na meditação, os participantes visualizavam uma situação em
que alguém estivesse sofrendo e então praticavam desejando que o seu sofrimento fosse
aliviado. Eles repetiam frases para ajudá-los a estimular os sentimentos de compaixão, como
por exemplo: "Que você possa estar livre do sofrimento. Que você possa ter alegria e paz."

Os participantes praticaram com diferentes tipos de pessoas, começando primeiro com um


ente querido, alguém com relação a quem eles facilmente sentiriam compaixão como um
amigo ou um membro da família. Em seguida, praticaram compaixão para si mesmos e, em
seguida, um estranho. Finalmente, praticaram compaixão por alguém com quem eles tivessem
algum tipo de conflito, com a chamada "pessoa difícil", como um colega de trabalho
problemático ou um companheiro de quarto.

"É como se fosse um treinamento com pesos", diz Weng. "Usando essa abordagem
sistemática, descobrimos que as pessoas podem realmente incrementar o seu 'músculo' da
compaixão e responder ao sofrimento dos outros com atenção e desejo de ajudar."

O grupo do treinamento na compaixão foi comparado a um grupo de controle que aprendeu


a reavaliação cognitiva, uma técnica na qual as pessoas aprendem a reformular os seus
pensamentos para sentir-se menos negativas. Ambos grupos ouviram pela internet as
instruções guiadas durante 30 minutos por dia, durante duas semanas. "Queríamos investigar
se as pessoas poderiam começar a mudar os seus hábitos emocionais em um período de
tempo relativamente curto", diz Weng.

O estudo mostrou que os adultos aprendem a regular as suas emoções de modo a se dirigir às
pessoas que sofrem com compaixão.

O verdadeiro teste se a compaixão pode ser treinada era ver se as pessoas estariam mais
dispostas a ser mais altruístas - mesmo ajudando pessoas que nunca tivessem visto antes. A
pesquisa testou essa hipótese pedindo aos participantes para jogar um jogo no qual elas
teriam a oportunidade de gastar o seu próprio dinheiro para ajudar alguém passando
necessidade (o chamado "Jogo da Redistribuição"). Elas jogaram o jogo através da Internet
com dois jogadores anônimos, o "ditador" e a "vítima". Elas observavam como o ditador
compartilhava com a vítima um valor injusto (apenas $ 1 de $ 10). Elas então decidiam quanto
gastariam do seu próprio dinheiro (do total de $ 5), a fim de equilibrar a divisão injusta e
redistribuir fundos do ditador para a vítima.
"Descobrimos que as pessoas treinadas em compaixão estavam mais propensas a gastar do
seu próprio dinheiro para ajudar alguém que foi tratado injustamente, do que aquelas que
foram treinadas em reavaliação cognitiva", disse Weng.

"Queríamos ver o que havia mudado nos cérebros das pessoas que deram mais para alguém
passando necessidade. Porque elas agora estariam respondendo ao sofrimento de forma
diferente?" perguntou Weng. O estudo mediu as mudanças nas respostas do cérebro usando
a ressonância magnética funcional (fMRI), antes e após o treinamento. No scanner de
ressonância magnética os participantes viram imagens retratando o sofrimento humano,
como uma criança chorando, ou uma vítima de queimadura, e geraram sentimentos de
compaixão para com essas pessoas empregando as habilidades que haviam praticado. O grupo
de controle foi exposto às mesmas imagens, pedindo-lhes que as reformulassem em uma
perspectiva mais positiva, como na reavaliação cognitiva.

Os pesquisadores mediram quanto a atividade cerebral tinha mudado desde o início até o final
do treinamento, e descobriram que as pessoas mais altruístas após o treinamento da
compaixão foram as que apresentaram o maior número de mudanças no cérebro ao ver o
sofrimento humano. Eles descobriram que a atividade aumentou no córtex parietal inferior,
uma região envolvida com a empatia e a compreensão das outras pessoas. O treinamento na
compaixão também aumentou a atividade no córtex pré-frontal dorsolateral e o grau de
comunicação deste com o nucleus accumbens, a região do cérebro envolvida na regulação da
emoção e nas emoções positivas.

"As pessoas parecem que se tornam mais sensíveis ao sofrimento das outras pessoas, sendo
que isso é desafiante emocionalmente. Elas aprendem a regular as suas emoções de modo a
enxergar o sofrimento das outras pessoas com compaixão e o desejo de ajudar ao invés de se
afastar", explica Weng.

"É uma espécie de musculação ... verificou-se que as pessoas podem realmente desenvolver o
seu 'músculo' da compaixão e responder ao sofrimento dos outros com compaixão e o desejo
de ajudar".
A compaixão, tal como habilidades físicas e acadêmicas, parece ser algo que não é fixo, mas
que pode ser melhorado com o treinamento e a prática. "O fato que as alterações na função
cerebral foram observadas depois de apenas um total de sete horas de treinamento é
notável", explica Richard J. Davidson, professor de psicologia e psiquiatria da Universidade de
Wisconsin-Madison, fundador e presidente do Center for Investigating Healthy Minds e autor
sênior do estudo.

"Há muitas aplicações possíveis deste tipo de treinamento", diz Davidson. "O treinamento na
compaixão e bondade nas escolas pode ajudar as crianças a aprender a estar em sintonia com
as suas próprias emoções, bem como com as emoções dos outros, o que pode diminuir o
bullying. O treinamento na compaixão também podem beneficiar as pessoas que enfrentam
situações sociais difíceis, como ansiedade social ou comportamento anti-social."

Weng também está animada como o treinamento na compaixão pode ajudar a população em
geral. "Estudamos os efeitos deste treinamento com participantes saudáveis, o que demonstra
que isso pode ajudar a pessoa comum. Eu adoraria que mais pessoas tivessem acesso ao
treinamento e o experimentassem por uma ou duas semanas - quais mudanças elas veriam
nas suas próprias vidas?"

Ambos treinamentos na compaixão e na reavaliação cognitiva estão disponíveis no website do


Center for Investigating Healthy Minds. "Penso que estamos apenas arranhando a superfície
sobre como a compaixão pode transformar a vida das pessoas", diz Weng.

Meditação Torna as Pessoas Mais Compassivas

As qualidades que o mundo desesperadamente mais precisa, ou seja, amor, bondade e


compaixão, podem de fato ser aprendidas. Até agora os cientistas haviam se concentrado
principalmente sobre os benefícios da meditação no cérebro e no corpo, como por exemplo a
melhoria da saúde mental, melhoria na função cognitiva, e até mesmo o aumento da massa
cinzenta no cérebro, mas um estudo recente realizado por David DeSteno da Universidade
Northeastern, publicado na revista Psychological Science, lança um olhar sobre os impactos
que a meditação tem na harmonia interpessoal e na compaixão.

As implicações sociais da meditação nunca foram estudadas cientificamente. "Sabemos que a


meditação melhora o estado físico e o bem-estar psicológico de uma pessoa", disse Paul
Condon, um estudante de mestrado no laboratório de DeSteno. "Queríamos saber se a
meditação realmente melhora o comportamento compassivo." Várias tradições religiosas,
sobretudo o budismo, dizem que a meditação justamente faz isso, mas até agora não havia
nenhuma prova científica.

No conceito Budista, a compaixão é geralmente definida como a capacidade que alguém


apresenta para sentir plenamente a situação de uma outra pessoa - de forma mais ampla, de
todas as outras pessoas e de todos os seres vivos.

Neste estudo, a equipe de pesquisadores da Northeastern University e da Universidade de


Harvard examinaram os efeitos que a meditação teria sobre a compaixão e o comportamento
virtuoso, mostrando que mesmo um breve período de treinamento na meditação é realmente
suficiente para estimular em mais de 5 vezes a compaixão com relação a uma pessoa
desconhecida que esteja sofrendo.

Estudo

Com financiamento do Mind and Life Institute, a equipe de DeSteno recrutou mais de três
dezenas de pessoas interessadas em aprender a meditação. Metade delas foram colocadas
numa lista de espera, enquanto a outra metade participou de um workshop de oito semanas.
O grupo do workshop foi ainda dividido em dois: todos participantes aprenderam técnicas para
acalmar e concentrar a mente, mas apenas metade participaram de discussões sobre a
compaixão e o sofrimento.

No final do período de oito semanas, os participantes foram convidados a fazer testes


cognitivos no laboratório, mas o verdadeiro estudo teve lugar na sala de espera do lado de
fora. Este foi o arranjo: Quando o sujeito do teste chegava, ele encontrava três lugares, dois
deles ocupados. Ele senta no assento disponível. "Então, no final do corredor vem uma pessoa
com muletas e uma bota grande no pé que aparenta estar sentindo muita dor", disse DeSteno.

As outras duas pessoas na sala, que foram contratadas como atores para o estudo, pegam os
seus celulares e deliberadamente evitam o contato visual com a pessoa sofrendo (que também
é um ator). Elas não oferecem o seu assento. Isto, disse DeSteno, é chamado de efeito
espectador. "Se houver pessoas ao redor que não estão ajudando, então as outras também
não irão ajudar", explicou, ressaltando a pressão social para não ajudar.

O estudo descobriu que cerca de 15 por cento do grupo dos não meditadores que faziam parte
da lista de espera se levantou e ofereceu o assento para o sofredor em comparação com cerca
de 50 por cento das pessoas em ambos os grupos de meditação, aqueles que se envolveram
em discussões sobre compaixão e aqueles que só participaram do treinamento na meditação.
Os resultados sugerem que foi a meditação em si, não as discussões, que foram responsáveis
pelo aumento. "O aspecto verdadeiramente surpreendente deste estudo é que a meditação
fez com que as pessoas desejassem agir de modo virtuoso - para ajudar a outra pessoa que
estava sofrendo - mesmo em face de uma norma para não fazê-lo", DeSteno disse, "O fato de
que os outros atores estavam ignorando a dor cria o 'efeito espectador', que normalmente
tende a reduzir a disposição para ajudar. Muitas vezes as pessoas perguntam "Por que eu
deveria ajudar, se ninguém mais está ajudando?"

Estes resultados parecem provar o que os Budistas têm acreditado faz muito tempo, que a
meditação leva as pessoas a experimentar mais amor e compaixão por todos os seres
sencientes. Mas, mesmo para os não-budistas - nenhum dos participantes era budista e nem
havia feito meditação antes - os resultados oferecem uma prova científica de que a meditação
altera positivamente as avaliações morais dos indivíduos.

Agora a equipe de DeSteno pretende investigar os mecanismos que estão por trás desse
fenômeno observado. Por exemplo, poderia estar relacionado a uma maior consciência do
ambiente à volta da pessoa ou de um aumento no sentimento de empatia. "Esta é a primeira
evidência de que a prática da meditação, mesmo por breves períodos de tempo, aumenta a
motivação e a resposta das pessoas para aliviar o sofrimento dos outros", disse DeSteno.
Efeitos da meditação da atenção plena e compaixão na resposta da amígdala aos estímulos
emocionais em uma situação normal, não-meditativa.

Resumo

A amígdala tem sido repetidamente implicada no processamento emocional de estímulos


positivos e negativos - valence stimuli. Estudos anteriores sugerem que a resposta da amígdala
ao estímulo emocional é menor quando o sujeito está em um estado meditativo de atenção
plena, tanto em meditadores iniciantes, após um treinamento de 8 semanas, e em
meditadores experientes. No entanto, os efeitos longitudinais do treinamento na meditação
nas respostas da amígdala ainda não haviam sido relatados com os participantes numa
situação normal não-meditativa. Neste estudo, foram investigados como as 8 semanas de
treinamento na meditação afetam a resposta da amígdala a estímulos emocionais quando os
indivíduos se encontram num estado não-meditativo.

Adultos saudáveis, sem experiência anterior de meditação, participaram num programa de 8


semanas, ou no treinamento da Atenção Plena (Mindful Attention Training - MAT), ou no
treinamento da Cognição Baseada na Compaixão (Cognitively-Based Compassion Training -
CBCT, um programa baseado nas práticas de meditação da compaixão do Budismo Tibetano),
ou num Grupo de Controle.

Antes e após o estudo, os participantes mantendo-se em um estado normal não-meditativo,


realizaram um teste de fMRI. Durante o teste foram apresentadas imagens com valemce
stimuli positivas, negativas e neutras. Usando uma análise de interesse por região (region-of-
interest analysis), foi encontrada uma diminuição longitudinal na ativação da amígdala direita
no grupo da Atenção Plena em resposta a imagens positivas, e a mesma resposta em relação
às imagens de todos valence stimuli. No grupo CBCT, foi observada uma tendência de aumento
na resposta da amígdala direita a imagens negativas, que foi correlacionado de modo
significativo com uma diminuição no escore de depressão. No Grupo de Controle não foram
observados efeitos ou tendências.
Este descoberta sugere que os efeitos do treinamento na meditação sobre o processo
emocional podem ser transferidos para os estados não-meditativos. Isto é consistente com a
hipótese de que o treinamento na meditação pode induzir o aprendizado que não esteja
vinculado especificamente a certos estímulos ou certas tarefas específicas, e assim, podem
resultar em mudanças duradouras na função mental.

Meditação

~ Ven. Ajahn Chah ~

[1] Buscadores da bondade aqui reunidos, por favor, ouçam em paz. Ouvir o Dhamma em paz
significa ouvir com a mente unidirecionada, prestando atenção ao que vocês ouvem e, então,
abandonando. Ouvir o Dhamma traz grande benefício. Enquanto fazemos isso, somos
encorajados a manter corpo e mente firmemente em samādhi, porque é uma forma de
praticá-lo. No tempo do Buddha as pessoas ouviam os discursos sobre o Dhamma
atentamente, com a mente aspirando a compreensão verdadeira – e algumas realmente
entendiam o Dhamma enquanto ouviam.

Este lugar é bem adequado à prática de meditação. Depois de ter passado algumas noites aqui,
percebo que é um lugar importante. Do lado externo já é tranquilo; o que sobra é o nível
interno, o coração e a mente de vocês. Assim, peço a todos que façam esforço para prestar
atenção.
Por que vocês estão aqui reunidos para a prática da meditação? É porque seus corações e
mentes não entendem o que deve ser entendido. Em outras palavras, vocês realmente não
sabem como são as coisas, ou o que é o quê. Vocês não sabem o que é errado e o que é certo,
o que é que traz sofrimento e causa dúvida. Então, primeiro, vocês devem se acalmar. A razão
que trouxe vocês aqui para desenvolver a calma e a moderação, é que os vossos corações e
mentes não estão à vontade. Suas mentes não estão calmas, não estão contidas. Elas estão
seduzidas pela dúvida e pela agitação. É por isso que vocês vieram aqui hoje e agora estão
ouvindo sobre o Dhamma.

Gostaria que se concentrasse e ouvisse atentamente o que eu digo, e peço permissão para
falar francamente, porque é assim que eu sou. Por favor, entenda que mesmo que eu fale de
uma maneira forte, estou fazendo isso de boa vontade. Peço perdão se houver alguma coisa
que eu diga que o perturbe, porque os costumes da Tailândia e os do Ocidente não são os
mesmos. Na verdade, falar um pouco forte pode ser bom, pois ajuda a agitar pessoas que de
outro modo estariam sonolentas ou moles, e ao invés de se animar para ouvir o Dhamma
deixam-se ir à deriva em complacência, e como resultado nunca entendem nada.

Embora possa parecer que haja muitas formas de praticar, na verdade só existe uma. Da
mesma forma que com as árvores frutíferas é possível obter frutas rapidamente plantando
com um galho cortado, mas a árvore não será resiliente ou terá vida longa. Outra forma de
cultivar a árvore é a partir da semente, a qual produz uma árvore forte e resiliente. Com a
prática é a mesma coisa.

Quando comecei a praticar, eu tinha problemas para entender isto. Enquanto eu não sabia o
que era o quê, sentar para meditar era uma tarefa verdadeiramente difícil, chegando mesmo
a me levar às lágrimas em uma ocasião. Algumas vezes eu mirava muito alto, em outras não
alto suficiente, nunca encontrando o ponto de equilíbrio. Praticar de forma pacífica significa
colocar a mente nem tão alto nem tão baixo, mas num ponto de equilíbrio
Eu vejo que é muito confuso para vocês, que estão vindo de diferentes lugares e praticaram
em diferentes caminhos com diferentes professores. Ao vir praticar aqui, vocês devem estar
atormentados com todo tipo de dúvida. Um professor diz que vocês devem praticar de um
jeito, outro diz que vocês devem praticar de outro jeito. Vocês se perguntam qual método
usar, incertos da essência da prática. O resultado é confusão. Há tantos professores e tantos
ensinamentos que ninguém sabe como harmonizar a usa prática. Como resultado, há muita
dúvida e incerteza.

Portanto, você deve tentar não pensar demais. Se você pensar, então faça-o com consciência.
Mas até agora o seu pensar foi realizado sem consciência. Primeiro você deve acalmar a sua
mente. Onde há sabedoria não há necessidade de pensar, a consciência surgirá em seu lugar,
e esta por sua vez, torna-se sabedoria (paññā). Mas o tipo comum de pensar não é sabedoria,
é simplesmente um vaguear sem rumo e inconsciente da mente, o que inevitavelmente resulta
em agitação. Isto não é sabedoria.

Neste estágio você não precisa pensar. Você já pensou bastante em casa, não é mesmo? Isso
só atiça o coração. Você deve estabelecer alguma consciência. Pensamentos obsessivos
podem até mesmo trazer-lhe lágrimas, apenas experiencie. Perder-se em alguma linha de
pensamento não vai levar você para a verdade, não é sabedoria. O Buddha era uma pessoa
muito sábia, ele tinha aprendido como parar de pensar. Da mesma forma, você está praticando
aqui a fim de parar de pensar e, assim, chegar à paz. Se você já está calmo, não é necessário
pensar, a sabedoria surgirá em seu lugar.

Para meditar você não tem que pensar muito mais além de resolver que agora é o momento
para treinar a mente e nada mais. Não deixe que a mente dispare para a esquerda ou para a
direita, para frente ou para trás, acima ou abaixo. Nosso único dever agora é praticar a
vigilância em relação à respiração. Fixe o seu foco na cabeça e mova-o para baixo através do
corpo para as pontas dos pés, e, em seguida, volte para o topo da cabeça. Passe a sua
consciência através do corpo, observando com sabedoria. Fazemos isso para ganhar uma
compreensão inicial da forma como o corpo é. Em seguida, comece a meditação, lembrando
que neste momento o seu único dever é observar as inspirações e expirações. Não force a
respiração para que seja mais longa ou mais curta do que o normal, apenas permita que ela
continue com facilidade. Não coloque qualquer pressão sobre a respiração, ao contrário deixe-
a fluir uniformemente, abandonando com cada inspiração e expiração.

Vocês devem entender que estão deixando passar à medida que fazem isso, mas ainda deve
haver conscientização. Vocês devem manter essa conscientização, permitindo que a
respiração entre e saia confortavelmente. Não há necessidade de forçar a respiração, apenas
deixem que ela flua fácil e naturalmente. Mantenham a decisão de que nesse momento vocês
não têm outras tarefas ou responsabilidades. Pensamentos sobre o que irá acontecer, o que
vocês irão ver ou conhecer durante a meditação podem surgir de tempos em tempos, mas
uma vez que surjam deixem que cessem por si mesmos, não fiquem muito preocupados com
eles.

Durante a meditação, não há necessidade de prestar atenção às impressões sensoriais.


Sempre que a mente for afetada pelo impacto dos sentidos, sempre que houver um
sentimento ou sensação na mente, apenas deixem-nos passar. Não importa se essas sensações
são boas ou ruins. Não é necessário fazer qualquer coisa a respeito dessas sensações, apenas
deixe-as passar e volte sua atenção para a respiração. Mantenha a vigilância da respiração que
entra e sai. Não se importe com a respiração por ser muito longa ou muito curta, simplesmente
observe-a, sem tentar controlá-la ou suprimi-la de maneira alguma. Em outras palavras, não
se apegue a ela. Permita que a respiração continue como está, e a mente se acalmará. Ao fazer
isso, a mente se aquieta gradualmente e então descansa; a respiração se torna cada vez mais
leve até que se torna tão fraca, que parece não existir. O corpo e a mente se sentirão leves e
energizados. Tudo o que restará será um saber unidirecionado. Pode-se dizer, então, que a
mente mudou e chegou a um estado de calma.

Se a mente está agitada, crie consciência e inspire profundamente até que não haja mais
espaço para armazenar qualquer ar, em seguida, solte completamente até nada restar. Siga
com outra inspiração profunda até que esteja cheio, em seguida, solte o ar novamente. Faça
isso duas ou três vezes, em seguida, restabeleça a concentração. A mente deverá se acalmar.
Se mais impressões sensoriais causarem agitação na mente, repita o processo em todas as
ocasiões. O mesmo ocorre com a meditação andando. Se durante a caminhada a mente
tornar-se agitada, pare um pouco, acalme a mente, restabeleça a consciência com o objeto de
meditação e, em seguida, continue caminhando. Meditação sentada e andando são, em
essência, a mesma, diferindo apenas em termos de postura física utilizada.

Algumas vezes pode haver dúvida, então vocês devem ter sati, para serem aqueles que têm o
conhecimento, acompanhando e examinando continuamente a mente agitada, seja qual for a
forma que ela toma. Isso é ter sati. Sati vigia e cuida da mente. Vocês devem manter este
conhecimento e não serem descuidados ou vagarem sem rumo, não importa qual condição a
mente assuma.

O truque é ter sati controlando e supervisionando a mente. Assim que a mente é unificada
com sati um novo tipo de conscientização vai emergir. A mente que desenvolveu a calma é
verificada continuamente por aquela calma, assim como uma galinha presa em um
galinheiro… a galinha é incapaz de circular do lado de fora, mas ainda pode se movimentar
dentro do galinheiro. Seu andar para lá e para cá não a coloca em apuros, porque é limitada
pelo galinheiro. Da mesma forma a conscientização que acontece quando a mente tem sati e
está calma não causa problemas. Nenhum dos pensamentos ou sensações que acontecem
dentro da mente calma causa dano ou perturbação.

Algumas pessoas não querem experienciar quaisquer pensamentos ou sentimentos de modo


algum, mas isso é um exagero. Sentimentos surgem no interior do estado de calma. A mente
experiencia sentimentos e calma ao mesmo tempo, sem ser perturbada. Quando há calma
como essa, não há consequências prejudiciais. O problema acontece quando a “galinha” fica
fora do “galinheiro”. Por exemplo, você pode observar a respiração entrar e sair, para em
seguida esquecer de si mesmo permitindo que a mente vagueie para longe da respiração,
voltando para casa, saindo para as compras ou para inúmeros lugares diferentes. Talvez até
meia hora se passe antes que você de repente perceba que deveria estar praticando
meditação, e repreenda a si mesmo pela falta de sati. Esse é o ponto em que você tem que ter
muito cuidado, porque esse é o lugar onde a “galinha” fica fora do “galinheiro” – a mente deixa
sua base de calma.

Vocês devem tomar cuidado para manter a atenção com sati e tentar puxar a mente de volta.
Apesar de usar as palavras “puxar a mente de volta”, na realidade a mente não vai realmente
a lugar nenhum, apenas o objeto da atenção mudou. Vocês devem fazer a mente ficar aqui e
agora. Enquanto houver sati haverá a presença da mente. Parece que vocês estão puxando a
mente de volta, mas na realidade ela não foi a lugar nenhum, ela apenas mudou um pouco.
Parece que a mente foi pra lá e pra cá, mas na verdade a mudança acontece exatamente no
mesmo lugar. Quando sati é recuperada, em um flash você está de volta com a mente sem ter
de buscá-la de qualquer lugar.

Quando o conhecimento é total, há uma consciência contínua e ininterrupta em cada


momento. Isso é chamado de presença da mente. Se sua atenção deriva da respiração para
outros lugares, então o conhecimento é descontinuado. Sempre que houver a consciência da
respiração, a mente está lá. Apenas com a respiração e essa consciência igual e contínua você
tem presença da mente.

Tem de haver tanto sati como sampajañña. Sati é relembrar e sampajañña é auto-
conscientização. Neste preciso momento vocês estão claramente conscientes da respiração.
Este exercício de observar a respiração ajuda no desenvolvimento conjunto de sati e de
sampajañña. Eles partilham o trabalho. Ter tanto sati como sampajañña é como pedir a dois
trabalhadores para levantarem uma tábua de madeira. Imaginem que há duas pessoas que
tentam levantar tábuas pesadas, mas o peso é tal que elas têm de se esforçar tanto que é
quase insuportável. Depois, outra pessoa, cheia de boa vontade, as vê e se apressa em ajudá-
las. Da mesma maneira, quando há sati e sampajañña, há paññā (sabedoria) que surge no
mesmo lugar para ajudar. Então os três juntos apoiar-se-ão mutuamente.
Com paññā haverá um entendimento dos objetos sensoriais. Por exemplo, durante a
meditação objetos sensoriais são experienciados e dão origem a sentimentos e humores. Você
pode começar a pensar em um amigo, mas então paññā deve imediatamente registrar que
“não importa”, “pare” ou “esqueça isso”. Ou se há pensamentos sobre aonde você vai
amanhã, então a resposta seria “não, eu não quero estar envolvido”, “deixe para lá” ou “tudo
é incerto e nunca é confiável”. É assim que você deveria lidar com essas coisas na meditação,
reconhecendo-as como “incertas” e mantendo esse tipo de consciência.

Você deve abandonar todo pensamento, diálogo interior e dúvida. Não se deixe capturar por
estas coisas durante a meditação. No fim, tudo que restará na mente na sua mais pura forma
é sati, sampajañña e paññā. Sempre que esses fatores enfraquecem, as dúvidas irão surgir,
mas tente abandonar tais dúvidas imediatamente, deixando só sati, sampajañña e paññā.
Tente desenvolver sati desta forma até que possa ser mantida todo o tempo. Então você
entenderá sati, sampajañña e samādhi completamente.

Focando a atenção neste ponto, vocês verão sati, sampajañña, samādhi e paññā juntos. Se
vocês são atraídos e repelidos por objetos externos dos sentidos, vocês serão capazes de dizer
pra vocês mesmos: “Não é certeza!” De qualquer maneira, eles são apenas obstáculos a serem
eliminados até a mente estar limpa. Tudo o que deve permanecer é sati, recordação,
sampajañña, clara consciência; samādhi, a mente firme e resoluta; e paññā, ou a perfeita
sabedoria. Por enquanto, eu vou dizer apenas isso sobre o tema da meditação.

Agora, sobre as ferramentas ou ajudas à prática da meditação – deve existir mettā (boa
vontade) em seus corações, ou melhor, a qualidade da generosidade, da bondade e da
habilidade em ajudar. Essas precisam ser mantidas como a fundação para a pureza mental.
Por exemplo, livrar-se de lobha, ou egoísmo, através da doação. Quando as pessoas são
egoístas, elas não são felizes. O egoísmo leva a um senso de descontentamento e, mesmo
assim, as pessoas costumam ser bastante egoístas sem perceberem como isso as afeta.
Você pode experienciar isso em qualquer momento, especialmente quando está com fome.
Suponhamos que você tenha algumas maçãs e as quer partilhar com um amigo; você pensa
um pouco e, claro, a intenção de dar já está presente, mas você quer dar a ele a menor. Para
dar a maior, será como, bem… um desperdício. É difícil pensar de maneira firme. Você lhe diz
que vá e pegue uma maçã, mas depois você diz “Pegue esta aqui!”… e dá-lhe a menor maçã.
Essa é uma forma de egoísmo que as pessoas usualmente não reparam. Será que você já agiu
assim?

Você realmente tem de ir contra a corrente para doar. Mesmo que você queira apenas doar a
maçã menor, você deve se forçar a doar a maior. Claro, depois de tê-la doado a seu amigo
você se sente bem internamente. Treinando a mente dessa forma para ir contra a corrente
requer autodisciplina – você precisa saber como doar e como desistir, sem permitir que o
egoísmo se manifeste. Uma vez que você aprenda como doar, se ainda estiver hesitando em
relação a qual fruta doar, enquanto estiver deliberando você terá problema, e mesmo que
abra mão da maior, ainda restará uma sensação de relutância. Mas tão logo você, firmemente,
decida doar a maior, o assunto estará acabado e superado. Isso é ir contra a corrente de forma
correta.

Fazendo isso vocês ganham domínio sobre vocês mesmos. Se não conseguirem fazer isso vocês
serão vítimas de vocês mesmos e continuarão a ser egoístas. Todos nós fomos egoístas no
passado. Essa é uma contaminação que precisa ser cortada. Nas escrituras pāli, o dar é
chamado de “dāna”, o que significa trazer felicidade aos outros. É uma daquelas condições
que ajudam a limpar a mente das impurezas. Reflitam sobre isso e desenvolvam-na em sua
prática.

Você pode pensar que praticar assim envolve perseguir a si mesmo, mas não é realmente
assim. Na verdade, isto quer dizer perseguir o desejo e as impurezas. Se impurezas surgem
dentro de você, você tem que lidar com isso de algum modo. Impurezas são como um gato de
rua. Se você der comida tanto quanto ele quiser ele vai se chegando em busca de mais comida,
mas se você parar de alimentá-lo, depois de alguns dias ele vai parar de aparecer. É a mesma
coisa com as impurezas, elas não virão lhe perturbar, elas vão deixar sua mente em paz. Então
ao invés de ter medo das impurezas, faça com que elas tenham medo de você. Para fazer com
que as impurezas tenham medo de você, você têm que ver o Dhamma dentro de sua mente.

Onde é que o Dhamma surge? Ele surge com o nosso conhecimento e compreensão deste
modo. Qualquer pessoa é capaz de conhecer e compreender o Dhamma. Não é algo que tenha
de ser encontrado em livros, você não tem que fazer muitos estudos para ver isso, basta
refletir agora e você pode ver do que estou falando. Todas as pessoas podem vê-lo porque ele
existe dentro dos nossos corações. Todas as pessoas têm impurezas, não é? Se você é capaz
de vê-las, então você pode entender. No passado, você cuidou e mimou as suas impurezas,
mas agora você deve conhecer as suas impurezas e não permitir que elas venham e o
incomodem.

O próximo constituinte da prática é restrição moral (sīla). Sīla vigia e cuida da prática do
mesmo modo que os pais educam seus filhos. Manter a restrição moral não significa apenas
evitar ferir os outros, mas também ajudá-los e encorajá-los. No mínimo, vocês devem manter
os cinco preceitos, que são:

[1] Não matar ou machucar deliberadamente os outros, mas espalhar a boa vontade a todos
os seres.

[2] Ser honesto, abstendo-se de infringir os direitos dos outros; em outras palavras, não
roubar.

[3] Conhecer a moderação nas relações sexuais: Na vida familiar existe a estrutura familiar,
fundamentada em torno de marido e mulher. Conheça quem seu marido ou esposa é, conheça
a moderação, conheça os limites apropriados da atividade sexual. Algumas pessoas não sabem
os limites. Um marido ou esposa não é suficiente, eles têm que ter uma segunda ou terceira
pessoa. Da forma que eu vejo isso, você não pode consumir até mesmo um parceiro por
completo, então ter dois ou três é apenas um luxo. Você deve tentar limpar a mente e treiná-
la para saber se moderar. Saiba que a moderação é a verdadeira pureza, sem ela não há limites
para seu comportamento. Ao comer uma comida deliciosa, não se alongue muito sobre como
é o sabor, pense em seu estômago e considere o quanto é adequado às suas necessidades. Se
você comer demais você terá problemas, então você deve saber se moderar. A moderação é
o melhor caminho. Apenas um parceiro é suficiente, dois ou três é um luxo e só vai causar
problemas.

[4] Ser honesto na fala. Este também é um instrumento para erradicar impurezas. Vocês
devem ser honestos e direitos, confiáveis e justos.

[5] A abster-se de bebidas alcoólicas. Você deve ser moderado e de preferência abandonar
essas coisas completamente. As pessoas já estão intoxicadas o suficiente com suas famílias,
parentes e amigos, bens materiais, riqueza e todo o resto. Isso já é o bastante, sendo
desnecessário piorar as coisas tomando bebidas alcoólicas também. Essas coisas só criam as
trevas na mente. Aqueles que tomam grandes quantidades devem tentar cortar gradualmente
e, eventualmente, desistir completamente. Talvez eu devesse pedir desculpas, mas minha fala
desta maneira é de preocupação para o seu benefício, de modo que você possa entender o
que é bom. Você precisa saber o que é aquilo. Quais são as coisas que estão lhe oprimindo em
suas vidas diárias? Quais são as ações que causam esta opressão? Boas ações trazem bons
resultados e más ações trazem resultados ruins. Essas são as causas.

Uma vez que a restrição moral estiver pura, haverá um senso de honestidade e bondade para
com os outros. Isso vai trazer contentamento e liberdade de preocupações e remorsos. Não
haverá remorsos de comportamentos agressivos e danosos. Essa é uma forma de felicidade. É
quase como um estado celestial. Há conforto, vocês comem e dormem com o conforto que
vem da restrição moral. Esse é o resultado; manter a restrição moral é a causa. Esse é um
princípio da prática do Dhamma – refrear-se das ações danosas de forma que a bondade possa
surgir. Se a restrição moral for mantida dessa forma, o mal vai desaparecer e o bem surgirá
em seu lugar. Esse é o resultado da prática correta.
Mas este não é o fim da história. Uma vez que as pessoas tenham alcançado um pouco de
felicidade, elas tendem a ser negligentes e não ir mais longe na prática. Elas ficam presas na
felicidade. Elas não querem progredir ainda mais, eles preferem a felicidade do “céu”. É
confortável, mas não há nenhuma compreensão verdadeira. Você deve continuar refletindo
para evitar ser enganado. Refletir constantemente sobre as desvantagens dessa felicidade. Ela
é transitória, não dura para sempre. Logo, você está separado dela. Não é uma coisa certa,
uma vez que a felicidade desaparecerá, então o sofrimento surgirá em seu lugar, e as lágrimas
virão novamente. Até os seres celestiais acabam chorando e sofrendo.

Assim, o Buddha nos ensinou a refletir sobre as desvantagens, o fato de que existe um lado
insatisfatório da felicidade. Normalmente, quando esse tipo de felicidade é experimentado,
não há real compreensão da mesma. A paz que é verdadeiramente certa e duradoura é
encoberta por esta felicidade ilusória. Esta felicidade não é um tipo certo ou definitivo de paz,
mas sim uma forma de impureza, uma forma refinada de impureza a qual nós nos apegamos.
Todo mundo gosta de ser feliz. A felicidade surge por causa do nosso gosto por algo. Tão logo
esse gostar muda para não gostar, o sofrimento surge. Devemos refletir sobre essa felicidade
para ver a sua incerteza e limitação. Uma vez que as coisas mudam o sofrimento surge. Esse
sofrimento também é incerto, não pense que é constante ou absoluto. Esse tipo de reflexão é
chamado ādinavakathā, a reflexão sobre a inadequação e limitação do mundo condicionado.
Isso significa refletir sobre a felicidade ao invés de aceitá-la pelo seu valor nominal. Vendo que
é incerta, você não deve se agarrar a ela. Você deve segurá-la, mas, em seguida, deixá-la ir,
vendo ambos os benefícios e os danos da felicidade. Para meditar habilmente você tem que
ver as desvantagens inerentes à felicidade. Reflita desta maneira. Quando a felicidade surge,
contemple-a minuciosamente até que as desvantagens se tornem aparentes.

Quando você vê que as coisas são imperfeitas (dukkha) o seu coração


entenderá nekkhammakathā, a reflexão sobre a renúncia. A mente se tornará desinteressada
e vai buscar uma saída. O desinteresse vem de se ter visto como as formas realmente são,
como os sabores realmente são, o modo como o amor e o ódio são na realidade. Por
desinteresse, queremos dizer que não existe mais o desejo de agarrar ou de se apegar às
coisas. Existe um abandono do apego, a um ponto onde vocês podem permanecer
confortavelmente, observando com uma equanimidade que é livre de apego. Essa é a paz que
surge da prática.

Sobre a Meditação

Ajahn Chah
~ Ven. Ajahn Chah ~
[1] Acalmar a mente quer dizer encontrar o equilíbrio. Se você tentar forçar a mente
demasiado ela vai muito longe; se não tentar o suficiente ela não chegará, ela falhará em
alcançar o ponto de equilíbrio.Normalmente a mente não está quieta, ela está em movimento
constante. Nós devemos dar-lhe força. Tornar o corpo forte e tornar a mente forte não é a
mesma coisa. Para fazer o corpo forte precisamos praticar exercício físico, fazê-lo se esforçar,
de modo a torná-lo forte, mas tornar a mente forte significa torná-la pacífica, sem que ela
pense nisto ou naquilo. Para a maioria de nós, a mente nunca esteve pacífica, ela nunca teve
a energia de samādhi [2], então nós devemos dar limites a ela. Sentamo-nos em meditação, e
ficamos com ‘aquele que sabe’.Se forçarmos nossa respiração a ser demasiado longa ou curta,
não estaremos em equilíbrio, a mente não ficará pacífica. É como quando usamos o pedal de
uma máquina de coser. No início praticamos apenas o pedalar para afinarmos a nossa
coordenação, mesmo antes de cosermos alguma coisa. Seguir a respiração é algo semelhante.
Não notamos quão longa ou curta é uma respiração, quão fraca ou forte, apenas a notamos.
Apenas a deixamos ser e seguimos a respiração natural.
Quando ela está em equilíbrio, nós tomamos a nossa respiração como o objeto de meditação.
Quando inspiramos, o início está nas narinas, o meio da respiração está no peito e o final no
abdômen. Esse é o caminho da respiração. Quando expiramos o início está no abdômen, o
meio no peito e o fim nas narinas. Simplesmente note esse percurso, nas narinas, no peito e
no abdômen, depois no abdômen, no peito e nas narinas. Nós tomamos nota dessas três
etapas de modo a tornar a mente firme, para limitar a atividade mental de modo a que a
vigilância e a consciência de si mesmo possam surgir facilmente.

Quando a nossa consciência já se apoia nesses três pontos, deixamo-los ir e concentramos a


nossa atenção apenas no entrar e sair do ar no nariz ou no lábio superior, quando o ar entra e
sai nesse percurso. Nós não temos que seguir a respiração, agora só temos que estabelecer a
vigilância à nossa frente, na ponta do nariz, e notar a respiração nesse ponto, entrar, sair,
entrar, sair.

Não há necessidade de pensar em algo especial, somente a concentração nessa simples tarefa
por agora, tendo uma contínua presença da mente. Não há mais a fazer, somente respirando
para dentro e para fora.

Em breve a mente torna-se pacífica, a respiração refinada. A mente e o corpo tornam-se leves.
Esse é o estado apropriado para trabalhar a meditação.

Quando sentados em meditação a mente torna-se refinada, mas em qualquer estado em que
estamos nós devemos tomar consciência do que se passa, saber o que se passa. A atividade
mental estará lá juntamente com a tranquilidade. Haverá vitakka. Vitakka é a ação de trazer a
mente para o objeto de contemplação. Se não existir muita vigilância, não haverá
muita vitakka. Então vicāra, a concentração ao redor do objeto surgirá. Variadas impressões
mentais podem surgir de tempos a tempos, mas a conscientização de si mesmo é o mais
importante – o que quer que ocorra nós estaremos conscientes dela continuamente. À
medida que avançamos estaremos cada vez mais conscientes do estado de nossa meditação,
sabendo se a mente está ou não firme. Portanto, concentração e consciência estão ambas
presentes.

Ter uma mente calma não quer dizer que nada se passe nela, as impressões mentais surgem.
Por exemplo, quando falamos do primeiro nível de absorção, dizemos que ele tem cinco
fatores. A par com vitakka e vicāra, pīti (arrebatamento) surge com o objeto de concentração
e depois sukha (felicidade). Essas quatro características estão juntas quando a mente repousa
na tranquilidade. Elas são como um estado único.

O quinto fator é ekaggatā ou foco-num-só-ponto. Podemos pensar como há um só ponto


quando existem os outros fatores também. Isso ocorre porque todos eles se tornam unificados
naquela fundação da tranquilidade. Todos juntos são chamados de estado de samādhi. Não
são um estado que ocorra todos os dias, são chamados de fatores de absorção. Existem essas
cinco características, mas elas não perturbam a tranquilidade básica. Ocorre vitakka, mas isso
não perturba a mente, vicāra, arrebatamento e felicidade surgem, mas não perturbam a
mente. A mente está unificada, portanto, nesses fatores. O primeiro nível de absorção é
descrito assim.

Não precisamos chamá-lo de primeiro jhāna, segundo jhāna ou terceiro jhāna [3], e por aí
adiante, vamos apenas chamar de “mente pacífica”. À medida que a mente fica
progressivamente mais calma ela dispensa vitakka e vicāra, deixando apenas arrebatamento
e felicidade. Por que é que a mente descarta vitakka e vicāra? Isto é porque se a mente se
torna mais refinada, as atividades de vitakka and vicāra são demasiado grosseiras para
permanecer. Nesse estágio, à medida que a mente deixa vitakka e vicāra, sentimentos de
arrebatamento podem surgir, as lágrimas podem brotar. Mas à medida que samādhi se
aprofunda, o arrebatamento também é descartado, deixando apenas felicidade e foco-num-
só-ponto, até que por fim, até a felicidade se vai, e a mente atinge o seu maior refinamento.
Só existe equanimidade e foco-num-só-ponto e todo o resto foi deixado para trás. A mente
fica imóvel.

Uma vez que a mente esteja pacífica isso pode ocorrer. Você não tem que pensar muito sobre
isso. Isso ocorre por si só apenas quando os fatores que os causam estão amadurecidos. Isso
é chamado de energia de uma mente pacífica. Nesse estado a mente não está sonolenta; os
cinco obstáculos: prazer sensorial, aversão, agitação, sonolência e dúvida, todos eles,
partiram.

Mas se a energia mental não é suficientemente forte e a vigilância é fraca, irão ocasionalmente
surgir impressões mentais intrusas. A mente está pacífica, mas é como se existissem ‘nuvens’
nessa calma. Não é um estado normal de sonolência, embora algumas impressões se
manifestem. Talvez experienciemos um som ou vejamos um cão ou algo assim. Não é claro,
mas também não é um sonho. Isso ocorre porque os cinco fatores estão desequilibrados e
enfraquecidos.

A mente tende a criar jogos dentro desses níveis de tranquilidade. Imaginações podem surgir
quando a mente está nesse estado, por meio de qualquer dos sentidos, e o meditante poderá
não conseguir dizer ao certo o que se passa. “Estarei a dormir? Não. É um sonho? Não, não é
um sonho…” Essas impressões surgem de uma tranquilidade mediana; mas se a mente está
verdadeiramente calma e clara nós não duvidamos das várias impressões mentais ou imagens
que possam surgir. Questões como “Terei estado à deriva? Terei adormecido? Terei estado
perdido?” não surgirão, pois elas são características de uma mente que ainda tem dúvidas.
“Estou acordado ou a dormir?”… Aqui a mente está imprecisa. Essa é a mente que se perde
nos humores. É como a lua a ficar escondida atrás de uma nuvem. Ainda podemos ver a lua,
mas as nuvens encobrem-na e a vemos difusa. Não é como a lua que emerge por detrás das
nuvens, limpa, definida e brilhante.

Quando a mente está pacífica e firmemente estabelecida na vigilância e consciente de si, não
haverá dúvida quando aos vários fenômenos encontrados. A mente estará firmemente para lá
dos obstáculos. Saberemos claramente tudo o que surgir na mente tal como é. Não
duvidaremos que a mente é clara e brilhante. A mente que alcança samādhi é assim.

Algumas pessoas acham difícil entrar em samādhi porque não têm as tendências apropriadas.
Existe samādhi, mas não é forte ou firme. No entanto, uma pessoa pode atingir a paz através
da sabedoria, contemplando e vendo a verdade das coisas, resolvendo os problemas por essa
via. Isso é a utilização da sabedoria em vez da samādhi. Para obter calma na prática, não é
necessário estar sentado em meditação, por exemplo. Apenas se pergunte: “Eh, o que é
isso?…” e resolva o seu problema no momento. Uma pessoa com sabedoria é assim. Talvez
não consiga atingir os elevados níveis de samādhi, embora deva existir algum que seja
suficiente para cultivar a sabedoria. É como a diferença entre cultivar arroz e cultivar milho.
Dependemos mais do arroz que do milho para a nossa sobrevivência. A nossa prática pode ser
assim, dependemos mais da sabedoria para resolver os problemas. Quando vemos a verdade,
a paz surge.

As duas vias não são a mesma coisa. Algumas pessoas têm insight e são fortes em sabedoria,
mas não têm muito samādhi. Quando se sentam em meditação não estão muito em paz.
Tendem a pensar muito, contemplando isto e aquilo até que, eventualmente, contemplam a
felicidade e o sofrimento e veem a verdade deles. Outros inclinam-se mais para samādhi. Quer
seja na posição sentada, andando, em pé ou deitados, a iluminação do Dhamma toma lugar.
Através da visão, através da renúncia, eles alcançam a paz. Alcançam a paz através do
conhecimento da verdade, indo para além da dúvida, porque veem por eles mesmos.

Outras pessoas têm pouca sabadoria, mas a sua concentração é muito forte. Conseguem
entrar em samādhi muito rapidamente, mas não têm muita sabedoria e não conseguem ver
as suas impurezas, não as conhecem. Não podem resolver os seus problemas.

Mas indiferentemente da abordagem usada devemos afastar os pensamentos errôneos,


deixando apenas a visão correta. Devemos livrar-nos da confusão, deixando apenas a paz.
Por ambos os caminhos nós iremos chegar ao mesmo lugar. Existem esses dois lados para
praticar, mas essas duas coisas, calma e insight, andam juntas. Elas têm que andar juntas.

Aquilo que vigia os vários fatores que podem surgir na meditação é sati, atenção vigilante. Essa
qualidade sati é uma condição que, através da prática, pode ajudar os outros fatores a
surgirem. Sati é vida. Sempre que não temos sati, quando estamos desatentos, é como se
estivéssemos mortos. Se não tivermos sati, então o nosso discurso e ações são sem
significado. Sati é simplesmente contemplação. É uma causa para o surgimento da
conscientização de si e sabedoria. Quaisquer virtudes cultivadas serão imperfeitas
se sati estiver em falta. Sati é aquilo que permite observar-nos enquanto estamos de pé,
andando, sentados ou deitados. Mesmo quando não estamos em samādhi, sati deve estar
presente inteiramente.

O que quer que façamos, nós cuidamos disso. Uma sensação de vergonha [4] poderá surgir.
Sentimo-nos envergonhados sobre as coisas que não estão corretas. À medida que a vergonha
aumenta, o nosso recolhimento também aumenta. Quando o recolhimento aumenta, a
negligência desaparece. Mesmo sem estarmos sentados em meditação, esses fatores estarão
presentes na mente.

E isso surge pelo cultivo de sati. Desenvolva sati. Essa é a qualidade que observa o trabalho
que estamos a fazer no momento presente. Tem valor real. Devemos conhecer a nós mesmos
cada momento. Se nos conhecermos desse modo, o correto será distinguido do errado, o
caminho ficará claro e a causa de toda a vergonha será dissolvida. A sabedoria surgirá.

Podemos juntar a prática em: moralidade, concentração e sabedoria. Ser recolhido, ser
controlado, isso é moralidade. O firme estabelecimento da mente dentro do controle é
concentração. O completo conhecimento dentro da atividade em que estamos envolvidos é
sabedoria. A prática, em breves palavras, é somente moralidade, concentração e sabedoria,
ou noutras palavras, o caminho. Não há outro caminho.
Notas de rodapé:

[1] Uma palestra informal no dialeto do nordeste, retirado de uma fita cassete sem
identificação.

[2] Samādhi: é o estado de concentração calma resultante da prática da meditação.

[3] Jhāna: é um estado avançado de concentração ou samādhi, onde a mente se torna


absorvida no tema meditativo. É dividido em quatro níveis, sendo cada um progressivamente
mais refinado que o anterior.

[4] Vergonha: Esta é a vergonha baseada no conhecimento da causa e efeito, em vez de da


culpa emotiva.

Os obstáculos a Meditação

É inteiramente normal encontrar alguns desafios ao praticar a meditação da Plena Atenção.


Sua mente vagueará; isso acontece com todo mundo. Desde que você começou a praticar
Mindfulness seguindo as orientações iniciais do livro, sem dúvida já passou por isso. Sua
mente pode mudar o tempo todo – tal como acontece frequentemente com as condições
climáticas. Você já deve ter percebido que tende a se perder em lembranças ou em
pensamentos sobre o futuro, mesmo nas situações normais da vida cotidiana.
Por exemplo, enquanto toma o café da manhã você pode estar planejando o restante do dia
ou recordando o passado, seja se maravilhando com o último fim de semana ou sofrendo
com a conversa dolorosa que teve com uma pessoa querida na noite anterior. Parece que a
maior parte das nossas horas de vigília é gasta pensando sobre o passado ou o futuro, e
raramente vivemos no aqui e agora. À medida que for fazendo o exame detalhado do
funcionamento da mente durante a prática da Plena Atenção, começará a ver quantas vezes
você não está presente.
Se achar difícil resistir ao hábito de se criticar, considere isto: se não estivesse consciente,
nem ao menos saberia que estava distraído! Portanto, algo de consciência você já tem.
Sua tarefa não é se repreender por isso, mas simplesmente reconhecer a divagação e voltar
para a meditação. O importante é que você volte ao momento presente. O trabalho com a
mente divagadora oferece três benefícios:

 Você está treinando o cérebro: cada vez que a mente divaga e você a traz de volta, está
fortalecendo o músculo da concentração. Na verdade, é como levantar pesos. A mente
divaga e você sempre a traz de volta. É com essa repetição que se constrói massa muscular –
e concentração.
 Você começa a perceber padrões de pensamento: quando volta para o momento presente e
observa para onde havia sido levado, pode descobrir elementos de dúvida, desejo ou raiva
que o invadiram. Isso lhe permite perceber obstáculos e dificuldades e mostra como a mente
crítica cria sentimentos de inadequação e faltas. Você também pode notar a presença de
alguma preocupação, tristeza ou confusão que talvez estejam sinalizando a necessidade de
dar mais atenção a certas questões em sua vida ou de lidar mais diretamente com elas.
 Você descobre que nem tudo está na sua mente: você ganha a compreensão de uma
conexão corpo-mente e de como os pensamentos que você concebe e as emoções que sente
têm um reflexo físico no corpo. Começa a entender como um maxilar apertado ou uma dor
de estômago, por exemplo, são a forma como certos pensamentos e emoções se expressam
em seu corpo.

Outros desafios se revelam sob a forma dos cinco obstáculos: desejo, raiva, inquietação,
sonolência e dúvida. Esses problemas são tão comuns, previsíveis e frequentes na prática de
Mindfulness, que muitos livros sobre meditação ensinam a trabalhar com eles.

 Desejo, ou a mente que deseja, é um aspecto da mente preocupada com coisas como querer
se sentir bem. Muito tempo é gasto em fantasias, sonhos acordados e planos. Quando você
se sente sem valor, pode ser consumido pelo desejo de ser uma pessoa melhor ou diferente.
É como uma sede ou fome que raramente são aplacadas.
 Raiva reflete o fato de não estar bem com as coisas tal como são. Você pode sentir raiva de si
por ser tão inadequado. A mente enraivecida fica absorta em aversão, ódio ou
ressentimento.
 Inquietação é como um tigre que anda de um lado para outro. Quando sua mente está
preenchida pelo sentimento de vergonha, por exemplo, a perturbação a deixa fervendo, com
um excesso de energia que torna desconfortável o esforço de ficar sentado. Ela pode fazer
você se sentir como se quisesse rastejar para fora de sua pele, como se precisasse fazer algo
ou ir para outro lugar.
 Com sonolência, sua concentração será atordoada e você se sentirá cansado, apático ou com
baixa energia. As sensações de falta de valor, vergonha ou inadequação podem ser tão
avassaladoras, que você simplesmente deseja desmoronar, desaparecer, não estar aqui ou ir
dormir.
 Com dúvidas, você pode ficar se perguntando se a meditação serve para alguma coisa ou
pode ajudá-lo de alguma maneira. Você pode ficar cheio de dúvidas e acreditar que não é
possível se curar e se sentir bem com a pessoa que você é. Isso torna muito mais fácil ser
vencido pelos outros quatro obstáculos.

Todos os cinco obstáculos são desafiadores e podem atrapalhar a sua prática. Por isso é tão
importante notá-los quando estão ocorrendo e conseguir nomeá-los e reconhecê-los. Assim
como ocorre com a prática da observação, o mero ato de nomear já cria certa distância entre
você e a coisa nomeada, ajudando a afrouxar a pressão dos cinco obstáculos. No momento
em que você percebe que está preso, já terá se tornado consciente e poderá começar a sair
da armadilha.
Às vezes, a metáfora de uma lagoa clara ajuda a compreender como trabalhar com os
obstáculos, pois cada obstáculo obscurece a sua capacidade de ver claramente as pedrinhas
lindas no fundo da lagoa. Quando você está em um estado de desejo, a lagoa não parece
clara; ela é colorida com a tinta vermelha da paixão. Seus desejos colorem tudo. Tente ficar
imóvel e colocar a atenção na respiração para acalmar o corpo e a mente. Se estiver
com raiva, a água da lagoa congela e torna-se dura como gelo, e também obscurece sua
visão; talvez isso seja um sinal para deixar fluir o calor da compaixão. Com a inquietação, as
águas ficam agitadas. Comece a utilizar essa energia de forma construtiva, em vez de deixar
que ela fique mordendo o seu calcanhar. Se estiver sonolento, as águas da lagoa imaginária
ficam cobertas de algas. Talvez seja melhor acordar e reconhecer que você não vai ficar aqui
para sempre, que a meditação acabará em algum momento. Com a dúvida, a lagoa parece
nublada ou lamacenta. Isso é um sinal para refletir sobre por que você está fazendo esta
prática e o tanto que já aprendeu sobre si até agora. Este pode ser um bom incentivo para
perseverar!
Quando você se torna consciente da presença de qualquer um dos obstáculos, observe como
o corpo e a mente estão se sentindo. Sinta a textura desses estados e observe o que
acontece quando você fica hipnotizado por eles. Você se sente mais à vontade consigo, ou
menos?

Prática da Plena Atenção: meditando com a respiração


Se você é um iniciante na meditação, gostaríamos de lhe oferecer algumas orientações gerais
sobre a posição do corpo e outros aspectos físicos da prática. Em geral, é preferível estar
sentado, mas você também pode se deitar, caso consiga se manter alerta, e pode até ficar de
pé se preferir. Qualquer que seja a posição, mantenha a cabeça, o pescoço e o corpo
alinhados. Se estiver sentado, busque uma postura em que o corpo se sustente, em vez de se
apoiar no encosto da cadeira, e certifique-se de que suas pernas podem descansar
confortavelmente sem necessidade de tensão muscular para mantê-las no lugar. Encontre
uma posição em que possa deixar as mãos apoiadas. Procure seu caminho do meio — não
muito rígido e nem muito relaxado; busque uma posição na qual possa se sentir confortável
e alerta durante toda a prática. Escolha se quer deixar os olhos fechados ou parcialmente
abertos; o importante é que se sinta à vontade com a forma que escolher. Se os mantiver
parcialmente abertos, seu olhar deve ser mais interiorizado, voltado para o que estiver
focando, ao invés de para fora, onde pode se perder no que estiver vendo. Se começar a ficar
com sono, talvez queira abrir os olhos ou se levantar.
A respiração é um excelente foco para a prática de Mindfulness. A respiração está sempre
presente, sempre indo e vindo, disponível para você a qualquer hora e em qualquer lugar.
Conceda-se de dez a quinze minutos para esta prática.
Comece trazendo a atenção para a respiração em seu nariz ou na barriga — onde quer que
você a sinta mais claramente. Quando inspirar, esteja consciente de que está inspirando;
quando expirar, esteja consciente de que está expirando. Deixe a respiração ir e vir como
quer que seja, naturalmente. Deixe que a sensação da respiração entrando e saindo seja sua
maneira de estar presente durante toda a duração da inspiração e toda a duração da
expiração. Permita-se simplesmente estar sendo…
Não há necessidade de visualizar qualquer coisa nem de respirar de determinada maneira.
Não há nenhuma necessidade de usar pensamentos, palavras ou frases de qualquer tipo.
Apenas esteja atento à inspiração e à expiração, sem julgamento, sem esforço. Apenas
observe a respiração fluindo e refluindo como as ondas no mar.
Observe os momentos inevitáveis em que sua atenção se afasta da respiração. Quando isso
acontecer, não se critique nem se censure. Simplesmente reconheça onde esteve, talvez no
futuro ou no passado, ou envolvido em algum tipo de julgamento. Simplesmente retorne à
respiração cada vez que se afastar dela.
Não há nada a alcançar, nada a perseguir, nada a fazer, simplesmente sentar-se e estar onde
você está observando sua respiração. Vivendo sua vida a cada inspiração e a cada expiração…
Ao final desta meditação, por favor, reconheça seu esforço e congratule-se por ter-se dado o
presente da Plena Atenção.

Meditação e suas Dificuldades

O estado mais puro da meditação está além do tempo e espaço porque ele está eternamente
presente:

Descobrir e perceber este tesouro natural “escondido bem na nossa frente” é o principal
objetivo da meditação.
Mestres Zen aconselham a sentar para meditar com a confiança de que você já é um Buda. Os
Yogis Tibetanos sugerem apenas sentar, e não mudar ou fabricar nada.

E os mais elevados ensinamentos não-dualísticos da Advaita Indiana dizem que devemos


simplesmente parar de procurar para perceber que já somos tudo o que sempre procuramos.
O brilho natural de nossa natureza essencialmente divina é o amor, a felicidade e a sabedoria.

Conforme experimentado por tantos místicos ao longo das eras e até encontrado por pessoas
comuns que chegaram a algum tipo de experiência iluminada de maneiras diversas; incluindo
aqueles que tiveram experiências de quase morte, completa rendição, momentos de total
respeito diante à majestade da natureza ou qualquer experiência que direcione toda a nossa
atenção para o momento presente sem qualquer tipo de perturbação, expectativa ou
julgamentos.

A meditação nada mais é que um dispositivo para conscientizá-lo do seu Eu Autêntico e


Verdadeiro – que não é criado por você, que não precisa ser criado por você, um EU ao qual
você já É. Você nasceu com isso. Você É isso!

O estado mais puro da meditação está além do tempo e espaço porque ele está eternamente
presente.

E como eu já mencionei este é o estado puro de MEDITAÇÃO, e não atenção, nem


concentração e nem muito menos manipulação de energia.

Todas essas coisas são ótimas, mas elas não se tratam da meditação na sua forma mais pura e
verdadeira, uma meditação que está muito além de todos os estados mentais temporários
fabricados ou manipulados.

Em termos védicos, as pessoas muitas vezes são direcionadas a procurar o que é permanente,
o que é uma ótima maneira de encontrar a natureza pura final dentro de cada um de nós.
Porém não pretendo impor qualquer tipo de dogma em relação a meditação ou soar arrogante
expondo a minha opinião dizendo o que ela “realmente é” ou deveria ser… Neste artigo quero
apenas compartilhar o que aprendi nos meus estudos e práticas, e o que descobri ser a
meditação suprema mais elevada, separando-a dos demais tipos de práticas largamente
relacionadas a meditação que existem por aí.

O estado puro de meditação é simplesmente aceitar e permanecer como o que você já É, sem
qualquer tentativa de procurar em outro lugar ou tentar criar qualquer estado específico da
mente. Essa mente, como é agora, é iluminação.

Mesmo que esta iluminação esteja totalmente disponível a todos, e está só esperando você
descobri-la, infelizmente nem todos conseguem encontrá-la.

E isto ocorre pois existem 5 fatores principais que bloqueiam e encobrem a sua natureza
mais radiante e verdadeira, evitando que você possa experimetá-la. Ao final de cada seção
deste artigo eu inclui algumas dicas para te ajudar a experimentar este estado mais puro de
meditação.

5 Coisas que Impedem as Pessoas de Vivenciarem o Estado Puro de


Meditação

1) Concentração Excessiva

Muita concentração restringe e afunila a sua mente em um único objeto, e pode


temporariamente trazer estados de maior felicidade e alívio, mas esse nível de
concentração infelizmente não pode ser mantido por muito tempo.

A concentração é útil, mas só quando ela funciona como uma espécie de porta de entrada
para um estado mais natural e elevado, porém ao longo do tempo ela acaba sendo um
substituto muito ruim. A concentração direcionada e excessiva leva a um estado de transe
que pode até ser agradável no começo, mas no final não é o que estamos procurando.
A ausência de esforço não significa que não existe nenhum tipo de concentração; ausência de
esforço na verdade significa aquela medida certa de concentração, suficiente apenas para a
experiência ser vivida, para estarmos presentes, aqui e agora. Para sermos brilhantes! Meu
mentor costumava chamar isso de “concentração sem esforço”. Cada um de nós precisa
descobrir por seus próprios meios o que isso significa. Muita concentração e ficamos muito
tensos e estressados; pouca concentração e nos tornamos irresponsáveis e sonhadores. Em
algum lugar no meio há um estado de vivacidade e clareza, e um brilho interno.
A concentração excessiva exige muito esforço; muita força nos joga na armadilha do controle,
e o controle acaba te levando para bem longe do Estado Natural de Ser. Mas se não houver
concentração suficiente você ficará sem estímulos e desafios, e com isso adormecerá. O
estado puro da meditação é natural e sem esforço, por isso, tentar concentrar-se demais e
confiar na concentração pode inibir e bloquear esse estado mais natural de ser.

Na verdadeira meditação, todos os objetos (pensamentos, sentimentos, emoções, memórias,


etc.) são deixados ao seu processo natural. Isso significa que nenhum esforço deve ser feito
para focar, manipular, controlar ou suprimir qualquer objeto de consciência. – Adyashanti

Instrução:

Nem muito apertado, nem muito solto; foco em uma mão, relaxamento na outra, se não
tiver mais nada para se concentrar, você não será mais distraído.

A concentração é útil como uma porta de entrada para o estado natural, mas ela é apenas um
substituto fraco

2) Metas e Expectativas

Este talvez seja um dos maiores obstáculos que impede a maioria das pessoas de atingirem
um estado puro e profundo de meditação. Assim com o sono restaura o corpo e a mente, a
meditação possui incontáveis benefícios cientificamente comprovados a nossa saúde.
Benefícios estes diretamente ligados ao descanso profundo e do estado de homeastasis que
alcançamos naturalmente através da meditação quando nos libertamos do estresse excessivo
originado no modo de luta ou fuga.

No entanto, meditar com esses objetivos em mente de alguma forma estranha impede você
de alcançá-los. O estado puro de meditação não pode ser criado através de um processo de
causa e efeito, pois ele nunca será simplesmente o efeito de uma técnica.

Por mais paradoxal que isso possa parecer, este estado mais puro de meditação funciona mais
como se você estabelecesse as condições certas e removesse todos os obstáculos, como os
que estou apontando neste artigo, e com isso a meditação surge por si só, como num passe
de mágica, você não pode forçar ou querer que isso aconteça. Como explicado pelo grande
mestre budista tibetano Rinpoche:

Devemos perceber que a meditação transcende o esforço, a prática, os objetivos, as metas e


a dualidade da liberação e da não-liberação. A meditação é sempre perfeita; não há
necessidade de corrigir nada.
O estado puro de meditação é sem objetivos ou expectativas porque a meditação pura é
atemporal. Alguns a chamam de transcendental, indo além dos reinos normais da causa e
efeito, para um domínio puro de eterna presença, nada, ninguém e vazio. Outros chamam de
presença espontânea.

Apenas descansar em sua verdadeira natureza permite que esta presença primordial brilhe.
Mas não será uma técnica de meditação que irá causar o efeito da presença pura; a meditação
real não é uma técnica que causa um resultado, ela apenas é o que é.

Quando você se senta em um estado puro de meditação, não há mais nada a acrescentar e
nada a ser retirado. Ela é perfeitamente perfeita como uma personificação do universo inteiro.

Diversas pessoas que eu dei aulas de meditação e venho ensinando através do Ciência da
Transformação tiveram incríveis experiências místicas no começo. Mas como eu também já
passei por essas experiências hoje eu sei que isso pode se tornar um grande obstáculo para a
prática da meditação no futuro.

E isso ocorre pois acabamos gerando grandes expectativas na meditação e tentamos trazer de
volta essas experiências místicas na base da força e do controle. Mas não importa quais
experiências incríveis você já teve no passado, o conselho que absorvi de todos os mestres de
meditação é: apenas deixe essas experiências irem embora, somente descanse em seu estado
natural de ser.

Além disso, é importante remover o fator tempo da equação ao sentar-se para a sua prática
de meditação.

Instrução:

Não olhe para o futuro, não se debruce sobre o passado e não espere nada no momento
presente. Apenas sente-se na clareza do aqui e agora. Apenas se jogue, se solte e relaxe,
sem expectativas.

Quando sentamos para meditar, não há mais nada a acrescentar e nada para ser retirado.

3) Controle Excessivo

Este é talvez o bloqueio mais importante para ser dissolvido. Ele está na base de um estado de
ser comum e medíocre, completamente regido pelo ego, totalmente em oposição a um modo
mais autêntico e natural de ser. O ego está sempre tentando controlar e manipular todas as
situações para seu benefício próprio.

Mas a meditação pura surge devido à genuína autenticidade. Uma feroz determinação de ser
você mesmo, com verrugas e tudo mais!

Uma meditação naturalmente pura não se trata de controlar a sua respiração ou a energia do
seu corpo, ou até mesmo tentar controlar seus pensamentos. É sobre soltar as mãos do
volante e dar um passo mental para trás permitindo que as coisas sejam como são.
A meditação real não é sobre dominar uma técnica; é sobre abrir mão do controle.
Tentar controlar a meditação é uma maneira segura de arruinar todas as suas chances de
revelar a sua consciência naturalmente pura.

Eu sei que isso pode ser muito frustrante, estamos tão acostumados a exercer nossa força de
vontade para conseguir o que queremos, que simplesmente não nos sentimos confortáveis ao
abrir mão do controle.

Mas saiba que a meditação pura é uma reversão completa desse processo e ela te liberta de
muita dor, doenças e sofrimento, e ainda faz com que você tenha experiências incríveis!
Colocado de outra maneira:

… O estado puro de meditação é um Estado de SER, e não um estado de FAZER.


Uma das melhores maneiras de avaliar a sua capacidade de abrir mão do controle é usar a
observação clássica da respiração como uma porta de entrada para uma meditação
naturalmente pura.

Por causa nossa maneira condicionada de fazer as coisas, nós sempre tentamos controlar tudo
que observamos e isso se torna muito mais evidente quando observamos a nossa respiração.
É difícil deixar de respirar intencionalmente e observar a respiração fazer o que está fazendo.

O conselho dos Mestres Zen é: Se for uma respiração curta, observe uma respiração curta; se
for uma respiração longa, observe uma respiração longa. O fato de podermos controlar a nossa
respiração e abrir mão do controle apenas observando-a, é uma ferramenta incrível para
entrar no estado natural meditativo.

Permita que a sua respiração ocorra de maneira natural e automática, assim como ela faz ao
longo do dia e da noite, mas calmamente observe este processo automático sem tentar
controlá-lo. Tente agora. Este é um processo totalmente seguro e pacífico.

Estenda este tipo de observação sem interferências ao longo de todo o processo da meditação.
Faça o mesmo com os pensamentos… Não tente suprimí-los ou controlá-los, apenas permita
que eles surjam, observe-os sem julgamentos, e deixe-os irem embora. Essa é a liberdade
naturalmente libertadora de apenas SER.

Instrução:

Permita-se ser quem você é; Não tente mudar nada, não invente nada e torne-se um
observador silencioso.

Tentar controlar a meditação arruina as suas chances de revelar a sua consciência


naturalmente pura.

4) Fingir

Ao sentar-se para praticar a meditação, é importante não fingir ser outra coisa senão o que
você já é. Não adicione nada extra. Não vista sua consciência nua com acessórios.
E principalmente, não pense “agora estou meditando”, isso é apenas mais um fingimento.

A meditação pura é apenas um nome dado ao estado natural de ser, não tome ela como uma
nova identidade que cobre o estado real, e também não pense que é algo especial.

Quando nos envolvemos na prática da meditação, devemos sentir que é tão natural quanto
comer, respirar e ir ao banheiro. Ela não deve se tornar um evento especializado ou formal,
inchado de seriedade e solenidade – Rinpoche
Não substitua o autêntico estado de meditação pelo conhecimento da meditação. O estado
natural não é uma filosofia, é apenas um estado de ser.

Além disso, não se engane que ficar “alto” é meditação. Não importa o quão feliz, perspicaz
ou até terapêutico você possa se sentir ao tomar diferentes tipos de drogas. As drogas são um
péssimo substituto para o nosso estado de ser mais natural e elevado, que está
atemporalmente presente e não depende de nenhuma substância pois ele já está aí dentro de
você.
O ato de fingir pode tomar diferentes formas, inclusive se comportar de maneira mais
espiritual, fingindo amar a todos, usando vestimentas mais espirituais e até adotando um novo
nome. Ou você é isso ou não é.

Não há nada de errado com essas coisas, eu estou apenas te alertando para que você não fique
tão envolvido nelas a ponto de “criar” uma nova identidade e não poder simplesmente sentar
para meditar sendo quem você verdadeiramente é, o seu EU verdadeiro e Autêntico.

Eu também não estou dizendo que sou perfeito nisso. Eu estou apenas falando sobre a
habilidade de sentar com você mesmo como você é. Eu acho que uma boa dose de humor é
essencial na busca da meditação para não se levar muito a sério.

Se você ainda não viu os vídeo do YouTube do JP Spears, dê uma conferida no canal. Ele faz
humor referindo-se a pessoas ultra-espirituais.

Instrução:

Quando estiver sentado em meditação, relaxe completamente todos os músculos do seu


rosto, deixe de lado todos os pretextos e máscaras e seja o mais simples e autêntico que
puder.

Uma boa dose de humor é essencial na busca da meditação.

5) Falta de Confiança no seu Eu Verdadeiro

Este é o ponto crucial deste artigo. Se você não acredita que a sua natureza é essencialmente
pura, sábia, intuitiva e divina, se torna realmente difícil abrir mão do controle e relaxar para
ser quem você verdadeiramente é.

Como aconselhado por um Mestre Zen:

Apenas seja você mesmo, não aquele que você imagina ser, mas o seu verdadeiro EU, antes
de qualquer descrição que possam lhe fazer.
Essa falta de confiança de que você já está completo e preenchido impulsiona a busca
compulsiva de satisfação nos fatores externos da vida, que nunca podem satisfazê-lo
completamente pois a vida é efêmera e muda constantemente. Essa falta de confiança na
satisfação de apenas SER é um grande obstáculo e bloqueio NO meio do caminho para que
você possa se entregar em um estado profundo de meditação.

É nessa confiança quanto a sua própria natureza que a liberdade real poderá ser encontrada,
e assim uma simplicidade natural do ser pode facilmente surgir e florescer, através de um
verdadeiro despertar, como Adyashanti diz:

Tudo o que é necessário para despertar para você mesmo como o vazio radiante do espírito,
é parar de procurar algo a mais, ou melhor, ou diferente, e voltar toda a sua atenção para o
silêncio desperto que você É.
É claro que este fator não deve permanecer no nível da fé cega, livre de questionamentos
confiando em outras pessoas de olhos fechados, mas uma vez que você começa a
experimentar essa paz natural, ela se torna uma verdadeira confiança em você mesmo.

O Mestre Zen Bankei certa vez disse:

… Conclusivamente perceber que o que está por nascer e maravilhosamente se iluminando


dentro de você, é verdadeiramente a Mente de Buda.
É claro que no início é necessário ser inspirado e confiar nas palavras de outras professores e
pessoas como eu, até que finalmente você comece a perceber por si mesmo. Mas uma vez
que isso acontece, a partir daí você passa a seguir o mestre e professor que mais importa: você
mesmo.

Apenas os que têm a grande capacidade de confiança genuína podem entrar neste reino.
Aqueles que não têm confiança são incapazes de aceitá-la, por mais que a escutem. – Mestre
Zen Dogen
Espero que este artigo tenha inspirado esse tipo de confiança ou pelo menos a curiosidade
necessária para encontrar e experimentar uma meditação naturalmente pura. Mergulhe de
cabeça no abismo vazio de ser apenas você para então revelar o que sempre esteve lá,
esperando para ser revelado.

Uma luminosa clareza natural não manchada por idéias ou julgamentos, livre de todo o
estresse, preconceito ou artifício, um autêntico estado de atenção plena que se manifesta
facilmente quando todo o esforço e controle são abandonados e não resta mais nada a não
ser ficar neste momento, exatamente como ele é.

Instrução:

Confie na sua natureza boa e simplesmente relaxe, sem tentar fazer nada, e a paz, a alegria
e a clareza surgirão naturalmente.

Treinando esta mente

Ajahn Chah
~ Ven. Ajahn Chah ~

[1] Treinando esta mente… Na realidade não há nada de especial na mente. Ela é
simplesmente radiante em si mesma e por si. É naturalmente pacífica. Por que é que a mente
não está em paz agora mesmo? Tal deve-se a que ela se perde nos seus humores. Não há nada
específico na mente. Ela simplesmente permanece no seu estado natural, é só isso. O fato de
a mente se sentir em paz umas vezes e outras sem paz é porque fica iludida por esses humores.
Na mente não treinada falta sabedoria. É uma idiotice. Os humores chegam e iludem-na com
estados de prazer num minuto e de sofrimento noutro. Alegria e depois tristeza. Mas o estado
natural da mente de uma pessoa não é de alegria ou tristeza. Essa experiência de alegria ou
tristeza não é a mente em si mesma, mas apenas os humores que a iludem. A mente perde-
se, levada por esses humores sem fazer ideia do que se passa. E como resultado, experiencia
prazer ou dor porque a mente ainda não foi treinada. Ela não é ainda muito sábia. E nós
continuamos a pensar que a nossa mente está a sofrer ou que a nossa mente está alegre
quando, na realidade, está apenas perdida nos seus vários humores.

O ponto principal é que esta nossa mente é naturalmente pacífica. É quieta e calma com uma
folha que não é soprada pelo vento. Mas se o vento sopra ela abana. Ela faz isso por causa do
vento. E, assim, a mente, por causa dos humores, torna-se apanhada nos pensamentos. Se a
mente não se perder nesses humores não esvoaça por aí. Se ela compreendesse a natureza
dos pensamentos ficaria em quietude. E isso é chamado de estado natural da mente. Nós
praticamos para vermos a mente no seu estado natural. Nós pensamos que, na realidade, a
mente é ela própria, prazerosa ou pacífica. Mas na realidade a mente não criou nenhum prazer
ou dor. Esses pensamentos chegam e iludem-na e ela fica sujeita a eles. Então, nós devemos
mesmo treinar as nossas mentes de forma a aumentar a nossa sabedoria. Assim, nós podemos
entender a verdadeira natureza dos pensamentos em vez de os seguir cegamente.

A mente é naturalmente pacífica. É para entender essa simples realidade que nós nos
reunimos para concretizarmos a difícil prática da meditação.

Purificação da Mente

Uma antiga máxima que é encontrada no Dhammapada resume a prática dos ensinamentos
do Buda em três simples instruções: evitar todo o mal, cultivar o bem, purificar a própria
mente. Esses três princípios formam uma seqüência graduada de passos iniciando com aquilo
que é preparatório e externo e progredindo até aquilo que é essencial e interno. Cada passo
conduz com naturalidade ao que segue, e a culminação dos três na purificação da mente torna
claro que é aí que se encontra o núcleo da prática Budista.

A purificação da mente, da forma como é entendida nos ensinamentos do Buda, é perseverar


no esforço para limpar a mente das impurezas, aquelas forças mentais sombrias e prejudiciais,
que correm por baixo da superfície do fluxo da consciência, viciando o nosso pensamento,
valores, atitudes e ações. As três principais impurezas são aquelas que o Buda denominou de
as "raízes do mal" - cobiça, raiva e delusão - das quais emergem inúmeras ramificaçõões e
variantes: ódio e crueldade, avareza e inveja, presunção e arrogância, hipocrisia e vaidade,
toda a multiplicidade de entendimentos incorretos.

As atitudes contemporâneas não encaram com bons olhos as noções de impurezas e


purificação e, à primeira vista, pode parecer um retrocesso que nos leva a um moralismo fora
de época, talvez válido em uma época em que o pudor e o tabu dominavam, mas não para nós
que representamos a vanguarda da modernidade emancipada. Sem dúvida, nem todos nos
deliciamos com o gozo do materialismo grosseiro e muitos dentre nós buscamos a iluminação
e elevação espiritual, só que nós as queremos sob certas condições e como herdeiros da nova
liberdade acreditamos que elas devam ser obtidas através de uma busca desenfreada por
diferentes experiências sem nenhuma necessidade em particular de introspecção, mudança
pessoal ou autocontrole.

No entanto, nos ensinamentos do Buda o parâmetro da iluminação genuína se encontra


exatamente na pureza da mente. O propósito de todo o insight e entendimento iluminado é o
de libertar a mente das impurezas e Nibbana, o objetivo do ensinamento, é definido de forma
clara como a libertação da cobiça, raiva e delusão. Sob a perspectiva do Dhamma as impurezas
e a pureza não são meros postulados de um moralismo autoritário mas fatos reais e concretos,
essenciais ao entendimento correto da situação humana no mundo.

Como fatos da experiência de vida, as impurezas e a pureza apresentam uma diferença


fundamental tendo um significado crucial para aqueles que buscam libertar-se do sofrimento.
Elas representam os dois pontos entre os quais o caminho da libertação se revela -- o primeiro
é problemático e o ponto de partida, o último é a solução e o fim. O Buda declara que as
impurezas se encontram na base de todo o sofrimento humano. Queimando internamente
como luxúria e desejo, como raiva e ressentimento, elas destroem o coração, vidas,
esperanças e civilizações e nos conduzem cegos e sedentos através dos ciclos de nascimento
e morte. O Buda descreve as impurezas como amarras, grilhões, obstáculos e nós; por isso o
caminho para o desatamento, soltura e libertação, para o desamarrar dos nós, é ao mesmo
tempo uma disciplina dirigida à purificação interior.

O trabalho de purificação deve ser realizado no mesmo lugar em que as impurezas surgem, na
própria mente e o método principal que o Dhamma oferece para purificar a mente é a
meditação. A meditação, no treinamento Budista, não é nem uma busca pelo êxtase efusivo
nem uma técnica de psicoterapia caseira, mas um método cuidadosamente planejado de
desenvolvimento mental - preciso na teoria e eficiente na prática - para alcançar a pureza
interior e a libertação espiritual. As principais ferramentas da meditação Budista são os fatores
mentais saudáveis da energia, atenção plena, concentração e entendimento. Mas na prática
sistemática da meditação eles são fortalecidos e conectados em um programa de auto
purificação que tem como objetivo extirpar as raízes e as ramificações das impurezas para que
nem mesmo o seu menor traço sutil possa restar.

Já que todos os estados impuros na mente nascem da ignorância que é a impureza mais
profunda, a purificação final e última da mente é alcançada através da instrumentação da
sabedoria, do conhecimento e visão das coisas como elas realmente são. A sabedoria, no
entanto, não surge por mero acaso ou por boas intenções ocasionais, mas somente em uma
mente purificada. Dessa forma para que a sabedoria seja desenvolvida e a purificação plena
seja alcançada através da erradicação das impurezas, primeiro temos que criar um espaço,
desenvolvendo uma purificação provisória da mente - uma purificação que embora
temporária e vulnerável, é indispensável como uma base para que o insight libertador possa
surgir.

Atingir essa purificação preparatória da mente começa com o desafio do auto entendimento.
Para eliminar as impurezas precisamos primeiro aprender a conhecê-las, a detectá-las em ação
infiltrando-se e dominando os nossos pensamentos de todos os dias e as nossas vidas. Por
toda a eternidade temos agido baseado no impulso da cobiça, raiva e delusão e por isso o
trabalho de auto purificação não pode ser executado de maneira apressada, em obediência à
nossa demanda por resultados imediatos. A tarefa requer paciência, cuidado e persistência -
e as claras instruções do Buda. Para cada impureza, o Buda com toda sua compaixão nos
proporcionou o antídoto, o método para escapar dela e vencê-la. Aprendendo esses princípios
e aplicando-os de maneira adequada podemos gradualmente fazer desaparecer aquelas
impurezas interiores mais persistentes e alcançar o fim do sofrimento, a "libertação imaculada
da mente."

Em direção ao Incondicionado

~ Ajahn Chah ~

[1] Hoje é o dia em que nós, buddhistas, nos reunimos para observar os preceitos do uposatha
[2] e ouvir o Dhamma, como é nosso costume. A razão de ouvir o Dhamma é, em primeiro
lugar, criar alguma compreensão das coisas que ainda não entendemos, esclarecê-las e, ainda,
melhorar nossa compreensão das coisas que já entendemos. Devemos contar com as palestras
do Dhamma para melhorar a nossa compreensão, e ouvir é o fator crucial.

Para a conversa de hoje, por favor, prestem atenção especial, antes de tudo, endireitando sua
postura a fim de ser adequada a ouvir. Não fiquem muito tensos. Agora, tudo que resta é focar
suas mentes, firmes em samādhi. A mente é o ingrediente principal. A mente é aquela que
percebe o bem e o mal, o certo e o errado. Se nos falta sati (a vigilância) que seja por um
minuto, estaremos loucos por este minuto; se nos falta sati por meia hora, estaremos loucos
por esta meia hora. Pelo tempo que for que nossa mente estiver carente de sati, é este o
tempo em que estaremos loucos. É por isso que é especialmente importante prestar atenção
ao ouvir o Dhamma.

Todas as criaturas deste mundo estão atormentadas apenas pelo sofrimento. Há apenas o
sofrimento a perturbar a mente. O estudo do Dhamma tem como propósito destruir
totalmente esse sofrimento. Se o sofrimento surge é porque realmente não o conhecemos.
Não importa o quanto tentemos controlá-lo por meio de força de vontade ou por meio de
riquezas e bens; é impossível. Se não entendemos completamente o sofrimento e a sua causa,
não importa o quanto tentemos “barganhar” com os nossos atos, pensamentos ou com as
riquezas do mundo, não há nenhuma maneira de fazê-lo. Só por meio do conhecimento e da
consciência clara, por meio de conhecer a verdade, é que o sofrimento pode desaparecer. E
isso se aplica não só para os sem-lar, os monges e noviços, mas também aos que estão em
casa: para quem conhece a verdade das coisas, o sofrimento cessa automaticamente.

Agora, os estados de bem e mal são verdades constantes. Dhamma significa aquilo que é
constante, o que se mantém. Tumulto mantém seu tumulto, serenidade mantém sua
serenidade. Bem e mal mantêm suas respectivas condições – como a água quente: ela mantém
a sua quentura, isso não muda para ninguém. Quer uma pessoa seja jovem ou idosa, quando
ela bebe dessa água, ela sente o quente. Está quente para todas as nacionalidades de pessoas.
Assim, Dhamma é definido como aquilo que mantém sua condição. Em nossa prática devemos
conhecer calor e frio, certo e errado, bem e mal. Conhecendo o mal, por exemplo, não vamos
criar as causas para o mal, e o mal não irá surgir.

Os praticantes do Dhamma deveriam conhecer a origem dos vários dhammas. Ao eliminar a


causa do calor, o calor não pode mais surgir. É o mesmo com o mal: ele surge a partir de uma
causa. Se praticarmos o Dhamma até conhecermos o Dhamma, vamos conhecer a origem das
coisas, suas causas. Se extinguirmos a causa do mal, o mal também se extingue, não temos
que sair correndo atrás do mal para acabar com ele.
Essa é a prática do Dhamma. Porém são muitos os que estudam o Dhamma, aprendem-no,
chegam a praticá-lo, mas não estão ainda com o Dhamma e não eliminaram ainda a causa do
mal e da agitação dentro de seus próprios corações. Enquanto a causa do calor ainda estiver
presente, não temos como impedir o surgimento do calor. Do mesmo modo, enquanto a causa
da confusão estiver em nossas mentes, não temos como impedir o surgimento da confusão,
porque essas coisas surgem de suas causas. Enquanto a causa não for eliminada, a confusão
vai aparecer de novo.

A qualquer momento que criemos boas ações a bondade vai surgir na mente. Ela surge de suas
causas. Isso é chamado kusala [3]. Se entendermos as causas desse modo, poderemos criar
tais causas e seus resultados naturalmente se seguirão.

Mas as pessoas não costumam criar as causas certas. Elas querem muito a bondade, mas ainda
assim não trabalham para realizá-la. Tudo o que recebem são maus resultados, enredando a
mente em sofrimento. Tudo o que as pessoas querem hoje em dia é o dinheiro. Elas pensam
que se apenas conseguirem dinheiro suficiente tudo ficará bem; então, elas gastam todo o seu
tempo à procura de dinheiro, elas não olham para a bondade. Isso é como querer carne, mas
não querer sal para conservá-la: basta deixar a carne jogada pela casa para que ela apodreça.
Aqueles que querem dinheiro devem saber não só como encontrá-lo, mas também como
cuidar dele. Se você quer carne, você não pode querer comprá-la e, em seguida, deixá-la
espalhada pela casa. Ela irá apodrecer. Esse tipo de pensamento está errado. O resultado do
pensamento errado é o tumulto e a confusão. O Buddha ensinou o Dhamma para que as
pessoas o colocassem em prática, a fim de conhecê-lo e vê-lo, e para ser um com ele, para
tornar a mente em Dhamma. Quando a mente é Dhamma ela alcança a felicidade e o
contentamento. A inquietude do samsāra está neste mundo, e a cessação do sofrimento
também está neste mundo.

A prática do Dhamma é, assim, para conduzir a mente à transcendência do sofrimento. O corpo


não pode transcender o sofrimento – tendo nascido, ele deve vivenciar dor e doença,
envelhecimento e morte. Só a mente pode transcender o apego e o anseio. Todos os
ensinamentos do Buddha, que chamamos pariyatti [4], são um meio hábil para esse fim. Por
exemplo, o Buddha ensinou sobre upādinnaka-sankhārā e anupādinnaka-sankhārā –
condições atendidas pela mente e condições não atendidas pela mente. Condições não
atendidas pela mente são geralmente definidas como coisas tais como árvores, montanhas,
rios e assim por diante – coisas inanimadas. Condições atendidas pela mente são definidas
como coisas animadas – animais, seres humanos e assim por diante. A maioria dos estudantes
de Dhamma toma essa definição como certa, mas se vocês considerarem o assunto
profundamente, o modo como a mente humana fica tão obcecada por visões, sons, cheiros,
gostos, sentimentos e estados mentais, vocês poderão ver que realmente não há qualquer
coisa que não seja atendida pela mente. Enquanto houver desejo na mente, tudo se torna
atendido pela mente.

Estudar o Dhamma sem praticá-lo faz com que não entendamos os significados mais
profundos. Por exemplo, poderíamos pensar que os pilares desta sala de reunião, as mesas,
bancos, e todas as coisas inanimadas, são “não-atendidas”. Olhamos apenas para um lado das
coisas. Mas tente pegar um martelo e destruir algumas destas coisas e você verá se são
influenciadas ou não pela mente!

É a nossa própria mente, agarrando-se às mesas, cadeiras e todas as nossas posses, que torna
essas coisas presentes. Mesmo quando um copinho quebra isso dói, porque nossa mente se
“envolve” com aquele copo. Sejam elas árvores, montanhas ou qualquer coisa, o que quer que
sentimos ser nosso, elas têm uma mente se preocupando com elas – se não a sua própria,
então a de outra pessoa. Essas são todas “condições em que a mente participa”, e não “não-
participadas pela mente”.

É a mesma coisa com o nosso corpo. Normalmente diríamos que o corpo é participado pela
mente. A “mente” que atenta para o corpo não é outra que upādāna, aderindo-se, agarrando
o corpo e apegando-se a ele como sendo “mim” e “meu”.
Assim como um cego não pode conceber cores – não importa onde ele olhe, cor alguma pode
ser vista -, da mesma forma para a mente bloqueada por desejo sedento e ilusão, todos os
objetos da consciência tornam-se atendidos pela mente. Para a mente contaminada com
desejo sedento e obstruída pela ilusão, tudo se torna atendido pela mente… mesas, cadeiras,
animais e tudo o mais. Se achamos que há um ego intrínseco, a mente se adere a tudo. Toda
a natureza torna-se envolvida pela mente, há sempre adesão e apego.

O Buddha falou sobre sankhata dhammas e asankhata dhammas – coisas condicionadas e


incondicionadas. As coisas condicionadas são inumeráveis – materiais ou imateriais, grandes
ou pequenas – se nossa mente está sob a influência da ilusão, ela vai proliferar com base
nessas coisas, dividindo-as em boas e más, curtas e longas, grosseiras e refinadas. Por que a
mente prolifera assim? Porque ela não sabe da realidade condicionada [5], ela não vê o
Dhamma. Não vendo o Dhamma, a mente está cheia de apego. Enquanto a mente for
controlada pelo apego, não pode haver escape; há confusão, nascimento, envelhecimento,
doença e morte, mesmo nos processos de pensamento. Esse tipo de mente é chamada
de sankhata dhamma (mente condicionada).

Asankhata dhamma, o incondicionado, refere-se à mente que viu o Dhamma, a verdade, dos
cinco khandhas como eles são – como transitórios, imperfeitos e sem-dono. Todas as ideias
de “eu” e “eles”, “meu” e “deles”, pertencem à realidade determinada. Realmente eles são
todos condições. Quando conhecemos a verdade das condições, não como nós mesmos nem
como pertencentes a nós, ficarmos livres das condições e do determinado. Quando ficarmos
livres das condições atingiremos o Dhamma, entraremos e realizaremos o Dhamma. Quando
atingirmos o Dhamma saberemos claramente. O que saberemos? Saberemos que há apenas
condições e determinações, não ser, não ego, não “nós” nem “eles”. Esse é o conhecimento
de como são as coisas.

Vendo dessa maneira, a mente transcende as coisas. O corpo pode envelhecer, adoecer e
morrer, mas a mente transcende esse estado. Quando a mente transcende essas condições,
ela conhece o incondicionado. A mente torna-se o incondicionado, o estado que deixa de
possuir fatores condicionantes. A mente não é mais condicionada pelas preocupações
mundanas; as condições não contaminam mais a mente. Prazer e dor não a afetam mais. Nada
pode afetá-la ou mudá-la, a mente é segura; ela escapou de todas as construções. Ao ver a
verdadeira natureza das condições e do determinado, a mente torna-se livre.

Esta mente livre é chamada de Incondicionada, e é tal que está para além do poder das
influências construtivas. Se a mente não conhece realmente condições e determinações,
então ela é movida por elas. Ao encontrar o bom, o mau, o prazer ou a dor, ela prolifera em
torno deles. Porque é que prolifera? Qual a causa? A causa é o entendimento de que o corpo
é ‘eu próprio’ ou ‘pertence ao eu’; de que sensações são ‘eu próprio’ ou pertencentes ao eu;
de que percepção é ‘eu próprio’ ou pertencente ao eu; de que a consciência é ‘eu próprio’ ou
‘pertence ao eu’. A tendência de conceber as coisas em termos de ‘si mesmo’ é a fonte de
felicidade, sofrimento, nascimento, velhice, doença e morte. Esta é a mente mundana,
rodando e se transformando de acordo com as condições do mundo. Esta é a mente
condicionada.

Se recebemos algo inesperado, nossa mente fica condicionada por isso. Esse objeto influencia
nossa mente num sentimento de prazer, mas quando ele desaparece, nossa mente fica
condicionada por ele e sofre. A mente torna-se escrava de condições, escrava do desejo. Não
importa o que o mundo lhe apresente, a mente movimenta-se de acordo. Essa mente não tem
refúgio, ainda não está segura de si mesma, ainda não é livre. Ela ainda precisa de uma base
sólida. Essa mente ainda não sabe a verdade das condições. Assim é a mente condicionada.

Todos vocês que ouvem o Dhamma aqui, reflitam por um tempo… até mesmo uma criança
pode fazê-lo ficar com raiva, não é mesmo? Até mesmo uma criança pode enganá-lo. Ela
poderia induzi-lo a chorar, rir – ela poderia induzi-lo a todos os tipos de coisas. Mesmo as
pessoas de idade são enganadas por essas coisas. Para uma pessoa iludida que não conhece a
verdade das condições, elas estão sempre a moldar a mente por inúmeras reações, tais como
amor, ódio, prazer e dor. Elas moldam nossas mentes dessa forma porque estamos
escravizados por essas reações. Somos escravos de tanhā, do desejo sedento. O desejo dá
todas as ordens, e nós simplesmente obedecemos.

Escuto as pessoas reclamando: “Ó, eu sou tão miserável. Noite e dia eu tenho que ir ao campo,
não tenho tempo para ficar em casa. No meio do dia eu tenho que trabalhar no sol quente,
sem sombra. Não importa quanto frio está, eu não posso ficar em casa, eu tenho que ir
trabalhar. Eu sou tão oprimido”.

Se eu pergunto a elas: “Por que você não deixa sua casa e se torna um monge?” Elas dizem:
“Eu não posso deixar, eu tenho responsabilidades”. Tanhā puxa-as de volta. Algumas vezes,
quando você está arando você pode estar explodindo tanto para urinar que tem que fazê-lo
enquanto está arando, como os búfalos! Isto é quanto o desejo as escraviza.

Quando eu pergunto: “Como você está? Não tem tempo para vir para o mosteiro?”. Elas
dizem: “Ó, estou realmente atolado até o pescoço”. Eu não sei em que é que estão presos tão
profundamente! Estas são apenas condições, concocções. O Buddha ensinou a ver as
aparências como tais, a ver as condições como elas são. Isto é ver o Dhamma, ver as coisas
como elas realmente são. Se você realmente perceber essas duas coisas, então, você deve
jogá-las fora, deixá-las passar.

Não importa o que você possa receber, isso não tem substância real. A princípio pode parecer
bom, mas eventualmente acabará por ser ruim. Isso fará com que você ame e odeie, fará você
rir e chorar, fará você seguir para onde lhe puxarem. Por que é assim? Porque a mente não
está desenvolvida. Condições tornam-se fatores condicionantes da mente, tornando-a grande
e pequena, feliz e triste.

No tempo de nossos antepassados, quando uma pessoa morria, eles convidavam os monges
para visitar e recitar recordações acerca da impermanência:

Aniccā vata sankhārā


Uppāda-vaya-dhammino

Uppajjitvā nirujjhanti

Tesam vūpasamo sukho

Impermanentes são todas as coisas condicionadas

Têm a natureza de surgir e passar

Tendo nascido, todas terão de perecer

A cessação das condições é a verdadeira felicidade.

Todas as condições são impermanentes. O corpo e a mente são ambos impermanentes. Eles
são impermanentes porque não permanecem fixos e imutáveis. Todas as coisas que nascem
devem necessariamente mudar, elas são transitórias – especialmente o nosso corpo. O que é
que não muda dentro deste corpo? Cabelos, unhas, dentes, pele… eles ainda são os mesmos
que eram? As condições do corpo estão em constante mudança, por isso ele é impermanente.
O corpo é estável? A mente é estável? Pense nisso. Quantas vezes eles surgem e cessam até
em um mesmo dia? O corpo e a mente estão constantemente surgindo e cessando, as
condições estão em um estado de agitação constante.

A razão porque você não pode ver essas coisas alinhadas com a verdade é porque você
continua acreditando naquilo que é falso. É como ser guiado por um homem cego. Como você
pode fazer sua jornada em segurança? Um homem cego só o levará à floresta. Como ele
poderia guiá-lo em segurança quando não pode ver? Da mesma maneira, nossa mente é
iludida por condições, criando sofrimento na procura por felicidade, criando dificuldades na
procura por alívio. Uma mente assim só cria mais dificuldades e sofrimento. Realmente
desejamos nos livrar do sofrimento e da dificuldade, mas acabamos por criar essas mesmas
coisas. Tudo o que podemos fazer, então, é reclamar. Criamos condições ruins e a razão para
isso é que não compreendemos a verdade das aparências e das condições.

As condições são impermanentes, ambas as atendidas pela mente e as não atendidas pela
mente. Na prática, as condições não cuidadas pela mente são inexistentes. O que é que não é
cuidado pela mente? Mesmo o seu próprio banheiro, que você pensaria não ser atendido pela
mente… tente deixar alguém esmagá-lo com uma marreta! A pessoa provavelmente teria que
lidar com as “autoridades”. A mente assiste a tudo, até mesmo as fezes e a urina. Exceto para
a pessoa que vê claramente como as coisas são, não há tal coisa como condições não cuidadas
pela mente.

Aparências são determinadas pela existência. Por que temos que determiná-las? Porque
intrinsecamente elas não existem. Por exemplo, suponha que alguém queria fazer um marca.
Ele iria pegar um pedaço de madeira ou uma pedra e colocá-lo no chão, em seguida, chamá-
lo de uma marca. Não há qualquer marca, e é por isso que você deve determinar sua
existência. Da mesma forma que “determinamos” cidades, pessoas, gado – tudo! Por que
devemos determinar essas coisas? Porque originalmente elas não existem.

Conceitos como “monge” e “leigo” são também “determinações”. Determinamos essas coisas
à existência, porque intrinsecamente elas não estão ali. É como ter um prato vazio – você pode
colocar o que quiser nele porque está vazio. Essa é a natureza da realidade determinada.
Homens e mulheres são simplesmente conceitos determinados, assim como todas as coisas
que nos cercam.

Se conhecermos claramente a verdade das definições, saberemos que não existem seres,
porque “seres” são coisas determinadas. Entendendo que essas coisas são simplesmente
definições, você pode estar em paz. Mas se você acredita que a pessoa, ser, o “meu”, o “deles”,
e assim por diante, são qualidades intrínsecas, então, você deve rir e chorar por elas. Essas são
as proliferações dos fatores condicionantes. Se tomarmos essas coisas como nossas haverá
sempre sofrimento. Isto é micchāditthi, ponto de vista incorreto. Os nomes não são realidades
intrínsecas, são verdades provisórias. Só depois que nascemos é que vamos receber nomes,
não é mesmo? Ou você tem o seu nome já quando você nasceu? O nome vem depois, certo?
Por que temos de determinar esses nomes? Porque intrinsicamente eles não estão lá.

Deveríamos entender claramente essas determinações. Bom, mau, alto, baixo, preto e branco
são todos determinações. Estamos todos perdidos em determinações. É por isso que em
cerimônias fúnebres, os monges cantam: aniccā vata sankhārā… Condições são
impermanentes, elas surgem e desaparecem. Essa é a verdade. O que existe que, tendo
surgido, não termina? Bons humores surgem e, então, desaparecem. Você alguma vez viu
alguém chorar por três ou quatro anos? No máximo, você pode ver pessoas chorando uma
noite inteira e, então, as lágrimas secam. Tendo surgido, elas desaparecem…

Tesam vūpasamo sukho [6]…. Se entendermos sankhāras, as proliferações e, assim, as


subjugarmos, essa será a maior das felicidades. Esse é o verdadeiro mérito, ter-se acalmado
das proliferações, acalmado do “ser”, acalmado da individualidade, do fardo do si mesmo.
Transcendendo essas coisas, vê-se o Incondicionado. Isso significa que não importa o que
aconteça, a mente não vai proliferar ao redor disso. Não há nada que possa tirar a mente de
seu equilíbrio natural. O que mais vocês podem querer? Isso é o fim, a conclusão.

O Buddha ensinou como as coisas são. O fazer oferendas, o ouvir palestras sobre o Dhamma,
e assim por diante, têm por objetivo buscar e perceber isso. Se nos damos conta disso, não
temos que estudar vipassanā (meditação do insight), ela vai acontecer por si só.
Também samatha (calma) e vipassanā são determinados pelo existir, como as outras
determinações. A mente que sabe, a qual está além dessas coisas, é o ponto culminante da
prática.

Nossa prática e nossa investigação têm como objetivo transcender o sofrimento. Quando você
liquida com o apego, estados de existência terminam. Quando estados de existência
terminam, não há mais nascimento ou morte. Quando as coisas estão indo bem, a mente não
se alegra, e quando as coisas vão mal, a mente não se aflige. A mente não é arrastada por todo
o lugar pelas tribulações do mundo e, por isso, a prática está terminada. Este é o princípio
básico do ensinamento dado pelo Buddha.

O Buddha ensinou o Dhamma para ser usado em nossas vidas. Mesmo quando morremos há
o ensino Tesam vūpasamo sukho… mas não dominamos essas condições, nós somente as
carregamos por aí, como se os monges estivessem nos dizendo para fazê-lo. Nós as
carregamos e choramos por causa delas. Tudo isso se perde nas condições. Céu, inferno e
Nibbāna estão todos revelados neste ponto.

Praticar o Dhamma é feito de modo a transcender o sofrimento na mente. Se soubermos a


verdade das coisas, como eu já expliquei aqui, saberemos automaticamente as Quatro Nobres
Verdades – o sofrimento, a causa do sofrimento, a cessação do sofrimento e o caminho que
conduz à cessação do sofrimento.

As pessoas geralmente são ignorantes quando se trata de determinações, elas pensam que
elas existem por si mesmas. Quando os livros nos dizem que as árvores, montanhas e rios são
condições não atendidas pela mente, isso é simplificar as coisas. Isso é apenas ensino
superficial, não há nenhuma referência ao sofrimento, como se não houvesse sofrimento no
mundo. Isso é apenas a casca do Dhamma. Se tivéssemos que explicar as coisas em termos da
verdade última, veríamos que são as pessoas que agem e prendem todas essas coisas com
seus apegos. Como você pode dizer que as coisas não têm poder para moldar os eventos, que
elas não são atendidas pela mente, quando as pessoas batem em seus filhos por pequenos
motivos? Um simples prato ou copo, uma tábua… a mente capta todas essas coisas. Apenas
olhe o que acontece se alguém esmaga um destes e você descobre. Tudo é capaz de nos
influenciar nesse sentido. Compreender essas coisas inteiramente é nossa prática, examinar
essas coisas que são condicionadas, incondicionadas, atendidas pela mente e não atendidas
pela mente.

Isso faz parte do “ensinamento externo”, como o Buddha uma vez se referiu a ele. Uma vez, o
Buddha estava morando na floresta. Com uma mão cheia de folhas, Ele perguntou aos
bhikkhus: “Bhikkhus, o que há em maior número: as folhas que eu seguro na minha mão ou as
folhas espalhadas pelo chão da floresta?” Os bhikkhus responderam: “As folhas na mão do
Bem-Aventurado são poucas, as folhas espalhadas pelo chão da floresta estão em bem maior
número”.

“Da mesma maneira, monges, a totalidade do ensinamento do Buddha é vasta, mas o


conhecimento dessa totalidade não é a essência e não está diretamente relacionado ao fim do
sofrimento. Há muitos aspectos nos ensinamentos, mas aquilo que o Tathāgata realmente
quer que façamos é transcender o sofrimento, que averiguemos as coisas e abandonemos o
apego à forma, sensação, percepção, volição e consciência [7]”. Parem de se apegar a essas
coisas e vocês transcenderão o sofrimento. Esses ensinamentos são como as folhas na mão do
Buddha. Vocês não precisam de tanto, apenas um pouco é o suficiente. Quanto ao restante
do ensinamento, vocês não precisam se preocupar com ele. É exatamente como a grande
terra: abundante, com gramíneas, solo, montanhas, florestas. Não há escassez de pedras e
seixos, mas todas essas rochas não são tão valiosas como uma única joia. O Dhamma do
Buddha é assim, vocês não precisam de muito.

Assim, estejam falando sobre o Dhamma ou ouvindo-o, vocês deveriam conhecer o Dhamma.
Vocês não precisam se perguntar onde está o Dhamma, ele está aqui mesmo. Não importa
onde irão para estudar o Dhamma, ele está, na verdade, nas suas mentes. A mente é o que se
apega, é o que especula, a mente é o que transcende, o que larga. Todos esses estudos
externos são, de fato, sobre a mente. Não importa se você estuda o tipitaka [8],
o abhidhamma [9] ou o que seja, não se esqueçam de onde isso veio.

No que toca à prática, as únicas coisas que precisam para começar é honestidade e
integridade. Não precisam criar muitos problemas para vocês mesmos. Nenhum de vocês,
laicos, estudou o Tipitaka, mas são capazes de sentir a ganância, o ódio e a ilusão, não é? De
onde ouviram essas coisas? Tiveram que ler o Tipitaka ou o Abhidhamma para terem ganância,
ódio e ilusão? Essas coisas estão nas suas mentes, não é preciso estudá-las para as terem. Mas
os ensinamentos são para inquirirmos e abandonarmos essas coisas.
Deixe o conhecimento espalhar de dentro de você e você estará praticando de forma correta.
Se quiser ver um trem, vá a uma ferroviária. Você não precisa viajar todas as rotas das linhas
para o norte, para o sul, para o leste e para o oeste para ver todos os trens. Se quiser ver trens,
cada um deles, é melhor você esperar na Estação Central, onde todos eles chegam.

Algumas pessoas me dizem: “Quero praticar, mas eu não sei como. Não consigo estudar as
escrituras, estou ficando velho, minha memória não é tão boa…” Apenas observe o aqui e
agora, na “Estação Central”. Ganância cresce aqui e agora, raiva cresce aqui e agora, ilusão
cresce aqui e agora. Apenas se sente e poderá ver todas essas coisas surgindo. Pratique aqui
e agora, porque é onde você está preso. O aqui e agora é onde a determinação surge, onde as
convenções surgem, e no aqui e agora é onde o Dhamma surgirá.

Dessa maneira, a prática do Dhamma não distingue entre classes ou raças, tudo o que exige é
olhar para dentro, ver e entender. Inicialmente, treinamos o corpo e a fala a fim de sermos
livres das contaminações, e isso é sīla. Algumas pessoas pensam que para ter sīla é preciso
memorizar frases em pāli e recitá-las dia e noite, mas realmente tudo o que precisam fazer é
tornar seu corpo e fala sem manchas; isso é sīla. Não é difícil entender, é como cozinhar…
coloque um pouco disto e um pouco daquilo, até estar certo… e fica delicioso! Você não precisa
acrescentar nada mais para torná-lo delicioso, isso já está delicioso, apenas precisa colocar os
ingredientes corretos. Do mesmo modo, cuidar de maneira que nossas ações e linguagem
sejam apropriadas, isso nos dará sīla.

A prática do Dhamma pode ser feita em qualquer lugar. No passado, eu viajei por todos os
lados à procura de um professor porque eu não sabia como praticar. Estava sempre com medo
de estar praticando errado. Eu viajava constantemente de uma montanha para outra, de um
lugar para outro, até que parei e refleti sobre isso. Agora eu entendo. No passado, eu devo ter
sido muito estúpido, eu fui a todo lugar em busca de locais para praticar a meditação – eu não
sabia que ela já estava lá, no meu coração. Toda a meditação que quiserem está dentro de
vocês. Há nascimento, velhice, doença, morte aqui mesmo dentro de vocês. Por isso, o Buddha
disse Paccattam veditabbo viññūhi – o sábio deve saber por si mesmo. Eu tinha dito as palavras
antes, mas ainda não sabia o seu significado. Viajei por todo o lado procurando por ele até
estar pronto a cair morto de exaustão – só então, quando parei, eu encontrei o que procurava,
dentro de mim. Agora eu posso lhes falar sobre isso.

Assim, em sua prática de sīla, apenas pratiquem tal como expliquei aqui. Não duvidem da
prática. Mesmo que algumas pessoas possam dizer que vocês não podem praticar em casa,
que há muitos obstáculos… se esse é o caso, então, mesmo comer e beber serão obstáculos.
Se essas coisas são obstáculos para praticar, então não coma. Se você está em pé sobre um
espinho, isso é bom? Não é melhor não estar sobre um espinho? A prática do Dhamma traz
benefícios para todas as pessoas, independentemente da classe. O quanto vocês praticarem
será o quanto conhecerão a verdade.

Algumas pessoas dizem que não podem praticar como laico, que o seu ambiente é muito cheio
de gente. Se você mora em um lugar apertado, então analise o apertado, torne-o aberto e
amplo. Sua mente tem sido iludida pelo cheio, treine-a para saber a verdade sobre o cheio.
Quanto mais você negligenciar a prática, quanto mais você negligenciar a ida para o mosteiro
e o ouvir dos ensinamentos, mais a sua mente vai se afundar no pântano, como um sapo que
entra em um buraco. Alguém chega com uma armadilha para sapos, e ele não tem chance.
Tudo que ele pode fazer é esticar o pescoço e se entregar. Então, cuidado para não se colocar
em um beco sem saída, pois alguém pode vir e capturá-lo. Em casa, ao ser incomodado por
seus filhos e netos você estará em uma situação ainda pior do que o sapo. Você não sabe como
se distanciar dessas coisas. Quando idade, doença e velhice chegarem, o que você irá fazer?
Essa é a armadilha que vai pegar você. Para onde você poderá se virar?

Esta é a situação em que nossas mentes se encontram. Envolvida com filhos, com parentes,
com pertences… e você não sabe como soltá-los. Sem moralidade ou compreensão de como
se livrar das coisas, não há nenhuma maneira de você escapar. Quando sensação, percepção,
volição e consciência produzem sofrimento, você sempre é pego por ele. Por que existe o
sofrimento? Se você não investigar você não vai saber. Se a felicidade surge você
simplesmente é pego pela felicidade, deliciando-se com ela. Você não se pergunta: ‘De onde
vem essa felicidade?’

Então, mude o seu entendimento. Você pode praticar em qualquer lugar, porque a mente está
com você em todos os lugares. Se você pensar em coisas boas enquanto está sentado, você
pode estar ciente delas; se você tiver maus pensamentos, você pode estar ciente deles
também. Essas coisas estão com você. Enquanto deitado, se tiver pensamentos bons ou maus,
você pode conhecê-los também, porque o lugar para a prática é a mente. Algumas pessoas
pensam que você tem que ir para o mosteiro a cada dia. Isso não é necessário, basta olhar
para sua própria mente. Se você sabe onde está a prática, então você estará assegurado.

Os ensinamentos do Buddha nos dizem para nos observarmos, para não correr atrás de
modismos e superstições. É por isso que ele disse [10]:

Sīlena sugatim yanti: Retidão moral conduz ao bem-estar

Sīlena bhogasampadā: Retidão moral leva à riqueza

Sīlena nibbutim yanti: Retidão moral leva ao Nibbāna

Tasmā sīlam visodhaye: Portanto, mantenha os seus preceitos de modo puro.

Sīla refere-se às nossas ações. Boas ações trazem bons resultados, más ações trazem maus
resultados. Não esperem que os deuses façam algo por vocês, que os anjos e as divindades
guardiãs os protejam, ou que dias auspiciosos lhes ajudem. Essas coisas não são verdade, não
acreditem nelas. Se acreditarem nelas sofrerão. Vocês estarão sempre aguardando pelo dia
certo, pelo mês certo, pelo ano certo, pelos anjos e divindades guardiãs… sofrerão desse jeito.
Olhem para suas próprias ações e discursos, para o seu próprio kamma. Fazendo o bem vocês
herdam bondade, fazendo o mal vocês herdam maldade.
Se entenderem que bem e mal, certo e errado, tudo se encontra dentro de você, então não
terão que sair procurando essas coisas em outro lugar. Basta procurar essas coisas onde elas
surgem. Se perderem alguma coisa aqui, devem procurar por isso aqui. Mesmo se não
encontrá-la primeiramente, continuem procurando onde a largaram. Mas, normalmente, nós
a perdemos aqui, e vamos procurá-la lá. Quando você irá encontrá-la? Boas e más ações se
encontram dentro de vocês. Um dia acabarão por vê-las, apenas continuem procurando
exatamente ali.

Todos os seres seguem na vida de acordo com seu kamma. O que é kamma? As pessoas são
muito fáceis de enganar. Se vocês cometem más ações, é dito que Yama, o rei do submundo,
vai registrar tudo em um livro. Quando vocês chegam lá, ele faz as suas contas e olha para
vocês de cima… Vocês todos têm medo do Yama no pós-vida, mas vocês não conhecem o Yama
dentro de suas próprias mentes. Se cometem más ações, mesmo que passem desapercebidos
e as façam sozinhos, este Yama vai registrar tudo. Entre vocês aqui sentados, provavelmente
existem muitos que fizeram secretamente coisas ruins, não deixando ninguém mais ver. Mas
vocês veem, não é? Este Yama vê tudo isso. Vocês conseguem ver por si mesmos? Todos vocês,
pensem por um tempo… Yama tem registrado tudo, não tem? Não há como vocês escaparem
dele. Quer façam sozinhos ou em um grupo, em um campo ou onde quer que seja…

Tem alguém aqui que já roubou alguma coisa? Provavelmente há uns poucos entre nós que
são ex-ladrões. Mesmo que não tenham roubado coisas de outras pessoas, vocês ainda podem
ter roubado de vocês mesmos. Eu mesmo tenho essa tendência, por isso eu concluo que
alguns de vocês possam ser do mesmo jeito. Talvez vocês tenham secretamente feito coisas
ruins no passado, sem deixar que ninguém soubesse disso. Mas mesmo que não contem a
ninguém sobre isso, vocês devem saber o que fizeram. É o Yama quem lhe observa e anota
tudo. Aonde quer que vão, ele registra tudo em seu livro-caixa. Sabemos nossa própria
intenção. Quando praticam más ações, a maldade está lá, se praticam boas ações, a bondade
está lá. Não há lugar algum onde possam se esconder. Mesmo que os outros não lhes vejam,
vocês devem ver a si mesmo. Mesmo se forem a um buraco profundo, ainda se encontrarão
lá. Não há nenhum modo através do qual vocês possam cometer más ações e fugir disso. Da
mesma forma, por que não deveriam ver a sua própria pureza? Vocês veem tudo – o pacífico,
o agitado, a libertação ou a escravidão – vemos tudo isso por nós mesmos.

Nesta religião buddhista vocês devem estar conscientes de todas as suas ações. Não agimos
como sacerdotes que visitam suas casas e dizem: “Que possam estar bem e felizes, que possam
viver muito”. O Buddha não fala assim. Como a doença pode partir apenas com conversa? O
modo do Buddha tratar do doente era dizer: “Antes de ficar doente, o que aconteceu? O que
o levou a ficar doente?” E você diz a ele o que aconteceu. “Ah, é assim, não é? Pegue este
medicamento e experimente”. Se não é o remédio certo, ele tenta outro. Se for adequado
para a doença, então este é o certo. Este tratamento é cientificamente seguro. Quanto aos
sacerdotes, eles somente amarram uma cordinha em torno do pulso e dizem: “Ok, fique bem,
seja forte, quando eu sair deste lugar, levante-se, faça uma refeição saudável e sinta-se bem”.
Não importa o quanto você os pague, sua doença não cessará, porque este tratamento não
tem base científica. Mas isso é o que as pessoas gostam de acreditar.

Buddha não queria que acumulássemos muitas coisas desse gênero. Queria que praticássemos
com um sentido. O Buddhismo existe há milhares de anos e a maioria das pessoas continua a
praticar como os seus professores as ensinaram, independentemente de estar certo ou
errado. Isso é estúpido. Apenas seguem o exemplo dos seus antepassados.

O Buddha não encoraja esse tipo de coisa. Ele queria que usássemos a razão. Por exemplo,
numa vez em que ele estava ensinando aos monges, ele perguntou ao Venerável Sāriputta:
“Sāriputta, você acredita nesse ensinamento?” O Venerável Sāriputta respondeu: “Eu ainda
não acredito nisso”. O Buddha elogiou sua resposta: “Muito bem, Sāriputta. Uma pessoa sábia
não acredita tão rapidamente. Ela observa as coisas, as suas causas e condições e vê a sua
verdadeira natureza antes de crer ou descrer”.

Mas, hoje em dia, a maioria dos professores diria: “O quê?!!! Vocês não acreditam em mim?
Vão embora daqui!” A maioria das pessoas tem medo dos seus professores. Qualquer coisa
que seus professores façam, elas simplesmente seguem de maneira cega.
O Buddha ensinou a devoção à verdade. Ouçam o ensinamento e então reflitam sobre ele de
forma inteligente, investiguem-no. Façam o mesmo em relação às minhas palestras de
Dhamma – vão e reflitam sobre elas. O que eu digo está certo? Olhem realmente para elas,
olhem dentro de vocês mesmos.

Então é dito para vigiar a sua mente. Qualquer um que guarde sua mente vai se livrar dos
grilhões de Māra. É só a mente que segue e se agarra nas coisas, sabe coisas, experimenta
felicidade e sofrimento… só essa mesma mente. Quando sabemos completamente a verdade
das determinações e das condições sabemos naturalmente jogar fora o sofrimento.

Todas as coisas são como são. Elas não causam sofrimento por si só, assim como um espinho,
um espinho bastante pontudo. Ele os faz sofrer? Não, ele é só um espinho, ele não incomoda
ninguém. Mas se vocês pisarem nele, então ele irá fazê-los sofrer. Por que o sofrimento existe?
Porque vocês pisaram no espinho. O espinho só está por aí levando a sua vida, ele não agride
ninguém. Somente se vocês pisarem nele, vocês sofrerão. O sofrimento existe por nossa causa.
Forma, sensação, percepção, vontade, consciência… todas as coisas nesse mundo
simplesmente são. Somos nós que escolhemos lutar contra elas. E se as atingirmos, elas vão
responder atingindo-nos. Se as deixarmos por sua conta elas não vão perturbar ninguém, só
os bêbados arrogantes lhes podem causar problemas. Todas as condições evoluem de acordo
com a sua natureza. Foi por isto que o Buddha disse: Tesam vūpasamo sukho: se subjugarmos
as condições, vendo as nossas determinações e condições como são na realidade, como não
sendo “eu” ou “meu”, “nós” ou “eles”, quando virmos que essas crenças são
simplesmente sakkāya-ditthi, ficaremos libertos das condições que levam à auto-ilusão.

Se você acha que “é bom”, “é o máximo”, “é o melhor”, então está pensando de forma
incorreta. Se você vê todos esses pensamentos simplesmente como determinações e
condições, quando outros dizem “bom” ou “ruim”, você não dá a mínima importância.
Enquanto você ainda mantiver “eu” e “você”, é como ter três ninhos de vespas: tão logo você
fala qualquer coisa, elas vêm zumbindo para lhe picar. Esses três ninhos
são sakkāyaditthi, viccikicchā e sīlabbata-parāmāsa [11].
Uma vez que observem a verdadeira natureza das determinações e das condições, o orgulho
não pode prevalecer. Os pais dos outros são como nossos próprios pais, e as mães deles são
como as nossas, os filhos dele são como nossos próprios filhos. Nós vemos que a felicidade e
o sofrimento dos outros seres são as nossas.

Se consideramos dessa maneira ficamos face a face com o Buddha futuro, não é difícil. Todos
estão no mesmo barco. Então, o mundo será suave como a pele de um tambor. Se quiserem
ficar esperando para encontrar Phra Sri Ariya Metteyya, o Buddha futuro, então apenas não
pratique… provavelmente vão ficar por aqui um tempo bem longo a ponto de vê-lo. Mas Ele
não é louco de pegar pessoas assim como discípulos! A maior parte das pessoas apenas duvida.
Se você não tem mais dúvidas acerca do eu, então não importa o que as pessoas digam sobre
você, não vai lhe afetar, porque a sua mente soltou, ela está em paz. As condições se tornam
subjugadas. Apego às formas de prática… o professor é ruim, aquele lugar não é bom, isto é
certo, isto é errado … Não há nenhuma dessas coisas. Todo esse tipo de pensamento é
suavizado. Você fica cara a cara com o Buddha futuro. Aqueles que apenas juntam as mãos e
rezam nunca vão chegar lá.

Então, aqui está a prática. Se eu falasse mais seria apenas mais do mesmo. Outra conversa
seria apenas o mesmo que esta. Eu trouxe vocês até aqui, agora pensem sobre isto. Trouxe
vocês ao caminho, para quem quer que o siga, ele está aí para vocês. Aqueles que não vão
segui-lo, podem ficar. O Buddha só o leva até ao início do caminho. Akkhātaro Tathāgatā – o
Tathāgata apenas indica o caminho. Para a minha prática, ele só ensinou isso. O resto era
comigo. Agora eu ensino a vocês, e eu posso dizer-lhes apenas isto. Posso levá-los apenas ao
início do caminho, quem quiser voltar pode voltar, quem quiser viajar pode viajar nele. Agora,
cabe a vocês decidirem.

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