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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

ESCOLA DE COMUNICAÇÃO

JORNALISMO

DESCRIÇÃO DO OBJETO

GABRIELA ISAIAS DE SOUSA

Docente: Profa. Dra. Raquel Paiva de A. Soares

Rio de Janeiro

2017
TEMA – O uso simbólico das tranças e a ressignificação da África em
Madureira sob o olhar das trancistas

DATA DE APRESENTAÇÃO – Previsão para dezembro de 2017.

DESCRIÇÃO DO OBJETO

Vestir uma bata, usar um cordão, utilizar acessórios como um turbante. Raspar a
cabeça, alisar os cachos, assumir o cabelo crespo, usar tranças. O corpo é um transmissor
inerente de informações e diz muito sobre as subjetividades e valores de um indivíduo. No
vértice de uma sociedade imagética em que símbolos e atitudes carregam tantos
significados, assumir a própria natureza e compreender cada parte do corpo humano como
forma de expressão cultural e artística sugere esquecer a concepção dicotômica de que
ideia e matéria caminham de formas isoladas.
Em meio à moderna era globalizada, a padronização estético-social configura-se
como mercado de bens e serviços criando desejos - compreendidos muitas vezes como
necessidades – entre os indivíduos inseridos em uma sociedade ocidental
predominantemente governada por brancos. A política por trás da estética enaltecida e
representada nos meios de comunicação brasileiros prega traços finos, pele clara e cabelos
lisos, tal qual o padrão estético europeu tão alheio à realidade da população que forma o
país. A prática, compreendida como “branqueamento”1, confere a busca do indivíduo
negro por maior aceitação e mobilidade social.
Entre os constituintes do corpo negro sujeitos à marginalização está o cabelo
crespo, fundamental na composição da identidade negra2.
No regime escravista a “lida” do escravo implicava em trabalhos forçados
no eito, na casa-grande, na mineração. Implicava, também, a violência e
os açoites impingidos sobre o corpo negro. Dentre as muitas formas de
violência impostas ao escravo e à escrava estava a raspagem do cabelo.
Para o africano escravizado esse ato tinha um significado singular. Ele
correspondia a uma mutilação, uma vez que o cabelo, para muitas etnias
africanas, era considerado uma marca de identidade e dignidade. Esse
significado social do cabelo do negro atravessou o tempo, adquiriu novos

1
A este respeito, ver Memmi, Albert. Retrato do colonizado precedido pelo retrato do colonizador. Trad.
Roland Corbisier e Mariza Pinto Coelho. 3ª edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989.
2
ROCHA, Neli Gomes. Crespos: cabelo como ícone da identidade negra. Memória e estética, a circulação
de ideias e valores na realidade brasileira. Curitiba: Revista NEP, 2016.
contornos e continua com muita força entre os negros e as negras da
atualidade. (GOMES, 2016, p. 7)

Perceber de que maneira esse tipo de cabelo é retratado no imaginário social e os


efeitos dessas representações no psicológico dos indivíduos de pele negra é significativo
uma vez que relações pessoais e profissionais podem ser diretamente afetadas. Do mesmo
modo, compreender como a mídia brasileira retrata a imagem do cabelo natural afro é
importante para o entendimento dos principais movimentos sociais que alteraram a
mentalidade e auto-imagem do que é ser negro no Brasil.
Em razão da colonização cultural, a suposta harmonia estética das sociedades
ocidentais é, até hoje, a mais representada nos veículos midiáticos brasileiros. A partir da
diáspora africana, povos de diferentes regiões do continente migraram forçosamente para
as Américas e a Europa passando por um processo de reconstrução cultural a partir dos
padrões da nova realidade em que foram inseridos. Por essa razão, muitas mulheres de tez
escura e cabelo afro utilizavam pastas nocivas e ferro quente nos cabelos, nas primeiras
décadas do século XX (técnica reformulada nos dias de hoje é facilmente encontrada em
salões de beleza com o nome de “escova progressiva” e suas variações).
Os sacrifícios do negro não foram reconhecidos pelas elites brancas e os insultos
raciais e humilhações não chegaram ao fim; pelo contrário: "Ao seu esforço em vencer o
desprezo, em vestir-se como o colonizador, em falar a sua língua e comportar-se como ele,
o colonizador opõe a zombaria”3. Assim, mesmo no período pós-abolicionista, a inserção
do negro na sociedade englobou, entre outros tópicos, escassos cargos subalternos e feridas
raciais perpetuadas até os dias de hoje. Segundo Fanon (2008), "o evoluído de repente se
descobre rejeitado por uma civilização que ele no entanto assimilou”4.
É desse modo que, no início dos anos 1930 uma contraproposta ao padrão cultural
branco chegou à França e começou a se fortalecer: era o movimento da negritude, que
tinha como proposta negar a política de assimilação à cultura europeia. Conforme observou
Jean Paul Sartre: “trata-se de morrer para a cultura branca a fim de renascer para a alma
negra”5. Assim, símbolos e valores culturais da cultura africana passaram a ser resgatados
e enaltecidos em uma constante busca pela consciência racial outrora ocultada.

3
Ver DOMINGUES, Petrônio. Movimento da negritude: uma breve reconstrução histórica. Londrina:
Revista de Ciências Sociais, 2005.
4
FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Trad. Renato da Silveira. Salvador: EDUFBA, 2008.
5
SARTRE, Jean-Paul. Reflexões sobre racismo. Trad. J. Guinsburg. 5ª edição. São Paulo: Difel, 1968. p. 104
As ideias do movimento francês chegaram ao Brasil apenas na década de 1940,
quando o coletivo Teatro Experimental Negro (TEN) passou a desenvolver a dramaturgia
afro no país e imprimiu um viés político em suas apresentações. Assim como na França, a
a negritude floresceu e foi acolhida pela pequena elite intelectual negra do país (composta
por artistas, escritores, poetas, acadêmicos, entre outros), consolidando a luta pelo orgulho
racial em solo brasileiro. Dessa maneira, a causa francesa abriu caminhos para a
perpetuação de posteriores movimentos raciais no Brasil.
Quando o “Black is Beautiful”6 prosperou nos Estados Unidos nos anos 1960, as
cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro, dois centros altamente influenciados pela cultura
norte-americana, já estavam consideravelmente propensas à aderência do movimento.
Assim, a partir do final da década de 1970, surgiu o corte black power (cabelo redondo e
cheio, ao natural), que sinalizava a tomada de consciência racial entre os negros brasileiros.
Em sequência, vieram os penteados afro, a valorização dos cortes em cabelos naturalmente
crespos (com repúdio do alisamento) e os trançados.
Essa nova estética entre os negros refletiu o retorno às origens diaspóricas e a
resposta à exclusão social à qual essa população foi sujeita não só durante o período
escravocrata, como também no pós-abolição. Usado como forma de resistência à
imposição do padrão de beleza branco, o cabelo crespo natural passou a ser utilizado como
símbolo de uma nova consciência racial e elevação da auto-estima, ao lado de cultos
religiosos, rituais, roupas, acessórios, joias, entre outros. Assumir a estética, reconhecer a
própria origem africana e explorar toda a política por trás da naturalidade do cabelo e suas
formas de uso tornou os penteados uma espécie de mediadores entre o discurso da
negritude e a sociedade, como um todo.
Diante dessas expressões visuais, sobressaem-se os penteados diretamente
influenciados pela Angola e pela Nigéria (países africanos em que as tranças eram
tradições sociais).7 No livro “Cabeças de axé”, Raul Lody explica que, nessas nações, o
tipo de penteado poderia identificar mulheres em luto, solteiras, virgens, casadas,
prometidas a algum homem, etc. Dessa maneira, o autor trata a importância da
cabeça/cabelo como espaço de expressão étnica e identitária do povo negro:

6
Movimento cultural e comportamental norte-americano dos anos 1960, lançado a partir de lutas civis nos
Estados Unidos que se difundiu pelo mundo, atuando na elevação da auto-estima negra e fazendo política
através desse orgulho.
7
A este respeito, ver LODY, Raul. Cabeças de Axé: identidade e resistência. Rio de Janeiro: Ed. SENAC
Nacional. 2004.
A karoba – tranças típicas da cultura Fulani; são bem fininhas e altas e
pode formar uma série de desenhos significantes. Patwo – um estilo que
lembra Oni Xangô, filhos do orixá Xangô. Koju soco – que significa
“olhando para o marido”, é um penteado de casamento. Kolese –
penteado fúnebre composto por duas tranças soltas, etc. (LODY apud
SILVA, 2013, p. 43).

Desse modo, os penteados trançados e a prática afro-brasileira de trançar cabelos


surgem como recriações e ressignificações dos penteados africanos e sinalizam a afirmação
da negritude por meio do visual. As arrumações dos cabelos, portanto, são expressões de
etnicidades e orgulho identitário uma vez que retomam a questão da ancestralidade
salientada nos movimentos raciais ao longo do século XX.
“o espelho, como objeto de ordem simbólica, não somente reflete os
traços do indivíduo como acompanha em seu desenvolvimento o
desenvolvimento histórico da consciência individual” (BAUDRILLARD,
1993, p. 28)

O ato de trançar cabelos na cidade do Rio de Janeiro tem como principal cenário
de realização o subúrbio carioca. O bairro de Madureira, a “capital do subúrbio da cidade
fluminense”8, por sua vez, apresenta um quadro de diversidade de trançadeiras e é onde se
concentra a maior parte dos salões étnicos especializados em cabelos afro do município.
Referência comercial e cultural da zona norte carioca, a região destaca-se, também, no
comércio de apliques e extensões para megahairs, dreadlocks, entrelaçamento, crochet
braids e boxbraids9.
Produzidas por trancistas de diferentes idades que trabalham em salões afro ou
vão até a casa das clientes, as tranças compõe uma espécie de apropriação política. Esse
tipo de penteado se diferencia não apenas do padrão estético branco difundido
exaustivamente pela mídia brasileira, como do arquétipo de beleza negra idealizado pelos
meios de comunicação nos últimos anos.
A trancista exerce, portanto, um papel medular na formação da identidade da
mulher negra.
Cuidar dos cabelos é antes de tudo, cuidar da cabeça, um espaço
profundamente simbólico. É, por extensão, cuidar da pessoa. Pentear os
cabelos é um momento ritualizado de vivenciar todo o que a cabeça
representa para a pessoa e para seu grupo. (LODY, 2004, p:100)

Criar e reproduzir penteados transmitidos oralmente por cada geração da família é


uma forma de inserir-se em sua própria história ancestral e compreender de que maneira o
8
MORAES, Cristina & NERY, Laura. Madureira e Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro: Fraiha, 2000.
9
Técnicas capilares que consistem em apliques, implantes, tranças e rolinhos de cabelos.
sagrado e o cotidiano se mesclam10. Analisar as subjetividades das mulheres que trançam,
com as mãos, suas próprias naturezas e tratam o cabelo como uma continuação do corpo é
essencial para assimilar de que forma essas profissionais absorvem o próprio trabalho.
Ao manusear os fios crespos, as trançadeiras atuam como transmissoras da
‘memória ancestral’ no exercício de repensar o mundo, dinâmico e
diferenciado daquele descrito pelos valores culturais e estéticos do
ocidente, herdado pelo mundo moderno. As ‘guardiãs das memórias’ de
matrizes africanas, as “trançadeiras” tecem comportamentos sociais e
trançam ideias, possibilitando repensar o mundo de modo diferenciado do
qual o ocidente colonialista nos legou. (ROCHA, 2016, p.87-88)

Assim, toca-se nas formas de reprodução e símbolos da oralidade africana pós-


diáspora na realidade brasileira uma vez que o ato de trançar é passado de geração a
geração em algumas famílias afro-descendentes. “Do conhecimento produzido pela
oralidade não se estabelece num lugar para dele fazer sua morada, em vez disso se
aprofunda no seio de todo lugar, alguma coisa como não-lugar (u-topos) abrindo à
experiência” (ANTONACCI apud BIDIMA, 2013, p. 23).
Discutir a condição feminina das trancistas e imergir em suas realidades subjetivas
é uma forma de compreender se/como essas mulheres colocam-se quanto à valorização da
cultura afro-brasileira e de que forma assimilam a ideia das tranças como modo de
afirmação social e etno-cultural no contexto pós-diáspora. Afinal, a importância cultural
acerca da prática de trançar ocorre de forma natural ou premeditada? Para Thompson
(2001) “a cultura pode existir sem a consciência de identidade”¹¹.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
GOMES, Nilma Lino. Corpo e cabelo como símbolos da identidade negra.
WOLF, Naomi. O mito da beleza. Editora Rocco: Rio de Janeiro, 1992. 439p.

10
CLEMENTE, Aline. Trança Afro: a cultura do subalterno. São Paulo, Ed. USP, 2010.
¹¹ THOMPSON, John B. Ideologia e Cultura Moderna. São Paulo, Ed. Vozes, 2001.

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